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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4 Cadernos PDE VOLUME I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE

VOLU

ME I

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ENSINO DE HISTÓRIA A PARTIR DA REALIDADE PRÓXIMA

Ademar Ferreira Mendes1

RESUMO

Este artigo descreve os resultados da implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica, do Programa de Desenvolvimento Educacional, turma de História de 2009, promovido pela SEED-PR, em parceria com a Universidade Estadual de Ponta Grossa. O projeto foi implementado junto a vinte e um alunos de 7ª série do Colégio Estadual de Guaraúna – EFM, situado na sede do distrito de Guaraúna, no Município de Teixeira Soares, Paraná. De acordo com o projeto, o ensino de história nas escolas do campo, aconteceu a partir da sua realidade, através de estudo do meio, com o apoio de textos que discutem a vida dos homens no campo em outros períodos da história do Brasil, possibilitando a reflexão sobre a relação presente/ passado. Produziu-se um caderno pedagógico mesclando tais textos e reflexões com atividades a serem cumpridas com a visita a um assentamento da reforma agrária. A metodologia do estudo feito a partir das atividades com os alunos envolveu a concepção de pesquisa-ação para a aplicação das atividades correspondentes ao caderno pedagógico. Os resultados apontaram para a percepção, por parte dos alunos, de uma realidade diversa daquela imaginada em sala de aula, pois os livros didáticos de História, produzidos para todo o país, deixam em segundo plano o meio local no qual os alunos se constroem como sujeitos da história.

Palavras-chave: História; Estudo do meio; Educação; Aluno do campo.

ABSTRACT

This article describes the results of the implementation of Pedagogical Intervention Project, inside the Educational Development Program, class of 2009, titled History-teaching Story from Near Reality, promoted by the Paraná’s State Secretary for Education, in partnership with the State University of Ponta Grossa. The project was implemented involving twenty-one students of 7th series (correspondent to Middle School) of Guaraúna State College, located in the central area of the District of Guaraúna, in the municipality of Teixeira Soares, Paraná. According to the project, the teaching of history in country schools, happened from their reality throughout environment studies, with support of texts that discusses the lives of country men in other periods of the Brazil’s history, allowing their reflection on the relationship of 1Professor PDE 2009 Formado em História pela UEPG. Orientador: Prof. Luis Fernando Cerri, Departamento de História da UEPG.

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past and present. A pedagogical notebook was made including these texts and activities that would be completed by students with a visitation to a settlement of landless agricultural laborers. The study’s methodology involved the concept of action-research, focused on the students’ application of the activities at the pedagogical notebook. The results pointed to the perception, by the students, of a different reality to that imagined in the classroom, because the textbooks of history, produced for all the country, relegate the background to the local environment in which students build themselves as historical agents.

Keywords: History; Environment Study; Education; Country students.

INTRODUÇÃO

Este texto se refere à implementação do projeto Ensino de História a partir da

Realidade Próxima, parte do Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado

do Paraná, em parceria com a Universidade de Ponta Grossa.

Os cadernos temáticos sobre a educação do campo da SEED/PR enfatizam a

importância de se valorizar os saberes, a cultura, os movimentos sociais do campo,

bem como que a escola do campo deve ter os mesmos materiais, as mesmas

estruturas da escola da cidade, no entanto a realidade presente é diferente do

discurso apresentado pelo documento. O acesso a escola do campo continua difícil

devido à falta de manutenção das estradas que dão acesso a ela, bem como a

precariedade dos ônibus. Apesar dos entraves é necessário continuar lutando para

que a educação do campo seja tão eficiente como a de qualquer cidade para que os

alunos que nela estudam possam ter as mesmas oportunidades.

Consideramos que a realidade local é um item fundamental para que a

educação do campo atinja seus objetivos. Para Bittencourt (2004, p.172):

A história do “lugar” como objeto de estudo ganha necessariamente, contornos temporais e espaciais. Não se trata, portanto, ao de proporem conteúdos escolares da história local, de entendê-los apenas na história do presente ou de determinado passado, mas de procurar identificar a dinâmica do lugar, as transformações do espaço, e articular esse processo às relações externas, a outros “lugares”.

O Estudo do Meio, como uma abordagem ao estudo de cotidianos, enfoca

preferencialmente a questão do conhecimento da cultura local numa perspectiva de

construção de sociedade em um determinado espaço, pontuando os modos de vida,

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tanto no presente como no passado recente e remoto, enfatizando as

transformações e suas consequências, bem como as permanências.

O foco deste estudo é o contexto vivencial dos alunos e seus familiares na

sociedade e cultura locais, possibilitando a construção de conhecimentos

pesquisados e elaborados pelos alunos segundo suas percepções. Como

abordagem metodológica, a construção de conhecimento por parte dos alunos será

estudada na perspectiva da pesquisa-ação.

A CONTRIBUIÇÃO DO ESTUDO DO MEIO PARA O ENSINO DE HISTÓRIA

No transcorrer da história da humanidade, o meio imediato que rodeia o

homem teve significação especial, e foi fonte de motivação e abordagem na

transmissão de conhecimentos de uma geração a outra. O estudo da localidade se

reveste de extrema importância para todo o processo docente educativo de forma

geral e de modo especial para os sujeitos e objetos deste processo - no caso os

alunos, professores, e demais componentes da comunidade - porque eles

constituem a fonte fundamental de informação atualizada e retroalimentam-se dos

resultados obtidos pelo coletivo ou por cada estudante.

Deste modo este estudo busca romper com o modelo tradicional de ensino por

meio de uma proposta que tenha como base o meio social do educando, tendo

como marco teórico o projeto de educação libertadora desenvolvido pelo ilustre

educador Paulo Freire.

Nas palavras de Cerri (2001, p.102):

Produzir a identidade coletiva, e dentro dela uma consciência histórica específica e com ela sintonizada é um dado essencial a qualquer grupo humano que pretende sua continuidade. Decorre disso que, considerando essa necessidade como universal, as formas de produzir essa liga sejam diferentes e adaptadas às condições do grupo que tenhamos em tela.

O ensino de história partindo da história local tem como objetivos levar o

educando a descobrir-se como sujeito histórico, capaz de reescrever a história sob a

sua ótica, ao contrário da história oficial que foi escrita sob a ótica dos vencedores

dando a entender que só eles têm história. A história oficial mitifica a realidade

pregando a incapacidade das massas populares, que na verdade encontram-se

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historicamente proibidas de ser. E só através do desvela mento da realidade na qual

estão inseridas poderão aventurar-se na luta pela superação da opressão.

Tal colocação corrobora com o exposto por Paulo Freire (2000b, p. 29):

... o saber da História como possibilidade e não como determinação. O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da História, mas seu sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura, da política, constato não para me adaptar, mas para mudar.

Todavia o estudo da história a partir do meio social do educando com certeza

poderá ser um grande aliado das massas populares nessa luta por liberdade, pois

fundamentados nessa proposta educadores e educadoras juntamente com

educandos e educandas em comunhão com as massas poderão ocupar o lugar de

sujeitos da história.

Nas palavras de Lopes (s/d, p 5):

O trabalho com a História Local em espaços menores pode facilitar o estabelecimento de continuidades e de diferenças, evidências de mudanças, dos conflitos e das permanências. Esse mesmo trabalho no ensino de História pode ser um instrumento apto para construção de uma História mais plural, menos homogênea, que não oculte ou mascare as especificidades. Pode também facilitar a construção de problematizações, a apreensão de várias histórias lidas a partir de diferentes sujeitos históricos, das histórias silenciadas, histórias que não tiveram acesso à História.

Um destes problemas diz respeito aos espaços e à demarcação das

territorialidades pelos sujeitos que nesses espaços constroem ou desconstroem

suas subjetividades. Desta forma, a sala de aula se insere como um desses

espaços nos quais as relações entre os sujeitos ocorrem de modo exclusivo, Haja

visto que estas relações são espontâneas e portanto desprovidas de intenções

preconcebidas, mas caraterizadas por serem relações de intensos significados. Por

isso, os atores deste espaço, ou seja, professor e aluno, no caso específico o

professor de história e seu aluno, sustentam relações nem sempre amistosas, nas

quais, e na maioria das vezes o docente situa como seu território tendo por alicerce

o conhecimento que detém.

A escola, mais especificamente a sala de aula, é um desses espaços onde

as relações entre os sujeitos são experimentadas e vivenciadas de forma única, pois

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é um lugar de relações de força, de sensibilidades e sociabilidades, de densidade e

de intensidade. Os sujeitos que nesse espaço se situam professor e aluno, aqui

mais especificamente o professor de história e seu aluno mantêm relações

conflituosas, onde o primeiro, na maioria das vezes, demarca seu território em

termos de poder e saber.

Por possuir – saberes, hábitos, valores, modos de pensar, estratégias de

dominação e resistências, critérios de seleção constitutivos da chamada “cultura

escolar”, a escola é dotada de dinâmica própria, não se limitando apenas em fazer

uma seleção entre os saberes culturais, os conteúdos disponíveis num dado

momento; ela também realiza um trabalho de reorganização, reestruturação dos

saberes, uma transposição, didática (FONSECA, 2003). Além do que, o professor de

história, num determinado contexto escolar, tem a capacidade de fazer emergir o

plural, a memória daqueles que tradicionalmente não têm direito à história, unindo as

amarras do presente e do passado, num processo ativo de desalienação. Todavia,

este mesmo professor, pode também, inconsciente ou de modo deliberado, agir ao

contrário, apenas perpetuando mitos e estereótipos da memória dominante

(FONSECA, 2003).

De acordo com Schmidt e Cainelli (2004), as atividades com o estudo do meio

e da localidade são indicadas como renovadoras para o ensino de História e

importantes para o desenvolvimento da aprendizagem. Assim, algumas questões

precisam ser levantadas ao propor o uso da História Local no ensino de História. A

primeira delas seria a observação no que diz respeito a uma determinada realidade

local, pois a mesma não contém em si própria, a chave de sua explicação, porque os

problemas sociais, políticos, culturais de uma localidade se explicam, também, pela

relação com outras localidades, outros países e, até mesmo, por processos

históricos mais amplos. E em segundo plano, ao propor o ensino de História Local,

não se pode esquecer de que, no atual processo de mundialização e de

globalização, é importante que a construção de uma identidade tenha marcos de

referência relacionais, que devem ser conhecidos e situados como o local, o

nacional, o latino-americano, o ocidental e, por fim, o mundial.

Enfim, segundo o que nos informa Schmidt (2004), é importante que o estudo

da História Local sirva para oferecer e para enriquecer as várias explicações da

História Geral e não destruí-la. O trabalho com conteúdos referentes à História Local

pode produzir a inserção do aluno na comunidade da qual faz parte, criar suas

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próprias historicidades e identidades. Vale mencionarmos que o estudo com a

História Local ajuda a gerar atitudes investigativas, criadas com base no cotidiano do

aluno, além de ajudá-lo a refletir acerca do sentido da realidade social na qual está

inserido.

O reconhecimento de que as pessoas que vivem no campo têm direito a uma

educação diferenciada daquela oferecida a quem vive nas cidades é recente e

inovador, e ganhou força a partir da instituição, pelo Conselho Nacional de

Educação, das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do

Campo. Esse reconhecimento extrapola a noção de espaço geográfico e

compreende as necessidades culturais, os direitos sociais e a formação integral

desses indivíduos.

A legislação educacional apresenta uma vasta base para a instituição de

políticas públicas voltadas às pessoas que vivem e trabalham no campo. A LDB 18,

em seu art. 28, estabelece que a oferta de educação básica para a população rural

seja adequada às peculiaridades da vida rural de cada região. Já o art. 5º da

Resolução CNE/CEB nº 01/02 exige que as propostas pedagógicas das escolas do

campo contemplem a diversidade do campo em todos os seus aspectos: sociais,

culturais, políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia (BRASIL, 2008).

“O campo compreendido a partir do conceito de territorialidade é o lugar marcado pelo humano e pela diversidade cultural, étnico-racial, pela multiplicidade de geração e recriação de saberes, de conhecimentos que são organizados com lógicas diferentes, de lutas, de mobilização social, de estratégias de sustentabilidade. É espaço emancipatório quando associado à construção da democracia e de solidariedade de lutas pelo direito à terra, à educação, à saúde, à organização da produção e pela preservação da vida. Assim, o desenvolvimento humano e o fortalecimento do capital social, por meio dos vínculos sociais, culturais e de relações de pertencimento a um determinado lugar como um espaço vivido, são imprescindíveis para o desenvolvimento territorial sustentável.” (BRASIL, 2008).

Na maioria das vezes, o aluno do campo, concebe o preconceito segundo o

qual a cidade é o lugar do moderno e que o campo é do atraso, considerando-se

como pessoas dotadas de cultura inferior ao morador do espaço urbano. Por isso,

os usos e costumes, festas e tradições dos povos do campo não são mais

preservados, por serem considerados desprovidos de cultura. Além do mais, as

escolas do campo apresentam estruturas inferiores á das cidades, reforçando a

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ideia de inferioridade, que somada ao descaso e a falta de políticas públicas que

melhorem a educação no campo, acaba por estigmatizar as populações rurais...

É importante ressaltar que já existem preceitos legais que asseguram à população do campo a escola como direito, vinculada a cultura e ao seu contexto. Estes preceitos requerem uma política pública para o campo, pensada a partir da centralidade do sujeito, e não dos interesses econômicos, das necessidades do capital, no sentido da mão-de-obra qualificada para oferecer ou adotar as técnicas e os insumos para a produção (SCHWENDLER, apud CADERNOS TEMÁTICOS PARA EDUCAÇÃO DO CAMPO, 2004, p.43)

Uma possibilidade de superar a seletividade dos conteúdos de história e

recolocar o professor como centro na condução do processo de ensino-

aprendizagem, é que propomos trabalhar com a História Oral com o intuito de

aprofundar o conhecimento histórico dos estudantes, bem como aproximar os

estudantes de sua comunidade. A opção teórica estará amparada na ideia de

História Oral proposta por Paul Thompson (2002), em A voz do passado.

Neste ponto vale acrescentar a teoria apresentada por Fonseca (2009, p. 123),

quando diz:

Ensinar e aprender história local e do cotidiano é parte do processo de (re) construção das identidades individuais e coletivas, a meu ver, fundamental para que os sujeitos possam se situar, compreender e intervir no espaço local em que vivem como cidadãos críticos.

Deste modo, a história oral possibilita ao aluno a compreensão de que a história

não é um objeto impalpável, desprovido de sentido, mas algo composto por pessoas

e seus respectivos sentimentos. Neste sentido, Thompson (2002, p.30) afirma: “pelo

sentimento de descoberta nas entrevistas, o meio ambiente imediato também

adquire uma dimensão histórica viva: uma percepção viva do passado, o qual não é

apenas conhecido, mas sentido pessoalmente”.

Entende-se assim que para Thompson (2002),a história oral é uma história que

se constrói em meio a pessoas, resinificando a própria história, ampliando o seu

alcance. Necessário ainda se faz ressaltar que a história oral, muito mais que

privilegiar a história diretamente da fonte, possibilita a existência de sujeitos da

história, oriundos das camadas populares, que a partir de então passam a fazer

parte da história, não como meros coadjuvantes, mas como sujeitos ativos,

participantes, que interferem de modo favorável na sociedade, promovendo a

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transformação para melhor. Assim sendo, a História Oral, incentiva educador e

educando a uma relação epistemológica onde ambos se apresentam como sujeitos.

De acordo com os Cadernos Temáticos para a Educação do Campo da

Secretaria de Educação do Paraná (2004), existe uma vasta discussão sobre a vida

no campo, as lutas camponesas e como o sistema capitalista se relaciona com o

camponês, enfatizando que ele é compreendido por sua base familiar, no entanto é

um sujeito historicamente subalterno e luta contra a exploração.

Segundo Schwendler (apud CADERNOS TEMÁTICOS PARA EDUCAÇÃO DO

CAMPO 2004, p. 43):

É importante ressaltar que já existem preceitos legais que asseguram à população do campo a escola como direito, vinculada a cultura e ao seu contexto. Estes preceitos requerem uma política pública para o campo, pensada a partir da centralidade do sujeito, e não dos interesses econômicos, das necessidades do capital, no sentido da mão-de-obra qualificada para oferecer ou adotar as técnicas e os insumos para a produção.

Nessa perspectiva, entende-se que as políticas voltadas para a valorização

da educação do campo, não podem ficar apenas a nível teórico, mas sim,

traduzirem-se em prática docente.

É preciso que os alunos compreendam que a trama da História não se

configura apenas como resultado da ação de políticos e governantes, consagradas

pelos interesses explicativos de grupos, mas sim a construção consciente/

inconsciente, contínua e sutil de todos os agentes sociais, individuais ou coletivos. A

história ensinada nas salas de aula deve assim revelar que os sujeitos históricos

podem ser todos aqueles que, localizados em contextos históricos diferentes no

espaço e no tempo, exprimem suas especificidades e características, sendo líderes

de lutas para transformações (ou permanências) mais amplas ou de situações mais

cotidianas, que atuam em grupo, ou isoladamente, e que produzem para si ou para

uma coletividade, como as pessoas comuns que compõem a sociedade.

É com o intuito de recuperar a história das pessoas comuns que o projeto

implementado se voltou para a história local – o meio – do aluno do campo. O

trabalho com a história local pode ser instrumento idôneo para a construção de uma

história mais plural menos homogênea, que não silencie a multiplicidade de vozes

dos diferentes sujeito da História.

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Para se conceber uma educação a partir do campo e para o campo, é

necessário mobilizar e colocar em xeque ideias e conceitos há muito estabelecidos

pelo senso comum.

Mais do que isso, é preciso desconstruir paradigmas, preconceitos e

injustiças, a fim de reverter às desigualdades educacionais, historicamente

construídas, entre campo e cidade.

METODOLOGIA DO ESTUDO: A TEORIA NA PRÁTICA

Após breve fundamentação a respeito da temática, passamos á metodologia

do estudo, que adotou a pesquisa-ação para a aplicação das atividades

correspondentes ao caderno pedagógico elaborado para a implementação do

projeto de intervenção, que foi o caminho para o ingresso no PDE, em maio de

2009.

Em seguida ao início do curso, o projeto foi construído de acordo com as

normas do curso, e postado no SACIR para servir de embasamento teórico do

Grupo de Trabalho em rede, realizado junto a professores da rede estadual de

ensino do Paraná.

Primeiramente o mesmo foi apresentado à direção do estabelecimento de

ensino a fim de legitimar as ações contidas no mesmo, e sua consequente

aprovação. Em um segundo momento, houve a sensibilização dos alunos da 7ª série

envolvidos no projeto, quanto a importância da temática em estudo, apresentado

dados informativos sobre a questão do homem do campo, provendo subsídios de

orientação com a finalidade inseri-lo no contexto educacional de acordo com a

realidade atual apresentada em nossa escola.

Depois da apresentação do tema para os alunos, foi elaborado um

questionário estruturado com perguntas relacionadas ao assunto em estudo, por

meio do qual os alunos entrevistaram seus pais e pessoas da comunidade

questionando como adquiriram a propriedade onde moram, como vivem nela e como

se relacionam entre si.

Posteriormente às entrevistas, os alunos foram levados pelo professor para

visitar as pequenas propriedades (assentamento Ernesto Che Guevara), momento

em que os alunos entrevistaram os assentados sobre a aquisição do lote e o modo

de produção praticado, os alunos entrevistaram alguns proprietários a cerca do

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modo como se deu a posse pela terra, como é a relação de trabalho bem como as

relações sociais das pessoas que vivem no assentamento. Prosseguindo, foi

realizado um seminário sobre o tema em estudo, onde os alunos expuseram as suas

considerações sobre o que viram. Durante o seminário, com as informações da

realidade presente do cotidiano do contexto familiar do aluno do campo, o professor

fez abordagens comparativas de como se deu a posse pela propriedade nos tempos

atuais e como era a posse, as relações de trabalho e poder no período do Brasil

colônia. Como vivem os trabalhadores nos dias de hoje e como viviam os

trabalhadores nos séculos XVI a XIX. Foi enfatizada a relação presente/ passado e

vice-versa.

Os educandos participantes do projeto elaboraram textos sobre o problema

em estudo, com orientação do professor. Também foram utilizados os recursos

tecnológicos como a TV multimídia, filmes - Narradores de Javé - leitura, discussão

e interpretação de textos que abordaram as relações de trabalho e poder no Brasil

colônia fazendo um contraponto com a situação que os alunos observaram. Foi

elaborado um caderno pedagógico com questões relativas ao meio em que vivem os

alunos participantes do projeto, através de uma investigação dos conhecimentos

prévios, obtidos informalmente por meio de entrevistas junto a pessoas da

comunidade.

Para se deslocar até o assentamento foi utilizado o transporte escolar cedido

pela Prefeitura Municipal de Teixeira Soares. As saídas a campo foram no período

da manhã para facilitar a participação de todos os alunos da 7ª série, em algumas

quartas e sextas-feiras, dias em que o professor PDE não tinha aula com nenhuma

turma, para não prejudicar as atividades da escola. Apenas uma terça-feira à tarde

fomos ao assentamento para visitar a escola das séries iniciais, pois só funciona no

período da tarde e dos 21 alunos do projeto, apenas 11 puderam comparecer.

ANÁLISE DOS RESULTADOS

Os problemas e as potencialidades do ensino-aprendizagem de história não

estão restritos à relação professor – aluno na sala de aula, mas envolvem o meio em

que o aluno e o professor vivem, os conhecimentos e opiniões que circulam em suas

família, na igreja ou outras instituições que frequentam e nos meios de comunicação

de massa aos quais têm acesso.

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No dia em que o seminário foi realizado, faltaram na classe os alunos do

assentamento, que faziam parte do projeto, por conta de problemas de transporte.

Primeiramente os alunos falaram que é longa distância até a escola, o assentamento

é muito grande e as famílias bem dispersas, o que dificultou nas entrevistas que

eram feitas às pressas para dar tempo de retornar à escola. Disseram que a maioria

das moradias tem conservação precária e falta de trabalho para todos.

Um aluno observou que quase todos os moradores do assentamento tem

carro, mas que as placas não são de Teixeira Soares, são de outras cidades do

Paraná, na opinião do aluno “a impressão que fica é que eles não se sentem

teixeira-soarenses”.

Nesse momento todos os alunos queriam falar ao mesmo tempo, pois

consideraram que os moradores em geral não estavam a vontade para dar as

entrevistas, e que devido à pressa de alguns pouca coisa conseguiam anotar.

A História Oral, para Thompson, é uma história construída em torno de pessoas,

lançando vida para dentro da própria história, alargando o seu campo de ação, pois

houve um tempo que a História Oral não era valorizada. Não se trabalhava com esta

fonte, pois entendia-se a história como verdade absoluta, por isso devia

fundamentar-se nas fontes escritas oficiais, as quais eram oriundas da classe

dominante. Hoje parte-se do princípio que todos constroem a história independente

da classe social. Os povos do campo, os assentados do Che Guevara relataram em

suas entrevistas as lutas, as alegrias e angustias pela posse da terra, falaram de

suas preocupações e as perspectivas de futuro. Enfatizaram que a educação é a

base para o desenvolvimento de uma nação, falaram com entusiasmo de seus filhos

estudarem no Colégio de Guaraúna o qual está inserido no campo e situado próximo

a uma realidade que eles vivenciam.

Prosseguindo um outro aluno pediu a palavra e disse ter ficado penalizado em

algumas entrevistas, pois apesar de o entrevistado demonstrar vontade em

responder, a emoção transparecia nas pessoas que acabavam quase chorando. Isto

constrangeu bastante os alunos.

Corroborando com a colocação de Thompson, Cabrini et ali (1994, p. 33),

afirmam:” Levantar a problemática vivenciada pelos diferentes sujeitos significa dar-

lhes voz, confrontar suas propostas, fazer emergir suas contradições”.

Na opinião dos alunos, falta política assistencial para os moradores, pois

muitos trabalham de sol a sol e só não estão em melhores condições de vida por

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falta disto. Exemplo disso é uma das moradoras que ali está desde a fase do

acampamento e que saudou todas as suas dívidas com o INCRA e ficou por muito

tempo sozinho só com os filhos pequenos, pois seu marido faleceu. Outros alunos já

entendem que o que falta por parte dos assentados é organização, pois reclamam

que a estrada está ruim, mas não se unem para pedir aos órgãos competentes que

as arrume.

A visão de História Oral de Thompson (2002, p.22) é a seguinte:

A história oral não é necessariamente um instrumento de mudança; isso depende do espírito com que seja utilizada. Não obstante, a história oral pode certamente ser um meio de transformar tanto o conteúdo quanto a finalidade da história. Pode ser utilizada para alterar o enfoque da própria história e revelar novos campos de investigação; pode derrubar barreiras que existam entre professores e alunos, entre gerações, entre instituições educacionais e mundo exterior; e na produção da história – seja em livros, museus, rádio ou cinema – pode devolver às pessoas que fizeram e vivenciaram a história lugar fundamental, mediante suas próprias palavras.

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No dia dezessete de agosto ministrei uma aula expositiva de revisão sobre o

descobrimento do Brasil e as capitanias hereditárias com participação do aluno

Eduardo que falou que as capitanias foram uma forma da coroa portuguesa

administrar o Brasil e que o latifúndio no país vem desde esse tempo e quando as

capitanias foram divididas em lotes chamados sesmarias quem as adquiriu foram

nobres portugueses, ninguém se importou com o indígena. Nos dias de hoje os

grandes latifundiários também não se preocupam com a exclusão social e nem com

a questão ambiental. Concluiu dizendo que os primeiros sem terra do Brasil foram os

índios os legítimos donos da terra.

Ainda no dia vinte e três do mesmo mês os alunos assistiram ao filme

Narradores de Javé, que foi comentado pelos mesmos na aula do dia vinte e quatro.

Após a exibição da película, os alunos responderam um questionário com

perguntas abertas e fechadas sobre o filme. Os alunos relataram que não foi

possível Antonio Biá escrever a história do Vale do Javé devido às muitas

contradições que ele encontrou nos depoimentos orais e o próprio escritor tentava

mudar alguns acontecimentos, quando as pessoas diziam a ele isso é mentir ele

falava mentir não ficar mais bonito. Também disseram que a exemplo das pessoas

do filme, os entrevistados do assentamento contavam os fatos de acordo com a

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visão de cada um sobre os mesmos, o que dificulta a formação de um senso

comum sobre o problema.

Aqui cabe ressaltar uma colocação de Schimdt e Cainelli (2004, p. 111),

quando dizem: Um dos principais problemas no ensino de história local no ensino da História é a definição da abrangência desse conceito. De modo geral, as obras sobre história local reportam-se á história de pequenas localidades, escritas por pessoas de diferentes segmentos sociais, não necessariamente historiadores. Esse fato tem provocado várias críticas e até descaso pelos conteúdos da história local.

Ainda sob a visão destas duas autoras (2004, p. 114): “É importante destacar

que a utilização da história local como estratégia pedagógica é uma maneira

interessante e importante para articular os temas trabalhados em sala de aula. E

culminam acrescentando (2004,p.113): Atualmente, um dos importantes objetivos

do ensino da História é contribuir para que o aluno conheça e aprenda a valorizar o

patrimônio histórico de sua localidade [...].

No último dia do mês de agosto de 2010, foi feita a entrega do caderno

pedagógico a cada aluno.

No início de setembro do mesmo ano, reiniciamos a pesquisa com os

moradores do assentamento.

O questionário aplicado a primeira pergunta interrogava de onde e quando

tinham vindo para o Che Guevara.

Entre os entrevistados, as respostas sobre a origem de cada assentado foi

diversificada, tendo pessoas que vieram até de outros estados do Brasil. O período

em que vieram variou bastante estando uns há mais tempo que outros.

Com relação à participação na coordenação do assentamento, as respostas

variaram muito, dentre elas

●Eu participava da coordenação do grupo, afirmou o entrevistado. A chegada no assentamento ele afirmou que foi um pouco difícil. Acampamos perto do rio Tibagi. Quando os arrendatários souberam contrataram pistoleiros. Quando aqui chegamos fomos barrados pela polícia e ficamos das 6 da manhã até a meia noite, depois voltamos ao acampamento até vir a resposta do INCRA. Ficamos acampados na sede da fazenda, pois os arrendatários tinham que colher. Ficamos de 6 a 9 meses nos barracos. Chamamos a polícia, achando que eles fossem a nosso favor, mas ficaram do lado dos pistoleiros. Houve tiroteio e apenas um se feriu. Há um vídeo de posse de alguém sobre a

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invasão é importante assistir, pois vendo se tem uma noção e entendimento melhor do que só falar (sic).●Não faço parte. No passado eu fazia parte de associação em Castro. Pessoas ruins manipulam a associação e ficam dono. Em Castro eu participava de associação e um indivíduo ficou dono(sic).●A liderança teve falha. Na realidade não tinha líder. O líder era o povo inteiro. No movimento não existe líder. A liderança é o povo em igualdade (sic).●Não faço parte da associação dos assentados pois participo da associação das verduras que era ligada a ADARA – Associação dos Agricultores da Reforma Agrária(sic). ●Não participo, pois há muito alvoroço e invasões (sic).●Não participo da liderança do assentamento, só de lideranças ligadas a igreja católica como pastoral da criança e grupo de oração (sic).●Os primeiros líderes do Assentamento, foram muito bons, entramos em 97, éramos bem organizados e nos reuníamos no acampamento e no casarão (sic).●Fiz parte da liderança inicial do assentamento. [...] havia a preocupação de mostrar os aspectos do MST, todos trataram de fazer um bom trabalho, pois estavam lidando com família e não com animais. Tem gente que quer trabalhar e outros bagunçar. Tem que ser bem rígido. Quem não se enquadrou foi expulso (sic).

Os depoimentos seguem com os entrevistados falando sobre tudo que

aconteceu no início da tomada de posse do lote. Sendo que a queixa mais presente

se refere às precárias condições dos assentados nesta época. Mas que apesar de

não ter energia elétrica, nem outros itens os assentados receberam uma quantia do

governo para iniciar o cultivo da terra, o que possibilitou que alguns progredissem,

pois quem investiu em gado leiteiro foi bem, mas quem comprou maquinário,

chegaram a ter que vender o lote e ir embora. Só que uns não desistiram e até hoje

pagam a dívida que foi renegociada.

Neste ponto, podemos fazer da colocação de Pinsky et alii (1991,p. 95),

quando afirmam:

Uma história serviço das camadas populares não é necessariamente um história que fale bem delas e as coloque no altar da veneração. Essa história precisa buscar a maior aproximação possível do real, ainda que tal aproximação não conduza ao enaltecimento do povo. Só uma história que se pretenda cientifica, sempre em busca da preensão do real, pode servir autenticamente aos interesses populares. A verdade mesmo quando amarga, é sempre mais útil do que afirmações agradáveis, porém carentes de fundamentação.

Sobre a chegada no assentamento no começo da invasão, alguns

entrevistados deram depoimentos emocionantes dizendo

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●Foi bastante difícil, um ano embaixo de barraco de lona. Depois de um ano na divisa da fazenda, ficamos 166 famílias das sete horas até as duas e trinta da madrugada, detidos pela polícia. Eram 180 policiais, prova de choque, cachorro, ficamos sem café, com frio, a polícia não deixava pegar nada. O povo começou a comer comida crua. Quarenta minutos de tiros por cima de nós. Ninguém morreu, um saiu ferido. Uma dificuldade a mais no início foi não conhecer os projetos do pessoal, foi difícil se adaptar no regime.●Não tínhamos luz e água e conseguimos furar um poço após 10 anos. Antes nós transportamos água de uma mina de lá de baixo de trator uns 600 metros. Foi tentado poço normal e não foi conseguido, desmoronava, inclusive para a escola, aí fizemos um artesiano. Poço artesiano com mais de 40 mil litros de água por hora, custou trinta mil e vinte e oito reais. O poço tem 80 metros de profundidade. Eu ofereço água deste poço artesiano para a escola e para a igreja (Assembleia de Deus). Antes os alunos traziam água de casa e eu também levava água até a escola.● Na chegada ao assentamento houve resistência. Tivemos um pequeno confronto com quase 30 pistoleiros na época. Um pistoleiro saiu ferido na perna e faleceu após 30 dias. Fazendeiros poderosos ajudaram os pistoleiros eram parentes da velha dona da fazenda (sic). Chegaram aqui 360 famílias entre 1600 a 1700 pessoas.●As dificuldades encontradas no início foram (sic) a questão da falta de implementos agrícolas, para fazer alguma coisa era muito demorado som os projetos. O campo muito aberto não havia mata que pudéssemos tirar madeira para a venda. No começo a lavoura era coletiva, tinha gente que trabalhava individual. Dificuldade com água e luz, nem todas as famílias tinham água próximas as suas casas. Ficamos em acampamento um ano e meio. Os alimentos eram fornecidos pelo INCRA e mais 400 reais para os custos e 600 reais para fomento (ferramentas e utensílios agrícolas).

Os depoimentos sobre quem organizou a invasão da terra do assentamento,

variaram, uns alegando que foram lideranças do MST de Curitiba na época, onde as

reuniões aconteciam, mas que com a ajuda de políticos também foram para outras

localidades do Brasil, em reuniões do movimento, como aconteceu em Brasília;

quando todos as lideranças se uniram em favor da Reforma Agrária.

Sobre quem foi Che Guevara, os entrevistados deram respostas variadas, uns

disseram conhecer mais, outros menos, mas só os que vieram na época da invasão,

pois os que vieram depois não souberam responder. Isto ficou demonstrado em

alguns depoimentos como

●Ele foi um líder que trabalhou na organização do povo e por isso ele foi assassinado. Ele foi assassinado na Bolívia. ●Quando foi criado este assentamento comentou o entrevistado, fazia 30 anos do assassinato de Che Guevara que defendia a camada do povo mais pobre. Era Argentino e ajudou na Revolução de Cuba e saíram na captura dele, era

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médico argentino e tuberculoso e se curou com ervas do mato e tinha uma idéia avançada. Andava de bicicleta e falava com Fidel Castro para defender Cuba contra os EUA. Ele sequestrou 400 soldados dos EUA, com 17 homens arrancando a linha do trem e venceu-os.●Che Guevara disse foi um argentino, foi um revolucionário em Cuba e ajudou Fidel Castro para libertar o país do domínio dos Estados Unidos, ele foi um grande idealista.

Sobre a dificuldade de permanecer no campo, os comentários demonstram

que embora difícil esta é a vida deles, pois segundo os mesmos, nasceram no

campo e não sabem viver em outro lugar como afirmou um morador

●Desde os oito anos eu trabalhava na agricultura. Aqui no campo a gente tem carne, leite, ovos, verduras. A vida é diferente aqui temos (sic) mais liberdade sem correria. Na cidade deve (sic) cumprir o horário é como se fosse uma prisão. A tranquilidade que a vida do campo traz pra gente é muito boa.●É. Eu vim de uma cidade grande com muito uso de drogas pelos jovens. Não quero um ambiente complicado. No sítio o acesso as drogas é mais difícil. Para ficar na cidade tem que ter um bom emprego. A maioria das coisas tem no sítio.●Quem vive no campo não sabe trabalhar na cidade. Além disso, o custo de vida na roça é mais barato que na cidade. Aqui se pra gente que só sabe fazer isso tem que permanecer produzir e vender o excedente produz carne, leite, ovos e na cidade até água tem que comprar...●Quero permanecer, pois em primeiro lugar porque sou quase analfabeto. Em segundo lugar eu não tenho profissão. Tenho o quarto ano incompleto. Meus pais moravam no interior e naquele tempo, não existiam colégios, era longe, tinha que ir para a cidade pagar particular. ●Prefiro ficar, pois a cidade hoje pra nós não convém, nem pra juventude. A cidade é um caminho da perdição.●O campo é uma vida de sossego, aqui sobrevive com menos (sic). Pode não ter dinheiro no dia-a-dia, tem tranquilidade. A educação dos filhos é melhor, não tem preocupação com essas leis que menor não pode trabalhar.

Aqui é bom lembrar-se das palavras de Davis (apud BARBOSA, 2006, p.9 ),

quando diz:existem sérias implicações quando se nega a participação popular na construção da história. Isso se caracteriza como atitude anticientífica, uma vez que a história é resultado de conflitos entre classes; a subtração da participação popular é entendida como sendo uma negação da atuação desses segmentos, classificando-os como objeto e não como sujeitos da história

Com relação às dificuldades atuais do assentamento, grande parte dos

entrevistados reclamou que é o escoamento da produção leiteira, pois quando chove

não entra carro para pegar o leite, pois a estrada é péssima. Também se queixaram

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que para o cultivo da lavoura é preciso fazer empréstimo para pagar um agrônomo

porque não tem financiamento do estado.

Sobre as dificuldades da atualidade apontou a desorganização dos

assentados. Nós não conseguimos muita coisa que vem para a agricultura familiar

devido a desorganização da comunidade. Não temos PRONAF por ser

assentamento irregular não sai nada o INCRA não libera.

A falta de assistência técnica de técnico agrícola, que há oito anos o

assentamento está sem, é a maior queixa dos agricultores. Segundo os mesmos, o

técnico elabora o projeto, encaminha ao banco e discute as dívidas bancárias dos

assentados que cultivam o solo.

Sobre o Colégio Guaraúna, as opiniões foram unânimes ao afirmarem que o

mesmo é bom e oferece um ensino adequado e perto do assentamento. Nem por

isso, afirmam os entrevistados, alguns alunos deixam de se sacrificar para estudar,

pois precisam ir até Ponta Grossa. Isso é difícil, pois saem mais cedo e voltam mais

tarde, deve ser porque lá em Guaraúna não cabe todos os alunos.

Alguns pais afirmaram que os alunos moram no campo e devem estudar no

campo. É certo quer no começo foi difícil, pois havia preconceito com os alunos do

Che Guevara, que eram chamados de sem terra.

No dia dezessete de setembro os alunos – juntamente com o professor- foram

até a UEPG, assistir uma aula com o professor Cerri, que falou sobre a importância

da pesquisa na vida das pessoas, desmistificando o conceito. Afirmou ele que a

pesquisa pode ser feita em qualquer área do conhecimento.

No dia seguinte antes da leitura do texto do caderno que fala da questão da

terra desde o tempo do Brasil colônia, um aluno disse que o Brasil quase que inteiro

em 1500 foi um grande latifúndio do rei de Portugal que se sentindo dono dela

queria que os colonos a explorassem e lhe entregassem os tributos. O aluno ainda

comentou que dessa maneira o Brasil já nasceu com o latifúndio e que com o passar

do tempo, as terras foram ficando na mão dos exploradores e que os índios foram

perdendo até hoje não terem praticamente mais nada. Outro aluno ainda comentou

que além do latifúndio no Brasil ainda persiste a monocultura dando exemplo da soja

e afirmou que os pequenos proprietários não têm incentivo do governo para

trabalharem em seus pequenos lotes e que mesmo os grandes proprietários plantam

aquilo que o governo incentiva. Comentaram também que a tecnologia substitui a

mão de obra humana, o que provoca desemprego no campo e consequentemente o

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êxodo rural, disseram que há máquinas para cortar cana-de-açúcar que substitui

muitos trabalhadores e que existe máquinas que cortam o pinus, desgalham e

cortam em toras. Nesse processo muitos trabalhadores foram substituídos pelas

máquinas e que certamente estas pessoas vão para cidade na esperança de

encontrar algo para fazer.

Uma das atividades do caderno pedagógico pedia para que cada um

escrevesse um poema sobre os índios. Um grupo de alunos se ofereceu para

escreverem um poema o qual foi exposto no mural da escola.

Ao finalizar o seminário os alunos concluíram que os assentados têm muitas

dificuldades e nem percebem parece que estão acostumados numa vida de

sossego, de comodismo e de muita simplicidade. Entre as dificuldades citam-se:

•Habitação: as casas são de madeira e muito simples, não há instalações

sanitárias adequadas e parece não se importar com isso. Nenhum morador

falou que eles têm dificuldades em obter recursos para realizarem melhorias

em suas casas.

•Educação: apenas um morador e exatamente aquele da casa mais

bagunçada disse que a escola de 1ª a 4ª série está em péssimas condições,

ele se preocupa com a formação escolar de sua descendência. A escola

parece que foi feita de improviso e este improviso ficou permanente.

•A falta de políticas públicas para os assentados permanecerem em seus lotes

e retirarem da terra o seu sustento evitando o êxodo rural.

•Falta de uma unidade de saúde para que os assentados possam realizar suas

consultas médicas. As mesmas são feitas na escola que está em péssimas

condições para educação e ainda funciona como posto médico.

Comentaram que quase todas as casas têm pomar e animais domésticos e

apenas uma moradora se preocupou com o destino do lixo. Acharam interessante

um entrevistado afirmar que seu maior desafio é produzir alimentos sadios e limpos

para a comunidade e que no geral eles foram bem acolhidos, mencionaram nomes

de pessoas que serviram lanche, pêssegos e ameixas. Disseram também que

chamou a atenção que os primeiros moradores sabiam dizer até com detalhes quem

foi Che Guevara e os que vieram depois pouco ou nada sabiam, afirmaram que é

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importante conhecer a história do patrono da comunidade , o qual foi uma pessoa

que batalhou para a melhoria da vida de um povo.

Os alunos que habitam no assentamento produziram um relatório, pois não

participaram do seminário e nele escreveram o que eles observaram e pensam

sobre a vida das famílias assentadas.

Segundo esse relatório, os moradores do Che Guevara são muito bem

educados e trabalhadores, eles respondiam com clareza as perguntas dos alunos.

Nem todos sabiam quem foi Che Guevara, as primeiras famílias tinham mais

conhecimento sobre ele, porque todos faziam parte do MST, agora é diferente, por

isso as que vieram posteriormente pouco ou nada sabiam. A maior dificuldade

enfrentada pelos assentados é a estrada. A principal que dá acesso ao

assentamento é cascalhada, no entanto as que seguem para as propriedades

particulares não há cascalho o que dificulta nos dias chuvosos. Escreveram que os

assentados sofrem exclusão dizendo que não conseguem projetos como o PRONAF

entre outros.

A inserção dos atores que compõem a história local e, consequentemente, o seu ensino, contemplado em produções didáticas, aponta para o desenvolvimento de uma consciência da coletividade que considera o plano social, econômico, político e cultural, vislumbrando, assim, a busca de soluções de seus problemas, mesmo quando para estes, como firma Thiollent, “[...] não se veem soluções em curto prazo, como por exemplo: no caso das secas, propriedade fundiária, etc” (BARBOSA, 2006, p.9).

Um aluno relatou também que algumas propriedades são bem cuidadas,

nelas há muito capricho e em outras não, escreveu também que a escola que lá

existe onde funciona as séries iniciais do ensino fundamental não é boa, é feita em

madeira e não tem uma higiene decente. Todos relataram que os moradores

gostaram dos alunos de 5ª a 8ª séries e Ensino Médio serem transferidos de Ponta

Grossa para o Colégio Estadual de Guaraúna, pois é um colégio que está inserido

no campo que tem relação com a realidade deles. Nos colégios de Ponta Grossa

onde eles estudavam os mesmos sofriam discriminação por habitarem em

assentamento e muitos colegas os chamavam de sem terra. O ensino do Colégio de

Guaraúna é de melhor qualidade, há mais cobrança dos professores em relação aos

estudos, os professores deste colégio se preocupam com a aprendizagem dos

alunos do assentamento e eles não se sentem excluídos e é muito bom estudar no

município em que está situado o assentamento.

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Questionados sobre os aspectos que puderam perceber durante as

entrevistas, quase todos os participantes presentes, responderam que as famílias

assentadas disseram que não recebem recursos do governo e têm muitas

dificuldades de desenvolver a agricultura em seu lote de terra. No entanto, os

recursos do governo não são repassados devido à inadimplência da maioria das

famílias assentadas. Segundo relatos de um morador que veio posteriormente a fase

de invasão, as primeiras famílias não honraram seus compromissos financeiros e

agora todos tem dificuldades para conseguir recursos. Muitas famílias pioneiras

adquiram os recursos e não aplicaram corretamente e se endividaram e acabaram

vendendo seu lote de terra para outras famílias que também encontram dificuldades

para obter recursos perante o governo, os alunos não perceberam que esta

dificuldade de recursos existe devido à inadimplência de muitos.

Dentro do assentamento há uma grande reserva florestal protegida pelo

INCRA, há espécie nativa centenárias com o pinheiro do Paraná, alguns moradores

entram na mata para caçar animais selvagens o que é proibido por lei. Os alunos

não deram importância a esse fato, esqueceram o quão é importante preservar o

meio ambiente.

Há moradores do assentamento que arrendam suas terras para pessoas de

outros municípios, o que é proibido pelo INCRA. Para que o arrendamento se efetive

o dono do lote tira as notas todas em seu nome e repassa para o arrendatário e

desta forma o INCRA não consegue puni-los.

Há lotes vagos no assentamento destinados a construção de igreja, unidade

básica de saúde e áreas de lazer como campo de futebol e quadra poli-esportiva, no

entanto, um morador vizinho deste grande lote arrenda para terceiros e o lote é

usado para agricultura. Muitos assentados sabem dessa irregularidade e nada

fazem temendo ser reprimidos.

Estas questões eles não perceberam, pois algumas são delicadas há

inadimplência a não prestação de contas em relação aos recursos recebidos, outras

eles não deram importância ou passaram despercebidos, no entanto, a maioria eles

perceberam e registraram a contento. As contradições próprias das mudanças e permanências das diferentes

localidades através dos tempos, passam a fazer parte deste projeto que foi

entrevistado um dos assentados que anteriormente não tinha terra para cultivar e

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era meeiro de um proprietário. Mas em determinado tempo fez uma troca e veio para

este assentamento.

Com relação à percepção dos alunos sobre a identidade do assentamento,

durante as entrevistas houve muitas observações dos mesmos sobre a localidade e

entrevistados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desenvolver o Projeto do PDE foi uma das experiências mais gratificantes na

carreira de professor e como cidadão, pois ao tomar conhecimento do sentimento de

pertencimento dos assentados e compradores dos lotes, tive a certeza de que valeu

a pena conduzir os alunos por esse caminho.

A questão da terra sempre foi um tema polêmico no Brasil. Latifundiários no

poder ou não aniquilaram os pequenos proprietários e os sem terra, para assegurar

fortunas imensas, fortalecidas pela expropriação dos menos favorecidos.

As mudanças e permanências registradas pelos alunos do projeto possibilitaram

a aprendizagem de conjunturas históricas transformadas através dos tempos pelo

modo de produção, mas que tem suas marcas na fala do povo.

As pessoas entrevistadas, além da história de vida, demonstraram conhecer a

História dos livros. Isto pode ser comprovado pela descritiva sobre quem foi Che

Guevara. Se os alunos fossem estudar isso na sala de aula, haveria problemas

quanto à ideologia passada para os jovens, mas aprender com quem precisa saber

para vencer em uma sociedade desigual como a nossa, é mais que aprendizado

escolar é aprendizado de vida.

O trabalho foi gratificante. O curso também. O que fica é que pertencer a

determinada sociedade é mais que residir nela, é lutar por um ideal, é lutar naquilo

que acredita, é fazer da terra seu chão.

Uma realidade não pode ser mudada: o aprendizado de História através da

realidade próxima é válido e pertinente.

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