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DA FILOSOFIA DA CIÊNCIA À FILOSOFIA DA BIOLOGIA –
RELATO DA EXPERIÊNCIA NO CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS DA UNESP
RIO CLARO
Marcia Reami Pechula (Instituto de Biociências – UNESP Rio Claro)
RESUMO:
O texto apresenta a trajetória da experiência docente com a disciplina de Filosofia da Ciência,
no curso de Ciências Biológicas do Instituto de Biociências, UNESP-Rio Claro. A descrição
volta-se à exposição do propósito da disciplina nos contextos da articulação dos cursos,
proposta pela PROGRAD da Instituição, do histórico da disciplina na proposição do PPP do
curso e da prática docente em sala de aula. A experiência mostra que a nomenclatura não
aprisiona, necessariamente, a apresentação dos conteúdos.
Palavras-chave: filosofia da ciência; ensino superior; biologia
Introdução
A exposição apresenta a trajetória da experiência docente da disciplina de Filosofia da
Ciência no curso de Ciências Biológicas, do Instituto de Biociências, da UNESP-Rio Claro. A
descrição volta-se à exposição do propósito da disciplina, analisada sob os seguintes
contextos: a) articulação dos cursos de ciências biológicas da UNESP, empreendida entre os
anos de 2010 e 2012, comandada pela PROGRAD da Instituição; b) histórico da disciplina na
proposição do Projeto Político Pedagógico do curso; c) prática docente em sala de aula. A
experiência mostra que a nomenclatura não aprisiona, necessariamente, a apresentação dos
conteúdos e permite um diálogo profícuo entre a Ciência em seu aspecto geral e a Biologia,
enquanto ciência específica.
1. Da articulação dos cursos de ciências Biológicas da UNESP
A Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP – possui,
atualmente, oito cursos de Ciências Biológicas, ofertados nas modalidades bacharelado e
licenciatura: Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal (FCAVJ),
Faculdade de Ciências e Letras de Assis (FCLA), Instituto de Biociências de Botucatu (IBB),
Instituto de Biociências de Rio Claro (IBRC), Instituto de Biociências, Letras e Ciências
Exatas de São José do Rio Preto (IBILCE), Faculdade de Ciências e Letras de Bauru (FC),
Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira (FEIS), e o Campus do Litoral Paulista (CLP-SV).
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Até o ano de 2010, todos os campi estruturavam seus cursos autonomamente. Em
2011, por determinação da PROGRAD (Pró-Reitoria de Graduação), os cursos foram
submetidos a um processo de “articulação” das grades curriculares, com o intuito de torná-los
mais aproximados. Os argumentos que fundamentavam essa solicitação eram os de quea
adequação dos cursos: a) permitiria a ampliação da mobilidade dos alunos da Instituição; b)
atenderia às orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais e do CNBio (Conselho
Nacional de Biologia); c) inseriria sua proposta no Plano de Desenvolvimento Institucional
(PDI) da UNESP, para a dimensão graduação, que previa a realização de fóruns das grandes
áreas do saber para definir diretrizes comuns (ARTICULAÇÃO DOS CURSOS DE
CIÊNCIAS BIOLÓGICAS DA UNESP, p. 2).
A articulação dos cursos de Ciências Biológicas da UNESP deveria ainda atender à
legislação específica – alterada à época –, que previa carga horária mínima para a
integralização curricular estabelecida pelo Conselho Nacional de Educação e Resoluções do
Conselho Federal de Biologia para o exercício profissional do Biólogo, além de, no caso da
modalidade licenciatura, legislação específica para a formação de professores da Educação
Básica (idem, p. 3).
Dada a abrangência do número de cursos da Instituição (oito), acomplexidade e
asingularidade de cada um deles, os estudos sobre a articulação estenderam-se por
aproximadamente três anos, entre 2009 e 2011.
Vale dizer, ainda, nestas considerações iniciais, que “articulação” não era entendida pela
Instituição como homogeneização, justaposição ou uniformização. Essa visão, entretanto, é
controversa, pois, em vários campi, a solicitação foi recebida como “engessamento” e
imposição de mudanças que alterariam a identidade do curso. Mas, para a PROGRAD, a
“articulação confere ao curso uma visão de totalidade a fim de se atender à finalidade da
Universidade e aos objetivos dos Cursos de Ciências Biológicas, seja na modalidade
bacharelado seja na modalidade licenciatura” (idem p.3)
Assim, os estudos iniciados em junho de 2009 resultaram em um documento, finalizado
em dezembro de 2011, intitulado “Articulação dos cursos de Ciências Biológicas da
UNESP”, que foi encaminhado pela PROGRAD a todas as coordenações, para que se
implantasse a adequação indicada no documento, que deveria balizar as reformas curriculares
a serem executadas a partir de 2012.
Em vista de tais considerações, o documento intitulado ARTICULAÇÃO DOS
CURSOS DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS DA UNESPindica “formação comum mínima
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desejada para o profissional biólogo na UNESP, assim como o perfil geral do egresso dos
cursos de Ciências Biológicas” (idem, p. 5)
Apesar de a complexidade desse processo demandar amplo estudo e muitas
considerações a respeito de seus resultados, o presente texto limita-se aos resultados em torno
da área de ensino definida como “Fundamentos Filosóficos e Sociais”, que balizam o objetivo
central de expor a experiência da disciplina de Filosofia da Ciência, associada ao contexto da
Biologia.
1.2 dos resultados da área de Fundamentos Filosóficos e Sociais
No processo de articulação dos cursos, as primeiras dificuldades em torno da área de
Fundamentos Filosóficos e Sociais decorreram da grande diversidade das disciplinas
contempladas, associadas à Licenciatura, isto é, tanto as disciplinas de fundamentos, quanto
as disciplinas das licenciaturas reuniam-se em um único grupo. Essas disciplinas, entretanto,
não se reconhecem, necessariamente, como próximas; por isso, inicialmente, não foram
formalmente apresentadas para a plenária do fórum. Foi acordado, então, que os
representantes eleitos dessas áreas, componentes da Comissão Ampliada de Articulação, se
incumbiriam de fazer a proposição do conjunto de disciplinas, a partir da consulta aos seus
pares.
A Comissão da área de Fundamentos Filosóficos e Sociais e a Comissão da
Licenciatura reuniram-se várias vezes, após a realização do grande fórum. Coube a seus
integrantes levarem as contribuições necessárias para a continuidade das discussões e
adequações das disciplinas propostas aos encontros da Comissão. Após as reuniões, foi
apresentada a seguinte proposta ao fórum de articulação:
A área de fundamentos, em decorrência do pequeno número de participantes,
esteve reunida em conjunto com a área das disciplinas pedagógicas no fórum
das licenciaturas; e juntamente com essa área compartilhou das reflexões ali
desenvolvidas. Na plenária, mediante a solicitação da apresentação de um
conjunto de disciplinas, foi apresentada a proposta encaminhada pelo
campus de Botucatu, representado pelo prof. Dr. Alfredo Pereira Júnior.
Nesse encontro, decidiu-se ratificar a proposta de um número mínimo de 8
(oito) créditos para a área de Fundamentos, por acreditar que a área das
humanidades traz contribuições significativas à formação do biólogo. A
proposta, entretanto, não indica que o conjunto das disciplinas deva ser o
mesmo em todos os cursos, mas sugerem propostas em torno dos
conhecimentos mais caros à formação do biólogo. Indica-se que o conjunto
das disciplinas deverá ser contemplado pelos conhecimentos e conteúdos de
Filosofia da Ciência/Biologia; Fundamentos das Ciências Humanas,
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Ética, Bioética; Legislação e, metodologias da pesquisa científica (Ofício
encaminhado à Comissão do Fórum de articulação dos cursos de Ciências
Biológicas da UNESP).
O fórum acatou, na íntegra, a proposta da comissão. O quadro abaixo descreve o resultado
final das disciplinas que deveriam compreender a área de Fundamentos Filosóficos e Sociais,
que já pertencia à grade curriculardo curso de Ciências Biológicas de Botucatu.
Fonte: Articulação dos cursos de Ciências Biológicas da UNESP, p. 43.
Dessa forma, todos os cursos de Ciências Biológicas da UNESP deveriam adequar-se
às orientações do Fórum, seguindo o quadro de disciplinas proposto.
Chama-se aqui a atenção para a disciplina de História e Filosofia da Biologia (2
créditos), que deveria substituir a disciplina Filosofia da Ciência, presente nos demais cursos
da UNESP.
FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS E SOCIAIS
História e Filosofia da Biologia - 2 créditos
Conteúdos essenciais:
Caracterização do conhecimento científico; apontamentos sobre história da biologia; os principais biólogos,
suas realizações, seu contexto histórico-social. Os paradigmas científicos da ciência na modernidade e
contemporaneidade. Estatuto das teorias biológicas, como elas são utilizadas para explicar os fenômenos da
vida.
Bioética e Legislação – 2 créditos
Conteúdos essenciais:
Avaliação de modos de fazer ciência, considerados corretos ou incorretos pela comunidade científica; em
particular, da exigência de reprodutibilidade (atitude desejável) e da ocorrência de fraudes (atitude
condenável). Princípios da Bioética e sua aplicação na área biológica. Questionamento a respeito da
utilização do conhecimento científico na sociedade atual, em particular frente à sua aplicação tecnológica e
consequente impacto sobre a natureza.
Fundamentos de Ciências Humanas – 2 créditos
Conteúdos essenciais:
Natureza e especificidades das ciências humanas e naturais. Apreciação dos conceitos e teorias
fundamentais de cada ciência humana. Breve revisão das principais ciências humanas e de suas relações
com os fenômenos biológicos.
4) Metodologia Científica – 2 créditos
Conteúdos essenciais:
A importância do processo metodológico na pesquisa científica; organização e estruturação da pesquisa
científica; a escolha das bases teóricas (fundamentos) da pesquisa; definição e processo de coleta de
dados; o processo da análise dos dados; a apresentação dos resultados. Pesquisa teórica e empírica.
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Ao longo dos anos de 2012 e 2013 os cursos de Ciências Biológicas da UNESP
efetuaram o processo de adequação solicitado pelo documento de Articulação dos cursos de
Ciências Biológicas da UNESP. O curso do campus de Rio Claro, entretanto, optou por um
caminho diferente e não atendeu à proposta de articulação, mantendo o curso no formato
curricular estabelecido desde 2006.
1. Considerações sobre o Projeto Político Pedagógico do Curso de Ciências
Biológicas da UNESP- Rio Claro
O texto do Projeto Político Pedagógico do Curso de Ciências Biológicas da UNESP-
Rio Claro, afirma que o curso
está inserido nas orientações da RES. 227 (18/08/2010), do Conselho
Nacional de Biologia (CNBio), que “dispõe sobre a regulamentação das
Atividades Profissionais e as Áreas de Atuação do Biólogo, em Meio
Ambiente e Biodiversidade, Saúde e, Biotecnologia e Produção, para efeito
de fiscalização do exercício profissional”, das Diretrizes Curriculares
Nacionais para os cursos de Ciências Biológicas, RES. CNE/CES/2002 e nos
Projetos Político Pedagógicos (PPP) dos cursos de Ciências Biológicas da
UNESP (PPP Ciências Biológicas do Instituto de Biociências de Rio Claro,
p.2).
O Curso de Ciências Biológicas da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho, campus de Rio Claro, teve início em janeiro de 1977, “ancorado pelo Instituto
Biociências (substituindo a F.F.C.L. de Rio Claro, criada em 1971)”. Sofreu a primeira
reforma curricular em 1997 “que permitia aos alunos formação em duas modalidades
(bacharelado e licenciatura), com apenas um vestibular” (idem p.3). A terceira reforma
curricular ocorreu em 2006, com a finalidade de atender às deliberações das Diretrizes
Curriculares, fruto das orientações do CEE e da LDBEN 9394/1996. Segundo o PPP, o curso
“tenta dar conta do salto de conhecimento vivido pela Biologia”(PPP, p.3).
Nesse sentido, o curso está voltado ao atendimento da formação do profissional
Biólogo, bacharel ou licenciado, e se propõe a:
Oferecer experiências e atividades acadêmico-científico-culturais
diversificadas, possibilitando aos formandos compreender os processos de
organização da vida através do tempo e a ação de pressões seletivas,
resultando em processos evolutivos e em padrões de diversidade; identificar
as complexas relações de interdependência entre os seres vivos e destes com
o meio ambiente; compreender os fundamentos básicos da investigação
científica, entendendo-os como frutos do processo histórico de produção do
conhecimento das Ciências Biológicas, considerando a evolução
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epistemológica dos modelos explicativos e a conjugação de fatores
econômicos, políticos, sociais, culturais e tecnológicos no processo de
produção de saberes socialmente construídos, dessa área do conhecimento;
utilizar os conhecimentos elaborados durante a sua experiência discente para
compreender e transformar o contexto sócio-político e desenvolver a prática
profissional, alinhada com os princípios da democracia e com atitudes de
respeito à diversidade étnica e cultural e à biodiversidade; atuar em equipes
profissionais multi e interdisciplinares, assumindo uma postura de
flexibilidade e disponibilidade para mudanças contínuas, reconhecendo os
seus compromissos corporativos, como parte de uma categoria profissional e
considerando os aspectos éticos, sociais e epistemológicos de sua prática
profissional. (PPP, p. 4)
A fim de obter o atendimento do que é proposto no PPP, o curso visa auma “formação
básica de cunho generalista, ao mesmo tempo em que busca minimizar a dicotomia histórica
entre o Bacharelado e a Licenciatura” (PPP, p. 5).
Os quadros abaixo apresentam a distribuição da estrutura curricular e das áreas de
ensino na grade curricular.
Quadro 1 - Estrutura curricular geral do Curso de Ciências Biológicas.
Licenciatura
Créditos
Carga Horária Bacharelado
Créditos
Carga Horária
Núcleo Comum 166 2.490 166 2.490
Especificidade da Licenciatura 84* 1.260
Especificidade do Bacharelado 56* 840
TCC 8 120 24 360
AACC 14 210 14 210
Total 272 4.080 260 3.900
Fonte: PPP do curso de Ciências Biológicas da UNESP Rio Claro, p. 5
QUADRO 2 – Relação das disciplinas comuns à Licenciatura e ao Bacharelado, conforme eixos
de conteúdos básicos propostos pelas Diretrizes Curriculares para o curso de Ciências
Biológicas. EIXOS DE CONTEÚDOS BÁSICOS / DISCIPLINAS CRÉDITOS HORAS
BIOLOGIA CELULAR, MOLECULAR E EVOLUÇÃO
Evolução 4 60
Biologia Celular 6 90
Embriologia 4 60
Histologia 4 60
Biofísica 4 60
Bioquímica Estrutural 4 60
Bioquímica Metabólica 4 60
Genética 4 60
Genética Molecular 4 60
Imunologia 4 60
ECOLOGIA
Ecologia de Populações 4 60
Ecologia de Comunidades 4 60
Ecossistemas 4 60
Legislação Ambiental 2 30
DIVERSIDADE BIOLÓGICA
Princípios de Sistemática e Evolução 2 30
Invertebrados I 4 60
Invertebrados II 4 60
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Morfologia de Órgãos Vegetativos 4 60
Morfologia de Órgãos Reprodutivos 4 60
Sistemática de Criptogramas 4 60
Sistemática de Fanerógamas 4 60
Vertebrados I 4 60
Vertebrados II 4 60
Microbiologia 4 60
Paleobiologia 4 60
Parasitologia 4 60
Anatomia Humana 4 60
Fisiologia Animal I 4 60
Fisiologia Animal II 4 60
Fisiologia do Desenvolvimento Vegetal 4 60
Fisiologia do Metabolismo e Transporte em Plantas 4 60
Fisiologia Humana 2 30
Comportamento Animal 4 60
FUNDAMENTOS DASCIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA
Matemática Aplicada 4 60
Bioestatística 4 60
Física Geral e Experimental 4 60
Geologia 4 60
Química Geral e Inorgânica 4 60
Química Orgânica e Analítica 4 60
FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS E SOCIAIS
Filosofia da Ciência 2 30
PCC 1-Biologia: a Ciência e o Biólogo na Sociedade 3 45
PCC 2-Biologia e os Desafios Políticos, Sociais e Culturais 3 45
PCC 3-Biologia e Ética 3 45
PCC 4-o Biólogo como Educador e Professor 3 45
ATIVIDADES ACADÊMICO-CIENTÍFICO-CULTURAIS
(AACC)
14 210
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO (TCC) * *
Total 180 2.700
*O TCC para o Bacharelado possui uma carga horária de 360 h (24 créditos) e para a Licenciatura de 120 h (8
créditos).
Fonte: PPP, p. 9-10
Os quadros apresentados demonstram que o campus de Rio Claro não atendeu às
solicitações do documento de Articulação dos cursos de Ciências Biológicas da UNESP e,
portanto, a disciplina de Filosofia da Ciência, foi mantida com a mesma nomenclatura do
currículo vigente desde 2006.
Cabe destacar que o curso sofreu uma reforma curricular em 2014, com o início do novo
curso em 2015, que mudou apenas a grade da Licenciatura, para atendimento da “Deliberação
CEE n.111/2012, alterada pela Deliberação CEEn.126/2014, que fixa diretrizes curriculares
complementares para a formação de docentes para a educação básica nos cursos de pedagogia
normal superior e licenciaturas, oferecidos pelos estabelecimentos de ensino superior
vinculados ao sistema estadual” (PPP, p. 3).
Nesse sentido, o objeto da exposição da experiência em pauta direciona-se à leitura
dos trabalhos desenvolvidos na disciplina de Filosofia da Ciência que, desde a reforma
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curricular de 2006, possui 2 créditos para concluir seu conteúdo. Essa experiência será
relatada no próximo item, mantendo-se, portanto, limitada à leitura do curso de bacharel.
2. A disciplina Filosofia da Ciência do curso de Ciências Biológicas na UNESP Rio
Claro – a Ciência e a Biologia em diálogo
A disciplina Filosofia da Ciência, como já mencionado, pertence à esfera dos
fundamentos filosóficos e sociais da formação do bacharel em Ciências Biológicas. Nesse
sentido, ela deve contribuir para a formação dos ”fundamentos básicos da investigação
científica, entendendo-os como frutos do processo histórico de produção do conhecimento das
Ciências Biológicas, considerando a evolução epistemológica dos modelos explicativos e a
conjugação de fatores econômicos, políticos, sociais, culturais e tecnológicos no processo de
produção de saberes, socialmente construídos, dessa área do conhecimento” (PPP, p. 4).
Com esse intuito, a ementa da disciplina prevista na grade curricular atual define os
seguintes conteúdos: “O problema do conhecimento. O conhecimento científico, sua
produção, natureza e método. Caracterização da filosofia da ciência e suas possibilidades
lógico-históricas. Ciência contemporânea: controvérsias nas relações entre ciência, história
e epistemologia” (PROGRAMA DA DISCIPLINA). Tal ementa persegue os seguintes
objetivos: “discutir com os alunos os fundamentos epistemológicos e metodológicos do
conhecimento científico e contextualizar a filosofia da ciência, com a finalidade de oferecer
elementos para o exercício reflexivo acerca do conhecimento humano, sobretudo aquele
que diz respeito à ciência em geral, e à Biologia, em particular; estimular o debate em torno
das controvérsias presentes no campo científico, na sociedade contemporânea, e a
elaboração de projetos temáticos voltados à formação do biólogo enquanto cientista e
professor de ensino de ciências”.
No intuito de atender tanto à ementa quanto aos objetivos, os conteúdos
programáticos da disciplina estão voltados à apresentação das teorias que trabalham a
compreensão da Ciência, em geral, e da Biologia, em particular. Nessa perspectiva, os
conteúdos previstos para se pensar a Biologia enquanto uma ciência autônoma (MAYR,
2005) privilegiam a teorização em torno do conceito e/ou definição da Vida, enquanto
objeto de estudos da Biologia.
Percebe-se que a proposição da disciplina Filosofia da Ciência, nessa perspectiva,
aproxima-se daquela prevista no documento de Articulação dos cursos de Ciências
Biológicas da UNESP, que indica para ela, nomeada como História e Filosofia da
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Biologia (30 h/a), a seguinte ementa: “revisão do conhecimento biológico ao longo do
tempo, possibilitando ao aluno conhecer os principais biólogos, suas realizações, seu
contexto histórico-social e a evolução do pensamento biológico, conduzindo a um melhor
entendimento do estado atual do conhecimento biológico, assim como da dinâmica dos
paradigmas científicos e programas de pesquisa. Estatuto das teorias biológicas, como elas
são utilizadas para explicar os fenômenos da vida”.
2.1 Vida: considerações filosóficas em torno do conceito no campo da ciência
Assim, com o propósito de conduzir os alunos a reflexões mais profundas em torno do
objeto central de estudo da Biologia – a Vida –, a disciplina tem oferecido a produção teórica
empreendida por biólogos, a fim de defender a necessidade decontinuidade da produção
epistemológica empreendida pela comunidade científica dos biólogos; ou seja, a proposição
tal como exposta por E. Mayr (2008), de que cabe aos biólogos responder às perguntas do tipo
“o que”, “como” e “porque”, que atribuem à Biologia a tarefa de compreender filosoficamente
a ciência biológica.
O roteiro proposto pela disciplina reúne, então, a produção empreendida no século XX
que visa à exposição dos conceitos e/definições que sustentam epistemologicamente a
Biologia, enquanto a ciência da vida.
É evidente que não há, aqui, propósito de formulação – no sentido de dar a fórmula –
de resposta para a indagação, uma vez que ela se insere na experiência histórico-cultural da
humanidade. O roteiro teórico, apresentado aos alunos do segundo ano do curso de Ciências
Biológicas, defende que a indagação a respeito do que é vida, mesmo que não possa ser
respondida enquanto fenômeno universal, mantém sua pertinência por constituir a base da
investigação epistemológica da Biologia.
A exposição proposta na disciplina tem como ponto de partida a obra O que é Vida?
de Erwin Schrödinger (1887-1961), publicada em 1944 e que constitui um marco a todos
aqueles que, por algum motivo, retomaram a pergunta, em décadas mais recentes, com o
intuito de ampliar o conhecimento no campo da ciência.
A bibliografia básica compreende asobras: Biologia – ciência única, de E. Mayr
(2005) e Isto é Biologia, do mesmo autor (2008);O que é Vida?Para entender a biologia do
século XXI, de Charbel Niño El-Hani e Augusto Passos Videira (2005); O que é Vida? de
Lynn Margulis &Dorion Sagan (2002).
A bibliografia complementar de Kuhn (1992) e Feyerabend (2006) representa um
marco na discussão sobre a caracterização do conhecimento científico. Suas obras, por
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caminhos distintos, conferem credibilidade à condição histórico-cultural da ciência,
concebendo-a na esfera de comunidades científicas, orientadas por diferentes concepções. O
repertório bibliográfico inclui, ainda, as variações epistemológicas das ciências fundadas nos
contextos histórico-culturais de Fourez (de 1995), Latour (1994) e Stangers (1993). A partir
dessas abordagens, o foco da disciplina destina-se à tarefa de “aprofundar a análise
epistemológica do problema de definir „vida‟, explorando a compreensão de como definições
são construídas dentro de paradigmas científicos” (El-Hani, Videira,2005, p. 32).
Numa perspectiva filosófica, pode-se afirmar que a investigação científica constitui
sempre um “fio de Ariadne”; ou seja, há um caminho complexo a ser percorrido, que deverá
dar conta tanto do aspecto empírico (demonstração laboratorial), quanto do aspecto teórico e
epistemológico (construção do fundamento). Essa tarefa desafiadora para a construção de toda
e qualquer definição científica deve ser assumida pelos cientistas. Teóricos como El-Hani e
Videira (2005), Margulis & Sagan (2002), ao assumirem tal compromisso, produzem e
ampliam o corpus teórico da Biologia, estimulando a dimensão filosófica dessa ciência, ao
mesmo tempo que contribuem para a justificativa da pertinência da indagação.
Considerações finais
A leitura desses textos permite pelo menos duas considerações que fomentam o
debate junto aos alunos: a primeira remete à pergunta – o que é Vida? – ainda muito
instigante e que envolve muitos cidadãos interessados, que produzem um vasto número de
textos orientados e dirigidos a diversas preocupações de caráter científico, ético, ambiental e
religioso, entre outros. A segunda, decorrente da primeira, é a de que a indagação não tem
sido uma preocupação restrita apenas a uma área de conhecimento – a Biologia, no caso –
mas a várias outras áreas de conhecimento, “seduzidas” por essa preocupação. Embora o
diálogo entre essas áreas possa promover reflexões interessantes, o estudo empreendido na
disciplina permanece voltado para o campo científico.
A essas considerações, acrescenta-se o desafio de tornar a investigação
epistemológica atraente aos estudantes e pesquisadores das Ciências Biológicas. A
experiência docente vivenciada pela autora deste texto dá testemunho desse desafio. Com
frequência, os alunos da graduação questionam a necessidade de aporte epistemológico sobre
a definição de vida para a experiência na área,acreditando ser simples a resposta à pergunta
“O que é Biologia?”, mas “fogem” da busca pela reposta à indagação “O que é Vida?”.
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Essa postura, entretanto, tem fundamento, posto que a investigação científica,
desde a clássica obra O que é Vida?de Schrödinger (1944), expõe a problemática escolha
entre a pesquisa em seu âmbito particular (laboratorial) e o teórico-epistemológico. Na
introdução, ele expõe o problema, presente até hoje, no interior da comunidade científica:
“temos o desejo do conhecimento unificado e abrangente” – talvez um resquício da herança
aristotélica – mas, ao mesmo tempo, o acúmulo do conhecimento acarreta um dilema entre o
conhecimento universal e o particular. E acrescenta que
o caráter universal tem sido o único a que se dá total crédito. Mas o
alargamento nos singulares últimos cem anos das múltiplas ramificações do
conhecimento, tanto em extensão quanto em profundidade, confrontou-nos
com um difícil dilema. Sentimos claramente que só agora começamos a
adquirir material confiável para reunir tudo o que se sabe em uma só
totalidade. Mas, por outro lado, tornou-se quase impossível para uma só
mente dominar por completo mais que uma pequena porção especializada
desse conhecimento (SCHRÖDINGER, 1997, p. 15).
Passados mais de 60 anos, essas palavras ainda pertinentes e presentes resumem, sem
necessidade de qualquer “atualização”, o ainda grande problema enfrentado no campo
acadêmico-científico. Assim, estudos das referências aqui citadas reúnemo vasto
conhecimento sobre o que é vida tanto no âmbito da ontodefinição, quanto no âmbito dos
conhecimentos específicos.
Pensando na necessidade de formar o profissional da área de ciências biológicas – o
pesquisador (conhecimento específico) e o docente – defendem,na disciplina, que a formação
desse profissional deverá atender a ambas as necessidades. Assim, um curso de Ciências
Biológicas deve dar conta das esferas específicas do conhecimento da vida, assim como do
campo da ontodefinição.
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Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3
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