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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Produção Didático-Pedagógica Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7 Cadernos PDE VOLUME I I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Produção Didático-Pedagógica

Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE

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ME I

I

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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

SUPERINTENDÊNCIA DE EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ – UEM

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL - PDE

SEQUÊNCIA DIDÁTICA DO PROJETO DE INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA

ÁREA DO PDE: Português

PROFESSORA PDE: Marli Barroso

ORIENTADORA: Prof. Drª. Luzia Aparecida Berloffa Tofalini

CONCEPÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA: Estética da Recepção

MARINGÁ 2010

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UNIDADE DIDÁTICA – PDE 2009

1 IDENTIFICAÇÃO

1.1 ÁREA: Língua Portuguesa

1.2 PROFESSOR PDE: Marli Barroso

1.3 PROFESSORA ORIENTADORA: Drª. Luzia Aparecida Berloffa Tofalini

1.4 IES: Universidade Estadual de Maringá

GÊNERO TEXTUAL: conto COLÉGIO: COLÉGIO ESTADUAL UNIDADE PÓLO SÉRIE: Ensino Médio DURAÇÃO: 32 aulas

MARINGÁ 2010

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SUMÁRIO

1 IDENTIFICAÇÃO.................................... .................................................... 02

2 INTRODUÇÃO............................................................................................ 03

3 ATIVIDADES PROPOSTAS............................. .......................................... 07

3.1 DETERMINANDO O HORIZONTE DE EXPECTATIVAS........................... 07

3.2 ATENDENDO O HORIZONTE DE EXPECTATIVA.................................... 09

3.3 ROMPENDO O HORIZONTE DE EXPECTATIVA .................................... 12

3.4 QUESTIONANDO O HORIZONTE DE EXPECTATIVA.............................. 18

3.5 AMPLIANDO O HORIZONTE DE EXPECTATIVA...................................... 20

4 CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO........................... .......................................... 22

5 AVALIAÇÃO........................................ ....................................................... 23

REFERÊNCIAS................................................................................................... 24

ANEXOS.............................................................................................................. 40

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2. INTRODUÇÃO

Toda e qualquer produção artístico-literária não tem a função de formar

ninguém, no entanto, ela acaba cumprindo esse papel gratuitamente. Quando o

escritor pensa uma obra literária, ele não está preocupado em transformar ou

modificar as atitudes ou modos de agir de quem lê. Todavia, a experiência do leitor

concatenada à realidade da obra, acaba sendo enriquecida e, consequentemente,

resulta em novos horizontes que levarão a maneiras diferentes de enxergar a

realidade objetiva. Por isso, a importância de orientar o aluno (leitor), para que saiba

escolher adequadamente suas leituras, ou seja, que ele possa escolher

competentemente, não pelo título ou pelo número de páginas, mas textos que o

ajudarão na construção de sentidos.

Antônio Soares Amora (1973, p.123) faz uma distinção entre leitor comum e

leitor culto e aponta para a educação literária que o elevará à condição de leitor

culto.

Primeiro, adquirir o hábito da leitura; segundo, adquirir noções gerais da história das literaturas, necessárias a uma orientação diante da imensa massa de obras que constituem o patrimônio literário de cada povo. Terceiro, adquirir noções básicas de Teoria Literária, para saber diante de que tipo de realidade ou fenômeno literário se encontra e sobre o qual deseja fazer suas reflexões. Quarto, adquirir noções básicas de análise literária, para saber penetrar mais seguramente na compreensão de uma obra. Quinto, adquirir noções básicas de Crítica Literária, para saber julgar uma obra com critérios gerais e não individuais e arbitrários.

O texto nunca está acabado. Espaços e lacunas vão sendo preenchidos,

tendo em vista condições históricas, sociais, culturais e afetivas do leitor. A leitura é

interação entre leitor e texto e os textos literários são emancipatórios. Há neles,

porém, uma exigência maior, um grau de dificuldade que precisa ser vencido. A

habilidade na leitura de textos literários vai sendo adquirida à medida que se lê esse

tipo de texto. Assim, cada leitura vai se tornando mais agradável e prazerosa. É

importante ressaltar que o texto literário não se esgota em si mesmo. É, antes, um

leque de significações e horizontes que vão se abrindo à medida que se vai lendo.

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Por isso, se uma obra literária for lida dez vezes, em momentos diferentes,

haverá sempre o que perceber de novo, a cada leitura realizada, ou seja, novas

lacunas serão preenchidas, pois a obra de arte não se pretende ensimesmada.

A função da leitura é social, o homem diferencia-se dos outros animais porque

fala e, se fala, pensa, raciocina, interage. A leitura é, portanto, a interação do leitor

com o texto. Não há texto se não houver leitor. Desse modo, é o leitor que vai

atribuir significação ao que lê. E “ler é familiarizar-se com diferentes textos

produzidos em diversas esferas sociais – jornalística, artística, judiciária, científica,

didático-pedagógica, cotidiana, midiática, literária, publicitária, etc.” (DCES, 2008,

p.71).

A Estética da Recepção, formulada por Hans Robert Jauss, na década de 60,

não deixa de lado o leitor, que é o terceiro elemento fundamental nesse processo

dinâmico que deve ser a leitura literária. Jauss opõe-se às correntes teórico-

marxistas, pois para essas correntes, a literatura é apenas reflexos dos fenômenos

sociais. A preocupação de Jauss e, principalmente, de Iser é como o leitor recebe a

obra literária, o que ela causa nele, ou seja, os horizontes de expectativas são

ampliados, rompidos ou reconstituídos. Uma obra, verdadeiramente de arte,

possibilitará os vários momentos. De fato,

a maneira pela qual uma obra literária, no momento histórico de sua aparição, atende, supera, decepciona ou contraria as expectativas de seu público inicial oferece-nos claramente um critério para a determinação de seu valor estético. A distância entre o horizonte de expectativa e a obra, entre o já conhecido da experiência estética anterior e a “mudança de horizonte” exigida pela acolhida à nova obra, determina, do ponto de vista da estética da recepção, o caráter artístico de uma obra literária (JAUSS, 1994, p. 31).

A obra literária não é para qualquer leitor, porque exige esforço e trabalho

para se inserir nela. É, porém, lendo que se adquirem novos entendimentos que

uma obra de arte possibilita. Entretanto, quando não há preenchimento de espaços

vazios, isto é, quando não houver contribuição da obra para ampliação de horizontes

ou mesmo quebra de expectativas para uma nova visão de mundo, não se pode

dizer que a obra tenha verdadeiramente valor estético.

Ainda sobre esse assunto, Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de Aguiar

(1988, p.84) afirmam que

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se a obra corrobora o sistema de valores e normas do leitor, o horizonte de expectativas desse permanece inalterado e sua posição psicológica é de conforto. (...) Todavia, a obra emancipatória perdura mais no tempo do que a conformadora, devendo haver uma justificação para o investimento de energias psíquicas na comunicação que estabelece com o sujeito. Diante de um texto que se distancia de seu horizonte de expectativas, o leitor, além de responder aos desafios por mera curiosidade ante o novo, precisa adotar uma postura de disponibilidade, permitindo à obra que atue sobre seu esquema de expectativas através das estratégias textuais intencionadas para a veiculação de novas convenções.

Aprende-se a ler, lendo, e a capacidade de leitura nasce do esforço de cada um e

ainda do desejo de conhecer, atribuindo sentido àquilo que lê, para que a comunicação se

estabeleça entre leitor e obra. Cabe, porém, ao professor investigar o interesse dos alunos,

seus gostos e, aos poucos, levá-los a leituras que rompam, ampliem e reconstruam seus

horizontes de expectativas, porque,

na sala de aula, o primeiro passo do professor seria o de efetuar a determinação do horizonte de expectativas da classe, a fim de prever estratégias de ruptura e transformação do mesmo. Esse horizonte de expectativas conterá os valores prezados pelos alunos, em termos de crenças, modismos, estilos de vida, preferências quanto a trabalho e lazer, preconceitos de ordem moral ou social e interesses específicos da área de leitura (BORDINI e AGUIAR, 1988, p. 88).

Sendo o professor, na sala de aula, o responsável por sondar o interesse do

aluno por leituras, deve, por exemplo, iniciar uma atividade de leitura contando

algumas histórias que possam despertar o interesse, o gosto por outros momentos

de prazer com o texto. Como aconteceu com Sherazade em suas Mil e Uma Noites.

Shariar, o rei, ficou encantado, fascinado com as narrativas que ouviu de Sherazade.

Como a forma do conto é a narrativa, percebe-se que o narrar vai mais além,

porque esse gênero textual, por sua carga de dramaticidade, faz com que haja o

interesse, o encantamento e imediatamente a atribuição de sentidos para aquela

realidade que faz parte do cenário da história. Todavia, é importante que o aluno não

fique apenas fascinado por ouvir histórias, mas que seja encantado pela magia da

leitura de muitas outras histórias que o gênero conto possibilita para que se cultive o

hábito e o prazer de ler.

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Não é fácil encontrar uma pessoa que goste realmente de ler. Assim, o

desafio para criar ou desenvolver o hábito da leitura é muito grande. E, nós,

professores, principalmente de Língua Portuguesa, temos essa missão.

Segundo Isabel Solé (1998, p. 90), “é muito difícil que alguém que não sinta

prazer com a leitura consiga transmiti-la aos demais”. Portanto, antes de querer que

os alunos leiam, nós, professores temos que “achar” tempo para que possamos nos

alimentar de boas leituras para poder transmitir aos alunos o gosto, o prazer que um

bom livro proporciona.

Além de sermos bons leitores, precisamos ficar atentos para o gosto dos

alunos, a faixa etária deles é um bom indicador, pois analisando a preferência da

maioria, fica mais fácil indicar leituras ou trazer para a sala, textos que possam

aguçar a curiosidade deles para o tema que se pretenda abordar.

Nesta Unidade Didática, a intenção é que o aluno, não só leia os textos

sugeridos, mas que também busque outras leituras e se aprofunde cada vez mais no

tema trabalhado, para que seus horizontes sejam ampliados, superando as

expectativas e o conhecimento que tinha sobre o assunto.

Com base nas Teorias da Estética da Recepção, é necessário fazer com que

o aluno vá aos poucos, e cada vez mais, se interessando por leituras que o levem a

ampliar seus horizontes de expectativas. Claro que as leituras ditas “fáceis” são mais

consumidas, por não exigirem manobras para sua compreensão. A figura do

professor, porém, deve fazer parte de um cenário de mudanças na realidade leitora

do aluno.

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Objetivo Geral: possibilitar a leitura, compreensão e interpretação de contos

de escritores brasileiros, cujos temas remetem à problemática do idoso na

sociedade, visando à ampliação dos horizontes de expectativas.

A princípio, é preciso investigar, sondar sobre o que o aluno está lendo, ou

melhor, o que ele gosta de ler. Para essa tarefa, algumas questões vão orientar o

professor na sua caminhada. A partir daí, serão escolhidos textos, livros, filmes e

poesias que abordem os temas preferidos dos alunos, para que eles tenham

interesse em se aprofundar no assunto.

Para Isabel Solé (1998, p. 91), “o interesse da leitura de um determinado

material consiste em que este possa oferecer ao aluno certos desafios. Assim,

parece mais adequado utilizar textos não conhecidos, embora sua temática ou

conteúdos devessem ser mais ou menos familiares ao leitor”. Desse modo, é preciso

partir do conhecido, no caso o “idoso na sociedade atual”, instigando o aluno à

leitura de materiais que vão aprofundar e ampliar seus conhecimentos relacionados

ao assunto. Ou seja, da síncrese passa à analise e síntese, para que ocorra a

prática social transformadora e haja mudanças significativas no pensar e no agir

cotidianamente.

Serão levados para sala de aula e trabalhados, além dos contos Antes do

Baile Verde, Clínica de Repouso e Feliz Aniversário, (anexo 3) desse trabalho, a

poesia de Cecília Meireles - Retrato, o Estatuto do Idoso e o filme O Clube da Feliz

Idade, fotos de idosos (anexo 2), tiradas em um asilo da cidade de Maringá – Paraná

e também textos de jornais (anexo 1), que abordam o tema.

3.1 DETERMINANDO O HORIZONTE DE EXPECTATIVAS

Objetivo: despertar a curiosidade dos discentes para a leitura de contos e

para a problemática do idoso.

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Para iniciar as atividades com os alunos, será exibido um vídeo com algumas

reportagens que mostram o desrespeito para com os idosos. Vídeo disponível em:

g1. Globo.com, de 05-02-2010.

Esta Unidade Didática apresenta questões referentes à leitura para se

determinar o nível dos alunos em relação ao que já leram. E, para melhor

compreensão dos contos, da poesia, do filme e do Estatuto do Idoso, foram

elaboradas questões que levam o aluno à releitura de todo o material estudado, para

que haja um melhor aproveitamento e, consequentemente, a ampliação dos

horizontes de expectativas dos discentes.

Seguem algumas questões para determinar o que trabalhar com os alunos,

em relação às leituras que serão realizadas e as que já foram feitas por eles. Como

a Teoria que embasa este trabalho é a Estética da Recepção, as questões

propostas objetivam determinar os horizontes de expectativas dos alunos, para

então, desenvolver o trabalho visando a contribuir para que haja interesse por parte

dos discentes em aprofundar suas leituras em relação ao tema.

1. Que a leitura é importante, imprescindível, na vida de todos, não há

dúvidas. As pessoas podem até não ler por um motivo ou outro, porém sabem da

necessidade de ler. Assim sendo, escreva em poucas linhas o que você gosta de ler

e por quê? Qual foi o último livro que você leu?

2. Você gosta de textos de fácil compreensão ou daqueles desafiadores em

que há necessidade de mais esforço mental para entendê-los? Explique.

3. Você conhece alguém que realmente goste de ler? Como uma pessoa

adquire o hábito de leitura, ou seja, o que fazer para gostar de ler? Comente.

4. Muitos dizem que ler deve ser uma atividade voluntária e prazerosa. Será

que leituras obrigatórias, como as exigidas em concursos vestibulares, por exemplo,

também não despertam o gosto, o prazer de ler? Comente.

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5. Mesmo que você seja uma pessoa que ainda não adquiriu o hábito de ler,

quais são, na sua opinião, as leituras imprescindíveis? Faça um comentário.

Como nesta Unidade Didática as leituras a serem trabalhadas com os alunos

já foram pré-definidas, cabe ao professor direcionar as atividades para o tema a ser

desenvolvido, no caso, o idoso na sociedade atual, por intermédio dos contos

selecionados; Estatuto do idoso; a poesia de Cecília Meireles, Retrato, e o filme

“Clube da Feliz Idade” etc. Que aos poucos vão atendendo aos horizontes de

expectativas dos alunos, que também contribuirão para a direção que o trabalho

tomará. Este é momento em que o professor perceberá o nível de entendimento da

turma a respeito do tema.

3.2. ATENDENDO O HORIZONTE DE EXPECTATIVA

Objetivo: observar o nível de entendimento que o aluno terá do texto poético,

relacionando-o com a temática do idoso.

Nesta etapa, será apresentado um texto poético que servirá para reflexões

profundas sobre tudo que vimos até aqui e para se pensar, desde muito cedo, em

nossas ações e reações diante da vida. “O modo como o docente proceder à leitura

do texto poético poderá tanto despertar o gosto pelo poema como a falta de

interesse pelo mesmo” (DCEs, 2008, p. 76).

Retrato – Cecília Meireles Eu não tinha este rosto de hoje Assim calmo, assim triste, assim magro. Nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo. Eu não tinha estas mãos sem força, Tão paradas e frias e mortas; Eu não dei por esta mudança, Tão simples tão certa, tão fácil. Em que espelho ficou perdida a minha face?

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1. De quem é o retrato sobre o qual fala o eu-lírico?

2. Pelo “retrato” feito e as descrições, a poesia (eu-lírico) quer nos mostrar o quê, exatamente?

3. Qual mudança o eu-lírico não percebeu? E o que fazer para que esta mudança seja o mais natural possível, sem tantos conflitos e sofrimentos para as pessoas? Comente.

Em relação ao filme, O Clube da Feliz Idade, será pedido para que os alunos

façam uma análise e escreva as impressões que tiveram. Discutam com os demais

colegas a respeito do que viram de positivo e negativo e o que pode ser trazido para

a realidade de cada um.

Esta atividade tem como objetivo a percepção dos usos da língua dentro de

um contexto e da necessidade de saber empregar corretamente sujeito, verbo,

conjunção, preposição, etc., em situações de produção textual e de comunicação

oral ou escrita.

1. No trecho: “Quando viu estava no Asilo Nossa Senhora da Luz, perdida

como doida (...). Nunca entrava sol no pavilhão, a umidade escorria da parede, o

chão de cimento. De noite o maldito olho amarelo sempre aceso no fio manchado de

mosca. (Clínica de Repouso).

Identifique palavras ou expressões que denotam tempo e analise o emprego

delas no contexto, melhor dizendo, o que acrescentam para a personagem?

2. Nos trechos:

- “Assim que a filha saiu. Dona Candinha bateu na porta do hóspede”.

- “Eu vou se não for asilo de louca...”

- “...ainda que dez anos mais moço, era namorado da filha”.

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- Não doía ter sido abandonada – culpa sua não sair da cama. Mas,

sabendo o que sofria, a moça não a tirasse dali”.

Dê o sentido das conjunções ou locuções conjuntivas e substitua-as por

outras correspondentes. ( porém, contudo, mesmo que, embora, caso, desde que,

porque , por causa que, quando, no momento que...).

3. No trecho que segue, faça uma análise morfossintática dos termos

grifados. E identifique os elementos que eles substituíram.

“A mulher enfiou o dedo no pote de cola e baixou-o de leve nas lantejoulas do

pires. (...) Colheu uma lantejoula que escapara e delicadamente tocou com ela na

cola. Depositou-a no saiote, fixando-a com pequenos movimentos circulares”.(Antes

do Baile Verde).

4. Em: “Ele gostou de você – disse a jovem voltando-se para a mulher que

ainda aplaudia...”

- “Mas você ainda não acabou?”

- “Acabei o quê? Falta pregar tudo isso ainda, olha aí...Fui inventar um

raio´de pierrete dificílima!”(Antes do Baile Verde).

- A palavra AINDA nas frases acima tem o mesmo sentido, ou seja há

equivalência? Comente.

5. No trecho que segue, identifique os verbos, diga em que tempo estão; a

pessoa do discurso e a qual modo verbal pertencem. Em seguida, passe-os para o

modo imperativo, fazendo as adaptações necessárias.

“A jovem espiou debaixo da cama. Puxou um pé de sapato. Agachou-se mais,

roçando os cabelos verdes no chão. Levantou-se, olhou em redor. E foi-se

ajoelhando devagarinho diante da preta. Apanhou o pote de cola”.

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3.3 ROMPENDO O HORIZONTE DE EXPECTATIVA

Objetivos

- Ler contos, atribuindo sentido à leitura numa perspectiva humanizadora;

- distinguir o gênero conto de outros gêneros, por meio do estudo dos

elementos caracterizadores do gênero, tais como discurso, categorias

narrativas, figuras de linguagem;

- ler o Estatuto do Idoso para compreender a realidade e a significação da

velhice;

- familiarizar-se com diferentes textos produzidos em diversas esferas

sociais;

Nesta etapa, os contos escolhidos para o trabalho com os alunos, já

mencionados, são: Antes do Baile Verde, de Lígia Fagundes Telles; Clínica de

Repouso, de Dalton Trevisan, e Feliz Aniversário, de Clarice Lispector. Ainda será

trabalhado, como texto complementar, pela pertinência do assunto, o conto Luz sob

a porta, de Luiz Vilela.

Começaremos então com Antes do Baile Verde e, após a leitura atenta do

conto, serão levantadas algumas questões para reflexão. Lembrando que todo o

material selecionado para ser desenvolvido, deve ampliar o entendimento do aluno

em relação ao tema. E as questões elaboradas servirão para que o aluno tenha

maior entendimento sobre o que está lendo e, assim, refletir, desenvolvendo atitudes

de solidariedade e de compromisso frente à realidade que lhe é posta.

1. Na vida, nem sempre as coisas acontecem como queremos ou

planejamos. Não foi diferente com Tatisa, a personagem do conto lido. Ela era

responsável pelo pai moribundo, no entanto, abandona-o à beira da morte para ir a

um baile de carnaval.

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Será que ela conseguiu se divertir como pretendia? Que reflexão pode-se

fazer do comportamento dela? Há, no diálogo, entre ela e a empregada,

preocupação com o pai doente? Comente.

2. No trecho: “Lu, Lu, por que ele não ficou no hospital? Estava tão bem no

hospital”. (p. 57). Faça um comentário sobre esta fala tendo como respaldo um

trecho do Artigo 3º do Estatuto do Idoso. “É obrigação da família, da comunidade, da

sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a

efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao

esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à

convivência familiar e comunitária.”

3. Produza dois textos argumentativos de, no máximo dez linhas cada. Você

deverá defender Tatisa em um texto e no outro acusá-la.

4. Elabore um texto (gênero textual notícia) com um título bem chamativo,

referindo-se à morte do pai de Tatisa, enquanto ela se divertia no carnaval.

5. Em alguns contos, o clímax, que é o momento de maior tensão na

narrativa, coincide com o fim do enredo. Em “Antes do Baile Verde”, isso ocorre?

Explique.

6. É possível fazer uma análise psicológica da personagem Tatisa e

perceber ou “enxergar” o que o conto não mostra? Melhor dizendo, não sabemos

como foi o relacionamento da moça com o pai. O que poderia estar oculto para que

Tatisa fosse tão indiferente ao sofrimento do pai? Comente.

7. Em uma narrativa, tem-se o ambiente que é caracterizado, segundo

Gancho (1995, p. 47) pela época, situação econômica e política, moral, religião,

localização geográfica e clima psicológico. Dê as características do ambiente do

conto em estudo.

Em seguida, será lido outro conto que aborda o tema o idoso na sociedade

“Clínica de Repouso”, de Dalton Trevisan. Percebe-se nele a miséria moral,

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abandono e solidão extremos e a total ausência de sensibilidade por parte dos

envolvidos no enredo, em relação à personagem Dona Candinha.

1. O título do conto é Clínica de Repouso, este título, atribuído ao conto, está

de acordo com o enredo? Comente com exemplos, após a leitura.

2. Dona Candinha é o exemplo de pessoa que teve sua dignidade ferida,

pois foi abandonada pela filha na velhice. Produza um texto (15 linhas), na 1ª

pessoa, em que Maria, filha de dona Candinha, confesse seu arrependimento por ter

desamparado a mãe quando ela mais precisava.

3. Em Antes do Baile Verde e Clínica de Repouso, têm-se situações

parecidas, ou seja, idosos que não recebem tratamento digno, seus direitos foram

desrespeitados. Como esta situação poderia ser diferente? Será que educando,

desde cedo, crianças e jovens para que essa fase da vida seja vista com mais

naturalidade e menos preconceito?

Interprete o período a seguir, com base em um trecho do Estatuto do Idoso:

“A garantia de prioridade compreende a viabilização de formas alternativas de

participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações”.

4. O narrador, em Clínica de Repouso, pouco intervém na narrativa, deixa a

história acontecer por meio de diálogos que vão desvelando o caráter da filha de

dona Candinha. Em sua opinião, por que o autor usa esta técnica? Explique.

5. Uma das características do gênero conto é, quase sempre, um final

inesperado, que surpreende. No conto em estudo, pelo desenrolar dos

acontecimentos, foi um final inesperado? Comente.

6. Segundo Gancho (1999, p. 30) “Tema é a ideia em torno da qual se

desenvolve a história. Assunto é a concretização do tema e a mensagem é um

pensamento ou conclusão que se pode depreender da história lida ou ouvida. No

conto Clínica de Repouso, identifique tema, assunto e mensagem. Explique.

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Um conto, talvez diferente dos dois que já foram vistos, é Feliz Aniversário, de

Clarice Lispector. Embora tenha como protagonista uma senhora idosa, que está

completando 89 anos, percebe-se que ela, sentada à cabeceira de uma mesa, pois

é seu aniversário, não deseja estar ali, porque, tem-se a impressão de que todos ao

seu redor estão fingindo, são mesquinhos e a obrigação é que os traz até aquele

recinto.

Após a leitura do conto, pense um pouco sobre esta personagem tão frágil e

ao mesmo tempo tão gigante e fortalecida para expor tudo o que estava sentindo.

1. As personagens em uma narrativa são seres que não existem no mundo

real, mas assumem características que as fazem agir, sonhar, enfim, viver. Faça um

comentário sobre o comportamento de Dona Candinha (Clínica de Repouso) e Dona

Anita (Feliz Aniversário). Aponte diferenças e semelhanças entre elas.

2. Pense em um encontro entre Dona Candinha (Clínica de Repouso) e

Dona Anita (Feliz Aniversário). Elabore um texto (máximo 30 linhas), em forma de

diálogo, em que as duas vão expor seus sentimentos e ressentimentos sobre o que

estão vivendo e o que realmente elas queriam agora para suas vidas.

3. Não há como fugir ao tempo, envelhecemos, se pobres, envelhecemos, se

ricos. O que se percebe nos contos estudados é a presença de um certo

determinismo, porque os fatos estão postos, não há o que mudar, não há o que

fazer. Estima-se que haverá no mundo, em 2025, 1 bilhão e 120 milhões de idosos.

E como a população idosa só tende a aumentar e todos farão parte das estatísticas

um dia, pense em sugestões que possam modificar a triste realidade que temos

hoje. Escreva uma carta (25 linhas em média) ao Presidente da República, pedindo

para que o Estatuto do Idoso não seja apenas mais uma lei no papel. Para que os

gestores públicos trabalhem a fim de que as leis sejam respeitadas, diferentemente

do que se vê hoje no Brasil.

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4. Um traço bastante significativo na obra de Clarice Lispector é a epifania,

que é o momento de revelação, algo se mostra, manifesta-se. Seria uma espécie de

encontro com a verdade, ou melhor dizendo, o encontro consigo mesmo na

percepção da realidade que antes não se apresentava, não era percebida como tal.

Identifique no conto “Feliz Aniversário”, o momento epifânico. Copie o trecho e

explique, de acordo com o que foi exposto sobre epifania.

5. Já que estamos falando sobre uma fase da vida em que o tempo é

fundamental, ou seja, se esgota, parece que mais rapidamente, é importante

analisá-lo nos contos estudados.

Nos três contos, procure identificar o tempo de duração do enredo, ou seja,

começo, meio e fim, quanto tempo levou? É importante recordar que o gênero conto

apresenta, geralmente, tempo limitado, que condensa mais sua dramaticidade. Vá

elencando acontecimentos do texto que provem sua resposta. Esse tempo que você

observou, aumentou ou diminuiu a dramaticidade da história? Comente.

6. Depois de estudados os três contos e feita a leitura do Estatuto do Idoso,

como poderia ser uma vida digna e feliz para Dona Candinha, Dona Anita e o pai de

Tatisa?

7. O conto Feliz Aniversário trata das relações familiares e no centro, Dona

Anita, senhora que está completando 89 anos de idade. Em toda narrativa, há

conflitos que vão aparecendo com o desenrolar do enredo. Identifique neste conto, o

principal conflito e faça um breve comentário.

8. As personagens de uma narrativa podem ser planas ou redondas. As

planas são aquelas que apresentam pouca complexidade, são mais previsíveis. Já

as redondas, ao contrário, apresentam variedade de características físicas,

psicológicas, sociais, etc. Dona Anita pode ser classificada como uma personagem

plana ou redonda? Explique com exemplos.

9. O clímax em uma narrativa é o momento de maior tensão, o ápice do

enredo, o conflito chega ao seu máximo. No conto em questão, qual é o ponto

culminante, ou seja, o clímax? Explique.

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É o momento da ruptura de horizontes de expectativas, relacionados ao

entendimento que os alunos tinham sobre o idoso. Com perguntas orais

direcionadas à turma, o professor terá condições de perceber se o trabalho realizado

modificou a visão que os alunos traziam antes sobre o assunto. Passa-se então aos

questionamentos, ou seja, cada aluno vai redimensionar suas atitudes, suas práticas

em relação ao que era antes. E da junção do antes e do depois, espera-se que

ocorra a ampliação dos horizontes de expectativas, com uma percepção, por parte

dos discentes, de um mundo no qual eles estão inseridos e que deverão dele

participar, respeitando e se comunicando com aqueles que são, na verdade, o

alicerce e, portanto, indispensáveis para a sociedade.

Com essa Unidade Didática, busca-se um despertar de consciências para o

tema proposto. Os alunos deverão ser sensibilizados pelas leituras, discussões e

trabalhos realizados. E que internalizem os conhecimentos adquiridos,

desenvolvendo ações que possam efetivamente levar a mudanças de

comportamento para o bem-estar geral das pessoas idosas.

O tema abordado nos textos trazidos aos alunos, como também sugestões de

vídeos, devem despertar neles a consciência cidadã e levá-los a modificar

comportamentos, não só deles, mas também das pessoas em seu entorno,

estendendo-se para toda a sociedade. Falar sobre o idoso hoje na sociedade é

questão extremamente relevante, pois a cada dia a população de idosos aumenta e

pouco se tem feito para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas. Hoje, no

Brasil, há cerca de 20 milhões de idosos e em 2025, estima-se que o Brasil será o 6º

país mais velho do mundo. É preciso que, desde muito cedo, os pais, a escola e

toda a sociedade eduquem as crianças no sentido de mostrar-lhes a importância do

respeito aos idosos. É necessário conversar com os mais velhos, ouvi-los, isso só

nos enriquecerá e nos tornará pessoas melhores, pois teremos claro que um dia,

estaremos nas mesmas condições, não importando aí classe social, raça, cor, credo

ou nível de escolaridade, todos envelhecem.

É preciso quebrar as barreiras do preconceito, pois com o tempo as pessoas

vão se sentindo frágeis, vulneráveis e cada vez mais precisando do apoio e amor da

família. E é exatamente nessa fase que há o afastamento, o isolamento, o

abandono. No entanto, não é só a família que se esquece de cuidar de seus

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“velhos”, mas, também, o Estado, pois eles não contribuem mais para o

desenvolvimento da nação. As leis que deveriam proteger o idoso, não são

fiscalizadas, não há o interesse para que essa população tenha qualidade de vida,

corre-se o risco de viverem mais, e daí? Como o governo vai conseguir gerenciar

essa situação?

Portanto, é preciso pensar já em estratégias e ações que levem de imediato

à compreensão da realidade hoje vivida pelos idosos de forma geral. Eles não

podem de maneira alguma pensar que não servem para mais nada, muito pelo

contrário, é importante a criação de projetos que levem o idoso a ter atividades

físicas e mentais, como por exemplo, o projeto da UEM (Universidade Estadual de

Maringá), UNATI (Universidade Aberta à Terceira Idade), que é um incentivo para

que as pessoas saiam de casa, socializem-se e permaneçam lúcidas, ativas e

aprendendo sempre.

3.4. QUESTIONANDO O HORIZONTE DE EXPECTATIVA

Objetivos

- Estabelecer associações entre as temáticas dos contos e as diretrizes do

Estatuto do Idoso, visando à valorização das experiências e dos

conhecimentos que os idosos possuem;

- conscientizar-se da necessidade do hábito da leitura e da escrita para um

horizonte de expectativas sempre a se ampliar;

- refletir sobre a realidade que o cerca para a reconstrução de horizontes de

expectativas;

- autoavaliar-se perante o que foi estudado, debatido, discutido, para a

percepção dos conhecimentos adquiridos;

- perceber as dificuldades de leitura encontradas e pensar sobre elas para

que possa ampliar seu conhecimento sobre o tema proposto;

- refletir sobre as verdadeiras necessidades do idoso no Brasil.

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Nessa etapa é importante que o aluno se posicione frente a debates que o

levem a indagar a realidade como está posta. Para isso, a música de Sérgio Reis –

Filho Adotivo – parece oportuna.

1. Após a leitura da letra da música, o que se pode dizer da atitude dos filhos

(de sangue) na história relatada? Comente.

2. Encontre na letra da música, versos que mostrem a preocupação do pai

em relação ao futuro dos filhos. Em contrapartida, houve preocupação dos filhos em

relação ao futuro do pai? Comente.

3. A música é a história de um pai que cria sete filhos com muitas

dificuldades e acaba indo parar em um asilo ( Vide anexo 2). Elenque momentos de

alegria e de tristeza com relação ao pai na letra da música.

4. Com relação aos contos que foram estudados e os personagens idosos do

enredo, como Dona Candinha (Clínica de Repouso), Dona Anita (Feliz Aniversário),

o pai de Tatisa (Antes do Baile Verde) e o pai na música de Sérgio Reis, o que há

de comum e de diferente entre eles? Qual desses personagens “parece” ter tido um

final mais feliz? Comente.

Aqui é o momento dos debates para verificar o que o aluno trazia de

conhecimento e o que possui, depois das atividades que foram desenvolvidas. O

professor terá condições de perceber se o discente confirma ou não os horizontes

de expectativas que antes possuía. Para isso, é preciso explorar ao máximo o

coletivo, deixando que os participantes se posicionem sobre o que para eles foi

Com sacrifício Eu criei meus sete filhos Do meu sangue eram seis E um peguei com quase um mês Fui viajante Fui roceiro, fui andante E prá alimentar meus filhos Não comi prá mais de vez...

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significativo e também sobre as conclusões dos demais colegas. Esse é um

momento de muita importância para a análise do professor, é o termômetro para que

ele possa, a partir das discussões, saber se o aluno ainda permanece no senso

comum ou se já tem condições de ser dono de um discurso que mostre

conhecimento e entendimento do tema, ampliando para o entendimento de mundo.

3.5 AMPLIANDO O HORIZONTE DE EXPECTATIVA

Objetivos

- Pesquisar sobre o tema trabalhado para apresentar no colégio e a toda

comunidade ao entorno. Dramatizando partes dos contos estudados ou

cenas observadas no cotidiano que mostrem o desrespeito para com os

idosos;

- comparar os contos estudados com a própria experiência de vida e situá-

los no contexto da realidade nacional, repensando ações;

- desenvolver atitudes de solidariedade para com os idosos e assumir

compromisso frente à realidade, contribuindo para a transformação, por

intermédio de estudos sobre o tema, comparando textos de vários autores.

Essa etapa, como mostram os objetivos, será de atividades que os alunos

desenvolverão por meio de pesquisas, exposições em murais, com notícias sobre os

idosos. E também farão dramatizações de cenas dos contos que foram trabalhados.

Depois do debate da etapa anterior, poderá surgir a necessidade de novas

atividades que os próprios alunos sugerirão.

E, para que os horizontes de expectativas dos alunos se ampliem ainda mais,

eles serão levados ao asilo São Vicente de Paulo (vide anexo 2), em Maringá-

Paraná, para que conheçam a realidade daqueles que envelheceram e hoje contam

com a presença de quem ainda se lembra que a velhice existe e que, mais cedo do

que se imagina, ela chega para todos. Esse será o momento em que os alunos

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conversarão com os idosos, deixando-os falar sobre como vivem hoje e o que ainda

pensam em fazer.

Também, nessa etapa, serão trabalhadas reportagens cedidas pelo jornal “O

Diário” da cidade de Maringá – Paraná, que abordam questões sobre o idoso (anexo

1).

Após a leitura e comentários sobre as reportagens, os alunos apresentarão,

em pequenos grupos, pontos que acharam relevantes em cada uma delas e por que.

O trabalho conta com fotos que foram tiradas no asilo São Vicente de Paulo

(anexo 2), que serão também expostas em murais para que todos os alunos do

colégio e comunidade vejam e se sensibilizem com a solidão daqueles que

envelheceram.

Educar não é apenas mostrar o lado bom da vida, não que o envelhecimento

traga só coisas ruins, mas é uma fase que precisa ser pensada antes que chegue,

pois é natural o desgaste do corpo e toda a fragilidade que envolve. Em nosso país,

Brasil, a cultura, infelizmente, ainda é olhar o idoso com um certo descaso, não lhe

dando o devido valor, não percebendo toda a bagagem de sabedoria que traz ao

longo da vida.

Após observar atentamente as fotos que mostram partes do asilo, pedir para

que o aluno se veja naquela condição e fale sobre o que poderia ser feito para que a

solidão fosse diminuída.

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4. CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO

Os alunos serão avaliados por intermédio das atividades realizadas: leituras

sobre o tema; participação nas discussões; dramatizações; elaboração de

produções textuais, em grupo e individual para serem expostas à comunidade

escolar e do bairro, onde está inserido o colégio; visitas a idosos nos asilos e no

bairro de origem do aluno.

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5. AVALIAÇÃO

Segundo as DCEs (2008, p. 31), “No processo educativo, a avaliação deve se

fazer presente, tanto como meio de diagnóstico do processo ensino-aprendizagem

quanto como instrumento de investigação da prática pedagógica”. Assim, todas as

atividades realizadas pelos alunos serão observadas e avaliadas no sentido de

perceber se estão promovendo no aluno o devido crescimento esperado,

respeitando o ritmo de cada um. Portanto, as avaliações se darão priorizando:

oralidade (debates, na troca informal de ideias, entrevista, discussões, etc.); leitura

(fluência, entonação, respeito à pontuação, etc.); escrita ( argumentos consistentes,

coesão e coerência textual, organização dos parágrafos, etc.); análise lingüística (

linguagem formal e informal, ampliação lexical, operadores argumentativos e

modalizadores contextualizados, etc.). A avaliação tem, pois, o objetivo de formar e

incluir para que haja ampliação dos horizontes de expectativas dos alunos.

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6. REFERÊNCIAS

AGUIAR, Vera Teixeira de; BORDINI, Maria da Glória. Literatura: A formação do leitor : alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.

AMORA, Antônio Soares. Teoria da Literatura . 7ª Ed. Ver. São Paulo: Editora Cássico-científica, 1969.

DIRETRIZES CURRICULARES DA EDUCAÇÃO BÁSICA – LÍNGUA PORTUGUESA – PARANÁ – 2008.

GANCHO, Cândida Vilares. Como Analisar narrativas. . São Paulo. Ática, 1999.

JAUSS, R.A. A história da literatura como provocação à teoria l iterária . Trad. S. Terallaroli. São Paulo. Ática, 1994.

http.www. g1. Globo.com. Acesso em 05-02-10.

O Diário do Norte do Paraná . Maringá-Paraná, 2010.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de Leitura . 6º Ed. Porto Alegre, 1998.

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OBS.: O Diário do Norte do Paraná autorizou o uso das reportagens, assim também como o Asilo são Vicente de Paulo autorizou o uso das fotos.

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ANEXO 1 - REPORTAGENS SOBRE O IDOSO

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ANEXO 2 - FOTOS TIRADAS NO ASILO SÃO VICENTE DE PAULO

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ANEXO 3 - CONTOS

Feliz Aniversário – Clarice Lispector

A família foi pouco a pouco chegando. Os que vieram de Olaria estavam

muito bem vestidos porque a visita significava ao mesmo tempo um passeio a Copacabana. A nora de Olaria apareceu de azul-marinho, com enfeite de paetês e um drapeado disfarçando a barriga sem cinta. O marido não veio por razões óbvias: não queria ver os irmãos. Mas mandara sua mulher para que nem todos os laços fossem cortados — e esta vinha com o seu melhor vestido para mostrar que não precisava de nenhum deles, acompanhada dos três filhos: duas meninas já de peito nascendo, infantilizadas em babados cor-de-rosa e anáguas engomadas, e o menino acovardado pelo terno novo e pela gravata. Tendo Zilda — a filha com quem a aniversariante morava — disposto cadeiras unidas ao longo das paredes, como numa festa em que se vai dançar, a nora de Olaria, depois de cumprimentar com cara fechada aos de casa, aboletou-se numa das cadeiras e emudeceu, a boca em bico, mantendo sua posição de ultrajada. "Vim para não deixar de vir", dissera ela a Zilda, e em seguida sentara-se ofendida. As duas mocinhas de cor-de-rosa e o menino, amarelos e de cabelo penteado, não sabiam bem que atitude tomar e ficaram de pé ao lado da mãe, impressionados com seu vestido azul-marinho e com os paetês.Depois veio a nora de Ipanema com dois netos e a babá. O marido viria depois. E como Zilda — a única mulher entre os seis irmãos homens e a única que, estava decidido já havia anos, tinha espaço e tempo para alojar a aniversariante — e como Zilda estava na cozinha a ultimar com a empregada os croquetes e sanduíches, ficaram: a nora de Olaria empertigada com seus filhos de coração inquieto ao lado; a nora de Ipanema na fila oposta das cadeiras fingindo ocupar-se com o bebê para não encarar a concunhada de Olaria; a babá ociosa e uniformizada, com a boca aberta. E à cabeceira da mesa grande a aniversariante que fazia hoje oitenta e nove anos.Zilda, a dona da casa, arrumara a mesa cedo, enchera-a de guardanapos de papel colorido e copos de papelão alusivos à data, espalhara balões sungados pelo teto em alguns dos quais estava escrito "Happy Birthday!", em outros "Feliz Aniversário!" No centro havia disposto o enorme bolo açucarado. Para adiantar o expediente, enfeitara a mesa logo depois do almoço, encostara as cadeiras à parede, mandara os meninos brincar no vizinho para não desarrumar a mesa. E, para adiantar o expediente, vestira a aniversariante logo depois do almoço. Pusera-lhe desde então a presilha em torno do pescoço e o broche, borrifara-lhe um pouco de água-de-colônia para disfarçar aquele seu cheiro de guardado — sentara-a à mesa. E desde as duas horas a aniversariante estava sentada à cabeceira da longa mesa vazia, tesa na sala silenciosa. De vez em quando consciente dos guardanapos coloridos. Olhando curiosa um ou outro balão

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estremecer aos carros que passavam. E de vez em quando aquela angústia muda: quando acompanhava, fascinada e impotente, o vôo da mosca em torno do bolo. Até que às quatro horas entrara a nora de Olaria e depois a de Ipanema.Quando a nora de Ipanema pensou que não suportaria nem um segundo mais a situação de estar sentada defronte da concunhada de Olaria — que cheia das ofensas passadas não via um motivo para desfitar desafiadora a nora de Ipanema — entraram enfim José e a família. E mal eles se beijavam, a sala começou a ficar cheia de gente que ruidosa se cumprimentava como se todos tivessem esperado embaixo o momento de, em afobação de atraso, subir os três lances de escada, falando, arrastando crianças surpreendidas, enchendo a sala — e inaugurando a festa. Os músculos do rosto da aniversariante não a interpretavam mais, de modo que ninguém podia saber se ela estava alegre. Estava era posta á cabeceira. Tratava-se de uma velha grande, magra, imponente e morena. Parecia oca. — Oitenta e nove anos, sim senhor! disse José, filho mais velho agora que Jonga tinha morrido. — Oitenta e nove anos, sim senhora! disse esfregando as mãos em admiração pública e como sinal imperceptível para todos.Todos se interromperam atentos e olharam a aniversariante de um modo mais oficial. Alguns abanaram a cabeça em admiração como a um recorde. Cada ano vencido pela aniversariante era uma vaga etapa da família toda. Sim senhor! disseram alguns sorrindo timidamente.— Oitenta e nove anos!, ecoou Manoel que era sócio de José. É um brotinho!, disse espirituoso e nervoso, e todos riram, menos sua esposa.A velha não se manifestava.Alguns não lhe haviam trazido presente nenhum. Outros trouxeram saboneteira, uma combinação de jérsei, um broche de fantasia, um vasinho de cactos — nada, nada que a dona da casa pudesse aproveitar para si mesma ou para seus filhos, nada que a própria aniversariante pudesse realmente aproveitar constituindo assim uma economia: a dona da casa guardava os presentes, amarga, irônica.— Oitenta e nove anos! repetiu Manoel aflito, olhando para a esposa.A velha não se manifestava.Então, como se todos tivessem tido a prova final de que não adiantava se esforçarem, com um levantar de ombros de quem estivesse junto de uma surda, continuaram a fazer a festa sozinhos, comendo os primeiros sanduíches de presunto mais como prova de animação que por apetite, brincando de que todos estavam morrendo de fome. O ponche foi servido, Zilda suava, nenhuma cunhada ajudou propriamente, a gordura quente dos croquetes dava um cheiro de piquenique; e de costas para a aniversariante, que não podia comer frituras, eles riam inquietos. E Cordélia? Cordélia, a nora mais moça, sentada, sorrindo.— Não senhor! respondeu José com falsa severidade, hoje não se fala em negócios!— Está certo, está certo! recuou Manoel depressa, olhando rapidamente para sua mulher que de longe estendia um ouvido atento.— Nada de negócios, gritou José, hoje é o dia da mãe!Na cabeceira da mesa já suja, os copos maculados, só o bolo inteiro — ela era a mãe. A aniversariante piscou os olhos. E quando a mesa estava imunda, as mães enervadas com o barulho que os filhos faziam, enquanto as avós se recostavam complacentes nas cadeiras, então fecharam a inútil luz do corredor para acender a vela do bolo, uma vela grande com um papelzinho colado onde estava escrito "89". Mas ninguém elogiou a idéia de Zilda, e ela se perguntou angustiada se eles não

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estariam pensando que fora por economia de velas — ninguém se lembrando de que ninguém havia contribuído com uma caixa de fósforos sequer para a comida da festa que ela, Zilda, servia como uma escrava, os pés exaustos e o coração revoltado. Então acenderam a vela. E então José, o líder, cantou com muita força, entusiasmando com um olhar autoritário os mais hesitantes ou surpreendidos, "vamos! todos de uma vez!" — e todos de repente começaram a cantar alto como soldados. Despertada pelas vozes, Cordélia olhou esbaforida. Como não haviam combinado, uns cantaram em português e outros em inglês. Tentaram então corrigir: e os que haviam cantado em inglês passaram a português, e os que haviam cantado em português passaram a cantar bem baixo em inglês. Enquanto cantavam, a aniversariante, à luz da vela acesa, meditava como junto de uma lareira.Escolheram o bisneto menor que, debruçado no colo da mãe encorajadora, apagou a chama com um único sopro cheio de saliva! Por um instante bateram palmas à potência inesperada do menino que, espantado e exultante, olhava para todos encantado. A dona da casa esperava com o dedo pronto no comutador do corredor - e acendeu a lâmpada.— Viva mamãe!— Viva vovó!— Viva D. Anita, disse a vizinha que tinha aparecido.— Happy birthday! Gritaram os netos, do Colégio Bennett. Bateram ainda algumas palmas ralas.A aniversariante olhava o bolo apagado, grande e seco.— Parta o bolo, vovó! disse a mãe dos quatro filhos, é ela quem deve partir! assegurou incerta a todos, com ar íntimo e intrigante. E, como todos aprovassem satisfeitos e curiosos, ela se tornou de repente impetuosa: — parta o bolo, vovó!E de súbito a velha pegou na faca. E sem hesitação , como se hesitando um momento ela toda caísse para a frente, deu a primeira talhada com punho de assassina.— Que força, segredou a nora de Ipanema, e não se sabia se estava escandalizada ou agradavelmente surpreendida. Estava um pouco horrorizada.— Há um ano atrás ela ainda era capaz de subir essas escadas com mais fôlego do que eu, disse Zilda amarga.Dada a primeira talhada, como se a primeira pá de terra tivesse sido lançada, todos se aproximaram de prato na mão, insinuando-se em fingidas acotoveladas de animação, cada um para a sua pazinha.Em breve as fatias eram distribuídas pelos pratinhos, num silêncio cheio de rebuliço. As crianças pequenas, com a boca escondida pela mesa e os olhos ao nível desta, acompanhavam a distribuição com muda intensidade. As passas rolavam do bolo entre farelos secos. As crianças angustiadas viam se desperdiçarem as passas, acompanhavam atentas a queda.E quando foram ver, não é que a aniversariante já estava devorando o seu último bocado?E por assim dizer a festa estava terminada. Cordélia olhava ausente para todos, sorria.— Já lhe disse: hoje não se fala em negócios! respondeu José radiante.— Está certo, está certo! recolheu-se Manoel conciliador sem olhar a esposa que não o desfitava. Está certo, tentou Manoel sorrir e uma contração passou-lhe rápido pelos músculos da cara.— Hoje é dia da mãe! disse José.Na cabeceira da mesa, a toalha manchada de coca-cola, o bolo desabado, ela era a mãe. A aniversariante piscou. Eles se mexiam agitados, rindo, a sua família. E ela era a mãe de todos. E se de repente não se ergueu, como um morto se levanta devagar e obriga mudez e terror aos vivos, a aniversariante ficou mais dura na cadeira, e mais alta. Ela era a mãe de todos. E como a presilha a sufocasse, ela era

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a mãe de todos e, impotente à cadeira, desprezava-os. E olhava-os piscando. Todos aqueles seus filhos e netos e bisnetos que não passavam de carne de seu joelho, pensou de repente como se cuspisse. Rodrigo, o neto de sete anos, era o único a ser a carne de seu coração, Rodrigo, com aquela carinha dura, viril e despenteada. Cadê Rodrigo? Rodrigo com olhar sonolento e intumescido naquela cabecinha ardente, confusa. Aquele seria um homem. Mas, piscando, ela olhava os outros, a aniversariante. Oh o desprezo pela vida que falhava. Como?! Como tendo sido tão forte pudera dar á luz aqueles seres opacos, com braços moles e rostos ansiosos? Ela, a forte, que casara em hora e tempo devidos com um bom homem a quem, obediente e independente, ela respeitara; a quem respeitara e que lhe fizera filhos e lhe pagara os partos e lhe honrara os resguardos. O tronco fora bom. Mas dera aqueles azedos e infelizes frutos, sem capacidade sequer para uma boa alegria. Como pudera ela dar à luz aqueles seres risonhos, fracos, sem austeridade? O rancor roncava no seu peito vazio. Uns comunistas, era o que eram; uns comunistas. Olhou-os com sua cólera de velha. Pareciam ratos se acotovelando, a sua família. Incoercível, virou a cabeça e com força insuspeita cuspiu no chão.— Mamãe! gritou mortificada a dona da casa. Que é isso, mamãe! gritou ela passada de vergonha, e não queria sequer olhar os outros, sabia que os desgraçados se entreolhavam vitoriosos como se coubesse a ela dar educação à velha, e não faltaria muito para dizerem que ela já não dava mais banho na mãe, jamais compreenderiam o sacrifício que ela fazia. — Mamãe, que é isso! — disse baixo, angustiada. — A senhora nunca fez isso! — acrescentou alto para que todos ouvissem, queria se agregar ao espanto dos outros, quando o galo cantar pela terceira vez renegarás tua mãe. Mas seu enorme vexame suavizou-se quando ela percebeu que eles abanavam a cabeça como se estivessem de acordo que a velha não passava agora de uma criança.— Ultimamente ela deu pra cuspir, terminou então confessando contrita para todos.Todos olharam a aniversariante, compungidos, respeitosos, em silêncio.Pareciam ratos se acotovelando, a sua família. Os meninos, embora crescidos — provavelmente já além dos cinqüenta anos, que sei eu! — os meninos ainda conservavam os traços bonitinhos. Mas que mulheres haviam escolhido! E que mulheres os netos — ainda mais fracos e mais azedos — haviam escolhido. Todas vaidosas e de pernas finas, com aqueles colares falsificados de mulher que na hora não agüenta a mão, aquelas mulherezinhas que casavam mal os filhos, que não sabiam pôr uma criada em seu lugar, e todas elas com as orelhas cheias de brincos — nenhum, nenhum de ouro! A raiva a sufocava.— Me dá um copo de vinho! disse. O silêncio se fez de súbito, cada um com o copo imobilizado na mão.— Vovozinha, não vai lhe fazer mal? insinuou cautelosa a neta roliça e baixinha.— Que vovozinha que nada! explodiu amarga a aniversariante. — Que o diabo vos carregue, corja de maricas, cornos e vagabundas! me dá um copo de vinho, Dorothy! — ordenou.Dorothy não sabia o que fazer, olhou para todos em pedido cômico de socorro. Mas, como máscaras isentas e inapeláveis, de súbito nenhum rosto se manifestava. A festa interrompida, os sanduíches mordidos na mão, algum pedaço que estava na boca a sobrar seco, inchando tão fora de hora a bochecha. Todos tinham ficado cegos, surdos e mudos,

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com croquetes na mão. E olhavam impassíveis. Desamparada, divertida, Dorothy deu o vinho: astuciosamente apenas dois dedos no copo. Inexpressivos, preparados, todos esperaram pela tempestade.Mas não só a aniversariante não explodiu com a miséria de vinho que Dorothy lhe dera como não mexeu no copo. Seu olhar estava fixo, silencioso. Como se nada tivesse acontecido. Todos se entreolharam polidos, sorrindo cegamente, abstratos como se um cachorro tivesse feito pipi na sala. Com estoicismo, recomeçaram as vozes e risadas. A nora de Olaria, que tivera o seu primeiro momento uníssono com os outros quando a tragédia vitoriosamente parecia prestes a se desencadear, teve que retornar sozinha à sua severidade, sem ao menos o apoio dos três filhos que agora se misturavam traidoramente com os outros. De sua cadeira reclusa, ela analisava crítica aqueles vestidos sem nenhum modelo, sem um drapeado, a mania que tinham de usar vestido preto com colar de pérolas, o que não era moda coisa nenhuma, não passava era de economia. Examinando distante os sanduíches que quase não tinham levado manteiga. Ela não se servira de nada, de nada! Só comera uma coisa de cada, para experimentar. E por assim dizer, de novo a festa estava terminada. As pessoas ficaram sentadas benevolentes. Algumas com a atenção voltada para dentro de si, à espera de alguma coisa a dizer. Outras vazias e expectantes, com um sorriso amável, o estômago cheio daquelas porcarias que não alimentavam mas tiravam a fome. As crianças, já incontroláveis, gritavam cheias de vigor. Umas já estavam de cara imunda; as outras, menores, já molhadas; a tarde cala rapidamente. E Cordélia, Cordélia olhava ausente, com um sorriso estonteado, suportando sozinha o seu segredo. Que é que ela tem? alguém perguntou com uma curiosidade negligente, indicando-a de longe com a cabeça, mas também não responderam. Acenderam o resto das luzes para precipitar a tranqüilidade da noite, as crianças começavam a brigar. Mas as luzes eram mais pálidas que a tensão pálida da tarde. E o crepúsculo de Copacabana, sem ceder, no entanto se alargava cada vez mais e penetrava pelas janelas como um peso.— Tenho que ir, disse perturbada uma das noras levantando-se e sacudindo os farelos da saia. Vários se ergueram sorrindo.A aniversariante recebeu um beijo cauteloso de cada um como se sua pele tão infamiliar fosse uma armadilha. E, impassível, piscando, recebeu aquelas palavras propositadamente atropeladas que lhe diziam tentando dar um final arranco de efusão ao que não era mais senão passado: a noite já viera quase totalmente. A luz da sala parecia então mais amarela e mais rica, as pessoas envelhecidas. As crianças já estavam histéricas.— Será que ela pensa que o bolo substitui o jantar, indagava-se a velha nas suas profundezas.Mas ninguém poderia adivinhar o que ela pensava. E para aqueles que junto da porta ainda a olharam uma vez, a aniversariante era apenas o que parecia ser: sentada à cabeceira da mesa imunda, com a mão fechada sobre a toalha como encerrando um cetro, e com aquela mudez que era a sua última palavra. Com um punho fechado sobre a mesa, nunca mais ela seria apenas o que ela pensasse. Sua aparência afinal a ultrapassara e, superando-a, se agigantava serena. Cordélia olhou-a espantada. O punho mudo e severo sobre a mesa dizia para a infeliz nora que sem remédio amava talvez pela última vez: É preciso que se saiba. É preciso que se saiba. Que a

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vida é curta. Que a vida é curta. Porém nenhuma vez mais repetiu. Porque a verdade era um relance. Cordélia olhou-a estarrecida. E, para nunca mais, nenhuma vez repetiu — enquanto Rodrigo, o neto da aniversariante, puxava a mão daquela mãe culpada, perplexa e desesperada que mais uma vez olhou para trás implorando à velhice ainda um sinal de que uma mulher deve, num ímpeto dilacerante, enfim agarrar a sua derradeira chance e viver. Mais uma vez Cordélia quis olhar. Mas a esse novo olhar — a aniversariante era uma velha à cabeceira da mesa.Passara o relance. E arrastada pela mão paciente e insistente de Rodrigo a nora seguiu-o espantada. — Nem todos têm o privilégio e o orgulho de se reunirem em torno da mãe, pigarreou José lembrando-se de que Jonga é quem fazia os discursos.— Da mãe, vírgula! riu baixo a sobrinha, e a prima mais lenta riu sem achar graça.— Nós temos, disse Manoel acabrunhado sem mais olhar para a esposa. Nós temos esse grande privilégio disse distraído enxugando a palma úmida das mãos.Mas não era nada disso, apenas o mal-estar da despedida, nunca se sabendo ao certo o que dizer, José esperando de si mesmo com perseverança e confiança a próxima frase do discurso. Que não vinha. Que não vinha. Que não vinha. Os outros aguardavam. Como Jonga fazia falta nessas horas — José enxugou a testa com o, lenço — como Jonga fazia falta nessas horas! Também fora o único a quem a velha sempre aprovara e respeitara, e isso dera a Jonga tanta segurança. E quando ele morrera, a velha nunca mais falara nele, pondo um muro entre sua morte e os outros. Esquecera-o talvez. Mas não esquecera aquele mesmo olhar firme e direto com que desde sempre olhara os outros filhos, fazendo-os sempre desviar os olhos. Amor de mãe era duro de suportar: José enxugou a testa, heróico, risonho.E de repente veio a frase:— Até o ano que vem! disse José subitamente com malícia, encontrando, assim, sem mais nem menos, a frase certa: uma indireta feliz! Até o ano que vem, hein?, repetiu com receio de não ser compreendido.Olhou-a, orgulhoso da artimanha da velha que espertamente sempre vivia mais um ano.— No ano que vem nos veremos diante do bolo aceso! esclareceu melhor o filho Manoel, aperfeiçoando o espírito do sócio. Até o ano que vem, mamãe! e diante do bolo aceso! disse ele bem explicado, perto de seu ouvido, enquanto olhava obsequiador para José. E a velha de súbito cacarejou um riso frouxo, compreendendo a alusão.Então ela abriu a boca e disse:— Pois é.Estimulado pela coisa ter dado tão inesperadamente certo, José gritou-lhe emocionado, grato, com os olhos úmidos:— No ano que vem nos veremos, mamãe!— Não sou surda! disse a aniversariante rude, acarinhada.Os filhos se olharam rindo, vexados, felizes. A coisa tinha dado certo. As crianças foram saindo alegres, com o apetite estragado. A nora de Olaria deu um cascudo de vingança no filho alegre demais e já sem gravata. As escadas eram difíceis, escuras, incrível insistir em morar num prediozinho que seria fatalmente demolido mais dia menos dia, e na ação de despejo Zilda ainda ia dar trabalho e querer empurrar a velha para as noras — pisado o último degrau, com alívio os convidados se encontraram na tranqüilidade fresca da rua. Era noite, sim. Com o seu primeiro arrepio. Adeus, até outro dia, precisamos nos ver. Apareçam, disseram rapidamente. Alguns conseguiram olhar nos olhos dos outros com uma cordialidade sem receio. Alguns abotoavam os casacos das crianças, olhando o céu à procura de um sinal do

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tempo. Todos sentindo obscuramente que na despedida se poderia talvez, agora sem perigo de compromisso, ser bom e dizer aquela palavra a mais — que palavra? Eles não sabiam propriamente, e olhavam-se sorrindo, mudos. Era um instante que pedia para ser vivo. Mas que era morto. Começaram a se separar, andando meio de costas, sem saber como se desligar dos parentes sem brusquidão. — Até o ano que vem! repetiu José a indireta feliz, acenando a mão com vigor efusivo, os cabelos ralos e brancos esvoaçavam. Ele estava era gordo, pensaram, precisava tomar cuidado com o coração. Até o ano que vem! Gritou José eloqüente e grande, e sua altura parecia desmoronável. Mas as pessoas já afastadas não sabiam se deviam rir alto para ele ouvir ou se bastaria sorrir mesmo no escuro. Além de alguns pensarem que felizmente havia mais do que uma brincadeira na indireta e que só no próximo ano seriam obrigados a se encontrar diante do bolo aceso; enquanto que outros, já mais no escuro da rua, pensavam se a velha resistiria mais um ano ao nervoso e à impaciência de Zilda, mas eles sinceramente nada podiam fazer a respeito: "Pelo menos noventa anos", pensou melancólica a nora de Ipanema. "Para completar uma data bonita", pensou sonhadora.

Enquanto isso, lá em cima, sobre escadas e contingências, estava a aniversariante sentada á cabeceira da mesa, erecta, definitiva, maior do que ela mesma. Será que hoje não vai ter jantar, meditava ela. A morte era seu mistério.

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Clínica de Repouso – Dalton Trevisan

Dona Candinha deparou na sala o moço no sofá de veludo e a filha servindo

cálice de vinho doce com broinha de fubá mimoso.

- Mãezinha, este é o João.

Mais que depressa o tipo de bigodinho foi beijar a mão da velha, que se esquivou à gentileza. O mocinho sorvia o terceiro cálice, Maria chamou a mãe para a cozinha, pediu-lhe que o aceitasse por alguns dias.

- Como pensionista?

Não, hospede da família. Irmão de uma amiga de infância, sem conhecer ninguém de Curitiba, não podia pagar pensão até conseguir emprego.

Dias mais tarde a velha descobriu que, primeiro, o distinto já estava empregado ( colega de repartição da Maria) e segundo, ainda que dez anos mais moço, era namorado da filha. A situação desmoralizava a velha e comprometia a menina. Dona Candinha discutiu com a filha e depois com o noivo, que achava a seu gosto a combinação.

- Sou moço simples, minha senhora. Uma coxinha de frango é o que me basta. Ovo frito na manteiga.

Dona Candinha os surpreendia aos beijos no sofá. A filha saía com o rapaz, voltavam depois da meia-noite. Às três da manhã a velha acordava com passos furtivos no corredor.

- Você põe esse moço na rua. Ou tomo um a providência.

- A senhora não seja louca.

Maria era maior, podia entrar a hora que bem quisesse, a velha estava caduca. Assim que a filha saiu, dona Candinha bateu na porta do hóspede, ainda em pijama azul de seda com bolinha branca.

- Moço, você ganha na vida. Tem como se manter. Trate de ir embora.

De volta das compras ( delicadezas para o príncipe de bigodinho), a filha insultou dona Candinha aos gritos de velha doida, maníaca, avarenta.

- Não vai me dar um tostão para esse pilantra. Ai, minha filha, como eu me arrependo do dia em que noivou.

Maria nem pode responder.

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- Eu, sim, me arrependo do dia em que a senhora casou.

Sentiu-se afrontada a velhota, com palpitação, tontura, pé frio. Arrastou-se quietinha para a cama, cobriu a cabeça com o lençol:

- Apague a luz – ela gemeu – que vou morrer.

Susto tão grande que o rapaz resolveu arrumar a mala. Manhã seguinte a velha pulou cedo, alegrinha espanou coloridos de louça a filha não almoçou e antes de bater a porta:

- o João volta ou eu saio de casa. A vergonha é da senhora.

Dona Candinha fez promessa para as almas do purgatório. Tão aflita, em vez de rezar dia por dia, rematou a novena numa tarde só.

- Menina, não se fie de moço com dente de ouro.

- Lembre-se, mãe, a senhora me despediu.

- Vá com seu noivo. Depois não se queixe, filha ingrata.

De tanto se agoniar Dona Candinha caiu de cama.

- A senhora não me ilude. Finge-se doente para me castigar. Com este calor debaixo da coberta.

- Muito fraca. Eu suo na cabeça. O pé sempre frio.

Deliciada quando a moça trazia chá com torrada. Terceiro dia, a filha irrompe no quarto, escancara a janela. Introduz o gordo perfumado:

- O médico para a senhora.

O doutor examinou-a e, para o esgotamento nervoso, receitou cura de repouso.

- A senhora vai por bem – intimou a filha. – Ou então à força.

Queria o convento das freiras e não o hospital, que lhe recordava o falecido, entrevado na cadeira de rodas. Umas colheradas de canja, cochilou gostosamente. Às duas da tarde, o aposento,invadido pela filha, o noivo e um enfermeiro de avental sujo.

- É já que vai para a clínica.

- Eu vou se não for asilo de louco. Bem longe do doutor Alô.

Um táxi esperava na porta, o noivo sentou-se ao lado do motorista, ela apertada entre a filha e o enfermeiro. Quando viu estava no asilo Nossa Senhora da Luz, perdida com doida, epilética, alcoólatra. Nunca entrava sol no pavilhão, a

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umidade escorria da parede, o chão de cimento. De noite o maldito olho amarelo sempre aceso no fio manchado de mosca.

- Quem reclama – era o sistema do doutro Alô – ganha choque!

Ao menor protesto ou queixume:

- Olhe o choque, melindrosa! Olha a injeção na espinha! Olha a insulina na veia!

Um banheiro só e, depois de esperar na fila, aquela imundície no chão e na parede. A louquinha auxiliava a servente que, essa, fazia de enfermeira. Intragável o feijão com arroz, dona Candinha sustentava-se a chá de mate e biscoito duro. Engolia com esforço o caldo ralo de repolho.

Vinte e dois dias depois recebeu a visita da filha, o noivo fumava na porta.

- A senhora fazendo greve de fome?

- Na minha casa o arroz é escolhido, o feijão é lavado.

- Só de braba não come.

Daí a tortura da sede. Servia-se da torneira do banheiro, não é que uma possessa vomitou na pia? Foi encher o copo, deu com tamanho horror. Embora lavada a pia, guardou a impressão e sofria a sede.

- Doidinha eu sou – disse uma das mansas. – Meu lugar é aqui. Mas a senhora, fazendo o quê?

Uma lunática oferecia-lhe bolacha e fruta. Mandou bilhete na sua letra caprichada, a filha só apareceu domingo seguinte.

- A senhora não está boa. Nem penteia o cabelo. Não cumprimenta o doutor Alô.

- Essa ingratidão não posso aceitar – e abafava o soluço no pavor do choque. – Não sou maluca e sei me mandar.

- Prove.

- com o túmulo do seu pai. Já pintado de azul.

Instalado na casa, o noivo regalava-se com ovo frito na manteiga, coxinha gorda de frango.

- Quem não como – advertia a servente – vai para o choque!

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Dona Candinha encheu-se coragem e choramingou para a freira superiora que não tomava sol, sofria de reumatismo, com a gritaria das furiosas quem podia dormir?

Ao cruzar a enfermaria, a freira chamou uma das bobas:

- Você é nova aqui?

- Entrei ontem, sim senhora.

- Se tiver alguma queixa, fale com dona Candinha. – E batendo palmas de tanta graça. – É a palhaça do circo.

A servente largava o balde e o enxergão, sem lavar as mãos aplicava a insulina na veia de uma possessa. Dona Candinha fingia tossir e cuspia a pílula escondida no buraco do dente.

Chorando de manhã ao se lembrar do tempo feliz com o finado.À noite chorava outra vez: menina tão amorosa, hoje a feroz inimiga. Não doía ter sido internada – culpa sua não sair da cama. Mas, sabendo o que sofria, a moça não a tirasse dali.

- Minha própria filha? – estalou baixinho a língua ressequida. – Que não me acudiu na maior precisão?

Surpreendia rondando o portão, confiscaram-lhe a roupa, agora em camisola imunda e chinelo de pelúcia. Sem se aquecer ao sol, sobrevivendo aos golinhos de chá frio e bolacha Maria. Tão fraca nem podia ler, as letras embaralhadas mesmo de óculo.

- Olha essa mulher, doutor era a filha, vestido preto de cetim, lábio de purpurina, pulseira prateada. – Domingo de sol, uma pessoa deitada? O dia inteiro chorando e se queixando. Aqui não falta nada, que mais ela quer?

- Vá se embora – respondeu docemente a velha. – Desapareça da minha vista. Você mais o dente de ouro.

De dia o rádio ligado a todo o volume. À noite, a gritaria furiosa das lunáticas. Sentadinha na cama, distraía-se a velha a espiar uma nesga de céu. Com paciência, amansa uma mosca das grandes, que vem comer na sua mão arrepiada de cócega. Há três dias, afeiçoada à velhinha, não foge a mosca por entre as grades da janela.

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Antes do Baile Verde – Lygia Fagundes Telles

O Rancho Azul e Branco desfilava com seus passistas vestidos à Luís XV e sua porta-estandarte de peruca prateada em forma de pirâmide, os cachos desabados na testa, a cauda do vestido de cetim arrastando-se enxovalhada pelo asfalto. O negro do bumbo fez uma profunda reverência diante das duas mulheres, debruçadas na janela e prosseguiu com seu chapéu de três bicos, fazendo flutuar a capa encharcada de suor.

– Ele gostou de você – disse a jovem, voltando-se para a mulher que ainda aplaudia. – O cumprimento foi na sua direção, viu que chique?

A preta deu uma risadinha.

– Meu homem é mil vezes mais bonito, pelo menos na minha opinião. E já deve estar chegando, ficou de me pegar às dez na esquina. Se me atraso, ele começa a encher a caveira e pronto, não sai mais nada.

A jovem tomou-a pelo braço e arrastou-a até a mesa de cabeceira. O quarto estava revolvido como se um ladrão tivesse passado por ali e despejado caixas e gavetas.

– Estou atrasadíssima, Lu! Essa fantasia é fogo... Tenha paciência, mas você vai me ajudar um pouquinho.

– Mas você ainda não acabou?

Sentando-se na cama, a jovem abriu sobre os joelhos o saiote verde. Usava biquíni e meias rendadas também verdes.

– Acabei o que, falta pregar tudo isso ainda, olha aí... Fui inventar um raio de pierrete dificílima!

A preta aproximou-se, alisando com as mãos o quimono de seda brilhante. Espetado na carapinha trazia um crisântemo de papel-crepom vermelho. Sentou-se ao lado da moça.

– O Raimundo já deve estar chegando, ele fica uma onça se me atraso. A gente vai ver os ranchos, hoje quero ver todos.

– Tem tempo, sossega – atalhou a jovem. Afastou os cabelos que lhe caíam nos olhos.

Levantou o abajur que tombou na mesinha. – Não sei como fui me atrasar desse jeito.

– Mas não posso perder o desfile, viu, Tatisa? Tudo, menos perder o desfile!

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– E quem está dizendo que você vai perder?

A mulher enfiou o dedo no pote de cola e baixou-se de leve nas lantejoulas do pires. Em seguida, levou o dedo até o saiote e ali deixou as lantejoulas formando uma constelação desordenada. Colheu uma lantejoula que escapara e delicadamente tocou com ela na cola.

Depositou-a no saiote, fixando-a com pequenos movimentos circulares.

– Mas se tiver que pregar as lantejoulas em todo o saiote...

– Já começou a queixação? Achei que dava tempo e agora não posso largar a coisa pela metade, vê se entende! Você ajudando vai num instante, já me pintei, olha aí, que tal minha cara? Você nem disse nada, sua bruxa! Hein?... Que tal?

A mulher sorriu.

– Ficou bonito, Tatisa. Com o cabelo assim verde, você está parecendo uma alcachofra, tão gozado. Não gosto é desse verde na unha, fica esquisito.

Num movimento brusco, a jovem levantou a cabeça para respirar melhor. Passou o dorso da mão na face afogueada.

– Mas as unhas é que dão a nota, sua tonta. É um baile verde, as fantasias têm que ser verdes, tudo verde. Mas não precisa ficar me olhando, vamos, não pare, pode falar, mas vá trabalhando. Falta mais da metade, Lu!

– Estou sem óculos, não enxergo direito sem os óculos.

– Não faz mal – disse a jovem, limpando no lençol o excesso de cola que lhe escorreu pelo dedo. – Vá grudando de qualquer jeito que lá dentro ninguém vai reparar, vai ter gente à beca. O que está me endoidando é este calor, não agüento mais, tenho a impressão de que estou me derretendo, você não sente? Calor bárbaro! A mulher tentou prender o crisântemo que resvalara para o pescoço. Franziu a testa e baixou o tom de voz.

– Estive lá.

– E daí?

– Ele está morrendo.

Um carro passou na rua, buzinando freneticamente. Alguns meninos puseram-se a cantar aos gritos, o compasso marcado pelas batidas numa frigideira: A coroa do rei não é de ouro nem de prata...

– Parece que estou num forno – gemeu a jovem, dilatando as narinas porejadas de suor. –Se soubesse, teria inventado uma fantasia mais leve.

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– Mais leve do que isso? Você está quase nua, Tatisa. Eu ia com a minha havaiana, mas só porque aparece um pedaço da coxa o Raimundo implica. Imagine você então... Com a ponta da unha, Tatisa colheu uma lantejoula que se enredara na renda da meia. Deixou-a cair na pequena constelação que ia armando na barra do saiote e ficou raspando pensativamente um pingo ressequido de cola que lhe caíra no joelho. Vagava o olhar pelos objetos, sem fixar-se em nenhum. Falou num tom sombrio:

– Você acha, Lu?

– Acha o quê?

– Que ele está morrendo?

– Ah, está sim. Conheço bem isso, já vi um monte de gente morrer, agora já sei como é. Ele não passa desta noite.

– Mas você já se enganou uma vez, lembra? Disse que ele ia morrer, que estava nas últimas... E no dia seguinte ele já pedia leite, radiante.

– Radiante? – espantou-se a empregada. Fechou num muxoxo os lábios pintados de vermelho-violeta. – E depois, eu não disse não senhora que ele ia morrer, eu disse que ele estava ruim, foi o que eu disse. Mas hoje é diferente, Tatisa. Espiei da porta, nem precisei entrar para ver que ele está morrendo.

– Mas quando fui lá ele estava dormindo tal calmo, Lu.

– Aquilo não é sono. É outra coisa.

Afastando bruscamente o saiote aberto nos joelhos, a jovem levantou-se. Foi até a mesa, pegou a garrafa de uísque e procurou um copo em meio da desordem dos frascos e caixas. Achou-o debaixo da esponja de arminho. Soprou o fundo cheio de pó-de-arroz e bebeu em largos goles, apertando os maxilares. Respirou de boca aberta. Dirigiu-se à preta.

– Quer?

– Tomei muita cerveja, se mistura dá ânsia.

A jovem despejou mais uísque no copo.

– Minha pintura não está derretendo? Veja se o verde dos olhos não borrou... Nunca transpirei tanto, sinto o sangue ferver.

– Você está bebendo demais. E nessa correria... Também não sei por que essa invenção de saiote bordado, as lantejoulas vão se desgrudar todas no aperto. E o pior é que não posso caprichar, com o pensamento no Raimundo lá na esquina...

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– Você é chata, não, Lu? Mil vezes fica repetindo a mesma coisa, taque-taque-taque-taque! Esse cara não pode esperar um pouco?

A mulher não respondeu. Ouvia com expressão deliciada a música de um bloco que passava já longínquo. Cantarolou em falsete: Acabou chorando... acabou chorando...

– No outro carnaval entrei num bloco de sujos e me diverti à grande. Meu sapato até desmanchou de tanto que dancei.

– E eu na cama, podre de gripe, lembra? Neste quero me esbaldar.

– E seu pai?

Lentamente a jovem foi limpando no lenço as pontas dos dedos esbranquiçados de cola. Tomou um gole de uísque. Voltou a afundar o dedo no pote.

– Você quer que eu fique aqui chorando, não é isso que você quer? Quer que eu cubra a cabeça com cinza e fique de joelhos rezando, não é isso que você está querendo? – Ficou olhando para a ponta do dedo coberto de lantejoulas. Foi deixando no saiote o dedal cintilante. – Que é que eu posso fazer? Não sou Deus, sou? Então? Se ele está pior, que culpa tenho eu?

– Não estou dizendo que você é culpada, Tatisa. Não tenho nada com isso, ele é seu pai, não meu. Faça o que bem entender.

– Mas você começa a dizer que ele está morrendo!

– Pois está mesmo.

– Está nada! Também espiei, ele está dormindo, ninguém morre dormindo daquele jeito.

– Então não está.

A jovem foi até a janela e ofereceu a face ao céu roxo. Na calçada, um bando de meninos brincava com bisnagas de plástico em formato de banana, esguichando água um na cara do outro. Interromperam a brincadeira para vaiar um homem que passou vestido de mulher, pisando para fora nos sapatos de saltos altíssimos. “Minha lindura, vem comigo, minha lindura!” – gritou o moleque maior, correndo atrás do homem. Ela assistia à cena com indiferença. Puxou com força as meias presas aos elásticos do biquíni.

– Estou transpirando feito um cavalo. Juro que, se não tivesse me pintado, metia-me agora num chuveiro, besteira a gente se pintar antes.

– E eu não agüento mais de sede – resmungou a empregada, arregaçando as mangas do quimono. – Ai! uma cerveja bem geladinha. Gosto mesmo é de cerveja,

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mas o Raimundo prefere cachaça. No ano passado, ele ficou de porre os três dias, fui sozinha no desfile. Tinha um carro que foi o mais bonito de todos, representava um mar. Você precisava ver aquele monte de sereias enroladas em pérolas. Tinha pescador, tinha pirata, tinha polvo, tinha tudo! Bem lá em cima, dentro de uma concha abrindo e fechando a rainha do mar coberta de jóias...

–Você já se enganou uma vez – atalhou a jovem. – Ele não pode estar morrendo, não pode. Também estive lá antes de você, ele estava dormindo tão sossegado. E hoje cedo até me reconheceu, ficou me olhando, me olhando e depois sorriu. Você está bem, papai?, perguntei e ele não respondeu, mas vi que entendeu perfeitamente o que eu disse.

– Ele se fez de forte, coitado.

– De forte, como?

– Sabe que você tem os seu baile, não quer atrapalhar.

– Ih, como é difícil conversar com gente ignorante – explodiu a jovem, atirando no chão as roupas amontoadas na cama. Revistou os bolsos de uma calça comprida. – Você pegou meu cigarro?

– Tenho minha marca, não preciso dos seus.

– Escuta, Luzinha, escuta – começou ela, ajeitando a flor na carapinha da mulher. – Eu não estou inventando, tenho certeza de que ainda hoje cedo ele me reconheceu. Acho que nessa hora sentiu alguma dor, porque uma lágrima foi escorrendo daquele lado paralisado. Nunca vi ele chorar daquele lado, nunca. Chorou só daquele lado, uma lágrima tão escura...

– Ele estava se despedindo.

– Lá vem você de novo, merda! Pare de bancar o corvo, até parece que você quer que seja hoje. Por que tem que repetir isso, por quê?

– Você mesma pergunta e não quer que eu responda. Não vou mentir, Tatisa.

A jovem espiou debaixo da cama. Puxou um pé de sapato. Agachou-se mais, roçando os cabelos verdes no chão. Levantou-se, olhou em redor. E foi-se ajoelhando devagarinho diante da preta. Apanhou o pote de cola.

– E se você desse um pulo lá só para ver?

– Mas você quer ou não que eu acabe isto? – a mulher gemeu exasperada, abrindo e fechando os dedos ressequidos de cola. – O Raimundo tem ódio de esperar, hoje ainda apanho!

A jovem levantou-se. Fungou, andando rápida num andar de bicho na jaula. Chutou um sapato que encontrou no caminho.

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– Aquele médico miserável. Tudo culpa daquela bicha. Eu bem que disse que não podia ficar com ele aqui em casa, eu disse que não sei tratar de doente, não tenho jeito, não posso! Se você fosse boazinha, você me ajudava, mas você não passa de uma egoísta, uma chata que não quer saber de nada. Sua egoísta!

– Mas, Tatisa, ele não é meu pai, não tenho nada com isso, até que tenho ajudado muito, sim senhora, como não? Todos esses meses quem é que tem agüentado o tranco? Não me queixo, porque ele é muito bom, coitado. Mas tenha a santa paciência, hoje não! Até que estou fazendo muito aqui plantada quando devia estar na rua.

Com um gesto fatigado, a jovem abriu a porta do armário. Olhou-se no espelho. Beliscou a cintura.

– Engordei, Lu.

Você, gorda? Mas você é só osso, menina. Seu namorado não tem onde pegar. Ou tem?

Ela ensaiou com os quadris um movimento lascivo. Riu. Os olhos animaram-se.

– Lu, Lu, pelo amor de Deus, acabe logo que à meia-noite ele vem te buscar. Mandou fazer um pierrô verde.

– Também já me fantasiei de pierrô. Mas faz tempo.

– Vem num Tufão, viu que chique?

– Que é isso?

– É um carro muito bacana, vermelho. Mas não fique aí me olhando, depressa, Lu, você não vê que... – Passou ansiosamente a mão no pescoço. – Lu, LU, por que ele não ficou no hospital?! Estava tão bem no hospital...

– Hospital de graça é assim mesmo. Tatisa. Eles não podem ficar a vida inteira com um doente que não resolve, tem doente esperando até na calçada.

- Há meses que venho pensando nesse baile. Ele viveu sessenta e seis anos. Não podia viver mais um dia?

A preta sacudiu o saiote e examinou-o a uma certa distância. Abriu-o de novo no colo e inclinou-se para o pires de lantejoulas.

– Falta só um pedaço.

– Um dia mais...

– Vem me ajudar, Tatisa, nós duas pregando vai num instante.

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Agora ambas trabalhavam num ritmo acelerado, as mãos indo e vindo do pote de cola ao pires e do pires ao saiote, curvo como uma asa verde, pesada de lantejoulas.

– Hoje o Raimundo me mata – recomeçou a mulher, grudando as lantejoulas meio ao acaso. Passou o dorso da mão na testa molhada. Ficou com a mão parada no ar. – Você não ouviu?

A jovem demorou para responder.

– O quê?

– Parece que ouvi um gemido.

Ela baixou o olhar.

– Foi na rua.

Inclinaram as cabeças irmanadas sob a luz amarela do abajur.

– Escuta, Lu, se você pudesse ficar hoje, só hoje – começou ela num tom manso. Apressou-se: - Eu te daria meu vestido branco, aquele meu branco, sabe qual é? E também os sapatos, estão novos ainda, você sabe que eles estão novos. Você pode sair amanhã, você pode sair todos os dias, mas pelo amor de Deus, Lu, fica hoje!

A empregada empertigou-se, triunfante.

– Custou, Tatisa, custou. Desde o começo eu já estava esperando. Ah, mas hoje nem que matasse eu ficava, hoje não. – O crisântemo caiu enquanto ela sacudia a cabeça. Prendeu-o com um grampo que asbriu entre os dentes. – Perder esse desfile? Nunca! Já fiz muito – acrescentou sacudindo o saiote. – Pronto, pode vestir. Está um serviço porco mas ninguém vai reparar.

– Eu podia te dar o casaco azul – murmurou a jovem, limpando os dedos no lençol.

– Nem que fosse para ficar com meu pai eu ficava, ouviu isso, Tatisa? Nem com meu pai, hoje não.

Levantando-se de um salto, a moça foi até a garrafa e bebeu de olhos fechados mais alguns goles. Vestiu o saiote.

– Brrr! Esse uísque é uma bomba – resmungou, aproximando-se do espelho. – Anda, venha aqui me abotoar, não precisa ficar aí com essa cara. Sua chata.

A mulher tateou os dedos por entre o tule.

– Não acho os colchetes.

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A jovem ficou diante do espelho, as pernas abertas, a cabeça levantada. Olhou para a mulher através do espelho:

– Morrendo coisa nenhuma, Lu. Você estava sem os óculos quando entrou no quarto, não estava? Então não viu direito, ele estava dormindo.

– Pode ser que me enganasse mesmo.

– Claro que se enganou! Ele estava dormindo.

A mulher franziu a testa, enxugando na manga do quimono o suor do queixo. Repetiu como um eco:

– Estava dormindo, sim.

– Depressa, Lu, faz uma hora que está com esses colchetes!

– Pronto – disse a outra, baixinho, enquanto recuava até a porta. – Não precisa mais de mim, não é?

– Espera! – ordenou a moça perfumando-se rapidamente. Retocou os lábios, atirou o pincel ao lado do vidro destapado.

– Já estou pronta, vamos descer juntas.

Tenho que ir, Tatisa!

– Espera, já disse que estou pronta – repetiu, baixando a voz, - Só vou pegar a bolsa...

– Você vai deixar a luz acesa?

– Melhor, não? A casa fica mais alegre assim.

No topo da escada ficaram mais juntas. Olharam na mesma direção: a porta estava fechada. Imóveis como se estivessem sido petrificadas na fuga, as duas mulheres ficaram ouvindo o relógio da sala. Foi a preta quem primeiro se moveu. A voz era um sopro:

– Quer ir dar uma espiada, Tatisa?

– Vá você, Lu...

Trocaram um rápido olhar, Bagas de suor escorriam pelas têmporas verdes da jovem, um suor turvo como o sumo de uma casca de limão. O som prolongado de uma buzina foi-se fragmentando lá fora. Subiu poderoso o som do relógio. Brandamente a empregada desprendeu-se da mão da jovem. Foi descendo a escada na ponta dos pés. Abriu a porta da rua.

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– Lu! Lu! – a jovem chamou num sobressalto. Continha-se para não gritar. – Espera aí, já vou indo!

E apoiando-se ao corrimão, colada a ele, desceu precipitadamente. Quando bateu a porta atrás de si, rolaram pela escada algumas lantejoulas verdes na mesma direção, como se quisessem alcançá-la.