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Estado do Paraná _________________ Rogerio de Vidal Cunha Juiz de Direito Substituto Página 1 de 14 Rvicb PODER JUDICIÁRIO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU Processo: 0017330-35.2019.8.16.0030 Vara: 2ª Vara da Fazenda Pública de Foz do Iguaçu Classe Processual: 120 - Mandado de Segurança Cível Impetrante: VINICIUS JOSE DE OLIVEIRA Impetrado: DIRETOR(A) SUPERINTENDENTE DO INSTITUTO DE TRANSPORTES E TRÂNSITO DE FOZ DO IGUAÇU – FOZTRANS; PREFEITO(A) DO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU D E C I S Ã O I. RELATÓRIO VINICIUS JOSE DE OLIVEIRA, impetra MANDADO DE SEGURANÇA, com pedido liminar, contra ato das autoridades coatoras PREFEITO DO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU (FRANCISCO LACERDA BRASILEIRO) e DIRETOR SUPERINTENDENTE DO INSTITUTO DE TRANSPORTES E TRÂNSITO DE FOZ DO IGUAÇU - FOZTRANS (FERNANDO MARANINCHI). Narra o impetrante, que o prefeito promulgou a Lei Municipal nº 4.641/18, que dispõe sobre o serviço de transporte

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Processo: 0017330-35.2019.8.16.0030

Vara: 2ª Vara da Fazenda Pública de Foz do Iguaçu

Classe Processual: 120 - Mandado de Segurança Cível

Impetrante: VINICIUS JOSE DE OLIVEIRA

Impetrado: DIRETOR(A) SUPERINTENDENTE DO

INSTITUTO DE TRANSPORTES E TRÂNSITO DE FOZ DO IGUAÇU

– FOZTRANS; PREFEITO(A) DO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU

D E C I S Ã O

I. RELATÓRIO

VINICIUS JOSE DE OLIVEIRA, impetra MANDADO

DE SEGURANÇA, com pedido liminar, contra ato das autoridades

coatoras PREFEITO DO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU

(FRANCISCO LACERDA BRASILEIRO) e DIRETOR

SUPERINTENDENTE DO INSTITUTO DE TRANSPORTES E

TRÂNSITO DE FOZ DO IGUAÇU - FOZTRANS (FERNANDO

MARANINCHI). Narra o impetrante, que o prefeito promulgou a Lei

Municipal nº 4.641/18, que dispõe sobre o serviço de transporte

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remunerado privado individual de passageiros neste município com

entrada em vigor na data de publicação 27/07/2018.

Argumenta que a iniciativa legislativa foi promovida por

intermédio de órgãos de classes com interesses econômicos e jurídicos

antagônicos ao dos motoristas de transporte remunerado privado

individual de passageiros, sendo o referido fato público e notório1. 05.

Na data de aprovação da Lei Municipal na Câmara Municipal de Foz do

Iguaçu, os senhores vereadores posaram para fotografias com

representantes das entidades de classe com interesses contrários aos

motoristas de transporte remunerado privado individual de

passageiros, sendo o referido fato, também, público e notório2. 06. A

Lei Municipal não foi recepcionada pelos motoristas de transporte

remunerado privado individual de passageiros como uma conquista de

sua classe, e sim como uma iniciativa de órgãos de classe contrários,

que buscam desestimular, onerar e dificultar os serviços oferecidos

pelas partes impetrantes à sociedade em geral. Tal fato é igualmente

público e notório3. 07. Os motoristas de transporte remunerado privado

individual de passageiros interpretam que a Lei Municipal viola direitos

e garantias fundamentais imprescindíveis para a dignidade da pessoa

humana no Estado Democrático de Direito.

O impetrante suscita que a insegurança jurídica

suportada pelos motoristas de transporte remunerado privado

individual de passageiros é irrefutável. De fato, as partes impetrantes

se encontram na iminência de suportarem responsabilidade civil e/ou

administrativa por descumprimento à Lei Municipal 4.641/18. Salienta

que a lei municipal é exceção no Estado, assim como no Brasil, assim,

impetra o presente com a finalidade de ilidir eventual coação ilegal.

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Deste modo, requer a parte impetrante a antecipação

dos efeitos da tutela de modo liminar para fins de “SUSPENDER a

EFICÁCIA ou PRODUÇÃO DE EFEITOS JURÍDICOS do (I) ART. 3º,

CAPUT, DA L. MUN. 4.641/18; (e consequentemente) ART. 3º, §2º, DA

L. MUN. 4.641/18; (e também consequentemente) ART. 6º, INC. VIII,

DA L. MUN. 4.641/18; (II) ART. 7º, CAPUT, DA L. MUN. 4.641/18 e

ART. 7º, § ÚNICO, DA L. MUN. 4.641/18; (III) ART. 9º, INC. VI, DA L.

MUN. 4.641/18; ART. 9º, INC. VII, DA L. MUN. 4.641/18; ART. 10,

CAPUT, DA L. MUN. 4.641/18 (e consequentemente) ART. 10, §§ 2º,

3º E 4º, DA L. MUN. 4.641/18; ART. 10, INC. I, DA L. MUN. 4.641/18;

e, ART. 10, INC. IV, DA L. MUN. 4.641/18; e, (IV) ART. 10, §5º, DA L.

MUN. 4.641/18, para que consequentemente as autoridades apontadas

como coatoras se ABSTENHAM de promover quaisquer atos em

desfavor da parte impetrante, PERMITINDO-SE a prática de forma livre

do OFÍCIO DE MOTORISTA DE TRANSPORTE REMUNERADO PRIVADO

INDIVIDUAL DE PASSAGEIROS, até ulterior resolução de mérito da

presente demanda judicial, tudo na forma do art. 300, e seguintes do

CPC”.

Além disso, confirmar ao final, para INCIDENTALMENTE

em CONSEQUÊNCIA e em RAZÃO da CAUSA DE PEDIR, bem como em

razão dos FUNDAMENTOS esgrimidos e deduzidos na presente

demanda judicial, e ainda, por questão de PREJUDICIALIDADE

indispensável à resolução do litigio principal, pelo RECONHECIMENTO

e DECLARAÇÃO (por meio do controle de constitucionalidade difuso) da

INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL dos seguintes dispositivos

legais da Lei Municipal 4.641/18, quais sejam, (I) ART. 3º, CAPUT, DA

L. MUN. 4.641/18; (e consequentemente) ART. 3º, §2º, DA L. MUN.

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4.641/18; (e também consequentemente) ART. 6º, INC. VIII, DA L.

MUN. 4.641/18; (II) ART. 7º, CAPUT, DA L. MUN. 4.641/18 e ART. 7º,

§ ÚNICO, DA L. MUN. 4.641/18; (III) ART. 9º, INC. VI, DA L. MUN.

4.641/18; ART. 9º, INC. VII, DA L. MUN. 4.641/18; ART. 10, CAPUT,

DA L. MUN. 4.641/18 (e consequentemente) ART. 10, §§ 2º, 3º E 4º,

DA L. MUN. 4.641/18; ART. 10, INC. I, DA L. MUN. 4.641/18; e, ART.

10, INC. IV, DA L. MUN. 4.641/18; e, (IV) ART. 10, §5º, DA L. MUN.

4.641/18, por violação do DIREITO FUNDAMENTAL AO LIVRE

EXERCÍCIO DE QUALQUER TRABALHO, OFÍCIO OU PROFISSÃO do

DIREITO FUNDAMENTAL À LIVRE CONCORRÊNCIA ECONÔMICA, do

DIREITO FUNDAMENTAL À LIVRE LOCOMOÇÃO NO TERRITÓRIO

NACIONAL PARA O TRABALHO, do DIREITO FUNDAMENTAL À LIVRE

INICIATIVA ECONÔMICA, do DIREITO À AUTONOMIA DA VONTADE

CONTRAT UAL. Requer todos os meios de provas admitidas ao presente

caso, especialmente a documental, testemunhal e pericial e todas as

que se fizerem necessárias ao deslinde do feito e a concessão do

benefício da Justiça Gratuita.

É o breve relato. Decido.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Revejo posição anteriormente defendida de que a

impetração nos moldes da petição inicial lançada representava a

utilização de mandado de segurança contra lei em tese, diante do fato

de que, na atualidade do Município de Foz do Iguaçu é público e notório

(CPC, art. 374, I) que a administração pública tem realizado uma série

de apreensões de veículos conduzidos por motoristas de aplicativos,

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com base na aplicação integral, sem qualquer filtro constitucional dos

dispositivos da Lei Municipal nº 4.641/18.

Também não se pode deixar de considerar que no

interregno de tempo entre a edição da lei municipal e esta decisão

sobreveio no ordenamento jurídico nacional a MEDIDA PROVISÓRIA

Nº 881, de 30 de abril de 2019 que instituiu a Declaração de

Direitos de Liberdade Econômica, estabelece garantias de livre

mercado, análise de impacto regulatório, também conhecida como “MP

da Liberdade Econômica” que é norma de caráter nacional, aplicável

à todas as esferas de poder da República, já que regula diretamente o

disposto no inciso IV do caput do art. 1º e o parágrafo único do art.

170 e no caput do art. 174 da Constituição da República.

Se trata, portanto, de norma que é plenamente aplicável

á atividade desenvolvida pelo impetrante, já que limita a própria

atividade regulatória do Estado.

Com efeito, o conceito de “sharing economy” foi

citado pela primeira vez em 2008, pelo professor Lawrence Lessig da

Universidade de Harvard, sendo que o termo “economia

compartilhada” se refere ao consumo colaborativo realizado nas

atividades de compartilhamento, troca ou aluguel de bens sem que

haja, necessariamente, a aquisição destes. Alguns exemplos de

negócios que despontaram com essa tendência são Uber, Airbnb,

Spotify, Neflix e Bliive.

Portanto, a atividade regulatória do Estado em relação

à “sharing economy” deve, a qualquer tempo, observar os princípios

e direitos elencados pela MP 881/19:

Art. 2º São princípios que

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norteiam o disposto nesta Medida Provisória:

I - a presunção de liberdade no

exercício de atividades econômicas;

II - a presunção de boa-fé do

particular; e

III - a intervenção subsidiária,

mínima e excepcional do Estado sobre o

exercício de atividades econômicas.

Art. 3º São direitos de toda

pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o

desenvolvimento e o crescimento econômicos

do País, observado o disposto no parágrafo

único do art. 170 da Constituição:

I - desenvolver, para sustento

próprio ou de sua família, atividade econômica

de baixo risco, para a qual se valha

exclusivamente de propriedade privada

própria ou de terceiros consensuais, sem a

necessidade de atos públicos de liberação da

atividade econômica;

É possível aplicar a MP 881/19 mesmo contra a

regulação da Lei Municipal 4.641/18 que lhe é anterior, pois, a rigor,

a regulamentação da medida provisória não cria qualquer princípio,

mas somente enuncia princípios que já eram implícitos na

Constituição da República que deveriam ser aplicados pelo legislador

e administração sempre que estivesse diante do conflito entre a

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atividade regulatória e a liberdade econômica.

Os princípios elencados no art.2º da MP 881/19 são

simples emanações legislativas do que já consta na vontade do inciso

IV do caput do art. 1º e o parágrafo único do art. 170 e no caput do

art. 174.

É da vontade da Constituição (Hesse) que o Estado

garanta a liberdade econômica como valor fundamental, o que implica

dizer, que os princípios elencados no art. 2º são meramente

declaratórios de uma vontade anterior da Constituição, por isso podem

ser aplicados para regulações que lhe forem anteriores.

Mesmo a atividade regulatória não é ilimitada, pois

mesmo que se admita que o Estado-administração possa formular as

escolhas regulatórias em sua área de discricionariedade, não se pode

deixar de considerar que quando a escolha precede o poder eleito,

quando a escolha decorre diretamente da Constituição, não há

liberdade de decisão ao agente político pois a vontade da

Constituição (Wille zur Verfassung) é prévia e deve ser respeitada.

Sobre essa vontade da Constituição Konrad Hesse1, citando Walter

Burckhardt, afirma que:

“deve ser honestamente preservado,

mesmo que, para isso, tenhamos de renunciar

alguns benefícios, ou até a algumas vantagens

justas. Quem se mostra disposto a sacrificar um

interesse em favor da preservação de um princípio

constitucional, fortalece o respeito à Constituição

1 HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto Alegre: Fabris Editor, 1991. P. 25

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e garante um bem da vida indispensável à essência

do Estado, mormente ao Estado democrático”

Logo a regulação da atividade de motoristas de

aplicativos realizada pelo Município de Foz do Iguaçu deve ser

submeta ao filtro de constitucionalidade.

Não se nega, nem se poderia negar, o direito da

administração em regular o exercício do poder de polícia

administrativa, mas esse poder deve ser sempre limitado pelo

predicado constitucional de garantia da livre iniciativa, motivo pelo

qual, com razão, a MP 881/19 enuncia o que já poderia (e deveria)

ter sido extraído diretamente da Constituição da República, por isso,

mesmo que posterior à regulação local, os deveres do art. 4º da MP

8881/19 são aplicáveis:

Art. 4º É dever da administração

pública e dos demais entes que se vinculam ao

disposto nesta Medida Provisória, no exercício

de regulamentação de norma pública

pertencente à legislação sobre a qual esta

Medida Provisória versa, exceto se em estrito

cumprimento a previsão explícita em lei, evitar

o abuso do poder regulatório de maneira a,

indevidamente:

I - criar reserva de mercado ao

favorecer, na regulação, grupo econômico, ou

profissional, em prejuízo dos demais

concorrentes;

(...)

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III - criar privilégio exclusivo

para determinado segmento econômico, que

não seja acessível aos demais segmentos;

IV - exigir especificação técnica

que não seja necessária para atingir o fim

desejado;

V - redigir enunciados que

impeçam ou retardem a inovação e a adoção

de novas tecnologias, processos ou modelos

de negócios, ressalvadas as situações

consideradas em regulamento como de alto

risco;

VI - aumentar os custos de

transação sem demonstração de benefícios;

(...)

Da Leitura dos dispositivos impugnados

incidentalmente pelo impetrante, se percebe que, pelo menos em

juízo de cognição sumária há probabilidade de sua

inconstitucionalidade por violação dos princípios constitucionais de

livre iniciativa e da garantia da liberdade econômica.

Veja-se o art. 3º, caput, da norma dispõe que “A

autorização de atividade econômica de serviço de transporte

individual privado remunerado, efetivado por meio de

aplicativo ou outras plataformas de comunicação em rede,

somente será concedida às pessoas jurídicas operadoras com

sede ou filial no Município” exigindo o §2º da referida norma a

“inscrição e Licença de Localização e Funcionamento no

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Município” e também consequentemente o Art. 6º, VIII da Lei

Municipal 4.641/18, em cognição sumária, se mostram como elemento

apto a criar reserva de mercado ao favorecer, na regulação, grupo

econômico, ou profissional, em prejuízo dos demais concorrentes, já

que não há essa mesma exigência, de sede ou filial no Município de

Foz do Iguaçu para qualquer outra atividade similar.

Na mesma linha o art. 9º, incisos VI e VII, da Lei

Municipal 4.641/18, ao exigirem, respectivamente, certidão negativa

de débito e “possuir certificado de aprovação em curso de

capacitação para transporte remunerado de passageiros,

administrado pela própria operadora do aplicativo ou por

entidades reconhecidas” representam, em verdade a exigência de

especificação técnica que não necessária para atingir o fim desejado

já que não implicam em qualquer garantia material de segurança ou

qualidade dos serviços prestados, sem contar que não são exigidos

para outras atividades reguladas.

Tais normas se mostram, pelo menos em juízo de

cognição sumária como violadoras dos predicados da liberdade

econômica.

Contudo, em relação ao disposto no Art. 10, caput,

parágrafos e incisos, em juízo de cognição sumária não vislumbro

probabilidade do direito alegado pela parte autora.

Isto porque as referidas normas tratam a realização de

inspeção e vistoria nos veículos que pretendem exercer a atividade

de motorista de aplicativo, são, pelo menos em juízo de cognição

sumária, normas diretamente ligadas à segurança e qualidade do

transporte realizados.

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Aliás, o próprio aplicativo UBER tem regras específicas

limitando os veículos2 o que implica dizer que a segurança veicular é

valor que pode, e deve, ser preservado pela administração municipal.

Nem mesmo, no caso da exigência de vistoria se pode

falar em que a regulação está a criar privilégio exclusivo para

determinado segmento econômico pois a regulação local dos serviços

de táxi materializada na Lei Complementar Municipal 223/2014, em

seu art. 22 fixa a exigência similar para os táxis, o que também consta

da Lei Municipal nº 1562/91 que dispõe sobre transporte turístico no

Município.

Logo, não há que se falar, nesse momento processual

de cognição sumária em inconstitucionalidade da exigência de vistoria

aos veículos de transporte por aplicativo.

Contudo, há aparente inconstiticionalidade no valor

fixado pela legislação local para tal vistoria, já que fixado em 3 (três)

Unidades Fiscais de Foz do Iguaçu - UFFI’s (art. 10, §3º) anualmente,

valor três vezes maior que o fixado para os táxis pela Lei

Complementar Municipal 223/14 (art. 92, IX), o que indica a criação

de privilégio exclusivo para determinado segmento econômico, que

não seja acessível aos demais segmentos.

Portanto, por tudo o que foi dito, está presente,

parcialmente, a probabilidade do direito invocado pelo impetrante,

sendo que, por se tratar de garantia da obtenção do próprio sustento,

sendo, o trabalho direito fundamental (CR, art. 6º), logo, permitir a

aplicação pelo Município de Foz do Iguaçu das normas tidas como

2 https://www.uber.com/br/pt-br/drive/requirements/

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aparentemente inconstitucionais é ferir de morte o art. 5º XIII da

Constituição posto que impede ao profissional o livre exercício de sua

profissão, não se podendo deixar de considerar que exercício de

qualquer profissão se encontra dentro do direito ao livre

desenvolvimento da personalidade, reflexo direto da dignidade da

pessoa humana.

Em relação ao livre desenvolvimento da personalidade

e seus limites decidiu a Corte Constitucional da Colômbia na

Sentença C-404 de 19983, em lição exemplar que, em tradução livre,

cito abaixo:

“Os limites ao livre

desenvolvimento e personalidade ", não só

devem ter respaldo constitucional, mas

também não pode anular a possibilidade das

pessoas a construírem de forma autônoma o

seu modelo de realização pessoal." Portanto,

qualquer decisão que afete a esfera privada do

indivíduo, que lhe interessava sozinho, deve ser

excluída de qualquer tipo de intervenção

arbitrária. "4.

Portanto a urgência decorre da efetiva possibilidade de

autuação por parte da autoridade impetrada com evidente prejuízo

3 http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/1998/C-404-98.htm

4 No original “Los límites al libre desarrollo e la personalidad, "no sólo deben tener sustento constitucional,

sino que, además, no pueden llegar a anular la posibilidad que tienen las personas de construir

autónomamente su modelo de realización personal." Por tanto, cualquier decisión que afecte la esfera

íntima del individuo, aquélla que sólo a él interesa, debe ser excluida de cualquier tipo de intervención

arbitraria.”

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ao direito fundamental do livre exercício da atividade econômica de

motorista de aplicativo pelo requerente, garantida expressamente

na Constituição da República (inciso IV do caput do art. 1º e o

parágrafo único do art. 170 e no caput do art. 174) e

Declaração de Direitos de Liberdade Econômica (MP

881/2019)

III DISPOSITIVO

Ante todo o exposto, na forma do art. 7º, III da Lei

12.016/09, CONCEDO PARCIALMENTE A LIMINAR pleiteada para

SUSPENDER a aplicação pelo Município de Foz do Iguaçu das

seguintes normas da Lei Municipal 4.641/18: art. 3º, caput, e o §2º,

Art. 6º, VIII e art. 9º, incisos VI e VII e art. 10, §3º e

DETERMINAR à administração municipal a que se abstenha de aplicar

as referidas normas, direta ou indiretamente, em relação ao

impetrante.

Comunique-se à autoridade impetrada, SERVINDO A

PRESENTE DECISÃO DE OFÍCIO, para que dê imediato cumprimento

à decisão, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais),

sem prejuízo das sanções, de natureza pessoal, pelo descumprimento

da decisão, na forma do art. 77, IV, e §§ 1º e 2º do CPC, e das sanções

do art. 26 da Lei 12.016/10.5

5 Art. 26. Constitui crime de desobediência, nos termos do art. 330 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de

dezembro de 1940, o não cumprimento das decisões proferidas em mandado de segurança, sem prejuízo

das sanções administrativas e da aplicação da Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950, quando cabíveis.

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Ademais, NOTIFIQUE-SE a autoridade impetrada

para que preste as informações, no prazo legal.

Cumprida a liminar:

a) Dê-se ciência nos termos do art. 7º, II, da Lei nº

12.016/09 ao Município de Foz do Iguaçu.

b) Abra-se vistas ao Ministério Público, pelo prazo de 10

(dez) dias, na forma do art. 12 da lei 122.016/10.

c) Após, voltem conclusos para sentença.

d) Concedo ao impetrante o benefício da justiça

gratuita.

Intimações e diligências na forma do CNCGJ.

Foz do Iguaçu, 22 de julho de 2019.

Assinado digitalmente

ROGERIO DE VIDAL CUNHA

Juiz de Direito Substituto