Da Grécia à América Latina.docx

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Da Grécia à América Latina: as dívidas Seria benéfico à Europa entender como Argentina e Equador enfrentaram seus credores em passado recente. Existem alternativas aos “pacotes de austeridade” Por Antonio Barbosa Filho*, em Haia A grande maioria dos economistas não-vinculados às instituições financeiras e bancos internacionais acredita que os pacotes de “ajuda” à Grécia não serão eficientes para resolver o drama de sua dívida soberana. Na verdade, até o presidente do Eurogrupo, que reúne os ministros das Finanças dos 17 países da Zona Euro, Jean-Claude Juncker, já insinua um futuro pacote: “Se a Grécia promover ações efetivas, se a Grécia estiver reduzindo o déficit fiscal, se o programa estiver sendo implementado, não vejo a necessidade de um terceiro pacote do mesmo tamanho”… Na madrugada de 21 de fevereiro, quando anunciaram a liberação de 130 bilhões de euros, as autoridades da chamada “troika” (Banco Central Europeu, FMI e União Europeia) já sabiam que, se tudo correr nos termos pactuados (apenas uma esperança), a dívida da Grécia, que neste ano é de 160% do PIB, cairá para 116 ou 120% em 2020. Ainda será um patamar muito alto para os requisitos do bloco, o que leva o representante do FMI, Paulo Thomsen, a adiantar que a crise da dívida grega certamente adentrará a próxima década. Se todas as medidas até aqui adotadas, com imensos custos sociais para o povo grego (redução do salário mínimo em 20%, demissão de 15 mil funcionários públicos, só no último ajuste em fevereiro), apenas conseguem conter o endividamento e começar a reduzir o montante muito gradualmente, por que as instituições financeiras insistem numa receita que já falhou em casos anteriores? Praticamente o que elas exigem da Grécia é o mesmo que exigiam da Argentina até a crise

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Da Grcia Amrica Latina: as dvidasSeria benfico Europa entender como Argentina e Equador enfrentaram seus credores em passado recente. Existem alternativas aos pacotes de austeridadePor Antonio Barbosa Filho*, em HaiaA grande maioria dos economistas no-vinculados s instituies financeiras e bancos internacionais acredita que os pacotes de ajuda Grcia no sero eficientes para resolver o drama de sua dvida soberana. Na verdade, at o presidente do Eurogrupo, que rene os ministros das Finanas dos 17 pases da Zona Euro, Jean-Claude Juncker, j insinua um futuro pacote: Se a Grcia promover aes efetivas, se a Grcia estiver reduzindo o dficit fiscal, se o programa estiver sendo implementado, no vejo a necessidade de um terceiro pacote do mesmo tamanhoNa madrugada de 21 de fevereiro, quando anunciaram a liberao de 130 bilhes de euros, as autoridades da chamada troika (Banco Central Europeu, FMI e Unio Europeia) j sabiam que, se tudo correr nos termos pactuados (apenas uma esperana), a dvida da Grcia, que neste ano de 160% do PIB, cair para 116 ou 120% em 2020. Ainda ser um patamar muito alto para os requisitos do bloco, o que leva o representante do FMI, Paulo Thomsen, a adiantar que a crise da dvida grega certamente adentrar a prxima dcada.Se todas as medidas at aqui adotadas, com imensos custos sociais para o povo grego (reduo do salrio mnimo em 20%, demisso de 15 mil funcionrios pblicos, s no ltimo ajuste em fevereiro), apenas conseguem conter o endividamento e comear a reduzir o montante muito gradualmente, por que as instituies financeiras insistem numa receita que j falhou em casos anteriores? Praticamente o que elas exigem da Grcia o mesmo que exigiam da Argentina at a crise de 2001, e do Brasil (que no chegou situao to desesperadora, mas esteve beira da moratria em vrios momentos dos anos 80 e 90, tendo que recorrer a emprstimos e programas de ajustes ditados pelo FMI).

Como pergunta o prmio Nobel de Economia Paul Krugman, como podem os pases que esto negando sistematicamente um futuro a sua populao jovem o desemprego juvenil na Irlanda, que antes era mais baixo do que o dos Estados Unidos, agora alcana quase 30%, enquanto est perto dos 50% na Grcia conseguir um crescimento suficiente para pagar sua dvida? Krugman acha que a Grcia est caminhando para o fracasso, e que a ltima medida a ser pensada deve ser a sada do pas da Zona do Euro.Impedida de crescer e submetida a uma espcie de interveno da Unio Europeia e organismos financeiros, a Grcia acabar sendo levada ao incumprimento involuntrio dos acordos firmados nos ltimos dois anos. H um ingrediente de risco moral (moral hazard, como diz o jargo economs) nesta afirmao muito corrente especialmente entre os cidados dos demais pases da Europa. Na Holanda e na Alemanha, o que se ouve nas ruas que a UE no deveria socorrer a Grcia porque isso levar os gregos a relaxarem nas suas medidas corretivas internas. Uma delas, que todos consideram essencial, seria uma reforma fiscal muito drstica: poucos pagam impostos hoje na Grcia, tanto empresas como cidados.O que se comenta nas conversas informais entre pessoas comuns (mas eleitoras e, portanto, temidas pelos respectivos governos que tm cado com uma inquietante frequncia desde 2008) que a criao do fundo de 750 bilhes de euros em 2010 destinado a aplicaes no mercado, estabilizao do Euro e a impedir o crescimento da dvida s gerou mais irresponsabilidade por parte dos gregos, mas tambm dos portugueses, espanhis e italianos. Achando que esto cobertos por um seguro que os acudir na emergncia, esses governos teriam sido relapsos em relao aos gastos e permitido uma perigosa elevao de seus dficits pblicos. o moral hazard.Conexes grecolatinoamericanas Obviamente, as analogias entre a Grcia de hoje, a Argentina de 2001 e o Equador de 2006 so quase impossveis devido s peculiaridades de cada pas e suas histrias e caractersticas econmicas. Mas h um ponto em comum que pode ser levado em conta numa anlise comparativa: as frmulas ditadas pelo FMI, Banco Mundial, instituies financeiras privadas e, no caso grego, tambm pela Unio Europeia e seu Banco Central, vo todas na mesma direo priorizao total ao pagamento da dvida interna e externa mediante radicais cortes de gastos.Foram os cortes em salrios e servios sociais na Argentina que levaram convulso social do final de 2001, quando o pas chegou a ter cinco presidentes em doze dias, e acabou decretando a moratria. O ano de 2002 foi marcado pelo isolamento do pas, e s em 2003 o presidente Nstor Kirschner, empossado em maio, comeou a renegociar a dvida contra a vontade dos credores. Foram dois anos de presses mtuas at o acordo de 2005, aceito com relutncia por 70 a 80% dos credores, que acabaram recebendo em mdia 25% dos ttulos que possuam. A Grcia est recebendo agora um desconto mdio de 53,5% da dvida nominal, mas h quem acredite que os credores no recebero mais do que 25% pelos seus papis.Quanto ao Equador, a soluo encontrada pelo presidente Rafael Correa, quase trs anos depois de sua posse, foi instalar uma comisso de dezoito pessoas e quatro instituies nacionais para auditar os contratos de emprstimos externos e internos contrados entre 1956 e 2006. Depois de 14 meses de trabalho, o Comit de Auditoria da Dvida do Equador concluiu que a maior parte da dvida era ilegtima e o pas simplesmente cancelou 70% dos ttulos a pagar. Convm lembrar que, at 2005, o Equador gastava 50% de seu oramento nacional em pagamento da dvida, enquanto aplicava 4% na Sade e 8% em EducaoAps a rebaixa do total da dvida, o prprio governo, secretamente, foi comprando ttulos da dvida no mercado aplicou 800 milhes de dlares (o Equador utiliza o dlar como sua moeda corrente) para adquirir mais de trs bilhes das dvidas. Com esta aquisio, o pas livrou-se de juros que teria que pagar at 2012 e, em alguns casos, at 2030. Economizou cerca de 7 bilhes de dlares.Quando se discute o caminho adotado pelo Equador que os (ainda) neoliberais chamam de calote e consideram o pior exemplo a ser seguido pela Grcia ou outros pases nas mesmas dificuldades , entra em cena o conceito de dvida odiosa (odious debt), introduzido no jargo econmico por Alexander Sack, em 1927. Segundo ele, o calote legal e moralmente justo quando se preenchem trs requisitos: 1) o governo de um pas recebe emprstimo(s) sem o conhecimento e a aprovao do povo; 2) o dinheiro gasto em atividades que no beneficiam o povo; e 3) os emprestadores tm conhecimento desta situao e fingem ignor-la.Mesmo sendo pouco mencionado pelos economistas, por razes bvias, o conceito de dvida odiosa foi aplicado pela primeira vez pelos Estados Unidos. Quando venceu a guerra contra a Espanha e apossou-se de Cuba, os EUA herdaram as dvidas da ilha com a antiga metrpole. Diante da enormidade dos valores, pois a dvida vinha desde o Descobrimento da Amrica, quatro sculos antes, os EUA a declararam odiosa e simplesmente no a pagaram.Quatro dcadas antes, mas internamente, os republicanos que derrubaram o imperador Maximiliano I, no Mxico, tambm declararam odiosas as dvidas que ele havia assumido em emprstimos feitos justamente para sufocar a revolta. No pagaram nada e fuzilaram o imperador nascido na ustria.Como vemos, a questo das dvidas soberanas que assustam os pases europeus, mas no s eles tem aspectos que fogem um pouco do padro que vemos repetido nos estudos mais convencionais, com repercusso na mdia. Parece que no h alternativas, e que a mesma receita aplicada nos casos da Argentina, do Brasil, do Equador e tantos outros pases, serve agora para a Grcia, como servir para as anunciadas crises de Portugal, Espanha e Itlia. Pode ser que no. Pode ser que esta falsa unanimidade obedea a outros interesses, que no os de realmente buscar uma soluo que poupe o povo grego e permita que o pas se equilibre e retome o desejvel crescimento.Como escreve o consultor e jornalista Beto Veiga, O chavo de que vivemos acima de nossas possibilidades d a ideia de que a crise veio dos pensionistas esbanjarem fortunas em ajantarados ou os operrios passarem o dia sem fazer nada, mas no foi bem isso. () O default de Portugal ou da Grcia vai custar muito aos bancos privados. Mas o prejuzo ir para quem tem poupana nesses bancos e, depois, para os contribuintes que acabam por garantir esses depsitos. Os gestores dos bancos recebero os seus salrios da mesma maneira e ainda alguns bnus por lidarem com a crise. Como se viu nos Estados Unidos, mesmo quando um banco afunda, o sujeito que o afundou aposenta-se rico. Alm disso, as medidas de austeridade desequilibram ainda mais a produo de riquezas, favorecendo os ricos; a contrao da economia prejudica muitos mas aumenta o valor do dinheiro, o que bom para quem o tem; e as falncias e privatizaes criam oportunidades de negcio.(*) Antonio Barbosa Filho jornalista e escritor, autor de A Bolvia de Evo Morales e A Imprensa x Lula golpe ou sangramento? (All Print Editora). Em viagem pela Europa, acompanha as consequncias da crise financeira ps-2008 e da onda corte de direitos sociais (polticas de austeridade) iniciada em 2010