CURSO Delegado de Polícia Federal Nº 10 DATA 17/08/16 ... · A aula passada foi finalizada com...
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CURSO – Delegado de Polícia Federal Nº 10
DATA – 17/08/16
DISCIPLINA – Direito Processual Penal
PROFESSOR – Marcos Paulo
MONITOR – Bruna Ribeiro Guimarães
AULA 05
Sumário
Aditamento da denúncia (continuação)
4.7.2. Quanto ao conteúdo
5. Ação penal nos crimes materiais contra a ordem tributária (Súmula Vinculante 24)
LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS À ATUAÇÃO PROBATÓRIA DO ESTADO
1. sigilo das correspondências e das comunicações telegráficas (Artigo 5º, XII, CR)
2. Sigilo de dados (art. 5º, XII, CR)
2.1. Sigilo de dados aplicável ao crime de Lavagem de Capitais (Lei 9613/98 modificada
pela lei 12.693/12)
3. Sigilo das comunicações telefônicas
3.1. Tratamento infraconstitucional da interceptação das comunicações telefônicas (Lei
9.296/96)
Recapitulação
A aula passada foi finalizada com estudo do aditamento da denúncia e sua classificação
quanto à iniciativa. Hoje será retomado o assunto, sendo exposta sua classificação quanto ao
conteúdo.
4.7.2. Quanto ao conteúdo
Aditamento próprio: é o aditamento propriamente dito. Objetiva alargar a imputação,
trazendo novos crimes, réus, qualificadoras, aumento de pena.
É exercício do direito de ação, pois se trata do MP estendendo sua pretensão acusatória
para outros réus, crimes, etc.
Tendo em vista que o aditamento próprio é exercício do direito de ação, o seu recebimento
interrompe o prazo prescricional, nos termos do artigo 117, I, CP?
Esta resposta dependerá da classificação dada ao aditamento próprio.
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O aditamento próprio pode ser classificado quanto ao objeto em:
Objetivo: é o adiamento que visa incluir novas elementares, qualificadoras, majorantes,
agravantes genéricas ou novos crimes à denúncia.
Na hipótese de o aditamento incluir novas elementares, qualificadoras, majorantes ou
agravantes genéricas não haverá interrupção do prazo prescricional, uma vez que o
fato principal continua a ser o mesmo e a prescrição já foi interrompida quando do
recebimento da denúncia pelo juízo. Uma segunda interrupção do prazo prescricional
configuraria bis in idem.
Se o aditamento próprio incluir outros crimes à denúncia e estes crimes forem conexos
ou continentes também não haverá interrupção da prescrição sob pena de bis in iden
(art. 117, §1º, CP).
Art. 117, § 1º - Excetuados os casos dos incisos V e VI deste artigo, a interrupção da
prescrição produz efeitos relativamente a todos os autores do crime. Nos crimes
conexos, que sejam objeto do mesmo processo, estende-se aos demais a
interrupção relativa a qualquer deles.
Entretanto, se o aditamento próprio incluir outros crimes e estes não forem conexos ou
continentes, haverá interrupção do prazo prescricional em relação aos novos crimes
denunciados. Ex: crime continuado. O aditamento da denúncia para incluir novos
crimes continuados interrompe a prescrição em relação a estes, vez que não é caso de
conexão ou continência, apenas prevenção.
Subjetivo: é aditamento que visa incluir novos autores ou partícipes do crime. O
aditamento subjetivo não interrompe a prescrição pois quando do recebimento da
denúncia a prescrição já foi interrompida em relação a todos (art. 117, §1º, primeira
parte). Se assim não fosse, configuraria bis in idem.
Art. 117, § 1º - Excetuados os casos dos incisos V e VI deste artigo, a interrupção da
prescrição produz efeitos relativamente a todos os autores do crime (...)
Aditamento impróprio (art. 569, CPP): não é um aditamento propriamente dito. É a
retificação da peça acusatória
Art. 569. As omissões da denúncia ou da queixa, da representação, ou, nos processos
das contravenções penais, da portaria ou do auto de prisão em flagrante, poderão ser
supridas a todo o tempo, antes da sentença final.
5. Ação penal nos crimes materiais contra a ordem tributária (Súmula Vinculante 24)
Súmula Vinculante 24: Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no
art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.
Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição
social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de
qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
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III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro
documento relativo à operação tributável;
IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso
ou inexato;
A gênese desta súmula foi o informativo 333 do STF.
Crimes contra a Ordem Tributária – 3
Concluído o julgamento de habeas corpus no qual se questionava a possibilidade do
oferecimento e recebimento de denúncia pela suposta prática de crime contra a ordem
tributária, enquanto pendente de apreciação a impugnação do lançamento apresentada em
sede administrativa (v. Informativos 286 e 326). O Tribunal, por maioria, acompanhou o
voto proferido pelo Min. Sepúlveda Pertence, relator, no sentido do deferimento do habeas
corpus, por entender que nos crimes do art. 1º da Lei 8.137/90, que são materiais ou de
resultado, a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia uma condição
objetiva de punibilidade, configurando-se como elemento essencial à exigibilidade da
obrigação tributária, cuja existência ou montante não se pode afirmar até que haja o efeito
preclusivo da decisão final em sede administrativa. Considerou-se, ainda, o fato de que,
consumando-se o crime apenas com a constituição definitiva do lançamento, f ica sem
curso o prazo prescricional. Vencidos os Ministros Ellen Gracie, Joaquim Barbosa e Carlos
Britto, que indeferiam a ordem. Precedente citado: HC 77002/RJ (DJU de 2.8.2002). HC
81611/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 10.12.2003. (HC-81611)
Crimes contra a Ordem Tributária – 4
Concluído o julgamento de mérito de ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da
República contra o art. 83, caput da Lei 9.430/96 - "A representação fiscal para fins penais
relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8137, de
27 de dezembro de 1990, será encaminhada ao Ministério Público após proferida decisão
final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente"
- v. Informativo 278. O Tribunal, por maioria - e na linha da orientação firmada no
julgamento do habeas corpus acima noticiado, no sentido de que a ação penal para os
crimes do art. 1º da Lei 8.137/90 depende da decisão final no processo administrativo fiscal
-, acompanhou o voto proferido pelo Min. Gilmar Mendes, relator, para julgar improcedente
o pedido formulado, por entender que a norma impugnada, sendo dirigida à autoridade
fazendária, não impede a atuação do Ministério Público Federal no tocante à propositura
da ação penal. Vencidos os Ministros Carlos Britto e Ellen Gracie, que julgavam
procedente o pedido. ADI 1571/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.12.2003. (ADI-1571)
Nos termos da Súmula Vinculante 24, a constituição definitiva do tributo nos crimes
materiais contra a ordem tributária atua como condição objetiva de punibilidade, ou seja, nos
crimes materiais contra a ordem tributária o direito de punir do estado só nasce depois de
encerrado o procedimento administrativo fiscal, que constitui definitivamente o tributo. Isso
significa que até então o prazo prescricional também não flui.
A denúncia ofertada antes do lançamento do tributo será rejeitada com base no artigo 395,
III, CPP.
Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.
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É inegável a relação de prejudicialidade entre a constituição do crédito tributário e a
procedência ou não do pedido condenatório, motivo pelo qual o juízo criminal pode (faculdade)
suspender o curso da ação penal pelo prazo máximo de 1 ano se, mesmo com a constituição
definitiva do crédito tributário, houver na esfera cível ação anulatória em curso do citado
procedimento administrativo (art. 93, CPP).
Art. 93. Se o reconhecimento da existência da infração penal depender de decisão sobre
questão diversa da prevista no artigo anterior, da competência do juízo cível, e se neste
houver sido proposta ação para resolvê-la, o juiz criminal poderá, desde que essa questão
seja de difícil solução e não verse sobre direito cuja prova a lei civil limite, suspender o
curso do processo, após a inquirição das testemunhas e realização das outras provas de
natureza urgente.
Conforme entendimento do STF, a prejudicialidade alcança somente o processo-crime,
logo, não obstante a súmula 24, não há óbices a instauração do inquérito policial. Ou seja, a
súmula vinculante 24 repercute no exercício da ação penal, tanto que o oferecimento da denúncia
antes de encerrado o procedimento fiscal dá azo à rejeição da denúncia por falta de justa causa.
Entretanto, conforme o entendimento do STF não repercute no inquérito policial, que pode ser
instaurado mesmo que o crédito tributário não esteja definitivamente lançado. Desse modo, a
aplicação da SV 24 está circunscrita ao processo-crime.
A regra é que seja instaurado o processo-crime somente após a constituição definitiva do
crédito tributário. Entretanto, o STF entende que se a ação penal foi iniciada mesmo sem a
constituição do crédito e, no curso do processo, sobrevém tal constituição, não é necessário que
seja declarada a nulidade do processo, pois não houve prejuízo ao réu (art. 563, CPP). Tendo em
vista a economia e instrumentalidade processual, o processo-crime será aproveitado.
Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a
acusação ou para a defesa.
Segundo orientação do STF e STJ, a Súmula Vinculante 24 não se aplica ao crime de
descaminho uma vez que não se trata de crime material, e sim formal. Embora constitua crime de
sonegação tributária, é crime que não precisa aguardar a constituição do crédito tributário para
que seja oferecida a denúncia, pois o mero perfazimento da conduta já importa consumação do
crime.
A Súmula 24 deu azo para que começassem a ser desenvolvidas teses defensivas de que
haveria correlação entre a esfera administrativa e a esfera criminal em outros tipos penais que não
os materiais contra a ordem tributária. Ex: se é necessário encerramento do procedimento
administrativo para iniciar processo por crime material contra a ordem tributária, mutatis mutandis,
também seria necessário o encerramento do processo administrativo para propositura de ação
penal, por exemplo, por crime funcional próprio.
Diante disso, o STF adotou o entendimento de que a súmula vinculante 24 não serve de
parâmetro para construir uma interdependência entre as esferas judicial e administrativa ou entre
instâncias judiciais, prevalecendo a independência, até porque o direito de ação em si é abstrato.
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LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS À ATUAÇÃO PROBATÓRIA DO ESTADO
1. sigilo das correspondências e das comunicações telegráficas (Artigo 5º, XII, CR)
Art. 5º, XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas,
de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal;
Nos termos do artigo 5º, XII da Constituição, o sigilo das correspondências e das
comunicações telegráficas possui proteção absoluta.
Diante disso, é necessário definir o alcance do vocábulo comunicações telegráficas.
O que a Constituição busca tutelar com o artigo 5º, XII, primeira parte, é o sigilo das
comunicações em trânsito, ou seja, comunicações telegráficas e correspondências em trânsito.
Dessa forma, se a correspondência ou comunicação telegráfica chega às mãos do destinatário se
convolará em carta e, desta forma, passível de apreensão.
Tendo em vista a extensão do artigo 5º, XII, concluímos pela recepção constitucional do
artigo 240, §1º, f, CPP.
Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.
§ 1o Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:
f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja
suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;
Carta aberta ou fechada é, como todo documento, passível de apreensão.
Não é relevante o fato de a carta estar aberta ou fechada. O que é relevante é a sua
recepção pelo destinatário, pois, uma vez recebida, se transforma em carta, que é documento e,
portanto, passível de apreensão.
Do mesmo modo, houve também a recepção constitucional do artigo 233, § único do CPP.
Art. 233. Parágrafo único. As cartas poderão ser exibidas em juízo pelo respectivo
destinatário, para a defesa de seu direito, ainda que não haja consentimento do signatário.
Obs: correspondência entregue ao porteiro continua a ser correspondência. Se entregue à
empregada doméstica continua a ser correspondência. Passa a ser carta quando chega em mãos
do destinatário.
Obs2: a carta bomba ou carta cujo conteúdo seja droga, embora em trânsito, podem ser objeto
de apreensão pois se trata de objeto de crime (art. 240, §1º, b, c ou d, CPP).
Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.
§ 1o Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:
b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;
c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou
contrafeitos;
d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados
a fim delituoso;
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Esta hipótese não se trata de relativização do direito ao sigilo das correspondências, pois
não há apreensão de correspondência, e sim de objeto de crime.
Embora o artigo 240 do CPP não constitua relativização do direito a inviolabilidade das
correspondências, o ordenamento jurídico prevê tal possibilidade. Vejamos:
Artigo 41, XV e § único da LEP.
Art. 41 - Constituem direitos do preso:
XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de
outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.
Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou
restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.
Embora constitua direito do preso manter contato com o mundo exterior por meio de
correspondências, o direito à inviolabilidade é mitigado.
Nos termos do §1º deste mesmo artigo, tal direito será controlado pelo diretor do presídio
que poderá interceptar todas as correspondências enviadas e recebidas pelos presos.
O preso está submetido ao regime constante de fiscalização, o que impõe a relativização
de certas garantias constitucionais, dentre elas o sigilo das correspondências.
Também não há ofensa reflexa ao direito do sigilo das correspondências dos remetentes,
uma vez que eles não obrigados a envia-las e ao fazê-lo estão dispondo voluntariamente da sua
intimidade/privacidade.
Desta forma, o artigo 41, XV e § único da LEP foi recepcionado pela CR porque o status de
preso necessariamente relativiza garantias fundamentais absolutas considerado o cidadão
comum, mas incompatíveis com o regime de fiscalização e de monitoramento no qual o preso está
submetido.
2. Sigilo de dados (art. 5º, XII, CR)
Art. 5º, XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de
dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal;
Conforme o posicionamento dominante da doutrina e dos Tribunais Superiores, o sigilo de
dados e das comunicações telefônicas não é absoluto, podendo ambos serem relativizados por
ordem judicial para fins penais e processuais penais.
Podem ser afastados, portanto, por ordem judicial, tanto o sigilo das comunicações
telefônicas quanto o sigilo de dados, desde que haja autorização judicial e seja para fins penais.
A expressão sigilo de dados abrange os dados armazenados e a transmissão de
dados. O que este inciso visa tutelar são as comunicações de um modo geral, estejam elas
armazenadas ou em transmissão, deste modo ambas podem ser relativizadas. Ex: sigilo fiscal e
sua respectiva transmissão.
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Com base nesse entendimento, o STF assegurou a constitucionalidade do artigo 1º, §
único da Lei 9.296/96.
Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em
investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e
dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.
Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de
comunicações em sistemas de informática e telemática.
Ademais, como o STF já assentou também a constitucionalidade das captações
ambientais, a licitude do afastamento do sigilo pertinente a transmissão de dados alcança sem
problemas sinais óticos, eletromagnéticos e acústicos. Obs: a captação ambiental é reservada ao
crime de organização criminosa.
Considerando a proteção constitucional ao sigilo de dados e o artigo 5º, LIV da CR, STF e
STJ entendem que o MP pode ter acesso a estes dados sigilosos, desde que haja determinação
judicial prévia.
Art. 5º, LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal;
Do contrário teríamos a parte autora vulnerando garantias fundamentais do réu a margem
do devido processo legal.
Recentemente, o STJ, a este respeito, aliou seu entendimento ao do STF.
Há um tempo, o STJ prestigiava o poder geral de requisição do MP, e entendia que o sigilo
de dados podia ser relativizado pelo Órgão Ministerial, prescindindo de ordem jurisdicional. O STJ
baseava tal entendimento nos art. 129, VI e VIII, CR e art. 8º, VIII, LC 75/93.
Art. 129, VI, CR. Expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua
competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei
complementar respectiva;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os
fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
Art. 8º, LC 75/93. Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União
poderá, nos procedimentos de sua competência:
VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a
serviço de relevância pública;
* O artigo 8º, apesar de se referir ao MP da união, em razão do princípio da unidade e
indivisibilidade também seria aplicável aos Ministérios Públicos Estaduais.
Entretanto, o STF não admite este entendimento sob pena de violação do devido processo
legal. Exceção: dados pertinentes à entes públicos. O sigilo de dados é inerente às garantias
fundamentais da intimidade e da privacidade. Como os entes públicos não gozam de tais
garantias, não há que se falar em sigilo de dados.
Outro entendimento relevante do STF diz respeito à possibilidade de a Receita ter acesso
direto aos dados bancários do contribuinte sem autorização judicial, desde que haja correlação
temática entre os dados acessados e a atuação da Receita.
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Há um tempo, o Supremo entendia pela impossibilidade de tal acesso, sendo necessário
para tal haver determinação jurisdicional.
Em reviravolta da sua jurisprudência, em 2016, assentou o STF a constitucionalidade da
LC 105/2001, admitindo que os órgãos da Receita versados no mencionado diploma legal tenham
acesso direto aos dados bancários e financeiros do particular.
Segundo o Supremo, tal providência não seria propriamente uma quebra de sigilo e sim,
uma transferência de dados do âmbito convencional (correntista X instituição financeira) para o
administrativo (Receita X contribuinte).
Tendo em vista a fundamentação utilizada, não é possível projetar uma mudança de
entendimento da Corte acerca da inviabilidade de acesso direto pelo MP aos dados do imputado.
Ou seja, o entendimento de que a Receita pode acessar dados financeiros do contribuinte sem
autorização judicial, não dá azo à interpretação de que, portanto, o MP também poderia ter acesso
direto aos dados do imputado. A fundamentação utilizada pelo STF para justificar o acesso direto
pela Receita não permite tal extensão.
Em relação às CPI’s, o STF, assentou o entendimento de que elas podem afastar o sigilo
de dados.
As Comissões Parlamentares de Inquérito possuem poderes de investigação equiparados
ao da autoridade policial (art. 58, §3º, CR), sendo restringidas apenas pelas cláusulas de reserva
de jurisdição.
Art. 58, § 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação
próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das
respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em
conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a
apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso,
encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal
dos infratores.
Para o STF o afastamento do sigilo de dados não é matéria de reserva de jurisdição. Seria
medida de investigação e assim sendo, pode afastar o sigilo.
A doutrina, em sentido contrário, entende que o afastamento do sigilo de dados é medida
cautelar probatória (reserva de jurisdição) e só pode ser implementado pelo juiz.
Obs: as CPI’s encontram duas limitações: as claúsulas de reserva de jurisdição e o princípio do
colegiado. Segundo o princípio do Colegiado, as CPI’s não podem apresentar qualquer decisão
monocrática, todas as decisões são reveladoras da vontade da maioria (colegiadas).
Obs2: O STF entende que a regra do artigo 58, §3º da CR é aplicável por simetria às CPI’s
organizadas pelas assembleias legislativas, ou seja, as CPI’s organizadas pelas assembleias
também podem afastar sigilo de dados.
2.1. Sigilo de dados aplicável ao crime de Lavagem de Capitais (Lei 9613/98 modificada
pela lei 12.693/12)
Alguns artigos da Lei de Lavagem de Capitais merecem ser analisados a luz do artigo 5º,
XII da Constituição. Vejamos:
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Art. 17-B. A autoridade policial e o Ministério Público terão acesso, exclusivamente, aos
dados cadastrais do investigado que informam qualificação pessoal, filiação e endereço,
independentemente de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas
empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de internet e pelas
administradoras de cartão de crédito. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012).
Este artigo mostra-se plenamente constitucional pois não constitui invasão à intimidade
nem a vida privada. É mero direito à informação.
O que o artigo busca é proteger o acesso à dados qualificativos do investigado.
Ele está, inclusive, respaldado pelo artigo 5º, LXVIII da CR.
LVIII - o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas
hipóteses previstas em lei;
Apesar da constitucionalidade evidente do artigo 17-B, esta lei traz alguns dispositivos cuja
constitucionalidade é controvertida na doutrina. São os artigos16 e 17.
Art. 16. As empresas de transporte possibilitarão, pelo prazo de 5 (cinco) anos, acesso
direto e permanente do juiz, do Ministério Público ou do delegado de polícia aos bancos de
dados de reservas e registro de viagens.
Art. 17. As concessionárias de telefonia fixa ou móvel manterão, pelo prazo de 5 (cinco)
anos, à disposição das autoridades mencionadas no art. 15, registros de identificação dos
números dos terminais de origem e de destino das ligações telefônicas internacionais,
interurbanas e locais.
Alguns doutrinadores encaram estes artigos como mero direito à informação, outros como
invasão à privacidade.
3. Sigilo das comunicações telefônicas
O sigilo das comunicações telefônicas, como já visto, pode ser afastado, mediante
determinação judicial para fins penais.
As informações obtidas em razão do afastamento do sigilo das comunicações telefônicas
são usadas, em regra, para fins penais.
Entretanto, conforme entendimento dos Tribunais Superiores, é possível a exploração de
dados e de conversas telefônicas interceptadas para fins não penais, desde que correlatos a
infração penal ensejadora do citado afastamento. Quebrado o sigilo telefônico em processo-crime,
as informações obtidas nele poderão ser aproveitadas em processos não penais como prova
emprestada. Ex: processo indenizatório em razão de infração.
Questão controvertida diz respeito à possibilidade ou não desta prova emprestada ser
utilizada pelo particular.
Neste aspecto o Supremo não é claro.
Todos os seus precedentes contemplam o emprego da prova emprestada pelo próprio
Estado, como por exemplo em procedimentos administrativos disciplinares e ações civis públicas,
ou seja, hipóteses as quais é o Estado, o mesmo quem produziu a prova, explorando-a.
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O Pleno do STF já assentou por maioria a possibilidade do compartilhamento nos termos
acima, a não ser que a persecução ainda esteja em sede de inquérito, haja vista a possibilidade
de arquivamento.
Entretanto, em 2015, a Primeira Turma do STF por maioria admitiu compartilhamento
mesmo estando a persecução ainda na fase investigatória.
A orientação do pleno, em condições normais, seria o referencial a ser adotado em provas.
Entretanto esse julgamento ocorreu em sigilo, portanto, não é possível ter acesso a ele. Ademais
não foi veiculado em informativo. Já o posicionamento da Primeira Turma foi veiculado em
informativo. Desta forma, até segunda ordem, devemos levar para provas de concurso o
entendimento da Primeira Turma.
Obs: a prova emprestada tem natureza documental, sendo irrelevante a natureza da prova
originária, logo haverá contraditório ainda que diferido. Segundo os Tribunais Superiores seu
emprego é lícito, mas se produzida contra uma parte que não integrou o contraditório originário,
ante a condenação, servirá apenas como argumento de reforço (obiter dictum), e não como
fundamento jurídico da decisão (ratio decidendi).
A doutrina, em sentido contrário, entende que a prova emprestada não pode ser
minimamente explorada, nem mesmo como argumento de reforço, devendo, portanto, ser
desentranhada dos autos.
3.1. Tratamento infraconstitucional da interceptação das comunicações telefônicas (Lei
9.296/96)
Análise dos artigos da Lei 9.296:
Artigo 1º
Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em
investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e
dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.
Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações
em sistemas de informática e telemática.
A captação telefônica é gênero que se triparte em:
Interceptação telefônica: realizada por terceiros, sem anuência de qualquer dos
interlocutores
Escuta: realizada por terceiros, com a anuência de pelo menos um dos interlocutores
Gravação: realizada diretamente pelo interlocutor.
O artigo 1º da Lei 9296/96 autoriza ao juiz determinar a interceptação telefônica. Ou seja, a
interceptação, para ser realizada, necessariamente, precisa de ordem judicial.
Em análise inversa do artigo 1º, os Tribunais Superiores entendem que a gravação, como
é realizada pelo próprio interlocutor, é sempre prova lícita. Se trata do próprio interlocutor
dispondo de sua privacidade e, portanto, prescinde de autorização judicial.
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STF e STJ, com base nestes mesmos argumentos, estenderam essa orientação à
gravação ambiental.
Para o STJ a escuta também é lícita independentemente de autorização judicial pois seria
um dos interlocutores dispondo da própria privacidade.
A doutrina e o STF, em posição contrária ao STJ, entendem que, como somente o juiz
pode autorizar a interceptação, do mesmo modo, somente ele pode autorizar a escuta.
Artigo 2º
Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer
qualquer das seguintes hipóteses:
I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;
II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.
Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da
investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo
impossibilidade manifesta, devidamente justificada.
Desta forma, em interpretação em sentido contrário ao artigo 2º, temos os seguintes
requisitos para a interceptação:
Fumus comissi delict: pretensão acusatória plausível
Ultima ratio: esgotadas as investigações convencionais, parte-se para a interceptação.
Deste modo, descabe interceptação em sede de VPI (procedimentos investigatórios
preliminares).
Autorizada apenas para crimes punidos com reclusão.
É válido o encontro fortuito de provas revelador da participação de outras pessoas,
conforme prevê o próprio § único.
A revelação de novos crimes também é lícita, considerado o encontro fortuito. Se conexos
à infração a interceptação servirá para todos, independentemente da espécie de pena cominada.
Se não houver conexão, a notícia revelada é válida, instaurando-se nova investigação a
partir dela. Se o injusto descoberto também for reclusivo cabe em tese nova interceptação; do
contrário não, sem poder abeberar-se na existente, sob pena de tornar o fortuito proposital.
Artigo 3º
Art. 3° A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de
ofício ou a requerimento:
I - da autoridade policial, na investigação criminal;
II - do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução
processual penal.
Nos termos deste artigo, sendo a medida cautelar preparatória, a legitimidade é o do MP e
da autoridade policial. A autoridade policial desfruta de legitimidade propter officium.
Sendo a medida cautelar incidental a legitimidade é exclusiva do MP.
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O artigo 3º prevê ainda que há possibilidade de implemento da interceptação de ofício pelo
juiz. Doutrinariamente há duas posições a este respeito.
Uma primeira corrente, defendida, por exemplo, por Aury Lopes, entende ser a previsão
legal inconstitucional. Segundo este entendimento, a atuação de ofício pelo juiz ofende o sistema
acusatório. Não cabe ao juiz determinar produção de provas, ele deve se manter inerte.
Autores como Pacelli, entendem que a atuação de ofício do juiz seria inconstitucional
apenas se ocorrer durante a investigação. No curso do processo seria constitucional, já que é ele
quem coordena o processo.
Não há posicionamento do STF acerca do tema.
Artigo 4º
Art. 4° O pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a demonstração de
que a sua realização é necessária à apuração de infração penal, com indicação dos meios
a serem empregados.
§ 1° Excepcionalmente, o juiz poderá admitir que o pedido seja formulado verbalmente,
desde que estejam presentes os pressupostos que autorizem a interceptação, caso em
que a concessão será condicionada à sua redução a termo.
§ 2° O juiz, no prazo máximo de vinte e quatro horas, decidirá sobre o pedido.
Nos termos do artigo 4º, a interceptação pode ser postulada oralmente ou por escrito. Mas
para sua formalização deverá ser reduzida a termo.
Artigo 5º
Art. 5° A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de
execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por
igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.
Nos termos da lei, o prazo da interceptação telefônica é de 15 dias renováveis por mais 15.
O entendimento dos Tribunais Superiores é o de que é possível haver tantas renovações,
quanto forem necessárias sem que haja fato novo. Devem apenas ser indicados fatos concretos
revelando que a ratio decidendi da interceptação persiste.
Artigo 6º
Art. 6° Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de
interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua
realização.
§ 1° No caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será
determinada a sua transcrição.
§ 2° Cumprida a diligência, a autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação
ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações
realizadas.
§ 3° Recebidos esses elementos, o juiz determinará a providência do art. 8°, ciente o
Ministério Público.
Não é imposta a transcrição de todas as captações, somente dos trechos relevantes para a
persecução.
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Entretanto, toda a interceptação deve estar armazenada e disponível à defesa. Tal
imposição visa garantir o contraditório e a ampla defesa. O teor da interceptação deve ser
disponibilizado em mídia digital.
Art. 7º
Para os procedimentos de interceptação de que trata esta Lei, a autoridade policial poderá
requisitar serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público.
A interceptação não tem natureza pericial pois o serviço pode ser executado por técnicos.
Os tribunais superiores entendem que a execução da interceptação pode ser procedida por
particulares e, portanto, também pode ser feita pela Polícia Militar. A Polícia Militar somente
executa e envia à polícia judiciária.
O intervalo entre a determinação judicial e a execução da medida deve ser curto, sob pena
de perder a necessidade da interceptação.
Art. 8º
Art. 8° A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em
autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal,
preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.
Parágrafo único. A apensação somente poderá ser realizada imediatamente antes do
relatório da autoridade, quando se tratar de inquérito policial (Código de Processo Penal,
art.10, § 1°) ou na conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente do disposto
nos arts. 407, 502ou 538 do Código de Processo Penal.
A interceptação é sigilosa nos termos do caput, quer seja incidental à investigação ou ao
processo. Haverá contraditório, que ocorrerá ainda que de maneira diferida.
A lei admite a anexação dos autos da interceptação ao processo imediatamente antes das
alegações finais, neste caso, converte-se a fase em diligências oportunizando ao réu a produção
de provas, com interrogatório ao final.
Art. 9º
Art. 9° A gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante
o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério
Público ou da parte interessada.
Parágrafo único. O incidente de inutilização será assistido pelo Ministério Público, sendo
facultada a presença do acusado ou de seu representante legal.
O incidente de inutilização das conversas telefônicas pode ser instaurado em qualquer fase
da instrução.
O imputado pode optar por acompanhar ou não o ocidente, entretanto, ele
obrigatoriamente deve ser pessoalmente notificado. Sendo notificado e não comparecendo, o
incidente ocorrerá sem sua participação e será válido. Se o investigado não é notificado, a
interceptação estará toda comprometida.