DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 - … · dos povos negros com suas diversidades, e de mitos e...

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Produção Didático-Pedagógica Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7 Cadernos PDE VOLUME I I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Produção Didático-Pedagógica

Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE

VOLU

ME I

I

A invisibilidade do negro em Curitiba

(Produção didático-pedagógica)

Paulo V. Carniel1

Temos o direito à igualdade quando a diferença nos oprime

e direito à diferença quando a igualdade nos massifica.

Boaventura de Souza Santos,

Reconhecer para libertar, 2003.

Primeiros descompassos...

E agora? Josés, Paulos, Marias... e demais colegas de infortúnio! E agora? O

que fazer com a Lei Nº 10.639/03, com os Estatutos e Pactos em prol da Igualdade

Racial e demais resoluções afins? Logo agora que meu planejamento estava tão

redondinho, todos os conteúdos distribuídos e encaixados nos meses, semestres...

tudo branco no preto2, sem discussão nem confusão! Será que a história pode falar

que a vida não é linear? E pode falar de viventes reais – esses de carne e osso,

como eu, você e tantos outros nomeados como brancos, negros, pardos3,

classificados e desclassificados. Assim, tudo misturado?! A verdade é que a escola

não suporta o que está fora da norma. Já não tenho certeza se li isto em algum lugar

ou pensei sozinho esta dura realidade. Não importa, é preciso começar

(coletivamente) a (re)pensar todos estes processos de organização,

desorganização, disciplina e, principalmente, o que fazer com a Lei Nº 10. 639/03?

Como efetivar a nova legislação que obriga (ou oportuniza) o ensino da

história e da cultura afro brasileira nas nossas escolas? Inspirados em Fanon4, ao

1 Professor PDE de História.

2 Invertemos propositalmente a expressão de Thomas Skidmore, em Preto no Branco, raça e nacionalidade no

pensamento brasileiro. Rio de Janeiro. 1976. 3 O movimento negro rebela-se contra estas nomenclaturas oficiais: pardo, mulato ou moreno. O Deputado

Vicentinho em pronunciamento na Tv Câmara assume sua negritude dizendo que não é mulato e nem pardo, pois tais denominações não contribuem na construção de identidades, ao contrário, mascaram o preconceito. O vídeo sobre este pronunciamento está disponível no You Tube, no seguinte endereço eletrônico: http://www.youtube.com/results?search_query=vicentinho+negro&aq=f). 4 Frantz Fanon, proveniente de uma família negra de classe média, nasceu na Martinica, antiga colônia francesa

nas Antilhas. Lutou junto às forças da resistência durante a Segunda Guerra Mundial, tendo sido condecorado por bravura. Ao completar os estudos de Psiquiatria e Filosofia na França, tornou-se diretor do Departamento de Psiquiatria do Hospital Blida-Joinvile, na Argélia, então colônia francesa, entre os anos de 1953 e 1956. Discordando da violência sistemática que a França impunha ao povo argelino, para melhor explorá-lo, Fanon

2

afirmar que somos movimento em direção ao outro, buscamos na presente produção

contribuir para a efetivação de um ensino histórico plural e aberto às diferenças.

Assim, através da reflexão sobre o lugar das populações afro-brasileiras em nossa

sociedade (mais especificamente na cidade de Curitiba), propomos discutir as

possíveis razões que promoveram a sua invisibilidade. Dada a sua importância para

este estudo, será feita uma breve contextualização do conceito de invisibilidade.

O processo de silenciamento da participação da população negra na história

do Paraná, bem como todos os esforços para o branqueamento de nossas tradições

e memórias, ainda hoje (re)produz e legitima lógicas sociais etnocêntricas,

preconceituosas e excludentes. Com efeito, o sujeito negro parece ter tido pouco ou

nenhum espaço nos relatos que constituíram a história paranaense; e mesmo

quando o conquistou – na música, na dança ou na engenharia – viu-se como outro.

Alguém distante e estranho à sua própria terra, deslocado e desenraizado por um

imaginário produzido pelas políticas e ideologias racistas do século XX. A

naturalização dessa invisibilidade opera como um “tumor” em nosso corpo social5.

Para mencionar um exemplo relevante para este trabalho, basta observar toda a

reconstrução (modernização) da história material e simbólica de Curitiba – uma

cidade branca, capital dos imigrantes –, um processo de encobrimento da história de

desigualdades étnicas e sociais.

Portanto, cabe a este trabalho abordar ainda conceitos e preconceitos

responsáveis por construções sociais de cor e identidade. Longe de responder a

todos os desafios abertos pela emergência do ensino de história e cultura africana e

afro-brasileira no ensino médio, pretendemos apresentar algumas contribuições (e

práticas pontuais) relacionadas à transformação das relações raciais cotidianas, a

redefinição de identidades e a promoção de novas formas de conviver com as

diferenças. Desse modo, a partir do reconhecimento da contribuição das culturas

dos povos negros com suas diversidades, e de mitos e preconceitos ainda presentes

pediu demissão de seu emprego no hospital. Em seguida, juntou-se às forças revolucionárias argelinas, tornando-se membro da Frente de Libertação Nacional, onde desempenhou importantes funções, com destaque para o trabalho de imprensa, especialmente pela revista El Moudjahid, na qual publicou valiosos estudos. Faleceu prematuramente aos 36 anos, em 1961, vítima de leucemia. São conhecidos quatro livros de sua autoria, cuja atualidade é mundialmente reconhecida. Abdias do Nascimento e Paulo Freire são alguns dos intelectuais brasileiros que foram fortemente influenciados pelas idéias de Frantz Fanon. 5Metáfora usada pelo professor Ivo Pereira de Queiroz, in QUEIROZ, I.P.; QUELUZ, G.L.Consciência negra e

educação tecnológica. Curitiba: 2010, p.2.

3

no imaginário coletivo. Uma oportunidade para que muitos de nossos estudantes de

fato se sintam sujeitos e participantes ativos da construção do conhecimento

histórico.

Do bom senso aos consensos...

Como diriam meus alunos: por que não começar por onde tudo começou?

Assim, quem sabe possamos ser capazes de desconstruir alguns mitos e

estereótipos sobre o continente africano. É isso mesmo, tudo começou no continente

recentemente mais desqualificado por qualquer tipo de ranking que se possa

imaginar. Quem diria! A África é o berço da humanidade. Talvez algumas atividades

sobre este continente possam introduzir nossa proposta de produção didático-

pedagógica em sala de aula.

1. Atividades pedagógicas:

1.1 Imagens. A imagem é um dos recursos didáticos (e documentos históricos) que tem

grande potencial no ensino de história justamente por levar rapidamente nosso olhar para

contextos de vida e interação que não estamos habituados. Para utilizá-las, entretanto,

devemos ter alguns cuidados: a imagem sempre afirma uma realidade, nunca a nega; sempre

apresenta um ponto de vista parcial e a-histórico, seu uso depende de nossa

contextualização; a imagem não se explica, sua compreensão exige nossa mediação. A

propósito, por que não aproveitar aquelas imagens veiculadas pelos próprios meios de

comunicação?

As imagens televisivas trazidas pela cobertura da Copa de Futebol, das mais diversas

emissoras, contrariaram as imagens discursivas que já incorporava o imaginário popular

(aquela idéia de pobreza, violência, miséria, enfim, aquela África exótica e folclórica). Enfim,

quantas questões suscitariam algumas imagens extra-campo, geralmente descontextualizado

e nunca problematizado pela mídia televisiva, nesse pequeno período da Copa. Talvez

possamos encontrar algumas respostas para essas questões se nos debruçarmos sobre o

largo processo de desqualificações da história e cultura africana; uma colonialidade do saber

que ainda se materializa na exploração econômica e simbólica destes países.

1.1.1 Anote cinco palavras-chaves referentes ao que você supunha fazer parte da realidade

dos africanos.

1.1.2 Escreva duas surpresas que você teve sobre a África do Sul, após as informações que

vieram por meio da cobertura da Copa Mundial de Futebol.

1.1.3 Interprete sua experiência e a socialize com o grupo.

1.2 Filmes. O uso de filmes no ensino de história possibilita mais do que atrair a atenção da

turma para determinada questão, permite dinamizar e contextualizar a aprendizagem. Filmes

históricos sem dúvida são interessantes, mas outros gêneros também podem contribuir,

desde que devidamente encaminhados. Para isso, contudo, é necessário formar uma

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audiência qualificada e orientada para retirar desta narrativa as questões propostas para o

conteúdo. Diversas questões técnicas e estéticas são passíveis de análise histórica

(enquadramentos, cores, textura, composições de cena, entre tantas outras), mas não

precisamos ir tão longe. Para minimamente atingirmos nossos objetivos, basta observar os

contextos sociais, políticos e históricos de produção fílmica, as marcas autorais na própria

construção da narrativa e o contexto mais amplo a que se refere.

Uma narrativa fílmica exemplar para discutir o imperialismo (técnico, político e econômico)

sobre o continente africano pode ser encontrada em O jardineiro Fiel, dirigido por Fernando

Meirelles (2005, EUA). Este filme aborda a presença das Grandes Corporações

Farmacêuticas nos países pobres, apresentando uma leitura alternativa à costumeira visão

eurocêntrica. Denuncia como o continente africano sofre a exploração da indústria

farmacológica, usando a população como cobaia, sem nenhum escrúpulo, para testar novos

produtos, aproveitando-se de imagens de atraso e subdesenvolvimento. Desdobramentos da

colonização moderna? A colonização da vida como afirmou Jurgen Habermas, ou a

mercantilização das mentes como diriam outros? Qualquer uma das alternativas tem sua

construção dentro da lógica que busca a dominação e a exploração capitalista, e de lucro a

qualquer custo.

Outra possibilidade interessante é trabalhar com a animação Kiriku e a Feiticeira, direção de

Michel Ocelot (1998, França). O filme retrata a cultura de etnias e povos daquele continente,

que fazem parte da formação da sociedade brasileira, valorizando a beleza africana. O

continente africano possui padrão estético e temporalidade próprio que dificilmente se

encaixa no paradigma6 eurocêntrico. Ao professor caberá fazer essa mediação.

1.2.1 Discuta as contradições entre as noções de temporalidade africanas e européia, no

cotidiano da sociedade brasileira e seus pluralismos étnicos.

1.2.2 Diferencie o significado e as práticas referentes à produção por meio do trabalho na

visão empresarial capitalista ocidental e na perspectiva das culturas africanas.

1.3 Pesquisa. Antes mesmo de iniciar uma pesquisa histórica ou social é sempre necessário

ter claro: pesquisas escolares são diferentes de pesquisas acadêmicas. Na escola não

precisamos formar cientistas, historiadores objetivos, com metodologias rigorosíssimas. Por

outro lado, isto não quer dizer que não possamos lançar mão de algumas ferramentas

metodológicas para que nossos alunos também produzam conhecimento, aprendendo a

interpretar a própria história em que estão imersos. Para isso, não basta que apenas

participem da coleta de dados, é necessário que todos se envolvam na própria elaboração (e

posterior interpretação) da pesquisa.

1.3.1 Investigar sobre o continente africano, tendo em vista:

a) A identificação das regiões de onde veio a maioria dos grupos humanos escravizados7.

b) Conhecer os países atuais que correspondem aos territórios de onde vieram os

africanos para o trabalho escravo no Brasil.

c) Reconhecer as atuais condições sócio-econômica e políticas dos referidos países.

6 Conforme Thomas Kuhn, o paradigma em última instância acaba por determinar o que (e como) estamos

enxergando e valorando algo. 7 Além de demarcar uma posição política, usaremos o termo escravizado considerando que não existe a

condição de escravo a priori e igualmente para remeter ao contexto histórico no qual a escravidão era considerada algo natural, como queria Aristóteles.

5

E na história brasileira, como a população negra costuma ser representada?

Será que muitos afro-descendentes não se reconhecem como tal, muito em função

de como essa história é contada? Está claro que ninguém quer ser identificado como

descendente de escravo, inferior, incapaz, sem qualquer referência positiva!

Encaminhar atividades nesta direção é um modo de articular nossas discussões com

os conteúdos e temáticas “tradicionais” da história do Brasil.

2 Atividades pedagógicas:

2.1 Filmes e vídeos. Dispomos de bons filmes nacionais (evidentemente a maioria fora do

mercado) que podem auxiliar a discussão da questão racial sobre diversos aspetos.

Besouro, lançado em 2009, de João Daniel Tikhomiroff, usa da narrativa mitológica para

abordar aspectos da cultura e história negra presentes na capoeira, no candomblé, e nas

lutas de resistência. Além de um belíssimo filme, pode ser um prato cheio para melhorar a

auto-estima do(a) aluno(a) negro(a)s, que certamente sentem falta de referências, nas quais

ele(a) possa se ver.

Cafundó, lançado em 2005 no Brasil, com direção de Clóvis Bueno e Paulo Betti, é uma

produção cinematográfica inspirada nas senzalas do século XIX, que conforme comentário

em: http://www.adorocinemabrasileiro.com.br/filmes/cafundo/cafundo.asp, “foi rodado em junho / julho de

2003 no estado do Paraná. Teve como locações as cidades de Lapa, Ponta grossa,

Paranaguá e Curitiba. Suas últimas cenas foram rodadas na Praça da Sé em São Paulo na

primeira semana de julho de 2004”. Além do sincretismo religioso ali muito bem representado,

nos dá uma boa idéia das dificuldades dos negros no mercado do trabalho no pós abolição.

Quanto Vale ou é por Quilo?, lançado em 2005 no Brasil, do diretor paranaense Sérgio

Bianchi, igualmente discute a permanência de questões do mundo da exploração escravista

colonial e seus privilégios. Com acesso às imagens, trailers e comentários em:

http://www.adorocinema.com/filmes/quanto-vale-ou-e-por-quilo/ Entre alguns, segue trecho da crítica de

Sergio Luiz dos Santos Prior: “A analogia entre a sociedade escravocrata do século XVIII e os

tempos atuais é o recurso que Bianchi utiliza para evidenciar que nada mudou em termos

sociais na história brasileira. A polarização entre os exploradores e explorados não se

modificou no transcurso dos últimos cinco séculos. O filme é uma mistura de documentário

com ficção, que faz uso de um humor negro, que, por sinal, não poupa o politicamente correto

relacionado aos pobres e negros (a cena em que as crianças são escolhidas para um

comercial de uma ONG, cujo percentual de 75% de meninos negros é exigida pelo diretor

dessa organização)”. Uma oportunidade singular para refletir sobre os mecanismos de

dominação social.

No vídeo Pula pula martelinho – disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=_n5K5fZ0Hc4 – além

das armadilhas a enfrentar no processo de construção de identidade, outras questões gerais

como produção, exploração, alienação e individualidade, podem ser trabalhadas em sala,

com grande chance de sucesso. De forma muito breve (menos de cinco minutos de duração)

demonstra como esse mundo moderno da lógica capitalista que massifica tudo e todos, além

de comprometer nossa capacidade de escolha, anula nossa singularidade.

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2.1.1 Identifique o problema8 que o filme Besouro procura esclarecer e explicar.

2.1.2 Discuta as raízes históricas dos privilégios abordados no filme de Sérgio Bianchi.

2.1.3 Disserte sobre as dificuldades impostas pela sociedade de consumo para a construção

de identidades.

2.2 Músicas. A música é uma das formas privilegiadas de tratar a problemática em questão,

uma vez que é uma linguagem muito atraente e muito presente no universo do nosso aluno.

Aliás, quando se trata de contemplar a produção do aluno negro em especial, a atividade

pode ser significativa e revelar potencial surpreendente. Como observa Paul Gilroy, a

musicalidade (entendida no sentido amplo que envolve a corporalidade) pode ser um viés

privilegiado de comunicação, capaz de superar até mesmo algumas carências (expressivas)

da população que não se vê contemplada nos referenciais tradicionais do mundo moderno,

herdeiro do racionalismo iluminista9. Inúmeras das nossas canções são oportunidades

belíssimas para discutir o preconceito, a discriminação racial, as identidades, entre outras

afins.

Em Identidade, disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=axYNvBoGkOI, Jorge Aragão

denuncia os sutis mecanismos de preconceitos e discriminação embutidos em falsos afagos

brancos que em nada auxiliam a causa negra, muito pelo contrário, prestam um desserviço,

uma vez que impede a valorização do próprio grupo de pertença e consequentemente da

identidade. “Negro de alma branca”, uma ova!, diria um aluno meu. A construção de

identidades de acordo com Kabenguele Munanga10

deve ser uma constante discussão e

negociação, uma vez que os projetos pessoais e coletivos estão em constante redefinição.

A carne, composição de Seu Jorge, Marcelo Yuca e Wilson Capellette, com interpretação

única de Elza Soares, está disponível em HTTP://letras.terra.com.br/elza-soares/281242. A canção

que denuncia as relações raciais assimétricas presente na nossa sociedade, pode também

ser uma boa oportunidade para questionar o(a)s aluno(a)s a buscar significados nas letras

que ouvem – como no verso: “a carne mais barata do mercado é a carne negra”.

2.2.1 Esclareça a denúncia de preconceito e discriminação nas composições de Jorge

Aragão e de Seu Jorge.

2.2.2 Discuta com os colegas os principais empecilhos à construção de identidades positivas.

2.3 História oral. Outra atividade inadiável, a nosso ver, é a discussão de piadas e

expressões do cotidiano que veiculam racismo de forma velada. Muitas frases feitas, ditos

populares, piadas, que, repetidas ao longo do tempo, reproduzem o preconceito e a

discriminação. Expressões não questionadas como “tem muito negro de alma branca”, da

qual já fizemos referencia anteriormente, ou ainda, “fez um serviço de negro”; muitas vezes

são repetidos e reproduzidos justamente porque não foram pensadas ou (re)discutidas

suficientemente. Aqui, quando os alunos são convocados a discutir e socializar situações de

preconceitos dessa natureza, até porque por serem situações que fazem parte do universo

8 Problema, do ponto de vista popular é uma coisa ruim, uma desgraça, infelicidade ou negatividade.

Entretanto, considerado a partir da concepção grega - pro+balos – quer dizer a força que permite ir para a frente, o movimento do arco que atira a lança. Por meio da pergunta ou questão intencional o que se espera é a resposta que leva ao avanço do conhecimento. 9 Paul Gilroy – em Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. Rio de Janeiro. 2001 – afirma que a

música deveria merecer status superior nos estudos de história, uma vez que tem a capacidade de expressar eventualmente o que a escrita e outros tipos de linguagens não atingem por suas limitações diversas. 10

Sobre esse assunto ver: Munanga, K. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Belo Horizonte. 2006.

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escolar e por terem sido vivenciadas por eles mesmos, certamente acontecem polêmicas

acaloradas e participação garantida da maioria da turma.

Um bom exemplo que, se adequadamente discutido, oportuniza inclusive a contextualização

e a reflexão do racismo científico do século XIX, é a prática de se fazer julgamentos

antecipados sobre alguém usando expressões como “cara de bandido”. Geralmente

pronunciada sem pensar a expressão pressupõe que se pode definir alguém pela aparência

física. Entre outras coisas, essa discussão remete a craniometria (usada tanto na medicina

como na criminologia), onde aspectos biológicos e comportamentais explicavam

“cientificamente” a “incompetência” dos negros. O professor Hilton Costa11

em Notas de

história e cultura afro-brasileiras, produção do NEAB – Núcleo de Estudos Afrobrasileiros da

UFPR, apresenta inúmeras sugestões de atividades que permitem refletir sobre a

persistência desses preconceitos raciais no nosso cotidiano.

Nesse cenário historicamente construído e legitimado na ciência, cujos discursos veiculam

verdades inquestionáveis, num contexto onde o negro é inferiorizado e desqualificado

diuturnamente, os preconceitos raciais passam a ser naturalizadas e incorporadas ao

imaginário coletivo. Talvez por esse motivo nem cause estranhamento o alto índice de

homicídios dos jovens negros (recorrente nos noticiários, embora igualmente naturalizados),

um verdadeiro extermínio praticado pelo capitão-do-mato moderno, incorporado agora nas

repetidas práticas da nossa “eficiente” polícia, no já esfarrapado pretexto de garantir a ordem.

2.3.1 Selecione expressões e piadas que mascaram preconceitos.

2.3.2 Reflita sobre a questão da negritude a partir de como o(a) negro(a) é representado

frequentemente na mídia.

2.3.2 Discuta com o grupo situações de preconceito vivenciadas por cada integrante, e

encaminhe sugestões de possível superação dos mesmos para serem socializadas com a

turma.

2.4 HQ. Os quadrinhos são outro recurso pedagógico imperdível. Além de ser um aliado no

hábito da leitura, até pela natureza e pela linguagem próxima do aluno pode facilmente

garantir o envolvimento da turma na temática proposta. Os quadrinhos de Jô Oliveira são um

exemplo. Em seu trabalho pode se observar a presença marcante da cultura brasileira,

principalmente as manifestações populares ligadas ao universo nordestino; bem como

abordando fatos históricos específicos como fez com Canudos. Zumbi, o Rei dos Palmares12

oportuniza inclusive trabalhar com a questão da resistência no período da escravização dos

negros.

2.4.1 Observe em diferentes histórias do Zé Carioca, como esse personagem veicula

mensagem discriminatória a respeito do povo brasileiro.

2.4.2 Discuta histórias em quadrinhos que veiculam sistematicamente a ideologia capitalista

(competição, lucro, consumismo) nos seus diferentes episódios e personagens.

2.4.3 Elabore quadrinhos alternativos tendo como pano de fundo a temática negra.

2.5 Teatro. Quando bem encaminhada, a representação pode ser um recurso educativo de

grande proveito. Diversos temas podem ser encenados (oportunidade para exercitar o

trabalho interdisciplinar) de modo original, aproveitando a criatividade dos professores e

11

COSTA, H. “A vida do senso comum: do racismo científico do pós-abolição ao dia-a-dia contemporâneo”. In: COSTA, H e SILVA, P.V.B. Notas de história e cultura afro-brasileiras. Ponta Grossa. 2007. 12

Oliveira, J. Top! Top! Nº 21 Os quadrinhos guerreiros. Paraiba: Editora Marca de Fantasia.2006.

8

alunos (não raras vezes temos visto iniciativas destes), ou reproduzindo obras teatrais

conhecidas que se encaixam nos conteúdos e temáticas organizadas e planejadas

previamente pelos professores, ou conforme interesses e necessidades dos próprios

estudantes. A temática negra pode ser retratada, por exemplo, tendo como pano de fundo a

própria realidade, como o déficit com relação a empregabilidade, violência, exposição na

mídia. Especificamente sobre o preconceito sugerimos Pixaim, do dramaturgo Rafael

Camargo, espetáculo que esteve recentemente em cartaz no teatro da UFPR. A peça discute

como o preconceito é uma construção social: “ninguém nasce odiando”, diz uma das

personagens. É um convite a reflexão, conforme resenha da Professora Drª Margarida G

Rauen, a peça permite pensar as múltiplas formas de discriminação que observamos e

muitas vezes praticamos em nosso cotidiano.

2.5.1 Organize uma encenação teatral com os colegas, abordando diferentes situações de

racismo possível de ser observado nas relações do cotidiano social e escolar.

2.6 Textos e poemas.

Dança pretinha: Plantei uma sementinha/ no meu quintal/ nasceu uma pretinha/ de avental/

dança pretinha/ eu não sei dançar/ pega um chicote/ que aprende já.

Podemos imaginar este poema sendo recitado em forma rítmica e por todo o conjunto da

criançada! Pior que isso é que essa e outras letras semelhantes ainda estão sendo

apresentadas em livros didáticos do ensino fundamental, o que revela um descompromisso

das editoras com as questões referentes à diversidade (aliás, não raras vezes pode-se

observar descompromisso para com a educação). O que deve servir de alerta para nós

professores quanto aos preconceitos e a visão negativa da população afro-descendente

veiculadas pelos livros didáticos (dificilmente o negro é retratado, e quando isso acontece, é

feito de forma desqualificada). A discriminação aí no texto é clara: por que negro já tem de

nascer de avental? Necessariamente serviçal? Por que no quintal? Por que a presença do

chicote? E tantos outros porquês podem ser levantados com os alunos para fomentar o

debate em sala após leituras dessa natureza.

Por outro lado, para dar apenas um exemplo, textos como os de Lima Barreto que, até pela

sua origem, discute com autoridade e de modo exemplar, a questão racial em diversos

momentos de sua vasta produção literária, permite uma leitura mais construtiva da temática

negra. Sem contar que facilmente oportuniza um trabalho interdisciplinar, possível de ser

negociado entre os professores e ser construído no momento dos planejamentos.

2.6.1 Pesquise na literatura brasileira um poema para confrontar com Dança pretinha acima

abordado.

Ciente de que todo (des)conhecimento é um auto-conhecimento13, objetiva-se

não apenas o reconhecimento de estruturas sociais e processos históricos

continentais ou nacionais, mas a compreensão de que aquilo que ocorre em nossa

história regional (local) dialoga com todo esse contexto mais amplo até o momento

apresentado. Assim, a idéia de uma Curitiba para todos os curitibanos poderia ser

13

A propósito da noção de auto-conhecimento, é importante recuperar a memória do trabalho filosófico de Sócrates, em Atenas e o famoso dito “só sei que nada sei”.

9

problematizada – uma utopia possível de ser pensada? Foi pensando o estudo da

História como uma forma de incorporação do outro, inclusive pelo contraste e pela

diferença, que se pretende discutir a invisibilidade da população negra na sociedade

vivida pelo(a)s aluno(a)s.

3. Atividades pedagógicas:

A história eurocêntrica (e etnocêntrica), ao estabelecer a estética européia (a racionalidade

científica burguesa moderna, para dizer de modo abrangente) como modelo; omitiu e

esvaziou as histórias de outras populações, promovendo dessa forma a invizibilização da

cultura e da estética africana. Em nossas paragens, a construção de uma Curitiba branca,

cidade modelo, supervalorizou as etnias européias como se fossem as únicas legítimas,

suprimindo qualquer possibilidade de autorizar os bens culturais da população negra.

3.1 Pesquisa. Em vista do que afirmamos (que a população negra desde sempre foi muito

presente na história paranaense, e curitibana em particular), investigue as atuações e

produções, bem como o significado histórico dos seguintes personagens negro(a)s:

a) Os irmãos Rebouças.

b) Enedina Alves Marques

c) Waltel Blanco (procure saber também onde e como vive hoje).

d) Palminor Rodrigues (Lápis).

3.2 Pesquise igualmente, manifestações culturais que revelam a presença do negro em

nossa cidade, materializadas nas seguintes instituições:

a) Sociedade 13 de Maio.

b) Praça Zumbi dos Palmares.

c) Memorial da Cultura Negra (escultura nos fundos do Museu na Praça Generoso

Marques).

d) Escola de samba Boca Negra do antigo Colorado.

Se você conhece ou tem contato com algum grupo de hip-hop, alguma instituição, bar ou

casa que seja um reduto negro, alguma personalidade que não foi citada nas nossas

sugestões de atividades; traga essas informações para contribuir com o debate a respeito da

presença negra na nossa história.

Tecendo uma síntese...

Após envolver os alunos em atividades introdutórias – desde o

reconhecimento das histórias do continente africano, passando pelos principais

temas e conteúdos que conformam o pensamento social afro-brasileira e

(afro)paranaense, discutindo a presença de mitos e preconceitos que foram

historicamente construídos e ainda persistem no imaginário social – propomos a

produção didático-pedagógica de algumas investigações específicas sobre as

10

memórias, tradições e identidades africanas e afro-brasileiras que (sobre)vivem no

cotidiano dos alunos.

Desse modo pensamos poder promover o resgate da memória dos

personagens locais, de vivências próximas do nosso aluno, que igualmente foram

silenciados. Assim, acreditamos possibilitar a construção de algumas sínteses

(saberes) provisórias com a turma a respeito da questão da negritude e promover

um ensaio de como reescrever nossa história.

4. Orientações para efetuar a coleta de dados na comunidade.

4.1 Pesquisa junto aos familiares:

a) Para estudantes negros(as): converse com as pessoas mais velhas de sua família sobre

sua história, indagando:

Que sabe sobre seus antepassados negros mais antigos? De onde vieram?

Que trabalho sabiam fazer?

Quais eram suas principais diversões?

De que maneira educavam as crianças?

Que histórias contavam?

Que objeto (roupa, foto, artesanato, ferramenta, amuleto, instrumento musical, etc.),

guarda que representa algum ancestral? Que significa para você este objeto?

b) Para estudantes não-negras/os: converse com as pessoas mais velhas de sua família

sobre sua história, indagando:

Quais são suas lembranças sobre as relações entre seus antepassados e pessoas

negras?

Como era o relacionamento entre as crianças de sua família e as crianças negras?

Como participavam no trabalho junto às pessoas negras?

Como participavam nas diversões junto às pessoas negras?

Que histórias contavam sobre pessoas negras?

Que objeto (roupa, foto, artesanato, ferramenta, amuleto, instrumento musical, etc.),

guarda que representa a aproximação de seus antepassados com pessoas negras? Que

significa para você este objeto?

4.2 Reconstruir a árvore genealógica articulando os principais acontecimentos de sua família

com a história mais geral da sociedade em que estão inseridos. Represente sua pesquisa com

gráficos, tabelas, mapa cronológico ou outro recurso que permita a turma visualizar o modo como a

biografia individual de seus parentes participa da coletividade que os envolve.

Discutidos e rediscutidos mitos e preconceitos diversos, desmascaradas

construções sociais seculares, agora nossos alunos estariam com maturidade

suficiente para dar conta deste procedimento de pesquisa junto a seus familiares e

suas comunidades de origem.

E, somente após exame, análise e problematização dos dados coletados

pelo(a)s aluno(a)s, o grupo envolvido no estudo será orientado a preparar uma

11

exposição dos resultados: um varal de notícias, mostra de arte, ou ainda exposição

de fotografias e objetos. As melhores histórias poderiam ser relatadas em um evento

especial, por exemplo, com a presença de familiares que narrariam algumas de suas

lembranças.

5. Opções para apresentações de trabalhos de estudantes:

a) Coreografia de um RAP, precedida da análise dos pontos fortes da letra. b) Confecção de pôster, em Power point ou similar, refletindo um conceito referente às africanidades a ser explicado para toda a sala. c) Apresentar encenação teatral de uma pequena peça criada e desenvolvida por uma equipe de estudantes. d) Realizar uma roda de conversa onde uma pessoa negra, mais velha, da comunidade, seja convidada para contar alguns “causos” para a(s) classe(s) de alunos. e) Apresentar um varal de notícias sobre a presença africana na comunidade. f) Produzir jogral com poesias alusivas à realidade da(s) pessoa(s) negra(s). g) Fazer uma comemoração final dos trabalhos realizados por meio de uma refeição coletiva à base de pratos tradicionais da cultura negra.

Considerando que as atividades aqui propostas exigem um ambiente de

interlocução entre professor e aluno, de trabalho participativo e igualmente de um

espaço de publicação das produções; sugerimos, para maior sucesso na sua

aplicação, um ambiente virtual de relacionamentos. Um Wiki, um website

colaborativo voltado para o conteúdo proposto, que possibilite interação e

corresponsabilidade na convivência com a comunidade virtual e com um espaço

público. Por exemplo, o wikispaces acessado no endereço www.wikispaces.com é

uma ferramenta virtual disponível gratuitamente na Internet que pode ser utilizada

em qualquer sistema operacional e de fácil manuseio para edição de páginas, na

construção de textos, inserção de links e de arquivos, de imagens, de tabelas,

áudios e vídeos com conteúdos afins. Cada página criada disponibiliza espaço para

abertura e participação em eventuais fóruns de discussão – é, enfim, um ambiente

privilegiado para a construção colaborativa de conhecimentos e de exercício de

cidadania numa linguagem bem próxima dos jovens.