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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE Versão Online ISBN 978-85-8015-037-7 Cadernos PDE 2007 VOLUME I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

Versão Online ISBN 978-85-8015-037-7Cadernos PDE

2007

VOLU

ME I

* Professora da Rede Pública do Estado do Paraná, licenciada em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa -UEPG-, pós graduada em Metodologia de Ensino da Educação Básica, atuando no Colégio Estadual Professora Elzira Correia de Sá.

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A CULTURA AFRO-BRASILEIRA: UMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGI CA

COMPROMETIDA COM O MULTICULTURALISMO

*Rosângela Aparecida Lievore

“Somos todos juntos uma miscigenação E não podemos fugir da nossa etnia Índios, brancos, negros e mestiços Nada de errado em seus princípios”

(Etnia – música de Chico Science)

Resumo

O presente artigo relata experiência docente no Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE/2007 e apresenta a proposta de intervenção pedagógica realizada no Colégio Estadual Professora Elzira Correia de Sá, na cidade de Ponta Grossa, PR. As atividades relatadas relacionam-se à pesquisa e produção de materiais referentes à cultura afro-brasileira e visam contribuir para a recuperação de saberes e valores, considerados capital cultural da população de descendência africana. A promoção de uma exposição de materiais relativos a esta cultura objetivou dar visibilidade em âmbito local a esta população e aos seus bens culturais materiais e imateriais, considerando-se que tais valores culturais potencializam a participação política, social e econômica destes sujeitos históricos, instrumentalizando-os para identificar e compreender suas origens e a partir delas afirmar suas identidades e suas cidadanias. O trabalho norteou-se pela abordagem positiva do tema e possibilitou a construção de conhecimentos que podem levar à necessária valorização da cultura afro-brasileira, contribuindo para o exercício de práticas sociais alteritárias. Palavras-chave : cultura afro-brasileira. identidade. racismo.

Abstract

The present article describes an educational experience in the Program of Educational Development – PDE/2007 and presents the proposal of pedagogical intervention accomplished in the State school Professora Elzira Correia de Sá, in Ponta Grossa city, PR. The reported activities are related to the research and production of materials referring to the Afro-Brazilian culture and has as objective the contribution for the recovery of knowledge and values which are considered cultural capital of the population which descends from the Africans. The promotion of an exposure of materials relating this culture intended to give visibility in the local scope to this population and their cultural, material and immaterial heritage, considering that such cultural values potentialize the political, social and economic participation of these historical subjects, orchestrating them to identify and understand their origin and based on them affirm their identity and their citizenship. The work was guided by the positive approach of the theme and made the construction of knowledge possible, which might lead to the needed valorization of the Afro-Brasilian culture, contributing for the exercise of authoritarian social practices. Keywords: Afro-Brasilian Culture. Identity. Racism.

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Introdução

Este artigo reflete a participação na primeira edição do Programa de

Desenvolvimento Educacional –PDE -, política pública da Secretaria de Estado da

Educação – SEED - Estado do Paraná, implementado em 2007/2008, com o objetivo de

garantir a formação continuada aos professores da rede pública estadual. Este programa

oportunizou, em seu primeiro ano, o retorno dos docentes ao ambiente acadêmico,

através de parceria com as Instituições de Ensino Superior, neste caso específico, com a

Universidade Estadual de Ponta Grossa, possibilitando aprofundamento e revisão teórica

e conceitual de acordo com a formação inicial de cada participante.

Ainda nesta primeira fase, fez-se opção pela temática geral a ser pesquisada e a

partir dela construiu-se o Plano de Trabalho, onde foi delineada a trajetória do docente e

suas respectivas tarefas. A escolha pela Cultura afro-brasileira, como tema de pesquisa,

sustentou-se no teor da Lei 10.639/2003 e na demanda por conhecimentos relativos a

essa Cultura pelos docentes em geral, de forma a identificar diferentes práticas sociais

que caracterizam culturalmente os diferentes grupos, bem como contribuir para a

superação de preconceitos, numa perspectiva anti-racista.

No decorrer do primeiro ano, produziu-se um material didático que versou sobre um

dos aspectos mais salientes da cultura brasileira afro-descendente, o Samba, suas

origens e evolução, apresentando-o como elemento representativo da Circularidade

Cultural. Este material foi aplicado às turmas do Ensino Médio, no segundo ano do

Programa, como forma de despertar os discentes para a diversidade cultural,

problematizando, através de algumas peças musicais, as relações sociais e raciais

desiguais, hibridizando discursos da história, da arte, da sociologia, da língua portuguesa.

Dando continuidade ao programa, elaborou-se uma Proposta de Implementação

Pedagógica que se efetivou no Colégio Estadual Professora Elzira Correia de Sá, na

cidade de Ponta Grossa- PR, envolvendo duas turmas finalistas do Ensino Médio.

Inicialmente, este texto tem o objetivo de apresentar algumas reflexões apoiadas

no referencial teórico, pensando nos desafios enfrentados no interior das unidades

escolares, cotidianamente, no que se refere às relações inter-étnicas, somados à

responsabilidade de atender ao que preconiza a Lei 10.639/03, preocupações que

originaram a proposta de implementação cujos desenvolvimento e realização são

relatados a seguir. Na seqüência, apresentam-se algumas considerações, decorrentes da

análise dos questionários respondidos pelos alunos, reveladores das alterações no nível

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discursivo e que refletem o aproveitamento discente, ao final deste trabalho. Por fim,

discute-se a avaliação do projeto e apresentam-se possíveis conclusões do trabalho

realizado.

Educação e negritude: algumas reflexões

Impactar qualitativamente a formação dos sujeitos sociais envolvidos no processo

educativo, de forma a contribuir para que se desenvolvam práticas sociais afirmativas,

compatíveis com a valorização da cultura afro-brasileira é a meta da proposta pedagógica

que dá sustentação a este artigo. O caminho escolhido foi o da implementação de ações

afirmativas conciliáveis com o cotidiano das práticas escolares, optando pela abordagem

positiva na recuperação de saberes culturais afro-brasileiros, objetivando também a

prevenção da ocorrência de práticas discriminatórias. Considerou-se aqui como ação

afirmativa a prática pedagógica aplicada para corrigir alguns efeitos presentes no

cotidiano escolar, decorrentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo

a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais.

Toda conceituação da História é construída pelos educandos a partir dos

ensinamentos escolares e daquilo que a mídia introjeta em suas mentes o que acaba por

se constituir num discurso histórico de cunho elitista que transparece na memória e na

consciência coletiva da sociedade. Forma-se então um corpo de idéias que funciona

como instrumento ideológico centrado no entendimento de um Brasil sócio-cultural único,

num sentimento de identidade nacional que oculta a divisão social, a discriminação racial

e o controle das massas pelos grupos dominantes. Nesse contexto, ganha força o mito da

democracia racial, formulado por Gilberto Freyre, consolidando a crença de que a

miscigenação favoreceu os negros, facultando-lhes ascensão e respeitabilidade social,

idéias falsas que negam o preconceito, dificultando ou impossibilitando sua erradicação.

A massa estudantil que povoa a modalidade básica do ensino público, constitui

parcela significativa dessa sociedade, especialmente suscetível à amnésia histórica por

testemunhar um período de mudanças absolutamente constantes, precisa ser conduzida

à superação do presenteísmo e vislumbrar perspectivas futuras (BITTENCOURT, 2005).

Uma das possibilidades é partir de mudanças cronotópicas, ou seja, articular passado,

presente e futuro e abandonar a característica tendência da faixa etária, de transformar

tudo em passado que não interessa. Por entender que esta realidade foi construída

historicamente, dentre outros espaços pela escola e pela mídia, acredita-se que a História

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seja a ciência que de maneira mais eficaz – entretanto não exclusiva – realiza a educação

política baseada na compreensão das necessidades coletivas da sociedade, articulando-

se assim aos grandes objetivos da humanidade, exercendo seu papel formador da

identidade nacional, podendo – e devendo – servir de instrumento para libertar os

indivíduos da imobilidade social que caracteriza aquilo que denomina-se presenteísmo.

Busca-se a formação da cidadania entendida de forma mais abrangente, a

cidadania social (BITTENCOURT, 2005) que instrumentalize os educandos para a

superação do quadro nacional de desigualdade sócio-racial, uma cidadania constituída de

sujeitos capazes de alterar suas práticas sociais de forma positiva e afirmativa no que

concerne às relações inter-raciais e à construção de suas identidades e alteridades.

Entretanto, como atribuir papéis sociais a indivíduos que, num mundo regido pelas

comunicações e seus meios, têm sido excluídos da aparição nesses meios? (GOFFMAN,

Apud TAVARES, 2003). Este questionamento refere-se de forma específica aos afro-

brasileiros, grupo lembrado na história do Brasil apenas a partir da categoria escravidão, o

que inviabilizou historicamente o exercício pleno de sua cidadania, uma vez que foi e

continua sendo vítima de preconceito - julgamento de valor construído historicamente -

cuja expressão comportamental é a discriminação de que é alvo.

O preconceito racial contra indivíduos afro-descendentes no Brasil sejam eles

denominados negros, mestiços, morenos, ou pardos apresenta-se de forma tácita, não

assumida, ou negada socialmente, fator que dificulta sua superação, visto ser consenso

que "não temos que compreender e erradicar o que não existe". Assim, apresenta-se o

moreno – eufemismo cultural brasileiro – como símbolo da convivência racial democrática,

o mestiço que vive a ambigüidade de ser um e outro – ou não ser ninguém - pois é o

branco não branco e o negro não negro; e o negro que é a pessoa que tende a

desaparecer em nome da constituição de um povo cordial e moreno, através da idéia do

branqueamento da população (FERREIRA, 2001). A essa idéia, defendida no início do

século XX, contrapôs-se nos anos 30 um contra movimento que passou da extrema

desvalorização para a exaltação, construindo um ideário de que o mestiço seria o símbolo

da identidade brasileira afro-descendente. Tal iniciativa, porém, nada mais conseguiu que

o mascaramento da continuidade de práticas sociais excludentes que caracterizam de

forma peculiar e silenciosa o racismo à brasileira.

A escola entendida como espaço de produção e fomento da cultura, se apresenta

como fonte de retro alimentação dessa discriminação racial quando propaga aspectos que

legitimam a dominação branca, dificultando ou retardando o processo de formação da

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consciência negra, quando nega-se ou omite-se, em situações cotidianas, a discutir

abertamente o direito à diferença, a questionar a construção das diferenças dos

estereótipos e preconceitos. Desse modo, crianças negras se percebem diferentes e

percebem diferenças nas formas de aceitação e tratamento pelos adultos brancos, o que

faz nascer nelas a vergonha de sua negritude, minando sua identidade. Some-se a isso o

caráter eurocêntrico presente nos conteúdos escolares e suas negativas conseqüências

na trajetória educacional das populações afro-descendentes.

Resulta desses processos a constatação de que, geração após geração, indivíduos

afro-brasileiros protagonizam um drama, cuja construção tem bases no histórico processo

de desqualificação pela absorção de crenças e valores da cultura dominante, de matriz

européia. Essa constatação pode explicar por que muitos negros desvalorizam o mundo

negro, consideram-no insignificante, mantendo distorções sobre as matrizes negras,

reproduzindo comportamentos que denotam baixa auto-estima (FERREIRA, 2001).

Historicamente, todo esse processo foi legitimado a partir do momento em que o grupo

que se encontrava submetido, econômica e politicamente, passou a compartilhar das

mesmas crenças sobre si, propagadas pelo grupo dominante. Essas estruturas

assimétricas de relações sociais, marcadas por dominação e subordinação são de certa

forma reproduzidas pelos sistemas de ensino, nos espaços especialmente capazes de

influenciar comportamentos, as escolas.

Como instrumento igualmente capaz de construir comportamentos sociais, aponta-

se a mídia, meio fértil e sutil de práticas discriminatórias, repleto de intencionalidades, o

que facilita seu entendimento enquanto agência mantenedora do preconceito. Suas ações

voltadas para os interesses da lucratividade, visto serem empresas capitalistas, têm se

direcionado por dois caminhos: a exclusão ou a estigmatização dos indivíduos não

brancos. A mídia brasileira tem representado os afro-descendentes com imagens

estereotipadas, em posições subservientes em relação aos brancos, reservando aos

mesmos um tratamento de desqualificação, desconsiderando suas qualidades estéticas e

intelectivas.

O tratamento dado aos afro-brasileiros pelos meios de comunicação tem reforçado

problemas étnico-raciais, crônicos nesse país, sob o prisma da "culpabilidade da vítima",

levando ao entendimento de que os negros seriam discriminados socialmente pela sua

própria incapacidade. Esse estigma cristalizado no seio da sociedade explica a exclusão

midiática e é explicado por ela, uma vez que se concretiza na invisibilidade, no não

reconhecimento do negro, num mundo regido pela comunicação de massa. A falta de

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representatividade imposta à população afro-descendente imbricou em identidades não

manifestas, em benefícios negados, em dignidade aviltada (LIMA, 2004).

Evidentemente esses grupos sociais não contemplados nos processos

comunicativos, anseiam por ações básicas e imediatas que garantam sua inclusão sócio-

política, através do (re) conhecimento e da (auto) visualização em mídia, para que

possam recompor seus territórios etológicos, reorganizar suas instituições, sua história,

identidades e alteridades (GOFFMAN. Apud TAVARES).

Compartilhando com a idéia que defende "a proposição do regime de cotas como

apenas uma indicação dos sintomas de nossas enfermidades sociais" (MARTINS, 2002

p.2), propôs-se um projeto pedagógico inserido na proposta curricular, como uma das

possibilidades de iniciar um "tratamento" que se dará em doses homeopáticas, a médio e

longo prazo e que demanda perseverança dos educadores. Estes profissionais são aqui

entendidos como sujeitos históricos, protagonistas na tarefa - nem implícita, nem velada -

de formar uma coletividade de cidadãos que entendam o presente como fruto de uma

determinada história e dos quais se espera ações conscientes e consistentes

(BITTENCOURT, 2005).

É certo que tanto a Lei Paim/2000 , quanto o Plano de Ação em Durban/2001

estimularam os meios de comunicação à discussão sobre a concretude da realidade

brasileira, mas foi a partir de 2003, com a sanção da Lei 10.639/2003, que os debates

relativos à história da África e à cultura Afro-brasileira tiveram início nos ambientes

educativos formais, de maneira sistematizada. A partir de então, as IES – Instituições de

Ensino Superior – vêm se organizando e redirecionando seus currículos nos cursos de

História de forma a atender ao conteúdo da lei e garantir aos futuros

professores/historiadores o acesso a esse conhecimento específico, de forma também

sistematizada. Tais medidas apontam para experiências de desconstrução de realidades

naturalizadas, que podem levar a transformações sociais historicamente reivindicadas

pelos grupos étnicos socialmente segregados para que estes, partindo do entendimento

da dinâmica de construção de sua identidade, possam desenvolver identidades

positivamente afirmadas.

Entende-se que a História resulta de enfrentamentos político-ideológicos e não do

convívio harmônico entre indivíduos (FERRO. Apud CERRI, 2005) o que permite a

previsão de conflitos. Entretanto, acredita-se que o caminho é o enfrentamento do que

está posto socialmente, através da discussão democrática e da construção de nova

identidade, referenciada nas matrizes africanas e na percepção, pelos grupos

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discriminados, de seu enraizamento na cultura negra. Ao negro devem ser dadas

condições de lutar a partir de sua história ancestral e não pela cor da pele ou pelo status

que a sociedade lhe conferiu, referenciado em outra cor, para que ele seja autor da

própria história. (FERREIRA, 2001).

A meta da Lei 10.639/2003 é promover a formação de cidadãos atuantes e

conscientes no seio da sociedade multicultural e pluriétnica do Brasil, cidadãos capazes

de estabelecer relações sociais inter-étnicas positivas e condizentes com uma nação

democrática. Para tanto, é necessária a adoção de experiências pedagógicas marcadas

pelo enfrentamento dos preconceitos e desigualdades e pelo questionamento da

construção das diferenças, ou seja, práticas impregnadas pela perspectiva multicultural.

Os objetivos da Educação das Relações Étnico-Raciais são a divulgação e produção de

conhecimentos, de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à

pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes de interagir e de negociar objetivos comuns

que garantam a todos o respeito aos direitos legais e a valorização das identidades e

alteridades. Também objetiva a valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao

lado das indígenas, européias, asiáticas e o reconhecimento da história e da cultura dos

afro-brasileiros. Tanto a Lei quanto a Resolução que a normatiza reafirmam uma posição

de combate ao racismo e à discriminação, de acordo com a Constituição em vigor no

Estado Brasileiro.

Conhecer melhor sobre os afro-descendentes que fogem ao estigma da escravidão

mais do que saciar curiosidades, transcende à valorização da diversidade em termos

folclóricos ou exóticos para ensinar que esses brasileiros impuseram, com sua existência,

o fato de que a cor jamais os condenou à inferioridade intelectual. Este conhecimento

pode alterar a perspectiva que se tem sobre o povo brasileiro, construída com explícita

parcialidade pela historiografia oficial.

Ao transformar o conteúdo da Lei 10.639/2003 em currículo escolar encontram-se

personagens, diversas formas de resistência cultural, revoltas, movimentos relevantes na

História do Brasil cujas origens negras foram escamoteadas, omitidas e até negadas pela

ideologia de valorização do “branqueamento” de afro-descendentes que prevaleceu até

recentemente através da visão eurocêntrica vivenciada, de forma hegemônica pela

sociedade brasileira.

O historiador e romancista Joel Rufino dos Santos, no prefácio de “A mão afro-

brasileira – Significado da contribuição artística e histórica” questiona sobre possíveis

resultados de um recenseamento criterioso da produção da mão, do cérebro e da alma

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negras na construção da sociedade brasileira, enaltecendo como negro quem negro foi. O

autor acredita que um trabalho dessa importância garantiria a visibilidade do negro,

alçando-o a representante do país ao lado do branco e também contribuiria para definir o

Brasil de uma nova forma, mais adequada às gerações que ingressam no século XXI.

Tal recenseamento iluminaria igualmente o conceito que se tem de Cultura afro-

brasileira.

Cultura, em seu sentido mais amplo, se constitui de um conjunto de símbolos e

significados, de ritos e comportamentos, de instituições diversas e é o que dá sentido à

vida humana e social. É o que confere ao mundo seu sentido humano e criador, acertiva

da qual se infere que sociedades que desconsideram seus contextos culturais múltiplos,

não passam de modelos de dominação que negam a criação humana. A alteridade e a

diversidade cultural implicam em posturas democráticas e éticas, implicam na

necessidade de articular passado, presente e futuro com o local e o global, o lugar de si e

do outro e suas respectivas produções culturais, na construção do novo ( LIMA FILHO,

2005).

Adota-se aqui o conceito de Cultura preconizado pelas Diretrizes Curriculares da

Rede Pública da Educação Básica do Estado do Paraná – DCE/SEED – que consiste

numa noção de cultura entendida como prática cultural que nega a dicotomia e privilegia a

dinâmica entre cultura popular e cultura erudita, incorporando o conceito de circularidade

cultural, que se beneficia da leitura polifônica das fontes históricas, identificando nelas

suas diferentes vozes. Logo, todas as práticas humanas dependem das representações

utilizadas pelos indivíduos para darem sentido ao seu mundo (DCE/SEED, 2006).

A categoria afro-descendente, também denominada pela expressão “afro-brasileira”

se refere a um conjunto de denominações atribuídas a indivíduos negros que têm em

comum um significante número de referenciais sócio-histórico-político-culturais,

construídos na trajetória do povo negro na sociedade brasileira e sua relação com a África

e com seus ancestrais africanos. Corresponde, para efeito estatístico ao que o IBGE –

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – classifica como pardos e pretos que

constituem, segundo o Censo de 2000, 45% da população brasileira (CUNHA, Apud

LIMA, 2004).

A população brasileira de ancestralidade africana luta por condições

eqüitativas de cidadania desde que se extinguiu a condição jurídica que legalizava a

desigualdade, em 1888. Desde então, observa-se nesta sociedade a prática da divisão

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étnica coincidindo com a desigualdade sócio-econômico-cultural, permeada por raros e

episódicos momentos de valorização da herança africana.

Proposta Pedagógica: uma usina de conhecimentos

Com base no exposto, decidiu-se orientar um trabalho de pesquisa, realizado

pelos alunos dos terceiros anos do Ensino Médio, do Colégio Estadual Professora Elzira

Correia de Sá, em Ponta Grossa, Paraná, sobre as diversas expressões da Cultura Afro-

brasileira e divulgá-lo no ambiente escolar e na comunidade de seu entorno, como forma

de concretizar ações afirmativas, praticadas pelos discentes envolvidos no projeto, a

partir da recuperação de saberes e da valorização da cultura produzida pela população

brasileira de ancestralidade africana.

Todo desenrolar da proposta pedagógica deu-se através de fases de trabalho.

Justifica-se a opção por fases por tratar-se de projeto anual que demandou tempo

considerável em debates, exposição de idéias e orientações específicas aos grupos de

trabalho. Por tratar-se de prática pedagógica multiculturalmente orientada, buscou-se a

promoção da eqüidade educacional, valorizando-se conceitos e idéias que os alunos

possuíam a respeito do assunto, bem como norteou-se todo trabalho objetivando a

quebra de preconceitos contra os que são percebidos como diferentes, através da

abordagem positiva incidente sobre sua produção cultural.

Numa primeira fase, intitulada “Cine-fórum”, as turmas assistiram a um filme,

escolhido como instrumento pedagógico gerador de discussão e questionamentos

(HOLLEBEN, 2008). A exibição do filme Gattaca - experiência genética (diretor/roteirista:

Andrew Niccol; EUA. 1997) deu-se após comentários prévios, que se constituíram numa

apresentação sucinta da obra, apresentação da sinopse e indicação de possíveis leituras

que o filme suscita. Com o intuito de não intervir na percepção da totalidade da obra

fílmica, o roteiro de análise somente foi entregue após a apresentação da película, sendo

seguido da apresentação da ficha técnica. Após a sessão, as turmas foram divididas em

grupos para discussão preliminar do filme, seguida da discussão orientada, escolha do

redator e da dupla apresentadora dos trabalhos.

As tarefas foram entregues e os temas eleitos foram: Reflexões sobre os impactos

da engenharia genética, possibilitando ancoragem do discurso histórico com outros, de

cunho biológico e científico a partir da identificação de preconceitos criados pela ciência

que legitimam hierarquias sociais e do surgimento de categorias de pessoas com

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destinos pré-determinados cientificamente. A essas reflexões se seguiram os debates

efetivados pelo segundo grupo sobre a sociedade de classes da modernidade e pós

modernidade, cuja racionalidade é tecnológica. Fazendo o cotejamento entre a sociedade

de Gattaca e a brasileira, buscou-se apontar os mecanismos de controle social presentes

em Gattaca e na realidade vivida pelos alunos.

Um terceiro grupo de discussões dedicou-se às permanências e projeções

históricas, focando as restrições de classes atuais, os espaços de transgressão, as

resistências individuais e grupais verificáveis no dia-a-dia, e também as rivalidades no

âmbito familiar, econômico, cultural, religioso, de classes. Este grupo também discutiu o

individualismo que impede ações coletivas e as poucas práticas solidárias que se

caracterizam pela resistência que impõem ao sistema capitalista. O quarto tema debatido

a partir do filme levantou a possível analogia entre a sociedade de Gattaca e a sociedade

pós-moderna, enfatizando Gattaca como alegoria desta sociedade, construindo uma

síntese intercultural bastante criativa e adequada aos objetivos da atividade.

Como primeira atividade de um projeto anual, revelou-se muito produtiva,

mobilizando os alunos para o debate e promovendo discursos híbridos que transpuseram

fronteiras disciplinares, levando o grupo a reconhecer a pluralidade e a provisoriedade do

conhecimento histórico.

A segunda fase constituiu-se da aplicação de questionários de sondagem que

foram entregues às turmas para aferir conceitos já internalizados, individualmente. O

instrumento solicitou informações preliminares como idade, religião adotada pela família,

grau de escolaridade do pai e da mãe e participação ou não em partidos políticos,

associações, ONGs ou outros. A identificação foi opcional. O corpo do questionário era

composto por indagações sobre cultura, cultura afro-brasileira, suas expressões, e

também indagava sobre o que entendia por racismo e preconceito racial. Também foi

perguntado se considera o Brasil um país racista, solicitando-se exemplos e ainda, se

detecta práticas discriminatórias na comunidade onde vive e estuda, citando-as. Por

último questionou-se o aluno quanto a sua prática social, uma espécie de auto-avaliação

quanto a ser ou não racista. Estes questionários foram respondidos sem maiores

comentários da professora e arquivados neste momento dos trabalhos, para posterior

análise.

O estudo de material didático específico, no formato “Folhas”, sob o título “Ser

brasileiro é ter samba no pé?” concretizou a terceira fase do projeto, através do

desenvolvimento das atividades propostas no citado material, disponibilizado aos

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discentes. O conteúdo do material versa sobre a história do Samba, desde suas raízes

africanas, sua construção como elemento cultural de resistência negra em terras

brasileiras até sua ascensão social, ao atingir o status de símbolo da identidade nacional.

Permeando essa trajetória histórica, o material discute um pouco da historiografia do

samba e propõe análise de sambas-enredo e outros gêneros de sambas que marcaram

períodos históricos a serem estudados e entendidos a partir dessas composições

musicais.

A utilização deste material, cuja produção precedeu a proposta pedagógica, deve-

se ao fato de considerar-se o Samba um elemento cultural que claramente exemplifica a

Circularidade Cultural, posto que nascido nas classes populares, recebeu significativas

contribuições dos segmentos médios da população. Estas parcerias possibilitaram a

interpenetração de valores culturais das classes média e popular, que concretizaram-se

no Samba, gênero musical significativo em termos de resistência cultural porque, apesar

da repressão e preconceito sofridos, foi guardado e difundido pelas comunidades negras

garantindo seu lugar de preponderância no cenário do Carnaval e da Música Brasileira.

Fica assim confirmada a intencionalidade expressa nos objetivos da proposta de abordar

positivamente a cultura dos povos descendentes da diáspora africana.

O desenrolar desta fase obteve participação entusiasmada dos alunos uma vez

que propôs o uso de linguagem alternativa, transformando a sala de aula em local de

produção de conhecimento, valorizando a evidência, a dúvida, a postura investigativa

(CERRI, 2004). Utilizou-se a música como instrumento revelador da vida cotidiana, um

elemento facilitador da compreensão histórica e ainda, um forte articulador entre o aluno e

as pessoas que viveram num tempo passado, em diferentes contextos históricos,

possibilitando o exercício da “empatia” histórica (ABUD, 2005). A música, como produção

cultural pode ser entendida como evidência histórica porque possibilita questionamentos e

respostas sobre o contexto em que foi produzida, portanto passa a ser instrumental no

desenvolvimento de conceitos e significados nas aulas de história. A canção, através de

audição e análise de sua letra, descreve uma ideologia, que pode ser identificada com

determinado contexto histórico (FIUZA, 2006), facilitando seu entendimento pelo

estudante.

A pesquisa bibliográfica orientada compôs a quarta fase desta proposta

pedagógica iniciando-se pela reorganização dos grupos de trabalho com a assunção do

compromisso de fidelidade ao grupo, definido pelo critério de afinidade, e ao tema,

definido por sorteio. Os temas propostos foram: Candomblé, Capoeira, Movimento Hip-

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Hop, Comunidades Negras, Personalidades Negras e Arte Negra. Cada tema foi

trabalhado por grupos de até quatorze alunos – sete de cada uma das turmas envolvidas

no projeto. Após o sorteio, não houve solicitação de trocas de temas, o que denota

aceitação por parte das equipes, quanto aos rumos da pesquisa. Em seguida foi

disponibilizado um tempo para que o grupo discutisse sobre as possibilidades de trabalhar

seus temas, o que imaginavam que deveria ser feito, pois a idéia da exposição ainda não

havia sido socializada aos grupos.

Neste momento do projeto ficou expressa a incompatibilidade entre alguns alunos e

algumas temáticas, denotando conceitos previamente formados, construídos

historicamente com base no senso comum ou no desconhecimento dos fundamentos

temáticos, o que pode ser comprovado por falas como ‘eu não quero saber de candomblé’

ou, ainda se referindo ao candomblé, ‘Deus me livre mexer com isso’, e ainda, ‘o que é

que se pode aprender com o Hip Hop?’ Foi interessante notar que nas discussões com

seus pares, os alunos demonstram aceitação de opiniões que divergem das suas, ao

menos dando oportunidade de expressão aos que defendiam tanto o Candomblé quanto

o movimento Hip Hop, o que denota a provisoriedade de seus conceitos

Aos grupos foi solicitada primeiramente uma pesquisa bibliográfica das suas

temáticas e a confecção de uma pasta/portfólio contendo o material encontrado que

poderia variar entre trechos de livros, revistas, textos da internet, reportagens, imagens,

CDs, DVDs, etc. A leitura desse material e o conhecimento de seu conteúdo

constituíram-se num dos instrumentos de avaliação do desempenho dos alunos.

Periodicamente, os grupos eram chamados à apresentação de trabalhos consumados,

ocasião em que eram reorientados.

No decorrer destes procedimentos, realizaram-se algumas “saídas de campo” que

apresentaram saldo didático altamente positivo. Destaca-se, nesta etapa, a visita à

Colônia Sutil, no município de Palmeira, pelo grupo que pesquisa Comunidades Negras. A

região constitui uma comunidade de remanescentes de quilombolas, titulada pela

Fundação Palmares, cuja líder comunitária concedeu entrevista informal aos alunos,

documentada em vídeo. Igualmente nesta atividade fugiu-se do exotismo pela

constatação da realidade vivenciada pelos descendentes de escravos, no seu dia a dia,

entendendo o direito quilombola como parte de um conjunto de medidas reparativas, mais

especificamente à reparação da dimensão territorial, conseqüência da consolidação da

legislação fundiária e de sua articulação com o processo de abolição da escravatura no

país.

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A leitura do conteúdo do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias esclarece que uma nova modalidade de apropriação formal de terras foi

destinada a grupos sociais quilombolas, com base no direito à propriedade definitiva, e

não por meio da tutela, como acontece com os povos indígenas. A expressão “quilombo”

ainda que tenha conteúdo histórico, vem sendo ressignificada, identificando grupos que

desenvolveram práticas cotidianas de resistência na manutenção e na reprodução de

modos de vida característicos, e na consolidação de território próprio. A identidade desses

grupos não se define por tamanho nem número de membros, mas por experiência vivida

e versões compartilhadas de sua trajetória comum e da continuidade como grupo.

A Colônia Sutil abarca territorialidades negras constituídas por terras recebidas por

doação, através de herança testamentada. Entende-se que áreas adquiridas dessa forma

também resultam da resistência dos escravizados frente ao sistema escravocrata que,

mesmo após sua desarticulação, não promoveu mecanismos de inclusão social aos ex-

escravos e seus descendentes. A contra face deste processo, na historiografia, foi a

ampliação da concepção de resistência, que atualmente inclui outras formas de luta como

o esforço do escravizado em acumular algum capital para a compra de sua alforria, a

formação de irmandades religiosas e clubes de negros, formação de família, etc.,

pequenas experiências de resistência e liberdade que mesmo não promovendo a ruptura

com o sistema escravista alterava a vida dos escravizados.

O grupo de alunos dedicados à pesquisa das religiões de matriz africana,

especificamente o candomblé, participou de um encontro com uma “mãe de santo”,

responsável por um dos Terreiros de nossa cidade. O encontro foi um elemento

enriquecedor do trabalho, pois além da narrativa sobre a experiência vivida, os alunos

puderam apreciar fotos dos trabalhos do Terreiro, trajes utilizados e ouvir descrições dos

rituais realizados. O Candomblé, religião dos orixás e outras divindades africanas, é

considerado uma forma de resistência cultural inicialmente dos africanos, e depois dos

afro-descendentes aos mecanismos de dominação da sociedade branca cristã, de matriz

européia que marginalizou a população negra. Constitui-se em elemento de preservação

do patrimônio étnico-cultural, transformando-se em fonte de satisfação dos desejos

estéticos da população afro-brasileira, o que foi evidenciado através do contato com a

mãe de santo entrevistada pela turma.

Como destaque cultural afro-brasileiro, o Candomblé promove positivamente a

identidade das pessoas de ancestralidade africana que adotam esta religiosidade,

revelando-se como alicerce inicial da noção de etnia. Este processo se efetiva porque o

14

Candomblé vai além das tradições religiosas, abarcando maneiras de entender a vida,

hábitos, normas, valores culturais. As expressões culturais e religiosas de matriz africana

carregam processos educativos que dizem respeito ao exercício dos rituais e festas.

Esses processos se revelam na música, nos gestos, nos cânticos, nos toques

instrumentais. Nessas práticas de Terreiro o saber é compartilhado, se materializa e se

reconstrói a cada festa ou ritual religioso. Foi da música sacra do Candomblé Banto que

se formou, no plano profano, uma das mais importantes fontes de identidade nacional, o

Samba. Nesse ponto foi possível aos alunos fazer a transposição de fronteiras temáticas,

o que enriqueceu o processo de construção do conhecimento.

Os alunos investigadores da Capoeira foram beneficiados pelo encontro que

tiveram com um mestre em capoeira que há mais de vinte anos atua em nossa cidade,

como professor e proprietário de uma academia de capoeira. Presenciaram aula inicial

deste jogo e tiveram uma demonstração especial dos principais movimentos desde os

mais simples até os mais complexos, alem de explicações teóricas sobre a forma de vida

dos capoeiristas. Nesta oportunidade, os alunos puderam manusear os instrumentos

utilizados nas rodas de capoeira, verificar alguns outros que estavam em processo de

construção, e ainda ouviram os principais toques, atividade seguida da audição de

algumas músicas, gravadas em CD, utilizadas regularmente nas aulas de capoeira.

A temática Personalidades Negras foi abordada de forma sistemática através de

pesquisa sobre a vida e a obra de dois ícones da literatura brasileira: Machado de Assis e

Lima Barreto, privilegiando autores que se destacaram em tempos passados. Também

foram pesquisadas a vida e a obra de personagens da atualidade: Milton Nascimento e

Gilberto Gil. Sobre tais pessoas foram evidenciadas suas ações enquanto sujeitos

históricos de suas épocas, enaltecendo valores, criatividade, genialidade, enfim,

garantindo a visibilidade destes homens e sua significativa contribuição à cultura afro-

brasileira. Um dos pontos altos dessa investigação para os alunos foi descobrir a respeito

da atuação política destes personagens, no contexto da história brasileira, o que

despertou no grupo um certo orgulho étnico, ainda que disfarçado em meio às

brincadeiras de sala de aula.

Os alunos envolvidos neste tema, também buscaram entrevistar pessoas afro-

descendentes que se destacam na esfera local, como professores do Colégio, o

presidente da Associação de Moradores, o Presidente do Movimento Negro de Ponta

Grossa, entre outros. Neste processo, puderam constatar que a afro-descendência é uma

questão de auto-definição e que o pertencimento ou o não-pertencimento à determinada

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etnia é decisão subjetiva que absolutamente não pode ser definida genericamente. Os

encontros de orientação com estes grupos foram muito produtivos, uma vez que

suscitaram discussões sobre o princípio da alteridade e da necessidade do seu exercício

diário, nas relações sociais. Um dos destaques do trabalho deste grupo foi a palestra

desenvolvida para as duas turmas participantes do projeto, pelo Presidente do Movimento

Negro de Ponta Grossa, Dr. José Luiz Teixeira, sobre “discriminação, preconceito e

racismo”, a convite do grupo de alunos.

A idéia central neste caso foi recuperar e socializar histórias de vida vitoriosas e

situá-las em seus contextos, com o objetivo de construir um panorama positivo sobre a

população negra, considerando que a pessoa de ancestralidade africana não deseja que

sua imagem seja ligada ao sofrimento, à escravidão, mas, ao contrário, se orgulha de ser

herdeira de grandes figuras históricas negras, como Zumbi, José do Patrocínio, Martin

Luther King, Nelson Mandela e outros tantos nomes que foram lembrados pelos alunos e

cujas imagens ilustraram a exposição.

Segundo depoimento dos discentes que se aprofundaram no conhecimento sobre o

Movimento Hip Hop, eles compuseram o grupo mais discriminado pelos próprios colegas.

Eram alvo de piadinhas e apelidos depreciativos como “manos”, “calçudos”, segundo

relatos efetivados nas primeiras orientações. Com o desenrolar da pesquisa, os alunos

foram se firmando, vencendo as resistências impostas pelos demais colegas e a

descoberta de que o Movimento tem conteúdo político e social, que as diversas

expressões do movimento podem ser racionalmente explicadas, deu suporte aos alunos

pesquisadores para seguirem em frente. Uma das medidas tomadas por eles foi conviver

mais com adeptos ou simpatizantes do movimento Hip Hop e descobrir razões para

determinados comportamentos que os identificam. Uma das dificuldades deste grupo foi

encontrar bibliografia sobre o tema, o que os impulsionou para a busca quase que

exclusiva de informações pela internet. As revistas especializadas em Graffiti foram úteis

para definir com clareza essa arte, bem como os CDs de Rap, ouvidos incansáveis vezes,

deram conta de mostrar o caráter de denúncia e resistência que caracteriza o Movimento.

A cultura Hip Hop envolve expressões culturais distintas, como o Rap que é a

expressão musical , o breack, expressão corporal – também chamada de dança de rua -

os MCs e os DJs, cantores e músicos eletrônicos e o grafite, que expressa a arte visual.

Tem se revelado uma cultura crescente no Brasil e seus artistas e adeptos buscam

referenciais africanos e afro-brasileiros, exemplificando o vínculo existente entre a

identidade nacional e a ancestralidade africana. O vínculo entre África e Brasil foi

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umbilical dos séculos XVI ao XIX e nos dias de hoje tem se traduzido pela busca

constante destas referências. Ficou claro para os alunos pesquisadores que o Movimento

Hip Hop desenvolve um papel fundamental no processo de identificação étnica

proporcionando elementos positivos para a construção da identidade social e da

identidade negra de caráter coletivo, da noção de negritude. Através do Rap os jovens

conhecem a história de luta contra o racismo e encontram referenciais semelhantes na

história de resistência da população negra, no Brasil.

A arte produzida pelos afro-descendentes foi abordada de forma abrangente pelos

alunos responsáveis pelo tema. Deram preferência por aprofundar a pesquisa na culinária

e no artesanato, buscando conhecimentos de variados pratos da cozinha africana em

suas variações afro-brasileiras. Enfatizaram as alterações sofridas pela culinária ibérica

em contato com a cultura negra e a presença de elementos africanos na alimentação do

povo brasileiro. As máscaras africanas e seus usos e significados foram o destaque deste

trabalho. Sabe-se que a recuperação não apenas da arte, mas da história e da cultura

dos negros no Brasil, é fundamental para a reelaboração da auto-estima desse grupo e

para a construção de sua identidade sobre moldes diferentes dos impostos pela

sociedade que o escravizou. Os alunos descobriram alguns escultores populares, artistas

com intenção explícita de criar um tipo de arte cuja linguagem não estivesse mais

ligada à arte eurocêntrica, e sim à arte africana, seja na sua inspiração, ou através da

tentativa de estabelecer ligação com a ancestralidade. Essa tendência parece estar

presente em vários artistas negros da diáspora. A valorização dessa arte não apenas

colabora na construção da identidade do negro e da memória de certos artistas, como

também para o resgate da auto-estima desse grupo.

Além daquilo que havia sido inicialmente previsto, desenvolveram-se pesquisas

sobre outros sub-temas que ao longo dos trabalhos foram surgindo e que denotam o grau

de interesse despertado nos alunos, justificando seu registro neste texto. Somando-se

aos temas propostos pela professora, um grupo de alunos, motivados pelo ano olímpico,

propôs investigação sobre a presença negra nos esportes de um modo geral, o que se

converteu num trabalho fértil e que agregou valor ao restante, uma vez que evidenciou o

alcance dos objetivos da proposta que sempre foram marcados pela positividade na

abordagem da negritude.

Outro elemento cultural, igualmente pesquisado, por acréscimo, foi o Funk,

expressão que incorpora música, dança e estilo de roupa que vem despontando como

uma nova forma de orgulho racial consolidando posturas étnicas, presente nos mais

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diversos espaços do país. Esse elemento cultural apresenta e defende uma estética

negra contemporânea que age de forma a ampliar os parâmetros de beleza para além

dos cabelos lisos, pele e olhos claros e roupas ocidentalizadas. Ao contrário, esta

expressão cultural busca referenciais identitários no mundo negro, para a construção da

auto-estima, distanciando-se da beleza de padrão branco e da idéia do exótico.

A terceira adição se compôs de pesquisa sobre a África, também sugerida pelos

alunos que buscaram saber como está organizado o continente na atualidade.

Preocuparam-se em definir questões ligadas à geopolítica do continente e paralelamente

pesquisaram sobre personagens de destaque na atualidade africana, principalmente os

envolvidos com a arte e a política de um modo geral.

A fase seguinte, quinta na ordem da proposta, constituiu-se de uma Exposição da

Cultura Afro-brasileira, levada a efeito no espaço da Associação dos Moradores do

Núcleo Santa Paula, em meados do mês de outubro. O espaço foi dividido em oito partes

e todo o material produzido pelos alunos, juntamente com algum material emprestado foi

exposto para a visitação da comunidade. Foram apresentados cartazes diversos com

textos e imagens, estatuetas, telas pintadas, painéis de gravuras, painéis de fotos,

manequins trajados, instrumentos musicais diversos, bonecos de pano, livros, folhetos,

vídeos, músicas, painéis de recortes de revistas, mapas, telas bordadas, catálogos de

obras de arte.

No espaço reservado ao Candomblé, foram montados dois altares nos moldes

utilizados pelos Terreiros, sendo um especializado no Candomblé Ketu e outro relativo ao

Candomblé Banto, religiões africanas praticadas no Brasil e que carregam em seu bojo

um enorme respeito pela natureza como uma de suas principais características. Os

cânticos estiveram presentes como marcadores de memória e identidade, mostrando aos

visitantes que através dos toques pode-se aferir o valor patrimonial e o vigor da tradição

oral, responsáveis pela permanência da religiosidade africana, por mais de cinco séculos

em terras brasileiras.

A música também esteve presente na apresentação da Capoeira, no espaço

destinado a mostrar a obra de Milton Nascimento e de Gilberto Gil, no stander do Hip Hop

e no espaço reservado à exposição sobre a África. Os alunos utilizaram-se intensamente

de sons e imagens: vídeos de Comunidades Negras, de atletas negros que se

destacaram nos esportes, de shows de Rappers famosos, de campeonatos de Capoeira,

enfim a tecnologia esteve a serviço da divulgação do conhecimento, em tempo integral.

18

Embora ainda minoritária, a presença de personagens negros na propaganda

brasileira, adquiriu, nos últimos anos, uma importância inédita. As imagens publicitárias

que povoam nosso cotidiano – veiculadas na mídia impressa e audiovisual, ou

disseminadas na paisagem urbana através de painéis luminosos, outdoors,– evidenciam

uma presença crescente de personagens representantes da etnia negra. Isso ficou

evidente no stander reservado às Personalidades Negras. A estética negra foi

apresentada como recriação de elementos afro-brasileiros e africanos, compreendendo

cabelos crespos e cacheados penteados de diversas maneiras, trançados, ou no modelo

Black Power ou rastafári, o uso de adornos, búzios, miçangas, enfim os alunos

localizaram em revistas variadas inúmeros representantes da população afro-brasileira,

mostrando um “visual” ligado ao universo negro. Partindo da observação deste material

exposto, impossível não questionar em que medida a propaganda, ao divulgar padrões de

beleza mais plurais e inclusivos, teria algum papel a desempenhar na construção de

relações raciais mais igualitárias e equitativas?

Também a Literatura brasileira esteve em destaque, evidenciando diversos poetas

que em suas obras fazem diferentes menções à mãe África, à diáspora, à escravidão e,

sobretudo ao fato de se identificar como negro, no Brasil.

Uma “Roda de Capoeira” foi a atividade responsável pelo fechamento da

exposição. Nela estiveram presentes o Mestre e vários de seus alunos, alguns dos quais

próximos da graduação, outros apenas iniciando como capoeiristas, sendo que alguns

são alunos ou ex-alunos do Colégio. Foi uma demonstração concreta da manifestação-

símbolo da cultura negra, acompanhada pelo som dos atabaques e berimbaus.

Como última fase do projeto, foram reaplicados os mesmos questionários,

analisados qualitativamente em comparação com os anteriormente respondidos. Na

seqüência, aplicou-se também um instrumento de avaliação do projeto todo.

Reflexões a partir da análise dos questionários

O material a ser analisado compôs-se de oitenta questionários respondidos

previamente à execução do projeto e oitenta respondidos à posteriori. O foco de atenção

voltou-se para quatro itens considerados relevantes: conceito de Cultura Afro-brasileira,

noção de racismo, discriminação e preconceito, ocorrência de práticas sociais

discriminatórias na comunidade, e auto-definição quanto a ser ou não racista. A alteração

positiva nos conteúdos das respostas evidenciou-se claramente na constatação de que

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noventa por cento dos alunos concluíram o trabalho com noção satisfatória sobre a

Cultura Afro-brasileira, uma vez que inicialmente contávamos com aproximadamente

setenta por centos deles com nenhuma noção sobre o tema. No que concerne a noção

de racismo, discriminação e preconceito, iniciamos o trabalho com um índice de

aproximadamente oitenta por cento dos alunos com nível satisfatório de entendimento e

concluímos com todos os alunos participantes apresentando níveis de conhecimento

plenamente satisfatórios, em relação ao item.

Os dois itens que seguem apresentam resultados que, convertidos em números,

chamam a atenção pela contradição que carregam. Dos oitenta participantes, cinqüenta e

sete apontam a ocorrência de práticas discriminatórias relacionadas às questões raciais

na comunidade onde vivem e estudam. Esse número cresce para sessenta e dois, na

segunda aplicação do questionário, entretanto ao serem questionados sobre suas

posições pessoais, setenta e sete alunos se auto-declaram não-racistas e apenas três se

definem como racistas, ao final das atividades.

Estes números reportam à necessidade de transformar a escola num espaço

público que melhor atenda interesses e necessidades destes inúmeros alunos, apontados

pelos discentes participantes como vítimas de discriminação e preconceito, numa ação

pedagógica orientada pelo multiculturalismo, que fuja de ações episódicas sobre a

questão racial negra, e que abarque toda a comunidade em que estão inseridos.

A abertura da exposição para a comunidade escolar como um todo objetivou

sensibilizá-la para a diversidade cultural ao ressaltar os principais aspectos da cultura

negra, pensando a exposição como ponto de partida para desestabilizar a lógica

dominante, branca e cristã e confrontá-la com outras lógicas que possibilitem um novo

olhar sobre o mundo. Um olhar que promova a desconstrução da subalternidade do povo

negro e neste lugar construa a idéia de eqüidade, de respeito à diversidade e que garanta

a visibilidade da população negra e de seu patrimônio cultural material e imaterial.

Sabe-se que seria ingenuidade apostar na viabilidade do diálogo como elemento

definidor das questões sócio-raciais, pois as vozes autorizadas a circular livremente

convivem com outras silenciadas. Por isso mesmo é que se trabalhou no sentido de

superar campos de silêncio em sala de aula, com a clara intenção de reduzir problemas

relacionais inter-étnicos. Ao serem indagados sobre o Brasil ser ou não um país racista,

cinqüenta e oito alunos afirmam que consideram o país racista e após o desenvolvimento

do projeto esse número cresce para setenta e oito, o que nos autoriza a pensar que os

debates e reflexões deles decorrentes levaram os alunos a superar barreiras que

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impediam a exposição de idéias, o que liberou o diálogo, livrando-o de constrangimentos

em sala de aula, conduzindo o aluno a identificação de práticas discriminatórias no seu

cotidiano que antes, ou passavam despercebidas, ou já haviam sido naturalizadas.

Buscando refletir sobre os dados apontados quanto ao auto reconhecimento, ligado

à definição de ser ou não racista, percebe-se a quase totalidade dos participantes auto

definem-se como não-racistas e, no entanto, testemunham práticas racistas em suas

vivências diárias, particularmente no ambiente escolar. A partir destes dados,

permanecem interrogações recorrentes: até que ponto o discurso homogeneizador da

escola tem responsabilidade neste resultado? Até que ponto a escola tem superado a

lacuna entre sua cultura e a cultura de origem do aluno? A instituição escolar está

satisfatoriamente preparada para avançar na formação de identidades multiculturais, que

dêem conta da diversidade cultural contemporânea?

Nas atividades que sucederam a exposição de trabalhos, retomaram-se as

questões da alteridade e da identidade brasileiras numa tentativa de aferir avanços no

campo teórico, em debates em pequenos grupos seguidos de plenárias. A intenção

destes trabalhos foi de desnaturalizar os critérios usados para justificar a superioridade

dos grupos brancos em relação aos grupos negros. Nessas atividades, os alunos

criticavam aspectos da cultura afro com os quais não concordavam e depois ouviam a

réplica do grupo defensor e ao final tinham oportunidade de constatar que no conflito

entre as vozes hegemônicas e dominadas é que reside a possibilidade de crítica, de

desconstrução das representações vigentes e o surgimento de novas representações que

expressam novas imagens do mundo. Essas práticas foram avaliadas como férteis

contribuições para o entendimento de que as situações de vida experienciadas pelos

grupos sociais são construções histórico-sociais passíveis de questionamento e

reconstrução.

Uma das atividades desenvolvidas que se revelou muito enriquecedora, foi a

plenária sob o tema “o que é ser brasileiro?” em que os alunos leram e discutiram, em

pequenos grupos, textos de autores diversos que versaram sobre a identidade do

brasileiro e em seguida formularam textos próprios sobre a mesma temática,

apresentados na seqüência para o grande grupo. Nesta atividade levou-se em conta que

a questão da construção da identidade é fator estreitamente ligado ao projeto em pauta,

permeado, em sua totalidade, pela perspectiva anti-racista. O desempenho das turmas,

nesta prática revelou-se satisfatório uma vez que demonstraram capacidade de identificar

discursos preconceituosos incidindo sobre etnia, modo de vestir, religiosidade, enfim,

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preconceitos diversos relativos aos que são percebidos como diferentes, aprofundando

assim o entendimento de que os preconceitos sociais vão além dos marcadores

identitários raça e nação.

Avaliação do projeto

Após a execução das atividades pedagógicas já elencadas, efetivou-se a avaliação

do trabalho, a partir de um instrumento específico elaborado com esse objetivo. Tal

instrumento solicitou uma auto-avaliação quanto à participação no projeto, levantamento

de pontos positivos e negativos a título de aperfeiçoar o projeto para futuras edições,

avaliação geral do trabalho e um último item que se reporta à contribuição subjetiva do

projeto através da participação de cada um, no sentido de verificar possíveis alterações

conceituais e/ou comportamentais, nos sujeitos envolvidos.

Em resposta à questão “participar do projeto fez você alterar sua forma de pensar

ou agir, em relação à população afro-descendente e a sua produção cultural?” a

identificação da existência de preconceitos e o desejo de valorização de suas identidades

aparecem com nitidez, como ilustramos nas falas de alguns alunos participantes:

“Eu era preconceituoso em relação aos seguidores do Movimento Hip Hop e agora mudei meu jeito de pensar sobre eles”; “Com relação ao candomblé, mudou meu ponto de vista; o que antes era preconceito, na verdade era falta de conhecimento”;”Mostrar a cultura afro-brasileira ajuda a pelo menos diminuir o preconceito racial, ensina o respeito às diferenças,pois a cor de pele não define nada, o que define a pessoa é o seu caráter”; “O melhor foi descobrir que nem tudo é como pensamos, que há vários caminhos a serem analisados para depois tirar conclusões. Penso que a África nos deixou grandes lições”;”(...) revivi a história dos meus antepassados”; “(...) não ligo pra cor da pele, eu sei bem o que é ser discriminado”.

Esses depoimentos evidenciam alterações positivas no nível discursivo, o que se

constitui num primeiro passo rumo às práticas permeadas pela noção de alteridade,

fundamentais para o convívio social desejado. Convivem junto a essas alterações outras

de igual teor, mas que denotam um posicionamento externo do aluno em relação à cultura

afro-brasileira, como se os elementos culturais afro-brasileiros não fizessem parte de seu

mundo cultural. Tais posicionamentos podem evidenciar a valorização da cultura negra

convivendo com a sua não inclusão no campo cultural ao qual o aluno se entende

vinculado, como podemos aferir pelas falas:

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“O projeto me fez ver que as pessoas negras têm uma cultura da qual devem se orgulhar”“Mudou sim, pois passei a dar mais valor a essa cultura” “Já sabia que os grupos afro faziam parte de nossa história, mas a partir do trabalho consegui ver o quanto é rica sua cultura”

Ao longo do desenvolvimento do projeto, procurou-se levar a efeito uma prática

pedagógica desafiadora de preconceitos, especialmente os ligados à categoria racial.

Some-se a isto o fato de que as expectativas positivas em relação à competência de

aprendizagem dos alunos sempre foram ressaltadas, permeando as relações

estabelecidas entre professora e alunos, garantindo a presença da dimensão afetiva nas

práticas discursivas, o que também pode ser constatado pelas respostas da avaliação do

projeto.

A estratégia de dar voz e vez aos alunos constituiu-se num instrumento de

melhoramento do projeto, uma vez que apontou para a superação da folclorização do

grupo social afro-descendente, fugindo-se da atitude de mera contemplação do exótico,

fato igualmente perceptível em algumas respostas avaliativas, como as que seguem:

“Com esse trabalho, todas as formas de preconceitos referentes a etnia negra foram quebrados”; “Uma cultura (afro-brasileira) rica, tanto em conhecimento quanto em beleza; uma grandeza em sabedoria que muitas pessoas desconhecem”.

O depoimento que segue ilustra de maneira geral os demais posicionamentos das

turmas, no que se refere à perspectiva anti-racista do trabalho executado: ‘é o modo do

ser humano mostrar o quanto é desprezível querer que todos sejam iguais; somos todos

diferentes e é aí que se encontra a beleza da vida’. Acredita-se que a prática multicultural

se constrói no discurso devido à intenção de desafiar a construção das diferenças e dos

preconceitos relativos a elas o que justifica o registro de falas como estas, valorizadas

enquanto resultado de um projeto.

O resultado do trabalho desenvolvido ao longo de um ano, que culminou com a

exposição de diversos materiais, foi reapresentado à comunidade por ocasião das

comemorações relativas ao Dia da Consciência Negra, ocasião em que foi fundado, em

nossa cidade, o Instituto Afro-descendente dos Campos Gerais, sob o nome de Instituto

Sorriso Negro, órgão que objetiva articular ações do Movimento Negro nesta área de

abrangência.

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Considerações Finais

O trabalho realizado possibilitou visibilidade a vários fenômenos culturais: modos

de fazer enraizados no cotidiano das comunidades negras, rituais, festas, religiosidade,

entretenimento, manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas. Ao

visualizar essa produção cultural fomos chamados a refletir sobre possíveis respostas à

indagação: até que ponto os termos influência e contribuição são suficientes para garantir

a compreensão das relações entre África e Brasil?

Acredita-se que estes estudos contribuíram de forma expressiva para irmos além

das contribuições isoladas, para avançarmos sobre a lógica turística da organização

curricular. A experiência vivenciada pelos alunos transformou-se em conhecimento. Nas

relações com o outro e, principalmente com os percebidos como diferentes e nas práticas

sociais experienciadas é que o ser humano se constitui constantemente. Aprende-se por

meio da socialização e aprende-se de maneira eficaz.

A pesquisa e a exposição de materiais visaram recuperar raízes negras num

esforço consciente de construção de identidades positivamente afirmadas, num esforço

de conscientização geral, através do distanciamento do estereótipo da mulata e do

jogador de futebol. Descobriram-se e apresentaram-se inúmeros personagens

importantes a serem seguidos, vistos, examinados e pesquisados que se revelaram

elementos fundamentais para a valorização da cultura afro-brasileira.

Como prática pedagógica, o desenvolvimento deste projeto pode ser apontado

como duplamente produtivo, uma vez que oportunizou férteis debates em torno das

relações étnico-raciais, produzindo nos alunos competências para formulação de novos

conceitos que podem concretizar novas práticas sociais, mais inclusivas e democráticas.

A duplicidade da produtividade revela-se na competência docente que sofreu alterações

positivas igualmente expressivas. Por tratar-se de atividades relacionadas a política de

formação continuada de professores, pode-se afirmar que o programa de

desenvolvimento educacional está cumprindo seus objetivos, que se traduzem no

redimensionamento da prática escolar, através de ações educacionais sistematizadas,

como a que foi levada a efeito, dando origem a este artigo.

Se é verdade que se podem apontar avanços, ainda que sejam no nível do

discurso, entre os alunos, é igualmente verdadeiro o avanço teórico-metodológico

conquistado nesta docência, pois a construção do conhecimento a partir do estudo, do

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debate, da reflexão é pilar fundamental para mudanças qualitativas na prática docente da

escola pública paranaense.

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