Da Embriaguez Como Método

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22 A V U L S O S DA EMBRIAGUEZ COMO MÉTODO¹ João José Gomes dos Santos¹ Caro Leitor, Desculpo-me se ainda pareço um tanto quanto bêbado, mas acontece que deseja- va muito escrever-te sobre o que me aconteceu nesta manhã de sexta-feira. Explico- me antes de causar qualquer mal entendido, que minha ebriedade não foi provocada por uso excessivo dos etílicos. Fiquei bêbado de gente e movimento. Mas como tal embriaguez poderia ser atingida? – certamente me perguntaria se pudesse. Digo, lembrando Baudelaire, que é preciso embriagar-se sem tréguas, mas de quê? “De vinho, de poesia ou de virtude, a vossa escolha” 2 . Este é um método bastante efetivo para dizer coisas da vida. Embriagar-se sem cessar de gente e movimento, como nesta manhã de sexta aconteceu na feira livre. Andava sem pretensões por entre as bancas, bebendo café em copo plástico vaga- bundo para espantar o recorrente sono matinal. Soavam facas cortando peças gran- des ou menores de carne vermelha, batendo contra os ossos, rompendo-os; também os sons febris das pessoas, conversando ruidosamente, rindo, cortejando os passan- tes a encostar-se à banca e comprar: “Bom dia freguês, o feijão está na promoção hoje”, ou ainda, “vai querer levar o que hoje, meu amor? As ameixas e as maçãs estão ótimas”; também aqueles que ofertam aos quatro cantos, aos gritos, os preços de suas mercadorias. Entre estes, alguém passa repetindo uma palavra tal como se fosse uma ladainha “olha o carrêgo, carrêgo, carrêgo, carrêgo, carrêgo... vai querer um carrêgo hoje, meu patrão?”. Deste cotidiano ruidoso falavam as marcas do as- falto 3 , mas o que diziam as rugas nos rostos das gentes? Acompanhando um fluxo, saí dos corredores e andei por praças que margeiam a feira, bem por suas ruas adjacentes. Caminhei durante algum tempo, talvez minutos, sem saber ao certo para onde ia. O sol queimava alto sobre as cabeças, passava das dez horas da manhã de sexta-feira. Andei pela rua estreita de mão dupla onde o flu- xo é intenso. Segui devagar... contrastando a impaciência dos automóveis, percorren- do lugares onde pousar os olhos. Ao lado, em bodegas e armazéns, homens esfriavam o juízo bebendo cerveja, tecendo conversas animadas, ou simplesmente sozinhos, mordiscando carne quente de brasa; sobre suas mesas sacos plásticos acinzentados tomados por hortaliças. Pequenos restaurantes abertos e vazios aguardavam an- siosamente por seus clientes. Lojinhas de presentes e decoração com seus coloridos plásticos... outras de utensílios domésticos e roupas, um salão de beleza, um pe- t-shop, outro botequim e pessoas caminhando apressadamente. Deixara a feira, mas a feira insistente transbordava pelas ruas. Na manhã de sexta, a João Gonçalves 4 é um imã que ora atrai fluxos, ora os repele. Caminhos que a ela convergem quando ainda de sacolas vazias ou que dis- persam quando já de feira feita, podem ser sentidos mesmo em ruas mais distantes. A feira interfere não só no movimento daquela via, mas também no clima do bairro.

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Em feiras de Aracaju, uma ética acena.

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    A V U L S O SDA EMBRIAGUEZ COMO MTODOJoo Jos Gomes dos Santos

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    joaoRealce

    joaoNotacorreo: Onde se l "bem por suas ruas adjacentes", leia-se "bem como por suas ruas adjacentes"

  • 23

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    tro

    ins

    lito

    se d

    eu a

    li na

    quel

    a pe

    quen

    a pr

    aa

    de f

    orm

    a tr

    iang

    ular

    , um

    ra

    paz

    negr

    o de

    mo

    s gr

    ossa

    s e

    embr

    iaga

    do,

    embe

    bedo

    u-m

    e co

    m s

    uas

    pala

    vras

    . E

    as

    sim

    con

    tinu

    o, b

    bad

    o de

    gen

    te e

    mov

    imen

    to. E

    le m

    ostr

    ou-m

    e su

    as r

    ugas

    e in

    sinu

    ou

    um m

    odo

    de o

    uvir

    as

    mar

    cas

    do t

    empo

    nos

    ros

    tos

    da f

    eira

    . His

    tri

    as q

    ue f

    ervi

    lham

    e

    faze

    m v

    ibra

    r... i

    nter

    pela

    ndo

    pass

    agen

    s.

    De

    inc

    io, m

    esm

    o no

    bre

    ve t

    empo

    do

    enco

    ntro

    , a c

    onve

    rsa

    vago

    u so

    bre

    os b

    anhe

    i-ro

    s qu

    mic

    os e

    o f

    edor

    qua

    se in

    supo

    rtv

    el. D

    isse

    -me

    que

    eles

    viv

    iam

    em

    porc

    alha

    dos,

    se

    mpr

    e o

    cupa

    dos.

    .. de

    mer

    da,

    que

    era

    um

    a fa

    lta

    de r

    espe

    ito

    para

    com

    os

    feir

    ante

    s e

    os f

    regu

    eses

    , e

    para

    us

    -los

    s

    mes

    mo

    esta

    ndo

    bba

    do o

    u ch

    apad

    o. F

    oi q

    uand

    o co

    nseg

    uiu

    abri

    r um

    a da

    s po

    rtas

    e f

    ez s

    urgi

    r a

    quan

    tida

    de d

    e po

    rcar

    ia m

    istu

    rand

    o-se

    ao

    pl

    stic

    o ve

    rde

    das

    pare

    des

    e do

    ch

    o e

    um o

    dor

    extr

    emam

    ente

    agr

    essi

    vo. F

    echo

    u a

    port

    a ri

    ndo.

    Ele

    per

    gunt

    ou s

    e eu

    tra

    balh

    ava

    para

    a v

    igil

    ncia

    san

    itr

    ia, e

    m t

    om

    mis

    to d

    e cu

    rios

    idad

    e e

    indi

    gna

    o. M

    eio

    sem

    sab

    er o

    que

    diz

    er, a

    inda

    de

    resp

    ira

    o

    susp

    ensa

    , res

    pond

    i que

    no

    . Ind

    ague

    i dep

    ois

    se m

    esm

    o as

    sim

    gen

    te o

    s ut

    iliza

    va. D

    is-

    se

    clar

    o qu

    e te

    m...

    gen

    te q

    ue d

    orm

    e a

    , gen

    te q

    ue e

    ntra

    pra

    fum

    ar u

    m b

    asea

    do...

    ou

    pra

    tom

    ar c

    acha

    a t

    ranq

    uilo

    . E

    nto

    per

    gunt

    ei, j

    pe

    nsan

    do e

    m u

    ma

    desp

    edid

    a tr

    anqu

    ila, q

    ual

    era

    seu

    nom

    e. D

    e m

    odo

    desc

    onfia

    do e

    rep

    enti

    no, o

    lhou

    -me

    com

    seu

    s ol

    hos

    bri

    os e

    dis

    paro

    u ce

    rtei

    ro,

    pra

    qu

    voc

    que

    r sa

    ber?

    . E

    m t

    empo

    no

    lem

    bro

    o qu

    e di

    sse,

    ou

    mes

    mo

    se e

    sboc

    ei a

    lgum

    a re

    ao

    ; de

    resp

    ira

    o s

    uspe

    nsa,

    no

    mai

    s pe

    lo c

    heir

    o da

    mer

    da, m

    as c

    omo

    quem

    se

    prep

    ara

    para

    tom

    ar u

    m

    pau

    de c

    acha

    -a

    ...

    Em

    endo

    u em

    bal

    buci

    os

    nom

    e

    retr

    ato,

    min

    ha p

    alav

    ra

    de

    vez

    , ant

    es d

    e vi

    rar-

    se e

    sai

    r.

    1Formado em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), atualmente mestrando do Programa de Ps-Graduao em Psicologia Institucional da Universidade Federal do Esprito Santo (UFES).

  • 24

    O e

    ncon

    tro

    desp

    ido

    de g

    esto

    s ou

    pal

    avra

    s co

    mpl

    emen

    tare

    s de

    senr

    aiza

    os

    dois

    est

    rang

    ei-

    ros,

    impl

    odin

    do-o

    s em

    ped

    aos

    de

    ns

    diss

    onan

    tes

    mar

    cado

    em

    car

    ne v

    iva.

    Um

    enf

    rent

    a-m

    ento

    atr

    aves

    sado

    por

    di

    logo

    s au

    sent

    es d

    e eg

    o, i

    ncon

    scie

    nte,

    refl

    exos

    do

    outr

    o, o

    cupa

    aq

    uele

    lug

    ar e

    tern

    o on

    de o

    pas

    sado

    bri

    lha

    em u

    m o

    utdo

    or. S

    em c

    onto

    rnos

    ou

    rost

    os d

    eli-

    mit

    ados

    , os

    dois

    par

    tici

    pam

    de

    hete

    rog

    neos

    tem

    pos

    e es

    pao

    s. O

    out

    ro, o

    u el

    e, o

    u os

    doi

    s,

    pert

    urba

    dos

    e de

    scon

    hece

    ndo

    quem

    so

    , lem

    bram

    -se

    de u

    m p

    oem

    a de

    Bor

    ges

    que

    diz,

    dos

    es

    pelh

    os,

    infin

    itos

    os

    vejo

    , ele

    men

    tais

    exe

    cuto

    res

    de u

    m a

    ntig

    o pa

    cto,

    mul

    tipl

    icar

    o m

    undo

    co

    mo

    o at

    o ge

    nera

    tivo

    , ins

    ones

    e

    fata

    is.

    Esp

    elho

    s m

    ulti

    plic

    ado-

    res

    recu

    sand

    o re

    pous

    o in

    cita

    m

    o en

    cont

    ro c

    om a

    per

    turb

    ador

    a fa

    ce d

    a al

    teri

    dade

    . O

    pro

    voca

    -do

    r ob

    jeto

    do

    poet

    a ar

    gent

    ino

    fabr

    ica

    cole

    tivo

    s in

    stv

    eis,

    ce-

    nas

    ines

    pera

    das

    para

    que

    m o

    v

    (...)

    O o

    utro

    ou

    ele

    desd

    obra

    m-

    se e

    m c

    ente

    lhas

    de

    inum

    erv

    eis

    hist

    ria

    s ru

    idos

    as,

    desp

    idas

    de

    qual

    quer

    ser

    enid

    ade

    5

    Res

    pire

    i fu

    ndo

    com

    o ap

    s

    um t

    rago

    de

    bebi

    da fo

    rte

    e se

    nti

    reve

    rber

    ar o

    s ef

    eito

    s da

    ebr

    ie-

    dade

    de

    gent

    e e

    mov

    imen

    to...

    e

    verb

    os.

    O t

    al h

    omem

    neg

    ro

    de m

    os

    gros

    sas

    e se

    m c

    amis

    a m

    ostr

    ou-m

    e su

    as r

    ugas

    e e

    las

    cont

    avam

    qu

    e n

    o ac

    eita

    vam

    se

    r um

    nom

    e pr

    pri

    o, p

    ois

    nom

    e

    retr

    ato,

    fi

    xide

    z, g

    uard

    a em

    si

    a i

    mob

    ilida

    de d

    as e

    ssn

    cias

    . O

    nom

    e

    o im

    edia

    tism

    o do

    ins-

    tant

    neo

    , n

    o pr

    oduz

    nem

    nar

    -ra

    his

    tri

    a al

    gum

    a. J

    a

    pala

    -vr

    a qu

    ando

    c

    onta

    da,

    de

    vez.

    R

    ugas

    se

    prod

    uzem

    nes

    se m

    ovi-

    men

    to q

    ue a

    genc

    ia h

    ist

    rias

    , e

    o qu

    e

    de v

    ez, p

    or s

    er i

    nst

    vel

    e at

    ento

    s

    urg

    ncia

    s do

    diz

    er,

    tem

    a f

    ora

    de

    esti

    lha

    ar c

    om

  • 25

    as i

    dent

    idad

    es.

    Nes

    se b

    reve

    mom

    ento

    , o m

    apa

    dos

    dois

    per

    de o

    s co

    ntor

    nos.

    O n

    s

    nerv

    oso

    nega

    rep

    ouso

    ou

    esta

    bilid

    ade,

    red

    esen

    hand

    o a

    sua

    geog

    rafia

    par

    a al

    m d

    os

    limit

    es (

    ...);

    ref

    az f

    ront

    eira

    s tr

    azen

    do-o

    s de

    vol

    ta, i

    rrec

    onhe

    cve

    is

    6 . O

    s ba

    nhei

    ros,

    o

    chei

    ro e

    aqu

    ela

    pra

    a ha

    viam

    fica

    do d

    ista

    ntes

    em

    um

    a vi

    so

    emba

    ada

    ond

    e se

    m

    istu

    rava

    m a

    s fo

    rmas

    , os

    sons

    e o

    s od

    ores

    . nfi

    mo

    inst

    ante

    aqu

    ele,

    que

    se

    dila

    tou

    e ai

    nda

    dura

    . M

    eu a

    lgoz

    , ou

    que

    m s

    abe

    com

    panh

    eiro

    nes

    te c

    omba

    te d

    o n

    s ne

    rvos

    o, h

    avia

    su

    mid

    o; t

    rans

    form

    ado

    em f

    uma

    a es

    palh

    ava-

    se p

    elo

    ar e

    sfum

    aan

    do o

    s lim

    ites

    , mes

    -cl

    ando

    as

    form

    as e

    os

    dito

    s. B

    bad

    o de

    sua

    s pa

    lavr

    as, a

    fei

    ra s

    e de

    sfez

    em

    um

    esp

    ao

    de e

    mbr

    iagu

    ez, o

    nde

    os c

    onto

    rnos

    se

    dilu

    em e

    so

    inco

    nclu

    sos,

    pre

    cri

    os e

    inst

    vei

    s.

    As

    ruga

    s ap

    rese

    ntav

    am-s

    e ag

    enci

    ando

    nar

    rati

    vas

    s m

    erca

    dori

    as d

    e ve

    nda,

    s

    rela

    -

    es c

    om f

    regu

    eses

    , s

    amiz

    ades

    , s

    situ

    ae

    s de

    tra

    balh

    o. E

    las

    cont

    avam

    his

    tri

    as

    dest

    e es

    pao

    br

    io q

    ue p

    unha

    m e

    m m

    igal

    has

    as i

    dent

    idad

    es d

    o fe

    iran

    te,

    freg

    us,

    pe

    dint

    e, a

    mbu

    lant

    es e

    o

    carr

    go

    , ass

    im a

    part

    adas

    .C

    omo

    um s

    onho

    dem

    asia

    do r

    eal.

    Epi

    fani

    as d

    aque

    la m

    anh

    de

    sext

    a in

    vent

    aram

    em

    mim

    um

    out

    ro m

    odo

    de f

    azer

    a

    feir

    a7. E

    la q

    ue n

    ega

    entr

    adas

    e s

    ada

    s fix

    as, d

    esta

    rte

    se e

    ngen

    dra

    com

    o ca

    mpo

    de

    inte

    nsid

    ades

    no

    qual

    a v

    ida

    se f

    az e

    m p

    assa

    gens

    e e

    scor

    re e

    m b

    usca

    de

    agen

    ciam

    en-

    tos

    onde

    as

    pala

    vras

    sej

    am d

    e ve

    z. N

    arra

    tiva

    s co

    ntam

    dos

    mod

    os s

    ingu

    lare

    s de

    faz

    er

    a fe

    ira

    e su

    as r

    ugas

    ; co

    mp

    em, p

    ois,

    est

    e m

    osai

    co c

    otid

    iano

    , est

    e en

    reda

    men

    to d

    e hi

    str

    ias

    e pr

    tic

    as. A

    ssim

    com

    o es

    tou,

    ain

    da b

    bad

    o de

    gen

    te e

    mov

    imen

    to, c

    onti

    nu-

    arei

    indo

    com

    pas

    sos

    trp

    egos

    e d

    e vi

    sta

    turv

    a

    rua

    Joo

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    1Ensaio revisado, modificado e extrado do trabalho monogrfico realizado em 2010 como pr-requisito para concluso do curso de Psicologia na Universidade Federal de Sergipe. O trabalho intitulado Deambulncia das Cartas Annimas consiste em um conjun-to de cartas escritas em tempos distintos por um tal Annimo Deambulante que contam fragmentos de histrias da cidade de Aracaju. Estas cartas foram apenas reunidas e edita-das pelo suposto autor do presente texto, que as encontrou deriva em uma praa qualquer de um bairro qualquer da capital sergipana.2BAUDELAIRE, Charles. Parasos artificiais. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005. p. 189.3As marcas do asfalto so referncia a uma outra carta escrita pelo Annimo Deambu-lante, na qual se perguntava sobre os sinais inscritos no cho da rua onde a feira se re-aliza. Estas marcas, dizia ele, falam da coti-dianidade daquela feira, da vida mundana das prticas que rasuram a pele da cidade.4Rua Coronel Joo Gonalves onde acon-tecia toda sexta-feira a feira livre do bairro Castelo Branco em Aracaju.5BAPTISTA, Luis Antonio. O veludo, o vidro e o plstico: desigualdade e diversidade na metrpole. Niteri: EdUFF, 2009. p.36 37.6Ibid., p. 36.7Fazer a feira aqui uma brincadeira entre sentidos possveis; por um lado pode ser o fregus que faz compras, por outro o feiran-te que faz seu dinheiro, ou ainda articulaes entre modos de existir que produzem a feira, ou melhor, fazem feira em sua cotidianidade. (SANTOS, Joo J. G. ; RIBEIRO, Elton S. ; LOPES, Kleber J. M. Modos de dizer e a vida se fazendo numa feira livre em Aracaju. In: Anais da VIII Semana de Cincias Sociais, 2010. p.3.)