Curso Robert Stam

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CTR 4020 Noções Estéticas de um Cinema Radical PROGRAMA OBJETIVOS: O curso proporá uma série de conceitos, apresentados em forma de léxico, próprios a estratégias estéticas radicais empregadas tanto no cinema quanto nas mídias digitais. Boa parte dos termos a serem trabalhados já existem – por exemplo, “distanciamento brechtiano”, “terceiro cinema” –, enquanto outra parte, ainda mais significativa, consistirá de termos de minha própria cunhagem (por exemplo, “reanimação épica”, “detritos sublimes”, “o cronotopo fraturado”), pensados para ampliar a consciência de uma estratégia artística não necessariamente reconhecida como tal. Assim, o curso não apresentará um inventário passivo, mas uma intervenção ativa, ao mesmo tempo moldando novas categorias conceituais e estabelecendo conexões entre diferentes períodos históricos, culturas, artes, mídias e disciplinas. JUSTIFICATIVA: As várias noções a serem trabalhadas levarão em conta a história da teorização da relação entre estética e política desenvolvida pelos mais diversos pensadores, de Aristóteles e Kant a Bertolt Brecht, Fredric Jameson, Ismail Xavier, Gilles Deleuze, Jacques Rancière e Eduardo Viveiros de Castro, mesclando assim teoria e história. Cada conceito definirá sucintamente a estratégia em questão, traçando sua linhagem histórica, o que será ilustrado com ricos exemplos audiovisuais. Algumas das questões a serem discutidas são: pode a beleza ser “desinteressada”, descolada de uma função social, como certa tradição kantiana sugere? A arte deve ser tão útil, como sugere Vertov, “quanto sapatos”? Um travelling, como Luc Moullet e depois Godard propuseram, é uma “questão de moral”? O uso da zoom num documentário antropológico é necessariamente predatório e voyeurístico, como pensava Jean Rouch? Haveria correlatos estéticos atrelados a ideologias específicas? Pode-se discernir os

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CTR 4020 Noções Estéticas de um Cinema Radical 

PROGRAMA

OBJETIVOS:

O curso proporá uma série de conceitos, apresentados em forma de léxico, próprios a estratégias estéticas radicais empregadas tanto no cinema quanto nas mídias digitais. Boa parte dos termos a serem trabalhados já existem – por exemplo, “distanciamento brechtiano”, “terceiro cinema” –, enquanto outra parte, ainda mais significativa, consistirá de termos de minha própria cunhagem (por exemplo, “reanimação épica”, “detritos sublimes”, “o cronotopo fraturado”), pensados para ampliar a consciência de uma estratégia artística não necessariamente reconhecida como tal. Assim, o curso não apresentará um inventário passivo, mas uma intervenção ativa, ao mesmo tempo moldando novas categorias conceituais e estabelecendo conexões entre diferentes períodos históricos, culturas, artes, mídias e disciplinas.

JUSTIFICATIVA:

As várias noções a serem trabalhadas levarão em conta a história da teorização da relação entre estética e política desenvolvida pelos mais diversos pensadores, de Aristóteles e Kant a Bertolt Brecht, Fredric Jameson, Ismail Xavier, Gilles Deleuze, Jacques Rancière e Eduardo Viveiros de Castro, mesclando assim teoria e história. Cada conceito definirá sucintamente a estratégia em questão, traçando sua linhagem histórica, o que será ilustrado com ricos exemplos audiovisuais. Algumas das questões a serem discutidas são: pode a beleza ser “desinteressada”, descolada de uma função social, como certa tradição kantiana sugere? A arte deve ser tão útil, como sugere Vertov, “quanto sapatos”? Um travelling, como Luc Moullet e depois Godard propuseram, é uma “questão de moral”? O uso da zoom num documentário antropológico é necessariamente predatório e voyeurístico, como pensava Jean Rouch? Haveria correlatos estéticos atrelados a ideologias específicas? Pode-se discernir os contornos do fascismo na orquestração de corpos, como Susan Sontag sugeriu, nos filmes de Leni Riefenstahl e Busby Berkeley? Podem filmes racistas, como O nascimento de uma nação, e fascistas, como O triunfo da vontade, serem considerados “obras-primas” em termos artísticos e ao mesmo tempo serem repugnantes em termos ético-políticos? Do mesmo modo, podem filmes de esquerda serem tematicamente progressistas e estilisticamente conservadores? Teria a arte sido irreversivelmente alterada por Auschwitz, como sugeriu Adorno? Será que ainda precisamos de estética, ou ela se encontra irremediavelmente comprometida por suas associações com a ala racista do Iluminismo e da estética da supremacia branca? Ou pode-se distinguir entre a “Estética” (com “E” maiúsculo de Kant) e a “estética” que expressa uma preocupação, comum a todas as culturas, com a configuração formal das imagens do mundo sensível? Deveria a arte, de maneira antecipatória, modelar um mundo utópico, aprimorado, ou formular distopias

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que demonstram, como Engels sugeriu (e depois dele Buñuel), que não vivemos no “melhor dos mundos” panglossianos?

CONTEÚDO (EMENTA):

Cada aula explorará uma corrente específica de estética alternativa, ilustrada por exemplos audiovisuais para cada categoria.

Aula 1: “Inovação arcaica: uma estética dos bens comuns” enfatizará o modo como muito do que se considera novo ou de vanguarda consiste em uma recuperação do antigo. Exploraremos estratégias tais como “dialogismo transtextual”, “modernismo arcaico”, “autoria tribal”, “adaptação revisionista”, “indigenização cultural” e “aboriginalidade”.

Aula 2: “O mundo de cabeça para baixo do Carnaval” explorará estratégias subversivas direta ou indiretamente ligadas ao que Bakhtin chamou de “carvalesco”: a “cultura do riso”, “realismo grotesco”, “inversão social”, “a mulher no topo”, “a estética da passarela do samba”, “paródia sacra”, “coena cipriani”, “paródia ideológica” e “corporate impersonation”.

Aula 3: “O modernismo político e seus descontentes” explorará as vantagens (e limitações) do modernismo político brechtiano e pós-brectiano através de conceitos como “som contrapontístico”, “realismo reflexivo”, “mitologia fragmentada”, “despsicologização”, “a separação radical dos elementos”, “distanciamento”, “efeitos de alienação”, “anti- voyeurismo”, “contra-cinema” e “espectatorialidade visceral”.

Aula 4: “A transmutação do negativo” explorará estéticas que transfiguram o baixo e o chulo em sublime social: “a estética da fome”, “a estética do lixo”, “cinema imperfeito”, pós- modernismo lixo”, “detrito sublime”, “subversão eco-feminista”, “antropologia cultural”, “minimalismo cibernético”, “detournement”, “empastelamento cultural” e “devassa arquivística”.

Aula 5: “A hibridização dos gêneros” explorará estéticas subversivas no documentário e nas várias modalidades derivadas do cruzamento entre documentário e ficção, evocadas por conceitos como “documentiras”, “autoria híbrida”, “intermidialidade”, “o risco do real” e “foras da lei sonoros”.

Aula 6: “A menipeia, o transrealismo e o cronotopo fraturado” examinará estratégias que vão contra o grão do realismo dramático, tal como refletido na “sátira menipeia”, no “realismo mágico”, na “estética do anacronismo”, no “cinema xamânico”, no “maravilhoso real latino- americano”, no “brechtianismo em transe”, no “feminismo de candomblé”, nas “audiotopias”, na “polifonia artística” e na “história contrapontística”.

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CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO:Elaboração de trabalho apoiado em pesquisa sobre tema inserido no programa do curso.

OBSERVAÇÕES:

As aulas contarão com a projeção de várias obras audiovisuais relativas aos temas abordados.