Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
Transcript of Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 1/100
ANTONIO MANUEL DA ROCHA E MENEZES CORDEIRO
DA BOA FE
NO DIREITO CIVIL
DISSERTA9A0 DE DOUTORAMENTO EM
CritNCIAS JURIDICAS NA FACULDADE DE
DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
REIMPRESSAO)
rtdc
)Ektco
135 7fJo~
ALMEDINA
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 2/100
TITULO:
AUTORES:
EDITOR:
DISTRIBUIDORES:
EXECUO 0 GRAFICA:
DA BOA FE NO DIREITO CIVIL
ANTONIO MANUEL DA ROCHA E MENEZES CORDEIRO
LIVRARIA ALMEDINA — COIMBRA
www.almedina.net
LIVRARIA ALMEDINA
ARCO DE ALMEDINA, 15
TELEF. 239 851900
FAX 239 851901
3004-509 COIMBRA — PORTUGAL
LIVRARIA ALMEDINA — PORTO
RUA DE CEUTA, 79
TELEF. 22 2059773
FAX 22 2039497
4050-191 PORTO — PORTUGAL
EDIcOES GLOBO, LDA.
RUA S. FILIPE NE RY, 37-A (AO RATO)
TELEF. 21 3857619
FAX 21 3844661
1250-225 LISBOA — PORTUGAL
LIVRARIA ALMEDINA
ATRIUM SALDANHA
LOJA 31
PRAcA DUQUE DE SALDAN HA, I
TELEF. 21 3712690
G.C. — GRAFICA DE COIMBRA, LDA.
PALHEIRA — ASSAFRAGE
3001-453 COIMBRA
Email: [email protected]
DEPOSITO LEGAL:
SETEMBRO, 2001
111867/97
Toda a reproducao desta
obra, por fotocepia ou
outro qualquer
processo, sem
previa autorizacao escrita do Editor, a ilicita
e passivel
de procedimento judicial contra o infractor.
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 3/100
16
a
boa fe no
Dircito civil
CPP
Codigo de Processo Penal
CR
Constituicdo
da Repliblica
CRC
Codigo de Registo Civil
CRC /1967
Codigo de Regis to
Civil
d e
19 67
CRP
Codigo
de Regis to Predict
CRP/1967
Codigo de Registo Predial lie
1967
CS
Codigo Civi l de
1867 (de Seabra)
D.
Digesto
EG
Einfiihrungsgesetz zurn Biirgerlichen Gesetzburhe
EheG
Ehegesetz
esp.
espanhol
Est.
Estudos
Et.
Etudes
FG
Festgabe ou Finanzgerich t ,
conforme o contexto
fr.
frames
FS
Festschrift
GBO
Grundbuchordnung
GG
Grundgesetz
GS
Geditchtnisschrift
HGB
Handelsgesetbuch
I.
Institutiones
it.
italiano
KO
Konkursordnung
Mel.
-
Mélanges
MP
Ministerio Panto
NF
Neste Folge
rec.
recensrio
reimpr.
reimpressio
Sc.
Scritti
sep.
separata
St.
Studi
trad.
traducdo
TVG
Tartftertragsgesetz
UWG
Cese tz gegen den unlauteren Wet tbewerb
VHG
Gesetz fiber die richterliche Vertragshilfe
VHGO
Vertragshilfeverordnung
ZGB
Zivilgesetzbuch
(suico)
ZGB /DDR
Zivilgesetzbuch
(da RDA)
ZPO
Zivilprozessordnung
1.° INTRODUCAO
1 .
A boa fe no Direito civil
I.
A boa fe surge, corn frequencia, no espaco civil. Desde as
fontes do Direito a sucessio testamentiria, corn incidencia decisiva
no negocio juridico, nas obrigacO es, na posse e na constituicao de
direitos reais, a boa fe informa previs5es normativas e nomina vecto-
res importantes da ordem privada. A s figuras de ponta da civilistica
estio-lhe associadas: a culpa na formacio dos contratos, o abuso do
direito, a modificacio das obrigacoes por alteracao das circunstancias
e a complexidade do conteddo obrigacional. Institutos antigos e cria-
goes do pensamento juridico cristlo tern-na como referencia: a posse,
a aquisicao de frutos, as benfeitorias e o casamento putativo. Figu ras
variadas, num regresso constante e inesperado, incluem-na, a niveis
diversos, nas regulacOes que estabelecem: a morte presumida, a condi-
cio, a simulack, a accio pauliana, o enriquecimento sem causa e a
acessao.
Tanto basta para justificar um estudo.
Este livro prop5e-se faze-1o, em termos de Direito positivo:
pergunta pelas solucOes concretas, promovidas, na ordem civil vigente,
pela boa fe e o ferece respostas.
II .
Corn implicag5es de toda a ordem, o tema da pesquisa
anuncia-se complexo. A dificuldade pode ser minorada corn o
antecipar de alguns dados: os vectores integrativos da boa fe, a sua
posicao no COdigo e a terminologia que ela informa, o sentido da
segunda codificacao portuguesa, as coordenadas da Ciencia do Direito
utilizada, o lugar da boa fe na cultura juridica actual e o piano do tra-
balho, corn as suas razoes.
Sendo uma criacio do Direito, a boa fe ao opera como um
conceito comum. E m v ao se procuraria, nas piginas que seguem,
2
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 4/100
1 8 a boa fa no Direito civil
1. . Introduciio
9
uma definicao lapidar do instituto: evitadas, em geral, pela metodo-
logia juridica, tentativas desse genero seriam inaptas face ao alcance
e riqueza reais da nocao. A boa fe traduz urn estidio juscultural,
manifesta uma C iencia do Direito e exprime urn m odo de decidir
prOprio de certa ordem sOcio-juridica.
A natureza juscultural da boa fe implica o seu assumir como
criacao humana , fundada, dimensionada e explicada em termos hist6-
ricos. Os jurisprudentes romanos intentaram descobrir, num mar d e
decisoes empiricas, encontradas na busca de um equilibrio, capaz de
suscitar consenso, manifestacoes de regularidade que, permitindo tra-
tar o igual, por igual, e o diferente, de modo diferente, de acordo
corn a medida da variacao, tornassem previsiveis as saidas para liti-
gios futuros. Fazendo-o, fundaram a Ciencia do Direito onde,
de imediato, se incluiu a boa fe. A tradicao romanistica evoluiu ao
longo de seculos, recebeu contributos cristios e germanicos e foi
inflectida pelos germes cientificadores que, desde o seculo xvi,
dariam a cultura do O cidente urn cunho que conserva. No D ireito,
isso traduziu-se pelo dominio do pensamento sistematico consciente,
em progressao, ate hoje. Para enquadrar e conhecer esta sequencia,
explicando a situacao actual, vai apresentar-se uma interpretacao
critica da HistOria e uma teoria da evolucao dos sistemas e da sua
aplicacao.
A cientificidade da boa fe, tratando-se da C iencia do D ireito,
corresponde a possibilidade efectiva de, corn ela, resolver questoes
concretas. Ha que partir destas para determinar a regulacao em jogo.
Em tal desempenho, vai propor-se, corn auxilios nas fontes, na dou-
trina e, em especial, na jurisprudencia, o regime actual da boa fe, nas
suas aplicacoes variadas.
A integracao da boa fe, numa ordem sOcio-juridica, obriga a
sintese dos elementos colhidos e ao isolar das traves materiais que
informem o todo.
A histOria da boa fe é a do seu regime e este emana da o rdem onde
se aplique. Os tres vectores retratados entrelacam-se, progredindo em
avancos e recuos. Correndo, embora, lado a lado e presentes, por isso,
em todo o d esenvolvimento, eles constituem o cerne prO prio de cada
uma das tres partes que formam este escrito.
III. 0 Direito privado portugues a urn Direito codificado.
A boa fe tern, no COdigo Civil, uma presenca mtiltipla que, nao
constituindo um dado exclusivo sobre o seu sentido e natureza, apre-
senta urn relevo que recomenda o levantar-previo das mencoes exis-
tentes e a ordenacao terminolOgica das consagraceies em jogo.
Em apanhado geral, o C6digo m enciona a boa fe nas disposicoes
que seguem.
Parte geral: 3.0/1 — os u sos que nao forem contrarios aos principios
da boa fe sac) juridicamente atendiveis; 119.° — regressando o ausente
declarado morto presumido, devem ser-lhe devolvidos os bens no estado
em qu e se encontrarem e ainda certos outros, dentro dum esquema
de subrogacao real; mas, /2, havendo ma f6 dos sucessores, ele deve ser
indemnizado do prejuizo, consistindo, /3, a ma
f e ,
neste caso, no conhe-
cimento de que o ausente sobreviveu a data da morte presumida;
179.° — a anulacio. das decisoes da assembleia geral duma associagio
nao
prejudica os direitos que terceiro de boa fe haja adquirido em execucao
das deliberav3es anuladas; 184.0/2 — na fase de extingio, a associagao
s6 responde pelas obrigageies assumidas pelos administradores para corn
terceiros de boa fe, desde que nao tenha, ainda, sido dada publicidade
extincao; 227.0/1 — nos preliminares e na formacao dos contratos, deve
proceder-se segundo as regras da boa fe; 239.° — na integracao da
declaracao negocial, ha que seguir a vontade presumivel das partes
ou os ditames da boa fe, quando outra seja a solucao por des
imposta; 243.°/1 — a nulidade proveniente da simulacao nao pole ser
arguida pelo simulador contra terceiro de boa fe — /2 — a qu al consiste
na ignorancia da simulacao ao tempo da constituicao dos direitos respec-
tivos e — /3 — considerando-se sempre de ma
fe
o terceiro que haja
adquirido o direito posteriormente ao registo da accao de simulacao;
25942 — ao representado de m a fe nao aproveita a boa fe do represen-
tante; 272.° — na pendencia de condicao, deve agir-se segundo os ditames
da boa f6 para nao comprometer, em neg6cios transmissivos, a integridade
do direito da outra parte; 274../2 — havendo lugar a restituicao do qu e,
na pendencia de condicao, tenha sido
-
alienado, 6 aplicavel, quanto a perda
da coisa, frutos e benfeitorias, o regime da posse de boa fe; 27542— a veri-
ficacio ou o im pedimento da condicao, provocadas, contra as regras da
boa 1
.
6, por aquele a quem aproveita, tarn-se por nao verificada; 277.0/3
— a aq uisicao de frutos por beneficiario de direito sujeito a condicao
resolutiva aplica-se o regime do possuidor de boa
f e ;
291.0/1 — a nulidade
e a anulacao de neg6cios juridicos, relativos a im6veis, nao prejudicam,
em certas condicOes, os direitos adquiridos por terceiros de boa fe, /3 , sendo
considerado de boa
fe
o terceiro adquirente que, no momento da
aquisicio, desconhecia, sem culpa, o vicio do neg6cio invilido; 334.°
— 6 ilegitimo o exercicio de urn direito, quando o titular exceda mani-
festamente os limites impostos pela boa fe.
Direito das obrigacOes: 437.°/1 — a resolucao ou modificagio
do contrato por alteracao das circtuutancias tem lugar quando, entre outros
requisitos, a exigencia de obrigacOes assumidas, afecte gravemente os
principios da boa
f e ;
475.° — no enriquecimento sem causa, nao hs lugar
a
restituicao se, ao efectuar a prestacao, o au tor sabia que o efeito corn ela
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 5/100
20
a boa
fe
no -Direito civil
previsto era impossivel, ou se, agindo contra a boa
fe,
impediu a sua veri-
ficacio; 481.°/2 — verificando-se os pressupostos do agravamento da
obrigacao de restituir o enriquecimen to, e sendo a coisa a resti tuir
alienada, a titulo oneroso, o adquirente, se estiver de ma
f e ,
responde nos
mesmos termos do enriquecido; 612.°/1 — a impugnacio pauliana de
acto oneroso requer ma fe do devedor e do terceiro, sendo, /2, a ma
fe
a consciencia do prejuizo que o acto causa ao devedor; 61341,
b) —
a impugnacao pauliana,
n o s
transmissOes onerosas po steriores, requer
ma fe do alienante e do posterior adquirente; 616.°/2 — o terceiro adqui-
rente, na situacio pauliana, responde, quando de m a fe, pelo valor dos
bens alienados ou perecidos, embora corn relevancia negativa da causa
virtual; quando de boa fe, /3, responde na medida do enriquecimento;
726.° — para efeitos de perda da coisa, frutos e benfeitorias, o terceiro
adquirente de coisa hipotecada e havido por possuidor de boa fe;
756.0,
b )
— nao h a direito
de
retenclo a favor dos que tenham realizado,
de ma fe, as despesas de que proveio o seu credito; 762.°/2 —no cumpri-
mento da obrigac
ao e no exercicio do direito correspondente, devem as
partes proceder de boa fe; 765.0/1 — o credor de boa fe pock impug nar
o cumprimento q uando haja ilegitimidade do devedor; o devedor, /2, de
boa ou ma fe, nao o pock fazer sem oferecer nova presto*);
892.° — o vendedor nao pod e opor a nulidade da venda de bens alheios
ao comprador de boa
fe e
o comprador doloso no pock faze-lo ao
vendedor de boa fe; 894.0/1 — o co mprador de bens alheios, em venda
nula, pode, se dc boa 16, exigir a restituicao integral do preco, ainda que
haja perda do valor da coisa; 897.°/1 — na venda nula de bens alheios,
o vendedor a obrigado a convalidacao, no caso de boa
fe
do comprador;
898.° — n a venda nula de bens alheios, tendo urn contraente procedido
de boa fe e o outro dolosamente, tern o primeiro direito a ser indemnizado
de todos os prejuizos que no teria sofrido se o contrato fosse valido
desde o principio ou no tivesse sido celebrado, conforme venha, ou nao,
a haver convalidacio; 899.° — em q ualquer caso, o vendedor deve inde-
mnizar o comprador de boa fe, ainda que nao tenha agido corn dolo ou
culpa, compreendendo a indem nizacao, apenas, os danos emergentes
que nao derivem de despesas voluptuarias; 901.° — o vendedor responde
solidariamente pelo pagamento das benfeitorias devidas pelo dono d a
coisa ao comprador de boa fe; 903.° — os arts. 894.°, 897.°/1, 899.°,
900.°/1 e 901.° cedem perante convene
-
o em contrario, excepto se o
beneficiario da
convencio
houver agido corn do lo e, o outro contraente,
de boa
f e ;
938.°/2 — na venda de coisa em viagem, figurando, entre
os docum entos entregues, a mencio dessa circunstancia e de ap6lice de
seguro contra os riscos de transporte, o vendedor que soubesse da deterio-
raga
° ou perda da coisa, ao tempo do contrato e, dolosamente, o tao
tenha revelado ao comprador de boa fe, nio tem direito ao preco nem a
anulabilidade do contrato; 956.0/1 — o doador de b ens alheios nao pock
opor a nulidade ao donatario de boa fe devendo, ainda, /2, em certas
circunstancias, indemniza-lo; 957.0/2 — o donatario de boa
1 6
pode
requerer a anulacao da doacao, havendo onus ou vicios na coisa doada;
1009.0 /2 — depois de dissolvida a sociedade, esta e os socios s6 respondem
§ 1.° Introducao
1
pals obrigaceies assumidas por administradores perante terceiros de boa
fe; 1046.°/1— o locatario, salvos certas excepcbes, 6 equiparado a possui-
dor de
ma fe,
para efeitos de benfeitorias; 1138.. — o comodatario
e
quiparado da mesma forma, para efeito identico.
Direito das coisas: 12604 1 — a posse diz-se de boa fe quando o
possuidor ignorava, ao adqu iri-la, que lesava o d ireito de o utrem,
restunindo-se
,
/2, a posse titulada, de boa
fe
e a nao titulada, de ma
fe
e sendo, a posse violenta, /3, sempre de ma
f e ;
1269.° — o possuidor
de boa
fe
s6 responde por perda ou deterioracio da coisa se houver
agido corn culpa; 1270.°/1, 2 e 3 — o possuidor de boa fe faz seus os
frutos percebidos e tern o direito a ser indemnizado pelos frutos pendentes,
ainda que vendidos; 1271.° — o possuidor de ma fe responde pelos frutos
produzidos e por aqueles que um proprietario diligente poderia ter obtido;
1273.°/1—o possuidor de boa ou de ma
f e ,
tem o direito de ser indemni-
zado das benfeitorias necessarias e de levantar as titeis, sendo, /2, na
impossibilidade do levantamento, indemnizado segundo as regras do enri-
quecimento sem causa; 1275.0/1 — o possuidor de boa fe pode levantar,
sendo possivel, as benfeitorias voluptuarias, podendo, /2, o possuidor
de ma fe faze-lo; 1294.° — a usucapiao de im6veis, corn titulo e registo,
tern prazos diferentes de acordo corn a boa ou ma fe do possuidor,
sucedendo outrotanto, 1295.°, no caso de registo da mera posse ou,
1296,0 , na falta de registo; 1298.° — a usucapiao de m6veis sujeitos a
registo 6 encurtada havendo titulo, registo e boa fe, por parte do possui-
dor; 1299.0— a usucapiao de m6veis, nao sujeitos a registo, a encurtada
havendo titulo e boa fe, por parte do possuidor de boa fe; 1300.° —
possivel a usucapiao de moveis, corn posse violenta ou oculta, desde que
ela passe a terceiro de boa fe; 1301.° -- quem comprar coisa, de boa
f e ,
a comercian te que negoceie corn esse tipo de coisas, deve receber o preco
por parte de quem the exija a coisa; 1333.° e 13 34.° — os regimes
da uniao e da confusao variam consoante a boa ou ma
fe
do autor da
operacao, outrotanto, 1336.° e 13 37.0, sucedendo corn a especificacio;
1340.° e 1341.° — os regimes da acessao em terreno alheio variam
consoante a boa ou m a fe do autor da operacao, entendendo-se, ai ,
haver boa fe, 1340.°/4, se ele desconhecia que o terreno era alheio, ou se
foi autorizada a incorporacao pelo dono do terreno; 1342.0/1 — na aces-
sac) em terreno e corn materiais alheios, cabem, ao proprietario deles, os
direitos atribuidos ao autor, independentemente da boa ou m a 16 deste,
sendo o autor, /2, quando de m a fe, solidariamente responsavel corn o
proprietario dos materiais, que tenha culpa, e repartindo-se, entre ambos,
o enriquecimento, quando a sua restituicao deva ter lugar; 1343.0/1
— a aquisicao, por prolongamento do edificio, de terreno alheio, actua
na boa fe do autor; 1450 .0/2 — o usufrutuario 6 equiparado ao possuidor
de boa
f e , quanto a benfeitorias uteis e voluptuarias.
Direito da familia:
1647. °/1 —
o casamento putativo requer boa fe
por parte dos cOnjuges ou, /2, por parte daquele que dele queira benefi-
164841
iar; para o efeito, esta de boa fe o conjuge que desconhe-
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 6/100
22
Da boa fe no Direito c ivil
§ 1. . Introducilo
3
cesse desculpavelmente o vicio causador da nulidade ou anulabilidade ou
que tivesse sido coagido, sendo ainda, /2, da competencia exclusiva
dos tribunais do Estado, o conhecimento da boa fe, a qual, /3, se
presume; 1687. (13— a anu labilidade da alienagao ou oneragio de m6vel,
feita por um cOnjuge, apenas, quando devesse levar consentimento de
ambos, nao pode ser oposta a terceiro adquirente de boa fe; 1737.°/2
— o cO njuge que, na constancia do matrim6nio entre, com oposigio,
na adm inistragio dos bens do outro, responde, perante o proprietario,
como possuidor de ma f6 (
1
); 1827.0/1 — a anu lacao de casamento civil,
ainda que contraido de ma fe por ambos os cOnjuges, nao exclui a
presuncao de paternidade; 1902. °/1 — a falta de acordo dos pais, no exer-
cicio do poder paternal, nao a oponivel a terceiro de boa fe; 1920.° C — as
decisoes judiciais relativas ao poder paternal nao podem ser invocadas
contra terceiro de boa fe, enquanto
no
se mostrar efectuado o registo.
Direito das sucessoes: 2037.0/1 — tendo havido devolugio que seja
tida como inexistente, por indignidade, fica o indigno equiparado a
possuidor de ma fe; 2076.0/2
—
a acgao de peticao de heranga nao pode
ser posta contra terceiro de boa
fe
que haja adquirido de herdeiro apa-
rente, sendo ainda este, quando de boa fe, responsavel, apenas, nos termos
do enriquecimento sem causa; 2077.°/1— o suposto herdeiro, em decla-
raga° de nulidade ou de anu lagao de testamento, quando tenha cumprido
legados de boa fe, fica quite, para corn o herdeiro verdadeiro, restituindo,
a este, o remanescente da heranga; 2115.° — ha vendo colagio, o donati-
rio a equiparado, quanto a benfeitorias, ao possuidor de boa
f e ;
2177.° —
havendo reducao por inoficiosidade, o donatirio 6 equiparado, quanto a
frutos e benfeitorias, ao possuidor de boa fe.
IV. As
referencias expressas, ha que juntar uma serie de remissOes,
fcitas para locais onde a boa ou a ma fe sao mencionadas.
Salientem-se as mais significativas: 147.°, remete para o 1920.° C
— a interdicao definitiva nao pode ser invocada, contra terceiro de boa
fe, enquanto nao se mostrar registada; 194.°, remete para o 184.°
— a fundag ao, depois de extinta, so responde por obrigagOes assumidas
pelo administrador, perante terceiros de boa
fe
se, a extingio, nao
tiver sido dada a devida publicidade; 252.0, remete para o disposto sobre
resolucio ou modificagao do contrato por alteracao das circunstancias
— ao erro sobre a base do neg6cio aplica-se determinado regime quando a
( 1
) A reforma civil de 1977, operada pelo DL 486/77, de 25 de Novembro, ao
pretender abolir o regime dotal — art. 1738.° a 1752.° — revogou os art. 1737.° a 1752.0.
Trata-se sem dilvida, de lapso material, uma vez que o art. 1737.° em nada contunde coin
a f ilosofia legislativa quo presidiu a reforma. 0 art . 1737.°/2, que menciona a boa fe, cones-
ponde as regras gcrais aplicadas a situacio ncle prevista, di° provocando, o scu eventual
desaparccimcnto, problemas de maior; pelo contririo, o art., 1737.
0
/1, portador de uma norma
especial, deixaria, a dcsaparecer, ulna lacuna dificil
de
colmatar. Dada a inequivocidade do
espirito legislative, deve
entendcr-sc
q ue o
art. 1737.°, redaccio initial, esti em vigor.
exigencia das obrigageies assumidas, pelo declarante em erro, afecte grave-
mente os principios da boa
f e ;
278. °, remete para o 272.° — nas obri-
gagOes ou direitos a termo, o titular deve agir segundo os ditames da boa
fe, por forma a nao com prometer a integridade do direito da outra parte;
289.°/3, remete para os 1269.° ss. — nas restituigoes por nulidade ou
anulacao, aplica-se o regime da posse, de boa ou de ma
fe,
conforme os
casos; 305.°/2, remete para os requisitos da impugnacao pauliana — tendo
o devedor renunciado a prescricao, os credores
so
podem invoci-la dentro
dos pressupostos em causa, entre os quais, em certos casos, a ma fe do deve-
dor e de terceiro; 670. °,
b ) ,
remete para o 1273.° — a plica-se, ao credor
pignoraticio, o regime com inado para as benfeitorias necessarias e 6teis,
por parte de possuidor, de boa ou de ma
f e ;
758.°, remete para os
direitos e deveres do credor pignoraticio — o retentor de movel integra,
nomeadamente, a previsio do art. 1273.°, corn os efeitos apontados;
1490.° remete para o regime do usufruto — ao usuario e ao m orador
usuario aplica-se, assim, quanto a benfeitorias, o regime (la posse de
boa
f e ;
2123.0, remete para o preceituado acerca da venda de bens alheios
— a partilha de bens no pertencentesa heranga aplica-se o regime refe-
rido, que faz mengOes largas a boa
fe.
V. A consideracao destes preceitos permite intuir uma diversi-
dade de significados, pelo menos aparente, da boa fe. 0 prOprio
COdigo define-a, nalguns casos.
Assim: 11943: A ma fe, neste caso, consiste no conhecimento de
que o ausente sobreviveu a data presumida; 243.0/2: A boa fe consiste na
ignorancia da simulagao, ao tempo em que foram c onstituidos os respec-
tivos direitos; 291.0/3 : considerado de boa fe o terceiro adquirente que,
no mom ento da aquisiglo, desconhecia, sem culpa, o vicio do negocio nulo
ou anulavel; 61242: Entende-se por ma f6 a consciencia do prejuizo
que o acto causa ao credor; 1260.° /1: A posse diz-se de boa fe, quando
o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem;
1340.°/4: Entende-se que houve boa fe, se o autor da obra, sementeira
ou plantaglo desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada
a incorporaclo pelo dono do terreno; 1648.°/1: Considera-se de boa fe
o cO njuge que tiver contraido o casamento na ignorancia desculpavel
do vicio causador da n ulidade ou anulabilidade, ou cuja declaragio de
vontade tenha sido extorquida por coaccao fisica ou moral.
As sete definicoes de boa fe, constantes do U:lig°, andam todas
em tom b de estados de ciencia ou de ignorancia da pessoa, quanto
a certos factor. Nao
sao
coincidentes: nuns casos a lei fala em mero
conhecimento ou ignorancia — 119.°/3, 243.°/2, 1260.°/1 e 1340. el4
noutros em desconhecimento sem culpa ou ignorancia descul-
pavel — 291.°/3 e 1648 . °/1 — e noutro, ainda, em consciencia —
612.
°/2.
SO atraves dum estudo parcelar das figuras em causa e, depois,
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 7/100
§ 1 °
Introduolo
5
4
a boa fl no Direito civil
da teorizacao dos resultados obtidos, 6 possivel aclarar se do mesmo
conceito se trata ou se, pelo contririo, ha flutuacoes. De qualquer
forma, 6 presente uma primeira linha significativa da boa fe, em que
esta tern a ver corn estados relativos a pessoa ou, se se q uiser, ao sujeito
de direitos. A boa f6 subjectiva.
Da boa f6 subjectiva pode aproximar-se a maioria das referen-
cias legais acima indicadas. Algumas dessas mence3es nao tern, porem,
a ver corn estados do sujeito. Assim sucede sempre que a lei remeta
par os principios — 3../1 — regras — 227.0/1 — ditames — 239.. e
272.' — ou limites da boa f6 — 334.. — ou, simplesmente, mande as
pessoas agir de boa fe — 762.0/2. A boa f6 surge, agora, como algo
de exterior ao sujeito, que se the impae. a boa fe objectiva, que a
lei nunca define.
A contraposica'o entre a boa
fe
objectiva e a subjectiva, ao con-
trario do resultante de alguma literatura, nao se confunde corn uma
outra, entre boa fe psicolOgica e etica. Ambos estes termos abrem na
boa f6 subjectiva: o primeiro, traduz urn estado factico de mera igno-
rancia, presente, por exemplo, na letra do art. 1260.°/1; o segundo,
manifesta urn estado de ignorancia valorado pelo Direito, corn refiexos
praticos em que releva, apenas, se for desculpivel, como ocorre no
art. 291.°/3. A distincao, na subjectiva, da boa fe psicologica e
erica, 6 historica; apenas uma analise da problematica envolvida
permitira revelar se mantem actualidade no Direito portugues.
2.
A codificacao portuguesa de 1%6
I.
0 COdigo Civil de 1966 constitui urn marco fundamental
na historia do Direito privado portugues. Preparado corn cuidado,
durante um periodo largo
(
2
), ele traduz a consagracao definitiva dos
elementos juscientificos mais evoluiclos, dentro do rom anismo, dispo-
niveis aquando da sua elaboracao: operou a recepcao da Ciencia do
Direito que, desenvolvida no espaco juridico alemao, na sequencia
de
SAVIGNY
e aprofundada na teoria e na pratica da pandectistica,
acabaria por frutificar na codificacao de 1896, corn novas evolucoes
(
2
) Preambulo do DL 33908, de 4-Set.-1944, DG I, 196 (1944), 830 ss., VAZ SERRA,
A revisit .
° geral do C6digo Civil lAlguns factor e com entOrios,
BMJ 2 (1947), 24-76 = BFD 22
(1947) , 451-513, e ANTUNES VARELA,
Do projecto ao Ccfcligo
Civil (1966) e
C6cligo Civil ,
Enc.
Polls
1 (1983), 929-944 (931ss.), quanto a preparacao do Codigo de 1966.
depois do primeiro pos-guerra. . 0 teor de varios desenvolvimentos
ulteriores assenta neste dado basico. Requerem-se algumas anteci-
paceies, a seu tempo demonstradas.
Uma recepcao 6 um fenomeno caracteristico juscultural. Traduz
a adopt
-
ao, por uma comunidade, de elementos juridicos proprios
de outra, presente ou passada, corn independencia de situagoes de
dominacao politica ou economica. A ocorrencia, num piano positi-
vista, era entendida como mera deslocacao de normas juridicas. Tal
concepcio e, hoje, reconhecida como insatisfatoria, na sequencia,
a aprofundar, dos estudos de
WIEACKER, sobre a recepcao do Direito
romano, atraves das universidades medievais. As proposicOes nor-
mativas nao tern uma existencia autonoma que lhes permita trans-
posicoes. A recepcao corresponde nao a urn movimento objectivado
de preceitos, mas a aprendizagem dos dados tecnicos e cientificos
que lhes estejam subjacentes. Concluido esse processo de divulgacao,
pode haver coincidencias formais entre a ordem dadora e a receptora;
mas 6 seguro que, na sua falta, a adopcio de modelos estrangeiros,
carecida de substancia, conduz, sob a similitude, a vigencia objectiva
de esquem as diferentes.
0 legislador civil de 1966 veio coroar uma evolucao juscientifica
operada ern profundidade, corn raizes bem anteriores. Fe-lo, por isso,
corn eficacia especial.
II. 0 Direito civil portugues viveu, no seculo xlx, dominado
por contributos culturais franceses, consubstanciados no COdigo
de 1867. A passagem do seculo foi assinalada por uma viragem funda-
mental, a nivel de jusprivatismo. A disponibilidade, atraves de tra-
ducoes italianas, das obras mais significativas da pandectistica tardia,
corn relevo para
WINDSCHEID,
determinante na codificacao alema,
permitiu a
GUILHERME MOREIRA
iniciar urn ensino diferente: a exegese
tradicional do C6cligo Civil, modelada pelo estilo napoleonico, subs-
ti tuiria o metodo «sintetico» (
3); os temas eram agrupados em moldes
cientificos e aprofundados corn mestria crescente, sob contributos
importantes de alem-Reno.
A presenca, no Direito, de urn sistema de exposicao determinado
Igo 6, a prazo, in6qua para corn o seu contetido material. A ideia
(3
) CI. GUILHERME BRAGA DA CRUZ,
A Revista de Legislaclo e de JurisprudencialEshow
da sua hist6ria
(1975) , 1 , 431
1 °
51
ss. (434) e elementos al indicados, bem
como ORLANDO DE
CARVALH O ,
A
teor ia geral da relacdo jur ldica I seu sentido e l imites
2
(1981), 76.
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 8/100
26 a boa fe no Direito civil
§ 1.. Introduccio
7
contraria, bastante comum e radicada, de modo directo, no positi-
vismo heckiano , cede perante a integracao sistematica actual, perante
o relevo substantivo da linguagem e perante um conhecimento efec-
tivo do evoluir recente da do gmatica civil . Aceitando e divulgando
a moldura pandectistica e redistribuindo, a sua luz, a materia privada,
GUILHERME MOREIRA
foi levado a nov os arranjos, a descoberta de
lacunas e necessidades ocultas e a interpretaca'o criativa de textos, na
aparencia estaticos. 0 fenOmeno documenta-se, por exemplo, pelas
posicOes que assumiu a propOsito da pressuposicao — logo retomada
por J.
G. PINTO COELHO —
impossiveis, end° com o hoje, a face da
Ciencia Juridica francesa.
Apesar de retrocessos pendulares, a Ciencia Juridica alema
que, ao cuidado de
GUILHERME MOREIRA,
iniciou uma difusao prolon-
gada no espaco portugues, caracteriza-se, em tracos largos, por pos-
tular urn sistema que, operando reducoes centrais, adm ite desenvolvi-
mentos perifericos, inovadores, tecidos face a problemas inesperados
para o m icleo inicial. Ha, aqui, urn m odo especifico de ser do Direito,
que a breve trecho abriria as portas a novos institutos e a solucoes
mais aperfeicoadas. Atraves do ensino ministrado nas Faculdades,
na direccao delineada por
GUILHERME MOREIRA e aceite, pela sua
superioridade tecnico-cultural m anifesta, por contemporaneos e suces-
sores, os juristas portugueses aprenderam a Ciencia evoluida a partir
da pandectistica. 0 fenomeno intensificou-se quando, gracas a
juscientistas
COMO MANUEL DE ANDRADE, VAZ SERRA e
ANTUNES
VARELA,
houve acesso directo a literatura alema. Um a elaboracao
autOnoma dos dados recebidos teve lugar, reforcada por PAULO
CUNHA
e GALVAO TELLES. Este cenario possibilitou a recepcao real
que o legislador de
1966
veio rematar.
III. A recepcao da doutrina alema nao foi linear. Contra
ela, jogaram m anifestacoes normais de continuidade cultural, ricas
em elementos tradicionais, com relevo para a exegese napoleonica.
Certos institutos permaneceram iritocados pelas correntes novas,
enquanto outros originavam sinteses variadas. 0 COdigo Civil,
embora integrado, de modo decisivo, na Ciencia do Direito,
originada por
SAVIGNY,
acusa, assim, uma va riedade de influencias:
a alema, junta-se a tradicao portuguesa do D ireito comum e o pensa-
mento frances, devendo acrescentar-se-lhe o figurino italiano, ele
proprio fruto de contributos gauleses e germanicos e de uma
elaboracao autonom a assente em estudos rom anisticos. Esta varie-
J
a
d
e
agravada, ate certo ponto, pela m ultiplicidade de jusperitos
que
intervieram na sua elaboracao, mas minorada nas reviseies suces-
sivas efectuadas ate ao projecto final, actua, no entanto, mais a n ivel
de institutos formais. 0 D ireito existe na sua Clencia, acessivel pela
aprendizagem. No dominio cientifico, as correntes culturais dispares
silo reduzidas a favor da tecnica mais apurada. M antem-se, contudo,
fracturas, corn reflexos na boa
f e :
a Parte geral do UK:lig° e o Direito
das obrigagoes ligam-se a Ciencia alema, enquanto o Direito das
coisas manteve relac6es mais estreitas com as ideias tradicionais;
a boa fe objectiva, em termos m uito gerais, liga-se a primeira e a
subjective, a segunda. .Na encruzilhada de contributos jusculturais
variados, a boa fe exprime a sintese complexa que, ao Direito civil
portugues, di uma identidade.
IV. Os bastidores que, numa aprendizagem prolongada por
geraceies de juristas, possibilitaram a substancialidade da codificacao
de 1966,
nao
tirain, a esta, a sua importancia. Por tenues que, a luz
de alguns entendimentos jusmetodolOgicos, se apresentem, os vin-
culos, entre a lei e o Direito, existem. Em certos circulos e
salvas situacoes de ruptura, onde a jurisprudencia, coin recurso, alias,
a boa
f e ,
em exemplos historicos conhecidos, como o da revalorizacao
monetaria, tern ensaiado saidas c o n t r a l e g e m ,
nao a possivel, aos juris-
tas, concretizar solucoes idoneas, seen previa adaptacao a nivel
de fontes.
0 C Odigo C ivil consagrou institutos que, embora adm itidos,
antes dele, sob pressio da do utrina, surgiam duvidosos, a m ingua
de apoio na lei. De entre eles, a maioria conecta-se corn a boa fe
objectiva: a culpa na formacao dos contratos, o abuso do direito e a
g d a a g
ec
e uoiin
a
a a
v
o
ez
dao
pr c
oo
v
nt
dro
to por alteracao da s circunstancias; outros
aspectos, como o da integracio dos contratos e a execucao das obri-
r
f
e
n
(
o
)
v
ados pelo legislador de
1966,
foram-no, ainda, a luz
, urn COdigo no vo torna-se o centro da acti-
vida
c
d
eju
ia
idica do sector. 0 entender do s seus textos incita ao estudo
a en
s Ciencia. A recepcao, iniciada com
GUILHERME
ficou
OREIRA,
nao
que
os corporiza; o aplicar dos seus preceitos torna-se a
efectivacao
d
essa
concluida em 1966; nessa data, principiou uma
(
4
) Confrontem-se as inovacEies introduzidas pelo Codigo Civil de 1966 , em ANTUNES
VARELA,
Codigo Civil cit.,
935-937: a grande maioria reporta-se, de facto, a boa fe.
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 9/100
28
a boa
fi
no Direito civil
§ 1 .° IntroducaO
9
fase nova no processo juscultural cujos frutos mais com pletos, a nivel
jurisprudential, comecaram a surgir nos tiltimos cinco anos, num
movim ento que deve ser intensificado.
0 COdigo Civil de 1966 nasceu sob o signo da boa fe. 0 seu
aproveitamento pleno nao deve tardar mais.
V. A existencia actual de movim entos poderosos de recepcio
juridica, que apenas aos poucos vao ganhando uma perspectiva
suficiente para se tornarem perceptiveis, contribui para enfraquecer
as barreiras nacionais e linguisticas entre as doutrinas co ntinentals.
A Ciencia do Direito, como Ciencia, desconhece fronteiras.
0 estudo do CO digo Civil e o conhecimento da Ciencia que o
produziu e que o vai, em termos evolutivos, aplicar. Justifica-se o
recurso a doutrina alema; mais do que urn prisma comparatista
destinado, a, atraves de 4cortes horizontais em sistemas juridicos*
diferentes, determinar o alcance dos principios (
5 ), ou, simplesmente,
a aumentar o conhecimento (
6
), procura-se um a apreensio directa
dos dados culturais que slo hoje patrimOnio alargado do Ocidente.
Outras doutrinas podem ser compulsadas, tambem , corn vantagem.
Mas se a utilizacao da doutrina europeia do continente nao vai
servir, aqui, uma perspectiva comparatistica frontal, esta deve ser
mantida como factor sindicante dos resultados obtidos (
7
). 0 Direito
portugues, apesar de alinhado, para m ais depois de 1966, por uma visa°
dominante oriunda de alem-Reno — mas que, por intensamente
romanica, nao a estranha a nossa cultura — recebeu outros contributos
e encetou elaboracoes prOprias, a acompanhar e incentivar. As
particularidades locais nao devem ser esquecidas, sobretudo quando
permitam soltiOes mais perfeitas. Havers oportunidade de apontar
excessos doutrinarios na transposicao de esquemas alem ies. Compete,
entao, ao D ireito comparado, detectar as clivagens impedientes e
definir as razoes da ocorrencia.
(5)
JOSEF ESSER,
Gru ndsa t z u nd N orm
in
der r ichter lichen Fortbildung des Privatrechts
(1956;
existem reediciies posteriores inalteradas), 28.
(6)
KONRAD ZWEIGERT/HEIN
Korz,
Einfuhrung in die Rechtsvergleichung auf dem Gebiete
des Privatrechts , I — Grundlagen
(1971), 14; WO LFGANG FIKENTSCH ER,
Gedanken zu einer rechtsver-
gleichenden Methodenlehre,
FS C. Heymanns Verlag 150. (1965), 141-158 (145).
(7) Cf W.
FIKENTSCHER,
M et hoden de s Rech t s in ve rg le ichender Dars t e l lu ng ,
1 (1975),
3 ss. (8).
3.
Postulaclos juscientificos
1. A Ciencia do Direito (
8 )
6
urn m odo vo luntario, sujeito
a
regras, de resolver casos concretos (
9
), aos quais, no momento
historic° considerado, seja atribuida a dim ensio da juridicidade.
Esta depende de factores divulgados, ainda quando discutidos, em
que nao cabe, agora, insistir. Tern natureza constituinte: fora do caso
concreto decidido, menos do que Filosofia do Direito — pois esta,
porque Filosofia, considerando o todo (
1 0
), nao esquece a sua reali-
zacao — ha especulacao teoretica que, mesmo iluminada, nao é
rD
ev
r
eel
T
t:
urn elemento. Mas nao se esgota na ordem, como dado:
o Direito positivo (
1 1
): existe na ordenacao social, de que
na sua onticidade, aberta ao exterior (
1 2 ), a pcssoa apreende o
Direito cuja existencia e a regularidade da sua concretizacao (
1 3 ).
Comunicada pela linguagem, a realidade juridica sofre uma apreen-
sac, intelectiva cuja elevacio, acima de meras
conjuncoes
de forca,
a situa no campo do espirito (
1 4
).
0 D ireito deve estar disponivel para a com unicacao e para a
aprendizagem. A complex idade das situacoes sociais, em que se
(8)
A expressio, como tern sucedido nas paginas anteriores, e usada cm sentido prOprio,
equivalence a Jur i sp rudenz, que inclui canto os aspectos teoreticos como a sua pratica;
cf.
RALF DREIER, Zur Theoriebildung
in der Jurisprudenz,
FS Schelsky (1978), 103-132 (104).
(9)
P. ex.,
HELMUT COING,
Die Au s legu ngsme t hoden u nd d ie Lehren de r a l lg eme inen
Hermeneutik
(1959), 23,
LARENZ,
Aufgabe und Eigenart derJurisprudenz, JuS
1971, 449-455 (450),
J. LLOMPART,
Jurist isches und Philosophisches Denken,
em Le raisonnement juridique (1971),
85-91 (86) e
RALF DREIER,
Zum Selbs tvers tandnis derJurisprudenz als Wissenschaft,
RTh 2 (1971),
37-54 (43 e 45).
(10)
Recorde-se
ARTHUR KAUFMANN, Zur rechtsphilosophischen Situat ion der Gegentvart ,
JZ 1963, 137-148 (138).
(n)
ERIK WOLF,
Des Problem der Natu rrechtslehre I Versuch ether Orient ierung
3
(1964),
126
SS., ARTHUR
KAUFMANN,
Gesetz und Recht ,
FS E. Wolf (1962), 357-397 (363) e
Analogie
und «Natur der Sache* / Zugleich em B eitrag zur Lehre vom Typus
(1965), 8 e, entre nos,
O LIVEIRA
ASCENSAO, 0
Direito Unfrock& e teoria geral2
(1980), 171. Noutra perspectiva, mas em
NIXLAS LUHMANN,
Posit ivital des Rechts als Voraussetzung einer modernen Gesellschaft
(1970) =
Ausdifferenzierung des Rechts / Beitrage zur Rechtssoziologie und R echtstheorie
(1981) ,
113-153 (113 ss.).
(
52
) MARTIN HEIDEGGER,
Seitt und Zeit'°
(1963), § 13 (62).
(13)
Utiliza-se, pois, a convolacio de
ERICH FECHNER,
Rechtsphilosophie / Soziologie and
Metaphysik des Rechts
2
(1962), 230, da formula heideggeriana sobre a existencia da lingua-
gem
— cf.
Sein
u.
Zei t ci t . , §§
34 e 35 (166 e 167) e, do mesmo A.,
Brief tiber den Humanismus
(1946) =
Wegmarken
(1967), 145-194 (149 ss.).
(14)
Einqsr von
H IPPEL, Zur Ontologie des Rechts,
StG 12 (1959), 69-76 (72).
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 10/100
30
a boa fi no
Direito civil § 1.° Introducio
1
exprime, exige a sua reducio (
1 5
): assiste-se, pois, a urn processo de
elevacio, com recurso aos tracos tipicos mais caracteristicos e a urn
reconduzir do conjunto aos vectores que o informem, de m odo a
permitir, seja um entender, seja urn decidir de novas situagoes: 6 a
dogmatica juridica. Nas palavras de
ESSER:
a dogmatica 6 o caminho
de tornar questOes de justica, nos seus diversos imbitos, juridicamente
operacionais (
1 6
). A dogmatica no constitui, apenas, um elemento
decisivo na captacio do material juridico; ela permite a verificacio
rational das soluciies encontradas e a sua critica (
1 7 ); pressupondo um
nivel organizatorio elevado da ordem juridica, ela deve servir as
necessidades da vida (
1 8
). Neste sentido entende-se, aqui, a dogma-
tica ( 1 9
) e nio num ou tro, algo difundido e fonte de confuseies pelas
criticas indiscriminadas que possibilita, no qual dogm atica se identifica
corn axiomatismo ou con ceptualismo, postulando uma deducio
logica de proposicoes a partir de um nticleo central, e culminando na
(1 5 )
N I I L L A S
LUEIMANN,
Vertrauen / Ein Mechanismus der Reduktion sozialer Kompleziat
(1973), 1 ss. (5), Legi t imat ion durch Verfahren
2
(1975), 38 ss. c
Systemtheoretische Beitreige zu
Rechts theor ie (1972) =
Bei trale
cit . , 241-272
(270
-
71); cf . KARL Lerma,
Die Bindung des Rich-
.
tern an das Gesetz als hermeneutisches Problem,
FS Er. Htler (1973), 291-309 (293)
e Methodenlehre
der Rechtswissenschaft
4
(1979), 210 ss. (213) e JURGEN HABERMAS,
Eine Ause inanderse tzung mi t
Ni k l a s Lu hm a n n
(1971):
Systemtheorie der Gese l l schaf t oder K ri t i sche Gesel l schaf ts theorie? = Zur
Logik der Sozialwissenschaf tens
(1982), 369-502 (378).
(16)
JOSEF ESSER,
Mo g l i chk e i t en u n d G ren zen d e s d o g m a t i schen Den k en s i m m o d ern en
Zivilrecht,
AcP 172 (1972), 97-130 (113); cf . 0 . BACHOP,
Neue Tendenzen in der Rech tsprechung
zu m Erm essen u n d zu m Beu r t e il u n g ssp ie l ra u m ,
JZ 1972, 641-646 (641).
(17) E S S E R ,
Dogmatisches Denken ci t . , 101,
L A R E N Z ,
Entrvicklungstendenzen der heut igen
Zivilrechtsdogmatik,
JZ- 1962, 105-110 (105) e DIETER DE LAZZER,
Rechtsdogmatik and Kompro-
miss formular ,
FS J. Esser (1975), 85-112 (105). Na perspectiva particular de THEODOR
V I E H W E G ,
Zwei Rech tsdogmatiken,
FS Emge (1960), 106-115 (107), a dogm atica, nunca deixando
o
ao assume natureza ztretica. Recorde-se que a zetitica, na terminologia
de VIEHWEG, perante urn problema, estuda nao o esquesna da dells
-
o, mas o da investigacio;
cf . , dole ,
Systemprobleme in Rech tsdogmatik und Rechuforschung,
FS OLG Zweibriicken (1969),
327-338 (331) = St. sue Wissenschafstheorie (1968), 96-104 (cita-se pelo primeiro local).
Em ILMAR TAAshmo, Zete t i sche Verfahren fur juri s t i sches Au fweisen,
RTh 9 (1978), 421-428
(422), ut i l iza-se a zet f t ica num sent ido nio coincidence, de modo rigoroso, com o de VIEHLVEG:
os processos zetit icos assegurariam a materialidade do pensam ento, por oposicio a mesa logi-
cidade; cf . porem,
at,
423 .
(1 8)
NIXLAS LUHMANN,
Rechtssystem and Rech tsdogmatik
(1974), 17 e 15;
cf. rec. de
JURGEN Scmamr, RTh 5 (1974), 223-228.
(1 9 )
Ensaiou-se esta orientacio em MENEZES CORDEIRO,
A si tuacdo juridica laboral ; pers-
pec t i va s d o g m d t i ca s d o Di re i to d o t ra ba l ho ,
sep. ROA 1982, 11-12;
cf.
K U R T B A L L E R s T R D T ,
Problem, einer Dogmatik des Arbei tsrechts,
RdA 1976, 5-14 (6).
subsunoo
(2o) A dogmatica radica na positividade do Dircito.
se
in ela ou, pelo menos, sem utilizar os elementos postos, por ela,
disponibilidade do estudroso, qualquer debate e alheio ao Direito
e
I
Iu
a C
i8u
e
c l
:cao dogmatica global da ordem juridica di lugar
ao sistema. 0 amb ito e o teor dos comportamentos, proibidos ou
prescritos, em termos de Direito, a comunicado aos sujeitos actuantes
mediante proposicoes: as normas (
2 1
) .
Estas, por agora, podem ser
entendidas como apoio dogmatic° da decisio do caso - a norma
do caso (
2 2
) - como •egra generica ou como possibilidade de a
e
ncontrar. Em qualquer hipOtese, traduzem a abstraccio de accOes
juridicamente relevantes, podendo, pelo alargar de pontos comuns
que as transcendam, tornar acessivel a ideia dos principios. Arruma-
das em fungi() de urn - ou mais - pontos de vista ordenadores,
as normas e os principios dao lugar ao sistema juridico (
2 3 ).
Adiante-se ja que este compreende dois aspectos - o da exposiclo
2 9 P.
ex.,
ULRICH MEYER-CORDING,
Kann der Jurist heute noch Dogmatiker scan? Zum
Selbstverstandnis der Rechtswissenschaft
(1973), 20 e 47-49, p. ex.. Quanto a sreabilitacio. da
dogmatica, cf.
SEIROS Simms,
Die Bedeutung von System and Dogm atik - dargestel l t an rechtsge-
schaf t l ichen Problemen des M assenverkehrs,
AcP 172 (1972), 131-154 (147 e 154), onde, no
entanto, ao l igar-se a justeza
dogmatica a
racionalidade formal, nit> se enfoca o
seu
contoldo
material, nos niveis do entendimento, da
decisio
e do controlo e FRANZ BYD LINSKI,
Gedanken i lber Rechtsdogmat ik ,
FS Hans Floretta (1983), 3-15 (3 e 14-15). A dogmatica nao pude,
por si , obter todos os conhecime ntos da realidade social; estes sao necessirios I aplicacio do
Direito - REINHARD DAMM, No rm u n d Pa k tu m i n d e r h i s to r i schen En tw i ck l u n g d e r j u r i s t i sche
Methodenlehre,
RTh 7 (1976), 213
-2 4 8 (2 1 3 )-evendo
-
e, por isso, lecorrer a outros ramos
do saber - do mesmo A., •Dialek tik der Auflekirup / Zum Erfordernis der K ooperation zivischen
Juri spruaenz u nd Sozialwissenschaf ten, JZ 1972, 309-311 (310 e 311); cf . KLAUS F. Rout,
Aufkle-
rung sta tt Dialetik ,
JZ 1972, 311-312 (312).
( 2 1 )
H A N S H A F E R K A . M P , Entstehung and Entwicklung von Normen,
ARSP 67 (1981),
2 1 7 -2 3 2 (2 1 9 ) , embora num pri sms soc io log ic ° mais marcado.
(2 2 )
FnamscHER,
Methoden
4 (1977), 202 ss .; cf . as observasoes de LARENZ,
MethL 4
75 ss . .
(23)
CLAUS-WILHELM CLIMB'S, Systemdenken and Systembegri f f in der Jurisprudenz co-
wukel t am Beispiel des deutschen Privatrechts
2
(1983), 11 ss . , corn rec. de J. ESSER, RabelsZ 33
1969), 757-761 e
de
W I E A C X E R ,
RTh 1 (1970),
107-119, ambas a 1.' ed., de 1969; a de
WLEACXER surpreende pelo torn crit ico, elevado na forma e m odest () na substdncia - cf
p.
ex .,
RTh 1970, 118 e 119 - sendo curioso coteja-la corn a rec. a ESSER,
Grundsatz tr. Norm cit.
- WIRAczER,
Gesetzesrecht and richterliche Kunstregel, JZ
1957, 701-706 - e corn o livro antigo,
eambim de WIEACKER,
Zum
System des deutschen Vermogensrech ts / Erwi tgung und Vorsch lage
(1941), 5 SE.
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 11/100
32
a boa fe no Dire i to c iv i l
1.° In t rodufao
3
e
o do teor decisOrio material — cindiveis, para efeitos de analise, na
linha de HEC K, em sistema externo e interno, mas corn estreitas
relacoes de dependencia entre eles, de modo a constituir uma sintese
Ontica inseparavel.
Expresso pensada da ordem juridica, a qual, por seu turno, se
liga a ordem social, o sistema a possivel porque a sociedade — logo
organizacao humana — ex iste (
2 4
). No a um mero conjunto resul-
tante da soma dos seus elementos basicos individualizados: tern exis-
t'encia prOpria, dada pela estabilidade do conjunto, expressa na repe-
ticao das suas m anifestacoes e e, ele prOprio, constituinte; integra,
alias, a Ciencia do Direito. Afasta-se, pois, uma visa° sociolOgica
mais marcada, em que o sistema juridico surge como integrante do
sistema social (
2 5
): ele releva, nos termos ontolOgicos de ERNST von
HIPPEL, ji assinalados (
2 6
), do espirito e, constitui, sendo produto da
Ciencia criativa humana, sujeita a aprendizagem, corn o Direito, urn
dado cultural (
2 7
). Recusa-se, tambem, urn sistema como mero
agregado lOgico-conceptual: abstraido da ordem juridica, logo social,
em termos de reduca 'o, ele comports a substancialidade decisOria e
legitima d ecisoes novas. A derivacao de
HAB ERMAS,
assente num
Direito orientado numa politica moral (
2 8
), no que pode ser enten-
dido como outra leitura sociolOgica (
29
), tao pouco pode ser utilizada:
( 24 )
LUHMANN,
Rechtssystem c i t . ,
12 — fala em sistema de accoes —
Ausdifferenz ierung
des Rechtssys tems ,
RTh 7 (1976), 121-135 "(121) =
Beitrage
corn o mesmo nome cit., 35-52
(cita-se pelo primeiro local) — fala em sistema de com unicacOes sociais —
e Komm unikat ion f iber
Rech t in Interakt ionssystemen (1980) =
Beit rage
cit . , 53-72 (65) — fala em subsistema da socie-
dade — m anifestando; dente modo v ariado
*
as bases integrantes do sistema juridico. Cf., tam-
bem,
WERNER KRAWIETZ,
Juri s t i sche Entscheidung und w issenschaf t l iche Erkenntni s / Eine Unter-
suchung zu m Verhal tni s von dog rnat i scher Rech tswissenschaft und rech tswissenschaf t l i cher Grundla-
genforschung
(1978), 88-89.
(25) Algumas afirmacoes de N.
LUHMANN Vi0
nesse sentido — p. ex., Rechtssystem
cit.,
11 e 12; cf.
J. SCHMIDT,
RTh 5 (1974), 223 — embora possam ser entendidas mais
como um a cr i tics ao sistema como co njunto de conceitos, do que como sociologismo primir io.
(26)
Supra 29
14
.
(27)
Recorde-se
ARNOLD GYSIN,
Rechtsgedanke und Ku l turgodanke im Verhal tni s von Gese t -
zesethik und Wertethik,
em
Rechtsphi losophie und Grundlagen des Privatrechts (1969), 96-125,
(97, 122 e 124), focando, no entanto, o que tern por exigencias diferentes do Direito e da
cultura, que traduzem apenas a especificidade daquele, dentro desta.
(") Portanto numa auto-reflexio intrapolada de uma consciencia de actuacbo sistemi-
tics econdmica sociologica e politica; cf J.
HABERMAS,
Erk en n tn i s u n d I n t e re sse
(1981),
79, 85, 213-214, 261 e 400, p. ex..
(29 )
HELMUT SCHELSKY,
Die Soziologen und das Recht,
RTh 9 (1978), 1-21 (12 ss. , 16).
nao
conduz ao sistema juridico — logo dogmatic° — por nao
comportar o ma terial decidendo do caso con creto. Nem pretende
faz
e-lo.
W. 0 processo juscientifico a dito em crise (
3 0
). A afirmacao,
repetida, a nao ser ja uma formula vazia , radica em dois polos distintos,
sediados, urn na prOpria metodologia juridica em si, e outro, no nivel
mais vasto do sentido das Ciencias Humanas.
A metodologia juridica sofreu, neste seculo, a falencia do concep-
tualism° — reducao d o sistema a conceitos, corn recurso simples a
lOgica formal — o fracasso do positivismo legalista exegetic° — solu-
cao de casos concretes corn recurso a lei como texto — e os O bices
da subsuncao — passagem mecanica, passiva, do facto para a previsao
norrnativa, de modo a integrar a prem issa menor do silogismo judi-
ciario. A critica ao pensamento pressuposto nestes ties pontos a facil;
esti concluida, alias, ha m ais de meio seculo (
3 1
), em termos que
ninguem contraditaria. Surpreende que, ate hoje, se retome, a cada
passo, sem intencio de colocacOes histOricas, uma argumentacao
contra teses ha tanto derrotadas (
3 2
). Duas justificacoes para tal
insOlito: batidas na teoria, as orientaceies conceptualistas, positivo-
-legalistas e subsuntivas, reapareceriarn na pritica jurisprudential;
carentes de autonomia existential, as teses que as substituam n ecessi-
tam, para se afirm ar, de partir da negativa. Estas razoes sao debeis.
A sobrevivencia pratica dos esquemas tao criticados nao a linear:
o seu colapso adveio, na generalidade, da demonstracao da sua impra-
(
30 ) P. ex.,
JosEF ESSER, Zur M ethodenlehre des Z iv i l rech ts ,
StG 12 (1959), 97-107 (103)
e W. KRAWIETZ, Zur
Einle i tung: Juri s t i sche Konstrukt ion, K ri t i k und Krise do gmati scher Rech tswis-
senschaft,
em
Theorie und Technik d er Begri f f s juri sprudenz
(1976), 1-10 (5) e, entre nos, embora
corn sentidos e fitos diferentes, CASTANHEIRA NEVES,
Questdo-de-fac to — quest io-de-di re i to ou
o problema m etodologico da juridicidade (Ensaio de uma reposicdo cri t ica) I— A crise
(1967), 62
e
pass im
e Gomm CAtrortmo,
Const i tuicdo di r igente e v inculacdo do legi s lador / Contributo pare a
compreensdo das norm al const i tuc ionais programkicas
(1982), 7-9.
(
3 2
) Por autores como
VON
Bikow, KAmorrowrcz, Focus, Isnx e
HECK,
numa linha
juspositiva, e por
STAMMLER, ERICH KAUFMANN, BINDER
e
LARENZ,
na primeira parte da sua obra,
numa l inha metajuridica. Hayers oportunidade de refer ir , de modo mais detido, o pensamento
dos autores em causa.
(
32
)
Qllartd0 VIERWEG,
Topik und Jscrispnidenzs
(1974), § 7 (81 ss.), para chegar
topica juridica, retoma as crfticas ao axiornatismo, sujeita-se, nas observacoes de UWE
DIEDFIRICSISEN,
Topisches and systematisches Denken in der Jurispru denz,
NJW 1966, 697-70 5 ,
(700, 1.' col.), a lutar contra moinhos de vento.
3
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 12/100
34
a boa fe no Direito civil
§ 1.° Introduciio
5
ticabilidade
(33)
A impossibilidade de afirmacao, pela positiva, de
urn pensamento novo, nao e crivel: decenios intensos de tentativas
confluentes tinham, a evidencia, oportunidades largas de criar uma
linguagem alternativa. Resulta, daqui, a imagem da crise: sem
razoes validas, o discurso metodo l6gico comu m parte de criticas
a concepcOes indefendiveis — e, a born ver, nun ca assumidas, corn
clareza, por ninguem — deixando, pela aceitacao, nessas censuras,
do espaco e dos quadros removidos de contend°, um a fraqueza expo-
sitiva, no cam po da reconstrucao. E porque, arvorada em percurso
obrigatorio, a critica ao conceptualismo decorre em moldes m eta-
cientificos — isto 6, sem atender as solucoes reais — chega, ao termo,
sem contributos dogmaticos. A Teoria do Direito — como discurso
sobre a metodologia — constitui uma segunda abstraccao perante a
ordem juridica, num esquema em que a primeira advem do sistema:
implica um metaplano de averiguacOes sobre as abstraccoes, obtidas
por reducao dogmatica
(
34
). A presenca de niveis superiores de
discuss
-
a°, face a realidade investiganda, conduz, como a natural,
a possibilidade de discursos autOnom os, num afastam ento crescente
do objecto de investigacao. Quando um desenvolvimento desse tipo
incidiu no piano sistematico, desembocou-se no conceptualismo.
Esta derivaca'o artificial foi superada pela critica; mas manteve-se
— com o se mantem, agravada mesmo, pela natureza te6rica das
criticas movidas em permanencia, as construcoes anteriores — uma
aporetica no sector metassistematico, isto 6, no discurso metodologico.
Evite-se, pelo desgaste, falar de crise. Mas ha, pela manutencao
de desenvolvimentos metassistematicos, sem conexao corn o Direito
aplicavel, urn cientismo estranho it dogma tica e logo
it
metodologia
real. Neste pont°, que traduz a inoperancia dos desenvolvimentos
te6ricos em yoga, face
it
necessidade de solucoes reais, reside a
fraqueza do processo juscientifico actual. 0 diagnostico, que aqui se
antecipa, pois, por definicao, s6 a dogm atica juridica, demonstrando
a disparidade entre afirmacoes metodolOgicas e saidas concretas, pode
comprovi-lo, sera traduzido pela ideia de irrealismo metodologico.
(33)
Recorde-se que o essential das criticas
a
metodologia conceptual , corn as sequelas
conhecidas, assents na demonstracio da existencia de lacunas e de enormas carecidas
de
preenchimenton e na inoperacionalidade do emetodo da inversion.
( 3 4)
Cf. N. Lurtunror,
Rechtssys tem
cit., 12-13 e
Selbstre jiexion des Rech tssysterns /
/ Rechtstheorie its gesellschaftstheoretischer Perspektive,
RTh 10 (1979), 159-185 (159) =
Beitrdge
cit., 419-450 (cita-se pelo primeiro local) e
THOMAS SCHLAPP,
Zur Unterscheidung von Objekt-
sprache und Metasprache,
RTh 10 (1979), 502-505 (502 e 503).
O
s e
gundo polo da crise — como se disse, ele alarga-se as Cien-
c i a s
H
u
manas prende-se com diferendos ideolOgicos. A presenca
(
t
e s
tes, ainda que como hipotese, 6 inevitivel em qualquer sociedade,
dada
a
impossibilidade de, no limite, os dirimir corn argumentos
absolutes. 0 Direito nao lhes escapa: traduzindo o racionalizar
de fracturas intra-sociais, que constituem os litigios postos t sua apre-
e i
a
cao, ele equivale ao institucionalizar de urn donunio, por alargado e
co
nsensual que se apresente (
3 5
). Enquanto os conflitos ideolOgicos
tiverem saida juridica
—
taxime
constitucional — o Direito pode
e
nquadra-los, ate ao limiar de uma Revolucao; nao mais do que isso.
Em termos reais, o problema pode ser minimizado, no palco
dogmatic°. Ha, neste final de seculo, salvas situacOes pontuais de
descompressio, sinais de dedinio de confrontos ideolOgicos puros,
reduzidos a expressoes de luta pelo poder, corn ou sem ligacao
aos blocos. Uma dogmatica dinamica deve ter capacidades de aderen-
cia a realidade, enquanto o convergir de sociedades tecnicas reduz a
margem de oscilacio. A possibilidade de evitar rupturas depende,
em Ultima analise, da margem constitucional, face a abertura da socie-
dade correspondente. 0 restringir progressivo das ideologias, apli-
cadas a temas de exercicio e natureza do poder ou a aspectos quanti-
tativos da apropriacio, deixa o Direito civil numa area pouco sensivel,
sobretudo no domino das obrigacoes, cujo regime, oriundo de R oma,
tern sobrevivido aos sistemas politico-sociais mais diversos
(
36).
Crises do Direito, de origem ideolOgica, a haver, manifestar-se-iam,
assim, no campo constitucional, embora seja de notar, por uma
amostragem national e estrangeira, que face a constituiOes conside-
radas idOneas, a tendencia Ira para o reforco da
interpretac5o
conven-
tional,
num neopositivismo juridico-constitucional, ao arrepio do que
sucede no Direito privado. No entanto, como instincia de controlo,
o piano ideoleigico nao deve ser esquecido: nas a reas de largo consenso,
como no da liberdade ou no da igualdade, ele pode reforcar
(3 5 )
Cf.
JURGEN HABERMAS,
Technik und W issenschaf t als eldeologieol l (1981), 48 ss.:
Quanto a crise da eauto-compreensioe do Direito, crise interna e ideologias, cf.
FRANz
W
mem,
Von M azes and Nachte i l des Szient i smus in der R ech tswisse tuchaf t ,
FS
Schelsky (1978),
745-764 (746 e 747 ss.).
( 3 6)
Veja-se a permanencia do BGB na DDR
— ' C L EMENS P L EYER ,
Die Bedeutung von
. Sy s t em u n d Do g m a t i k f u r d i e Rech t s f ra g en d e s Ma ssen verk ehrs i n d e r DDR,
AcP 172 (1972),
155-171 (155) — apesar das alterao5es sofridas, ate ao ZGB de 1975; este ultimo diploma man-
tern, nas obriga45es, os quad ros romanisticos; nao se esqueca, porem, o papel diferente apon-
tado ao Direito, nas sociedades socialistas do Leste europeu.
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 13/100
36-
a boa
fe
no Direito civil
§ 1.°
Introthicilo
7
a jussubjectivacao ou a proscricao do arbitrio, base de qualquer
sistematica, por exem plo; nas areas de consenso menor, ele deve
permitir uma maleabilidade acrescida de saidas, como forma de man -
ter o essential.
IV. A C iencia do Direito — n um produto, ainda nao assum ido,
do irrealismo metodolOgico — tem consciencia das insuficiencias da
dogm atica classica; a partir dal, porem, perde-se uma inequivocidade
de orientacoes (
3 7
). Nao cabe aq ui referir o seu processamento, m as,
tao
so, sublinhar os tracos mais salientes que enquadram o desenvol-
vimento que segue, no qual, imanente, se encontra uma imagem mais
completa.
A consideracao do Direito como modo de solucionar casos
concretos, ja justificada, constitui urn cerne imprescindivel, do
qual, aos poucos, surge uma consciencia (
3 8
). Nao ha outra forma de
superar o irrealismo metodolOgico. No domino hermeneutic°,
sobressaem os fenOmenos do pre-entendimento e do circulo ou espiral
de pensamento. No cam po funcional, .sobrelevam as unidades pre-
visao-estatuic'ao e interpretacao-aplicacao, enquanto as co ncepc5es
teleolOgicas das n ormas, elas pr6prias, ji, um a superacao do con -
ceitualismo traditional, devem ser com plementadas pelas estruturas
(37)
Cf. R.
DREIER,
Zur Theoriebi ldung
in
der Jurisprudenz
cit., 103,
ILMAR TAMMELO
Was ist von der Rechtstheorie heute zu erwarten?
RTh 11 (1980), 9-15 (9).
(38)
Cf.
HEINRICH HENKEL,
Recht und Indiv idual ikt
(1958), 12, Jose
ESSER,
Ink-
ressenjurisprudenz heute,
Judi) 1 (1960), 111-119 (111),
MARTIN KIUELE,
Theorie der
Rechtsgewinnung entwickel t am Problem der Verfassungsinterpretation
(1967), 43 ss.,
LARENZ,
Fall-Norm-Typus Eine rechtslogische Studie,
FS Glockner (1966), 149-164 (153) e
Wegweiser
zu richterl icher Rechtsschopfung / Eine rechtsmethodologische Untersuchung,
FS Nikisch (1958),
275-305 (297),
WERNER ROTHER,
Elemente und Grenzen des zivi lrechtlichen Denkens
(1975),
12 e
HUBERT
Rarri.zuenut,
Pladoyer far eine empirische Argumentationslehre,
ARSP BH NF 14
(1980), 87-118 (118).
HANS ALBERT,
Traktat f iber rationale Praxis
(1978), 22 ss. e 65 ss. (67-68),
fixa que «a Ciencia do Dircito parece, desde a sua origem, ser uma ciencia virada, em grande
medida, para a pratica, tendo uma doutrina cientifica, orientada num puro interesse
de conhecimento, urn significado escasso..
MARTIN KRIELE,
Recht and praktische Vernunft
(1979),
18, sublinha, a prop:nit°, a clivagem entre
scientia e prudentia:
esta, embora ligada I
primeira, por nao poder dispensi-la, tem sempre, como subquestio, temas facticos.
WERNER
KRAWIETZ,
Das posi t ive Recht und seine Funktion / Kategoriale und methodologische (Jberlegungen
zu eines funktionalen Rechtstheorie
(1967), 16, considera que «o pensamento juridico da actualidade
deve orientar-se mais fortemente para a facticidade da sociedade industrial modern
.
Cf., ainda o prolog° de W.
MAIHOFER I
sua colectbnea
Begri f f und Wesen des Rechts
(1973) ,
IX-XXXVIII, bem como
CASTANHEIRA NEVES,
A
unidade do sis tema juridico,
Est. T.
Ribeiro, II (1979) 73-184 (73 ss.).
de u
rn discurso sin6pico, dirigido ao ponderar das consequencias da
numa linha de consenso.
Destes temas, inesgotiveis, propoe-se o use que segue.
A ideia de pre-entendimento (
3 9
) poe a nil a realidade herme-
n8 (40). Perante urn texto, o sujeito cognoscente apreende-o
pourticcoanhecer, de antemao, a materia nele tratada e a linguagem que a
carreia (
4 1
). 0 sentido final do texto surge como produto do encontro
das prefiguracoes do interprete corn o material percebido, reinte-
g
rado no seu espirito. E o circulo, ou, m elhor, espiral hermeneutica,
um
a vez que o sujeito tera de efectuar tantas idas e regressos,
quantos os necessarios para integrar pre-entendimento e entendi-
mento (
4 2
). No Direito, o circulo hermeneutic° testa na relacio das
colocaceies de problemas corn as respostas, no entendimento de
normas, portanto, no facto de que, sem pre-julgamento sobre a
necessidade de ordenacao e a possibilidade de solucio, a linguagem
da norma nao poder, de todo em todo, dizer o que 6 perguntado:
a solucio ajustada) (
4 3
). Estas consideracoes, evidentes, depois de
formuladas,
dio
urn lugar significativo aos aspectos histOricos, inter-
rompidos dura nte o iluminismo: pelo seu peso no pre-entendimento,
reabilita-se a tradicao (
4 4
) — a experiencia, no domino da aplicacao
jurisprudential (
4 5
) — num fenO meno a ter presente, para a limpidez
da consciencia cientifica. 0 processo de aprendizagem mostra, a nivel
de dead°, o seu papel fundamental, no m odelar do pre-entendimento,
enquanto a interpretacio assume, de vez, o aspecto activo da comtmi-
(39)
Prefere-se, para exprimir o
Vorverstandnis,
o termo pre-entendimento a «pre-
-compreensio., usado por
CANOTILHO,
Constituicio dirigente, cit.,
11 ss.: comprecnsio traduz,
dum conceito, o conjunto das caracteristicas que the podem ser reconduzidas. Embora correcta
em si,
a
tpre-compreensio. presta-se, assim, a confusoes evitiveis. A descoberta da
4pre-
-
strutura
do entender. deve-se a
HEIDEGGER,
Sein u. Zeit cit., §§
32 e 63 (148 ss. e 310 ss.).
(40)
0 aproveitar hcrmeneutico, em t‘rmos efectivados, pertence, sabidamente, a
HANS-
-GEoac
GADAMER,
W ahrhei t und Methode 4
(1975), 250 ss., que veio aclarar aspectos intuidos
pelos juristas.
( 4 1 )
LARENZ,
MethL
4 cit.,
185;
FRIEDERICH MULLER,
Normstruktur und Normativi tat I
I Zum Verhaltnis von Recht und der juris tischen Hermeneu tik, entwickelt an Fragen der Verfas-
sungsinterpretation
(1966), 50; JOACHIM HRUSCHXA,
Das Verstehen von Rechtstexten
(1972), 43.
( 4 2 )
LARENZ,
MethL
4
cit., 184.
(43)
Jose
ESSER,
Vorverstandnis und Methodettwahl in der Rechtsfindung IRationalitatsgrund-
l a g e r *
richterlichen Entscheidungspraxis
2
(1972), 137; sobre esse livro, cf.
HANS JOACUIM KOCH,
Zur Rational i tat richterl ichen Entscheidens,
RTh 4 (1973), 183-206 (197-198).
(44)
GADAMER,
Wahrhe i t u . Me thode
4
cit., 256 ss. e 261 ss..
(45) Cf.
LARENZ,
MethL 4
cit., 187-188.
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 14/100
38
a boa fe no D irei to c ivi l
I.° Introducdo
9
cacao entre o sujeito e a fonte (
4 6
). 0 fenOmeno do pre-entendi-
mento juridico nao se queda pelo apreender de textos: a deteccao dos
problemas carecidos de regulacao — que vai, de si, corn a prOpria
regulacao — e, em grande parte, obra dos pre-julgamentos do inter-
prete-aplicador. As perspectivas desta instrumentacao, a aprofundar
nos prOximos anos, ji que, so aos poucos, a tematica, nao nova, vai
chegando a dogmatica, sao consideraveis. Explicam a intuicao judi-
cial no encontrar, com deficiencias de fundamentacao, de solucoes
acertadas e permitem alargar as potencialidades sindicantes do sistema.
Como se anteve, o relevo do pre-entendimento
é
maior face a fontes
pouco expressivas, como as que remetam para a boa
f e .
A unidade da previsio e da estatuicao normativas (
4 7
) e a
inseparabilidade d as classicas interpretacao e aplicac 'alo (
4 8
), no pro-
cesso juridico decisOrio, conectam-se corn o relevo do caso concreto
e corn a tematica do pre-entendimento. Face a uma fonte, o sujeito
dirige-Ihe uma interrogacao real, em termos problematicos, visando,
com consciencia ou sem ela, encontrar uma resposta para um caso,
ainda que hipotetico. Interpretar e decidir esse caso. Tudo joga:
o caso e a norma, o pre-entendimento de ambos, a vontade cons-
tituinte, o circulo e a solucao. A descoberta de operaciies diferenciadas
pode ser meritOria como modo de, por reducoes excessivas, evitar
empobrecimentos jusculturais do
instrumentarium
disponivel. Mas a
fragmentacao obtida deve ser destruida por nova sintese, no processo
(46) Cf.
LARENZ,
Die Bindung des Richters an das Gesetz
cit., 292.
(47)
Defendidas ji, entre nos, por
ISABEL DE MAGALHAES
Conn°,
Da qu a l f icac io em
Direito internacional pr ivado
(1964), 31 e por
CASTANHEIRA NEVES,
Questi to-de-facto
cit., 408-409,
em termos a examinar posteriormente.
( 4 8 )
GADAMER,
Wahrhe i t u . M e t hode
4
cit., 291, explicando a unidade do entender, do
interpretar e do aplicar;
G A D A M E R
considera, na hermeneutica jurfdica, urn significado exemplar
para a hermeneutica em geral, afirmando: rr ik tarefa da interpretacao e a da concretizacio da
lei em cada caso, portanto a tarefa da aplicaciov; cf.
Wahrheit u. Methode
4
cit., 307 ss.
(311 e 312),
LARENZ,
M e t h L
4
cit., 189 ss. e
Au fgabe u nd E igenar t d e r J u r i spru denz
cit ., 453
e F.
MULLER,
Normstruk tur
cit., 39.
LARENZ,
M e t h L
4
cit., 191, acaba por considerar, em
GADAMER,
urn minim izar do papel de bitola da norma juriclica, corn o subsequente avaliar ,
por criterios identicos, de todos os casos.
ificil, nestes termos, tomar posicao entre
LARENZ
e
GAMBLER:
este Ultimo nao dogmatiza o seu pensamento, i.e, nas palavras, ji
referidas, de
ESSER,
nao o toma juridicamente operacional, de modo a poder comprovar-se a
critica que the é dirigida. Pode, no entanto, dizer-se que, em abstracto, o reconhecimento
de uma unidade ontica entre interpretacao-aplicacao nao impede a manutencao do m omento-
-bitola-generalizacao, constituinte, embora nao exclusivo, do todo. 0 mecanismo da aplicacio
pode, em qualquer caso, coin
LARENZ,
M et hL
4
cit., 192, dizer-se de dialectic°. Evita-se a
locucao, pela multiplicidade de sentidos que, de
ARM
I : S T E L E S
a
H EGEL,
ela assume.
de conhecimento, que, assumindo, das operacoes analiticas previas,
os aspectos relevantes, exprima, no final, uma realidade diferente, mais
rica, do que os elementos antecedentes.
A ponderacao teleolOgica das proposicoes juridicas, corn raizes
no utilitarismo, de
BENTHAM a
JHERING,
foi reanimada pelo psicolo-
gismo bierlingiano, ao focar a necessidade de indagar o escopo pros-
seguido pelo legislador (
4 9 ). Objectivada, a interpretacao teleolOgica
ordena-se, hoje, por operar de acordo corn os fins e as ideias funda-
mentais da regulacao considerada (
50
). Ora, numa conexao que, a min-
gua de investigaceies globais, nao tem sido feita, mas a significativa,
urn debate sobre a teleologia da norma e o avaliar das consequencias
da aplicacao, portanto, da decisao, sob pena de metadogmatismo,
dada a integracao, no sentido gadameriano, entre entendimento,
interpretacao e aplicacao. A necessidade de, na apreciacao da justeza
da regra, ponderar, da sua efectivacao, as consequencias sociais,
enfocada, de modo repetido, por PonucH (
5 1 ) e aproveitada, por
TEUBNER,
na exigencia de uma dogrnitica responsiva (
5 2
) que, num
modelo cibernetico, trabalhe na base da seleccao e apreciacao das
respostas que, da periferia, receba como efeito das propostas que
dimane, constitui um dado importante (
5 3
) no dominio da Ciencia
actual. Pode, assim, desenvolver-se toda uma metateoria — pois
incide sobre dados previamente teorizados, para o caso, dogm atizados
— qu e averigua efeitos, opensando em consequencias», a cujo conjunto
de regras se vai, na linha de
FIKENTSCHER,
chamar de sinepica (
54 ).
( 4 9 )
ERNST RUDOLF BIERLING,
Jurist ische P rinzipienlehre,
4 (1911, reimpr. 1961), 276,
numa orientacio a examinar posteriormente, pelo prisma da boa fe.
( 50 ) L AR EN Z,
M et hL 4 cit., 321,
JURGEN BAUMANN,
Einfi ihrung in die Rechtswissenschaft
6
(1980), 95-96.
(
5
9 ADALBERT PODLECH,
Wertungen und Werte im Recht,
AoR 95 (1970), 185-223
(198 ss.)
e Recht und Moral,
RTh 3 (1972), 129-148 (138).
( 5 2 ) GUNTHER TEUBNER,
Folgenkontrolle und responsive Dogmatik ,
RTh 6 (1975), 179-
-204 (182 e 200-201).
(53) Cf. ERICH DoHRING,
Die gesellschaftl ichen Grundlagen der jur is tischen Entscheidung
(1977), 33 e
REINHARD DAMM,
Norm und Faktuni in der historischen Eutwicklung der jurist ischen
Methodenlehre,
RTh 7 (1976), 213-248 (228).
( 5 4 )
FIKENTSCHER,
Methoden
cit ., 5 (1977), 30 e 32
e Synepeik und eine synepeische Defi-
nit ion des Rechts,
Entstehung und Wandel (1980), 53-120 (57-58 e 85, p. ex.,). 0 termo
f ilia-se no grego
cruvendlievov —
consequencia;
FIKENTSCHER,
numa ligacio corn
synepeia,
propee como transposicao rigorosa, <,sinepeica», —
Synepeik ci t . ,
58 1 0
— desagradavel a pro-
nUncia portuguesa. Propoe-se, pois, o neologismo csinepicv.
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 15/100
40
a boa fe no
Dire i to c iv i l
1.° Introductio
1
Explicite-se, por fim, que se o alicercar, nestes pressupostos, da
Ciencia do D ireito, aumenta o a mbito onde se m ove o interprete-
-aplicador —
tnaxime,
o juiz — isso di-se antes a nivel de conscien-
cializacao de uma ordem de factos ji existente, do que no preconizar
de nova distribuicao, a nivel de poderes do Estado. A decisio
juridica, porque dogmitica, é controlivel. A praticabilidade do con-
trolo assenta na obrigatoriedade da sua fund amentacao (
5 5
). Se a
sua legitimidade, mais do que num processo institucionalizado em
termos de, dele, retirar uma conv encibilidade impossivel de, na corn-
plexidade actual da sociedade, ser conseguida em cada decisio (
5 6 ),
implica, mesmo em cenirios tOpicos, atraves da autoridade especial
de algum dos argumentos (
5 7
), uma participacao actuante na justeza
global do sistema, torna-se seguro que a operacionalidade — ou
nao
disfuncionalidade — d a decisao conflui no seu integrar no n ivel juri-
dic° da ordem social. A essa luz, entenda-se o consenso que a
aplicacio do Direito deve concitar ( 5 8
). Ora o sistema corresponde,
por reducao, a ordem juridico-social, enquanto as fortes representa-
goes psicolcigicas e comunitirias do principio da identidade, corroiem
a credibilidade de saidas ilOgicas ou paradox ais.
0 alargar do espaco decisOrio nao deve ser interpretado como
reptidio da construcao juridica, util em virios vectores (
5 9 ), nem
como ignoranc ia da necessidade da lOgica formal (
6 0
). O ferece-se-
-lhes, no entanto, para alem de um a delimitacao nova, urn desem-
penho diferente.
(55)
EssER,Juristisches Argumentieren im Wandel des Rechtsfindungskonzepts unseres Jahrhun-
derts (1979), 5-
; cf.
JORGEN SCHMIDT,
oBegrandunti — Einige Probleme eines rechtstheoretischen
Problems, FS Schelskir (1978), 549-
78 (550)
—
ala em processo cientff ico de justif icar uma
afirmacio —
WIEACKER,
Cher strengere und unstrenge Verfahren der Rechtsfindung,
FS W. Weber
(1974), 421-423 (423-424) — a aplicacio do Direito
E
a decisio e a fundamentacio.
(56) Veja-se, assim, a critica de ESSER,
Vorverstandnis
2
cit., 205 ss. (207) a
LUHMANN,
Legi t imation durch Verfahren
2
cit.,
30 ss., bem como as de R.
ZIPPELIUS
Legi t imation durch
Verfahren?
FS Larenz (1973), 293-304 (302 e 3 04) e de
J. LLOMPART,
Gerechtigkeit und geschicht-
l iches Rechtsprinzip, ARSP 67 (1981), 39-60 (50-51).
( 5 7 ) NORBERT HORN, Rational i tat mid
Autoriat in der juristischen Argumentation,
RTh 6
(1975), 145-160 (150, 151, 154, 156 e 160): a autoridade argumentativa assume-se como
estrutura caracterfstica da racionalidade juridica.
(58) Cf.
ESSER,
Vorverstandnis 2
cit., 13 e
Juris tisches Argumentieren ci t .,
10 e 15.
( 5 9 )
GERHARD HASSOLD, Rechtsf indung durch Konstruktion,
AcP 181 (1981), 131-142
(132 e 141).
(60)
Tenha-se presente a demonstracio da sua imprescindibilidade em Utrucx KL uc,
Juristische Logik
4
(1982), 9-1.
HANS-JOACUIM
Kocx,
Das frankfurter Projekt zur juris tischen
Argumen tation: zur Rehabi l i tat ion des deduk tiven Begri indens jurist ischen Entscheidungen,
A R S P
4.
A boa
fe na cultura juridica actual
1. A boa fe sofre, na actualidade, as consequencias do divOrcio
entre os discursos metodolOgicos oficiais e a dogmitica juridica. E de
mod° agravado: nocao vaga, carregada de histOria, rica em implica-
g
oes
emotivas e objecto de utilizacao alargada, embora de con tornos
pouco conhecidos, ela presta-se, por excelencia, a desenvolvimentos
verbais, numa aporetica dominada por uma linguagem grandiloquente
e
vazia de conteddo. Hi uma mitificacao da boa fe.
Num a opiniao difundida, a boa fe, no Direito civil, estaria forte-
mente representada na literatura. Nao é assim. Nunca h ouve, sobre
ela, um estudo global, que tratasse os diversos quadrantes da sua His-
tOria, a sua dogmitica e os aspectos metodolOgicos dai decorrentes.
No dominio histOrico-monogrifico, a boa fe, foi, bem ou mal, anali-
sada no D ireito romano classic°, no D ireito canonic° e no D ireito
germanico, em separado. A conex ao entre esses aspectos esti por fazes,
tal como esti por estudar a boa fe do Direito romano vulgar, do
Direito justinianeu, da recepcao e da pandectistica. Os aspectos
dogmiticos da boa fe nao m erecem, desde ha mais de meio seculo,
urn tratamento global ( 6 1 ). Exceptuam-se os grandes com entirios a
codificacao alema que, por definicio, assumem urn teor descritivo,
prejudicial a integracao juscientifica, e sem atingir o que, de
tenham as outran ordens juridicas. 0 panoram a vive dominado
por intimeros estudos parcelares os quais, aos poucos, tem permi-
tido o surgir de investigacOes sectoriais mais alargadas (
6 2 ). 0 discurso
sobre a dogm itica — portanto, a Teoria do Direito — carece de bases
capazes de the alicercarem o desenvolvimento, no que respeita
BH NF 14 (1980 ), 59-86 (61 e 62), explica que a fundamentacao pelas consequencias irnplica
um reabilitar do processo dedutivo, enquanto K.
ENGISCH,
Aufgaben eines Logik und Methodik
des juristischens Deafens,
StG 12 (1959), 76-87 (87), conclui que a vcrificacio da afirmacio juridica
carece da lOgica e da ponderacio metodolOgica.
(61) 0
Ultimo estudo desse tipo d
o de
MAX
H AMBURGER, T r e u a n d G l a u b e n i m
Verkehr EM Handbuch
(1930). Nio se considera como analise dogmatica global o escrito
importante de
WIEACXER,
Zur
Rechtstheoretischen Prazisierung des §
242 BGB
(1956), nem
o trabalho mais recente de
ERNST ZELLER,
Treu and Glauben and Rechtsm issbrauchsverbot.
Prinzipiengehalt und Konkretis ierung von Art.
2 ZGB (1981), criticado, corn razio, por JthrcEN
Smimihr, na rec. de AcP 182
(1982), 379-381.
(62)
Exemplo paradigmitico é, ainda hoje, a
investigacao fundamental de C. W
CANARIS
no dominio da confianca:
Die Vertrauenshaftung im deutschen
Privatrecht
(1971.
reimpr. 1981).
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 16/100
42
a boa fe no Direito civil
.° Introduoio
3
boa fe. Quando surge,
6
parcelar, escasso e alheio a realidade efectiva
que pretende averiguar.
Sem que isso represente urn retorno a grandes sistemas, versados
ern tratados, ha, na actualidade, um movimento para a consideracao
alargada de varios sectores juscientificos ( 6 3
). Essa tendencia foi
tornada possivel pelo proliferar de estudos especializados, no segundo
pos-guerra.
A situacao, na boa
f e ,
descontados certos aspectos metodolo-
gicos enfraquecidos pelo irrealismo que atinge toda a Teoria do
Direito, 6 muito favorivel a uma ponderacao de conjunto, dado o
vasto material disperso disponivel.
II. Os paradoxos que dominam o entendimento comum da
boa fe tern, na verdade, a nivel de algumas das suas caracteristicas,
a sua razao de ser.
A boa fe objectiva nao comporta uma interpretacao-aplicacao
classica. Desde cedo, teen sido tracado o seu paralelo corn as lacunas(
6 4 ).
A disposicao que remeta para a boa fe nao tern, ela propria, urn
criterio de decisio ( 6 5
): a interpretacao tradicional de tal preceito
nao conduz a nada. Na sua aplicacao, o processo subsuntivo torna-se
impossivel (
6 6
). As criticas habituais a subsunclo nao retiram signi-
ficado a essa impossibilidade. Embora ontologicamente nao haja
(63)
A esta luz dove ser entendida a tendencia em yoga de, atraves da criagao de novas
estruturacoes do saber, corn recurso a nominaceies de sabor isoterico como zetetica ou sinepica,
captar, em tortes horizontais, conhecimentos que corriam lado a lado, compartirnentados
na distribuicao classica dos ramos cientificos. A afirmacao pod e, ainda, ser i lustrada corn a
inet6dica. Na acetic
-
air de
FRIEDRICH
MULLER, Juristische Methodik 2
(1976), 19, a metodica teria
a tarefa de esclarecer as diferentes funcoes da realizacio do Direito — legislacao, governacio,
administracio, jurisprudencia e ciencia. Cf. BERNHARD SCHLINK,
Jurist ische M ethodik zwischen
Verfassungstheorie and Wissenschaftstheorie, RTh
7 (1976), 94-102(95) e ainda, sobre a integracio
da
Ciencia do Direito corn outran Ciencias sociais,
FRIEDRICH MULLER,
Recht-Sprache-Gewal t /
Elemente einer Verfassungstheorie
I (1975), 9.
(64) CI , p. ex., ERICH DANZ,
Richterrecht
(1912), 191-192 e 201. Esta orientacao seria,
como se vera, muito acentuada pelo juspositivismo da jurisprudencia dos interesses.
( 65 )
ENGISCH, Logik u. Metho dik ci t . ,
77, falando na dificuldade de aplicacao de conceitos
indeterminados como a boa fe; A.
KAUFMANN,
Gesetz u. Recht
cit., 386, dizendo ser a regra
tao abstracta que nab teria conterido; S. Simms,
Bedeutung vom System a. Dogmatik cit., 140,
explicando que a boa fee regras similares podern desempenhar uma funcao d e legitimacao,
mas nao compreendem urn programa.
( 66 ) W IE AC KE R , PriLZiSierittig
cit., 14, considera-o ingenuo. Fala-se, assini, num conceito
carecido de preenchimento corn valoracees; cf.
K.
ENGISCH ,
Einfi ihrung in das ju ris tische
Denken
7
(1977),
125.
subsuncoes, pode entender-se, na g eneralidade dos casos, que a con sti-
tuicao da premissa menor do silogismo judiciario 6 conseguida por
operacoes expeditas, consistentes na determinacao da similitude entre
a figuracio dogmatica, obtida da previa() normativa, e o caso
concreto (
6 7
). Em imager, admita-se a subsunclo como corrente na
maioria das decisi5es (
6 8
). A boa fe corresponde, nesta Optica,
a minoria.
A boa fe objectiva
é
entendida como do dominio do Direito
jurisprudencial: o seu contetido adviria nao da lei, mas da sua apli-
cacao pelo juiz (
6 9
). Torna-se, nessa medida, impraticavel locubrar
sobre os textos que a consagrem. 0 estudo do litigio concreto,
a comparacao de casos similares ( 7 0
), a sua dogmatizacao e a
sistematizacao subsequente formam a base essencial duma inves-
tigacao sobre a boa fe. Essa necessidade, dificulta, face a especializaclo
dos juristas, o conhecimento juscientifico — logo real — da boa
fe por parte dos cultores que, a nivel de Ciencia do Direito, se pro-
nunciam sobre o tema.
A boa fe objectiva, embora juridica, parece escapar a lei (
7 1 ).
Na fase anterior a forma* de um Direito jurisprudencial seguro,
ela implica uma actividade judicante que, sem mediacoes normativas,
deixa face a face o sistema global e o caso a resolver. E como o
Direito jurisprudencial, a formar-se, 6 sempre parcelar, deixando,
em crescimento permam ente, areas por cobrir, o fenom eno m an tern-se.
(67)
A. KAUFMANN,
Analogie u. iNatur der Sachet
cit., 29. Anteriormente,
KARL
MICH AELIS,
Ober das Verhdltnis von logischer and praktischer Richtigkeit bei der sogenannten
Subsum tion (Eine Kritik der Kritiken am Subsu mtionsbegr,
FS OLG Celle (1961), 117-149 (130),
falou na comparacao entre dois juizos, urn sobre urn objecto concreto e outro sobre urn
abstracto.
(68)
Segundo
MEYER-CORDING,
Kann
der Jurist heute noch Dogm atiker sein?
cit., 39-40,
90% dos casos seriam resolvidos por subsuncio; cfr EssER,
Dogmatisches Denken
cit., 109 e
G. HASSOLD,
Rechtsf indung du rch K onstruktion
cit ., 139.
(69)
Nas palavras de ESSER,
Grundsa tz u . Norm
cit., 150-151, regras como a boa fe
mao representa nenhuma regra de Direito legislado, mas pontos de partida para a form acio
concreta de normas judiciais. Os comentarios dizem a verdade: que a norm a aqui nao a encon-
trada interpretativamente atraves do principio, mas sim obtida por sintese judicial
. Cf.
HORST
G25PRINGER,
Das Ermessen des Richters,
JurJb 9 (1968/69), 86-125 (97),
LARENZ,
Richterliche
Rechtsschopfung cit.,
279
WIEACXER, Gesetzsrecht and richterliche Kun stregel
cit., 702.
(7 0) L AREN Z,
Entwicklungstendenzen d. heat. Zivitrechtsdogtvatik
cit., 106,
Fall -Norm-
-Typus
cit ., 159-160 e
Wegweiser zu richterlicher Rechtsschopfung
cit., 292.
(71)
0 juiz pode recover
a
ela para mostrar obediencia a lei — cf.
CLAUSDIETER
SCHOTT, 4Rechtsgrundseitzes and Gesetzeskorrektur / Ein Beitrag zur Geschichte gesetzlicher Rechts-
findungsregeln
(1975), 13 — mas nao pode retirar-]he o que ela nao tern.
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 17/100
44 a boa-
p no Direito civil
I .°Introducdo
5
Nas ordens juridicas que, como a portuguesa, dotadas de codificacoes
mais avancadas onde, em vez de uma referencia Unica a boa fe surja
uma certa reparticao institucional dos setts campos de aplicacao, corn
mencoes m ultiples
,
tenham efectuado uma recepcao legal de Direitos
jurisprudenciais de outros ordenamentos, o problema fica apenas sim-
plificado a nivel de ordenacao. A boa fe continua indefinida, incapaz
de delimitacao conceitual (
7 2
) e corn largo espaco a construir.
0 vivo sucesso que, na sequencia de VIEHWEG, a tOpica assumiria
no D ireito, teve, pela sua impossibil idade de conceptualizacao com um,
repercussoes directas na boa fe. Pode detectar-se mesmo uma certa
tendencia para, independemente de uma consideracao cabal do tema,
considerar a boa fe como relevando da topica (
7 3
). Previna-se contra
tais inversoes. VIEHWEG nao lancou uma doutrina no panorama
juridico da actualidade; fez uma constatacao, cuja procedencia, na boa
fe como noutras latitudes, exige uma dogmatizaca'o previa do tema.
III. A boa fe objectiva nao corresponde a imagem comum da
interpretacao-aplicacao do Direito continental. Alicercada, no seu
desenvolvimento, em latitudes muito prOximas da periferia juridica,
ela mais se afasta, merce do irrealismo metodologico, da instrumen-
tacio teorica habitual. Numa realidade que, tantas vezes, a mingua
da aplicacao, do conhecimento ou da praticabilidade das directrizes
teoreticas actuais, vive, num «po sitivism° da resignacao» (
7 4
), a ausen-
cia de urn texto, na verdadeira acepcao, pare interpretar, e a impossi-
bilidade de confeccionar conceitos cristalinos nos quais se possa, ainda
que de modo figurado, praticar uma subsuncio, deixa um vicuo
considerivel.
Esse vicuo Mende a ser preenchido a nivel linguistico, corn
metiforas sucessivas destinadas a suprir carencias substanciais (75).
( 7 2 )
UWE DIEDERICHSEN,
Zur B egriffstechnik richterlicher Rechtsfortbildung im Zivilrecht ,
FS Weacker (1978), 325-339 (326-327), em geral. As grandes figuras derivadas da boa fe objec-
tiva — a culpa na formacao dos contratos, a violacao positiva do contrato ou a eficicia juridica
da alteracao das circunstancias, p. ex. — constituiriam teorias assentes em normas nao escritas
— cf R.
DREIER,
Zur Theoriebildung in derJurisprudenz
cit., 107. As disposicoes que, no C6cligo
Civil, vieram receber essas figuras, limitam-se a remete-las para a boa fe, sem especificar uma
regulacio capaz de suportar conceitos tradicionais. Nem poderiam, alias, fazer outra coisa.
(73) P. ex., J. L.
DE LOS Mozos,
El principio de la buena fe
(1965), 15-22.
( 7 4 ) ARTHUR KAUFMANN,
Rechtsphilosophische Situation
cit., 140.
(75)
Recorde-se o fundamento da Filosofia da linguagem: o discurso pode incidir sobre
o objecto — linguagem — ou sobre a propria linguagem em si — metalinguagem. A confuslo
entre as duas a comum no Direito — cf FRITJOF HAFT,
Jurist ische Rhetorik
(1978), 66-67. No
A *fuga para as imagens» a que o processo conduz pode seguir
uma de duas vias. Ou se assimila a boa fe a justica, a equidade, ao
equilibrio, a lealdade e assim por diante, numa serie de locucoes
juridicas cuja abstraccao pouco ou nada fica a dever a da prOpria
boa fe e das quais o retirar de solucOes praticas seria igualmente vao,
ou se ye, nela, uma remisslo para complexos ordenadores metajuri-
dicos, como a Etica, a Moral, o Direito natural — nas suas variantes
nao positivas — ou certas deontologias scctoriais, que, a abstraccao
continua, somam, na sua miscegenacao corn o Direito, dificuldades
suplementares (
7 6
). Nao admira, por isso, que tenham feito a sua
aparicao doutrinas negativistas, que recusam a boa fe qualquer papel
juridico efectivo, pela impossibilidade de contelido que the advem
da sua extend° figurativa (
7 7 ).
Corn particularidades que a afastam, em moldes definitivos, das
placidas interpretacao e aplicacao tradicionais, remetida para uma
realizacao judicial a qual nao se dao directives reais e pejada de soluc5es
linguisticas, a boa fe teria ficado no limbo das referencias jusfilosoficas
moralizantes, nao fora a presenca de fortes necessidades do sistema.
caso da boa fe, este fenomeno traduz-se em desenvolvimentos metalinguisticos, assentes na
palavra •boa fee e nao no objecto desta, indeterminivel em termos aprioristicos. Gera-se, desse
modo, todo um metadiscurso, corn transposic8es operosas da boa
fe
para a justica, a equidade,
a Etica ou ideias similares, que apresenta como solucoes reais meras composicoes de linguagem,
as chamadas solucOes linguisticas. Este aspecto tern o maior relevo: pois se o universo do
juridico, cujas previsoes e consequencias sao, sempre, puras pouibilidades linguisticamente
descritas — H. W
ERDTMANN,
Eine eigensandige Rechtssprache,
RTh 9 (1978), 177-200 (179);
cf.
HANS
Orro FREITAG,
Gewohnheitrecht und Rechtssys tem
(1976), 113, coin rec. de
FRIEDRICH
LACHMEY ER,
RTh 9 (1978), 381-383 — e relativizadas mesmo a linguagem utilizada — JAN
BRO MCMANN,
Jurist ischer Diskurs und Rechtstheorie,
RTh 11 (1980), 17-46 (17) — depende, na
sua expressio onticamente constituinte, pela regularidade da consubstanciacio no espfrito e pela
aprendizagem, da linguagem, as soluc8es linguisticas podem, corn facilidade, passar por refe-
rences ao objecto. A situacao poderia, corn certa facilidade, ser controlada pela dogmitica, corn
urn teste definitivo no momento da decisao. Mas as cadeias linguisticas, assentes, deste feita,
numa metalinguagem descendente, nao se quedam por entendimentos vazios e coloridos da
boa fe: elas podem prolongar-se ate a justificacao do proprio processo decisorio, o qual,
nao
podendo, por definicio, retirar do local linguistico a sua legitimidade material, vai, de facto,
assentar em cripto-causalidades, como sejam a justica do caso concreto, o puro arbftrio ou o
sentiment° do juiz, numa possibilidade agravada pelo efeito emocional das palavras — cf.
DIETER
HORN,
Studien zur Rolle der Logik bei der Anwendung des Gesetzes
(1962), 74 ss. — potenciado
pelas locucoes que, em regra, acompanham a boa fe.
(76)
0 tema tern uma importincia, no domfnio da boa fe, que justifica uma referencia
mais cuidada. De novo, porem, hi que abdicar de apriorismos, dando-se, 3 dogmitica da boa
boa
fe,
o papel de fio condutor.
(77) ERNST
WOLF,
SchuldR
(1978), 291.
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 18/100
46
a boa
fe
no Direito civil
§ 1.°Introduccio
7
IV. 0 Direito, no que surge ji como lugar-comum
(78
), esti
sujeito as modificacoes sociais; ainda quando a lei nao reaja, a ordem
juridica deve faze-lo. A diversidade de situagOes, carecidas de regu-
lacao, nao pode, por outro lado, ser dogmatizada corn recurso
simples as reducoes normais, sob pens de torcoes
(
79; deve salvaguar-
dar-se uma margem minima para integrar, no sistema, ocorrencias
impossiveis de prefigurar nos meios legislativos clissicos, com a
linguagem disponivel. 0 dever de julgar, em quaisquer circunstan-
cias, deu, a boa fe, urn relevo dogmatic° real: ela assegura a
reproducio do sistema, seja conquistando para o seu seio areas que
ganham a caracteristica da juridicidade, seja adaptando a nova reali-
dade, cientifica ou social, dispositivos arcaicos, seja, por fim, reali-
zando, na vida real, um projecto que o legislador deixou a meio ou,
apenas, indiciou.
Compreende-se, por isso, que a boa
fe
surja, corn vigor,
em zonas nao reguladas pelas codificacoes, por delonga do legislador,
como nas condicoes negociais gerais, ou por impossibilidade tecnica
ou linguistica ou, ate, por inconveniencia, como no abuso do direito.
Entende-se, tambem, o interesse por ela assumido em periodos de alte-
raga° radical dos dados sociais e econOmicos
(80
. 0 lugar da boa
fe na criacao e adaptacao do Direito, pelas necessidades dogmiticas
do sistema, fica assegurado.
Forcado, pelos factores referidos, a recorrer a boa fe, o j ul-
gador vira-se, como reftigio ultimo, para a Ciencia do Direito
e para o discurso que sobre ela incida. 0 teste a decisivo;
nele estacam as doutrinas mais conceituadas. E como, na falta de
apoios, as solucOes nao podem deixar de ser encontradas, a dogmitica
desenvolve-se num desvio crescente do discurso metodolOgico oficial ,
em termos deconhecidos desde o jusracionalismo. 0 desvio no a
tio
grande que implique o descientificar da aplicacao juridica que, assim,
(78)
Cf.
JURGEN SCHMIDT,
Privatrecht und Gesellschaftsordnung,
RTh 6 (1975), 33-63 (33).
( 7 9 )
HANS-RUDOLF Hoax,
Die Natur der Sache als juris tischer Argumentationstopos im
si tuativen Bezug / Zur Grundlegung des Rechtswidrigkei tsurteils im Zivi lrecht und Stral iecht,
RTh 8
(1977), 165-183 (170), falando da adequacao da boa fe e de outras loctic5es, na adaptacao das
proposiciies juridicas abstractas ao caso concreto.
(80)
EBERHARD SCHMIDT,
Gesetz und Richter / Wert und Unwert des Posi t ivismus
(1952),
11, aponta o relevo assumido na problematica das relaclies entre o juiz e a lei no period()
posterior a catistrofe de 1914-18. Uma serie de aplicacties importances da boa fe datam,
alias, do periodo entre os dois conflitos mundiais. Em Portugal, urn aproveitamento mais
cabal da boa
fe,
constante da codificacao de 1966, iniciou-se depois das alteracoes sdcio-
-economicas ocorridas em 1974-75.
perderia a prOpria possibilidade de dogmatizavio. A aprendizagem
do Direito, as exigencias do sistema e o pre-entendimento integrado,
dos casos a enquadrar na boa fe e das solucaes harmonicas,
prolongam, no Direito jurisprudencial, as caracteristicas de racionali-
dade que, desde a recepcio do
Direito
romano, dominam o pano-
rama juridico europeu.
V. 0 desenvolvimento, corn base na boa fe, de um Direito
jurisprudencial que, ainda quando a revelia das doutrinas comuns,
demonstrou, numa experiencia temperada pelo corrigir de desvios,
sempre possiveis, capacidades dogmiticas reais, permite atingir urn
dos niveis mais nobres e delicados da cultura juridica actual: o da
correccio
das leis injustas ou inconvenientes.
0 controlo, com referencia a bitolas tidas por superiores, das
leis, insuficientes porque humanas, e tio velho como o Direito.
As limitacoes da instrumentacao disponivel nesse dominio, por
natureza ou por conjuntura, deixam aparecer como bastiao seguro
e
eficaz,
o prOprio Direito e a sua Ciencia. A lei ao se confunde
corn o Direito
(81
). Uma dogmitica juridica, radicada na cultura
que a suporte e na seguranca das convicceies cientificas dos juristas
que a sirvam, coloca, entre a fonte e a solucao do caso concreto,
urn percurso que nenhuma lei pode dispensar e que o legislador nao
pode corromper
(82
). A boa fe permite a consolidacao dessa
dogmitica que, no sistema juridic° e nao, apenas, na lei, tenha a
sua forca: por outro lado, pela sua vocacao expansiva, pode
( 81 ) PAUL BOCRELMANN, Richter und Gesetz,
FS R. Smend (1952), 23-39 (39); A.
KAUF-
M A N N ,
Gesetz und Recht
cit. , 381, dizendo: «A lei é uma no rma geral para uma pluralidade
de casos possiveis; o Direito, pelo contrario, decide uma questa() efectiva, aqui e agoras; ADoLF
Amax,
Gesetzesrecht und Richterrecht, NJW
1963, 1273-1284 (1273);
OTTO BACHOF,
Grund-
gesetz und Richtermacht
(1959), 9, 15, 27, 37 e 43-44, sem deixar de vincar os limites da
actuacao do juiz.
(82)
Cf.
N O R B E R T A C H T E R B E R G , Rechtstheoretische Grundlagen einer Kontrol le der Gesetz-
gebung durch die Wissenschaft, RTh 1 (1970), 147-
55 (150 e 151), embora sem referir a boa fe e
E. Dihnumc,
Die gesellschaftlichen Grundlagen der juristischen Entscheidung
cit., 38 ss. e 48 ss.,
falando na possibilidade de valorar elementos actuais nao compreendidos na 1 6 e na perda da
lealdade a lei, tal como era entendida no sec .
xix. M. L.
H IGLER,
(Jberlegungen zuns
Richterrecht,
FS Larenz (1973 ), 109-123 (112), nao deixa de indicar a diversidade de situagoes
em que legislador e juiz se encontram: o primeiro submete-se a Constituicao e o segundo a
Constituicao, a todo o Direito e a ordenacio de valores legais. Assim
C .
0 juiz, quando
tempere, gracas a dogmatica, os excessos da 16 estrita, nab esti no exercicio de uma actividade
discricionaria, fazendo-o antes por exigencia do Direito ou, de modo directo, da Constituicao.
Cf.
FOLKS SCHMIDT,
Zur Methode der Rechtsfindung (1976), 49.
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 19/100
§ 1 .° Introducilo
9
48
o boa fe no Direito civil
ser chamada a intervir em qualquer caso. As cod ificacoes evoluidas
quando, com o a portuguesa, adm itam, por exemplo, a possibilidade
de exercicios abusivos dos direitos, reconhecem as potencialidades
moderadoras e correctoras da boa fe no dominio da lei estrita, numa
posicao que, embora im portante mesmo para efeitos de aprendizagem,
nao é necessiria, por traduzir apenas a existencia, como cientifica,
duma dogmitica juridica.
Mas estas consideracoes, reportadas, em grande parte, a boa fe
objectiva, nao devem levar ao esquecimento da aplicacao subjectiva
do conceito, dominada, pelo menos na aparencia, por um grau
muito superior de concretizacao e precisao.
A boa fe tem, em si, os paradoxos, as conquistas e as aspiraco'es
da cultura juridica contemporanea.
5 .
Plano de pesquisa e sua justificacio
I. 0 cerne da pesquisa a constituido pelo estudo da boa
fe enquanto factor do gmatic°, susceptive) de proporcionar soluc5es
para os problemas situados no seu am bito. Quanto se disse, explica
a opcao; m as justifica, tambem, um a ponderacao cuidada e previa
dos aspectos que exprimam e susten tern a Ciencia onde se corporiza
a regulacao efectiva adveniente da boa fe. Em jogo esti a dimensio
histOrica do fenOm eno, nos seus aspectos multifacetados.
A necessidade de reflexao cultural, em dimensao histOrica, cor-
responde a prOpria concretizacao da boa f6 como ideia
( 8 3
), confere,
quando praticada, urn ponto de vista novo, capaz de quebrar o ponto
morto a que ch egou uma serie de querelas que animam, ainda hoje,
o panoram a juscientifico (
8 4 )
e elucida, de modo decisivo, o pri-
-entendimento (
8 5
)
possivel da boa f6 e a sua prOpria compleicao
nas codificacoes da actualidade. Merece, hoje, urn reconhecimento
geral, nao sendo dispensada em monografias dogmiticas ou em trata-
mentos m etodolOgicos globais.
A pritica da critica histOrica como instrumento da Ciencia do
Direito inicia-se, em regra, a partir da referencia a SAVIGNY e
(83)
Cf.
GERRARD DULCSEIT,
Philosophic der Rechtsgeschichte I Die Grundgestalten des
Rechtsbegriffs in seiner historischen Entwicklung
(1950), 9-28, ern geral, bem
como
HEL?AUT
COING,
System, Geschichte und Interesse in der Privatrechtswissenschaft,
JZ 1951, 481-485 (482).
(84) J.
LLO MPART,
Die Geschichtlichkeit der Rechtsprinzipien
(1976), 125 ss..
( 8 8 )
GADAMER,
Wahrheit u. Methode
4
cit., 250 e
ss..
sua escola
(8
6
) •
Tratando-se da boa fe, hi que it mais longe.
As recepcOes sucessivas do Direito romano, corn relevo para a elabo-
raga° pandectistica do
Corpus Iuris Civi l is,
determinante na codifi-
cacao alema, dao uma ac tualidade grande as concepcOes jusculturais
antigas. 0 papel da boa
fe
na codificacao napoleOnica, cern os
hibitos duradouros dela advenientes, requer o conhecimento dos
cenirios jusracionalistas. A pujanca que, para alem da lei ou
contra ela, a boa fe revestiria, na praxe do principio do seculo, requer
urn discorrer sobre as priticas, pouco conhecidas, da pre-codificacio.
Entende-se, daqui, como, a partir da criacao, no Direito romano,
da boa fe com o realidade juridica, devem ser considerados os seus
componentes histOricos mais diversos, os quais, pelo significado par-
ticular da nocao, que ira tomando corpo ao longo do desenvolvimento,
sao, afinal, os factores histOricos da cultura juridica portuguesa actual.
As consideracoes histOricas a que se ira proceder pretendem-se
criticas, porque histOricas, mas, ainda, numa perspectiva funcional
mais alargada. A m itificacao da boa f6 invadiu largamente a histOria,
sobretudo no entendimento da
b o n a f i d e s
romana. A procura
da verdade histOrica, corn apoio nos textos, na m edida da instru-
mentacio u tilizivel, constitui urn ban co exc elente para, nas raizes,
desfazer os niveis linguisticos de desenvolvimento da boa fe.
Critica, ainda, 6 a an alise da realidade, obtida atraves do estudo histo-
ric°, corn os meios dogmiticos actuais
( 87
). Consegue-se, assim, urn
conhecimento historic° juridicamente operacional, que ganha dimen-
sk corn o seu inserir no pensamento cientifico em progressio,
sobretudo desde o momento em que os modelos sistemiticos, em evo-
lucao dialectica, passaram a integrar, em definitivo, a capacidade
humana de raciocinar em termos juridicos.
II. No estudo dogm atic° da boa fe, hi que efectuar uma recusa
decidida de consideracoes centrais do problema, traduzidas em dis-
cursos sobre a prOpria nocao como ideia. Esse processo, a ser utili-
zado, mais iria agravar os metadesenvolvimentos, de cariz teoretico
ou linguistic°, que afligem o panoram a juscientifico actual, corn
incidencia particular na boa fe.
(
8 8
) Recorde-se o escrito fundamental de
LA-RENZ:
a sua
Methoden lehre .
( 9 7
) Sobre as possibilidades e limites deste procedimento, E. BErrt,
Moderne dogmatische
Begriffsbildung in der Rechts- und Kulturgeschichte / Ist die Benatzung moderner Rechtsdogmatik bei
der rechtshistorischen Auslegung berechtigt?,
StG 12 (1959), 87-96 (93, p. ex.).
4
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 20/100
50
a boa fe no Direito civil
Preconiza-se, por isso, uma anSlise assente nas suss aplicacoes
concretas, agrupadas por institutos historicamente consagrados e
que, o mais das vezes, mereceram, na codificacac portuguesa de 1966,
mencoes autOn omas. Na'o se pretende uma reflekao dispersa sobre
cada uma das disposicoes que, no C6cligo vigente, albergam a boa
fe
— em bora, mesmo q ue de modo ilustrativo, todas sejam estudadas
— mas antes uma anilise dos lugares que o use e a HistOria
permitem ter por exem plares.
As manifestacoes subjectivas da boa fe, ainda que exploradas a
partir do caso modelar da posse, podem, corn com odidade, ser agru-
padas numa rubrica prOpria. A boa fe objectiva, pelo contrario,
bem mais complexa, requer uma averiguacio separada dos tres gran-
des grupos dotados de autonomia institucional: a actuacio de boa fe,
que inclui a culpa na formacio dos contratos, a execucao das obri-
gacoes e outras figuras, o exercicio inadmissivel de posicoes juridicas,
ainda conhecido por abuso do direito e a modificacio das obrigacoes
por alteracao das circunstincias. A unidade destes institutos a dogma-
tica e resultara do seu conhecimento.
A apreciacio dos elementos dogmiticos obtidos pelo estudo
parcelar da boa
f e
permite a sua reduclo global e a sua insercio, em
termos substanciais, no sistema. O btem-se, por esta via, a com ple-
mentacio e a contraprova dos resultados conseguidos.
III. 0 estudo que segue desenvolve-se, por tudo isto, em
tres partes: historico-critica, institucional e sistematica. As teses
defendidas sao autcnomizadas no final.
I
PARTE HISTORICO-CRITICA
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 21/100
370
a escola historica as tendencias. actuais
IsAy; este A. explica, corn plausibilidade, que «...a norma juridica nao
como tal, imediatamente, a regulagio do caso concreto necessitando,
para isso, ainda da decisio*. 0 que seria tanto mais claro quanto a certa
a presenca de disposiceies que, remetendo o juiz para a boa
fe
ou para
os bons costumes, no compreendem qualquer regulacio para o caso
concreto. 0 con teildo da decisio nao surge atraves de um acto cognitivo,
mas volitivo; norma e decisio no podem ser separadas de modo estrito.
Os factores subjectivos, como a prOprio do nivel decisOrio, imperam,
atraves do sentimento juridico, ainda que corn outran justificagoes
:
considerando urn deles como contrArio a essa o que nao e, em
si, o caso; a norma referente aos bons costumes
é,
ela propria, uma norm a
em branco, incapaz, por isso, de assegurar o controlo da decisao encon-
trada, a seu pretexto, ao abrigo do sentimento juridico, outrotanto
sucedendo corn a boa fe (
4 14
) .
A escola do Direito livre tern sido mal entendida: o periodo do s
totalitarismos que atravessou, as perseguicoes movidas em 1933 a KA N-
TOROWICZ e a incontinencia verbal de FUCHS, para alem do peso das
construcoes tradicionais, levaram a esquecer que, m ais do que defender
uma determinada doutrina, ela apenas referenciou uma realidade exis-
tente, demonstravel pela observacio. Dois pontos importantes con-
tam-se no seu activo: IsAv, corn os antecedentes apontados, vibrou,
na teoria da subsuncio, urn golpe decisivo, enquanto que a impossibili-
dade de, da prOpria boa fe, encontrar um controlo para as decisoes nela
baseadas ficou, desde entio, demonstrada.
Ao admitir, num voluntarismo subjectivo, a decisio de acordo
corn o sentimento juridico, num aspecto comummente assacado e criti-
cado ao Direito livre (
4 15
) , os seus seguidores tocaram num ponto que
bem poderiam ter documentado corn Areas extensas da jurisprudencia
segundo a bo a fe, designadamente na area da alteracao das circunstancias.
Mas claudica em dois aspectos: por urn lado, a liberdade do juiz, no
dominio do seu proprio sentimento
é,
em muito, aparente, visto que
vitirnada por uma aprendizagem dominada por proposicoes legais e
pela insercio em determinada cultura; por outro, ha toda um a proble-
matica a n ivel de efeitos da decisio e de factores que a pre-condicionam,
nos quais a Ciencia do Direito pode e deve intervir.
A
mingua de obras viradas para problemas, o Direito livre nao
teve grande influencia; nesse sentido, actuaram, tambem, os factores
negativos da epoca, acima apontados. Na medida, contudo, em que se
tratou de descrever uma realidade efectiva, o Direito livre permanece,
na boa fe com o noutros sectores, como farol a nao esquecer.
( 41 4
) H.
ISAY,
R echts norm and E n ts cheidung
(1929, reimpr. 1970), 20, 21, 27, 35, 142,
175 e 21 6, respectivamente.
( 41 5 ) Cf , p. ex.,
LARENZ,
M et hL
4
cit., 68;
JURGEN BAUMANN,
Eityiihrung in die Rechtswis-
sensvhaft
6 cit., 77;
OLIVEIRA ASCENSAO,
0 Direito
2 cit.,
503.
§ 14.°
A UNIVERSALIZAcA0 DA BOA FE; 0 IRREALISMO
METODOLOGICO
41.
A expansio da boa
fe em dominios n543 civis
1 .
Antes de ponderar a projeccao efectiva das orientacoes
metajuridicas e positivistas na pratica da boa fe, no dominio da
segunda codificacao, cabs conh ecer da sua expansio fora do Direito
civil. Essa expansao e notavel e denota a compleicao da boa
fe nao como um instituto juridico comum, mas como factor cultural
importante, l igado, de m odo estreito, a urn certo entendimento do
juridico.
0 radicar da boa fe em zonas privadas nao civis, designada-
mente no Direito comercial e no Direito do trabalho
reveste dimensoes problematicas especificas. Ao Direito comercial
deve-se a HistOria moderna da boa
fe (
417
). A sua nao consagracao
expressa no COrligo Comercial alemao de 1862 e na revisao de
1 8 9 7
(418
) tera determinado urn certo desinteresse por parte dos
comercialistas que, deste modo, cederam o primado do seu estudo
aos cultores do Direito civil. De mencao hesitante
(
419), a boa
(416)
Tem-se em mira o Direito do contrato de trabalho que constitui, num prisms
dogrnatico, Direito privado; cf . MENEZES CORDEIRO, Da
s i tutudo jur idica laboral
cit., 8-9 e
62, p. ex .
(417)
Recorde-se a jurisprudencia do OAG Lubeck e do BONG /ROHG —
supra
11
.°
37 — e as primeiras mencoes que the foram feitas por comercialistas, como Tntir. e
GOLD-
SCHMIDT.
(418)
Tambem tratado como C6 digo Comercial novo, o HGB ainda em v igor. A revisit) ,
embora atingindo aspectos substanciais no Direito maritimo e no das socicdades, visou, no
essencial, uniformizar a codificacio comercial corn o BGB. A sublinhi-lo, BGB e HGB
entrariam ern vigor na mesma data. Cf. MAx
PAPPENH EIM, Das
t teue deutsche Handelsgesetzbuch,
ZHR. 46 (1897), 375-389 (375, 377, 383 e 387-388).
(419)
E pouco sistematizada. H.
SCHUMANN,
Handel s R
(1954) 1, 18, 51, 96 e 225 — urn
dos
AA.
comercialistas que main
espaco concede a boa fe — aponta, sucessivamente, que ela ji
no
Direito roman dom inava o trafego comercial, que, a prop6sito do comerciante aparente,
a boa
fe
estabelece a proibicio de
venire contra factum proprium e
a proteccio da confianca, que,
a Prop6sito do Direito da concorrencia, a boa fé determina a inadmissibilidade do abuso de
(416) a
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 22/100
372
a escola his tdrica as tendencias actuais
fe
constitui, contudo, urn principio generico no D ireito cornercial,
corn aplicaceies similares as do Direito civil . Sublinhe-se, apenas,
alguma especificidade no Direito das sociedades, onde a boa fe tern
sido dinamizada como fonte de urn dever de lealdade dos socios uns
para corn os outros e para corn o ente societario colectivo (420)
.
autonom izacao sistemitica do D ireito das obrigaceles (
4 2
1 )
;
as vias
de concretizacao e os resultados corn elas obtidos sao semelhantes,
de qualquer modo, nos dois cam pos juridicos (422).
A defesa, em
regressio clara, mas ainda maioritaria
,
da relaclo de trabalho como
uma realidade «comunitario-pessoal», provocou um certo esmo-
recer pratico da b oa fe laboral, uma vez que boa parte dos efeitos
a eta imputiveis eram reconduzidos a alegada «comunidade de
trabalho» (
4 2 3
). 0 transcender dessa orientacao, corn um reconheci-
mento da natureza obrigacional pura da situacao laboral, conduz
a um a aplicacao renovada da boa fe na situacao de trabalho; os seus
posiciies formais e a possibilidade da
suppressio
e que, nos contratos, é inadmissivel atentar contra
a boa fe.
CAPELLE/CANARIS,
Handel sR
1 9
(1980), abordam, por seu turno, como aplicacoes
da boa fe no comercio, a proteccao da confianca - 95 - as inalegabilidades formais - 99
- o abuso do direito - 101, 106 e 112 - e o papel da boa fe na correccio de certos conterldos
contratuais - 137. Faltam, no entanto, referencias a boa fe em pains v.
GIERKE,
Handel sR
8
(1958), em
PAUL HOFMANN,
HandelsR
(1977) e em
HERBERT WIEDMAN N,
HandelsR
(1979),
33-34, local onde poderia ter ocorrido.
( 4 20)
HACHENBURG,
Aus dem Rechte der Gesel lschaf t mi t beschrdnkter Haf tung,
LZ 1907,
460-472 (466 e 467) - foca, em especial, o papel integrador e complementador da boa fe e a
proibicao do abuso;
HEINRICH FRIEDLANDER,
Konzernrecht
(1927), 291 - acentua as adstr icoes
que a boa fe impae ao accionista influente;
HEDEMANN,
Flucht
cit., 21 - menciona, ainda, o abuso
do direito de votar; A.
HUECK,
Der Treuegedanke im Recht der of fenen Handelsgesel lschaft ,
FS
Hiibner (1935), 72
-
1 (74); E.
FECHNER,
Die Treubindungen des Aktiondrs ci t .,
62 ss. (88);
R.
FISCHER,
Die Grenzen bei der Ausi ibung gesel lschaf t licher M itgl iedsschaf tsrechte,
NJW 1954,
777-800 (777 e 779) - refere o dever de lealdade e o abuso do voto, mas nio sublinha a boa
f e .
A lealdade, por forca da boa fe, tern ainda sido salientada na relacao de seguro, sobretudo na
sequencia de RG 8-Out.-1935, JW 1936, 177-178, corn an. favorivel de RA. HENNICKE,
idem
178. Cf. W. Kim",
Treu und Glauben im Versicherungsverkehr, JW
1936, 149
-
51 (149), que
refere a adveniencia, pela boa fe, de deveres para ambas as partes, no contrato de seguro e
R.
FISCHER,
Treu und Glauben im Versicherungsrecht,
VersR 1965, 197 ss..
( 4 21)
GUSTAV RUMELIN,
Dienstvertrag und Werkvertrag
(1905), 265,
LOTMAR,
ob. cit.
infra
374
42 9
, 2, 859 e
OERTMANN,
Deutsches Arbeitsvertragsrecht
(1923), 138.
(422)
No Direito do trabalho, a boa fe suporta, de acordo corn a doutrina actualizada,
o contend° mais significativo dos ch. deveres de lealdade e de assistencia, a cargo do trabalhador
e do empregador, respectivamente. Vide
i r t l i c t ,
607.
(423)
Remete-se para
MENEZES CORDEIRO,
Da
situacdo juddica laboral
cit., 13 ss. e 19 ss.,
bem como para a bibliografia ai citada.
§ 14.° A u niversalizacdo da boa fe; o irrealismo m etodolOgico
efeitos,
e
mbora adaptados a
e s
pecificidade da problematica labora
llo
l,
ordenam-se,
rem dificuldades, pelo figurino obrigacional (
4 2 4
).
Direito portugues v igente,
a
aplicaco, o
os domin
at
ios co
a
m e r c i a l
fe,
e
laboral, das disposicoes que, no Codig Civil, tram boa
nao oferece dtiviclas
( 4 2 5 ) ( 4 2 6 ) .
IL A aplicacao da boa fe
ireito ptiblico
levan
a
ta
boa fe
culdades maiores. Em principio, Tao haveria problemas:
conquistou urn Lugar especifico como dado juscultural, nao depen-
d.enclo, pois, fronteiras
a
cademicas internas. A prOpria ciao entre
Direito piiblico e privado ganhou form a estrita, apenas, com o jusli-
'424
, Em especial,
PETER SCHWERDTNER,
Fiirsorge und Entgelt theorie im Recht der Arbeits-
bedingungen I Eirl Bei trag zum Gem einschaf ts- und Vertragsdenken im Individualarbei tsrecht
und
allgemeinen Zivilrec
(197), 80 ss., corn rec. favoriveis de
HERBERT BUCHNER,
Fiirsorgetheorie
und Ent gelttheorie im
ht
Recht
0
der Arbeitsbedingungett,
RdA 1970, 214 ss. e
HERBERT FENN,
Fiirsor-
getheorie und Entgel t theorie im Recht der Arbei tsbedingungen,
AuR 1971, 321 ss..
(
4 25
) A boa fe, tal como resulta dos institutor civis, tern aplicacao no ambito corner-
cial, por forca do art. 3.° CCm , uma vez que, sendo ex tensiva a problematica mercantil, nao
tern, es comrciais, tratamento prOprio. Repare-se que, nessa aplicacio comercial,
a boa fe
em font perde ae natureza civil e que os principios do Direito comercial nab apresentam
diferencas grander em relacio aos civis - A.
FERRER CORREIA,
D. Comercial ,
1 (973, polic.),
44 ss. e 40. E Curios° notar que, na literatura portuguesa, aspectos importantes
1
da aplicacao
da boa a foram abordados a proposito de questoes comerciais -
d,
p. ex.,
MANUEL DE
ANDRADE,
Sobre a validade das cldusulas de liquidactio de partes sociais pelo tiltitno
207
-
balanc
,
o,
225
-
Rij
86
(1954) , 369-375 e 87 (1954/55) , 3-5 , 17-20, 33 -35 , 49-52 , 65-68 , 81-84 ,
11
228
,
241-3, 7-260
7, 289-292, 305-309 (305
Amortizactio de quotas,
RLJ 93
(1960-
461) 25
228-233
273-2
33 (232) e, anteriormente, brocANcso GALVAO TELLEs,
Amortizacio de quotas,
ROA 1946, 3-4, 64-69 (69), ambos propondo, a materia, o regime do abuso do direito. Esta
tradicio silo deu frutos; nao se encontra, na producio juscom ercialista portuguesa, tal como
na estrangeira, urn desenvolvimento dedicado a boa fe. E isso apesar de serem frequentes
as cipio ao relevo da boa fe na lide comercial - p. ex.,
FERRER CORREIA,
D referencias de prin
.
Comerc ia l c . ,
1, 36-37,
FERNANDO
Ouivo,
D.
Comercial 1
2
(1970), 22 e A.
PEREIRA DE
Ammon, D.
Comercial
1 (1976/77 polic.) 25. A mencao falta, porem, em L.
BRITO CORREIA,
D.
Comercial 1 (1978 /79, polic.).
(
4 26
) 0 Direito do contrato de trabalho é, dogmaticamente, Direito privado,
laboral
maxime
64; cf. L.
BRITO CORREIA,
D.
Trabalho
1 (1980181, polic.) . 35, para quem o D ireito do
trabalho seria, inicialmente, Direito privado Tambern aqui faltam, nas especidades jusla-
borais, institutor particulares que permitam. prescindir dos instrumentos civis, entre os quo's,
o ntrastando corn o desenvolvimento adquirido noutras literaturas, a boa fe
laboral nil)
é
ref
da boa fe. Co
erida na escassa doutrina portuguesa sobre Direito do trabalho, faltando mesmo
quando se fala nos deveres acessOrios - cf A. L .
MONTEIRO FERNANDES,
Nocoes
fundamentais
7, 77 ss.. A in.
cipiencia mais requer, a nivel civil, um estudo ino-
de Direito do trabalho
(19
vador da boa fe.
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 23/100
374
a
escola' histdrica ns tendbicias actuais
beralismo c corn as codificacoes civis por ele impulsionadas. Anterior-
mente, as norm as oprivadas» e opublicas» entrelacavam-se, a todas
interceptando a boa
fe (
4 2 7
). Feita a biparticao, a bo a fe, sobretud
o
criacao de institutos juspositivos, veio a centrar-se em torno do
comportam ento contratual das partes c da interpretacao dos actos
efectivados nesse ambito
(428‘.
) Imperam, ai, a liberdade c a igualdade,
contrapostas a competencia c a sobcrania, que dom inam o D ireito
pUblico (
4 2 9
). Tanto podcria bastar para impedir a transposicao
(427)
A distincio entre Direito privado e public° tem sido reportada ja. a
ULPIANUS,
D.1.1.1.2; cf., 12.Ain.
VENTURA,
Manual de Direito Romano
cit., 210. Apesar de, desde
sc ter retido a possibilidade de con siderar o Direito por esses dois prismas, nit) pode falar-se
numa contraposicao Clara. No que toca a boa 16, recorde-se que, a partida,
a f ides
podia infor-
mar situacoes privadas e pablicas —
supra
n.°4
7 e 8 — numa situacao que reapareceria na evo-
lucao posterior, corn um exemplo claro em
GROTIUS —
supra,
n.° 28.
(428)
No ambito da primeira codificacio,
supra
n.° 32 e, da segunda,
supra,
n.° 28.
(429)
Mantem-se a distincao entre Direito ptiblico e privado, preconizada em
MENEZES
CORDEIRO,
D.
Reais Cit.,
1, 13 e
D. Obri;qacjes cit.,
1 ,
14;
Cf MARTIN BULINGER,
Offentliches
Rech t a n d Pr i va t rech t
(1968), 75 ss.. A intervenclo do Estado em situacoes privadas e a utilizacao
pelo Estado, de tecnicas privadas de gestio, levantam, como tantas vezes 6 repetido, dif icul-
dades a um a separacio rigida entre Direito privado e public°. Esta deve ser entendida como
uma caracterizacao global a nivel de subsisternas, i. 6, cons° uma coloracio regulativa do subsis-
tema privado, informado por vectores de liberdade a igualdade c do subsisterna publico, domi-
nado por regras de com petencia e por
ius
imperi i .
A natureza aberta desses subsisternas permite,
cm cada urn deles, a erupcao de normas do outro, em obediencia a fenOmenos de absorcio
teleolOgica. Nao deve ceder-se a tentacio facil de, num modernism° aparente que insiste
em ignorar a evolucao juscientif ica registada no L este Europcu, a partir de 1945, t irar o signi-
ficado a con traposicao entre Direito privado e public°. Apesar dos problemas levantados
distincio por ramos juridicos mais recentes — isms velhos, afinal, de quase um seculo — como
o Direito do trabalho e o Direito economic° — recorde-se que Orro
VO N GIERKE,
Der Entwurf
t i n e s ba rg e : l ichen G ese t zbu chs a n d d a s d eu t sche Rech t
(1889), 245, ja havia criticado o projecto do
BGB por ter, segundo ele, esquecido os postulados classicos da situacio laboral alema, enquanto
que unaa das mais extensas exposicaes de Direito do trabalho 6, ainda hoje, a
de
PHILIPP
Lo -
r m A K ,
Der Arbe i t sve r t ra g n a d t d en : Pr i va t rech t d e s Deu t schen Re tches ,
1 (1902) e 2 (1908) e que o Direito
economic°, apesar das suas raizes anteriores, tern sido imputado as necessidades de intervencao
do Estado na economia, aquando do primeiro conflito mundial— G.
RINK,
Wirtschaf tsR
5
(1977), 10 ss., e, corn pormenores,
J. W.
HEDEMANN,
Das
Wirtschnftsrecht,
FS. A. HuEcK
(1959), 377-412 (378 ss.) — ela 6 de manter. Justificans-no razoes culturais, teOricas, praticas
e ideologico-significativas. Ent ponderacio cultural, o Direito privado assenta numa seric
de contributor romanisticos, fundidos no Direito comum europeu e o rdenados, aquando das
codificacoes, em obediencia a lei turas determinadas. 0 Direito public° deriva do jusracionalismo,
depois liberalizado e nao apresenta uma sedimentacio cultural capaz de suportar tuna codificacao•
A nivel teOrico, o Direito privado traduz aspectos funcionais estiveis das relacoes entre pes-
soas; sofre pouco corn as intervencoes legislativas e afirma-se mais por um m odo de procurar
§ 14.° A universalizayclo da boa fe; o irrealismo metodologico
75
d
e
principios intrinsecamente privados, como o da boa fe (
4 3 0
) .
r l a o
impediu.
Do Direito public°, o primeiro sector atingido pela boa fe
foi
o do Processo civil. A sua natureza instrumental perante o
Direito civil e uma certa tradicao literaria de escrita sobre a boa fe
em Processo (
4 3 1
) terao facilitado a transposicao. A jurisprudencia
foi receptiva ao m ovimento, fazendo, desde cedo, aplicacao da boa
fe no campo processual.
Em R G 14-O ut.-1905, numa primeira incursHo das clausulas gerais
do BGB em processo, restringiu-se, em nome delas, o prOprio caso
julgado formal. Uma pessoa conseguira a condenacio de outra no paga-
mento de determinada qua ntia; o R. neste primeiro processo fora citado
corn editais, formando-se, contra ele, caso julgado. 0 R. aparece e,
corn nova acc5o, pretende suster a execuglo da d ecisio condenatoria;
alega que a divida tinha, na sua base, uma #exploracio usuraria* e que o
soluceies do que pelas prOprias solucoes em si. Este aspecto, da maior importancia, prova-se
pela leitura do ZGB/DDR — o Codigo Civil da Republica Democratica Alemi, de 1975
— que, representando o expoente mais evoluido de urn jusprivatismo tido por diferente, acaba.
malgrado reconversOes linguisticas — p. ex., em vez de boa f6, fala ens .Moral socialistap —
por manter incOlumes os grandes vectores do
ius roma:Lunt
actual. 0 Direito pUblico integra
uma area organizatOria de nivel superior, bulindo corn relacties de submissao entre pessoas, de
dominio do E stado e de controle directo sobre a producao e distr ibuicao de r iqueza. Torna-se
muito sensivel as conjunturas e, merce das suas flutuaceies, deve surpreender-se pelos resultados
q u e
consiga, mais do que pelas vias que preconize. A nivel pratico, o qualificar de uma situacao
como privada ou publica decide do seu destino academic°, literario, legal e judicial. A nivel
significativo-ideologico, ha que assumir o facto de, na existencia de um Direito comum, resis-
tente ao arbitrio do contingente, residir a sarvaguarda mais relevante do desenvolvimento livre
da pessoa humana. Esse papel a desempenhado pelo Direito privado. Compreende-se, por isso,
a preocupacao sempre demonstrada pelas tendencias totalitarias politicas, coin ilustracao classica
no nacional-socialismo alernio, em minimizar ou, se possivel, preterir, a distincio, no juridic°,
do privado e do public°. Nada disto deve, contudo, ser interpretado como ausencia de perinea-
bilidade entre os dois subsisternas ou como minim izacao do Direito public°, decisivo, afinal,
para a definicao das socicdades e para a efectivacio definitiva dos valores concebidos, no inicio,
a nivel privado.
Entendida aqui, ao gosto da pos-codificacio, como principio paralelo ao da auto-
nomia privada e destinado a reforci-la.
( 4 31
) A partida, a clivagem entre os
bonae fidei e os stricti iuris iudicia
— recorde-se o
trabalho decisivo de
KRUGER Cit.
s up .
54 4
— era de origein processual. Antes da codificacao
alema, ha que apontar o livro de
JO SEF TRUTTER,
Bona fides int Civilprozesse / Eht Beitrag
zur
L e h r e v o n
der Herstel lung der Urtei lsgrunde
(1892, reimp. 1972), seguido do de
KONRAD SCHNEIDER,
Treu and Glauber: in: Civilprozess
(1903) cit.; estas obras, apesar de defenderem teses opostas,
introduziratn, na literatura processualista, o h abit() de referir e tratar a boa 16.
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 24/100
§ 14.° A u niversalizaccio da boa fe; o irrealissno metodologico
77
376
Da escola hisarica as tendencias actuais
seu paradeiro, conhecido de todos, fora, na propositura e decurso da
accao em que fora condenado, Bloemfontein, na Africa do Sul. 0 RG
decidiu: «0 caso julgado formal da decisio anterior nao se
opeie
cacao do § 826 BG B. A eficacia do caso julgado deve cessar, onde el
a
seja, corn
consciencia, usada para escopos aos quais nao se deve dar o
cunho do Direito) (
4 3 2
). 0 § 826 BGB reporta-se aos bons costumes e
nao a boa fe. Nos primeiros
tempos
da vigencia do BG B, foi frequents
a confusio entre boa
fe
e bons costumes, sobretudo no dotninio do exer-
cicio inadmissivel de posigoes juridicas (
4 3 3
). A equacao encontrada pelo
RG é,
no entanto, de tipica boa fe.
Mu ito claras seriam as consideracoes de
RG 1
-
jun.
-
1921. Numa
accao de condenacao no pagam ento de quantia determinada, o R. vein
dizer que acordara corn o A . a retirada dessa accao. Disse o RG ....deve
aceitar-se que tambem a relagao processual das partes, assim como o seu
relacionamento jusmaterial, a dominada pelo principio da boa
f e , t
a i
como a exceptio doli generalis, reconhecida para o Direito do Codigo
Civil se dirige precisamente contra o comportamento do credor no
processo (
4 3 4 ) .
A
doutrina, apesar das hesitacoes de KONRAD SCHNEIDER
(438
),
que mais nao representaram, alias, do que o reflexo das posicoes
restritivas assumidas por ele no campo civil (
4 3 6
), aceitaria a recepcao
da boa fe, tal como emergia do § 242 BGB, ao Processo civil (
4 3 7
).
RG 14-Out.-1905, RGZ 61 (1906), 359-366 (361 e 365).
Quanto a distincio final entre boa fe e bons costumes,
infra,
n. ° 113.
RG 1-Jun .-1921, RGZ 102 (1921) , 217-223 (217 e 222-223) .
KONRAD SCHNEIDER,
Treu und Glauben im C ivilprozess
(1903) cit ., 21-22, p. ex..
CE sup. nota 329. K.
SCH NEIDER
teve o apoio de K. H.
GoRRES,
Uber das Verschulden in; Pro-
zesse,
ZZP 34 (1905), 1-106 (7), o qual, em particular , critica Teurree -cf ., tambem
GoRRES,
ob. cit.,
7
9
. Tambem a respeito do ch. dever de verdade, esse A. nega aplicacao a boa fe. Em
compensacio, Murree,
Bona f ides im Civi lprozesse
cit., p. ex., 155 ss., infere, da
bona fides,
um dever geral de honestidade processual, de onde retira deveres processuais de relevo. T. pro-
nunciou-se, como foi salientado, antes do pr6prio BGB.
(436)
Cf.
s u p r a ,
354-355
3 29
.
( 4 3 7 )
BENRENDO RF,
Treu und Glauben im Zivilprozess, JW
1933, 2870-2872 (2872)
- foca o relevo da boa
f6
no processo, mas cham a a atencio para a sua indeterminabilidade,
que tern por semelhante a que reinaria no Direito civil;
WILHELM BELTZ,
Treu und Glauben und
die guten Sitten nach neuer Rechtsauffassung un d ihre Geltung in der ZPO
(1937) - defends a
aplicacio geral da boa fe ao processo -
ob. cit.,
22 ss. - tom relevo particular para a
exceptio
doli -
ob. cit., 31 ss.;
BERNHARDT,
Auswi rkungen von Treu und Gl auben i m Prozess und i n der
Zwangsvollstreckung,
ZZP 66 (1953), 77-100 (95, 99 e 100, p. ex.)-sublinha, em particular,
que sem a boa fe, as formas processuais t ransformam-se em formalismos. A nivel geral, embora
corn valia heterogenea, refirani-se Sari:Nee /Sciuctinee/Niese,
ZivProzR
8
(1956), 25,
HORST
TH EUERRAUF,
Beweislast, Beweisfiihrungslast und Treu und Glauben,
MDR 1962,449-451 (449-450),
Perante tentativas de transposicao pura e simples e sublinhando a
necessidade de adaptar a regra da boa fe a realidade processual, que
r
equereria, no campo deixado aberto pela lei, uma liberdade especial
dos
litigantes, pronunciar-se-ia BAUMGARTEL
(438 ).
Na doutrina pro-
cessual, tomou, entretanto, proporcOes translativas um agrupamento
em quatro tipos dos casos de aplicacao da boa fe (
4 3 9
): a proibicao
de consubstanciar dolosamente posicoes processuais
(440),
a proibicao
KucHINKEISci toti l tE, ZivProzR
9
(1969), 10 e 150,
BLO MEYER,
ZivProzR
(1963), 148-149,
W. ZEISS,
ZivProzR
4
(1980), 73 e 74,
JAUERNIG,
ZivProzR
(1981), 96,
ROSENBERG /SCHWAB.
ZivProzR
(1981), 10 e 374-375, P.
ARENS,
ZivProzR
2
(1982), n. ° 216 (144-145) e K .
SCH ELL-
HAMMER,
ZivProzR
(1982) , n .° 585 e 1128-1129 (290 c 584-585) . Em compensac io , f a ltam
refecencias dignas de nota - embora sem se assumir tuna posicio negativista - em
NIRISCH,
ZivProzR
2
(1952), em R.
BRUNS,
ZivProzR
(1979) e em F.
BAUR,
ZivProzR
4
(1982). A nivel
monogrifico predomina, tambetn, corn as precisties proprias de cada A., a idcia da aplicabilidade
da boa fe preconizada no § 24 2 BGB ao processo. Cf infra os escudos de
BAUMGARTEL, DOLLS,
ZEISS, W. HENCREL
e H.
KONZEN.
Esta posicao domina, de igual modo, os comentarios,
corn destaque para
STEIN/JONAS /SCHUMANN,
ZP0
20
, Introducio (1980), n.° 242 (144 ).
(438)
BAUMGARTEL,
Treu und Gl auben ,
B u t e
Si t ter; und Schikaneverbot im Erkerintnisver-
fahren,
ZZP (1956), 89-131 (119 ss. e 131), contra um certo simplismo anterior, presence, p. ex.,
em
BELTZ -
cf. infra,
745
3 7 8
- reconhece a aplicacao da boa fe no Direito processual civil,
mas redama que se proceda as adaptacoes necessir ias, dado o espirito especifico desse ramo
juridico.
(439)
Na origem desta tetraparticao, aplicada ao processo, encontra-se a monografia de
WALTER Z eiss,
Die arglistige Prozesspartei I Beitrag zur rechtstheorctischen Prdzisierung eines Ver-
botes arglistigen Verhaltens inn Erkenntnisverfahren des Zivilprozesses
(1967), 41, 52 ss., 100 ss., 123 ss.
e 150 ss., retomada pelo prdprio
ZEISS,
em
ZivilProzR
4
cit., 73-74,
pOr ROSENBERG/SCHWAB,
ZivProzR
1 3
cit.,
375, por
BAUMGARTEL,
Treu und Glauben im Zivilprozess,
ZZP 86 (1973),
353-372 (362-366), por
SCHELLHAMMER,
ZivProz
cit ., 584-585, por
STEIN /JONAS /SCHUMANN,
ZPO
cit., n. ° 248 ss. (146 ss.) e ainda, embo ra corn intencoes critical mais ou m enos extensas,
por outros
AA.
A mencio a esses grupos aparece urn canto misturada em
BLO MEYER,
ZivProzR,
cit ., 148-149. Com plementando um pouco essa tetraparticio, embora the respeite or quadros,
surge o agrupamento sugerido por
WOLFRAM HENCKEL,
Prozessrecht und materielles Recht
(1970),
370-374; este A. preconiza cinco grupos:
venire contra factum propriwn,
falta de interesse justi-
ficado no exercicio, dolo agi t . - i . 6, dolo facie, quid peti t , quod reddi turu s est ,
no sentido de ser
contraria a boa fe a exigencia do que, de seguida, deva ser rest ituido - cf.
infra §
320 - a aqui-
sicio desonesta de urn direito e o abuso de posicoes juridicas. A influencia de urn certo discurso
civil, prOprio do tema do exercicio inadmissivel de posicoes juridicas, nurna fase em que se
apresentava, ainda, fraccionariamente,
é manifests .
(440)
Exemplo deste tipo de concretizacio da boa fe em processo seria dado pela decisao
do BGH, em 23-Nov.-1977, NJW 1978, 426-427 (426) = ZZP 91 (1978), 486-488, coin an.
favorivel dc
KLAUS SCHREIBER,
488-490 (488). Entendeu-se ai que, por forca do dever de
comportamento honesto em processo, derivado da prescric5o da boa fe - § 242 BGB -
uma parte nao pode beneficiar do n
-
o decurso de urn prazo cuja notif icaclo, que produziria
a interrupcio, foi dolosamente Unpedida. No Direito portugues, hipoteses semelhantes tern
( 4 3 2 )
( 4 3 3 )
(434)
(435)
§ 14.° A universalizacdo da
boa fe;
o irrealismo
inetoctolqico
79
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 25/100
378
a escola historica as tendencias actuais
de
ven ire con tra fac tum propr ium
4 4 1 ) ,
a proibiclo de abuso de podere
4 2 ) e a
suppressio
( 4 4 3
). Neste elenco, mal se esconde utna
recepcio da sistematica interna do exercicio inadmissivel de posio
es
a .
As especificidades ensaiadas por alguns processualistas, reconduzind
o ,
por exemplo, o consubstanciar doloso de
posicoes processuais a um
terra de interpretacio de normas, duvidando da probicao de
venire
con tra fac tum propr ium
como tal, ou pondo entrave ao preterir dos
prazos estritos processuais atraves da
suppressio,
sac) apenas um reflexo,
contemplacio legal expressa; p. ex.: art. 321.° CC ou 203.0/2 CPC. Contra a configuracao
deste grupo como carp de aplicacio da boa le pronunciam-se
ZEISS,
Arglis tige Prozesspartei
cit.,
52 ss. (58 ss.), BAUMGARTEL,
Treu and Glau ben im Z iv i lpro ze ss
cit ., 362-363 e Holm. KoNzEN,
Rechtsverhaltnisse zwischen Prozessparteienl Studien zur Wechselwirkung von Ziv il - und Prozessrecht
bei der Bewertung und den Rechtsfolgen prozesserheblichen Parteiverhaltens
(1976), 252; cf.
STEIN/
/JONAS/
SCHUMANN, ZP0
20
cit., 146
16
. Estes AA. entendem, no essential, que nao haveria,
nos casos que integrariam este grupo, a violacio da boa fe, mas antes o contornar de disposicaes
legais, devendo, pois, resolver-se pela interpretacio. Corn alguns desses casos, pclo menos,
assim
serf. 0 grupo
em
causa tern sido aprofundado no Direito civil em torno da locucio
to quoque;
trata-se de uma via que poderia ser aproveitada com merit° no processo.
Cf.
infra, §
31.°.
(
44
' ) Exemplo Inuit° citado de vcfp em processo é o decidido em BGH 20-Mai.-1968,
BGHZ 50 (1968 ), 191-197 (192 e 196): um a parte nega a competencia do tr ibunal arbitral e,
citada perante o tr ibunal comum, excepciona o com promisso arbitral; o BGH entendeu haver
comportamento contraditOrio, em violacio da boa fe 242 BGB. 0 vcfp em Process°
é questionado por
ZEISS,
Die arglist ige Prozesspartei
cit ., 100-122, por
BAUMGARTEL,
Treu und
Glauben im Zivilprozess cit . ,
363-365 e 372 e por H.
KONZEN,
Rechtsverhaltnisse zwischen Prozess-
parteien cit . ,
237-238, 239-240 e 254 . Tambem
ROLF STORNER,
Die Aufk larungspflicht der Par-
teien dcs Z ivilprozesses
(1976), 91-92, tern o vcfp como construcio artif icial. No fundo, subjaz
a limitagio excessiva que adviria de uma permanente vinculacio das partes aos comportamentos
processuais
q ue
porventura assumissem urn dia, corn prejufzo para a possibilidade de se poderem
adaptar a evoluclo processual. Esta dificuldade surge tambem no Direito civil; cf.
it fra, §
2 8 ° .
(442)
Esta figura 6 urn tanto residual, abrangendo hipoteses de chicana
e de arrastamento
injustificado do processo; STEng/JoNAs/SolumANN, ZP0
20
cit ., Introduclo, n.° 254-257 (148,
-149),
ROSENBERG/SCHWAB,
ZivProzR
1 3 cit., 375,
ZEISS, Die arglist ige Prozesspa rtei cit . ,
150,
KONZEN,
Rechtsverhaltnisse zw ischen Prozessparteien
cit ., 270-273 e
H ENCREL,
Prozessrecht a
n
d
materielles Recht
cit ., 373-374. Cf HANS
MLLE, Pjlicht
zur
redlichen Prozess fi ihrung?,
FS RrEse
(1964), 279-294 (287).
(443)
Suppress io 6
a expressao proposta para traduzir a
Verwirkung, i .
e, a situacio em
que incorre a pessoa que, tendo suscitado noutra, por forca de urn nio-ex ercicio prolongado
,
da
boa
fe — cf.
infra, §
30°. A sua aceitacio ern Process° 6 pacifica, levantando apenas davidas
quando, atraves dela, se tente flexibilizar a presenca dos prazos rigidos, tfpicos do direito adjec-
tivo. A problemitica real escondida pela
suppress io — cf. infra, n.° 76 — nio aconselha tuna
transposicio simples do Direito civil pars o Processo, neste domfnio.
paid() alias,
das discussoes que t
4 4 4
ern animado, na doutrina civil, os
tipos concrctizadores da
boa fe
).
No Direito processual portugues, esta expresso atraves do
art. 456.°/1 CPC, embora mediante a cominacio dc
sancOes
pela
prCVatiCaciO,
o dever de comportamento segundo a boa fe, no pro-
cesso. Em torno deste preceito desenvolvem-se, em Portugal, uma
casuistica corn cunho prOprio, muito rica. M erece referencia.
I I I .
0 D ireito processual portugues desenvolveu uma n ocio de
ma f6 especifica, que so a nivel de grande abstraccao — corn uma utili-
dade discutivel — pode ser reconduzida a urn conceito que integre a
boa e ma fe civis. E importante sublinhar que csta especificidade adveio
mais da aplicacio dela feita, do que dos textos legais implicados.
0 art. 264.°/2 CPC, corn a mesma numeracao no CPC/1939, dispae
que as partes tern o dever de 0 ...conscientemente, nao formular pedidos
ilegais, nao articular factos contrarios a verdade, nem requerer diligencias
meramente dilatOrias». Este preceito deve ser aproximado (
4 4 5 ) do
art. 456.° /1 C PC, que determine a condenacio, da parte que
4
e
n 1 1 a
1 1 it oc
gp
qdu
o
6.02
CPC,
correspondente ao
465.° CPC/1939,
o litigante de ma fe como
4...
tiver deduzido pretensio ou oposicio cuja falta de fundam ento no igno-
rava.,
,...°
que tiver conscientemente alterado a verdade dos factos ou
omitido factos essenciaiso e a...0 que tiver feito do processo ou dos meios
processuais urn use manifestamente reprovivel, corn o fim de conseguir
um ob jectivo ilegal ou de entorpecer a accio da justica ou de impedir a
descoberta da verdadm Correspondendo ao termo de uma larga tradicio
'444,
;
Cf.
isyia, §
28.° ss.. Outras aplicacoes da boa fe no Direito privado, tais como o
seu papel no dominio da constituicio de deveres autonomos, tem levantado resistencias
na
sua transposic5o para o processo.
STO RNER,
Die
Aufk larungspfliela
der Parteien des
Zivilprozesses
cit., 87-92, vem dizer que o dever de informacties, a cargo das partes no processo, ficaria mail
clam se fosse derivado, por analogia, d e disposicOes legais diversas, cm vez de assentar na boa fe.
Como se vera, a tentativa de assacar os institutos concretizados a partir da boa fe a diversas
disposicoes legais, alargadas pela analogia, foi ji urn lugar-comum na Ciencia privada. Esse
procedimento, que depara sempre coin as limitaciies prOprias da aplicacio analogica, nao
permite, porem, tratar todos os casos que integram os institutos em causa, ao mesmo tempo
que tolhe soluceies novas. Por outro lado, areas especificas do Direito processual civil tern
provocado manifestacOes contrir ias I interferencia da boa fe, m esmo por parte de A A. que
sio favoriveis aplicacio processual da
bona fides;
assim, no tocante ao onus da prova, veja-se
a recusa de
TH EUERKAUF,
Bewe is la s t, Bewe is fahru ng u nd Teen u nd Glau ben
cit., 451.
(
445
) ALBERTO DOS REIS,
Comeradrio,
3 (1948), 4 ss. (5), sublinha que as nes hipeteses
de ma fe, ent5o com preendidas no art. 465.° CPC /1939, correspondem aos tres deveres positiva-
mente indicados no art. 264 .°: o de nao form ular pedidos ilegais, o de nao articular factos
contrarios I verdade e o de di° requerer diligencias meramente dilatorias. Estes aspectos pode-
tram ser reconduzidos a
urn dever
de probidade e a outro de colaboraclo. Desse A., tambem
Cod.
An. 1
3
(1948) , 366.
380
§ 14." A universalizaccio da boa j '; o irrealismo me todologico
81
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 26/100
Da escola his tdrica ds tendencias actuais
historica portuguesa
(
446
), o art. 45642 CPC permite, no seu seio, dis_
tinguir os ch. dolo substancial do dolo processual; no do lo substancial,
deduz-se pretensio ou opo sicao cuja improcedencia nao poderia se
r
omits-se urn elemento essential — dolo indirecto; no dolo instrumental
faz-se, dos meios c poderes processuais urn uso manifestamente repro-
vivel
(
447
). Ma s, como se infere, alias, do uso, a tal propOsito, do termo
«dolo*, tudo isto a entendido de m odo restrito.
PAULO CUNHA
explicara
que, apesar de a boa
fe
ser uma co nstante em today as relacties juridical,
incluindo as processuais, ela nao deveria, nestas, ser entendida de m odo
ilimitado: a ideia de luta, subjacente, segundo
P. CUNHA,
a
de processo,
implicaria, de mod o forcoso, a asticia, lancando maos de meios que,
embora legais, nao correspondem ao ideal de justica; a boa fe processual
deveria ser limitada, aproximando-se a m a fe do d olo
(448
).
(
4 4
9 Remonta as Ordenacoes Afonsinas, em cujo Liv. V, tit. XXVIIII =
Collage
cit.,
5, 109-1 10, se dispunha: r iE se o juiz achar, que o accusador querellou maliciosamente,
ou que he revoltoso, ou useiro de fazer taes querellas e accusacooes, ainda que aja per hu cor-
regua, e pague as custas, den-Ihe de mais algua pena arbitraria, qual merecerio. Cf. PAUL O
C U N H A ,
Simulaccio processual e anulacio do caso julgado
(1935), 33-34 e A. FURTADO DOS SANTOS,
A punk& dos l i tigantes de mei- fe no direi to potr io,
BMJ 4 (1948), 44-56 (53). Mais proximamente,
DIAS FER REIRA di conta de que, apesar da lei de 12-Nov.-1822, da Constituinte, que acabara
corn tal regra, grassou, durance o sec. xtx, a pratica de, no termo do processo, condenar em
multa a pane vencida, ainda que de boa fe. A com issao que preparou o CPC/1876, por puras
razoes financciras, manteve essa norma odiosa que, tendo passado na Camara dos Deputados,
acabaria por ser revista na dos Pares — cf. Dins FERREIRA,
Cddigo de Processo Civil anotado
1
(1887), 204 . Nessa linha, o art . 121.° do CPC /1876 dispunha: aquando o juiz entender que a
parte vencida litigou corn ma fe, impor-lhe-a na sentenca a mu lta de 10 por cento do valor
em que decair•.
Quanto a pratica desse preceito — que nao suscitou o interesse dogmatic° pela boa fe
processual, dado que ela apareceria evidence — informa D. FER REIRA,
Cod. Pr. Civ. an.,
loc
sup. cit. , que rt.. . tao grande 6 a repugnincia dos tribunals em impor multa, mesmo aos liti-
gantes de ma fe, que 6 preciso ser esta evidentissima para decretarem a condenacaoo. Explica-se,
destc modo, tambern na Hist6ria, a tendencia que, desde o inicio, levou os tribunals a restrin-
gir as potencialidades conferidas pelos textos legislativos, acabando por confeccionar urn
conceito processual aut6nomo de boa e ma fe: sob o influx') da experiencia desagradivel ante-
rior, que obrigava a condenar na niulta a parte que decaisse, mesmo de boa fe, as condenacoes
em m ulta foram, no todo, evitadas, desde que essa possibilidade legal foi aberta.
(447)
F U R T A D O D O S S A N T O S ,
A puniciio dos l i tigantes de mei fe
cit., 48; CECILIA DA SILVA
D E S O U S A R I B E I R O ,
Do dolo ern geral e do dolo instrumental em especial no processo civil,
ROA 9
(1948), 3-4, 83-113 (101) — esta A. indica al outras classificacoes do dolo processual a traduz
o dolo substancial simplesmente como o que se reporta ao proprio merit° da causa e o instru-
mental como o que se prende ao uso dos meios e poderes processuais; J. G. SA CA RNEIRO ,
Mb fe,
RT 62 (1 94.4), 194-197 (194 e 196), que foca as dif iculdades
de
determinacio do dolo
substancial.
(448)
PAULO CUNHA,
Simulafik processual
cit., 21-24 C ALBERTO DOS REIS, Ma' fe
no
litigio,
RIJ 85 (1953) , 329-332 (332) .
De
facto, e independenternente do considerar-se o processo como
uma luta entre as partes, concepgao que regride, o dispositivo apontado
do CPC deve ser aplicado coin habilidade. Em rigor, qualquer parte
vencida na produclo de prova acaba, afinal, por deduzir pedido ou
oposicao nao fun damentaclas, sendo ainda de ter ern conta que so atraves
da prova exterior pode o juiz convener-se de que a parte ignorava,
ou
nao,
a falaciosidade da sua posicao. Outrotanto sucede corn o ch. dolo
instrumental; este, alias, so questionavelmente pode ser separado do
substancial, uma vez que o abuso dos meios processuais pods, apenas,
aferir-se pela sua improcedencia m aterial
(
449
). ALBERTO DOS REIS
exige,
assim, para a ma fe processual, nao a simples ausencia dc fundamentos
que, por si, nao e, dolo, ou , sequer, o erro grosseiro ou a culpa. grave:
o autor teria de fazer «...urn pedido a quc
conscientemente,
sabe
nao ter
direito; e que o reu contradiga uma obrigacao que
conscientemente sab e
que
deve cumprir*. A jurisprudencia do Supremo firmou, de modo claro, a
ideia, dizendo que
« S O
a lide essencialmente clole3a, a nao meramente
temeraria ou ousada, justifica a condenacao com o litigante de ma
fe, (
4
9.
(449)
Ha, no entanto, exemplos de dolo instrumental onde, apesar da impossibilidade
de abdicar da apreciacio de merit°, surge, em primeira linha, a idcia de uma actuacao processual
abusiva. Assim, em STJ 30-Nov.-1948, BM J 10 (1949), 225-228, condenou-se como litigants
de ma fe o advogado que, em causa propria: agrava do saneador; reclama contra o questionario;
recorre do despacho que the indeferiu essa reclamacio e de um outro que the desatendera
certos requerimentos; deixa desertos esses recursos por nao pagar as custas; agrava da decisao
de que estavam desertos; reclama da conta entretanto organizada, no que 6 desatendido; agrava
desta alma decisio; subindo o process6 para apreciacio dos recursos e negado o seu provimento
pela Adagio, argui o relatorio em causa de nulo, no que foi considerado improcedente; interp6e,
daqui, urn confuso recurso para o Suprem o, onde levanta questoes desconexas e sent indicar
disposicoes violadas; pede, alem disto tudo, esclarecimentos de quase todos as despachos pro-
feridos na 1.' instancia; e consegue, corn esta actuacio, que ulna accio proposta em Junho
de 1943 estivesse, a data do oairdao do STJ — Novembro de 1948 — ainda na fase do
questionario Em STJ 12-NOv.-1948, BM J 10 (1949), 218-219, condenou-se, tambenr, como
litigante de ma
a ,
a parte quc reclama da conta, apresentando numeros corn ela coinci-
dentes, s6 para protelar o andamento da causa, c, em STJ 1-Jul.-1949, BMJ 14 (1949), 167-168
(168), aquela que reclama e cuja reclamacio, ainda que atendida,
de
nada the aproveitaria. As
multas severas aplicadas pelo Supremo, nestes casos, redo surtido efeito pois nao se cncon-
tram situagOes similares recentes.
( 4 5 °
) Quanto a formula do Supremo, cf . STJ 17-Nov.-1972, BMJ 221 (1972), 164-169
(
167
). Anteriormente, o conterldo da m a 16 processual nao era entendido corn tanta clareza;
assim, em STJ 24-Jun.-1949, BMJ 13 (1949), 291-294 (294), decidiu-se que t ...a recorrente,
corn o intuito de se locupletar a custa das recorridas, alegou factos que, por verdadeiros,
bem sabia que rid° poderia provar c que fez, do presence, uso manifestamente reprovivel, corn
0
mesmo objectivo ilegal, para protelar a accio da justica. Estes dolos substancial e instrumental,
Previstos no art. 465.° CPC, merecem severa puniciot Como se ye, nao lia, aqui, uma deli-
mitacao inequlvoca ao dolo, sendo certo que a impossibilidade de provar certos elementos se
deveu, afinal — como em todos os litigios onde haja controversia quarto aos factos — a terem
382
a escola historica as ten&ncias actuais
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 27/100
Na
verdade, o esquema da cham ada ma
fe
processual evoluiu, por
obra da jurisprudencia, ja que a doutrina tern sido parca, passando o assunt
o
45 1
), no sentido que a levou a areas proxima
s
da indemnizagio por ma
f e ,
faz, dela, uma obrigacio d e ressarcir os dado s
a parte lesada. Tern, contudo, urn cunho proprio, pois assenta no que
ALBERTO
nos
REIS
chamava de deveres de colaboracio e de probidad
e
,
ainda que entendidos com o de inobservincia relevante, apenas, no dolo
e pressupee a violaca'o de interesses publicos, base da m ulta a que da,
tambem, lugar.
Uma jurisprudencia recente tern vindo a tornar mais elastica e mais
exigente, nalguns casos, a nocio de boa
fe
processual. 0 dever de ver-
dade agudiza-se nas accties de estado, dados os valores em jogo: tem sido
condenados por litigancia de m a fe os investigados que neguem ter tido
relag
-
oes corn as macs do s investigandos,contra o que se venha a pro-
var
(
45 2
). Deste modo, sem ser redutivel a urn misto de ilicitude e de
sido provados factos contririos. Tambem em STJ 12-Jul-1949, BMJ 14 (1949), 212-216 (215),
se viu litigIncia de mi fe na alegacao de factos falsos; cf., ainda, STJ 7-Jan. 1949, BMJ 11 (1949),
116-120 (119-120).
Salva a evolucio a que, no texto, se faz, depois, referencia, a jurisprudenc
-
ia sobre liti-
gancia de mi
fe f ixou-se
em tcrmos bastante mais estritos. A formula de que ela co.responde
a elide essencialmente dolosa, e nio meramente temeriria ou ousada* foi retornada noutras
decisaes; p. ex., STJ 13-Fev.-1979, BMJ 284 (1979), 176-185 (185). Noutro acordao, expli-
cou-se que a mi fe processual corresponde ao dolo e nio a culpa grave no pleito ou a lide teme-
riria - STJ 28-Out.-1975, BMJ 250 (1975), 150-158 (158). 0 tipo de materia que, najurispru-
dencia do Supremo, justifica tal assercao é, sempre, de teor gritante: p. ex., em STJ 5-Abr.-1979,
BMJ 286 (1979), 200-205 (205), viu-se mi f6 no alegar da realizacao de uma assembleia geral
inexistence, corn exibicao de acta ficticia e em STJ 24-Jul.-1979, BMJ 289 (1979), 267-270
(269), entendeu-se ser tclificil, sem dOvida, encontrar-se uma situacao t5o
vincadamente
de mi
fe
como a dos autos, [o italico a do texto do acordaol nos quais um senhorio movera tuna
accao de despejo contra uma pessoa, obtendo o competente mandato de despejo, verificando-se,
na execucao, que no local arrendado permanecia, na realidade, nao o R. no despejo, mas
outra pessoa, autorizada, por escrito, pelo proprio senhorio.
(451)
Registe-se, apenas, uma referenda incidental em
MANUEL DE ANDRADE/ANTUNES
VARELA,
Nocaes eletnentares de Proc esso Civi l ,
1 (1963), 355-356, numa transcricao de
CALA-
MANDREL
(452)
Em STJ 1-Fev.-1974, BMJ 234 (1974), 246-249 (248), condena-se como litigante
de mi fe o investigado que negou as relacaes corn a mac da investiganda, que vieram a pro-
var-se, outrotanto sucedendo ens STJ 21-Fev.-1978, BMJ 274 (1978), 269-272 (271). No
mesmo sentido, pode apontar-se uma serie de ac. da RCb: RCb 16-Jan.-1979, 24-Jan.-1979
e
s dois prizneiros sumariados no BMJ 284 (1979), 294 e o terceiro no BMJ 29
0
por STJ 21-Jun.-1968, BMJ 178 (1968), 176-177 (177), onde se teve por de mi fe a atitude
do R. que, numa separacao judicial de pessoas e bens, negou certas ofensas feitas a A., que vie-
ram a
provar-se. Porem, em STJ 14-Nov.-1978, BMJ 281 (1978), 219-221 (220), No se yin
§ 14.° A universalizacao da boa fe; a irrealismo metodologica
83
culpa - ao estilo da ,falta* francesa - de que tern, no entanto, elemen-
tos, a ma fe processual constitui urn instituto autonomo, dotade de
potencialidades que a jurisprudencia tem vindo a aprofundar. Na'o
corresponde, tambem, a ma fe civil, nod
-
ao cujas implicacees, been mais
complexa s, se ira investigar.
IV. No Direito public° material, em particular no Direito
a
dministrativo, a penetracio da boa fe pareceria, a uma primeira
c
onsideracio, m ais delicada. Contra ela, poderia ter jogado o enten-
dimento liberal da no intervencio do Estado na Vida civil. Essa
intervencio, a verificar-se, teria sempre natureza ex ceptional e care-
ceria, caso a caso, de apoio expresso na lei. A ocorrencia de espacos
vazios contrariaria o espirito do Direito ptiblico que nao admitiria
lacunas
(
45 3
).
Na
falta destas, nao quedaria campo de aplicaclo para
a boa
fe,
tanto mais que, nos inicios da p6s-cod ificacio, ela foi, no
pr6prio Direito privado, confinada a aspectos integrativos. Este
mi fe na R. que, era accao de divorcio, nega o adulterio que se vein a provar; nab obstante,
o Supremo nits alterou, aqui, a sua jurisprudencia: explica, no texto do acordao cit., corn
clareza, que o facto alegado nao relevava para o andamento da causa e que, sendo torpe, nio
tinha de ser confessado.
( 4 5 3)
KATHARINA SAMELI,
Treu und Glauben int
a f f e n d i c h e n
Recht / Einige grundsdtzliche
B e t n e r k u n g e n
anhand der Rechtsprechung des Schweizerischen Buttdesgerichts, SchJV
111 (1977),
289-390 (303-304) e
MARCEL BAUMANN,
Der Begr i f f von Treu und Glauben i ts o f fen t l ichen
Recht
(1952) cit., 71. A aplicacao da boa
fe
no Direito pUblico material,
m a x i m e no Direito
administrativo, foi, ainda, contraditada pelas orientacoes que entenderam dtfender uma sepa-
racio rigida entre os Direitos privado e pablico. Assail,
HARTMANN,
Ueber die Zu lassigkei t
gegenseitiger Aufrechnung Offentlichrechtlicher and privatrechtlicher Forderungen,
VwA 25 (1917),
389-409. Este A. explica
- idem,
392-393 - que, enquanto o
Corpus luris C ivil is e o ALR
incluiam, em conjunto, normas privadas e pUblicas, o BGB teria cstabelecido uma separacao
estrita; mesmo na hipOtese de lacuna
- idem,
396-397 - nao seria licito recorret ao Direito
civil, havendo que a integrar a face das regras de Direito public°, except() havendo remisslo
para normas privadas; como fundamento para esta compartimentacio,
HARTMANN
- idem,
403
- apresenta os ch. «interesses publicos*, que nada teriam a ver coin os privados, que
preencheriam todo o Direito civil. Tambem
OT T O
MAYER,
DeutVwR
3
(1924, reimpr. 1964)
1, § 115, II (115, 117 e 118), defende que as relacaes entre o Estado e os administrados se regem,
apenas, por Direito public°, que a inadmissivel proceder, no seio deste, a operacoes de melhoria
ou de complementacao atraves da analogia corn disposicaes civis, que nib hi institutos comuns
privados e publicos e que nio hi nem institutos publicos coin efeitos civis nem institutos esta-
duais mistos. Tais entendimentos, que corresponderam a uma necessidade historica da auto-
-
afirmacio do publicismo, nao colhem, embora tenham deixado sequelas na literatura posterior.
Normas privadas e ptiblicas entrelacam-se e modificam-se no espaco juridico, desmentindo
qualquer isolamento de sectores. A nivel cientifico, o Direito privado s6 tern ganho corn os
contributos recebidos do publicismo. E tera, porventura, algo para dar.
384
a ,escola h is tOrica
a s
tendencias actuais
85
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 28/100
raciocinio nunca teria urn peso efectivo na teoria
c
na pratica juspu-
blicisticas. Para tanto, terao contribuido a sua natureza fragm en-
tiria e dificuldades praticamente inultrapassiveis de sistematizaci
o
a
,
mais do que qualquer outro ramo juridico, de principios dotado
s
ticas para poder acudir a quaisquer falhas a nivel de fontes,
fossem, em simultineo, dotadas de sentido bastante para evitar a queda
na discricionariedade pura. A b oa fe fez, assim, a sua aparicao n
o
Na im plantacao da boa fe no Direito pUb lico, a possivel ensaiar
uma reparticao de fundamentacoes em metajuridicas e positivistas. As
primeiras, conduzidas por AA. como
STAMMLER
e
SAUER,
assentando
a boa fe cm factores extra-positivos, como o Direito justo ou a ideia de
justica, nao tem dificuldades em encontra-la, por essa ordem de ideias,
tambem no Direito pUblico. As segundas tentam transpor a boa fe para
o Direito pUblico, atraves de cana is juspositivos. Recorrem, para tanto,
analogia, a mediagao de uma «Parte gerals do Direito ou a existencia
de principios comuns a todos os ramos juridicos. Este Ultimo entendimento
obteve, cedo, o apoio do Tribunal do
Reich,
embora em materia nao ligada
it
boa
fe: em duas decisOes, de 2-Jun.-1916 e •15-D ez.-1916, respectiva-
mente, decidiu-se que o § 6 18
BGB,
que prescreve urn dever de assistencia
a cargo do empregador, tinha, subjac ente, urn principio desse teor, pelo
qual o Estado ficaria adstrito a assistencia dos seus funcionarios (
4 54
).
0- im pulso decisivo para a transplantacio da boa 16 no Direito
ptiblico foi dada, mais uma vez, pela jurisprudencia. Apesar de
algumas dccisoes negativas iniciais, que no deixariam sequelas
(
455
) ,
breve surgiu uma jurisprudencia convicta favorivel a boa fe.
A
decisio
do
RG
de 11-Dez.-1925, embora decidindo de m odo
negativo a pretensao apresentada e defendida
no
processo, corn base
na boa f6, reconheceu a vigencia desta no Direito public°. Discutia-se
ai a questa° posta pela pessoa que, tendo sido detida, fora solta mediante
( 4 5 4 )
RG 2-Jun.-1916, LZ 1916, 1102 (n.° 18) e RG 15-Dez.-1916, LZ 1917, 740-742
(741-742) (n.° 4). A evolucao de que, no texto, se deu noticia breve, documenta-se, alem de
nas obras referidas na nota anterior, em
ADOLF SCHOLE,
Treu und Glauben im deutschen Vw.R,
VwA 38 (1933), 399-436 c 39 (1934), 1-41 (404 ss., em especial), em
ICAIU. H ERMANN
semen
,
Treu und Glauben im Zugleich ern Beitrag zur juristischen Methodenlehre
(1935), 31 ss.
,
e e m
AUMANN;
Treu und Glauben im
offR
cit., 49 ss., akin de nas obras
inf. cit..
455
) KARL HERMANN SCHMIDT,
Treu und Glauben im VwR
cit.,
31-32
89 .
§ 14.° A
universal i zaciio da boa fe; o i rreal i smo metodol iSgico
caucio. Realizado o julgam ento, foi absolvida. Vem exigir que, na resti-
tuicao da quantia entregue com o garantia, se tivesse em conta a inflacio
elevada que grassava, emit), na Alemanha, revalorizando-a. Adiante-se
que, nessa altura, a possibilidade de, tendo em conta a depreciacio mone-
taria, revalorizar urn debito pecuniario, fora ja adm itida na jurisprudencia
civil, corn base no principio da boa
fe (
4 5 6
) . 0 RG,
focando nao haver,
neste caso, uma relacio con tratual com as suas exigencias de equ ilibrio
entre as prestacOes, explicou que, embora o § 24 2
BGB
tenha aplicacio
no Direito pUblico, de nao deveria funcionar no caso vertente (
4 57
).
Em 2-Fev.-1926 discutia-se o seguinte. 0 Estado, por suspeita de
especulacio indevida, apreende oito caixas de banha e vende-as, em termos
legais. No processo competente, o ex-proprietario das caixas 6 absolvido.
Alegando a inflagio, recusa a simples entrega do dinheiro realizado corn a
venda, pretendendo que a quantia respectiva fosse revalorizada. 0 RG,
contra as instancias, concede a revalorizaclo explicando que =ban
o Estado, nos seus deveres de pagamento, esti submetido it boa fe, con-
sagrada no § 242
BGB
(
458
).
Verifica-se, dente modo, que a crise economica complexa que,
no periodo de entre os dois conflitos
mundiais, provocou um
aprofundar,
no D ireito privado, das potencialidades da boa fe, foi
tuna base importante do seu enraizamento no Direito paha:.
(
459
).
Data
ainda dessa epoca, uma serie de m onografias sobre a boa fe
no Direito administrativo
(460)
.
Essas monografias, em conjunto
com varios estudos parcelares, revelam urn certo debate em torno
da natureza da boa fe e das suas vias de concretizacIo, sem
correspondencia no panoram a oferecido pelo D ireito processual.
Desse debate, num certo efeito de retorno, adviriam mesmo contri-
butor titeis para a boa fe civil.
Embora aquem das suas pretensties, cabe referir, em primeiro lugar,
o livro de KARL HERMANN SCHM ITT. SCHMITT quis integrar o movimento
de «renovagio do Direito*, langado depois do advento do nacional-socia-
(
45 4
)
A partir da celebre decisio do KG de 28-Nov.-1923, RGZ 107 (1924), 78-94
.°J
.
CV 1924, 38-43 = DJZ 1924, 58-65. Cf.
infra,
n.° 95.
(
45 7
)
RG 11-Dez.-1925, RGZ 112 (1926), 221-226 (221-222 e 224-225).
(
45 9 )
RG 2-Fev.-1926, RGZ 113 (1926), 19-25 (19, 20 e 24).
(459)
Embora n-
ao exclusiva nem, com probabilidade, necessaria. A boa fe teve outras
aplicac8es que n
-
ao se ligam, de modo directo, a temas econ6micos; assim, em RG 3-Abr.-1925,
RGZ 110 (1925), 385-388 (387), entendeu-se a boa fe como bitola de interpretacio dc declara-
Vies pfiblicas.
(460)
Corn relevo para
ADOLF
S c H t Y L E , K . H .
SCHMITT, THEODOR PRAUN,W. JELLINEIC,
W r ia N z a
KNIEZER
t
FERDINAND GOWA,
ji
citados ou a citar.
25
386
a
escola historica as tendencias actuais
§ 14.° A
universalizociio da
boa fe; o irrealismo inetodologico
87
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 29/100
lismo e que teve, entre outras caracteristicas, uma predileccao parti-
cular pelo desenvolvimento das clausulas gerais
(
461
). A contestagio
ao positivismo pretendeu ser, tambem, urn dos fins cond utores dessa linh
a
462
). SCHMITT
procede, assim, a uma critica de concepcOes
juspositivas anteriores e, em especial, da jurisprudencia dos interesses de
HECK,
a quern acusa, corn razio alias, de nao indicar, em U ltima analise,
urn criterio que, permitindo uma graduacio dos interesses em confront°,
concitasse saidas materiais para os problemas.
SCHMITT
acrescenta que,
para tanto,
HECK
teria de se apoiar numa mundivivencia, o que nao
fez
(
463
). Analisando a jurisprudencia e a literatura do seu tempo, Scm irrr
expae que a pritica juridica da boa
fe
socobrava no empirismo
(46
4).
Por outro lado, a reconducio da boa fe a urn papel integrativo de lacunas,
ao gosto, como se sabe, da metodologia heckiana e dos seus seguidores,
representaria um desvio desnecessario e levaria a dispensar a boa fe
(
465
).
Quanto a o rdenacio e agrupamento dos casos de manifestacio da boa
fe,
Sciparr acolhe, na pratica a proposta de
GOWA (
46 6
):
uma triparticao
em tees campos: o da interpretacao da vontade, o da determinando da
prestacio onde se integraria o caso importante da ch.
clausula rebus
sic stantibus —
e outros, corn inclusao, al, de vectores relacionados corn a
revogabilidade dos actos administrativos e corn a proteccao da con-
fianca
(
467
). SCHMITT,
num decalque pouco conseguido da letra, ji eneio
muito ultrapassada, do BGB, acaba por cair num po sitivismo mais intenso
do que aquele que, por vezes corn interesse, criticara. Na parte afirmativa
da sua construcio laboriosa,
SCHMITT
nada acrescenta de valido. Corn
remissoes abundantes para o caso concreto, acaba por remeter o conte6do
da boa
fe
para *os juizos de valor dos membros da comunidadm A boa fe
no seria, assim, uma norma juridica; permitiria antes, na falta
de
normas
ou nos casos em que estas nao correspondessem ao sentir popular, encon-
trar saidas consentaneas corn o conv encimento juridico do povo ( 4 6 8 ) .
(
4
9 BERND RUTHERS,
Die unbegrenzte Auslegung / Zum Wa ndel der Privatrechtsordnung
im Nationalsozial ismus
(1968), 145 ss. e 237 ss., p. ex.; existe uma 2.'
ed.
de 1973, sem alteracties;
cita-se pela 1.'. Ainda sobre esta obra,
cf.
a rec. de
EGON LORENZ,
RTh 1 (1970), 242-247
(245).
(462)
K. H. Sousirr,
Treu und Glauber;
cit., 12 ss. e 26 ss..
(463)
K. H. Sormirr,
Treu und G lauben
cit., 18.
HECK
tentaria responder a essa critica
em Rechtserneuerung und Interessenjurisprudenz ci t . ,
e noutros locais, alegando, em especial, a
neutralidade filostifica da sua orientacio.
(464)
K.H. Scramix
.
r,
Treu und Glauber;
cit., 27.
(465)
K.H. ScruArr-r,
Treu
und Glauben
cit., 37 e 39.
(466)
FERDINAND GOWA,
Die Rechtsnorm von Treu und Glauber, im Verwal tungsrecht
(1933),
em especial 24.
(467)
K.H. Scramirr ,
Treu und Glauben
cit., 127-142.
(468)
K.H. Soimirr.
Treu und Glauber,
cit ., 98 e 145-146, p. ex. Uma posicio semelhante
assumida por
WERNER
WEBER,
Zum Grundsa tz von Treu und G lauben im Verwa l tungs rech t ,
ZAKDR 7 (1940), 223-224 (223), que fala em econsciencia juridica do sentimento popular sios.
Repare-se, que na apresentaglo da boa fé como correctivo, nao ha
novidade; embora seja um a posicao aprazivel, para combater o juspo-
sitivismo anterior, nao se indica, porem, urn criterio material para ope-
rar, fazendo-se, apenas, uma remissao para o convencimento juridico
do povo. A Hist6ria deinonstraria as prevers6es encobertas por tal
esquema.
Embora m enos significativas, merecem ainda mencio as m onografias
de
PRAUN,
de
GOWA
e de
KNIEPER. PRAUN
entende a boa fe
como uma
remissio para a equidade: ao contrario do Direito, que contemplaria as
situagoes num nivel de generalidade, esta procuraria a justica e o equi-
librio no caso concreto
( 469 ).
No que respeita a suas vias de concretizaclo,
P R A UN
releva a revalorizacao, a boa fe nos contratos de Direito publico(
4 7 0
),
no funcionalismo e nas relacoes puras de soberania, determinando, ai,
a proibick de a rbitrio e de falsidade, a con sideragio pelos interesses dos
cidadlos, a imputacIo a Administracio e a
clausula rebus sic stantibus(
4 7 1
) .
GOWA,
negando que a boa fe tenha urn conteado etico, utiliza-a para
acentuar o factor da lealdade nas relagOes entre Administracio e adminis-
trados
(
472
). Triparte os tipos de aplicacio da boa fe pelos ambitos da
interpretacio, da fixaga'o do dever de prestar e dos comportam entos sin-
gulares
(473
); patente, pois, a letra do BGB .
KNIEPER,
muito apoiado em
KONRAD SCHNEIDER,
de quem retem, em especial, a afirmacio de que a
boa fe exigiria um a ponderacio aparticlaria dos interesses em jogo, garante
que a boa fe, nab tendo conte6do etico, a urn instituto comum aos Direitos
privado e pUblico, comportando embora efeitos diferentes nos dois
dominios respectivos
(474
). Quanto a aplicacOes concretas, refere a vin-
culabilidade dos comportamentos anteriores —
venire contra factum pro-
prium — a revalorizacao, os deveres de assistencia aos funcionarios,
a cargo do Estado e de lealdade, a cargo daqueles e a necessidade de nao
contornar a lei (475
).
(469)
THEODOR
PRAUN,
Treu und Glauben in der Verwaltungsrechtsprechung
(1933), 2
-5, 10
e 54; a boa fe poderia preterir, segundo este A., o Direito positivo.
(470)
Neste campo, dado o patalelismo corn situacoes juridicas privadas, a utilizacio
da boa fe surge como facilitada. Cf., p. ex., as aplicacEies da boa fe no Direito public°, seriadas
por A.
SCH ULE,
Treu und Glauben
cit., VwA 39, 1 ss..
( 4 7 1 ) PRAUN,
Treu und Glauben
cit. , 30-50.
( 4 7 2 )
GOWA,
Die Rech tsnor rn von Treu und G lauben
cit., 60 e
passim.
(473)
GOWA,
Die Rechtsnorm von Treu und Glauben
cit., 24, 44 ss., 51 ss., 59 ss. e 75-76.
( 4 7 4 )
WERNER
KNIEPER,
Treu und Glauben im Verwaltungsrecht
(1933), 19, 20, 21, 24
e 29; o A., na linha, alias, de K.
SCH NEIDER,
enquadra a boa fe no campo da integracio
de lacunas.
( 4 7 5 )
KNIEPER,
Treu und Glauber ,
cit., 55-57. Analise importante da boa fe no
Direito administrativo é, ainda, a de
ADOLF SCHULE,
Treu und Gl auben
eutschen Verwal-
tungsrecht
cit. . Esse A., que procede a uma aproximacio d a boa
fe
corn a Etica —
ob. cit.,
401,
404, 4 05 e 429, p. ex. — regista as dif iculdades de transposicio para o Direito pdblico, dada a
esPecificidade dos escopos prosseguidos por este, mas conclui pela possibilidade de principios
388
a escola histdrica as tenderscias actuais
§ 14.° A
universalizacio da boa fen; o irrealismo m etodoldgico
89
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 30/100
A
literatura publicistica sobre a boa fe sintetiza-se, no periodo
de expansao dense instituto, numa recusa m arcada de construct
-
5 e s
metajuridicas — desconto feito a
K.-H. SCHM ITT,
corn o seu recurso
formal ao «convencimento do povo* — na admissibilidade de cor-
rectivos as normas juspositivas, por forgo da boa fe, e numa
aderencia marcada aos esquemas descritivos proporcionados pelo
BGB
(
476
). Surgem referencias I necessidade de adaptar a boa fe as
realidades juspublicisticas, corn enfoque particular para os cham ados
interesses
ptiblicos*. Haveria, daqui, uma limitagio a certas saidas
proporcionadas pela boa 1
.
6 no D ireito civil
(
477
.
V.
A
evolugio posterior determinaria uma quebra progressiva
no nivel das referencias a boa fe, por parte da literatura publicistica
geral. As mencoes a
bona fides
quedam-se por sectores ligados ao
comuns —
ob. cit.,
405-409. Indica, depois, regras informativas da aplicacio da boa
fe
no Direito
administrativo, corn relevo para a sua incidencia na Administracio como nos particulares e
para a sua inaplicabilidade numa side de
COOS,
como sejam a necessidade de forma esptcffica,
a presenca de disposicoes estritas ou o estar em jogo uma fungi° essential de Administracio,
e acaba por conduir pela natureza subsidhria da boa fe —
ob. cit.,
425-434. Numa parte espe-
cial do seu estudo, Saitha alinha jurisprudencia da boa
f6
que
revele
nesta, sucessivamente,
uma regra de interpretacio, uma norms de cumprimento, uma sada para o impediment°
indevido de ve rificacio de condicio, a proibitio de
venire contra faction proprium e a suppressio
— o b. cit., 1 ss ., 11 ss ., 15 ss ., 21 ss . e 32 ss ..
( 476)
Aspectos mais distantes da letra do BGB nao ocupar am muito os AA. acima
examinados. Nio obstante, efts nio deixaram de estar representados na literatura do Direito
public°. Assim,
W. JELLINEX,
Tr eu u n d Gla u b en im VwR
cit. , 807, aponta o tema dos com-
portamentos contraditorios, enquanto a
suppressio
mereceria o interesse, mais tarde,
de
RUDOLF
FRANZ STICH -
Die Verwirkung prozessualer Befugnisse im Verwaltungsstre i tverfahren,
DVBI
1956, 325-330 (327) e
Die Verwirkung im Verwaltungsrecht 1 Eine kr i t ische Bilanz der neueren
Rechtsprechung,
DVBI 1959 , 234-239 ( 235) — que , na l inha da sua intervenclo na m ateria
— Vertrauensschutz im Verwaltungsrecht
(1954 ), 26-27 e 56 ss. , p . ex. — a reconduz a um prin-
dpio de proteccio da confianca.
( 477)
Ponzscx-HEFFrPst,
4Tr eu u n d Gla u b er a u n d
itten . im offentlichen Recht,
DJZ 38 (1933 ), 739-743 (741) — u lna os limites que o interesse public° poe I aplicacio da
boa
f 6 —
H ELLER,
Nochmals: Unzulossige Rechtsausabung und iffentlich-rechtli the Ausschluss-
fristen,
NJW 1957, 1222-1223 — foca a necessidade de respeitar os prazos administrativos,
contrariando pois a sua correctibilidade pela boa f6 — e KLtus T IPHE
Gesetzmissigkeit der
Verwaltung und Treu und Glauben,
StuW 35 (1958) , 737-752 (737 e 750 , p . ex . ) — sub l inha o
facto de a boa
fe
oder, no Direito public° e, em e special, no Direito fiscal, subverter a
regra da conformidade legal da Administracio. Esta necessidade de adaptacio E acusada, tam-
bent, pela jurisprudencia; em RG 9-Jul.-1935, RGZ 148 (193 5), 266-270 (269), le-se, assim, que
a aplicacao da boa
fe
ao Direito ptiblico E limitada pelos interesses publicos que at dominam .
Direito privado
478
e pelo D ireito fiscal (479, proximo, em certos
a
spectos tradicionais, da cultura juridica obrigacional. A discussio
sobre a natureza e a extensio da b oa fe desapareceu das piginas
da literatura publicistica.
A
e s s a
afirmaclo, deve exceptuar-se a doutrina publicistica suica.
Motivado pela generalidade por que o art. 2 ZGB consagrou a boa fe (
4 80
),
o espaco cultural helvetico mantem, no Direito ptiblico, referencias intensas
a urn discurso sobre boa fe. Na sua monografia sobre a boa fe no Direito
pliblico, BAUMANN
entende esse instituto como radicado no Direito
natural e, nas suas relaceies corn o D ireito positivo, afirma q ue apenas
ela pode assegurar a prossecucio dos objectivos deste (
4 8 1
). Em tal base,
confere uma aplicagio lata a boa fe, corn poderes vinculantes perante o
proprio legislador, corn capacidade para manobrar
intra, praeter
e
contra
l e g e m
e corn aplicagoes sugestivas no Direito administrativo, designada-
mente no campo da proscricio do arbitno, do venire contra factum pro-
prium,
da revogagio de actos administrativos e do funcionalismo (
4 82 ) .
Seduzido, de igual modo, por considerandos morais,
GIACOMETTI afianga
que a boa fe no a urn principio autonomo, mas urn «componente
enco de cada proposigio juridica* (
4 8 3
); atribui-lhe, em consequencia,
( 478)
o caso, em particular, dos negeocios do Direito privado celebrados pelo sector
public° estadual. Pos-se, depois da Guerra de 193 9-45, o problema de saber se o Estado, face
boa fe, poderia alegar nulidades negociais por de provocadas, por falta de forma, por vfcio
de representacio o6 por carencia de autorizacio. H.C.
NIPPERDEY, Formmangel, Vertretungsmackt,
f ehlende Genehmigung bei Rechtsgeschaften der offentlichen Han d und Treu und Glauben,
JZ 1952,
577-581 (578-581), pronuncia-se pelo primado da boa fe, enquanto
GiY NTHER Barrzxx,
Treu und
Glauben bei Privatrechtsgeschaften der offentlichen Hand,
MDR 195 3, 1-3 (3) , impressionado pela
necessidade de tutelar .interesses ptiblicont, opina em sentido contrario. FRANZ
SCHOLZ,
Treu
und G lauben bei Pr ivatrechtsgeschaften der offentlichen Hand,
NJW 1953, 961-963 (961 963),
chama, a esse propesito, a atencio para a vigencia universal da boa fe no D ireito public°, para
o predorninio da moralidade sobre a lei e para a natureza grave da violacio da boa fe, conec-
tada corn a confianca.
WALTER HAMEL,
Formen und Vertretungsmacht bei Rechtsgeschaf ten der
offentlichen Hand,
DVB I 1955, 796-800 (797 e 800), entende que os efeitos da boa fe sio menores
perante corpos pilblicos do que face a outros sujeitos jurfdicos e que a Administracio silo
poderia, em nome da boa fe, ficar adstrita a meras declarac5es orais, feitas por agentes seus,
enquanto H.
W. WILD,
Treu und Glauben bei Privarechtsgeschaf ten der of fent l ichen Hand,
NJW
1955, 693-696 (6% ), corn larga casuistica, recomenda urn respeito particular pelas normas
de competencia.
( 479)
Cf. infra, 392 ss. .
48
°) Cf. vim, Berner Komm.
cit., Art. 2, n.° 72 ss . (246-247).
( 4 81 ) MARCEL BAUMANN,
Der Begr iff von Treu und Glaub en im offentlichen Recht
(1952)
cit., 24 ss., 27, 32 e 38.
( 4 82 )
BAUMANN,
Der Beg r f f v o n Tr eu u n d Gla u b en
cit. 80, 87, 102, 105 115, 118 ss.
e 141 s s . .
( 4 83 )
ZACCARIA
G I A C O M E T T I ,
VwR
1 (1960) , 220-221 .
390
a escola histdrica as tendencias a ctuais
§ 14.° A un iversal izaf i lo da boa fe; o irreal ismo metodoldgico
91
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 31/100
urn papel de relevo em dominios semelhantes aos sublinhados por
BAUMANN (
484
).
Estes entendimentos metajuridicos de boa
fe
no Direito pUblico sumo,
corn recurso directo ao Direito natural ou a Etica, nao tem correspon-
d8ncia nos seus congeneres alemies
(
485
). Apesar das dificuldades metodo-
16gicas e de concretizacao que se adivinham, agravad as pelos ambitos de
aplicacio extensor que, para a boa fe, preconizam, eles deixam rastos na
literatura posterior.
SAMELI,
corn uma certa l igacao a Moral , ve na boa
fe urn mandamento da justica material, embora the atribua urn papel
subsidiario
(
48 6).
No tocante as suas aplicaceies, a A. suica distribui-as
pelo abuso do direito e pela proteccao da confianga o que, como se
depreende, the permite abarcar um leque alargado de figuragoes
(
48 7
).
PICOT,
corn menos especulaciies quanto a natureza da boa fe, reparte
as aplicacoes privadas do art. 2.° ZGB em cinco pontos: o principio
da confianca, as regras de com portamento que derivam desse principio,
a posicao do juiz perante o que actue corn demasiada habilidade, as conse-
quencias das accoes levad2s a cabo sem interesse juridico, mas por chicana
pura e o problema da
clausula rebus sic stantibus (
4 8 8
).
Depois de proceder
a uma analise das consagragoes jurisprudenciais da boa fe pelos diversos
ramos do Direito priblico,
PICOT
entende nao haver contradicao entre
elas e os cinco pontos antes isolados
(489
).
Os desenvolvimentos da doutrina publicistica suica sao possibilitados,
em parte, pela consagracao jurisprudencial da boa fe nessa arer juridica
(490
).
Deve contudo reconhecer-se que, como desenvolvimento cientifico,
o discurso sumo padece de insuficiencias decisivas. As concepcoes meta-
-juridicas da boa fe, corn remissOes globais e incolores para o Direito
natural e a Etica, levantam, como sempre, mais problemas do q ue os
resolvidos. Acresce que ess2s orientacoes, quando cotejadas corn o pen-
samento de
STAMMLER
e de
EIUCH KAUFMANN,
sic) de um simplismo
ingenuo. No campo da concretizacao da boa
fe,
corn ressalva para algumas
(484)
GIACOMETTI ,
VwR cit., 1,
289-292.
(485)
Exceptue-se A.
SCHUL ER,
Treu und Glauben irn deutVwR
cit ., 401 e 404, p. ex.,
que admite uma proximidade entre a boa fe e a Etica.
(486)
SA MEL I,
Treu und Glau ben im offentl ichen Recht
cit . (1977), 297, 307-309 e 313.
(487)
SA MEL I,
Treu and Glau ben i tn Offentl ichen Recht
cit. 315 ss. e 347 ss..
(488)
FRANcOIS
Prcor, La
bonne foi en dro i t publ ic,
SchJV 111 (1977), 119-197 (136).
(489)
Picot
La bonne foi en droi t publ ic
cit. 142 ss. (177 ss.).
(490)
ERWN
Rucx,
Treu und Glauben in der offent lichets Verwaltung,
FS Simonius (1955),
341-350 (p. ex., 342
3
, onde se di conta que o Schw BG, depois de, no infcio, ter acolhido bem
a boa fe no campo pUblico, comecou a adm itir restricoes). Apontem-se, alem disso, SchwBG
10-Fev.-1928, BG E 54 I (1928), 188-20 7 (188 ss. e 204), onde, embora sem referir , de modo
expresso, a boa
fe,
se admitiu a
clausula rebus sic stantibus,
como condicao ticita, numa qucsdo
entre entidades publicas e SchwBG 13-Dez.-1940, BGE 64 I (1940), 299-316 (30 0, 312 e 313 ),
onde se rejeitou, no entanto, a pressuposicao windscheidiana. Note-se o arcaismo das coloca-
cOes postas pelas dual decisoes, ji no tempo em que foram encontradas.
considerac&s referentes a proteccio da confianca -- a qu al, alem de nada
ter a ver corn metajuridicismos, fora impulsionada, tambem na Suica,
por AA. corn a craveira de
SIMONIUS (
491
) — pouco ou nada se avanca.
Este estado de coisas abre, em regra, as portas da equidade. A regra
funcionou e, por elas, entrou a jurisprud8ncia
(
492
).
Nas obras gerais de Direito administrativo, encontram-se,
apenas, referencias escassas e desalinhadas a boa fe
(
49 3 ). Embora
ela seja ignorada, faltam desenvolvimentos que tratem a sua
natureza, as suas aplicac5es e as suas formulas de concretizacao.
Tal si tuacao 6 surpreendente, pois traduz um a quebra efectiva perante
os estudos realizados em tempos. Poderia ser inOqua se represen-
tasse o confinar da boa fe ao privatismo: o Direito publico contra-
por-lhe-ia, entao, outros principios prOprios. E como nao se
vislumbra que a boa fe, no ambito alargado de aplicacao que the veio
a ser conferido pela evolucao juridica registada nos tihimos cem anos,
esteja indissociavelmente, ligada apenas a valores e representacifies
juridico-privados — provam-no, alias, a literatura e a jurisprudencia
(491)
AUGUST SIMONIUS,
Ube
ie Bedeutung des V ertrauensprinzips in der Vertragslehre,
FG BasljuristFak zum SchJT (1942), 235-282.
(492) Cf.
supra ,
39049o,
(493)
Assim,
W MEAIC, VwR
(1970) 2, 1681, 1967 e 2105,
WOLF MACHO.,
Vw R 9
(1974) 1, 122 e 178 — fica-se, em ambo s, sem saber se a boa fe é um principio do Direito admi-
nistrativo e qual o seu papel —ErucissEN/MARTENs,
Das Verwal tungshandeln,
& im m ix / M A R -
TDB,
A11gVwR
8
(1981), 121-300 (146-147) — mencionam a
suppressio
que imputam a boa fe.
Esta orientacao imprecisa quanto a boa fe denotava-se ji em obras antigas; p. ex., W.
jEL-
LINER,
Vw R 3
(1931 ) 31 e 254 — refere a boa fe, conjuntamente corn outras realidades, para
documentar que a indeterminacio conceptual rile, é discricionariedade livre e menciona o terra
da
clausula rebus sic stantibus,
sem tomar posicio;
FL EINER,
Inst . d. deutVwR
8
cit., 56 27
e 200 —
di a boa
fe
como exemplo de inst ituto susceptivel de aplicac
-
o nos D ireitos privado e public°
e afirma, corn laconismo, que ela deve valer no Direito publico; MEvER/Dootow, VwR
4
pnblico, nao menciona a boa fe;
HATSCHEK/KURTZIG,
Vw R
7-8
(1931), 15 — assumem uma posi-
o
semelhante a de
MEYER /DOCHOW.
As referencias mais extensas a boa fe, em obras gerais
de Direito administrativo, sio as de
FORSTHOFF
e de
LANDM ANN/GIERS /PROKSCH. FORSTHOFF,
VWR/AT
8
(1961), 155-159, entende que, apesar de razes de autoridade, apontadas para a nao
vigencia da boa fe, nao deverem ser desconhecidas, a consagracao dela, pela jurisprudenda, leva
sua admissio.
Admitida a boa fe, F. pergunta pelo seu ambito; aponta, designadamente,
as ch. inalegabilidades formais, a
suppressio,
que reconduz ao
venire contra factum propriunl
e temas de interpretacao.
LANDMANN/GIERS /PROKSCH,
AllgVwR 4
(1969), 108-111, que tern a
boa fe por uma das regras mais marcantes do Direito public°, conferem-lhe urn ambito de
aplicacao amplo e discriminado. Nab obstante o cuidado relat ivo posto por estes AA. nas suas
referencias, a incipiencia mantem-se.
392
a escola histdrica as tendencias actuais
§ 14.° A universalizacad da boa fe; o irrealismo metodoldgico
93
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 32/100
que consagram a boa fe no Direito priblico
eria de esperar que,
entre os tais principios de Direito publico
,
figurasse algum em tudo
semelhante a era. Na verdade, isso nao acontece, aparecendo varios
institutos dependentes da boa fe - abuso do direito,
suppressio,
alteracio das circunstancias, certos deveres de com portament
o
e
proteccio da confianca - tratados sem co nexio entre si. A situaci
o
recurso a boa fe caindo, na falta de concretizacoes, no sentimento
e na equidade (
4 9 4
). Tais falhas sic), porem, muito compensadas pela
profundidade corn q ue o juspublicismo tern tratado outros principio
s
cia do Direito.
VI. A
boa fe conhece uma implantacio significativa, tambem,
no D ireito fiscal (
4 9 5
). Como pano de fundo, deve ter-se presente
que o Direito fiscal mantem ligacoes importantes corn o priva-
tismo (
4 9 6
), que a jurisprudencia tem, no campo tributirio, urn relevo
particular, dada a desconexao das leis e a sua antiguidade, bem
como a s exigencias constitucionais (
4 8
1 e que a producIo jusmeto-
dologica geral, elaborada em ligacao estreita corn a dogmatica civil,
(494)
Assim, em BVwG 25-Jan.-1974, BVwGE 44 (1974), 294-302 (298-299), expli-
cando-se que a boa
fe
nao se limita a formula da
suppressio,
considera-se que a atitude da pessoa
que, tendo ou devendo ter conhecirnento de certo acto, pretenda que de nao the foi com uni-
cado, contraria aquele principio e em BVwG 23-Mai.-1975, BVwGE 48 (1975), 247-251 (251),
reafirma-se o instituto da
suppressio
e o principio geral da b oa fe, apesar da falta de base legal.
(495)
A nivel de obras gerais, d, p. ex.,
GIERSC:H MANN/ZoLLER,
SteuerR
1 (1959),
129-130, KRUSE,
SteuerR IAT
3
(1973), 69 e
TIPRE,
SteuerR
9
(1983), 550.
(496)
Foca-se, assim, a subordinacao, nos diversos campos, do Direito fiscal, aos prin-
dpios crais do Direito - W Hiorrz,
Die Au s legu ng von S t eu e rgese t zen / I nha l t u nd Grenzen
der wir tschaftl ichen Betrachtungsweise
(1958), 37, 43 e 44 e
KRUSE,
SteuerR/AT
3
cit. , 68 - elabo-
rados, tantas yens, no Direito civil, cuja funcao ordenadora a reconhecida - W. HA RTZ ,
Wand lu ngen im S t eu e rrech t u nd im S t eu e rpro ze ss u n t e r d em Eiq f lu s s d e s Gru ndgese t zes ,
JurJb
3
(1962/63), 100-130 (106) e
Steuerrecht und Gesamtrechtsordnung Gedanken fiber Erscheinungen
und E n twick lungen im S teuer r ech t heu te ,
JurJb 10 (1969/70), 48 -82 (53 ss.). Aspectos primordiais
do Direito fiscal, como a obrigacao tributiria ou
a
tipicidade evocam instrumentos operados
no Direito privado.
(497)
Faurisucri
BURCHARDI,
Moglichkeiten der dritten Gewalt, zur Vereinfachung des
Steuerrechts beizutragen,
StuW 1981, 30 4-321 (30 8 e 311), que foca a complicacio e o aperfei-
coamento advenientes da jurisprudencia fiscal; W.
HARTZ,
SteuerR und Gesamtrechtsordnung
cit., 49 e 51 e
Wandlungen im SteuerR
cit., 103 ss., que sublinha o relevo da jurisprudencia face
I
insuficiencia da lei;
CHRISTIAN HERDEN,
Die Entwicklung des Steuerrechts,
NJW 1983, 546-
-554 (54.6-54 7), corn indicacao breve da temitica constitutional-fiscal, sempre actuante.
tern merecido, aos fiscalistas alemies, a maior atencio (
4 9 8 ). Recor-
ae
-se, ainda, que se aspiraciies profundas de justica irrompem,
c o
ntinuamente, no Direito fiscal (
4 9 9 ), ha af, em paralelo, necessidades
prementes de seguranca e previsibilidade, que jogam contra os
conceitos de determinacio dificil, como a boa fe (
50 0
).
Embora sob o condicionalismo geral favorivel apontado, foi a
jurisprudencia que, co rporizando exigencias praticas, acolheu a boa
fe
no dom inio fiscal (
5 0
9. Entre outros, a boa fe foi chamada para
vedar, a Administracio, os comportamentos contraditOrios, de modo
a nao incorrer em
venire con tra fac tum propriun i ,
corn o reflexo
pratico importailte de vincular os servicos as promessas e informaceies
(498)
Confronte-se, p. ex., o teor geral de
HEINRICH BEISSE,
Die wir tschaftl iche Betrach-
tungsweise bet der Auslegung der Steuergesetze in der neueren deutschen Rechtsprechung,
StuW
1981, 1-14.
0
Direito fiscal pode, ainda, ser uma fonte de contributos gerais &els, como,
p. ex., a possibilidade de, dos efeitos advenientes da aplicacao de norrnas fiscais, retirar conclu-
sties de tipo experimental; cf. Wpm/saw V OGEL ,
Steuerrecht liche Theorien auf dem P riffstand
des rechtswissenschaftl ichen Experiments ,
RTh 9 (1978), 317-347.
(499) A doutrina fiscal chama mesmo a atencao para o relevo dos factores eticos no
dominio tributirio; BO GEH O LZ,
Mehr Ethos im B esteuerungsverfahren, FR 1958, 289-290 (290),
sublinha o substracto &lc° da tributacao;
GERH ARD
MArrERN,
S teuerR und S t euerm oral ,
StuW 35 (1958), 257-258 (257) e
Treu und G l auben i m S t euerR / e i n Bei t rag zur Lehre von der
Besteuerungsmoral unter besonderer Beriicks ichtigung der Rechtsprechung
(1958), 1 ss. e 12 ss. e 26,
que entende, de modo repetido, a boa fe fiscal como influx° da Moral; HEINRICH WILHELM
KRUSE, An
der Grenzen von Tress und Gl auben ,
StuW 35 (1958 ), 719-738 (730 ss.).
(500)
Este factor é, em regra, apontado como co ntrariando a boa fe, no £mbito fiscal.
HANS VOGEL, Treu und Glauben im Steuer- und Zollrecht
(1960), 9, con segue, no entanto, retirar
da boa fe urn papel favorivel a seguranca jut-Mica. Assim seri, de facto, na m edida em que
era proscreva os comportamentos contraditOrios.
(sot
) Quanto aos efeitos mais significativos imputados, no sector tributirio, a boa
fe,
c f .
HELMUT MULLER,
Bindung an Auskiinfte und Zusagen der Finanzbeharden
(1973), 48 e
GERH ARD
REffiliaaterH,
Ausk i i 4 te und Z usagen i m Sys t em des Verwal t ungshandel ns
(1967), 125, p. ex..
Alguns exemplos de aplicacao da b oa fe pela jurisprudencia fiscal recente: BFH 4-N ov.-1975,
DB 1976, 803-804 (803), onde se entendeu que a boa fe visava contradiciks de comportamentos;
BFH 5-F ev.-1980, DStR 198 1, 91, onde se defendeu o mesmo entendimento no dominio
alfandegirio, embora sem aplicacao quando o interessado, perante o qual a Administracio
mudou de atitude, soubesse da ilegalidade do primeiro comportamento; FG Dusseldorf 16-Set.-
-1980, D StR. 1981, 625 (so o sumirio), onde se decidiu que, pela boa fe, a Administracio
ficava vinculada por uma informacao dada, ainda que apenas verbal; BFH 25- Ag.-1981,
HFR 1982, 3, onde se
le
que as disposicoes dos servicos fiscais devem ser entendidas segundo
a boa fe; BFH 9-Mar.-1982, HFR 1982, 4 77-478, onde se declarou que uma modificacao na
taxacio, ji efectuada, nab contraria a boa fe quando, antes da im portacao,
o
obrigado omits
0
pedir informaciies.
394
a escola histdrica as tendencias actuais
§ 14.°'A universalizaaTo da boa fe; o irrealistno metodoldgico
95
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 33/100
que tenham dado (
50 2
), para proibir a chicana ou para explicar a
s
50 3
). A aplicacao,
no D ireito fiscal , da boa fe, desamparada de estudos em profundidad
e
,
levantou dtividas de extensao: ela nao poderia, segundo alguin
a
50 4
), so se justificari
a
50 5
) e nunca teria, de qualque
r
5 0 6
). Com estas res-
triceies, a boa fe mantem-se, no sector fiscal, ganhando uma certa
autonomia (
50 7
). Capaz de munir a justica fiscal corn um instrument
o
50
8),
desde
que
usada corn cautela, a boa fe tern ainda a vantagem de atrair,
para o debate cientifico-tributario toda uma problematica que, sem
(502)
Kiutt. E.
BACHMAYR,
Die Selbstbindung der Verwaltung im SteuerR,
StuW35
(1958), 561-584 (584), onde se diz que a Administracio nao pode, sem mais, modificar as
as suas praxes;
W. HARTZ,
Wandlungen im SteuerR
cit., 108; MArrERN,
Treu u nd Glau ben
i n n
SteuerR
cit., 25;
GIERSCHMANNgoLLER,
SteuerR 1
cit., 129;
TWICE,
SteuerR
9
cit., 550.
0
problema pode ser reduzido dogmaticamente coin a consideracio de que se trata de proteger
a confianca — p. ex.,
REIFENRATH,
Auskiinfte und Zusagen
cit ., 126 ss. — numa visa° ensaiada
muito pela publicistica — p. ex.,
jOHANNES MAINKA,
Vertratienssrhutz im offentl ichen Recht
(1963) 1 ss.. A afirmacio de que a vedado, no Direito fiscal, o
venire contra factum proprium
feita coin uma tranquilidade inexistente no Direito civil. Nao admira, pois, que se levan-
tassem dificuldades.
( 5 03 )
W .
HARTZ,
Die Au s legu ng von S t eu e rgese t zen
cit., 41-42.
(504)
H.
W. K RUSE,
An den Grenzen von Treu und Glauben
cit ., 734.
(59 REIFENRATH,
Auskiinfte und Zusagen cit . ,
111; TIPKE,
Gesetzmassigkeit der Verwal-
tung and Teen und Glauben,
StuW 35 (1958), 737-752 (742) e
Bindung an Zusagen und Auskiinfte,
StuW 39 (1962), 696-716 (715), onde se diz mesmo quc a boa fa so se poderia aplicar
no campo da discricionariedade da Administiacio; H.
V O G E L ,
Treu und Gl auben i m S t euer -
und ZollR
cit., 6.
(
50 6
)
TIME,
Gese t zmass igk e i t d e r V erwa l tu ng u nd Treu u nd Glau ben
cit., 750.
5
9
H. W. KRUSE,
An den Grenzen von Treu and Glau ben
cit., 728, entende que a boa
Fe fiscal d independente da formulacio do § 242 BGB; MATTERN,
Treu
u nd Glau ben
cit.,
26, contesta, tambem, a aplicacao imediata dessa disposicao a questoes fiscais, no que e
acompanhado por H.
V O G E L ,
Treu und Glauben cit., 7.
( 5 0 8 )
0
interesse fiscal pela boa fe atingiu a propria literatura francesa atraves do
livro de
EMMANUEL KORNPROBST,
La
notion de bonne foi / appl ication au droi t f i scal franfais
(1980) cit..
0
A. considers a boa
fe,
sucessivamente, como uma crenca legitima do contribuinte,
como tuna sua coerencia na adm inistraclo dos bens e como a sua lealdade, no sentido primor-
dial da ausencia de dolo —
La not ion de bonne foi
cit ., 65 ss., 141 ss. e 26 7 ss.. Constatam-se,
pois, as limitacaes metodolOgicas da segunda sistematica, coin uma subjectivacao permanente
da boa fe. Essa situacao é normal, dado o estidio em que a boa
fe
se encontra no espaco
juridic° fiances e considerando a nab utilizacao
,
por
KO RNPRO BST,
dos contributos de
outros espacos.
grande justificacio teOrica, tem escapado a ramos juridicos conside-
r
ados menores.
Em Portugal, esse papel duplo seria muito acrescido.
VII. Esta expansio da boa fe fora do campo civil, complemen-
ta
da por uma difusao larga no Direito internacional ptiblico, cujas
es
pecificidades de base levam a dispensar, aqui, uma analise, permite
falar na sua universalizacao. Mais do que urn instituto privado, a
boa fe exprime urn vector geral de todo o sistema juridic°.
A presenca da boa fe nos diversos ramos do Direito nao tern,
a1, sido acompanhada por urn desenvolvimento doutrinario corres-
pondente. As mencOes surgem esporadicas, sem preocupacOes siste-
maticas e carentes, em geral, de referencias substanciais. Nao fora a
sua consagracao jurisprudencial e a boa fe nada m ais seria do que u rn
lugar comum linguistico. A incipiencia cientifica implica, no domi-
nio da aplicacao, uma liberdade que, limitada apenas pelo prOprio
caso concreto, desemboca, corn facilidade, na solucio de equidade.
Este estado de coisas, algo insOlito, recomenda o levantamento
conclusivo da situacao, no Direito civil, da boa fe.
42.
0 progresso do Direito civil coin base na boa fe;
o irrealismo metodologico
I. A expansio da boa fe em areas nao civic, corn inclusao do
Direito
public° material, avesso, por natureza, a aplicacao directa de
vectores privados frontais, teve, como element° galvanizador, o seu
vivo sucesso no Direito civil.
No BGB, a boa fe fora incluida corn o fito de apoiar, a nivel
figurativo, o fenOmeno contratual. 0 estadio da Ciencia do Direito,
aquando da codificacao alema, nao permitira urn aproveitamento da
experiencia comercial anterior, como se viu. Nao obstante e nuns
ritmo que deixou para tras a metodologia juridica, oscilante, de modo
frenetic°, entre urn juspositivismo cerceador e urn metajuridicismo
incontrolivel, desenvolveu-se, corn base na boa fe, toda uma
jurisprudencia civil (
5 0 9
), que ultrapassou em muito as intenceies dos
codificadores.
(509) As form ulas cm que este movimento se consubstancia seri° examinadas na parte
institutional, a propOsito de cada uma das f iguras em jogo. A «conjuntura aka* da boa fe no
396
a
escola histdrica as tendgncias ac tuais
§ 14.° A universaliza0o da boa fe; o irrealistno ntetodologico -
397
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 34/100
A partir dessa jurisprudencia, sem outro apoio, em regra, d
o
doutrina hostil, surgiram figuras como a culpa na format ao dos
contratos, a violacao positiva do contrato, o exercicio inadmissivel
de direitos — com ramificacoes largas e variadas — e a eficacia
juridica da alteracao das circunstancias. Salvo o campo, tambern
importante, no Direito alemao, dos progressos obtidos em materia
delitual, corn recurso as clausulas respectivas, constantes do BGB (
5 1
0),
pode considerar-se que o avanco do civilismo, a nivel de solucoes
concretas, durante o seculo presente, actuou corn recurso a boa fe.
No Direito civil portugues, foi chamada a atencao (511) para o papel
dessa nocao na maioria das inovaceies substanciais introduzidas pela
codificacao de 1966.
A pressao doutrinaria, que determinou o radicar na doutrina
e, depois, na lei portuguesas, da boa
fe
e das suas concretizacoes
mais notiveis actuou, tambem, na codificacao italiana de
1942.
Desse
modo, contrastando corn uma consagracao magra no dominio do C6digo
italiano de
1865,
a boa fe irrompe, de subito, em cerca de setenta
das disposicoes do novo c6digo (
5 1 2
). 0 sucesso de tal profusao
foi
limitado (
5 1 3 ). Por urn lado, deve ter-se presente o vigor da cultura
juridica italiana subjacente ao
Codice
de
1942
e que assentou mais
Direito civil era dado adquirido no inicio da decada de trinta — cf. o classic° de Junin
WILHELM HEDEMANN,
Die Flucht in die Generalklauseht Eine Gefahr far Recht und Stoat
(1933), 12 — tendo lido batidos, logo no inicio, tendencias expansionistas dos bons costumes
— idem,
6 ss. . As figuras por que ela se espraia, ainda hoje, estavam, anti°, ha muito consa-
gradas na pratica judicial, carecendo, apenas, de debate doutrinirio. 0 fenOmeno assumiu
tais proporcoes que cerca de quinze por cento das sentences do
Reichsgericht
eram, entio,
reportadas a boa fe, alargando-se pelas diversas disciplinas privadas. No que toca aos Direitos
Reais, refira-se
VON DER TRENCK,
Treu und Clauben beim dinglichen Anspruch und Vertrag,
DJ 96 (1934), 1241-1243 (1243).
( 51 0
) Cf.
ERNST VON CAEMMERER,
Wandlungen des Del iksrechts,
FS 100. DJT (1960) ,
1, 49-136 (52 ss.) e
HERMANN WEITNAUER,
Entwicklungsl inien des Haf tungsrechts,
JurJb 4
(1963/64), 214-242; assinale-se que os progressos em causa foram exigidos pelo caricter
fragmentario do Direito delitual alma° —
cf.
CANARIS,
Schutzgesetze — Verkehrspf l ichten-
Schutzeichten,
FS
Larenz/80. (1983), 27-110 (29)—nao sendo necessarios no Direito portugues,
dado o ambito global do art. 483.°/1 e que, quando os progressos em causa se revelam
insatisfat6rios, e ainda a boa fe que se recorre p. ex., vox
CAEMMERER,
Wandlungen
cit.,
56-58.
("I) Cf.
supra,
27.
( 5 1 2 )
RODOLFO SACCO, L a
buona fede nella teoria dei fatti giuridici di diritto privato
(s/d, mas 1949), 12.
( 5 1 3 )
GIUSEPPE STO LFI ,
II principio di buonafede,
RDComm 62 (1964), 163-176 (163 e 165).
num afinar da tradicao romanistica, do que num desenvolvimento das
clausulas gerais, entio por cientificar. Criou-se, por essa via, urn lastro
cuja continuidade, a rningua de um a aprendizagem, despoletavel, sem
d6vida, por lei, mas dependente, na sua efectivagio, de outros factores,
que a conjuntura nao • favoreceu ate a 6ltima, havia de perdurar. Por
outro, e no que pode ser considerado urn reflexo, na pre:96a codificacao,
dessa continuidade cultural, o legislador italiano de 1942 veio consignar
a boa fe a pontos secundarios, deixando-a arredada das duas areas mais
importantes, em termos de consequencias praticas: a do exercicio inadmis-
sivel de posicoes juridicas — tabus° do direitos — e a da alteragao das
circunstancias. No prOprio campo da actuacio das obrigagOes, a boa
fe
vem referida numa teia tal de outras clausulas gerais — o sdever de
diligencia* e o •de correccao* — que a doutrina transalpina, como a seu
tempo sera visto, se tem esgotado na tarefa de as distinguir, enquanto a
jurisprudencia, insiste, serena, na aplicacao do
vinculum iuris
de cariz
romanistico.
Nao pode negar-se urn certo influxo italiano na largueza que, ao
C6digo portugues de
1966,
mereceu a boa fe. D eterminante seria, no
entanto, o contributo juscultural alemio, captado em termos dire ctos.
II. Na
actualidade, as zonas de crescimento do Direito civil,
cujas novidades mais sensiveis se centram na doutrina da confianca,
no controlo judicial dos contetidos contratuais e nos deveres de pro-
teccio, mantem-se conectadas corn a boa fe.
As razoes deste desenvolvimento sao complexas. As alteracOes
da realidade social, face ao envelhecimento prematuro do BGB
— recorde-se que, ainda em projecto, ji the eram apontadas falhas
no dominio social (
51 4
) — tea°, sem dtivida, contribuido para liber-
tar a jurisprudencia, designadamente aquando da grande inflacao
dos anos vinte. Mas se os dados econOmicos sao determinantes de
inovac5es juridicas, des
ao
bastam para explicar as feicoes que, no
concreto, elas venham a assumir; as proprias solucoes de fundo, perante
os problemas, parecem conservar, na HistOria recente, uma panoplia
de hipOteses, numa liberdade socio-cultural que a fatalidade econ6-
mica
nio
destroi. A confirms-lo, surge o espaco jusdoutrinario
( 5 1
') P. ex. Orro
V O N &ma,
Die soziale Aufgabe des Privatrechts
(1889, reimpr. 1948),
2
3. Cf. MAX GUTZWILLER,
Ober Gegenwart und Zukunf t der Privatrechtswissenschaf t
(1927),
6,
HEDEMANN,
Das W irtschaf tsrecht ci t . , 411,
WIEACKER,
Pandektenwissenschaft und industrielle
Revolution
(1966) =
Industriegesellschaft und Privatrechtsordnung
(1974), 55
-78 (72
-3), ERNST
WOLF, Dee Kamp f gegen das BGB,
FS
G. Muller (1981), 863-882 (873 e 874) e
HARALD
XINORRMANN,
Die Antwort des bargerl ichen Gesetzbu chs auf die soziale Frage,
RTh 12 (1981) ,
209-225 (209).
398
a
escola hisdrica i ts tenc lenc ias ac tuais
§- 14.°
A universalizapio da boa fe; o irrealismo metodolOgico
99
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 35/100
napoleOnico que, em conjunturas similares, nao buscou, numa juris-
prudencia de boa fe, as saidas que uma codificacao, mais velha, nu
m
A andlise histOrico-critica, ji realizada, permite, gracas a teoria
historica dos sistemas, al desenvolvida, uma explicacao. A chave do
enigma reside numa Ciencia do Direito assente numa sistemitic
a
s
,
eles prOprios cataliziveis por rupturas econOmico-sociais, recondu-
zindo-as, em termos particulares, ao riticleo dogindtico essencial do
sistema.
Dispondo, atraves da tradicao de estudo e meditacao do Direito
romano actual, de um modo, no centralizado, de pensar o juridic°,
a actividade judicial admitia a busca de saidas indedutiveis do micleo
sistemdtico. Por certo, as solucoes preconizadas inseriam-se num
determinado contexto juscultural, traduzindo, em termos mais ou
menos distantes, uma reproducao do sistema. Mas tudo isso enca-
deou-se corn as criacoes concretas a nivel de mero pri-entendimento.
Fora as am arras advenientes da insercao sOcio-cientffica do interprete-
-aplicador e a intuicao prefigurante de um consenso final determinado,
considerado Optimo, o sistema recebeu, mais do que impulsionou,
uma aplicacao da boa fe que, ate hoje, nem foi capaz de justificar
cabalmente.
III. Durante a decada de trinta houve, a nivel de intervencao
juspolitica, urn certo ambiente favorivel as clausulas gerais. Na
origem, pode apontar-se o metajuridicismo stammleriano cujos
prolongamentos, substancializados, desde cedo, por RADBRUCH,
corn os seus apelos a «eticizacao* do Direito
(515
) e pelo social-
-romantismo da Constituicao de Weimar, pressupunham flexibi-
lidade na aplicacao do Direito. A linha de KANTOROWICZ, Fucns
e IsAv, a desembocar na critica da subsuncao e no voluntarismo pode-
ria, em teoria, ter reforcado essa tendencia. Relevante, ainda, ter
sido a linguagem heckiana, forte, apesar das suas carencias materiais,
na critica ao juiz-automato. E tudo isto foi coroado pelos juristas
— e muitos foram — que, alinhando pelas bitolas do nacional-socia-
lismo, vieram, nas clausulas gerais, a procurar apoios para
a nova
(
515
) GUSTAV RADBRUCH,
Der M ensch im Rech t
(1927), 14; cf.
GUTZWILLER,
Ober Gegen-
wart und Zukunft der Privatrechtswissenschaft
cit., 9 e 11.
ideologia (
516
),
necessitada de uma codificacao anti-romanistica que
os sucessos histOricos subsequentes acabariam por nao possibilitar.
juiz deveria dispor de urn maior poder, como modo de dar
conteado ao
ahtersprinzip ;
o
Fiihrer,
imagem da ideia concreta
de Direito e de Estado e guarda maxim° da
Constituicao,
exprimia,
dizia-se, o sentir juridico do espirito do povo — a velha locuclo
savignyana foi redescoberta, mas agora corn urn sentido reificado —
a
que os tribunais dariam voz
(
5
)
Estes factores no intervieram na expansao da boa fe. Aquando
do
a
dvento nacional-socialista, os institutos mais significativos em
que esse conceito se manifesta estavam, ha muito, consagrados pela
jurisprudencia. Acresce que, num fenomeno comum em sociedades
totalitarias, enquadradas em partidos de massas, assentes na propa-
ganda, surge todo urn desenvolvimento linguistico sem expresso
no real que, muitas vezes, visa mascarar. Se, como informa hoje
WIEACKER, foi possivel, no Direito privado, ainda que a troco de
cedencias linguisticas, preservar o essencial, ha que ter presente as
limitacoes de uma justica dobrada, corn facilidade, por esquemas
inconcebiveis de composicao extra-judicial e que, quando necessario,
foi directamente inflectida no sentido pretendido pelo poder politico
absoluto
(
518
). Pelo contrario: a fraseologia nacional-socialista s6
poderia, terminado o segundo conflito mundial, ter dificultado a
expansao da boa fe e das suas soluciies, o que, pela sua indepen-
dencia real dessa ideologia, na'o sucedeu.
0 Direito livre documenta-se, na verdade, na boa fe. Pelos
factores apontados, nao 6 de admitir urn influxo seu no desenvolvi-
( 5 1 6)
LUBEN DIILOW,
Die Neugestaltung des Deutschen Bargerlichen Rechts
(1937), 44 ss.
(49),
WIEACKER,
Richtermacht und privates Rechtsverhal tnis ci t . ,
11, 11-12, 15 e 18,
ERNST
WOLF,
Der
Kampf gegen
das BGB
cit., 879 e
MICHEL
&mums,
Die Rechtsordnung des
NS-Staates,
JuS 1982 , 645-651 (649) .
(517)
Estas construct
5es, hoje estranhas, podem confrontar-se, p. ex., em
LARENZ,
Deutsche
Reclaserneuerung
und Rechtsphilosophie
cit., 31 ss.,
Rechts- und Staatsphilosophie der
Gegenwart
2
cit., 139 ss. e
Ober G egens tand und Methode des v o l k is chen R echts denkens
cit., 23 ss.
(25), onde se ch ega a preconizar a atr ibuicao, ao juiz, do poder de corrigir a lei expressa, em
obediencia a factores racicos, e em D ixow
Die Neuges taltung des Deutschen Burgerlichen Rechts
cit., 32. Cf., tambem
JULIUS
BINDER,
Der deutsche Volksstaat
(1934),
max ime
34-35 e
System
der
Rechtsphilosophie
(1937) — apresentado como 2.' ed. da
Philosophic des Rechts
cit ., da
qual diverge muito, porem, no contend° e na forma, constituindo uma obra autonoma — 36
1 7
,
onde se nega o conceito abstract° de pessoa.
( 51 5
) No dominio criminal, os tr ibunais tornaram-se responsiveis por dezenas de milha-
res de condenacOes a 'none por crimes politicos e delitos de opitilio. A cifra e pouco
significativa, face a eventos extra-judiciais conhecidos.
40 0
a escola his torica cis tendencias actuais
§ 14.° A universalizacilo da boa fe; o irrealismo metodologico
0 1
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 36/100
mento da nocao. Ha construcoes, razoiveis c plausiveis a reflexao,
que granjeiam a animosidade dos sew destinatirios; nesse sentido,
sac) decisivos factores de disfuncionalidade externa, claros na prOpria
locucao «Direito livre», cuja inoquidade, contra o que poderia parecer
para os pensadores integrados na h eranca heckiana, a con traditada.
Num prisma sinepico, o Direito livre, a no ser considerado urn
incidente metodolOgico, foi contraproducente: nenhum juiz seria
capaz, mesmo a nivel de pre-entendimento, de prescindir de represen-
tacoes sistematico-cientificas para, apoiando -se nas coloridas tiradas
fuchsianas, decidir,
contra legern,
em nome da boa fe.
De algum relevo tera lido a jurisprudencia dos interesses (
5
19).
A ela ficou a dever-se a generalizacao da ideia de lacuna e a desele-
gancia de um juiz-autOmato, dedicado, em exclusivo, a uma subsuncao
mecanica. Corn a sua carga positivistica, empenhada, em profun-
didade, em com bater o influxo de factores estranhos no dom inio
juridico, a jurisprudencia dos interesses nao veiculou elementos
materiais susceptiveis de, a boa fe, apontar rumor materiais de concre-
tizacao. Deve-se-lhe,
to
so, urn alargamento das figuracoes manie-
tadas pelo conceptualismo estrito anterior e uma linguagem na qual
um a certa liberdade de mov imentacao decisOria foi possivel. Os
factores jusculturais que provocaram o desenvolvim ento, na terceira
sistematica, da boa fe, deixam adivinhar que, mesm o na ausencia
dos escritos heckianos, o fenOmeno teria conhecido exit°.
IV. As metodologias, oficiais ou desmarcadas, que, desde o
inicio do seculo, acompanharam, no tempo, o desenvolver do Direito
civil, corn base na boa fe, nao esti°, para corn esse evento,
numa relacao de causalidade. 0 neo-kantismo stamm leriano e as suas
superacoes, seja pela via do neo-hegelianismo de
BINDER, E. KAUF-
MANN
e
LARENZ,
corn a subsequente preversio nacional-socialista,
seja atraves das m aterializacoes sudocidentais alemas, nao ditaram,
a m ingua de concretizacoes substantivas, uma evolucao processada
sob o signo da decisao efectiva. Tao pouco o fez o juspositivismo
inicial, contrario a boa fe e desautorizado pelos factos, enquanto
a s
doutrinas psicolOgica e sociolOgica, entregues m ais a leituras da
(
519
) LARENZ,
M e t h L
4
cit., 63-64 e
REIMER SCHMIDT,
Die Bedeutung der Entwicklung
von Wirtschaft and Wirtschaftsrecht fur das k lassische Privatrecht / Eine Skizze,
FS Nipperdey I
(1965), 687-399 (688). Referindo, em geral, a pouca inliuencia da discussio metodo1O-
gica na aplicacio actual,
vide
PAWLOWSKI,
Gedanken zur Methode der Gesetzesauslegung,
AcP 160 (1961), 209-237 (210-211).
realidade do que a sua assunclo, em termos de C iencia do Direito,
passavam ao largo do § 242 BGB. Mais considerada, a juris-
pr
udencia dos interesses e suas sequelas compatibilizou-se corn uma
fenomenologia que, em muito, a ultrapassou desde o inicio; carente
de bitolas materiais, a doutrina de
HECK
deixou, a nivel de lingua-
ge
m, urn certo espaco para o crescer da boa fe. No entanto, nao o
a
mparou. Nem podia faze-lo.
De
STAMMLER
a
SAUER
e de
E. KAUFMANN
a LARENz
— uma
vez que, para ji , nao se cura do s desenvolvimentos metodolOgicos
mais recentes — h ouve contributos importantes para a analise e o
entender da boa fe. A todos se deve recorrer. A progressio da boa
fe nao se lhes deve, contudo: esta ocorreu, de fac to, em termos d e
Ciencia Juridica, mas sem conexao com niveis metodolOgicos.
Nao actuante, em prisma genetic°, sobre a boa fe, a m etodologia
to
pouco o foi, a nivel explicativo. No Direito privado, o dom ino
da boa
fe
e das suas aplicacoes co nstituiria, para a especulacao jusfilo-
sOfica, urn terreno de eleicao onde todas as esperancas sac) possiveis.
Descontadas as linhas escassas, de que acima foi dada conta, as
orientacoes diversas nao recorrem a boa fe para com provar as suas
teses ou, sequer, para se documentarem.
A conclusIo a segura: desde
HECK,
e corn as limitacoes apontadas,
ao
ha, por parte da metodologia juridica, um a influencia constativel
na C iencia do D ireito privado e, dal, na interpretacao-aplicacao:
a boa fe constitui urn ponto sensivel para tal diagnostic°. As
diversas construcoes jusfilosOficas nao curam, por outro lado, de
explicar, em termos capazes, o crescimento do Direito civil corn
base na boa fe, nem a sua expansao nas areas juridicas restantes.
E
o irrealismo metodolOgico.
V. Urn fenOmeno corn a im portancia do irrealismo metod °logic°
tern passado desapercebido nas Teoria e Ciencia d o Direito. Trata-se
de urn dado relevante a comprovar a ciao em que ele assenta.
As causas sac. complexas. A C iencia do Direito, na medida em
que o seja, lida corn questoes concretas e corn a sua solucao efectiva;
a ciao kantiana entre ser o dever-ser retira-lhe, sem que disco os
juristas se apercebam, urn amparo m ais abstracto, acantonado no
segundo dos termos referidos, contra o primeiro, onde a interpreta-
cao-aplicaca° se abriga. A auto-consciencia metodolOgica, presente
na heranca de
SAVIGNY,
encerrou os juristas num campo funcional
possivel, dotado de instrumentacao bastante para, sem contributos de
28
40 2
a escola histdrica as tendencias actuais
§ 14.° A universalizacio da boa fe; o irrealismo tnetodologico
03
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 37/100
areas diversas, operar e evoluir. A cristalizacao na jurisprudenci
a
tomar posicaes opostas e nao, em substancia, diferentes, corn queda
verbal em voluntarismos varios, mais acentuaram a divergencia entre
a Ciencia viva e os considerandos metodolOgicos. Quando STAM MIER
empreendeu um a actuacao, fe-lo num nivel e numa linguagem que
em pouco tocava ja os juristas. A sua continuacao, pela critica neo-
-hegeliana, agravou o problema: agora, a aprendizagem juridica
comum trio basta ji para aceder ao discurso metodolOgico: reservado
a iniciados, este exige uma aprendizagem especifica.
A separacio en tre ciencias aplicadas e teoricas, a nivel cultural,
corresponde a urn dad o da actualidade, perceptivel na politica e na
prOpria Moral. No dominio juridico, sendo geral, adquiriu, no
espaco da terceira sistematica e da evolucao que se the seguiu,
uma feicao particular: enquanto em Franca, no pantano da exegese,
a Ciencia do D ireito progredia em pouc o, no espaco alemao, dis-
pondo de urn sistema integrado, ela avaacou, contribuindo, por si,
para a divergencia desencadeada pelos pianos jusmetodolOgicos.
0 irrealismo metodolOgico retira a Teoria do Direito a eficacia
que, desde o jusracionalismo, ela nao parou de perder. Cerceia,
tambem, as possibilidades de captar o significado da boa fe,
o que é dizer, do progresso real recente do Direito civil. A falta de
conexaes histOricas agrava o problema: a raiz romanistica da
bona fides
e o impulso por ela recebido na jurisprudencia comercial
do seculo xxx sac. ignorados. Mas porque a boa fe mantem-se,
a nivel juscientffico, como fonte efectiva de solucoes novas, a
impossibilidade cientifica de captar o fenom eno, num retrocesso
gnoseolOgico surpreendente, ocorreu a mitificacao do conceito. Na
falta de um captar da nocio, procedeu-se ao seu arvorar linguistico
em principio todo poderoso, em regra fundamental que tudo domina,
em teor etico-social do Direito ou em cerne imanente de limitacoes
internal de posicaes juridicas (
5 2 0 ). Esta linguagem grandiloquente,
(
52 0
) Urn levantamento destes enunciados grandiosos — que se pode docu mentar, p. ex.,
corn
ENNECCERUS /LEHMANN,
SChU/d/2
15
(1958), 18,
corn
PALANDT/HEINRICHS, BGB
42
(1983),
§ 242, 1,
a), aa)
(206) ou corn
W. WEBER,
Treu u. Glauben
cit., A 1 (1-2), constituindo urn
autentico lugar comum — confronta-se em
ERNST WOLF,
SchuldR/AT
cit., 290-291 e
aTreu an d Glauber' ' , 4Treue* and rTiirsorges in: Arbeitsverlail tnis,
DB 1971, 1863-1868 (1864-
1865), que os considera de conterldo impossivel. A mitificacio da boa
he
fora ji denunciada
por
CARCATERRA,
Bonae fidei iudicia
cit., 158 ss., face is consideracoes comuns sobre a
nocio, no Direito romano.
pitoresca, que domina a literatura
e
os espiritos dos juristas
quando
da boa fe se trate é, quanto ao contetido, profundamente vazia.
A sua prOpria descaracteriza-o de tal modo que impossi-
bilita o retirar de quaisquer solucoes reais. As remissoes para ord ens
ou
s
entimentos extra-juridicos mais acentuam o mito, rematado pela
ideia comum, de que, por inomeaveis implicacaes jusfilos6ficas, a boa
fe,
de
aplicacoes mukiplas e incom portiveis, se torna de estudo dificil
ou impossivel. E entretanto, num remate do divOrcio, os
tribunais
progridem, encontrando solucoes bem reais, corn base na boa fe.
Destas ha que partir para transcender o irrealismo metodolOgico,
cientificar, a nivel superior, as conquistas mais recentes do Direito
civil e pew termo ao anacronismo da mitificacao da bo a fe.
§
24.° 0
dever
de actuar segundo a boa
fe
33
nos
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 38/100
SEccAo III
A BOA FE COMO REGRA DE CONDUTA
§
24.°
0 DEVER DE ACTUAR SEGUNDO A BOA FE
61.
Reduc5es dogm aticas; 'ambito
I .
0 comportamento das pessoas deve respeitar urn conjunto
de deveres reconduzidos, num prisma juspositivo e numa Optica
histOrico-cultural, a uma regra de actuacao de boa fe. As incursoes
anteriores permitiram detectar esses deveres — e logo o aflorar
dessa regra — no periodo pre-negocial, na constancia de contratos
vAlidos, em situacoes de nulidades contratuais e na fase posterior a
a extinclo de obrigagoes.
Tudo isto operou sem nenhuma deducao a partir da boa fe ou
de quaisquer outros principios centrais: os deveres em causa impu-
seram-se merce de problemas sectoriais ou de teorias parcelares que,
neles, encontram uma base de subsistencia e de expansao.
A
boa
fe
veio a ser utilizada, de modo repetido, para fundamentar, no Direito
positivo, as diversas solucoes propugnadas: a sua consagracao legal,
a sua carga histOrico-cultural
e
a sua disponibilidade davam-lhe,
para tanto, as qualidades requeridas. A existencia efectiva de consa-
gracoes reais, traduzida na aplicacao dos aludidos deveres dispersos,
faculta uma possibilidade histOrica impar de penetrar no contetido
material do vago dever de agir segundo a boa fe.
0 conhecimento dos meandros materiais acolhidos a boa fe,
como regra de conduta, pressupoem uma apreensio juridica do fen6-
meno, o que é dizer, a sua reducao dogmatica. Sob era, perfilam-se
problemas ligados a possibilidade de tratamento unitario do tema,
a genese dos deveres em causa, ao seu regime
c
a sua extensa
o.
I I .
A n ecessidade de, aos deveres acessOrios, manifestados
diversos quadrantes, ser dado um tratamento unitirio foi despo-
letada por
CANARIS,
a prop6sito dos deveres
de proteccio. Viu
-
se
como esses deveres
foram judicialmcnte consagrados, no campo
da
cu lpa in cont rahendo
e no da violacao positiva do contrato
(356).
medida quc se deu a sua
consagracio, os
deveres de proteccao
in
contraliendo
assumirarn natureza legal: fundados na boa fe, nao
havia qualqucr contrato que, sem ficcao, os pudesse originar. Os
deveres de proteccao acessOrios, pelo contririo, podiam, corn como-
didade, ser imputados ao pr6prio contrato que acompanhassem.
Ate
aqui, a diversidacle dogmitica
nao suscitava mais
do que uma
assimetria de
construclo; no primeiro caso, a
violacao levaria
responsabilidade obrigacional extra-contratual, ao passo que no
segundo, o caso stria de responsabilidade contratual pura: mas em
ambos, o regime stria o mesmo, uma vez quc os Cddigos modernos
tratam, dc modo indiferenciado, a responsabilidade obrigacional,
independentemente de saber se, na sua fonte, esti a inobservancia
de obrigacOes contratuais ou legais (
3 57
).
A evolucao posterior demonstaria, porem,
a
nao inoquidade
da variacao dogmatica initial. A separacao sistemitica dos deveres
de
proteccao
in contraliendo
c acessorios
levou, noutros pontos que
nao
os tratados, de forma expressa, pela lei, a diversidades de regime.
Assim sucedeu corn a responsabilidade do representante ou do
auxiliar. Pelas regras gerais, no dominio obrigacional, os actos
praticados por representante ou auxiliar repercutem-se, para todos
os efeitos, na esfera juridica do representado ou auxiliado
(
355
).
Na
culpa in contraliendo,
esse esquema levantou chividas. A dou-
trina que, desde
JHERING,
se habituara a tratar a responsabilidade dela
emergente como contratual, entendia que, pelos actos pre-negociais
praticados pelo representante, respondia o representado; a jurispru-
dencia do RG veio, contudo, nessas condicoes, a admitir
uma
res-
ponsabilidade autdnoma do representante (
3 59
). A responsabilidade
(336)
Veja-se a jurisprudencia referida
supra,
547 ss. e 6 04, respectivamente.
(357)
No COd igo portugues jogs o art . 798.°: «O devedor que falta culposamente ao
cumprimento da obrigacio torna-se responsivel...”.
(358)
No Codigo portugues, funcionaram as regras dos arts. 258.° e 800 .°/1.; no BGB
os
s 5
164 e 278.
( 35 9 )
K. M1ELKE,
Die Voraussetzungen der H artung des reeltsgeschaftl ich bes tell ten Stellver-
freers Jiir culpa in con traliendo cit . ,
76-77, que sublinha m esmo a forte oposicSo da doutrina,
a
tal orientacio;
T. STICHT,
Zu r H a f t ing de s V er t re t enen and V crr re t e rs t in s V erschu iden be i
634
boa fe coma regra de conduta
§ 24.°
0
dever de ac tua l s egundo a boa fe
35
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 39/100
autOnoma deste ocorria, na justificacao das decisoes que, na decad
e
de vinte, primeiro a reconheceram, quando existisse urn interesse
prOprio pessoal na conclusao do contrato e logo na conducao d
a s
respectivas
negociacoes
( 3 6 0
)
.
Esta orientac3o manteve
e na
juris-
prudencia do BGH
(
361
).
BALLERSTEDT,
em conhecida investiga
ca
o
n
_
sabilidades entre o representante e o representado; fundamentando
a
culpa in contrahendo
na situacao de confianca gerada,
BALLERSTEDT
distingue
varias situacoes tipicas, nas quais a entrega confiante se
faria para corn o representante, por se ignorar a situacao real deste,
ou para corn o representado; conforme os casos, assim a responsa-
bilidade
(
362
). Corn estas achegas doutrinirias, a responsabilidad
e
prOpria do representante, no dominio da
culpa in contrahendo,
6 hoje
reconhecida
(
363
).
Esta evolucao, particularmente atenta as necessidades da vida e
as final exigencias do sistema juridico, possibili tada pela inexistencia,
no dominio da
culpa in contrahendo,
de soluceies legais dispensadoras
de aprofundamentos, nao se deu a propOsito da violacao positiva do
contrato. A incongruencia nao tardaria.
Em B GH 10-Jun.-1964, discutia-se o que se segue. A A. queria
vender urn predio contra uma renda. Contactou urn agente imobiliirio
que se esforgou por encontrar interessados na compra; suspendeu, porem,
o trabalho. Este viria a ser ietomado por urn irmio dcsse agente, clue'
dirigia uma filial da agenda em causa, e que se podia considerar auxiliar;
estava, alern disso, interessado, pessoalmente, no negOcio. Encontrou uma
compradora e promoveu o negocio so que, por razoes no
determinadas,
Vertragsschluss sowie des Erfiillungsgehilfen aus positiver Vertragsverletzung cit.,
73;
LARENZt
A11gT
3
cit., 557 e
SchuldRIAT
13
cit.,
109-110.
(
36
°) K. MinucE,
Ci r
cit., 78; T.
SI1CHT,
Cic
cit., 73;
HILDEBRANDT,
Erklarungshaftul lg
cit., 136. Esta orientacao foi assumida, pela primeira, vez por RG 1-Mar.-1928, JW 1928,
1285-1286 (1286) = R echt 1928, n.° 1035 = RG Z 120 (1928 ), 249-256 (253), apoiada na boa
fe. Mereceu, de imediato, uma an. desfavorivel de
HEINRICH STOLL, JW
1928, 1285-1286,
n.° 3, que explica nao poder, uma pessoa, ser, em simultineo, representante e pane.
(361)
BGH 27-Jul.-1963, NJW 1963, 2166-2168 (2167), p. ex..
(362)
K.
BALLERSTEDT,
Zur Haftung fir culpa in contrahendo bei
Geschaftsabschluss
durch
Stellvertreter
cit ., 507, 508, 512 e 517 ss., p. ex..
( 36 3 )
K.
MIELKE,
Cic
cit.,
maxim
134;
CREZELIUS,
Culpa in contrahendo d es Vert reters
ohne Verfretungstnacht, JuS
1977, 796-799 (797);
EGBERT
Prima,
Uberschreiteit der Vertretungstnach
t
FS R. Reinhart (1972), 127-136 ( 13 5
);
ULRICH MOLLER,
Die Haftung des Stellvertreters bei culpa in contrahendo trod positive Forderunr
verletzung,
NJW 1969, 2169-2175 (2169);
LARENZ,
AllgT
cit.,
558.
desistiu-sc de uma garantia real a favor da A.; essa compradora onerou
o predio corn uma divida fundiaria e arrendou-o, a longo prazo, contra
pre-pagamento; depois, suspendeu as suas prestagOes; a A. rescindiu o
contrato e accionou o agente e o auxiliar pclos danos sofridos, alegando
a sua inexperiencia; eles deve-la-iam ter prevenido do perigo em renun-
ciar a garantia real. 0 BGH deu provimento a acgio contra o agente,
por violagio de um dever de esclarecimento a cargo do aux iliar, por que
de
era responsivel; denegou-a, porem, contra o auxiliar em si, afir-
mando que, se na
culpa in contrahendo,
se podia reconhecer uma responsa-
bilidade autOnoma do auxiliar , outrotanto nao sucederia na violagio
positiva do contrato, dada a n atureza contratual dos deveres em jog o
(364
) .
Esta solucao, diz
CANARIS, 6
arbitraria(
3 6 5
). Tem razio: se nunca
tivesse havido urn con trato entre a vendedora e a agencia, mas apenas
n
egociacoes preliminares e, por u ma v iolacao de deveres semclhantes,
o
corressem danos, haveria responsabilidade do agente e do scu auxi-
liar; celebrado o contrato, este iliba-se, piorando, em consequencia,
a situacao da contraparte
(
366
).
Para cvitar situacOes de torcao destc tipo,
C A N A R I S
propOs
uma teoria dos deveres unitarios de proteccio: desdc o inicio das
negociac5cs
preliminares, constituir-se-ia, entre os intervenientes,
um clever especifico de pro teccao, derivado d a si tuacao dc confianca
suscitada e fundado, positivamente, na boa fe; esse dever subsistiria,
corn essa tnesma natureza legal, durante a vigencia do contra to,
podendo sobreviver-lhe, e estendendo-se, ainda, as hipOteses de
nulidade contratual e dc proteccao de terceiro
(
367
). A ideia de
CANARIS ,
nao obstante algumas objeccoes
(
368
), tern tido aceita-
( 36 4 )
BGH 10-Jun .-1964, VersR 1964, 977 = NJW 1964, 2009 = JZ 1964, 654 .
(363
) C. W.
CANARIS,
Haf tung D ri f ter a us posi t iver Forderungsverlezung
cit., 115.
(366)
Outro exempla de incongruencia similar a criado por F.-S
EVANS-VON KRBEE,
Nichterfillungsregebi ouch bei tveiteren Verhaltens- oder Sotgfaltspfikhtverletzung?,
AcP 179 (1979),
83-15 2 (87-88): o vitivo V m andata a advogada A para alienar o seu predio; esta convoca a
nteressada I para uma conferencia, no scu escritOrio, sobre as modalidades do contrato;
na entrada, I escorrega no soallio demasiado encerado e pane uma moo; como variance,
Pk-se a hipotese de a convocataria ter tido lugar depois de efectivada a venda, para esclareci-
mentos subsequentes. Pais bem: no caso-base, a A seria responsivel, por
c i c ,
como representante
Interessada; na variante, a natureza contratual dos deveres envolvidos conduziriam a responsa-
bilidade exdusiva de V.
( 367 )
C. W
CANARIS,
Anspriiche tvegen epositiver Vertragsverletzung* and *Schutzwirkung
fur D ri t te* bei nicht igetz VertKigen
cit., 476, 477 e 478 ss..
(368)
Assign, em SrAuDirmEn/LOwiscu
l2
(1979), prenot. §§ 275-288, u.° 22, defende-se
que o dever unitirio de proteccio, de natureza legal, nao seria contestivel nas hipoteses de
nulidade do contrato; tornar-se-ia, porein, desnecessirio na constIncia dc ulna relacio obriga-
6 3 7
636
boa
omo regra de conduta
S
c 24.0 0 clever do actuar scgundo a boa
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 40/100
0 aparecimento, corn o vigor
c
o relevo demonstrados, dos deveres
de proteccao, devc ser colocado nos espacos historic° e dogmatic°
pr6
-
prios; quando nao, o fenomeno nao e entendido, podendo ser obje
c
t°
Retenha-se a printeira decisio judicial que detectou deveres de pr
o ._
teccio, fazendo-o, alias,
in contrahendo:
o caso do linoleo
( 3 7 1
), onde urn
comerciante a responsabilizado porquc, por descuido de urn seu empregado,
uma cliente, que pretendia adquir ir l in6leos, a atingida por dois robs
que cairans, ferindo-a. Uln a analise despreconceituada desta factualidade
revela quc o acontecido pouco tern a ver coin o contrato projectado ou
coin a sua preparagao. Uma pessoa ferida por negligencia de outra,
concretiza uma situacao tipica de responsabilidade delitual, enquadrivel,
p. cx., no art.
483.0/1
do C6d. Civil portugues; tirando um aspecto
de
importancia secunda ria relativa, a que se voltara, essa responsabilidad
e
responsabilidade obrigacional, emergente da inobservancia de deveres
especificos.
Nao assim no Direito akmao; a responsabilidade obrigacional
tern, de facto, urna clausula geral: o devedor responde por dolo o u negli-
gencia, pelo §
276 BGB,
pressupondo:se, pois, a presenca previa de uma
relacao obrigacional especifica
(
3 7 2
). Mas a responsabilidade aquiliana
resulta de tres clausulas que, embora gerais, nao cobrem todo o universo
delitual possivel
( 3 7 3
):
responde o agente que, corn dolo ou negligencia,
viole urn direito de personalidade, real ou semelhante — §
823/1 —
que,
nas mesmas condicoes, viole uma norma d estinada I proteccao de outran
( 3 69)
U. MUL L ER ,
r
V
c it.
TT
c.t.,
OLFGANG THIELE,
Lei-CM/WHO/UV
Cit., 654;
W. GERIIARDT,
Gesetzliches Schutzverhaltnis
cit., 598, LARENZ,
SchuldRIAT
23
cit.,
100 ss. e,
corn
pormenores, MARINA FROST,
oVorver traglichco mid «ver tragliclu, Schutzpfl ichten
(1981),
IllaXinle
212 e 241. Antes de CANARIS, ja era possivel notar alguns passos, nesta direccao, cm
W
W E B E R ,
Trete I t . Glauber
cit., A 770 (306).
( 3 70 )
Esta ideia fora jd expressa em MENEZES CORDEIRO,
A pos-cficacia cit., 0.° 9 ;
procede-se, agora, ao seu aprofundar, corn tuna aplicacio mais lata.
( 3 71)
RG 7-Dez.-1911, RGZ 78 (1913), 239-241.
(372)
PALANDT/HEINRICHS,
BGB
4 2
cit., §
276, 1) (302); LARENZ,
SchuldR/AT
3 c
it., 267.
( 3 73 )
ERNST VON CAEMMERER,
II/auditor/gm des Deliktsredits,
FS DJT 100 (1960), 2, 4
9-136
eliktsrecht
2
(1979), 36-37 c
MEPTENs 1 Akinch-Komm,
prcnot. §§ 823-8
53,
- § 823/2
--
on que, dolosarnente, provoque
danos, atentando contra
os
bons costumes — §
826.
Por este csquema, um dan o patrimonial, que no
caia no §
823/1
e nao integre uma previa° norm ativa especifica, s6 seria
reparado se fosse
contra bonos mores e ,
ainda entao, havendo dolo
(
3 7 4 ) .
Para akin desta variagio de base, existe outro ponto real de distincao,
no
BGB, entre a
responsabilidade obrigacional c a aquiliana: o regime
cia responsabilidade por actos de auxiliares. Na primeira, o devedor
6 responsivel pelos actos dos que, no cumpritnento, o representem on
auxiliem, como m anda o §
278 BGB (
3 7 5
); na segunda, pelo contrario,
o com itente responde pelos actos dos auxiliares, mas apcnas dentro das
regras da
culpa in e l igendo, i . é ,
podendo ilibar-se, nos termos do §
83111
BGB,
provando que, na escolha dos auxiliares, pos o cuidado neces-
sari°
(3 7
6
). A
luz destas particularidades, entende-se o caso do linoleo:
o RG
teve de julgar violados deveres espccificos de cuidado para, nos
termos do §
278 BGB,
poder responsabilizar o proprietario do estabele-
cimento; se se qued asse pela responsabilidade delitual, cste exonerar-
p
rovando que pusera a diligencia requerida na escolha do empre-
gado. Uma responsabilidade contra este teria poucas possibilidades de
efectivacao econ6mica.
Os deveres de proteccao, na sua genese e na sua evoluclo
c
scndo
eles
in contral tendo,
acess6rios,
post pactum f ini tum,
de proteccao a terceiros
ou subsistentes na nulidade, destinam-se, conic hoje 6 reconhecido, a suprir
as deficiencias do Direito delitual
alma° (
3 7 7
). Na'o consti tuem,
na
versa° aperfeicoada de
C A N A R I S ,
uma formulacio
artificial: a pessoa quc,
a pretext° de um relacionamento negocial on similar, suscite, noutra,
uma en trega confiante, ve nascer deveres especificos de nao lire causar
prejuizo; mas torna-se, seguramente, uma d uplicacao liana nuns sistema
onde o mesmo resultado pratico pudesse, cons comodidade, ser obtido
atraves das regras da responsabilidade aquiliana.
No Direito portugues, as diferencas denotadas no BGB, entre
as responsabilidades obrigacional e aquiliana nao existem. 0 devedor
responde por dolo ou negligencia, quando nao acate os seus deveres
— art. 798.°; o agente, no entanto, respondc de igual modo, sempre
que viole o direito de outrem, sem distincao — art. 483.°/1. Tam-
hem no tocante a responsabilidade por actos de auxiliares, o regime
(374)
Em rigor, seria possivel, a face do Direito alcmao, ensaiar urn alargamento do
S 8 2 3 / 1
do BGB, por modo a obter uma clausula geral de responsabilidade civil semelhante is
napole6nicas. 0 passo nao tern, no entanto, sido efectuado.
(375)
L A R E N Z ,
SCilUld12.
/AT
cit., 273-280.
( 3 76)
Focando a diferenca, ESSER/SCHMIDT,
Schu ldRI AT
5
cit., 2, 47-48.
(377)
Cf. VON CAEMMERER,
W andl ungen d . Del i k sR
cit., 57, falando no alargamento
Indevido da ck,
por forca do § 831 BGB; FRANK PETERS,
Zu r V e l jahru ng de r Anspr i ich t au s
csa
pa i ts contrahendo find positiver Ver tragsver tetz ting,
VersR 1979, 103-111 (111). seetindo o anal
tic
e
vpc teriam surgido para integrar lacunas do Direito delitual.
cao
(
3 6 9
). Na verdade, tern coerencia dognthica e resolve as clu
e s _
toes que se the poem, como e de apreensao imediata.
Vzilida no Direito alemao, a doutrina do dever unitirio
legal de proteccao,
de
CA NAR IS, nao tern aplicacao no Direito p
ot
._
tugues (
3 7 0
).
638
boa fe como regra de conduta
24.° 0 clever de actuar segundo a boa fe
39
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 41/100
é diferente: o
devedor e responsavel — art. 800.0/1 —Inas o age
nte
responsabilidade, pelo risco, do comitente, sem que este possa exo_
nerar-se corn recurso as rcgras da
culpa in el igendo.
No Direito portugues, existem, por6m, outras diferencas ent
re
as ch. responsabilidades obrigacional e aquiliana (
3 7 8
); tais diferencas,
embora co nsideradas, pela doutrina mais atenta, como insuficientes pa
ra
e (379), been
poderiam justificar a recepcio dos deveres unitarios de proteccao, apura-
dos na doutrina alemi por CANAIUS. Nao e assim. No dominio d
a
tada a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso, presume-se
a culpa do devedor — art. 79941; pelo contrario, no dominio delitual,
.ao
lesado incurnbe provar a culpa do autor da lea°, salvo havendo pre-
suncao legal de culpa, — art. 48741. As hipoteses de presuncao legal
de culpa proliferam, alias: arts. 491.0, 492.0, 493.°... No que respeita
ao regime da responsabilidade por actos d e auxiliares, a diferenca
tambem, m uito cscassa, devendo o art. 80041 considerar-se como uma
concretizacio do art. 50041 (
3 8
9; uma U nica e timida diferenca tern sido
apontada entrc os dois preceitos, por alguma d outrina (
3 8 1
): no primeiro
caso, dispensar-se-ia uma relacio de subordinacio entre o auxiliar e o
devedor, relacao essa que, pelo contrario, seria exigida na segunda.
Se bem se atentar, ver-se-a que essa diferenca, a proceder (
3 82
), apenas
revelaria a diversidade prcvisiva de situagoes em que uma mesma figura
de impuracio objectiva de danos 6 usada: no cam po aquiliano, a liberdade
dos intervenientes a total, uma v ez que des deparam c orn deveres gene-
ricos ncgativos, cm principio; no obrigacional, devedor e auxiliares estao
subordinados a obrigacio em si, tornando-se desnecessario exprimir, em
termos normativos, o nexo de imputacao corn recurso a vinculos
subordinativos suplementares. Nio se branda, como exemplo de
diferenciacio, o • caso do representante, que responsabilizaria, pelo
art. 800.0/1, o devedor, mas nao, pelo art. 500. °, necessariamente, o corms-
sario: viu-se como, na ex periencia juridica alema, o ambito de responsa-
bilidade assim conseguido, contra o devedor, levou a jurisprudencia e,
depois, a doutrina, a restringir a aplicacio do § 278, admitindo uma
r
esponsabilidade prO pria do representante em si (
3 8 3
). Em Portugal,
toda
essa complicacio poderia ser afastada, corn com odidade, desde que,
ao caso, se aplicasse o art. 500.° e o 80041.
A face do C Odigo C ivil portugues, as violacoes dos chamados
deveres de proteccao tem urn enquadram ento directo na clausula
geral da responsabilidade aquiliana, emergente do art. 483.0/1 . Como
resulta de toda a casuistica que esti na base da figura, os deveres de
proteccao visarn assegurar que, a coberto de relacoes obrigacionais
ou factores que, corn elas, tenham semelhancas — cada vez mais dilui-
das, alias, pela evolucao subsequente — os intervenientes se inflijam
danos, uns aos outros, nas suas pcssoas ou patrimO nios. Como
de reconhecimento g eneralizado, este ambito nada tern a ver corn os
interesses obrigacionais em si: esti em causa a pro teccao geral asse-
gurada pelo Direito, atraves dos esquemas que, hoje, representam
a velha
Lex Aqui l ia de dam no.
No Direito portugues nao jogam,
em desfavor da saida aquiliana, os meandros da
culpa in e l igendo;
pelo contrario: a aplicacao do regime delitual generic° evita as
confusi5es increntes a necessidade de, cm certos casos, quebrar o vin-
culo de imputaclo, ao representado, por actos do representante.
Perante isto, a Unica alteracao adveniente do adn utir os aludidos
deveres de proteccao estaria no onus da prova: passaria a jogar c on-
tra o devedor, obrigado a demonstrar, em caso de violacao, que
esta nao operara por culpa sua, enquanto que, no cenario aqui-
liano, tal onus estaria a cargo do prejudicado — art. 799°/1 e
487.0/1,
respectivamente. Uma vez assente que os valores em jogo
na violacao dos deveres de proteccao correspondem ao objecto
vicado pela tutela delitual, nao se vislumbra, na alteracao em causa,
qualquer vantagem; pelo contrario: tratando o igual de modo
diferente, era iris introduzir, a titulo gratuito, uma distorcao inexis-
tente a partida. Acresce que a aludida 4vantagem* seria aparente:
ficaria tragada na d ificuldade bem maior, a cargo do lesado-credor,
de provar a existencia dos prOprios deveres de proteccao
(
38 4
).
(383)
Cf. supra, 633-634.
(384)
Discords-se, assim,
de
MOTA
Parro,
Cessao
cit., 411 e
passim,
que admite a trans-
posicao dos deveres de proteccao para o Direito portugues, em concurso, se necessario, corn
a
responsabilidade
aquiliana. Esse A. nao atenta, alias, na supressio entre os dois tipos de respon-
( 3 7 8)
VAZ SERRA,
Responsabi l idade contratual e responsabi l idade ex tracontratual ,
sep.
BMJ
(1959),
Responsobi l idade civi l ,
110 ss., procede a longa enumeracio das diferencas possfveis,
de
que acaba por discordar.
(379)
Recorde-se a linha formada por
PAULO CUNHA, GOMES DA SILVA, PESSOA JORGE
C OLIVEIRA ASCENSAO,
cit.,
sup.
57 5
18 1
, a que tambern se aderiu.
( 3 80 )
MENEZES CORDEIRO,
D.
Obrigaoes
cit., 2, 393.
( 3 81 )
ANTUNES VARELA,
ObrigacifeS Cit., 2
, 100-101
3
; PESSOA JORGE,
Pressupostos
cit.,
145-146, mcnos abertamente; MOTA
PINTO,
Cessifo
cit ., 411.
(382)
A esubordinacio» exigida pela imputacio ao com itente nao emerge da lei, sendo
mantida na doutrina —
cf.
MENEZES CORDEIRO,
D.
Obrigapies
cit. , 2, 371 — por razdes de
tradicao. Bastaria a exigencia de urn minimo de liberdade do comitente na escolha do comis-
sario pars integrar a previao legal e satisfazer, do sistema, os vectores em jogo.
640
boa
fa cow regra de conduta
§ 24.°0 dever de actuar segundo a boa
M
41
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 42/100
IV. A
doutrina do dever
de
proteccao unitario ficou a mein
caminho
( 3 85
). As razocs que levaram ao scu aparccimento e a
o
dade. Uma vez admitidos — e isso ji nao sc discute — des teriam
:
natureza contratual; na fase p6s-eficaz, natureza contratual ou legal,
conforme a sede
( 3 8 6
); na nulidade, supervenientemente apurada,
do pacto, natureza legal recobrada, perdendo a contratual; na pro-
jeccao face a terceiros, por fim, a natureza scria legal ou contratual
consoante sejam alegados contra eles ou por des
c,
no primeiro caso,
ainda conforme a saida encontrada para a chamada eficacia externa
das obrigacoes.
Esta complicacao escusada corresponde a uma fasc pre-sistematic
a
instrumentacao proporcionada, hoje em dia, pela Cien-
cia do Direito, permite pOr cobro a tal incipiencia. Os deveres de
lealdade e de informacao tem uma estrutura unitaria nos diversos
quadrantes por que se manifestant e, assentes na boa fe, tern natureza
legal. Ou, numa optica mais prccisa, face a teoria das fontes das obri-
gagoes: resultam de mero facto juridico — o inIcio de negociacoes,
a existencia dum contrato, v6lido ou invilido, actual ou passado e
a conexao de terceiros COm as obrigacoes — e
n a o
de vontade humana,
considerada como tal. Esta conclusao surge Clara nas hipoteses de
culpa in con trahendo
e de nulidade de contrato onde faltam, salvas
ficcoes,
quaisquer contratos validos, susceptiveis de explicar deve-
res. Mas impoe-se, tambem,
a
analise, no caso dos deveres acessorios
e nas outras projeccoes da figura: a: exigencia duma actuacao de
boa fe deriva do sistema c nao de qualquer vontade das partes, que
mais nao podem do que conformar-se, querendo permanecer no
dominio do juridico.
sabilidadc que o Direito national consagrou — cf.
supra,
575 1 8 1
. Pode ainda informar-se que o
proprio C.
W
CANAR1S,
perante a exposicio do esquelna portugues da responsabilidade
aquiliana, concorda cons a desnecessidade, nesse sistema, dos deveres unitarios de proteccio.
(
3 85
)
Como resulta, alias, da simples ponderacao de BGH 1 0-Jun.-1964, que serviu de
base ao escudo de CANAR1S,
H af t u ng D r i f t er
cit .. De facto, os deveres ai ens causa, cujo trata-
nsento diferenciado na
ric
e
na vpc requeria a reformulacio do tema, nao cram de proteccio,
mas de informacio.
(3 8
9 Para certa doutrina portuguesa — Mom PINTO,
Cessdo
cit., 354-356 e ALMEIDA
C O S T A , Obrigatdes 3
cit.,
269 — que pretende chegar 1 cppf atraves da integracao negocial, esses
deveres teriam natureza contratual.
Uma regra gcral de conduta segundo a boa fe, concretizada em
d
e
veres de inforrnacao c lealdade, comeca a tomar corpo. Ela
nao
6 prejudicada pelo facto
natural
de tais deveres assumirem objectivos
diferentes, nas divcrsas ocorrencias em que se manifestem: na fase
pr
e-contratual, tern escopos imediatos distintos dos revelados na
constancia contratual. Correspondem, no entanto, aos mesmos
vectores.
V. Partindo de deveres dispersos por varios quadrantes, obte-
v
e-se uma certa unidade em torno da sua natureza legal e da ideia
de boa fe. Tern agora interesse estender a indagacao a aspectos
previsivos, isto é, averiguar ate que ponto podem ser concatenados
entre si os factos cuja verificacao desencadeia a constituicio dos
deveres em causa.
Uma tentativa de explicacao poderia residir nas relaceies contra-
tuais
de facto. Esta figura, criacao de HAUPT, foi encontrada a pro-
posit° da
culpa in contrahendo
(
3 8 7
); verificou-se como, nesse dominio,
atraves de H. ML LE e BA LL ERSTED T, ela evoluira para a normativi-
dade da confianca, nos preliminares contratuais. Importa, agora,
considerar o seu ambito explicativo geral.
Em DoLLE,
os «deveres de prestacio extra-legais8 repartiam-se pelos
tres grupos referidos de protecgio, assistencia e manutenglo, de indicgio ,
esclarecimento e comunicaclo e de entrega patrimonial, assentando, os
primeiros, em interpretacio criativa integradora de lacuna, requerida
pela confianca, os segundos, na vontade das partes e na boa fe e, os ter-
ceiros, em ponderacties especificas feitas, no caso concreto, a luz da boa
fe (
3 88
). Este esforco, a que
MLLE
negou o qualificativo de «rely
-
5 e s
contratuais de facto*, mas que, de um prisma material, se coloca na sequen-
cia nitida dos estudos de
HAUPT,
pode, agora, ser apreciado: a parte inte-
grativa da construcio corresponde, afinal, aos deveres de proteccio de
CANARIS,
cuja desnecessidade, no D ireito portugues, deve ser tidy por
assente (
3 8 9
); os deveres de indicacio, esclarecimento e comunicacio
aproximam-se dos de informacio e lealdade, nio se lhes podendo atribuir
natureza negocial; os de entrega patrimonial, por fim, devem ser escla-
recidos.
(387)
Supra,
555 ss..
(388)
H. Dais,
Aussergesetzliche Schuldpflichteu
cit., 73,75, 81, 83, 86,88-89, 90 ss. e 101.
(389)
L A R E N Z ,
Culpa in contrahendo, Verkehrs i thentngspfl icht and gsozialer Kontakt",
MDR.
1
954, 515-518 (517), critics este aspecto por outro prisms: sublinha que a confianca, sd por si,
sent uma ligacio a outros momentos, n'ao poderia elevar a responsabilidade acima do nivel da
delitual.
642
boa
fe
corm regra de conduta
§ 24.°
0
dever t(e actuar segundo a boa fe
43
porem, em declinio. A eficacia dos factos que cla integraria foi
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 43/100
Urn aspect() significativo das relacocs con tratuais de facto foi
mantido e reelaborado por
LARENZ;
este aprofundou, numa
meira fase, o tema dos com portamentos sociais tipicos, base de situa-
goes de tipo con tratual, mas q ue nao poderiam integrar as classica
l
A orientacao em c ausa conheceu urn stibito influxo jurisprudenti
a
l
atraves de BGH 14-Jul.1956, o celebre caso do parque de estacionament
o
em exploracao, atraves do pagamento de quantias por estacionament
o
teve a palavra. Interposta uma accao para condenacao nas im portancia
s
bunal Federal, considerando a inadequacao de quaisquer dos instrumentos
ji consagrados para solucionar o problema, e citando HAUPT, TASCRE
eLARENZ,entendeu existir, no comportamento do utente, urn facto gerador
de uma relacio contratual de facto, que o obrigaria ao pagamento,
independentemente de qualquer contrato em sentido proprio (
3 9 1
) .
Apareceram outras consagraceles jurisprudenciais no dominio de con-
t r a m s
n u l o s
por falta de forma on que, ate, nunca foram claramente
celebrados, mas a que foram reconhecidos efeitos (
3 9 2 ) .
Esta construclo obteve aplausos de alguma doutrina; entre os
seus meritos, sublinha-se o de, sem ficcoes, solucionar a ocorrencia
inegavel de efeitos contratuais sem contrato (
3 9 3
). Cedo entraria,
(390)
Um; ScbuldRIAT ,
(1953), § 4, II, 27-28.
(391)
BGH 14-Jul.-1956, MDR 1957, 149-151 = BGHZ 21 (1956), 319-334 = NJW
1956, 14764477 = JZ 1957, 58-61 = DB 1956, S17 =
FIKENTSCHER,
ESJ / SchuldRAT
2
(1977), caso 5 (17.24). Esta decisao foi muito comentada• assists as an. de K au.
A U G U S T
BErreamaiin, MDR 1957, 151-153, quanto aos aspectos administrativistas, de A.
B LOMEY ER,
MDR. 1957,153-154, ceptico, de
WIEACKER,
JZ 1957, 61-62, que ye no caso tuna manifestacio
de
vontade contratual c ainda de:
LARENZ,
Sozialtypisches Verhalten all Verpflichtungsgrund,
DRiZ 1958, 245-248 (248), favorivel; H. C.
NIPPERDEY,
Faktische Ver tragsverlui tnissel
MDR
1957, 129-130(130), que opina pela presenca de urn contrato; F.
WIEACKER,
Willenserkldrung and
sozialtypisches Naito ,
FS OL G C elle (1961), 263-286 (265), reservado; cf , desse A., tambem,
a bibliografia referida sobre o problema da tsucessio na (pinta*,
infra,
n.° 72.
(392)
C f . i 1 f r a
n.° 72.
(393)
C f .
E. BErrt,
fiber sogenannte fak t ische Vertragsverhaltnisse,
FS Lehmann 8
0 •
(1956), 1, 253-270 (270), W.
FLUME,
Das Rechtsgescheift und das relevante Verhalten,
AcP 161
(1962), 52-76 (53, 59, 60, 61 c 75-76),
BODO BORNER,
Fakt ische Vertrdge im Energierecht 1 Ein
Beispiel fur die Aufgaben der tvissenschaftlichen Behandlung eines Sonderrechtsgebietes,
FS Nipper-
dey I
(1965),185-209 (189-190) e, anteriormente, JOISANNES BXstataNta,
Typis ier te Ziv ilrechU
-
o r e / r u i n g d e r D a s e i n u o r s o r g e
(1948),
87
. Tambem
CANARIS,
Atypische faktische Arbeitsverhdltnisse
BB 1967, 16 5-170 (170 ), admite a relacio de trabalho de facto como realidade dogmStica
autonoma, embora corn eficacia limitada.
reconduzida seja a vontade das partes, mediante urn alargamento das
eventuandades susceptiveis de representar o exercicio da autonomia
privada
(
394
),
seja a responsabilidade (395)
,
seja a outros elementos,
e
ntre os quaffs a confianca
(396)
.
Nada disto é satisfatOrio. Como se intentou dcmonstrar noutro
nao
ha processo de evitar que surjam efeitos semelhantes aos
contratuais, em conjunturas impossivcis de reconduzir a autonomia
privada, quer por, de todo em todo, faltar a vontade das partes,
quer por, como no caso do parque de estacionamento de Hamburgo,
haver uma vontade clara em contrario (
3 9 7
).
0 Direito portugues, ao exigir, de mod o expresso e inequivoco,
a consciencia da declaracio, para que se produzam quaisquer efeitos
negociais - art. 246.. - num a disposicao que nao tern paralelo no
BGB,
mais dificulta a possibilidade de assentar a autonomia privada em aspectos
puramente funcionais, como qu ereria
RAISER
e, ao que parece,
MOTA
PINTO
(
3 9 8
). Ou,
pelo =nos, numa visa° fun cional estrita que abdique
da imputabilidade, ao sujeito livre e consciente, da vontade dos efeitos
juridico-privados desencadeados.
No espaco alemao, existe uma polemica antiga quanto a saber se,
para a presenca de um a declaracao de von tade negocial, 6 necessiria
a consciencia da declaracio, i. 6, a consciencia de emitir uma declaracao
negocial ou se, pelo contrario, basta a possibilidade de tomar o sentido
do comportamento como o de uma declaracio de vontade, coin
um papel decisOrio, pois, interpretaclo normativa (
3 9 9
). A doutrina
( 3 9 4 )
LUDWIG RAISER,
Vertragsjunktion s tud Ver tragsfieiheit,
FS 100 DJT (1960), 1, 101-
-134 (101 ss., 124 ss., 133), numa posicio aceite por G. S.
RICHTER,
Contr ibloto allo s tudio
del rapporti di fatto nel diritto privato,
RTDPC (1977), 151-204 (194) e por
MOTA PINTO,
Cessdo
cit., 256-261
3
(261) e
D. Obrigacoes
cit., 201.
(395)
E s S E R ,
Gedank en zu r Dogma t ik d e r •
faktischen Schuldverhaniss•,
AcP 157 (1959),
89 ss., que trabalha, tambern, corn a ideia de need° jurldico tacit° -
ob. cit . ,
95; Lucto
Sui cosidet t i rapport i contrat tuali di fa t to
(1965), 109.
(396)
H. Kamm,
Vertrag und sozialtypisches Verhalten 1 Betrachtungen zurn gegenwartigen
Stand von Lehre und Rechtsprechung g egetti iber den sogenannten faktischen Ver trOgett bei tar ifnuiss ig
zu vergutenden Versorgungsleis tungen,
JR 1968, 1 -6 (6). Cf. outras hipoteses em
ESSER/SCHMIDT,
Schu l dRIAT
5
,
1, 112-113, W Tams,
Die Zust imm ung in der Lehre vom Rechtsgeschaft
(1966),
111314 e Rum,
AIIgT,
2
3
(1979), 97-101.
( 3 9 7 )
M E N E Z E S
CORDEIRO,
D.
Obrigactles
cit. , 2, 40-41.
(398)
Cf.
supra, 643
3 9 4 .
(
39
) Cf.
LARENZ,
AligT
5
cit., 320 ss..
§ 24.° 0 lever de actuar segundo a boa fe
45
44
boa fe como- r egr a de condu ta
tem-se pronunciado ora a favor da primeira posicao
Direito alemao, em nom e da m aterialidade cia conceitologia negocial,
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 44/100
(
400
), ora
segunda (401) .
a
Para indicar os pontos altos das argumentaceies em presenca, refi.„
ram-se
CANARIS
e
BYDLINSRI,
respectivamente. Diz
CANARIS:
quan
do
algu6m nao esti consciente de ter dado uma declaracio negocial,
lugar, em auto-determinagio, a uma relacio juridica (...). Na f
a ha
sabilidade, de um problema da doutrina do negOcio juridico, mas da
doutrina da aparencia juridica*
(402 ). BYDLINSRI,
por seu turno, avail%
a partir do regime da impugnabilidade dos negO cios por erro. Segundo,
o § 11 9/1 BG B, a declaraeao pode ser impugnada por erro «...
quand
o
corn tuna apreciacao razoivel do caso nao a teria emitidos. Como
se ve, o erro, em si, nao di lugar I invalidade; apenas a sua imputaca
o
segundo bitolas objectivas, permite faze-lo. Pois bem, segundo BYraNsru,
casos do erro da declaracio e de falta da consciencia da declaragi
o
mente, nada quer e o que, negocialm ente, quer algo de diferente
nao
existe, no ponto decisivo, qu alquer diferenca: as consequencias as quaffs
se deve manter adstrito nao foram queridas, end° e ai, pelo interessado;
de
no
estava, emit) e ai, consciente da sua ocorrencia•
(40 3
). A imputgio
da declaraelo, a fazer em termos normativos, decide; nao a sua cons-
ciencia.
0 quadro legal alemao a especifico. Mas sem pre se dirt que, na
oposicao apontada entre
CANARIS
e
BYDLINSICI,
ambos argumentam em
pianos diversos. 0 primeiro, desde que se aceitem os seus pressupostos
— i.
6 ,
os de que o neg6cio juridico, fruto da vontade das pessoas, 6 uma
forma efectiva de auto-determinacao — que nao se ye como recusar,
tern razao: os efeitos que se atribuam a um a ideclaracio* nao-consciente
derivam da eficacia da aparencia e nao da vontade. Mas o segundo tern-na,
tambem: se, nao
obstante o erro, e merce de regras objectivadas de impu-
tacio, uma declaracao produz efeitos, podendo ser impugnada,
haveria distorcao caso, de outro modo, fosse tratada a declaragio sem
consciencia. A consciencia da declaracio deve ser exigida, no proprio
(400) Assisi
as indicacaes dadas
por
LARENZ,
AllgT 5 cit.,
320
3
, onde avultam nome como
os de
WIEACICER, NIPPERDEY
e
OERTMANN;
cf.
CIIIIISTO F KELLMAN N,
Grundproblesne
der Willem'
erklifrung,
JuS 1971, 609-617
(612-613).
( 4 01 ) LARENZ,
Die Aferlsode der Auslegung des Recht sgeschafts / Zugleich ein Beitrag
Theorie der Willenserklarung
(1930),
82, F L U M E ,
AI1gT 2 3
cit.,
450, PALANDT/HEINRICH
4 2
pren. § 116, 4, b (78), e G6Tz
VON CRAUSHAAR,
Der Einfluss des Vertrauens auf die
P r i v a t r o c h t s
-
W i s h i n g
(1969), 63.
( 4 02 )
CANARIS,
Vertrauenshaftung
cit., 427-428.
(4
° 3
) BYDLINSKI,
Privatautonomie
cit.,
163;
cf.
KELLMANN,
Willenserklaning cit.,
6 1 3 •
Estes
AA.
slo utilizados, tambem, por
LARENZ,
AllgT
5 cit .,
321, para exemplificar as dull
posic8es.
para que se possa falar no exercicio efectivo da autonomia privada;
a exigencia de igual tratamento a temitica do erro leva apenas a qu e,
e
m certos casos de declaracoes nao c onscientes, se produzam efeitos
em nom e da tutela da aparencia, enquanto que, nas hip6teses de erro
inimpugniveis
,
hi proteccio da confianca e nao autonomia privada
efectiva.
0 legislador portugues cortou em frente, de modo lapida r, assu-
mindo uma defesa completa da autonomia privada: o erro di sempre
lugar I anulagio, desde que recaia sobre urn element° essential cons-
tativel pela outra parte
(40 4
) — art. 247.° — e a consciencia da declaragio
6 exigida, sob pena de nao h aver a producao de qu aisquer efeitos —
art. 246.°.
Neste ponto como noutros, o recurso a contributos jusculturais
estrangeiros deve ter ern coma as especificidades do Direito portugues.
A tais conjunturas,
insusceptiveis
de, num prisma dogm atico,
integrar a ideia de negOcio, mas cujos efeitos desta se aproximam,
pode-se bem chamar, aguardando melhor, de
relacOes
contratuais
de facto. A clas acolhem -se duas situagoes: a dos contratos sociais
tipicos, prOprios do trafego nacional de massas, em que as pessoas
se vio encontrar investidas em ocorrencias contratuais, seja qual for
a sua vontade, apenas por assumirem comportamentos tipificados
que, no -decurso social, a isso conduzem: assim, por exemplo, no
ingresso num transporte pdblico ou nu ma au to-estrada sujeita a
portagem
(
40 5
); e a das situaccies contratuais de facto, como a dos
fomecimentos de servicos essenciais, antes de celebrado o contrato
respectivo, ou da subsistencia de certos efeitos, nao obstante a nuli-
dade ou, ate, inexistencia
dos contratos que the estejam na origem,
como nos casos da sociedade, do trabalho ou da locacio
(
406
).
VI. As
relacoes
contratuais de facto nao podem , no cntanto,
corresponder a situacoes cuja ocorrencia provoque o surgir dos deveres
de actuacio segundo a boa fe
(40 7
). No imago daquelas relaciies
(
4 0 4
) Quanto ao problema do regime portuguos do erro, cf.
supra,
518-522
2 63 .
(4 °
5
) A
posicao de
LARENZ
evoluiu, neste campo, desembocando no negativismo;
c f . MENEZES CORDEIRO,
D. Obrigaciies
cit., 2, 39
53 4
.
(406)
Cf.
SPIROS
Simms,
Die faktischen Vertragsverluilutisse
(1957), 463
ss.,
WOLFGANG
S I E B E R T , Faktische Vertragsverhaltnisse
(1958), 12 ss. e
NIKISCH,
Ober faktische Vertragsverluilinisse,
FS
Mille (1963), 86 ss..
(407)
Matiza-se, no texto, a posicao assumida em
MENEZES CORDEIRO,
D. Obrigafees
tit., 2, 37-39.,
6 6
- boa fe coma regra de conduta
§ 24..
0
clever de actuar segundo a boa fe
47
estrito. Dal que, por h ipOtese em negociaciies delicadas,
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 45/100
situa-se a ocorrencia de factos que, nao podendo, por raz5es m ateriais
ou juridicas, reconduzir-se a contratos requerem, pelo seu pap
e
l,
a aplicacao do regime contratual. Em termos tecnicos, as relacOe
s
a s
e
Nada disto ocorrc nos factos que levem ao aparecimento dos
deveres filiados na boa
f e :
nao hi lacuna, ji que, embora em termo
s
c 762.°/2; nao hi regime contratual, visto que cstao cm jogo deveres
de ordem legal.
A fon te destcs deveres nao esti na boa
fe,
em boa teoria das
fontes das obrigacoes. A b oa fe apenas norm ativiza certos factos
que, estcs sim, sao fonte: mantenha-sc o paralelo corn a fenorne-
nologia da eficicia negocial: a sua fonte reside nao na norma q ue
mande respeitar os negOcios, mas no prOprio negOcio em si. A enu-
meraclo dos factos-fonte dos deveres de actuar de b oa fe resulta
dos estudos efectuados: o inicio de n egociacoes preliminares, a exis-
tencia de um con trato, ou da sua aparencia, a conexao de terceiro
corn uma ob rigacio ou o desaparecimento de urn negOcio. Todos
eles tem cm comum a verificacio de um relacionar entre duas ou
mais pessoas, atraves duma dinamica que pressupoe uma conjugaclo
de esforcos que transcende o cstrito ambito individual (408%
.
) 0 Direito
obriga, entao, a que, nessas circunstancias, as pessoas nao se desviem
dos propOsitos que, em ponderacao social, cmerjam da situacao
em que sc achem colocadas: nao devem assumir comportamentos
que a contradigam — deveres de lealdade — nem calar ou falsear
a actividade intelectual externa que informa a convivencia human a
— deveres de informacao. Em bora as estrutura e teleologia bisicas
sejam as mesm as, adivinha-se a presenca de concretizacoes diversas,
consoante os factos que Ihes deem origem . Na constancia de urn
contrato, o dever de informacao poderi ser mais intcnso do que
In
contrahenclo ou post pactutn finitum.
Ma s 'testa base, nao se alcanca
a m aterialidade desta fenom enologia. 0 contrato e fonte efectiva
dos deveres contratuais; no entanto, para efcitos de aplicacao da
boa fe — art. 762.°/2 — ele funciona conio mero facto juridico ern
( 4 0 8
) Aflora, aqui, a ideia de relatividade que, de inodo sucessivo, se encontra SOS
sittiaci3es informadas pela boa fé.
se
ntido
O s
deveres
de lealdade e informacao possam ser bem mais intensos
d
o
que na vigencia de urn contrato comum. Os criterios para a
determinglo
material dos deveres de comportam ento devem ser
procurados noutras latitudes.
VII. Pode p6r-se o problema de saber se, por forca da boa fe, sur-
gem deveres especificos fora de situacoes de relacao. A pergunta agudi-
za-se no domino da ch. efickia externa das obrigac6es, redundando,
•
em apurar se, na base da
bona f ides,
urn terceiro fica adstrito a
nao
violar
urn credit°, ou a nao agravar uma obrigacio. A questio foi
examinada noutro local; as posicoes ai assumidas mantem-se (
4 0 9
), corn
o
aditamento que segue.
A possibilidade de defender os creditos contra terceiros — num a
necessidade ditada, contra o formalismo, pelo proprio sistema juridico
e
pela natureza das coisas e que hoje, por uma via ou por outra, ji
admitida por toda a doutrina nacional (
4 10
) — corn recurso Is ch. clau-
sulas gerais, entre as quais, a boa fe, adveio, no espaco portugues, de uma
recepcio de elementos doutrin4rios e jurisprudenciais alemies. Essa recepcio
nao
teve em conta a diversidade existente entre os dois ordenamentos, a
nivel de responsabilidade civil. No Direito alemio, as
p r e v i s o e s
fragmen-
drias da responsabilidade delitual — designadamente a do § 823/1 BGB,
ji examinado — nao dao cobertura clara aos creditos. Dai a oportuni-
dade, tornada necessaria, de procurar soluc6es corn recu rso a outros
lugares normativos, vindo os bons costumes, havendo dolo — § 826
— a assum ir posiclo pioneira (
4 1 1
). Nib assim no Direito portugues
onde o art. 483.0/1 garante, sem distincOes, a proteccio aquiliana a
todos os direitos subjectivos, corn inclusio dos creditos.
0 sistema portugues de responsabilidade civil, mais aperfeicoado
do que o alma°, assegura a proteccio dos creditos contra terceiros (
4 1 2
) ;
o recurso a boa 16 torn-se dispensavel.
4°9
)
MENEZES CORDEIRO,
D.
Obriga0es cit.,
1, 251 ss. c
D. Reais cit.,
1, 417 ss., corn
bibliografia e jurisprudencia.
(
45 0
) Designadamente atraves do abuso do direito, numa posicab partilhada por
MANUEL
DE ANDRADE, FERRER CORREIA, ANTUNES VARELA C ALMEIDA COSTA.
(
4
)
R. KRASSER,
Der
Schutz vertraglicher Rechte gegen Eingriffe Driller
(1971), 318;
cf. H. Koziot,
Die Beeintnichtigung frander Forderungsrechte
(1967), 34 ss. e
LARENZ,
SchuldR1 AT
13
cit., 17".
(412) Tem interesse registar como em Franca, na presenca de urn sistema igualmente
amPlo de responsabilidade civil e dada a ausencia de interferZncias jusculturais alernis, neste
1
:
1 s
0
perniciosas, a .responsabilidade do terceiro climplices impeis-se desde os principios do
s
ec. xlx. Em Italia, onde o jogo de influencias é diferente, na decada de setenta deste s6culo
foi possfvel um aproveitamentb luaus consequente do sistema, no sentido, hoje aceite, da pro-
tecsio integral dos creditos.
648
boa
fe
como regra de conduta
Para alert' disso, a boa
fe
nunca deveria ser utilizada em tal con-
§ 24.°
0
dever de actuar -segundo a boa fe
49
em boa fe. Outrotanto sucede na pendancia contratual, na nulidade
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 46/100
juntura. As seas ji examinadas, bem como a sua base legal
no COdigo Civi l de 1966 — como no BGB — deixam antever
um
ambito limitado a situagoes de relacionamento especifico entre duas ou
mais pessoas. E esse relacionamento especifico que determine os deVere
s
ocorrer. Nao oferece dificuldades reconhecer, em situac5es desse tipo,
caracterfsticas proprias que exijam um tratamento diferenciado, do ponto
de vista material. Nos sistemas que, como o portugues, admitam virias
clausulas gerais, hi todo o interesse em diferencii-las por cam pos mate-
riais distintos, base natural, depois, para regimes proprios.
A boa fe intervem em situaciies de relacionamento especifico entre
as pessoas. Para as pessoas nao relacionadas, ou estranhas ao relacion
ar
4 1 3
) .
62.
0 contend° material; da ponderaciio teleologica a projec-
cao do sistema; controlo do contend° dos contratos
pelo juiz
I. A actuacao de boa fe concretiza-se atraves de deveres de
informacao e de lealdade, de base legal, que podem surgir em situa-
coes diferenciadas, onde as pessoas sc relacionem de m odo especifico.
Esta proposicao, facultada pelas investigacoes anteriores, propicia
uma arrumacao tecnica minima e permite, nessa medida, urn apoio
para o aprofundamento material do tema.
A informacao e a lealdade, por si, pouco dizem. Convertidas
em objecto de deveres, elas deixam por esclarecer os seus tcor e
extensio e designadamente: o que visa a informacao e corn que dili-
gencia deve ser exercida e a que obedece a lealdade e quais os seus
objectivos. Vai-se avancar nesta linha.
Uma primeira constatacao prende-se corn a delimitacao nega-
tiva na aplicacao da boa f6, como regra de conduta. Na fase dos
preliminares, impera, como pano de fundo, a autonomia privada,
a entender como permissao generica de produzir efeitos juridicos,
atraves de propostas e aceitacoes. Essa permissao pode cessar cm
certos pontos, merce de normas especificas, que imponham restric8es
a liberdade de contratacao. Quando isso suceda, as disposicoes
em causa encontram a sua aplicacao normal, nao havendo que falar
( 4 3
) Cf. L Jra
,
n.°
113
do contrato, nos efeitos perantc terceiros corn etc conectados e na
p6s-efickia: a boa f6 no funciona sempre que surjam normas legais
ou convencionais. Como regra de conduta, a boa f6 tern uma natu-
reza supletiva tendencial.
Essa supletividade tern, como contraponto, uma grande extensio.
I\150 6 possivel, em termos abstractos, detcrminar areas imunes
boa fe; eta 6 susceptive dc colorir toda a zona de perinissibilidade,
actuando ou nao consoantc as circunstancias. Impae-se, assim,
a
reflexao, um nivel instrumental da boa fe: cla reduz a margem de
discricionariedadc da actuacao privada, cm fungi° de objectivos
externos.
II. A primeira c mais basica reducao imposta pcla boa fe
livre actuacao privada 6 de ordem juscientifica: imp&uma considc-
racao teleolOgica c nao arbitriria das permissOes cm causa. No
campo da autonomia pr ivada — espaco em jogo na
culpa in contrahendo
— eta obriga a considcrar de modo finalista os comportamentos que
prctendam ocorrcr no scu scio: trata-se de formar ou nao contratos,
de acordo co rn a von tadc dos intervcnientes e os seus intcresses, c nao
de, a seu cobcrto, desencadcar atitudes nocivas. E importante subli-
nhar a manutencio da permissividade: a transformacio dos dircitos
em deveres deriva, historicamente, de tentativas mais ou menos
assumidas de suprimir ou restringir a autonomia individual, base
do jusprivatismo. Da boa fe advem, pois, apenas urn dever generic°,
in6quo mas relevantc, ate para a preservacao da permissao generica
em jogo, de considerar pelo scu escopo os actos concretos de autono-
mia, vedando os que tenham objectivos prejudiciais cstranhos a pro-
ducio de efeitos juridicos, nunca imposta.
A
ponderacao teleolOgica intensifica-sc nos casos em que a per-
missao de agir seja substituida por obrigaceies. Quando estas se
exprimam, em termos linguisticos, de forma descritiva, deve enten-
der-se o seu cumprimento na prossecucao do escopo visado e nao na
mcra conformacao exterior da actividade desenvolvida, corn a
prescrita. A boa fe nao contemporiza, pois, corn cumprimentos
formais; exige, numa atitude metodolOgica particular perante a rca-
lidade juridica, a concretizacao material dos escopos visados. Este
aspecto releva no dominio dos deveres acessOrios, em boa parte des-
tinados a promover a
realizac5o
material das
condutas
devidas, sem
frustrar
o
fim do
credor e sem agravar
a
vinculacio
do devedor;
650
boa fe coma regra de conduta
cal e
, alias
,
o sentido primario do art. 762.°/2 do COdigo Civil,
,§ 24.°0 dever de traitor segundo a boa fe
51
tida, seja injustificada, c deveres de lealdadc quc, uma vez forme da,
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 47/100
e do prOprio § 242 BGB. A mesma ponderacao teleolOgica leva
a
a
adstritos a corresponder; em paralelo, encerrada, pelo cumpriment
o
lidades a preservar, no relacionamento das partes, os escopos alcan-
cados no processo contratual extinto.
III. A ponderacao teleolOgica das proposicoes juridicas corres-
ponde a urn papel fraco da boa fe. PrOpria de urn estadio juscul-
tural quc tenha superado o formalismo estrito, a necessidade de
promover uma concretizacao material efectiva das situacoes devidas,
e apenas uma pura conformacao cxterna, nao requer, bem vistas
as coisas, a formulacao de principios autOnomos como o da boa fe.
Um a interpretacao conveniente das normas em jogo levaria ao mesm o,
sendo a boa fe apenas uma referencia impressiva, destinada a reforca
r
questa°, como sucede no periodo pro-negocial, a boa fe afirma-se
como locucao Unica destinada a recordar que, ainda ai, é do Direito
da sua Ciencia que se trata.
A boa fe tern papeis mais profundos e relevantes. Tome-se
o caso da interrupcao injustificada das negociacoes: nao ha al —
salva a hipOtese de os preliminares terem sido encetados corn a
intencio inicial de nao concluir, em qualquer circunstancia, um
contrato valido
,
mas tao so de prejudicar a outra parte, alutra em
que, por rigor, o, seu inicio e nao a interrupcao, caiem nas malhas
do art. 227.'11 — um desrespeito pelos escopos da autonomia pri-
vada, que, por definicao, exigem apenas uma orientacao de actos
corn vista a formacao do contrato como possivel e nao como neces-
sario; tao pouco existe uma violacio de urn dever de contratar, que a
boa fe, contra a autonomia privada, nao iria, neste caso, estabelecer;
verifica-se, antes, uma proteccao concedida a confianca da parte que,
perante o comportamento da outra, acreditou, corn justificacao,
no concretizar do contrato projectado e, por isso, suportou danos.
A confianca surge noutras circunstancias: nos contratos nulos, no
prOprio contrato valid°, face aos modos de o entender e aplicar,
na situacio de terceiros e
post pactum finitum.
Trata-se de uma ocor-
rencia potencialmente perigosa; por isso, a boa fe comina deveres de
informacao, que a evitem, em termos preventivos, quando, a
par
-
rervn
o ee
spclito
a pser
pcla confianca criada — ou, se sc quiser, o clever de
nao a facultar — corresponde a urn dado material autOnom o, carreacio
pela boa fe, corn tanta mais oportunidade quanto é certo que essc
papel ja foi identificado na boa fe subjectiva. A concretizacao da
confianca c das iegras que a protejam, fundadas na boa fe, e uma
tarefa juscicntifica complexa, que obriga a lidar corn o conjunto
das suas manifestacoes e corn todo o sistema juridico. Ma, outros
existe
m .
recolhida cm local oportuno mostrou a exis-
A
m
i
tencia, a cargo da parte experientc c sabcdora e perante o contratante
debil, dc deveres particulares de informacao, seja in
contrahendo,
seja na pendencia contratual, seja
post pactum f in itum.
Ha, aqui,
urn vector claro no sentido duma justica comutativa, pois a violacao
de tais deveres results clara em conjunturas de injustice objectiva
a que se tenha chegado. 0 Direito nao procura uma igualdade nego-
cial absoluta como regra: basta ver que admite a figura dos negOcios
gratuitos. Mas o desequilibrio deve ser esclarecido c livremente
querido por quem o sofra. Esta necessidade de conhecimento, face
a dcsvantagein, estende-sc as vicissitudes que, supervenientemente,
possam atingir situacoes contratuais ou similares, cm principio esta-
ticas. Desenham-se vectores que, nao correspondendo, em rigor,
a situacoes de confianca, se aproximam de principios gcnericos que
constituem as traves mestras da ordem juridica.
Pode, nestcs termos, dizer-se quc a boa fe projecta, na sua mate-
rialidade, nas varias
situacoes, cm que actue,
na aparencia indiferentes,
a imagcm geral do sistema; assegura que os desenvolvimentos vec-
toriais dos sujeitos nao o ultrapassem mas antes, mantendo-se nas
balizas que ele lhes atribui, se mantenham identificaveis como per-
tencentes ao sistema que os rcconhece.
Dobrando uma seric de regras singulares, a boa
fe
transcen-
deu-lhes a teleologia particular, projectando o sistema material onde
se aplique.
IV. A exist'encia de uma regra de conduta segundo a boa fe
e a
sua evolucao permitem colocar o problema
do controlo do
contelido dos contratos, a efectuar pelo juiz. Tal problema enun-
cia-se como o saber se, e ate que ponto, pode o tribunal, quando
solicitado,
examinar
os clausulados contratuais e corrigir, suprimindo
652
boa fi como regra de conduit.,
ou inodificando, os aspcctos que, face a bitolas determinadas, sejam
24.̂ O. de ver de actuar segundo a boa
k.
1
53
corn uma vocaclo cmancmc para a juridicicladc — um trama quc
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 48/100
considerados injustos.
0 contend° dos contratos, para alem dos vicios genericos quc
possam
unca foi indiferentc ao Direito. No COdig
o
Civil, regras como as do art. 282.°/1 — negOcios usurarios
o
art. 694.° — pacto comissOrio — e do art. 994.° pacto leonin
o
cxprimem preocupacOes antigas quarto a orientacoes contratuai
s
ou outros semelhantes,
s a c ) modestos: apcnas no primciro se con-
cede ao juiz ulna margem valorativa na apreciacao real da justica
do contrato; Os restantes exclucm a simples possibilidade de certas
elausulas, sem, em concreto, se curar dc saber se clas merecem urn
juizo de desfavor. E mesmo no campo dos ncgOcios usurarios,
a invalidade é abordada mail como vicio na formacao — «...quando
alguem, aproveitando conscientemente a situacao de necessidade,
inexperiencia ou deficiencia psiquica de outrem...* — do quc, coin°
consequencia de uma injustica absoluta.
A primeira codificacao, bem como a prOpria segunda (
4 1 4
),
correspondiam a urn modelo liberal classic° em que o Direito,
confiando em absoluto no jogo livre das vontades
individuais,
numa liberdade entendida, tan como a igualdade, cm sentido formal,
abdicava, de modo voluntario, dc intervencoes nos clausulados nego-
ciais. Este estado dc coisas era reforcado por uma reaccao pendular
aos entraves quc as regulamentaceies complexas dos regimes pre-
-liberais haviam colocado a contratacao livre c que se revelara nociva
a revolucao industrial. Nesse cenario, o juiz limitava-se a conferir
a legalidade formal dos contratos e a sua correspondencia corn a
vontade inicial das partes, indiferentc, por officio, a justcza material
dos arranjos de intercsses por des prosseguidos.
0 funcionamento livrc da autonomia privada, mesmo em perio-
dos histOricos anteriores onde esse principio nao ocupava, no sistema
juridico-privado, o papel primordial que lhe atribuiu o liberalismo,
sempre conduzira a injusticas potenciais. Elas nao suscitaram pro-
blcmas, enquanto
nao
encontraram pela frente uma cultura que, corn
projeccoes juridicas, comecou a encarar, como colectivo — e logo
/414s
j 0
BGB
vein, assim, a ser considerado como o vfilho tardio do liberalism° clissico.
— WIEACKER,
Dns Sozialmodell der k lassischen Privatrechtsgesetzbiither und die Entwirk lung der
modernen Gesellschaft
(1952) =
Indus tr iegesellschaft und Privatrechtsordnung
(1974), 9-35 (cita-se
pelo primeiro local), 16.
(n
si, relevaria dc uma problernatica individual. 0 catalizat, cm
grupos sociais de extensao crescents, de problemas postos pela con-
tratacao livre, obrigou ao perguntar pela efectividade da autonomia
privada. Se, formalmente, ela sc contents corn a inexistencia de
e
ntraves ao seu desenvolvimento, de facto, cla rcquer a possibilidade
de
opcio
efectiva, aquando da celebracao. Tal possibilidade pode
ser frustrada pela ignorancia do contratante, pela sua dcpendencia
econOmica ou outra, por situacoes de monopOlio, pela necessidade
impreterivel de contratar de imediato ou, sirnplesmente, por a con-
traparte Sc rccusar a alterar a proposta on a contraproposta quc tenha
formttlado.
A percepcao colectiva dcste fenOmeno em areas privilegiadas,
cm termos de consciencializacao, provocou fracturas conhecidas;
os Estados, querendo salvar o essential (
4 15
), foram levados a inter-
vir, limitando a autonomia formal, de modo a orientar, em termos
materiais, os contendos dos contratos a celebrar. 0 todo, dobrado
por nivcis de autonomia colectiva, em que se reconhece, como
modo de contrabalancar o poderio de uma das partes, a coligacio
dos contratantes debeis, deu origem ao Direito do trabaiho. Ao
sector laboral, seguiram-se outros Como os da locacio e do urba-
nismo (
4 1 6 ).
Estas intervencoes, num prisma juscultural e cientifico, sao
pouco profundas. As restricoes directas a autonomia privada tra-
duzem a necessidade de uma conforma car) dos contratos corn os
modelos preconizados pelo Estado, por acto directo de soberania
e sem dependencia dc uma busca, no caso, dc justica real, a procurar
atraves da Ciencia do Direito c das suns luzcs. 0 reconhecimento
das autonomia e negociacio colectivas repo= a urn nivc1 superior
a liberdade contratual frustrada, na pratica, a nivel individual, sem
a submetercm ao crivo dos valores sistematicos: a autonomia colec-
tiva vale por si, sem dependencia dos resultados concretos que per-
mita atingir.
Mantem-se em aberto, por isso, a possibilidade de urn controlo
judicial dos contetidos contratuais, independente, por defmicao,
das restricoes
legais especificas a autonomia privada, que possam,
(415)
WIEACKER,
Soziahnodell cit . ,
15.
( 416)
WIEACKER,
Sozialmodell cit . ,
21-22.
6 5 4
boa fe onto regra de conduta
por lei, ser estabclecidas, bem como dos niveis colectivos de neg
o_
24.°0 dever de actuar segundo a boa
f
55
0 ensejo para tais intervencoes era superficial e fraco. Afinal, o
rande problema nos contratos assentes cm cond iciks negociais gerais
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 49/100
ciac5o que, na pritica, sc tenham feito reconhecer.
V. A colocacao, no Direito privado, do tcina do control°,
pelo juiz, do contetido dos contratos, pressup&o abandono, tam...
b6m no Direito privado, da autonomia, como mcro dogma formal,
c a sua substi tuicao pela rcgra da autonom ia efectiva
(
417
). 0 passo
era, no inicio, dificil, dada a falta da problematica colectiva que jogara
no Direito do trabalho. F oi, no entanto, facultado, atraves das ques-
toes postas pelas condicaes negociais gerais
(418)
.
As condicOes negociais gerais correspondent a urn processo
de formacao iiegocial em que uma pessoa peie a aprovacao de uma
generalidade de outras urn modelo contratual, de que estas nao se
podem afastar, l imitando-se a aceitar ou nao. 0 rccurso a condicOes
negociais gerais, utilizado, em regra, por entidades poderosas, num
prisma economic° c social, e, para mais, conhecedoras profundas
do Direito e dos papeis reais desempenhados pelas diversas cliusulas,
face a parceiros fracos e inexperientes, provoca injusticas que, desde
cedo, levaram os tribunais a intervir
(
419
). Essa intervencao, num
primeiro tempo, cifrou-se cm afastar as clausulas mais g ri tantemente
injustas quando, na celebraclo, o contratante debil nao tivesse podido
delas tomar conhecimento ou, mama evolucao, delas nio tivesse
conhecido, materialtnente ou no seu significado
(
420
).
( 41 7
) Este tema sera retomado a proposito da evolucio do sistema privado.
( 45 2
) Quanto as condicoes negociais gerais (cng), a sua evoluclo tipif icada em quatro
estidios, documentados nas experidncias portuguesa, francesa, italiana e alemd, a sua natureza
e aos seusefeitos, remete-se para
MENEZES CORDEIRO,
D. ObrigacOes cit.,
1, 96-113. Este aspecto
6, aqui, versado apenas para alcancar o team do controlo judicial do contefido do contrato;
nao se curs, pot isso, de outros fen6menos exigidos pela materializacio da autonomia privada,
como o lever de contratar ou a contratacio provocada.
(419)H. Korz,
M u nch
ommIAGBG
(1978), intr. n.° 6 (1934); Komi/STORING,
AGBG
o m m
(1977),
Intr.
n.° 35 ss. (48 ss.); num primeiro tempo, entendeu-se que, dado 0
principio de liberdade contratual, nao seria possivel o controlo do con tefido; desde logo, porern,
recorreu-se I clausula dos bons costumes e I da boa fe, como m odo de ressalvar o sisteina
em conjunturas inadmissfveis; cf.
SCHMIDT-SALZER,
Ailgemeine Geschaftsbedingungen
2 (1977),
A. 16 ss. (9 ss.) e
ERNST
A. Karam,
Die i iKrises des l iberalen Vertragsdenkens
(1974),
15 e 17. 0 recurso aos bons costumes mantem-se hoje em zonas que n
-
o pressupoem a eke-
tivacio de relacoes especfficas entre as partes, como no domfMo da concorrencia; cf.
BERND
Rue,
Privatrecht and Wirtschaftsordnung Zur vertragsrechtlichen Relevanz der Ordnungsfunktionen
dezentraler Interessenkoordination in einer LVettbewerbswirtschaft
(1978), 102 ss..
(420)
A jurisprudencia francesa ficou-se por este estadio; cf.
MENEZES
D. ()brisk ci t .,
1, 108 e elementos of referidos.
g
reside na injustica possivel de alguma ou algumas das suss clausulas
e nao na forma
da
sua celebracao. Isso em doffs niveis: estivcsse cons-
ciente da prcjudicialidade das clausulas a aceitar, a parte debil pouco
rnais poderia fazer, na mesma, do que submeter-se, pois nem o utili-
zador das condiciies gerais vai, por definicao, alters-las, nevi, por
via de regra, 6 possivel encontrar outro parceiro que nao use condi-
c'Oes semelhantes; houvesse consciencia da liberdade frustrada, a parte
forte nao poderia abdicar do processo: as condicOes negociais
gerais sac) hoje explicadas como factor de racionalizacao e progra-
macao irrenunciaveis, por exigencia das sociedades tecnicas modernas
e nao como puro abuso proporcionado por quaisquer modelos
econOmico-socials
( 4 2 1 ) .
0 controlo judicial efectivo dos contratos obtidos pela utili-
zacio de condicOes contratuais gerais implica uma apreciacao de
merit° face as cliusulas questionadas e nao um confronto de acordo
com o modo de formacao.
VI. A experiencia de ponta, no dominio do controlo do contend°
dos contratos, obtidos atraves de cng,
6
representada pela lei das
condieoes
negociais gerais alerni de 1976
—
o AGBG
(
422
). 0 cerne dense diploma,
verdadeira codificac5o de toda uma experiencia judicial anterior, assente,
no essencial, na boa fe
(
42 3
),
a constituldo pelo dispositivo dos seus
§§ 8-11 que visam o controlo judicial das cng que
se tornaram
parte de
urn contrato. Esse controlo limita-se, com o regra, as cliusulas que alas-
tern ou complementem os preceitos legais — § 8: recorde-se que o D ireito
(421)
BROX,
AllgSchuldR" ci t .,
11.°
47 (30 ). Para urn apanhado dos varios factores que,
do exterior , condicionam os contratos, segundo orientacoes diversif icadas,
K L A US F .
Rom,
O b e r
ausservertragliche Voraussetzungen des Vertrages,
FS Schelsky (1978), 435
-
80.
(422)
Sobre o aparecimento e sistemitica deste diploma, em vigor desde 1-Abr.-1977 ,
remete-se para
MENEZES CORDEIRO,
D. Obrigalles cit. ,
1, 109-111
24-227, na ed. polic.
de 1978).
(423)
MEDICUS,
AIIgT cit. ,
n.° 398 (139); BRox,
AllgSchuldR" ci t .,
n.° 48 (31-32),
H. GOTZ,
Rechtsfolgen des teiliveisen Verstosses closer Klausel gegen das AGB-Gesetz,
NJW 1978,
2223
-226 (2223);
CANARIS,
Zivilrechtliche Probleme des Warenhausdiebstahls,
NJW 1974, 521-
-528
(526); HORST-DIETHER HENSEN,
Das AGB-Gese tz ,
JA 1981, 133
-
41 (133);
WALTER
Lown, Das
Gesetz zur Regelung des Rechts der Allgemeinen Gescheiftsbedingungen (AGB-Gesetz),
JuS
1977, 421-429 (426);
SCHLOSSER /COESTER-WALTJEN/GRABA,
A G B G - K o m m ( G o m a ) ,
S 9 (1977), n.° 12 (208);
ULMER/BRANDNERIHENSEN,
AGBG-IComm
3
(Bambino),
§ pren. §§ 10
e 11 (1978), n.° 3 (232). Cf.
LARENZ,
AllgTs
cit ., 514 e FRA NcEsarstufLEnnteror, La
nuova
le
g g e
tedesca smile condizioni generali di contratto,
sep. Fl 101 (1978), 13.
ORDEIRO,
656
boa Jr corny regra de conduta
§ 24.°
0
clever de actuar segundo a boa fe
57
das obrigackies
é,
por natureza, supletivo; as cliusulas correspondenc
e s
como
é
logic°, o apoio do Direito, sem carecer de
recepcio cientifica e cultural que a remissao solene para a boa 16, s6
por si, implica, duas precisties importances: o manter, como bitola de
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 50/100
um controlo suplementar. Escapam ao controlo as cl iusulas acordadas
directamente pelas partes -estranhas, pois, ao mecanismo das cng
- e as referentes as prestagoes principals em si - nas palavras de LARENZ,
pretendeu evitar-se aos tribunais o terem de proceder a controlos de
precos (424), que integram, alias, o tnicleo indispensivel da autonomia
privada.
A regra fundamental do controlo em causa consta do § 9/1 AGBG:
.Sao
ineficazes nas condicOes contratuais gerais as disposicoes que, contra
as regras da boa f6, prejudiqucm o parceiro contratual do utilizado
r de
forma desproporcionada.. 0 § 9/2 precisa: «Na dtivida,
6
de considerar
urn prejuizo desproporcionado quando uma disposicao: 1. seja incon-
ciliivel corn principios fundamentals da regu laclo legal a que se entendeu
rigo acordar; 2. limite de tal modo direitos ou deveres que rcsultem da
natureza do contrato quc a obtencao do escopo contratual seja posta
em perigo. . As normas do § 9 surgem um tanto vagas, prestando-se a
conjugagao entre a boa fe e o oprejuizo desproporcionado* pela vaguidade
acrescida, a objeccoes criticas
(425
). Compreende, para alem de toda a
decisao, as regras supletivas que, ao caso, teriam aplicacao e o acentuar,
corn o m esmo papel, a teleologia contratual, considerando como criterio
o
tipo contratual normal
(
426
.
Sempre na base de uma rica jurisprudencia anterior, os §§ 10 e 11
AGBG vieram concretizar , numa serie de preceitos, o que, de algum
modo, era j i implicado pela mencao a boa
f e .
No § 10, enumeram-se
cliusulas proibidas nas cng, desde quc, sujeitas a urn juizo de valor do
tribunal, essa proibicao deva ter lugar. Neste juizo de valor intervem,
de novo, a boa fe
(
427
o que a dizer, as linhas concretizadoras, ja definidas
no § 9/2, atraves das regras supletivas gerais e da ponderagao teleologica
do tipo contratual em jogo. No § 11, a enumeracao atinge, tambem,
urn certo ntimero de cliusulas que, delta vez, sao proibidas em absoluto,
sem necessidade de juizos judiciais nesse sentido
(
428
. As listagens dos
§§ 10 e 11
nio
se aplicam is cng apresentadas a comerciantes, no exer-
cicio da sua actividade, ou a instituicOes de Direito pUblico, nos termos
do § 24/1 do AGBG: entendeu-se que, nesse caso, a limitacao is autonomia
privada poderia ser ex cessiva
(429
; alem de que, em tal eventualidade
nao se verifica, em igual grau, a ignorancia e a inexperiencia que justi-
ficam a proteccio dispensada ao interveniente debil.
0 sentido geral das bitolas em jogo, no conteado dos contratos
obtidos na base de condicoes negociais gerais, c afiancado pelo seu regime:
424)
L A R E N Z ,
AIIgT
5
cit., 515, retomando o relatOrio que acompanhou o projecto de
lei; cf. BRANDNER
Schranken der Inhaltskontrolle
cit., 3. Quanto aos contratos em cujo
conteado ambas as panes tenham tido a possibilidade efectiva de intervir, fora, cm princlpio,
do controlo determinado para os resultantes das cng, GUNTHER STEIN,
Die Inhaltskontrolle
vorfinnulierter Vcrtrage
des al lgemeinen Privatrechts / Zuni Spannungsverhal tnis der Kontrol lverJahren
aufgrund des AGB-Gesetzes mid § 242 BGB
(1982), 44.
( 425)
PETER-CHRISTIAN MOLLER-GRAFF,
Das Gesetz zur Regelung des Rechts der AlIse-
whim Geschigisbedingungen JZ
1977, 245-255 (253); SCHLOSSER /COESTER-WALTJEN/GRAHA,
AGBG-Kamm (GRABA) cit., §
9, n.° 15 (211), chama, a atenclo para a desnccessidade da
referencia a boa fti ai fcita; a sua inclusao deu-se corn a justificacao, nos preparatorios, de que
szrviria a continuidade da jurisprudencia; como explica GRABA , cssa continuidade nao d epende
de preceitos legais. Tens razio; silo obstante, dada a fungi°, acessOria mas efectiva, que a lei
assume no donsinio da pedagogia juridica, as menciks dense tipo obrigam os juristas a estudar
e a praticar a Ciencia quc as implica. As rcferencias feitas
a
boa fe objectiva pelo Codigo Civil
portugues serials), em rigor dispensiveis; e sao fundamentals.
A cstas razoes gerais, hi quc atentar, para decidir da oportunidade e do relevo da remissao,
fcita no § 9/1 AGDG a boa
fe ,
na colocacao historica do preceito e na sua economia.
Como explica STAUDINGER /SCHLOSS ER, AGBG cit. , § 9, n.° 1 (134), o legislador dedicou-se,
nesse diploma, a concretizar e a sistcmatizar o controlo do contetido desenvolvido a partir
do § 242 BGB; tal tarcfa, por definicao, dados os factores ens jogo, ficaria, necessariamente,
incompleta; daf a fatalidade de, junto das enumeracoes constantes dos §§ 10 e 11, anexar ulna
referencia a claussila geral. Cf.
Kdrz Afiinch-Komm
AGBG cit., § 9, n.° 3 (1448) e HENSEN,
AGBG
cit., 137, focando a natureza residual do § 9 em jogo.
A remissao pars a boa 16, feita nos termos gerais do AGBG, pode levantar 0
problema dc saber qual a aplicaclo concretizadora al prevista. PALANDT/HEINRICHS
42
cit.,
AGBG §
9, 1) (2242) inclina-se para a hipotese do abuso do direito, na versao do abuso institu-
clonal -
cf.
quanto a esta nocao e sua critica,
inf ra,
n.° 82. Nao 6. No abuso do direito - ou,
de modo mais lato e correcto, no exercfcio inadmissivel de posicoes juridicas - a boa 16 actua
no ambito de permissoes normativas especificas. No controlo do conteudo contratual, a boa 16,
sem se
integrar num instituto complexo, actua na conduta das partes, desenvolvida em termos
livres na permissio generica de actuacao juridica, o que 6 dizer, de autonomia privada.
(426)
LOWE,
AGBG
cit., 426; SCHLOSSER/COESTER-WALTJEN/GRABA,
AGBG-Komm
(GRABA) c i t . ,
§ 9, n.° 23 ss.
e
30 ss. (215 ss. e 219 ss.); ULMF4BRANDNER/HENSEN,
AGBG-
-Komi (BRANDNER) cit., §
9, n.° 57 ss. e 61 ss. (213 ss. e 215 ss.);
KealMiinch-Komm
AGBG cit., § 9,
n.°
12 e
13 (1453-1454); STAUDINGER/SCHLOSSER, AGBG cit ., § 9,
n.°20 ss.
(142 ss.).
(427)
ULMER/BRANDNER/HENSEN,
AGBG-Komm
3
(BRANDNER)
Cit.,
prenot. §§ 10 e 11,
n.° 6 (233) e HENSEN,
AGBG
cit., 138. Tern o maior interesse a leitura
das
cliusulas
atingidas. Cf., focando a aproximacio corn o § 9/2, PALANDT/HEINRICHS
42
,
AGBG
§ 10 ,
nota previa (2249). Dado, precisamente, o pressupor urn juizo complementar de valor, o § 10
compreende, em comparacio corn o § 11, bastantes mais conceitos indeterminados -
MOLL E R-GRAF F , AGBG ci t. , 25 3 .
(428)
Kocif/STUBING,
AGBG-Komm,
cit., prenot. §§ 8-11 n.° 3 (134), consideram as
cliusulas do § 11 como tendo caricter definidor; as do § 10 te-lo-iam, antes, precisador -
cf.
thatzat/BRANDNER/HENsEN,
AGBG-Komm
3
(BRANDNER) ci t . , prenot. §§ 10 e 11, n.° 4 (232).
(429)
UWE,
AGBG
cit., 426; SCHLOSSER/COESTER-WALTJEN/GRABA,
AGBG-Komm
(ScHLossER) cit., §
24,
n.°
1 (637 e 638); ULMER/BRANDNER/HENSEN,
AGBG-Kortn
3
( B R A N D N E R )
c i t . , § 24,
n.°
7
(626-627).
4 2
658
boa fe como regra de conduta
a clausula viciada a ineficaz, aplicando-se, em sua substituicio, seja
a
§
24.°
0
dever de ac tuar segundo a b oa fe
59
de
actuacio segundo a boa fe implica, seguramente, o de no preju-
r, mediante condicoes negociais gerais, de modo desproporcio-
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 51/100
contratual em causa, seja, por fim, o que resulte dos esquemas da
gragao
negocial, cede intervem, tambem, a boa fe.
VII. A
lei alemi sobre as condicoes negoc iais gerais, de inte-
resse muito especial por assentar na cod ificacio de uma jurispruden
c
i
a
o papel da boa fe no controlo dos conteticlos contratuais, obtido
sconcretizac3o
da boa 16, colo-
ca-se a bitola de urn certo equilibrio material entre as vantagens
auferidas, gracas ao contrato, pelas partes: nao se admitem prejuizos
desproporcionados. Esta ideia 6, por seu turno, precisada seja atraves
da regulacao legal supletiva, afastada pelo contrato em causa, e tomada
como modelo de equilibrio, seja mediante o cotejo com o tipo con-
tratual corrente, considerando o confronto em termos teleolOgicos.
Este esquema vigora po r lei expressa; quando ela no existia,
funcionava ji, por via da jurisprudencia, assente na clausula geral da
boa f6. Em Portugal, a vigencia desta orientacio 6 possivel, na base
do art. 762.°/2 e, se necessario fosse, na do art. 33 4.° (
4 3 0
): o dever
430
) Em Portugal, a utilizacao da boa
fe
—
ou
ate de esquemas mais simples, por vezes
possiveis — para controlar o conteudo dos contratos, mesmo quando estejam cm causa cng,
encontra-se num estado co nfrangedor. Isso apesar de, desde Jost
TAVARES,
a doutrina aludir
aos scontratos de adesio* e aos seus perigos, corn remodios destinados a fazer-lhes face;
para urn apontamento de literatura portuguesa sobre o tema, cf .
MENEZES CORDEIRO,
D. Obri-
gacdes cit., 1,
98
11 4
. N4o ha jurisprud8ncia que documente o tema, embora se tenha
conhecimento, a nivel de primeira instincia, de que quaisquer tentativas de sensibilizar o
tr ibunal para a injustica ou o abuso de certas condicoes gerais, tern sido votadas ao
fracasso.
Refira-se, contudo, o ac. antigo do STJ 3-Jul.-1945: uma pessoa celebrara, corn um a seguradora,
urn seguro de rcsponsabilidade por danos advenientes de automcivel; ao faze-lo, pretenders urn
seguro contra todos os riscos; simplesmente, a seguradora exclufra, desse 3mbito
nas cng,
os
danos causados a passageiros, em termos que o segundo afirm a desconhecer, dado nao the
terem sido contrapostos, quando solicitara urn seguro geral, e constarern, em letra miOda,
sob o titulo, bem legivel, «apolice pars todos os r iscov
; alegou-se, ainda, a boa fe contratual,
nit) obstante nao vir expressa no Cedigo de Seabra. 0 Supremo decidiu nab repreender
tal contrato, considerando que o segurado sabia ler, tivera em mios a apolice, durante
muito tempo e celebrara livremente o contrato — STJ 3-Jul.-1945, ROA 5 (1945), 3-4, 335-
-337 e 341); houve, no entanto, urn voto de vencido, onde se entendeu haver disparidade
entre a vontade do segurado e o contrato alcancado atraves do mecanismo das condicoes gerais.
Em an.,
ACACIO FURTADO,
ROA 5 (1945), 3-4, 343-348 (348), mostra-se surpreendido:
a propria escritura palica pode ser alegada de nulidade, por nao respeitar a
vontade
di
ca
na
do, a contraparte: a desproporca
-
o pode ser determinada, de forma
cOm oda, tomando por bitola a regulacio supletiva normal, consa-
gr
ada na lei ou o tipo contratual normal, atentos os fins deste c os
que o contrato questionado permita obter.
A ligacio desta forma de co ntrolo aos contratos celebrados atra-
ves de condicoes negociais gerais radica, por urn lado, na acu idade
e
special que esse processo formativo, pela sua projeccio social e pela
facilidade de abusos, reveste; por outro, no pensamento jusliberal
que entende intocivel a autonomia privada: os co ntratos so poderiam
ser corrigidos por ter havido falhas na sua celebracao o que, dada a
adeFlo, estaria facilitado. Tudo isto pode ser dobrado pelo reconhe-
cimento, a pessoa que ponha a aceitacio de um a generalidade de
outras as condicoes gerais, de urn dever especial de mo deracio e
equilibrio. Deve-se ter em conta, ainda, o facto de o Direito no
pretender, contra a vontade das partes, o equilibrio: a possibilidade
de con tratos a titulo gratuito demonstra-o; ponto 6 que as partes
disso estejam sabedoras e desejosas.
Corn estas precisoes, no ha rail° definitiva para limitar aos
contratos oriundos de condicoes negociais gerais o controlo do con-
teOdo. A mediacio entre os contratos obtidos por essa forma e os
que advenham de actividades singulares, destinadas, de modo espe-
&lc°, a procura de negOcios particulares, a assegurada pelos con-
tratos pre-formulados
(
431
). Nestes, independentemente da gene-
ralidade que domina o funcionamento das condicoes negociais
gerais, assiste-se ao apresentar, por uma das partes a outra, de um
clausulado rigido, que ela se limita a ac eitar ou a recusar
(
432
.
das partes; as cng, pelo contario, Sao, pelo Suprem o, consideradas inatingiveis. Tern taxa();
o Supremo decidiu mal.
0 problema posto em Portugal pelas cng e pelos abusos registados, a nfveis cads vez
mais extensos, como, p. ex., no comercio autom6vel ou na venda de habitacaes, exigem
uma resposta jurfdica. Na iinpossibilidade de se alcancarem resultados pela disseminacio juscien-
tffica de soluc'Oes assentes na boa fe, justifica-se uma intervencao legislativa cuidada.
(431)
G.
STEIN,
Die Inhaltskontrolle vorformulierter Vertrage
cit., 47, 48, 50 e 53, p. ex..
(432)
G.
STEN,
Die Inhaltskontrolle vorformulierter Vertrage
cit ., 96, 97
-
8, 99, 114
-
15
e 139. Nao interessa examinar corn pormenor os aspectos que, do AGBG podem ser aplicados,
de forma directs, a contratos nit) provenientes de cng e as areas onde se coma necessido recorrer
aos principios gerais. Sobre o tema
vide
STEIN,
ob. e loc. cit . .
660
b o a
fe
como regra de conduta
0 passo seguinte nao oferece dificuldades: os vicios substanciais,
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 52/100
por um prisma de justica material, nao podem depender de tipifi-
cacoes a operar no m odo de form acao dos contratos, sob pena de se
chegar a estereotipos ou a novos formalismos. A boa fe, como regra
de condu ta, nao adm ite prejuizos graves, infligidos por via contra-
tual, salva a presenca de
animus donandi
ou similar. Este nunca se
presume na h ipOtese de condicoes nego ciais gerais que, por isso, se
sujeitam a um controlo acrescido; em grau menor, sucede outro-
tanto nos contratos pre-formulados; no limite, ocorre em todos.
A
culpa in contrahendo
aparece vocacionada para enquadrar estas hip6-
teses: a pessoa que aceite
-
urn contrato desfavorivel nao foi esclare-
cida, nos prcliminares, com petindo a parte forte e experiente faze-lo.
Mas a regra da conduta segundo a boa fe, é geral.
A concretizacao da boa fe, aqui em jogo, prende-se nao, em
directo, corn a proteccao da confianca, mas corn dados fundam cntais
do sistema, como o equilibrio das prestacoes, que a lei, de modo
expresso, faz intervir na interpretacao negocial — art. 237.° — ou
a producao de efeitos reais, por oposicao a simulacros que inuti-
lizem os escopos pretendidos, face ao tipo contratual eleito.
O co ntrolo do contetido dos contratos revela facetas da boa fe
que se confirmam atraves do estudo de outras das suas aplicacoes
institucionais.
CAPITULO HI
0 EXERCICIO INADMISSIVEL DE POSIOES JURiDICAS
sE c
c 7 . 0
0 ABUSO DO DIREITO
S 25.° PRESSUPOSTOS DOGMATICOS DO ABUSO DO
DIREITO
63.
A previsio legal do acto abusivo; o Direito subjectivo
I.
0 CO digo Civil fere, no seu art. 334.°, determinados actos
como abusivos. Preve, para tanto, o titular que exceda manifes-
tamente, no exercicio d o direito, limites impostos pela boa fe, pelos
bons costumes ou pelo seu fim social ou economic°. 0 elemento
literal exprime urn ambito unificado por parte da previa° — o exer-
cicio do direito e o seu ex cesso manifesto perante certos limites — por
uma qu alificacao, em epigrafe — o abuso — e pela estatuicao — a ile-
gitimidade ou , melhor dizendo, a proibicao; reparte-o, podem, por
tees areas atinentes a previsao: em causa ficam limites impostos pela
boa fe, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econom ic° dos direi-
tos. Do enunciado, por deducao, retira-se que a boa fe e os bons
costumes impoem, ou podem impor, limites ao exercicio dos direitos
e que ester tern, ou podem
ter,
um fim social e economic° o qual, por
seu turno, limita tambem, ou pode limitar, o seu exercicio. Este
Ultimo lim ite a especifico — cada direito tem, ou pode ter o seu fim
social e econOmico; os dois primeiros sao gerais: a boa fe e os
bons costumes nao emergem, na formula legal, de cada direito em si.
§ 28. ° Venire contra faceu
n : proprium
43
os quadros dessa proposigio nos Direitos romano, ingles e alemao,
m
encionando, ainda, o D ireito canonic°, os glosadores, os conciliadores
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 53/100
§ 28.°
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
70.
Os comportarnentos contraditorios e a sua inadmissi-
bilidade
e a evolucao posterior, ate A pandectistica (365 )
.
No Direito romano,
n
ao havia uma regra geral que vedasse o vcfp (
3 6 6
), mas apenas casos
s
ingulares onde esse tipo de comportamento era proscrito (
3 6 7
). De
igual modo, a casuistica canonica existente sobre o terra, mais do
que a urn principio geral de Direito, deve ser imputada aos valores que
informam o D ireito canonic° (
3 6 8
). Os glosadores criaram a formula
.venire contra proprium factum nulli concediturs, embora nem sem pre
a
aplicassem (
3 69
). Ji o Direito ingles, apesar da diversidade que aparenta em
relacio aos Direitos continentais, consagrou, atraves do instituto do
e s t o p p e l
( 3 7 0
) , a proibicao de contrariar o comportamento anterior e que
tern larga aplicacao. No Direito alemio, por fim,
RIEZLER
comecou
por deixar claro que a proibicao de vcfp, ao contrario, por exemplo, da
de contrariedade aos bons costumes, nao constitui um principio que
retire de si pro/3d°, como postulado etico, uma justificac
-
o juridico-
-politica,
e dai tenha pretensio de validade geral. C oloca-se, subjacente
A sua existencia, urn problema de interesses em confiito, que o Direito
pode resolver muito diferentemente (
3 7 1
). 0 BGB
nao
soluciona o
problema corn generalidade, embora se possam apontar preceitos que
vedam comportamentos contraditOrios. A questa() nao pode ser resol-
vida em termos genericos;
RIEZLER,
numa metodologia prepria da ter-
I. A locucao
veni re con tra factum propr ium
traduz o ex ercicio
de uma posicio juridica em contradicio corn o comportamento
assumido anteriormente pelo exercente
(
3 6 0
). Esse exercicio
é
tido,
sem contestacao por parte da doutrina que o conhece, como inadmis-
sive'. A articulacao interna do
veni re con tra factum p ropr ium,
o seu
ambito, a sua fundamentaclo, as suas ligacoes as outras regulacoes
tipicas do exercicio inadm issivel dos direitos e, ate, a sua reconduclo
a
boa fe suscitam, pelo contrario, controversias acesas
( 3 6 1
). A prOpria
inadmissibilidade basica do
venire
no pode afirmar-se regra, a partida.
A situacao do vcfp, na doutrina, apresenta-se insolita, dentro da vasta
claboracao dedicada A boa fe. Por um lado, integra urn sector sugestivo
das actuacoes inadmissiveis, sendo muito citado e corn urn a mbito consi-
derivel (
3 6 2
); por outro, concita urn aprofundamento modesto e cienti-
ficamente insatisfatOrio, tendo sido necessario aguardar as investigagOes
de
CANAR1S,
em 1971, para atraves da sua integraclo na doutrina da
proteccio da confianga, dinarnizar a formula (
3 6 3
).
A presenca do vcfp
na
Ciencia do Direito moderna deve-se A
monografia de
RIEZLER,
publicada no principio do seculo (
3 6 4
). R. traca
( 4 3 3 ) RIEZLER,
Venire contra factum proprium ci t . , 1 ss.,
55 ss., 110 ss., 40
ss. e 43 ss..
respectivamente.
( 4 3 4 )
RIEZLER,
Venire contra factum p ropriurn ci t . , 1;
o A.
documenta a sua afirmacao
atraves da existencia do precariurn,
da possibilidade de revogar a oferta ate a aceitac5o, do
direito de recesso na cessio bonorum,
da condictio
propter poenitent iam
e do poder de renun-
ciar a prossecucio de uma resti tut io in integrutn.
( 4 3 5 )
RIEZLER,
Venire contra factum propriutn
cit ., 4-40; o A. exemplifica
coin
a servidao,
ineficaz por nao ter sido confirmada na sua constituicio, por todos os comproprietirios do
pridio serviente, mas a que aqueles que ji haviam consentido
odem por obstaculo
— 6 — corn a ch.
emaucipatio tacita,
segundo a qual o pater , apesar de nao ter emancipado
a
f ilha do seu poder, nao devia, morta a f ilha, im pugnar o testamento dela, por incapacidack,
se sempre a houvesse tratado como
emancipada —
13 — coin
a exceptio eel venditae et traditae,
muito conhecida, concedida ao comprador contra o vendedor que reivindicasse a coisa
vendida e entregue,-com pagamento do preco, por Niel° formal — 17 ss. — corn
a ratihabi t io
(ratif icacio) da gestio, feita extemporaneamente e, em principio, ineficaz, mas seguida de
accio contra o gestor — 31 — cons a quebra de promessa carecida de eacacia juriclico-
-formal, mas que, causando danos, obrigaria a reparaclo — 32 — e corn a aceitacio de um
cumprimen to de obrigacio invilida por falta de forma, que constituir ia um
factual proprium,
ens termos de nao poder ser contrariado — 38.
( 4 3 6)
RIEZLER,
Venire contra factum proprium
cit ., 42.
( 4 3 7 )
RIEZLER,
Venire contra factum proprium
cit., 43 ss..
R.
aponta, na evolucio subse-
quente, que a expressao
so
apareceu muito esporadicamente na pandectistica.
3
Cf.
ZWEIGERT/KOTZ,
Einf i. d. Rvgl cit.,
2, 301 ss.
( 371
) RIEZLER,
Venire contra factutn proprium ci t . ,
110 ss..
(360)
WEBER,
Teen und G lauber
cit., D 323 (821).
( 3 61 )
CANARIS,
Die Vertrauettshaf tung int deutsche, , Privatrecht
(1971), reimpr. (1981),
287,
WIELING,
Venire contra factuns proprium und Verschu lden gegen sick selbst ,
AcP 176 (1976),
334-355 (33 4) e AK/BGB/TEurn iER, § 242 , n .° 32 (50) .
(362)
P. ex., ESsER/SCIimmT,
SchuldRIAT
5
cit., 1,
49,
FIKENTSCHER,
SchuIdR
6
cit.,
§ 27,
II,
3 (118), BROx,
AllgSchuldR"
cit., n.° 87 (55) e
LARENZ,
SchuldR/AT'
3
cit., 123 e,
quanto a comentarios, p. ex.,
WEBER,
Tres, und Glauben
cit., D 323 (821),
SO ERGEL/SIEBERT
/
/KNOPP,
BGBI°
cit., §
242, is.° 228 (67) e
Rom' Mi inch-Komm c i t . ,
n.° 295 (146).
( 3 63 )
CANARIS,
Vertrauenshaftung
cit. 287. 0 estudo de
CANARIS
provocaria o artigo de
WIELING,
dc sinal contrario e, depois, a grande reformulacio empreendida por
JURGEN
SCHMIDT,
abaixo analisada.
( 3 64 )
RIEZLER,
Venire contra facing,: proprium / Studien im ro mischen, englischen und deutsche,:
Zivi lrecht
(1912),
cons rec.
apreciativa de
HEINRICH TITZE,
ZHR 77
(1915), 233-242 (241).
7 4 4
exerc ic io inadm issive l de posicoes jurid icas
c e i r a
sistematica e da doutrina posterior a segunda codificagao, passa a
analisar varias situagoes tipicas onde a proibicao de vcfp pode ester
§ 28. ° Venire contra factunt
propriuni
45
De entao para ca, o vcfp
viveu,
na pratica, de referencias em
obras gerais e em com entarios, corn relevancia para o de
STAUDINGER/
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 54/100
presente. Descobre quatro: 1) 0 negocio juridico invalido 6 cumprid
o
em regra
de tipo potestativo, constitui-se uma situagao juridica; 3) Alguer
n
c r i a
uma aparencia juridica na qual pessoas confiam; 4) A lguem cria um
a
3 7 2
).
0 l ivro de
RIEZLER
teve, nos anos subsequentes ao seu aparecimento,
algum efeito.
LEHMANN
aperfeigoaria dogmaticamente certos contorno
s
sOcios que abandonem sociedades em nome colectivo pelas vinculaciies
emergentes de contratos de fomecimento pendentes
(
373
). L.
afirma que
os comportamentos contraditorios podem ser agrupados numa formula
dupla: ninguem pode fazer valer urn poder em contradigao corn o seu
comportamento anterior , quando este comportamento, a luz d a lei,
dos bons costumes ou da bo a fe, se deva entender como renrincia conco-
mitante ao poder ou quando o exercicio posterior do poder contunda
c o r n
a lei, os bons costumes ou a boa
fe.
Na primeira proposicao,
reunem-se os casos em que urn comportamento determinado
é,
de ante-
ago, inconciliavel corn a man utenglo de urn poder — casos ditos, corn
impropriedade, de remincia tacita; na segunda, ordenam-se as hipoteses
de arguigao de nulidade de um negocio, depois de se ter patenteado a sua
validade, de actuagio da realidade, depois de se ter criado uma aparencia
e
de com portamentos que apenas pelas suas consequencias se vem a
apresentar com o con traditOrios
(
374
). A
construgao de L., sem avangar
muito na v ia de uma concretizagao verdadeira, peca ainda por nao auto-
nomizar o papel da boa
fe,
colocada lado a lado corn a lei e os bons
c o s t u m e s .
Tambem
RUNDSTEIN
dedicaria urn escrito ao vcfp
(375);
trata-se,
mais precisamente, de um artigo sobre Direito frances. Mas sem novi-
dade cientifica: R. analisa um certo ntimero de regulagoes francesas,
muitas de base puramente legal, quc traduziriam, de algum modo,
a
proibigio de vcfp
(
376
) e coteja, a face do Direito frances, as quatro-
ou cinco — situagoes tipicas de vcfp, ponderadas por
RIEZLER (
37 7
).
( 3 7 2 )
RIEZLER,
Venire contra factunr propriunt ci t . , 110
ss. (131-132) e 134 ss.. R. acrescenta
ainda um quinto g rupo de casos, que reconhece nao serem de v cfp, embora corn de se relacio-
nem: o recurso ao prOprio nao-direito que, contrariando os bons costumes, di lugar a m axima
t urpitudinem mats allegans non auditur .
( 3 7 3 )
H EINIUCH LEH MANN,
Die Enthaftung des ausgeschiedenen Gesellschafters der offenen
Hantagese l l schaf t von Verb indl ichke i ten aus schwebenden Lie ferungsvertragen / Zu gle ich e in Bei trag
zur
L e h r e
v o n t
gegensatzl ichen Verhal ten,
ZHR 79 (1916), 57-103.
04
) H.
LEH MANN,
Enthaf tung des ausgeschieden Gesel lschaf ters
cit ., 98.
3 1 5
) S. RUNDSTEIN,
Der Widerspruch mit dem eigenen Verhalten in der Theorie des
franzosisthen Privatrechts,
AbiirgR 43, (1919), 319-379.
( ' )
S. RUNDSTEIN,
Der Widerspruch mit dem eigenen Verhalten
cit., 326-344.
(7
S. RUNDSTEIN,
Der Widerspruch mit dem eigenen Verhalten
cit., 344-379.
/ WEBER"
(
378
), sem progressos ate a decada de setenta.
0 sucesso do vcfp deve-se, por urn lado, a im pressividade da prOpria
formula e a divulgagao do escrito de
RIEZLER;
a sua incipiencia deriva da
complexidad e natural da materia e da vasticlao nela figurada: afinal e em
Ultima analise, como a maioria das situagoes juridicas tom base voluntaria,
nao sera qualquer litigio em que o titular as contrarie, vcfp?
II.
Venire cont ra fac tum proprium
postula dois comportamentos
da mesma pessoa, licitos em si e diferidos no tempo. 0 primeiro
— o
fac tum propr ium — é,
porem, contrariado pelo segundo. Esta
fOrmula provoca, a partida, reaccoes afectivas que devem ser evitadas.
Na linha de investigacao preconizada, h a que comecar por situacaes
singulares redutiveis, eventualmente, ao
venire contra factuni proprium
e indagar da sua v aloracao, a luz do Direito vigente.. Ponderar varios
tipos de
facta propria
coloca um problema de sistematizacio. As ten-
tativas realizadas ate hoje
(
37 9
) nao sao satisfatOrias, quando entendidas
(378)
W.
WEBER,
Treu and Glauben
cit., 821-840. 0 vcfp estendeu-se, corn a boa fe,
fora do D ireito civil, por vezes, ate, indevidamente. Assim,
B E L T Z ,
Treu and Glauben rand die
guten Sitten nach neuer Rechtsauffassung rand ihre Geltung in der ZPO
cit., 79, prop&a sua
transposicio para o Direito processual civil, em 1937; contradi-lo BRumarrEL,
Treu
and Glauben, guten Si t ten and Schikaneverbot ins Erkenntnisverfahren
cit., 119-123, para quem, salvas
as relacaes corn comportamentos extraprocessuais e certas situagoes-limite, as partes devem
conservar, em processo, grande latitude de actuacio. Teri razio. S6 que, tambem n o Direito
civil, nab existe, a partida, uma regra geral de nio-contradicio, como se vai ver.
(379)
Referiu-se,
supra I,
a dassificacio proposta por
RIEZLER e
utilizada, ainda, por
RUNDSTEIN; W. WEBER,
Teen
rand Glauben
cit ., D 326 (823), considera-a como nao exau stiva,
enquanto
CANARIS,
Vertrauenshaf tung
cit., 287 3
, afirma compreender ela proposicoes concreti-
zadoras escassas. 0 pre:Trio
CANARIS
trata o problema pelo prisma do vcfp como caracteris-
tica-base de pretensoes, distinguindo: 1. pretensoes em negocios corn nulidade formal;
2. pretensoes em neg6cios corn ou tras falhas; 3. pretensoes em negOcios interpretados corn erro;
pretensoes em situacaes derivadas da prestacio voluntaria —
Vertrauenshaf tung
cit ., 288-372
—e realiza, nessa base, o maior estudo existente sobre a materia; antes, MERz/Berner
K o m m ,
havia ordenado, no vcfp: 1. a alegacbo inadmissivel do desaparecimento do direito do credor,
causado contra a confianca suscitada; 2. alegacio inadmissivel da invalidade formal; 3.
a sup-
pressio;
4. certos casos de comportamento contraditorio.
MERZ
desenvolve, depois, em especial,
a alegacio inadmissivel de nulidades formais e
a suppressio — Berner Komm
cit., Art. 2,
33
5-343 , 346 ss. e 361 ss., respectivamente.
RoTHIMiinch-Komm
dassif ica as situagoes de
contradicao corn o com portamento anterior cm: 1. comportamentos originadores de confianca,
depois contrariada; 2. comportamentos contraditarios, independentemente da confianca;
3
• suPPrerno — Miinch-Komm cit., §
242, n.° 301-371 (148-162).
STAUDINGER /
SCHMIDT,
BGB
18
Ci t.,
que, das aplicacaes da boa 1
.
6, di urn esquema muito diferente do comum, integra
vcfp, sucessivamente como, sem pre em conjunto corn outros, factor de normal novas para o
7 4 6
exercicio Madmissivel de poskoes juridicas
como verdadeiras sistematizacoes internal do fenomeno. Qualquer
28.° Venire contra factum proprium
47
f
c t
io
n proprium,
em primeira linha, numa de duas situacoes: quando
Iona
pessoa, em termos que, especificamente, nao a vinculem,
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 55/100
ordenacao corn pretens5cs a sistematica deve transcender puros
aji-
nhamentos empiricos de realidades sortidas. E por rigor metol&
gico, deve evitar-se fazer intervir, na arrumacao dos tipos de
venir
e
riterios que pressuponham a natureza do fen&
meno ou a determinacao do seu ambito, quando estas devam ser
concluidas da sistematizacao engendrada: a inversao seria manifesta.
0 ambito extenso de que o
venire contra facturn proprium
se pode
revestir requer uma delimitacao previa, ainda que empirica e provi-
sOria, do alcance figurativo da fOrmula. Desse modo, só se considera
como
venire contra factinn proprium
a contradicao directa entre a situa-
cao juridica originada pelo
fac tum propr ium
e o segundo comporta-
mento do autor
(380
). Por outro lado, afasta-se, tambem, a partida,
a hipOtese de o
fac tum proprium,
por integrar os postulados da autono-
mia privada, surgir como acto juriclico
(
381
) que vincule o autor
em termos de o segundo comportamento representar uma violack
desse dever especifico; accionar-se-iam, entao, os pressupostos da
chamada respon sabilidade obrigacional e nao os do exercicio inadmis-
sivel de posicoes juridicas
(
382
).
Feitas estas precisoes, ha
venire contra
formar de direitos subjectivos, factor negativo novo na previa:, de surgimento de direitos
subjectivos e factor de normal novas para modificacao de direitos existentes —
STAUDINGER/
/Scsraurn .
, BGBI 2
cit., § 242, n.° 553 ss., 580 ss. e 606 ss.; avance-se ja que J.
SCHMIDT
chega, nos
tres casos, a conclusio da inutilidade do vcfp. Outros autores tratam o vcfp por forma pura-
mente topico-casufstica, sem fazerem arrumacaes nos casos que reconduzam a essa formula,
assim procedeu
SOERCEL/SIEBERT/KNOPP, BGB
1
° Cit., §
242, n.° 228-240 (67-69),
ERMAN/SIRP,
B G B 6
cit., § 242, n.° 79 (470), BGB/RGRK/ALFF
12
cit ., § 242, n. ° 93-119 (29-35) e AK /BGB
/
/TEUHNER Cit . , §
242, n
:
° 31-32 (50-51). Este Ult imo A., exemplificando, opina a incapacidade
de generalizacio dc casos tidos por de vcfp, enquanto
STAUDINCER/SCHMIDT, BGB
1 2 Cit.,
§ 242, n.° 5 54 (188), sublinham uma al. heterogeneidade dos comportamentos contraditorios.
Ambas as afirmacoes sari exageradas: é possivel encontrar tracos comuns nos exem plos de
vcfp que a pratica indica, embora seja preciso pOr de parte, em definitivo, uma metodologia
juridica conceptual-dedutivistica. No que coca, porem , Is sistematizacoes acima apontadas, dove
sublinhar-se que a de
STAUDINGER/SCH MIDT
é, reconhecidamente, uma classif icacio que nada
tern a ver corn a boa fe e, por conseguinte, com o vcfp, como resulta das conexoes existences
mitre as duas realidades; nas restantes, a hesitacao, a nao uniformidade e o empirismo
sao patentes.
(
3 8 0 ) Exdui-se, pois, no fundam ental, a
suppressio,
a actuacio por conta prOpria, a situa-
Cab dita de
to quo que e
a do ch. dolo initial;
quanto ao sentido destas figuras, cuja ponderaclo
a luz do vcfp, uma vez determinado, nao deixara de ser feita, cf.
infra, §§
30.°42.°.
(3st) Mantem-se a dogmatizacio f ixada em
MENEZES CORDER°,
D.
Obrigacoes cit.,
1, 49 ss..
(
3 8 2
) 0 concurso seria possivel, eon termos reais, caso o
venire contra factum proprium
nao tivesse alcance supletivo.
manifeste a intencao de nao it praticar determinado acto e, depois,
o
pratique e quando uma pessoa, de modo, tambem, a nao ficar
especificamente adstrita, declare pretender avancar corn certa actuacao
e
, depois, se negue. Estas hipOteses compreendem sub-modalidades.
A pessoa que manifeste a intencao de nao praticar determinado
acto
e, depois, o pratique, pode ser condenada, em certas circuns-
ancias, ainda quando o acto em causa seja permitido, por integrar o
contetido de urn direito
subjectivo. Pode ordenar-se a vasta casuis-
tica existente em tres grupos.
Num primeiro, o titular-exercente manifesta a intencao de nao
exercer urn direito potestativo, mas exerce
.
Assim, em BAG 8-Jun.-1972, discutiu-se o seguinte: um traba-
lhador — o A. — pretende despedir-se; o empregador — os RR.
— opoe-se ao despedimento; urn mes volvido, os RR., alegando o mats
estado da empresa, despedem-no; o
BAG
entendeu haver aqui violas
-
o
da boa fe, por vcfp, uma vez que, aquando do primeiro comportamento
— a recusa — os R R. j i sabiam do mau estado da empresa; nessa
base, os dois comportamentos sio, de facto, contraditorios
(
383).
Em AG Minster, 21-Mar.-1972 decidiu-se haver exercicio inadmis-
sivel do direito por parte do senhorio que, depois de ter afirmado, ao inqui-
lino, a possibilidade de ere permanecer no local arrendado ate certa data
minima veio, antes dela, rescindir o contrato de arrendamento
(384
).
Em OL G K oln, 8-Nov.-1972 decidiu
-
e que o comprador de um
veiculo pesado que aceita, em negociacio, a reparagio de certo vicio, nao
pode, por vcfp, devolver o veiculo contra o preco, alegando o utro vicio
adveniente
(
385
).
(383)
BAG, 8-Jun.-1972, NJW 1972, 1878-18 80 (1879). 0 regime da demincia do con-
trato de trabalho 6, como se ve, diferente do portugues.
(384)
AG Miister , 21-Mar . -1972 , WuM 1975 , 32 .
ROTH,
no
Munch
otnin ci t . , §
242,
11.0
301 (148), aponta, como semelhantes, as decisoes AG Hannover, 9-Fev.-1972 e A G K öln,
8
-Mar.-1971. Nio e assim. Na primeira, decidiu-se apenas que celebrado urn arrendamento
por prazo indeterminado, nao pode o senhorio, por forca da regra da boa fe, denunciar
o contrato apenas ties meses e mei° volvidos sobre a sua celebraclo, depois do inquilino ter
realizado certos melhoramentos — WuM 1973, 19; poderi ser urn caso de exercfcio inadmissi-
vel de direito, mas nao de vcfp; a face do art. 334.
0
, a hipOtese seria, alias, de contrariedade ao
8
In social e economic° do direito e
n - a o
de violacio da boa fe. Na segunda, decidiu-se, tambem,
que, celebrado urn contrato similar nao pode, o senhorio, denw acia-lo f indo apenas urn ano.
0
tribunal deixou alias, neste ultimo caso, em aberto a hipotese da violacbo da boa fe, a decidiu
favoravelmente ao inquilino, corn base noutros lugares normativos — WuM 1971, 156-1 57.
(385)
OLG Köln, 8-Nov.-1972, MDR 1973, 314.
0 exerc ic io inadmissive l de p osic l ies jurid icas
No
segundo,
o
titular-exercente indicia nao ir exercer
uni
3 86
) .
748
§ 28-.° Venire contra factum proprium
49
A
sua reconducao ao
venire contra fac tum
p r o p r i
u m
r i : M
g °
Pe
a r i m
i(9)
3 i 8 r i ;
corn vantagem, esclarecer certos casos de
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 56/100
Em B GH, 23-A br.-1969, urn agente obtivera urn mandato
em
as
indemnizacio por violagio do exclusivo
é
vcfp, ainda quando nao }raj
a
3 87
).
No
terceiro, finalmente, a pessoa age ao abrigo de uma permissao
generica de actuacao e nao de urn direito subjectivo, potestativ
o
ou
comum; nesse ambito — autonomia privada, liberdade de deslo-
cacao, por exemplo — declara nao ir tomar determinada atitude,
mas acaba por assumi-la. Esta hipOtese de
venire contra factum proprium
nao tern sido suficientement
e
esclarecida pela doutrina e pela juris-
prudencia. De facto, ela prende-se corn a possibilidade de constitui-
cao de obrigacoes atraves de comportamentos concludentes (
3 8
8)
ou corn a simples discussao em tomb dos modos de produzir declara-
(386)
Muitos casos que poderiam ser reconduzidos a esta rubrica ganham autonomia
como fenomenos de
suppressio . Urn exemplo curioso, dos poucos em que o
venire contra
fa c t u m propr iu m
foi expressamente reconhecido na jurispruckncia do Codigo Civil de 1966,
6 dado por RL d 17-Jul.-1970, AcRLd 1970, 492-496 (493-494); urn senhorio estimula a insta-
Ina° de um a inch:atr ia domestica no local arrendado e, corn o fundam ento na existencia dela,
move uma accio de despejo.
(387)
BGH 23-Abr.-1969, NJW1969, 1625-1626. A decisio BGH 18-Abr.-1966,
NJW 1966, 14 04-1405, de q ue um agente, beneficiario, tambem, de um a clausula de exclusivo,
nio pode mover pretensoes contra o mandante por violacio do exclusivo, depois de, tendo
cessado a actividade, ter dado a entender que o exclusivo ja nao vigorava, parece integrar antes
uma hipotese de
s u p p r e s s i o .
SOERGEL/SIEBERT/KNOPP,
BG B
13
cit., § 242, n.° 234 (68),
consideram-na, porern, como de vcfp, sendo certo que esses autores, separando a partida as duas
f iguras, acabam, afinal, por proceder a um a aproximacao —
ob. cit . , n .°
281 (81).
Em situacoes de vcfp, quando esteja em causa urn direito subjectivo comum — este tern,
corn frequencia, natureza contratual — o
fa c t u m propr iu m
pode consistir numa interpretacio
erronea do contrato. Pelo que segue. Uma interpretacio erronea do contrato leva, em prin-
cipio, I aplicacio superveniente do verdadeiro regime e, disso sendo caso, ao funcionamento
dos esquemas prOprios da v iQ1a4ao contratual. Havendo erro bilateral, ficaria ainda em aberto
a hipotese da alteracao do contrato por consentimento nnituo, expressa ou concludentemente
manifestado. Pock, no entanto, suceder que nenhuma das saidas acima pre-figuradas seja
aplicivel: por mecessidade etico-juriclica• (CANARIS), urn comportamento assente em interpre-
tacit) inexacta do contrato e perante a qual a contraparte tenha, de algum modo, assentido,
salvaguarda-se por, de outro modo, haver vcfp. Assim,
CANARIS,
Vertrauenshaftung
cit., 336
SS.,
(388)
Os quais se relacionam, alias, coin a forma de constituicio de obrigacoes ch.
xrelacoes contratuais de f iat 's.; cf .
supra,
555 ss. e 642 ss..
f
r
onterra.
III. A
pessoa que manifeste a intenc'ao de praticar urn acto e,
a
isso, no fique vinculada, integra, normalmente, a previsio de urn
negOcio inexistente ou invalid°.
A
hipOtese mais corrente 6 a
da nulidade. Considerar-se que essa pessoa, caso se retrate, incorre
em
venire contra factum proprium ,
representa uma limitaclo a prOpria
e
statuicao de nulidade, em termos de ponderacao d elicada.
0 agrupamento de
fac ta propr ia
opera, neste campo, corn base
no tipo de nulidade, podendo ser antecedido de classificacao previa
que atenda a natureza do negOcio ferido (
3 9 0
). Tres exemplos,
apenas, tocando a nulidade por contrariedade a lei, a ilegitimidade e a
a
nulabilidade de deliberacoes sociais.
BGH 26-Out.-1955: urn advogado estipula, corn o constituinte,
determinados honorarios de m ontante muito inferior ao prescrito legal-
mente e para valer em caso de exito; a convencio 6 nula por
contrariar a lei; porem, tendo perdido a causa, o advogado reclama os
honorarios legais; o BGH decidiu a improcedencia do pedido por vcfp,
visto a exigencia do advogado contrariar a sua tomada de posicio anterior,
sendo, de acordo corn o § 242 BG B, um exercicio inadmissivel de
direito (
3 9 1
).
OGH BrZ 2-Dez.-1948: urn pai entrega, em vida, a urn filho do seu
primeiro casamento, uma quinta que tinha em comum corn a segunda
mulher, da qual tinha va rios filhos; estes concordaram na altura; bas-
tante tempo volvido, morto o pai, urn dos filhos do segundo casamento
vein impugnar a transmissio, alegando a falta de consentimento formal de
todos os interessados; o BGH decidiu a improcedencia do pedido: entendeu
que o R. ja no podia contar corn o exercicio de cal pretensio,
e que este constituiria exercicio inadmissivel de direitos, contrariando
o § 242 BG B (
3 9 2
).
(389)
Nio se devendo esquecer, a este proposito, a pedra de toque constituida pela neces-
sidade da consciencia da dedaracio, acima enfocada.
( 39 0 )
A doutrina nil) tern, como se viu, elaborado uma sistematizacio satisfatOria.
Vide
WIELING,
V e n i r e c o n t r a
fa c t u m propr iu m
cit ., 339-340.
(391)
BGH 26-Out.-1955, BGHZ 18 (1955), 340-350 (341-343 e 347).
(392)
OGHBrZ 2-Dez.-1948, OGHZ 1 (1949), 279-285 (279, 280 e 284). 0 proprio
OGHBrZ considerou o caso como de
suppressio;
os factos que descreve enquadram-se, porem,
no vcfp; cf.
WIELING,
Venire contra factum proprium
cit., 339-340. Em BGH 11-Jan.-1966,
49
750
exerc ic io inadmissive l de posicoes jurid icas
BGH 21-Abr.-1960 : o director de uma sociedade pretende celebraz,
um contrato corn a propria sociedade, o que a possivel nalguns cas
o3
.
para evitar o contrato consigo proprio, celebrou-se o convenio ar
§ 28.0
Venire contra fac tum proprium
s t i a
relacao bilateral», nas palavras de
TEUBNER (
396
)•
Bin suma:
a
proibicao de
venire contra factum proprium
traduz a vocacao
para a
751
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 57/100
roes
fiscal; o BGH recusou a hip6tese de, por todos os socios terern
participado na assembleia geral em causa, se entender existir uma deli_
beracao tacita do conselho fiscal; simplesmente, dada a participacio ge
ra
i ,
e
permitir a impugnacio posterior da deliberacie
em causa, por incompetencia do 6rgio implicado
(
393
) .
Pelo relevo pritico que tern e pela delicadeza do prob lem
a
,
deixa-se para rubrica autOnoma a questa.° das nulidades form*
.
venire contra factum
p rop r i u m nao
permitem, de forma algum a, concluir, sem mais, pela
natureza inadmissivel do comportamento contraditOrio. Pelo con-
trario: 6 importante focar a inexistencia, na C iencia do D ireito
actual e nas ordens juridicas por ela informadas, de um a proibicao
gene'rica de contradicao (
3 9 4
). Apenas circunstincias especiais podem
levar a sua aplicacio.
A proibicao de
veni re con tra factum propr ium
tem, a partida,
urn grande poder convincente. Como explica WIEACKER,
«o
principio
do
venire contra factum proprium
radica fundo na justica pessoal a cujo
elemento mais intrinseco pertence a veracidadel (395). Sociologica-
camente, o comportamento contraditOrio configura-se como um
atentado «contra expectativas fundamentais de continuidade da auto-
-representacio que respeitam tambem a identidade do parceiro e a
decidiu-se uma questio semelhante, embora suscitada em torn de urn problema de mcapaci-
dade. Urn pai celebra certo negocio, corn assentimento do filho; algum tempo depois 6 inter-
ditado por dem8ncia serail; mais tarde, o filho vem impugnar o negocio em causa:
o BGH decidiu haver, no pedido feito, atentado 3 boa f6, por violacio da confianca criada,
na outra parte, dado o comportamento dos implicados — BGHZ 44 (1966), 36 7-372 (368 c
371). Repare-se, por fim, numa demonstracio tiara do fern:men° da sobreposicio dos tipos
previsivos de exercfcios inadmissiveis de posicoes juridicas, que ambos estes casos integram, tam-
bem, hip6teses ditas de inalegabilidades
de
vfcios formais.
(393)
BGH 21-Abr. -1960, WM 1960, 803-805 (804 e 805) .
(394)
MEral Berner
-
o m m ,
Art. 2 cit ., n.° 401 (333);
ji
TITZE,
rec. cit. a
RIEZLER,
ZHR 77 (1915), 241.
(395)
WIEACKER,
Preizis ierung
cit., 28; cf.
ERMAN/SIRE,
BGB
6
cit. , § 242, n.° 79
(470),
CANARIS,
Vertrauenshaftung
cit., 288.
psicolOgica e social da regra
pacta sunt servanda
uispositividade, mesmo n aqueles casos especificos em que a ordem
j
ur
idica estabelecida, por razoes estudadas, por desada ptacio ou
por incompleicao, iha negue. Este ambiente pre-juridico especial-
tante favorivel a admissio do proibir generic° de comportamentos
cuutraditOrios nao deve, porem, fazer perder de vista o resultado real
de tal aceitacio: todos os com portamentos humanos acabariam por ter
acolhimento e proteccao juridicos. Pelo seguinte: o vincular uma
pessoa as suas atitudes faz sentido, em particular, quando tenham
usn
beneficiirio; este, por seu turno, nao poderia recusar as necessirias
contrapartidas. As permiss'oes normativas esgotar-se-iam no primeiro
exercicio e todo o relacionamento social converter-se-ia num
e
dificio rigido de deveres irrecusiveis. A essencia do juridico contra-
diz, por si, tal possibilidade: numa critica classics mas ainda
actual, as tentativas de reducao do D ireito a sociologia, deve ter-se
presente que o D ireito nao sanciona o que esti; tern uma vocacao
efectiva para dirigir, num sentido ou noutro, os com portamentos
human os. Entre os meios disponiveis para isso, e dos mais avancados
pelo prisma da evoluclo social, esti o nao reconhecer relevancia juri-
dica a determinados com portamentos. Assente a admissibilidade de
tal orientacao — e isso, hi que sublinhi-lo, nos prOprios cam pos
etico, psicolOgico e social —nao seria saida correcta aceitar, por norma,
a total irrelevancia juridica de com portamentos que, no entanto,
produziriam efeitos apenas contra o seu autor.
f ac tum proprium
permite decidir de acordo corn o Direito, o qual,
desde
documentam-n o — em que o actuar da proibicao de
venire contra
Hi, contudo, situacties reais — o s exemplos acima indicados
a superacio dos positivismos legalistas mais radicais, nao se
identifica corn cads um a das normas juridicas em vigor.
(396)
AK/BGB, §
242, 11.° 31:
TEUBNER
coloca-se na linha de N.
LUHMANN,
para
quern nio deixa de remeter. Explica N.
LUELMANN
que etoda a auto-representacio obriga —
t6 porque ela representa urn (auto* que seri aproveitado para a identidade. Se se quer ficar o
memo, deve-se permanecer como sempre se mostrous —
Vertrauen
2
cit., 69; tamb6m 90-91.
0 exercicio inadmissivel de posif iks jurid icas
71.
ConstrucCies dogmaticas; apreciacio; extensio excessiva
da figura
§ 28.° Venire contra factum proprium
fraca. 0
venire contra factum
proprium, porque dotado de carga
tica
, psicolOgica e sociolOgica negativa atenta, necessariamente,
752
753
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 58/100
I.
0 equacionar dogmatic° do
venire cont ra fac tum proprium ,
como e
de esperar perante a incipiencia denotada pela sistematica da
figura
(
397
), apresenta flutuacoes grandes, dobradas por uma imp
re,
cisao de linguagem, que
na.o
facilitam o falar-se em tendencias. Sob
a reserva do desenvolvimento posterior vai, contudo, ordenar-se a
doutrina, distinguindo a reconducao do
venire contra factum proprium
a
boa fe, a confianca, ao negOcio juridic° ou, simplesmente, a su
a
dissolucao.
A afirmacao de que o
veni re con tra factum propr ium e
aplicacao
da boa fé ou, se se quiser, que o assumir de comportamentos contra-
ditOrios viola a regra da observancia da boa
f e , a
comum na dou-
trina
(
398
) e na jurisprudencia
(
399
). Assim apresentada, a justificaCl
o
(397)
Recorde-se que dogmatica e sistematica nao devem ser confundidas: dogmatica
6 a reconduclo de normas e principios de urn espaco juddico aos parametros ou valor's
que o informem; sistematica 6 a ordenacao dessas normas e principios sob um ponto de
vista. Ou, por outras palavras: a sistematica 6, aqui, formal; a dogm atica é uma isistematica.
material.
(398)
Em
RIEZLER,
pela natureza fragmentaria do seu estudo, na parte positiva, escasseiam
as menc6es a boa
fe
— desse A.,
Venire contra factum proprium
cit., 133, 138 e 168,
p. ex.. Mais tarde, elas dominariam o panorama do vcfp; assim
L.
SCHULTZ,
Venire contra
factum proprium im Ri ickerstat tungsrecht,
NJW 1949, 570-572 (571); ERMAN/SIRP, BGB
6
cit.,
242, n.° 79 (470); Ltinnizz/StudK-BGB
2
, § 242, 4,
d)
(141);
Rom' Mi inch -Komm c i t ., §
242,
n .° 93 (29-30) ;
LARENZ,
AllgTeils
cit., 206 e
SchuldRIAT
1 3
cit., 123. Alguns destes AA.,
procedem a precisoes ulteriores.
(399)
Na doutrina actual, o vcfp tern, contudo, uma presenca mais intensa do que
na jurispruclincia. Embora este fenOm eno nit) seja relevado pela literatura, ele deve ser subli-
nhado: boa parte das decisoes judiciais citadas como consagrando, substancialmente, a proi-
bicao de vcfp, nao referem essa expressao, embora nit) deixem de apelar para a boa
fe.
Assim:
RG 28-Nov.-1923, RGZ 10 7 (1924), 357-365 (363) — refere a
exceptio doll;
BGH 12-Jul.-19
5 1
,
BGHZ 3 (1951), 94-110 (93) — recorre a boa fe e aos bons costumes; BGH 2-Mar.-1972,
NJW 1972, 940 -942 (941) — entendeu-se, aqui, nao contrariar a boa
fe
o alegar a falta de
poderes de urn &gaga de
ente
public°, para celebrar urn contrato de empreitada; materialmente,
rejeitou-se haver vcfp indevido; AG Minster 21-M ar.-1972, WuM 1975, 32 — fala ern exerd-
do inadm issivel. Em com pensacao, a inadmissibilidade de com portamentos contradit6rios,
reportada a boa fe, 6 isolada noutras decisties. Assim: BGH 20-Mai.-1968, BG HZ 50 (1969),
191-197 (192 e 196) — o R. alega, em tribunal arbitral, que o processo deveria seguir em
tr ibunal comum; neste, op& a excepcao do compromisso arbitral; OLG ICCiln 8-N ov: 1972,
MDR 1973, 314; BGH 5-Mai.-1977, BB 1977, 919-921 (920) — onde se diz «nem todo
0
comportamento contraditorio 6 inconciliavel corn a boa
fe. Isso
so pode acontecer quando uma
co
ntra a boa fe, conceito portador de representacao cultural aprecia-
tiva e
que, para mais, esti, na tradicao romanistica do
Corpus Iur is
Civilis,
num estado de diluicao que a torna omnipresente. 0 recurso
put°
e simples a uma boa fe despida de quaisquer precis
-
6es torna-se,
perante essa relacao de necessidade, num expediente insatisfatOrio
para a Ciencia do Direito e insuficiente para a pritica juridica:
explica as soluceies encontradas e nao permite, por si, solucionar
c
asos concretos novos. No fundo, a boa fe funciona, ai, como apoio
linguistic° para soluceSes encontradas corn base noutros raciocinios
ou na pura afectividade — ou como esquema privilegiado de con-
seguir amparo numa disposicao legal — a que consagra a boa fe —
para a solucao defendida.
II. Como expressio da confianca, o
veni re con tra factum pro-
prium
situa-se ja numa linha de concretizacao da boa fe. Referencias
incidentals a confianca, no ambito da proibic
-
ao de comportamentos
parte criou uma inevisio de confianca na q ual a outra se pudesse fiar, c o tenha feito, ou quando
o comportamento anterior esteja em contradicao insoltivel corn o posterior*. Esta decisao tern,
como se ye, um interesse doutrinario especial.
Nio faltaram tentativas de transpor o esquema de pensamento pressuposto pelo vcfp
para outras areas juridicas, como, p. ex., o Direito penal. Ponto de partida foi a decisio do
LG Kaiserslautern 14-Jul.-1955, JZ 1956, 182-183: o R. cometera o crime de estupro —
§ 18 2 StGB, na versao em vigor na altura — tendo posteriormente renovado varias vezes as
relacoes corn a ofendida, de catorze anos; em defesa, vem dizer que, na primeira vez, desconhe-
cia a idade da ofendida e, que, nas vezes subsequentes, embora tivesse obtido esse conhe-
cimento, faltava ja o requisito da virgindade, por parte da mesma ofendida. 0 LG Kai-
serslautern nao aceitou este argumento, decidindo que o R . nit , podia recorrer I falta de urn
requisito que de prOprio suprimira.
HANS-JURGEN BRUNS,
Venire contra factum proprium ins
Strafrecht?,
JZ 1956, 147-153, escrito a propOsito desta decisao, sem deixar de levantar algumas
aplaude o que considera como primeira manifestacio de vcfp em Direito penal — 153.
De facto, ocorre, neste caso, uma certa desconformidade na s actuaceies do P. . . , na medida
ern que vem alegar urn comportamento seu desvalorizado, cuja eficacia nit> surte por raz
-
oes
references ao proprio R., para evitar a reprovacao das suas atitudes posteriores. Mas isto
rrao 6 vcfp, pelo menos no sentido comum que the di o Direito privado. Mesmo
processualmente, o R. nao volta was corn os comportam entos assumidos; apenas the di urn
c
eeto enquadramento juridico-penal. 0 caso solucionado pelo LG Kaiserslautern explica-se,
preferencialmente, atraves de instrumentacao penal classica: o P..., numa situacao de crime con-
tinuado, nao beneficia da causa de excusa adveniente da nab consciencia da ilicitude se,
durante a accio, adquiriu essa consciencia.
754
exercicio inadmissivel de posicaes juridicas
contraditOrios, surgiam em
RIEZLER
(400). Seth
preciso agua
r
d
ar
ICHLER
no sentido de, a partir da boa fe, confeccion
ar
/4
0
1
§ 28.° Venire contra factum
proprium
(410). E
R
N I A N / S r i a
,
escrevem que «quando o titular atraves das suas
je
dar
acties
ou pelo seu comportamento, consciente
ou inconsciente,
to provocado que a outra parte se pudesse confiar em si e, tambem,
755
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 59/100
doutrina juridica da confianca
para dar outra din
-
Lena
°
is
referencias dense tipo.
A l igacio entre o vcfp e a doutrina da confianca tornou-se bast
a n t e
WIEACKER,
no seu conhecido escrito sobre
0
precisar do § 242 BGB, afirma que «...o principio do
venire é
u m a
plicacio das proposicaes da confianca no trafego juridico e nio u
l n a
(402 ). WEBER,
na sua ext
e a s a
e,
anuncia, a prop6sito do vcfp, a regra
d e
que
minguem pode exercer um direito ou tomar uma posicio juridica corn
consequencias, em contradicao corn o comportamento anterior, quando
este justifique a condusio de que nao o iria fazer e de,
rtSa
ocasiio, tenha despertado na outra parte uma de terminada confianca„ (
4
0 3 ) .
MEnz assegura que «no D ireito actual 6 de afirmar o atentado contra a bo
a
fe,
sobretudo quando o comportamen to anterior tenha provocado con-
fianga digna de proteccio legal* (
4
°
4
). SIEBERT/KNOPP
asseveram que,
a proposito de vcfp, «verif ica-se a violacao da boa fe , corn consideracio
pelos costumes do tri fego, sobretudo quando a outra parte pode confiar
numa de terminada situacio juridica ou materia l proveniente do compor-
tamento anterior do titular do direito e actuou na base
disco* (405
).
LENZ
conclui que o principio da proteccao da confianca a uma concre-
t izacio do vcfp
(406). VON CRAUSHAAR
atesta que «0 comando de que nin-
guem deve colocar-se em contradicio corn o seu comportamento tern a sua
origem, fmalmente, na
proteccao
da confiancai
CANA1US,
comecando
por apoiar a afirmacio de
WIEACKER,
acima
transcrita
(
40 8), formula
uma construclo desenvolvida do vcfp baseado na confianga
(
4°9
).
LUHMANN, nao
obstante omitir referencias expressas ao vc fp, associa a
necessidade de identidade do comportamento prOprio corn a con-
*l
e o
tenha feito, end() nao
deve esta ser desiludida. Atentaria contra
a
boa
a
e minaria a confianca no trafego juridico que o titular se
tine incorrer em contradicio corn as suas declaracoes ou compor-
tatnentos anteriore
411
). ALFF
afirma que «exercicio inadmissivel do
direito em consequencia de com portamento contradit6rio de um parceiro
num contrato verifica-se, pois, quando a outra parte tenha confiado na
a
t i tude tomada pelo seu parceiro e se tenha a poiado nela de tal maneira
que a adaptagio a uma situacio juridica alterada nao the possa ser
ex
ig
icia, segundo a boa felo (
4 1 2
). Rom exige, para o funcionamento do
v
cfp, que a contraparte tenha, efectivamente , integrado um a previa° de
(41 3
) TEUBNER
tern esse factor, tambem, por decisivo
( 4 1 4 ) .
conftanga
A
reconducao do
venire contra factum proprium
outrina
da confianca revels um estadio elevado nas tarefas ascendentes, da
sistematizacio da casuistica gerada em torno dos comportamentos
c
ontraditOrios, e descendente, da concretizacio da boa fe. 0 trabalho
nio se limita ao ambito do
venire;
outras areas juridicas delicadas e, ate
decada de sessenta, ou ignoradas ou tratadas de modo puram ente
tOpico-empirico, tern sido organizadas corn base nessa doutrina
(415
)
( 4 1 0 )
N. LUHAIANN,
Vertrauen
2
cit., 40-41. Diz L.: cDigno de confianca 6 aquele
que permanece no que, consciente ou inconscientemente, comunicou de si preprio•.
(411)
ERIAANN/SIRP, BGB
6
cit., S 242, n.° 79 (470).
(412)
AuP/BGB/RGRK
1 2
cit., § 242, 11.° 93 (29-30).
413)
Rons/Miinch-Komm cit., §
242, n.° 299 (147). ROTH admite, no entanto,
a possibilidade de haver casos de vcfp que nio se possam reconduzir I problematica da confi-
anca -
idem, n.°
321 (153). Recorda BGH 5-Mai.-1977, BB 1977, 919-921 (920) -
supra,
7523
- que admite como contriria i boa a, para alem dos casos que suscitem a confianca,
a contraclicao insolavel de comportamentos. Das outras decisoes citadas por Rom, apenas
BGH 20-Mai.-1968, RGHZ 50 (1969) 192 - o caso da pessoa que faz valer, sucessivamente,
a incompetencia do tribunal arbitral e, uma vez no comum, o compromisso - quadra uma
hip6tese efectiva de .vcfp sem conftanca, em termos claros. 0 facto deve-se a Rom
utilizar urn conceito amplo de vcfp; este foi aqui -
supra,
746 - restringido. Em BAG 14-Dez.-
-
1968, BB 1968, 306, p. ex. - urn trabalhador alega uma norma juridica para pedir uma
mdeinnizacio, quando ele pr6prio viola uma norma - concretiza-se o tipo mais restrito
dm° de to
quoque
e nio urn vcfp.
(4 1 4 )
TEusNER /AK /BGB cit., § 242, n.° 31 (50).
(
41 1
) A conftarKa, sob o epfteto initial, depois abandonado, de .doutrina da aparencio
Ja havia merecido ciclos anteriores de estudos, designadamente no principio do seculo, corn
W
HLLSPACHER, HERBERT MEYER, KRUM...JP/PM
C P. OERTMANN
e , no s eg undo pO s -g uerra , corn
E I C H L E R ,
BALLERSTEDT C STICH :
os prime iros nao t iv eram, con tudo, em l inh a de con ta a nece s sa- .
400)
Venire contra factum proprium
cit . , 167 . RIEZLER ocupa-se, al , do problems da apa-
rencia juridica provocada, mais precisamente da teoria
de
STAUB, muito citada, do comer-
ciante aparente. CoING,
Allgemeine Rechtsgrundscitze in der Rechtsprechung des Reichsgerichts
zum Beet der fguten Sitters*, NJW
1947/48, 213-217 (215) , aproxima tambem o vcfp da
confianca; move-se, porem, no ambito dos bons costumes e nao da boa ff. Nao tern razio.
(4 01 )
EICHLER,
D ie R echts l ehre vom V er trauen
(1951).
(402)
WIEACBER,
Prdzisierung c i t . ,
28.
(403) WEBER,
T r e u and Glaube n
cit., D 323 (821).
(404)
Mmtz/Berner
Ko m m
cit., Art. 2, n. ° 402 (334); tambem n.° 410 (336) e, corn indi-
caceies jurisprudenciais, n.° 431 ss.. (340-342).
(405)
SOERGEL/SIEBERT/KNOPP, BGB
1
° Cit., § 242, n. ° 229 (67).
(406)
K.-H . LENZ ,
Das Ver trauensschutzpr inz ip
(1968), 32.
(407)
VON CRAUSHAAR,
Der Einfluss des Vertrauens auf die Privatrechtsbildung
(1969), 5 6
.
(408) CANARIS,
Vertrauenshaftung
cit., 270-271.
(409)
CANAIUS,
Vertrauenshaftung
cit., 287-372.
756
exercicio inadmissivel de posicoes jurfdicas
§ 28.°Venire contra factum
proprium
57
-
A
apreciacao definitiva deve englobar a doutrina em causa, na sua
extensao total
(
41 6
). Algum as consideraceies sao oportunas.
sua aplicacao: a presenca de uma disposicao especifica coin o seu con-
teddo, a aplicacao analOgica — corn inclusao de
analogia iuris
—
e
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 60/100
Substituir uma referencia amorfa a bo a fe pela mencao
da confianca nao 6 trocar uma formula vazia por outra similar.
A confianca permite um criterio de decislo: um com portamento nao
pode ser contraditado quando ele seja de molde a suscitar a
confianca das pessoas. A confianca contorna, ainda, o problema
dogmatico, de solucao intrincada, emergente da impossibilidade juri-
dica de vincular, permanentemente, as pessoas aos com portamentos
uma vez assumidos. Nao 6 disso que se trata, mas tao sO, de
imputar aos autores respectivos as situaceies de confianca, que
de livre vontade, tenham suscitado
(417
).
A
confianca di um criterio para a proibicao de
venire contra
fac tum propr ium .
Mas nao funciona se); mantem-se, basica, a regra
oposta de que falta, nas ordens jurIdicas, urn principio firme de
nao contradicao
(418
), enquanto que, em certos casos, aflora outro vector
que nao o da confianca. A existencia de principios contraditOrios-
neste caso, proibicao de
venire contra factum proprium
e permissao de
contraditoriedade — nao deve confundir: 6 conquista da Ciencia
do D ireito m oderna a possibilidade de oposicoes desse tipo, sem
ruptura do sistema e sem quebra de validade para nenhum dos prin-
cipios em presenca
(
41 9
). Fica em aberto a oportunidade da sua
aplicacao, em cada caso concreto. Utilizando, no
venire contra
f ac tum proprium,
a metodologia apurada por CANARIS no estudo geral
da confianca
(4 2 0
), poder-se-iam apresentar tres linhas tendentes a
ria integracio da confianca no sistema juridic°, excedendo-se nas conclusoes, enquanto os segun-
dos trabalharam corn vis6es demasiado parcelares. S6 no dobrar da decada de sessenta
para setenta surgiram trabalhos envolventes, que tocaram os diversos prismas em jogo;
recorde-se
LENZ
(1968), N.
LITHAIANN
(1968, a primeira edicio),
V. CRAUSHAAR
(1969) e
CANA-
RIS
(1971).
/416,
Infra, §
49.0.
(417) Nesse sentido, a afirmaclo de
WIEACKER
citada
supra,
754 4
°
2
.
( 4 1 °) Cf.
supra
IV, bent como
MERZ
al cit., 750
19 4
.
( 4 1 9 )
CANARIS,
Systemdenken
2
cit., 53 e 115;
DWORKIN,
Is law a sys tem of rules? em Essays
in legal philosophy
(1968), 47 ss.;
MENEZES CORDEIRO,
Da
consti tuictio patr imonial pr ivada,
em Escudos sobre a Const itu icio,
publ.
JORGE MIRANDA,
3, (1979), 365-437 (368) e
D. Reais
cit., 1,
60.
(420)
Veja-se, assim, a concepcio sistemitica a que obedece o livro
Vertrauenshaf tung
cit., de
CANARIS.
disposiOes desse tipo a outros casos, ditos analogos, e a actuacio
directa do prOprio principio em si.
CANARIS
d a
dois passos que nao podem ser acompanhados, a partida:
circunscreve o vcfp ao que cham a de «respondencia pela confianca por
necessidade etico-juridica) e aponta, como base da proibicao de v cfp
021)
.
Como explica
ROTH,
existem
a aludida necessidade etico-jun'dica
situac5es inadmissiveis de vcfp que no se prendem co rn a confianca:
assim, a da pessoa que recorre, sucessivamente, a incompetencia do tribunal
arbitral e ao com promisso arbitral para evitar submeter-se aos arbitros
e ao tribunal comum
(4 22
):
este caso, como se vera, a redutivel gracas
a
interaccio do tipo
to quoque.
Acresce que o vcfp — e o atentado a
confianca tantas vezes implicit° — e com batido por disposicoes legais
precisas e nao apenas pela ch. «necessidade etico-juridican recorde-se,
p. ex., o art. 228.°/1 e o seu equivalente §
145 BGB,
sem correspondencia
nos Cod. Napoleao e i tal iano
(
4 23
) que, estabelecendo um a regra de
irrevogabilidade das propostas contratuais, devem corn vantagem, ser
interpretadas a luz do principio que exprimem . Por outro lado, o vcfp
pode ser objecto de permissio especifica — p. ex., o art. 231141 , sobre
a revogabilidade do testamento. Na derivacao do vcfp existem, pois,
outras referencias que no as proporcionadas por principios totalmente
abstractor como o da «necessidade etico-juridica•. Tambem no se deve
apontar como base do vcfp a aludida mecessidade etico-juridica*, numa
linha presente em
WIEACKER (
42 4
),
e que se liga, de algum modo,
a
tendencia para ver na boa fe urn ch. principio etico-juridico. Numa
manifestagio sectorial dos inconvenientes acarretados por estudos parce-
lares, tal formulacao levanta dificuldades excessivas aos sistemas que, como
o portugues e, com clareza ainda maior, o alemao, consagram
uma
distincao entre bons costumes e boa fe
(4 25
).
( 4 21 )
CANARIS,
Vertrauenshaf tung
cit., 266 ss. e 287 ss..
(422)
Rom
I
M u nch -K omi; c i t . , §
242, n.° 321 ss. (153 ss.) . Cf.
supra,
755
413
. ROTH
nao
se preocupava, porem, em apreciar
CANARIS,
nem apresenta uma concepcio propria da con-
fianca.
(423)
Em Franca, a jurisprudencia tens, contudo, vindo a corrigir a possibilidade de
revogacio, ate 1 aceitacSo, das propostas negociais; cf. RUNDSTEIN,
Der Widerspruch mit dent
eigenen Verhalten
cit., 326. No que coca ao regime do Direito italiano, anote-se que esta sua
particularidade, tao sendo tida em conta, tem provocado equ lvocos na doutrina portuguesa,
quando se trata de determinar a natureza da proposta contratual: transfere-se, sent niais,
a concepcio italiana dita «pre-negociab, assente numa ausencia de efeitos por forca
da
revogabilidade, para o espaco juridico portugues, onde tal revogabilidade nao ex iste.
( 4 2 4 )
WIEACKER,
Prdzis ierung
cit., 28.
(425)
Cf.
infra,
n .° 113.
0 exerc ic io inadmissive l de posic l ies jurid icas
A hipOtese de urn exercicio inadmissivel de direitos postula,
contudo, que a po sicao juridica de cuja actuaca'o se trate nao
seja, directamente, interferida por normas juridicas, ainda qu
§ 28.° Venire 'contra factum proprium
59
d o
n
ecessario para convencer uma pessoa normal, colocada na posiclo
d o
c o
nfiante e do razoivel, tendo em con ta o esforco realizado pelo
758
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 61/100
e
d
e
as
ven ire con tra fac tum propr ium,
embora possa ser auxiliada e preci
s a
d
a
No essential, a concretizacao da confianca, ela propria concre-
tizacio de um princlpio mais vasto, preve, como resulta da amostr
a _
gem jurisprudential realizada: a actuacao de urn facto gerador de
confianca, em termos que concitem interesse por parte da order(
'
e
fianca gerada — u rn determinado investimento de co nfianca (
4
2 6 )
— de tal forma que a supressao do facto provoque uma iniquidad
e
sem remedio. 0
f a c t u m p r o p r i u m
daria o criterio de impuracao d
a
Esta via, longamente testada por CANm us, fica enriquecida co
rn
muito o vcfp (
4 2 7
). Fique claro, desde ja
que 6 possivel alcancarresultados muito satisfatorios no caminho da concretizacio, embora
nao
se ponha a hipotese de subsuncties clissicas lineares. No que toda aos
factos geradores de confianca , ha que distinguir os naturais dos artificiais;
os naturais resultam da na tureza das coisas; os artificiais criacao do
Direito (
42 8
). A proteccio da confianca gerada por estes tiltimos a regulada
expressamente — pense-se nos efeitos do registo — e, por isso, escapa ao
problema aqui em estudo, embora permita paralelos enriquecidores. Os
factos naturais, pelo contrario, devem ser ponderados a base de principios.
O s
principios que, a face do D ireito civil portugues, permitem
detectar a presenca de um facto gerador de confianca podem
ser induzidos das regras referentes as dedaracoes de vontade, tom
relevancia para a normalidade — art.
236.° /1 — e
o equilibrio —
art.
237.°: o
q u a n t u m
de credibilidade necessario para integrar uma
previsao
de confianca, pot parte do
f a c tu m p r o p r i u m ,
6 pois fungi°
( 4 26)
CANARIS,
Vertrauenshaftung
cit., 338-339
e
510,
p.
ex..
(427)
Cf.
infra, §
49.°.
(428)
ANARIS,
Vertrauenshaftung
cit., 492.
A distincio remonta a
WELLSPACH
ER
Das Vertrauen auf au ssere Tatbestonde im biirgerlichen Recht
(1906), 22 ss. e
58 ss..
uses
rno confiante na obtencao do factor a que se entrega. Obtem-se,
as s
i
tu, o
e
nquadramento objectivo da situacio de confianca. Reque-
re
_ s e
,
porem,
ainda urn elemento subjectivo: o de que o confiante
a
d i
r
a, na realidade, ao facto gerador de confianca. Repare-se, que
b
e
nt poderia suceder, nao obstante a presenca de elementos objectivos
suficientes para justificar a proteccao da co nfianca, que o beneficiario
em potencia,
por razoes especificas, nao tivesse, de facto, confiado
na situacio que se oferecia. Nao cabe, end°, conceder-lhe a
proteccao juridica. 0 Direito portugues di indicacoes importantes
para solucionar, corn facilidade, a configuracao dente elemento subjec-
tivo, visto consagrar, de modo repetido, uma boa fe etica: basta que
o confiante ignore a instabilidade do
fac tum
proprium sem ter desa-
catado os deveres de indagacao que ao caso caibam (
4 2 9
). 0 investi-
mento de confianca, por fim, pode ser sinteticamente explicitado
como a necessidade de, em consequencia do
fa c tum
proprium a que
aderiu, o confiante ter desenvolvido uma actividade tal que o regresso
a
situacio anterior, nao estando vedado de modo especifico, seja
impossivel, em termos de justica. Man ifesta-se, no fundo, aqu i,
mais uma consequencia da natureza subsidiaria da proibicao de
venire contra factum
proprium; outras consequencias prendem-se corn o
afastamento do regime da confianca, sempre que norm as especificas
atribuam, a situacao gerada, quaisquer outros efeitos.
A articulacio destes requisitos entre si nao opera em termos
cumulativos com uns: a falta de algum deles pode ser suprida pela
intensidade especial que assumam os restantes. Neste dominio
como noutros, a concretizacao da boa fe impoe o abandon de subsun-
coes conceptualisticas como m odo de aplicar o Direito. A concate-
nacao elastica em que des se encontram pode ser expressada atraves
da ideia de sistema mO vel, a que se fara oportuna referencia (
4 3 0
) .
O s
requisitos acima a pontados para uma proteccio da confianca,
base de uma proibicao de vcfp, sio reforcados por indicios objectivos
normativos, insuficientes, porem, por si, para uma base juspositiva global
da figura, mas titers, somados aos acima referidos, para a concretizar.
(429)
Cf.
supra,
n.° 50. Este elemento da, ao regime do vcfp, uma elasticidade particular,
Permitindo afastar todos os casos ern que, perante o sistema, a confianca
surja injustificada.
( 43 0 )
Cf.
infra, n.0
119.
760
exerc ic ia inadmissive l de posiOes jurid icas
Deve, assim, entender-se que a protecgao da confianga baseada eni f
a c t o s
e
d
o s
§ 28.° Venire contra factum proprium
61
t i e s
toes deste tipo: pode urn incapaz
venire contra factum pro prium ?
se
houver simulacao, reserva mental, falta de seriedade, falta de
orisciencia ou coaccao fisica, erro, dolo, coaccao moral ou incapa-
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 62/100
para gerarem credibilidade no meio social. Desta forma, a proteccao
resultante da chamada aquisigao pelo registo predial
(
4 3 1
) requer, Coln
f a c . .
tor objectivo de confianca, a inscrigio previa d o direito que o b eneficia
t
o
0 elemento subjectivo
a
r
i a
traduzido pela exigencia da boa fe. 0
V ia
'
timento de confianca exprim e-se na necessidade, para haver protecgae,
de que o acto praticado pelo beneficiirio o tenha sido a titulo oneroso.
A base legal para uma aplicacao da doutrina da confianca,
no
Direito portugues, por forma a vedar o
venire contra factum proprium,
nas suas manifestacoes mais correntes, reside no art. 334.°, e, d
e
entre os elementos previsivos nele enunciados, na boa
fe.
Apresenta-se, para ji, uma justificagio provisOria. A derivagio
histOrico-dogmatica do art.
334..
demonstrou a sua filiagio na doutrina
da terceira sitematica e da segunda codificagio. Nesse espaco juridico,
a boa fe serve de cobertura a doutrina da confianca em geral e ao vcfp
em particular. Por dual razoes: na falta de d isposigio legal expressa, havia
que recorrer, para dar satisfagao as exigencias eticas, psicologicas e
sociolOgicas inerentes a inadmissibilidade de vcfp a urn preceito disponivel
— o § 242
— e que nao implicasse exigencias incomodas como os
§§ 226
e 826; a distincao, melindrosa quanto ao contetido, entre a boa
fe
e os bons costumes, fez-se, embora sem unanimidade, em torn da ideia
de que, na boa fe, regulam-se relagoes especificas entre pessoas, enquanto
os bons costumes tratam o com portamento geral do sujeito, independen-
temente de relagao
(
4 3 2
); ora essa relagao especifica existe no vcfp.
A introdugao, atraves do Codigo Grego, do art.
334.°
representa mass
do que uma m era transposigao de formula sem conteddo; subjaz-lhe,
como se sabe, um a recepcio real da Ciencia juridica que ele representa,
e, corn ela, um certo sentido da boa fe. As mesmas razoes utilitinas
que, noutras doutrinas, levam a distinguir a boa fe dos bons costumes,
recomendam a adopgao da clivagem acima retratada, para alem da simples
derivacao historica. Finalmente as ideias de credibilidade, de normalidade
e de equilibrio, que norteiam, no caso concreto, o vcfp, estao
a s s o c i a d a s ,
desde o
i u s ro ma n um , a bo n a f i d e s ; é
urn dado cultural importante, a nao
minorar na interpretacio dos preceitos que, na actualidade, a consagram.
IV.
A reconducao laboriosa do
venire cont ra fac tum proprium
a
doutrina da confianca e ao principio da boa
fe
nab a pacifica.
Na
base da sua natureza, coloca-se urn problema de regime, corn
(";) Tem-se em 'mine o regime da aquisicao tabular, referido
supra,
461 ss..
(
43 2
) Recorde-se .HuEcx,
Der Treugedauke
odernen Privatrecht
cit ., 9 ss..
ci
da
de
a
cidental, aquando da producao do
f ac tum proprium?
A dou-
trina a uniforme em tomar a previa° de
venire contra factum propriuni
por meramente objectiva: no se requer culpa, por parte do titular
exercente, na ocorrencia da contradicao
( 4 3 3
).
Nao
se pode, contudo,
it tao
longe nessa via que, ao
f ac tum proprium,
se de mais consistencia
d
o
que ao prOprio negOcio juridico: tambern este, afinal e por m aioria
de razao, suscita, no espaco juridico, confianca digna de proteccao e,
nab obstante, cede perante vectores que, em casos determinados, se
apresentem corn peso maior.
A derivacao da proibicao de
venire contra fac tum proprium
a
partir da boa fe implica a natureza legal dos deveres que,
caso a caso, dela promanem
(
4 3 4
). 0 peso da necessidade, acima
apontada, de nao esquecer uma serie de valores acautelados pela
regulacio dos negocios juridicos leva, no entanto, a que o prOprio
CANAR IS, defensor acerrimo da reconducao dos comportamentos con-
traditOrios a violacao da boa fe e da confianca, admita uma
aplicacao tendencial , embora por analogia, das disposicoes referentes
as declaracoes de vontade, a formacao das previsoes de confianca
(
4 3 5 )
e portanto, ao
f ac tum proprium.
A base da analogia, sempre segundo
CANARIS, estaria em que a respondencia pela confianca se deve
participacio no trafego negocial, desempenhando uma funcao seme-
lhante
(
4 3 6
). Mas sendo o
f a c tum p r o p r ium
urn facto voluntario,
ao qual se aplicam as disposicoes respeitantes as declaracOes de von tade,
era inevitivel o aparecimento de teorias que defendessem, no
venire
cont ra fac tum proprium,
a violacao de situac5es de tipo negocial.
Curiosamente, o inevitivel surgiria apenas atraves de WIEL ING
(437 ) .
WIELING
ye no vcfp a perda de uma posigao juridica propria.
« A
perda do direito deve verificar-se porque o titular comportou-se
de
tal modo que a contraparte teve de concluir pela rentincia. 1st° nao
n
3 3 )
c i t . ,
430r3N
/Mtinch-Kamm cit., § 242, n.° 297 (147) e WIELING,
Venire contra factum
proprium
( 4 34 )
E N N . / L E H M A N N ,
SchuldR
1 5
cit., §§
6, IV
e
236, III, 2,
c)
(33 e 959) — note-se,
Porern, que no primeiro dos lugares citados, ENNAEHM ANN reconduzem o vcfp a boa fe,
e .
no segundo, fazem-no aos bons costumes —e FLUME,
AllgTei l
3
cit., §
10, 3 (124).
( 4 35 )
C A N A R I S ,
Vertrauenshaftung
cit ., 451-452.
(436)
C A N A R I S ,
Vertrauenshaftung
cit ., 452.
(9
7
) WIELING,
Venire contra factum proprium and Verschulden gegen sich seibst
cit. (1976).
762
exercfcio inadmissivel de posicoes jurfdicas
mais do que uma ocorrencia juridica negocial atraves de comporta
m
3 8
). Aos argumentos contrarios de
F L U M E —
6 ism ettto
vel a ficcao de declaracoes de rentincia (
4 3 9
) — e de
CANARIS
r
a
o
pode atribuir ao com portamento do titular-exercente o sentido d
§ 28.°Venire contra factutn
proprium
63
e restantes seguidores da doutrina da confianca, as disposicoes legais
concretas que regulam nulidades, impugnabilidades e ilegitimidades
e
fectivamente, contrariadas por certas manifestacOes de vcfp. A ultra-
passagem da-se, porem, por forca da regra da boa fe e do § 24 2. No
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 63/100
e to
,
declaracab negocial, por falta de consciencia da declaracio (
4 4 0 ) - _ _ N y rauti
;
contrapae a inexistencia, salvo nalgumas d ecis8es, de ficcao e a d
e s k
e
4 4 1 )
W tern, no entanto, de enfrentar outro problema: a ser, o
fa
c
h
m
;
proprium,
uma rentincia, como evitar a regra da contratualidad
e
da
r e m i s
ao — § 3 97 BGB e art. 863.°R ? (442) W
.
propOe a consagracio
de uma saida
contra legetn:
a propOsito de vcfp, tem-se ultrapass
a
d
o
4 3
); porque rao admitir frontalmente
a possibilidade de perda unilateral de direitos, tarnbem no Direito das obri-
gag5es? (
4 4 4
). Este 6 o ponto fraco do trabalho de W Para
CANAR/S
( 438)
W I E L I N G ,
Venire contra factum propr ium
cit. , 335.
( 439)
F L U M E ,
AligTeil
cit. §
10 , 3 , 121 ss . (12 3) .
44
°) CANAIUS,
Vertrauenshaftung
cit. , 427-428.
( 441)
W I E L I N G ,
Venire contra factum
proprium cit . , 335.
( 4 4 2 ) W I E L I N G ,
Venire contra factum propr ium
cit. , 338.
( 443)
P. ex., contorna-se a disposicio referente ao calculo de honorarios devidos
a
advogado — BGH 2 6-Out -1955, BGHZ 18 (1955 ), 347 — a disposicio sobre os requisitos
para transmissees a filhos — OGHBrZ 2-Dez.-1948, OGHZ 1 (1949), 284 — ou as prescriceoes
que distribuern as competencias pelos Orgios societarios BGH 21 -Abr.-1960, WM 1960, 805.
( 444)
Este problema, que nio tern concitado estudos recentes, maraca alguma ponders-
Sao. A sua valoracio, a luz do Direito positivo portugues, nio pode ser feita corn a
linearidade que deriva do art. 863.°/1. A natureza contratual da rem inio era considerada,
j i po r D E R N B U R G / B IE R M A / Y N ,
Pandekten7
cit. 1 §
83 a (188), como m era relfquia do Direito
romano. Te ntando uma justificacio para ena natureza, Corm,
Erlass und Verzicht nach dem
BGB
Gruchot 47 (1903), 22 1-287 (22 9), numa posicio que seria retomada por muitos AA.,
imputa a natureza con tratual da remissio a preopria lOgica das relacoes obrigacionais —
cf. DU CHESNE,
Begr ig und Arten des Verzichtes,
AbilrR 42 (1916), 296-318 (296). Dir-se-ia,
ant ic ), qua, undo uma obrigacao urn relac ionar especff ico entre duas pessoas , qualquer
alteracio desse estado so seria possivel corn a intervencio de ambas. Esta construclo
é puramente dogmaticista e postula, alem disso, a inversio consistence no introdurir
escamoteado da premissa indemonstrada, segundo a qual um a rein.% en tre duas pessoas nlo
pode ser alterada por apenas uma delas. A questio da reminds dos direitos em geral analisa-se
em dois pontos, consoante considerada pelo prisma do renunciante o u pelo do beneficiario
eventual da rendncia. 0 princfpio de que os direitos disponfveis podem extinguir-se
Pal
vontade do seu titular deve constituir regra geral do Direito patrim onial privado. Essa
regra radica fundo nos niveis tecnico e significativo-ideoleogico da jussubjectivacio: por um
lado, sendo o direito subjectivo uma perminio normativa, implica, sob pena de se
converter em dever, a hipOtese da nao-actuacio; por outro, visando-se, por enencia, corn a jig.-
subjectivacio, conceder vantagens aos beneficiirios, tern de se possibilitar a rentIncia para nio
subverter a filosofia do sistema, quando factores extrinsecos, casuals ou provocados — como Ma
,
few.
A limpidez do Direito, a todos os niveis , requer que os deveres se apresentem com o
0 art . 6241 CR, quando garante a propriedade privada e a sua transmiss ib i l idade, coin°
haveria, para des, no fundo, o contradizer directo da lei mas, tao so, urn
fen6meno ha muito conhecido pelos juristas mais comedidos: o de
que urn preceito nio se interpreta nem se aplica sozinho, mas antes
direito, assegura, por maioria de razio, a possibilidade de renancia. Tal com o o exercicio do
direito subjectivo 6 individual, no sentido de corresponder a vontade do seu titular, assim a
re
mincia do direito tenderia a se-lo, se pesasse, apenas, a lOgica da junubjectivacio.
porem, que ponderar a s i tuac io do benef ic i ir io eventual da rent inc ia . No sec tor dos
direitos disponiveis, a m esma logica jussubjectiva que postula a possibilidade de desistencia
de urn direito, inclui a inadmissibilidade de bene ficios nit) requeridos ou, pelo menos, nio rec e-
bidos voluntariamente. Este vector sistematico da jussubjectivacio, pouco focado, transpa-
r
a c e ,
corn c lareza, na estrutura contratual da doacao — art . 940 . ° /1— e na necess idade
de aceitacio na sucessio por morte — art. 2032.°/2, 2046.° e 2 049. °/1, p. ex. . Tais exigencias
sio materiais e nio apenas 16gico-conc eptuais: o beneficiario, seja de rentincia, seja de liberali-
dade, pode ter interesses efectivos, materiais ate, como os que se prendem corn a sua
credibilidade no trafego juridico, em acatar a letra as suas obrigaceies ou em nio aceitar, sem
contrapartida, certos beneficios. Mas este vector nio tern, forcosamente, de ser satisfeito por
naturezas contratuais dos actos implicados: em rigor, basta estender a todos a faculdade de
desistencia de posiOes jussubjectivas, para que o beneficiario possa livrar-se da vantagem
indesejada; o Direito regularia, depois, o destino dos bens repudiados, determinando o seu
regresso ao A. da liberalidade ou — com o acontece necessariamentc na sucessio por morte
— a m a passagem a outras pessoas.
Os codigos civis nio consagram, de modo unitario, a possibilidade de renfmcia ou
desistencia a posicoes jussubjectivas; aparecem , na literatura, largo descricoes das virias
modalidades previstas — H. WALSMANN,
Der Verzicht I Allgemeine Grundlagen einer Verzichts-
lehre und Verzicht im Pr ivatrecht
(1912) , 217-308; para uma enumerac io , Coax,
Erlass und
Verzicht
cit ., 249 — corn tentativas de agrupamento — DU CHESNE,
Begriff und Arten des Ver-
zichts
cit. , 313 ss. (318). Ponderando, sem exaustio, o C6digo Civil, no que toca ao Direito
das obrigagoes e a Direitos Reais, pode isolar-se, urn pouco na linha de D U CHESN E,
tree
grupos de formas expressas de desistencia de posicoes jussubjectivas, atendendo a natureza
das posicaes atingidas. Assim: Extinclo de posicoes potestativas: rejeicio da proposta
contratual — art. 233.°, implicitamente; ren6ncia a prescricao — art. 302.
0
/1 e 2 e , tambem,
530
. ° / 2 e 636 . ° /3; rent inc ia a m eios de defesa , quando sejam potestat ivos — art . 637 .
0
/2;
rentincia posterior aos meios proprios do credor — art. 809.°,
a
contrario;
rentincia ao beneficio
da excussio — art. 640.
0
,
a ;
rentincia as garantias, quando sejam potestativas — art. 867.°;
Extincio de posicoes relativas, obrigacionais ou associativas: renfincia a procuracbo —
art. 365.0/1 e 1179.° — e sua revogacio — art 265.0/2; rejeicio, pelo terceiro, da promessa
a seu favor — art. 447.° /1; rentincia a solidariedade, a favor de urn ou mais devedores
art. 527.0; remincia a meios de defesa quando sejam relativos — art. 637.
0
/2; renfincia
Posterior aos meios proprios do credor, quando sejam re lativos — art. 809.
0
, a
contrario;
remissio — art. 863.° ss.; rerninc ia as garantias, quando sejam relativas — art. 867.
0
; exonera-
dio das soc iedades — art . 1002. ° ; revogacbo do mandato — art . 1170 . ° /1; des istenc ia da
empreitada — art. 1229.0;
c
Extinclo de direitos reais: renimcia a consignacio de renclimentos
765
64
exercicio inadmissivfl de posiciies juridicas
em conj unto corn todos aqueles que, ao caso, tenham aplicacao.
Quando, pois, ocorra uma ilegitimidade, nao deve aplicar-se, isolado,
o artigo que comina a nulidade mas, em simultaneo, o que manda proce-
der de boa
16.
E se o resultado final nao for a nulidade, nao ha que falar
§ 28.° Venire contra facturn proprium
contra a disposicao que, corn pouco vigor e em desconexao corn outros
preceitos, consagra ainda, nalguns c6digos da actualidade, a natureza
c
ontratual da re (
4 4 5
): mantendo os exemplos acima apresentados
e evitando sofismas, rema-se contra os preceitos que estatuiem as conse-
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 64/100
em saidas
contra legem:
houve, tart so uma aplicagao integral de todos
os preceitos respeitantes ao caso. P ara W ., porem, a solucao implica ulna
complementacao juridica verdadeiramente
contra l egem.
E nao apena
s
— art. 663.
0
/3; rentincia ao penhor — art. 677.°, aplicavel a retencao, pelos arts. 758.0
e
real — art. 867. °; extincio da posse por abandono — art. 1267.0/1, a); rentincia ao direito sobre
muro ou parede comum — art. 1375. °/5; rentincia a comunhao — art. 1411.°; rentincia ao
usufruto — art. 1476.°/1,
e),
aplicivel ao use e habitacio,
ex
vi art . 1485.0; rentincia
servidio, art . 1569.°/1,
d) .
Atente-se, agora, no modo de funcionamento das extincoes citadas.
Nos direitos reais, a renfincia a sempre unilateral, seja por cominacao legal expressa — art. 73(0,
aplicavel arts demais direitos reais de garantia por remissiies legais
sucessivas,
art . 663,0,
677.
0
, 758.° e 759.
0
/3 — seja por cominacio legal implfcita — art. 1411.
0
, aplicavel ao
1375. °/5 — seja por m aioria de razao, nos casos restantes. 0 regime estende-se I propriedade
— MENEZES CORDEIRO,
D. Reais
cit., 2, 783-786;
O LIVEIRA
A S C E N S A O ,
D. Reais
4
cit., 316-317
— e tende a ser explicado pela situacio de independencia em que se encontra o beneficiario do
direito real, face a quaisquer intermediir ios— A. BErroN,
Theorie generale de la renonciat ion
aux droits reels,
RTDC 1928, 280 . Nas posicoes potestativas, a rentincia 6, da mesma forma,
sempre unilateral, seja, tambem, por cominacao legal expressa — art. 265. °/2, 302. °/2 e 640.°/a)
—
ou implfcita — art. 233.
0
. A generalizacio a todas as posicoes potestativas flirt oferece clvi-
das, pois, tal como nos direitos reais, o direito potestativo nab tern contraparte. 0 regime
da rentincia, nas situacaes relativas, a mais duvidoso. 0 C6cligo determina a natureza con-
tratual da remiss
-
ao, em termos indubitiveis — art. 863.0. Mas a rejeicao, por terceiro,
de promessa a seu favor, corn o efeito prick°
de
exonerar o promitente dum debito
que ji the assistia —444.
0
/1 — e unilateral —447.
0
/2. Do mesmo modo a rentincia I solidarie-
dade — corn o efeito de sujeitar o devedor a uma prestacio menor, dada a natureza das
obrigacoes subjectivamente complexas,
MENEZES CORDEIRO,
D. Obrigaciies cit . ,
1, 384-386
— e
unilateral, como resulta do cotejo entre os arts. 527.° e 864.°. Tambem a rentincia
procuracao e a sua revogacio, a exoneracio de sociedades, a revogaclo do mandato e a
desistencia da empreitada — que liberam as contrapartes dos deveres correspondentes — sac,
unilaterais, como se infere dos arts. 265.
0
/1 e 2, 1002.
0
, 1170.
0
/1 e 122 9. °. As g arantias pessoais,
pelo paralelo corn as reais, pela forma indiferenciada por que a lei, conjuntamente corn
as reais, as refere — art. 867.0 — e pelo fa cto de, em relacao a elas, utilizar, corn clareza, o termo
orenusnciao e nao gremissaco, extinguem-se, tamb6m, de modo unilateral; tal como nas garantias
reais, ha urn beneficiario imediato, que nit) deu o seu assentimento. Pode, pois, conduit-se;
a desistencia 6 uma faculdade geral que acompanha todos os direitos subjectivos disponfveis;
sempre que a lei flirt disponha de outra forma, mesmo nas posicoes relativas, ela funciona
de modo puramente unilateral. Nesse sentido concluiram, alias,
COHN,
Erlass and Verzicht
cit., 287 e WALsEtENN,
Der Verzi ch t
cit., 215.
Todo o sistema tern de ser revisto. Ha, de facto, urn vector derivado da logica
jussubjectiva que im p& a aquiescencia do beneficiario, sempre que the sejam atribuidas
cer tas
vantagens. Mas esse vector traduz-se, apenas, na possibilidade de o beneficiario renunciar, pot
quencias da contraditoriedade a lei, da ilegitimidade e da incom petencia
organica, no seio das sociedades. W. acusa as saidas corn recurso is
boa fe de semearem a inseguranca, por servirem o «contomar incontro-
lado de disposicoes legais) (
4 4 6
). Mas nao: a inseguranca alegada seria bem
major se, no referido contomar, nem houvesse a directriz dada pelo prin-
cipio da boa fe.
V. W procede, ainda, a uma interessante aproximacao entre
o vcfp e a culpa contra si pr6prio (
4 4 7
), resumida como segue.
seu turn, is posicoes que the sejam concedidas, extinguindo os direitos que as exprimam ou
as englobem. Em todos os casos de rentincia, excepto no abandono de coisas 'novels,
como se infere do art. 1318.
0
, em que estas ficam
nullius —na
rentIncia a lino:Weis, da-se
uma reversio pars o Estado, segundo o art . 1345.°, a
fort iori,
o qual tact tern de dar qualquer
assentimento — hi sempre um beneficiario directo; apenas nas obrigacoes comuns, por6m,
a renfincia — rem issio — tem natureza contratual.
Na natureza contratual da remissio, o COdigo cedeu I tradicio cultural romana, tendo
ainda em conta os interesses muito vivos que, nests zona, podem levar o devedor a querer
prescindir da vantagem —
VAZ SERRA,
Remiss io, reconhecimento negativo de div ida e contrato extin-
tivo da relactio obrigacional bilateral,
BMJ 4 3 (1954), 6 . Estes poderiam ter sido salvaguardados
corn a adopcio do esquema italiano — art. 1236 C. it. — o qual postula uma remissio
unilateral, podendo ser recusada pelo devedor —
PERLINGIERI, Il
fenomeno dell'est inzione ?idle
obbligazioni
(1971), 91-92;
TILOCCA,
Remission del debito,
NssDI 15, 402 ss.;
MENEZES COR-
DEIRO, D.
Obrigacdes
cit., 2, 234.
0 vector• jussubjectivo que requer a nao atr ibuicio de beneffcios, sem o assentimento
do interessado, deve ser posto em causa. Isso nit) implica a ruptura do sistema, uma vez que a
faculdade de rentincia se mantem, por igual, no beneficiario. Corresponde, porem, a urn
esmorecer de uma certa feicao radical e fraccionista do jussubjectivismo e permite a consagracio,
corn caricter de generalidade — apesar da tipicidade legal aparente — dos actos unilaterais e
dos contratos a favor de terceiro, de relevo social importante —
MENEZES CORDEIRO,
D. ObrigaitTes ci t. ,
1, 555-562 e 535-538 — em detriment° do ch. principio do contrato, pelo
qual so de mutuo acordo poderiam surgir relac5es voluntarias entre as partes.
0 reconhecimento de que, por regra, as posicoes jussubjectivas se extinguern pela
vontade unilateral do beneficiario e a constatacbo das alteracoes registadas no concatenar
da sistematica baseada no direito subjectivo, reforcada pelo enfraquecimento do ch. principio
do, contrato, leva a admitir, como possivel, a consagracbo de formulas nao contratuais de extin-
cao de obrigacties, ao lado da remiss
-
ao. Requer-se, apenas, que, do contexto, nao seja esta a
figura aplicavel.
("
5
) Toma-se duvidoso, como se viu na nota anterior, que assim suceda, imperiosa-
mente, no C6digo Civil portuguEs.
( 4 4 6)
WIELING,
Venire contra factum proprium
cit ., 342.
(447)
WIELING,
Venire contra factum proprium
cit ., 345-352.
60
766
exercicio inadmiss ivel de posiceies jar idicas
0 Direito civil consagra situageies de encargo (
4 4 8
), i. e, deveres
de
comportamento que, funcionando em bora tambem n o interesse de outr
a n
4
4 9 )
.
§ 28.° .Venire
contra factum proprium
67
trata-se de um a modalidade de adstricao que, nao podendo ser concre-
tizada por via judicial, nao se reduz aos deveres comuns mas que, surgindo
acompanhada de sancOes particulares, tambem nao 6 um a obrigacao natu-
ral. 0 tipo de sancio, ligado, de modo directo, ao comportamento do
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 65/100
a s ,
o
apesar de nao tao rico, neste aspecto, como o alemao, possibilita algu
n s
ao vendedor o vicio ou a falta de qualidade da coisa, salvo dolo dente;
a dentincia deve ter lugar dentro de certos prazos 916.°/2.
E s e
nao
for feita? Nessa altura, caduca a accao de anulaga o por erro — 917...
Repare-se que o «clever» de denunciar vicios ou falta de qualidades da coisa
vendida, dentro de certo prazo, 6 instituido no interesse do vended or
que, desta forma, nao fica indefinidamente sujeito a que, por tais
falhas, the sejam pedidas contas; ek nao pode, porem, exigir o cumpri-
mento desse *dever* um a vez que a sanclo estabelecida tem natureza
diversa
( 4 5 0 ) .
Ha dtividas quanto a natureza desta figura: segundo a
teoria da vinculacao (
4 5 1
), o encargo seria urn dever juridico de sail*
enfraquecida; a teoria do encargo (
4 52
), dita dominante, entende que
existe aqui uma figura aut6noma: o onerado nao esti adstrito ao
comportamento prescrito, devendo satisfazer o encargo no seu interesse.
Esta Ultima afirmacao nao 6, alias, de subscrever por inteiro: estivesse
em causa, apenas, o interesse do onerado, nao hav eria que falar em encargo
mas em onus (
4 5 3
) . Nao obstante, 6 de acolher a teoria do encargo:
( 448 )
Utiliza-se a express
-
o vencargoo para significar a
Obliegenheit.
Nao se confunda
encargo corn onu s; este — que a doutrina alema recente, num esforco correcto de defirnitacio,
circunscreve ao processo nao traduz urn dever no proprio interesse mas antes, como E sabido,
tuna pen:nisei° na adopt
-
o de certa conduta, cond uta essa, porOm, que deve ser exercida para
obtencio de certa vantagem, facultativa tambem, naturalmente.
(449)
REIMER
SCHMIDT,
Die O bligenheiten
(1953), 10 4 e 314 . A expressio e o seu contetido
foram originados no Direito dos seguros tendo, a partir daf, lido generalizados ao Direito
civil, coerce da investigacio de R.
SCHMIDT;
tambim
LARENZ,
SchuldRIATI
3
cit., 179
e
chuldRis cit . , §
3, II (14).
( 450 )
Outros exemplos de encargos encontram-se nos arts. 921.
0
/3 e 4, 925.
0
/2 e 3 —
estas disposicoes aplicam-se aos demais contratos onerosos, por forca do art. 939. ° — e 1033.%
Urn caso tfpico estaria consignado no art. 229.0/1 , caso o dever de avisar of consagrado,
em vez de estatuir a responsabilidade do proponent; m andasse considerar eficaz a aceitacio
tardia, como faz o § 149 BGB; o C6digo instituiu, assim, apenas um dever comum.
(451)
Defendida por
FIKENTSCIHER,
SchuldR
6
cit, §
16 II 2 b (49).
( 4 5 2 )
Defendida por
LARENZ,
SchuldRIATI
3
cit., 495
2
e AllgTeils cit . , 179, por
WIELING,
Venire contra factum proprium
cit., 347 e por
GituNsrY I
Manch-Komm c i t ., §
254,
n.° 2 (344).
( 453 )
Nao se inverta a questa°, como
WIELING
parece fazer, em
Venire contra faction
proprium
cit., 348, afirmando que o beneficiario nao tem qualquer interesse na concretizacl°
tempestiva do encargo; o interesse do beneficiario esti na constituicio do encargo, embora
atinja um maxima de satisfacbo no caso do nao acatamento.
adstrito, justifica bem a designacao de encargo. A ssentes estas nocaes,
diz-se aculpa contra si proprio* a *culpa* que o D ireito exija, no nao
acatar dos encargos, para a actuaca o das sancoes respectivas; simplesmente
resultando, da *culpa* em causa, uma vantagem im ediata para a contra-
parte, dado o funcionamento dos encargos, nao cabe falar num juizo
de reprovaclo legal associado a certo facto causador de danos (
4 54
) .
A tculpa contra si pr6prio* nao 6, assim, culpa em sentido tecnico;
W. recondu-la a urn vcfp: o onerado, nao acatando, por sua vontade,
o encargo, nao pode, depois, pretender, sem contradicao, exercer, em toda
a plenitude, o seu direito (
4 55
) .
Esta tentativa de
WIELING
de reconduzir a culpa co ntra si prOprico
ao vcfp a um exemplo excelente de como a maleabilidade figurativa lin-
guistica pode, dentro da m esma ordem juridica, cindir fen6menos
pr6ximos ou aproxim ar ocorrencias longinquas. Surgem, porem, difi-
culdades. 0 nao ac atamento de encargos tem a v er, nv essential, pelo
prisma das sancOes respectivas, corn o desrespeito de prazos de caducidade.
Perante estes, W diria simplesmente que o nao exercicio de urn
direito, dentro do prazo de caducidade, 6 uma rentincia unilateral; a ten-
tativa intempestiva de exercicio 6, entao, urn vcfp. Mas, pelo Direito
alemao como pelo portugues, nao se aplica, 3 caducidade, o regime
prOprio das declarageks de vontade — art. 328 .° ss.. A transposicao da
«culpa contra si proprio
,
para o Direito legislado portugues levanta,
tambem, dificuldades. Ao contrario do que sucede corn o BGB e, ainda
este, apenas nalguns casos (
4 56
), o C6digo portugues nao fala, a prop&
silo de encargos, em culpa pr6pria. Retomando o exemplo acima
referido do art. 916.0: se o comprador, tendo conhecimento do vicio,
nao puder, contra sua vontade, denuncia-lo ao vendedor dentro do
prazo legal,
quid iuris?
A
lei classifica o prazo como de caducidade
— art. 917.°; o regime desta 6 rigido, nao prevendo, em geral, solucties
que contemplem o problema focado — art. 328... Sendo assim, 6 de adm i-
tir o decurso dos prazos referidos no art. 91642 como imperturbavel
por ausencia de *culpa propria.•. Naturalmente, se por facto imputivel
ao vendedor ou a terceiro, o comprador nao puder acatar o «clever*
de dentincia, no prazo legal, nao fica indefeso: cabe-lhe a accio de inde-
nmizacio contra o responsivel, podendo mesmo, verificados os pressupostos
respectivos, ser bloqueado, por exercicio inadmissivel p. ex., por vcfp
— a aleggio da caducidade, por parte do vendedor. 0 fink° caso claro
de *culpa contra si proprio*, no C 6digo, seria o do art. 570.0. Essa
(454)
Mantem-se a nor
e
lo de culpa fixada em
MENEZES CORDE/I0,
D. Obrigages
cit.,
2, 30
8. Qualquer outra das versbes em yoga permitia, porim, alcanor resultados similares.
(4
9
WIELING,
Venire contra factum proprium
cit., 349, 351 e 352.
(
456
)Wmmo,
Venire contra factum
proprium cit., 347.
§ 28. ° Venire contra factum proprium
69
inovar, as teses de WIEL ING sobre a negociabilidade do v cfp, e que sera
apreciado de seguida; urn n ivel sistematico onde J.
SCH., a pretext° de
uma geografia nova, altera, de modo informe, uma paisagem que nao
exerc ic io inadmiss i ve l de pos ic5es j ur id i cas
disposicao nao se reporta, porem, nem a culpa ern sentido pr6prio, nern,
proprium (
4 5 7
).
necessariamente, a urn acto humano, b ase minima de qualquer
factum
VI. A tentativa de
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 66/100
substitui. J. Sur. partira, na sua exposicao sobre boa fe, do pressuposto
de que esta surge de tal forma carecida de concretizacao que nao
ela propria, qualquer criterio de ordenacio interim ( 4 6 2
). Mas este pressu-
posto nao se aplica aos actos negociais ou, pelo menos, J. Sm. nem
justifica nem afirma tal assercao. Ao repartir os casos de vcfp em torn
duma dinamica empirica do direito subjectivo, indiferente ao facto de
ter de repetir-se, quer na pro/36a expressio vcfp, quer nos argumentos
para a sua negocializacao, J. Sof. vai longe d e mais: exagera.
VII. A decislo Ultima sobre a valia da reconducao do
venire
contra factum proprium
ao desrespeito de actos juridicos depende da
posicao assumida quanto aos comportamentos concludentes como
modo de manifestar uma vontade negocial.
0 problema analisa-se em dois pontos: na un ivocidade do prOprio
comportamento em si, capaz de motivar, por isso, a confianca da
contraparte e n a consciencia da declaracao que de, ao comportamento,
o sentido de uma autonomia efectiva. Na falta de tal consciencia,
quaisquer efeitos que se atribuam as atitudes das pessoas nao exprim em
ji a autonomia privada do prOprio mas, tao só, a tutela da confianca
de terceiroS. Viu-se como
WIELING,
intuindo o escolho, se apressou
a afastar a consciencia da declaracao como requisito negocial. Ainda
quando discutido na Alemanha, esse tema foi decidido, no born
sentido, pelo legislador portugues: sem consciencia da declaracao nao
hi exteriorizacao negocial (
4 6 3
). Fazer, dela, depender o
venire contra
f ac tum
proprium, entao assumido como inacatamento de urn negOcio
comum, tiraria, a figura, qualquer interesse e nao corresponderia
dinamica jurisprudential analisada, que ponders a situacao do con-
fiante. Tanto basta para afastar as orientacoes negociais.
A proibicao de ven i re con tra fac tum p ropr i um
representa urn mod o
de exprimir a reprovacao por exercicios inadmissiveis de direitos e
posicoes juridicas. Perante comportamentos contraditOrios, a ordem
juridica nao visa a manutencao do
s t a t us
gerado pela primeira actuacao,
que o Direito nao reconheceu, mas antes a proteccao da pessoa que
teve por boa, corn justificacao, a actuacao em causa. 0
factum pro-
prium
impoe-se nao como expressao da regra
pacta sunt servanda,
(462)
STA UD INGER /SCHMID T, BGB
12
cit., n.° 168 (68).
(463)
Art. 246.9; cf.
supra, 643 ss..
W IELING
teve um certo acolhimento na
l tima edicao do comentario de
STAUDINGER.
Al,
ega,
ucessivamente, que o vcf
.
SCHMIDT
p possa traduzir, com expressio
oa
fe,
ovas previsoes de constituicao de direitos subjec
o
tivos, novas da
pr
egativas
—
. é
impeditivas — dessa con stituica
visti
o e n ovas previsoees
s
e modificacao de direitos. No primeiro caso,
ser irrelevante
CH MIDT
proclama
co
ara a constituicao de direitos, a nature
J .
SCHMID
contradit6ria
m si dos dois mportamen tos ou o alcangar de previsoes
a
de confianca;
decisiva 6 a formacao, atraves do primeiro comportamento, de urna
adstricao juridica do titular exercente (
4 58
). 0 segundo, que J.
SCHMIDT
xemplifica corn OL G K oln,
8
-Nov.-1972 (
4 59
) , tern a ver corn a don-
ina geral das declaracoes de vontade (
4 8
9. 0 terceiro dispensa i gual-
mente o recurso ao § 242 e ao vcfp: os problemas ai incluidos
sac) explicados, corn vantagem, atraves da doutrina negocial, tal
cl como
ropeie
W IELING (
461
).
Na aparencia, J.
SCH MIDT
segue a linha de WILLING, reconduzindo
a autonomia privada e ao seu poder vinculativo os casos agrupados sob
a sigla vcfp. W. mantem, contudo, uma sisteica ordda
ftingao dos comportamentos contraclitdrios, que e
mit
nriquece, a
ena
lias, corn
em
o acrescento da ch. culpa contra si proprio; permite uma aproximaca
entre fen6menos que, embora redu dveis, pela sua 6ptica, ao Campo m ais
vasto da autonomia privada, tern, ainda, especif icidad
es
em comum.
orn J.
SCHMIDT,
as quesdies reunicias como vc fp repartem-se em tomo
de tuna dinamica descritiva centrada no d ireito subjectivo. Sem projeccao
domitica — nao informa solucoes — e sem papel sistemitico — n ao
agrupa solucoes informadas pela autonomia privada — o vcfp dissolve-se
e desaparece.
A orientacao irnprimid
a
por J.
SCH MIDT
ao
diSSiC0 STAUDINGERS'
omm, no tocante a boa
fe,
exige uma apreciagao global, a fazer
oportunamente. No que respeita ao vcfp, notam-se dois niveis de
desenvolvimento. Urn nivel dogmatic°, em que J.
SCH.
retoma, sem
(457)
0
art.
570.0,
mantido em homenagem
I
velha figura da ecompensacio de
culpasa tern a ver, como ji se havia observado em Mar zEs CoRDEnto,
D.
Obrigacjes cit.,
, 409,
mais corn a delimitacao de danos, i.
é,
corn o saber ate que ponto des devens
ser
imputados ao agente, do que corn juizos de censura a forrnular contra o lesado.
(458)
SuuDINGER/Scitiapz
BGB
12
cit., n.°
560 (189).
A
vinculacio ao primeiro com-
portamento nao depende, naturalmente, da contradicao posterior e, no momento initial, pode
nao haver que falar em confianca.
(459)
MDR.
1973, 314.
(460)
(461)
i
STA UD INGER /SCHMID T,
BGB
12
Cit.
n.°
595-596 (19697).
STAUDINGER/SCHMIDT,
BGB
12
Cit.,
n.°
600-601 (199),
maxima.
770
exercicio inadmissivel de posifaes juridicas
mas por exprimir, na sua continuidade, um factor acautelado p
e l
a
venire
cont ra fac tum proprium
correspondem ao cenirio, acima bo squejado,
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 67/100
a propOsito da concretizacao da doutrina da confianca. Exceptua-se
urn grupo m arginal de situagoes, em q ue aflora o principio da
materialidade das regulacoes juridicas, conectado, tamb6m, com
a
o quoque.
0 tipo de exercicio inadm issivel de posicoes juridicas,
insito
nos com portamentos contraditOrios
e,
porem, muito extenso. El
e
dade, com dificuldades imaginiveis na obtencao de solucoes novas.
Embora vocacionado para resolver casos concretos, sempre que nao
seja afastado, ele nao pode ter em conta as especificidade
s
de
todas as hipOteses multiplas que, para ele, apelem, deixando, nessa
medida, um espaco largo a decisao do interprete-aplicador. 0 esta-
belecer de linhas dedutivas corn base no
venire contra factum proprium
6, em particular, inviavel. Corn atencao a novos elementos perifericos
constitutivos e enriquecedores do tema em estudo, ha que procurar
tipos mais restritos de regulacoes de actos inadmissiveis e ver em que
medida eles corroboram ou
infiectem
as linhas depreendidas dos
comportamentos contraditOrios.
s 2 9 . °
A INALEGABILIDADE DE NULIDADES FORMATS
7 2 .
0
dado jurisprudencial; necessidade de recurso a ideia
de sistema novel
I .
As ordens juridicas da actualidade vivem, em teoria, domi-
nadas pelo principio da consensualidade na formacao dos actos
ju
ridicos: a simples exteriorizacao da vontade das pessoas, efectuada
por qualquer meio idOneo, 6 suficiente para integrar as previseies
normativas relacionadas corn a autonomia privada. 0 Direito requer,
contudo, em sectores delimitados, formas especificas, normalmente
solenes, para a dimanacao de declaracoes negociais
(464
). Quando a
forma prescrita
no
seja assumida nas declaraceies das partes, o Direito
nega-lhe, salvas excepcoes, o reconhecimento juridico, cominando
a nulidade. Nesse sentido dispeie o art. 220.°. Nao obstante as
apregoadas
justificac5es
da forma legal, quando prescrita — a reflexao
das partes, a facilidade de prova e a pub licidade — o seu desrespeito
nao concita, nos niveis 6tico, psicolOgico e social, a reprovacao
en6rgica que o Direito the conecta. As mesmas
razoes extra-juri-
dicas
que se viu m ilitarem no sentido da proibicao de
venire contra
fac tum propr ium
(465)
incitam, na sociedade, ao cumprimento dos
negOcios livremente celebrados, ainda que sem observancia da forma
legal. A desconsideracao com um pelos valores juridicos associados
a forma
6
agravada pelo arcaismo dos regimes modernos, no tocante
ao sistema da sua prescricao: oneram -se actos de relevo social e
economic° em
regressio, enquanto
outros, da maior importancia,
se mantem consensuais.
Pode, pois, falar-se de pressao sobre o dispositivo legal que
prescreve as nulidades formais. Essa pressao acentua-se por forca
do prOprio regime da nulidade, no que toca a sua alegaca'o:
qualquer interessado pode faze-lo — art.
286. 0
. No
limite uma pessoa
pode, com dolo ate, induzir outra a celebrar urn negOcio sem a forma
(4
) Cf.
MENEZES CORDEIRO,
D.
Obtigatiks cit . , 1,
415.
(465
) Cf.
supra, 750-751.
770
0
xercicio inadmissivel de po sifees juridicas
mas por exprimir, na sua continuidade, urn factor acautelado p
e i
a
venire
contra factum
proprium correspondem ao cenario, acima bosquejado,
a proposito da concretizacao da doutrina da confianca. Exceptua-s
e
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 68/100
materialidade das regulaceies juridicas, conectado, tambern, corn a
boa fe e patente no
to quoque.
0 tipo de exercicio inadmissivel de posicoes juridicas, insito
nos comportamentos contraditOrios é, porem, muito extenso. El
e
dade, corn dificuldades imaginiveis na obtencao de solucoes novas.
Embora v ocacionado para resolver casos concretos, sempre que
nao
seja afastado, ele nao pode ter em conta as especificidades de
todas as hipO teses miiltiplas que, para ele, apelem, deixando, nessa
medida, urn espaco largo a decisao do interprete-aplicador. 0 esta-
belecer de linhas dedutivas corn base no
venire contra factum
proprium
é, em particular, inviivel. Corn atencao a novos elementos perifericos
constitutivos e enriquecedores do tema em estudo, ha que procurar
tipos mais restritos de regulacoes de actos inadmissiveis e ver em que
medida des corroboram ou inflectem as linhas depreendidas dos
comportamentos contraditOrios.
s 29.° A INALEGABILIDADE DE NULMADES FORMALS
7 2 .
0 dado jurisprudencial; necessidade de recurso It ideia
de sistema move
I.
As ordens juridicas da actualidade vivem, em teoria, domi-
nadas pelo principio da consensualidade na formacao dos actos
juridicos: a simples exteriorizacao da vontade das pessoas, efectuada
por qualquer meio idOneo, a suficiente para integrar as previfoes
normativas relacionadas corn a autonom ia privada. 0 D ireito requer,
contudo, em sectores delirnitados, formas especificas, normalmente
solenes, para a dimanacao de dedaracCies negociais
(
464
). Quando a
forma prescrita nao seja assumida nas declaracoes das partes, o Direito
nega-lhe, salvas excepcoes, o reconhecimento juridico, commando
a nulidade. Nesse sentido dispoe o art. 220.0. Nao obstante as
apregoadas justificacoes da forma legal, quando prescrita — a reflexao
das partes, a facilidade de prova e a publicidade — o seu desrespeito
nao concita, nos niveis etico, psicolOgico e social, a reprovacao
energica que o Direito the conecta. As mesmas razoes extra-juri-
dicas que se viu militarem no sentido da proibicio de
venire
c o n t r a
f a c t u m
propr ium
(
465
incitam, na sociedade, ao cumprimento dos
negOcios livremente celebrados, ainda que sem observancia da forma
legal. A desconsideracao comum pelos valores juridicos associados
a forma
6
agravada pelo arcaismo dos regimes mod ernos, no tocante
ao sisterna da sua prescricao: oneram-se actos de relevo social e
economic° em regressio, enquanto outros, da m aior importancia,
se mantem consensuais.
Pode, pois, falar-se de pressio sobre o dispositivo legal que
prescreve as nulidades formais. Essa pressao acentua-se por forca
do prOprio regime da nulidade, no que toca a sua alegacao:
qualquer interessado pode faze-lo — art. 286.0. No limite uma pessoa
pode,
corn
Bolo ate, induzir outra a celebrar urn negOcio sem a forma
(4 64 )
Cf.
MENEZES CORDER°,
D. Obrigaples cit., 1,
415.
(4 65 )
Cf.
supra,
750-751.
7 7 2 exercicio inadm iss ivel de posicoes jur idicas
9.0 A inalegabil idade de nulidades formals
7 3
prescrita, retirar, da aparencia dal emergente, os beneficios que the
aprouver e, em qualquer momento que the convenha, alegar a
n u l i d a d e .
Desde o antigo Direito romano, todo o progresso juridico
Em termos conceptuais, estas disposicoes e a evolucao que deno-
tam tanto podem representar o enfraquecimento geral das nulidades
formais, como o seu fortalecer nas areas onde, deliberadamente, o legis-
lador nao queira intervir.
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 69/100
tem operado contra o formalismo, na busca de solucaes materials
verdadeiras
( 4 6 6
)
.
0 combate nao esti ganho, embora se deva reconhe-
cer a possibilidade da permanencia justificada de urn minimo de forma ,
em casos especificos. Entendem-no, pelo m enos, os Codigos, em ter-
mos que no deixam dtividas.
II. As injusticas resultantes, em certos casos, da nulidade
formal, tern levado o Direito a, de urn modo ou doutro, intervir
para minorar o problema. Desaparecido o negocio, as partes no
ficam desamparadas no que, ao seu abrigo, hajam prestado: assistem-
-lhes pretensOes de restituicao, tratadas, em termos aperfeicoados,
com autonomia, pelo art. 289...
0 Direito portugues conhece outros meios de minorar o
ius
s t r i c t u m
das nulidades formais. Assim, a lei exceptua, ao regime d a
forma, boa parte das ch. estipulaceies acessOrias — art. 221.0 ; admite que
o sentido da declaracao possa ter apenas um minimo de correspondencia
no documento requerido pelo regime formal ou, ate, nem ter qualquer
correspondencia — art. 238 .0, 1 / e 2/; aceita a conversio de negocios
nulos, corn viabilidade, pois, de passagem para negocio coin requisitos
formais menos rigorosos (
4 6 7
) — art. 293.0; limita, por fim, em dispo-
siciies extravagantes, as possibilidades de arguicao de certas nulidades
formais ( 4 6 8 ).
(466)
LORENZ,
Das Problem der Aufrechterhal tung formichtiger Schuldvertrage,
AcP 156
(1957), 381-413 (385-398) e Cam,
Form und Bi l l igkei t im modernen Privatrecht,
DNotT 1965,
2 9 - 5 0 ( 2 9 - 3 0 ) .
(467)
Este dispositivo tern o major relevo pritico, no direito portugues, para ressalvar,
em
termos de justica material, negocios nulos por carencia de forma. Assim sucede, designa-
damente, no dominio da alienacio de imO veis, feita por escrito particular: possibilita-se a sua
reducio em contratos-promessa — art. 293.° — e depois, disso sendo caso, a execuclo especifica
d e s t e s — a r t . 8 3 0 . * .
( 4
") A nulidade form al de arrendamentos para com ercio, indastria ou exercicio de
prof ssio liberal, sujeitos a escritura p6blica, so a arguivel pelo locatario — art. 1029.
0
/3,
redaccio do DL n.° 67/75, de 19 d e Fevereiro; o mesmo ocorre corn a nulidade formal
do arrendamento urban para habitacia, sujeito a escrito, — art. 1. °/1 do DL n.* 188/76, de
1 2 d e M a r c o ; c f .
MENEZES CORDEMO,
Arrendameuto,
Enc. Polis (1983). Ficou, pois, legalmente
esclarecido que a enulidadas em causa nestas duas situac5es nao pode ser constatada, de
°Brio, pelo tribunal, nem arguida por qualquer terceiro. Tambem o DL n.° 236/80 , de
18 de Julho, no seu art. 1 .0, ao pretender introduzir urn regime especffico no contrato-promessa
No caso concreto, as apregoadas razoes justificativas da forma
podem mostrar-se salvaguardadas. A soluclo mais perfeita para
suprimir os inconvenientes da nulidade seria, como se adivinha,
a manutencao do acto nulo por vicio de forma, ainda que numa
saida
cont ra legem.
0 que foi tentado, no ambito da segunda
codificacao, atraves da
except io doli.
As disposicoes legais que impoem, nos codigos moderns, a nulidade
por falta de forma — no BG B, o § 125 — nao consentem
excepcees
que nao as previstas na prOpria lei — art. 220... A possibilidade de
recurso I
exceptio doli 6,
porem, em teoria, universal , desde que o
Direito justinianeu aboliu, na realidade, a clivagem entre
bonae f ide i e
stricti iuris iudicia: a exceptio nao tern de constar da formula para
ser actuada; to pouco deve ser inserida em todos os preceitos legais que
possam ser utilizados contra a boa
fe.
0 emprego da
exceptio perante nulidades formais, contrariando,
de modo frontal, a vontade do legislador ( 4 6 9
) nao foi conseguido sem
hesitacoes ( 4 7 0 ). Inicialmente, o RG entendeu que sonde intervenham
prescricties de forma, nao pode, quando essas prescricoes nab devam
conservar o seu sentido de outro modo, ser concedido o recurso I
de compra e venda para h abitacio, tera querido estabelecer uma nulidade formal so arguivel
pelo prornitente-comprador. Esse diploma adesastradoss — ArrruNes
VARELA,
D. das Obrigacdes
4
cit., 270 — entendeu desviar-se da linguagem utilizada pelos DL n.° 67/75 e 188/76; assim,
vem diner que o vicio formal nele tratado n
-
o pode ser arguido pelo promitente-vendedor,
obrigando a uma interpretacio correctiva para se concluir, corn as duvidas inerentes a este
procedimento, que o vicio em causa trio pode ser, tambem, constatado de officio pelo tribunal
ou arguido por qualquer terceiro interessado. Cf. MENEZES CORDEIRO, 0
nova reg i me do
contrato-promessa,
BMJ 30 6 (1981) , n . ° 3 .
(469)
Motive ci t . ,
1, 183: oQuando para negocios singulares se encontre prescrita uma
forma especial, isso basta para considerar que as raz5es para a necessidade da observincia
da forma pesam mais do que a consideracio pelo dever 6tico da palavra dada,. Cf., ainda
Conic,
Formun d Bi l l igkeit
cit., 33 — segundo o qual o legislador apenas quis, no § 242, reforcar
as vinculacoes, tal como fez o art. 1134 do Cod. Napolelo e nao limitar o § 125 —
e D.
REINICKE,
Rechtsfolgen formwidrig abgeschlossener VertrOge
(1969), 29-30, q ue refere a justi-
ficacio de motivos.
( 4 7 0 )
SToRMER, Die sog. exceptio dol i general is gegendber der Berufung auf Formichtigkei t
cit., 20;
WEBER,
Treu und Gl auben cit., D 427 (85 2);
BO EH MER,
Grund1BiirgR
cit., 2, 2, 95;
FLUME,
AllgT cit. , 2
3
272;
REINICKE, Rechtsfolgen formwidrig abgeschlossener Vertrege
cit., 29-30;
HASEMEYER,
Die gesetzl iche Form der Rechtsgeschaf te
(1971), 37; LO RENZ,
Das Prob lem der
Aufrechterhaltung formnichtiger Schuldvertrage
cit., 399.
774
excrcicio inadmissivel de posiccies jurldicas
boa
fev (
4 7 1
), voltando a frisar, pouco depois que •0 Reichsge
r
i e h
t
e
perante prescriceies de forma tern d
e
i
4 7 2
). A doutrina sufragaria, de algum modo, esta orient,
tagio
(
47 3
).
0 RG alterou, depois, as suas teses. Em 15 -Nov.-1907,
§ 29.0 A inalegabilidade de nulidades fortnais
75
III. Verificou
e
uma certa evolucao jurisprudential
(
477
), que
corresponderia, alias, a decadencia da
exceptio dolt.
As primeiras deci-
s'oes judiciais que instituiram a inalegabilidade de nulidades form ais
fizeram-no quando o A . causara directamente o vicio na forma e,
(478). De
seguida, porem, veio
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 70/100
a
embora reconhecendo que, em principio, as disposigoes referentes I form
nao
odem ser contrariadas pela
exceptio doli,
decidiu concede-la ao
R. em accao d e nulidade, por o proprio A. ter induzido o R .
redugio de determinada alteragIo num arrendasnento de coisa produtiva
a escrito
(
4 7 4
). Em RG 28-Nov.-1923 , discutia-se a situagao criada pela
celebracio de um contrato simulado, corn prego, por comp
ra
d
de nulidade do contrato dissimulado, por falta de forma; no entanto, fora
de que, como experiencia de transacgoes imobiliirias, ainda que sem o
intent() de gerar uma nulidade, declarara ao R. a juridicidade do
neg6cio, assim celebrado. 0 RG concedeu a
exceptio
(
4 7 5
). Esta decisio
foi modelar em relagab a num erosas outras
(
4 7 6
).
(471)
Cf.
W. W EBER,
Treu and G lauben
cit., D 421 (850).
(472)
RG 7-Jun.-1902, RGZ 52 (1902), 1-5 (3); tratou-se de uma venda de irnOvel na
qual o assentimento do marido fora meramente verbal. Refira-se, tamb6m, RG 7-Jan.-1910,
RGZ 72 (1910), 342-34 3 (343 ), oxide se 18: (A contra-parte contratual que alega a nulidade
faz apenas use do scu direito; quem faz isso nao atenta contra a boa fen e RG 22-Mai.-1913,
RGZ 82 (1913), 299-305, onde, a proposito duma contribuicao durn s6cio, para a sociedade
respective, de um im ovel, sem a forma adequ ada, se decidiu que o recurso a nulidade
em causa nit) atentava contra o § 8 26 - bons costumes - (pots de outra forma tornar-se-ia
insitil, atrav6s
de
urn desvio, o mandamento legal, que exige a observancia de uma forma especial
para determinados contratos e convencoes, - RGZ 82, 304. A argumentacio patente nestas
dues decisOes releva de
um
certo radicalismo superficial: o exercicio de urn direito formal
nio impede o atentado a boa
fe
material, constituindo abuso do direito enquanto, por outro
lado, a aceitacact de restric8es especfficas ao alegar de nulidades formals nao inutiliza
naturalmente, o dispositivo legal que prescreve a forma e a nulidade pela sua inobservincia.
(473)
Vejam-se os AA. e obras cit.
i n f r a
notas 482-485; a doutrina deixou, por6m, sempre
uma pore aberta ao que viria a ser a orientagio posterior do RG.
(474)
RG 15-Nov.-1907, SeuffA 63 (1908), 349-350 (349) = Recht 1907, 1527, n.° 3757--
Gruchot 52 (1908), 1044-1046 (1044-10 45). Cf.
supra, 727
2 9 5
.
(
47
9 RGZ 107 (1924), 357-365 (364-365). Este caso reveste-se de circunstancias parti-
culates, que ajudam a entender as posicoes do RG,
contra legem
e contra a doutrina.
0
=gado simulado estipulava uma venda por 2000 00 R M, quando o preco real fora de
227500 R M. A diferenca - de 2750 0 KM - havia sido paga de antecipado e, por isso, foi o
R. comprador co nvencido de que nio valia a pens induf-la no docum ento notarial. Inutilizar
um contrato, nestas circunstincias, era, de facto, clamoroso, nio sendo crfvel a inexist8ncia
de meios jurfdicos para o obviar. Acresce que a impugnagio em causa teria por objecto
ultimo tirar partido da inflacio muito grande, emirs ocorrida na A lemanha: na restituicio
do que houvera sido prestado, o vendedor-impugnante receberia urn imovel monetariamente
muito valorizado e restituiria urn preco que ji silo corresponderia, em termos reais, ao na
realidade pago. A inflacio co nduziria, alias, a uma serie de impugn acoes desse tipo as quais
0
R G
fez frente corn
a exceptio doll -
A R N D T . ,
Zur
exceptio doll bei Schwarxkiiufen,
DJZ 3
1
depois, pretendeu aproveitar-se dele
a r
equerer-se, apenas, a simples negligencia do A., aquando da
celebracio do contrato
(
479
). Por fim, a alegacio de nulidades
( 1
9 2 6 ) ,
805-806 (805). Numa faceta interessante do problema, que nit) tern sido salientada
p e l a
doutrina -
vide,
contudo, FLUM E,
AllgT cit., 2
3
,
272 - deve, pois, salientar-se que a
jurisprudencia relativa 3 inalegabilidade de nulidades formais tern a sua origem em
situayOes sociais delicadas, que tinham de see resolvidas imperiosamente.
Como se sabe, este caso teria, face ao Direito portugu8s da simu lacio, um regime
RG 21-Mai. -1927, RGZ 117 (1927), 121-127, RG 12-Nov.-1936, RGZ 153
di1 9e
3
e)
n
t 4 e 6 )
;
9-61 (61), RAG 15-Jun.-1938, JW 1938, 2426 e RG 4-Dez.-1942, RGZ 170 (1943),
203-20
Em
(2°o
-m
2
p
e ns,
a
p
aoe
x6.
RG nab aceitou a paralisacbo de nulidades formais causadas por
simulacaes corn o fito de defraudar o fisco. Assim ern RG 19-A br.-1926, LZ 20 (1926),
696-697 (697), entendeu-se, num caso desses, que o A. pretenders atentar contra disposicaes
legais e nit) contra a outra parte; ambas as partes actuaram contra a prescricio legal que
determina a forma, corn consciencia, pelo que nio ha, na alegacao da nulidade, atentado contra
a boa fe. Da mesma maneira, decidiu-se, em RG 21-Jun.-1927, Recht 31 (1927) n.° 2197 (661 ):
focou-se, af, a .necessidade, pars mover a
exceptio,
de o adquirente estar convencido de que,
observara a forma legalmente prescrita.
(477)
SOME' . /SIEBERT /KNOPP,
BGBI° tit., § 242, n.° 340 ss. (95 ss.);
REINICXE,
Rechtsfolgen formwidrig abgeschlossener Vertrage
cit. , 30 ss.; Sonstm/HEF Enonn., BGB
11
cit..
§ 125, n.° 23-25 (570 -571); StsunnicEs/Ducies, BGE1
1 2
cit. , § 125, n.° 38-41 (332-334).
(478)
Foi o caso, ja conhecido, de RG 15-Nov.-1907, SeuffA 63 , 258 = Recht 1907,
1527 = Gruchot 52, 1045 . Merece ainda mencio RG 10-Out.-1919, RGZ 96 (1919), 313-316:
a proposito da renovacao de urn contrato de locacio de coisa produtiva, viciado por carencia
de forma legal, fora alegada a nulidade forma l e contraposta a inadm issibilidade desse recurso.
0 R 0 recusaria, neste caso, a inalegabilidade, defendendo que esta so deveria ser concedida
quando o alegante impeca, propositadamente, a concretizacao da forma ou qu ando declare,
I outra parte, a inutilidade da providencia; nio bastaria; pois, a men n egligencia na observincia
das disposic5es legais (315).
(479)
RG 21-Mai.-1927, RGZ 117 (1927), 121-127 (124); a proposito de urns
compra e venda relativa a urns case, alegara-se a nulidade formal do contrato respectivo.
0
RG considerou, at, ser de exigir, por parte da pessoa que se vem opor a alegabilidade
do vicio de forma, o erro sobre a necessidade da formalidadc e, por parte de quern o alega,
que, pelo menos corn negligencia, o tenha causado. Esta linha tem antecedentes daros;
ern
RG 28-Nov.-1923 -
supra,
774
4 7 5-
rescindira-se ja do dolo ou equivalentes para
bloquear uma nulidade formal. Em RG 1-Jul.-1924, Recht 28 (1924), n.° 14 43 (2, 40 7-408),
le -
se 4A culpa propria tambern nit) é necessaria; basta que o A. tenha querido a nib realizacio
da forma escrita c que no tempo subsequente tenha tratado o contrato como validon
o RG decidiu, alias, negativamente a contra-alegacio do A..
776
exercicio inadmissivel de posioies juridicas
formais veio a ser co arctada, independentemente de qualquer culp
a
vimento da nulidade iria atentar contra a boa fe
(480) .
Este desenvolvimento vigoroso da jurisprudencia, alem de
cont
ra
processou-se em certa discordancia com a doutrina. Desde
§ 29:° A inalegabilidade de nulidades formals
77
e
OERTMANN (
48 5
) asseguram, no essential, que o Tribunal do
Reich
colocara a alegacao de nu lidade formal ao nivel das condutas nao permi-
tidas, contrariando, pois, a letra e o espirito da lei. A ocorrincia de
manobras condeniveis, na origem do vicio, apenas permitiria ao lesado
obter uma indemnizacio pelo interesse negativo — o interesse da con-
(486)
;
nunca, porem, validar uma nulidade. Mesmo
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 71/100
inicio, cham ou-se a atencao para a natureza cogente das disposiceies
que com inam form as necessarias para certas declaracoes negociais
bem com o das que, a inobservancia das primeiras, associam a nulidade.
Havendo dolo ou procedimento similar por uma das partes, corn uma
nulidade formal por resultado, poder-se-ia, quando m uito, chega
r
culpa I
n
contrahendo,
seja por pratica delitual, atentatoria, eventualmente,
dos bons costumes.
Uma reaccio grande por parte da doutrina foi desencadeada
por RG 15-Nov.-1907
(481
): HOENIGER (482), REICHEL (483) , JOSEF (
484
)
(
4
9 RG 12-Nov.-1936, RGZ 153 (1937), 59-61 (60-61) — a proposito de locacao de
coisa produtiva que previa, para depois do fim do contrato, uma clausula de nit) concorrencia
do locatario em relacao ao locador, vem aquele, no final, arguir a invalidade formal;
o RG decidiu ser de admitir a inalegabilidade, porque «esta é tambem dada quando o R., ainda
que sem intencao, assuma uma atitude que, de acordo corn o sentir geral do povo, seja inconci-
liivel
com
um comportamento anterior por ere perpetrados; RAG 15-Jun.-1938, JW 1938,
2426 — aquando da discussio sobre nulidade formal de urn contrato de trabalho
corn
redactor, o RAG decidiu que a excepcao de dolo era de
conceder
perante a alegacio de
nulidade, quando o A., ainda que trio sendo contratante de ma fe, se tenha comportado de
tai modo quc a arguicao superveniente atente contra a boa fe e os bons costumes; esta
decisio mereceu uma an. desfavorivel de MArtirssEN, JW 193 8, 2426-2427; RG 4-Dez.-1942,
RGZ 170 (1943), 203-207 (204-20 5) — corn referencia a nulidade formal de venda de heranca,
o RG entendeu a inviabilidade da alegacio por contrariedade i boa fa, ainda quando nao
t ivesse havido ma intencao por parte do A.
(481 )
Supra,
775478 .
( 4 82 )
H O ENIGER,
Arglist herbeigefiihrte F ormnicht igkeit ,
ZNotV 1909, 673-688 (675).
H. entende que a
e x c e p t i o
so pode ser concedida contra quern alegue nulidade formal quando
o A. que o faca the tenha dado azo atraves de delito. Precisa H.: Os pressupostos pan o
conceito em analise [a
exceptio doll]
sac) duplos: positivamente; que o provocar da n ulidade
formal atraves duma das partes preencha em pleno a previsio de urn delito civil e negativamente,
que a outra parte nio conheca a nulidade formal, trio a silencie e, tambem, nem corn era con-
corde nem a desconheca por negligencia
— idern,
681; tambem
H O ENIGER,
Einrede der
Arglitt
gegen Formnichtigkeit,
ZNotV 1910, 90 7-909.
Reticcnte perante a hipotese de bloquear nulidades formals mostrar-se-ia, ainda,
WEISSLER,
Rechtsprechung in Urkundsachen,
ZNotV 1909, 70-118 (75). Ai, precisamente
a
proposito de RG 15-Nov.-1907, cscreve que t...na simples alegacbo da disposicao legal de
forma nunca pode ser visto urn dolo*.
fano. — do contrato
AA. que,
como
HELDRICH,
concordam corn a jurisprudencia do RG,
distanciam-se deste no que respeita a justificacio
(
48 7
).
IV.
A jurisprudencia do BGH manteve, num primeiro tempo
a
l inha do RG
(
488
). Estendeu-a mesmo a areas antes tidas por imu-
nizadas, como a dos negOcios
post mort em
(
489
).
( 4 83 )
REICH EL,
Zur
Behandlung fornmichtiger Verpfl ichtungsgeschafie,
AcP 104 (1909) ,
1-150; R. explicita, com clareza, quo de urn negocio nulo, nao podem emergir pretens8es de
cumprimento; sendo a nulidade formal, por maioria dc razio nao
é o negOcio viciado
susceptive' de ser feito valer
— ob. cit . ,
2 e 33. Esta situacao nao pode ser entravada pela
exc. doll
ou pela boa fe — ob.
cit.,
40. Concede, do so a
5 1 1 2
interposicio quando uma parte,
de modo contrario a 16 ou aos bons costumes, provoque a nulidade corn dolo e, depois,
procure fazer vale-la —
ob. cit . , 44.
(484)
JosEr,
Arglis tige Herbeifi ihrung der Formn ichtigkeit,
AbingR 36 (1911) , 60-70. Tam-
bem J. foca que apenas o provocar, com delito doloso, da nulidade, pode facultar I outra parte
a excepcio de dolo; doutra forma, o recurso a nulidade formal seria urn comportamento nao
permitido, o que contraria a lei; o causar nulidades nao permite, na falta desses requisitos, mais
do quo a indemnizacio por interesse negativo ou interesse da confianca —
ob. cit.,
68-70,
62-63 e 65.
(
488
) OERSMANN,
Arglis tige H erbeifi ihrung der Formnichtigkeit,
Recht 1914, 8-12. 0., estra-
nhando igualmente quo o recurso a nulidade possa integrar uma hipotese de comportamento
indevido, admite, como margem para a interposicio da
exceptio,
a situacao em que uma das
panes, ji corn o intento de, m ais tarde, arguir a nulidade, tenha dado lugar I sua verif icacio.
(486)
Viu-se
supra,
585 o que pensar delta orientacio, em termos gerais.
( 4 87 )
H ELDRICH ,
Die Form des V er t rages ,
AcP 147 (1941), 89-129 (112).
(488)
Curiosamente, o porno maxim° da evolucio jurisprudential do RG no sentido
da superacio, por via da boa fe, dos requisitos legais de forma, foi alcancado atraves
de uma decide, do OLG Dresden, 22-Mar.-1949, portanto na ender Zona de Ocupacio
Sovietica, hoje DDR , NJ 1949, 256-257 = JR 1950 , 24-25. Fora ecelebrado* urn contrato de
compra e venda de imOvel, mediante a aceitacao duma proposta formulada por carta;
a formalizacio notarial f icou para mais tardc. Nio se realizando esta, o comprador acciona o
vendedor para que faculte a inscricio; o R. alega a nulidade formal. 0 tribunal de apelacao
eat:rider' quo o requisito de forma se prendia a urn forte conceito de propriedade, em especial
fundiiria. Ora c... uma necessidade de proteccio tao extensa e especial da propriedade, perante
uutros direitos, nao E mais sentida no desenvolvimento ulterior do nosso Direito. A proprie-
d
ade tem de aceitar mtiltiplas limitacoes e intervene es, mais ou menos sem proteccbo, na
ordem nova das relaceies econdmicas e sociais. A concepcio jurfclica actual nao se indina ji,
tarab6m, para atribuir I forma um significado decisivo, perante a palavra inequfvoca que
778
exercicio inadmissivel de posico
-
es juridicas
Existe, na Rep. Fed. Alema, corn especificidades nalguns estad
o s ,
urn regime sucessorio especial para a sucessio em bens rtisticos
o regime das quintas ou
Hofeordnung.
Esse regime perm ite, p
a r a
mantendo os restantes simples pretens5es em dinheiro. Compete
a o '
proprietario da quinta determinar, por testamento, de entre os restantes
§ 29.. A inalegabilidade de nulidades formats
779
,-
consideraram
nulo tal contrato, por abuso d e liberdade
de testar; o BGH
confirmou a decislo, abordando o problema pela positiva: dadosos
factos, o Mho R. teria celebrado urn contrato de entrega da quinta
em vida corn o pai, embora sem forma legal, tendo ficado decidido
o seu destino
post mortem
(
49 2
).
Urn
ano volvido, entendeu de novo o
BGH a possibilidade de urn agricultor, atraves do seu comportamento
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 72/100
o sucessor na quinta, corn inteira liberdade, desde que se trate de pe
s s o ;
corn capacidade de continuar a exploragio. A quinta pod e, tambem, set
entregue ao futuro herdeiro, ainda em vida do titular, atraves de contrato
de entrega de quinta, de natureza formal, a celebrar perante o notario
(
4
90)
.
Em torno deste regime, gerou-se uma jurisprudencia limitativa da forma
legal, corn uma serie de artigos doutrin4rios subsequentes
(
491
). Discu-tiu-se no
BGH
a situagio que segue. Urn agricultor de setenta e quatro
anos, corn nove filhos, deixou o filho terceiro viver na quinta, formar-se
como agricultor e trabalhar nela contra habitaclo, comida e
algum
dinheiro; else filho casou, continuando a viver e a trabalhar na quint
a
pai e filho por causa da direccio da empresa rural; o pai, por document°
notarial, decide, entio, entregar a quinta a um a filha, residents corn o
marido noutro sitio e exigir, do filho, o abandono do local. As instancias
vincula*. Posto o que afasta o § 313 BGB, em nome do § 242 - NJ 1949, 257 = JR 1950,
25.
0
OLG Dresden nio refere a jurisprudenda do antigo RG, embora a pressuponha.
Na' transposicao do RG para o BGH, foi importance a decisio do OGHBrZ,
7-Out.-1948, OGHZ 1 (1949), 217-222. Discutia-se a evendu de uma casa, feita por escrito
particular, quando o ovendedon, arguindo nulidade formal, veio reivindica-la.
0R. alegou
pensar a formalizacio perante o notario como operacio habitual, mu nao obrigatOria,
tendo confiado no A., oficial de polfcia.
0
OGHBrZ entendeu que em casos especiais, de
consequencias insuportiveis para os RR., 6 de bloquear o dispositivo que prescreve dedaracoes
formais, atraves da boa fe - OGHZ 1 (1949), 218-219.
(489)
Sector que, segundo
GERNH UBER,
Formtsichtigkei t und Treu und Glauben ci t . ,
157,
constituira um cfrculo «tabu».
(490)
Kiee/Convc, Erb/2
19
(1978), § 131 (738 ss.; 742
ss.); LANCE/KUCHINEE,
ErbR 2
(1978), § 55 A VII (936 ss., especialmente 941-942);
BARTH O LO MEYCZIIC/SCH LO TER,
ErbRn
(1980), 256;
QUADFLIEC/ WEIRAUCH,
Das Landwirtschaftliche Sondererbrecht gemdss der Novelle
zur Hofeordnung,
FamRZ 1977, 228-235 (233).
(491)
P. ex., R. KRAUSE,
Kann eine formmangelhaf te Verfugung von Todes wegen rechts-
gultig sein?
FamRZ 1955, 161-163; F. J.
GEROCENS,
Zum Missbrauch der Testierfreiheit ins
Landwirtschaftsrecht,
FamRZ 1955, 163-164;
HEINZ HUMBERT,
Die formlose Bestimmu ng des
Hoferben,
NJW1956, 1857-1860;
W1EACKER,
Stillschweigende Hoferbenbestimmung,
DNotZ 1956,
115-125 e
Hoferbenbestsmmung durch schl i issiges oder sozial typisches Verhal ten?
FamRZ 1957,
287-291; SCHULTE,
Formlose Best immung des Hoferben,
RdL 1956, 177-181 e Formlose bauetikhe
Obergabe- und Erbvertrage,
NJW1958, 361-364; Rownza, Zur
formlose Hoferbenbest immunS
in der Rechtsprechung des BGH,
DNotV 1957, 283-295;
H ERMINGH AUSEN;
Formlos bindende
Hofzusagen,
DNotZ 1958, 115-139;
S C H U L T E ,
corn obserraceoes a
H ERMINGH AUSEN,
de no"
Formlose bauerliche. Ubergabe- und Erbvertroge,
NJW1958, 820-821.
duradouro e indubit4vel, independentemente das form alidades legais,
ter indicado a urn dos herdeiros que devia receber a quinta
(
493 ).
Esta orientagio suscitou, por parte da doutrina, porventura maiori-
taria, uma serie de criticas
(
494
), embora tenha merecido, tambem, ade-
saes (
495
). No essential, as criticas radicam no ultrapassar de disposiceies
legais injuntivas, corn a inseguranca subsequente e na dificuldade pratica
de determinar a vontade das pessoas. Este tiltimo aspecto 6 puramente
probatorio; quanto ao primeiro, queda apenas dizer que a natureza
sucessoria
da situacio
nio a
qualitativamente diferente das restantes:
admitida a inalegabilidade, ha que estende-la ate as fronteiras naturals.
(492)
BGH 16-Fev.-1954, BGHZ 12 (1954), 286-308 (287-288, 305-306 e 307-308)
DNotZ 1954, 307-313 (307-308 e 313) = NJW1954, 121 (s6 o sumirio) = RDL 1954,
153-159 (153 e 158).
(493)
BGH 9-Fev.-1955, DNotZ 1956, 134-138 (135 e 137) = FamRZ 1955, 171-172,
corn an. de F. W. Boscx, que chama a atenclo para o perigo de inseguranca resultante da
dews
-
ao (172) =-
NJW1955,1065-1066, corn an. de G. e D.
REINICKE,
que levantam dificuldades
(1065) = RdL 1955, 109-112 (110 e 112). Os artigos de R.
KRAUSE
e de F. J.
GERCZENS,
C i t .
supra,
778
4 91
, tiveram, como causa imediata, esta decisio. Podem ser confrontadas outras
decisbes em
ROEMER,
Zur fonnlosen Hoferbestimm ung in der Rechtsprechung des BGH ci t . ,
286,
H ERMINGH AUSEN,
Formlos bindenden Hofzusagen ci t . ,
11 5
1
. Antecedentes desta jurisprudencia
constam de ScHum,
Formlose bduerl iche Obergabe- u nd Erbvertnige ci t . ,
361.
(494)
Assim:
ALFRED
PutALo,
an. BGH 16-Fev.-1954 cit.
supra,
779
4 92
, RdL 1954, 193-
-196 -- P. sublinha, ern especial, o desvio em mini° aos prindpios gerais e i liberdade de
indicar o sucessor na quinta,
ob. cit.,
195-196; Farrz
RIEDEL,
Die Rechtsprechung in Landwirt-
schaf tssaehen im Jahre 1954,
JZ 1955, 109-114 (110) - R. aponta a natureza individual da
justica feita;
W1 EACKER,
Prazisierung ci t . ,
29
6 2 , 357 5
e
49
10 1
, focando, sucessivamente, o
ter sido
preferfvel derivar a solucio dos bons costumes, a limitacio ao poder de livre disposicio do
proprietario da quinta e o ultrapassar das funcoes judiciais, perante alterac5es efectivas na ordem
jut-Um; tambem de
WHACKER,
cf . St i l lschweigende H oferbenbestimmung? ci t . ,
1 18
;
HEI
N Z
ie fonnlose Bestimmung des H oferben ci t . ,
que explica, entre outros aspectos, a
falta
de precisio das al. dedaracOes negociais e a subversio introduzida
em
dispOsicbes injuntivas
que, no Direito das sucess5es, determinam formal legais -
ob. ci t .,
1858 e 1859;
ROEMER,
Zurformlosen Hoferbenbest immung in der Rechtsprechung des BGH
dr., 288, apontando, entre outras
objeccoes, a indeterminacio da vontade do titular da quinta.
Cf., tambem, Bosca e
Rumors
cit . supra,
779
93
.
(495)
Assim:
Rtinu.o&ANN, an. BGH 16-Fev.-19)4, tambEm
cit., supra, 779
4 9 2
,
RdL 1954,
311412, satisfeito corn a salvaguarda de um minimo Etico, exigido pela dareza
de intenc6es
das partes -
ob. cit.,
311;
SCH ULTE,
Formlose bduetl iche Ubergabe- u nd Erbvertrdge ci t . ,
que, nao
obstante alguns reparos, frisa a necessidade de nem sempre a justice. material
ser preterida pela
seguranca -
ob. cit.,
364.
/ 0
1
780
exerc ic io inadm issive l de posicoes jurid icos
Em rigor, ficariam a margem apenas contratos corn efeitos pessoais, conk,
o casamento (
4 9 6
) (
4 9 7
).
Outra area ligada, por excelencia, aos negocios
post torten
do
estamento - mereceu a
K E G E L
uma atencio especial. Na base do pro..
blema esta o caso da h eranca dupla, discutida em BGH , 6-Jul. -1965.
Urn pai de sessenta e nove anos pretendia instituir herdeira a sua
§ 29 °A
inalegabi lidade de nul idades for tnais
forrnais
(
50 0
). A superacio definitiva da
exceptio doll
pode conside-
rat_se consolidada, na m edida em que a inalegabil
do
lo
d
5 0 1
ade do vicio
formal, embora facilitada, nalguns casos, pelo ),
depende mais da situacio da pessoa contra quem 6 feiA extensao
ta valer a
nulidade, do que dos feitos e
intencoes
do A. alegante (
5
° 2
).
decisoes tern sido
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 73/100
fazendo ainda pequenos legados. A filha leva urn advogado amigo
presenca do pai; este recusa elaborar, ele proprio, o testamento,
pelo que o advogado, tendo tornado nota, em esquema, da vontad
e
do advogado corn o notirio tardou; chegaram a com binar-se tees encon-
tros, todos adiados, por impedimentos, urn do notirio e doffs do
advogado. 0 pai morre e, em consequencia das demoras, sem testar.
Segue-se, depois, a sucessio legitima, sendo a heranca repartida entre
a Ora e uma sobrinha. 0 advogado enviou, ainda, uma nota de
honoririos. A filha acciona o advogado, pedindo o equivalente a metade
da heranca que perdera corn a negligencia deste. 0 BGH, considerando
ter sido violado urn contrato - entre o pai e o advogado - corn efeitos
protectores a terceiros - a filha - decide tal accio procedente (
4 98
).
Urn caso dcstes da lugar a duplicagio da heranca: o patrimonio deixado
pelo
de cuius e
a indemnizagio correspondente. Hi, pois, que, em
situacoes extremas, possibilitar a libertacao formal dos actos juridicos, d esde
que se mostrem salvaguardados os outros valores em jogo (
4 9 9 ).
Apesar desta expansio, real ou preconizada, em sectores onde,
sem um a justificacio clara, tem dom inado urn formalismo radical,
o BGH restringiu subtilmente a possibilidade de bloquear as nulidades
(496)
Tern, pois, impact() pouco mais do que afectivo a observacio de WmAcm ,
Prazisierung
cit., 49, de que os proprios contratos de casamento poderiam ficar, pela via ini-
ciada, na situacio de serem viaveis sem a forma legal, dada a diferenca qualitativa das
relacoes que implicam.
(497)
As objeccoes levantadas por
HERMINGHAUSEN,
Fonnlos bindende Hofzusagen
at.,
134 e retomadas por
REINICKE,
Rechtsfolgen formwidrig abgeschlossener Vertrage
cit., 86, segundo
as quais a pretericio de formas legais poria em causa a posicao de terceiros, nio colhem:
as mesmas disposicoes que protegem os terceiros perante contratos formais a que sio
estranhos - e que nio se confundem corn o registo - funcionariam sempre perante as situa-
coes reconhecidas I margem da forma legal.
(498)
BGH, 6-Jul.-1965, JZ 1966, 141-143 (141 e 142) = NJW 1965, 1955-1958 (1955-
-1956 a 1957), corn. an
.
LORENZ, JZ
1966, 143-145, focando a ausencia de uma clausula de
responsabilidade delitual generica, no Direito alemio, como base de decisio - 145 - e de
EMIT.
Bowan,
Schutzwirkung eines Vertrages zwischen Rechtsanwal t and Erblasser zugunsten der
benachteiligten Erbin?,
MD R 1 966, 468-4 69. 0 contrato corn efeitos protectores de terceiro
pressupbe, por pane de urn ou de ambos os contratantes, deveres de proteccio a favor de
terceiros, radicados na boa fd. Cf.
supra,
619 ss..
(499)
GERHARD KEGEL,
Die lachenden Doppelerben: Erbfolge beim Versagen von Urkunds-
personen,
FS Flume 1 (1978), 545-558 (547-548 e 555).
daqui resultante 6, apenas, aparente. Em varias logo
da equidade
ado
, corn
orn a major clareza, que nao na base
e
de um a justica do caso concreto - que se pode proceder nap apli-
cacio das disposicoes sobre a forma das declaracO es negociais (
5 0 3
);
efeito, atentas as necessidades de seguranca ju ridica (
5 0 4
), justifi-
ca-se apenas em casos extrem os e excepcionais (
5 0 5
).
(500)
Esta evolucao, apesar da sua importancia, riga tem sido suficientemente estu
SOERGEL
dada;
cf.,
porem
LORENZ,
Rechtsfolgen formnichtiger Schuldvertrage,
JuS 1966, 431 e
/14sesimon., BGB
1 2
cit., § 125, n.° 25 (570).
(501)
BGH 3-Dez.-1958, BGHZ 29 (1959), 6-13 = NJW 1959, 626-627 = WM 1959,
273-
BB 1959, 21 5 = DB 1 959, 595 (ssio se refere, nesse (skim° local, o que interessa
p a r a 2 7 5
as inalegabilidades formais); houvera, al, urn documento notarial corn da as inexactas,
devendo-se esse facto a intencio de uma das panes tirar, depois, vantagem sobre a outra; o BGH
concedeu a inalegabilidade, frisando, contudo, que a situacio do R .., na nulidade, seria nio apenas
dura, mas insuportivel.
(
5
9 Adm ite-se, pois, a inalegabilidade mesmo sem a vontade, directa ou necessaria,
de prejudicar a contraparte, no que parece ser a heranca do RG; assim BGH 9-Out.-1970,
NJW 1970, 2210-2212, onde o A. calara apenas algumas circunstancias; cf.
KROGER
-
-Ma/ago
/BGB /RGRKI
2
(1982), § 125 n.° 57 (249).
("3)
BGH 29-Jan.-1965, NJW 1965, 812.815 (81 3) - venda nula de preclio; em an.,
v .
BIEBERSTEIN,
NJW 1965, 1014-1016, di° identifica, porem, devidamente, a clivagem entre
a jurisprudencia do RG e do BGH e toma posiceies criticas; BGH 9-Out-1970, NJW 1970,2211.
("4)
BGH 3-D ez.-1958, BGHZ 29 (1959), 10 - interesse geral; BGH 29-Jan.-196
5
,
NJW 1%5 , 813 - interesse da seguranca juridica; BGH 10 -Jun.-197
7
, NJW 77, 2072-2073 =
= WM 1977, 1144 - celebrada compra e venda de predio corn obrigacio, pelo vendedor, de
proceder a uma construcio, o qua nao constava do docum ento; foca-se, al, as exigencias
6 s i t
da
seguranca; BGH 16-Nov.-1978, NJW 1980, 117-119 (118) - sublinha-se, tambem, a propo
de promessa sem forma efectuada pot urn burgomestre, as necessidades da seguranca. Trata-se,
pois, de urn vector que tern v indo a crescer na jurisprudencia m ais recente.
("5)
BGH 27-M ai.-1957, WM 1957, 883 -886 - trata-se de uma fianca cuja dedaracio
negocial respectiva fora feita por telegrama, o que se considera nao integrar a forma
exigida por lei; decidiu-se nao ser de bloquear a nulidade, por esta medida so poder ocorrer
em
circunstincias
especiais, ausentes deste caso concreto; esta decisio tern a particularidade
de historiar a evolucio jurisprudential do problema - WM 1957, 886; BGH 28-Nov.-19
57
,
WM 1958, 71-74 - outra questio de fianca, ern cuja decisio de rile, obstar a nulidade por
r
ancia de forma legal se frisa a excepcionalidade de tal medida; o BG H acentuou, ainda, que
.
madmissibilidade de alegacio da nulidade formal o corre apenas quando o A., por longo tempo
, nio
,
thsfrute, corn vantagens, do contrato qu e venha, depois, iinpugnar o qua, pot natureza
51
782
783
0 exerc ic io inadm issive l de posicc ies jurid icas
V. A criacao jurisprudencial do Direito
é,
naturalmente,
cisa; a sistematizacao doutriniria tem, para mais, tardado n
este
0 6
). No obstante, o conjunto das decisoes compulsadas,
§ 29.° A inqlegabilidade de nulidades formais
ca
m atencao particular as mais recentes, e os comentarios sobre elas
tecidas pela doutrina permitem firmar aspectos importantes. Primor-
di
a
l e, como foi dito, a posicao da pessoa contra quem se pretende
fazer valer
a nulidade formal. Esta posicao equaciona-se em dois
aspectos (
50 1
): a sua relacao corn o vicio formal e as consequencias
mergentes da nulidade, caso seja declarada. Quanto ao pri-
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 74/100
ocorre na f ianca (74); BGH 16-Abr.-1962, WM 1962, 575-576 — de novo uma fianca se
m a
x
A
depois de «celebrados o contrato, nab dera mostras de aceitar o debito (576); BG H 29-Jan.-1965"
NJW 1965, 812-815 (813) — so
.
excepcionalmente; BGH 22-Jun.-1973, NJW 1973, 1455.-1457'
— alienacio de urn imOvel por documento privado; o BGH afirma que a nulidade
presente so em casos muito especiais pode ser contornada, o que ocorreu, alias, nesse caso,
dado que o A. aceitara, durance catorze anos, o contrato por eficaz (1456); BG H 16-Nov.-1978,
NJW 1980, 118 — uma excepcao.
(
50 6
) Mais claramente: falta uma sistematizacao doutrinaria na materia, versada ens
termos pouco menos do que tOpicos. Assim:
GERNH UBER,
Forninichtigkeit und Treu und Glauben
cit., limits-se a citar decisoes em apoio das afirmacoes que vai proferindo, sem, delas,
procurar extrair elementos para uma ordenacio dos pontos comuns que as informem; G . dis-
corda, alias, das decisoes que admitem a inalegabilidade das nulidades formais — ob.
cit.,
1 6 4 ,
. ex.;
LO RENZ,
Das Problem der Aufrechterhaltung forinniditiger Scluildvertrage
cit., que centra o
fulcro da questa() na forma em si — e nao na boa f6 — tio pouco procede a urn levantamento
— ob. ci t . , maxime
413, tal como
COMIC,
Form und Billigkeit im modernen Privatrecht
cit.; ambas os
autores tomam posiceies criticas perante a jurisprudencia do BGH e do seu antecessor,
SOERGEL/SIEBERT/KNOPP, BGB
10
Cit., §
242 — que entendem ter a jurisprudencia recente,
i. 6, anterior a 1969, ampliado a fundamentacao das inalegabilidades de vicios formais (1);
ob. cit.,
n.° 345 (96), sem, no entanto, deixar de apontar a linha restritivista da jurisprudencia
— idem,
n.° 346 — fazem, ao estilo do seu tratamento da boa f6, uma seriacio ampla
de casos concretos. Nab obstante o apontar de vectores interessantes como o escopo da
forma —
SIEB ERT / ICNOPP
nbo se reportam, ai, a firths.
GERNHUBER/WIEACRER,
atingindo, embora,
resultados semelhantes —
ob. ci t ., n .°
356 (99) — ou a clivagem, dogm atica alias, entre a culpa
na formacao dos contratos e a ch. limitacio imanente das prescricoes
de
forma —
ob. cit.,
n.° 357 — falta, no seu escrito, urns sistematizacao do dado jurisprudencial que, possivelmente,
nem considerariam viavel; D.
REINICRE,
Rechtsfolgen formwidrig abgeschlossener Vertrage
cit„
tents, 41-75, ordenar, de acordo corn determinados criterios, os casos de inalegabilidade.
Apura cinco grupos, alguns subdivididos, em funs
-
o dos factores seguintes: 1.° conhecimento
ou desconhecimento, pelas parses, da necessidade de forma do contrato, tripartido, consoante
ambas, apenas uma ou nenhuma tenham conhecimento dessa necessidade; 2.° cumprimento ou
nab cumprimento do contrato, tr ipartido, tambem, consoante ambas, apenas uma ou nenhuma
tenham cum prido; 3.° impossibilidade de restituicao material das prestacaes; 4.° prescricOes
de forma a favor, apenas, de uma das partes; 5.° outros. Apesar do seu em pirismo, Run-mica
consegue uma pano ramica envolvente e sugestiva dos dados da questio.
Omm ius di, pel°
contrario, urn
tratamento mais marcadamente cientifico ao problema —
Vertrauenshafrung
cit., 274 ss. e 288 ss.. Distingue C. as hipateses de
dolus praeteri tus
— § 25 — e as
de
dolus praesens
que reduz ao
venire contra faction proprium — §
27 —, ambas integradas numa
regra geral de respondencia, pela confianca. A primeira hipOtese daria lugar a ulna
regra muito simples: quem enganar propositadamente o parceiro sobre as necessidades
para
ela
e
ine
iro, deve entender-se a necessidade de boa fe subjectiva por
parte de quem queira fazer valer a inalegabilidade ou seja, de
desconhecimento, aquando da «celebracao» do contrato, da necessidade
formal (
50 8
). A boa fe subjectiva comporta, aqui, deveres de inda-
de forma de urn contrato sujeita-se ao cumprimento dente, ainda quando, em principio,
devesse ser nulo. A simplicidade desvanece-se, porem, se se at inar em q ue a evolucio jurispru-
dencial se processou, contra o requisito do dolo e em que uma col:struck
,
tipo
Joists
p r a e t e r i t u s
deixa na sombra a situacio do beneficiario da inalegabilidade bem como os requisitos
que, a este, dizem respeito.
0
praprio C., aliis, ao entender o
(loins praeteritus
como mero
criterio de im putacao da
respondencia e nio como seu fundamento
—
Vertrauenshaftung
cit.,
276 — e ao sublinhar a necessidade de enfrentar o problema pela posicio do confiante
— i d e m ,
277 — retira-lhe a eficacia ordenadora. Tem, assim, m ais interesse o segundo termo d a
distincio de
CANARIS,
a que se fara mencio no texto. FortsomER/Miinch-Komm cit., § 125,
n.° 60 (735), declara trio faltarem tentativas de elaboracio de casos tipicos onde se consubs-
tanciaria a possibilidade de inalegabilidade formal, embora pouco mais cite do que
R.EINICRE
e nao refira
CANARIS.
Na sequencia da sua exposicao sobre o problems,
FoRSCH LER
adopta,
corn pequenas alteracems, o esquema de
REINICKE —
Munch -Komm c i t . , §
125, n.° 64-72.
HEPERNIEHL,
ern
SOERGEL/ HEFERMEHL,
BGBli cit ., § 1 25, corn posicaes restr itivas sobre
inale-
gabilidades de vicios formais
—
b. cit.,
n.° 29 (572)
—
pesar do fino tratamento do problema
a que procede, ex peie indiferentemente casos
t lpicos e fundamenta95es das inalegabilidades
referidas.
DILCHER, em STAUDINGER/DILCHER12 Cit., §
125, n.° 38 ss. (332 ss.), nao sistematiza
enquanto KitticER-Ntnumm/BGB/RGRK12 cit., § 125, n.° 56 ss. (249 ss.), recorre, corn ampu-
tacbes, a linha de
REINICICE.
Nas obras gerais, por fim, o tema da inalegabilidade das nulidades
formais 6 versado sem preocupacdes de sistematizacio. Sirva de exempla
LARENZ,
AllgT
5
cit., 376-378.
(
5 07
) Embora por forma Trio expressa, esta clivagem 6 pressuposta, de algum modo,
por BGH 10-Jun.-1977, NJW, 2072-73 = WM 1977, 1144.
(
5 °
8
) BGH 29-Jun.-1966, BGHZ 45 (1966), 376-380 (379-380), onde, a prop6sito
de tuna nulidad e partial, se recusou a inalegabilidade por am bas as partes estarem cientes da
mvalidade, quando concluirams a clausula viciada. Este requisito permite afastar, como defini-
tivamente nulos, todos as contratos em que as partes desrespeitaram a form a prescrita pars
2ont
iun
n
rar
92
i
spR
si cch
es 3l
iscais — recordem-se RG 19-Abr.-1926, LZ 20 (1926), 696-697 e RG
(1927),
n.°
2193 (661). RzancxE, no grupo de casos que isolou
em torno do conhecimento ou desconhecimento da nulidade —
Rechafolgen formwidrig abge-
s c h l o s s e n e r
Vertrage
cit ., 41 ss. — conclui pela permanencia da nulidade sem pre que ambas as
Panes conhecam o vicio; a nulidade seria obstada quando a parte alegante tivesse induzido
a out a com eter a falta, ficando em a berto as hipateses de desconhecimento negligence ou nab
784
exerc ic io inadnt i s s i ve l de pps i c i i es j ur id i cas
gaga() e informacao (
5 0 9
) de intensidade acrescida, dada a rigidez das
normas em jogo, e visto o conhecimento generalizado que e
x
i ste
de forma ou a negligencia grosseira prejudicam sempre (
5 1
0) p
o
i s ,
que o contratante corra o risco de ver declarado nulo o seu
§ 29.° A inalegabilidade de nulidades formais
85
todos
presentes. Consciente do problema,
CANARIS
afirma a impossi-
bilidade de firmar uma previa() consistente de inalegabilidades;
os diversos criterios articular-se-iam nos termos de urn sistema
i n O v e l ( 5 1 6 ) .
A concretizacao do
venire contra factum
proprium nas inalegabili-
dades de vicios formais implica, como se ye, distorcoes em dois pontos:
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 75/100
con-
trato (
5 1 1
). Quanto ao segundo, tern vindo a ser sublinhado, pela
jurisprudencia mais recente, que a inalegabilidade surge justificad
a
quem a actuada, efeitos «nao apenas duros, mas insuportiveis# (512).
Na concretizacao jurisprudencial desta form ula, pode cham ar-se
em aux ilio a construcao de
CAN ARI S (
5 1 3
):
requere-se que a parte
protegida tenha procedido a um «investimento de confianca, fazendo
assentar, na ocorrencia nula, uma actividade importante (
5 1 4
), que a
situacao seja imputivel a contraparte, embora nao necessariament
e
a
titulo de culpa, que o escopo da forma preterida no tenha sido
defraudado; pela negativa, exige-se ainda que nenhuma disposicao
ou principio legal excluam, em concreto, a inalegabilidade e que
nao haja outra solucao para o caso: a inalegabilidade das nulidades
formais teria, pois, natureza subsidiaria (
5 1 5
). Compulsada, contudo,
a jurisprudencia, constata-se que n em sem pre estes requisitos esti()
provocado pela parte que vem, depois, arguir o yid° —
ob. ci t .,
53-54; contra
REINICIE,
observe-se, porem, que a boa fe subjectiva
é,
apenas, urn requisito negativo, no sentido
de, sendo insuficiente para, por si, justificar uma inalegabilidade, bastar, pela ausencia, para
prejudicar qualquer veleidade de manutencao de negocios formalmente nulos. Tambem
GERNHUBER,
Formnichtigkei t und Treu und Glauben
cit., 176,
SOERGEL/FIEFERMEHL, BGB
11
§ 125 , n .° 33 (374) e Knt icEn-NIELAND/BGB/RGR K12 c it . , § 125 , n .° 56-58 (249-250) .
(509) Cf
supra,
759.
( 5 1 0 )
CANARIS,
Vertrauenshaftung
cit ., 295.
GERNH UBER,
Formnichtigkei t and Treu und Glauben
cit., 172;
FoRscHLERI Manch-
-Komm cit . , §
125, n.° 64 (736).
(512)
BGH 3-Dez.-1958, BGHZ 29 (1959) , 10 = NJW 1959, 627 = WM 1959, 275 =
= BB 1959, 215 = DB 1959, 595; BGH 27-Out.-1967, BGHZ 48 (1968), 398 = NJW 1968,
39; BGH 10-Jun.-1977, NJW1977, 2072 = WM 1977, 1144; BGH 16-Nov.-1978, NJW
1980, 118.
( 5 1 3 )
CANARIS,
Vertrauenshaftung
cit ., 295-301.
(514)
Cuja frustracao, complementando
CANARIS,
acarrete, para a parte a proteger,
as
consequencias insuportiveis de que fala a jurisprudencia do BGH. P. ex., as situacoes de
pessoas que, confiantes no contrato nulo, abandonaram a habitacao ou o posto de trabalho,
sem possibilidade de recuperacio.
( 5 1 5 )
CANARIS,
Vertrauenshaftung
cit., 300-301 ; corn observaccies crfticas, baseadas, porem,
me citacaes que nao conferem, refira-se
STAUDINGER/DILCHER
12
Cit., 5
125, 42 e 43 (3
34
).
requere-se aqui uma boa fe subjectiva com elementos normativos
ligados a exigencias de indagacio e cautela m ais fortes e acrescenta-se,
como factor de relevo, a necessidade de respeito efectivo pelo escopo
que a forma presente pretenderia prosseguir. 0 sistema move
nas inalegabilidades formais torna-se, pois, mais complexo e, como
exprime o dado jurisprudencial, mais necessario, ainda, para o
explicar.
73.
Dificuldades juscientificas; inaplicabilidade ao Direito
portugues; solucio alternativa
I. Apesar do dado jurisprudencial, ainda que explicitado corn
recurso a ideia de sistema m ove , a doutrina encontra dificuldades
para, em nome da boa fe, formular uma regra de restricao as
nulidades fOrmais (
5 1 7
). A partida, deve ser ponderado urn factor
de regime, mas corn a maior importancia dogmatica: no Direito
alemao com o no portugues as nulidades, alem de arguiveis pelas par-
( 5 1 6)
CANARIS,
Vertrauenshaftung
cit ., 301-305. 0 conceito de sistema movel deve-se a
W1 LBURG,
Entwicklung eines beweglichen Systems ins bargerlichen Recht
(1950), 14, p. ex., e foi
precisado por
CANARIS, SyHeMdenket1
2
cit., 74 ss., que faria dole varias aplicaceies em
Vertrauenshaftung
cit ., 301 ss., 312, 373, 3 89 e 529. No essential, diz-se sistema movel aquele
que se ordena em tom b de varias proposicees insusceptiveis de graduacao entre si, mutua-
mente intercambiaveis e susceptiveis de, concretamente, nao actuarem, sem prejuizo para a
identidade do sistema.
VIEH WEG,
Topik und Jurisprudenz
5
cit., 105, considera a ideia de
WILBURG
como integrante do pensamento topico. Nit) tern talk.. 0 tema sera retomado
it fra,
§§ 44.° e 51.°.
( 5 1 7 )
Ji BOEHMER,
Grundbi irgROrd
cit., 2, 2, 99 e
WIEACKER,
Pri tzisierung ci t . ,
29
62 .
t inharn entendido que, nessa jurisprudencia, o BGH fora longe de m ail. Outras observactres
critical constam, p. ex., de
GERNH UBER,
Formnichtigkei t und Treu
und
Glauben
cit., 154, de
LORENZ ,
Das Problem der Aufrechterhaltungformnichtiger Schuldvertrdge
cit., 398-408, corn uma aria-
hse critica da jurisprudencia do RG c do BGH, de
COING,
Form
und
Billigkeit ins modernen
Privatrecht
cit., 35, de
HASEMEY ER,
Die gesetzl iche Form der Rechtsgeschafte ci t . , maxime
294 ss.
e de
LARENZ,
Methodenlehre
4
cit., 383,
Al1gT
5
cit., 377-378 e
SchuldR/A
T
13 cit ., 134-135.
786
exercicio inadmissivel de posicoes juridicas
§ 29.° A inalegabilidade de nulidades formais
87
tes ou por interessados sao, de officio, cognosciveis pelo tribunal (518 )
.
enas
cicio contrario a boa fe, ficam comprometidas: de nada valeria,
ao beneficiario, bloquear a alegacao da nulidade, pela contraparte,
quando, afinal, o prOprio juiz teria, por dever de funcao, d
e a
ja
i que, na chamad a inalegabilidade de vicio formal, se assistiria nao
a
o fazer valer de urn contrato nulo — im possibilidade juridica acen-
tua
da pelo dever funcional do tribunal declarar, de officio, a nulidade
mas sim a actuacao de deveres legais similares aos do contrato malo-
grado
(
52 3
):
a inalegabilidade seria um a sub-hipOtese da proibicao
venire contra factum proprium,
corn a particularidade
de, por
factum
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 76/100
em
prescrevem formas para certas declaracoes, seja da regra que, a inobser-
vincia dessas disposicoes, associa a nulidade
(
51 9
). Tais disposico
e s
52 0
), sendo duvidoso que a simples superacao
de metodos formais axiomitico-dedutivos na interpretacao e aplica-
cao de proposicoes juridicas permita con torni-las.
As tentativas de reducao dogmitica do problema sao menos
discursos explicativos, mais do que teorias susceptiveis de agrupamento
e classificacao. Para alem d as versoes, já referidas, segundo as quais
haveria que lidar apenas corn um com um ex ercicio inadmissivel
de direitos, deve mencionar-se a doutrina da confianca, o recurso a
saidas negociais e o acentuar da prOpria filosofia inerente as prescri-
goes formais.
A doutrina da confianca traga o tema das inalegabilidades
de vicios formais na orientacao de
CANARIS.
Como este Autor
explica, o Adoloso provoca, na ou tra parte, a impressio de que o
negocio 6 eficaz e assume, assim, a confianca desta: deve responder,
pois, pela situacao de co nfianca obtida»
(
5 2 1
). A concessio de uma
pretensao de cumprimento seria, entao, uma necessidade etico-jurf-
dica
( 52 2
). A base positiva da confianca esti na prescricao geral da
boa fe — art.
334.
°, tambem, para as obrigacoes,
762.
°/2 e §
242 BGB;
515
Art. 286.0.
(519)
Nesse sentido v5 o observacoes, p. ex., de
GERNH UBER
e de
LARENZ, ob. e loc. cit.
supra, 785
51 7 .
( 5 20 )
MERZ,
Auslegung, Lf ickenerf i il lung and Norm berichtigung / Dargestel l t an den Bei -
spielert der unzuliissigen Berufung auf Formu ngult ikgeit and des Missbrauchs der Verjahrungseinrcde,
AcP 163 (1963), 305-345 (314).
( 5 21 )
CANARIS,
Vertrauenshaftung
cit ., 277; tambem 289-290. Recorde-se que
CANARIS
cinde o problema das inalegabilidades em respondencia por confianca derivada de compor-
tamentos dolosos —
Vertrauenshaftung
cit., 273 ss. — c de comportamento contraditorio
— e r t r a u e n s h a f t u n g
it., 287 ss. — correspondences aus
dol i prateri tus e praesens.
Sem grande
utilidade.
( 5 22 )
CANARIS,
Vetinnief/Shaftting
cit., 278.
CANARIS
sujeita-se, neste ponto, Is criticas
ji formuladas
supra,
757.
de
/ 5 2 4
proprium, aparecer um contrato formalmente nulo ). Ji se viu
que tal orientacio tern, pelo meno s, o m erito de sistematizar, ainda
que em term os moveis, o dado jurisprudential.
Esta construcao implica, com o se sabe, a aplicacao, ao
factum
proprium,
por analogia, das disposicoes prOprias dos negOcios juridi-
cos
(
52 5
). Fecha-se, pois, o circulo, proclamando que o contrato nulo
6, pela sua natureza voluntiria com o pelos seus regime e efeitos, urn
contrato verdadeiro, ao qual, por razeies que compete aos defensores
do fenOm eno explicar, nao sao apliciveis as disposicoes cominadoras
de fo
peserna
n
v
2
0 1
);
Desenvolve-se, num terceiro vector, o tema do escopo visado
pelas disposicoes que impeiem formas determinadas para certos actos
juridicos, e que foi sublinhado, em especial, por LORENZ e por
C O I N G (
5 2 7
).
Corn base no escopo da prescricio de forma, CO ING isola uma
serie de casos onde a necessidade de forma n
-
o poderia ser afastada. Sao
des: o registo, a forma que visa a proteccio de certos terceiros, os casos
em qu e a lei prescreve, para a nulidade, procedimentos particulares —
como no despedimento — as disposicoes de i.ltima vontade, os actos da
administracio ptiblica e a estatuicio de certas sanceies de tipo especifico (
5 2 8 )
521
) Cf
CANARIS,
Vertrauenshaftung
cit ., 267-268, 279 e 293.
(524)
A reconducio das nulidades formais ao vcfp constava ji de
BOEHMER,
Grund-
burgROrd 2, 2, 96 e 99, de
WIEACKER,
Pazisierung
cit., 28 e
Hoferbenbestimmung durch
schliissiges oder Sozialtypisches
VerhaIten?
cit., 289, de
ARNDT,
Zur exceptio doll bei Schwarzkaufer
cit., 805, de Comic,
Form and Bi l l igke i t im
modernen Privatrecht
cit., 37 e de
LO RENZ,
Rechtsfolgen formnichtiger Schuldvertrage
cit., 436; cf., tambem
STAUDINGERMILCHER, BGB12
Cit.,
§ 125, n.° 40 (333) e
SOERGEL HEFERMEHL,
BG B
1 1
cit., § 125, n.° 32 (573-574).
( 5 25 )
CANARIS,
Vertrauenshaftung
cit., 452.
( 5 26) WIELING,
Venire contra factum proprium
cit., 342.
( 5 27 )
LO RENZ,
Das Problem der Aufrechterhaltung formnichtiger Schuldvertrage, maxime
413
e
Rechtsfolgen formnichtiger Schuldvertrage
cit ., 436 e COING,
Focus and Bi l l igkei t im modernen
Privatrecht
cit ., 35 e 48 ss..
( 82 8
)
COING,
Form a nd Bi l l igkei t
im
m o d e r n e n
Privatrecht
cit., 48-50. A enumeracio de
Conic é urn tanto heterogenea, incruindo aspectos como o registo, que n
-
ao se liga a forma
das declaracoes, e a situacio de terceiros, tutelada mesmo perante negocios vilidos.
788
exercicio inadmissivel de poskaes juridicas
II. Tudo isto a
pouco satisfatOrio (
52 9
). 0
venire contra factum
proprium
constitui um tipo nao compreensivo de exercicio inadmis-
sivel de direitos. Como tal, tern grande extensao. Uma parte
importance das inalegabilidades formais 6-lhe, pois, redutivel, corn
a especificidade, apenas, de, ern vez de se inovar so contra a regra geral
da nao v inculabil idade dos com portamentos no destinados, especifi-
29.0 A inalegabi l idade de nul idades formais
89
III. As saidas negociais, tipo
WIELING,
para o problema das
inalegabilidades formais nao se poem, tambem, em termos identicos
aos bosquejados para o
venire cont ra fac tum proprium.
Neste, como
s e
viu, a decisio pela porta negocial depende da natureza a atribuir
aos chamados comportamentos concludentes e do relevo dado a
nsciencia da declaracao (
5 3 1
). Nos negOcios nulos por vicio de forma
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 77/100
camente, a criar direito, se actuar, tambem, contra as normas que
prescrevem a forma e contra aquelas que associam, ao desrespeito
pelas primeiras, a nulidade. Mas se em muitos casos o alegar nuli-
dades formais 6, de facto,
venire contra factum proprium , isso
no cons-
titui regra absoluta: tenha-se em mente todo o ciclo jurisprudencial
tecido em tomo da «sucessio na quinta onde a inalegabilidad
e
is
atingir terceiros, estranhos, por definicao,
ao factum
proprium. A hip6-
tese pode ser ampliada sem dificuldades. Como nao faria sentido
bloquear a alegaeao duma nulidade pela contraparte para permitir,
afinal, o mesmo efeito, atraves da sua invocaeao per qualquer
terceiro interessado, deve admitir-se uma inalegabilidade geral.
Os terceiros nao praticaram quaisquerfacta
propria.
A
reconducao da
alegac'ao indevida de nulidade formal a proibicao de
venire contra factum
proprium,
so por si, nao explica todo o fenOmeno em jogo. Mas
isso nao perde toda a construcao de
CANARIS.
Ficou assente a viragem
da jurisprudencia mais recente para o tema da proteceao do reu em
accao de nulidade e, portanto, para a necessidade de ponderacao da
sua situ* concreta como forma de valorar se 6, ou nao, de conceder
a inalegabil idade. Con sequentemente, esmoreceu a po sielo do autor,
o que, correspondendo a decadencia da
exceptio doll
atinge, tambem,
o
venire contra factum proprium.
Ora esta atitude equivale, por
excelencia, a indagar do «investimento de confianca* realizado pelo
benefici irio da paralisacao da nulidade e a proteger a sua confianca,
quando h aja bloqueio efectivo dessa nulidade.
A
doutrina da confranca
transcende o
venire contra factum proprium
nos seus e feitos estritos.
A
sua aplicacao as inalegabilidades formais, so possivel dentro d as coorde-
nadas prOprias da sistemitica mO vel proposta por
WILBURG/CANARIS,
representa um avanco considerivel. Uma ponderacao definitiva
tern, contudo, de ser global; far-se-a, por isso,
oportunamente
( 5 3 0 ) .
(us) Outros institutos vem tratados a proposito das nulidades formats, como, p. ex.,
a
culpa in conirahendo.
Embora ela possa, de facto, acompanh ar os efeitos de contratos
corn yid° formal, nao ha que menciona-la a proposito de inalegabilidades, de que se distingue
conceptualmente.
(
5
")
I n f r a , §
49...
eo
salvo o caso pouco mais do que academic° de ser feita uma
declaraeao conscientemente nula e, como tal, conscientemente nao
negocial — e de admitir tal consciencia, sendo ainda certo que des
so dependem de comportamentos concludentes no negociais se as
normas que determinam a form a e prescrevem, para o seu desrespeito,
a nulidade, lhes impuserem tal natureza. Tudo esta, pois, em saber
ate que ponto as normas referentes a nulidade podem ser contor-
nadas por comportamentos negociais: possa uma interpretacao restri-
tiva abrir as portas, em areas formais, a declarac5es que, nao tendo o s
requisitos de forma exigidos, respeitem contudo o espirito da lei, e as
obrigacoes derivadas do acto assim ressalvado tern natureza nego cial ;
demonstre-se, pelo contririo, a impossibilidade dogmitica de tais
restricoes e apenas obrigacoes legais — por muito semelhantes que
sejam a regulacao falhadamente planeada pelas partes — podem em er-
gir, vivas, da nulidade. A solucao depende, em Ultima anilise, do que
for encontrado em sede de normas referentes a forma e a nulidade.
IV. A anilise das disposicoes legais que prescrevem certas for-
mas e, em caso de inobservancia, a nulidade, dada a linearidade das
proposicoes respectivas, recorre, como 6 sabido, a factores teleo-
lOgicos. Trata-se de indagar o escopo preconizado por tais normas:
estando esse escopo assegurado, a aplicacao dessas normas poderia
ceder, sem incorreccao, a de ou tras regras. Estes raciocinios nao estao
claros na doutrina que os preconiza: hi, pois, que deles dar uma
imagem mais precisa antes de proceder a uma apreciacao. A nao
aplicacao das regras referentes a forma pode derivar da sua limitaeao
imanente pela boa fe ou de reducao teleolOgica. Na primeira hip6-
tese, parte-se da ideia de que as normas juridicas nao comportam
interpretacoes e aplicac6es microcOsmicas: é sempre o Direito,
em conjunto, que se aplica. As regras respeitantes a forma funcio-
nam, assim, em simultaneo, corn todas as restantes que, ao caso, se
(
5 3 1
) Supra, 769.
790
exerc ic io inadm issive l de posioks ju rid icas
§ 29.° A inalegabilidade de nulidades formals
91
possam reportar. Se, aparentemente, nao ha m ais nenhum
a nessas
a
e s e n c
;
da boa fe deve entender-se em termos sensatos. Se, como
q
u e r
GERNHUBER
—
embora acabe, afinal, por apresentar solucCies diversas
— as norm as que prescrevem formas, associando-lhes, em caso d
otendimento, caso fosse propugnado, representaria uma fO rmula
consistente na defesa de inalegabilidades formais. Levantam-se, porem,
obsticulos.
A
analogia tern limites. Em principio, nao a possivel
a a
plicacao analOgica de normas excepcionais — art. 11.° — nem de
normas integrantes de tipicidades taxativas — art. 1306 .°/1 (
5 3 6
).
Subjacente a essa impossibilidade, nao deve apontar-se uma con-
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 78/100
e
o c o s
erupcao da boa fe (
5 3 2
). A reducao teleolOgica co nsiste em restrin
gir
Distingue-se da interpretacao restritiva porque esta im plica, qu
an
do
aquela ( 5 3 3
); na reducao teleolOgica, pelo contrario, letra e espirito
da norm a sao restringidos em funcao do seu escopo o u, se se quiser,
das suas razoes justificativas. Com o explica
LARENZ:
a reduca
o
esta para a interpretacao extensiva (
5 3 4
). A hipOtese de uma reduclo
teleolOgica das normas referentes a forma nao tem sido considerada,
apesar de, a partida, ela surgir mais convincente do que a sua
l imitacao imanente pela boa
f e .
Para a co ncretizar, bastaria coligir
os escopos visados pela prescricao de forma, de que se recordam :
a defesa contra precipitacoes das partes, a clareza do contetido, a publi-
cidade e o acautelar da posicao de terceiros. Sempre que tais escopos
estivessem assegurados no caso concreto, a pretensao legal ficaria
satisfeita.
A
forma, so po r si, nao se explicaria; a sua pretericao nao
justificaria, de modo algum, a sane ao radical da nu lidade (
5 3 5 ). Este
( 5 3 2 )
GERNH UBER,
Formicktigkeit and Treu and Glauber:
cit., 161. Explica-se af, designada-
mente, que onde existe
ius s tr ictum
o legislador, no conflito entre equidade e outros valores,
tomou posicio a favor dos tiltimos).
( 5 3 3 )
OLIVEIRA ASCENSAO, O
Direitoz cit . ,
379.
( 5 3 4 )
LARENZ,
Methodenlehre
4
cit., 377. Cf
ENN. iNIPPERDEY,
AllgT
15
(1959) § 59,
II
(347-348 ), falando, por6m, em restr icio.
(535)
Ocorre crit icar aqui as posicoes assumidas por HAsobtAvER,
Die gesetz l iche Form
der Rechtsgeschaf te
cit., 307
maxime,
segundo o qual *a nulidade de negOcios formals por falta
de forma 6 expressio da unidade do negocio juridic° e forma*. De facto, como dia
esse A., o neg6cio juridic° 6 forma —
ob. cit.,
21; mas a form a nib 6, isoladamente tornada,
50-
dos factos, ainda que para meros efeitos expositivos ou, como tal, apresentados, tem
efectivamente influxo na sua substancia, nao se conclui que a via de comunicacio utl
-
lizada — oral, escrito particular, escritura publica
nterfira no contetitio. Ou, se se prefenr
,
junclo
dogmaticista derivada de simples jogo logic°, tecido em torno
do principio da identidade ou da nao contradicao — embora esse
jogo tenha consistencia e nao deva, por isso, ser rejeitado de animo
ligeiro; a analogia pressupoe lacuna e, a nivel de normas excepcionais
ou tipicas, por definicao, nao ha lacunas: uma ausencia eventual de
regulacao 6, automaticamente, um a permissao de agir, fonte, por
exemplo, de licitude no cam po do D ireito penal ou de efeitos juri-
genas obrigacionais, no campo do Direito civil (
5 3 7
). Na mesma linha,
a reducao teleolOgica tern lim ites.
A
reducao opera porque existe
uma falha na regulacio aparentemente plena: urn ponto que, por fora
de razoes justificativas diversas, devia ter merecido urn tratamento
diferente e que foi englobado na norma a reduzir (
5 3 8
). A reducao
impossivel nas regulacZies intrinsecamente plenas, isto
6 ,
nas areas
onde o legislador, de mo do declarado, desistindo de tratar o igual,
a ch. *forma legal* das declaracoes nio 6 verdadeira forma negocial mas, do s6, via de
exteriorizacio. Duas condusOes: o mesmo neg6cio pode revestir vir ias formas, sem prejufzo
da regulacio que estabeleca — p. ex., o testament° — e a sancio para o vicio na forma nao
necessariamente, a nulidade — p. ex., as invalidades mistas dos arrendamentos. Uma pretensa
unidade entre forma e negocio nao implica, so por si, a inadmissibilidade de limitacoes, como
como pretende
HASEMEY ER,
Die gesealiche Form der Rechtsgeschafte
cit., 294; tal inadmissibilidade,
a ocorrer, deriva do regime ex trinseco atr ibuido a forma e nao de urn inex istente potential
intrfnseco delta.
( 5 3 6)
OLIVEIRA ASCENSAO,
A t ipicidade dos direitos reais
cit., 58
(537)
Por isso, os actos celebrados em contravencio a tipicidade dos direitos reais sio,
legalmente, convertidos em actos obrigacionais. A concepcio, aqui perfilhada, quanto
Impossibilidade de lacunas — e portanto de analogia — nas areas onde, por imposicao da lei,
imperem regimes de tipicidade taxativa foi defendida em
MENEZES CORDEIRO,
Da
constituicdo
fiscal,
(1977, dact.) e em
D. Reais cit., 1, 462 ss.. A sua extend
° a norm as excepcionais
nio oferece chividas.
(
53 5
) A reduclo teleologica pode, por isso, ser usada na determinacao de lacunas ocultas;
c f .
CANARIS,
Die Feststellung von Liicken im Gesetx
(1964), 82 ss. (83-84); como explica
C A N A z u s ,
Feststellung von Likken
cit., 87, a reducio teleologica aparece associada intimamente
a analogia, uma vez qu e a norma de aplicacio analogica perm ite detectar a necessidade de
reducbo e, em sim ultineo, soluciona a lacuna oculta. Por maioria de ratio, pode associar-se
a reduclo teleolOgica a aplicacio directa de outras normas.
793
0 exercicio inadmisstvel de posicaes jurtdicas
igual e o diferente, diferente, de acordo com a medida da dif
e
_
renca, impOs uma saida uniforme. Ou, se se quiser manter o pri-
mado da teleologia: a finalidade do legislador ao instituir a forma
em
a nulidade, nao a prosseguir os valores de reflexao, seguranca e publi-
cidade atribuidos ao formalismo clissico no d ireito
(
539
). Esses factores
traduzem apenas elementos de politica legislativa, que o legislad
bS
29.° A inalegabilidade de nulidades formals
gracao jurisprudencial, o problema teria, provavelmente, sido classi-
ficado impossivel, pela doutrina
(
540
).
Deve considerar-se como adquirido que, na alegaclo, por parte
do
c
o-contratante ou de terceiro, de uma nulidade formal, nao ha
exercicio de direito nem de posicaso juridica similar
(
541
):
o facto de
ta
l nulidade ser constatavel, de oficio, pelo tribunal, demonstra,
insofismavelmente, o haver, nela, uma situacao externa indisponivel,
792
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 79/100
or
neste ou naquele caso. A finalidade do legislador foi, simplesmente,
igualizar, sob a forma, todas as declaracoes negociais atinentes a
certos sectores e uniformizar, sob a nulidade, todas as violacOes a
regra anterior. A reducao teleolOgica de normas deste jaez equivale
a violacao do seu escopo. Como tal,
é
impossivel.
A aplicacao dos arts. 220.° e 286.°, bem como de todos
aqueles que, corn primado para o art. 875.°, prescrevam forma
s
V. 0 problema das inalegabilidades de vicios formais carece
de uma revisao de conjunto. 0 desenvolvimento anterior demonstra
uma situacao de aprofundar periferico ainda muito incipiente: certos
casos de inalegabilidades ou determinados aspectos da questa°
encontram-se estudados, sem que as solucoes preconizadas num local
possam, sem mais, aplicar-se noutros. Nio fora a sua efectiva consa-
(539) HAsEritEvER,
Die gesetzliche Form der Rechtsgeschiffte
cit . , 166 e 167, embora para
efeitos nao coincidentes corn. os que figuram no texto, entende que os escopos das prescricoes
sobre forma n ab s5o relevantes. Contra, manifesta-se
K.-H.
BERNARD,
Formbedinft ige Rechts -
ge s c h a f te / h i h a lt s e r mi t tl ung , Wang m i d F as s ung de r U r kunde ne r k l e ir ung
(1979), 34; explica al,
designadamente, que as disposicoes references a forma precisain, como quaisquer outras, de
ser interpretadas e, para isso, a ponderacio do escopo a imprescindivel . Apenas entende os
escopos das prescricaes de forma c omo irrelevantes, quando se trate de apreciar a v al idade
de mu negocio que nao assuma a forma por de determinada —
K.-H.
BERNARD
Formbediirftige
Rechtsgeschajie
cit., 48. E
preciso, de facto, distinguir. Quando se tram de ponderar a
interpretaclo das disposicoes legais que cot/linen, formas especificas para negOcios determinados,
cm especial pars verificar o ambito de aplicacao, o escopo da forma 6 um elemento relevante,
como m anda, al ias, o Codigo portugues — art. 221. °. Uma coisa 6, porem, uti l izar o escopo
da prescricio de forma para ver se certos actos s5o ou nib abrangidos e outra
6,
depois
de se ter concluido pela inclusio de actos no am bito formal, ressalvar , em nome da obtencio,
por outra via que nib a da forma legal, dos escopos prosseguidos pela prescricao de
forma, actos com vicio formal. As prescricoes de forma sic) plenas: essa plenitude so se
revela depois de concluida a aplicabil idade das normas que co ntenham.
que transcende conjunceies subjectivas. Acresce ainda, como foi
visto, que as normas implicadas tern natureza plena, insusceptivel
de reduclo teleolOgica. Esta realidade nao deve permitir, contudo,
urn rejeitar apressado das regras atinentes ao exercicio inadmissivel
de direitos, por contrariedade a boa fe, embora obrigue a sua
r
ecol
s
uba
iaclo
;
nte a nulidade havers sempre uma ou mais situacOes
jussubjectivas que, perante tal nulidade, se mantem. Na venda nula,
por exemplo, conserva-se o direito de propriedade do vendedor.
Esta situacao jussubjectiva
é
de exercicio voluntario e, como tal,
sujeita-se a certas regras. 0 dever de officio do juiz nao vai ao ponto
de, por este, substituir a liberdade de actuacao; mas compete-lhe
averiguar se essa liberdade nao a usada por forma a ultrapassar os
limites que o Direito objectivo the comete
(
542
). A posicao subjectiva
initial, presente porque ha nulidade, nao pode ser mais absoluta
do que qualquer outra situacao comum. Por isso, como todas, ela
nao pode ser exercida de modo inadmissivel, ou seja, pelo esquema
do art. 334.°, ela nao deve ser actuada, manifestamente, contra
a boa fe, os bons costumes ou o fim social ou economic° que, ela
(
940
) Explica-se, assim, as dificuldades sentidas pela tematica das inalegabilidades de
vIcios formais na sua expansbo; na pritica, esti circunscrita a Alemanha e a Suica: p. ex.:
Comm,
Form and Bi l l igke i t im modernen Privatrech t ,
40 ss. (45); quanto ao tratamento do pro-
blema da dou tr ina suica, muito aquern do alemio, /vim/Berner
Ko m m
cit., Art. 2, n.° 462-510
(346-361).
(541)
Existe, apenas, o ch. direi to de accio judicial ou, corn exa cticl io maior , a possi-
bilidade de colocacio judicial do problema; esta, sendo generalizada, permite exprimir,
dentro de uma l inha de interaccio funcional entre processo e Direi to material — cf .
TEIXEIRA
DE SOUSA, 0
objecto da sentence; e o casojulgado mater ial (0 es tudo sobre a funcionalidade processual) ,
BMJ 325 (1983), 49-230
(maxime,
216) e
Sobre a teoria do processo dec larat ivo
(1980), 123 ss.
— a supra-jussubjectivacio da realidade subjectiva.
(
942
) Assim, quando o art. 243.°/1 impede o arguir da simulacio, pelo simulador,
contra terceiro de boa fe, visa tutelar o direito deste ou, se se quiser, impedir o exercicio
do direito material do simulador por forma a prejudicar o terceiro em causa, nos termos ja
analisados.
-
796
exercido inachnissivel de posifiies juridicas
contriria a regras juridicas, incluindo a prOpria boa fe, altura em que
ocorre a cu/pa in
contrahendo,
podem, corn facilidade, constituir-
s e
cao — tomaria corpo aquando da alegacao da nulidade, ou do seu
proprio reconhecimento, por officio, pelo tribunal. Tern, entao,
cabimento o arbitrar de uma indemnizacao em especie — art. 562.•
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 80/100
a situacao do direito
exercido durante urn
S
por,
e-lo or de outra
que, nao tendo sido,
determinado lapso de
forma, se contrariar
e 566../1, a contrario —
que, procurando recon stituir a situacao a qu e
se teria chegado se nao tivesse havido prevaricacao, corresponda,
materialmente, ao cumprimento do contrato nulo, mediante a contra-
prestacao acordada, devida agora a titulo de compensacao necessiria
para evitar enriquecimentos indevidos. Em termos de m era descricao,
pode afirmar-se que, con statando a iniquidade da oco rrencia, o tri-
bunal, embora adstrito as regras plenas da nulidade, tem a possi-
bilidade de, a titulo indemnizatorio, determinar o acatamento do
contrato. As obrigagoes dai derivadas tem, no entanto, origem
na situacao de responsabilidade civil e nao no contrato viciado,
assumindo, por isso, natureza legal. 0 seu regime, no qu e nao tenha
sido inflectido pela sentenca condenatOria, pauta-se pelo do contrato
fracassado, pois essa é a m edida exacta do dano a ressarcir. Tudo
isto pressupoe como assente a assercao, ji demonstrada, de que,
perante conjunturas danosas contratuais, hi, pelo Direito portugues,
que considerar todo o dano provocado e nao, apenas, o chamado
interesse negativo, relegado para a HistOria do D ireito.
A solucao alternativa aqui preconizada para as clissicas inalega-
bilidades formais deve ler-se dentro de um esquema geral que,
aflorando na
culpa in contrahendo
e noutros institutos, como as pro-
prias conversao e reducao dos negO cios, traduz a actualidade do
combate contra o formalismo, num a linha de que quaisquer injusticas
— para o caso, danos ilicitos — tern sempre solucao de Direito, den-
tro ou fora do sistema legal estrito.
§ ,
30.°
A «SUPPRESSIOD E A «SURRECTIO*
74. A «suppressio»;
evolucao jurisprudencial; colocacio dou-
trinaria
I. Diz-se
suppressio
em certas circunstancias,
tempo, nao possa mais
a boa fe.
Pretende introduzir-se o termo
suppressio
para exprimir a
Verwirkung.
Na dou trina portuguesa ji foram utilizados, corn esse efeito, os termos
caducidade (
5 4 5
) e exercicio inadmissivel do direito (
5 4 6
). Mas sem razio:
«caducidade* é a extinclo de um a posicio juridica por decurso de um
prazo a que esteja sujeita e que, nada tendo a ver corn a boa fe,
goza de regime explicito — art. 328 .° ss.; «exercicio inadmissivel do
direito* 6 a expresso consagrada para, no dominio da doutrina da segunda
codificaclo, designar o que em F ranca se diz de «abuso do direito*, embora
em termos mais amplos. Poderiam ser feitas outras tentativas: «decaden-
ciax, «inibicao*, «paralisacao*, precluslo* ou «perda•. Porem, a «decadencia*
6 usada por
AA.
brasileiros com o sentido de caducidade (
5 4 7
), a «inibicIo*
(
3 43
) VAz Sena,
Abuso do direi to ci t . ,
331, que reconhece, alias, a inconveniencia de
tal traducio e
MANUEL DE ANDRADE,
Algumas quest5es ern materia de injsirias graves cit.,
74
3
, quo
constata, tambern, a impropriedade dos termos oparalisacio*, eperda* e oprecluslon cf.
CUNHA
DE
S A ,
Abuso do direito cit.,
65 48
. A expressio gcaducidado surge ainda
na trad. port. cit. de
WIEACRER,
His t . D .
Pr.
Moderno,
596-597, com o sentido de
Verwirkung,
sendo ainda, corn essa
mesma finalidade, usada por CAsTAmmitA
NEVES,
Licaes de introducio ao escudo do D irei to
(1968.69, polic.), 157
20 3
.
(546)
CuNkrA
DE Si,
Abuso do direito cit.,
65.
(547)
tambitn esse o sentido que .ciecadencia• tern no direito italiano; cf. art. 2964-
-2969 do Cod. it.. Apesar disso, a
Vertvirkung
surge, em livros de d outrina italianos, expressa
como
decadenza,
o que nao a correcto.
NABHOLZ,
Verjohrung and Verwirkung als Rechts-
untergangspinde i t folge Z eitablaqfs
(1961), suico, n5o
obstante ser citado na doutrina a
propOsito da
Verwirkung em sentido pr6prio, utiliza o termo como caducidade —
ob. cit.,
72
— e considera-a equivalente a
decadenza
italiana, congratulando-se por, a esta, o C6d. it.. ter
52
798
exercicio inadm iss ivel. de posicOes jur idicas
implica um a ideia de nao possibilidade transitoria de exercicio, tendo
conotagOes tecnicas corn sectores espedficos, como ocorre corn a inibica
o
ou a inibicao do direito de conduzir, p. ex. (
5 4 8
), a o paralisagi
o
,
associa-se ao funcionar de um a excepcio de D ireito material, podend
o
emergente do decurso do prazo ou a outros efeitos igualmente impediti-
.§ 30.° A <
suppressio*
e a ssurrec t ios
99
1Zeichsoberhandelsgericht.
A
questa()
e
squematiza-se desta forma: os
§
§ 346 ss. HGB, na
versao em vigor na altura, permitiam ao
vendedor na compra e venda comercial, havendo mora do comprador
no levantamento da coisa, a sua venda de oficio, atribuindo-lhe,
ainda, uma pretensao pela diferenca do preco (
5 5 0
). A lei nao
fixava, porem, urn prazo para o exercicio destas faculdades. Podia,
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 81/100
vos, mas sempre determinados e a operda«, para alem de ji ter um
sentido tecnico especifico nos direitos reais (
54 9
), equivale a extincao,
seja ela qual for, de urn direito. 0 recurso a expressties compostas
levaria a introducao de qualquer coisa como «ex tincao de um direito
por exercicio tardio contrario a boa fen o que, sendo incomodo, postula-
ria de imediato o tratar-se de extincao, o qu e nao a certo.
Para o progresso de uma Ciencia, ha que, a realidades autanomas,
atribuir expressoes proprias e a conceitos novos, nominacoes novas, sem
confusao corn factores ji existentes. Fique, pois, aguardado melhor,
uma traducao latina de
Verwirkung,
nao comprometida: a
suppressio.
IL A
suppressio
tern origem jurisprudential. As suas manifes-
tacoes mais antigas deram-se no dominio da venda de did() corner-
cial, a favor do comprador, ficando consignadas em decisoes do entio
dado tratamento expresso nos arts. 2964-2969 —
oh. cit.,
55. A doutrina suica conhece bem,
no entanto, a diferenca, ficil alias, entre as duas figuras. Cf. MERz/Berner
Komm
cit.,
Art. 2, n.° 513 (362). Note-se, contudo, que antes, tambem na Suica, BL UM ENSTEIN,
Verwirkung and Ablauf der Befris tung als Endigungsgriinde von Privatrechten nach modernen
Gesetzen
(1901), tentara firmar, para a
Verwirkung,
urn sentido tecnico preciso que, desta feita,
nada teria, sequer, a ver corn o decurso do tempo, directamente. A
Verwirkung
seria, para
BL UMENSTEIN,
a perda de urn direito associada, pela lei, a determinados comportamentos do
seu titular —
Verwirkung,
cit., 6 — distinta do mero decurso do prazo
— idem,
76.
CAS-
TANHEIRA NEVES,
Questsio-de-facto
cit., 289
3 3
, di, da
Verwirkung,
que nio traduz, uma definiclo
semelhante a esta; n
-
ao indica, porem, as suas fontes. Em livros franceses aparece, tambern,
o termo
dicheance,
como form ula para traduzir o al.
Verwirkung.
(
5 48
) Tendo, nos dois 61timos exem plos, conotacoes punitivas estranhas d
suppressio.
M. DE ANDRADE,
Algumas ques tde s em ma t i r ia de in ja r ia s g raves c it . ,
74
3
, afirma que, na
Verwirkung,
o titular do direito coma-se como que indigno de o exercer, o que se poderia ligar
a
ideia da inibi43o
tanto mais que o termo
Verwirkung
surgia, nos antigos §§ 1676 e
1679 do BG B, hoje revogados, corn ease sentido, que nada tern a ver corn a
Verwirkung
na boa
fe;
cf.
KRUCK/vIA NN,
Verwirkung, Besi tzstand, getarnte Au sschulssfrist, Unzluassigkei t der
Rechtsausiibung,
ZHR 104 (193 7), 106-156 (10 7), que estabelece, ainda, a ligacio corn a indigni-
dade sucessoria, § 2333 BG B e
WIPPERMANN,
Die Verwirkung, ein neuer Rechtsbe gri f f
(1934),
2 ss.. 0 proprio M.
DE ANDRADE,
ob. e lot. cit. ,
acaba por utilizar o termo
« p a r a l i s a c i c o ,
que nao se acolhe pelas razaes abaixo apontadas, no texto.
( 3 43
) Significa, al, a saida fortuita de uma coisa do poder material de uma pessoa, tendo,
como consequencia, a extinclo da posse — art. 1267. °/1,
b) —
e a possibilidade de achamento
— art. 1323.°;
cf.
MENEZES CORDEIRO,
D. Reais
cit., 2, 699 e 777.
pois, acontecer que o vendedor, dand o a impressao de se ter desinte-
ressado do contrato viesse, mais tarde, inesperadamente, a actuar as
suas
pretensoes,
de mod o ruinoso para o comprador. Entendeu-se,
bete,
haver ai, em certas circunstancias, uma demora desleal no
exercicio do direito, contraria a boa
fe.
Uma primeira decisio do ROHG, de 8-Abr.-1873, que represents
um caso claro de
suppressio,
nao se reporta, no entanto, ao tema das
vendas de oficio. Discutia-se a situaclo emergente dos factos seguintes:
num con trato de fornecimento, o com prador queixa-se de ma qualidade
do produto: o vendedor envia-lhe um a carta pedindo provas concretas
dos defeitos alegados e afirmando que, ate ter uma resposta, suspendia
os fornecimentos; o comprador no responde; dois anos volvidos,
exige o cumprimento do contrato, nos termos acordados; o ROHG
decidiu que sum tal procedimento a totalmente inconciliavel corn a
boa fe, tal como a requerida no trafego comercial* (
5 5 1
) .
Em R OHG 10-Iun.-1876 decidiu-se perante estes factos: a A. tinha
vendido ao R . urn certo ntimero de acceies, que este nao levantara;
a A. vende-as de oficio e accion a o R. pela diferenca; o tribunal, corn
transito em julgado, recusa a accao por se demon strar que o R. nao
estava, afinal, ainda, em m ora; dois anos volvidos, o A. adquire o
mesm o mim ero e tipo de accoes e, sem sucesso, pede ao R. que as
levante; vende-as, end°, de oficio e acciona-o pela diferenca em
relacio ao prep acordado no contrato inicial. 0 ROHG constata a
ausencia de prazo legal para o exercicio da posicao juridica
em
jogo;
mas acrescenta: «Pode, contudo, existir urn
tal
limite [temporal] atraves
da
consideracao pela bona fides e pela natureza das coisas, o que se verifica
neste caso (
5 5 2
) .
E em ROGH 20-Out.-1877: num contrato de fornecimento,
o A. vende de oficio a mercadoria e acciona o R. comprador pela
( 59
Dispoem, actualmente, os §§ 373-374 HGB; a v enda de (Akio requer, pars alem da
mora do comprador, que se trate de coisas insusceptiveis de dep6sito, que se proceda a licitacio
pablica
e
que esta tenha lugar no sitio do cumprimento —
c e s s r . . u 3 / c A b r A r u s ,
Handel sR
19
(1980), 180-181;
BAUMBACH/DUDEN/HOPT, HGB
24
(1980), § 374, n.° 7-8 (762-766); Wihum.r-
GER /Roraima
/Grosskomm
HG B
3
(1970), §§ 373-374, n.° 40-61 (303-310);
SCHLEGEIBERGER,
HGB
4
(1965), n.° 20-39 e 39 ss. (2042-2048).
(
5 3
9 ROHG 8-A br.-1873, ROHGE 9 (1873), 406-413 (412; cf. , tamb6m 413).
,
552
,
ROHG
10
-
Jun.-
1876,
ROGHE 20 (1877), 335-339 (335 e 33 6).
800
exercicio inadmissivel de posicaes juridicas
diferenca de preps; perde a accao corn transit° em julgado; Um
ano
olvido, o
A.
acciona de novo, o R., desta feita para cumprimento do
contrato; o
ROHG
acentuou que a pretensao de cumprimento do A
emergira, em principio, intacta da primeira accao, perdida apenas por na
o
verificarem os pressupostos respectivos; simplesmente, o atraso regis-
tado no seu exercicio prejudica-a em definitivo; o exercicio de urn d ireito.
contratual spode ser limitado no tempo, quan do em tal limite derive d
a
e
§ 30.° A Qsuppressio e
a «surrectim>
01
ela apareceria repetidamente numa serie de institutor singulares, como o
acham ento e a usucapiao. A analise das primeiras deciseies judiciais que
marcara.m a
suppressio
nao revela, porem, tacos culturais e, muito menos,
dogmaticos, coin institutes germanicos antigos; ela surge, pelo con-
tririo, como esquema novo destinado a cnfrentar problemas novos.
Os niveis justificativos verbais, que comportam, remontatn a tradicao
r
o m a n i s t i c a ,
o que
é,
alias, demonstrado pelo recurso a
bona f ides.
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 82/100
e da natureza das coisas, sempre que o exerci
c
i
o
tificada para a outra partea (
55 3 ) .
Como se calcula, todos estes casos tem em comum alteragoes
substanciais no valor das m ercadorias, que tornavam os pregos acordados,
nos contratos iniciais, ruinosos para os vendedores, no primeiro caso,
e
A orientaclo do ROHG foi confirmada em varies decisoes do
RG
(
55 4
). Alguma doutrina da decada de trinta, na sequencia, em
especial, de
ENDEMANN
( 55 5
) e de
KRAUSE
( 55 6
) pretendeu reportar a
suppressio
ao velho instituto medieval alemao da
Verschweigung
(557)
Pela
Verschweigung —
poder-se-ia dizer ssilenciamento* — quern, perante
o estorvar do seu direito, se calasse durante ano e dia, deveria calar-se
para sempre
(
55 8
); embora esta proposicao nao constituisse regra
g e r a l ,
( 553 )
ROHG 20-Out.-1877, ROHGE 23 (1878), 83-87 (83 e 85).
( 554)
Assim, em RG 8-Nov.-1893, RGZ 32 (1894), 61-65 (62 e 64), entendeu-se ser
inadmissivel uma demora desleal no exercfcio da faculdade de vender de officio, nomeadamente
quando o preco da mercadoria tivesse, entretanto, descido em terinos consideraveis. Decisio
semelhante, corn referencia a
bona fides,
foi tomada em RG 11-Dez.-1895, RGZ 36 (1895),
83-89 (88). Algumas das decisoes acima refer idas vem tratadas em OTTO-WO LFGA NG FISCHER ,
Die dogmatischen Grundlagen der Verwirkung
(1936), 3, ens 'CAR/MANTAS,
Die Verwirkung / EM
Bei trag zur Lehre von den zei t l ichen Schranken der Ausi ibung d er subjektiven Rechte
(1938), 16
— K. considera ROHG 10-Jun.-1876, ROHGE 20 (1877), 336, como a primeira consagracao
da
suppressio,
o que nao é exacto — em POTOTZRY,
Die Verwirkung irn Patentrecht
(1933), 15,
em HELMUT SCHMIDT,
Die Rechtsnatur der Verwirkung
I
Eine kri t i sche Utnersuchung zur Lehre
missbniuchlicher Rechtsausiibung nach heutigen Recht
(1938), 14, em WIPPERMANN,
Die Verwirkung
cit., 5-6 — foca a natureza de criacio jurisprudencial da
suppressio,
embora s6 mention
decisOes do RG e em R. GEIGEL,
Die Verwirkung von Rechtet t durch N ichtausi ibung (Eine
rechtsvergleichende Utnersuchung)
(1938), 14-15.
( 555)
ENDEMANN,
Die
V e r s c h t v e i g e r u n g
des Aufwertungsanspruchs,
DJZ 1928, 693-696
(694), citando o
Sachsenspiegel,
( 556)
HERMANN KRAUSE,
Schweigen
ins Rechtsverkehr Beitrage zur Lehre vom BestsIti -
gungsschreiben, von der Vol lmacht and von der Verwirkung
(1933), 171 ss. (171).
( 5 9
Assim,
OVEREECK,
Verwirkung irn gel tenden Recht
(1934), 34-35 e WIPPERMAN,
Verwirkung
cit., 4; ao sabor da epoca, esta conexao ligava-sea proclamada
necessidade
de
firmar um Direito verdadeiramente alemao, o qual teria sido submerso pelo Direito roman°
da recepcao OVERBECR,
Die Verwirkung
cit., 13.
(
55 8
) KRAUSE,
Schweigen in Rechtsverkehr
cit., 171; OVERBECX,
Verwirkung ci t . , .
34 ;
WIPPERMANN,
Verwirkung
cit., 4. Contra a aplicacio do osilenciamento»
I suppressio,
p. ex. ,
T S C H I S C H G A L E ,
Verwirkung
cit., 44.
III.
Foram, no cntanto, as
perturbac5es econOmicas causadas
pe
la primeira grande guerra e, sobretudo, pela infiacao, que levaram
a
c
onsagracio dogm itica definitive da
suppressio.
No primeiro caso,
registaram-se alteraceies imprevisiveis nos precos de certas mercadorias,
ou dificuldades acrescidas na realizacao de determinados forneci-
mentos
(
55 9
). Em consequencia dessas alteraciies, o exercicio retardado
de alguns d ireitos levava a
situac5es
de desequilibrio inadmissivel
entre as partes
(
5 6 0
). 0 segundo, atraves do chamado direito da
valorizacao monetiria, marcaria, pelas aplicacoes permitidas a
suppres -
sio,
a sua consagracao definitiva
( 56 1
).
A revalorizacao mo netiria conta-se entre os avancos mais signi-
ficativos proporcionados pela boa fe a C iencia do Direito
( 5 6 2
). Na
sua base esta a superacao, por raloes sociais imperiosas, do principio
nominalista, fixado por lei, atraves da pura accao jurisprudencial.
Adm itindo a possibilidade de revalorizacao monetiria, por forca da
inflacao, o RG protege, no essential, a posicao do credor. A
suppressio
vai funcionar como contrapeso dessa proteccao, assegurando, desta
feita, o interesse do devedor
( 5 6 3
):
a boa fe requer, pela equivalencia
das prestacoes e pelo equilibrio das
situac5es
das partes, que se proceda
a reajustamentos destinados a compensar a depreciacao mo netiria;
( 55 6
) Assim em RG 2-Mai.-1919, RGZ 95 (1919), 307-310 (310), dccidiu-se, designada-
mente, corn referencia a boa fe, que o direito extinto por outras vias nao mais poderia
funcionar gse atraves da demora, a situacao economics do devedor se tivesse alterado de modo
tao desfavorivel que o cumprimento a. distancia nao possa ser mais exigido".
( 560 )
Sobre as relacoes emergentes da guerra e a
suppressio,
corn outras indicaceies,
K A R A X A N T A S ,
Verwirkung
cit., 17-18.
( 561)
O.-W. FISCHER,
Verwirkung
cit., 5; H. SCHMIDT, lierWirkting cit., 15; WIPPERMANN,
Verwirkung ci t ., 7; MX0tE, Die Verwirkung
(1935), 14; cf.
WEBER,
Treu m id G lauber ; c i t . ,
D
562 (901); SOERGEL/SIEBERT/KNOPP, BGB
10 , § 242, n.° 286 (82);
TSCHISCHGALE, Verwirkung
Ot.,
7
L A R E N Z ,
Vertrag und Unrecht, I — Vertrag und Vertragsbruch
(1936), 142-143.
( 562)
RG 28-Nov.-1923, RG 107 (1924), 78-94 = JW1924, 38-43 = DJZ 1924,
58-65. Cf.
Mfra,
n.° 95.
( 563 )
S I E B E R T ,
Verwirkung und
Unzuhissigken
der Rechtsausiibung
cit., 221 ss.; Mk
R E ,
Verwirkun
g cit., 20 ss..
802
exercicio inadmissivel de poskdes juridicas
a mesma boa
fe
exige que as pretensoes de reajustamento, quand
o
b a r n s e j a m e x e r c i d a s n u m p r a z o r a z o i v e l s e m o q u e a t i n g i r i
mon tantes corn que o devedor nao poderia contar
(
564
). Da extensa
jurisprudencia sobre a
suppressio
no direito de revalorizacl
o
(565)
deve salientar-se a preocupacao do juiz em ponderar os interesses'
das duas partes em termos de equilibrio
(
566
) e em apurar
0
30.° A
ouppressio e a scsurrectio
03
Tao (570), ao Processo
(575
) e ao Direito public°
(572
). No entanto,
cl
o v
e
s
ublinhar-se que, apesar de uma aplicabilidade tendencial-
( 2 3 2 4
),
exp5e que a inseguranca limitou
a suppressio
ao Direito da revalorizacio, ao Direito
tra
balho e ao Direito da concorrencia; contra o que se teria m anifestado a doutrina
2325. Justificando, face a tendencias restritivas anteriores, uma aplicacao geral da
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 83/100
efeito que, nesse equilibrio, tern o decurso do tempo
(
567
).
IV. 0 Ambito da
suppressio
levantou dtividas, num mom ento
initial
(568
). A sua aplicacao em areas especificas do Direito do
comercio, onde a lei omitira a consignacao de prazos especificos,
requeridos pelas conjuncaes de interesses of verificadas ou no dot/If-
ni° da revalorizacao, ela propria uma concretizacao jurisprudencia)
da boa
fe,
estava, de algum m odo, facilitada. Nao assim no utros
sectores juridicos onde a
suppressio
teria de concorrer com forma
s
caducidade e a prescricao. Progressivamente, acompanhando, alias,
o alargar sofrido pela boa fe, a
suppressio
estendeu-se a outros ramos
do Direito; num primeiro tempo, apenas ao Direito da concorrencia
e do trabalho
(569
); depois, aos diversos sectores do Direito pri-
(564)
RG 9-Dez.-1927, RGZ 119 (1928), 231-237 (235) = JW 1928, 488-492 (491),
corn an.
STO LL,
488-491, que aproveita o ensejo para tracar o quadro das situac8es em que a
revalorizacio E rejeitada.
( 5 65 )
MUGEL,
Die Redasprechung des Reichsgerichts fiber die Verwirkung von Aufwertungsan-
spriichen, JW
1930, 1042-1049 (1042).
(566)
RG 11-Jan.-1928, RGZ 118 (1928), 375-378 (377-378) = JW 1928, 650-651 (651).
(567)
RG 26-Nov.-1931, RGZ 134 (1932), 357-359 (358).
( 5 68)
KUCH ENH O FF,
Rechtsverwirkung ausserhalb des Aufivertungsrecht,
DJZ 1930, 1194-
-1196 (1194), afirmando que, se no Direito da revalorizacio,
a suppressio
ji fora reconhecida,
existiriam ainda dtividas fora desse ambito, onde imperaria a prescricao;
KUCH ENH O FF
discorda
de tais drividas, explicando que a regra da boa
fe
6 geral e nao especial.
TEGTMEY ER,
Der
Geltungsbereich des Verwirkungsgedankens,
AcP 142 (1936), 203-232 (203), afirma que, pars as
posiciies restritivas, de qu e, igualmente, discorda,
a suppressio
justificar-se-ia apenas em areas
especfficas, como a da revalorizacio, prO prias, tao so, de epocas corn predornfnio de inse-
guranca economics.
( 5 69 )
WEBER,
Treu und Glauben cit.,
D 562 (901). M Acxs,
Die Verwirkung cit., moxime
48, defende
a suppressio
como urn instituto especifico do Direito de revalorizacio e da concor-
rencia, negando, nomeadamente, a sua extensao ao Direito do trabalho; baseia-se, para tanto,
no estado da jurisprudencia ao tempo em que escreveu (1934). A
suppressio fora tratada, no
ano anterior, no D ireito das patentes, por
P O T O T Z K Y ,
Die Verwirkung im Patentrecht
cit.,
integrado, pelo A., nas regras do Direito da concorrencia —
ob. cit.,
29 ss..
LETZGIM
Ausdehnung oder Einschrankung des Verwirkung von Leistungsanspnichen?
DR 1941, 2324-232
6
o b .
di.,
s
„ p
r
us
io , RG 10-D ez.-1938, RGZ 159 (1939) , 99-108 (105) .
( 5 7 0 )
TEGTMEY ER,
Der Geltungsbereich des Verwirkungsgedankens
cit., 231,
maxime;
da
mu m
eracio of feita, fica dara, porem, a maior aplicario da
s u p p r e s s i o
aos sectores economica-
te mais movimentados. GErso.,
Die Verwirkung
cit. , 72-73, que explica a expansio da
figu
ra pelo dinamismo da b oa fe, que dominaria toda a vida juddica, sublinha serem os
sectores do Direito da valorizacio, do Direito do trabalho e do Direito da concorrencia
apenas zonas de aplicacio mais frequente, mas
1 1 1 0
exdusiva. A doutrina da decada de
auto, na sequencia, sobretudo, de
SIEBERT,
Verwirkung und Unzulassigkeit der Rechtsausiibung
cit.,
que, dando a
s u p p r e s s i o
uma fundam entacio te6rica geral, facultou uma difusio ficil,
vas ampliando o seu domfnio de aplicacbo, embora sem deixar de vincar a sua maior incidencia
nos tres sectores acima apontados; assim, Kastsxstrrss,
Verwirkung
cit., 18-21 e H.
SCHNUDT,
V e r w i r k u n g
cit., 20 ss., sublinhando, como zonas mais significativas, o Direito das marcas,
o Direito das patentes e o Direito dos modelos.
(571)
Embora conhecida hi muito pela jurisprudencia,
a supp ressio,
no Processo
civil, foi objecto de investigacao tardia; o primeiro estudo de conjunto 61he dedicado por
BAIJNIGKRTEL,
Die Verwirkung prozessualer Befugnisse im Bereich der ZPO und des FGG ,
ZZP 67 (1954), 423-451; cf ., of 423-424 e 424
10
.
ALFRED
Roots/THAL,
Vorschldge zum Problem
der Verwirkung des Klagenrechts,
LZ 1932, 581-586 (5 81-582), apesar do tftulo que deu ao seu
artigo, trata a questa° pelos seus aspectos materiais. A
suppressio
em Processo foi, curiosamente,
elaborada primeiro no dominio do Processo penal. Na sua base, coloca-se a dedsio do BGH,
7-Jun.-1951, BGHSt 1 (1951), 284-286; ocorrera o seguinte: no decurso de certo processo do
foro criminal, fora omitida, de modo indevido, a convocaclo de urn defensor para a audicbo
de um perito; com base nisso,
0
R. tenta o recurso de revista; decidiu-se, porem, qu e o R. ace-
deu, desde o infcio, ao relat6rio do perito, tendo podido contrarii-lo; nal° o fazendo, no
decurso do processo, mais nio o poderia fazer, apesar da tempestividade do recurso. Cornea-
tando a
decisio,
JESCHECS,
Die Verwirkung von Verfahrensriigen im Strafprozess,
JZ 1952,
400-40 3 (40 2), mostra-se limitativo, escrevendo: (0 preceito da observancia da boa fe no
processo conduz a inadmissibilidade de revisio por falhas processuais quando, excepcionalmente,
se determine que o recorrente provocou, pela sua prepria actuacio, a falha form al, corn a
mteacio de, mais tarde, basear nisso o recurso. Urn dever de colaboracio a prop6sito da
manutencio dos preceitos processuais atraves do tribunal Lilo respeita, porem, nem ao R. nem
ao seu defensora. Cf., ainda, a noticia de
WERNER
NrEsE,
Die Rechtsprechung des Bundes-
gerichtshofs in Strafsachen,
JZ 1953, 219-224 (221) e o artigo de
WOLFF,
Verwirken der
Verfahrensriige durch den Angeklagten,
NJW 1953, 1656-1658. Mas no Direito portugues, e dada
a existencia de todi uma teia rigida, de prazos processuais, dobrada por urn prazo supletivo
geral — art. 153.° CPC — nao a de introduzir a ideia de
s u p p r e s s i o
processual: os poderes das
partes vac, sendo precludidos ao longo do processo e o recurso a sempre via ind icada para
apreciar irregularidades do tribunal.
(572)
0 alargamento da boa fe ao Direito ptIblico — cf.
supra,
373 ss.; recorde-se, p. ex.,
W.
KNIEPER,
Treu und Glauben int'Verwaltungrecht
cit. (1933), 29 — implicaria a transferencia,
mente global
(
573), a
suppress io
e
sign'
econOmico especial como o Direito
do-se, ai, ainda, nas marcas
(
575
) e
ifi
ativa em zonas de dinamism
o
574),
acentuan-
nas patentes
(576),
em sectores
804
exercicio inadrnissivel de posifiks juridicas •
§ 3 0 . ° A k t suppre ss i o * e a «surre c t i o *
05
para o ambito deste, da problematica conhecida por 4abuso do direito0 - p. ex., K. S
Treu und Glauben ins of fentl ichen Recht
cit., (1977), 315 ss. - corn inclusio da
suppressio
Treu und Glauben
cit., D 741 (948). A transferencia foi, alias
facilitada pela relevancia
de
transicao, como o Direito autoral
(
577
), em areas juridicas de
sensibilidade social bastante acentuada, como na locacio
(
578
) e em
s
ectores de relacionamento dificil, como nos contactos corn a antes
chamada Z ona de O cupaclo Soviet ica
(
579
) ou nas relaceies emer-
gentes da guerra ou do im ediato pOs-guerra
(580
). 0 legislador inter-
veio, por outro lado, para evitar a sua aplicacao de modo indesejavel,
) .
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 84/100
que o tema da revalorizacio monetaria assumiria no Direito publico - TampooR
PRAnN,
Teen und Glauben in der Verwaltungsrechtsprechung
cit. (1933), 13 ss.. Apesar das dificuldades de
sistematizacio proprias Besse sector - M.
BAUMANN,
Der Begriff von Treu and Glau ber: is
offentlichen Recht
cit., (1952), 79 - pode apontar-se o domfnio da revogacio dos act
os
suppressio - .WEBER,
Treu und Glauben
cit., D 744 ss. e D 750 ss. (951 e 952) e
HAUEISEN,
Unzul t issige Reek
s
.
ausiibung und offentlich-rechtliche Ausschlussfristen
NJW 1957, 729-731 (729).
(573)
Assim, as descricoes de
WEBER,
Treu
und Glauben
cit ., D 636 ss. (920 ss.) e de
SO ERGEL /SIEBERT/KNO PP,
BG B
1
° cit., § 242, n.° 303 ss. (86 ss.).
( 5 7 4 )
SIEBERT,
Verwirkung und Unzulassigkei t der Rechtsausi ibung
cit ., 8-25, e 191-198.
Quanto ao exercicio inadmissfvel de direitos, em geral, no Direito da concorrencia,
SIEBERT,
ob. cit.,
158-168. No Direito da concorrencia,
a suppressio
assentou, juspositivamente, na norma
fundamental, compreendida no § 1 UW G: *Quern, no trafego negocial, assuma comportamen-
tos corn o escopo da co ncorrencia, que contrariem os bons costumes, pode ser accionado pars
que se abstenha e indemnizeo. No projecto, muito discutido, de alteracio ao UWG, essa
disposicio manter-se-ia corn a supressio, apenas, da referencia especffica a indemnizacio
- cf.
BAUMBACH/HEFERMEKL,
WettbetverbsR
1 3
(1981), 20. Essa norma provocou urn largo
desenvolvimento jurisprudential - p. ex., v.
GODIN,
WettbetverbsR
2
(1974) , U § 1, n .° 1-293
(1 ss.). Mais tarde, dada a pressio doutrinaria e jurisprudential recebida do Direito civil,
a suppressio
foi imputada, tambem neste sector, a boa
fe - v.
GODIN,
WettbewerbsR
2 cit.,
U §
1, n.° 272 e
BAUMBACH /H EFERMEH L,
WettbetverbsR
1 3
cit., UWG
Einl
n .° 404 (388) .
(575) H.
DRO STE,
Die Verwirkung von: Unterlassungsanspri ichen ins Warenzeichenrecht,
GRUR 1950, 560-567;
DROSTE
faz notar , com certa oportunidade, a natureza demasiado fad
do recurso a boa fe para solucionar problemas dificeis e a necessidade de delimitar
conter o ambito da
suppressio;
no caso das marcas, terra havido urn alargamento da
suppressio
que, de marcas nio usadas, passou a abranger tambern as restantes -
ob. cit.,
560, 561 e 562.
O caso
mais claro de
suppressio
nas marcas traduz a situacao do t itular que, pelo seu comporta-
mento, deixou entender a outras pessoas que de aceitava ou tolerava a utilizacao, por elas, de
marcas similares; cf.
BAUAtBACH /H EFERMEH L,
WettbewerbsRo
cit., UWG
Einl n.°
406 (39
8 )-
0 ac. STJ 11-Dez.-1979, BMJ 292 (1980), 391-394 = RIJ 113 (1980), 283-285, cons
an.
ORLANDO DE CARVALHO,
favorivel -
fuj
113 (1980) , 285-30 1 - e que deu lugar ao a r t igo
de
OEHEN MENDES,
Da
proteccilo do Home contercial estrangeiro em Portugal,
sep. ADI (1981),
tambem favorivel, segundo o qual o n ome comercial estrangeiro nunca usado, em Portugal,
hi mais
de
dez anos e nao conhecido notoriamente, nio tern proteccio, por incorrer no prazo
de caducidade do art . 161.
0
/4 CPI; o problema poderia ter sido encarado, ainda, pelo prisms
da suppressio.
De
OEHEN MENDES
cf, ainda,
Fragen des Benutzungsztvangs ins portugiesischen
Markenrecht,
GRUR/Int 1984, 11-19.
( 5 7 6)
BEIER/WIECZOREK,
Zur Verwirkung ins Patentrecht,
GRUR 1976, 566-573 (566) ,
imputando a figura ao exercicio inadm issivel dos direitos e baseando-a, posit ivamente, na boa
fé prescrita no § 242 BGB. Tambem aqui, no inicio, houve dtividas quanto a possibilidade de
com o sucederia no Direito do trabalho
(
58 1
V. A natureza da
suppressio
suscitou uma das literaturas mais
a
bundantes de quantos temas se prendem corn a area, ji de si
prolixa, da boa f6
(
582
). Nos primeiros tempos da sua consagracao
recurso directo a boa fe do BG B; assists
P O T O T Z K Y ,
Die Verwirkung i tn Patentrecht
cit. (1933),
19; cf., poress, 23 e 25, acabando - 29 ss. - por defender a aplicabilidade, as patentes, do
regime geral da concorrencia.
(577) V.
GAMM
Verwirkung ins Urheberrecht,
NJW 1956, 1780 -1782 (1781), acentuando
as diferencas da
suppressio
no Direito de autor, no das patentes e no das marcas;
L. HEYDT,
Greuzen der Verwirkung im gewerblicheu Rechtsschutz turd Urheberrecht,
GRUR 1951,
182-186 (184), focando a inaplicabilidade da
suppressio
aos casos em que o exercente fique
obrigado a indemnizar - o que implica, pois, a sua natureza suplctiva; H.
KLEIN,
Zinn
Eintvand der Verwirkung, insbesondere ins Wettebewerbs- und Urheberrecht,
JZ 1951, 9-12 (9), subli-
nhando a extensio da
suppressio
a todo o Dircito privado, por ser urn caso de exercicio
inadinissivel, ligado ao § 242 BGB.
(578)
BRUMBY,
Verwirkung ins
Mietrecht,
JR 1951, 590-591; W
WEIMAR,
Verjaltrung
mid Verwirkung ins M ietrecht,
WuM 1974, 249-252 - W . chama a atenclo para a necessidade da
suppressio,
imposta pela boa fé, dada a longs duracio de numerosos prazos de prescricao e a
uao
aplicabilidade desta a direitos potestativos, pelo Direito alma's),
oh. cit.,
250; W.
SCHMIDT-
-FurrERER acentua, corn base na jurisprudencia, aspcctos especificos da
suppressio
na locacio
ens
Die Verj i ihrung und Verwirkung der Attspri iche turf Heizkosten,
BB 1971, 943-944, focando,
tambem, que as posicoes das dual partes presentes podem. set afectadas.
(579)
H.
RABELINC,
No:we Rechtsentivicklung zur Auswirkung ostzonaler Verf i igungen
fiber westliches VentrOgen
&w and
der V erwirkung,
MDR 1951, 715-717; estuda-se, aI, a apli-
cacao da
suppressio
face a actos praticados por entidades sitas na zona lestc, as quais, por
actos de imperio, foram transferidos direitos referentes a bens das zonas ocidentais.
( s s o )
BENKE,
Verwirkung und Griegs- mud
N a c h k r i e g s v e r h o l t n i s s e ,
BB 1951, 405-406.
( 5 81 )
BORRMANN,
Ausschluss der Verwirkung tari f l icher Rechtc,
BB 1951, 1011-1012 .
A lei aleml dos contratos colectivos de trabalho afasta expressamente, no sets § 4/2, 2, a possi-
bilidade de s u p p r e s s i o
de posiceies emergentes desses contratos -
WIEDEMANN/STUMPF, TVG5
(1977), §
4, n.° 349-352 (591-594). E, pois, o reconhecintento legal dessa interessante criacIo
da jurisprudencia. A exclusio da
suppressio
tens, contudo, messno neste doniInio, sido
entendida como exceptional. As pretensoes que ultrapassem o montante f ixado no contrato
colectivo estio-lhe sujeitas, na diferenca; dcfendens-no
BORRMANN, o b .
e loc.
cit.,
e WiEDENIANN/
/Srumpr, TVG 5
cit., n.° 353 (594).
(582)
Assim, so na decada de trinta, e corn referencia, apenas, a disscrtaciks de
doutorarnento, ji foram citados nove livros, de
PO TO TZKY
(1933),
O VERBECK
(1934),
WIPITR-
806
exercicio inadmissivel de posicoes juridicas
jurisprudencial ampliada, a
suppressio
foi objecto, por parte de al
ms
583
). Na base destas posicOes e
s
ti
a
uppressio,
se poderia instituir
(584) ;
este elastro conhecido de resistencia a todas as inovacoes material_
mente justas*
(
585
) foi de pouca dura, dada a realidade insofismivel
da consagracio jurisprudencial. Tentou-se entab, mas sem m
a
jor
§ .30.° A osuppressio» e a «surrectio
07
d
e t
una ficcao clara (
58 8
) que, mesm o na sua dogm atica interna, levanta
ul
na serie de problemas.
0 atribuir, a uma tese, a na tureza de ficcao na o basta, so por si, para
a rejeitar: tal afirmacao deve ser complementada e justificada. Ficcao
6, conscientemente, dar a uma realidade um qualificativo que nao 6
o set. Faltando essa consciencia, nao ha ficcao: ha erro; havendo essa
onsciencia, cabe indagar o porque da transposicao e, perante ele, decidir.
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 85/100
uppressio
a zonal especificas
(
5 86).
PrOxima, ainda, do negativismo, seguiu-se a defesa da
suppressi
o
como remincia ao direito por parte do exercente
(
587
); trata-se, porem,
MANN (1934), MAcKE (1935),
FISCHER
(1936),
TSCH ISCH GALE
(1937),
GEIGEL
(1938), ICAxitraorrAs
(1938) e H.
SCH MIDT
(1938). Acrescente-se-lhes, ainda, Szocxs,
Die Verwirkung und des Verbot
gegensotzlichen Verhaltens
(1939, dact.).
55 3 )
SIEBERT,
Verwirkung und Unzassigkei t der Rechtsausi ibung
tit., 7-8.
(584
) BEST,
Verwirkung?,
JW 1932, 1801-1805 (1804) - B. comeca por entend er a
suppressio como a
demon, no exerdcio do direito, por mais tempo do que o tribunal
entenda admissfvel, acrescenta parecer justificado que o § 24 2 imponha 'finites temporais
no exerdcio dos direitos e, depois de frisar o perigo da inseguranca, rem ata que, do atraso, so
pode emergir a caducidade, a prescricio ou a excepcio de dolo,
ob.
tit., 1801, 1802 e
1805. Tambem
H AMBURGER,
Zum Begri f
der Verwirkung,
LZ 1928, 1588-1594, tendo sublinhado
a concordlncia de apenas uma pequena parte da doutrina - em 1 928 - e as dtividas manifes-
tadas na jurispruden cia - ate 1 referida data - afirma a desnecessidade da
suppressio -
cit.,
1589, 1590-91 e 1594. 0
mesmo HAMBURGER,
em
Treu und Gl auben
cit . (1930), 84-98,
assume posicOes que, embora muito restritivas, denotam ji uma certa abertura; reconhecendo a
persistencia da sua consagracio jurisprudencial, H. recorda, no entanto, que a
exceptio deli
permitia efeitos similares e que, na utilizaclo da
suppressio,
havia que actuar corn extrema
cautela -
Treu und G lauben
cit., 84 u. e 97. De modo semelhante,
AEPONS ROTH,
Die
Verwirkung des Aufwertungsanspruchs I , JW
1928, 1335-1337, que bate insistentemente na tecla
da inseguranca, se m anifestara contra a
suppressio e
o arbftrio que the imputa, reclamando
medidas legislativas; explica
que o § 242 conduzira I possibilidade de valorizacio e, agora,
o mesmo 5 242 levava ao coarctar dessa possibilidade, em incerteza completa -
o b .
tit.,
1336
e 1337; posicio semelhante a assumida por
CARL BEISLER,
Die Verwirkung des Aufwertungsan-
spruchs II ,
JW 1928 , 1337-1339 , que tern a
suppressio
na conta de ren tincia ticita que nio
convence - ob. ci t . ,
1338. Com
indieac5es diversas,
SIEBERT,
ob. e loc. cit. supra,
806 58 3
.
Note-se, contudo, que a
suppressio
n
-
ao mereceu, apenas, no infcio, a desaprovacio da
doutrina; assim G.
HEINEMANN,
Die Verwirkung als Rechtsvernichtungsgrund, LZ 1928,
935-942, apresenta a
suppressio
como forma nova de extincio de direitos, separa-a da
rentincia e da caducidade, apon ta-lhe os pressupostos e deriva-a da boa fe -
ob. ci t . ,
936.
937 e 939-941 .
( 5 85 )
CASTANHEIRA NEVES,
Questlio-de-facto
cit., 513, a proposito das reticencias postal
por alguns AA. ao
abuso do direito, em nome da seguranca.
(586)
Supra,
802-803
5 6 9
e, especialmente, MAcX E, at cit. .
59
MANIOC,
Das Problem der Verwirkung,
DJZ 1936, 350-360 (359);
FRANKENBERGER
,
an. RG 2-Mar.-1928 , JW 1928 , 2635-2636 (n. ° 2 0) , chama a a tencao para o facto de , na
jurisprudencia da epoca, nem sempre estar Clara uma diferenca entre
suppressio
e renuncia.
c
As acusacoes de ficcio sae, pois, na sua maioria, acusaciies de erro na
qualificaclo. o que ocorre no caso vertente: a
suppressio
nao
pode,
de facto, ser qual i f icada como remincia, por nao reunir os pressupostos
respectivos. A ponderaclo da metodologia inerente as decisoes que
c
onsagraram a
suppressio
mostra que fal ta uma indagacao das condicOes
que perm it iriam decelar, no t itular exercente, uma vontade de reruincia .
Desde o inicio, a
estudada
a situacio apenas nos seus efeitos objectivos,
sem contemp lacao da vontade dos intervenientes .
E
bem se compreende
esse procedimento: pretender, do puro silencio ou da mera inaccao,
retirar actuagOes negociais, coloca dif iculdades de construcio, teoricas e
praticas que, as dos comportamentos concludentes, somam as inerentes
a uma actuacao que prima,
afinal,
pela ausencia (
5 8 9
). No entanto, ainda
que se alcancasse a nao actuacao do titular como uma manifestacao de
vontade em renunciar, a
suppressio
nao ficaria deslindada: seria necessario
reunir ou acrescentar uma serie de factores, tais como a forma e a
aceitacao
da
contraparte, para que se pudesse fa lar de um a f igura verda-
deiramente n egocial .
Ultrapassadas essas primeiras tentativas, a
suppressio
foi recon-
duzida, corn unaninndade crescente da doutrina
(
590
) e da jurispru-
dencia
(591
) a boa fe. Da boa fe ao exercicio inadmissivel de
(588)
C. BEISLER,
Die Vertvirkung des Aufwertungsanspruchs
II cit., 1338;
DANzza-vANorn,
Die Verwirkung,
DRZ 1932, 74-76 (74);
TSCH ISCH GALE,
Die Rechtsnatur der Verwirkung
cit. , 33.
( 589)
Em geral,
CANARIS,
Scitweigen
i n s
Rechtsverkehr als Verpj l ichtungsgrund,
FS
Wilburg (1977 ), 77-97. C. faz depender o problema, entre outros, da consciencia da decla-
rack), que dificilmente poderia ser ponderada na
suppressio.
( 590)
Como mero exemplo ,
BEIER / WIECZO REC,
Zur Verwirkung im Pa ten tr ech t
cit.,
566, DkrzEs-VArtorrl,
Die Verwirkung
cit. , 74 e
Die Verwirkung infolge verzegerter Gel tendtna-
chung eines Rahn,
DJZ 1936, 1455-1462 (1462),
0.-W. FISCHER,
Verwirkung
cit., 29,
K A R A N K A N T A S ,
Verwirkung
cit. , 15 e 48, H. KLEINE,
Zum Einwand der Verwirkung
cit., 9,
NARITOMI,
Die .Verwirkung im japanischen Recht,
NJW 1958, 492-493 (492) e W. WEImmt,
Verj ohrung und Verw i rkung i m Mi e t recht
cit., 249.
( 591)
A boa fe vinha referida pe la jurisprudencia, a proposito da
suppressio,
ainda
antes do aparecimento do BGB; assim ROHG 8-Abr.-1873, ROHGE (1873), 412-413, ROHG
10
-Jun . - 1876, ROHGE 20 (1 877) , 336 , ROHG 20-Out . -1877, ROHGE 23 (1878) , 85 e RG
11-Dez . - 1895, RGZ 36 (1895) , 88; mantem-se no t ide das relacees at ingidas pela Grande
808
exercicio inadmissivei de posicoes juridicas
direitos por demora do titular vai, no entanto, urn caminh
o que
592
). Nessa linha ensaiou-se, primeiro, a
excepti
o
9 3
).
A
except io
corresponde, porem, a uma regulaclo demasiado
fluida do problems para permitir uma concretizacao minima; acarreta,
alem disso, desvantagens ja sumariadas
( 594
). Mais sucesso teve, p
ur
uppressio a
proibicao de
venire contra factuni
proprium:
o
titular do direito, abstendo-se do exercicio durante
§ 30.' A
«suppressio e a ..surrectio
09
urn
certo
lapso de tempo,
criaria,
na con traparte,
a
representacao
de
quc esse direito nao mais seria actuado; quan do, supervenientc-
te
mente, viesse agir, entraria em contradicao (
5 9 5
). 0 sucesso do
apelo
ao
venire contra factum propriunz
deve ser conjugado corn a tese de
SIEBERT,
sobre a
suppressio .
SIEBERT
defendcu que a
suppress io ,
privada de autonom ia verdadeira, era apenas uma sub-hipOtese de
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 86/100
Guerra — RG 2-Mai.-1919, RGZ 95 (1919), 310 — c e constantemente referida aquando
da
suppressio
no Direito da revalorizacio — RG 9-Dcz.-1927, RGZ 119 (1928), 235 =JW
1928, 491; RG 11-Jan.-1928, RGZ 118 (1928), 378 = JW1928, 651; RG 2-Mar.-1928,
JW1928, 2635; RG 30-Jan.-1931, RGZ 131 (1931), 225-236 (232); RG 26-Nov.-1931-,
RGZ 134 (1932), 35 8. Sedimentada a refere'ncia a boa fe como fundament° jusposit ivo da
sup-
pressio,
cla manter-se-ia ate a actualidadc. Assim, como exemplos: RG 4-Jun.-1937, RGZ 155
(1937), 148-154 (152) — ligado, ainda, a questens de revalorizacio monetaria; RG 10-Dez.-1938,
RGZ 159 (1939), 99-108 (104-105) —
suppressio
de pretens8es de restituicao do enriqu ecimento
;
orn
an. favoravel de
BEITZKE,
idem,
162-163 —considera
a
suppressio
cons() manifestacao do exercicio inadmissivel de direitos, por contrariar a boa EC ;
BGH 3-Dcz.-1957, DB 1958, 193 —
idem;
BGH 31-Jan.-1963, BGHZ 39 (1963), 87-96 (92-93)
— accita a regra da
suppressio
por exercicio tardio contrario a boa
fi
embora, no caso vertente,
a tail= afastado cm mina° a obrigacao de prestacio de contas, dada a natureza especial
desta; BGH 3 0-Jun.-1976, BGHZ 67 (1977), 56-69 (68) — vines
a suppressio
como modalidade
dc exercicio inadmissivel de direitos, por contrariedadc a boa fe c sublinha a sua apli-
cacao aos D ireitos de A utor; funcionaria ai, por6m, nao perantc o pre:Trio direito dc ut ilizacao
do autor, mas a face de pretenses originadas por violacrses cometidas contra o autor em causa.
Note-se, por fin., quc a propria boa fe c as regras corn ela conectadas constitucm o factor
mais significativo de delimitacio da
suppressio.
Assim, BGH 27-Jun.-1957, BB 1957, 979,
afasta uma hipcitese de
suppressio
por =tender que ela nao deveria funcionar contra o titular
que, por confiar nas contrapartes, nao exercera o sett direito.
( 5 9 2 )
DROSTE,
Die Vertvirkung vont Unterlossungsanspri ichen im Warenzeicheu recht ci t . .
560, chatna, a esse proposito, a atenclo para o facto de minims principiantes recorrerem, corn
facilidade, a boa ft:, para resolver os problemas dif iceis.
(593)
Rccorde-se
H AMBURGER,
Tress und Glauber
cit ., 97; em especial, RosENTRA L.
Vorschldge zum Problem der Verwirkung des K lagerechts
cit., 583.
(594)
Supra,
741. Surgem criticas inexactas ou incorrectas a leitura da
suppressio como
exceptio doll,
que importa afastar. Assisi],
PO TO TZKY,
Die Verwirkung int Patentrccht ci t .,
31,
vem dizer quc, na
exceptio doll,
a violacao da boa fe ocorrcria na formacao do direito,
enquanto quc, na
suppressio,
cssa violacao scria posterior. Mas nao:
P O T O T Z K Y so tern em m ente
o
dolus spccialis ou praeteritus ;
no
gencralis
ou
pracsens,
a violacio da boa fe surge aquando
do exercicio. H. ScHminr,
Verwirkung
cit ., 107, afir ina a natureza poste° alema da
exceptio:
o Direito alemao
nao seria aktionenrechtlich
mas sim
weltanschaulich ;
H.
SCH.
reclamava, alias,
ao sabor do tempo cm que cscreveu (1938) urn novo Direito alemao —
ob. ci t .,
163.
Tambem nao: H. Scx. poc a questa() cm termos quase afectivos, ens vcz de estudar as
possibilidadcs actuais do emprego das
excepciaes materiais
c de, a elas, reconduzir a velha
exceptio doll.
exercicio inadm issivel de direitos
( 596
) por contrariar a boa fe.
0 entendimento da
suppressio como venire contra faction proprium
firmou-se contra a tese de
SIEBERT.
A construcao laboriosa por
ele operada, tendente a reconduzir a
suppressio
ao exercicio inadmis-
sivel dos direitos, ligada, ainda, a ideia da relatividade do contetido
dos direitos subjectivos, scria puramente formal
(597 ):
nao daria, ao
interprete, qualquer criterio m aterial para indagar, concretamente,
hip6teses de
suppressio .
SIEBERT (
598 ) e
os setts seguidores
(
599
) nao
deixaram, porem, de criticar a reducao da
suppressio
ao ven i re con t ra
factutn proprium:
SIEBERT
acentua a possibilidade de o
venire contra
f ac t ion propr i um
nao ter na sua base o exercicio de qualquer direito
e
duvida que o
factum proprium
possa implicar uma mera inactividade;
BENDER
sublinha, como elemento cssencial da
suppressio ,
que nao do
venire contra factuni proprinin,
o decurso do tempo. A tendencia
(595)
Assim, ji as afirmacoes de
BANK,
Zur Lehre von der Verwirkung, JW
1934,
2437-2438, H.
LEH MANN,
Zur Lehre von der Verwirkung,
JW 1936, 2193-2197 (2194 e 2197),
0.-W
FISCHER,
Verwirkung cit . , maxime
52, 5rocxs,
Die Verwirkung und das Verbot gegenoi tzl i -
chen Verhaltetts cit., maxime
30 ss. e 50 ss.,
LETZGUS,
Atudehnung oder Einschrsinkung der Verwir-
kung von Leistungsanspriichen? cit.,
2325 e H.
GUNTHER,
Die gesetzliche Verwirkung der Feiertags-
verguti ing and die terrninologische Erweiterung des Verwirkungsbegriffs int Sinne u nzuldssiger
Rechtsausiibung,
AuR 1957, 17-19 e 42-48 (43) c
Gesctzliches und richterliches Billigkeitsrecht,
unzuldssige Rechtsausi ibung und Vertvirkung in; Arbei tsrecht,
AuR 1957, 169-182, 321-330 e
364-371 (172). CE
ANTON GEISENHOFER,
Die Verwirkung
(1948, dact .) , 33.
( 5 9 6)
SIEBERT,
Verwirkung und Unzulassigkeit der Rechtsausi ibtmg
cit., 172;
SIEBERT
teve
um peso decisivo na doutrina e na jurisprudencia —
GEISENHOFER,
Verwirkung ci t . ,
31 — ate
aos nossos dins. Como meros exemplos:
KLEINE,
Zum Einwand der Verwirkung
cit., 9;
KNORN,
Die Verwirkung des gesetzl ichen Unterhal tsanspruchs,
FamRZ 1964, 283-285 (283) ;
RABELING,
Neuere Rechtsentwicklung zur Auswirkung ostzonaler Verfugungen
cit., 716.
WEIMAR,
V e r j e i l s r m i g
und Verwirkung
cit., 251;
BEIER/WIECZOREK,
Zur
Verwirkung On Patentrecht
cit ., 566; RG 4-Jun.-
-1937, RGZ 155 (1937) , 152 .
( 5 9 7 )
LEHMANN, Zur
Lehre von der Verw irkting ci t . ,
2193-2194;
GEISENHOI'ER,
Verwir-
kung ci t . ,
33.
( 5 9 8)
SIEBERT,
Verwirkung und U nzul t issigkeit der Rechtsausi ibung
at., 183-185.
( 5 9 9 )
B E N D E R ,
Die dauernde ausserordentliche Einrede der unbilligen verspitteten Geltensima.
cluing is allgenteinen biirgerlichets
Rah:
(1944, dact.), 14. Ji anteriormente, entre maims,
1
. z u t E N z ,
Vertrag und Unrecht, 1-Vertrag und Vertragsbruch
(1936), 143-144.
810
exerc ic io inadmiss i ve l de pos iceTes j ur id i cas
posterior de reconduzir a prOpria proibicao
de venire cont ra fac tum
proprium
a urn tipo de exercicio inadmissivel de direitos acabou p
or
uppressio
torna-se uma forma de exer-
cicio inadmissivel de direitos, por
venire contra factum prop rium (600)
.
0 panorama doutrinirio actual sobre a
suppressio
vive dorni-
§ 30.° A osuppressio# e a osurrectio*
11
o segundo factor — o dos indicios objectivos de que nao havers
mais actuagoes — cuja necessidade 6 muito sublinhada (
6 0 6
), mas
de contaido pouco explicitado (
6 0 7
), pode ter, na sua determinacao,
ur
n papel fundamental. Outro aspecto do regime da
suppressio,
focado corn insistencia na doutrina, 6 a desnecessidade de culpa
ou de quaisquer outros elementos ditos subjectivos, por parte do
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 87/100
nado pela sua reconducao ao exercicio inadmissivel dos direitos
;
noutros, pelo contrario, mantem-se a mediacao do
venire contra factum
proprium (
6 02
).
VI. 0 regime preciso da
suppressio,
tal como
e
hoje entendida,
na sequencia da evolucao acima tracada, nao tern codificacao ficil.
Tendencialmente, pode afirmar-se que todos os direitos subjectivo
s
0 3
) — que a necessario urn
determinado periodo de tempo sem exercicio do direito e que se
requer, ainda, indicios objectivos de que esse direito nao mais seria
exercido (604). 0 tempo sem exercicio a eminentemente variivel,
consoante as circunstancias, para que possa haver
suppressio (
6 05
);
(600)
WEBER,
Treu und Glauben
cit., D 60 2 (911-912).
(601)
Assim,
ERMAN/SIRY,
BG B
6
cit., § 242, n.° 84 (471), Aus/BGB/RGRKI
2
cit.,
§ 242, n.° 136 (38) e Lihasiuxz/StudK/BGB
2
cit., § 242, 4,
f)
(141).
(6 0
9 SOERGEL/SIEBERT/KNOPP,
BGBI° cit., § 242, n.° 281 (81), de forma discreta,
reme-
tendo
para o a.* 228 (vcfp) e, curiosamente, desviando-se do pensam ento expresso por
SIEBERT,
ob. e loc. ci t . supra,
809
598
CANARIS,
Vertrauenshaftung
cit., 372,
RoTHIMiinch-Komm
cit.,
§ 242, n.° 333 (155) e
LARENZ,
Schu ldRIAT"
cit., 123-124. Boris afirma, contudo,
de
seguida, quo a
suppressio ganha
autonomia no seio dos comportamentos contradit6rios: por
urn lado, os pressupostos de imputacio ao titular tem um peso menor; por outro o investi-
mento de confianca pela contraparte ganha major significado —
Miinch -Kamm c i t ., §
2 4 2 ,
n.° 335 (155-156).
(603)
Entre as excepcaes, apontam-se os direitos quo prescrevem em perfodos curtos
por, no prazo de prescriglo, ser sempre de contar corn o seu exercicio —
LARENZ,
SchuldR/ATI
3
cit., 124 — os direitos legalmente exdufdos da
suppressio —
na RFA, os direitos
emergentes de contratos colectivos de trabalho, cf.
supra,
805
3 8 1
— certos direitos existenciais
dos trabalhadores, como o direito ao salirio —
Rons /Mi inch -Komm c i t . , §
242, n.° 365 (162).
Outros direitos eventualmente nessa situacio e as discussoes travadas em casos duvidosos
nas doutrina e jurisprudencia alemas podem ser confrontados em STAthansicss/SoisinaT, BGB
12
(604)
SrAtnamcss/Sassunr, BGB
1 2
cit. , § 242, n.° 487-503 (167-170).
(605)
No BGB pode falar-se em lapso de tempo flexivel 3 imagem do § 121/1; est
a
comunicacio inexacta, tenha lugar, desde que haja conhecimento do vfcio, sem den
l°ra
ixa, pois, urn
prazo rigido para essa impugnacio — SosaGEL/HErsame
B G 1 3
1 1
cit., § 121, n.° 5 (534),
STAUDINGERMILCHER,
BG B
12
cit., § 121, n.° 4 (290)
e KROGEs-NrELAND/RGRK
1 2 cit., 121, n.° 6 (206).
0 dado jurisprudencial deixa algumas indicacaes embora, por definicio, nao possam
set precisas. Assim, pretensoes sujeitas ao prazo norm al
de
prescricio — trinta anos no BGB,
5 195 — podem incorrer na
suppressio
em onze anos, segundo Hof 18-Mar.-1970, WM
1971, 882-884 (882) — caso de uma depositante de determinados tftulos que deixa passar
onze anos sobre a 6ltima comunicacio recebida do banco e move uma accio de indemnizacio
por eks terem sido remetidos para determinada dependencia; seis anos ou seis anos e tees
meses constituem, porem, lapsos de tempo insuficientes, de acordo corn BGH 22-Mai.-1975,
BauR 1975, 424-427 (427) a BGH, 22-Nov.-1979, NJW 1980, 880-881 (881), respectivamente
— no primeiro caso, o mandante acciona o construtor para a restituicio de certa importbncia
por este recebida em excesso; no segundo, o Estado acciona, tambem, urn construtor para
restituicao de determinada quantia. As relacoes duradouras caiem em
suppressio
num ou dois
anos, conforme M annheim, 29-Nov.-1977, MDR . 1968, 417 e D iisseldorf, 18-Mar.-1971,
MDR 1971, 1013 -1014 (10 14) — trata-se de dois casos de locacio; no primeiro silo fora exercida
a tempo uma pretensio de elevacio de renda; no segundo, uma pretensio de reembolso de
determinadas quantize dispendidas polo locador; em ambos fazem, as sentencas respectivas,
apelo, ainda, aos ch. deveres de lealdade. Os neg6cios importantes, relativos, pot exemplo,
a imoveis, requereriain mais tempo pars incorrer em
suppressio,
nas posiceoes respectivas;
STAUDINGER/SCHMIDT,
BGBI 2
cit., § 242, n.° 4 84 (165-166).
( 606 )
RENEE,
Verwirkung und Kriegs- und Nachkriegsverhanisse
cit., 405 — nao basta o
decurso do tempo, antes sendo de ponderar todo o comportamento do titular; DANzEs-VANarri,
Verwirkung
cit., 75 — requer a ponderacio dos interesses de ambas as partes;
GAMM
Verwirkung
im Urheberrecht
cit., 1782 — um a serie de factores, entre os quais a natureza da relacao, fazem
variar as condiciks da
suppressio;
HEINEMANN,
Die Verwirkung ale Rechtsvernichtungsgrund
cit., 939 — cf., tamb6m, 941;
RABBLING,
Neuere Rechtsentwicklung zur Auswirkung ostzonaler
Verfugungen
cit., 716 — foca a necessidade de ponderar os interesses em preset:Ka; RossmrstAL,
Vorschl dge zum Probl em der Verw i rkung des Kl agenreches
cit. , 584-58 5 — para a
suppressio
tens de haver, sem ela, urns situacio abertamente injusta;
WEIMAR,
Verjiihrung u nd Verwirkung
ins Mietrecht
cit. , 250 — silo basta o decurso do tempo; 6 necessirio quo, do conjunto das
circunstlncias presentee, o credor tenha dado ao devedor a impress
-
ao de que mais
(aria vales o d ireito.
(607)
GIUEBELING,
Die Verwirkung prozessualer Befugnisse
cit., 28, analisa, corn merit°,
o condicionalismo a aditar ao decurso do tempo, para que, de
suppressio,
seja o caso, em:
a)
comportamento exterior: o titular
deve
comportar-se como se nao tivesse o direito ou
12
10 mais quisesse exerce-lo; b )
previslo de confianca: a contrapatte confia em que o direito
Silo mais sera feito valor;
c)
desvantagem injusta: o exercicio superveniente do direito
acarretaria, pars a outra parte, urns desvantagem infqua.
812
exercicio inadmissivel de poskJes juridicas
titular nao-exercente (
6 0 8 ). A
suppressio e
prejudicada pela ocorren-
cia dos factores voluntirios que interrompem ou suspendem
decurso dos prazos de prescricao ou de caducidad e, uma vez que
eles destroem a figuracao, por parte do interessado, de que o direito
nao mais seria exercido
(
6 p
9
).
No que toca ao seu relacionament
o
corn
outros remedios juridicos, a
suppressio
é, por fim, apontada como saida
§ 30.° A 4suppressioh e a 4surrectio*
13
co
nstitui, em termos claros,
um fac tum propr ium
(
613
).
Subjaz, contudo,
a esta leitura, a ideia de que o titular exercente nao poderia contradi-
zer-se por ter ficado vinculado ao
fact= proprium.
Trata-se, pois,
de uma saida negocial nao assumida e, por isso, insuficientemente
justificada. 0 aparecimento de orientacoes negociais confessas —
ecorde-se o esforco de WIELING em 1976 — e a critica aberta que
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 88/100
extraordinziria, insusceptivel de aplicacao sempre que a ordem juri-
(61 0 \
)
ica prescreva qualquer outra solucao
ern, pois, natureza
subsidiiria.
75.
Complementacio da caducidade e da prescricao ou cons-
tituicao
d e
direitos incompativeis?; a IsurrectioD
I. 0 debate em torno da natureza juridica da
suppressio,
centrado
na possibilidade da sua reconducao ao
venire cont ra fac tum proprium,
esmoreceu na doutrina recente
(
611
). porem, cedo de mais.
Por um lado, nao chegou a ser alcancada uma solucao que, por defi-
nitivamente plausivel, desaconselhasse novas investigacaes sobre o
terra
( 6 1 2 ) ;
) por outro, nunca se retirou, da discussao, pelo seu apro-
fundament°, a natureza verdadeira dos valores em jogo.
Numa abordagem superficial, a
suppressio
nao integra, de facto,
o
venire contra factum proprium:
falta, neste, como elemento consti-
tutivo, o factor tempo, enquanto que a pura inactividade no
(608) N A R I T O M I ,
Die Vermirkung,
493, foca, ern especial, a desnecessidade de elementos
subjectivos — dc dolo, de culpa ou de ma fe; tambim de NARITOMI,
Die Verteilung der
Beweislast bei der Verwirkung,
Nip / 1959, 1419; ALFE/BGB/RGR K" c it . , § 242 , n .° 136 (38) .
(609)
STAUDINCER /SCHMIDT, BGB
1 2
cit., n.° 498 (170-171).
(610)
Ji FRIEDRICHS,
Geltungsbereich des Verwirkungsrechts,
JR 1934, 46-47 (47), havia
afirmado que a
suppressio
nab operaria nos direitos corn prazos f ixados na lei; esta afirmacio
so sera de esstender-se exacta nos casos em que, dadas as circunstancias, o prazo deva
ser
considerado curto; HEYDT,
Grenzen der Versvirkung im gewerbl ichen Rechtschutz and
U r h e b e r -
recht cit., 184, exdui, no imbito em que escreve, a
suppressio,
sempre que o violador esteja a
obrigado a indemnizacao.
(611)
Desconte-se
BYDLINSXI,
referido
irfra, 814
6 1 8 e J . SCHMIDT,
referido
infra,
816 ss.;
este Ultimo coloca, alias, o problems cm termos diferentes dos da possibilidade, ou tan,
de recurso so vcfp.
(612)
Os estudos dedicados so problema datani, ainda hoje, praticamente, todos da
dicada de trinta. Acresce que o debate processou-se em bases incorrectas: as de saber se a
suppressio
seria uma proscricao de vcfp ou urn caso de exercfcio inadmissfvel de direitos.
Como a primeira e redurfvel ao segundo, a discussio encerrou-se num cfrculo de superffcie.
r
possibilitam
(614
), permitem colocar o problema numa dimensio
diferente. Desde o momento em que o
venire contra factum
proprium
opere nao na base da alegada vinculacao voluntiria ao comportamento
initial, mas por forca da situacao de confianca suscitada na co ntra-
parte
(
615
), que o Direito entenda dever proteger, desaparece a necessi-
dade de, no
factum proprium,
ler urn comportamento prOprio do titu-
lar exercente.
Factum
proprium
pode, afinal, ser qualquer eventualidade
que, constituindo a base da imputacao, a uma pessoa, de certas conse-
quencias, the seja prOpria. A nao actuacao de urn direito subjec-
tivo
é,
pois, facto prOprio do seu titular. A realidade social da
suppressio,
que o Direito procura orientar, esti na ruptura das
expectativas de continuidade da auto-apresentacao
(616
) praticada
pela pessoa que, tendo criado, no espaco juridico, uma imagem de
nao-exercicio, rom pe, de sail°, o estado gerado. E precisamente
o que se viu ocorrer no
venire contra factum proprium
(
617
). Norteada
a questao nestes termos, o tempo, requerido pelo funcionar da
suppressio,
ganha um a inclinacao diferente. Em qualquer manifestacao
de
venire contra factual
proprium existe, por minimo que seja, urn
lapso entre os dois comportamentos do sujeito. Na
suppressio,
porem; o tempo tern uma segunda projeccao, do maior relevo:
apenas pela sua continuidade pode, o nao exercicio, suscitar
as
expectativas sociais de que essa auto-representacio se m antem. 0 que
é dizer: o decurso do tempo e a expressao da inactividade traduzindo,
como tal, o
fac tum propr ium .
(613)
Cf. BENDER
e
S I E B E R T
Cit.
supra,
809
5 9 9
e 80 9
59 5
.
(614)
Supra,
761 ss..
(615)
Supra,
753 ss. e 769.
(616)
AK/BGB/TEusNER cit ., § 242, n.° 33 (51); KoNDGEN,
Selbstbindung ohne Vertrag
i Zur Haf t ung au s geschaf t sbezogenen Handei n
(1981), 170, cham a, contudo, a atencio para o
facto de que a
suppressio,
gerando uma autorepresentacio corn base numai abstencio,
levantar dif iculdades como atipo de autovinculacioi). Neste ponto, KoNDG EN parece, pois
aproximar-se de safdas negociais.
(617)
Cf.
supra
750-751 e, em especial, N. LIJIIMANN.
63
814
exerc ic io inadmissive l de posicoes jurid icas
A
suppre ss io
pode, pois, considerar-se uma forma d e proscrever
os comportamentos contraditOrios.
A possibilidade de interprerar
a
suppressio
como h ip6tese de
i n a d m i s -
ibilidade
de vcfp foi criticada por Bvrartysiu, em termos diversos dos
classicos. B. poe, como hipotese, o acentuar do exercicio retardado com
o
§ 30.° A “uppressio e a 4surrectio»
qu
e
os
co
mportamentos contraditorios integram um tipo muito
e
ctenso — e logo com pouco contetido — de actuacoes abusivas.
A possibilidade de determinar, na
suppressio,
um tipo regulativo mais
cornpreenswo — corn mats caracteristicas —e logo de major precisio,
nab deve ser esbanjada.
A discussao circular sobre a reconducao da
suppress io
aos
815
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 89/100
o
a
orientacao perfilhad
a
sua
.
suppressio
nao
seria urn vcfp porque, quando se intentasse urn exercicio tardio, ja nao
haveria direito e, quando o direito tivesse desaparecido, ainda nao teria
havido contradicao de comportamentos; a (mica atitude assumida pel
o
complementacao do seu prOprio pensamento afirmando que «a tinica
possibilidade, logicamente viavel, de formula ao da problematica do
abuso do direito a de que se trata, nele, da descoberta de limites do
direito subjectivo e nao da proibicao de exercicio de urn direito ate
entao existente...* (
6 19
). Estes raciocinios devem ser repelidos, nao tanto
pelos efeitos que acarretam em relacao a
suppressio
—
o primeiro, sobre-
tudo, faz salientar aspectos interessantes do seu funcionamento, embora
nao
permita conclusoes de essencia — mas por im plicarem uma m etodologia
conceptualistico-dedutivista, inaplicavel a boa fe. 0 vcfp na o traduz um a
contradicao entre com portamentos licitos, ainda que, porventura, o seja:
a contradicao 6 infra-juridica e ocorre entre dois comportamentos
tomados, inicialmente, como puros factos nao juridicos. Havendo
proibicao de vcfp, a contradicao estabelece-se entre o
f a c tum pro pr iwn
— licito — e a tentativa — ilicita — de o desfazer. A ilicitude-contra-
dicao pode consistir na tentativa de exercicio de um direito que ja nao
exista: ilicitude porque nao ha
,
afmal, direito, e contradicao porque essa
nao existencia se prende corn urn nao-exercicio anterior. No se deve,
por outro lado, afiimar que o abuso do d ireito s6 pode adm itir limitacoes
nao aparentes a urn exercicio e, nao, o nao-exercicio, sob pena de
nao
haver direito: a lim itacao pode con sistir na possibilidade de extincio
ou, se se quiser, o eabuso* pode traduzir uma forma nao aparente
de extincao.
II. 0 poder considerar-se a
suppre ss io
como uma forma de evitar
certos
venire contra facta propria
nao deve, automaticamente, enten-
der-se como fatalidade de tal qualificacao exclusiva. Recorde-se
(618)
BYD L INSKI,
Privatautonomie and objek t ive Grundlagen des verpflichtenden Rethtsge-
schaftes
(1967), 186.
(619)
BYDL1NSKI,
Privatautonomie cit . ,
187.
comportamentos contraditOrios ou ao exercicio inadm issivel de direi-
tos encobre uma o utra: a de saber se a
suppress io
veda, como escopo,
o com portamento do titular exercente ou se, pelo contrario, protege,
como fim, a situacao da contraparte. Nao se responda que a prim eira
hip6tese encobre a segunda e vice-versa: nao existe, entre ambas,
uma relacao nem de equivalencia, nem de correspondencia autornatica.
Conform e se encare uma ou ou tra das dual possibilidades, assim
os pressupostos sac
,
diferentes, os regimes, diversos, e o s efeitos, dis-
tintos. Acresce que, ainda quando uma envolva a outra, cada
uma 6 atingida em m edida diferente consoante esteja directamente na
alcada do direito ou, apenas, por via reflexa. Assim, se na
suppress io
pretende evitar-se a ruptura representada pela quebra stibita de u m
nao-exercicio estivel, o Direito ocupar-se-a do comportamento do
exercente, dos seus condicionalismos subjectivos e objectivos e
da necessidade de o nivelar perante regras de justica generalizante;
o decurso do tempo ganha importancia primordial e tende a ser
igualizado. Ha uma complementacao das regras prOprias da pres-
erica° e da cad ucidade o que, n aturalmente, beneficia outras pessoas.
Se, pelo contrario, a
suppress io
visa proteger a situacao da con traparte
— a sua confianca — havera que atentar no condicionalismo interno
e externo que a rod eie: a sua boa fe subjectiva, ou seja, o conhe-
cimento que tenha do direito da contraparte, a impressividade da
aparencia que a iluda e as dimensoes alcancadas pelo seu inves-
timento de confianca; o decurso d o tempo esbate-se e torna-se requi-
suoirregular, perante o objectivo de o adaptar as exigencias de um a
justica individualizadora. Ha a co nstituicao de posicoes juridicas acti-
vas da con traparte beneficiiria que acarretam, por incompatibilidade,
caso e na medida em que esta se de, o prejudicar da situacao
do titular exercente (629.
1 6 2 0 %
Trata-se de uma forma de extincio dos direitos e outras situacoes subjectivas, nao
expressamente tratada na lei, mas por ela pressuposta, e a que se pode chamar de extincio
por constituicao de direito incompativel. Pense-se, por exemplo, nas situavies dos titulares de
direitos sobre coisas em que outrem, por usucapiio ou pot acessio, constituiu direitos de proprie-
dade novos. Cf. MENEZES CORDEL RO,
D. Reais
cit., 2, 787.
816
exerc ic io inadmissive l de posicks jurid icas
III. A
ordenacao da
suppress io
como dispositivo destinad
o
a
complementar as regulacoes legais sobre a influencia do tempo nas
relacOes juridicas foi preconizada por
JURGEN SCHMIDT,
dentro
da reformulacao geral da boa fe, por ele proposta, em 1981
(621).
Na b ase do problema esta a possibilidade de discrepancia entre o
sentido social de uma regulacao juridica e a efectividade social.
§ 30.° A «suppressio* e a «surrectio*
17
Por
surrectio
pretende exprimir-se a ideia com portada pelo termo
alma()
Erwirkung.
A
Erwirkung é ,
ela prOpria, urn neologismo proposto
por
CANARIS,
em 1971
(624\ ,
com sucesso crescents ; foi, p. ex., adoptado
por
LARENZ,
a partir da decima segunda edicao do seu
Schu/dR
(
6 25
)
e, com grande desenvolvimento, por
JURGEN
SCHMIDT,
na decima segunda
edicao do comentario de STAuturiGER (
62 6
) .
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 90/100
A prolongar-se, o D ireito esforca-se por eliminar a discrepincia,
seja adequando as relacOes facticas a regulacao juridica, seja aceitand
o
o
ainda, por outros institutos, como sejam certos prazos legais e a
usucapiao
(622)
.
0 conjunto das regras destinadas a adequar o direito
efectividade social nao 6 harmonica a face do BG B.
Assim 6. A prescricao reporta-se, apenas, a direitos subjectivos que
integrem a ideia de pretensao, corn exclusao, p. ex., da propriedade, de
direitos imateriais e de direitos potestativos; so pode
ser
feita valer como
excepcio e tern urn prazo rigido. As regras de preclusio dos §§ 121 e 124
— trata-se do exercicio da faculdade de impugnar certos negOcios —
atinge, tao s6, certos direitos potestativos. A usucapiao 6 privativa da
propriedade
(
623
).
d a
Para
JURGEN SCHMIDT,
as regras codificadas quanto ao influxo
efectividade sobre a regulacao juridica constituem, ate pela sua
diversidade,
leges speciales .
Sobre elas, como complementacao do
Direito legislado, ergue-se a
lex generalis,
susceptivel de revestir dois
aspectos: ora faz desaparecer urn direito que nao corresponda
efectividade social — 6 a
suppress io
—
ora faz surgir um direito
Rao ex istente antes, juridicamente, m as que, na efectividade social,
e r a
tido como presente — 6 a
surrect io .
( 621 )
STAUDINGER/SCHMIDT,
BGB
12
, §
242, n.° 463 ss. (158 ss.). J. Sof.
quaciona,
porem, o problema em termos antiteticos, como figura no texto: para ele, o surgimento de
direitos e, ainda, complementacio das regras que tratam a repercussio do tempo nas situacoes
j u r i d i c a s .
KoNDGEN,
Selbstb indung ohne Vert rag
cit ., 171, atr ibui antecedentes, nessa linha,
a
B Y DLINSKI
e a
SOERGEL/SIEBERT.
(622)
K.
SPIRO,
Die Begrenzung privater Rechte durch Verjahrungs- Verwirkungs- and
Fatalfristen
(1975) —
apud
rec. favorivel de W
HABSCHEID,
AcP 178 (1978) , 334-336 —
atribui a prescricao simplesmente duas fungi:3es: a de proteger o devedor e a de estimular o
credor. Dada a sua extensio, elas tocam, no entanto, o essential do problerna.
( 623 )
STAUDINGER/SCHMIDT, BGB
12
Cit., §
242,
n.°
464-467 (159).
Finalmente, as prOprias
leges speciales
sao susceptiveis de comple-
mentacao pela boa fe: sao as inalegabilidades da prescricao ou do
decurso de certos prazos, por inadmissibilidade do seu exercicio (
6 21
).
IV. 0 quadro preconizado por
JURGEN
SCHMIDT
consegue
uma panoramica integrada de aspectos antes obscuros. Ele prOprio
carreia, porem, elementos importantes para a sua superacao. Vai
defender-se, aqui, que tal quadro nao exprime a essencia da repercussao
do tempo nas situacZies juridicas, que ele corresponde mal ao dado
juridico alemao e que trio se adapta nada ao portugues.
Sendo ponto de partida, para o debate, a possibilidade de
discrepancia entre o sentido social das normas e a efectividade dos
factos, nao a exacto que do Direito promane, com o
lex generalis,
o fazer corresponder o primeiro a segunda. Pelo co ntrario: o Direito
tem vocacao real para interferir no dado sociolOgico, alterando-o.
A discrepancia entre uma efectividade social e a regulacao juridica
correspondente resolve-se, em condicoes normais, a favor da segunda.
E esta
—
nao a inversa — a
lex general is.
Quando o D ireito entenda
dar a primazia a efectividade social ha, pois,
lex specialis. Nao
deve, dal
recorrer-se ao conceptualismo facil de afirm ar que, na falta de regu-
lacao especial, cai-se na geral, o que acarretaria, desde logo, a impos-
sibilidade de quaisquer complementac
-
oes e, ao arrepio de meio sect&
de aperfeicoamento juscientifico, a inviabilidade da
suppressio .
Nao
pode, porem, escamotear-se uma inter
-
10o norm ativa prima de manter,
uma vez concedido, o direito subjectivo: a permissao juridica que o
consubstancia, porque permissio, nao implica exercicio necessario
e, porque juridica, nao tolera interferencias exteriores que, do per-
( 624 )
CANARIS,
Vertrauenshaftung
cit., 372. Como se
le
al,
SIEBERT
ja
houvera, inciden-
talmente, utilizado o termo;
foi, porem, C.
quern the deu urn sentido cientifico preciso.
( 625 )
LARENZ,
SChti/dR/AP
2
(1979), § 10.
( 626)
STAUDINGER/SCRMIDT, BGB
12
Cit., §
242, n.° 514 ss. (176 ss.).
( 627 )
SOERGEL/SIEBERT/KNOPP,
BGB1 ° cit ., Cit., § 242, n.° 268 ss. e 275 ss. (78 ss. e
80 ss.); cf
HAUEISEN,
Unzulassige Rechtsausiibung and Offentlich-rechtliche Attsschlussjiisten
cit., 729.
818
exerc ic io inadmissive l do .
posicoes
juridicas
mitido, facam proibido. To pouco deve ignorar-se a condenaoo
natural em que incorre o comportamento nao permitido
:
a
s u a
de o proscrever, associando-lhe consequencias gravosas crescentes
Da eficicia destas proposiceies depende a possibilidade de intervencao*
do Direito na sociedade, o que a dizer, depende o prop •
op n
o
§ 30.° A «suppressi• e a «surrec t io*
19
extraordinirio e, nessa medida, excepcional. Outrotanto sucede
com
a
surrectio
(
629
).
A adaptacao do esquema de
JURGEN SCHMIDT
ao direito portugues
nao
seria possivel. 0 COdigo civil, mais perfeito, neste campo,
do que o BG B, estabelece urn sistema harmonioso de repercussao do
tempo nas situacoes juridicas. Assim, em vez de lim itar a prescricao
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 91/100
Direito. SO principios contraditorios ou diversos, dotados de
potencialidades normativas muito intensas podem, aqui e ali, quebrar
essa lOgica. Duas co nsequencias, pois: a pura efectividade social,
quando dela nao se desprenda um a norm atividade, nao vai, a titul
o
juridica alcancada, correctamente, pela interpretacao; o influxo da
efectividade social sobre o juridico, quando ocorra, a
lex specialis,
com
o sentido axiolOgico-m aterial, mais do que conceptual, que
esse qualificativo implica. Esse sentido e o da repercussao d o tempo
nas situacoes juridicas.
0 dado juridico alemao sobre a
suppressio
presta-se a equivocos.
Hi que eviti-los, o que nao foi conseguido por
JURGEN SCHMIDT.
0 desenvolvimento, em extensao, da
suppressio,
que a levaria, de
contrapeso equitativo para urn direito de revalorizacao monetiria
conseguido
contra legem,
a forma de extincao possivel em todos os
direitos di, desta, uma ideia de generalidade. M as essa ideia a super-
ficial. Defender, da generalidade, a possibilidade de uma aplicacao
a urn grande m imero de situacoes
é
ter, do fenomeno, uma represen-
(628N .
)
acao quantitativa
generalidade de um regime implica
a qualidade que tenham os valores, por ele propugnados, de, por si ,
estarem presentes, repetidamente, sempre que valores de outra ordem
e, no concreto, mais intensos, nao os afastem. A jurisprudencia da
suppressio
fez, da mesma, uma aplicacao parcimoniosa. Os valores
que ela comporta — e que se discute quais sejam — nao estao pre-
sentes, em primeira linha, na generalidade das situacoes juridicas.
Pelo contrario: eles surgem apenas em c ondicoes especiais afastando
entao, esses sim, valores genericos evidentes ligados a observancia
dos direitos devidamente constituidos e a inexistencia de direitos
quando faltem as previseies de constituicoes normais. A
suppressio
tida, na jurisprudencia e, tambem, na do utrina, como um remedio
(628)
E m esmo nesta perspectiva quantitativa, a generalidade levantaria chividas;
dc
facto, a
suppressio
surge, na pratica, predozninantemente, em certas areas ji referenciadas;
cf . . .supra,
804-805.
pretensoes — § 194 BG B — estende-a, como regra, a todos os
direitos, corn inclusao, pois, dos potestativos e dos imateriais;
apenas os direitos indisponiveis ou as excepceies legais se desviam dessa
regra — art. 29841 . A caducidad e corresponde ao instituir de prazos
especiais — art. 298.0/2 — e tern um regime diferente do da prescricao
—.arts. 328 .° ss. e 300.° ss., respectivamente. Das excepceies
regra da prescricao, a m ais notivel
e
a dos direitos reais de gozo;
a lei sujeita-os, no entanto, genericamente, ao nao uso o qual segue
as regras da caducidade — 298.. /3
(630)
.
que dizer: o Direito
portugues codificou a influencia do tem po nas situacoes juridicas em
termos conclusivos; todos os direitos subjectivos esti° sujeitos ao
tempo, de acordo com regras precisas
(
631
). Nao se poe, por isso,
como tal, urn problema geral de complementacao das regras que,
atraves da repercussao do tempo nas situacoes juridicas, visem adequar
a regulacao normativa as realidades ficticas; qualquer complementacao
teria de ser pontual. Acontece, porem, que o regime firmado pelo
legislador portugues quanto a prescricao, a caducidade e ao nao u so
e
pleno, no sentido, acima firmado, de nao comportar reducoes
teleologicas
(
632
). Ou seja: ao dimanar as normas respectivas, foi
escopo patente do codigo o nivelar, em torno de regras uniformes,
a
penalizaca'o pelo nao exercicio e nao o perm itir, no caso concreto,
uma busca individualizadora de justica
(
633
). A natureza extensiva
do regime, corn reserva de lei para os casos que requeiram tra-
(629)
P. ex.,
LARENZ,
SchuldR I AT
cit., 132.
( 630)
MENEZES CORDEIRO,
D.
Reais
cit., 2, 790 e 793, quanto a interpretacio desse pre-
ceito, no sentido apontado no texto.
(631)
Corn inclusio do proprio direito de propriedade, contraditando a sua por vezes
alegada perpetuidade com o caracteristica essential;
MENEZES CORDEIRO,
D . Reais
cit., 2, 896-897.
(632)
Su pra ,
791.
( 6 33 )
As justificacUs classicas da prescricao — p. ex., DIAs
MARQUES,
Prescript& exalt-
tiva
(1952), 11 ss. e
SPIRO
Cit.,
supra,
81 6
6 2 2
— tern a ver com escopos de politica legislativa
que, historicamente, levaram a consagracio do inst ituto e nao corn o fim objectivo e actual que
ressalta da lei; ou melhor: as justifica:c0es classicas em causa fa° prosseguidas, em primeira linha,
atraves da uniformizacio apontada no texto.
30.° A «suppress io* e a «su rrectio*
21
tamento diferenciado — art. 298.0/1 — atestam-no e a natur
e z a
0
ainda que pontuais, a repercussao do tempo nas situacties juridical,
tal qual emerge da regulacao civil
(
634
).
A isso acresce que a boa
fe,
vocacionada para intervir n
a s
Chega-se, assim, por uma via independente, a
conclusoes
para-
Wa
s as alcancadas no estudo do
ven ire con tra fac tum propr ium
(
6 3 7
).
Nao
apenas coincidencia.
VI.
Estabelecida a vantagem m etodolOgica em considerar a
suppressio
pelo prisma do seu beneficiario ha que, nessa linha, deter-
820
exerc ic io 4nad missive l de p osic3es jurld icas
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 92/100
635
), nao se liga, directamente, a problernatica
do tempo n as situagoes juridicas: esta
é
entendida de modo absoluti-
zado, isolada, so reflexamente atingindo as contrapartes.
V. Cabe, pois, examinar a segunda via: a de, na
suppressio,
se pretender apenas proteger a situacio da contraparte. Urn aspecto
sintornitico, que nao tern sido sublinhado, prende-se corn a irregu-
laridade dos lapsos de tempo requeridos pela jurisprudencia para a
sua verificacao
(636). Procurasse a
suppressio
penalizar o nao exercicio,
num esforco para defesa da justica generalizante, e a tendencia seria
para a uniformidade: o nao exercicio seria urn desvalor em si
mesm o e todos os nao-ex ercicios se assemelham. Pelo co ntrario,
a irregularidade dos
4prazop
indicia uma justica individualizadora que,
do nao-exercicio, retem a projeccao na contraparte. As circunstancias
determinantes do tempo requerido prendem-se, pois, corn o bene-
ficiario da
suppressio .
Elas devem inforrnar uma situacao tal que o
exercicio retardado do direito surja, para a contraparte, como injus-
tica, seja, em sentido distributivo, por the infringir uma desvantagem
desconexa na panoramica geral do espaco juridico, seja, em sentido
comutativo, por the acarretar um prejulzo nao proportional ao bene-
ficio arrecadado pelo exercente, tendo em conta a distribuicao normal
a operar pelo direito implicado. A chave da
suppressio
esta, pois, na
alteracao registada na esfera da contraparte, perante o nao-exercloo.
Protege-se a confianca desta, em que nao h avers mais exerciaos;
a bitola pode ser procurada no sentido que
o
destinatirio normal
daria ao nao exercicio — art. 236.0/1.
(634) No Direito alem3o seria provavelmente possivel, atraves de uma interpretacio
adequada das normas fragmentarias que integram o BGB, chegar a conclusoes semelhautesi
o problema raiz) tem ocupado a doutrina germinica, mas nao tem de ser aqui reso1vid°-
(
6 3 9
Cl.
supra, 760.
(
6 3 6
)
Cl.
supra, 811605.
minar-lhe os efeitos.
A doutrina alema
nao
tern dado este passo por razoes que se
prendem, provavelmente, corn uma tradicao juscultural ligada a dece-
nios de consagra* jurisprudential da
suppressio,
que cabe preservar.
Quando trata da
surrectio,
JURGEN SCHMIDT
nao deixa, porem, de apon tar
como sua manifesta* primeira a vantagem conferida a outra parte pelo
funcionamento da
suppressio
(638).
Elsa man ifesta*, acrescenta J. ScH .,
nao a problematica, uma vez que
se ampara na pr6pria
suppressio,
ji consagrada.
Perante urn fenOmeno de
suppressio,
o beneficiario pode encon-
trar-se numa de duas situaceies: ou, tendo-se livrado de uma adstricao
antes existente, recuperou, nessa area, uma permissio generica de
actuacao ou, tendo conquistado uma vantagem particular, adquiriu
uma permissio especffica de aproveitamento, ou seja, um direito
subjectivo. A
surrectio
tern sido utilizada para a co nstituicao
ex novo
de direitos subjectivos
(
639
). Fale-se, ai, de
surrectio
em sentido prOprio
ou estrito. Nao deve, no entanto, operar-se uma autonomizacao
em profundidade da
surrectio
estrita, uma vez que a prim eira possibi-
lidade do beneficiario, portanto a mera recuperacao duma liberdade
de mo vimentos, antes perdida, — cham e-se-lhes a liberacao — the
esta prOxima
(640
). Englobando esta Ultima pode, pois, falar-se de
uma
surrectio ampla.
VII. Equacionando os requisitos da
surrectio,
JURGEN SCHMIDT
remete, praticamente, para a
suppressio
(
641
):
exige-se urn certo lapso
(637)
Cf.
supra,
752.
(638)
STAUDINGER/SCHMIDT,
BGB" cit ., § 242, n.° 514 (1 76).
(639)
E a posh* patente em
CANARIS,
Vertraueruhafiu tig
cit., 372 e
LARENZ,
SchuldR I AT'
3
t•,
132. Esses AA. nao defendem, contudo, expressamente, que a
surrectio
so possa
Implicar direitos; repare-se que a comum, em Direito, falar-se em direitos subjectivos pars
des
ignar genericamente, situacifies vantajosas para as pessoas.
(640)
J
SCH MIDT,
ob.
e
loc. cit . supra, 8216
35 .
( 64 1 )
STAUDINGER /SCH MIDT,
BGB'
2
Cit., §
242, n.° 517-520
(177) .
822
exercicio inadmiss tvel de
posioies juridicas
de tempo, por excelencia variivel, durante o qual se actua uma
situacao juridica em tudo semelhante ao direito subjectivo que vai
surgir; requer-se uma conjuncao objectiva de factores que concitern,
em nome do Direito, a constituicao do novo direito; impoe-se
a
surrect io .
Mais preciso,
CANARIS aponta
(642): a
presenca de uma previsao de confianca,
a imputacao da situacao a criar — uma vez que a
30.° A
4suppressio* e a .surrectio
23
Em BG H 2Q-D ez.-1971 decidiu-se a questa() levantada pela pessoa
que, tendo construido uma casa corn urn emprestimo ao abrigo de
r
egulamentacao que s6 o autorizava para venda com o habitagio prOpria,
o arrendara corn obrigagao de venda , ao locatario. Mais tarde, a regula-
mentacio a alterada, desaparecendo essa exigencia. Nao obstante, o BGH
entendeu que, por exigencia da boa fe, a transferencia devia ter lugar (
6 4 6
) .
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 93/100
surrect io
de uni
a titulo de culpa ou de risco, a boa fe subjectiva do beneficiirio,
no sentido de este ter, pelo menos como provivel, a regularidad
e
da
situacao fictica subjacente e ausencia de quaisquer outras soluciies
impostas pelo Direito, como sejam obrigacoes de indemnizar ou de
restituir enriquecimentos. Tal como a propOsito das previsoes de
confianca, patentes no fenomeno do
venire contra factutn proprium,
ester factores nao sac), em absoluto, necessirios; o seu funcionamento
processa-se dentro das regras, ji definidas, da sistemitica move (
6 4
3).
Como exemplos jurisprudenciais de
surrectio
em sentido estrito tem
sido apresentadas algumas decisoes judiciais que nem sempre surtem,
corn grande evidencia, o efeito pretendido. Refiram-se, no entanto, as
mais claras.
Em BGH 17-Jan.-1966 discutia-se a situacao criada por, numa
sociedade, durante mais de vinte anos se ter, corn o acordo unanime
de todos os socios, procedido a uma distribuicio de lucros no correspon-
dente ao pacto social. Este so poderia ser alterado corn certas formali-
dades, o que nunca foi feito. 0 BGH, atentas as circunstancias,
entendeu que a distribuicao nao official deveria ser mantida para o
futuro (
6 4 4
) .
Em BayObLG 16-Jun.-1971 tratou-se o problema posto pelo use
de titulo nobiliirquico, ao abrigo do Direito antigo, aplicavel ao caso,
mas corn presenca concomitante de principios actuais. Uma familia bavara
acabara por se transferir para a Rtissia; os seus descendentes vieram,
muito mais tarde, requerer o titulo (duque de Leuchtenberg), em termos
contestados. 0 BayObL G decidiu que, no h avendo, nos interessados,
qualquer ligacao a Baviera, nao surgira qualquer confianca digna de
pro teccao
( 64 2 )
CANAIUS,
Vertrauenshaftung
cit., 372-373.
LARENZ,
por seu turno, que too, alias,
uma rem issio generica para
CANARIS,
refere, em especial, a necessidade de condicoes muito
ponderosas para que possa haver
surrectio — SchuldRIAP
3
cit., 132.
(643)
Supra,
759.
(644)
BGH 17-Jan.-1966, WM 1966, 159-160.
(645)
BayObLG 16-Jun.-1971. BayObLGZ 21 (1971), 204-217 (205-206 e 216).
A aplicacao dos requisitos, deslindados para a
surrectio
estrita, a
surreal°
ampla, o que d dizer, a
suppressio ,
tornam-na bastante mais
clara e consistente: a
suppress io
desenha-se como uma consequencia
da formacio, por
surrect io
ampla, de situacao incompativel com a
atingida; por outro lado, apaga-se, em definitivo, o tempo, como
requisito autOnomo (
6 4 7
).
76.
Reformulacao; o problema a face do codigo c ivil; o acOr-
dao do STJ, de 26 de Marco de 1980
I .
0 desenvolvimento anterior permite afirmar a necessidade de
uma reformulacao global da
suppressio ,
em termos de conclusio.
Embora indi rec tamente, CANARIS e JUR GEN SCHMIDT deram ele-
mentos que, sendo aproveitados, facilitam essa tarefa. 0 primeiro
apresenta o conceito de
surrect io
e afina-lhe os requisitos. 0 segundo
tenta defender a
suppress io
e a
surrect io
como complementacOes
ao que, por comodidade de
expressao,
se tern chamado de repercussao
do tempo nas situaciies juridicas. 0 caminho iniciado por CANARIS
pode desenvolver-se da forma seguinte: na
suppressio ,
no esti em jogo
a extincao gratuita do direito do titular nao-exercente, mas antes
o beneficio reconhecido a contraparte; apura-se, assim, a ideia de
surrectio
ampla a qual se aplicam os factores isolados por CANARIS,
na Optica da sistemitica move . A via tri lhada por JURGEN SCHM IDT
explora-se pela negativa: chamando a atencao para as normas que
(646)
BGH
20-Dez.-1971, NJW 1 972, 536-537. E m decisoes antcriores como, por ex.,
RAG
12-Dez.-1934, ARS 23 (1935), 37-43, an. favorivel de
HUECK,
1 0 C .
ci t . ,
42-43 z RAG
27-Jun.-1944, ARS 47 (1944), 221-224 — onde, respectivamente, se ncgou urn direito osurgidc,
,,
alegado corn base em convencio ticita e urn direito a provisoes entregues a urn representante-
-viajante — esti menos clara a ideia de surgimento possivel corn base na boa fe.
(
6
9 JURGEN SCHMIDT
mantem-no, como se viu.
Hi,
no entanto, que
ter
em conta o
facto de esse A. pretender imputar a
suppressio
e a
surrectio
a
necessidade de complementar as
normas references 1 prescricio e 3 caducidade.
(645) .
824
exercicio inadmissivel de posiroes juridicas
regulain o tempo nas situacoes juridicas, ScHmarr permite constatar,
afinal, a natureza plena das mesmas; estas tornam-se, deste modo,
insusceptiveis de reducao teleolOgica e, por isso, de complementaca
o
.
0 fenOmeno da
suppressio ,
traduzido no desapareciment
o
de
posicoes juridicas que, nao sendo exercidas, em certas condigoe
s ,
durante determinado lapso de tempo, nao mais podem se-lo, sob
§ 30.° A 4suppressio»
e a «surrect io» 25
II . Estas conclusOes
alicercam-se na jurisprudencia alema
e nas
c
onsideracOes que, sobre ela, a doutrina foi tecendo. Serao aplicaveis
ao Direito portugues?
0 ambiente juridico-cultural
do
Direito privado portugues
e
favorivel a uma resposta positiva. Recorde-se que o COdigo
Civil de 1966 operou, em aspectos fundamentais, uma recepcao de
formulas alemas, corn incidencia particular na boa fe; sublinhe-se que,
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 94/100
pena de contrariar a boa fe, corresponde a uma forma invertida de
apresentar a realidade. A
suppress io
é, apenas, o subproduto da for-
maclo, na esfera do beneficiario, seja de um espaco de liberdade onde
antes havia adstricao, seja de urn direito incompativel corn o do
titular preterido, seja, finalmente, de urn direito que vai adstringir
outra pessoa por, a esse mesmo beneficiario, se ter permitido actuar
deste modo, em circunstancias tais que a cessacao superveniente da
vantagem atentaria contra ab oa
f e .
0 verdadeiro fenOmeno em jogo
o da
surrect io ,
entendida em sentido amplo. E nesta que devem ser
procurados requisitos. Estes, ainda que aproveitando as investigagoes
de CANARIS, devem ser ampliados de modo a adaptarem-se
extensao verdadeira do problema englobando, pois, quer a
surrect io
propriamente dita, quer a liberacao. Assim, o beneficiario tern de
integrar uma previsao de confianca, ou seja, deve encontrar-se numa
conjuntura tal que, objectivamente, urn sujeito normal acreditaria
quer no nao exercicio superveniente do direito da contraparte, quer
na excelencia do seu prOprio direito. Subjectivamente, ele deve estar
de boa fe, no sentido de nao ter consciencia de prejudicar outrem
e de ter acatado os deveres de indagacao que, no caso, ocorressem.
Esta situacao deve ser imputivel ao prejudicado pela
surrect io ,
seja
porque este, em directo, the deu lugar, seja porque ela acompanha, corn
concomitancia, outras
situacoes relativas ao
mesmo prejudicado, em
termos tais que fazem surgir a ideia de risco. No concreto, algum ou
alguns destes requisitos podem faltar, desde que os restantes assumam
uma intensidade tal que supram a sua ausencia: integram urn sistema
move]. A
surrect io ,
por fim, nao deve ser afastada por normas
especificas ou por outros principios que, pontualmente, se the
sobreponham e e supletiva, no sentido de postular a inaplicabilidade,
ao caso em causa, de quaisquer outros remedios que satisfacam a
necessidade juridica imperiosa que ele visa contemplar. A base legal
da
surrect io
reside no preceito que mande actuar de boa
f e .
no tocante ao exercicio inadmissivel de direitos, esse fenOmeno foi
particularmente claro, embora tenha operado corn a mediacao
do COdigo grego; acentue-se, por fim, que uma transposicao de
formulas
pressupoe, para ser coerente,
a aprendizagem da Ciencia
que lhes esteja subjacente, isto é, implica uma verdadeira
recepcao.
As especificidades do Direito portugues reforcam, ainda, a aplica-
bilidade, a sua luz, das concepcoes tecidas em torno da
suppress io
e da
surrect io .
Como foi focado, o Direito portugues firma urn regime de
repercussio do tempo nas situacoes juridicas que, mais claramente
ainda do que o alemao
( 6 4 8 ) ,
veda, por plenitude, a sua complemen-
tacio. A
suppressio ,
como form ula da repercussio do tempo, ainda que
dificultada pelo aditamento de outros requisitos, nao tem possibili-
dades de singrar.
Importa rejeitar desde ji, embora a questa° tenha de ser retomada
em termos genericos, a eventual defesa de uma
suppressio
baseada na neces-
sidade, posta pelo art.
3 3 4 . 0 ,
de no ultrapassagem, no exercicio dos direi-
tos, de forma m anifesta, dos limites postos pela fungi() social e econ6-
mica dos direitos em causa. 0 raciocinio falacioso seria qualquer coisa
como: a ordem juridica, ao conceder, um direito, fá-lo, naturalmente,
corn a funcao social e econOrnica de que de seja, de facto, exercido:
no o sendo, passa-se o limite posto por essa fungi°, extinguindo-se o
direito. Este esquema no proc ede por tres razoes.
Em
primeiro lugar,
porque uma extinc
ao arquitectada nestes termos postula uma efectiva
reciticao teleolOgica da regulaclo referente aos efeitos do tempo sobre as
as situacoes juridicas; viu-se qu e isso nao 6 posslvel. Seguidamente,
porque a funcao social e econOmica dos direitos — e o que, a essa
formula, se abrigue (
6 4 9
) — 6, por n atureza, igual para todos os direitos
da mesma especie. Ora a
suppressio
varia, no seu funcionamento,
consoante as circunstancias de cada caso. Por fun, porque o remedio
indicado para o direito, alegadamente
no
exercido em contradicao
649)
Cf.
supra,
819.
649)
Infra, n .°
115.
826
exercicio inadmissivel de, posiciies juridicas
coin a fling
-
4'o social ou econornica corn que tivesse sido concedido, seria
nao a sua extincao, mas o seu exercicio por terceiro, em nome e p
ot
650.
A
surrect io ,
pelo contrario — e, assim sendo, a
suppressio ,
mas ape..
nas como subproduto e corn urn sentido diferente do habitual
—
6,
de form a directa, pressuposta pelo
art. 334.°,
nalgumas das suas
§ 30 . ° A 4su ppress io * e a esurrec t io » 27
exercente e, concomitantemente, que sejam ampliados — ou mesmo
direitos da contraparte. Ainda por forca do abuso do
s d e i r e c i r t i o e m —
pode o titular exercente incorrer em vinculacoes, como corres-
pectivo do direito surgido
na
esfera da c ontraparte.
0 C Odigo civil admite, pois, pelo art. 334.°, em mera ponde-
racao dedutiva, a
suppressio
e a
surrect io .
0 que
nao
admira,
tuna vez que esse resultado foi conseguido no Direito alemao,
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 95/100
manifestacoes. Quando o art.
334.°
considera ilegitimo determinados
exercicios postula, automaticamente, a existencia de beneficiario
s :
este nao dever ter lugar
(
651
A lei nao distingue o tipo de beneficio
positivo implicado na vantagem, formulada pela negativa, como
«nao poder ser atingido por actos ditos abusivos*. Por imperativo
logic°, no entanto, esse beneficio sera ora a recuperacao de uma
liberdade generica de
actuacao
onde antes faltava, isto 6, onde antes
havia adstricao, ora a formacao de uma perm issio especifica de apro-
veitamento onde antes existia ou, apenas, uma permissao gene-
rica
(652
) ou, ate, uma adstricao. Em regra, estas alteraceies norma-
tivas conduzem, tao so, ao ampliar de posicoes jussubjectivas ji pre-
sentes na esfera do beneficiario, isto 6, a acrescentos feitos no contetido
dos seus direitos e, na Optica do titular exercente, as restricaes
correspondentes nos direitos que nao devam ser exercidos de modo
abusivo. Quando, porem, o beneficiario incorra numa vantagem
especifica e autOn oma, h a, para ele, um direito subjectivo novo:
ocorre um fenOmeno de
surrect io .
Paralelamente, sendo esse d ireito
novo urn direito relativo, adstringe-se a contraparte a urn dever.
Da m esma forma, o titular-exercente pode, por forca das regras que
vedam o abuso do direito, ver um direito seu de tal forma
coarctado pela restricao ou, simplesmente, incom patibilizado corn
um nov o direito surgido na esfera da contraparte beneficiaria, que caiba
falar de uma v erdadeira extincao.
0 art. 334.° permite pois que, por forca do abuso do direito,
sejam restringidos — ou m esmo se extingam — d ireitos do titular
( 6 5 0
) MENEZES CORDEIRO,
D. Reais
cit ., 2, 820-822, corn uma enum eracio exemplifica-
t iva de outras sanclies possfveis, m as sempre peculiares.
661
) Possibilita-se, assim, tambem um a proteccio refiexa; historicamente, no entanto,
o abuso firmou-se, corn nitidez, contra uma pessoa, a favor de outra.
/652
,
)
A permissio genE rica — p. ex., a autonom ia privada e a liberdade de actuacao
material — nao di, ao contrario da especffica, lugar a direitos subjectivos em sentido proprio.
Cf.
MENEZES CORDEIRO,
D. Obrigailes cit., 1, n.°'
16-17.
corn apetrechos norm ativos bem inferiores aos proporcionados pelo
l
e
gislador de 1966.
Esta
problematica nab se prende com as ch. sancoes pelo abuso
do direito. Q ualquer sancao postula situagOes materiais previas cuja
violacao vise impedir ou remediar . E irnportante sublinhar que, ana-
liticamente, o papel do abuso do direito nao se limita, apenas, a urn dever
informe de nao abusar ou a urn direito, tambem informe, a que nao se
abuse. Recordem-se algumas decisoes celebres relativas ao abuso d o
direito. A construcio de um a chamine falsa para tirar o dia ao predio
vizinho 6 abusiva
(
653
):
o beneficiario ye ampliar o seu direito de
propriedade, acrescido da faculdade d e beneficiar da luz natural vinda do
predio vizinho; a contraparte ye limitar o seu direito de propriedade,
nao podendo construir chamines falsas. A proibicao, imposta pelo pai
a um filho, de v isitar o tfunulo da mae, situado no castelo daquele, 6 abu-
siva
(
654
)::,o filho tern urn direito de visitar o tumulo e o pai o dever de
tolerar a intromissao; o nao assumir, por parte do construtor, das medidas
necessarias para precaver os interesses comuns dos moradores 6 abusivo
(
655
):
os moradores tem um direito a que tais medidas sejam tomadas e o
construtor tern o clever de o fazer.
Esta experiencia na repressao do abuso, que se estende por mais
de urn seculo 6, assim entendida, esclarecedora no sentido pratico efectivo
propugnado pelo instituto. Nas decisoes respeitantes a
suppressio,
o vector
positivo, i. é,
constitutivo de posicOes juridicas favoriveis novas do abuso
do direito fica mais claro ainda: nao sf trata, de modo algum, de
penalizar pessoas, numa operacao punitiva estranha, em absoluto, ao espi-
rito do Direito civil, mas a ntes de a:segurar vantagens, tidas por justas;
estas poderao, depois, inutilizar posicOes adversas, corn elas inco mpativeis.
Na jurisprudencia directamente ilustrativa da
surrectio
em sentido res-
trito
(
656
), nota-se a particularidade, quase linguistica, de se abordar
decisoriamente o tema pelo prisma do beneficio a atribuir, em vez de
( 6 33 )
C. Imp. Colmar, 2-Mai.-1855, D 1856, 2, 9-10.
(634)
RG 3-Dez.-1909, RGZ 72 (1910), 251-255.
(655)
Casslt 15-Nov.-1960, Fl 1961, 1, 256-261.
(656)
Recordem-se BGH 17-Jan.-1966, WM 1966, 159-160, BayObLG 16-Jun.-1971,
BayObLGZ 21 (1971) , 204-217 e BGH 20-Dez.-1971, NJW 1972, 536-537.
828
exerc ic io inadru issive l de poskiks jurid icas
§ 30.° A «suppressio» e a «surrectio*
29
o
fazer pela porta das inibicoes corn isso conseguidas.
E
importante, n
e s t e
campo como noutros, surpreender, sob os esquemas comunicativos
formais, os aspectos materiais em jogo.
III. Resta aclarar, dentro da logica interna do art. 334
. .,
urrectio
e a
suppressio.
A
experiencia jurispru-
dencial que esta na base dessas figural demonstrou o lidar-se, nelas,
factos, a
A.
teve de executar obras de reparacao e de revestimento, com
um dano global de 237 800 500, mo ntante da indemnizacio que, judi-
c
ialmente, vem exigir ao R.
Perante estes elementos, o Supremo decidiu a aplicacao do art. 334. °.
As obras de dem olicao do R. foram causa efectiva dos danos sentidos
pela A.: nao foram levados a cabo corn as precaucoes necessarias.
0
R. ((exerceu o seu direito, movendo-se ao abrigo do disposto no
art. 1305.° do COdigo Civil. Excedeu, porem, os direitos. que a lei the
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 96/100
corn um a justica individualizadora, que pondera as circunstancias
especificas de cada caso concreto, no que tenham de particularizador.
Exclui-se assim, que exista aqui uma aplicacio da fun cio social ou
econOm ica que tenha presidido a atribuicao dos direitos envolvidos:
este factor, como se frisou, conecta-se corn todos os direitos da
mesma especie os quais, tendo fungi() identica, revelam a intencio
normativa de uma justica generalizadora
(
657
).
To
pouco os bons
costumes tern utilidade: eles esdo vocacionados para valorar situacoes
isoladas, independentemente, pois de relacao
(
658
). Todas as situacoes
ditas de
suppressio
ou de
surrectio
implicam dois sujeitos relacionados
entre si, em termos cujo equilibrio o direito pretende assegurar.
S u p -
pressio e surrectio
operam con tra o titular de urn direito por este no
dever, no seu exercicio, exceder os lim ites impostos pela boa fe
(
659
) .
0 Codigo exige ainda que o excesso seja manifesto: visa, corn isso,
vincar a ji aludida natureza extraordiniria dessas medidas.
IV. Urn caso nitido de surgimento em sentido estrito, tal como foi
deslindado por
CANARIS,
a
dado pelo acordao do STJ de 26 de Marco
de 1980
( 6 6 0
)
.
Julgou-se, ai, corn base nos factos que seguem, sintetizados.
A A. a proprietiria de urn predio composto de casa com quatro
pavimentos e quintal.
0
R. adquire urn predio vizinho, tambern edi-
ficado, e pratica, riele, obras de demolicao. V isava, com isso, construir
um novo edificio, recuado de 35 m 2, segundo o al inhamento imposto
pela Camara Municipal. Os edificios contiguos tinham, na situacao
initial, uma parede com um ate ao primeiro andar e, dal para cim a, duas
paredes justapostas, uma de cada casa. Por
forca
do recuo requerido na
construcao do edificio novo, o edificio da A. ficou corn uma parede
exposta ao tempo. Em consequencia da dem olicao ocorreram, na casa
da A., determinados danos; esses danos foram aumentando, sobretudo
por forca de infiltracoes na parede exposta.
0
R., antes da accao,
prometera mandar reparar os danos, o que nao fez. No termo destes
(657) Cf.
supra,
825.
(658) Cf.
infra, n.°
113.
(659) CI
supra,
824.
(660)
RTJ 114 (1981), 35-40.
facultavas. E o acOrdao cita, a esse proposito, o art. 334.0. F ocando o
facto de o R. haver prometido reparar os danos, o que nao fez, o acordao
considera, no R ., urn gcomportamento
anti juridico
capaz de determinar
a obrigacao de indemnizar*
(661).
V. Antes de apreciar criticamente esta peca judicial, a todos os
titulos notivel e premincio feliz dum activar definitivo das potencialidades
contidas no COd igo de 1966, cabe fazer algumas consideracEies sobre
tecnica de decisao judicial, nomeadamente quand o se trate de concretizar
disposiceies altamente genericas, como o art. 334.°, ou os valores ai
contidos. Mais importante do que a construclo teOrica — essa vem depois
—
é
a colocacao do problema, i. é, o isolar, numa massa de factos, qual,
exactamente aquele — ou aqueles — que carece de uma traducio a nivel
juridico. Ha, pois, um pre-entendimento da causa sem o qual
nao
s e
pode falar de quaisquer aplicacties
(662).
Assim, no caso da chamine
falsa de Colmar, o tribunal Os o dedo no problema e decidiu bem; mal
sabia que estava a fundar a teoria do abuso do direito — cuja expresso
demoraria meio seculo a aparecer — e que ainda hoje agita a doutrina.
Tambem nas decisoes que fundaram a
suppressio
( 6 6 3
) e a
surrectio (
6 6 4
),
nao hou ve, nas instancias judiciais respectivas, qualquer ideia geral do
significado teorico das decisoes tomadas. M as elan nao foram puramente
intuitivas. Do con junto conhecido da ordem juridica, os juizes isolaram
o que.nio se coadunava satisfatoriameate corn os elementos doutrinirios
i i d
d iu
existentes — evitando, pois, uma decisio errada — e, a face do sistema,
édecn
bv
m
ti
ema
entido material conveniente e logo justificado.
0
consenso
Nao
e,
pois, de estranhar que o
STJ,
ao decidir, em 26 de Marco
de 1980, nao tenha mencionado a
surrectio,
neologismo corn que se
pretende designar a
Erwirkung,
cla propria uma expresso nova na doutrina
alema, embora corn urn contetido conhecido pela jurisprudencia.
0
essen-
tial nao esta nas qualificacoes, que com pete a doutrina, paulatinamente,
i t trabalhando, m as antes na fma percepgao do juridico, adequado ao
momento juscultural vivido.
(661)
RI.J 114 (1981), 37-39 e 39-40.
(662)
Cf. EssER,
Vorverstdndnis 2
cit., 137 e H.J. Koos,
Zur Rat ionalitd t richterlichen
Entscheidens cit.,
197 ss.. Cf.
supra,
37 ss..
( 663)
Recorde-se ROHG 8-Abr.-1873, ROHGE 9 (1873), 412.
(664)
Recorde-se BGH 17-Jan.-1966, WM 1966, 160.
54
830
0 exercicio inadmiss ivel de poskaes jur idicas
A materia de facto sobre que se debruca o acordio cornpreende
elementos que permitiriam trilhar uma de tees vias: a responsabilidade deli-
tual, o
venire contra factuin proprium
e a
surrectio (
6 6 5
).
A responsabilidade
delitual resultaria de, na demolicao, o R. ter actuado corn negligencia, pro-
vocando, por actuacao directa — trepidacoes, material projectado, p
an
,
cadas — danos no edificio da A.. Aplicar-se-ia, entao, o art. 483.0/1, por
violagao da propriedade. Embora alguns factos constantes do relatorio
do ac6rdio deixem antever danos causados desta forma (
6 6 6
), des teat)
§ 30.° A «suppressioo e a ourrectio
31
agora desaparecido ?
0
Codigo C ivil , nao obstante compreender uma
regulacao extensa e aperfeicoada das relacoes de vizinhanca, nao con-
templa,
e
xpressamente, esta hip6tese
(668
• Ha
que ponderar o problema,
i face dos principios gerais. Urn edificio contiguo a urn outro traz-lhe
desvantagens, mas, tambem, alguns beneficios. Destes avulta uma
proteccao, seja pela maior estabilidade do conjunto, seja por deixar
a
parede sobreposta ao abrigo do tempo. A vantagem 6, alias,
reciproca e comprova-se, no caso do acordlo, pelas desvantagens que, da
partida, nenhum dos vizi-
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 97/100
sido consumidos pela situagio de exposicao em que ficou o edificio d
a
venire contra factum proprium
resulta de o R. ter prometido
reparar os danos e de ter faltado.
0
Supremo
fez
bem em nao
deixar de valorar este aspecto que, ainda quando o R. nao estivesse ji em
falta, seria bastante para concluir pela violacao da boa
1 6
preconizad
a
no
art. 334. °. A o prometer essas reparagiSes, o R., para mais nas condicOes
em que o fez, criou, na A., a conviccao de que assim seria. Integrou-se,
pois, uma previsio de confianca, imputivel ao R.,
e
corn boa 1
.
6 subjectiva
da A., convicta de ser esse o seu direito. Corn b ase nessa previa:), a A. fez
o investimento de confianca requerido por
CANARIS
e por JURGEN
SCHMIDT:
nao tomou, ela propria, as medidas imediatas de reparacao,
acabando por faze-lo apenas mais tarde, quando os danos eram subs-
tancialmente maiores, quer pela progressio das infiltracoes, quer pelo
encarecimento dos materiais e da mao de obra. Esta situagao, mesmo
na ausencia de uma verdadeira obrigagao contratual que tenha advindo
da «promessa* do R., di origem a uma obrigacao legal, fundada
positivamente, na boa f6 e corn o conterido do
fac tum proprium,
cuja
proibicao de contradicao resulta, como se viu, no Direito portugues,
do art. 334.° ( 6 6 7
). Tambern esta via ficou consumida no conjunto da situa-
cao: por urn lado e independentemente do
f a c tum pro pr i um,
o R. ji
estava, como se vai ver, vinculado a d eterminadas reparacoes, antes de
ter feito a «promessan por outro, o
f a c tum pro pr i um
reportava-se aos
danos existentes num momento recuado, altura em que eram apenas uma
fraccao do que atingiriam no fim.
Fica, pois, a .hip6tese da
surrectio.
Repare-se que a essencia do pro-
blema reside, nao ern accoes directas do R. contra o edificio da A.,
mas em de nao ter tornado medidas necessirias para defender esse
edificio da situacao de exposicao a que ficou sujeito pela demolicao c,
depois, pela construcao recuada: o grosso dos danos parece, afmal,
obra
das infiltracoes; mas todos des resultam de se ter retirado o edificio
contiguo. Tinha a A. urn direito a proteccao que the era assegurada
pelo edificio contiguo, em termos tais que, sendo de dem olido pelo seu
proprietirio, caberia a este tomar medidas que substituissem o amparo
(665)
Uma quarta possibilidade, a de terem sido violados deveres de seguranca no trafego.
vem suscitada por
ANTUNES VARELA,
an. a STJ 28-Mar. -1980, RIJ 114 (1981) , 40-41 e
72-79 (77). Sera exam inada
infra,
VII ss..
(666)
RLJ 114 (1981), 38.
(667)
Cf.
supra,
760.
demolicao, derivaram para o edificio da A ..
A
nhos tern direito ao beneficio assim recolhido; a possibilidade de se
constituir urn direito desse tipo, corn conteirdo real — o que 6 viivel,
na forma da servidao — nao vem considerada nos autos nem pode ser
ponderada, por falta de elementos. A permanencia dessa situacao, em
termos objectivos de reconhecimento ficil, a de molde a suscitar a
confianca, neste caso, da A.. Ela nao tern de se preocupar corn a sua parede
justaposta, pois, a do edificio contiguo da-lhe proteccao: e o investimento
de confianca. A situacio a imputivel ao R. a dois titulos: o edificio
protector era dele e a demolicao foi operada por de. Nestas cond igoes,
destruir o edificio contiguo sem tomar as precaucoes para proteger
a casa vizinha, excede manifestamente os limites impostos pela boa f6:
hi, na linguagem do C Odigo, abuso do direito. Analiticamente, a boa fe,
em conjunto corn os factos acima alinhados, levou a que surgisse, na
esfera da A., urn direito a proteccao, a cargo do R., o qual, havendo
demolicao, se traduz no d ever de tomar as precaucoes necessarias para
que, ern consequencia do desaparecer do predio contiguo, ocorram
danos no edificio subsistente (
6 6 9
)
art. 3m.
..
A base legal desta solucao 6 o
VI. 0
acOrdio do STJ de 26-Mar.-1980 foi anotado, na RL J, por
ANTUNES VARELA.
A anotagio 6 importante, por dugs raz'Oes: por urn
lado, traduz mais urn apoio doutrinirio (
6 7 0
) no sentido da aceitacao, nos
creditos, de uma proteccao contra terceiros, o mais nao seja atraves
da figura do abuso do direito (
6 7 1
); por outro porque, partindo dos
arts. 492.° — danos causados por edificios ou outras obras — 493.°
— danos causados por coisas, animais ou actividades — 502.° — danos cau-
sados por animais — 13 47.° — instalacoes prejudiciais e dever de inde-
(668)
Art. 1346.° ss.; cf.
MENEZES
Coananto,
D. Reais cit. ,
1, 590 ss..
(669) Outra leitura possivel seria a de que, em consequencia do
facto
econtiguidade*,
teriam surgido deveres m6tuos tendentes a evitar que, da supresslo repentina do facto, causada
por ulna pessoa, derivem danos.
doutrina da enormatividade dos factos', cuja ponde-
7
acio dogmitica, pela necessidade reconhecida da reducio dos problems, passa pelo sistema.
(
6 7 °
) Neste momento, e contrastando coin o panoram a doutrinario portugues ainda
vevido M poucos anos, pode falar-se ji em unanimidade em torno de uma proteccao
a
largada dos creditos. t de esperar, tambem, a sensibilizacio da jurisprudlncia para esta
threctiva tiara do Direito vigente.
(
6 7 1
) ArrrumEs
VARELA,
RIJ 114 (1981), 76, 2.' col..
832
exerc(cio inadmissivel de posiceies juridicas
mnizar por danos dal em ergentes —
1348.
°— dever semelhant
e por
f
or
350.°
— ruina de construcao — e
1352.°
— obras defer
) . . .
sivas das Aguas — o seu Autor vem defender, a face do Direito portugues
s
urn dever geral de prevencao do perigo, sempre que um a pessoa crie
0 1
;
mantenha uma situacao especialmente perigosa
(
672
) .
0 dever geral de prevengio do perigo representa uma transposicau
feliz da doutrina dos deveres de seguranca no trafego ou, em terminologia
mais recente, dos deveres do trafego
(
673
). Essa doutrina tern a
s u a
§ 30.° A gs tippress io*- e a tsurrectio*
3 3
deriva de duas decisoes do
Reichsgericht,
tomadas no principio do
seculo. Na primeira, foi condenado o proprietario de uma arvore
podre que caiu num caminho publico, causando danos num edificio
do A.; o RG considerou, a esse propOsito, que o § 836 do BGB
nao
c
ompreende uma
,
norma singular, m as antes urn principio geral ja
conhecido pelos romanos
(
676
). Na segunda, foi condenada uma comuna;
tunas escadas ptiblicas nao tinham sido devidam ente limpas de neve e de
gelo, vindo um a pessoa cair nelas
(677
) .
.
seguem tres
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 98/100
674
) no Direito penal, corn base no §
3
67/12
StGB, segundo o qual 6 punido aquele que, gem estradas, caminhos o
u
circulem pessoas, deixe pocos, caves, fossas, aberturas ou escarpas de tal
modo escondidas ou descuidadas que possa, dal, haver perigo para
outrem*
(675
). No Direito civil, a historia actual dos deveres do trafeg
o
( 67 2 )
ANTUNES VARELA,
RI-) 114 (1981), 77-79 (79).
(673)
Portanto,
Verkehrspfl ichten em
vez de
Verkehrssicherungspflichten;
LARENZ,
que uti-
lizava a segunda express
-
o em
Schu ldR1BT
1 1
(1977), § 72, I,
d)
(541), mudou para a primeira
em
Schu ldR1BT
1 2
(1981), § 72, I,
d)
(611) — esta ed.
trio
estava ainda publicada ao tempo em
que
ANTUNES VARELA
escreveu a anotacao a STJ, 28-Mar.-1981 : na base da alteracio esti o
estudo decisivo de
CHRISTIAN VON BAR,
Verkehrspflichten
1
Richterliche Gtfahrsteuerungsgebote
im deu tsche,: Deliktsrecht
(1980), 43 ss., que mostra ser a expressao antiga demasiado restritiva,
sendo, ainda, de assinalar outros escritos, como o de
HANS-JOACHIM
M E R T E N S ,
Verkehrspflichten
mid Deliktsrecht Gedanken zu einer Dogmatik der Verkehrspftichtverletzung,
VersR 1980,
397-408 e o de Eruct
STEFFEN,
Verkehrspflichten im Spannungsfeld von Bestandssschutz and
Handlungsfieiheit,
VersR 1980, 409-412; por Ult imo,
CANARIS,
Schutzgesetze — Verkehrspf l ichten
— Schutzpflichten cit., 77 ss..
Os deveres do trafego ja eram, contudo, mencionados na
jurisprudencia, hi muito. Em Portugal, onde nao existe nenhuma tradicio a preservar, 6 de
aceitar a terminologia proposta por Arirrums
VARELA.
(674)
Embora corn antecedentes romanos; cf. C. v.
BAR,
Verkehrspfl ichten ci t. ,
6 ss..
(675)
V. BAR,
Verkehrspfl ichten ci t. ,
11 ss. A doutrina penal contemporinea trata este .
tema na categoria dos crimes omissivos. Requer-se, no que agora interessa, a eidstencia de norma
que mande praticar o acto omitido
— J EscH Ea t iLe ipzKomml°
(1970) , p renot . § 13, n .° 83
(43) e RUDO LPHI/SK/StGB
4
(1982), prenot. § 13, n.° 10 (5) — o que a dizer, de deveres de
actuacio concretamente violados. Para que, em geral, se possa considerar a odstencia de
determinados deveres de actuacio, sob cominacio penal, a necessiria a presenca de urn fimda-
mento juridico especial que implique, para o agente, a imposicao juridica de defender certos
bens jurIdicos, i. 6, que de esteja na itsituacao de garantea; este requisito dispensa-se Pars
0 5
sdelitos omissivos preprios* os quais, postulando disposicoes legais expressas e nao incluindo,
na previsao, o resultado, tem cobertura juridico-penal imetliata — JEscHEat/LeipzKom m
l°
f . idem,
prenot. § 13, n.° 84 (45) e R UDOLPHI/SK/StGB
4
cit., prenot.
§ 13, n.° 8-9 (4-5). De entre virias situacoes de garante possiveis, saliente-se a de proteges
b e n s
juridicos alheios de perigos que provenham do imbito pr6prio do agente, ou por de
controlado. Distinguem-se, aqui, tres subgrupos: a) a situacao de garante derivada de
actuagio previa do agente — p. ex., o condutor que, num acidente, poe em perigo a vida
de
outrem deve providenciar assistencia adequada; 6) a situacao emergente de fontes de Peril '
sob controle do agente
JESCHECK,
LeipzKomml° cit., §
13, n.° 35 (69), estabelece,
As linhas de evolucao mais recentes do institute
rumos, todos ligados ideia de prevencao do perigo e ao alargam ento da
proteccio requerida corn esse escopo
(678
). Passou-se de perigos prOprios
de locais ptiblicos, documentados nas decisoes acima referidas, para riscos
atinentes a sitios privados, quando seja de prever a intromissao de
pessoas no local perigoso
(
679
) . Numa segunda l inha, estendeu-se a res-
ponsabilidade a danos negligentemente causados por terceiros, mas em
conexao corn o ambito do garante
(
680
). Finalmente, os deveres de segu-
rano chegaram a cobrir perigos provocados pela actuacio dolosa de
terceiros sobre a coisa do respondente
(
681
). Os deveres de prevencao
do perigo tern ex tensao consideravel.
a ligacio corn os deveres d e seguranca no trafego civis; p. ex., o proprietir io de urn predio
arrendado deve cuidar da iluminacao n as escadas, para que ninguern se f ira;
c)
a situacao
originada por relacoes de autoridade — p. ex., o professor deve assegurar a nao pritica de
actos criminosos, pelos alunos, durante as aulas. Seguiu-se, aqui, a ordenacio de JESCHECK/
1LeipzKommlo ci t. ,§
13, n.°30-45 (66-72); cf. tambem, Rtroormu /SK/StGB
4
cit., § 13, n.° 24 ss..
Retenha-se, no tocante a situacao de garante por forca de fonte de perigo controlada pelo
agente, a necessidade de haver, de facto, perigo em jogo e nao danos corn outra origem
qualquer.
(676)
RG 30-Out.-1902, RGZ 52 (1903), 373-379 (374 e 379). Quanto a origem
jurisprudential da figura,
mas SCM
especificar, cf.
LOTHAR VOLLMER,
Haftus igsbefiv iende Uber-
tragung von V erkehrss icherungspfl ichten,
JZ 1977, 371-376 (371).
(677)
RG 23-Fev.-1903, RGZ 54 (1903), 53-60 (53 e 58-59).
(678)
V.
BAR,
Verkehrspflichten
cit., 46 ss.. Cf., corn linhas diversas, H.-J.
MARTENS,
Verkehrspflichten
cit., 401 ss..
(679)
Assign BGH 9-Mar.-1959, VersR 1959, 467-469 (467 e 468), condenou o
responsive por urn predio em mina, junto a via pablica; nao foram tomadas precauceies,
de modo que um transeunte, de noise, tendo-o penetrado ligeiramente, caiu num respiradouro.
(680)
Foi o caso conhecido de RG 19-Jun.-1914, RGZ 85 (1915), 185-189 (185 e 187-
-188): o fregues de um cafe jogava as cartas; chegou, depois, urn grupo de joveps que
iniciou uma partida de bilhar; a mesa de bilhar estava colocada a pequena distancia das
mesas normais; o fregues veio, assim, a apanhar corn urn taco de bilhar na cabeca,
ficando permanentemente diminuido; foi condenado o proprietirio do local por nao ter dado,
as mesas, uma disposicao de que nao resultasse perigo.
(681)
BGH 16-Set.-1975, VersR. 1976, 149-151 (149 e 150); acontecera o seguinte:
durante a noite, desconhecidos furtaram uma grelha de quarenta e sete quilos que tapava uma
claraboia de urn armazein sobre o qual se podia transitar; de manna cedo, uma senhora
cal
pela abertura assim exposta, ferindo-se corn gravidade; a entidade propriet iria do armazem
834
exercicio inadmiss ivel de posicoes jur idicas
Descritivamente, os deveres de prevencao do perigo com preende
ni:
o
instrucao;
b)
deveres de actuagao sobre o foco do perigo, tais com
o
escolha criteriosa de pessoas que lidem corn o perigo e de vigilancia,
deveres de organizacao — num a empresa, p. ex., onde haja perigos
deveres de formagao e de participacao — o exemplo do tecnico que deve
manter os seus conhecimentos actualizados para prevencao do perigo e
§ 30 ° A
«suppressio* e a «surrectio*
35
VII. A recepcao de um dever de prevengio do perigo, elaborado
nas condicoes acima esbocadas, merece todo o apoio da doutrina e da
jurisprudencia portuguesas. Corresponde, tal como afirma
ANTUNES
VARELA,
ao sistema geral que se depreende de varias disposicoes do COdigo
Civil — mais rico, alias, neste campo do que o BGB — e integra-se no
movimento geral da recepclo da doutrina da segunda codificacao,
coroado pelo legislador de 196 6. Sublinhe-se, porem, uma diferenca
entre o sistema portugues e o alemao, a ter em conta na recepcio
desta doutrina. No BGB , a consagracao dos «d everes do trafego*, por via
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 99/100
da pessoa que, no podendo controlar o perigo, deve prevenir entidades
competentes deveres de cuidado — p. ex., a cargo do expedidor de
arma de c ap — e de assistencia — similares, mas reportados a pessoas;
p. ex., deve-se evitar incitar a participacao d e urn activista, particular-
mente excitivel e agressivo, numa manifestagao, quando seja de
esperar incidentes (
6 82
) .
No qu e toca a con stituicao destes deveres, pode apontar-se a criacao
ou manutencao de urn perigo, a proteccio da confianca — esta tambem
factor de perigos —, a possibilidade de controlar o perigo e a
ponderaclo das utilidades ligadas a fonte do perigo (
6 83
). Do jogo destes
factores retira-se, sem dificuldade, a pessoa a cargo da qual se formam
os deveres em causa.
Sublinhe-se, por fim, a nivel geral, que os deveres do trafeg
o
e desenvolvimento da responsabilidade por omissio, a inclusio da
responsabilidade do Estado no ambito civil e a transferencia da 16gica
fundam ental da responsabilidade pelo risco para a responsabilidade por
negligencia, corn o alargamento proporcionado pelo desvalor insito
nests Ultima situacao
(684)
Em qualquer dos casos, o factor essencial
desta fenomenologia
é,
sempre, a situacao de perigo
(
685
).
foi condenada, por violaclo dos deveres do trafego, que exigiriam a tomada de precaucoes
para evitar o ocorrido.
(682)
Esta enumeracio a retirada de
V. BAR,
Verkehrspflichten
cit., 83-100, que procede
a larga ilustracao jurisprudencial. Uma enumeracio alfabetica pode ser confrontada ern
PALANDT /THOMAS, BGB
42
(1983), § 823, 14 (855 ss.); algumas indicacoes veem-se em
DualscHAR/AK/BGB (1979) , § 823, n .° 25-29 (931-932) e em
LARENZ,
SchuldRIET
12
cit.,
615 ss..
(683)
V.
BAR,
Verkehrspliieliten
cit ., 112-128. MERIENs/Miinch-Kotnni, § 823 (1980),
n.° 185-188 (120 2-1204), aponta como previsoes de deveres de prevencSo do perigo, o domInio
de um determinado am bito material, a abertura ou organizacio de trafego, a criacao de uma
fonte particular de perigo e situacOes particulares ligadas a profisseies ou a funcoes perigosas.
(684)
V.
BAR,
Enuvicklung and rechtsstaatliche Bedeutung der Verkehrs(sicherungs)flichten,
JZ 1979, 332-337 (332), retomado por
MERTENsIMunch-Komm, §
823 cit. , n.° 182 (1201).
(
68 3
) P. ex., DusiscatR/AK/BGB, § 823 cit., n.° 7 (928), PALANDT/THOMAS,
BG B
42
cit., § 823, 8 (850),
MERTENsIManch-Konon §
823 cit., n.° 183 (1201),
LARENZ,
SchuldRIBT ,
p. ex., 612 e v.
BAR,
Verkehrspflichten
cit., p. ex., 113 ss.. Em abono pode,
ainda, sitar-se
ANTUNES VARELA;
basta atinar na expressio, por ele proposta, de odever de
prevencao do perigos para designar o fenomeno no espaco juridico portugues.
jurisprudencial, visou, alem dos objectivos ji apontados, enfrentar dois
escolhos tecnicos: a inexistencia de uma clausula geral de responsabilidade
civil (686) e a nao consagracao de urn dever generic° de actuacao.
No COdigo Civil, o panorama a diferente: o art. 483.°/1 comma a
responsabilidade civil a todas as violacoes culposas de direitos; nao é,
portanto, necessario, ao contrario do alemao, encontrar deveres especificos
de nio o fazer, para conseguir uma aplicacao capaz das regras da
responsabilidade. No tocante a consagracao de urn dever generic° de
actuagao, o paralelo entre os dois sistemas a m ais nitido: o art. 486.°
claro ao requerer, para a responsabilidade por omissao, a violacao
de um dever de agir. 0 c lever geral de prevencao do perigo, de natureza
legal, integra essa necessidade.
A situacao de responsabilidade criada pela violacao do clever de
prevencao do perigo distingue-se, dogmaticamente, da imputagao pelo
risco porque exige a culpa — ainda que sob a forma de negligencia
— ao c ontrario da segunda; e, a m anter-se a distincio entre responsabili-
dades obrigacional e delitual (
6 87
) ela corresponde a primeira (
6 88 ) , uma
vez que postula a violacao de deveres especificos — obrigacoes — e no
do dever geral de respeito, pressuposto no art. 48341. Quer isto dizer
que, perante a violacao desse dever, presume-se a culpa do obrigado,
nos termos do art. 79941 o qual, como se sabe, respeita, tambem,
a s
obrigacoes legais. Materialmente, no entanto, a d iferenca sensivel entre a
imputacao por violacao do dever de prevencao do perigo e pelo r isco
reside em que, na primeira, ha a situacao de perigo efectivo, enquanto
na segunda se trata, so, de risco. Toda a diferenciacao de regimes apontada
deriva de um a qualificacao inicial assente neste ponto. 0 elemento perigo
deve, pois, ser mantido muito claro. 0 facto de a lei cominar, por certos
perigos, a responsabilidade pelo risco — p. ex., 134 8.°/2 — traduz apenas,
nessas ocasiOes urn
concurso de regimes: o impu tado deve prevenir o
(686)
P. cx., MERTENs/Mancli-Komm, prenot. §§ 823-853, n.° 3 (1109) e
BERNHARD
MoSCHEL,
Der'Schutzbereieh des. Eigentums nach § 823 I
BGB,JuS 1977, 1-6 (1); cf .
MENEZES
CO RDEIRO , A pds-eficdcia cit., n.°
9 c supra
636-637.
(687)
0 que no deve ser feito a face do Direito portugues, sem prejuizo de se ter em
conta a Unica diferenca de regimes — o onus da prova da culpa — que subsiste, praticamente,
dessa antiga distincio —
cf. supra,
573
1 8 1
e 638.
(688)
Este aspecto nio rein silo focado na doutrina alma embora tenha ai um a impor-
tancia ainda maior do que na portuguesa.
836
exercicio inadmissivel de posicaes juddicas
perigo, nos termos conhecidos; se o nao fizer,- corn culpa, responde
pelos arts. 483. ° /1 e 486.0; fazendo-o, mas havendo, nao obstante, danos,
responde pela disposicao espedfica que determine a imputacio pel
o
s c o .
VIII.
Pode aplicar-se o dever geral de prevencio do perigo aos facto
r
6-Mar .-1980? ANTUNES VARELA
assim o entende,
escrevendo 4um a vez aceite no nosso Direito esse principio geral
segundo o qual a pessoa que cria ou mantem uma situacao especial
31.°
4TU QUOQUE*
8/18/2019 Da Boa Fé no Direito Civil - António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/da-boa-fe-no-direito-civil-antonio-manuel-da-rocha-e-menezes-cordeiropdf 100/100
de perigo tem o dever juridico de agir, tomando as providencia
s
censura havera a fazer a decisao do Supremo. A fundamentacao d
o
689)
.
Mas
nib.
A subtileza do ac6rdio — e isso the di todo o interesse
— reside, precisamente, em que os d anos nao derivaram d o perigo ine-
rente a demolicao em si, i. é, embora tenham sido consequencia
necessiria da demolicao, surgiram, de im ediato, devido a situaclo de
exposicao em que ficou o predio da A., e nao pela actuacao directa, sobre
o bem da A., dos efeitos conexos a demolicao
(
690
). Deve-se ter ainda
presente que, a assim nao ser, a solucao seria ficil e dispensaria, tambem,
o recurso ao d ever geral de prevenca'o do perigo. A pessoa que realize
uma demolicao sem precaucoes, causando, com isso, danos a outrem,
responde pelo art. 492.°/1: a norma que penalize os efeitos da ruina
de construe
-
ao por vicio ou defeito de conservacao atinge, por maioria
de rail°, a demolicao propositada sem precaucoes
(6 9 1
) . 0
cerne da ques-
tao
gira em
torno de qualquer perigo — elemento fundamental e
imprescindivel, como se viu, do s deveres do trafego, transpostos para a
doutrina portuguesa corn o termo, de aplaudir, ddever de prevencio
do perigo, — mas antes de saber ate que ponto o titular de uma constru-
cab que, pela natureza das coisas, dava apoio a edificio contiguo deve,
em caso de demolicao, substituir, de algum modo, o apoio que vai remover.
Uma resposta a esta questa° s6 pode ser dada pelo exercicio inadm issivel
dos direitos — o abuso do direito — pela boa fe e pelo instituto da
s u r r e c t i o .
A chave esta, no Direito portugues, no art. 334...
0
Supremo decidiu bem.
(689)
ANTUNES VARELA,
Rij
114 (1981),
79, 2.' col..
( 69 0) A
subtileza nao escapou, alias, a
ANTUNES VARELA,
tot. Cit.,
75, 1.'
col.. Refe-
re-se, al, tambem, a utilizacao de ferramentas inadequadas. Caso estas tenham causado
danos, o caso 6 de responsabilidade comum, i . 6, nao haveria que recorrer nem a urn dever
de prevencio do perigo nem ao abuso. Este aspecto, como se viu, tern, no entanto, sido
consumido no essencial dos danos im plicados, causados pela exposicao ao tempo do edificio
da
A.
( 691) 0
proprio art. 483.°/1 bastaria, para obter a solucao. Uma busca na jurisprudencia
alema sobre «deveres do trafego*, muito rica no campo das constnigoes de edificios, nab
compreende exemplos compariveis aos do acOrdao, como 6 natural. Cf. , p. ex. , Mxx xENs/
/Munch -Komm c i t ., §
823, n.° 204 (1211) e
PALANDT/THOMAS, BGB
42
Cit., §
823, 14 (85 5 ss. ).
77.
Generalidades; o atu quoque» contratual; natureza
I. A formula
tu quoque
traduz, corn generalidade, o aflorar de
uma regra pela qual a pessoa que viole uma norma juridica no
poderia, sem abuso, exercer a situacao juridica que essa mesma norm a
the tivesse atribuido
( 692
). Est em jogo um vector axiolOgico intui-
tivo, expresso em brocardos com o
turpitudinem suam allegans non auditor
ou equi ty mu s t come wi th c lean hands .
A sua aplicacao requer a maior
cautela. Fere as sensibilidades primarias, Ctica e juridica, que uma
pessoa possa desrespeitar um comando e, depois, vir exigir a outrem
o seu acatamento. Nio 6 liquido, contudo e sempre a
priori,
que urn sujeito venha eximir-se aos seus deveres juridicos alegando
violacoes perpetradas por outra pessoa.
Nenhum a das codificacoes compreende uma con sagracao expressa
e de alcance geral da fOrmula
t u quoque
693
.
As
varias mencoes
existentes
tanto podem, axiomaticamente, traduzir o aflorar de uma
regra geral subjacente, como exprimir desvios a urn principio inverso.
No C6cligo Civil,
a regra-mae do
tu
quoque tern consagracoes disper-
ses multiplas. 0 beneficiario da condicao nao pode aproveitar-se da sua
verificacao quando, contra a boa fe, a tenha provocado; o prejudicado nao
pode, da mesma
forma,
beneficiar da nao verificacio quando, contra a boa
(692)
Na formulacao mais generica, ainda, de
T E U B N E R ,
Gcgenseitige Vertragsuntreue I
I Rechtsprechung and Dogmatik zum Ausschluss von Recker; oath eigenem Vertragsbruch
(1975),
1, tu
quoque,
exprimiria a regra pela qual
Ilperante
violacoes de normas, as possibilidades de
sang
-
a° sao limitadas para aquele que perpetrou, ele prOprio, violacoes de normas". 0 alcance
da formula pode ser restrito a aspectos contratuais — portanto I regra de que, queue seja
infiel ao contrato, nao pode, em principio, derivar direitos da violacao, praticada pela
contraparte ao mesmo contrato —
LORENZ,
Der Tu-quoque-Einivand bent Rucktritt der
selbst vertragsuntreuen Partei gegen Vertragsverletzung des Gegners,
JuS 1972,
311-315 (311).
Tern
interesse, contudo, introduzir o alcance am plo da form ula, embora a jurisprudencia a tenha
consagrado no campo contratual..
( 69 3 )
RIEZLER,
Beruf i tng auf
eigenes Unrecht,
JhJb 89 (1941), 177-276 (193), limitado
embora a alegacao de f lick° prOprio.