DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 - … · 1.Especialista em Teoria e Prática da Língua...
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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE
VOLU
ME I
UMA QUESTÃO DE GÊNEROS
Autora Maria Aparecida Barbosa Biasão¹ Orientadora Annie Rose dos Santos²
RESUMO:
Este projeto, cujo tema é “A concepção de Gêneros do Discurso nas Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa da Educação Básica do Estado do Paraná: Compreensão e Implementação no Cotidiano Escolar”, objetiva aprofundar o conhecimento da teoria bakhtiniana da linguagem, relacionado com a proposta das Diretrizes Curriculares Estaduais de Língua Portuguesa do Estado do Paraná, em um processo coletivo de estudo com os professores dessa disciplina, atuantes no Colégio Estadual Vital Brasil – Maringá, PR. O projeto foi pensado considerando que esta é uma temática recorrente nas DCE’s, e que, com amparo no pensamento de Bakhtin, tem direcionado o currículo da disciplina de Língua Portuguesa em todas as unidades escolares da Rede Estadual de Ensino, suscitando a discussão sobre o trabalho e a valorização das questões sobre Gênero do Discurso. No entanto, apesar de toda a capacitação promovida pela mantenedora e dos avanços das pesquisas em estudos da linguagem, percebemos ainda que há dificuldade em incorporar e implementar tal proposta no cotidiano escolar, surgindo a dúvida se tal teoria é compreendida pelo grupo de professores e se ela é conhecida, advindo daí as questões: quais os empecilhos para que essa implementação se efetive no cotidiano escolar? Quais as possibilidades de que essa implementação contribua para a aprendizagem dos alunos e melhore o seu desempenho na produção escrita? Assim, propusemos este projeto a fim de que o estudo, a compreensão e a incorporação resultem em uma proposta de trabalho pautada nesses termos se efetive em sala de aula, contribuindo sobretudo para a aprendizagem dos alunos.
Palavras-chave: Ensino da Língua Portuguesa; Gêneros do discurso e textual; Tipologia textual; Dialogismo.
ABSTRACT:
This project, witch theme is “The Discurse Genre conception on the Portuguese language curriculum directives of the Paraná’s basic education: comprehension and implementation in the school’s daily” has the objective to deepen the knowledge of the bakhtinian language theory, related with the proposal of the State Curriculum Lines for direction of the Portuguese 1.Especialista em Teoria e Prática da Língua Portuguesa pelo Instituto Paranaense de Ensino Faculdade Maringá. Graduada em Letras Anglo portuguesas, pela Universidade Estadual de Maringá.Colégio Estadual Vital Brasil. 2.Professora do Departamento de Letras, Doutoranda em Estudos da Linguagem, pela Universidade Estadual de Londrina. IES: Universidade Estadual de Maringá.
Language, of the State of the Paraná, in a collaborative study process with teachers of this disciplines, operating in the State College Vital Brasil - Maringá, PR. However, in spite of all the qualification promoted for the state school, and the advances of the research in studies of the language, it can be noticed that, it is still hard to incorporate and implement such proposal in the daily school. Therefore rises the doubt whether or not such theory is understood by the group of teachers and if it is known, from there emerge the questions: which are the problems so that this implementation achieves the daily school? Which are the possibilities that this implementation contributes for the student’s learning and improves its performance in the written production? Thus, we considered this project, so that the study, the understanding and the incorporation result in a work proposal directed in these terms, reaching the classroom, contributing for the students learning.
Keywords: Portuguese language teaching; Discursives genres; Typology of Text; Bakhtiniana theory of the language.
LISTA DE ABREVIATURAS:
DCE’s – Diretrizes Curriculares da Educação BásicaDEB – Departamento de Educação BásicaSAEB – Sistema de Avaliação da Educação BásicaENEM – Exame Nacional do Ensino MédioPDE – Programa de Desenvolvimento EducacionalNRE – Núcleo Regional de Educação
1 INTRODUÇÃO
Como professora de Língua Portuguesa na rede pública do Estado do Paraná, percebi
que há algumas décadas, no Brasil e especificamente no Estado do Paraná, o enunciado
“gênero”, dentro do conteúdo dessa disciplina para o Ensino Fundamental e Médio era restrito
à Literatura, utilizado para identificar os gêneros literários clássicos: lírico, épico e dramático.
Na atualidade, os estudos linguísticos ampliam-no também para outro significado. Isto se
deve à influência de Mikhail Bakhtin, pesquisador russo, estudioso da linguagem.
No Estado do Paraná, as Diretrizes Curriculares Estaduais – DCE’s (2009) de Língua
Portuguesa, que doravante chamaremos de DCE’s, orientam a reflexão sobre o ensino da
Língua e da Literatura, quando postulam que é nas aulas de Língua Materna que o estudante
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brasileiro tem a oportunidade de aprimoramento de sua competência linguística, de forma a
garantir uma inserção ativa e crítica na sociedade. Cabe à escola pública oferecer condições
de ensino de qualidade aos educandos, e para isto, há, cada vez mais, a necessidade de
oferecer formação continuada aos educadores.
No entanto, embora a trajetória da construção das DCE’s caracterize-se pelo processo
de estudo e discussão coletiva dos professores da disciplina de Língua Portuguesa, no
momento em que pusemos em pauta a análise do conhecimento produzido em Língua
Portuguesa e a prática educativa dos professores, percebemos que as alterações esperadas
parecem não ter ocorrido.
Neste sentido, nos indagamos quais seriam os fatores que estão dificultando a
implementação de novas práticas propostas pelas DCE’s, pois os resultados do SAEB, ENEM
e outras formas de avaliação demonstram que nas redações produzidas pelos alunos a
confusão na terminologia de “gênero”, seja no campo da literatura, seja mo campo da
lingüística, é visível.
Assim, com este Projeto pretendemos desenvolver uma pesquisa bibliográfica relativa
ao tema, com base na teoria bakhtiniana da linguagem, e implementá-la em um grupo de
estudo com os professores de Língua Portuguesa do Colégio Estadual Vital Brasil, Município
de Maringá, PR, a fim de buscar a compreensão sobre o conceito da concepção de Gêneros do
Discurso nas DCE’s e promover sua implementação no cotidiano escolar.
Nas DCE’s, existe tendência significativa com relação à concepção bakhtiniana dos
gêneros do discurso como objeto de ensino-aprendizagem, com a qual parece que o professor
não conhece ou se a conhece não a aplica, ou não tem se preocupado muito com ela. O
objetivo deste trabalho será detectar essa falha e informar esses profissionais acerca da
concepção sobre os gêneros do discurso, bem como aprofundar o conhecimento da teoria
bakhtiniana da linguagem, relacionando-a com a proposta das Diretrizes Curriculares
Estaduais de Língua Portuguesa do Estado do Paraná, em um processo coletivo de estudo com
os professores dessa disciplina, atuantes no Colégio Estadual Vital Brasil – Maringá, PR,
visando à construção de uma proposta de trabalho docente que efetive a aprendizagem dos
alunos, melhorando seu desempenho na produção escrita.
Neste trabalho, vamos referir-nos ao documento relativo à área de conteúdos previstos
para o ensino de Língua Portuguesa, fazendo um recorte para a adoção do texto como eixo
norteador do ensino/aprendizagem, com base na noção de gêneros do discurso como
articuladora do trabalho em Língua Portuguesa.
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As Diretrizes Curriculares Estaduais de Língua Portuguesa (DCE’s) constituem hoje
os documentos que regem o ensino da língua materna no Estado do Paraná. Elas se amparam
especialmente no pensamento de Bakhtin quanto às questões sobre Gênero do Discurso.
Apesar de toda a capacitação promovida pela mantenedora, dos avanços nas pesquisas de
estudos da linguagem, estaremos nós, professores de Língua Portuguesa do Ensino
Fundamental e Médio, conhecendo a teoria que ampara as DCE’s, ou seja, a teoria
bakhtiniana, a ponto de incorporá-la em nossa prática pedagógica? Se a conhecemos, quais os
empecilhos para que essa implementação se efetive? Qual é o pensamento dos professores
sobre essa proposta? Quais as possibilidades de que essa implementação contribua para a
aprendizagem dos alunos e haja melhoria em seu desempenho na produção escrita?
Este projeto, que objetiva aprofundar o conhecimento da teoria bakhtiniana da
linguagem, foi calcado na perspectiva do materialismo histórico, relacionado com a proposta
das Diretrizes Curriculares Estaduais de Língua Portuguesa do Estado do Paraná, cujo foco do
currículo escolar é o saber científico e o conhecimento produzido historicamente, em um
processo coletivo de estudo com os professores dessa disciplina, atuantes no Colégio Estadual
Vital Brasil – Maringá, PR, almejando à construção de uma proposta de trabalho docente que
efetive a aprendizagem dos alunos, tendo em vista melhorar seu desempenho na produção
escrita, identificando a concepção de língua portuguesa que permeia a práxis do professor
com a finalidade de implementar a sua capacitação, além de podermos observar a maneira
pela qual alguns professores do Ensino Fundamental e Médio incorporam o conceito de
gêneros do discurso em sua prática pedagógica.
Objetivamos, ainda, identificar como os gêneros discursivos ajudam na construção, na
formação do sujeito cidadão e finalmente buscamos implementar esse conhecimento mediante
orientações metodológicas ao professor, na ação de como transpor para o cotidiano da vida
escolar as diretrizes da educação, propondo encaminhamentos metodológicos no trabalho
com gêneros do discurso.
2 As concepções: linguagem/língua/texto/gêneros do discurso
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Uma questão importante para o ensino da língua materna é a forma como o professor
concebe a linguagem, pois conforme a sua concepção de linguagem será o direcionamento
que ele fará de seu trabalho com a língua em termos de ensino.
Tem-se levantado três concepções, em consonância com Geraldi (1984, p. 43): a
linguagem como expressão do pensamento, segundo a qual as pessoas não se expressam
bem porque não pensam; a linguagem como instrumento de comunicação, em que a língua
é vista como um código e como tal é capaz de transmitir uma mensagem, informações de um
emissor a um receptor; e a linguagem como forma ou processo de interação. Nesta última
concepção, a linguagem é vista como fator de interação humana, de interação comunicativa
pelos efeitos de sentidos que produz entre interlocutores em um contexto sócio-histórico e
ideológico. Vamos nos ater a essa terceira concepção, uma vez que é ela que norteia toda a
proposta das DCE’s da Língua Portuguesa.
Nas palavras de Geraldi:
Mais do que possibilitar uma transmissão de informações de um emissor a um receptor, a linguagem é vista como lugar de interação humana: através dela o sujeito que fala pratica ações que não conseguiria praticar a não ser falando; com ela o falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos e vínculos que não pré-existia antes da fala (GERALDI, 1984, p. 43).
Nessa inserção, Geraldi se reporta à concepção bakhtiniana da linguagem, na qual
Bakhtin afirma a natureza social e não individual da língua, em que a fala está,
indissoluvelmente, ligada às condições de comunicação, as quais, por sua vez, estão sempre
ligadas a estruturas sociais.
Nessa concepção de gêneros, a linguagem é vista como um fator de interação humana,
de interação comunicativa pelos efeitos de sentidos que produz entre os interlocutores em um
contexto sócio-histórico e ideológico. Cada esfera de comunicação – jornalística, do
cotidiano, televisiva, virtual – produz e se utiliza de diversos gêneros do discurso: carta,
bilhete, telegrama, bate-papo virtual, fórum de discussão, e-mail, entre vários outros, que vão
surgindo conforme a necessidade de comunicação entre os diversos interlocutores.
Na visão de Marcuschi:
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Nos últimos dois séculos foram as novas tecnologias que propiciaram o surgimento de novos gêneros textuais ligados a intensidade do uso dessas tecnologias e sua interferência nas atividades comunicativas diárias. As novas formas discursivas, tais como editoriais, artigos de fundo, notícias, telefonemas, telegramas, telemensagens, teleconferências, videoconferências, reportagens ao vivo, cartas eletrônicas (e-mail), bate- papos virtuais, etc. Esses gêneros não são inovações absolutas, fato que já seria notado por Bakhtin (1997) que falava na “transmutação” dos gêneros e na assimilação de um gênero por outro gênero gerando novos (MARCUSCHI, 2003, p. 20).
Dessa forma, através desses gêneros, o que indivíduo faz ao usar a língua não é tão
somente traduzir e exteriorizar um pensamento ou transmitir informações a outrem, mas sim
realizar ações, agir, atuar sobre o seu ouvinte/leitor. Esses interlocutores interagem enquanto
sujeitos que ocupam lugares sociais e “falam” e “ouvem” desses lugares de acordo com
formações imaginárias (imagens) que a sociedade estabeleceu para tais lugares sociais
(TRAVAGLIA, 1995). Esses autores de seus discursos comentam a ideia bakhtiniana da
linguagem, no enfoque linguístico-enunciativo (teoria da enunciação, teoria dos gêneros do
discurso) em que Bakhtin valoriza, justamente, a fala e a enunciação, a “Teoria da
Enunciação”.
Nessa teoria, o termo “frase”, no sentido de sentença, é reservado apenas para a
unidade formal do sistema da língua, estruturada de acordo com os princípios da gramática
normativa. Essa frase, quando enunciada, torna-se um acontecimento único, porque as
condições de produção – tempo, lugar, papéis representados pelos falantes, as imagens que
cada um faz no momento, as relações sociais entre os interlocutores, o objetivo dessa
interlocução – nunca serão as mesmas. Então, a uma frase pensada nesse sentido, nesse
contexto, Mikhail Bakhtin denomina “enunciado”.
Com relação à Teoria da Enunciação, Bakhtin assinala:
[...] qualquer que seja a enunciação considerada, mesmo que não se trate de uma informação factual (a comunicação no sentido estrito), mas da expressão verbal de uma necessidade qualquer, por exemplo, a fome, é certo que ela, na sua totalidade, é socialmente dirigida. Antes de mais nada, ela é determinada da maneira mais imediata pelos participantes do ato da fala, explícitos ou implícitos, em ligação com uma situação bem precisa; a situação dá forma à enunciação, impondo-lhe esta ressonância em vez daquela, por exemplo a exigência ou a solicitação , a firmação de direitos ou a prece pedindo graça, um estilo rebuscado ou simples, a segurança ou a timidez, etc. (BAKHTIN, 1995, p. 113-114).
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Um exemplo prático dessa teoria pode ser observado no enunciado: “O dia está
bonito” (KOCH. 1997 p. 14), o qual, nas diversas situações de enunciação, pode ter
significados diferentes: uma simples constatação; uma demonstração de surpresa; uma
pergunta; um convite para um passeio e até mesmo uma ameaça.
O signo e a situação social estão indissoluvelmente ligados. A palavra é o signo
ideológico por excelência, porque ela registra as menores variações das relações sociais. A
ideologia é uma superestrutura, as transformações sociais da base refletem-se na ideologia e,
portanto, na língua que as veicula. Portanto, a língua não pode separar-se de seu conteúdo
ideológico. E finalmente, a língua para quem fala de maneira alguma se apresenta como um
sistema de formas normativas (BAKHTIN, 1995, p. 14-16-17).
Nessa perspectiva o texto será visto como unidade de ensino, como mediador e
organizador de nossas atividades de linguagem, e não apenas como um pretexto para o ensino
de normas gramaticais. Segundo as DCE’s:
A prática de análise linguística constitui um trabalho de reflexão sobre a organização do texto escrito e/ou falado, um trabalho no qual o aluno percebe o texto como resultado de opções temáticas e estruturais feitas pelo autor, tendo em vista o seu interlocutor. Sob essa ótica, o texto deixa de ser pretexto para se estudar a nomenclatura gramatical e a sua construção passa a ser o objeto de ensino. (DCE’s, p. 61).
Nas DCE’s, o conceito de texto não envolve apenas a formalização do discurso verbal
ou não-verbal, mas o evento que abrange o antes, isto é, as condições de produção e
elaboração; e o depois, ou seja, a leitura ou a resposta ativa.
Segundo Bakhtin:
Todo texto é, assim, articulação de discursos, vozes que se materializam, ato humano, é linguagem em uso efetivo. O texto ocorre em interação e, por isso mesmo, não é compreendido apenas em seus limites formais. Assim, temos que um texto não é um objeto fixo num dado momento no tempo, ele lança seus sentidos no diálogo intertextual, ou seja, o texto é sempre uma atitude responsiva a outros textos, desse modo, estabelece relações dialógicas, na visão de Bakhtin. (DCE`s, 2009, p. 51).
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Dessa forma, compreendemos que os sintagmas: diálogo intertextual e relações
dialógicas, em que os termos diálogo e dialógica têm um sentido mais amplo que apenas a
comunicação verbal entre duas pessoas colocadas frente a frente, mas toda comunicação
verbal de qualquer tipo que seja. Aqui a s relações dialógicas devem ser compreendidas
como intertextualidade. Então, as relações dialógicas ocorrem quando o aluno é colocado
em contato com todo o tipo de texto das diferentes esferas sociais (jornalística, publicitária,
literária, da tradição oral: causos, piadas, dentre outros), em que o aluno se posiciona, se
envolve nessas práticas e demarque sua voz no contexto social. Nesse processo, a escola deve
configurar-se como o espaço onde essa interação ocorre, tendo na figura do professor de
Língua Portuguesa o agente propiciador dessa prática.
3 As Diretrizes Curriculares da Educação Básica esclarecem o que é gênero do discurso?
As DCE’s (p. 38) descrevem o interessante percurso histórico da disciplina de Língua
Portuguesa nas Educação Básica brasileira, desde a chegada dos jesuítas ao Brasil, como
colônia de Portugal, e a sua convivência com a língua geral (tupi-guarani), até sua
implantação definitiva, em que o Marquês de Pombal, como reflexo do Iluminismo, através
da Reforma Pombalina, em 1759, tornou obrigatório o ensino da Língua Portuguesa em
Portugal e no Brasil, a impondo como idioma-base do ensino. Nesse contexto, a Língua
Portuguesa passou pela pedagogia tradicionalista, formalista e tecnicista até as teorias críticas.
Em síntese, a escola que funcionou até por volta de 1979, que podemos denominar
escola tradicional, era centrada em uma filosofia de ensino social, política e econômica da
época, o empirismo.
A visão empirista do conhecimento propalava que o sujeito era uma tábula rasa, uma
folha de papel em branco onde o meio imprimiria conhecimento através de uma prática de
treinamento, como, por exemplo, o treino ortográfico e o treino gramatical. Acreditava-se que
quanto mais o aluno treinasse, mais ele aprenderia.
No final da década de 1970 e início de 1980, chegaram ao Brasil novas concepções, as
das teorias críticas, nas quais as diretrizes curriculares se fundamentam sobre a aquisição da
Língua Materna, quando as primeiras obras do Círculo de Bakhtin passaram a ser lidas nos
meios acadêmicos. Essas primeiras leituras contribuíram para fazer frente à pedagogia
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tecnicista que até então imperava. A dimensão tradicional de ensino da língua cedeu espaço a
novos paradigmas, envolvendo questões de uso, contextuais, valorizando o texto como
unidade fundamental de análise e com o conceito de contextualização que propicia a formação
“de sujeitos históricos – alunos e professores – que, ao se apropriarem do conhecimento,
compreendem que as estruturas sociais são históricas, contraditórias e abertas” (DCE’s 2009,
p. 31).
Com relação à disciplina de Língua Portuguesa, essa pedagogia vem nos revelar
estudos linguísticos centrados no texto/contexto e na interação social das práticas
discursivas: os gêneros textuais. Isto é, a adoção dos gêneros textuais como objeto de ensino-
aprendizagem e mediadores e organizadores de nossas atividades de linguagem, sempre
dentro de um contexto sociocultural. Portanto, para que ocorra a aprendizagem, é preciso
inserir o aluno diante de situações reais de escrita.
Os gêneros, então, são uma condição didática para trabalhar com os comportamentos
leitores e escritores, ou seja: ler para encontrar uma informação específica, tomar nota,
resumir, sublinhar a informações mais relevantes e sempre enfrentar o desafio de escrever, de
produzir um texto. Quanto ao professor, cabe o desafio de possibilitar que os alunos
pratiquem esses comportamentos, utilizando textos de diferentes gêneros, identificando que
cada tipo de gênero tem um suporte e deve ser trabalhado em seu suporte real. Por exemplo,
quando trabalhar uma reportagem, usar jornais e revistas; no caso de uma receita, retirá-la de
um suporte: uma obra culinária; quanto às cartas, escrevê-las usando um suporte (papel de
carta e envelope) e remetê-las a colegas de outra classe, ou escola.
As DCE’s, (p. 47) alertam que devemos aos teóricos do Circulo de Bakhtin o
aprimoramento com relação à natureza sociológica da linguagem. O Círculo de Bakhtin
criticava a reflexão linguística de caráter formal-sistemático por considerar tal concepção
incompatível com uma abordagem histórica e viva da língua, para ele, a orientação da palavra
em função do interlocutor tem uma enorme importância.
Na acepção de Bakhtin,
...toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação a coletividade. [...] A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor.
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E também:
“A língua constitui um processo de evolução ininterrupto, que se realiza através da interação verbal social dos locutores” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1995, p. 113 e 127).
O caráter de cunho formalista-estruturalista ou formal sistemático significa a excessiva
preocupação com o aspecto formal da língua, com as questões gramaticais. Enfim, Bakhtin
combatia o ensino tradicional.
Aqui entra a ideia de Bakhtin em trabalhar com os gêneros textuais, em uma
abordagem dos estudos de natureza sociológica da linguagem, uma vez que a língua
configura-se como um espaço de interação entre sujeitos.
Mikhail Bakhtin, filósofo da linguagem, contemporâneo do século XIX, foi quem,
primeiramente, utilizou a palavra “gêneros” com um sentido novo, referindo-se a certas
formas relativamente estáveis de enunciados utilizados por uma dada esfera social nas
situações de comunicação, denominando-os “gêneros do discurso” e dividindo-os em
primários e secundários. Há situações em que nos comunicamos de maneira bem informal
usando os gêneros primários. Eles não precisam ser ensinados na escola, são aprendidos no
uso diário, já os gêneros secundários são mais formais, planejados, mais elaborados
(complexos) e precisam ser ensinados para que o aluno possa dominá-los como instrumentos
de comunicação indispensáveis para exercer seu papel de cidadão. Reiteramos que os gêneros
secundários devem ser ensinados de acordo com o interesse e a capacidade de leitura e escrita
dos alunos, de cada série, em um ensino em espiral.
Além disso, as diferentes linhas de pesquisas linguísticas, com base em Bakhtin,
demonstram que quando o professor de Língua Portuguesa tem clara a perspectiva dos
gêneros do discurso, ele “amplia, diversifica e enriquece a capacidade dos alunos de produzir
textos orais e escritos, mas também aprimora sua capacidade de recepção” (CEREJA, 2005),
o que significa melhorar a leitura, a compreensão e a interpretação dos textos, por parte dos
alunos.
Meurer & Motta-Roth enunciam acerca da concepção teórica fundamentada em
Mikhail Bakhtin com relação aos gêneros discursivos ou textuais:
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Ao servir de materialidade textual a uma de terminada interação humana recorrente em um dado tempo e espaço, a linguagem se constitui como gênero A partir de Bakhtin (1986) gênero é pensado como um evento recorrente de comunicação em que uma determinada atividade humana, envolvendo papeis e relações sociais, é mediada pela linguagem. É responsabilidade central do ensino formal o desenvolvimento da consciência sobre como a linguagem se articula em ação humana sobre o mundo através do discurso, ou como preferimos chamar, em gêneros textuais. (MEURER & MOTTA-ROTH, 2002 p. 11-12).
Bakhtin asseverou que o aluno, ao se movimentar pelas diferentes esferas de
comunicação, será capaz de formular seu próprio discurso e interferir na sociedade em que
está inserido. O autor (1992, p. 285) assevera que “quanto melhor dominamos os gêneros
tanto mais livremente os empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos
neles a nossa individualidade (onde isso é possível e necessário) (...)”.
O trabalho com os gêneros, portanto, deverá levar em conta que a língua é
instrumento de poder e que o acesso ao poder, ou sua crítica, é legítimo e é direito para todos
os cidadãos. Para que isso se concretize, o estudante precisa conhecer e ampliar o uso dos
registros socialmente valorizados da língua, como a norma culta. É na escola que um imenso
contingente de alunos que frequentam as redes públicas de ensino têm a oportunidade de
acesso à norma culta da língua, ao conhecimento social e historicamente construído
e à instrumentalização que favoreça sua inserção social e exercício da cidadania.
Em relação às DCE’s, não podemos deixar de reconhecer que as concepções teóricas
subjacentes àquele documento privilegiam claramente a dimensão interacional e discursiva da
língua e definem o domínio dessa língua como uma das condições para a plena participação
do indivíduo em seu meio social (DCE’s, p. 53-54). Além disso, estabelecem que os
conteúdos da língua portuguesa devem articular-se em torno de dois grandes eixos: o uso da
língua oral e escrita e o da reflexão acerca desses usos. Nada trata dos conteúdos
gramaticais em sua forma tradicional, ou seja, das classes de palavras, como apareciam antes
nos programas de ensino.
3.1 As vantagens de se trabalhar com os gêneros do discurso ou textuais
Ultimamente, o conceito de gênero discursivo vem atraindo o interesse de professores
e pesquisadores, talvez por constar nas propostas de ensino de língua materna apresentadas
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pelas DCE’s. Para tanto, se faz necessário discutir as diferenças existentes entre gêneros
discursivos e tipologias textuais, bem como algumas consequências para o ensino das
práticas de leitura e produção de textos embasados na concepção de gêneros do discurso, em
que os enunciados, em cada esfera de utilização da língua, elaboram seus tipos relativamente
estáveis de enunciados, que são denominados gêneros do discurso. A sua riqueza e a
variedade são infinitas, na medida em que a atividade humana é inesgotável e cada esfera
dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e
ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa (BAKHTIN,
1992, p. 262).
O que vem ocorrendo na prática escolar é apenas o trabalho com a tipologia textual,
principalmente com as tipologias clássicas: narração, descrição e dissertação, já que por muito
tempo essas tipologias reinaram de forma absoluta nas propostas de escrita. Entretanto, essa
maneira de ensinar a escrever não deu conta de tornar os estudantes proficientes, pois elas não
garantem os conhecimentos necessários para produzir os textos que os alunos necessitam
escrever ao longo de suas vidas.
Antunes (2003) expõe sobre a interação através das práticas discursivas:
Não podemos, não devemos, pois, adiar a compreensão de que a participação efetiva da pessoa na sociedade acontece, também e muito especialmente pela voz, pela comunicação, pela atuação e interação verbal, pela linguagem, enfim. Tivemos, durante muito tempo, uma escola que favoreceu o mutismo, que obscureceu a função interativa da língua, que disseminou a idéia de uma quase irreversível incompetência linguística, o que nos deixou, a todos, calados e, quase sempre, apáticos....as regularidades do funcionamento interativo da língua, que somente acontece por meio de textos orais e escritos, em práticas discursivas as mais diversas, conforme as situações sociais em que se inserem (ANTUNES, p. 15-16).
Brait (in ROJO, 2001) enuncia que não podemos falar de gêneros sem pensar na esfera
de atividades em que eles se constituem e atuam, com implicações nas condições de
produção, de circulação e de recepção. Na hora de iniciar uma produção escrita, todo aluno
precisa saber o quê, para quê e para quem vai escrever. Só então se define a forma do texto,
que precisa ser entendida pelo leitor.
E, ao trabalhar com a narrativa, tomando como exemplo os Contos de Fadas, levando
em conta apenas a tipologia textual o professor explora, em um enfoque estruturalista, os
elementos da narrativa (enredo, narrador, personagem, espaço, tempo, exposição, conflito,
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clímax e desfecho). Sem levar em conta, em uma abordagem social, a situação comunicativa,
as condições de produção, a exterioridade, o processo histórico social como constitutivos do
discurso (FAVERO, 1994, p. 32) fica de fora toda a questão ideológica, toda uma reflexão
das condições de produção e do conteúdo, presente nesse gênero da ordem de narrar.
Assim, em uma leitura crítica, devemos levar em conta o conteúdo. Observarmos que
embutidas nos contos de fadas estão a cobiça, a crueldade, a inveja, a esperteza que nos são
repassadas através de uma lição de moral expressa em uma mensagem a partir do que ocorreu
no conto.
Devemos debater se é correta a ideia de que “não importa o que façamos”, desde que
sirva para atingirmos nossos ideais. Devemos questionar, com os alunos, se o fim justifica os
meios. Como leitores críticos, não podemos apenas ler e aceitar tudo como verdade absoluta.
É necessário compreender a leitura, analisá-la, antes de tomar a lição de moral que nos
passam os contos de fadas.
Exemplo disso, em uma abordagem social, de acordo com uma leitura semiótica, em
uma síntese, no conto de fadas “Joãozinho e o Pé de Feijão”, dos Irmãos Grimm: Joãozinho e
a mãe eram muito pobres, moravam em cabanas e não tinham o que comer. Ele vende uma
vaca e acaba trocando-a por feijões mágicos. A mãe, brava, joga os feijões pela janela e no dia
seguinte cresce um pé de feijão tão grande que parece chegar até as nuvens. João sobe no pé
de feijão e avista um castelo. O menino entra no castelo, cujo proprietário é um gigante, com
a ajuda da velha moradora daquela propriedade. No castelo encontra uma galinha mágica que
bota ovos de ouro e uma flauta mágica que toca sozinha. Joãozinho rouba-as e desce pelo pé
de feijão, perseguido pelo gigante. Lá em baixo, ele corta o pé de feijão. O pé de feijão e o
gigante caíram mortos no chão. Joãozinho fica com a flauta e a galinha. Daquele dia em
diante, Joãozinho e sua mãe, que não eram mais pobres, viveram felizes com o produto do
roubo: a galinha mágica e com a flauta que tocava músicas maravilhosas.
Em uma análise discursiva, histórico crítico, numa abordagem social, “o escrito deve
ser analisado dentro do contexto histórico da sua elaboração” (BAKHTIN, 1995, p. 124),
devemos compreender toda ideologia ali existente: que em uma sociedade capitalista e preciso
“ter” e compreender a existência de uma luta para chegar ao poder, em que Joãozinho comete
um latrocínio (roubo seguido de morte), invasão de domicílio; em que velha é cúmplice e a
mãe é receptadora; cujo tema central do conto é “para ser rico tudo é permitido”: invasão de
domicílio, ser conivente e ser cúmplice.
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A receita culinária, texto informativo e a carta: nesses exemplos de gêneros
textuais, como tipologias textuais, seria trabalhado apenas o aspecto formal em um enfoque
estruturalista. Em uma receita, seria trabalhada a questão da descrição dos ingredientes e do
“como fazer”, e o tempo verbal empregado. Ao trabalhar com uma receita culinária em um
enfoque enunciativo discursivo, é interessante trabalhar a integração de costumes, a origem
dos pratos que mais comemos. E que no gênero receita percebemos a existência de duas
tipologias: a descrição e a injunção. No caso da feijoada, por exemplo, um trabalho válido
seria pesquisar a história e contexto social, isto é, se ela foi trazida da África ou se foi criada
no Brasil.
Já em um texto informativo, de acordo com o enfoque estruturalista, seriam estudadas
as ideias principais e a subordinadas nesse outro enfoque (dos gêneros), além disso, seriam
questionados os interesses de quem o produziu (ideologia), analisando as informações dentro
da realidade e não isoladamente.
Em uma carta, seria trabalhada a questão da data, do destinatário: ao aprender como
são feitas as cartas, por exemplo, em uma abordagem fundamentada na análise do discursivo,
o aluno não só aprende a sua estrutura, a linguagem mais adequada ao destinatário, mas
também, como cidadão, será levado a refletir que ele deve, sempre que se sentir lesado, usá-la
para reclamar seus direitos e solicitar providências dos responsáveis.
Cereja & Magalhães (2009, p. 8) registram que “ao produzir gêneros como a carta do
leitor, por meio dos quais o aluno toma consciência de que, como cidadão, pode manifestar
seus pontos de vista, opinar interferir nos acontecimentos do mundo concreto”.
Para a elucidação sobre o que são, de fato, os gêneros do discurso, vamos-nos referir à
classificação de gêneros empreendida pelos pesquisadores integrantes da Faculdade de
Psicologia e Ciências da Faculdade de Educação da Universidade de Genebra, na Suíça, no
artigo de Dolz e Schneuwly (1996) intitulado “Genres et progression em expression orale et
écrit: éléments de réflexions à propôs d’une experience roamande”. Barbosa (2001) alega que
esses dois pesquisadores agruparam os gêneros em três critérios: “o domínio social da
comunicação a que os gêneros pertencem; as capacidades de linguagens envolvidas na
produção e compreensão desses gêneros e sua tipologia geral”, isto é, de acordo com a
capacidade de linguagem que é mais utilizada neles.
Os pesquisadores suíços propõem cinco agrupamentos, que supõem a aprendizagem
de capacidades diferenciadas por parte dos alunos, sendo que o sexto agrupamento, o “da
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esfera pública”, é sugestão de Barbosa (ROJO, 2001, p.170-171), o qual descreve e
exemplifica esses agrupamentos.
Barbosa (2001) sugere também “o projeto de escola”, em que se privilegiaria um
determinado tipo de gênero, tendo em vista o tipo de indivíduo que se pretende,
prioritariamente: formar um cidadão? Alguém com formação de nível médio, técnico?
Alguém apto para passar no vestibular e seguir uma carreira acadêmica? Nesse caso, o ideal
seria o direcionamento para Os gêneros necessários para a vida escolar e acadêmica, pois
ajudariam a garantir certo sucesso escolar: artigo e monografia são exemplos desses gêneros.
No caso de formar um cidadão, seria dada ênfase aos gêneros necessários pra o exercício da
cidadania, cujos exemplos são requerimento, abaixo assinado, declaração, carta de opinião,
carta de reclamação, corriculun vitae, solicitação de emprego.
Meurer e Motta-Roth abordam a importância do conhecimento crítico sobre as práticas
discursivas:
[...]que a maioria das pessoas não tem ideia do poder e do impacto da linguagem no mundo contemporâneo e, conseqüente, a formação relativa ao uso de textos e sua interação com o contexto onde ocorrem deve se tornar uma propriedade da escola. A vida social contemporânea exige que cada um de nós desenvolva habilidades comunicativas que possibilitem a interação participativa e crítica no mundo de forma a interferir positivamente na dinâmica social. (MEURER & MOTTA-ROTH, 2002, p. 10).
Nesse ponto, citamos que o contato eletrônico através de e-mail, do “fale conosco” ou
da “carta do leitor” são gêneros textuais com suporte virtuais, nos quais o cidadão tem a
oportunidade de fazer sua interação participativa e crítica no mundo de forma a interferir
positivamente na dinâmica social: reclamar, elogiar, solicitar. E ainda que nos dias atuais o e-
mail vem fazendo o papel da carta, uma vez que nos sítios eletrônicos dos órgãos
governamentais, jornais, revistas e das empresas, de um modo geral, já está disponível um
campo interativo para essa finalidade.
3.2 A Classificação dos gêneros pelos pesquisadores de Genebra
15
Estudamos os gêneros discursivos para compreender o que acontece quando usamos a
linguagem para interagir em grupos sociais, uma vez que é através de textos orais e escritos
que as pessoas adquirem, transmitem formas de conhecimento, estabelecem relações sociais.
O estudante deve ter contato com textos dos diversos domínios sociais de finalidades
comunicativas diversas (editoriais, artigos, cartas de leitores, etc.) para adquirirem um
repertório discursivo e linguístico.
Vejamos a tabela dos pesquisadores suíços Dolz e Schneuwly (1996) que classificam
os gêneros de acordo com os aspectos relacionados às tipologias textuais; o domínio social de
comunicação (isto é, cada esfera de utilização da língua: igreja, escola, empresa, domínio
jurídico, domínio da comunicação. Sendo assim, são domínios discursivos os espaços onde
circulam os gêneros específicos de cada um desses domínios) e capacidades de linguagem
dominantes, dando exemplos de gêneros discursivos ou gêneros textuais orais e escritos:
3.3 Tabela organizada com a classificação de DOLZ e SCHNEUWLY (1996)
Aspecto relacionado com a tipologia
Domínio social de comunicação capacidades de linguagem dominantes( Espaços onde circulam os gêneros)
Exemplos de gêneros orais e escritos
1) Agrupamento do
Narrar
Gênero ligado ao domínio da comunicação social da cultura literária ficcional. Envolvem a capacidade de mimesis (imitação) da ação através da criação da intriga no domínio da verossimilhança.
Contos de fadas, fábulas, lendas, narrativas de aventura e ficção científica, romance policial e crónica literária.
2 ) Agrupamento
doRelatar
Gênero ligado ao domínio da comunicação social, da memória e da documentação das experiências humanas vivenciadas. Envolvem a capacidade de representação pelo discurso de experiências vividas, situadas no tempo.
Relato de experiência vivida, diário, testemunhos, autobiografia, notícia, reportagem, crónicas jornalísticas, relato histórico, biografia.
3)Agrupamento
doArgumentar
Gênero ligado ao domínio da comunicação social e da discussão de assuntos sociais controversos, visando a um entendimento e um posicionamento perante eles, envolvendo a capacidade
Textos de opinião, diálogo argumentativo, carta de leitor, carta de reclamação, carta de solicitação, debate regrado, editorial,
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de sustentar, refutar e negociar posições requerimento, ensaio, resenhas críticas, artigo assinado.
4 ) Agrupamento
doExpor
Gênero ligado à veiculação do conhecimento mais sistematizado que é transmitido culturalmente – conhecimento científicos e afins. Envolve a capacidade de apresentação textual de diferentes formas de saberes.
Seminário, conferência, verbete de enciclopédia, texto explicativo, tomada de notas, resumos de textos explicativos, resenhas e relatos de experiência científica.
5 ) Agrupamento
dedescrever ações
Gênero que engloba textos variados de instrução, regras, normas e que pretendem, em diferentes domínios, a prescrição ou a regulamentação de ações. Exige uma regulação mútua de comportamentos.
Receitas culinárias, instrução de uso, Instrução de montagem, bulas, regulamentos, regimentos estatutos, constituições, regras de jogo.
Fonte: Pesquisa do autor
4 Conclusão: Tipologias e/ou Gêneros textuais?
O presente trabalho apontou para a necessidade de inserção em uma contínua
“capacitação continuada” nos moldes do PDE, que envolva o professor em novos estudos que
possibilitem uma compreensão global das questões aqui trabalhadas com relação ao
embasamento teórico sobre os conceitos de Bakhtin sobre os gêneros do discurso.
É oportuno enfatizarmos, inicialmente, o problema principal explicitado na introdução
desta pesquisa: Qual é o posicionamento dos professores acerca da inércia da adoção dos
gêneros como norteadores do ensino aprendizagem da disciplina de Língua Portuguesa?
Frente à investigação dos dados da pesquisa, verificamos que existe ainda presente na
escola uma grande confusão com relação à noção de gênero e tipologia textual, uma vez que
temos o trabalho com a escrita baseado apenas na clássica divisão narração dissertação e
descrição.
Este projeto teve por objetivo fazer um levantamento de como os professores do
Colégio Estadual Vital Brasil receberam informações sobre os gêneros do discurso/textuais e
se faziam a aplicação da teoria bakhtiniana da linguagem em suas aulas, observando ainda se
essa confusão com relação ao gêneros se fazia presente entre eles.
Para essa investigação, foi necessária a implementação do projeto na escola, a qual se
deu da seguinte forma: comparecemos na escola por ocasião do momento da hora-atividade,
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em que constatamos que nem todos os professores de língua portuguesa, naquela
oportunidade, faziam uso desse expediente no mesmo dia e horário. Isto posto, comparecemos
no colégio em questão em diversos dias, nos três turnos de funcionamento, e mantivemos
contato, primeiramente, com a equipe pedagógica e a direção da escola, logo em seguida,
falamos com os professores sobre o projeto e seus objetivos. Nessa primeira oportunidade,
aplicamos o questionário anexo, com a finalidade de realizar um levantamento relativo ao
tema do projeto com para direcionar o grupo de estudos que seria implementado na escola.
Como resultado da pesquisa, observamos que embora os professores da escola
pesquisada tivessem recebido orientações e participado de cursos de capacitação sobre as
DCE”s, que por sua vez são fundamentados em Bakhtin, por ocasião do DEB (Departamento
de Educação Básica) Itinerante e NRE (Núcleo Regional de Educação) Itinerante, de modo
geral eles nos revelaram que não se sentiam seguros em trabalhar com os gêneros do
discurso, isto é, não estavam suficientemente informados de como fazer a transposição
didática dos postulados de Bakhtin ao cotidiano escolar.
Sendo assim, a concretização do projeto na escola ocorreu com a organização de um
grupo de estudos realizado em oito encontros, nos quais foram lidos e debatidos os textos que
possibilitaram uma decantação das ideias postuladas por Bakhtin: a) o projeto “Uma questão
de gênero”; b) a biografia de Bakhtin; c) os conceitos de Bakhtin - uma pesquisa apresentada
em eslaides; d) os gêneros textuais: definição e funcionalidade, de Marcuschi; e) os gêneros
do discurso, de Bakhtin; f) as Diretrizes Curriculares da Educação Básica, culminando no
vídeo do Programa Escrevendo o Futuro – Gêneros Textuais e g) a apresentação do material
didático, de nossa lavra, para interação do professores, através da Internet, no Portal
Educacional do Estado do Paraná Dia-a-dia “www.diaadiaeducacao.pr.gov.br” no ambiente
pedagógico: OAC – Objeto de Aprendizagem Colaborativa, cujo tema é o mesmo do projeto
“Uma Questão de Gênero”, em cujo ambiente pedagógico virtual os professores poderão
tomar conhecimento de sugestões de atividades, dentre outras informações valiosas, e ficaram
conhecendo nos OAC’s ambientes pedagógicos portadores de temas de interesse para o
professor. Naquela oportunidade, incentivamos os professores a postarem suas contribuições
sobre o assunto e usarem aquele material didático para incrementação de suas aulas.
Participaram desses encontros, preferencialmente, os professores do Colégio Estadual
Vital Brasil, cujas listas de presenças farão parte do Anexo. Alguns participantes são
professores Colégio Estadual Dr. Gastão Vidigal, que fica no mesmo bairro, e também de
outros colégios, que demonstraram interesse em participar do grupo de estudo em pauta.
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Após a implementação do projeto na escola, os professores identificaram que gênero
textual é uma forma natural pelo qual usamos a língua para nos comunicar nas situações
formais e informais, orais e escritas, utilizando gêneros primários e secundários. Enfim, que
os gêneros são todos os textos que têm circulação social, isto é, textos que têm relação social
com os indivíduos, pois cada uma das situações que ocorrem no dia a dia exige um gênero
próprio para acontecer: telefonema, calendário, lista de endereço, lista de compras, roda de
conversa, conversação espontânea, receita culinária, cardápio de restaurante, bula de remédio,
outdoor, carta eletrônica, bate-papo por computador, aula expositiva, aula virtual, conferência,
conferência virtual, sermão, mensagem virtual, piada, causos, bilhete, carta comercial, carta
pessoal, instruções de uso, reunião de condomínio, reportagem jornalística, notícia
jornalística, resenha, inquérito policial, edital de concurso, cerimônia de casamento, romance,
dentre outros, porque os gêneros são inúmeros e “os tipos são apenas meia dúzia”
(MARCUSCHI, 2002, p. 23).
Este autor expõe ainda que dentro do gênero receita, por exemplo, há determinadas
tipologias, como a descrição e a injunção, não nos esquecendo de que temos que levar em
conta que, quando trabalhamos com gêneros textuais, os aspectos socioculturais devem ser
considerados, bem como a ideologia que envolve uma receita: de qual cultura ela procede
(país, região) e como ela chegou até nós.
Explicitamos que usamos a narração, a descrição (tipologias textuais) para
escrevermos uma reportagem, uma crônica, uma carta, etc.. Dessa forma, as tipologias seriam
instrumentos que nos ajudam na construção dos diversos gêneros textuais. O problema é
quando o ensino da escrita fica apenas nas tipologias textuais, sem que o aluno aproprie-se
dos textos efetivamente usados na sociedade.
Finalmente, fizemos a leitura das DCE’S e dos diversos textos supracitados, que
decantaram as ideias postuladas por Bakhtin e deixando como proposta como trabalhar com
os gêneros através de oficinas: resumo, resenha, resposta completa e resposta argumentativa
envolvendo uma reportagem de revista.
Sendo assim, concluímos que todos os textos são gêneros, no currículo básico cita
exemplos de 154 tipos de gêneros textuais. Eles são considerados por pesquisadores como
excelentes ferramentas de ensino, portanto, é necessário que o professor reflita sobre o que
são os gêneros textuais e como trabalhar com eles, haja vista que cada gênero exige uma
estratégia de trabalho. Assim, cabe ao professor atuar “como sujeito epistêmico, não só aquele
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que trata do conhecimento, mas o que produz na cotidianidade da prática escolar” (ARCO-
VERDE. Jornal da Educação, 2009, p. 4).
Por tudo isso, para aprender escrever é preciso desenvolver a capacidade do aluno de
leitura, de produção e interpretação de textos, inserindo-o nas situações reais de escrita através
da diversidade de textos que circule socialmente, portanto de gêneros textuais. Exatamente
por isso é que o texto deve ser a unidade básica de ensino e os gêneros os objetos de ensino-
aprendizagem nas aulas de todas as disciplinas que compõem o currículo da Educação Básica
e, principalmente, nas aulas de nossa língua materna: a Língua Portuguesa.
Referências
ANTUNES, Irandé. Aula de Português – encontro & interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
BAKTHIN Mikhail (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. de Michel Lahud e Yara Frateschi. 7 ed. São Paulo: Hucitec, 1999.
____________.Os Gêneros do Discurso (p. 261-306). In: Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
CEREJA. Willian Roberto & MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português Linguagens – Manual do Professor. São Paulo: Atual, 2005.
GERALDI, João Wanderley (org). O texto na sala de aula – Leitura & Produção. Cascavel: Assoeste Editora Educativa,1985.
FAVERO, Leonor & KOCH, Ingdore G. Villaça. Linguística Textual: Introdução. São Paulo: Cortez Editora, 1994.
KOCH, Ingedore Villaça. Repensando a Língua Portuguesa - A inter - ação pela Linguagem. São Paulo: contexto, 1997.
MARCUSCHI, Luiz Antonio. Gêneros Textuais: definição e funcionalidade. In Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.
MEURER M. M. L. & MOTTA-ROTH. D. Gêneros Textuais e práticas discursivas. Bauru, SP: EDUSC, 2002.
Rojo, Roxane (org) A prática de Linguagem em sala de aula. São Paulo educ., 2000.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. São Paulo, Cortez, 1995.
20
PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação Básica. Curitiba: SEED. 2009. Disponível em http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br – Diretrizes Curriculares 2009. Acesso em 26 jul. 2009.
_____________________________________. Novas diretrizes Curriculares da Educação tornam o ensino público do Paraná mais atrativo. Jornal da Educação Curitiba: SEED. n º 53 – ano VII - Dezembro/2009.
GRIMM, Irmãos. Joãozinho e o pé de feijão - fábula, contos infantis. Disponível em: <http://www.consciencia.org/joao-e-o-pe-de-feijao-fabula-contos-infantis-dos-irmaos-grimm>, acesso em 27 jul. 2009.
Vídeo do Programa Escrevendo o Futuro – Gêneros Textuais. Disponível em: www.youtube.com/watch?v=OQPw-xUK_tk, Acesso em 18 de nov.2009.
ANEXO I
QUESTÕES PROPOSTAS PARA FAZER A PESQUISA (COM OS PROFESSORES)
NOME OU CODINOME_________________________________________________
(Essas questões foram elaboradas para o direcionamento do curso de capacitação, que será implementado na
Escola)
1) O seu embasamento teórico sobre a concepção de linguagem, no qual está calcado o
seu trabalho, fundamenta-se em qual documento?
A ( ) No Currículo Básico do Estado do Paraná: DCE’s;
B ( ) Nos Parâmetros Curriculares Nacionais: PCN’s.
2) Seja qual for a alternativa assinalada na questão acima, você já estudou esse
documento?
( ) SIM ( ) NÃO
3) Você identifica alguma diferença entre tipologia textual e gêneros do discurso ou
textuais?
( ) SIM; ( ) NÃO; ( ) TRATAM-SE DO MESMO ASSUNTO.
a) Caso a sua resposta seja afirmativa, exemplifique:
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
b) caso seja negativa, responda: Você já recebeu informação sobre este assunto?
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( ) NÃO; ( ) NÃO ME LEMBRO;
( )SIM. Se for sim, onde? Quando? Em que ocasião? Por qual órgão?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
4) Houve algum trabalho envolvendo as DCE’s na sua escola ?
Você participou? Quantas vezes?
( ) ________vezes; ( ) Não me lembro; ( ) Não participei.
( ) Participei, mas não ficou claro.
5) Você participou de algum curso de capacitação na área de sua disciplina nos últimos
três anos?
SIM: ( ) uma vez; ( ) Duas vezes; ( ) três vezes; ( ) mais de 4 vezes.
NÃO: ( ) Não tive interesse porque estou em fim de carreira.
6) Você tem segurança para trabalhar com gêneros de discurso?
( ) SIM, Por quê?; ( ) NÃO, Por quê?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
7) Assinale qual a concepção de linguagem que você adota?
( ) A linguagem como expressão do pensamento;( ) A linguagem como instrumento de comunicação;( ) A linguagem como forma ou processo de interação.
Este espaço é destinado para você fazer um comentário, sobre a concepção escolhida
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
8) O que você identifica como sendo gêneros primário e secundário?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
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______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
9) Você acha importante trabalhar com gêneros do discurso ou textuais.
Justifique a sua resposta.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
______________________________________________________________________
10) Você tem conhecimento sobre a Teoria da Enunciação e Dialogismo, de Bakhtin?
( ) SIM; ( ) NÃO. Use o espaço para tecer comentários, caso julgue necessário.
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