DA. ECLAMPSIA PUERPERAL · 40.0 dia do puerperio, e que, sobrevindo a termo, têm precedido, em...

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José dos Santos Andrade DA. ECLAMPSIA PUERPERAL —4,— DISSERTAÇÃO INAUGURAL APRESENTADA Á ESCOLA MEDIGO-CIRURGICA DO PQRT/O PORTO TYPOGBAPHIA GANDRA SO—Rua de Entre-Paredes—80 l8gi C4 / ?~ a.-. HCL \

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José dos Santos Andrade

D A .

ECLAMPSIA PUERPERAL — 4 , —

D I S S E R T A Ç Ã O I N A U G U R A L

APRESENTADA Á

ESCOLA MEDIGO-CIRURGICA DO PQRT/O

P O R T O T Y P O G B A P H I A G A N D R A

SO—Rua de Entre-Paredes—80 l8gi

C4 / ?~ a.-. HCL

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Conselheiro-Director

VISCONDE DE OLIVEIRA Secretario

RICARDO DALMEIDA JORGE — $ > —

CORPO C A T H E D R A T I C O LENTES CATHEDEATICOS

t.a Cadeira—Anatomia descriptiva e geral João Pereira Dias Lebre.

2.a Cadeira—Physiologia Vicente Urbino de Freitas. 3.a Cadeira—Historia natural dos

medicamentos. Materia medica. Dr. José Carlos Lopes. 4.a Cadeira—Pathologia externa e

therapeutica externa Antonio Joaquim de Moraes Caldas. 5.a Cadeira—Medicina operatória.. Pedro Augusto Dias. 6.a Cadeira—Partos, doenças das

mulheres de parto e dos recem-naseidos Dr. Agostinho Antonio do Souto.

7.a Cadeira—Pathologia interna e therapeutica interna Antonio d'Oliveira Monteiro.

8.a Cadeira—Clinica medica Antonio d'Azevedo Maia. 9.a Cadeira—Clinica cirúrgica Eduardo Pereira Pimenta.

10.a Cadeira—Anatomia pathologica. Augusto Henrique d'Almeida Brandão. l l . a Cadeira—Medicina legal, hygie­

ne privada e publica e toxicolo­gia Manoel Rodrigues da Silva Pinto.

12.a Cadeira—Pathologia geral, se-meiologia e historia medica . . . . Illidio Ayres Pereira do Valle.

Pharmacia Isidoro da Fonseca Moura.

LENTES JUBILADOS

Secção medica José d'Andrade Gramaxo. Secção cirúrgica Visconde de Oliveira.

LENTES SUBSTITUTOS

Secção medica ! A n t o n i o Plácido da Costa. I Maximiano A. d'Oliveira Lemos Junior.

Secção cirúrgica ! E i c a r d o d'Almeida Jorge. I Cândido Augusto Correia de Pinho.

LENTE DEMONSTKADOK Secção cirúrgica Roberto Bollarmino Frias.

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A Escola não respondo pelas doutrinas expendidas na dissertação e enunciadas nas proposições. (Regulamento da Escola de 23 d'abril de 1840, art.» 155.°)

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A MINHAS IRMÃS

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A MINHA CUNHADA E

A MEUS SOBRINHOS

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Aos Ex.raos Snrs.

r' &JC^° <s/lancef Gcrrêa

Professor do Lyceu e do Instituto Industrial do Por to

(pyoãc <J7Ccmoef <J/Corewa

Professor do Lyceu do Por to

Como prova de gratidão

Off.

S. oAndrade.

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AOS MEUS COMPANHEIROS DE CASA

3oão Cette be Castro 3oaqiitm pereira be ÏÏXac&o 3osé 2ÏÏ. pacfyeco ta Silva £emos

e ateimei wen (Çglti/t

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Aos Meus Condiscípulos

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os J p s iontemporaiteos

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AO MEU PRESIDENTE

O Ill.mo e Ex.m<> Snr.

jjr. púmh Joaquim k fomes faldas

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Eis a minha these. Atrevi-me a escrevel-a e a publical-a, não persuadido de que ia resolver um problema de pathologia puerperal, pois que sei bem que não podia arcar com semelhante dificuldade; nem tão pouco movido do prurido d'escrever, já porque nunca o tive, já porque os muitos trabalhos do 5.° anno m'o não consentiam agora, dado o caso que o tivesse.

No meu espirito imperou outro motivo: é que ha uma lei (lei cruel, é certo) que me não deixa ir d'esta para a outra vida—da vida académica para a vida clinica—sem passar pelo purgatório da these.

Disse eu que aquella lei é cruel, e é verdade. E' que ella, obrigando-me a publicar um tra­

balho sobre um ramo qualquer das sciencias medi-co-cirurgicas, antes de me permittir o exercício da

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medicina e da cirurgia, quasi me prohibe implicita­mente d'apresentar um trabalho original.

De modo que a minha these é, a bem dizer, o que podia ser: uma serie d'apontamentos, colhidos nos diversos auctores que pude consultar acerca do assumpto que escolhi, ordenados e, até certo pon­to, apreciados a meu modo.

Comprehende ella duas partes: na primeira menciono e examino as diversas theorias que têm sido propostas para explicar a pathogenia da eclam­psia puerperal; na segunda occupo-me do tratamen­to d'esta doença.

Estou certo de que no meu trabalho ha de ha­ver varias deficiências e incorrecções-, mas . . . que os que hão de julgal-o pensem como La Bruyère : «Celui qui va remplir un devoir dont il ne peut s'e­xempter, est digne d'excuse dans les fautes qu'il pourra commettre».

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PRIMEIRA PARTE

Pathogenia da eclampsia

«La préoccupation de la genèse des maladies, c'est là ce qui caractérise notre époque médicale».

Bouchard.

(Lçons sur les auto-intoxications dans les maladies).

Dividirei em très grandes grupos as numero­sas theorias que tem sido apresentadas para expli­car a pathogenia da eclampsia : theoria nervosa, theoria renal e theoria sanguínea.

Não me demorarei muito a discutir estas di­versas theorias, porque isso exigiria um trabalho incompatível com os meus affazeres escolares e um critério que não possuo ; entretanto julgo dever apreciai as, ainda que rapidamente, á medida que as for mencionando. Principiarei pela

Theor ia nervosa

Antigamente todas as doenças que se não ca-racterisavam por lesões materiaes dos principaes

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órgãos da economia, eram consideradas como ne-vropathias. A eclampsia não escapou á lei com-mum. Mas, entre os diversos auctores que acceita-vam o predomínio do systerna nervoso na patho-genia da eclampsia, não havia completo accordo.

A razão d'isto encontra-se naturalmente nas différentes maneiras por que os nervos traduzem o seu predomínio e a sua excitação pathologica.

Assim, emquanto que para uns a eclampsia era pura e simplesmente uma névrose, para outros ella accompanhar-se-hia sempre d'alteraçoes mate-riaes dos centros nervosos ou de seus invólucros. Entre os primeiros havia ainda uns para os quaes ella era uma névrose essencial; e outros que a con­sideravam uma névrose reflexa, cujo ponto de par­tida era a irritação dos filetes sensitivos do utero, a qual, reagindo sobre a medulla, provocava as con­vulsões.

Névrose essencial a consideravam, entre ou­tros: Tissot, chamando-lhe — epilepsia accidental; Vògel, descrevendo-a sob o nome de — epilepsia aguda; Gardien, (i) dizendo que as convulsões eclampticas, «nas quaes todos os músculos da vida nutritiva são affectados ao mesmo tempo que os da vida de relação, devem ser consideradas como ver­dadeiros accessos d'epilepsia, se existe perda de co-

(1) Traité complet d'accouchements et des maladies des filles, des femmes et des enfants.

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nhecimento e de sentimento» ; e Jacquemier, (i) quando dizia: «On se sert encore des mots convul­sions, epilepsie puerpérale, pour désigner les mou­vements convulsifs qui si manifestent sous forme d'accès epileptiques pendant la grossesse, le travail et les couches, et qui ne paraissent pas différer, par leur nature, de l'épilepsie ; les symptômes sont les mêmes: l'une paraît être à l'autre ce que l'état aigu est à l'état sub-aigu dans la même maladie». Névrose originada n'uma lesão do órgão da gesta­ção a considerava já Mauriceau, quando descrevia o que elle chamava a «passion hystérique» ou a «suf­focation hystérique «Les signes de la passion hys­térique ne sont pas toujours semblables en toutes sortes de femmes; car, comme je l'ai dit, les acci­dents en sont souvent différents, suivant la diverse disposition des parties qui compatissent avec la ma­trice, mais les plus ordinaires sont la difficulté de respirer, qui cause une suffocation avec étrangle­ment, lesquels accidents sont souvent précédés, dans le commencement de l'accès de cette maladie, de frequents bâillements» (2). Mas esta hypothèse, acceite ainda por Dubois, Thompson, Marshall-Hall, Axenfeld e outros, foi sobretudo defendida por Scanzony e Tyler Smith. Estes auctores fun-

(1) Manuel d'accouchements. (2) Traité des maladies des femmes grosses. T. l.° p.

452.

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damentavam a sua opinião nos seguintes factos : ser a eclampsia mais frequente nas primiparas, de­vendo ser n'ellas mais accentuada a compressão dos filetes nervosos uterinos, e ser durante o tra­balho que mais vezes sobrevêm os accidentes. A hypothèse que attribuia a eclampsia a uma altera­ção material dos centros nervosos ou de seus invó­lucros foi sobretudo defendida por Marchai (de Calvi) em I 8 5 I .

Eis, em resumo, a theoria nervosa da eclam­psia. Mas esta theoria não é sustentável, pelas se­guintes razões :

A eclampsia parece não ser uma névrose es­sencial, porque não ataca só as mulheres nervosas, impressionáveis, hystericas mesmo; porque as hys-tericas, as epilépticas e, d'um modo geral, as mulhe­res sobre as quaes peza uma grande tara nervosa, não estão fatalmente condemnadas aos accessos eclampticos, chegando mesmo Cazeaux e Parry a dizer que as epilépticas não parecem mais predis­postas para a eclampsia do que as outras mulhe­res; e porque, finalmente, a eclampsia é rara nos três ou quatro primeiros mezes da gestação — epo-cha em que predominam os phenomenos nervosos, chamados sympathicos ou reflexos.

Parece também não ser uma névrose originada n'uma lesão do órgão da gestação, porque, se é certo que os accessos eclampticos coincidem, no maior numero dos casos, com o trabalho, é egual-

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mente certo que elles têm apparecido no quinto c no sexto mez da gestação, no 20.0, 3o.° e mesmo 40.0 dia do puerperio, e que, sobrevindo a termo, têm precedido, em alguns casos, as contracções do­lorosas do utero, não podendo portanto depender d'ellas; e também porque, como faz notar Depaul, se a eclampsia fosse determinada pela compressão dos filetes nervosos uterinos, todas as primiparas deveriam ser eclampticas, por isso que em todas ellas o utero adquire pela primeira vez um volume considerável, e egual sorte deveriam ter todas as ges­tantes de bacia apertada, as rachiticas por exemplo, porquanto o seu utero é sempre obrigado a um tra­balho exagerado. Ora isto está longe de ser ver­dade.

Quanto á hypothèse de Marchai (de Calvi), essa é ainda mais vulnerável, pois que tem contra si os resultados das autopsias.

Com effeito, casos ha em que, a despeito d\im exame tão minucioso quanto possível, não se des­cobre nos centros nervosos nenhuma alteração ana­tómica; e, nos casos em que s'encontram, as alte­rações materiaes quasi nunca têm por sede as par­tes dos centros nervosos, cujas lesões, segundo as experiências physiologicas, determinam convulsões. Refiro-me á medula espinal, á medulla allongada e aos tubérculos quadrigemeos.

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Theoria renal

Nasceu esta theoria da descoberta da albumina nas urinas das eclampticas, descoberta que teve lo-gar em 1843 e que pertence a Lever, celebre medi­co inglez. No dizer d'Owen Rees, foram os traba­lhos de Tweedie, medico do Guy's Hospital, sobre a albuminuria puerperal, que levaram Lever á des­coberta d'esté symptoma.

Seriam; mas o certo é que foi Lever quem primeiro notou a albuminuria eclamptica, como foi Blackall quem primeiro (em 1818) notou a.albumi­nuria gravidica.

Desde que notou este symptoma, Lever não perdeu uma única occasião de verificar se elle seria ou não constante; e, em quatorze casos d'eclam-psia, encontrou treze vezes albuminuria.

Nao hesitou então em fazer da albuminuria um phenomeno concomitante forçado da eclampsia, e avançou mesmo que aquella podia ser a causa d'esta.

Do mesmo parecer foram Cazeaux e Chaballier: Cazeaux, quando dizia que «o espirito mais se­

vero não podia deixar de estabelecer entre estes dois factos — presença d'albumina nas urinas e ac­cidentes eclampticos—- uma relação mais ou menos intima de causalidade» ; e Chaballier, reconhecendo «a albuminuria como o ponto de partida essencial da eclampsia»,

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Depois, numerosos trabalhos, cuja enumeração seria ao mesmo tempo longa e inutil, vieram con­firmar a raridade dos casos d'eclampsia sem albu­minuria. D'ahi a admittir que a eclampsia era sem­pre precedida de lesões renaes mais ou menos pro­fundas, não ia senão um passo; tanto mais que «les reins, caches dans la profondeur de l'abdomen et peu accessibles aux investigations directes, commu­niquent avec le dehors par l'urine.

C'est, en quelque façon, les voir, que de voir ce liquide, comme c'est connaître le poumon que d'entendre les différents murmures qu'il envoie á l'extérieur au travers des parois thoraciques, jusque dans l'oreille du médecin» (i) Este passo foi effe-ctivamente dado por diversos auctores, porquanto a opinião geralmente adoptada hoje — diz Bailly — é que tanto a albuminuria como a eclampsia são symptomas d'uma mesma perturbação renal, cara-cterisada a principio pela albuminuria e tendo por ex­pressão symptomatica ultima a convulsão eclamptica.

Mas emquanto que para uns, como Imbert-Gourbeyre, a eclampsia não é mais do que o mal de Bright puerperal, para outros, como John Byers, as lesões renaes que a accompanham podem ser tem­porárias ou permanentes, podendo portanto desap-parecer mais ou menos rapidamente, depois de ces­sarem os accessos eclampticos.

(1) —Traité des maladies des rins. Preface. (líayer)

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Eis, a largos traços, a theoria renal da-eclam­psia. Esta theoria, porém, não satisfaz.

E não satisfaz, porque : Em primeiro logar, é incontestável que ha ca­

sos d'eclampsia sem albuminuria — só no «Trata­do de Partos» de Charpentier se mencionam 141. E' certo que se tem dito (Cazeaux, por exemplo) que, se em alguns casos se não encontrou albumina nas urinas, foi isso devido a que ella não foi rigorosa e suficientemente procurada; mas também é certo que algumas d'estas observações pertencem a clí­nicos de tal modo eminentes, (entre outros Dubois, Depaul, Trousseau, Mascarei e Auvard) que é im­possível duvidar da sua realidade, pois que, em questão tão litigiosa, saberiam premunir-se contra qualquer causa d'erro.

Em segundo logar, como admittir um mal de Bright nos casos em que a albuminuria desappare-ce, sem deixar vestígios, algumas horas depois de cessar a eclampsia ?

Jaccoud (Cliniques de Laribpisière, p. 657) re­fere que uma mulher, cujas urinas eram muito al-buminosas e encerravam cylindros epitheliaes e al­guns cylindros fibrinosos, durante os accessos eclam-pticos que lhe sobrevieram no 24.° dia do puerpe-rio, sahiu do hospital tão bem curada da sua al­buminuria, que pôde ter, em menos de dois me-zes, primeiro uma febre typhoide, depois uma ery-sipela generalisada e, por ultimo, uma enterite cho-

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leriforme, sem que as suas urinas apresentassem, um só dia, sequer vestígios d'albumina.

Como conciliar este facto com a hypothèse d'um mal de Bright?

Finalmente, se isto não bastasse já para julgar a theoria renal, tinhamos ainda a anatomia patho-logica que, no caso que nos occupa, pôde ser con­siderada uma verdadeira prova real.

Ora Lepage (i), propondo-se citar com toda a imparcialidade o resultado das autopsias, affirma, e com razão, que as mais das vezes o apparelho uri­nário não apresenta nada de particular. E com ra­zão, disse eu, porque a anatomia pathologica d'esta doença só é interessante em ser absolutamente mu­da quanto a lesões visceraes. Não quero com isto dizer que as autopsias d'eclampticas nunca revelas­sem lesões renaes ; isso equivaleria a negar a uma brightica a possibilidade de gravidar e de se tornar eclamptica, e eu não me atrevo a negar-lhe essa capacidade.

O que pretendo frisar é que, em taes casos, houve simplesmente coincidência do brightismo e da eclampsia.

De resto, se entre eclampsia e lesões renaes houvesse um laço tão estreito como querem os de­fensores da theoria renal, a eclampsia deveria so-

(1) Thèse inaug., Montpellier, 1852. 3

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brevir em todas, ou pelo menos em quasi todas as gestantes portadoras de nephrite chronica.

Ora isto está tão longe de ser verdade, que de i52 brighticas gravidas, observadas por Bamber­ger, só 23 tiveram eclampsia; e de 70, observadas por Seyfer (1), só em duas houve accessos eclam-pticos. Em conclusão: a theoria renal não é susten­tável, porque pôde haver eclampsia sem lesão renal, bem como lesão renal sem eclampsia.

Theoria sanguínea

Abrange esta theoria todas as hypotheses em que o sangue desempenha o papel principal na pro-ducção dos accessos eclampticos.

Ora, como o sangue só pôde ser accusado de * desempenhar o papel principal n'uma doença, quan­

do, em virtude de modificações mais ou menos pro­fundas, tiver deixado de ser normal; e como, por outro lado, todas as modificações que tornam o sangue anormal se podem reduzir a modificações de qualidade e modificações de quantidade, poden­do estas ultimas reduzir-se ainda a modificações para mais e modificações para menos ; as diversas formas que pôde revestir —e tem revestido —a

(1) Traité d'acconcheuients, trad, de Doleris, pag. 653.

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theoria sanguínea reduzem-se a très grupos princi-paes : congestão, anemia e toxemia.

Congestão —Já em 1675 Mauriceau attribuia á congestão cerebral um papel importante, quando dizia: «...laquelle douleur se communiquant aux cerveau avec le sang échauffé qui s'y porte aussi en abondance, cause par compassion ces convul­sions.» (1).

Todavia esta theoria, segundo a qual a conges­tão cerebro-spinal é a causa immediata dos acces-sos eclampticos, foi ainda admittida por muitos au-ctores, entre outros, Levret, Broussais,BloteStoltz.

Ora, é certo que se tem encontrado, em algu­mas autopsias de mulheres que succumbiram á eclampsia, signaes duma congestão cerebral vio­lenta, e algumas vezes mesmo focos apopleticos na substancia do cérebro; mas tudo isto está muito longe de ser constante, chegando mesmo alguns auctores a aífírmar que têm encontrado signaes evi­dentes d'ischemia.

Demais, suppondo mesmo a congestão con­stante, é bem mais natural crer que ella seja effei-to e não causa das convulsões eclampticas. Com effeito, os embaraços que as convulsões produ­zem na circulação e na respiração e a pressão

(1) Traité des Maladies des femmes grosses, pag. 331.

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muscular explicam satisfactoriamente não só esta congestão, mas ainda as dos outros órgãos. Ainda a observação clinica mostra e a anatomia patholo-gica confirma que as congestões, tanto superficiaes como profundas, são tanto mais intensas e extensas quanto mais numerosos e frequentes têm sido os ataques. Isto só bastaria para provar que a eclam­psia de modo algum tem a sua explicação n'uma congestão do cérebro; mas em auxilio d'esté modo de vêr vêm ainda os symptomas que apresentam uma e outra doença. Com effeito, os symptomas da congestão traduzem, em geral, depressão nervosa, os da eclampsia significam antes excitação-, na con­gestão o estado comatoso é inicial, emquanto que na eclampsia só apparece passado o periodo con­vulsivo.

Anemia — Desde que Devilliers e Regnault, Becquerel e Rodier puzeram em relevo a hydremia gravidica, vários auctores pensaram que esta hy­dremia, coincidindo com um augmento de pressão no systema circulatório inteiro, e em particular nos vasos do cérebro, podia determinar um edema ce­rebral (Traube e Rosestein) ou uma hydropisia ven­tricular (Coindet e Odier), e que o edema cerebral ou a hydropisia ventricular, comprimindo de den­tro para fora a massa encephalica e diminuindo, por isso mesmo, o espaço deixado livre ao sangue, po­diam dar logar a uma anemia susceptível de pro-

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vocar convulsões, sobretudo se predominava no mesocephalo.

Ouçamos, porém, o que a este respeito diz Hyppolyte (i): « l'hydrocéphalie et l'oedème du cer­veau ou de ses membranes, loin de produire une suractivité ou un trouble des phénomènes du mou­vement, sembent, au contraire, plutôt de nature à en determiner l'affaissement. Ce ne sont pas des convulsions que l'on voit apparaître mais de la pa­ralysie». Além d'isto, prova a experimentação que é preciso injectar nas veias d'um animal, para obter convulsões, uma quantidade d'agua enorme, de modo a produzir uma diluição do sangue em nada comparável —por ser consideravelmente maior, á que se dá nos casos pathologicos.

Finalmente, como faz notar Bouchard, na maior parte dos casos seguidos d'autapsia não se encon­tra nem edema cerebral, nem hydropisia ventricu­lar, nem anemia.

Toxemia — Segundo esta theoria, a eclampsia resulta d'uma excitação anormal da medulla espi­nal e de certas partes do encephalo por um sangue viciado em sua composição.

D'onde vem, porém, esta viciação do san­gue?

(1) Thèse, Nancy, 1879.

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Muitas respostas têm sido dadas a esta per­gunta.

* # *

Wilson incriminou a urea, e fez da eclampsia uma uremia no sentido rigoroso da palavra.

Porém, numerosas experiências vieram demons­trar a inanidade d'esta theoria, umas evidenciando a innocuidade da urea (Cl. Bernard, Brown-Sequard, Bouchard), estabelecendo outras que no sangue das eclampticas não ha augmento d'esta substancia (Wurtz e Berthelot).

Bouchard, fundando-se nas suas experiências, declara que a sua opinião é que a urea, nas doses em que s'encontra no organismo nos estados pa-thologicos, não pôde ser invocada para explicar os chamados accidentes uremicos.

Mas não é só a experimentação que é desfavo­rável á theoria de Wilson ; a clinica e a therapeu-tica lambem lhe são adversas. Doenças ha que sen­do acompanhadas dum augmento enorme d'urea no sangue, nunca n'ellas se manifestam convulsões eclampticas. Estão n'este caso a febre amarella e o cólera, nas quaes ha proporções enormes d\irea no sangue—1,66 por iooo (Marchand e Rainy), 4 por 1000 (Chassaniol).

Por ultimo vem ainda a therapeutica corrobo­rar os argumentos adduzidos contra a theoria de

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Wilson, mostrando ser a urea um diurético pode­roso, quando administrada em alta dose (Mau-thner).

—Expulsa a urea da scena eclamptica, e tendo vários auctores (entre outros Litzmann, Opolzer e Frerichs) encontrado carbonato d'ammoniaco no sangue d'eclampticas, Frerichs imaginou uma outra theoria — a theoria da ammoniemia.

Segundo a theoria de Frerichs, a eclampsia não é devida á urea propriamente dita, mas ao car­bonato d'ammoniaco resultante da sua transforma­ção, transformação operada directamente no sangue por um fermento particular, que Frerichs não pôde descobrir.

Ora, o carbonato d'ammoniaco existe normal­mente no sangue, segundo Richardson, J. Dumas, Lecanu, Picard e Cl. Bernard; existe no ar expira­do pelos indivíduos que têm carie dentaria, segun­do Schõttin; basta mesmo que haja seccura da bocca e da garganta, por diminuição das secreções, para que elle appareça logo, segundo Bouchard : e, n'estas condições, nunca se observaram phenome-nos convulsivos. Verdade é que Frerichs pretendeu desfazer estas objecções affirmando que, se em certas condições não appareciam phenomenos d'in-toxicação, a despeito de haver carbonato d'ammo. niaco no sangue, isso era devido a que elle s'eli-minava com uma rapidez suficiente para que taes phenomenos se não pudessem manifestar; mas tam-

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bem é verdade que Falk (i), injectando em ani-maes nephrectomisados urina, cuja urea era de­composta em carbonato d'ammoniaco, não conse­guiu determinar nenhum phenomeno uremico.

—Treitz modificou um pouco a theoria de Fre-richs.

Crê que a eclampsia é realmente uma ammo-niemia, mas pensa que o carbonato d'ammoniaco se origina, por transformação chimica da urea, no interior do canal intestinal, d'onde absorpção o faz penetrar secundariamente na torrente circulatória.

A sua theoria, porém, nada adianta, pois que é passivel das mesmas objecções que a de Frerichs.

—Schõttin culpou a creatina, e fez da eclampsia uma creatinemia-, Thudicum creou a urochrome-mia; B. Jones, a oxalemia; D'Espine, a potassie-mia; e Peter, não se limitando a um só dos princí­pios da urina, creou a theoria da urinemia, segundo a qual os accessos eclampticos são devidos á re­tenção em massa de todos os princípios da uri­na. «L'éclampsie — diz Peter—c'est l'altération du sang par une matière animale, cadavérisée, l'urine. C'est, en fait, une typhisation analogue à la typhi-sation par la bile, comme dans le typhus cholémi-que, à la typhisation par bouillie athéromateuse com­me dans l'endocardite ulcéreuse des auteurs ou ty­phus athéromateux. L'élimination des principes de

(1) Soc. de Med. de Berlin, 1—2—88.

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l'urine étant devenue insuffisante, la typhisation urinémique se produit. Toutes ces affections ont un principe commun, la presence dans l'organisme d'un poison animal.

L'éclampsie est donc une veritable infection». Ora, a theoria de Peter, posto que mais satis-

factoria do que qualquer das precedentes, porisso que, como diz Gubler, «elle semble s'approcher davantage de la vérité», deixa ainda a desejar, por­que não responde por completo á pergunta, ha pouco formulada—d'onde vem a viciação do san­gue?— e sobretudo porque é insuficiente para ex­plicar todos os casos que a pratica nos offerece.

Não responde por completo áquella pergunta, porque o rim não é o único órgão eliminador da economia—ao lado d'elle encontram-se o intestino, o fígado, o pulmão, a pelle e, até certo ponto, to­das as glândulas do organismo; e é insuficiente para explicar todos os casos que s'encontram na pratica, porque a eclampsia distancia-se muitas ve­zes da urinemia brightica, por seus symptomas — taes são os casos em que ha hyperthermia, os ca­sos em que não ha albuminuria e os casos em que a eclampsia se assemelha á icterícia grave.

* *

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Disse eu no principio do meu trabalho que, em tempos que já la vão, a eclampsia não escapa­ra á lei commum, sendo considerada uma nevro-pathia; pois também as ideias modernas a não dei­xaram em paz, tanto que ha quem a considere uma doença microbiotica.

Em i885, Delore descobriu pela primeira vez a presença de micro-organismos no sangue d'eclam-pticas. Eram micrococcus sob diversas formas — monococcus, diplococcus e principalmente strepto­coccus.

Estes organismos existiam também nas urinas. Em 1887, Emile Blanc, chefe de Clinica Obs­

tétrica na Faculdade de Medicina de Lyon, depois de ter examinado o sangue d'uma eclamptica sem lá encontrar micróbios, decidiu-se a procural-os nas urinas. Algumas gottas d'estas urinas, semeadas em caldos esterelisados, deram culturas muito pu­ras, que, inoculadas em dois coelhos, occasionaram a morte d'um com phenomenos convulsivos. No segundo, que foi sacrificado, encontrou-se uma ne­phrite leve e, na urina, micro-organismos idênticos aos que tinham sido injectados no sangue.

Estes estudos, interrompidos durante algum tempo, foram recomeçados em 21 de janeiro de 1889, pelo mesmo auctor. (1) Tratava-se d'uma mulher gravida de oito mezes, primigesta, a quem

(1) Blauc. Archives de tocologie, 20 — 3 — 89.

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no momento do exame de recepção, sobreveio uma crise d'eclampsia. Uma hora depois d'esta crise voltou uma segunda. No intervallo das crises, de­pois de tomadas as precauções desejáveis—lava­gem vaginal, lavagem do meato com um tampon impregnado de sublimado, etc., Blanc introduziu na bexiga d'esta mulher uma sonda de vidro flamme-jada. Deixou correr o primeiro jacto d'urina, e re­cebeu em seguida uma gotta d'esté liquido n'uni tubo de gelatina, tubo que acabava de ser aberto á chamma d'uma lâmpada d'alcool.

Serviu-se d1este tubo para fazer outra semen­teira, que teve logar n'um segundo tubo de gelati­na—tubos n.° i e n.° 2. No dia seguinte começa­ram a apparecer numerosas colónias. No segundo ou terceiro dia estas colónias figuravam no tubo n.° 1 um piquete denso, emquanto que no tubo n.° 2, ellas tinham o aspecto de manchas esbranquiçadas, regularmente arredondadas e pouco espessas.

O exame microscópico d'estas colónias reve­lou, em todas, a presença dum micro-organismo idêntico — um bacillo bastante tenue, dotado de movimentos muito vivos e deslocando-se algumas vezes, d'um salto, d'uma á outra extremidade do campo do microscópio. Segundo a descripção que d'estes bacillos faz Pition, preparador do laborató­rio de Clinica Medica, elles têm, em media, duas millesimas de milímetro de comprimento, e uma largura metade menor; alguns acham-se reunidos

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sob a forma de diplo-bacillos, outros são dobrados em virgula; e quasi todos apresentam, na sua par­te media, um nódulo mais vivamente corado do que o resto do elemento, quando s'empregam as cores d'anilina.

Por volta das 10 horas da manhã de 4 de fe­vereiro do mesmo anno, Blanc injectou n'uma veia auricular d'uma coelha gravida bastante vigorosa, cerca d'um e meio centímetro cubico da primeira cultura. Parte da injecção penetrou na veia, parte, no tecido cellular ambiente, onde produziu um le­ve edema, que foi rapidamente reabsorvido. Imme-diatamente depois da injecção, o animal nada apre­sentou de particular — movia-se e comia como d'an-tes. Não assim passada uma hora; então a coelha, presa de violentas convulsões, gritava e atirava-se fortemente contra as paredes da gaiola. Depois co­meçou a desfallecer e, passados alguns minutos, succumbiu. Na autopsia, Blanc encontrou a bexiga quasi vasia, e o fígado e os rins congestionados. Recolheu e semeou sangue da auricula esquerda e um pouco de liquido vesical, e as sementeiras reprodu­ziram o mesmo micro-organismo que fora injectado.

Uma injecção idêntica, feita n'uma coelha não gravida, produziu effeitos geraes bastante sérios — o animal ficou triste, abatido, e não comeu duran­te cerca de 24 horas; depois, pouco a pouco vol­tou ao seu estado de saúde anterior.

As suas orelhas suppuravam ao nivel dos pon-

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tos d'inoculaçao, e a orelha esquerda, a primeira inoculada, apresentava em toda a sua extensão um edema inflammatorio bem pronunciado, duro no centro, molle e conservando a impressão do dedo na peripheria. Em volta do logar inoculado, estava em via de formação uma placa de gangrena das di­mensões d'uma moeda dum franco. A pressão fa­zia sahir do contorno da escara um liquido sero-purulento abundante.

A orelha direita, a ultima inoculada, apresen­tava, mas em menor grau, as mesmas lesões.

Uma puncção feita nos pontos edematisados forneceu um liquido abundante em micro-organis-mos idênticos aos injectados.

Estas experiências levaram Blanc a crer na es­pecificidade do micróbio em questão, cuja acção se manifestou da primeira vez por effeitos convulsivos intensos, e da segunda, por effeitos locaes que, no pensar d'esté auctor, tinham o valor d"uma verda­deira vaccinação.

— Mas esta theoria não é por emquanto ac-ceitavel.

Em primeiro logar, vários auctores têm pro­curado com todo o cuidado estes micro-organismos no sangue e nas urinas d'eclampticas, e não os têm encontrado.

«Au point de vue etiologique—diz Lõhlein (1)

(1) Semaine Médicale, 27—5 — 91.

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— j'ai examiné avec soin, dans un cas d'éclampsie, le sang et les urines, et mes résultats bactériologi­ques ont été complètement négatifs, contrairement à ceux de M. Blanc (de Lyon)».

Em segundo logar, concedendo que as expe­riências de Blanc fossem escrupulosamente feitas, é certo que ellas não realisam por completo as con­dições indispensáveis para se poder affirmar que uma dada doença é produzida por um determinado micróbio.

Finalmente, a anatomia pathologica, afirmando que, entre as lesões da eclampsia, nenhuma é cons­tante, nenhuma é característica, combatte, e energi­camente, a theoria microbitica.

* * *

Para terminar a primeira parte do meu traba­lho, resta me apresentar e examinar a theoria di-minadora generalisada, creada por Àuvard e Ri­vière, inspirados nos estudos de Bouchard.

E' esta a theoria que, a meu ver, melhor e mais cabal explicação dá da eclampsia puerperal; porquanto, além de responder por completo áquel-la pergunta—d'onde vem a viciação do sangue? — ella tem ainda a vantagem d'estar em harmonia com a experimentação e com a clinica.

Segundo Auvard e Rivière, a eclampsia não é mais do que a greve dum ou mais órgãos eli-

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minadores, do que a bancarrota da eliminação or­gânica produzindo a auto-intoxicação da mulher. Com effeito, como diz o eminente professor Bou­chard, o organismo é um receptáculo e um labora­tório de venenos; d'estes, uns são formados pelo próprio organismo, outros, por micróbios, vegetaes inferiores, que são ou os commensaes, os habitan­tes naturaes do tubo digestivo, ou parasitas d'oc-casião, morbigenos. Estas substancias toxicas, mui­to numerosas, são, entre outras, as substancias mi-neraes introduzidas com os alimentos ; productos de secreção pliysiologica, como a saliva e a bilis ; productos da digestão, sob forma d'alcaloides; as substancias toxicas, resultantes das putrefacções in-testinaes, que não são expulsas com as dejecções; e os venenos resultantes da vida das cellulas.

Todas estas substancias vão dar ao sangue, e porisso o homem está constantemente ameaçado d'envenenamento ; trabalha a cada instante para a sua propria destruição ; faz incessantes tentativas de suicídio por intoxicação.

Todavia esta intoxicação não se réalisa, «grâce au rôle du foie qui forme une barrière active pour les poisons venus du tube digestif, mais insuffisante pour ceux qui sont formés dans les tissus ; grâce surtout à la sauvegarde qui est constituée par les appareils d'emonction» (i)

(4) —Bouchard. Leçons sur les anto-intoxications, p. 24

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Mas comprehende-se que esta intoxicação pos­sa dar-se todas as vezes que uma causa qualquer venha perturbar a integridade anatomo-funccional do figado e dos apparelhos d'emuncçâo, e mais fa­cilmente ainda se a esta causa vier addicionar-se uma outra, qual é uma producção excessiva de sub­stancias toxicas.

Ora o estado gravidico, comquanto a gestação seja uma funcção natural, physiologica, réalisa es­tas duas condições—perturbando mais ou menos profundamente todos os apparelhos, mas mais es­pecialmente os apparelhos d'emuncçâo.

O que deixo dito é fácil de provar. Com eífeito, o sangue não apresenta na gestan­

te a sua constituição normal —de 791,1 para 1000, a quantidade d'agua sobe a 801,6 (Becquerel e Ro-dier), a 816 (Regnault); o numero dos glóbulos di­minue, sobretudo no fim da prenhez, segundo An-dral, Gavarret e Regnault.

Estas modificações, tornando as trocas mais difíiceis, mais imperfeitas, augmentant certamente a producção de substancias toxicas no organismo. O coração, em consequência do augmento da ten­são vascular determinado por esta hydremia ou ple­thora serosa, hypertrophia-se, se lucta bem ; dilata-se se reage mal.

O systema nervoso toma-se mais impressiona-vel, e esta impressionabilidade faz sentir a sua in­fluencia sobre todas as funcções, accusando a sua

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acção por estas perturbações tão variadas que se designam pelo nome de phenomenos sympathicos da prenhez.

Mais importantes ainda são as modificações que se dão do lado dos emunctorios. Além da pigmen­tação gravidica que se mostra em différentes pon­tos da pelle, a gestação pôde fazer apparecer um prurido generalisado intenso, umas vezes sem le­sões, outras vezes acompanhado de vesículas e pús­tulas (herpes gestationis).

O fígado, que, quando normal, detém e mesmo destroe certas substancias alcaloidicas, soffre, du­rante a prenhez, modificações profundas — um au­gmenta de volume considerável e uma degeneração gordurosa notável, predominando no centro do ló­bulo hepático, (i)

O emunctorio pulmonar é também perturbado. O levantamento do diaphragma, diminuindo a

capacidade thoracica, concorre para esta difficul-dade de respirar, algumas vezes bastante pronun­ciada, que accusam a maior parte das mulheres no fim da gestação, e que s'exagéra ao menor esforço.

Do lado do emunctorio intestinal é digna de menção a constipação'—produzida não somente por obstáculo mecânico, pois que, como faz notar Tarnier, a ampola rectal contém ordinariamente

(1) —Tarnier. These inaug. 1857.

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matérias fecaes, a despeito d'estar abaixo do ponto comprimido, mas também pela synergia funccional entre o recto e o resto do intestino grosso. A di­gestão soffre modificações sensiveis. Em alguns ca­sos ha excitação das funcções digestivas ; mas é bem mais frequente a diminuição do appetite, accompa-nhada, não raras vezes, d'uma perversão da diges­tão, que torna mais imperfeita a elaboração dos alimentos e, portanto, mais abundante a formação de substancias toxicas no intestino.

E, como a eliminação d estas substancias se acha prejudicada, comprehende-se que haja absor-pção d'uma maior quantidade d'ellas, porisso que a sua demora no intestino é mais prolongada.

Finalmente, o emunctorio renal encontra-se ao mesmo tempo submettido a um trabalho exagerado e embaraçado em seu funccionamento. Alem da solidariedade funccional entre o utero e os rins, que certos factos tendem a evidenciar, (i) sabe-se que o emunctorio renal é, até certo ponto, o sup-plente dos outros emunctorios —quando estes tra­balham de menos, aquelle trabalha de mais. Alem

(1) N'um caso d'eetopia renal, Becquet pôde verificar um augmento de volume dos rins, com sensação gravativa e dolorosa, coincidindo com o período catamenial -, e W. Johns­ton refere que n'uma albuminurica não gravida, a quantidade d'albumina nas urinas augmentava d'um modo considerável em cada periodo menstrual.

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d'istô, a compressão que o utero gravido exerce sobre as veias emulgentes e sobre os ureteres, collo-ca os rins em condições desvantajosas para se des­empenharem da missão que lhes está confiada.

Grailly Hewitt crê que a compressão das veias renaes influe grandemente na producção dos acces-sos eclampticos; affirma mesmo que a collocação da mulher sobre o ventre e os joelhos, suspendendo ou, pelos menos, diminuindo esta compressão, tem dado bons resultados. Routh é do mesmo pensar. A compressão dos ureteres pelo utero gravido tem sido também considerada por alguns auctores, mas sobretudo por Halbertsma (de Utrecht), como a causa mais importante da eclampsia.

Que o utero gravido comprime os ureteres, at-testam-n'o os seguintes factos: Brãun refere um caso d'eclampsia seguida de morte, n'uma primipa-ra de 16 annos, em que os ureteres apresentavam uma disposição muito especial —a aorta bifurcava-se mais acima do que normalmente, e os ureteres, no ponto em que cruzavam as ilíacas primitivas, achavam-se tão dobradas que seu calibre estava obliterado. Abaixo d'esté ponto, os ureteres eram delgados como a haste d'uma penna ; acima, o di­reito tinha o volume d'um dedo minimo, o esquer­do, o volume dum pollegar. A autopsia foi feita sob a direcção do professor Kundrat, o qual decla­rou ter já observado um caso análogo. Marfan (Progrés medical, 6 juin i885) encontrou, n'um

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caso d'eclampsia seguida de morte, uma dilatação da parte superior do uretère, do bacinete, e do ca­lice do lado direito, dilatação que tinha produzido um estado atrophico simples, com leve grau d'arte-rio-sclerose, mas sem degeneração gordurosa do epithelio secretor.

Por outro lado, sabe-se que todas as emunc-ções são toxicas, isto é, que todos os emunctorios concorrem, ainda que muito desegualmente, para que o organismo se depure de certas substancias que constantemente o ameaçam d'envenenamento.

Com effeito, Bouchard crê que as perturba­ções que se observam quando s'estende uma ca­mada de verniz sobre a pelle d'um animal, resultam da retenção das substancias toxicas que este emun-ctorio elimina normalmente, e não da suspensão da respiração cutanea nem da acção reflexa exercida pelo verniz sobre as terminações nervosas. Brown-Sequard e d'Arsonval (Soc. de Biolog. 7, 14, 21 de janeiro de 1888), condensando os vapores que se escapam pelos pulmões do homem e dos mammife-ros em perfeita saúde, obtiveram um liquido toxico — capaz de produzir accidentes convulsivos.

Pelo emunctorio intestinal eliminam-se, além das matérias pútridas provenientes "não somente da metamorphose imperfeita das substancias ingeridas, mas também da acção sobre estas substancias dos micro-organismos que lá pullulam, a bilis, cuja to­xicidade é, em volumes eguaes, nove vezes supe-

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rior á da urina, ou seja, em tempos eguaes, 6 ve­zes superior á da urina.

A bilis deve a maior parte da sua toxicidade ás matérias corantes, pois que, descorada pelo carvão, ella é três vezes menos toxica do que em natureza ; mas os saes biliares também são tóxicos, porque, em solução aquosa a 2 por cento, matam um kilo-gramma de coelho —o cholato de soda na dose de 54 centigrammas, o choleato de soda na dose de 46 centigrammas (Bouchard e Tapret). Nas icteri-cias não ha intoxicação emquanto os rins funccio-nam suficientemente; em compensação as urinas tornam-se mais toxicas e sobretudo mais convulsi-vantes.

As urinas ictéricas, descoradas pelo carvão, não deixam de ser convulsivantes, como acontece ás urinas normaes ; o que prova que a bilis é con-vahivante. As matérias fecaes são também muito to­xicas—o extracto alcoólico de 17 grammas d'es-tas matérias mata, determinando violentas convul­sões (Rivière).

A urina encerra, além d'outros princípios, duas substancias convulsivantes, e uma substancia narcó­tica. Das substancias convulsivantes, uma, mineral, é a potassa; a outra não tem ainda nome, mas é de natureza orgânica, poisque é retida pelo carvão e destruída pela carbonisação. A substancia narcó­tica, egualmente de natureza orgânica, também não foi ainda denominada. O que demonstra a acção

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convulsivante e comatosa destas substancias, é o apparecimento d'estes phenomenos quando ellas s'injectam nas veias d'animaes, e o facto de serem as urinas já menos toxicas quando ha albuminuria, e perderem completamente a sua toxicidade quando estalam os accessos convulsivos (Rivière).

E' pois certo que a gravidez, augmentando a producção de substancias toxicas, por um lado, e perturbando a integridade anatomo-funccional dos emunctorios, por outro lado, constitue uma causa predisponente poderosíssima para a auto-intoxica-ção —auto-intoxicação que, no caso que nos occu­pa, toma o nome d'eclampsia.

Tinha eu dito que esta theoria estava em har­monia com a experimentação e com a clinica, e as­sim é. De facto, a experimentação demonstrou que as emuncçoes orgânicas contêm venenos que, inje­ctados em animaes, produzem accessos convulsivo-comatosos, accessos que constituem incontestavel­mente o symptoma mais saliente da eclampsia. A febre, que é a regra na eclampsia e que raras ve­zes se observa na urinemia, explica-se pela interven­ção do fígado, tanto mais que os casos d'eclampsia que se accompanham de maior elevação de tem­peratura são os que, por seus symptomas, se asse­melham á icterícia grave, doença que, segundo Bou­chard, não é mais do que uma auto-intoxicação produzida por falta de funccionamento do fígado.

Os casos d'eclampsia sem albuminuria são fa-

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ceis d'explicar, admittindo que os rins não adheri-ram á greve. Esta explicação é tanto mais plausí­vel quanto é certo que taes casos são muito raros, e que deve ser egualmente excepcional a intoxica­ção com rins normaes, pois que elles constituem o principal emunctorio da economia, o emunctorio por excellencia, capaz d'eliminar não só os produ-ctos de desassimilação e da destruição das cellulas, senão também uma boa parte dos venenos do tubo digestivo, que a absorpção tenha levado á torrente circulatória. A differença d'intensidade com que esta doença se apresenta, nos diversos casos, en­contra ainda aqui a sua explicação — a eclampsia será tanto mais benigna quanto menos importante for o emunctorio interessado, quanto menos pro­funda fôr a alteração, quanto menor for o numero d'orgaos lesados.

Na eclampsia que se assemelha á icterícia gra­ve (eclampsia hepática d'Auvard), haverá predomí­nio do fígado; na que se approxima da urinemia (eclampsia renal d'Auvard), haverá predomínio dos rins.

Em conclusão: de todas as theorias sobre a pathogenia da eclampsia, é a theoria eliminadora generalisada a que mais racionalmente e mais suf-ficientemente explica as diversas manifestações por que esta doença se traduz clinicamente.

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SEGUNDA PARTE

Tratamento da eclampsia

O estudo da pathogenia das doenças seria uma banalidade, ficaria estéril, se não viesse derramar uma luz clara sobre a estrada que o clinico tem de trilhar, se d'elle não brotasse o conhecimento da na­tureza e dos processos d'ataque do inimigo que o medico tem de vencer para realisar a sua mais no­bre aspiração, para dar a razão de ser da sua pro­fissão.

Um doente soccorre-se d'um medico, não para que este lhe vá fazer extendal dos seus conhecimen­tos pathologicos acerca da doença que o tortura, mas para que o cure ou allivie dos seus padecimen­tos. E poderá o clinico conseguir isto com seguran­ça, racionalmente, sem saber a pathogenia do caso que se lh'apresenta, isto é, sem conhecer a nature

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za, a força e a táctica do inimigo com que tern de luctar ?

Evidentemente não, porque «o empirismo pô­de ser um recurso á falta de melhor, mas é sem­pre passo de cego, que tanto pôde cahir n'um pre­cipício, como esbarrar em obstáculos insuperáveis.» Outra condição essencial para que o clinico possa luctar com consciência é o conhecimento perfeito das armas therapeuticas de que pôde dispor. Seria, pois, util e methodico estudar, em seguida á patho-genia, os diversos meios capazes de prevenir ou de combatter os accessos eclampticos. Mas tal estudo, para ser completo, tinha de ser muito longo-, por isso limitar-me-hei a tentar figurar as diversas situa­ções em que o medico pôde encontrar-se, relativa­mente á doença que estou estudando, indicando ao mesmo tempo o tratamento que, segundo o estudo que fiz, me parece quadrar melhor a cada uma d'ellas.

Se o conseguir terei realisado as minhas aspi­rações, quaes são dar a esta segunda parte do meu trabalho um caracter tão pratico quanto possivel. Que a gravidade da eclampsia sirva de desculpa ás repetições que tenho de fazer e á insistência, para não dizer maçada, com que me demorarei sobre certos meios therapeuticos.

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I

Pôde o medico encontrar-se em presença d'uma mulher gravida, geralmente nos dois ou très últimos mezes da gravidez, soffrendo d'albuminuria, e apre­sentando ou não edema dos membros inferiores e intumescência da face. D'estes dois últimos sympto-mas — quando existem — o primeiro é mais accen-tuado á noite, em seguida aos exercidos feitos du­rante o dia, e o segundo pela manhã, ao despertar.

Ainda que nada tivesse chamado a attenção do medico para o estado dós rins — e isto é frequente — elle, sabendo que a albuminuria é a vanguarda habitual da eclampsia, procedeu ao exame das uri­nas e reconheceu que ellas eram albuminosas. A al­buminuria veio revelar-lhe que os rins d'esta mu­lher soffrem e que, por consequência, as suas fun-cções eliminadoras se acham mais ou menos pre­judicadas. Esta mulher não é uma eclamptica nem está fatalmente condemnada a vir a sel-o \ mas es­tá muito arriscada a isso, pois que está seriamente ameaçada d'auto-intoxicaçao.

Qual deve ser a tarefa do medico n'uma tal conjunctura? E' claro que o que elle deve fazer, admittindo que a eclampsia puerperal é uma toxe­mia, é prevenir a accumulação de substancias to­xicas no organismo da sua cliente; o que elle deve fazer, visto que a sua doente está em imminencia

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cTeclampsia, é instituir desde logo o tratamento pre­ventivo d'esta doença. Para isso deve procurar tan­to quanto possível : i.° suspender ou diminuir a in-troducção e a formação de novos venenos, e des­truir os já existentes ; 2.0 activar as funcções elimi-nadoras dos emunctorios; 3.° restabelecer a integri­dade do filtro renal e o equilibrio das múltiplas funcções do organismo. Ora, suspender completa­mente a formação de venenos é coisa impossível, porisso que alguns resultam da vida das cellulas, porisso que o individuo são os fabrica constante­mente ; mas é possível diminuir consideravelmente, quasi suspender uma fonte importante d'estes vene­nos— os do tubo digestivo. Estes venenos têm, sa-bemol-o já, três origens: os ingesta, a bílis e as matérias pútridas formadas no intestino. De todos os ingesta, o que mais convém ás gestantes albu­minurias é incontestavelmente o leite.

Varias razões comprovam esta asserção. De facto, além de ser um alimento completo, o

leite é de todos os ingesta o que menos substancias toxicas contém (1); deixa um residuo intestinal in-

(l) Em 12 de março de 1887, Charrin e Roger commu-nicaram á Sociedade de Biologia o seguinte : Um coelho elimi­na pela urina, em 24 horas e por kilogramma, uma quantidade de veneno capaz de matar 4184 ^ranimas do seu peso. Esta to­xicidade é sobretudo attribuivel aos saes de potássio. Se o ani­mal é submettido á abstinência, a toxicidade da urina diminue consideravelmente •, no primeiro dia a quantidade de veneno

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significante; por sua acção diurética manifesta, fa­vorece poderosamente a eliminação dos productos tóxicos; finalmente, como a clinica tem demonstra­do, restabelece a integridade do filtro renal, pelo menos quando o regimen lácteo é instituido a tem­po e com rigor.

O regimen lácteo absoluto, cujas vantagens fo­ram magistralmente descriptas por Jaccoud, em 1872, n'uma conferencia que foi a aurora d'esta medicação, chega assim a preencher todas as indi­cações do caso em questão.

Tarnier, a quem cabe a honra de ter sido o pri­meiro que o applicou ás gestantes albuminuricas, prescrevia-o do seguinte modo:

1.° dia: 1 litro de leite, 2 porções d'alimento 2.° » 2 » » » 1 » » 3.° » 3 » » • 1/2 » » 4.° » 4 » » » ou mais, sem outro alimento

Este processo d'instituir o regimen lácteo é suf-ficiente e pôde adoptar-se nos casos em que a al­buminúria fôr leve; mas nos casos em que ella for

eliminado nas mesmas condições não mata mais do que 1700 grammas, e no terceiro dia, somente 1300 grammas. Se, em vez da abstinência, se submette o animal ao regimen lácteo, a toxicidade diminue proximamente nas mesmas proporções, e o veneno excretado nào é capaz de matar senão cerca de 1700 grammas.

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grave, devemos instituir desde logo o regimen lácteo absoluto. Este tratamento, começado tão cedo quan­to possível, será continuado com todo o rigor, e só será abandonado bastante tempo depois do desap-parecimento da albumina nas urinas.

O medico que desprezar este preceito arrisca-se a que, passado pouco tempo, reappareçam os mesmos accidentes, mas então talvez mais assusta­dores. O leite pôde ser tomado puro ou assucara-do, fervido ou não, quente ou frio, á vontade da doente.. E1 conveniente administral-o em pequenas doses e com intervallos regulares-, d'esté modo a digestão, a absorpção e a assimilação far-se-hão bem e o resíduo intestinal será pouco e duro — o que é vantajoso, para que não sejam absorvidos pela mucosa intestinal alguns productos tóxicos que elle possa ainda conter.

As mulheres, em sua tolerância para o regimen lácteo, podem dividir-se em três grupos : umas sup-portam bem o leite durante muito tempo; outras têm-lhe uma tal aversão, que não se resolvem a.to-mal-o, a despeito das instancias do medico ; outras, finalmente — e são as mais numerosas—-tomam-n'o bem a principio, mas mais tarde não o toleram.

Quando o leite repugnar, não desistiremos d'elle sem primeiro procurarmos tornal-o tolerável.

Para isso, podemos mistural-o com agua de cal medicinal, com uma agua alcalina, ou aromatisal-o. Quando recorrermos a uma agua alcalina, devere-

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mos ter em vista que ella seja o mais pobre possível em saes de potássio. Como nada ha absolutamente perfeito, o regimen lácteo tem, no meio de tantas vantagens, um sério inconveniente — conduz á cons­tipação. Esta combatter-se-ha por meios suaves — rhuibarbo, clysteres oleosos, etc. O valor do regi­men lácteo, como tratamento preventivo da eclam­psia, é hoje incontestável, pois que é preconisado por quasi todos os parteiros ; e tenho de dizer por quasi todos, simplesmente porque Pajot, cuja cele­bridade em obstetrícia é reconhecida por todo o mundo, o combatteu energicamente, em i885.

Eis a sua objecção, apresentada n'uma lição professada n'aquelle anno :

«Se o regimen lácteo prevenisse a eclampsia, as crianças de peito nunca a teriam ; ora ellas tem-n'a frequentes vezes ; portanto o regimen lácteo não tem poder prophylatico algum».

Ora, a resposta a esta objecção especiosa é fá­cil: a eclampsia puerperal e a eclampsia infantil são doenças que têm um symptoma commum — a convulsão, e que têm o mesmo nome ; mas que são muito différentes quanto á sua natureza. Sendo uma questão de palavras, aquella objecção só pôde ter o valor d'uma censura aos auctores que deram o mesmo nome a duas doenças différentes.

A mesma opinião expendeu Pajot na sessão da Sociedade de Gynecologia de Pariz, que teve logar em 9 d'abril do mesmo anno, declarando que todo

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o tratamento prophylactico da eclampsia era, para elle, illusorio; e que, se elle o instituía, era mais para não ficar de braços cruzados do que por con­vicção. Porém, n'esta mesma sessão em que Pajot fez uma desanimadora declaração, Gueniot, Marti-neau, Charpentier e Dolèris foram concordes em reconhecer uma utilidade real a esta medicação.

De resto, as observações de Charpentier e de Tarmier têm a este respeito um valor decisivo : em 11 casos d'albuminuria mais ou menos grave, Char­pentier viu sempre a albumina, se não desappare-cer por completo, pelo menos diminuir considera­velmente pelo regimen lácteo-, 10 vezes as mulhe­res, chegadas a termo, pariram sem eclampsia ; só uma vez sobrevieram accessos convulsivos durante o trabalho, mas n'este caso o regimen lácteo não tinha sido rigoroso. Outro tanto com relação ás nu­merosas observações de Tarnier, em que este au-ctor jugulou a albuminuria gravidica por meio do re­gimen lácteo.

— O carvão e o naphtol podem também pres­tar bons serviços, o primeiro retendo a maior par­te das substancias toxicas da bilis —as matérias co­rantes, e fixando além d'isso uma boa parte das substancias toxicas resultantes das putrefacções in-testinaes; o segundo combattendo directamente es­tas putrefacções. O carvão pôde dar-se por colhe­res de sopa, uma cada duas ou três horas, poden­do a dose elevar-se a ioo grammas por dia. (Bou-

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chard). O naphtol pôde dar-se do modo seguinte : (Legendre).

Naphtol B j Assucar ou salicylate de bismutho . j a â U oenti&1'-

Em um cachet e como este mais. . . Para tomar um cada hora.

Finalmente, é de grande utilidade subtrahir a doente tanto quanto possível á acção do frio ; tanto mais que, em geral, os albuminuricos têm uma grande susceptibilidade para este agente (cryesthe-sia). Segundo o professor Pinard, o frio exerce so­bre a albuminuria gravidica uma acção análoga á que exerce sobre as affecções renaes, isto é, uma acção desfavorável. Para a evitar, aconselha o mes­mo professor uma grande camisa de fianella, indo da .cabeça até aos pés e munida de mangas que cheguem até aos punhos.

Esta camisa, formando em volta do corpo um longo invólucro isolador, entretém um calor con­stante; e, favorecendo a sudação, forma uma espé­cie de banho de vapor permanente, cuja acção de­rivativa pôde prestar serviços relevantes.

s

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II

Pôde o medico encontrar-se em presença duma mulher gravida, em trabalho, ou recemparida, apre­sentando ou não edema e albuminuria, mas quei-xando-se de soffrer, desde dois ou três dias, de perturbações da vista, dôr frontal, sensação dolo­rosa de peso no epigastro, por vezes vómitos, dys­pnea intensa e movimentos convulsivos fibrillares dos músculos dos membros. Estes phenomenos são geralmente chamados symptomas premonitórios da eclampsia; mas esta designação é imprópria, pois que elles constituem já manifestações da intoxica­ção, e também porque podem apparecer só depois dos accessos convulsivos, como aconteceu n'um caso observado por Charpentier.

Estes phenomenos não apparecem sempre pela mesma ordem nem apparecem sempre todos.

Certas mulheres apresentam, por exemplo, per­turbações bem accentuadas da vista, podendo mes­mo ir até a amaurose, tendo apenas uma albumi­nuria insignificante e não tendo, ou tendo só uma leve dôr frontal.

Em outras, a dôr frontal ou epigastrica con­stitue o phenomeno principal. Casos ha em que a intoxicação se manifesta simplesmente por uma grande agitação da paciente e por movimentos con­vulsivos fibrillares dos músculos dos membros.

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Seja porém como fôr, esta mulher é uma into­xicada, estão imminentes sobre ella os accessos convulsivo-comatosos com todas as suas terríveis consequências, e ao medico corre o imperioso de­ver d'instituir desde logo um tratamento enérgico, que seja ao mesmo tempo curativo do estado actual e preventivo dos accessos convulsivos. Gomo disse, a mulher pôde estar gravida, em trabalho, ou ter parido.

Primeiro caso —Durante a prenhez as indi­cações são duas — uma pathogenica, outra sympto­matica : eliminar o excesso de venenos, e subtrahir o systema nervoso á sua acção convulsivante. Como preencher a primeira?

Se a mulher é vigorosa, plethorica, se suas urinas são muito albuminosas e em pequena quanti­dade, é preciso praticar uma sangria.

A quantidade de sangue a extrahir deve ser re­gulada pelo vigor da doente e pela intensidade das perturbações que ella apresenta.

A sangria está ainda indicada e deve praticar-se, salvo se houver uma anemia muito considerável, todas as vezes que a eclamptica não seja albumi-nurica; porque, n'estes casos, ha grandes probabili­dades de que a intoxicação seja devida a um exces­so de formação de substancias toxicas. Se a doente é ao mesmo tempo anemica e albuminurica—e es­te é o caso mais frequente —o clinico guiar-se-ha

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pelo estado functional do emunctorio renal. Se os rins quasi não funccionam, é preciso sangrar a doen­te, qualquer que seja o seu estado geral—o que domina é a necessidade d'eliminar rapidamente o excesso de venenos que saturam aquelle organismo e que irão, a breve trecho, provocar accessos con­vulsivos, e a impossibilidade de o fazer pelos emun-ctorios ordinários.

Mas emquanto os rins não attingirem aquelle extremo, emquanto forem funccionando, ainda que imperfeitamente, devemos respeitar o estado d'ane-mia em que s'encontra- a doente e solicitar, antes de mais nada, os emunctorios ordinários (i). D'es-tes, os mais importantes são, sabemol-o bem, o emunctorio intestinal e o emunctorio renal; é pois

(1) Como aconselho a sangria em certos casos, apesar dos violentos ataques de que ella tem sido alvo na ultima me­tade do nosso século, julgo dever demorar-me um pouco sobre ella, a fim de demonstrar, se puder, que ella pôde prestar re­levantes serviços no tratamento da eclampsia, nomeadamente durante a gravidez, e que os argumentos que têm sido addu-zidos contra ella não têm grande valor. Escusado é dizer que d'ella, como de qualquer outro meio, se deve usar, mas não abusar. A sangria tem sido empregada no tratamento da eclam­psia desde tempos muito remotos : Hippocrates já a emprega­va. No século 17, periodo áureo da sangria, os parteiros, ar­rastados pela opinião medica reinante, chegaram a abusar d'ella.

Haja vista á incondicionalidade com que Mauriceau a aconselhava. No século 18, a phlebotomia continuou na eclam-

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para estes que devemos dirigir os nossos principaes esforços. Podemos actuar sobre o emunctorio intes­tinal por meio de purgantes ou de clysteres purga­tivos. Comquanto um purgante drástico seja muito mais poderoso do que um clyster purgativo, varias razões se impõem para que lancemos mão d'esté ul­timo meio, pelo menos no principio da intervenção. Com effeito, além de provocar em toda a extensão do intestino, desde o anus ao estômago, uma irri­tação congestiva que, não sendo tão intensa como a que produzem os purgantes drásticos, é comtudo bastante manifesta (Vulpian), o clyster purgativo tem uma acção mais rápida e deixa livre a via boc-cal. Por ter uma acção mais rápida, deixa mais de­pressa livre a via rectal para por ella introduzirmos,

psia sem discussão. Na primeira metade do século 19, a san­gria refloresceu na eclampsia, bem como na maior parte das doenças, sob a influencia das ideias de Brousssais—medico emi­nente, a despeito da falsidade das suas doutrinas. Volta a ter voga a opinião de Botai : «O sangue no corpo humano é como a agua n'uina boa fonte: quanto mais se tira, mais lá s'encon-tra». Na segunda metade d'esté século, a sangria foi desthro-nada pela doutrina da anemia; a eclampsia foi considerada uma anemia dos centros nervosos ; sangrar uma eclamptica era, segundo tal opinião, não só mostrar uma ignorância crassa, senão também, e principalmente, commetter um crime imper­doável.

Em seguida a esta reacção, os medicos dividiram-se em dois campos distinctos : uns, proseguindo as tradições do pas­sado, continuaram a sangrar; outros, seduzidos pelas novas

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se for preciso, outras substancias medicamentosas —hydrato de chloral, por exemplo ; por deixar li­vre a via boccal, permitte que a aproveitemos, des­de o principio, para preencher outra indicação.

Seria conveniente, para que o clyster tivesse uma efficacia real, usar d'um instrumento que o fos­se depor acima da ampola rectal.

Alguns parteiros servem-se, não só para os clysteres purgativos, senão também para os chlo-ralados, d'uma sonda de homem n.° 23 ou 24 da fileira Charrière, que, graças á sua flexibilidade, pô­de ser introduzida no recto até uma altura sufi­ciente. Para solicitar o emunctorio renal, para acti­var o seu funcionamento e para, até certo ponto pelo menos, reparar as suas desordens anatómicas,

theorias, renunciaram por completo á sangria. Esta divisão existe ainda hoje. Os adversários da sangria fundam-se nos seguintes argumentos: 1.° A sangria é inutil, porque muitas vezes não obsta ao desenlace fatal ; ha observações nas quaes, a despeito das emissões sanguíneas, as doentes morreram.

—Ora, este argumento não colhe, porque também o sul­fato de quinina não cura todos os accessos de febre pernicio­sa, nem o mercúrio todas as manifestações syphiliticas, e com-tudo ninguém dirá, nem os próprios adversários da sangria, que estas substancias são inúteis—a primeira no impaludismo, a segunda na syphilis.—2.° A dequitadura é ordinariamente accompanhada d'uma hemorrhagia mais ou menos abundante, espécie de sangria natural ; todavia vê-se muitas vezes a eclam­psia continuar depois da dequitadura, o que demonstra que a

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nada ha superior ao regimen lácteo absoluto. Mas este regimen pôde ser auxiliado pelo uso methodi-co de banhos. De facto, Bar (Ann. de Gynec. i885) 'lembrando-se dos bons resultados obtidos com os banhos nos casos d'anuria subsequente a cólicas nephreticas, procurou provocar, por estes mesmos meios, a secreção urinaria n'uma eclamptica com­pletamente anurica, e obteve resultados tão satisfa-ctorios, que não posso resistir ao desejo de trans­crever, em resumo, a sua observação: No dia l i de fevereiro, 18 accessos d'eclampsia. No dia i3, parto. No dia 14, coma profunda com elevação de temperatura; annuria completa; ás 11 e meia horas da manhã, banho a 35° durante uma hora. Duas horas depois do banho, a doente forneceu, por meio

perda de sangue não é salutar. —Ora, quasi todos os parteiros concordam em que: depois do parto e do delivramento, as eclampticas melhoram quasi sempre. Ha, é certo, excepções ; mas estas servem só de confirmar a regra. Estas excepções demonstram só que a sangria não é infallivel ; mas, onde exis­te um meio therapeutico infallivel? De resto, um dado trata­mento pôde, sem ser bom, ser o melhor.

Por outro lado, não é justo considerar a hemorrhagia do delivramento equivalente, em todos os casos, a uma verdadei­ra sangria. As hemorrhagias do delivramento podem dividir-se em três grupos : nullas ou insignificantes, medias e abun­dantes.

Das insignificantes nem vale a pena falar, pois que nin­guém pretenderá eomparal-as ás emissões sanguíneas geraea. As medias são, segundo a maior parte dos parteiros, a evacua-

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de sonda, 200 grammas d'urina,. A's 9 da tarde, segundo banho, porque a anuria continuava; e duas horas depois a bexiga continha i5o grammas d'urina, já menos albuminosa. Na manhã do dia i5, outro banho a 33° e sempre d'uma hora, porque a anuria persistia ; e duas horas depois, 200 grammas d'urina ainda menos albuminosa. A' tarde, novo banho; e 200 grammas d'urina duas horas depois. No dia 16 a mesma coisa, postoque a situação pa­recesse já um pouco melhor. Finalmente, no dia 17 a micção torna-se espontânea, o estado geral me­lhora consideravelmente, e, passado pouco tempo, a cura é completa. Esta observação mostra que os ba­nhos augmentam a secreção urinaria: mas elles têm

ção dos seios uterinos, determinada pelo descollamento da pla­centa e pela involução uterina; são emissões locaes, sem re­flexão sobre a circulação geral. Restam as abundantes, as que se refletem sobre a circulação geral e, portanto, as únicas que podem ser comparadas a uma phlebotomia ; mas estes Ca­sos constituem excepções. Os argumentos dos adversários da sangria não têm, pois, grande valor. Alem d'isto, paw» avaliar um meio therapeutico nada ha superior á eloquência dos fa­ctos; ora, percorrendo as observações de vários parteiros, Ca-zeaux, Peter, Depaul, Charpentier, Auvard, ete., encontram-se muitas em que a sangria prestou relevantes Berviços. E as­sim devia ser, porque a sangria, alem d'eliminar uma quanti­dade notável de substancias toxicas, é o melhor descongestio­nante dos centros nervosos ; e muitas eclampticas morrem de congestão cerebral.

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ainda outra vantagem, qual é a de serem sedantes do systema nervoso.

Para preencher a segunda indicação, isto é, pa­ra siderar o systema nervoso, o hydrato de chloral é um medicamento precioso. Se houvesse necessi­dade a preencher com a maxima rapidez possível, //a-daríamos o chloroformio, que actua mais prompta-mente ; mas no caso em questão o chloral é prefe­rível, porque não ha aquella urgência, porque elle é mais innocente do que o chloroformio, e porque a sua acção, pelo facto de ser mais duradoira do que a d'aquelle anesthesico, quadra melhor á necessida­de de manter o systema nervoso n'uina espécie d'a-pathia ou indifíerença relativamente aos venenos convulsivantes. O chloral deve ser dado pela via di­gestiva. Como n'este período da intoxicação a doen­te ainda ingere facilmente, e como, por outro lado, o recto pôde estar occupado por um cryster purga­tivo, é pela bocca que devemos principiar a admi­nistração do chloral. A maior ou menor gravidade da situação indicará ao clinico a dose, que deve ser tanto maior quanto mais grave fôr o caso. Pode­mos dar, sem grande inconveniente, 6, 8, io e mes­mo i5 grammas de chloral, no espaço de 24 horas ; mas, em geral, não é preciso ir tão longe, bastan­do apenas 3 a 5 grammas. Podemos addicionar ao chloral uma a duas grammas de brometo de sódio. Estando a doente, como deve estar, no uso do re­gimen lácteo, daremos o chloral em leite, cuja acção

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sedante sobre a mucosa gástrica contrabalançará a acção irritante do chloral. Por causa da acção irri­tante do chloral, procuraremos ainda pôr em con­tacto com uma dada parte da mucosa a menor porção possível d'aquella substancia-, ou seja, pôr em contacto com a maior superficie possível da mucosa digestiva a dose de chloral que houvermos d'administrar.

Para isso, logo que a via rectal esteja disponí­vel, isto é, logo que o clyster purgativo tenha pro­duzido o seu effeito, distribuiremos pelas duas vias, boccal e rectal, a dose de chloral a administrar. Prescreveremos um primeiro clyster assim prepa­rado:

Hydrato de Chloral 4 gr. Leite 100 gr. Gemma d'ovo n.° 1

Para um clyster ;

se elle fôr rapidamente expulso, prescreveremos um segundo, depois d'um curto repouso*, se a este ain­da succéder o mesmo, prescreveremos um terceiro, e assim successivamente até que s'estabeleça a to­lerância intestinal, ou até que a doente possa ter absorvido uma dose sufficiente de chloral. A tole­rância obter-se-ha facilmente se houver o cuidado de levar o clyster um pouco acima da ampola re­ctal.

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E1 preciso ainda subtrahir a doente, tanto quan­to possivel, a toda a excitação exterior

Recommendar-se-ha o silencio e a obscuridade, prohibir-se-ha a conversação, e as visitas serão in­terdictas. A doente deverá communicar simples­mente com o pessoal necessário; evitará os movi­mentos inúteis, e os indispensáveis serão executa­dos com a maxima prudência e doçura. O exame obstétrico será feito com todas as precauções pos­síveis, e só será renovado quando for permittido pensar na possibilidade de qualquer mudança do lado do utero. Em geral, esta medicação e estas precauções conjuram os chamados phenomenos premonitórios; e, se forem continuadas durante tempo bastante para a eliminação do excesso de substancias toxicas, permittem á mulher ter o seu parto sem que lhe sobrevenham accessos convulsi­vos. Quando não conjurem os phenomenos existen­tes e não evitem os accessos convulsivos, pelo me­nos retardam o apparecimento d'estes e diminuem-lhes a intensidade. Quanto ao tempo durante o qual é preciso continuar esta medicação, deve servir-nos de critério o estado dos rins ; todavia convém não esquecer que o regimen lácteo deve ser continuado durante bastante tempo depois das urinas serem normaes — quantitativa e qualitativamente.

Segundo caso —Durante o trabalho as con­dições são proximamente as mesmas; mas a indica-

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cão symptomatica tem d'avir-se com mais um ele­mento, qual é a exaltação nervosa provocada pelas contracções dolorosas do utero.

De modo que o clinico preencherá a indicação pathogenica como no caso precedente—uma san­gria se à doente está em condições de a supportar sem inconvenientes, sobretudo se ha anuria ou se as urinas são quasi nullas e muito albuminosas, clysteres purgativos e regimen lácteo absoluto ; mas, para preencher a indicação symptomatica, terá não só de subtrahir o systema nervoso á acção dos ve­nenos convulsivantes, senão também de sublrahir o melhor possível a doente á influencia das dores de parto, tão azadas para despertar os accessos con­vulsivos.

Ora, o trabalho comprehende dois períodos distinctos: período de dilatação e período d'expul-são.

Durante a dilatação devemos recorrer ao chlo­ral, administrando-o pela bocca e pelo recto.

Este agente, sendo perfeitamente innocente para o feto, segundo Testut, Lambert, Bourdon, Pelissier e outros, calma as dores da mãe e activa, ou pelo menos não retarda as contracções uterinas. Tal é a opinião de quasi todos os parteiros, apezar de Miiller e Pollaillon pensarem que o chloral di­minue, ainda que levemente, a frequência e a inten­sidade das contracções uterinas. A dilatação por meio d'instrumentos só será justificável em casos

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absolutamente excepcionaes— quando a vida da criança corra grande risco e o estado da mãe au-ctorise o medico a convencer-se de que estas ma­nobras não irão influir muito desfavoravelmente so­bre esse estado. A não ser em casos d'esta ordem, ella está contra-indicada, attenta a grande excitabi­lidade em que s'encontra o systema nervoso da pa­ciente. Se, porém, o medico se decidir a apressar artificialmente a dilatação, deverá, antes de qual­quer tentativa, submetter a doente a uma anesthe­sia completa.

O anasthesico deve ser, em tal caso, o chloro-formio.

Durante o periodo d'expulsao a tarefa do me­dico depende de certas condições. Se elle assistiu á dilatação e tem, portanto, n'esta altura do traba­lho, a doente chloralisada, isto é, em estado de se-misomnolencia, de calma relativa, sem vómitos, sem ou só com leve dôr frontal, eupneica, etc., deixará a natureza operar a expulsão, salvo se não ha contracções uterinas, se o feto é muito grande, se ha aperto de bacia, ou se o perineo é muito re­sistente. Se a doente não está chloralisada, ou se, estando-o, a natureza é insuficiente para expulsar rapidamente o feto, em virtude de qualquer anoma­lia ou ausência de contracções uterinas, o parteiro deve intervir por uma applicação de forceps ou uma versão, segundo as indicações, mas nunca sem ter a doente previamente e completamente anesthesia-

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da. Também n'este caso o anesthesico preferido deve ser o chloroformio, porque ha pressa e a acção do chloral far-se-hia esperar.

Terceiro caso — Depois do parto as indica­ções são ainda as mesmas — pathogenica e sym­ptomatica-, mas agora são, em regra, mais fáceis de preencher, porque o problema se acha conside­ravelmente simplificado. Em geral, a hemorrhagia do delivramento torna desnecessária a sangria ; nos casos de hemorrhagia abundante, esta operação é não só desnecessária, senão também prejudicial.

Os clysteres purgativos ou os purgantes, e o regimen lácteo absoluto serão suficientes para preencher a indicação pathogenica, tanto mais quanto é certo que os emunctorios intestinal e re­nal se acham agora mais á vontade.

A indicação symptomatica será quasi sempre sufficientemente preenchida pelo chloral, unido ou não ao brometo de sódio.

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III

Pôde, finalmente, o medico encontrar-se em presença d'uma mulher — antes do parto, no par­to, ou depois do parto — em quem tenham já esta­lado os accessos convulsivo-comatosos.

Em geral, é só n'esta occasião que o medico é chamado; mas este caso pôde ainda apresentar-se quando, tendo sido o medico chamado mais ce­do, o tratamento que elle instituiu não produziu o resultado desejado.

Como o próprio nome indica, cada um d'estes accessos compõe-se de dois períodos ; um convul­sivo, outro comatoso.

Como combatter cada um d'elles? Principiemos pelo periodo convulsivo. A doente deverá ser collocada em seu leito,

no decúbito dorsal. E' inutil procurar mantel-a por meio de prisões, poisque os accessos não são de molde a pol-a em risco de cahir da cama, nem se­quer a fazel-a abandonar aquella posição ; tal pra­tica seria mesmo prejudicial, poisque toda a resis­tência opposta aos seus movimentos não teria co­mo consequência senão exageral-os, senão tornal-os mais violentos.

Deverá haver o máximo cuidado em não pro­ceder a exame obstétrico, palpação, auscultação, toque, etc. Deverá conservar-se na obscuridade e

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subtrahir-se, tanto quanto possível, a todas as cau­sas exteriores d'excitaçao.

O seu quarto deve ser bem ventilado, e os seus vestidos devem ser suficientemente largos pa­ra não embaraçarem a respiração, já bastante com-promettida pelas convulsões. E' preciso obstar a que a lingua, que tende a projectar-se entre os dentes, seja mordida —não tanto para prevenir qualquer hemorrhagia que d'ahi possa resultar, co­mo para impedir que ella se tumefaça a ponto de prejudicar a respiração.

Para isso tem-se aconselhado collocar entre os dentes o cabo d'uma colher, uma rolha, um peda­ço de madeira, etc. ; mas é preferível collocar trans­versalmente entre os dentes um lenço ou uma com­pressa, de modo a manter a lingua atraz das arca­das dentarias. Para não tapar a cavidade boccal, o que prejudicaria a respiração, exercer-se-ha uma certa pressão sobre a maxilla inferior, de modo a baixai a um pouco. E é isto o que ha a fazer du­rante este periodo. Com effeito, a única indicação d'urgencia n'este momento seria subtrahir o syste-ma nervoso á acção dos venenos convulsionantes ; infelizmente, porém, dos agentes dê que podemos dispor para tal fim, nenhum tem uma acção sufi­cientemente rápida para conjurar aquellas convul­sões, attenta a sua curta duração ; e demais, ainda que algum houvesse iVaquellas condições, seria dif-ficil, ou mesmo impossível administral-o, por causa

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da agitação, dos movimentos desordenados que a doente apresenta.

— Durante o período comatoso, a conducta do parteiro tem de ser outra. Se o coma é subsequen­

te a um accesso convulsivo d'intensidade media ; se é pequeno ou nullo o numero d'accessos anteriores ; se, tendo­os havido, o conhecimento voltou nos in­

tervallos; se, finalmente, o coma não é muito pro­

fundo, o medico aguardará a sua cessação espon­

tânea, limitando­se apenas a vigiar a respiração — mas tendo á mão tudo o que lhe seja necessário pa­

ra praticar uma sangria, caso os accidentes coma­

tosos se exagerem. Porém se o coma é profundo1

com fácies vultuosa, respiração estertorosa, e cho­

ques cardíacos precipitados; ou se, não sendo tão profundo, succède a um numero d'accessos bastan­

te considerável; ou ainda se, nos intervallos dos accessos, não voltou o conhecimento, o medico de­

ve proceder immediatamente a uma sangria. Sob a sua acção — eliminadora d'uma proporção notável de venenos convulsivantes e narcóticos, e descon­

gestionadora dos centros nervosos, quasi sempre o conhecimento volta, o aspecto violáceo da face desapparece e o pulso se torna menos duro e mais regular.

■—Combattido assim o accesso eclamptico, de­

ve o medico esforçar­se por impedir que sobreve­

nham outros. Só então terá concluido o seu papel. Mas podendo a mulher encontrar­se em condições

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variadas — estar gravida, em trabalho, ou recem-parida — comprehende-se que a tarefa do clinico não possa ser absolutamente a mesma em todos os casos.

Figuremos estes diversos casos. i." Durante a prenhez. Assim como, n'uma

operação cirúrgica, a primeira coisa a que se recor­re é á anesthesia, para pôr o systema nervoso sen­sitivo a coberto da acção dolorosa do bisturi ou d'outros instrumentos, comquanto a anesthesia não tenha influencia alguma sobre a lesão a combatter ou sobre o processo operatório a empregar, assim também na eclampsia, antes de nos preoccuparmos com a eliminação dos venenos ou com o processo de os eliminar, devemos collocar o systema nervo­so da paciente fora do alcance destes venenos e das influencias exteriores.

A observância d'esté preceito é tanto mais prudente, quanto é certo que qualquer tratamento pathogenico exige da parte da doente movimentos que podem despertar as convulsões, se o systema nervoso não tiver sido previamente siderado. Por­tanto, salvo os casos em que a natureza do coma imponha a sangria immediata, é á anesthesia que recorreremos em primeiro logar.

Quanto ao anesthesico a empregar, chloral ou chloroformio, servir-nos-ha de critério a maior ou menor urgência d'intervir, combinada com o conhe­cimento de que o chloroformio actua mais prom-ptamente do que o chloral.

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Quando, porém, o anesthesico preferido fôr o chloroformio, é conveniente substituil-o pelo chlo­ral logo que seja possível, isto é, logo que seja con­jurado o perigo imminente.

Justificam isto as seguintes razões: a acção do chloral é mais duradoira, e ás vezes é preciso conservar o systema nervoso indifférente ás excita­ções, durante bastante tempo; o chloral é mais in­nocente do que o chloroformio; o chloral não pre­cisa de ser administrado por um medico ; finalmen­te, a suspensão da chloroformisação, libertando a via boccal, permitte satisfazer mais completamente a indicação causal. A transição deve fazer-se do seguinte modo: chloroformio até anesthesia com­pleta; depois um clyster purgativo; expulso este, um clyster de 4 grammas de chloral, em leite, ou vários se houver intolerância intestinal, até que haja absorpção d'uma dose suficiente de chloral. To­mando a precaução a que já alludi falando da administração dos clysteres, isto é, depondo-os um pouco acima da ampola rectal, quasi sempre se obtém facilmente a tolerância; se porém, a despei­to d'esta precaução, ella se fizer esperar, podemos utilisar a via nasal, á maneira do professor Lefour. Para isso não são indispensáveis instrumentos es-peciaes —sonda, cânula, etc.; uma colher é sufi­ciente. Estando a doente no decúbito dorsal, as suas fossas nasaes ficam num plano obliquo, bas­tante approximado da vertical para conduzirem á

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pharyngé os líquidos que n'ellas se lancem; e es­tando a doente cirurgicamente anesthesiada, as aber­turas das fossas nasaes estão suficientemente dila­tadas para permittirem a introducção de liquidos. Por outro lado, como na mais completa anesthesia persistem os movimentos reflexos nos órgãos da vida vegetativa, desde que o liquido chegue ao con­tacto da pharyngé originará movimentos de deglu­tição que o levarão ao estômago. Como quer que seja, com o principio da acção do chloral deve coin­cidir, tanto quanto ser possa, a diminuição gradual, até cessação completa, das inhalaçóes de chlorofor-mio.

Tendo assim o systema nervoso soffreado, preoccupar-nos-hemos com a indicação pathogeni-ca, passaremos á eliminação das substancias toxi­cas. Ora nós sabemos já que os meios a empregar para conseguir este fim são a sangria e a solicita­ção dos emunctorios naturaes. Mas isto não basta; precisamos de saber ainda — como e quando nos devemos servir d'elles. A sangria é um meio herói­co d'eliminaçao ; pena é que nem sempre se possa emqregar, visto que ha casos em que os seus in­convenientes são superiores ás suas vantagens. Os seguintes casos impoem-n'a : mulher plethorica, vi­gorosa, cuja face fica corada no intervallo dos ac-cessos ; e mulher que tem tido já um numero con­siderável d'accessos e que apresenta, como conse­quência d'elles, uma congestão cerebral intensa.

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Mas uma mulher profundamente anemiada, com edema generalisado, fácies vultuosa, mucosas des­coradas e sopro cardíaco, impõe ao clinico uma gran­de circumspecção. Em geral, um tal estado contra-indica a sangria; e digo em geral, porque o clinico está auctorisado a pratical-a se houver, além d'a-quelle estado, impotência funccional absoluta dos emunctorios naturaes, nomeadamente do emuncto-rio renal.

Quanto aos emunctorios naturaes, o intestinal será solicitado pelos clysteres e o renal pelo regi­men lácteo absoluto.

2.° Durante o trabalho —Comquanto a condu-cta do clinico, n'esta conjuncture, não precise de ser muito différente da que foi mencionada no caso pre­cedente, é certo que não pôde ser absolutamente idêntica, e porisso merece que me detenha um pou­co sobre ella.

Devemos principiar por chloroformisar a doen­te, quaesquer que sejam a intensidade e a frequên­cia das crises convulsivas, poisque o seu systema nervoso, além de se achar impregnado de venenos convulsivantes, é a cada passo fustigado pelas contracções dolorosas do utero. Raríssimas vezes estaremos auetorisados a praticar uma sangria ; é que a pouco trecho vae haver o delivramenro, que, como é sabido, pôde accompanhar-se d'uma hemor-rhagia considerável.

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Anesthesiada a doente, preoccupar-nos-hemos com a marcha do trabalho.

Em regra, não lançaremos mão de quaesquer manobras tendentes a apressar a dilatação do collo, poisque, além de constituirem uma fonte a mais d'excitaçao nervosa, ellas são geralmente inúteis : sob a influeneia da eclampsia, o trabalho marcha habitualmente com bastante rapidez.

Mas, logo que a dilatação seja completa, deve­mos terminar rapidamente o parto, por uma appli-cação de forceps ou uma versão por manobras in­ternas, segundo as indicações.

Cumpriremos assim o preceito preconisado por vários parteiros: evacuar o utero o mais cedo pos-sivel, mas sem violência.

Muitas vezes os accessos eclampticos cessam com a terminação do parto ; mas, como nem sem­pre assim acontece, é prudente substituir o chloro-formio pelo chloral, e preencher ao mesmo tempo a indicação causal, pelos meios que já conhecemos. A substituição deve fazer-se gradualmente, e o re­gimen lácteo absoluto, instituído desde o principio, só será abandonado algum tempo depois do desap-parecimento da albuminuria. Como a mulher sae d'esta lucta profundamente anemiada, pelo menos qualitativamente, é preciso dar-lhe tónicos — quina, ferro, arsénico, logo que seja possível.

3.° Depois do parto—Quando os accessos

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eclampticos estalam depois do parto, o prognostico é geralmente benigno. Raras vezes é preciso re­correr ao chloroformio ; o chloral é sufficient e na maior parte dos casos.

Como sempre, é o estado da doente que indi­ca ao clinico qual o anesthesico a empregar: acces-sos approximados ou subintrantes, violentos, com coma longo e profundo — chloroformio; accessos distanciados, fracos, com coma curto — chloral.

A hemorrhagia do delivramento e á libertação dos emunctorios, pela cessação da prenhez, contra-indicam quasi sempre a sangria.

O tratamento reduz-se, pois, na maior parte dos casos, a chloral, regimen lácteo absoluto, e purgantes ou clysteres purgativos.

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Anatomia—Ha treze pares de nervos cra-neanos.

Physiologia—O nervo vestibular preside ao sentido do espaço.

Anatomia pathologica—O bacillo d'Eberth possue propriedades pyogenicas.

Materia medica—O chloral actua desdobran­do-se em chloroformio e formiatos.

Pathologia geral —Em geral, os micróbios desempenham um papel util na natureza.

Pathologia externa—Após a operação do empyema, as injecções de cresyl são preferíveis ás de qualquer outro antiseptico.

Patnologia interna—O enjoo dos navegan­tes é devido a uma perturbação do sentido do es­paço, determinada pelos movimentos da embarca­ção.

Operações—O período d'excitaçao, durante a chloroformisação, deve attribuir-se quasi exclusi­vamente á imperícia do chloroformisador.

Partos—A eclampsia puerperal é uma auto-intoxicação.

Medicina legal—A putrefacção é o único si­gnal certo de morte.

"Vis to . I * ó d e i m p r i m i r - s e , O Presidente, O Director,

'eíaej (Oa/é/red. "edeenr/e r/'((J/iucúa.