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404 DA FILOSOFIA DA CIÊNCIA À FILOSOFIA DA BIOLOGIA RELATO DA EXPERIÊNCIA NO CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS DA UNESP RIO CLARO Marcia Reami Pechula (Instituto de Biociências UNESP Rio Claro) RESUMO: O texto apresenta a trajetória da experiência docente com a disciplina de Filosofia da Ciência, no curso de Ciências Biológicas do Instituto de Biociências, UNESP-Rio Claro. A descrição volta-se à exposição do propósito da disciplina nos contextos da articulação dos cursos, proposta pela PROGRAD da Instituição, do histórico da disciplina na proposição do PPP do curso e da prática docente em sala de aula. A experiência mostra que a nomenclatura não aprisiona, necessariamente, a apresentação dos conteúdos. Palavras-chave: filosofia da ciência; ensino superior; biologia Introdução A exposição apresenta a trajetória da experiência docente da disciplina de Filosofia da Ciência no curso de Ciências Biológicas, do Instituto de Biociências, da UNESP-Rio Claro. A descrição volta-se à exposição do propósito da disciplina, analisada sob os seguintes contextos: a) articulação dos cursos de ciências biológicas da UNESP, empreendida entre os anos de 2010 e 2012, comandada pela PROGRAD da Instituição; b) histórico da disciplina na proposição do Projeto Político Pedagógico do curso; c) prática docente em sala de aula. A experiência mostra que a nomenclatura não aprisiona, necessariamente, a apresentação dos conteúdos e permite um diálogo profícuo entre a Ciência em seu aspecto geral e a Biologia, enquanto ciência específica. 1. Da articulação dos cursos de ciências Biológicas da UNESP A Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho UNESP possui, atualmente, oito cursos de Ciências Biológicas, ofertados nas modalidades bacharelado e licenciatura: Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal (FCAVJ), Faculdade de Ciências e Letras de Assis (FCLA), Instituto de Biociências de Botucatu (IBB), Instituto de Biociências de Rio Claro (IBRC), Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas de São José do Rio Preto (IBILCE), Faculdade de Ciências e Letras de Bauru (FC), Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira (FEIS), e o Campus do Litoral Paulista (CLP-SV). Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia

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DA FILOSOFIA DA CIÊNCIA À FILOSOFIA DA BIOLOGIA –

RELATO DA EXPERIÊNCIA NO CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS DA UNESP

RIO CLARO

Marcia Reami Pechula (Instituto de Biociências – UNESP Rio Claro)

RESUMO:

O texto apresenta a trajetória da experiência docente com a disciplina de Filosofia da Ciência,

no curso de Ciências Biológicas do Instituto de Biociências, UNESP-Rio Claro. A descrição

volta-se à exposição do propósito da disciplina nos contextos da articulação dos cursos,

proposta pela PROGRAD da Instituição, do histórico da disciplina na proposição do PPP do

curso e da prática docente em sala de aula. A experiência mostra que a nomenclatura não

aprisiona, necessariamente, a apresentação dos conteúdos.

Palavras-chave: filosofia da ciência; ensino superior; biologia

Introdução

A exposição apresenta a trajetória da experiência docente da disciplina de Filosofia da

Ciência no curso de Ciências Biológicas, do Instituto de Biociências, da UNESP-Rio Claro. A

descrição volta-se à exposição do propósito da disciplina, analisada sob os seguintes

contextos: a) articulação dos cursos de ciências biológicas da UNESP, empreendida entre os

anos de 2010 e 2012, comandada pela PROGRAD da Instituição; b) histórico da disciplina na

proposição do Projeto Político Pedagógico do curso; c) prática docente em sala de aula. A

experiência mostra que a nomenclatura não aprisiona, necessariamente, a apresentação dos

conteúdos e permite um diálogo profícuo entre a Ciência em seu aspecto geral e a Biologia,

enquanto ciência específica.

1. Da articulação dos cursos de ciências Biológicas da UNESP

A Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP – possui,

atualmente, oito cursos de Ciências Biológicas, ofertados nas modalidades bacharelado e

licenciatura: Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal (FCAVJ),

Faculdade de Ciências e Letras de Assis (FCLA), Instituto de Biociências de Botucatu (IBB),

Instituto de Biociências de Rio Claro (IBRC), Instituto de Biociências, Letras e Ciências

Exatas de São José do Rio Preto (IBILCE), Faculdade de Ciências e Letras de Bauru (FC),

Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira (FEIS), e o Campus do Litoral Paulista (CLP-SV).

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Até o ano de 2010, todos os campi estruturavam seus cursos autonomamente. Em

2011, por determinação da PROGRAD (Pró-Reitoria de Graduação), os cursos foram

submetidos a um processo de “articulação” das grades curriculares, com o intuito de torná-los

mais aproximados. Os argumentos que fundamentavam essa solicitação eram os de quea

adequação dos cursos: a) permitiria a ampliação da mobilidade dos alunos da Instituição; b)

atenderia às orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais e do CNBio (Conselho

Nacional de Biologia); c) inseriria sua proposta no Plano de Desenvolvimento Institucional

(PDI) da UNESP, para a dimensão graduação, que previa a realização de fóruns das grandes

áreas do saber para definir diretrizes comuns (ARTICULAÇÃO DOS CURSOS DE

CIÊNCIAS BIOLÓGICAS DA UNESP, p. 2).

A articulação dos cursos de Ciências Biológicas da UNESP deveria ainda atender à

legislação específica – alterada à época –, que previa carga horária mínima para a

integralização curricular estabelecida pelo Conselho Nacional de Educação e Resoluções do

Conselho Federal de Biologia para o exercício profissional do Biólogo, além de, no caso da

modalidade licenciatura, legislação específica para a formação de professores da Educação

Básica (idem, p. 3).

Dada a abrangência do número de cursos da Instituição (oito), acomplexidade e

asingularidade de cada um deles, os estudos sobre a articulação estenderam-se por

aproximadamente três anos, entre 2009 e 2011.

Vale dizer, ainda, nestas considerações iniciais, que “articulação” não era entendida pela

Instituição como homogeneização, justaposição ou uniformização. Essa visão, entretanto, é

controversa, pois, em vários campi, a solicitação foi recebida como “engessamento” e

imposição de mudanças que alterariam a identidade do curso. Mas, para a PROGRAD, a

“articulação confere ao curso uma visão de totalidade a fim de se atender à finalidade da

Universidade e aos objetivos dos Cursos de Ciências Biológicas, seja na modalidade

bacharelado seja na modalidade licenciatura” (idem p.3)

Assim, os estudos iniciados em junho de 2009 resultaram em um documento, finalizado

em dezembro de 2011, intitulado “Articulação dos cursos de Ciências Biológicas da

UNESP”, que foi encaminhado pela PROGRAD a todas as coordenações, para que se

implantasse a adequação indicada no documento, que deveria balizar as reformas curriculares

a serem executadas a partir de 2012.

Em vista de tais considerações, o documento intitulado ARTICULAÇÃO DOS

CURSOS DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS DA UNESPindica “formação comum mínima

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desejada para o profissional biólogo na UNESP, assim como o perfil geral do egresso dos

cursos de Ciências Biológicas” (idem, p. 5)

Apesar de a complexidade desse processo demandar amplo estudo e muitas

considerações a respeito de seus resultados, o presente texto limita-se aos resultados em torno

da área de ensino definida como “Fundamentos Filosóficos e Sociais”, que balizam o objetivo

central de expor a experiência da disciplina de Filosofia da Ciência, associada ao contexto da

Biologia.

1.2 dos resultados da área de Fundamentos Filosóficos e Sociais

No processo de articulação dos cursos, as primeiras dificuldades em torno da área de

Fundamentos Filosóficos e Sociais decorreram da grande diversidade das disciplinas

contempladas, associadas à Licenciatura, isto é, tanto as disciplinas de fundamentos, quanto

as disciplinas das licenciaturas reuniam-se em um único grupo. Essas disciplinas, entretanto,

não se reconhecem, necessariamente, como próximas; por isso, inicialmente, não foram

formalmente apresentadas para a plenária do fórum. Foi acordado, então, que os

representantes eleitos dessas áreas, componentes da Comissão Ampliada de Articulação, se

incumbiriam de fazer a proposição do conjunto de disciplinas, a partir da consulta aos seus

pares.

A Comissão da área de Fundamentos Filosóficos e Sociais e a Comissão da

Licenciatura reuniram-se várias vezes, após a realização do grande fórum. Coube a seus

integrantes levarem as contribuições necessárias para a continuidade das discussões e

adequações das disciplinas propostas aos encontros da Comissão. Após as reuniões, foi

apresentada a seguinte proposta ao fórum de articulação:

A área de fundamentos, em decorrência do pequeno número de participantes,

esteve reunida em conjunto com a área das disciplinas pedagógicas no fórum

das licenciaturas; e juntamente com essa área compartilhou das reflexões ali

desenvolvidas. Na plenária, mediante a solicitação da apresentação de um

conjunto de disciplinas, foi apresentada a proposta encaminhada pelo

campus de Botucatu, representado pelo prof. Dr. Alfredo Pereira Júnior.

Nesse encontro, decidiu-se ratificar a proposta de um número mínimo de 8

(oito) créditos para a área de Fundamentos, por acreditar que a área das

humanidades traz contribuições significativas à formação do biólogo. A

proposta, entretanto, não indica que o conjunto das disciplinas deva ser o

mesmo em todos os cursos, mas sugerem propostas em torno dos

conhecimentos mais caros à formação do biólogo. Indica-se que o conjunto

das disciplinas deverá ser contemplado pelos conhecimentos e conteúdos de

Filosofia da Ciência/Biologia; Fundamentos das Ciências Humanas,

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Ética, Bioética; Legislação e, metodologias da pesquisa científica (Ofício

encaminhado à Comissão do Fórum de articulação dos cursos de Ciências

Biológicas da UNESP).

O fórum acatou, na íntegra, a proposta da comissão. O quadro abaixo descreve o resultado

final das disciplinas que deveriam compreender a área de Fundamentos Filosóficos e Sociais,

que já pertencia à grade curriculardo curso de Ciências Biológicas de Botucatu.

Fonte: Articulação dos cursos de Ciências Biológicas da UNESP, p. 43.

Dessa forma, todos os cursos de Ciências Biológicas da UNESP deveriam adequar-se

às orientações do Fórum, seguindo o quadro de disciplinas proposto.

Chama-se aqui a atenção para a disciplina de História e Filosofia da Biologia (2

créditos), que deveria substituir a disciplina Filosofia da Ciência, presente nos demais cursos

da UNESP.

FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS E SOCIAIS

História e Filosofia da Biologia - 2 créditos

Conteúdos essenciais:

Caracterização do conhecimento científico; apontamentos sobre história da biologia; os principais biólogos,

suas realizações, seu contexto histórico-social. Os paradigmas científicos da ciência na modernidade e

contemporaneidade. Estatuto das teorias biológicas, como elas são utilizadas para explicar os fenômenos da

vida.

Bioética e Legislação – 2 créditos

Conteúdos essenciais:

Avaliação de modos de fazer ciência, considerados corretos ou incorretos pela comunidade científica; em

particular, da exigência de reprodutibilidade (atitude desejável) e da ocorrência de fraudes (atitude

condenável). Princípios da Bioética e sua aplicação na área biológica. Questionamento a respeito da

utilização do conhecimento científico na sociedade atual, em particular frente à sua aplicação tecnológica e

consequente impacto sobre a natureza.

Fundamentos de Ciências Humanas – 2 créditos

Conteúdos essenciais:

Natureza e especificidades das ciências humanas e naturais. Apreciação dos conceitos e teorias

fundamentais de cada ciência humana. Breve revisão das principais ciências humanas e de suas relações

com os fenômenos biológicos.

4) Metodologia Científica – 2 créditos

Conteúdos essenciais:

A importância do processo metodológico na pesquisa científica; organização e estruturação da pesquisa

científica; a escolha das bases teóricas (fundamentos) da pesquisa; definição e processo de coleta de

dados; o processo da análise dos dados; a apresentação dos resultados. Pesquisa teórica e empírica.

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Ao longo dos anos de 2012 e 2013 os cursos de Ciências Biológicas da UNESP

efetuaram o processo de adequação solicitado pelo documento de Articulação dos cursos de

Ciências Biológicas da UNESP. O curso do campus de Rio Claro, entretanto, optou por um

caminho diferente e não atendeu à proposta de articulação, mantendo o curso no formato

curricular estabelecido desde 2006.

1. Considerações sobre o Projeto Político Pedagógico do Curso de Ciências

Biológicas da UNESP- Rio Claro

O texto do Projeto Político Pedagógico do Curso de Ciências Biológicas da UNESP-

Rio Claro, afirma que o curso

está inserido nas orientações da RES. 227 (18/08/2010), do Conselho

Nacional de Biologia (CNBio), que “dispõe sobre a regulamentação das

Atividades Profissionais e as Áreas de Atuação do Biólogo, em Meio

Ambiente e Biodiversidade, Saúde e, Biotecnologia e Produção, para efeito

de fiscalização do exercício profissional”, das Diretrizes Curriculares

Nacionais para os cursos de Ciências Biológicas, RES. CNE/CES/2002 e nos

Projetos Político Pedagógicos (PPP) dos cursos de Ciências Biológicas da

UNESP (PPP Ciências Biológicas do Instituto de Biociências de Rio Claro,

p.2).

O Curso de Ciências Biológicas da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita

Filho, campus de Rio Claro, teve início em janeiro de 1977, “ancorado pelo Instituto

Biociências (substituindo a F.F.C.L. de Rio Claro, criada em 1971)”. Sofreu a primeira

reforma curricular em 1997 “que permitia aos alunos formação em duas modalidades

(bacharelado e licenciatura), com apenas um vestibular” (idem p.3). A terceira reforma

curricular ocorreu em 2006, com a finalidade de atender às deliberações das Diretrizes

Curriculares, fruto das orientações do CEE e da LDBEN 9394/1996. Segundo o PPP, o curso

“tenta dar conta do salto de conhecimento vivido pela Biologia”(PPP, p.3).

Nesse sentido, o curso está voltado ao atendimento da formação do profissional

Biólogo, bacharel ou licenciado, e se propõe a:

Oferecer experiências e atividades acadêmico-científico-culturais

diversificadas, possibilitando aos formandos compreender os processos de

organização da vida através do tempo e a ação de pressões seletivas,

resultando em processos evolutivos e em padrões de diversidade; identificar

as complexas relações de interdependência entre os seres vivos e destes com

o meio ambiente; compreender os fundamentos básicos da investigação

científica, entendendo-os como frutos do processo histórico de produção do

conhecimento das Ciências Biológicas, considerando a evolução

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epistemológica dos modelos explicativos e a conjugação de fatores

econômicos, políticos, sociais, culturais e tecnológicos no processo de

produção de saberes socialmente construídos, dessa área do conhecimento;

utilizar os conhecimentos elaborados durante a sua experiência discente para

compreender e transformar o contexto sócio-político e desenvolver a prática

profissional, alinhada com os princípios da democracia e com atitudes de

respeito à diversidade étnica e cultural e à biodiversidade; atuar em equipes

profissionais multi e interdisciplinares, assumindo uma postura de

flexibilidade e disponibilidade para mudanças contínuas, reconhecendo os

seus compromissos corporativos, como parte de uma categoria profissional e

considerando os aspectos éticos, sociais e epistemológicos de sua prática

profissional. (PPP, p. 4)

A fim de obter o atendimento do que é proposto no PPP, o curso visa auma “formação

básica de cunho generalista, ao mesmo tempo em que busca minimizar a dicotomia histórica

entre o Bacharelado e a Licenciatura” (PPP, p. 5).

Os quadros abaixo apresentam a distribuição da estrutura curricular e das áreas de

ensino na grade curricular.

Quadro 1 - Estrutura curricular geral do Curso de Ciências Biológicas.

Licenciatura

Créditos

Carga Horária Bacharelado

Créditos

Carga Horária

Núcleo Comum 166 2.490 166 2.490

Especificidade da Licenciatura 84* 1.260

Especificidade do Bacharelado 56* 840

TCC 8 120 24 360

AACC 14 210 14 210

Total 272 4.080 260 3.900

Fonte: PPP do curso de Ciências Biológicas da UNESP Rio Claro, p. 5

QUADRO 2 – Relação das disciplinas comuns à Licenciatura e ao Bacharelado, conforme eixos

de conteúdos básicos propostos pelas Diretrizes Curriculares para o curso de Ciências

Biológicas. EIXOS DE CONTEÚDOS BÁSICOS / DISCIPLINAS CRÉDITOS HORAS

BIOLOGIA CELULAR, MOLECULAR E EVOLUÇÃO

Evolução 4 60

Biologia Celular 6 90

Embriologia 4 60

Histologia 4 60

Biofísica 4 60

Bioquímica Estrutural 4 60

Bioquímica Metabólica 4 60

Genética 4 60

Genética Molecular 4 60

Imunologia 4 60

ECOLOGIA

Ecologia de Populações 4 60

Ecologia de Comunidades 4 60

Ecossistemas 4 60

Legislação Ambiental 2 30

DIVERSIDADE BIOLÓGICA

Princípios de Sistemática e Evolução 2 30

Invertebrados I 4 60

Invertebrados II 4 60

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Morfologia de Órgãos Vegetativos 4 60

Morfologia de Órgãos Reprodutivos 4 60

Sistemática de Criptogramas 4 60

Sistemática de Fanerógamas 4 60

Vertebrados I 4 60

Vertebrados II 4 60

Microbiologia 4 60

Paleobiologia 4 60

Parasitologia 4 60

Anatomia Humana 4 60

Fisiologia Animal I 4 60

Fisiologia Animal II 4 60

Fisiologia do Desenvolvimento Vegetal 4 60

Fisiologia do Metabolismo e Transporte em Plantas 4 60

Fisiologia Humana 2 30

Comportamento Animal 4 60

FUNDAMENTOS DASCIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA

Matemática Aplicada 4 60

Bioestatística 4 60

Física Geral e Experimental 4 60

Geologia 4 60

Química Geral e Inorgânica 4 60

Química Orgânica e Analítica 4 60

FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS E SOCIAIS

Filosofia da Ciência 2 30

PCC 1-Biologia: a Ciência e o Biólogo na Sociedade 3 45

PCC 2-Biologia e os Desafios Políticos, Sociais e Culturais 3 45

PCC 3-Biologia e Ética 3 45

PCC 4-o Biólogo como Educador e Professor 3 45

ATIVIDADES ACADÊMICO-CIENTÍFICO-CULTURAIS

(AACC)

14 210

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO (TCC) * *

Total 180 2.700

*O TCC para o Bacharelado possui uma carga horária de 360 h (24 créditos) e para a Licenciatura de 120 h (8

créditos).

Fonte: PPP, p. 9-10

Os quadros apresentados demonstram que o campus de Rio Claro não atendeu às

solicitações do documento de Articulação dos cursos de Ciências Biológicas da UNESP e,

portanto, a disciplina de Filosofia da Ciência, foi mantida com a mesma nomenclatura do

currículo vigente desde 2006.

Cabe destacar que o curso sofreu uma reforma curricular em 2014, com o início do novo

curso em 2015, que mudou apenas a grade da Licenciatura, para atendimento da “Deliberação

CEE n.111/2012, alterada pela Deliberação CEEn.126/2014, que fixa diretrizes curriculares

complementares para a formação de docentes para a educação básica nos cursos de pedagogia

normal superior e licenciaturas, oferecidos pelos estabelecimentos de ensino superior

vinculados ao sistema estadual” (PPP, p. 3).

Nesse sentido, o objeto da exposição da experiência em pauta direciona-se à leitura

dos trabalhos desenvolvidos na disciplina de Filosofia da Ciência que, desde a reforma

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curricular de 2006, possui 2 créditos para concluir seu conteúdo. Essa experiência será

relatada no próximo item, mantendo-se, portanto, limitada à leitura do curso de bacharel.

2. A disciplina Filosofia da Ciência do curso de Ciências Biológicas na UNESP Rio

Claro – a Ciência e a Biologia em diálogo

A disciplina Filosofia da Ciência, como já mencionado, pertence à esfera dos

fundamentos filosóficos e sociais da formação do bacharel em Ciências Biológicas. Nesse

sentido, ela deve contribuir para a formação dos ”fundamentos básicos da investigação

científica, entendendo-os como frutos do processo histórico de produção do conhecimento das

Ciências Biológicas, considerando a evolução epistemológica dos modelos explicativos e a

conjugação de fatores econômicos, políticos, sociais, culturais e tecnológicos no processo de

produção de saberes, socialmente construídos, dessa área do conhecimento” (PPP, p. 4).

Com esse intuito, a ementa da disciplina prevista na grade curricular atual define os

seguintes conteúdos: “O problema do conhecimento. O conhecimento científico, sua

produção, natureza e método. Caracterização da filosofia da ciência e suas possibilidades

lógico-históricas. Ciência contemporânea: controvérsias nas relações entre ciência, história

e epistemologia” (PROGRAMA DA DISCIPLINA). Tal ementa persegue os seguintes

objetivos: “discutir com os alunos os fundamentos epistemológicos e metodológicos do

conhecimento científico e contextualizar a filosofia da ciência, com a finalidade de oferecer

elementos para o exercício reflexivo acerca do conhecimento humano, sobretudo aquele

que diz respeito à ciência em geral, e à Biologia, em particular; estimular o debate em torno

das controvérsias presentes no campo científico, na sociedade contemporânea, e a

elaboração de projetos temáticos voltados à formação do biólogo enquanto cientista e

professor de ensino de ciências”.

No intuito de atender tanto à ementa quanto aos objetivos, os conteúdos

programáticos da disciplina estão voltados à apresentação das teorias que trabalham a

compreensão da Ciência, em geral, e da Biologia, em particular. Nessa perspectiva, os

conteúdos previstos para se pensar a Biologia enquanto uma ciência autônoma (MAYR,

2005) privilegiam a teorização em torno do conceito e/ou definição da Vida, enquanto

objeto de estudos da Biologia.

Percebe-se que a proposição da disciplina Filosofia da Ciência, nessa perspectiva,

aproxima-se daquela prevista no documento de Articulação dos cursos de Ciências

Biológicas da UNESP, que indica para ela, nomeada como História e Filosofia da

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Biologia (30 h/a), a seguinte ementa: “revisão do conhecimento biológico ao longo do

tempo, possibilitando ao aluno conhecer os principais biólogos, suas realizações, seu

contexto histórico-social e a evolução do pensamento biológico, conduzindo a um melhor

entendimento do estado atual do conhecimento biológico, assim como da dinâmica dos

paradigmas científicos e programas de pesquisa. Estatuto das teorias biológicas, como elas

são utilizadas para explicar os fenômenos da vida”.

2.1 Vida: considerações filosóficas em torno do conceito no campo da ciência

Assim, com o propósito de conduzir os alunos a reflexões mais profundas em torno do

objeto central de estudo da Biologia – a Vida –, a disciplina tem oferecido a produção teórica

empreendida por biólogos, a fim de defender a necessidade decontinuidade da produção

epistemológica empreendida pela comunidade científica dos biólogos; ou seja, a proposição

tal como exposta por E. Mayr (2008), de que cabe aos biólogos responder às perguntas do tipo

“o que”, “como” e “porque”, que atribuem à Biologia a tarefa de compreender filosoficamente

a ciência biológica.

O roteiro proposto pela disciplina reúne, então, a produção empreendida no século XX

que visa à exposição dos conceitos e/definições que sustentam epistemologicamente a

Biologia, enquanto a ciência da vida.

É evidente que não há, aqui, propósito de formulação – no sentido de dar a fórmula –

de resposta para a indagação, uma vez que ela se insere na experiência histórico-cultural da

humanidade. O roteiro teórico, apresentado aos alunos do segundo ano do curso de Ciências

Biológicas, defende que a indagação a respeito do que é vida, mesmo que não possa ser

respondida enquanto fenômeno universal, mantém sua pertinência por constituir a base da

investigação epistemológica da Biologia.

A exposição proposta na disciplina tem como ponto de partida a obra O que é Vida?

de Erwin Schrödinger (1887-1961), publicada em 1944 e que constitui um marco a todos

aqueles que, por algum motivo, retomaram a pergunta, em décadas mais recentes, com o

intuito de ampliar o conhecimento no campo da ciência.

A bibliografia básica compreende asobras: Biologia – ciência única, de E. Mayr

(2005) e Isto é Biologia, do mesmo autor (2008);O que é Vida?Para entender a biologia do

século XXI, de Charbel Niño El-Hani e Augusto Passos Videira (2005); O que é Vida? de

Lynn Margulis &Dorion Sagan (2002).

A bibliografia complementar de Kuhn (1992) e Feyerabend (2006) representa um

marco na discussão sobre a caracterização do conhecimento científico. Suas obras, por

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caminhos distintos, conferem credibilidade à condição histórico-cultural da ciência,

concebendo-a na esfera de comunidades científicas, orientadas por diferentes concepções. O

repertório bibliográfico inclui, ainda, as variações epistemológicas das ciências fundadas nos

contextos histórico-culturais de Fourez (de 1995), Latour (1994) e Stangers (1993). A partir

dessas abordagens, o foco da disciplina destina-se à tarefa de “aprofundar a análise

epistemológica do problema de definir „vida‟, explorando a compreensão de como definições

são construídas dentro de paradigmas científicos” (El-Hani, Videira,2005, p. 32).

Numa perspectiva filosófica, pode-se afirmar que a investigação científica constitui

sempre um “fio de Ariadne”; ou seja, há um caminho complexo a ser percorrido, que deverá

dar conta tanto do aspecto empírico (demonstração laboratorial), quanto do aspecto teórico e

epistemológico (construção do fundamento). Essa tarefa desafiadora para a construção de toda

e qualquer definição científica deve ser assumida pelos cientistas. Teóricos como El-Hani e

Videira (2005), Margulis & Sagan (2002), ao assumirem tal compromisso, produzem e

ampliam o corpus teórico da Biologia, estimulando a dimensão filosófica dessa ciência, ao

mesmo tempo que contribuem para a justificativa da pertinência da indagação.

Considerações finais

A leitura desses textos permite pelo menos duas considerações que fomentam o

debate junto aos alunos: a primeira remete à pergunta – o que é Vida? – ainda muito

instigante e que envolve muitos cidadãos interessados, que produzem um vasto número de

textos orientados e dirigidos a diversas preocupações de caráter científico, ético, ambiental e

religioso, entre outros. A segunda, decorrente da primeira, é a de que a indagação não tem

sido uma preocupação restrita apenas a uma área de conhecimento – a Biologia, no caso –

mas a várias outras áreas de conhecimento, “seduzidas” por essa preocupação. Embora o

diálogo entre essas áreas possa promover reflexões interessantes, o estudo empreendido na

disciplina permanece voltado para o campo científico.

A essas considerações, acrescenta-se o desafio de tornar a investigação

epistemológica atraente aos estudantes e pesquisadores das Ciências Biológicas. A

experiência docente vivenciada pela autora deste texto dá testemunho desse desafio. Com

frequência, os alunos da graduação questionam a necessidade de aporte epistemológico sobre

a definição de vida para a experiência na área,acreditando ser simples a resposta à pergunta

“O que é Biologia?”, mas “fogem” da busca pela reposta à indagação “O que é Vida?”.

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Essa postura, entretanto, tem fundamento, posto que a investigação científica,

desde a clássica obra O que é Vida?de Schrödinger (1944), expõe a problemática escolha

entre a pesquisa em seu âmbito particular (laboratorial) e o teórico-epistemológico. Na

introdução, ele expõe o problema, presente até hoje, no interior da comunidade científica:

“temos o desejo do conhecimento unificado e abrangente” – talvez um resquício da herança

aristotélica – mas, ao mesmo tempo, o acúmulo do conhecimento acarreta um dilema entre o

conhecimento universal e o particular. E acrescenta que

o caráter universal tem sido o único a que se dá total crédito. Mas o

alargamento nos singulares últimos cem anos das múltiplas ramificações do

conhecimento, tanto em extensão quanto em profundidade, confrontou-nos

com um difícil dilema. Sentimos claramente que só agora começamos a

adquirir material confiável para reunir tudo o que se sabe em uma só

totalidade. Mas, por outro lado, tornou-se quase impossível para uma só

mente dominar por completo mais que uma pequena porção especializada

desse conhecimento (SCHRÖDINGER, 1997, p. 15).

Passados mais de 60 anos, essas palavras ainda pertinentes e presentes resumem, sem

necessidade de qualquer “atualização”, o ainda grande problema enfrentado no campo

acadêmico-científico. Assim, estudos das referências aqui citadas reúnemo vasto

conhecimento sobre o que é vida tanto no âmbito da ontodefinição, quanto no âmbito dos

conhecimentos específicos.

Pensando na necessidade de formar o profissional da área de ciências biológicas – o

pesquisador (conhecimento específico) e o docente – defendem,na disciplina, que a formação

desse profissional deverá atender a ambas as necessidades. Assim, um curso de Ciências

Biológicas deve dar conta das esferas específicas do conhecimento da vida, assim como do

campo da ontodefinição.

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