Curso de Processo Civil - Volume IV - Processo Cautelar - Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz...

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LUIZ GUILHERME MARINONI SÉRGIO CRUZ ARENHART CURSO DE PROCESSO CIVIL Volume 4 PROCESSO CAUTELAR 2.a edição revista e atualizada EDITORA 1 M P REVISTA DOS TRIBUNAIS

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LUIZ GUILHERME MARINONI SÉRGIO CRUZ ARENHART

CURSO DE PROCESSO CIVIL

Volume 4

PROCESSO CAUTELAR

2.a edição revista e atualizada

EDITORA 1 M P REVISTA DOS TRIBUNAIS

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P R O C E S S O C A U T E L A R

Luiz G u i l h e r m e M a r i n o n i

S é r g i o C r u z A r e n h a r t

2,.a edição revista e atualizada

l . a edição: 2008,

CURSO DE PROCESSO CIVILVolume 4

©destaedição [2010]

E d i t o r a R e v is ia d o s T rib u n a is L i d a

C a r l o s H e n r iq u e d e C a r v a lh o F il h o

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Impresso no Brasil [03-2010]

Universitário [Texto]

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2373$ É Ê È ’'- *151704A ATtlUM

ISBN 978-85-203-3642-7

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Aos Professores Qvídio Bapíista da S ih a

e Donaldo Armelin,

Luiz G u i l h e r m e M a r i n o n i

Vara a Rafaelq, minha mais nova inspiração.

S é r g io C r u z A r e n h a r t

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APRESENTAÇÃO

Chegamos, com este volume, ao processo cautelar.. O tema da tutela cautelar é pensado a partir dos conceitos demonstrados no volume 1 deste Curso, dedicado à Teoria Geral do Processo Civil.,

Concebe-se a tutela cautelar como tutela que pode assegurar a efetividade da tutela do direito material ou uma situação substancial tutelável, conforme o caso. Deixa-se de lado a tradicional concepção de “medida cautelar”, entendida como ins­trumento vocacionado a garantir a efetividade do processo, assim como o pensamento doutrinário ancorado no direito substancial de cautela.

C om o não há qualquer coerência em assegurar a sentença condenatória, a tutela cautelar nunca foi - ou poderia ter sido - caracterizada pela “provisoriedade”, A tutela cautelar deve naturalmente sobreviver à sentença transitada em julgado quando a tutela do direito depende de execução Isto porque, neste caso, o seu real objetivo é assegurar a obtenção da tutela do direito e não da sentença O arresto, por exemplo, visa a assegurar o alcance da tutela ressarcitória pelo equivalente e não da sentença condenatória.

Na verdade, a tutela cautelar, em uma perspectiva, objetiva assegurar a tutela repressiva, como são as tutelas ressarcitória pelo equivalente e de reintegração de posse. Em outra linha, quando há situação substancial tutelável exposta a risco de dano, a tutela cautelar assegura não a tutela que pode vir a ser conferida ao direito, mas sim a própria situação substancial a quem a ordem jurídica outorga tutela jurisdicional do direito,

Ademais, a tutela cautelar, nesta dimensão, é colocada em seu devido lugar, como tutela vinculada a outra tutela ou a uma situação substancial tutelável, deixando de ser confundida com a tutela destinada a inibir a violação do direito A tutela cautelar, diante da sua inegável marca instrumental ou da sua incontestável referibilidade a outra tutela do direito ou situação substanciai tutelável, nada tem a ver com a tutela cuja única função é impedir a prática do ilícito, e que, assim, obviamente, não se im­porta em assegurar outra tutela ou situação material Tutelar prevenindo, ou tutelar inibindo a violação, é algo muito distante de tutelar assegurando.

O livro se divide em três partes A primeira é destinada à demonstração de uma nova teoria da tutela cautelar, totalmente afeita ao processo civil do Estado constitucional e à realidade da prática forense. D e forma didática, a tutela cautelar é situada na teoria da tutela dos direitos e confrontada com as tutelas imbitária e antecipa~ tória, o quefaz com que a sua construção dogmática ganhe muito em coerência e precisão A segunda parte analisa de maneira detida o procedimento geral cautelar, bem como a

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8 PROCESSO CAUTELAR

técnica processual e os institutos característicos à tutela cautelar Na terceira parte são estudados, um a um, os procedimentos cautelares específicos, inclusive as “medidas cautelares” arroladas no a r t 888 do C P C

Este volume, na linha dos anteriores, prossegue em seu diálogo com a jurispru­dência, apresentando decisões especialmente pinçadas para ilustrai o entendimento dos tribunais

Em bora a matéria seja estudada de forma bastante aprofundada, a linguagem utilizada foi cuidadosamente elaborada, com o objetivo de facilitar a compreensão dos leitores.

Esperamos que este volume também seja merecedor da acolhida da comunida- de jurídica, contribuindo para o ensino do direito, para o aprimoramento da prática forense e para o diálogo crítico em torno do direito processual civil.1

Luiz G u ilh e rm e M a r in o n i

S é r g io C r u z A r e n h a r t

1 Agradecemos aos Drs. Homero Marchese e Renata Polichuk, jovens e brilhantes estudiosos, por sua colaboração

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO............................................................ ...................................... 7

Parte I

TEO RIA G ERAL DA T U T E LA CAUTELAR

1. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DA T U T ELA C A U TELA R ........... 19

1.1 Conceito de tutela cautelar.......................... ..... ........................... ................. 191.2 Tutela assecuratória da tutela do direito material ou da situação jurídica

tutelável......... .................................. ..... ..................................................... .......... 231.3 Perigo de dano.............. ................................................... ...................................... 281.4 Probabilidade do direito à tutela do direito material...................................... 281 5 Temporaríedade........................................... .............. ... ...................................... 301 6 Não satisf atividade.................... ....... ...... ............ .......... .................................. 321 7 Instrurnentaiidade..................... ............................. ......................................... 361.8 Referibilidade........... ....................... .............. .................................................. 371 9 Cautelaridade e não preventividade............................................. .... 38

2 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA T U T E L A CAUTELAR ................... 44

2.1 A tutela cautelar no processo civil do Estado liberal clássico., ..................... 442.2 Além de não ter sido concebida para impedir a violação do direito, a tutela

cautelar não foi pensada para remover os efeitos concretos do ato contrárioao direito ........ ...................... ....................... .... ....... ..................................... ....... 48

2. 3 A proibição dos juízos de verossimilhança no processo liberal.................... 492.4 O surgimento de novas situações jurídicas, a inexistência de técnicas pro­

cessuais idôneas à prestação das tutelas inibitória e de remoção do ilícito ea morosidade do procedimento comum: a expansão da tutela cautelar..... 52

3 DA T U T E LA C A U TELA R À T U TELA A N T EC IPA T Ó R IA ....................... 61

3.1 O art. 273 do C P C ................................................................................................. 613.2 A tutela antecipatória em caso de fundado receio de dano irreparável ou

de dificil reparação................... ................................ .................. ..... .................. 613.3 Distinção entre tutela antedpada e tutela cautelar........................... ......... ... 62

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10 PROCESSO CAUTELAR

3 4 A tutela antecipatória nas ações declaratória e constitutiva....................... 663.5 A zona de penumbra das tutelas cautelar c antecipatória O § 7.° do art.

273 do Código de Processo C ivil.... ............................................................... 70

4 DA T U T ELA CAUTELAR À STU TELA S CONTRA O ATO CONTRÁ­RIO AO D IREITO (TU TELA S IN IBITÓRIA E D E REM O ÇÃ O DO IL ÍC IT O )............. ............................ 71

4 1 Tutela inibitória.......................................................... ............................. .......... 714 2 O direito material à tutela inibitória .............................................................. 754 3 Tutela inibitória como tutela específica do direito material........................ 764 4 Tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito............... ...... ......................... 784 5 Tutela inibitória e tutela cautelar........................... ........ .................. .............. 804 6 Tutela de remoção do ilícito e tutela cautelar ................................................. 85

5. T U TELA S CAUTELAR, ANTECIPATÓRIA, INIBITÓRIA E DE R E­M OÇÃO DO ILÍC ITO ........................................ ............. ........................................ 87

5.1 Tutelas cautelar e antccipatória como tutelas interinais de urgência . ...... 875.2 As tutelas inibitória e de remoção do ilícito como tutelas autônomas con­

tra o ilícito................................................................ ................. ............................ 88

6 AS AÇÕ ES RELATIVAS À PROVA INTRODUZIDAS NO LIVRO III(DO PROCESSO CAUTELAR) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 89

6 .1 A “produção antecipada de provas”, a “exibição” e a ‘justificação"no Livrodo Processo Cautelar .... ............... , ................... ................................. ............ 89

6 2 Produção e asseguração de prova....................................... .............................. 906 3 Asseguração de prova e exibição de documento ou coisa............................. 926 4 Asseguração de prova e justificação..................................................... ............ 946 5 Segurança da prova: segurança da tutela do direito ou segurança dos direi­

tos processuais de ação ou de defesa?........................... ............ ................... 96

7 A AÇÃO CAUTELAR IN OM INADA................................. .......................... 98

7.1 Característica supletiva da ação cautelar inominada em um sistema pro­cessual marcado pela rigidez das formas procedimentais.... 98

7 2 O uso da ação cautelar inominada para garantir as novas necessidades detutela do direito material.............................. 100

7 3 A reconfiguração da fisionomia originária da ação cautelar inominada dian­te da tutela antccipatória e das ações inibitória e de remoção do ilícito.... 101

8 O PO D ER JURISDICIONAL D E CONCESSÃO D E M EDID A CAU­T EL A R D E O FÍC IO .......................................................................................... ........ 104

8 1 Poder cautelar de ofício ...... . 104

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SUMÁRIO 11

8.2 Pressupostos para a concessão de tutela cautelar de ofício........................... 106S..3 Tutela cautelar de ofício c responsabilidade pelo dano causado à parte .... 1088.4 Poder cautclar de ofício c poder concentrado de execução , , ......... ........ 108

8.5 Poder cautelar de ofício e poder de polícia...................................................... 1118 .6 Tutela cautelar dc ofício e tutela cautelar inominada_______________ 111

Parte II

O PROCEDIM ENTO, A TÉC N ICA PROCESSUAL E OS INSTITUTOS CARACTERÍSTICOS À T U T EL A CAUTELAR

1 “DAS D ISPO SIÇÕ ES G ERAIS” RELATIVAS AO PRO CESSO CAU­T E L A R ....................................................... ....... ...................... ................................ 115

2. PROCEDIM ENTO A C ELER A D O ..... ... 116

3.. C O M PETÊN C IA ............................................. .................... ................................. ..... 118

4. PETIÇ Ã O INICIAL- ..................... ........................................................................... 121

5 . A FUNGIBILIDADE DA T U TELA C A U T E L A R ........ ................ ............ 125

6. CUM ULAÇÃO D E PEDIDOS D E T U T E LA C A U T E L A R ..................... 127

7. LIMINAR C A U T ELA R .............................. ............................................................. 128

7 1 Concessão da liminar antes da ouvida do réu e garantia do contraditório. 1287 2 Justificação prévia paia a concessão da tutela cautelar ...... 1297 3 Contracaotela e garantia da parte que sofre a tutela cautelar....................... 130

8. REAÇÃO DO D EM A N D A D O ......................................................... ................ 131

8 1 Conteúdo da defesa , ......................................................................................... 131

8 2 O prazo para a apresentação da defesa .............. ............... 1328 3 Revelia e presunção de probabilidade..................................... 1358.4 Reconhecimento da procedência do pedido. ,................. .................... ........ 137

9. LITISCO N SÓ RCIO E INTERVENÇÃO D E TERCEIROS .................... 138

10. PROVA E CONVICÇÃO JUDICIAL NO PROCESSO CAUTELAR ... 141

10.1 Prova e convicção........................ .................................. 14110 2 Convicção, verdade e verossimilhança .... 142

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12 PROCESSO CAUTELAR

10 3 A convicção de “verossimilhança preponderante”.. . .............. ...... 14210.4 Tutela cautelar e convicção de verossimilhança............................ ................ 14410.5 Convicção e prova no processo cautelar........................... .... .... ........... ........... 14510.6 Racionalidade da decisão cautelar ............................................................... . . 146

10. 7 Outros critérios para a decisão cautelar...... ............................. .................. ;... 148

10,.8 Decisão cautelar e caso concreto.................................................... ................. 15010 9 Tutela cautelar e dificuldade da prova...... „...................... .... .............. ......... 151

10,10 Convicção de verossimilhança e tutelas cautelar inaudita altera parte cfinal..................... ......,....................................... .................. ............................... . 152

10.11A prova na audiência do processo cautelar..............................................„....... 153

11. EFIC Á C IA T EM PO R A L D A T U T EL A C A U T ELA R ................................. . 154

11.1 A tutela do direito como critério de fixação da eficácia temporal da tutelacautelar............. ................................................ ................. ................ .................... 154

1 1 2 Revogação e modificação da tutela cautelar.................................................... 157

12 H IPÓ TESES LEGAIS D E CESSAÇÃO DA EFICÁCIA D A TU TELAC A U T E L A R .................................... .............................................. .......................... 158

12.1 Primeiras considerações.............. ........ .............................................. 15812.2 A não propositura da ação principal no prazo de trinta dias........... ........... 158

12.3 A não execução da tutela cautelax no prazo de trinta dias......... ......... ........ 16412, 4 A extinção do processo principal com ou sem resolução do mérito............ 165

13. A SUBSTITUIÇÃO D A T U T EL A C A U T E L A R ............................................. 168

14 RECONH ECIM ENT O DA D ECAD ÊN CIA OU PRESCRIÇÃO DO D I­REITO DO AU TOR NO PROCESSO CAUT E L A R ................. .............. ..... 170

15 A SEN TENÇA NO PROCESSO C A U T E L A R ................................................ 172

15 1 Requisitos da sentença cautelar......................... ............................................... 172

15 2 A natureza da sentença que concede a tutela cautelar........................ ......... 173

15.3 A fimgibilidade da sentença cautelar............................................................... 173

16.. EXEC U Ç Ã O DA SEN TEN ÇA QUE CO N C ED E A TUT ELA C A U TE­LA R ......... ....................... . .......................... ...................................... ........... ................... 175

17. RECURSOS NO PROCESSO CA U TELA R...................................................... 178

18. COISA JULGADA M ATERIAL E PRINCÍPIO DO N E BISIN ÍD EM N OPROCESSO C A U T E LA R .................................................... ............................:...... 183

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SUMÁRIO 13

19 A R EV O G A ÇÃ O E A M OD IF ICAÇÃO DA T U T E L A C A U T ELA RAPÓS O TRÂNSITO EM JULG ADO DA SEN TEN ÇA C A U T ELA R... 187

20. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DERIVADA DA EXEC U Ç Ã O DA T U T E L A C A U T ELA R ................. .......................... ............. ...................... ............. 188

20.1 Responsabilidade objetiva................................ ............................................ . 18820 2 Hipóteses de responsabilidade objedva................... ...... ............... ........... 188

20. 3 Liquidação da indenização . ........., ............................................................... ..... . .......... 193

Parte III

CAUTELARES ESPECÍFICAS

1 O ELEM EN TO COM UM DAS MEDIDAS CAUTELARES ESPEC Í­FIC A S......................... ............................................................. ................................ 199

2. A IM PORTÂNCIA DAS MEDIDAS CAUTELARES ESPEC ÍFIC A S. 201

3. ARRESTO .......................... ...... ...,........... ......... ............... ................................. ................ 203

3 1 Noções introdutórias........... ................. ............................. .............................. 203

3,.2 Requisitos............................................................... ................. ........... .................. 2053 3 Condições da ação no arresto.................... ........................ ...... ................ ......... 210

3 3.1 Legitimidade.......................................................................................... 2103 3 2 Interesse processual.................... ........ ................... .............. ......... ...... 211

3-3. 3 Possibilidade jurídica do pedido.............. ................................ . ........ 2123 4 Bensarrestáveis -..... .................................. .................. ........................................ 2123.5 Procedimento do arresto............................ ........ . ...... ...................................... ..... 2133.6 Conversão do arresto em penhora...................................... ..... ...................... 217

4.. S EQ U EST R .0........................... ............... ........................... ...................................... . 219

4.1 Noções introdutórias.......... .......................................................... . .................. 219

4.2 Hipóteses legais de cabimento do seqüestro..................... .......................... 2204.3 Os sequestros especiais.............................................................. ..... ,.................. 2224. 4 Efetivação do seqüestro................... . ............................. ......................... ....... 223

5. CAUÇÃO .................................. .................................................................................... 225

5.1 Noções introdutórias....... .... .............................................................................. 225

5.2 Procedimento da caução............. ............................................................................................................ 2275 2..1 Procedimento da caução espontânea....... ...... ................................... 228

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14 PROCESSO CAUTEL AR

5 2 2 Procedimento da caução forçada...................... .... 229

5 3 Sentença da caução........ ........... ................ ..... . 2305 4 A caittiopro cxpcmis........................................ ..................................... . „ 232

5 5 Reforço de caução............................... ...... ........................................................... 234

6 BUSCA E A P R EE N S Ã O .................................................................................... ...... 237

6 .1 Questões preliminares ......................... 237

6 .2 Procedimento da busca c apreensão................. ................................ ....... ...... 239

7. EXIBIÇ Ã O .................................................. .................................................................... 243

7.1 Noções introdutórias. ......................... ....... .................................... 2437 2 Dever de colaboração e exibição 244

7.3 Objetos sujeitos à exibição............................. .......................................... ......... 2497.4 Procedimento da exibição................................................. ............ 250

8 PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS............... .............................. ..... 255

8 1 Observações prévias ................................................... ......................................... 2558 2 Meios instrutórios protegidos pela asseguração de provas......................... 258

8 2 1 Depoimento da parte............................................................................ 2588 2 2 Prova testemunhai........ .......... ........................................ ....................... 2608 2 3 Prova pericia!..................................... .. .......................... 262

8 2 .4 Inspeção judicial...................................................... ............................. 2638 3 Procedimento......................................... ...................................... ....... ............... 263

8.3 1 Asseguração de prova oral.................... . , ............ ..............,,.......... 2648 3 2 Asseguração de prova técnica e de inspeção judicial................ .... 267

8 .4 Asseguração de prova e fixação de competência para a ação principal....... 268

9 ALIM ENTOS PROVISIONAIS...... ............................. .................... 271

9 1 Considerações prévias...... ....... ..................................................... 2719.2 Alimentos provisórios, provisionais e definitivos.................... ....................... 2729 ,3 Hipóteses legais de cabimento dos alimentos................................ 2769.4 Procedimento......... .......... ................. 277

9 5 A sentença de alimentos e sua estabilidade.............................. 2799 6 Efetivação dos alimentos provisionais....................................................... 284

10 A R R O L A M E N T O D EB EN S .................................................................................. 285

10 1 Questões prévias...... ............ ...................... .............................. ..... 28510 2 Cabimento do arrolamento................................ ................... ............ .... 287

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SUMÁRIO 15

10 3 Procedimento do arrolamento......................... ........................ 289

11 JUSTIFICAÇÃO JU D IC IA L....................... .......................................................... 292

11 1 Noções introdutórias....... .................................................................................. 29211.2 Finalidade da justificação judicia!..................................................... ............... 29311.3 Procedimento............... ................................. ....................................................... 296

12 PROTESTOS, NOTIFICAÇÕES E IN TER PELA Ç Õ ES............................ 300

12 1 Noções preliminares..... .............. 30012 2 Condições de admissibilidade................. ....... ..................................... .......... 30112 3 Procedimento............ .................................... ........ ...... .........................303

13 HOM OLOGAÇÃO D E PEN HOR L E G A L ................................................... 306

13 1 Questões introdutórias......................................................... ......................... 30613.2 O penhor legal............................. ......................................... ............................... 30613 3 Procedimento........ .... ......................................... 309

14 POSSE EM NOM E D E N A SCITU RO ........ ............. 312

14 1 Observações prévias...................................... ......................................... . .... 31214.2 Legitimidade para a medida............................ ....................... 31314 3 Procedimento........................................................................................................ 314

15. ATENTAD O...... ......................................................................................................... 317

15 1 Noções preliminares............................................................................................ 31715 2 Requisitos............... ....................... ........... ..... ........... , ................................ 31815 3 Procedimento................. .. ................................................................................. . 32115.4 Efeitos do reconhecimento do atentado......................................................... 322

16 PROTESTO E APREENSÃO DE TÍTU LO S................................................ 326

16 1 Observações introdutórias .............. ............................................................. 32616 2 A dúvida no protesto... .................................. ................................................... 32716 3 A apreensão de título......................... 32816.4 A prisão civil e os outros meios de indução no procedimento de apreensão. 331

16 4 1 Contextualização do problema.................. ........... 33216 4 2 A admissão da prisão criminal com fins coercitivos........... 33316 4 3 Da prisão civil como meio coercitivo. . ......................337

17 AS MEDIDAS DO ART. 888 DO C P C ............................................................... 349

17 1 Observações introdutórias....... 349

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16 PROCESSO CAUTELAR

17 2 Regime jurídico das medidas do art 8 8 8 .............. ......................... . 35217.3 As medidas do art. 888 em espécie............ .,................ .... .................. 353

17 .3,1 Obras de conservação em coisa litigiosa ou judicialmente apreen­dida................................ ......................... ................................. ..... ....... 353

17...3 2 Entrega de bens de uso pessoal do cônjuge e dos filhos ...... ......... 35417.3.3 Posse provisória de filhos....... ............................... ......... .... .............. 35517.3 .4 Afastamento de menor autorizado a contrair casamento contra a

vontade dos pais ..... ........... .............. ............. ........................ . ............ 35617.3.5 Depósito de menores ou incapazes................... ......... ..... ................ 35817...3.6 Afastamento temporário de cônjuge.......................... .............. . . . 35917 -3 7 Guarda e educação de filhos...................... ............ ........................... 36217 .3,8 Interdição ou demolição de prédio .......... ................................. 363

BIB LIO G R A FIA ........................................ ............. ................................... ............ 369

ÍN DICE ALFABÉTICO-REM ISSIVO........ .................................... . „.... ...... 381

O BRASD O SAU TO RES 395

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P a r te ITEORIA GERAL

DA TUTELA CAUTELAR

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1Conceito e Características

da Tutela Cautelar

SUMÁRIO: 1.1 Conceito de tutela cautelar ~ 1 2 Tutela assecuratória da tutela do direito material ou da situação jurídica tutelável -1 ..3 Perigo de dano - 1.4 Probabilidade do direito à tutela do direito material - 1 .5 Temporariedade - 1..6 Não satisfatividade - 1 .7 Instrumentalidade - 1 .8 Referibiiidade - 1,9 Cautelaridade e não preventividade

1.1 Conceito de tutela cautelar

A doutrina clássica afirma que a tutela cautelar se destina a dar efetividade à jurisdição e ao processo .* A ideia de que a tu tela cautelar objetiva garantir a efetividade da jurisdição é, de certa forma, conseqüência do conceito que vê na jurisdição apenas a função de dar atuação à vontade da lei.

Ao afirmar que o fim da jurisdição é atuar a vontade da lei2 e não dar tutela ao direito material, a doutrina do final do século X IX e início do século XX pretendeu ficar definitivamente distante da teoria que confundiu o direito de ação com o di­reito material.3 De modo que a necessidade de estabelecer a autonomia do direito processual e a finalidade pública do processo conduziu ao abandono da ideia de que ajurisdição daria tutela aos direitos

1 Piero Calamandrei, Introducciôn al estúdio sistemático de Ias providencias cautelares1 Foi Chíovenda quem afirmou que a função da jurisdição era a dc dar atuação à vontade

concreta da lei (Giuseppc Chíovenda, Istituzionidi díríttoprocessuale rivile, v.. 1)..3 Abordando a obra de Chíovenda, Gianniní escreveu: “Affrontava dccisamente una ri-

costruzione dei diritto processuale, con carattcre pubblicisdco, sulla base deli'autonomia deli'azione edel rapportogiuridico processuale, elevando la scícnza processuale, con un balzo di dignità, su queilogià compiuto dal Mortara, ad una ricostruzione sistematíca storico-dogmatica (..)" (AmcdeoGianníni, Gli studi di diritto processuale civile in Italia, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedttra Civilc, p 109).

4 “La c d ‘pubblicizzazione’ dc! processo civilc inverte i prcsupposti di fondo che crano aila base delcodice dei 1865 e delia dottrina ottocentesca: il processo non è piü esclusivamente un 'afFare delle parti’ ma un luogo in cui si esprime Tautorità dello Stato; esso non mira solo alia tutela

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20 TEORIA GERAL DATU TELA CAUTELAR

Ora, se a função dajurisdição era atuar a vontade daíei, a tutela que se mostrasse necessária para garantir a efetividade da função jurisdicional, obviamente, não poderia ser concebida como tutelado direito, ou como tutela a serviço da tutelado direito, mas apenas como tutela voltada a garantir a efetividade da atuação da vontade da lei.

Pretende-se, com isto, demonstrar que a noção clássica de tutela cautelar é tributária do próprio conceito de jurisdição da sua época. Se o escopo de tutela dos direitos é esquecido quando se diz que a jurisdição deve apenas atuar a vontade da lei, é evidente que a doutrina não poderá concluir que a função cautelar almeja a tutela de um direito, tendo que necessariamente admitir, para ser coerente com as suas bases ideológicas e jurídicas, que a tutela cautelar tem como razão de ser apenas a função de atuar o ordenamento jurídico,

Contrapondo-se à teoria clássica ~ que, repita-se, não relacionava a função jurisdicional com a tutela do direito material-, surgiu a teoria que atribuiu à função cautelar- a proteção de um direito aparente submetido a perigo de dano iminente, Nesta direção, a tutela cautelar não protege o processo, mas sim o direito. Ovídio Baptista da Silva conseguiu demonstrar a superioridade desta teoria, ao evidenciar que a tutela marcada pela característica da “provisoriedade” ~ qualidade que advém da sumariedade da cognição e significa a contradição da “definitividade” da tutela prestada ao final do processo - nem sempre é uma tutela cautelar,5 O que define a cautelaridade não é a provisoriedade ou a circunstância de a tutela ser concedida no curso do processo de conhecimento, mas sim a sua função diante do direito mate­rial, A tutela que satisfaz o direito material, ainda que no curso do processo - tutela antecipatória - , não pode ser confundida com a tutela cautelar, pois esta última não tem o escopo de realizai’ ou satisfazer o direito, mas apenas o de assegurá-lo.

di int&ressiprivati, ma realizza 1'mteressepubblico aWamministrazione deliagiusíizia] ii perno dei processo non è piü riníziativa delle parti, ma ia funzione dei giudice. In sintesi, ü proctsso non è piü visto come una forma in cui si csplica í’autonomia privata nelTesercizio dei diritti, ma come uno strumento che Io Stato mette a disposmone dei privati in vista delTattuanonc delia legge, Con tutto ciò si salda perfeitamente ia ndefinizione dei concetto di azíone, compiuta essenzial- mente du Chíovenda: Vazione non è piu una sorta di appmáice dei diritto sostanziale privato, ma un diritto autonomo di naturapubblica, che mira a produrre conseguenze giuridíche nella sfera delia controparte (donde ia nota definizione delTazione come diritto potestativo), ma che soprai tutto chiama in gioco Vautorità dello Stato come tramite e. garante deWattuazione delia legge" (Michele TarufFo, Lagmstizia avile in Italia daVlOOa oggi, p 188)

5 Ovídio Baptista da Silva,// ação cautelar inominada no direito brasileiro; Ovídío Baptista da Silva, Do processo cautelar, Ovídio Baptista da Sílva, Comentários ao Código dc Processo Civil, v.11, Sobre a tutela cautelar, ver, ainda, no direito brasileiro, Galeno Lacerda, Comentários ao Código de Processa Civil, v.. 8, t.. 1; Galeno Lacerda e Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil, v 8, t. 2; Alcides Alberto Munhoz da Cunha, Comentários ao Código de Processo Civil, v„ 11; VlctorA Bomfim Marins, Comentários ao Código de Proctsso Civil, v.. 12 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 10, t, 1; Egas Moniz de Aragão, Medidas cautelares inominadas.. Revista Brasileira de Direito Processual, v. 57, p. 33 e ss.; Humberto Theodoro Júnior, Processo cautelar

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CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DATUTELA CAUTELAR 21

A teoria do processo desenvolvida no presente Curso de Procesw Civil tem como bases o dever estatal de tutela aos direitos e o direito à tutela do direito material, que, na verdade, também expressam as premissas de que este Curso parte paia conceituar a jurisdição e a ação. E importante repetir, neste momento, duas proposições afirmadas no volume 1. Foi dito que a função jurisdicional é uma conseqüência natural do dever estatal de proteger os direitos, o qual constitui a essência do Estado contemporâneo. Sem a jurisdição não seria possível garantir as formas de tutela do direito material.6 Também se afirmou que a ação atípica e abstrata apenas poderá constituir um direito capaz de dar efetividade ao direito material, deixando de ser uma mera proclamação retórica, caso permita ao autor a utilização das técnicas processuais adequadas à obtenção das tutelas prometidas pelo direito material.7

6 “Não há dúvida de que ajurisdição, atualmente, tem a função de tutelar (ou proteger) os direitos, especialmente os direitos fundamentais. Isto não quer dizer, como é óbvio, que ajurisdição não se preocupe em garantir a idoneidade da defesa ou a adequada participação do réu 0 que se deseja evidenciar e que «funçãojurisdicional é uma conseqüência natural do dever estatal de proteger os direitos, o qual constitui a essência do Estado contemporâneo, Sem ela seria impossível ao Estado não apenas dar tutela aos direitos fundamentais e permitir a participação do povo na reivindicação dos direitos transíndíviduais e na correção dos desvios na gestão da coisa pública, mas sobretudo garantir a razão de ser do ordenamento jurídico, dos direitos e das suas próprias formas de tutela ou proteção Quando se diz que ajurisdição tem o fim dc dar tutela aos direitos se está muito longe das antigas concepções privaristas, próprias do século XIX, especialmente do conceito dc direito subjetivo, característico ao espirito dessa época e desenvolvido particularmente por Windscheid. Ao escreverá ação do direito romano do ponto de vista do direito civil, inaugurando a célebre polêmica sobre a ação que travou com Muther, Windscheid apresentou as linhas de uma nova concepção dc direito subjetivo, caracterizado pelo poder (do sujeito ativo) de exigir uma conduta e pelo dever (do sujeito passivo) de prestá-ia. Esse conceito de direito subjetivo, como não poderia deixar de ser - diante da evidente relatividade histórica das doutrinas jurídicas - , recebeu forte influência do principio da autonomia da vontade, sabidamente a base dc todo o sistema individualista que marcou o século XIX. O dever de proteção ou de tutela dos direitos, que identifica o Estado constitucional, nada tem a ver com a noção clássica de direito subjetivo. O Estado possui o dever de tutelardetermínados direitos, mediante normas e atividades fáticO'adminístrativas,em razão da sua relevância social ejurídica Trata-se do dever de tutelar os direitos fundamentais Mas não é só. O Estado também tem o dever de tutehrjurisdicianalmenteos direitos fundamentais, inclusive suprindo eventuais omissões de tutela normativa, além de ter o dever de dar tutela jurisdicional a toda e qualquer espécie de direito - em razão do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva (art 5 0,X>OCV, da CF). Assim, por exemplo, o Estado tem o dever de tutelar, através de normas c atividades fático-administrativas.o meio ambiente, Mas também tem o dever de dar-lhe tutela jurisdicional, conforme as necessidades derivadas da situação concreta. Isso porque determinada situação concreta pode demonstrar a necessidade de tu tela jurisdicional inibitória, outra de tutela jurisdicional ressarcitória na forma específica, e assim por diante O Estado tem o dever de prestar a tutela jurisdicionalprometida pelos direitos ~ tra nsi ndhidua is ou individuais'' [Luiz Guilherme Marinoni, Teoria Gera!do Processo (Curso de Processo Civil, v 1), p . 1.39-141].

7 "Ao se dizer que ajurisdição tem o dever dc tutelar os direitos, deseja-se igualmente pôr às claras que ela tem o dever de viabilizar as tutelas prometidas pelo direito material e pela Cons­tituição.. Em termos concretos, o que se deseja evitar é que a tnidoneidade técnica do processo ou afalta

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22 TEORIA GERAL DATUTEL A CAUTEL AR

A doutrina clássica entende que a tutela cautelar não é um direito da parte, mas sim um direito do Estado, imprescindível para que a própria jurisdição garanta a se­riedade e a utilidade da sua função.8 Esta concepção c fundada na ideia de que a parte apenas tem direito de obter tutela jurisdicional ao final do processo O equívoco desta concepção é facilmente visível, não apenas porque, numa perspectiva técnico-jurídica, nada impede a tutela do direito material com base em verossimilhança ou no curso do processo, mas também porque, caso a tutela cautelar fosse direito do Estado, ela não teria sido entregue nas mãos do litigante.

A tutela cautelar é direito da parte, correlacionada com o próprio direito à tutela do direito.. Em razão deste direito, ajurisdição tem o dever de dar tutela cautelar à parte que tem o seu direito à tutela do direito submetido a perigo de dano. O titular do direito ao ressarcimento, que vê o infrator se desfazer dos seus bens para futuramente não poder ser alcançado pela execução, tem ameaçado o seu direito à tutela ressarcitória, e, por isto, tem direito à tutela de segurança (cautelar) da tutela ressarcitória. Ora, da mesma forma que tem dever de prestar tutela ressarcitória, ajurisdição tem dever de conceder tutela que seja capaz dc garantir a efetividade da tutela ressarcitória, Em outros termos, ajurisdição tem o dever de tutelar o direito provável (verossimilhança)- ameaçado por dano - à tutela do direito (p ex., tutela ressarcitória).

Note-se, ademais, que o direito à tutela cautelar não deriva do direito de ação. E certo que o direito de ação tem como corolário o direito às técnicas processuais idô­neas à obtenção da efetiva tutela do direito material, decorrendo do direito de ação, por exemplo, o direito à técnica antecipatória ~ isto é, à técnica capaz de permitir a antecipação da tutela final - e o direito à técnica idônea a viabilizar a obtenção da tutela cautelar, Porém, aí se está aludindo às técnicas processuais derivadas do direito de ação e não às tutelas prometidas pelo direito material..

Há direito à técnica processual quando há, em abstrato, direito à tutela do direito material. As técnicas processuais idôneas à obtenção da tutela inibitória, por exemplo, decorrem do fato de que o direito substancial promete tutela inibitória, ou de que há direito abstrato à tutela inibitória

O mesmo raciocínio vale para a tutela cautelar. O direito de ação impõe o dever legislativo de instituição de técnica processual capaz de permitir a obtenção de

cie compreensão constitucional dojitiz impeçam a efetiva proteção das diferentes necessidades do direito material- como, por exemplo, a tutela preventiva (a tutela inibitória) de um direito da personalidade” [LuizGuilherme Marinoni, Teoria Geral do Processo (Curso de Processo Civil, v l),cit.., p. 144] “O direito fundamental à tu tela jurisdicional efetiva incide sobre o legislador c o juiz, ou seja, sobre a estruturação legal do processo c sobre a conformação dessaestruturapelajurisdição"(Idem,p.ll8) Sobre o direito à construção da ação adequada à tutela do direito, ver Luiz Guilherme Marinoni, Teoria Geraldo Processo {Curso de Processo Civil, v. 1), c it, p. 230 e ss Ver ainda Luiz Guilherme Marinoni, II diritto atla cutela giurisdizionale effettiva nella prospettiva delia teoria dei dirittí fondamentali. Studi di diritto processuale civile in onore di Giuseppe Tarzia, v, 1, p, 93-162..

9 Piero Calamandrei, Introducciôn alestúdio sistemático de lasprovidencias cautelares, cit..

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CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DATUTELA CAUTELAR 23

tutela cautelar exatamente porque há direito, situado no plano do direito substancial, à tutela cautelar

O direito à tutela cautelar não advém do processo.. A tutela cautelar não se destina a garantir a efetividade da ação e, por isto mesmo, não pode ser pensada como uma mera técnica processual necessária a lhe outorgar efetividade.. O direito à tutela cautelar está situado no plano do direito material, assim como o direito às tutelas inibitória e ressarcitória. O titular do direito à tutela do direito - por exemplo, ressarcitória - também possui direito à tutela de segurança (cautelar) do direito à tutela do direito.,

De modo que, se a tutela cautelar é instrumento de algo, ela somente pode ser instrumento para assegurara viabilidade da obtenção da tutela do direito ou para assegurar uma situação jurídica tutelável, conforme o caso. AJiás, caso a tutela cautelar fosse con­siderada instrumento do processo, ela somente poderia ser instrumento do processo que, ao final, concede a tutela do direito material Isto, na verdade, é compreensível, pois o elaborador da teoria da instrumentalidacle ao quadrado da tutela cautelar, isto é, da teoria de que a tutela cautelar é instrumento do próprio processo - que já teria a natureza de instrumento do direito material é um dos mais célebres defensores da teoria concreta do direito de ação.9 Ora, quem entende que a ação depende da tutela do direito material pode confundir, com facilidade, tutela destinada a assegurar a tutela do direito material com tutela do processo.

Deixe-se claro, porém, que, além de não ser possível aceitar a teoria que enxerga na função cautelar a tutela do processo, é preciso frisar que a tutela cautelar não se destina a inibir o ilícito (tutela inibitória) e a remover os efeitos concretos do ilícito (tutela de remoção do ilícito), e, portanto, não constitui uma genuína tutela preventiva, A tutela cautelar assegura a tutela de um direito violado ou, em outro caso, assegura uma situação jurídica tutelável, ou seja, uma situação jurídica a ser tutelada através do chamado processo principal..

1.2 Tutela assecuratória da tutela do direito material ou da situação jurídica tutelável

Como está claro, entendemos que a tutela cautelar é a tutela assecuratória da tutela prometida pelo direito material e da situação a que o direito material confere tu tela jurídica. Tal tutela é um direito da parte e um dever do Estado, não se fundando no direito de ação, mas sim no próprio plano do direito material

A tutela cautelar não é uma tutela da jurisdição ou do processo, por várias razões. A mais óbvia é a de que, caso fosse tutela do Estado, não poderia ser entregue aos litigantes . Ademais, se a tutela cautelar foi reconhecida como tutela a serviço do Estado há aproximadamente um século, não é possível esquecer que o Estado cons­

9 Piero Calam and rei, Isiituziom dt diritto processuale civilc, Parte 1

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24 TEORIA GERAL DA T U T ELA CAU TELAR

titucional10 tem, como característica, o dever de tutelar os direitos fundamentais, e, em razão do direito fundamental à tutela jurisdicional (art.. 5 .°, XXXV, CF), o dever de tutelar de forma efetiva todo e qualquer direito. Assim, não há como deixar de enxergar na tutela cautelar um dever do Estado, imprescindível para se outorgar se­gurança às situações a que o Estado deve tutela jurídica, bem como para que a tutela do direito material possa ser prestada de forma efetiva.,

A tutela cautelar não pode ser vista como dirigida a assegurar a utilidade do processo, Como é evidente, a única utilidade que o autor almeja quando vai a juízo é a tutela do direito material. Assim, a tutela cautelar somente pode ser relacionada com a efetividade da tutela do direito, ou com a segurança da situação tutelável, e não com a “seriedade da jurisdição”,.

A doutrina clássica, ao supor a tutela cautelar como dirigida a assegurar a efetividade do processo, frisou o seu caráter provisório, isto é, a circunstância de que nasceria para morrer quando da prolação da sentença que decidisse o litígio, pondo fim ao processo. A falta de percepção de que a tutela cautelar se destina a assegurar uma tutela do direito, não sendo, portanto, uma simples decisão marcada pela cognição sumária (provisoriedade), levou a doutrina a incidir no grave equívoco de subordinar o tempo de vida da tutela cautelar à sentença condenatória,

Ovidio Baptista da Silva, ao tomar em consideração este problema e ter presente que o arresto não pode desaparecer ou ser consumido pela sentença condenatória, utilizou esta situação paia exemplificar o seu entendimento de que a tutela cautelar tem natureza temporária e não provisória, Inicialmente, argumentou Ovidio: “Para a doutrina em geral que descende de Calamandrei, a nota especifica que define a cautelaridade é sua condição de tutela provisória. O pressuposto de que a tutela cautelar seja uma forma de proteção provisória está intimamente ligado à premissa principal de que parte essa doutrina, que é a conceituação da tutela cautelar como instrumento de proteção do processo ou, como dizia Calamandrei, a tutela cautelar como instrumento do instrumento".11E, mais à frente, referindo-se especificamente ao arresto, concluiu: “A duração do arresto, por exemplo, não fica condicionada à ema­nação da sentença que venha a julgar procedente a ação condenatória. Ao contrário, se a sentença acolher a pretensão do autor que obtivera o arresto, esta medida será, a partir da sentença, mais justificada do que fora antes do julgamento, pois entre o trânsito em julgado da sentença e a penhor a que substituirá o arresto pode intercorrer um lapso de tempo considerável,. Pense-se no caso de uma sentença que necessite de prévia liquidação, para ensejai’ o procedimento executivo, com efetivação da penho- ra. O arresto, diversamente do que supõe a doutrina de Calamandrei, não antecipa, absolutamente, nada que a sentença condenatória poderia conter, como eficácia que

10 Sobre o processo civil no Estado constitucional, ver DanieS Mitidiero, Processo civil é Estado Constitucional; Hermes Zaneti Júnior, Processo constitucional (o modelo constitucional do processo civil brasileiro).

11 Ovídio Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, v. .3, p.. 73.

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CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DATUTELA CAUTELAR 25

lhe seja peculiar. Nem se tornará dispensável uma vezproferida a sentença definitiva, pois o arresto, não havendo antecipado nenhum efeito que lhe seja inerente, não será substituído por essa sentença”,12

Ovídio pretende demonstrar, com o exemplo do arresto, que a tutela cautelar não é provisória, mas sim temporária, devendo, por isto, vincular-se apenas e tão somente à situação de perigo que ameaça o direito, Porém, Ovídio não alude a uma circunstância que é fundamental para a conceituação da tutela cautelar É que a tutela cautelar, conforme antes anunciado, destina-se a tutelar uma tutela do direito, como, por exemplo, a tutela ressarcitória.

Como demonstramos no volume 3 deste Curso, a tutela ressar citória pelo equi­valente nunca foi prestada pela sentença condenatória,.13 A sentença condenatória é apenas uma técnica^que contribui para a prestação da tutelado direito,. A tutela pelo equivalente monetário depende da execução,,15 Portanto, a tutela pelo equivalente jamais, em tempo algum, foi prestada pela sentença condenatória .56 E somente por

12 Idem,ibidemu “A antiga ação condenatória, única alternativa para quem desejava soma em dinheiro

até meados de 2006, apesar de responder ao conceito tradicional de ação, pois garantia uma sen­tença de mérito, nâo viabilizava, por si só, a tutela do direito material. Isto é suficiente para fazer ver a diferença abismai entre direito a uma sentença de mérito e direito à possibilidade de obtenção da tutela do direito material, o qual depende de um processo tecnicamente adequado e justo, capaz de espelhar o direito à pré-ordenação das técnicas processuais adequadas c o direito à partici­pação no procedimento, mediante a oportunidade dc alegações e produção dc provas, isto é, de convencimento do juiz Aliás, quando se pensa no conceito contemporâneo de direito de ação, a falta de sintonia entre condenação e ação obriga a afastar, de vez por todas, as nomenclaturas que ligavam o direito de ação às técnicas processuais, como as espécies de procedimentos - por exemplo, ação ordinár ia - e de sentenças - por exemplo, ação condenatória fazendo com que a ação passe a se relacionar com a sua única razão dc ser, isto é, com a tutela do direito material. Ou seja, a ação, quando voltada à obtenção da tutela ressarcitória pelo equivalente, é ressarcitória e nâo condenatória Ninguém que deseja ressarcimento pelo equivalente em dinheiro ou pagamento de obrigação pecuniária, deseja somente condenação, até porque essa ê apenas uma das técnicas processuais instituídaspara que seja possível a obtenção da tutela do direito Ao lado da co ndenação, estão p redis - postas, igualmente como técnicas processuais, a liquidação-através de suas diferentes espécies -e as várias modalidades executivas. O que a ação realmente almeja, portanto, é a tutela do direito, e assim, na hipótese referida, a tutela ressarcitória pelo equivalente ou a tutela do adimplemento da obrigação de pagar quantia" [Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Execução (Curso de Processo Civil, v. 3), p. 58].

14 Ver o volume 2 deste Curso de Processo Civil (Processo de Conhecimento), p, 430 e ss15 Sobre a importância da estruturação adequada da técnica processual pai a a efetividade

da tutela do crédito pecuniário, ver Benedito Pereira Filho, Repensando o processo de execução para uma maior efetividade da tutela do crédito pecuniário, Tese de doutorado, Universidade Federal do Paraná, Faculdade de Direito, 2002

16 Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio C ruz Are nhart, Execução {Curso de Processo Ctvil, v. 3), cit., p. 57 e ss

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26 TEORIA GERAL DATUTELA CAUTEL AR

este motivo, simples, mas nunca identificado pela doutrina, que o arresto não pode ser substituído pela condenação, devendo sobreviver até a execução e a conseqüente tutela do direito

Aliás, é preciso frisar que a tutela cautelar apenas poderia ser substituída pelas sentenças autossuficientes, ou seja, pelas sentenças declaratória e constitutiva, que, respectivamente, prestam as tutelas declaratória e constitutiva 17 As sentenças con­denatória, mandamental e executiva, porque dependem da execução para que a tutela jurisdicional do direito seja prestada,18 jamais poderão substituir a tutela cautelar.

Quer isto dizer que a tutela cautelar não se destina a resguardar o processo que culmina na condenação, mas sim a garantir a frutuosidade da tutela do direito material que depende da técnica condenatória

Sublinhe-se que, neste caso, a cautelar tutela o direito à tutela do direito e não simplesmente o direito material, ou a pretensão de direito material- Não o direito de crédito ou o poder de exigir o crédito, mas sim o direito à tutela do direito à prestação pecuniária.

E claro que, ao se tutelar a tutela do direito à prestação pecuniária, tutela-se, ainda que por conseqüência, o direito de crédito e a pretensão de direito material Porém, quem tem um direito cie crédito que ainda não pode ser exigido, ou já tem o poder de exigi-lo, somente pode temer a impossibilidade de obter a tutela do crédito e, assim, deve requerer tutela cautelar para assegurar a efetividade da tutela jurisdi­cional do direito,

O direito, em sua dimensão estática ou como realidade normativa, obviamente não interessa a quem pensa em termos de tutela dos direitos, O direito éuma situação juridicamente tutelada, assumindo relevância no instante em que é ameaçado delesão ou é violado, Quando o direito é violado e surge ao seu titular o direito à tutela deste direito, pode aparecer uma situação de perigo capaz de obstaculizar a sua efetividade. Neste momento, para assegurar o exercício dinâmico do direito, ou o modo pelo qual o direito se realiza ou é tutelado, ou seja, a tutela prometida ao próprio direito em sua dimensão estática, deve ser utilizada a tutela cautelar, que é a tutela de segurança da tutela jurisdicional do direito.,

Porém, há casos em que a ameaça não recai sobre a efetividade da tutela do direito material, mas sim sobre a própria situação tutelável. A tutela cautelar, então, deixa de assegurar a efetividade da tutela do direito material para assegurar a situação tutelável,

Luiz Guilherme Marinoni, Teoria Geraldo Processo (Curso de Processo Civil, v. 1), c it, p 260; Luiz Guilherme Marinoni c Sérgio Cruz Arenhart, Processo de Conhecimento {Curso de Processo Civil, v. 2), cit., p 430 e ss..

13 Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Execução {Curso de Processo Civil, v. 3), c it , p. 105 e ss

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CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DATUTEL A CAUTEL AR 27

Há certas tutelas que não dependem de um conteúdo que esteja desligado da decisão jurisdicional. São as tutelas declaratória e constitutiva, que se realizam com a mera prolação da sentença.. As sentenças declaratória e constitutiva, que prestam as tutelas que têm o mesmo nome, não dependem de execução, sendo ditas autossatis- fativas.Tais sentenças não exigem execução exatamente porque prestam tutelas que não têm conteúdos que devem ser buscados fora da decisão jurisdicional ,

Isso quer dizer que as tutelas declaratória e constitutiva, enquanto realidades normativas ou, mais precisamente, exclusivamente dependentes da norma juris­dicional, não são sensíveis ao perigo de dano O que pode correr risco de dano é a situação jurídica tutelável mediante a declaração e a constituição Enquanto as tu­telas declaratória e constitutiva não são prestadas, a situação à qual a ordem jurídica garante tais tutelas certamente pode exigir tutela cautelar, Porém, a tutela cautelar, nesta hipótese, não estará assegurando a efetividade da tutela do direito, mas sim a situação a que se pretende tuteiar através do processo principal

O perigo pode fazer surgir a necessidade de segurança da situação que se pre­tende ver declarada ou constituída, Isto pode ocorrer em face da ação declaratória positiva ou negativa, assim como da ação constitutiva positiva ou negativa.

De qualquer forma, há como reduzir estas duas “formas” da tutela cautelar- segurança da efetividade da tutela do direito e segurança da situação tutelável - a uma única faceta, uma vez que a cautelar, nestas duas hipóteses, acaba dando segu­rança ao direito à tutela do direito material

Note-se que situação tutelável não é o mesmo que situação acionável - ou capaz de ser afirmada através do exercício do direito de ação-, mas sim situação a que a ordem jurídica outorga tutela ou proteção.. Fala-se aqui, portanto, de situação materialmente tutelável., Contudo, tutela prometida pelo direito material e situação materialmente tutelável são aspectos de um mesmo fenômeno, que se expressa através do direito à tutela do direito material. Melhor explicando: o direito à tutela do direito material pode ser negado não apenas por uma tutela do direito inefetiva ou incompleta, mas também por danos provocados à parte enquanto a situação jurídica não é tutelada

Por outro lado, é importante esclarecer que o titular de um direito ameaçado de violação tem ao seu dispor a tutela inibitória e nâo a cautelar, A tutela do direito ameaçado de violação é a inibitória, cuja função é distinta da cautelar. A inibitória tutela o direito ameaçado, impedindo a sua violação, enquanto a cautelar assegura a tutela prometida ao direito violado ou para a hipótese de sua violação, ou assegura a situação jurídica tutelável mediante declaração ou constituição.

Ademais, além dc a tutela cautelar não se confundir com a tutela inibitória (preventiva), nem toda tutela urgente é tuteía cautelar. A tutela prestada no curso do processo, sob o signo da urgência, mas cuja substância é a mesma da tutela que se espera obter ao final do processo, constitui uma tutela antecipada, e não uma tutela dirigida a garantir a frutuosidade da tutela final, ou apenas a assegurar a situação jurídica tutelável.

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28 TEORIA GERAL DATUTELA CAUTELAR

1.3 Perigo de dano

A tutela cautelar supõe que a situação tutelável ou a tutela devida ao direito material estejam expostas a perigo.

E o que pode ocorrer, por exemplo, na ação de reivindicação de posse, caso o demandado passe a praticar atos de destruição do imóvel cuja posse é reivindicada. No caso, temendo o autor encontrar a coisa destruída, poderá requerer tutela cau- telar de seqüestro para que, em caso de reconhecimento do direito material, a tutela reivindicatória tenha efetividade, Nesta situação, o perigo de dano se liga à inefeti- vidade ou à inutilidade da tutela do direito almejada através da ação a ser proposta ou já em curso,.

Suponha-se, agora, uma ação voltada a declarar que os bens de uma sociedade, acima de determinado valor, não podem ser alienados sem a concordância de todos os sócios. O rumor, no seio da sociedade, de que dois de seus administradores estão em vias de alienar um bem, representa perigo de dano à situação juridka objeto da tutela declaratória, abrindo oportunidade à exigência de tutela de segurança do patrimônio social,Tal tutela de segurança poderia se expressar através de uma caução. Esta tutela não impediria a alienação do imóvel, mas garantiria o patrimônio social, obrigando a que, para a alienação, os administradores prestassem caução idônea .

O perigo de dano deve ser fundado em elementos objetivos, capazes de serem expostos de forma racional, e não em meras conjecturas de ordem subjetiva. Além disto, embora o perigo de dano faça surgir uma situação de urgência, tornando insuportável a demora do processo, não há razão para identificar perigo de dano compericulum in mora, como se ambos tivessem o mesmo significado. O perigo de dano faz surgir o perigo na demora do processo, existindo, ai, uma relação de causa e efeito.. Por isto mesmo, para se evidenciar a necessidade da tutela cautelar, não basta alegar í?? /í:;////777 in mora, sendo preciso demonstrar a existência da sua causa, ou seja, o perigo de dano,.19

1.4 Probabilidade do direito à tutela do direito material

Mas o perigo de dano não é suficiente quando a tutela do direito material não é provável ou verossímil,Trata-se da probabilidade relacionada à conhecida locução “fumaça do bom direito”, ou fiimus boni iurls,.

Para obter a tutela cautelar, o autor deve convencer o juiz de que a tutela do direito provavelmente lhe será concedida,20 A admissão de uma convicção de ve­

18 Não obstante, é comum se falar, por comodidade de linguagem, em periculum in morae cm “receio de ineficácia do provimento final” (art.. 461, CPC) para caracterizar a necessidade de tutela urgente..

20 Diz Juan José Monroy Palacios: “EI solteitante de la medida cautelar deberá demostrar aljuez que la pretensión principal-que se in tenta garantizar- tiene una posibilidad razonable de

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CONCEITO E CARACT ERÍSTICAS DA T UTELA CAUTELAR 29

rossimilhança, como suficiente à concessão da tutela cautelar, decorre do perigo de dano e da conseqüente situação de urgência, a impor solução e tutela jurisdicional imediatas.

A tutela cautelar é incompatível com o aprofundamento do contraditório e da convicção judicial, uma vez que estes demandam porção de tempo que impede a concessão da tutela de modo urgente.

Não obstante, a probabilidade da outorga da tutela do direito, além de ser um requisito da tutela cautelar-pois não pode haver menos do que verossimilhança”, não pode ser substituída pela sua evidência, já que também não pode haver uma situação que permita ao juiz formar convicção suficiente par a a concessão da própria tutela do direito ameaçada por dano Se a tutela do direito não depende da elucidação de fatos, ou se, para tanto, é desnecessária a produção de prova diversa da documental, o juiz, mais do que poder formar convicção de probabilidade ou de verossimilhança, está autorizado a formar convicção que lhe permite decidir sobre a oportunidade da concessão da própria tutela do direito.21

Fala-se que o juiz, ao formar convicção de verossimilhança, funda-se em uma cognição sumária, que é uma cognição menos aprofundada em sentido vertical, constituindo uma etapa do caminho do magistrado rumo à cognição exauriente da matéria fática envolvida no litígio.

O provimento jurisdicional baseado em cognição exauriente gar ante a realiza­ção plena do princípio do contraditório e, desta forma, aguarda o tempo necessário para que as partes apresentem alegações e produzam provas, Tal provimento não admite a postecipação da discussão do litígio e, por assim dizer, da busca da “verdade e da certeza”.

Por isto mesmo, o provimento íastreado em cognição exauriente, ao contrário daquele fundado em cognição sumária, tem potencial para produzir coisa julgada material.22 Ao emitir o provimento baseado em cognição sumária, o juiz nada declara sobre a tutela devida ao direito, limitando-se a afirmar a probabilidade da sua con­

ser declarada fundada al pronunciarse ia sentencia” ( Juan José Monroy Paiacios, Teoria cautelar, p. 170).

21 A ação cautelar tem como pressuposto ofumus boni iuris, ou seja, a aparência do bom direito Se existir mais do que fumus, por serem desnecessárias outras provas além daquelas trazidas aos autos com a petição inicial, inexiste situação de aparência, mas direito evidencido primafactt Em situações como esta, é desnecessária a ação cautelar e, muito menos, o processo de cognição exauriente que lhe deve seguir Isto evidencia a necessidade de se ter apenas medidas (sem processo) cautelares dentro de um procedimento abreviado, que bem pode ser o ordinário, com julgamento antecipado do mérito Ver Luiz Guilherme Marinoni, Tutela cautelar e tutela antecipatória, p.. 62-63.

~ Ver AndreaProtoPisani, Appuntisulla tuteiasommaria IProcessiSpeciali-Studiojférti a Virgilio Andrioh dai suai allievi, p 312

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30 T EORIA GERAL DATUTELA CAUTELAR

cessão, dc modo que, ao aprofundar a cognição, poderá chegar à conclusão de que a tutela do direito que havia sido suposta como provável não deve ser concedida.

1.5 Temporariedade

A tutela cautelar, na concepção da doutrina clássica,sempre foi ligada à decisão definitiva sobre o mérito, ou seja, à sentença. Daí a provisoriedade, apontada por esta doutrina como característica da tutela cautelar.,23

Nesta concepção doutrinária, a tutela cautelar é destinada a dar segurança ao processo e, mais precisamente, à sentença de mérito., Na verdade, uma vez proferida a sentença, desapareceria, por conseqüência lógica, a razão de ser da tutela cautelar.

Acontece que, conforme já demonstrado, a tutela cautelar é um direito da parte e um dever do Estado, destinando-se a dar segurança à tutela do direito material, para a qual a sentença não é bastante Lembre-se, por exemplo, que a tutela ressarcitória pelo equivalente não é prestada pela sentença condenatória, dependendo de meios de execução idôneos

A tutela cautelar não encontra limite no trânsito em julgado da sentença de procedência, mas sim no trânsito em julgado da sentença de ímprocedência.. No caso de sentença de procedência, como a tutela do direito ainda depende da execução, a cautelar deve manter-se efetiva até a utilização dos meios executivos..

Ademais, embora boa parte da doutrina entenda ser contrária à lógica a ma­nutenção da tutela cautelar em caso de sentença de Ímprocedência, não há razão para não admitir que o juiz possa mantê-la eficaz em casos excepcionais para garantir a efetividade da tutela do direito 2'1

25 “I prowedimenti cauteiari sono dcstinnti a durare per um tempo límitato., Infatti quando il processo principale giunge a conclusione, vienc meno il problema stesso percuí furono concesso: o il diritto è stato riconosciuto esistente, e potrà ricevere piena soddisfa2Íone; oppure è stato dichiarato inesistente e la misura cauteiare dovrà essere revocata" (Enrico TuSlio Liebman, Manuah di diritto processuale cívile, v. 1, p. 93)

24 Veja-se, neste sentido, a posição de Ovídio Baptista da Silva: “Não se leva em conside­ração a circunstância de que a revogação prematura do provimento liminar, ou mesmo da medida cautelar concedida cm sentença final cautelar, deixará o direito Ütigioso sem qualquer proteção assegurativa durante a tramitação dos recursos, em muitos casos extremamente demorada, de tal modo que a reforma da sentença, nos graus superiores de jurisdição, poderia deparar-sc com uma situação de prejuízo irremediável ao direito somente agora reconhecido cm grau de recur­so Para que situações desta espécie sejam evitadas, recomenda-se que o magistrado - sensível às circunstâncias especiais do caso concreto - disponha, em sua sentença contrária à parte que obtivera a provisional, que esta medida liminar, não obstante a natureza do julgamento posterior divergente, conserve-se eficaz aré o trânsito em julgado da sentença a ser proferida no juízo do recurso Esta parece ser a tendência contemporânea da doutrina italiana (. .)” (Ovídio Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, v 3, c it , p 124)

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CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DATUTEL A CAUTEL AR 31

Note-se que não há contradição entre a declaração da inexistência do direito e a necessidade da manutenção da tutela cautelar A declaração da inexistência do direito não elimina o perigo de dano, já que o que vale, em caso de recurso, é o julga­mento do tribunal, ou seja, a cognição definitiva.. Não há como negar que a revogação da tutela, em caso de sentença de ímprocedência, abre oportunidade para um dano na pendência do recurso.. Como é óbvio, caso o tribunal reforme a sentença que im­plicou a revogação da tutela cautelar, e no período entre a sentença e o julgamento do tribunal ocorra dano, a tutela jurisdicional do direito a ser entregue ao autor terá sido mutilada.

Contudo, além de a tutela cautelar poder sobreviver à sentença de procedência transitada em julgado e à sentença de ímprocedência objeto de recurso de apelação, deve ser revogada quando desaparecer a situação de perigo de dano que legitimou a sua concessão., Isto quer dizer que a tutela cautelar não apenas pode ter vida mais longa do que a fase de conhecimento, como ainda pode vir a desaparecer sem que se chegue à sentença.25

O juiz deve revogar a tutela cautelar, aates de chegar ao momento de proferir a sentença, não apenas quando surgir um fato novo capaz de lhe permitir a forma­ção de nova convicção sobre o direito à tutela ou a respeito do perigo de dano, mas também quando surgir nova prova, derivada do prosseguimento do debate em torno do litígio.

Como já foi díto, ao decidir com base em cognição sumária, o juiz não declara a existência ou a inexistência do direito à tutela; o juízo sumário é de mera probabi­lidade., Ao decidir pela tutela cautelar, o juiz aceita, implicitamente, a possibilidade de chegar a diversa convicção no curso do processo,

Assim, quando se está diante de decisão que concede tutela cautelar, quebra-se o princípio de que não é possível decidir a mesma questão duas vezes., Tratando-se de decisão fundada em cognição sumária, a viabilidade de se voltar a decidir é con­seqüência da circunstância de que a convicção judicial pode naturalmente se alter ar no curso do processo., Aprímeira decisão, por ter sido tomada com base em cognição que se aprofundou, é logicamente sujeita a revisão, pouco importando se os fatos não se alteraram, mas apenas novas provas foram produzidas.

Aliás, ao desaparecer o fundamento da tutela cautelar, a sua revogação imediata não só é conseqüência da aplicação da regra de que o réu não pode ser submetido a gravame despropositado, ou ter a sua esfera jurídica restringida por um meio que não tenha idoneidade para proteger o autor,26 como ainda da circunstância de que a tutela

25 VerDonaldo Arme li n, A tu tela jurisdicional cautelar Revista da Procuradoria Geraldo Estado de São Paulo, v 23, p 123..

*6 Aplica-se, aí, a regra da necessidade Lembre-se que a regra da menor restrição possível, ao lado da regra do meio idôneo, dá conteúdo à regra da necessidade-que é uma das sub-regras que expressam a regra da proporcionalidade No processo civil, a regra da necessidade quer significar

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32 TEORIA GERAL DATU T ELA CAUTELAR

cautelar é lastreada em verossimilhança, constituindo uma tutela jurisdicional que limita o direito de defesa para permitir a efetividade do direito de ação..

Tudo isto demonstra que a eficácia da tutela cautelar se liga ao perigo de dano, tendo com ele uma relação de temporariedade, e não com a sentença de mérito, com a qual teria uma relação de provisoriedade11

1.6 Não satisfatividade

Ovidio Baptista da Silva, referindo-se a lição de Cristofolini, adverte que este processuaiista italiano mostrou que as provisionais, ao anteciparem a eficácia do provimento final de acolhimento da demanda, em verdade realizam plenamente o direito posto em causa, ainda que sob forma provisória, ao passo que as medidas propriamente cautelares - enquanto tutela apenas de segurança - se limitam a “as­segurar a possibilidade de realização” para o caso de vir a sentença final a reconhecer a procedência da pretensão assegurada,28

Esta lição é imprescindível para a compreensão da tutela cautelar. Caso todas as tutelas que se fundam em perigo e, por isto mesmo, são lastreadas em cognição sumária, pudessem ser definidas como cautelares, não haveria como diferenciar, nas palavras de Satta e Verde, o “provimento urgente” da “urgência do provimento”,29

A distinção entre “prowedimento urgente” e “urgenza di prowedimento" já havia sido revelada, embora em outras palavras, por Pontes de Miranda. Pontes distinguiu, em seus Comentários ao Código de Processo Civil de 1939,30 o arresto segu­rança para execução (cautelar) e o arresto execução para segurança. Na execução por quantia certa, “o oficial de justiça, não encontrando o devedor, arrestar-lhe-á tantos bens quantos bastem para garantir a execução” (art. 65 3, CPC)., Este arresto é um ato da execução, Ele substitui apenhora, como ato integrante do procedimento destinado

que o autor tem o direito de utilizar o meio idôneo à tutela do direito material, mas este meio, para ser empregado de modo legitimo, deve ser o que traz a menor restrição possível ao réu Vero volume 1 deste Curso de Processo Civil (Teoria Geral do Processo), cit,, p. 87-88; p. 124; p,. 297 e ss,

27 E oportuno pinçar, na obra de Lopes da Costa, passagem bastante didática para a compreensão desta questão: “O temporário se define em absoluto, apenas em face do tempo; provisório, além do tempo, exige a previsão de outra cousa em que se sub~rogue Os andaimes da construção são temporários. Ficam apenas até que se acabe o trabalho no exterior do prédio. São, porém, definitivos no sentido de que nada virá substituí-los. Já, entretanto, a barraca onde o desbravador dos sertões acampa, até melhor habitação, não é apenas temporária, é provisória também" (Alfredo Araújo Lopes da Costa,Medidas preventivas—Medidaspreparatórias-Medidas de conservação, p. 10),

28 O vídio Bap tis ta da Silva, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 11, cit., p 66.29 Salvatore Satta, Proveddimenti d’urgenza e urgenza di prowedimenti Soliloqui e

colloqui di ungiurista, p. 392 e ss ; Gíovanní Verde, Considerazioni sul prowedimento d'urgenza Iprocessi spedali - Studi offerti a Virgilio Andrioli dai suoi allievi, p.. 420 e ss,

20 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 8.

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CONCEIT O E CARACTERÍSTICAS DAT UTELA CAUTELAR 33

à satisfação do direito, em razão de o oficial de justiça não ter encontrado o devedor- arres to-execução para segurança .Tal arresto, como ato da própria execução, difere do arresto cautelar, que se dirige apenas a assegurar a execução ou a tutela do crédito

A par tir da distinção entre o arresto cautelar e o arresto-execução pat a seguran­ça, Pontes de Miranda elaborou os conceitos de “segurança da execução” e “execução para segurança”, os quais permitiram a Ovidio Baptista da Silva concluir que,“quando se antecipa execução, satisfaz-se por antecipação, atende-se, desde logo, a pretensão, o que significa mais do que dar-lhe simples proteção cautelar".31

A não distinção entre tutela satísfativa de cognição sumária e tutela cautelar ad­vêm do princípio da nulla exetutiosine título (não há execução sem título), que eliminava a possibilidade de a doutrina entender que a tutela que satisfaz o direito - realizando-o concretamente no plano dos fatos-, com base em cognição sumária, c tutela satísfativa, ou admite execução para a realização do direito ou para a tutela do direito antecipada,

Calamandrei, tomando em consideração o principio da nulla executio une titulo afirmou que o único “critério seguro para distinguir la ejecución satisfactiva de la ejecución cautelar es el de determinar, en aceptación dei principio dei art. 553, n lotados ejecutivospreceden o síguen a la declaraciôn de certeza (attn sumaria) dei derecbo a sathfacei”, en todos los casos en los que se ve que la ejecución precede a esta declara~ ciân, estamos frente a una ejecución cautelar, la cual no se distingue de la satisfáctiva por la diversidad de los medios ejecutivos (la ejecución cautelar consiste siempre en un ejercicio antídpado, total o parcial, de los mismos medios de los que se sirve la ejecución sadsfacdva) sino unicamente en virtud de que estos medios se ponen en funcionamiento no para satisfacer un derechoya declarado (en via ordinaria o via su­maria), sino para satisfacer un derecho que, en vía de hipótesis, se supone quepuede llegar a ser declarado en una fase procesal ulterior' 33

O critério que serve à conclusão de que a execução anterior à sentença é tutela cautelar também permite supor que a execução provisória da sentença é igualmente tutela cautelar. Note-se que Cario Furno, na sua monografia sobre a sospensione dei processo esecutivo, incidiu em tal equívoco, ao concluir que a suspensão do processo

-11 Ovídio Baptista da Silva, Comentários ao Código de Processo Civil, v 11, cit., p 67.52 “Por el contrario, la imposibilidad de recurrír directamente a la via ejccutiva y la ne-

cesidad consiguiente dc obtcner un título ejecutívo judicial mediante un proceso de cognición se expücan facilmente por !a existencía de una situación jurídica sustancial caracterizada por el elemento de la íncertidumbre. En este segundo supuesto, dada la necesidad previa dc eliminar la incerddumbre sobre Ia situactón jurídica sustancial, la acción no puede ser ejercitada más que en vía declarativa, a fin de que ei antecedente lógico-jurídico de !a ejecución, que es Ia aptitud de la acción para ser ejercitada in executivis, encuentre su base en el acertamiento y su realización en la creación dei título que condiciona la iniciación de la via ejecutiva" (Cario Furno, Teoria de la prueba legal, p. 190).

33 Piero Calamandrei, La sentencia declarativa de quíebra. Apêndice n. 2 à Introduuión alestúdio sistemático de lasprovidencias cautelares, cit.., p. 204-205.

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34 TEORIA GERAL- DATUTELA CAUTELAR

executivo e a execução provisória da sentença possuem natureza cautelar, sendo a primeira voltada a resguardar o devedor e a segunda o credor.3'1 Porém, como bem soube demonstrar Adolfo Perez Gordo, enquanto “a medida cautelar não pode ter uma extensão maior do que a de mera garantia ou de segurança de uma sentença hipotética e futura, a execução provisória, além de permitir a invasão da esfera jurídica do executado, pode levar à própria satisfação do exequente” 35

Na realidade, quem atribui à tutela satisfativa, prestada com base em cognição sumária, a qualidade de cautelar, não só é obrigado a também considerar cautelar a execução provisótia da sentença, como ainda é forçado a admitir a cautelaridade da tutela sumária que pode ser prestada com base no art, 273, II (abuso de defesa), do CPC Jsto porque o que impede a doutrina de admitir a natureza executiva da tutela satisfativa sumária é a cognição não definitiva - ou a provisoriedade-, e não o simples requisito do perigo. Pior seria, de fato, se fosse o perigo que estivesse a definir o que é cautelar, pois, nesta hipótese, somente a execução provisória da sentença contra o pcrkolo ndntardo passaria a constituir tutela do tipo cautelar., Como escreve Ovídio Baptista da Silva, "o equívoco que se esconde nessa doutrina é tão primário que não evita esta óbvia e insuperável contradição: legitima-se a execução provisória sempre que houver necessidade de acelerar (antecipar) a tutela jurisdicional; se, no entanto, essa aceleração for demasiadamente intensa, então a execução provisória desaparece, para dar lugar à tutela cautelar, de tal modo que o mesmo princípio que fundara seu cabimento passa a ser responsável peia sua extinção!”.36

O legislador, ao estabelecer hipóteses específicas de execução provisória, tem por objetivo permitir, em função de particulares situações de direito substancial, a aceleração da satisfação do direito Assim, se o art 27,3 admite, em vista de “receio de dano irreparável ou de difícil reparação”, a antecipação da tutela final, é um grosso equívoco lógico imaginar que a antecipação da satisfação do direito constitui tutela cautelar, Ora, não é porque a aceleração da satisfação do direito decorre da existência dc um “receio de dano” que a tutela deixará de ser satisfativa para se transformar em cautelar,37

“E poichè allíi clausola di prowisoria esecutorietà è stata da tempo, autorcvolmen- te, riconosciuta funzione cautelare, analoga funzíone deve pure riconoscersi alia sospensione delfesecuzione’' (Cario Furno, La sospensione deiprocesso esecutiva, p 55)

1,5 "Así, tal y como ya se deduce de lo expuesto, mientras que la naturaleza y función dc la ejecución provisional cs la propia de la ejecución ordinaria, es decir, esencialmente satisfactiva para el ejecutante dentro de los limites de la ejecución misma, la naturaleza de h medida cautelar es simplcmente de tutela, de aseguramiento o garantia, no pudiendo llegarse en ia adopción de la misma hasta penetrar en ia propia esfera jurídica dei perjudicado por la medida, a través de institutos tales como el embargo y la enajenación forzosa" (Adolfo Perez Gordo, La ejecución provisional en elproceso civil, p . 42).

36 Ovídio Baptista da Silva, Teoria de la acción cautelar, p. 79.37 Pequena parte da doutrina, porém, continua afirmando não existir qualquer identidade

entre a execução provisória da sentença e a tutela antecipatória. José Roberto dos Santos Bedaque,

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CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DATUTELA CAUTELAR 35

Admitir a execução provisória contra o periculum in mora\ limitá-la a algumas situações; admitir a execução provisória da sentença em todos os casos; restringir, ou não, a execução da sentença na pendência da apelação à prática de apenas alguns atos executi­vos: tudo isto éuma questão depolítica legislativa. Lembre-se, aliás, que a atual redação do art. 282 do Código de Processo Civil italiano (que regula a execução provisória) passou a viabilizar, a partir de 1992, a plena execução do direito declarado em toda e qualquer sentença objeto de recurso ao tribunal, dispensando o requisito ào periculum in mora.

Porém, se é possível executar a sentença, objeto de recurso, em razão de periculum in mora, não há diferença entre esta modalidade de execução e a tutela antecipatória contra o periculum in mora, que pode, inclusive, ser prestada após ter sido proferida a sentença de primeiro grau.

Como é óbvio, não é possível aceitar que a execução provisória contra o p e­riculum in mora perca a sua natureza de execução satisfativa, transformando-se em execução cautelar, simplesmente pelo fato de que é anterior ao trânsito em julgado da sentença.

Na verdade, concluir que a tutela anterior ao trânsito em julgado não con fere satisfação digna de consideração jurídica, e supor que a satisfação jurídica apenas pode ser encontrada quando da formação da coisa julgada material, é não perceber a superação da relação entre “tutela do direito” e coisa julgada material, e caminhar no sentido contrário ao pensamento da doutrina, que está preocupada com a efetividade da tutela dos direitos.3’5

Nesta dimensão, aliás, torna-se importante recordar o que disse Vittorio Denti, sabidamente um dos maiores pensadores do processo civil contemporâneo: “Talvez a propensão, acentuada nos últimos anos, a repensara funçãojurisdicional em termos de 'tutela dos direitos mais do que em um quadro meramenteprocessual\ possa enriquecer com novas perspectivas a nossa pesquisa, e conferir uma colocação adequada às exigências de tutelas que emergem com o desenvolver da sociedade contemporânea”.39

por exemplo, afirma o seguinte:"( ) a execução provisória resultado mera escolha legislativa, sem possibilidade dc qualquer avaliação do juiz sobre sua conveniência c necessidade (. ) Pensa-sc (‘no que diz respeito à execução provisória') tão somente na eficácia imediata da sentença ainda sujeita a recurso, o que se deve a mera opção político-legislativa, e na conveniência de nâo permi­tir que eia gere efeitos no plano material enquanto não sc tomar definitiva. O periculum in mora constitui valor completamente estranho a esse mecanismo processual” (José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela cautelar e tutela antecipada tutelas sumárias e de urgência, p 396 Com o devido respeito,as conclusões do ilustre processualista cuja lição acabamos de reproduzir não tomam em consideração três pontos essenciais: i) pode haver execução provisória contra o periculum in mora (e esta foi consagrada em vários ordenamentos jurídicos estrangeiros, inclusive no antigo art 282 do CPC italiano); ii) ao sc admitir execução provisória contra o periculum in mora, confere-se ao juiz oportunidade para “avaliar sobre sua conveniência e necessidade"; iü) a execução provisória pode permitir a integral satisfação do direito, e não apenas a prática de alguns atos executivos

M Luiz Guilherme Marinoni,/jntecipação da tutela, p 135 e ss y) Vittorio Denti, In ter vento, La tutela d'urgenza, p 171

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36 TEORIA GERAL DATUTELA CAU T ELAR

Como está claro, a circunstância de a tutela sei fundada em perigo e baseada em cognição sumária não é suficiente paia caracterizá-la como cautelar, Para se definir a natureza da tutela lastreada em cognição sumária e perigo é necessário investigar a sua fimção, que pode ser satisfativa ou de segurança. Apenas a última possui natureza cautelar; a primeira constitui tutela antecipatória. De modo que a “não satisfatividade” é outro requisito da tutela cautelar.

1.7 Instrumentalidade

A tutela cautelar é caracterizada pela instrumentalidade, mas em um sentido bastante diferente daquele que lhe foi atribuído pela doutrina clássica,.1,0 A tutela cautelar não é um instrumento do instrumento, ou seja, um instrumento do proces­so que presta a tutela jurisdicional do direito, satisfazendo ou realizando o direito material,

A tutela cautelar é um instrumento vocacionado a dar segurança à tutela do direito desejada, ou que pode vir a ser ambicionada, no processo principal. Exempli­ficando: o arresto não é instrumento do processo, mas sim instrumento destinado a garantir a frutuosidade da tutela ressarcitória pelo equivalente.

E neste sentido que deve ser compreendida a regra do art. 796 do Código de Processo Civil, que assim reza: “O procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente”. Quando se diz que o procedimento cautelar pode sei antecedente ou incidente ao processo pr incipal, nâo se afirma, em momento algum, que o processo cautelar é instrumento do processo principal. Porém, se a tutela cautelar é instrumento da tutela do direito, é certo que a ação para se obter a tutela cautelar pode ser instaurada antes ou no curso da ação principal,

Mas a dificuldade ainda estaria na parte final da norma, que fala que a ação cautelar é “sempre dependente” da ação pr incipal, Contudo, quando se presta mais atenção no tema da tutela cautelar, percebe-se facilmente que o legislador quis dizer que a ação cautelar é dependente da ação principal apenas em regra. Até porque a norma não precisa se preocupar com eventuais exceções para passar a sua mensagem. Não é porque a tutela cautelar é instrumento da tutela do direito, e, assim, a ação cautelar e?n regra depende de uma ação principal, que não pode existir situação em que, ainda que a tutela cautelar apareça como instr umento da tutela do direito, a ação cautelar seja autônoma, como ocorre na hipótese de ação cautelar de caução de dano infecto,.

•10 Na teoria de Calamandrei, nas providências cautelares “se encontra uma instrumenta­lidade qualificada, ou seja elevada,por assim dizer, ao quadrado; são, com efeito, indubitavelmente, um meio predisposto para o melhor êxito da providência definitiva, que, por sua vez, é um meio para a atuação do direito; isto e, são, em relação à finalidade última da função jurisdicional, ins­trumento do instrumento" (Pie ro Calamandrei, Introducción alestúdio sistemático de lasprovidencias cautelares,cit.,p 45). '

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CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DAT UTELA CAUTELAR 37

De qualquer forma, o fato de a tutela cautelar se destinar a dar segurança à efe­tividade da tutela do direito não significa que eia esteja vinculada ao reconhecimento do direito material a ser tutelado. A segurança é prestada para a eventualidade do reconhecimento do direito material e, desta forma, para garantir que, na hipótese de procedência do pedido, a tutela do direito possa ser útil e efetiva. Basta lembrar que a tutela cautelar requer a probabilidade do direito à tutela ambicionada no processo principal e, portanto, aceita naturalmente a possibilidade de formação de convicção ulterior diversa acerca do direito material.

1.8 Referibilidade

Na tutela cautelar' há sempre referibilidade a uma situação substancial acautela­da. Inexistindo referibilidade, nâo há direito acautelado, mas sim tutela satisfativa.

Kazuo Watanabe, em importante livro sobre a cognição no processo civil, afirma que a ideia de referibilidade também está presente em grande número de ações de conhecimento, que são consideradas satisfativas, em contr aposição às ações cautelares, que são meramente assegurativas. Diz Watanabe: “quando alguém propõe uma ação de conhecimento exigindo o cumprimento de uma cláusula contratual, a pretensão mater ial afirmada na inicial está referida a uma relação jurídica mais ampla, sendo que a ‘ideia de transitividade’ está presente e poderá sei bastante intensa na medida em que for importante a cláusula”. Argumenta Watanabe que a “referibilidade, porém, é no plano do direito material e para o processo vem apenas em termos de causa de pedir remota” ^

Segundo o professor da USP, “o mesmo fenômeno, somente com diferenças acidentais que não afetam sua essência", ocorre na ação cautelar: “as diferenças dizem com a intensidade desta referibilidade (comparem-se, por exemplo, a ‘refer ibilidade’ existente no arresto com a do seqüestro, ambos induvidosamente ações cautelares) e com as circunstâncias que envolvem a pretensão cautelar, necessariamente referida a uma situação perigosa”. Watanabe prossegue em seu discurso afirmando que, “em termos de objeto da cognição principal do juiz, vale dizer, do mérito da ação cautelar, do objeto Ütigioso, o elemento que desponta, além da‘situação perigosa’, é o direito ou a pretensão material à cautela afirmada na inicial, e é em relação a ela que se formula o pedido de tutela cautelar. A relação jurídica mais ampla em que, eventualmente, a pretensão deduzida se posiciona, virá ao processo apenas como causa de pedir remo­ta. A cognição sumária não diz respeito apenas a essa causa de pedir remota, e sim principalmente ao próprio direito substancial de cautela afirmado”.42

Watanabe, então, elege a referibilidade para a determinação da dispensabilidade da ação principal. De acordo com ele, quando não for possível a visualização de uma

*1 Kazuo Wa tanabe, Da cognição no processo c ivif, p 10442 Idem.p 105.

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38 TEORIA GERAL DATUTELA CAUTELAR

“referibilidade” a um direito acautelado, a ação cautelar dispensará a propositura da ação principal.',;1

Porém, mesmo uns raras ações cautelares que dispensam apropositura da ação principal, como a caução, está presente a nota da referibilidade Ou seja, ao contrário do que sustenta Watanabe, não há tutela cautelar que possa deixar de fazer referência a uma situação substancial tutelável A circunstância de a tutela jurisdicional ainda não poder ser exigida em certos casos, como acontece com a caução voltada a garantir a tutela ressarcitória para a hipótese de ser praticado dano, não significa que a ação cautelar, ao dispensar a propositura da ação principal no prazo de trinta dias (conforme a exigência do art 806 do CPC), deixe de fazer referência a uma situação substancial tutelável- Para ser mais claro: a ação cautelar1 deve necessariamente fazer referência a uma situação tutelável acautelada, embora possa, em situações excepcionais, dispensar a propositura da ação principal.

D e modo que a dispcnsabtlidade da ação principal, ao contrário do que se poderia pensar, não éuma conseqüência da ausência de referibilidade Como também não é, conforme se viu no item antecedente, conseqüência da falta de instrumentalidade, uma vez que esta diz respeito à tutela do direito

O conceito de referibilidade advém da ideia de ligação assegurativa da tutela cautelar à tutela do direito M Na ação ressarcitória, por exemplo, não há qualquer referibilidade a alguma situação acautelada ou, ainda, nenhuma referibilidade da tutela ressarcitória a outra situação substancial, Não obstante, quando se concede o arresto como medida preparatória ou incidente em relação à tutela ressarcitória, torna-se evidente a existência da tutela cautelar que lhe dá segurança.

A falta de referibilidade é evidência da existência de satísfativídade e, assim, de ausência de cautelaridade.

1.9 Cautelaridade e não preventividade

A tutela cautelar sempre está referida a uma provável tutela já requerida ou que poderá vir a ser solicitada através da ação principal Por isto mesmo, como já visto, a tutela cautelar é dita não satisfativa, uma vez que se destina apenas a assegu­rara tutela jurisdicional do direito, não sendo capaz de prestá-la ou de satisfazer ou realizar o direito.

A mais importante das tutelas jurisdicionais a sei viço da integridade do direito material - ditas tutelas específicas - é a tutela inibitória, destinada a proteger o di­reito contr a a possibilidade da sua violação., Para ser mais preciso, a tutela inibitória é voltada a impedir a prática de ato contrário ao direito, assim como a sua repetição, ou, aincla, continuação,'15

,:i Idcm, ibidem.^ Ovídio Baptista da Silva, A ação cautelar inominada no direito brasileiro, c it, p 6745 Ver L uiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória

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CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DA TUTELA CAUTELAR 39

Em outras palavras, a inibitória constitui a tutela do direito ameaçado de violação Tal tutela, como é óbvio, é preventiva.. Porém, a tutela que inibe a agressão do direito ou previne a sua violação nada tem a ver com a tutela cautelar, não obs­tante a falta de percepção de que a tutela que assegur a está muito longe da tutela que previne.

A doutrina antiga não atinava a tal distinção porque sequei concebia uma tutela destinada a impedir a violação do direito. A tutela inibitória passou a sei vista como necessária a partir do surgimento das novas situações de direito substancial, Porém, como foi admitida, em princípio, através da via processual reservada à tutela cautelar, surgiu na doutrina uma falsa assimilação entre segurança e prevenção

A inibitória é a tutela do direito ameaçado de violação, assim como a ressar­citória é a tutela do direito que sofreu dano- Da mesma forma que a ressarcitória é a única tutela contra o dano, a inibitóriaé a tutela exclusiva contra a ameaça de violação do direito.

Se a cautelar serve para assegurar a tutela do direito, para prevenir a violação do direito não é necessária uma tutela de segurança, mas apenas a tutela devida ao direito ameaçado de violação, ou seja, a tutela inibitória

Toda tutela inibitória ou destinada a impedir a violação do direito não é tutela de segurança de uma outra tutela, Apenas a tutela de outra tutela, ou melhor, somente a tutela de segurança de outia tutela - por esta razão caracterizada pela instrumen­talidade é uma tutela cautelar.,

Deixando-se de lado as tutelas declaratória e constitutiva, a tutela cautelar supõe a ameaça de dano à tutela repressiva, ou seja, a uma tutela poster ior à violação. Adolfo dí Majo, em profundo estudo sobre as tutelas dos direitos, deixa claro que a tutela cautelar não foi idealizada para exercer função pr eventiva Segundo o eminente civilista italiano, para requerer a tutela cautelar não é suficiente sequer afirmara ocor­rência de violação do direito, sendo necessário demonstrar, além disto, que a violação, com o transcorrer do tempo, provocará um prejuízo iminente e irreparável,46

Realmente, a tutela cautelar não foi pensada para exexcer função preven tiva ou capaz de impedir a violação do direito, O direito liberal clássico - onde o processo civil que ainda repercute sobre nós foi elaborado além de eminentemente patrimonialis- ta, era preocupado com a rígida delimitação dos poderes de interferência do Estado na esfera jurídica dos particulares. Por esta razão, aí não houve preocupação com a tutela genuinamente preventiva (inibitória) e as sentenças não foram moldadas para propiciá-la, uma vez que, para tanto, o juiz deveria contar com o poder de constran­ger a vontade do demandado a um não fazer, o que, segundo a concepção reinante à época, constituiria um atentado contra a liberdade. Ora, quando a tutela do processo de conhecimento não é ou pode ser preventiva, a tutela que lhe é instrumental, por lógica, evidentemente não pode ser preventiva. Na verdade, caso se atribuísse natureza

46 Adolfo di Majo, La tutela civile det diritii, p. 144

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40 TEORIA GERAL DATUTELA CAUTELAR

pr eventiva à tutela cautelar, estar-se-ia negando os valores que inspir aram o processo civil liberal e a própria proibição de a jurisdição exercer função preventiva 47

Para se demonstrar o equívoco da confusão entre cautelaridadee preventividade, é importante tomar em conta o instituto da condenação para o futuro.48 A condena­ção para o futuro constitui uma condenação anterior à violação do direito» Trata-se de uma exceção à regra de que a condenação é condicionada à violação do direito. A condenação para o futuro cria antecipadamente o título executivo, mas pressupõe que a execução apenas será implementada em caso de violação ou inadimplemento*49

O art. 290 do Código de Processo Civil afirma que, “quando a obrigação consistir em prestações periódicas, considerar-se-ão elas incluídas no pedido, inde­pendentemente de declaração expressa do autor; se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las, a sentença as incluir á na condenação, enquanto dum a obrigação"50 Isto significa que o credor pode obter uma condenação que diga respeito não só às prestações que se vencerem depois do ajuizamento da ação, ou seja, no curso do processo, mas também àquelas que vencerem posteriormente ao trânsito em julgado da sentença condenatória. Neste caso, há um inadimplemento em ato e a condenação abar ca as prestações futuras, em relação às quais ainda não há qualquer inadimplemento Como agudamente percebeu Pontes de Miranda, “não precisa o autor vencedor no litígio intentar ação para haver a condenação no que se vai vencendo”,, O autor apenas necessita requerer a execução da sentença, que vai aparecendo como necessária à medida que as prestações se vencem, até que se vença a última prestação vincenda, A condenação foi quanto ao vencido e ao vincendo, A executabilidade é que depende de que se vençam as prestações,31

Argumenta-se, em favor da condenação para o futuro, que é preciso evitar a multiplicação de ações para cobrar aquilo que é devido periodicamente e, ainda, que a constituição antecipada do titulo executivo serve para evitar que apropria efetivi­

47 Luiz Guilherme Marinoni, Técnica processuale tutela cios direitos, p 51 e ss'IH Sobre a condenação para o futuro, ver o volume 2 deste Curso de Processo Civil (Processo

de Conhecimento), cit., p. 81 e ssAndrea Proto Pisam, Lezioni di diritto processuale avile, p. 185

5(1 A hipótese é semelhante à do art 644, primeira parte, do CPC italiano, a qual, segundo Proto Pisani,“in ipotesidi sfrattoper morosità, consente algiudiceadito di pronuncíare‘decreto d’ingiunzionc per 1’ammontare dei canoni scaduti e da scadere fino aüesecuzione dello sfratto': anche in questo caso la condanna è richiesta per crediti futuri ( ..)”(Andrea Preto Pisani,Z-ízio?» di diritto processuale civtlt, cit., p. 184) No direito italiano - entre outros casos de condenação para o futuro o art, 657 do CPC permite que o locador obtenha, antes do término do contrato, um título executivo que lhe permita executar imediatamente o despejo logo depois do término do prazo contratual. Ver Renata Paolini, Note sulla condanna in futuro, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, p 511 e ss.

51 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código di Processo Civil, v.4 , p 6 2

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CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DATUTELA CAUTELAR 41

dade da tutela jurisdicional seja frustrada, em razão do longo espaço de tempo que, na generalidade dos casos, está presente entre o momento do inadimplemento e o da real e concreta satisfação do direito,52

Chíovenda, ao tratar da condenação para o futuro, afirmou que suas principais vantagens estariam: i) “na necessidade de prevenir o dano que decorreria da falta de um título executório no momento em que a prestação será devida” e ií) “na conveniência de evitar processos reiterados para conseguir o que é devido periodicamente (quota de aluguel, de alimentos, de juros, de rendas), uma vez que haja razão para supor que esses processos se tornariam, de qualquer forma, necessár ios: como quando o devedor se mostra moroso no pagamento de algumas quotas”.53

Chiovenda inseriu a condenação para o futuro entre os “processos preventi­vos”.54 Em um de seus mais importantes trabalhos, encontra-se a afirmação de que “uma prática que remonta à doutrina italiana medieval (in Mancini, Comm, II, n. 99 seg.; Weismann,Feststellungsklage, p. 99 seg.) admite os juízos preventivos, nos quais, por razões especiais, previne-se o dano que derivaria ou da inútil repetição de ações sucessivas, ou mesmo da falta de um título executivo no momento do vencimento da obrigação". 55

Porém, o real problema é que esta afirmação de Chiovenda acabou sendo absorvida e potencializada pela doutrinapôs-chiovendiana, especialmente pela doutrina de Cala­mandrei sobre tutela cautelar. Calamandrei, embora não tenha incluído a condenação para o futuro entre as providências cautelares, ao diferenciai a tutela cautelar da tutela preventiva acabou concluindo que a condenação para o futuro constitui o “caso mais notório” de tutela preventiva, Eis a sua lição: “En ciertos casos, también nuestro sistema pxocesal admite que ei interés suficiente para invocar la tutela jurisdiccional pueda surgir, antes de que el derecho haya sido efectivamente lesionado, por el solo hecho de que la lesión se anuncie como próxima o posible: en estos casos, la tutela jurisdiccional, en lugar de funcionar con la finalidad de eliminar aposteriori el dano producido por la lesión de un derecho, funciona apriori con la finalidad de evitar el dano que podría derivar de la lesión de un derecho de ia que existe la amenaza todavia no realizada,. Se habla, en estos casos, en contrapoúciôn a la tutela sucesiva o represiva} de tu tela jurisdiccionalpreventiva, enlacualel interés en obrar surge no dei dano sino dei peligro de un dano jurídico: el caso más notorio de este tipo d ej autospreventivos se tiene en la figura de la condena en futuro"

52 Andrea Proto Pisani, Leziom di diritto processuale civile, c it, p. 185.5:1 Giuseppe Chíovenda, Instituições dc direito processual civil,v. l,p . 191.51 Cristina Rapisarda, Profili delia tutela civile inibitória, p. 189.55 Giuseppe Chiovenda, Lazlone nel sistema dei diiittí, Saggi di diritto processuale civile, p. 795,1 Piero Calamandrei, Introduccion al estúdio sistemático de Ias providencias cautelares, c it ,

p 40-41.

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42 TEORIA GERAI DA TUTEL A CAUTELAR

Se a condenação para o futuro objetiva garantir maior tempestividade à satis­fação do direito violado,57 Calamandrei certamente se equivoca ao dizer que este tipo de condenação “é o caso mais notório” de tutela preventiva. Uma técnica processual que permite, antes da violação do direito, a possibilidade de acesso imediato à via que implementa a tutela repressiva, desde que a lesão ou o inadimplemento sejam prati­cados, está muito longe de conter qualquer resquício ou vestígio de preventividade. Ora, a condenação para o futuro, ainda que admitida antes da violação do direito, é concedida para atuar depois que o direitofoi violado e não para impedir a sua lesão.™

A confusão entre tutela preventiva e condenação paia o futuro é conseqüência da ausência de reflexão sobre o real objetivo da tutela preventiva e do descaso com a tutela dos direitos não patrimoniais, fruto de uma ideologia que não leva em con- sideração a necessidade de tutela efetiva de direitos que, ainda que vitais dentro do contexto do Estado contemporâneo, podem ser transformados pelo inadimplente em pecúnia. Note-se que a condenação para o futuro é plenamente adequada à tutela dos direitos patrimoniais, enquanto os ‘‘novos direitos”, frequentemente com conteúdo não patrimonial, exigem a tutela inibitória, isto e, a tutela preventiva.

Ademais, a confusão entre uma técnica processual e uma tutela de direito com finalidades tão distintas também serve para evidenciar que a doutrina clássica não tinha muita consciência do que falava quando estudava a tutela cautelar, Se a doutrina não conseguia perceber-por estar cegada por uma ideologia comprometida com um modelo institucional de Estado de Direito de matrizliberal- a diferença entre conde­nação para o futuro e tutela preventiva, ela não podia conceber uma tutela inibitória contraposta à tutela cautelar e, assim, perceber a nítida distinção entre o arresto e a tutela inibitória que impede a violação do meio ambiente, por exemplo.S9

A caução, destinada a garantir o ressarcimento diante de eventual dano, não constitui tutela preventiva, mas sim tutela cautelar, voltada a dar segurança à frutuo- sidade e à efetividade da tutela ressarcitória A particularidade desta forma de tutela

57 Massimo D'Antona, L a reintegrazione m?/posto di lavoro (art 18 dello Statuto dei La~ voratori), p, 161; Renata Paolini, Nore sulla condanna in futuro, Rivistn Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, cit., p 526

5H Proto Pisani percebeu a nítida diferença entre a condenação para o futuro c a tutela inibitória, demonstrando a função repressiva da primeira: "O probiema da admissibilidade da condenação para o futuro c um problema diferente daquele da admissibilidade, ou não, da tutela inibitória geral: contrariamente à inibitória, a condenação para o futuro possui uma função que pode ser qualificada como preventiva somente se a este termo for dado um signi­ficado muito amplo; o que de fato a condenação para o futuro objetiva prevenir não é tanto a violação quanto a diferença temporal entre o momento da violação c possibilidade de instaurar a execução forçada; assim parece mais correto inserir tal tipo de condenação entre as hipóteses em que a condenação cumpre uma função repressiva” (Andrea Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, cit., p 184) .

59 Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, c it, p 263-270.

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CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DA TUTEL A CAUTELAR 43

cautelar está em que a segurança, no caso, é de uma tutela ressarcitória eventual, e não de uma tutela ressarcitória exigíveí, porque posterior ao dano

De qualquer forma, o que deve ficar claro é que a tutela inibitória (ou a tutela preventiva) é satisfativa, enquanto a tutela cautelar sempre se refere a uma tutela do direito ou a uma situação substancial tutelável, podendo, em casos raros, dar origem a uma ação cautelar autônoma, porque ligada a uma tutela jurisdicional ainda não exigíveí Ou seja, a tutela cautelar é caracterizada pela instrumentalidade e pela referibilidade, embora possa, em hipóteses excepcionais, abrir oportunidade a uma ação cautelar autônoma. Neste caso, a instrumentalidade e a referibilidade estão, por assim dizer, “encober tas”, uma vez que a tutela assegurada ainda não é exigíveí

Frise-se, portanto, a distinção fundamental entre preventividade e cautela­ridade. A tutela preventiva ou inibitória não é marcada pela refer ibilidade ou pela instrumentalidade, uma vez que basta por si só ou dá tutela satisfativa ao direito. A tutela inibitória ou preventiva é tão satisfativa quanto a tutela ressarcitória, não obstante a lamentável confusão que a doutrina costuma fazer entre tutela preventiva e tutela de segurança.

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2A Evolução Histórica

da Tutela Cautelar

Sum ário: 2 .1 A tutela cautelar no processo civil do Estado liberal clássico- 2 ,2 Além de não ter sido concebida para impedir a violação do direito, a tutela cautelar não foi pensada para remover os efeitos concretos do ato contrário ao direito -2 ,3 A proibição dos juízos de verossimilhança no processo liberal-2.4O surgimento de novas situações jurídicas, ainexistência de técnicas processuais idôneas à prestação das tutelas inibitória e de remoção do ilícito e a morosidade do procedimento comum: a expansão da tutela cautelar1.

2.1 A tutela cautelar no processo civil do Estado liberal clássico

O processo civil, no Estado de Direito de matriz liberal, não foi projetado para dar tutela preventiva aos direitos,

O direito, nesta época, er a voltado a proteger as liberdades e as conquistas da classe burguesa contra a ameaça de arbítrio do Estado. O Estado, paia garantir a liberdade, era obrigado a tratar a todos da mesma forma, independentemente das suas diferenças concretas. Tomava em conta o conceito de igualdade formal perante a lei, sendo que qualquer tratamento desigual - ainda que a posições desiguais - era visto como privilégio inconcebível,

Este Estado, porque não podia tratar as posições jurídicas e sociais de forma diferenciada, obviamente não podia desenhar políticas públicas voltadas a dar pro­teção específica ou mais incisiva a determinadas classes de pessoas, ou espécies de direitos , Além disto, os direitos desta época que importavam ao processo civil eram vistos como coisas dotadas de valor de troca, e, assim, em caso da prática de ato ilícito, entendia-se ser suficiente a prestação da tutela ressarcitória pelo equivalente ao valor do dano ou da prestação inadimplida.

De modo que a tutela contra o ilícito era apenas a tutela contra o dano. Lem­bre-se que a indistinção entre ilícito e dano é o reflexo de um árduo processo de evolução histórica, que acabou por fazer concluir, a partir da suposição dé que o bem

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A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DATUTELA CAUTELAR 45

juridicamente tutelado é uma coisa dotada de valor de troca, que a tutela jurisdicional do bem é o ressarcimento pelo equivalente ao valor econômico da lesão,1

Além disto, o Estado, na economia liberal, estava preocupado apenas em man­ter em funcionamento os mecanismos de mercado. Ora, a tutela pelo equivalente ao valor da prestação mantinha íntegros os mecanismos do mercado, sem alterar a sua lógica. 2 Portanto, há aí um nexo entre a tutela pelo equivalente e os princípios da abstração das pessoas e dos bens, ou, ainda, um a visível correlação entre o contrato, a igualdade formal dos contratantes e a sanção pelo equivalente, como forma expressiva da realidade da economia de mercado.3

Se os bens são equivalentes, e assim não merecem tratamento diversificado, a transformação do bem devido em dinheiro está de acordo com a lógica do sistema, cujo objetivo é apenas sancionar o faltoso, repristinando os mecanismos de mercado.

O art, 1.142 do Código Napoleão, ao dizer que toda obrigação de fazer e não fazer resolve-se em perdas e danos, mais juros, em caso de inadimplemento, não só expressou as preocupações da economia liberal, como, além disto, refletiu os prin­cípios de liberdade e de defesa da personalidade, próprios do jusnaturalismo e do racionalismo iluminista.

Ou seja, a tutela pelo equivalente, além de reafirmar as intenções da economia liberal, manteve intacta a “liberdade do homem”, ao não admitir a coerdbilidade das obrigações. A coerdbilidade das obrigações de fazer, indispensável para o juiz poder convencer o demandado a cumprir, foi repudiada pelo art. 1,142 do Código Napoleão em nome dos princípios da liberdade, da defesa de personalidade e da autonomia da vontade.

1 Cesare Salvi, Lcggstimità e “razionalità” delTart 844 Codice Civile, Gittrisprudenza italiana, p 591,

2 Ver Adolfo dÍM;ijo:“Le dottrine giuridiche deü’Ottocento, dopo la parentesi medioe- vale, recuperano appieno il principio romanistko (delia p revaloriza) delia condemnatiopecuniana, dovendo apparíre,qucsta prevalenza, come lapiu funztonale alie esigenze dei mercato Nei mercato, com’è noto, non contano !e qualità dei soggetti nè quclle dei valori od interessi in esso presenti (astrattezza dei valori). In presenza dl atti elo di fatti che comportano inadempimento di obblighi e/o violazioni di dirítti, la línea tendenziale è di imporre al responsabíle il mero ‘costo economico’ di sifatti comportamenti, tcndendosi in tal modo a riprodurre i meccanismi di mercato alterati" (La tutela civile dei diritti, cit., p. 156).

3 Diz Salvatore Mazzamuto: “I soggetti dello scambio sono liberi di autodeterminarsi attraveiso ü contratto e debbono soítanto ríspettare ie regole dei giuoco, te quaÜ sono concepite nel presupposto delia parità formalc dei contracnti e non impongono di adequare il regolamento d’interessi a parametri di valutazione sociale . I limiti posti dalTordinamento alTautonomia dei privati appaiono come limiti squisltamente negativi. Cosi è per il divieto di conformare il nego- zio in contrasto con le norme imperative e per la corrispondente sanzione delia nullità. Ma cosi è anche per la misuxa dei risarcimento dei danno che consegue alTinattuuzione dello scambio” (Salvatore Mazzamuto, Lattuazione degli obblighi di fare, p.. 37-38).

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46 TEORIA GERAL DATUTELA CAUTELAR

A tutela destinada a impedir a violação do direito não era admitida, não ape­nas porque se supunha que os direitos podiam ser adequadamente tutelados após a ocorrência do dano, mediante o pagamento de indenização, mas também porque uma tutela jurisdicional anterior à prática de qualquer ato contrário ao direito era vista como uma interferência estatal inconcebível sobre a esfera da liberdade e da autonomia do indivíduo

Lembre-se que, nesta época, o Estado sequer tinha fundamento para constran­ger a vontade daquele que já tinha inadimplido. Portanto, a possibilidade de tutela estatal capaz de atuar sobre a vontade de alguém que sequer havia violado um direito era inimaginável-Aliás, Lodovico Barassi,já em meados do século XX, confessou que a “tutela puramente preventiva”, “certamente la piü energica”, seria também “la piü preoccupante, come è di tutte le prevenzioni che possono eccessivamente íimitare Tumana autonomia”

Na concepção da doutrina clássica, a sentença declaratória prestava tutela preventiva. A sentença declaratória era a única técnica processual capaz de outorgar tutela preventiva no processo civil clássico, Gian Antonio Micheli, em conferência pronunciada em importante congresso internacional de direito comparado, que versou sobre as tutelas preventivas, incluiu a tutela declaratória no gênero tutela preventiva, dizendo que “a primeira figura de ação preventiva é aquela da ‘action en fixation de droit’ (ação declaratória), admitida para a obtenção da declaração de um direito quando este, embor a não tenha sido violado ou judicialmente contestado, torna-se objetivamente incerto em sua existência ou conteúdo, na medida em que é discutido ou não reconhecido pelos outros” s

A tutela declaratória realiza-se com a prolação da sentença que, contendo um juízo meramente declaratório, é revestida pela coisa julgada material, A sentença declaratória dá ao autor apenas a vantagem de que a relação jurídica, que até então era controvertida, não mais poderá ser discutida.

Entretanto, tal sentença é incapaz de obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa em virtude da declaração que contém 6 A sentença declaratória

'' Lodovico Barassi, La teoria generale delle obbligaztont, p 428. Porém, a doutrina con­temporânea, i nclusivc a italiana, não se rende ao velho argumento de que a inibitória pode colocar em risco a liberdade do homem. Cristina Rapisarda, Projili delia tutela civile inibitória, cit,, p 90 e ss; Aldo Frignani, L'injunction nelía common law e ! 'inibitona neldiritto italiano, p 428.

5 Gian Antonio Michcli, Uazionc preventiva Ri vista di Diritto Processuale, p. 205.(' Desta forma, é correta a lição dc Barbosa Moreira, no sentido de que a tutela declaratória

somente pode prevenir uma violação quando a parte vencida sai também convencida e resolve cumprir a obrigação cm tempo oportuno:(,Como meio de intimidação, e pois dc coerção, todavia, o remédio c fraco: basta pensar que, na eventualidade de inadimplemento, o titular do direito lesado terá de voltar a juízo para pleitear a condenação do infrator, ao quaí se concede assim uma folga em boa medida tranquilizadora^José Carlos BarbosaMoreira,Tutela sancíonatóriae tutela preventiva. Temas dc direito processual, p. 27)

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A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DATUTELA CAUTELAR 47

não tem capacidade para inibir o ilícito ou tutelar de forma realmente preventiva os direitos,7

Na verdade, a confusão entre tutela declaratória e tutela preventiva, posta à luz pela doutrina chiovendiana,8 teve origem em uma exigência de construção sistemá­tica. A doutrina utilizou o argumento de que a existência de uma sentença anterior à violação (declaratória) demonstrava o princípio da autonomia da ação, uma vez que, em face dela, o autor não precisaria ter diieito violado para exercer o direito de ação,,J A ação declaratória, por estar em contraposição à condenação, seria preventiva.,

Além disto, como a doutrina clássica formou-se sob a influência de um Estado de Direito de matriz liberal, marcado por uma acentuação dos valores de liberdade individual em relação aos poderes de intervenção estatal, ela não podia conceber uma tutela preventiva que dependesse de técnica processual que constrangesse a vontade do demandado. Foi por isto que circunscreveu a tutela preventiva à sentença declaratória. Na verdade, a tutela declaratória, enquanto tutela que regula apenas formalmente uma relação jurídica, já determinada em seu conteúdo pela autonomia privada,10 era ideal aos valores do Estado liberal,11 Já a tutela preventiva, vista como tutela capaz de inibir a violação do direito, era incompatível com os pressupostos deste modelo de Estado.

Tudo isto quer dizer que, no direito processual clássico, não existia tutela capaz de impedir a prática do ilícito, Seja porque se supunha que os direitos não necessi­

7 Ver Andrea Proto Pisani, Lattuazione dei provvedimenti di condanna, p 184; Andrea Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, cit ., p. 183’, /Vido Frignani, L- injunction nella common law e Vhúbitoria neldiritto italiano, c it, p 592 e ss.

B Giuseppe Chíovenda, Cazione nel sistema dei diritti. Saggi di diritto processuale civile, c it, p. 82

Chíovenda discordou da teoria de Rcdenti sobre o fim sancionatório da justiça civil, exatamente porque, ao aceitar a tese de Wach, que demonstrava uma relação teórica entre a autonomia do direito de ação e a ação dedaratória, concluiu que a ação dcciaratória não supõe a violação dc um direito e não tem por fim aplicar uma sanção (cf. Cristina Rapisarda, Pro/ilidelia tutela civile inibitória, c it, p 53)

111 Vittorio Denti reconhece a ligação da tuteia declaratória, como remédio de caráter preventivo, com o modelo institucional liberal: “Altro punto che va tenuto fermo e il carattere preventivo deü’azÍone inibitória La dottrina processualistica ha, per lunga tradizione, nsolto la tutela giurisdizionale preventiva nel mero accertamento, con una scelta che non ha avuto - come è stato recentemente dimostrato - soltanto carattere concettuale, poiché era condizionata dalla tendenza a deíimitare rigidamente i poterí di ingerenza statale nella sfera giuridica privata Si trattava, quindi, delia adesionc ai modello istituzionaie iibcrale, chíaramcnte presente nel mag- giore teorizzatore delfazione di mero accertamento e delia sua funzione preventiva, Giuseppe Chiovenda" (Vittorio Denti, Diritti delia persona e tecniche di tutela giudiziale Vvformazione e i diritti delia persona, p. 267)

11 Cristina Rapisarda, Profili delia tutela civile inibitória, cit ,p 70-72; Cristina Rapisarda, Premesse alio studio deila tutela civile preventiva Rivista di Diritto Processuale, p 128 e ss

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48 TEORIA GERAL DATUTELA CAUTELAR

tavam de tutela preventiva, seja porque se entendia que o Estado não podia atuar previamente ao agir, seja ainda porque o Estado não podia constranger a vontade do indivíduo para alcançar um não fazer.

Lembre-se que o desenho do processo depende do objetivo do direito hegemô­nico, o que significa que a função e a estrutura do processo de conhecimento clássico são conseqüências do direito e dos valores de uma época,

Quando se entende que o bem jurídico jurisdicíonalmente tutelável é uma coisa dotada de valor de troca, e que o juiz deve ter os seus poderes limitados para não interferir na esfera jur ídica privada, o processo não só não precisa, como não deve, exercer função preventiva,

A tutela cautelar, ainda que relacionada com o perigo, foi concebida para assegurar a utilidade da tutela jurisdicional final. A tutela cautelar certamente não poderia evitar a violação do direito, pois nem mesmo o processo de conhecimento clássico foi pensado e estruturado para tanto, Se este processo de conhecimento não tinha como fim evitar a violação do direito, não há como admitir, por lógica, que a tutela que a ele deveria servir pudesse ultrapassar a sua função, outorgando proteção preventiva ou inibitória

A tutela cautelar, ao servir à tutela ressarcitória ou à tutela do adimplemento da obrigação pecuniária, era obrigada a aceitar a ocorrência da violação ou do inadim- plemento, que legitimavam as próprias ações ressarcitória e do adimplemento, Ou seja, a tutela cautelar foi pensada para assegurar uma tutela buscada através de ação de conhecimento, que supunha a violação do direito

2,2 Além de não ter sido concebida para impedir a violação do di­reito, a tutela cautelar não foi pensada para remover os efeitos concretos do ato contrár io ao direito

E preciso esclarecer, por ém, que a tutela cautelar não só é incapaz de impedir' a violação do direito, como ainda não se destina a remover os seus eventuais efeitos concretos que se prolongam no tempo.

A falta de idoneidade da tutela cautelar para remover os efeitos concretos do ato contrário ao direito, aínda que também seja ligada à constatação de que a juris­dição se importava apenas em dar tutela ressarcitória aos direitos, exige atenção para a questão do conceito de ilícito civil.

Por muito tempo, o ilícito civil foi associado ao fato danoso, Isso também foi conseqüência da suposição de que o bem objeto da tutela jurisdicional civil era uma mercadoria, que, assim, em caso de dano, poderia ser indenizada em pecúnia. O ilícito que não produzisse dano não teria interesse para o direito civil e para o processo civil.

A unificação da categoria da ilicitude com a da responsabilidade civil, fruto da ideia- que é resultado, sublinhe-se, de uma visão “mercificante,, dos dir eitos - dè que a única

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A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DATUTELA CAUTELAR 49

tutela contra o ilícito consiste na reparação do dano, impediu a doutrina de vislumbrar, até bem pouco tempo atrás, uma tutela contra o ilícito que não produziu dano.12

E claro que um ilícito que não produziu dano apenas interessa quando deixa marcas concretas que se prolongam no tempo,.Trata-se de um ilícito, por assim dizer, com efeitos concretos continuados,

E o caso, por exemplo, da exposição à venda de produto nocivo à saúde do consumidor. Expor à venda produto com composição nociva à saúde é, por si só, ato ilícito. Porém, deste ato podem decorrer danos aos consumidores, mas rião necessa­riamente. Entretanto, não há como admitir que o processo civil nada possa fazer em relação ao ilícito que não produziu dano, tendo que aguardar a sua eventual ocorrência paia poder ser instaurado.

Note-se que as normas de proteção dos direitos fundamentais, como o direito fundamental do consumidor, frequentemente proíbem condutas para impedir a produção de danos Tais normas, por isto mesmo, têm natureza protetiva - ou, de certa forma, preventiva do dano o que obriga o legislador a conferir legitimidade para determinados entes pedirem, através de ação, a tutela jurisdicional necessária paia garantir a sua observância.

E exatamente o que acontece quando se pensa na legitimidade do Ministério Público, por exemplo, para requerer a remoção dos efeitos concretos derivados da violação de uma norma de proteção, que pode ser a que proíbe a exposição à venda de produto nocivo à saúde, Quando o Ministério Público pede a busca e apreensão de produto nocivo exposto à venda, ele certamente não pede tutela ressarcitória nem tutela capaz de impedir a violação, mas sim tutela capaz de remover os efeitos concretos do ilícito que perduram no tempo.

Esta forma de tutela é contemporânea ao Estado constitucional, identificando algo absolutamente novo para as dogmáticas civil e processual civil, Por isto, jamais foi cogitada pela doutrina do processo civil clássico, e mesmo pela doutrina processual brasileira dos últimos e recentes anos,

23 A proibição dos juízos de verossimilhança no processo liberal

A impossibilidade de se conceder a tutela do direito com base em verossi­milhança, isto é, a proibição de antecipação da tutela no procedimento ordinário

u Orlando Gomes, por exemplo, produziu doutrina expressiva no sentido da unificação das categorias da ilicitude e da responsabilidade civil: “Não interessa ao Direito Civtl a atividade ilícita de que não resulte prejuízo Por isso, o dano integra-se na própria estrutura do ilícito civil Não é de boa lógica, seguramente, introduzir a função no conceito. Talvez fosse preferível dizer que a produção do dano é, antes, um requisito da responsabilidade, do que do ato ilícito Seria este simplesmente a conduta contra jus, numa palavra, a injúria, fosse qual fosse a conseqüência. Mas, em verdade, o Direito perderia seu sentido prático se tivesse dc ater-se a conceitos puros.. O ilícito civil só adquire substantividade se é fato danoso” (Orlando Gomes, Obrigações,, p. 313-314).

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clássico, fundou-se na suposição de que o único julgamento que poderia afirmar as palavras da lei seria posterior à verificação da existência do direito, Na trilha do direito liberal, o processo, para não gerar insegurança ao cidadão, deveria conter so­mente um julgamento, que apenas poderia ser realizado após a elucidação dos fatos componentes do litígio,

O julgamento posterior à cognição sempre foi associado à ideia de "busca da verdade”, A “certeza” do juiz seria pressuposto da sua capacidade de “enunciar a lei”, De modo que a garantia de liberdade e de segurança, neste caso, estariam em um jul­gamento que, a partir da “descoberta da verdade", pronunciasse as palavras da lei,

Recorde~se que, para Montesquieu, o julgamento não poderia ser “mais do que um texto exato da lei”.13 O juiz tinha que ser mantido preso à lei em nome da segurança jurídica Montesquieu enfatiza a segurança jurídica fundada na estrita aplicação da lei, ao afirmar que se os julgamentos “fossem uma opinião particular do juiz, viver-se-ia na sociedade sem saber precisamente os compromissos que nela são assumidos”,14 Esta passagem da obra de Montesquieu, nas palavras de Giovanni Tarelio, evidencia uma ideologia política voltada a sugerir que a liberdade política, entendida como segurança psicológica do indivíduo, realiza-se através da certeza do direito.15

Não é de estranhar, assim, que a tutela antecipatória não esteja de acordo com os princípios liberais, Se o juiz é um mero aplicador da lei, pelo mesmo motivo havia de ser proibido de julgar com base em verossimilhança. Dar ao juiz poder para tutelar um direito aparente é o mesmo que dar ao Judiciário o poder para rever, com base em cognição aprofundada, o julgamento baseado em verossimilhança. Porém, se o sistema processual admite que o juiz pode afirmar que não deveria ter concedido a tutela antecipatória, o próprio sistema concebe que a “justiça” do juiz pode não ser a justiça da lei.lf>

O processo liberal proibiu os juízos de verossimilhança para permitir o controle do Judiciário e para garantir a liberdade dos cidadãos, A vedação destes juízos derivou da falta de confiança no juiz 1' Diante desta desconfiança, foram evidenciadas garan­

n Charlcs-Louis de Sccondat (Barão dc Montesquieu), Do espirito das/eis, p 158.. Disse Montesquieu: “Poderia acontecer que a lei, que é ao mesmo tempo chmvidcntc e cega, fosse cm certos casos muito rigorosa Porém, os juízes de uma nação não são, como dissemos, mais que a boca que pronuncia as sentenças da lei, seres inanimados que não podem moderar nem sua força nem seu rigor" (Idem, p 160)

H Montesquieu, Do espírito das leis, cit., p. 158; ver GiovanniTarello, Storia delia cultura giuridica moderna, p., 194

15 Giovanni Tardio, Storia delia cultura giuridica moderna, cit , p 29416 Ver Ovídio Baptista da Silva, Jurisdição e execução, p. 147-17 Os magistrados anteriores à Revolução Francesa eram considerados aliados da nobreza

e do clero A desconfiança da burguesia em relação aos juizes-que era totalmente justificada-foi responsável peia feição passiva e neutra que a Revolução Francesa atribuiu ao Judiciário

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A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DATUTELA CAUTELAR 51

tias paia a par ticipação adequada no processo, que passaram a significar garantias de liberdade do litigante contra a possibilidade do arbítrio judicial

O direito liberal, diante da desconfiança em relação ao Judiciário, não admi­tiu qualquer tipo de restrição à defesa e ao contraditório, e assim tornou inviável a tutela do direito antes da plenitude da cognição, Quando a preocupação do direito se centrava na defesa da liberdade do cidadão diante do Estado, as formas - e assim a rigidez dos conceitos de ampla defesa e de contraditório - possuíam grande im­portância para o demandado.

Perceba-se que a impossibilidade de postecipação da defesa e do contraditó­rio é intimamente ligada à separação entre cognição e execução, Se a ampla defesa e o contraditório não podem ser postecipados, a execução não pode ser anterior ao término da cognição

A necessária precedência da sentença condenatória em relação à execução resulta da suposição de que a cognição, ou o conhecimento da existência do direito, deve anteceder a execução,18 Isto porque se acreditava que a proibição da execução antes do término da cognição era imprescindível para garantir o direito de defesa e, assim, jamais poderia ser excepcionada,

A partir da premissa de que a cognição deveria anteceder a execução, a dou­trina elaborou o princípio da nulla executio úne titulo, que quer dizer que a execução não pode ser feita sem título,iy Tomando-se em conta a relação entre condenação e execução, o título sería, evidentemente, a sentença condenatória. Porém, o problema que logo foi levantado disse respeito à qualidade da sentença condenatória recorrida através de recurso não recebido no efeito suspensivo,

Não há dúvida que, desde há muito tempo, admite-se a execução na pendência do recurso, A doutrina clássica, ao abordar a “execução provisória”, mostrou-se exces­sivamente preocupada com a possibilidade de uma execução anterior ao encontro da verdade. Chiovenda, nas ^xa&Imtituiçõea^Q se depar ar com a execução da sentença na pendênciado recurso interposto para a Corte de Cassação italiana, e assim verificar que

,s Dizia Carnelutti: “La preoi dinazíone delia cognizione aü'esccuzionc'’sc exprime "con la formula dclla condanna” (Francesco Carnelutti, Diritto eprocesso, p. 49)

19 O objetivo do princípio da nulla executio sine titulo foi o de evidenciar não apenas que a execução não poderia ser iniciada sem título, mas também que este deveria conterem si um direito declarado, sem deixar margem para qualquer situação de incerteza Anote-se, nesta sentido, a lição de Cario Fumo: “A impossibilidade de recorrer diretamente à via executiva e a necessidade conseqüente de obter um título executivo judicial através de um processo de conhecimento se explicam facilmente pela existência de uma situaçãojurídica substancial caracterizada pelo elemento de incerteza Com base neste segundo pressuposto, dada a necessidade de se eliminar a incerteza sobre a situação jurídica substancial, a ação não pode ser exercida senão em via declaratória, a fim de que o antecedente lógico-jurídko da execução, que é a aptidão da ação para ser exercida in executivis, encontre sua base na declaração esua realização na criação do titulo que condiciona a instauração da via executiva" (Cario Furno, Teoria de laprueba legal, cit. ,p 190)

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52 TEORIA GERAL DATUTELA CAUTELAR

o requerente, no caso, poderia “executar " antes do término da fase de conhecimento- quando então se encontraria a tão proclamada “verdade”- , foi obrigado a concluir que esta seria uma das hipóteses em que “pode ocorrer a figura duma sentença não definitiva, mas executória, e, pois, a separação entre a definitividade da cognição e a executoriedade”. Esta exceção entre a definitividade da cognição e a executoriedade gerava, nas palavras do próprio Chiovenda, uma “figura anoimal”, que seria, nada mais, nada menos, do que uma execução descoinádente, de fato, da certeza jurídica™

A separação entre sentença condenatória transitada em julgado e sentença condenatória recorrida, paia efeitos de execução, serve para demonstiar que a dou­trina clássica associou a completude da cognição - inclusive da fase recursal ~ com a possibilidade de execução, ou melhor, de tuteia do direito material. Tanto é que acusou a execução provisória de “figura anormal”, demonstrando claramente a falta de ambiente paia se ter tutela antecipatória no processo civil liberal.

Em suma: ainda que as relações jurídicas da época do direito liberal não exi­gissem a antecipação da tutela, é certo que a sua admissibilidade encontrava obstá­culo na necessidade de se garantir a liberdade do litigante contia a possibilidade de arbítrio do juiz e na ideologia que entendia que a liberdade se realizava através da certeza do direito, valores que fundar am a fórmula técnico-jurídicada nulla exeattio úne titulo21

2 A O surgimento de novas situações jurídicas, a inexistência de técnicas processuais idôneas à prestação das tutelas inibitória e de remoção do ilícito e a morosidade do procedimento comum: a expansão da tutela cautelar

A transformação da sociedade e do Estado fez surgir novas situações substan­ciais carentes de tutela O Estado constitucional, ao afirmar os direitos fundamentais, frequentemente toma em conta direitos de conteúdo não patrimonial, ou prevalen- ternente não patrimonial, exigindo a sua proteção através de normas de proteção e de tutelas jurisdicionais voltadas a impedir a sua violação e a viabilizar a remoção dos efeitos concretos derivados da sua agressão,.

Pense-se, por exemplo, nos direitos fundamentais do consumidor e ao meio ambiente, que exigem tutela capaz de impedir a violação, bem como tutela idônea a remover os efeitos concretos de ação contrária à norma instituída para a sua proteção- como a remoção de lixo tóxico despejado em local proibido pela legislação, ou a

20 Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, v. 1, cit,, p. 234-2352! Ver juan José Monroy Palacios, La tutelaprocesal de los derechos, p. 34 e ss.; p. 189 e ss,;

juan José Monroy Palacios, Cinco temas polêmicos en el proceso civil peruano. Revista de Direito Processual Civil 21.

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A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA TU TELA CAUTELAR 53

busca e apreensão de produto com composição proibida por norma de proteção ao consumidor.

Isto para não falar de outras situações jurídicas, de caráter individual e patri­monial, mas que também não podem dispensar as tutelas inibitória e de remoção do ilícito para a sua efetiva proteção, como as que dizem respeito à exclusividade do uso de marca comercial ou à concorrência desleal.

Ademais, a necessidade de maior celeridade de tutela dos direitos, advinda das características dos “novos direitos” e das relações jurídicas próprias à sociedade con­temporânea, colocai am em xeque o processo civil clássico ~ destituído de técnica an­tecipatória e de sentenças diferentes das declaratórias, constitutivas e condenatórias evidenciando a imprescindibilidade da adaptação do sistema de distribuição de justiça à evolução da sociedade, o qual era impotente para o alcance da antecipação da tutela final.

Porém, a falta de idoneidade do processo civil clássico para atender às novas situações de direito substancial não impediu a prática forense de utilizar a ação cau­telar inominada para obter as tutelas inibitória e de remoção do ilícito, bem como a própria antecipação da tutela.

Como o procedimento cautelar viabiliza a concessão de liminar, assim como o uso de meios executivos adequados às diferentes situações concretas - uma vez que a execução da tutela cautelar nunca se submeteu ao princípio da tipicidade dos meios executivos a prática forense passou a conceber, especialmente em razão das particularidades dos novos direitos, um uso não cautelar da ação cautelar inominada

Esse uso não cautelar da ação cautelar inominada consistiu na invocação do procedimento cautelar par a atender aquilo que poderia e deveria ser tutelado pelo procedimento comum de conhecimento, desde que tivesse as particular idades técni­cas do procedimento cautelar,22 especialmente a técnica antecipatória e as sentenças mandamental e executiva.

Tal fenômeno não ocorreu somente no Brasil, mas em todos os países em que o modelo básico de processo de conhecimento esgotou a sua funcionalidade. A pró­pria prática italiana, ainda que sem romper a classificação trinária das sentenças, foi obrigada a admitir a tutela inibitória, sob o rótulo de cautelar, diante da propositura da ação declaratória„

22 O procedimento de cognição plena e exauriente, complementado pelas três sentenças da classificação trinária, é absolutamente incapaz de propiciar uma tutela preventiva adequada, Este modelo de “processo”, que pode ser chamado de "processo civil clássico”, além de refletir, sobre o plano metodológico, as exigências da escola sistemática, baseadas na necessidade de isolar o processo do direito material, espelha os valores do direito liberal, fundamentalmente a “neutra­lidade” do juiz, a autonomia da vontade, a não ingerência do Estado nas relações dos particulares e a incoercibilidade do facere (ver Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, c i t , p. 28 e ss.).

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Lcmbre-se que, antes da violação do direito, a única alternativa, em face das sentenças de conhecimento clássicas, seria a ação declaratória. Porém, como o pro­cedimento desta ação não contém técnica antecipatória e a sentença declaratória não possui idoneidade para impedir a prática do ilícito, surgiu naturalmente, para viabilizar a tutela inibitória das novas situações carentes de tutela, a possibilidade do emprego da técnica cautelar inominada para outorgar tutela inibitória em face da ação declaratória,

A melhor doutrina italiana foi expressa em advertir que, neste caso, ocorreu uma distorção da fisionomia original da tutela cautelar, já que o emprego da técnica cautelar para a obtenção da tutela inibitória fez desaparecer a principal característica da tutela cautelar, isto é, a instrumentalidade.

Loriana Zanuttigh, escrevendo sobre o uso da cautelar inominada na tutela dos direitos da pessoa, consignou que, graças àprogressiva alteração da estrutura e da função da tutela cautelar inominada, criou-se um modelo de tutela mais avançado e eficaz, com resultados de incisa aderência à especificidade dos direitos da pessoa.23 Há aí uma importante percepção de que a tutela cautelar perdeu a sua original fi­sionomia para permitir a adequada proteção de direitos que, de outra maneira, não encontrariam adequada tuteia jurisdicional na Itália 24

No mesmo sentido, Vittorio Denti, após lembrar que o art. 700 do CPC ita­liano permitiu que os tribunais suprissem a ausência de tutela jurisdicional adequada, adverte que isto ocorr eu por ter surgido a necessidade de uma “tutela de urgência com função não cautelar, ou seja, não vinculada instrumentalmente com a tutela que o art, 700 define como ordinária” 25

A necessidade de uma tutela efetiva dos direitos não patrimoniais levou Proto Pisani a insistir na oportunidade de um procedimento sumário não cautelar,26 o que, segundo Denti, superaria “o equívoco que vicia a atual aplicação do art, 700, subme­

23 Loriana Zanuttigh, La tutela cautelare atípica Vmformazione e i diritti delia persona,

P ' 2 8 1 ' ,21 Como diz Zanuttigh, “un ulteríoreprofilodeiresperienzaconcretaddristitutoconfer- ma, ai fini di una valutazione complessiva, chele tndicazioniernergentidalla evoluzione degliarienta- menti deigiudici e dal/e istanze degli titen/i delia giustizia sono nel senso di una chiara propensione verso

forme sempre piti estese di tutela preventiva e non repressiva, almeno per taiune catcgorie di diritti Nc c prova, 1’attitudinc dei provvcdimenti urgenti a porsí come strumenti di tutelasommaria non cautelare, nella sostanza cioè ad operare come forma autonoma di tutela Siílatta alterazionedelia funzione delle misurecautelariatipichc c tesa percepibile e viene accentuata da taiune applicazioni deiristituto” (La tutela cautclarc atipica Uinformazione e i diritti delta persona, cit, p. 276-2 77)

25 Vittorio Denti, Diritti deila persona e tecniche di tutela giudiziale. Uinformazione e i diritti delia persona, p, 263.

26 Andrea Proto Pisani, La tutela giurisdizionale dei diritti delia personaütà: strumenti c tecniche di tutela Foro Italiano, 1990, p. 17 e ss.

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A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DATUTELA CAUTEL AR 55

tido a exigências de tutela que não têm a característica da instrumentalidade, própria das medidas cautelares"?'

Como está claro, a melhor doutrina italiana reconhece que a técnica cautelar passou a ser utilizada de modo distorcido em razão das necessidades concretas que irradiaram das novas situações de direito substancial 28

No Brasil, a ação cautelar inominada também foi utilizada para dar tutela aos direitos da personalidade, acabando por assumir a configuração de ação autônoma e satisfativa. Assim, por exemplo, foi usada par a impedir violação do direito à honra e do direito à imagem. Nestes casos, como se desejava apenas impedir a violação, e não qualquer outra espécie de tutela - como a ressarcitória - , o procedimento cautelar era suficiente para prestar a única tutela desejada pelo autor, ou para satisfazer a sua pretensão à tutela jurisdicional do direito.

Note-se que a tutela em questão era inibitória e não de segurança de uma tutela jurisdicional final, ou seja, cautelar A tutela, por impedir a violação, satisfazia a necessidade de tutela jurisdicional, uma vez que o autor não queria nada além de inibição da prática do ilícito.

Portanto, não foi a tutela cautelar que se transformou em tutela inibitória. O procedimento instituído para a viabilidade da obtenção da tutela cautelar, por admitir liminar e a utilização de meios de execução adequados, é que foi utilizado para permitir o alcance da tutela inibitória. Contudo, como a sentença do procedimento que seria cautelar, quando era de procedência, prestava a tutela inibitória, e assim satisfazia a pretensão à tutelajurisdicional do direito, o procedimento que, em princípio, deveria ser seguido pelo procedirnen to de conhecimen to, passou a ter configuração autônoma, fazendo surgir a falsa ideia de “ação cautelar satisfativa”

27 Vittorio Dcnd, Diritti delia persona e tecniche di cutcla giudiziale Vinformazione e i diritti delia persona, c it, p. 265.

2íf Giovanni Verde também analisa a deformação dafisionomia original da tuteia cautelar diante da evoíução da sociedade e dos direitos: “Nel tirare Ie somme, avviandomi a conciudere, mi accorgo di avere tenuto un discorso confuso, disarticokto e in qualchc parte incoerente Mala verità è che sono stato travolto dalln st essa maniera disorganica con la qiialeVistituto ddprowedimento durgenzasièvenuto modificando eadattando alie concreteesígenze F, mi pare che le indicazioni fornite, daüe qualisisonovolutamcnte tralasdate Ie ricchisssmc serie di provvedimenti a tutela dei diritti deila personalità (in senso tradizionale) e deila concorrenza, che rappresentano il campo naturale di applicazionc dei provvedimenti in esame, abbiano confermato che non ci sia stata vicenda di qualche rilievo (...) che non sia passata per tale forma di giustizia Ne è venutafuori una tipologia assai varia e cheforse meriterebbe di essere organizzata secondo criterisistematiá, che non sono stato in grado di elaborare. Sipotrebbero, cosi, isolare accertamenti sommari conprevalente funzione cognitiva, accertatnente sommari con prevalentefunzione esecutiva, ingiunzione, inibizione oltre che tneri pro­vvedimenti cautelanv (Considerazioni sul procedimento cTurgenza - Come c c come si vorrebbe chc fosse. Iprocessispeciali - Studi offertia Virgílio Andrioli daisuoiallievi, cit.., p. 458-460)

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Frise~se que a ação deixou de ser cautelar para atender à necessidade de tutela inibitória, passando a ser satisfativa exatamente porque a tutela inibitória, ao con­trário da cautelar, não é marcada pela instrumentalidade, Assim, esta “ação cautelar satisfativa” era, na realidade, uma ação inibitória.

Por outro lado, a tutela que remove os efeitos concretos do ilícito impede, por meia conseqüência, a produção de danos,. Ou seja, a busca e apreensão dos produtos, por exemplo, coloca os consumidores a salvo de eventuais danos,

Como a doutrina brasileira jamais fez a distinção entre ilícito e dano, ou soube demonstrar a importância de se ter em conta unicamente o ato contrário ao direito para a adequada tutela civil dos direitos, a prática forense foi obrigada a encontrai na tutela cautelar, vista como tutela contra a probabilidade dodano,ummeio de garantir a tuteia das situações substanciais protegidas por normas violadas.

Contudo, não é porque a doutrina e a prática forense olhaiam para o ilícito já ocorrido pensando na probabilidade do dano, que se poderá admitir que a “ação cautelar”, ao tei passado a servir para remover o ilícito, realmente tenha dado outia configuração à “tutela cautelar”..

A tutela cautelar sempre foi e será uma tutela de segurança, ou uma tutela as­securatória da tutela jurisdicional final. Em face da indistinção entre ato contrário ao direito e dano, ocorreu a distorção do uso da técnica cautelar para permitir o alcance da tutela de remoção do ilícito,

Não obstante, aqui a distorção não foi simplesmente procedimental, ou de técnica processual. A tutela de remoção se destina a remover os efeitos concretos de um ilícito já praticado e não a proteger contra a probabilidade do dano, Porém, imaginou-se que a tutela de remoção seria voltada contra a probabilidade de dano. Ou seja, a própria tutela de remoção foi desconfigurada para, a partir desta transfor­mação, admitir-se o emprego do procedimento cautelar.

O procedimento cautelar, por conter técnicas processuais efetivas, foi utili­zado para viabilizar a tuteia de remoção do ilícito. Contudo, do mesmo modo que o procedimento da tutela inibitór ia assumiu característica autônoma, o procedimento que passou a servir para a prestação da tutela de remoção igualmente dispensou a chamada “ação principal".

Deixe-se esclarecido, mais uma vez, que não foi a tutela cautelar que se trans­formou em tutela de remoção do ilícito, ou em tutela inibitória. A necessidade de tutela de remoção - assim como de tutela inibitória - é que levaram à utilização e à distorção do procedimento cautelar, isto é, da técnica processual idealizada paia a tutela cautelar.

As tutelas inibitória e de remoção, por serem satisfativas, não são instru­mentais como a tutela cautelar, o que, por mera conseqüência lógica, fez com que o procedimento dotado de liminar e meios executivos idôneos assumisse autonomia, dispensando o procedimento de conhecimento, que apenas teria sentido caso hou­vesse necessidade de outra tutela jurisdicional do direito, que então seria assegurada pela tuteia cautelar:.

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A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DATUTELA CAUTELAR 57

Além do mais, é preciso advertir que a necessidade da obtenção da tutela do direito de modo mais célere também levou à utilização da técnica cautelar como meio de sumarização do processo de conhecimento,29 E importante destacar interessante acórdão doTribunal Superior do Trabalho, que, julgando recurso ordinário em man­dado de segurança, manteve decisão doTribunal Regional doTrabalho da 9.a Região, que havia denegado mandado de segurança que objetivava cassar liminar - deferida inaudita altera parte zm ação cautelar inominada - para reintegrar dirigente sindical nas suas funções. OTribunal Superior doTrabalho, na ocasião, assim argumentou: ,(É bem ver dade que o defer imento de liminar, assegurando a satisfação do direito material pleiteado, como, no caso, a reintegração, não se coadunaria com a natureza instrumentale provisória do processo cautelar. Entretanto, essa natureza jurídica da ação cautelar não pode subsistirem face do provimento de maior envergadura previsto na Constituição Federal, norma hierarquicamente superior, Com efeito, a dispensa de empregado, portador de estabilidade provisória, sem o competente inquérito administrativo faz letra morta a garantia constitucional insita no art. 8.°, inciso VIII, da Lei Maior e, em se tratando de dirigente sindical, impede, ainda, que o trabalhador exer ça as funções para as quais foi eleito, beneficiando a empresa em detrimento de toda uma categoria profissional, O M M . Juiz da JC J de Ponta Grossa, ao constatai que o empregado juntou documentação comprobatória de representação sindical, deferiu a liminar, adotando o entendimento de que ‘é preferível rejeitar-se uma teoria (rectius: uma tutela) que não atende à realidade social, principalmente no caso concreto, onde a suspensão dos salários implica em possível supressão dos meios de sobrevivência e a posterior reintegração implicaria em pagamento de salário sem a prestação laborai’. Conceder, pois, a segurança impetrada pela empregadora, cassando aliminare, conse­quentemente, anulando a reintegração efetivada, significaria premiar a empregadora, que, desrespeitando norma constitucional, foi a única causadora de toda a situação. Assim, frente à hierarquia da imperatividade insita no dispositivo da Carta Magna, que foi fr iamente desrespeitado pela ora impetrante, deve ser manddo o empr egado no exercício pleno de suas funções, até que a empr egadora, se porventura sair vencedora do competente inquérito, possa despedir legalmente o dirigente sindical",30

Este julgado doTribunal Superior doTrabalho, proferido antes da implantação do atual art, 273 no Código de Processo Civil, deixa evidenciada a deformação da técnica cautelar, e, mais do que isto, a própria necessidade desta transformação em nome da efetividade da tutela dos direitos.31

2<; Em razão disto, Tarzía alertou para o fato de que a doutrina colocou-se de frente ao “fenomeno piü impressionante dt evoluzione e trasformazione di uno strumento processuale” (Giuseppe Tarzía, Intervento, La tutela d'urgenza (atti delXVConvegnoNaxianale), p 150).

30 TST, proc TST-RO-MS 37.219/91.2, rei Min. Hylo Gurgel31 Lembre-se, neste exato sentido, a lição de Roger Perrot: “Mais pour cette raison, la

philosophie même de Ia mesure provisoire a changé. Au siècle dernier, elle avait surtout pour rôle d’assurer la conservation des biens litigieux ou d’aménager temporairement une situation

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Realmente, as necessidades de direito substancial também impuseram a dis­torção da técnica cautelar para a obtenção da tutela satisfativa de modo antecipado 3~ Mas não há como pensar que a prestação da tutela antecipada sob o manto protetor da técnica cautelar constituiu um abuso, uma vez que tal forma de tutela se mostrou imprescindível à efetiva proteção do direito material, e, assim, legítima, à luz do direito fundamental de ação..

Não obstante isto, a grande maioria dos tribunais e a quase totalidade da doutrina, anteriormente à instituição da tutela antecipatória no Código de Processo Civil, consi­derando a natureza da tutela cautelar, jamais admitiram que o juiz concedesse tutelas sumárias satisfativas com base na técnica cautelar„ Anote-se, por’ exemplo, o que dizia HumbertoTheodoro Júnior: “Por outro lado, como bem adverte Lopes da Costa,‘a medida cautelar não deve transpor os limites que definem a sua natureza provisória’. Seu fito é apenas garantir a utilidade e eficácia da futura prestação jurisdicional satis­fativa, Não pode, nem deve, a medida cautelar antecipar a decisão sobre o direito material, pois não é de sua natureza autorizar uma espécie de execução prov im ia” B Os tribunais, seguindo esta mesma ideia, afirmavam: “Não deve scr concedida a medida cautelar inominada em que o autor pretende lhe sejam franqueadas as dependências de um

contentieuse en attendant le jugement definitif Dc nos jours, ce rôle premicr n'a pas disparu Mais une autre fonction s'est développée qui gagne en importance et qui consiste moins en une mission de sauvegarde qu’en une anticipation sur la décision défimt:Íve”{Les mesures provisoires en droit français Les mesures provisoires enprocedtne civile, p 153) Em igual sentido Michelie Aiello: "Ulteriore cd indiretta conseguenza deila rawisata inadeguatezza degli strumenti deila cognizione ordinaria è stata però anche quclla di snaturare la finalità e 1’efficacia dei medesimi provvedimenti di urgenza” (I provvedimenti di urgenza neU’attuale momento legislativo italiano Les mesures provisoires en procédure civile, p 265) Ver, ainda, Giovanni Arieta, Comunicazione Les mesures provisoires en procédure civile, p 269-270; Vittorio Denti, I a giustizia civtle, p. 129-130

12 No direito argentino, a doutrina também elaborou importante trabalho para demons­trar a distinção entre a tutela antecipatória e a tutela cautelar e para evidenciar a necessidade de procedimentos e técnicas processuais capazes de viabiliza-Ta.. Ver as obras coletivas Medidas autosatisfactivas (dirigida por Jorge W Peyrano), e Sentencia anticipada (dirigida por Jorge W Peyrano e organizada por Carlos A. Carbone) Ver, ainda, Augusto Morella,//M/tc//><i«o» de la tutela; Roberto Berizonce, S Patrícia Bermejo e Zulma Amendolara, Tribunalesyproceso de família, p. 50-59; Jorge W. Peyrano, Reformulación de la teoría de las medidas cautelares: tutela de urgência - medidas autosatisfactorias Revista de Direito Processual Civil 9; Jorge W. Peyrano, Régimen delas medidas autosatisfactivas, nuevas propuestas Revista dc Direita Processual Civil 7; Álvaro Perez Ragone,Introdueción al estúdio de la tutela anticipatoria.. Revista de Direito Processual Civil 5, c Concepto estruetural y funcional de la tutela anticipatoria. Revista de Direito Processual Civil 13; Carlos Alberto Carbone, Los procesos urgentes y la anticipación de la tutela Revista de Direito Processual Civil 21; Abraham Luiz Vargas, Teoría general de los procesos urgentes Medidas autasatisfaUivnr, Abraham Luis Vargas,Tutela anticipada Perfiles actuaíes Cuestiones Pracesaks Modernas, p. 174; Jorge Rojas, Los limites de la tutela anticipada Sentencia anticipada; Sergio J Barberio, La medida au tosa tisfactiva..

33 Humberto Theodoro Júnior, Processo cautelar, c it, p.. 108.

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A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DATUTELA CAUTELAR 59

clube para realização de festa de casamento, em virtude do teor satisfativa de tal pedido, sendo que a sua concessão implicaria a perda do objeto da ação principal'

Assim, ainda que a técnica cautelar tenha sido utilizada para permitir o alcance da tutela satisfativa sob cognição sumária-ou a antecipação da tutela final, mediante cognição sumária - , o certo éque isto não era aceito pela maioria dos tribunais e pela tota­lidade da doutrina, que não conseguiam adm itir o uso satisfativo da técnica cautelar, ainda que tal modo de proceder fosse i?idispe?isável à realização do direito fundamental de ação,

Ademais, a prática também chegou a admitir a ação cautelar como substituta do mandado de segurança que tivera escoado o seu prazo decadencial. Os tribunais e o doutrinador,como mágicos, transformavam direito líquido e certo emfumusboni iuris. Na verdade, tal falsificação era aceita porque não havia a possibilidade de obtenção de medida liminar no procedimento ordinário, Mas a mesma doutrina que fingia não ver a transformação do direito líquido e certo em fumus não conseguia perceber que a ação cautelar, que passara a tratar do direito líquido e certo, na realidade era uma ação de conhecimento (de cognição exauriente) com liminar Como no mandado dc segurança, no procedimento da imaginada ação cautelar, após a apresentação da contestação, estava o juiz em condições de proferir sentença capaz de produzir coisa julgada material. Entretanto, como o juiz continuava supondo que a ação era verdadeiramente cautelar, o autor era obrigado a propor a ação principal, E o juiz, prosseguindo com a brincadeira - que contava com o apoio da doutrina-,'‘julgava"a ação cautelar e a ação principal no mesmo momento, como não fosse absolutamente ilógico afirmar que algo é provável e também existe. Ora, se o direito já pode ser reconhecido, é porque evidentemente não é mais apenas provável35

De qualquer forma, é indiscutível que a expansão da cautelar inominada signi­ficou um fenômeno de democratização do processo e de efetiva tutelabilidade jurisdicional dos direitos. Se o direito material é dependente, em nível de efetividade, do direito processual,3f> uma sociedade plural e democrática obviamente não pode conviver

T JSC ,l.aCC,Ap 26,034,v.,uLuiz Guilherme ISfkxúriQnx, Antecipação da tutela, cit., p., 124 e ss.

■Vl “S cante ildivieto di auto tutela privara, un ordinamento che si limitasse ad affermare una situazione di vantaggio (un diritto: si pensi al diritto di riunione, al diritto di assembiea, al diritto de! locatorc alia reintegra nei posto di lavoro in caso di Ücenziamento, trasferimenro o sospensione illegittimi, al diritto dei figli naturali ad essere mantenuti educati ed istruiti dai genitori, al diritto di proprietà, al diritto di liberta sindacale ecc) a iivello di diritto sostanziale, senza predisporre a Iivello di diritto processuale strumenti idoneí a garantire 1’attuazionc dei diritto anche in caso di sua violazione, sarebbe un ordinamento incompleto, monco: sarebbe un ordinamento che non potrcbbe essere quaüficato come giuridico, poiche non garantirebbe 1’attuazionc dei diritto proprio nel momento in cui questo è piü bisognoso di tutela, nel momento delia sua violazione Si comprende quindi l’importanza dei diritto processuale: dalla sua esistenza dipende la stessa esistenza- a iivello di effettività ~ dei diritto sostanziale” (Andrea Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, cit., p 5)

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60 TEORIA GERAL DATUTELA CAUT ELAR

com o mito da uniformidade procedimental e, desta maneira, com um processo civil indiferente às diversas posições sociais e situações de direito material.

Mas, se lamentavelmente era assim no plano normativo-processual, o que se poderia fazer diante da inadequação da estrutura técnica do processo para atender à sociedade? Caberia calar o Poder Judiciário, obrigando-o a dai tutela aos direitos por meio de um modelo processual capaz de potencializai as desigualdades? Ora, a legislação processual não pode obstaculizar a efetividade da tutela dos direitos. Como ojuiz tem o dever de interpretai as regras processuais a partir das necessidades do direito material e do direito fimdamental à tutela jurisdicional efetiva, cabe-lhe encontrar a técnica processual adequada à situação confiitiva concreta,

Foi em razão do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva - o qual evidentemente se impõe diante da impropriedade da técnica processual ~ que a ação cautelar inominada, diante dzs pressões soc iais por tutela jurisdicional adequada, pas­sou a ser utilizada como “ação autônoma e satisfativa", capaz de propiciar as tutelas inibitória e de remoção do ilicito e a própria antecipação da tuteia, que, em principio, apenas poderia ser prestada depois de finalizado o processo de conhecimento,

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3Da Tutela Cautelar

à Tutela Antecipatória

SUMARIO: 3 .10 art 273 do CPC - 3.2 A tutela antecipatória em caso de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação - 3.3 Distinção entre tutela antecipada e tutela cautelar - 3,4 A tutela antecipatória nas ações declaratória e constitutiva - 3,5 A zona de penumbra das tutelas cautelar e antecipatóriaO § 7.° do art, 273 do Código de Processo Civil.

3.1 O art. 273 do CPC

A necessidade de tutela antecipatória, evidenciada mediante o uso distorcido da técnica cautelar para a obtenção da tutela que, em princípio, apenas poderia ser concedida ao final do processo de conhecimento, levou o legislador a inserir novas regras nos arts, 27.3 e 461 do Código de Processo Civil,

Estas normas abriram oportunidade para o requerimento de tutela antecipa­tória, em caso de periculum in mora/ diante de qualquer espécie de situação material litigiosa.

A alteração do Código de Processo Civil foi necessária não apenas em razão das novas situações de direito material, que se mostraram carentes de tutela antecipatória, mas principalmente porque a doutrina e os tribunais não admitiam a prestação da tutela satisfativa fundada em cognição sumária, com base na técnica cautelar

3.2 A tutela antecipatória em caso de fundado receio de dano irre­parável ou de dificil reparação

O art. 27.3,1, do Código de Processo Civil afirma que o juiz poderá, a reque­rimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no

1 Assim como nas hipóteses de abuso de defesa e parte incontroversa da demanda; art 273, II e § 6,°, CPC Ver Luiz Guilherme Marinoni, Abuso de defesa eparte incontroversa da demanda,.

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62 TEORIA GERAL DATUTELA CAUTELAR

pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

O art. 273 identifica o instituto da tutela antecipatória, permitindo, em seu inciso I, a antecipação da tutela, no curso do processo de conhecimento, em caso de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.Trata-se da consagração da possibi­lidade de antecipar a tutela final, com base em verossimilhança, em face de fimdado receio de dano, o que antes de 1994 era feito - excepcionalmente, é certo ~ mediante o uso distorcido da técnica cautelar. Portanto, o art .273, além de corrigir ouso equivocado da técnica cautelar, teve o grande mérito de tomar Inquestionável a viabilidade de se requerer tutela antecipatória em toda e qualquer situação conflitiva concreta,

3.3 Distinção entre tutela antecipada e tutela cautelar

Como visto, a tutela cautelar se destina a assegurar a efetividade da tutela sa­tisfativa do direito material, Por esta razão, é caracterizada pela instrumentalidade e pela referibilidade. A tutela cautelar é instrumento da tutela satisfativa, na medida em que objetiva garantir a sua frutuosidade., Além disto, a tutela cautelar sempre sc refere a uma tutela satisfativa do direito, que desde logo pode ser exigida, ou que, dependendo do acontecimento de certas circunstâncias, poderá ser exigida,

A tutela antecipatória, porém, é satisfativa do direito material, permitindo a sua realização - e não a sua segurança - mediante cognição sumária ou verossimilhança,2 Na verdade, a tutela antecipatória, de lado hipóteses excepcionais, tem a mesma subs­tância da tutela final, com a única diferença de que é lastreada em verossimilhança e, por isto, não fica acobertada pela imutabilidade inerente à coisa julgada material A tutela antecipatória é a tutela final, antecipada com base em cognição sumária,3

De modo que a tutela antecipatória não é instrumento de outra tutela, ou faz referência a outra tutela. A tutela antecipatória satisfaz o autor, dando-lhe o que almejou ao propor a ação. O autor não quer outra tutela além daquela obtida antecipadamente, diversamente do que sucede quando pede tutela cautelar, sempre predestinada a dar efetividade a uma tuteia jurisdicional do direito,, A tutela anteci­patória também não aponta para uma situação substancial diversa daquela tutelada, ao contrário da tutela cautelar, que necessariamente faz referência a uma situação tutelável ou a uma outra tutela do direito material.,

A tutela antccipatória se confunde com a tutela cautelar apenas quando se frisa a característica da provisoriedade Porém, o elemento provisoriedade serve, no

' Ver Jocl Dias Figueira Jr , Comentários ao Código de Processo Civil, 2007.11 No direito argentino, cscrcvc Abntham Luis Vargas: “En síntesis, la tutela anticipaco-

ria es una tutela diferenciada de urgência que con base en una cogníción sumaria y lienado los requisitos dc proccdencia, sadsface antícipndamcntc al requirente otorgándole una atribuición o utilidad que pudiera probablemente obtener en la sentencia futura con autoridad de cosajuzgada material’1 (Abraham L.. Vargas, Estúdios de derecho procesal, t 1 , p 50-51)

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DATUTELA CAUTELAR ÀTUTEL A ANTECIPATÓRIA 63

máximo, para caracterizar a decisão que concede a tutela no curso do processo, jamais a tutela em si.. Não há tutela antecipatória provisória ou tutela cautelar provisória

A tutela antecipatória satisfaz no plano fático, nada tendo de provisório, como se pudesse vir a ser substituída por uma tutela final Aliás, como anteriormente visto, nem mesmo a tutela cautelar é provisória, mas sim temporária, estando subordinada à manutenção do estado perigoso indicativo da probabilidade de dano,

Provisória, assim,é a decisão tomada com base em cognição sumária, A decisão provisória não se contrapõe à tutela final, mas sim à decisão final, isto é, à sentença. A tutela final pode ser assegurada pela tutela cautelar ou satisfeita (antecipada) pela tuteía antecipatória.,

Recorde-se que Calamandrei, em sua obra clássica sobre “processo cautelar”, classificou as “providências cautelares” em: i) providências instrutórias antecipadas; ii) providências dirigidas a assegurar a execução forçada; iii) antecipação de providências decisórias; e iv) cauções processuais,4

Ao tratar das tutelas que estariam incluídas no terceiro grupo, o grande mestre de Florença afirmou que estas tutelas consistiriam, precisamente, em uma decisão antecipada e provisória do mérito, “destinada a durar hasta el momento en que a esta regulación provisoria de la relación controvertida se sobreponga Ia regulación de caracter estable que se puede conseguir a través dei más lento proceso ordinário”,5

E óbvio que a doutrina de Calamandrei está totalmente contaminada pelo vício da abstração do processo em relação ao direito material, Esta contaminação fica visível quando Calamandrei afirma que toda decisão que antecipa o julgamento do mérito, por dar regulação provisória à relação jurídica controvertida, tem natureza cautelar. Na doutrina de Calamandrei, o que define a natureza da tutela é a provisoriedade, pouco importando o resultado que éproporcionado ao autor. E por isso que Calamandrei, ao escrever a sua obra a partir da premissa de que o que define a cautelaridade é a provi­soriedade, acabou falando mais de tutela antecipatória do que de tutela cautelar6

Quando a tutela concedida no curso do processo, e, portanto, com base em cognição sumária, é caracterizadapela provisoriedade, toma-se em conta um critério de ordem processual para classificar as tutelas, o que obviamente não pode ser admi­tido no estágio em que vive o direito processual civil, preocupado especialmente com a efetividade da tutela jurisdicional do direito, e não mais com elaborações teóricas privilegiadoras de conceitos unicamente processuais, como ocorria à época em que se buscava demonstrar a autonomia do processo civil diante do direito substancial.

Lembre-se, na linha do que disse Denti, que somente a propensão de repensar a função jurisdicional em termos de “tutela dos direitos”, mais do que em um qua­

4 Piero Calamandrei, Introducàón al estúdio sistemático de las providencias cautelares, cit , p. 51 e ss.

5 Idem,p. 59f’ Ver Luiz Guilherme Marinoni, Antecipação da tutela, cit, p 59-71

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64 TEORIA GERAL DAT UT ELA CAUTELAR

dro meramente processual, poderá permitir uma compreensão adequada das novas necessidades de tutela, próprias à sociedade contemporânea 7

Quem desvia os olhos da moldura técnica do processo civile passa a se preocupar com a “tutela dos direitos” deixa de lado a relação entre satisfatividade e coisa julgada material, já que a efetividade da tutela de um direito não pressupõe a coisa julgada. Embora esta tenha grande importância, a tutela do direito se dá independentemente da coisa julgada, até porque a tutela do direito, para ser efetiva, em muitos casos tem de ser prestada com base em cognição sumár ia,

A demonstração de que a tutela do direito pode ocorrer com base em cognição sumária detxa evidenciado o equívoco daqueles que pensam que a satisfatividade fundada em cognição sumária não tem relevância jurídica, devendo ser vista como uma mera e não importante “satisfatividade fática”. Ora, quem raciocina desta forma somente pode estar confundindo satisfação do direito material (tutela do direito) e satisfação processual (coisa julgada material) Na verdade, aquele que não dá impor­tância à “satisfação” fundada em cognição sumária, chamando-a de “mera satisfação fática”, mostra não es tar a tento à realidade, uma vez que, na perspectiva do consumidor do serviço jurisdicional, o que vale é a “tutela do direito”, pouco importando se esta é concedida por meio de uma decisão de cognição sumária ou mediante uma decisão de cognição exauriente e definitiva.8

7 Vittorio Denti, Intervento La tutela d'iirge?iza, cit,p 171,s Não há mais como sustentar a natureza cautelar da tutela antecipatória, supondo que a

satisfação dc um direito com base cm cognição sumária não Importa, sendo relevantes apenas as clássicas ideias de que somente a sentença - e não a decisão que concede a tuteia antecipatória- é capaz de compor a lide (Carnelutti) ou pode significar atuação concreta do direito (Chiovenda). Ora, ninguém nega que, na dimensão das teorias de Carnelutti e Chiovenda, a decisão fundada em cognição sumária não pode compor a lide ou atuar o direito, mas apenas contribuir para a composição da lide (Carnelutti fala em composição provisória da Ude) ou para a atuação concreta do direito. Porém, deixando-se tais teorias e os critérios que as caracterizam e voltando-se para a teoria da tutela dos direitos, resta claro que brí diferença entre decisão (técnicaprocessual) e tutela do direito e, por maior razão, entre provisoriedade da demão e tutela do direito com base em cognição su­mária A maioria dos doutrinadores brasileiros já detectou tai fenômeno Flávio Luiz de Oliveira: “A tutela sumária satisfativa visa, ainda que fundada cm juízo de probabilidade, à realização do direito" [A antecipação da tutela dos alimejüosprovisórios eprovisionais cumulados à ação de investigação de paternidade, p 20) Rogério Aguiar Munhoz Soares: “Quando sc afirma que a antecipação de tutela tem natureza satisfativa, tem-se em mira o atingimento antecipado da fruição de algo que só em momento posterior seria alcançado, de modo que os atos satisfativos praticados antecipa­damente não se repetem uma vez confirmada a decisão antecipatória por sentença Torna-se, por isso, sem sentido deter-se no aspecto da provisoriedade da decisão que concede o pedido, uma vez que é definitiva a fruição do bem postulado, embora provisória a decisão que a concede, Seo deferimento da execução provisória da tutela antecipada tem por base alegação de periculum in mora (rectiur. damnum imparabile), isto não a convola em tutela cautelar” (Tutelajurisdicional diferenciada, p 181-182). Teori Albino Zavascki: “Há casos em que, embora nem a certificação nem a execução estejam em perigo, a satisfação do direito é, todavia, urgente, dadeque a demora na

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DATUTELA CAUTELARÀTÜTELA ANTECIPATÓRIA 65

Após a instituição da nova norma do art.. 273, ninguém mais pode pensar, por exemplo, que os alimentos provisionais constituem tutela do tipo cautelar.. Aliás, nos países em que a tutela antecipatória é ainda prestada sob o rótulo de cautelar, Giovanni Verde não vacilou em afirmar - ao analisar o uso não cautelar do art . 700

fruição constitui,por si,elemento desencadeante de dano grave. Essa últimaé a situação de urgência legitimadora da medida antecipatória" {Antecipação da tutela, p,. 48) . Jocl Dias Figueira Júnior: “Acautelar uma determinada situação fática ou jurídica concreta significa protegê-la, preveni-la, resguardá-la, defendê-la; logicamente, medida cautelar é medida que acautela, c não que antecipa.. Diversamente, se a medida antecipa os efeitos materiais da sentença de mérito (definitiva), ela a está executando (. ); se executa, não acautela, mas satisfaz a pretensão do interessado" (Liminares nas ações possessõr ias, p. 158-159). Araken dc Assis: “Impcnde estabelecer, precisamente, sc o ato do juiz entregou o bem a um dos litigantes ou apenas preveniu a sua entrega, coiocanclo-o a salvo dc ambos, a exemplo do que ocorre no arresto e no seqüestro: no primeiro caso, há satisfação do direito matéria!, ainda que reversível; no segundo, há simples cautela "(Doutrina eprática do processo civil contemporâneo, p 438) Nelson Neryjr. e Rosa Maria de Andrade Ncry: tutela antecipatória “é tutela satisfativa no plano dos fatos, já que realiza o direito, dando ao requerente o bem da vida por eíe pretendido com a ação de conhecimento” (Código dc Processo Civil Comentado t Legislação Processual Civil Extravagante em Vigor, p 7,30). Luiz Orione Neto: “Para obviar esse fenômeno das medidas cautelares satísfativas e adaptar o processo civil às exigências da nossa civilização industrializada e de massa, com autêntica multiplicação de situações dc urgência, o legislador or­dinário decidiu arrostá-lo sem rodeios E o fez através das regras estabelecidas no art 273 do CPC , Efetivamente, esse preceito legal veio estabelecer um divisor de águas, alterando substancialmente esse fenômeno De ora em diante, as ações cautelares - quer nominadas, quer inominadas - se destinarão exclusivamente a salvaguardar o resultado útil e eficaz do processo principal, mantendo sua natureza conservativa e assecuratória de direitos; já as pretensões de natureza satisfativa de direito material somente poderão ser deduzidas na própria ação de conhecimento, através da técnica antecipatória” (Liminares no processo civil, p 1 1 0 ). Carlos Augusto de Assis: “De fato, como deixamos transparecer nos parágrafos acima, somos da opinião de que a atividade cautelar não se coaduna com a satisfação. Quem acautela assegura, não satisfaz., Ainda que, para efeitos de racio­cínio, se admita, como entendem certos autores, a possibilidade de um provimento acautelatório acabar por se revelar satisfativo (o que, segundo nos parece, desnaturaria a atividade cautelar), estaríamos,no mínimo, diante de uma atividade cautelar atípica” (Aantecipação da tutela, p. 129- 130). Adroaldo Furtado Fabricio: “Ao passo que a função cautelar se exaure na asseguração do resultado prático de outro pedido, sem solucionar sequer provisoriamente as questões pertinentes ao mérito deste, a antecipação de tutela supõe necessária uma tal solução, no sentido de tomada dc posição do juiz, ainda que sem compromisso definitivo, relativamente à postulação do autor no que se costuma denominar‘processo principal’ (no caso o único existente). Em sede cautelar certamente se faz algum exame dessa pretensão, mas com o fito único de apurar se ela é plausível (presença do fumus boni ittris) e sc a demora inerente à atividade estatal pode pôr em risco o seu resultado prático (periculum in mora) Não assim na hipótese de antecipação da tutela: ai, o sopeso da probabilidade de sucesso da postulação ‘principal’ (e única) se faz para outorgar desde logo ao postulante o bem a vida, que, a não ser assim, só lhe poderia ser atribuído pela sentença final” (Breves notas sobre os provimentos antedpatórios, cautelares eliminares.y//í/m66/16-17) Athos Gusmão Carneiro: “Uma coisa é proteger, mediante processo autônomo, a eficácia da sentença a ser proferida em outro processo, dito‘principal’. Coisa substancialmente diversa é realizar desde logo, embora provisoriamente, a pretensão contida no processo principal”’ (Da antecipação da tutela no

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66 TEORIA GERAL DATU T ELA CAU TE LAR

do Código de Processo Civil italiano9 {correspondente ao nosso art. 798) - que seria sinal dc escassa honestidade intelectual, ou, ainda, de ingenuidade não escusável, pen­sar que o pagamento que satisfaz um crédito alimentar, ainda que fundado em um provimento cautelar, não implique satisfação do direito de crédito, mas sirva apenas para acautelá-lo 10

3.4 A tutela antecipatória nas ações declaratória e constitutiva

Quando se está diante de um pedido declaratório ou de um pedido constitu­tivo, a noção de tutela antecipatória não é tão clara como quando a hipótese envolve pedidos condenatório, executivo ou mandamental.

Nas ações declaratória e constitutiva, há tutela antecipatória quando da decisão sumária se extrai a realização de um direito, ou uma tutela dc direito que teria como pressuposto as tutelas declaratória e constitutiva finais, ou seja, as tutelas declaratória e constitutiva eventualmente prestadas através das suas respectivas ações.

Nestas ações, há tutela cautelar quando se assegura a situação jurídica tutelá­vel, Extrai-se da decisão sumária, no caso de tutela cautelar, somente a segurança da situação substancial a que se almeja tutelar através do processo principal

processo civil, p., 6-7).. ICazuo Watanabe:*A tutela antecipatória é satisfativa, parcial ou totalmente, da própria tutela postulada na ação dc conhecimento A satisfação sc dá através do adiantamento dos efeitos, no todo ou em parte, do provimento postulado Já na mteia cautelar, segundo a dou­trina dominante, há apenas a concessão de medidas colaterais que, diante da situação objetiva de perigo, procuram preservar as provas ou assegurar a frutuosidade do provimento da‘ação principal’. Não é dotada, assim, de caráter satisfativo, a menos que se aceite, como fazemos, a existência de direito substancial de cautela, que é satisfativo pelo provimento concessivo da tutela cautelar” (Tutela antccipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer Reforma do Código de Processo C/W(coord Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira), p. 38) No mesmo sentido Ovidio BaptistadaSiIva(C7/n(?í/t’/>7'orír«oa'ui7,v.,3 ,cit ),Donaido Armelin (A m tela jurisdicional cautelar, cit.) c L uiz Fux {Tutela da segurança e tutela da evidência) Os tribunais também já mostraram a distinção entre a tu rei a antecipatória e a tutela cautelar OTJPR assim já decidiu; “O processo cautelar não se presta para a antecipação da eficácia do provimento jurisdicional que será objeto da futura ação principal, vale dizer, o processo cautelar ô inadequado para a antecipação da tutela” (I a CC, Ap.. Cível 44 106*5 (12.273), rei Des Pacheco Rocha) Nesta mesma linha, e apenas para exemplificar: TJDF, 3 CC, Al 556 495, rei Des Mário Machado, D JU 28 02,1996, p2 353 Oit seja, os tribunais epraticamente a totalidade da doutrina contemporânea entendem que há indisfarçãvcldistinção entre tutela antecipatória e tutela cautelar.

Sobre o art. 700 do CPC italiano, que institui os provvedimenti d ’urgenza, ver Ferruccio Tommasco,Iprovvedimenti d 'urgenza-struttura elimiti delia tutelaanticipatorur, Giovanni Anota, Iprovvedimenti d urgenza] Enrico A Dini e Giovanni bizmmonc,!provvedimenti d'urgenza (nel diritto processuale civile e nel diritto dei lavoro)\ L,otário Dittrich, 11 prowedimento d’urgenza II nuovoprocesso cautelare (a cura di Giuseppe Tarzia), p, 175 e ss.

10 Giovanni Verde, Cattuazione delia tutela d urgenza La tutela d'urgenza, p. 92

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DA TUTELA CAUTELAR ÀTUTELA ANTECIPATÓRIA 67

Ou seja, no caso de ações declaratória e constitutiva, a tutela cautelar assegura a situação tutelável, enquanto a tutela antecipatória realiza o direito ou presta a tutela do direito que pode ser extraído a partir da declaração ou da constituição.,

Mas, tratando-se especificamente da tutela antecipatória, considere-se, em primeiro lugar, a tutela antecipatória que pode ser postulada no curso da ação decla­ratória. Não é viável a antecipação da eficácia declaratória ou se conferir na forma antecipada o bem da “certeza jurídica”, capaz de ser atribuído pela sentença decla­ratória.. A cognição inerente ao juízo antecipatório é, por natureza, inidônea para atribuir ao autor a “declaração” - ou a “certeza jurídica” por ele objetivada.

Não obstante, Ferruccio Tommaseo, um dos maiores especialistas em tutela cautelar na Itália, entende que mesmo a declaração sumária pode ser útil ao autor que necessita praticar urgentemente um ato e teme que a sua atuação possa ser considerada ilegítima. Exemplifica com o caso do empregador que, necessitando despedir empregado de forma urgente, mas temendo que o seu ato seja considerado ilegítimo, propõe ação declaratória e pede declaração sumária da legitimidade do ato de despedida.11

Acontece que a declaração sumária da legitimidade de um ato nada vale quan­do se constata que o juiz pode julgar improcedente o pedido declaratório ainda que tenha, no juízo antecipatório, “declarado sumariamente” algo no sentido inverso., Se o juizjulga improcedente o pedido declaratório, fica definida a ilegitimidade do ato que, na “decisão sumária", foi suposto legítimo, devendo o autor responder como se a declaração sumária não houvesse sido pronunciada., Sendo assim, c se o autor não precisa de autorização judicial para, por exemplo, despedir um empregado, não há como se vislumbrar alguma utilidade na “declaração sumária”.

Porém, tratando-se de ação declaratória que objetiva demonstrar a ilegiti­midade de um ato, o autor pode requerer, mediante tutela antecipatória, que o juiz ordene ao réu não fazer o que a procedência da demanda declaratória demonstrará ser ilegítimo fazer. Assim, por exemplo, o autor de uma ação declaratória de que um contrato social impede a prática de um ato pela maioria simples da vontade dos sócios poderá requerer que o juiz ordene não seja praticado o ato que, ao final, será declarado ilegítimo

A tutela que impede a prática do ato que a ação objetiva declarar ilegítimo não é apenas uma declaração sumária, pois ordena um não fazer. Na verdade, ao ordenar o não fazer, a decisão sumária antecipa uma tutela do direito (inibitória) Tal tutela sumária, ao ordenar o não fazer, não acautela a situação tutelável, mas presta uma tutela do direito ou realiza um direito.

E possível, ainda, que o autor da ação que objetiva declarar a legitimidade de um ato tenha a necessidade de pedir que o réu se abstenha de impedir a prática do

l! Ferruccio Tommaseo, Iprovvedimenti d'urgenza - Struttum e limiti delia tutela antici- patoria, c it, p. 257 e ss.

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68 T EORIA GERAL DATUTELA CAUTELAR

ato, que não poderia ser contestado se já houvesse sido proferida a sentença declara­tória. No caso em que o autor obtém tutela para poder exercer um direito que ainda será declarado, fica fácil perceber o seu caráter antecipatório. A tutela, neste caso, não está assegurando a possibilidade de o autor realizai o direito no futuro, porém viabilizando o seu imediato exercício,

Nestas hipóteses, o caso não é de mera declaração sumária, Se da declaração sumária extrai-se algum efeito mandamental ou executivo, não se está, à evidência, diante de uma “declaração sumária'’,. A declaração sumária, por si só, ainda que seja da ilegitimidade de um ato, nada vale, já que a sua efetividade fica na dependência da vontade do réu,

Admitir a efetividade da “declaração sumária” da ilegitimidade de um ato é o mesmo que supor que a ação declaratória é suficiente para, por exemplo, impedir alguém de continuar praticando atos de concorrência desleal

Da mesma forma que a ação que visa a obrigar alguém a não fazer ~ prevista no art. 461 do Código de Processo Civil - não pode ser transformada em ação de~ claratória, a tutela antecipatória na ação declaratória não pode sei confundida com uma declaração sumária. Recorde-se, apesar de óbvio, que a declaração sumária não atua sobre a vontade do réu, visando ao seu adimplemento. Apenas a ordem, imposta sob pena de multa, pode pressionar o réu a não fazer e, portanto, ter alguma efetividade.12

Entretanto, ainda que não seja possível antecipar a eficácia constitutiva da sentença - da mesma forma que não se pode conceber a antecipação da eficácia declaratória nada impede uma constituição fundada em cognição sumária, nem mesmo a alegação de que a sentença constitutiva produz efeitos ex mmc.

Basta pensar na tutela que fixa provisoriamente o aluguel, expressamente ad­mitida na ação revisional do valor da locação.. A decisão que fixa provisoriamente o aluguel não antecipa qualquer efeito executivo tendente a possibilitar a obtenção do novo aluguel, Com a fixação provisória do novo aluguel, não se objetiva abrir ao autor o caminho da execução para a obtenção de soma em dinheiro, até porque sequer se supõe inadimplemento de obrigação de pagai aluguel na ação revisional. Neste caso há somente a modificação provisória do valor da locação.

E certo que esta mutação provisória poderia não ter utilidade se, por exemplo, o locador não pudesse propor ação de despejo com base em falta de pagamento do aluguel fixado provisoriamente. Observe-se, contudo, que o fato de ser possível a uti­lização da ação de despejo nada tem a ver com a (ím)possibilidade técnico-processual da provisoriedade da constituição, mas apenas com a sua efetividade.

Quando é possível extrair da constituição provisória alguma pretensão conde­natória, mandamental ou executiva, a provisoriedade assume efetividade, Perceba-

12 Luiz Guilherme Marinoni, Antecipação da tutela, cit., p 60-61

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DATUTELA CAUTELARÀTUTELA ANTECIPATÓRIA 69se, porém, que a hipótese da constituição provisória do aluguel difere em muito do exemplo da declar ação sumária da legitimidade da despedida do empregado, já que a fixação provisória do aluguel modifica, ainda que provisoriamente, uma relação jurídica, enquanto que a mera declaração sumária não implica qualquer alteração ou interferência no plano substancial.13

Ademais, o autor pode requerer, mediante tutela antecipatória, que o réu se abstenha de praticar atos que possam impedir o exercício das faculdades que estão contidas no direito a ser constituído,. E o que pode ocorrer, por exemplo, na ação constitutiva de servidão

Também é inegavelmente antecipatória a tutela que suspende a eficácia de um ato que se pretende ver anulado, Impede-se, antecipadamente, que o ato produza efeitos contrários ao autor, Há uma correlação nítida entre a suspensão da eficácia e a tutela desconstitutiva; o autor, através da suspensão da eficácia, desde logo se vê livre dos efeitos do ato impugnado

Perceba-se, entretanto, que não basta a mera suspensão da eficácia. E preciso que ela seja observada - ou cumprida - para que tenha alguma relevância jurídica A tutela antecipatória, em alguns casos de suspensão de efeitos de ato que se pretende ver desconstituído ~ como, por exemplo, no caso de anulação de deliberação de assembleía social implica um non facere, viabilizando-se, assim, na imposição de uma ordem de não fazer, sob pena de multa.

Objetiva-se, com a suspensão da eficácia, afastar os efeitos do ato que se pretende anular Se com a sentença há a desconstituição do ato, impedindo-se a produção de efeitos a partir da sua pronúncia, com a tutela antecipatória há a suspensão da eficá­cia, impedindo-se antecipadamente que o ato produza efeitos concretos contrários ao autor.

Nesta linha, se é aceita a premissa de que é possível a suspensão dos efeitos da sentença rescindenda - e esta premissa é absolutamente correta, já que uma sen­tença facilmente enquadrável em um dos incisos do art. 485 do Código de Processo Civil não pode produzir efeitos prejudiciais, enquanto pende a ação rescisória que provavelmente será de procedência - , o autor obviamente pode requerer, via tutela antecipatória, a suspensão dos efeitos da sentença,.Aliás, a Lei 11.280/2006 alterou a parte final do art. 489 do Código de Processo Civil, para evidenciar a possibilidade de se requerer tutela antecipatória na ação rescisória, ou seja, para se requerer a sus­pensão dos efeitos da decisão rescindenda,1-'

Se um ato não pode produzir efeitos e, por isso, deve ser desconstituído, a tu­tela que obsta a prática de um ato, que não poderia ser praticado se já houvesse sido proferida a sentença desconstitutiva, deve ser definida como antecipatória..

n Idem, p.. 62-63,14 Tese que sustentamos desde 1994 (cf Luiz Guilherme Marinoni, Antecipação da tutela,

cit.,p 68-69).

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70 TEORIA GERAL DATUTELA CAUTELAR

3.5 A zona de penumbra d as tutelas cautelar e antecipatória. O § 7.° do art. 273 do Código de Processo Civil

Após a nova regra do art 273 do Código dc Processo Civil, sentiu-se certa dificuldade, na prática forense, em precisar a natureza da tutela de cognição sumária contra o periculum in mora nas ações declaratória e (d es) constitutiva

A tutela de urgência é gênero, do qual são espécies a tutela antecipatória (ba­seada em periculum in mora) e a tutela cautelar., A tutela antecipatória pode configu- lar antecipação siricto senstt da tutela perseguida no processo de conhecimento, ou somente antecipar tutela que suponha a declaração ou a constituição, Neste último caso, segundo o legislador, a tutela antecipatória pode ser confundida com a tutela cautelar

Existiria aí uma zona de penumbra capaz de embaralhar os operadores do direito Ao admitir tal dificuldade, o legislador inseriu o § 7.,° no art 273 (por meio da Lei 10 444/2002), dizendo que, se a título dc tutela antecipatória for requerida providencia de natureza cautelar, poderá ojuiz,presentes os r espectivos pressupostos, deíerir a tutela cautelar em caráter incidental no processo instaurado,

O § 7 ° do art. 273 alude a uma ideia de fungibilidade, e esta pressupõe duas espécies de providências que possam ser racional e justiíicadamente confundidas, e, assim, uma dúvida objetiva e razoável.

Frise~se, não obstante, que o § 7 o do art. 273, ao admitir a confusão entre as tutelas cautelar e antecipatória, sublinha a distinção entre ambas. Isto por uma razão de lógica elementar: somente coisas distintas podem ser confundidas,

Com efeito, o § 7 0 do art. 273 não supõe a identidade entre tutela cautelar e tutela antecipatória Tal norma, partindo do pressuposto de que, em alguns casos, pode haver confusão entr e as tutelas cautelar e antecipatória, deseja apenas ressalvar a possibilidade de se conceder tutela urgente no processo de conhecimento nos casos cm que houver dúvida fundada e razoável quanto à sua natureza (antecipatória ou cautelar).

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4Da Tutela Cautelar às Tutelas

contra o Ato Contrário ao Direito (Tutelas Inibitória e de Remoção do Ilícito)

S u m á r i o : 4..1 Tutela inibitória - 4.2 O direito material à tutela inibitória- 4.3 Tutela inibitória como tutela específica do direito material - 4 4 Tutela inibitória e tutela dc remoção do ilícito - 4.5 Tutela inibitória e tutela cautelar- 4 6Tutela de remoção do ilícito e tutela cautelar

4.1 Tutela inibitória

A tutela inibitória se destina a impedir a violação de um direito Mais preci­samente, ela pode se voltar a impedir a prática de ato contrário ao direito, ou mesmo a sua repetição ou continuação.1

! Sobre a tuteia inibitória, além do volume 2 deste Curso de Processo Civil (Processo de Conhecimento, c it, p 435 e ss , p 297 e ss ), ver L uiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, c it ; Luiz Guilherme Marinoni, Tutela específica] Luiz Guilherme Marinoni, Técnicaprocessuale tutela dos direitos, cit.; Sérgio Cruz Arenhart, Perfis da tutela inibitória coletiva-, Sérgio Cruz Arenhart, A tutela inibitória da vida privada; Clayton Maranhão, Tutela jurisdicional do direito à saúde, São Paulo, RT, 2003; Clayton Maranhão,Tutela jurisdicional específica do direito à saúde nas relações de consumo: um capítulo do d i rei to processual do consumidor. Revista de Direito Processual Civil, v. 24; Luciane Gonçalves Tessler, Tutelasjurisdicionais do meio ambiente - Tutela inibitória, tutela de remoção e tutela ressarcitória naforma específica; L uciane Gonçalves Tessler, A possibilidade da majoração da multa coercitiva para a prestação da tutela inibitória Revista de Direito Processual Civil, v 21; Joaquim Felipe Spadoni, Ação inibitória, Paulo Ricardo Pozzolo,Açào inibitória no processado trabalho] Antônio Souza Prudente,Tutela inibitória cm matéria tributária.. Revista de Direito Processual Civil 20] Roberto Benghi Del Claro, A tutela inibitória na proteção do meio ambiente. Revista de Direito Processual Civil, v. 19; Cleide Kazmierski, A ineficiência do art 287 do CPC para a proteção do direito à exclusividade no uso da marca Revista de Direito Processual Civil, v.. 20; Luiz Fernando Pereira, Tutela inibitória na proteção de marca comercial Revista de Direito Processual Civil,v. 20; Rafaela Almeida do Amaral,Tutela inibitória e concorrênciadesleal Revista de Direito Processual Civil, v. 21 No direito italiano: Aldo Frignani, Z ínjunction nella common lavv e Tinibitoria nel diritto italiano] Aldo Frignani, Inibitória (azione) Enciclopédia dei diritto, v 21, p. 559 e ss.; Aldo Frignani, Azione in cessazione. Novíssimo Digesto Italiano (appcndicc

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72 TEORIA GERAL DATUTELA CAUTELAR

A sua compreensão requer a separação entre ato contrário ao direito e fato danoso O conceito de ilicito civil, durante grande período de tempo, associou o ato contrário ao direito e o dano Na verdade, embora a doutrina percebesse a distinção entre ato contrário ao direito e dano, supunha que o dano era indispensável para o ilicito ter relevância no âmbito civil, ou que um ato contrário ao direito que não produzisse dano ali não teria significado,,

A doutrina, para assim concluir, unificou as categorias da ilicitude e da res­ponsabilidade civil, como se a tutela contra o ilicito apenas pudesse ser uma tutela contra o dano, isto é, uma tutela ressarcitória, A prática do ilícito, por ser a prática do dano, dava ao lesado a tutela ressarcitória, e, como o dano podia ser valorado em dinheiro, esta tutela era mais precisamente a tutela ressarcitória pelo equivalente ao valor do dano.

Portanto, a tutela contra o ilicito, para a doutrina clássica, tinha apenas o obje­tivo de outorgar tutela aos bens patrimoniais, supondo, por conseqüência, que o bem jurídico objeto da proteção jurisdicional era uma mercadoria ou uma coisa dotada dc valor dc troca Ncstc sentido, a tutela contra o ilícito implicou na mercificação dos direitos

Porém, as novas situações substanciais evidenciaram a necessidade de se tutelai' apenas contra o ato contrário ao direito, e, assim, contia o ilícito que prescinde da sua normal conseqüência, isto é, o fato danoso Basta lembrar que o Estado constitucional tem o dever de editai- normas proibitivas ou impositivas de condutas para evitar danos aos direitos fundamentais. Para a efetiva atuação destas normas é imprescindível a tuteia jurisdicional contra o ato contrário ao direito que deixou efeitos concretos que se propagam no tempo, como, por exemplo, o despejo de lixo tóxico em local proibido pela legislação ambiental, ou a exposição à venda de produto com composição afirmada nociva por norma de proteção à saúde. O mesmo ocorre em relação a outras normas que, por exemplo, protegem contra a concorrência desleal ou contra a usurpação de direito de marca ou de patente de invenção.

A tutela contra o ilícito, em tais hipóteses, não se volta contra um dano, mas apenas contra um ato contrário ao direito que deixa marcas no tempo, constituindo, por assim dizer, uma fonte capaz de gerar danos Percebe-se com nitidez, a partir

I),p. 639 e ss ; Aldo Frignani, Inibitória (azione) Enciclopédia Giuridica Treccam, v 17, p. 1 e ss ; Cristina Rapisarda, Profsli delia tutela crjile inibitória, cÉt.; Cristina Rapisarda, Inibitória. Digesto delle disciplinepnvaústichc v.. 9, p 475 e ss.; Cristina Rapisarda e MicheleTaruffo, Inibitória. Enciclopédia Giuridica Treccani,v. 17, p 1 e ss.; Ugo Mattei, Tutela inibitória t tutela risarcitoria; Mario Libertini, La tuteia civile inibitória. Processo e tecniche di attuazione dei dirittip. 315 e ss..; Luigi Montesano, Problemi attuali su limiti e contenuti (anche non patrimoniaii) delle inibitorie, normali c urgenti Rivista Trim estrale di Diritto t Procedura Civile, p. 775 e ss. Na Argentina: Ricardo Luis Lorenzetti, La cutela civil inhibitoria. La Ley, 1995-C; Noemi Lidia Nicolau, La tutela inhibitoria y el nuevo articulo 43 de la Constitución Nacional La Ley, 1996-A; Jorge W Peyrano La acción preventiva.

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TUTELA CAUTELARÀS TU T ELAS CONTRA O AIO CONTRÁRIO AO DIREI IO 7 3

dai, que o dano é uma conseqüência do ilícito e, mais do que isto, uma conseqüência eventual - não necessária - do ato contra o direito 2

Não há porque supor, nesta dimensão, que o interesse de agir na ação contra o ilícito seja dependente de um dano, a menos que se deseje limitar, sem qualquer justificação plausível, a função do processo civil à tutela contra o dano, como se o ato contrário ao direito continuasse a não lhe dizer respeito.

Não obstante, aí não haveria como explicar a tutela civil dos direitos coletivos e difusos,para a qual é imprescindível a atuação do desejo das normas de proteção de dir ei­tos difusos ou coletivos, e desta forma a tutela contra o ato contrário ao direito, ou, mais precisamente, a tutela capaz de remover os efeitos concretos deixados pela ação ilícita,.

De modo que, se a distinção entre ilícito e dano sempre foi identificável na perspectiva lógica, hoje ela ê imprescindível para a construção de uma teoria capaz de dar conta da necessidade de tutela das novas situações de direito substancial.

Nesta perspectiva, a dificuldade de distinguir as tutelas contra o dano e contra o ato contrário ao direito passa a depender muito mais da circunstância de que, em uma perspectiva material e cronológica, o ato contrário ao direito e o dano muitas vezes ocorrem no mesmo instante, do que na antiga ideia de que o ato contrário ao direito não teria importância para o processo civil.3

Se existe tutela posterior ao ilícito, que não se confunde com a tuteia contra o dano, há tutela anterior ao ilícito, que não requer a probabilidade de dano,, Trata-se da tutela inibitória, cujo pressuposto único é a ameaça da prática de ato contrário ao direito,4

2 Ver Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, cit,, p 40 “Corne noto, a partire dalla metà degli anni 60 un consistente orientamento dottrinale ha posto in luce fimportanza delia distinzíone tra ilíecko (come condotta antigiuridka) e danno, come fatto storico, materiale, che può essere (eventuale) consegucnza deU'üIectto, o può derivare da fatti non suscettibili di tale qualificazione” (Míchele Mòccioía, Problemi dei risarámento dei danno in forma spccifica nella giui isprudenza. Rknsta CriticaddDirittoPriva to,p 367).“IIriíerimento alTart 2.043 códice civiíe ha un significato innovatore, se si traggono tutte le conseguenze dalla revisione che la dottrina piü recente haoperato delTintera matéria delfillecito civile. Uno dei piü proficui risultatidi tale revisione appare, infattí, la netta distinzíone tra atto Ulccko e fatto dannoso da cui deriva la responsabilità civile” (Cesare Salvi, Legittirmtà e “razíonalità” delTart. 844 Codice Civile, cit., p. 590).

3 “Para evidenciar que o dano não é elemento constitutivo do ilicito, argumentou-se que, quando se diz que não há ilicito sem dano, identifica-se o ato contra itis com aquela que e a sua normal conseqüência, e isto ocorreria apenas porque o dano é o sintoma sensível da violação da norma. A confusão entre üicito e dano seria o reflexo do fato de que o dano é a prova da violação e, ainda, do aspecto de que entre o ato Uicito e o dano subsiste frequentemente uma contextuali- dade cronológica que torna dlfictl a distinção dos fenômenos, ainda que no plano lógico” (Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, c it , p, 44).. Ver Eduardo Bonasi Benucci, Atto illecito e concorrenza sleale, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, p 569.

4 “Note-se,porém,queseodanoc umaconsequéncia meramente eventual c não necessária do ilícito, a tuteía inibitória não deve ser compreendida como uma tutela contra a probabilidade

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74 TEORIA GERAL DA TUTEL A CAUTELAR

A tutela que não se volta contra o dano, seja posterior ou anterior ao ilícito, também sc desliga do pressuposto da culpa A culpa é um critério para a imputa- ção ressarcitória, ou melhor, um critério para a responsabilização pelo dano, sendo totalmente prescindível à tutela contra o íiícito e, com mais evidência, para a tutela contra a ameaça de ilícito,

E absurdo imaginar que alguém, para corrigir ou evitar um ilícito, tenha que demonstrar culpa O direito de evitar a propagação dos efeitos concretos do ilícito e de inibir o ilícito logicamente não depende de culpa.. Ninguém pode impedir a concessão de qualquer destas tutelas afirmando não ter culpa. Exemplificando: nin­guém pode alegar, para descaracterizar a tutela de remoção do ilícito, que não agiu com culpa ao colocar produto com composição proibida no mercado, ou afirmar que não sabia que determinada marca comercia! pertencia a outrem para ver denegada a tutela inibitória

Diante de tudo isto, não é apenas importante sublinhar que o direito à tutela inibitória não requer sequer afirmação de probabilidade de dano-bastando a alegação dc ameaça de violação de direito mas também evidenciar que o dano e a culpa não podem ser objeto da cognição do juiz, da investigação probatória ou da discussão das partes na ação endereçada à obtenção da tutela inibitória. O juiz não pode pensar em negar a tutela inibitória por falta dc probabilidade de dano, como também não pode exigir do autor a sua demonstração, Do mesmo modo, o réu não pode se defender alegando a inexistência de probabilidade de dano.

Não que a probabilidade de dano não possa ser alegada pelo autor. Lembre-se que o dano,por muitas vezes ocorrer no mesmo instante do ilícito, facilmente identifica e evidencia o ato contra o direito. O que se quer deixar claro é que o dano não precisa ser necessariamente invocado e demonstrado para a obtenção da tutela inibitória,

Note-se que, do ponto de vista probatório, é muito mais fácil provar a probabili­dade da prática de ato contrário ao direito, do que a probabilidade de dano

Esclareça-se, porém, que dizer que basta a probabilidade de ilícito obviamente não significa excluir do campo probatório da ação inibitória a questão da própria ilici- tude, mediante a limitação da cognição judicial à probabilidade de uma “ação física” Exige-se, além da probabilidade desta ação ou de um agir, a demonstração de que este agir é ilícito, através do confronto entre a descrição do ato temido e o direito

De outro lado, é preciso sublinhar que a tutela inibitória, ao ter como pressu­posto somente a ameaça da prática de ato contrário ao direito, pode ser utilizada não apenas quando se teme uma primeira violação, mas também quando se teme a sua repetição ou mesmo a continuação da atividade ilícita.

do dano, mas sim como urna tutela contra o perigo da prática, da repetição ou da continuação do ilícito, compreendido como ato contrário ao direito que prescinde da configuração do dano" (Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, c it , p. 45).

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TUTELA CAUTELAR ÀS TUTELAS CONTRA O ATO CONTRÁRIO AO DIREITO 7 5

Quer isto dizer que a tutela inibitória pode impedir a publicação de notícia lesiva a direito da personalidade ou mesmo a difusão da publicação de notícias lesivas a direito da personalidade, assim como inibir a utilização de marca comercial ou a repetição do seu uso E, ainda, pode inibir a continuação de atividade ilícita, como o prosseguimento de atividade poluidora..

A circunstância de a tutela impedir a repetição ou a continuação do ilícito, e, portanto, aceitar um ilícito já praticado, certamente não lhe retira a natureza preventiva A tutela, mesmo nestas duas hipóteses, é voltada para o futuro, ou melhor, para proteger contra algo que ainda não aconteceu, mas apenas pode vir a ocorrei Contra o que já aconteceu “ por exemplo, ilícito que deixou marcas concretas ou dano derivado do ilícito

terão que ser requeridas, respectivamente, a tutela de remoção do ilícito e a tutela ressarcitória, Em resumo, para efeito de tutela inibitória, não tem qualquer relevância o dano ou o ilícito que já ocorreu e cuja repetição ou continuação não se teme

4.2 O direito material à tutela inibitória

A tutela do direito é decorrência da existência do próprio direito, A tutela inibitória é inerente à existência do direito Todo cidadão tem o direito de impedir a violação do seu direito

Como é evidente, não basta que o ordenamento jurídico afirme um direito, sendo imprescindível lhe conferir tutela ou proteção. Porém, um ordenamento jurí­dico caracterizado pela proibição da autotutela certamente deve propiciar adequada tutela jurisdicional aos direitos,

Assim, a consagração de direitos faz surgir, por conseqüência lógica, o direito à tutela jurisdicional, isto é, 0 direito de pedir, conforme 0 caso, o impedimento da sua violação, a sua reparação etc., De modo que o direito à tutela jurisdicional inibitória é decorrência natural do direito material.5 Portanto, a tutela inibitór ia - que é a genuína

5 E isto sc torna ainda mais evidente “quando se pensa nos direitos que não podem ser tutelados de forma adequada através do ressarcimento em pecúnia (p e x , concorrência desleal) e, principalmente, nos direitos não patrimoniais Não viabilizar a tuteia inibitória quando em jogo direitos não patrimoniais é admitir a sua expropriação, transformando-se o direito ao bem em direito ao ressarcimento ou, em outras palavras, em simples pecúnia Tal possibilidade, como é óbvio, está muito distante das Constituições fundadas na dignidade do homem e preocupadas em propiciar a sua inserção em uma sociedade mais justa. A Constituição Federal afirma ex­pressamente que: i) são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art.5 °,X); ii) é inviolável 0 sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados c das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (art. 5 °, XII); iii) aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros peio tempo que a lei fixar (art 5 °, XXVII); iv) a iei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às

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76 TEORIA GERAL DA IUIELA CAUTELAR

tutela preventiva - é imanente a qualquer ordenamento jurídico que se empenhe em proteger - e não apenas em proclamar - os direitos

Sublinhe-se, porém ~ como já explicado no volume 1 deste Curso de Processo Civil6 que o direito à tutela do direito não se confunde com o direito de ação. O direito fundamental de ação (à tutela jurisdicional efetiva) garante as técnicas pro­cessuais adequadas à prestação da efetiva tutela do direito material,. Ou seja, a tutela inibitória deriva do direito material, enquanto a ação capaz de prestá-la está ancorada no direito fundamental de ação.

O direito de buscar a tutela inibitória através da ação evidencia que o direito de ação, apesar de abstrato e atípico, outorga o direito às técnicas processuais idôneas à perseguição da tutela inibitória,. Trata-se, mais precisamente, da ação adequada a permitir, obviamente que no caso de o direito material ser reconhecido, a obtenção da tutela inibitória,7

43 Tutela inibitória como tutela específica do direito material

A tutela do direito material é especifica quando preocupada com a proteção da integridade do direito. E a tutela que se contrapõe à tutela pelo equivalente ao

criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes dc empresas c a outros signos distinti­vos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País (art 5,°,XXIX); v) o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor {art. 5 " , XXXII); vi) todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo c preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225, caput). Supõe-se, como é óbvio, que tais direitos devam ser efetivamente tutelados, até mesmo porque a falta de efetividade da tutela jurisdicional implica a existência de um ordenamento impotente à tutela dos direitos" (Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, cit,., p. 83-84).

6 Luiz Guilherme Marinoni, Teoria Geraldô Processo {Curso de Processo CivU, v. 1 ), c it , p. 244 e ss , p. 265 e ss.

7 “O objetivo da distinção entre tutela do direito e técnica processual é o de verificar se a legislação possui instrumentos processuais (técnica processual) efetivamente capazes de propiciara tutela dos direitos. Para tanto, é necessário analisar, como antecedente lógico, o que é vital à proteção dosdireitos,paradepoisverseosinstrumentos processuais estão adequadamente preordenadospara permitir a tutela que lhes é inerente Tal distinção traz ao direito processual um novo valor, calcado na necessidade de verificar sc o processo está realmente preparado para assumir plenamente a função de tutela dos direitos, ou se é algo incapaz de fazer o Estado cumprir com o dever que assumiu no momento em que proibiu a autotutela. Se não é possível negar, diante da consideração do direito material, o direito à tutela inibitória (por exemplo), fica o legislador infraconstitucional obrigado a estabelecer os instrumen tos adequados para garanti-la,sob pena de descumprír o preceito constitu­cional consagrador do direito fundamental de ação Isto quer dizer que a tutela jurisdicional inibitória, que é resposta do processo ao direito à tutela inibitória, deve constituir tu tela jurisdicional que possa efedvamenre inibir a prática, a repetição ou a continuação do ilicito. E por isso que a tutela jurisdi­cional inibitória pode ser prestada antecipadamente (quando for o caso) e por meio das sentenças e meios de execução adequados” (Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, cit., p *8.3-84)..

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TUTELA CAUTELAR ÀSTUTELAS CONTRA O ATO CONTRÁRIO AO DIREITO 7 7

valor do dano ou ao valor da prestação.. Em outras palavras, a tutela específica não se conforma com a transformação do direito em pecúnia, constituindo uma tuteia que i) inibe a ocorrência do ilícito, ii) remove os efeitos concretos derivados do ato ilicito, iii) repara o dano na forma específica ou iv) garante o cumprimento especifico da prestação inadimplida ou adimplida de modo imperfeito, isto é, com vício.,

Como está claro, a tutela especifica não é algo que faz parte do aparato de téc­nicas disponibilizadas pelo direito processual, e assim não pode ser confundida com a técnica antecipatória, com a sentença mandamental e assim por diante. A tutela especifica está no plano do direito material, de modo que deve ser proporcionada pelas técnicas processuais ,

Assim, é fácil perceber que a tutela inibitória é a mais importante das espécies de tutela específica, eis que voltada a impedir a violação do direito, não servindo apenas a estabelecer i) a situação anterior à da violação do direito ou a situação que existiria caso a norma houvesse sido observada (tutela de remoção do ilícito); ii) a situação que existiria caso o dano não houvesse ocorrido (tutela ressarcitória na forma específica); e üi) o cumprimento da obrigação na forma especifica ou de modo perfeito (tutela do adimplemento na forma específica).

Lembre-se que, quando os arts. 461 do CPC e 84 do CD C aludem a “tutela especifica”, eles se referem à tutela especifica do direito material, deixando um reca­do para os operadores do direito, no sentido de que as tutelas especificas do direito material poderão ser obtidas mediante 0 uso das técnicas processuais presentes nos parágrafos dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, conforme a particular necessidade de tutela do direito material e as peculiaridades do caso concreto.8

H “O dírcíto de ação, hoje, é muito mais do que 0 direito à ação adequada ao plano do direito material O legislador não sc limitou - nem poderia - a estabelecer técnicas processuais adequadas ao plano do direito material, mas instituiu cláusulas gerais, assim como técnicas pro­cessuais dotadas de conceitos indeterminados, com 0 objetivo dc dar ao cidadão 0 direito de construir a ação adequada ao casa concreto. Alegitimidade dajurisdição depende dos direitos de o autor influir sobre 0 convencimento do juiz e utilizar as técnicas processuais adequadas à proteção do direito material. Acontece que, conforme dito acima, não se pode exigir do legislador a estruturação de tantos procedimentos especiais quantas sejam as situações dc direito substancial carentes de tutela Arnda que se pudesse tentar cumprir tal tarefa através de um trabalho hercúleo e não producente, jamais seria possível criar procedimentos ou técnicas processuais que se ajustassem perfeitamente às variadas situações de direito material, pois essas, ainda que possam ser visualizadas em abstrato, sempre estão na dependência das circunstâncias do caso concreto. (...) A legislação processual civil brasileira impõe a tese do direito à construção da ação adequada ao caso concreto. Além dos arts, 461 do CPC e 84 do CDC, que expressamente dão ao autor o poder de agregar à sua ação a técnica processual idônea, o art.. 83 do CDC - ao dizer que ‘são admissíveis todas as espéc ies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela’ - não apenas reafirma o dever de o legislador instituir as técnicas processuais capazes de permitir a efetiva tutela dos direitos, mas na verdade evidencia 0 direito de 0 autor construir a ação adequada às necessidades do caso concreto ”[Luiz G uilhcrme Marinoni, Teoria Geraldo Processo (Curso de Processo Civil, v. 1), cit., p., 295-297],

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78 T EOR] A G ERAL DA TUTEL A CAUTEL AR

As tccnicas processuais presentes em tais normas permitem a construção da ação adequada ao caso concreto e, assim, a construção da ação adequada à obtenção da tutela inibitória./9

Deixe-se claro, portanto, que os arts . 461 do CPC e 84 do CPC não outorgam o direito à tutela específica, mas apenas instituem técnicas processuais, em resposta ao direito fundamental de ação, para viabilizar a obtenção da tutela específica do direito material.

4.4 Tutela inibitória e tutela de remoção do ilicito

Os fundamentos da tutela inibitória servem à tutela de remoção do ilícito A tutela de remoção do ilícito, assim como a tutela inibitória, é uma tutela que prescinde de dano e da investigação dc culpa Também há direito material à tutela de remoção do ilicito, que constitui, ademais disto, uma tuteia especificado direito material, que pode ser alcançada mediante ação construída com base nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC,

A tutela de remoção do ilícito é posterior à prática do ato ilícito Ela não inibe o ilícito Ela se dirige contra o ilícito, independentemente de o ilícito ter, ou não, provocado dano

Tal tutela objetiva remover ou eliminar os efeitos concretos do ilícito, isto é, a causa do dano; não visa ao ressarcimento peio dano. No caso de tutela de remoção do ilícito, é suficiente a transgressão de um comando jurídico, pouco importando se o interesse privado tutelado pela norma foi efetivamente lesado ou se ocorreu um dano Como explica Michele Mòcciola, em ensaio publicado na Rivista Critica dei Diritto Privato, a conseqüência lógica da distinção entre dano e ilícito conduz à formulação

? “Os arts 461, CPC, e 84, CDC, constituem as fontes de vários instrumentos processuais necessários para a efetividade da concessão de diversas espécies de tutelas . A possibilidade de se criar um aparato técnico (um procedimento) através da conjugação destes instrumentos, permite conceber ações adequadas à prestação de várias tutelas, entre eltu a inibitória Estes artigos, em outras palavras, instituem apenas técnicas processuais adequadas Não devem ser vistos como o fundamento substancial da tutela inibitória ou mesmo da tutela das obrigações cie fazer e de não fazer, mas sim como as normas de natureza processual que, seguindo a orientação consubstanciada no art 5 XXXV, da CF, estabeleceram os instrumentos necessários para que o direito à tutela pudesse ser efetivamente exercido Melhor explicando: tais normas permitem a imposição de fazer ou de não fazer por meio das técnicas nele presentes, e esta possibilidade -d e imposição de fazer ou de não fazer - é que viabiliza a prestação de várias mteias, entre elas a tutela inibitória, a tutela de remoção do ilícito, a tutela ressarcitória na forma específica e a tuteia específica da obrigação contratual inadimplida Por esta razão é equivocado supor que o art. 461 é a fonte da tutela das obrigações de fazer e não fazer, não há como se confundir fonte de tutela com fonte dos instrumentos processuais de tutela O Código de Processo Civil não trata da tutela dos direitos, mas apenas da técnica adequada a esta tutela, ou melhor, do veículo capaz de prestar a tutela jurisdicional” (Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, cit ,p 115-116)

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TUTEL A CAUTEL AR ÀS TUTELAS CONTRA O ATO CONTRÁRIO AO DIREITO J Q

do critério segundo o qual, todas as vezes em que a intervenção judiciária tem por objeto a fonte do dano, não há tutela ressarcitória..10

Porém, para que haja interesse em uma tutela que, sendo posterior ao ilícito, não se destine a ressarcir o dano, é preciso que a ação contrária ao direito deixe marcas concretas que, propagando-se no tempo, constituam uma fonte aberta à produção de danos. Ou seja, há casos em que a ação contra ius produz efeitos concretos que, mantendo-se no tempo, constituem exatamente o reflexo da conduta proibida pela norma de proteção do direito..

E o caso, por exemplo, do despejo de lixo tóxico em local não autorizado pela legislação ambiental., Ilícito é despejar o lixo tóxico; o dano que pode ser produzido diante deste despejo é outra questão., A permanência do lixo tóxico em local inade­quado é o efeito concreto derivado da ação ilícita, constituindo-se em fonte aberta à produção do dano, Este efeito concreto, por ser derivado de uma ação passada, não pode ser inibido, mas apenas removido

A remoção do ilícito é posterior à ação ilícita, mas volta-se contra um efeito concreto que não constitui dano, mas sim uma fonte à produção de danos Este efeito concreto é o reflexo da conduta que, na concepção do legislador, gera ou pode gerar danos.

Note-se, na mesma linha, que expor à venda produto com composição nociva à saúde também não constitui dano, mas conduta que abre oportunidade à produção de dano., O produto ilegalmente exposto à venda deve ser apreendido, exatamente para que o ilícito, cujos efeitos concretos perduram no tempo, seja removido

Se a tutela de remoção do ilícito - que pode se realizar mediante o emprego de técnicas executivas diversas, como a busca e apreensão de produto ilícito - não se dirige contra o dano, ela também não requer a presença de culpa, que é um critério para a imposição do ressarcimento pelo dano..

Em resumo, para a concessão da tutela de remoção do ilícito, não há que se cogitar de dano e de culpa, bastando que do ilícito tenham perdurado efeitos concretos que espelhem a conduta proibida pela norma.

De outro lado, a tutela de remoção do ilícito é uma resposta ao direito material, ou, mais precisamente, à necessidade de atuação do desejo de proteção da própria norma violada pela ação ilícita. Assim como há direito de impedir o ilícito, há evidente direito material de remover os efeitos concretos derivados do ilícito

Na verdade, a possibilidade de sc obter tutela posterior à violação da norma e independentemente da existência de dano tem relação com o próprio conceito de

!l! Michele Mòcciola, Problemi dei risarcimento dei danno in forma specifica nella giu- risprudenza, cit.., p.. 38G-381. Ver MicheleGiorgianni,Tutela dei creditorce tutela “reaíc" Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civilc, 1975, p. 853 e ss ; Renato Scognamiglio, Ii risarcimento dei danno in forma specifica Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p . 201 e ss

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80 TEORIA GERAL DATUTELA CAUIELAR

norma, uma vez que, sc a única sançao contra o ilicito fosse a obrigação de ressarcir em virtude do dano, a própria razão de ser da norma jurídica estaria comprometida,

Além disto, a tutela de remoção do ilicito, do mesmo modo que a tutela ini­bitória, representa espécie de tutela específica, obtenível a par tir de ação construída com base nas técnicas dos arts .461 do CPC e 84 do CDC, conforme a ação se destine a tutelar direito individual ou direito difuso ou coletivo,.11

4.5 Tutela inibitória e tutela cautelar

Repita-se que o autor, para obter tuteia inibitória, não precisa demonstrar probabilidade de dano, mas apenas ameaça da prática de ato contrário ao direito.. E certo que, em razão de o ato contra o direito e o fato danoso poderem ocorrer no mesmo instante, a tutela inibitória frequentemente impede o próprio dano. Porém, importa destacar que a probabilidade do dano não é exigência para a concessão da inibitória; basta a ameaça do ilícito.

A tutela inibitória é preventiva, pois é capaz de impedir a violação do direito. A tutela cautelar, em princípio, destina-se a assegurar a efetividade da tutela repressiva, isto é, da tutela do direito devida em virtude prática de um dano, dodescumprimento de um dever ou do inadimplemento de uma prestação.

A tutela cautelar, de lado as tutelas declaratória e constitutiva, é requerida após a prática do dano ou da violação do direito, ou para a hipótese da prática de dano ou de violação de direito, Assim, após a prestação ter sido inadimplída, o arresto pode ser requerido para assegurar a efetividade da tutela do direito de crédito. Na segunda situação, para a hipótese da prática de dano, pode ser requerida a caução de dano infecto para assegur ar a efetividade da tutela ressarcitória.

Embor a em ambos os casos haja um fundado receio de dano, este recai sobre a efetividade da tutela que responde ao autor por uma violação de direito ou por um dano Ou seja, tal tutela não se dirige a impedir o dano ou a violação do direito, mas a assegurar a efetividade da tutela contra o dano ou contra a violação do direito.

Demonstramos, em obras anteriores, que a tutela cautelar não foi idealizada para impedir a violação do direito, Isto não apenas pelo motivo de que, na época em que se concebeu a tutela cautelar, a doutrina conRmdia o ilícito civil com o fato

11 O art 84 do CDC tem grande semelhança com o art . 461 do CPC, dispondo, no seu cíiput, que, “na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fa2 er ou não fazer, o juiz concederá a tutela especifica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento”. Este artigo está inserido no sistema de tuteia coletiva dos direitos, integrado, fundamentalmente, pela Lei da Ação Civil Pública e pela parte final do Código de Defesa do Consumidor. Dc modo que o art,. 84 do CDC constitui a base de quaiquer ação voltada à tuteia especifica dos direitos difusos e coletivos

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TUTELA CAUTELAR ÀS TUTELAS CONTRA O ATO CONTRÁRIO AO DIREITO Q f

danoso,12 mas igualmente em virtude de que as técnicas processuais idealizadas para a tutela dos direitos, no processo civil clássico, não foram pensadas para permitir a tutela de inibição do ilícito. Na verdade, a tutela cautelar nâo podia ser pensada- em vista do ambiente cultural em que foi moldada23 assim como não foi pensada- como prova a estrutura do processo civil clássico, inclusive o arresto cautelar (que nunca foi preventivo) - como tutela preventiva. u

12 Imaginou-sc por muito tempo que a lei, por obrigar quem comete um dano a indenizar, não diferenciasse ilicito de dano,ou melhor, considerasse o dano como elemento essencial e neces­sário dafattispeáe constitutiva do ilicito Entretanto, o dano não e uma conseqüência necessária do ato ilicito O dano é requisito indispensável para o surgimento da obrigação dc ressarcir, mas não para a constituição do ilícito (Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, c it, p 46)

u Lodovico Barassi afirmou que a“futela puramente preventiva",“certamente la piü enér­gica'’, seria também “la piü preoccupante,come è dí tutte leprevenzioni chcpossonoeccessivamente Umitarelumana autonomia'.. A ideia de que a tutela inibitória encontra obstáculo na liberdade do homem guarda raizes em princípios próprios do direito liberal clássico, os quais não podem servir para inspirar uma doutrina que vive em um outro Estado, sob diversos valores e em uma diferente época A tutela preventiva, como já foi dito, é fundamental para a efetividade de direitos muito importantes dentro do contexto do Estado atual (Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, c it , p. 52). Ver Lodovico Barassi, La teoriagenerale delle obbligazioni, c it , p. 428.

14 Note-se que o arresto, por exemplo, difere nitidamente da tutela inibitória, já que não exerce função inibitória, mas destina-se a assegurar a efetividade da futura tutela ressarcitória Ou seja, há uma nítida diferença entre a tutela inibitória e a tutela que visa a dar segurança a um direito que já foi violado.. Na verdade, c para irmos um pouco mais além, parece mais exato afirmar que a tutela cautelar, além de ter por fim assegurar a efedva tuteia de um direito já violado, pode ter por escopo assegurar um direito para a hipótese de ele ser violado Basta pensar nos casos em que a caução cautelar pode ser utilizada para assegurar ao autor a efetividade da eventual (e ai não necessária) tutela ressarcitória, que poderá ser requerida se o direito (que apenas se teme ver viola­do) for realmente lesado Da mesma forma que a condenação pai a o futuro - que, por pressupor a violação do direito, não tem natureza preventiva (apesar da expressa discordância de Calamandrei, que afirma que a condenação para o futuro constitui o caso más notorio de tutela preventiva) a caução que visa a assegurar uma eventual e futura tutela ressarcitória também não pode deixar de ser diferenciada da tutela inibitória Tanto a tutela que visa a assegurar a efetividade da tutela de um direito que já foi violado, quanto a tutela que objetiva assegurar um direito para a hipótese de ele ser violado, têm natureza acautelatória, ou seja, de segurança que não sc dirige a impedir a vio­lação do direito, mas sim a garantir o direito na suposição de que ele, após ter sido violado, poderá não ser efetivamente tutelado, Lembre-se de que no direito italiano a tutela inibitória passou a ser prestada sob o manto protetor da tutela cautelar, em razão das novas exigências de tutela, e não em virtude de especial disposição legislativa, ou de interpretação doutrinária que tivesse enxergado no art. 700 do CPC italiano a base de um princípio geral de prevenção. Sc o art . 700 do CPC italiano passou a servir de base, em razão das necessidades concretas de tutela, à tutela inibitória, isto não quer dizer que a tutela cautelar, na sua gênese, constituía um gênero a que pertencia a tutela inibi­tória. Ao contrário, a tutela cautelar inominada jamais abrangeu a tutela inibi kóíva., até porque seria contraditório pensar que uma tutela que foi desenhada para ser "instrumento do instrumento" poderia viabilizar a tutela preventiva em um sistema de tutelas finais que foi construído sobre a ideia de que o direito material só pode ser prevenido em hipóteses excepcionais Na verdade, é completamente ilógico

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82 TEORIA G ERAL DA IU TELA C AUI EL AR

Ovídio Baptista da Silva nao aceitou a nossa conclusão, tendo feita a seguin­te advertência: “Será lícito dizer que a tutela cautelar‘nunca propiciou uma tutela

imaginar que, em um sistema que trabalha apenas com as sentenças declaratória, constitutiva e condenatória (as quais não viabilizam a concessão de tuteia inibitória), a tutela cautelar - criada para dar efetividade ajurisdição ~ poderia ir além da sua função de segurança do processo, extra­polando dos seus limites para dar tutela ao próprio direito material, e assim tornar sem sentido a própria “ação principal” £ certo, portanto, que a tutela cautelar, quando originaria mente pensada, não podia sc confundir com a tutela inibitória. Sc essa confusão foi instalada na prática forense em virtude da própria necessidade de tutela adequada dos direitos, é tarefa da doutrina eliminá-la, esclarecendo que a tutela inibitória não se identifica com a tutela cautelar, constituindo a primeira uma forma de tutela que ainda é confundida com a cautelar, em razão de a doutrina não ter separado conceitualmente as noções dc prevenção e cautela No Brasil, aliás, diante dos arts 461 do CPC e 84 do CDC,e assim da evidência da ação inibitória-que é dc conhecimento e,portanto, autônoma- constitui verdadeira heresia continuar confundido tutela cautelar com tutela inibitória A tuteia inibitória, no Brasil, ao contrário do que acontece na Itália, não precisa ser requerida com base em uma norma construída para servir de base à tutela cautelar No Brasil, assim,justamente porque a inibitória tem endereço nos arts 461 do CPC e 84 do CDC,jamais surgirá o problema que aparece na prática italiana quando é requerida tuteia inibitória sob o rótulo de cautelar, e indaga-se, com surpresa, a respeito da sua instrumentalidade A distinção entre prevenção ecautcla, se realizada no direito italiano, poderia inviabiíizar a tutela inibitória sumária atípica na própria ação declaratória; certamentepor isso, ou seja, para não sc construir uma teoria contra as próprias necessidades da vuía, c que a doutrina italiana se mantém calada sobre o assunto No direito brasileiro, porém, onde estão presentes os instrumentos processuais dos arts 461 do CPC e 84 do CDC, deve ser prontamente revelado o equívoco da confusão entre a tutela cautelar e a tuteia inibitória, pois somente assim o uso do processo civil será mais adequado e efetivo Com efeito, a confusão entre tutela inibitória sumária e tuteia cautelar também decorre da exigência prática de tuteia inibitória em um sistema de tutelas fundado sobre o binômio sentença condenatória-execução forçada Teoricamente, em um sistema como este, não há lugar para a tutela inibitória atípica sumária, mas apenas para aquela que deseja garantir a tu tela final do direito vioiado Portanto, a necessidade de separar conceitualmente as tutelas inibitória e cautelar deriva, de um lado, da evidência da imprescindibilidade da tutela inibitória na sociedade contemporânea, e, de outro, do surgimento de novas sentenças e meios de execução, os quais sc colocam ao lado das sentenças declaratória, constitutiva c condenatória (as linicas que eram admitidas pela doutrina), viabilizando, assim, a concessão de tutelas que antes não podiam ser prestadas, e desta forma uma maior efetividade ao processo Ora, se o Código de Processo Civil consagra expressamente as sentenças mandamental e executiva e a antecipação da tutela (art 461), há bastante iuz para afirmar, sem medo de errar, que a tutela inibitória deve ser prestada através de ação inibitória, e assim não pode mais ser confundida com a cautelar Lem­bre-se, finalmente, de que as tutelas, sejam cias finais ou antecipadas, devem ser classificadas a partir de sua relação com o piano do direito substanciai Ora, se o nexo dc separação-abstração do direito processual do direito material, transmitido pelo pensamento chiovendiano, pode hoje ser considerado historicamente superado, constituindo preocupações da doutrina mais moderna a relativização do binômio direito-processo e a construção de tutelas jurisdicionais aderentes às diversas necessidades do direito material, é evidente que as tutelas nâo mais devem ser classificadas com base em critérios processuais, como é o da provisoriedade, devendo, sim, merecer atençãoo que as tutelas significam no piano do direito material e na vida das pessoas (L uiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, cit.., p 259-263)

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TUTELA CAUTELAR ÀS TUT ELAS CONTRA O ATO CONTRÁRIO AO DIREITO $ 3

preventiva’, se considerarmos, por exemplo, 0 arresto que nos acompanha desde 0 direito medieval, e 0 seqüestro que nos quefoi transmitido pelo direito romano? Quem negaria 0 caráter cautelar e preventivo desses tradicionais instrumentos do direito moderno? Quem negaria o caráter preventivo das cauções, tanto no vastíssimo campo do direito material, público e privado, quanto no domínio do direito processual? E, assim como haverá cauções satisfativas, como as negociais, incontáveis serão as hipóteses em que elas assumem a natureza cautelar, e tanto umas quanto as outras preventivas, Se os provvedimenti cautelariàc, Calamandrei nunca foram capazes de propiciar uma tutela preventiva, não será justo atribuir a culpa por essa incompetência à tuteia cautelar autêntica (tutela de‘simpíes segurança',portanto não satisfativa, por definição), como o concebeu, em páginas insuperáveis, Pontes de Miranda, cuja doutrina sobre pre­tensão à segurança’, porém, não mereceu menção, ainda que fosse para criticá-la, na obrado talentoso jurista paranaense, não obstante seu eíogiável acervo bibliográfico e o permanente diálogo mantido, ao longo da obra, com os autores italianos modernos que, com sabemos, conservam-se religiosamente fiéis ao paradigma”..15

Reafirmamos o nosso ponto de vista. Observe-se que o arresto e o seqüestro aceitam a violação do direito (rigorosamente a pressupõe), não servindo para impedir a prática de ato ilicito, É preciso esclarecer que, quando o arresto é requerido diante da “ação principal”, a sua própria legitimidade fica subordinada à existência de um dano anterior, cuja afirmação, aliás, é imprescindível para 0 exercício da ação principal e para o pedido de tutela ressarcitória O arresto se destina a assegurar a frutuosidade da tutela ressarcitória..

E a situação é exatamente a mesma no caso de caução de dano infecto Diz o art 1.280 do Código Civil: “O proprietário ou o possuidor tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a demoüção, ou a reparação deste, quando ameace ruína, bem como que lhe preste caução contra o prejuízo eventual', E 0 art. 1 281 do mesmo Código: “O proprietário ou o possuidor de um prédio, em que alguém tenha 0 direito de fazer obras, pode, no caso de dano iminente, exigir do autor delas as necessárias garantias contra o prejuízo eventual'

Assim como a tutela cautelar pode ser requerida depois que 0 dano já foi praticado, igualmente pode ser requerida para a hipótese da prática de dano ou dc forma antecedente a uma eventual- porque não se sabe se o dano ocorrerá- ação res­sarcitória.. E isto fica claro mediante a simples leitura das normas do Código Civil acima descritas A caução é requerida em face de um “prejuízo eventual” Portanto, o arresto e a caução sempre são requeridos em vista do direito à tutela ressarcitória, que nada mais é do que uma proteção ou tutela contra 0 dano. A caução de dano infecto e 0 arresto nada têm de preventivos; especialmente quando desnudada a real função preventiva da tutela jurisdicional, que e a de evitar a violação do direito Compare-se o que se alcança com o arresto e o que se obtém com a tutela inibitória que impede a

15 Ovídio B:iptist;i d;i Silva, Proctsso c ideologia, p 123

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84 TEORIA GERAL DATUTELA CAUTELAR

violação do direito ambiental. Ê indiscutível que a primeira tutela assegura a tutela ressarcitória, enquanto a segunda impede a violação do direito, constituindo, esta sim, uma tutela preventiva, desligada de qualquer instrumentalidade ou referibilidade. Enquanto a tutela cautelar assegura a tutela ressarcitória, a tutela inibitória torna a tutela ressarcitória desnecessária.

Aliás, a própria lição de Pontes de Miranda está de acordo com o nosso pen­samento. Quando Pontes se refere à tutela cautelar como segurança-para-execução, pressupõe título e inadimplemento, isto é, violação do direito, não demonstrando qualquer preocupação com uma tutela jurisdicional capaz de impedir a violação do direito.

Ou seja, o fato de a tutela cautelar nâo poder propiciar tutela preventiva não tem relação de causa e efeito com os provvedimenti d 'urgenza do art. 700 do Código de Processo Civil italiano ou com a doutr ina de Calamandrei, A tutela cautelar não pode propiciar tutela preventiva exatamente porque Ágrii&cz. segurajiça de uma tutela que, em regra, é ressarcitória pelo equivalente ou do adimplemento de obrigação de pagar dinheiro-tutelas estas que, como já demonstramos no volume 3 deste Curso de Processo Civil, implementam-se com a execução u Como está claro, o arresto e o seqüestro não constituem tutela preventiva, mas sim tutela de segurança da tutela repressiva.

Confirma-se, assim, o que havíamos dito: o arresto admite a ocorrência do dano, cingindo-se a assegurar a concretização da tutela ressarcitória. Esta tutela cautelar aceita a violação do direito, tendo o fim de assegurar a efetividade da tutela repressiva.

Frise-se que a tutela cautelar, ao ser concebida, e, inclusive, incorporar a figura do arresto, certamente não podia abranger a inibitória, pois é ilógico conceber uma tutela preventiva como instrumento de um processo repressivo. E absurdo imaginai' que, em um sistema que trabalhava apenas com sentenças (declaratória, constitutiva e condenatória) que não viabilizavam tutela preventiva, a tutela cautelar pudesse ir além da sua função de segurança do processo, extrapolando dos seus limites para dar' tutela preventiva ao direito material e, assim, eliminar a própria característica de instrumentalidade que lhe foi conferida.17

16 “A tutela que necessita‘de fazer, não fazer, entrega dc coisa ou pagamento de quantia', é uma tutela que não é prestada por uma sentença que basta por si só, como a sentença declaratória- que não pode e não precisa ser executada uma vez que exige meios de execução Tal tutela e prestada pela sentença epelos meios executivos, ou melhor, por uma sentença cuja natureza é deline­ada com base nos meios de execução que a complementam (. .). Portanto, a execução, no Estado constitucional, não pode ser reduzida a um ato de transferência de riquezas de um patrimônio a outro, devendo ser vista como a forma ou o ato que, praticado sob a íuz da jurisdição, é imprescindível para a realização concreta da tutelajurisdicional do direito, e assim para a própria tutela prometida pela Constituição epelo direito materiar [Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Execução (Curso de Processo Civil, v 3), c it , p.. 64 e p 70]..

17 Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, c it , p. 260-261.

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TUTELA CAUTELAR ÀSTUTELAS CONTRA O ATO CONTRÁRIO AO DIREI T O Q Q

A tutela cautelar passou a ser admitida como tutela preventiva quando a prática forense percebeu que as novas situações de direito material necessitavam de uma tutela capaz de impedir o ilicito, A transformação da tutela de segurança em tutela preventiva fez com que se percebesse que essa tutela, por ser uma tutela não caracterizada pela instrumentalidade, não necessitava de duas ações processuais, ou de uma ação principal seguindo a ação que passou a ser rotulada de cautelar Na verdade, o fenômeno da “ação cautelar autônoma" é apenas a mostra sensível de que o veículo processual idealizado para a tutela cautelar (dotado de liminar e sentença mandamental) passou a ser utilizado para a obtenção da tutela inibitória (tutela preventiva), Porém, como a tutela inibitória impede a violação, satisfazendo o desejo de tutela jurisdicional, é claro que a ação que a veicula apenas pode ser autônoma, dispensando qualquer ação principal. Melhor explicando: a prática não apenas ad­mitiu a busca de tutela inibitória a partir de ação rotulada de cautelar - em virtude das suas particularidades, desenhadas para atender a uma situação de urgência-, mas foi além, aceitando a transformação do próprio procedimento cautelar para atender à natureza desta tutela de direito.

Atualmente, quem deseja obter tutela capaz de impedir a violação de direito da personalidade deve propor ação inibitória, construída com base nas técnicas processuais presentes no art., 461 do CPC,. Nunca ação cautelar, que, por exigir uma ação principal (art. 806, CPC), não se presta à obtenção de tutela inibitória ou de qualquer tutela satisfativa do direito material

4.6 Tutela de remoção do ilícito e tutela cautelarPor outro lado, a tutela de remoção do ilicito objetiva eliminar os efeitos con­

cretos posteriores à prática da ação ilícita, nada tendo a ver com a probabilidade de dano-

Não obstante,em virtude da não percepção da distinção entre ilicito e dano,ou da não compreensão da necessidade de uma tutela civil dirigida unicamente contra o ilícito, a prática forense não conseguiu admitir outra coisa além de uma tutela voltada contra a probabilidade do dano,.

Assim, por exemplo, no caso de exposição à venda de produto com compo­sição proibida, afirmava-se a probabilidade do dano à saúde do consumidor para se requerer tuteia cautelar:

Ou seja, como a doutrina brasileira jamais pensou em uma tutela voltada a remover o ilícito, imaginou-se que a sua natureza fosse cautelar,. Porém, isto é con­seqüência da falta de distinção entre o ilícito e a sua conseqüência eventual, que é o dano. Como a tutela de remoção do ilicito, por mera conseqüência, impede a produção do dano, confundiu-se tutela contra o ilicito já praticado (remoção do ilícito) e tutela contr a a probabilidade do dano..

Note-se que a busca e apreensão de produto com composição ilícita constitui técnica processual de remoção do ilícito, que satisfaz por si mesma.. Se a busca e

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86 TEORIA GERAL DATUTELA CAUTEL AR

apreensão, ao remover o ilicito, acaba colaborando com a prevenção, a verdade é que o seu fundamento não está na probabilidade do dano, mas sim na prática do ilícito. De modo que o autor, em tal ação (de remoção do ilícito), deve afirmar a prática de um ilícito de eficácia continuada e não simplesmente a probabilidade de dano„

Realmente, o mais grave é que se admitia, nestas situações, a discussão do dano, exigindo-se do juiz a formação de convicção acerca da probabilidade do dano para a concessão da tutela jurisdicional Porém, quando se toma consciência da impres- cindibilidade da tutela civil contra o ilícito, fica fácil ver que, para a sua obtenção, basta afirmar e demonstrar a ocorrência de um ato contrário ao direito, cujos efeitos concretos se prolongam no tempo, constituindo uma fonte aberta à produção de danos

Além disto, como a tutela de remoção do ilícito é satisfativa, não se revestindo da instrumentalidade característica à tutela cautelar, não há como imaginar, neste caso, a necessidade de uma “ação principal”.

A tutela de remoção rleve ser buscada através de ação estruturada com base nas técnicas dos arts 461 do CPC e 84 do CDC. Portanto, dc ação de conhecimento dotada de técnicas processuais idôneas à obtenção de tutela específica, gênero em que está inserida a tutela de remoção do ilícito, assim como a tutela inibitória.

Como está claro, a ação cautelar não é adequada para a prestação da tutela de remoção do ilícito.. Essa tutela, assim com a inibitória, não pode ser considerada ins­trumento de nenhuma das tutelas satisfativas do direito material, como a ressarcitória. As tutelas inibitória e de remoção do ilícito não se caracterizam pela instrumenta­lidade, não sendo marcadas pela referibilidade a uma outra tutela, e, muito menos, podem ser visualizadas a partir da questão da indispensabüidade da propositura da “ação principal".,18

lt! “As ações inibitória e de remoção do ilícito são autônomas, c assim devem scr veiculadas por meio do processo cie conhecimento, especificamente por intermédio dc um procedimento dotado de técnica antccipatória e das sentenças mandamental e executiva. Atualmente, diante de uma leitura adequada dos arts 461 do CPC e 84 do CDC, nâo há como ignorar que os direitos à inibição e à remoção do ilícito podem ser efetivamente exercidos mediante ação de conhecimento, ocjue não maisjustifica o mo distorcido da ação cautelar' (Luiz Guilherme Marinoni, Técnica processual e tutela dos direitos, cit ., p.. 56 e ss..)

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5Tutelas Cautelar, Antecipatória, Inibitória

e de Remoção do Ilícito

SumáRJO: 5 1 Tutelas cautelar e antecipatória como tutelas interinais de urgên­c ia - 5 2 As tutelas inibitória e de remoção do ilícito como tutelas autônomas contra o ilícito

5,1 Tutelas cautelar e antecipatória como tutelas interinais de ur­gência

já restou clara a distinção entre tuteia cautelar e tutela antecipatória A tutela cautelar é uma tutela de segurança; assegura a viabilidade da obtenção da tutela satisfativa do direito material.. A tutela antecipatória, por sua vez, é a própria tutela almejada através da ação, porém concedida com base em cognição sumária..

Na tutela cautelar, o perigo de dano irreparável coloca sob risco a tutela sa­tisfativa do direito, que resta ameaçada de não ser prestada de forma útil e efetiva Na tutela antecipatória, o perigo, derivado da demora do procedimento, faz ver a necessidade de antecipar, total ou parcialmente, a tutela do direito - que, no caso de sentença de procedência, seria devida ao final do procedimento

De modo que a tutela cautelar assegura, enquanto a tutela antecipatória tem a sua substância dependente da própria natureza da tutela final Ou seja, a tutela an­tecipada pode ser inibitória, de remoção do ilícito etc., ao passo que a tutela cautelar é sempre de segurança..

Porém, tanto a tutela cautelar, quanto a tutela antecipatória, são relacionadas com uma tutela final, e neste sentido podem ser dítas interinais, no sentido de que não aspiram a assumir a posição de “tutela definitiva” e, assim, a característica de au­tonomia ou de independência em relação a outra forma de tutela. Sc a mtela cautelar satisfaz apenas ao assegurar, a tutela antecipatória, embora satisfaça a pretensão à tutela do direito, não é dotada de definitividade. Ou melhor: a tutela cautelar não é satisfativa da pretensão à tutela do direito e a tutela antecipatória não responde, de modo definitivo, à pretensão à tutela do direito.

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88 T EORIA GERAL DA TUTELA CAUTELAR

5.2 As tutelas inibitória e de remoção do ilícito como tutelas autô­nomas contra o ilícito

Já as tutelas inibitória e de remoção do ilicito são autônomas.. Note-se que se está falando em autonomia de tutela e não em autonomia procedimental. A tutela cautelar é vocacionada a garantir uma tuteia satisfativa (e por isto não é autônoma), embora a ação cautelar, em alguns casos, possa dispensar a propositura de uma ação principal,, A tuteIaantecipatória,porsuavez,nãoé definitiva, dependendo, paia tanto, do juizo final,, Embora os critérios que sirvam para demonstrar a falta de autonomia das tutelas sejam distintos, um relacionado com a instrumentalidade e o outro com a provisoriedade, é certo que ambos os critérios são suficientes para fazer ver a ausência da suficiência das tutelas.

Porém, as tutelas inibitórias e de remoção do ilicito nada têm de instrumentais ou provisórias, A primeira inibe a prática de ato contrário ao direito e a segunda remove os efeitos continuados do ilicito. Ambas são autônomas, voltando-se, respectivamen­te, contra a ameaça de ilicito e contra o ilícito já praticado, independentemente de qualquer outra forma de tuteia E as duas são dotadas de definitividade, constituindo, antes de tudo, tutelas finais concedidas sob o signo da cognição exauriente, embora possam ser antecipadas,.

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6As Ações Relativas à Prova Introduzidas

no Livro III (Do Processo Cautelar) do Código de Processo Civil

SUMÁRIO: 6.1 A “produção antecipada de provas”, a “exibição" e a ‘'justificação’' no Livro do Processo Cautelar - 6 2 Produção e asseguração dc prova ~ 6.3 Asseguração de prova e exibição de documento ou coisa - 6 4 Asseguração de prova e justificação - 6 .5 Segurança da prova: segurança da tutela do direito ou segurança dos direitos processuais de ação ou de defesa?

6.1 A “produção antecipada de provas”, a“exibição” e a “justificação” no Livro do Processo Cautelar

O Código de Processo Civil, ao regulai os “procedimentos cautelares espe­cíficos" (Capítulo II do Livro III), trata da “exibição” (arts, 844-845), da “produção antecipada de provas” (arts.. 846-851) e da “justificação” (arts 861-866),.

Tais procedimentos têm em comum o fato de estarem ligados à prova,. Diz o art 846 que “a produção antecipada da prova pode consistir em interrogatório da parte, inquirição de testemunha e exame pericial”.. O art. 861 afirma que “quem pretendei justificaraexisténcia de algum fato ou relação jurídica, seja para simples documento e sem caráter contencioso, seja para servir deprova emprocesso regular, exporá, em petição circunstanciada, a sua intenção”,. O art. 844 trata das hipóteses em que se pode exigir a exibição judicial de coisa ou documento, obviamente também abrindo oportunidade para a asseguração de documento ou de coisa para utilização em ação futura.

Estes procedimentos confundem segurança e produção da prova, assim como segurança e prévia constituição da prova . Além disso, nem sempre exigem a demons­tração de urgência Porém, mesmo as providências que dependem da caracterização da urgência e objetivam assegurai' a produção da prova não constituem tutela cautelar, uma vez que objetivam assegurar o exercício da ação e da defesa e não a efetividade da tutela do direito: Estes procedimentos são ligados à prova, e, assim, deveriam estar inseridos no Capítulo VI (Das Provas), do Título VIII, do Livro I, do Código de Processo Civil.

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90 TEORIA GERAI, DATUTELA CAUTELAR

6.2 Produção e asseguração de prova

Quem assegura vão produz prova, Não obstante, o art.. 847 do CPC afirma, ao tratar de uma das hipóteses de “produção antecipada de provas”, que “far-se-á o interrogatório da parte ou a inquirição das testemunhas antes da propositura da ação, ou na pendência desta, mas antes da audiência de instrução1 A transcrição da norma é im­portante para fazer ver a confusão legislativa entre asseguração o.produção de prova,1

E impossível produzir prova antes da propositura da ação a que se destina, mediante um procedimento antecedente ou, como quer o legislador, “preparatório” (art. 844, CPC) A prova somente pode ser produzida no processo em que é valo­rada pelo juiz, ou melhor, no processo cm que formará a convicção do julgador e, desta maneira, possibilitará a definição do litígio. Assim, apenas a prova realizada na “pendência" da ação, por ser dirigida à formação da convicção do juiz que deve resolver o litígio, é produzida..

O procedimento probatório tem quatro fases: a do requerimento da prova, a da admissão da prova, a da produção da prova e a da sua valoração .2 Aprova somente pode ser admitida e valorada pelo juiz que vai tomá-la em consideração para julgar o mérito., O juiz do procedimento antecedente não pode tratar da admissibilidade da prova.. Apenas o juiz da “causa” - em que se deseja usar a prova - poderá negar a sua admissibilidade, afirmando, por exemplo, que o depoimento prestado no procedi­mento antecedente advém de pessoa suspeita (art. 405, § .3 °, CPC).3

Lcmbre-se, aliás, que nem mesmo o juiz da ação em que a prova deve ser pro­duzida pode deixar de admiti-la sob o argumento de que ela não terá importância para a solução do mérito A doutrina alemã alude, nesse ponto, ao chamado Verbot der Beweisantizipation, ou seja, à proibição de antecipação do resultado da prova, justamente para demonstrar que o valor de um meio de prova não pode ser aferido antes que a prova seja admitida e produzida no processo A Porém, quando sc diz que o juiz do procedimento antecedente não pode aferir a admissibilidade da prova,

1 Ver este Curso de Processo Civil(Processo de Conhecimento, v. 2, cit.., p. 288 e ss ); Ovidio Baptista d;i Silva, Curso de Processo Civil, v 3, c it , p.. 287 c ss

2 “O procedimento probatório pode ser dividido em quatro fases, correspondentes a cada um dos momentos da prova no processo, São elas: o requerimento, a admissão, a produção e a valo­ração da prova Em geral, essas fases são nitidamente separadas, permitindo sua fáci! localização; eventualmente,porémtconfundem-se cm uma única ocasião, em virtude de alguma particularidade do processo” [Luiz Guilherme Marinoni c Sérgio Cruz Arenhart, Processo de Conhecimento (Curso de Processo Civil, v.. 2), cit , p 28S]

3 Sobre incapacidade, impedimento e suspeição de testemunha, vereste Curso de Processo Civil(Processo de Conhecimento, v 2, c it, p. 369 e ss )

'' VerNicolòTrocker, Processo civile ecostituzione,p 521 ess Salienta o autor que “guidati da un eccessivo ossequio per iMcconomia processuale'o condizionati dalla própria‘routina’ quo­tidiana, í giudici non mancano infatti di incorrere talvolta in dannose valutazioni aprioristiche” (idem, p.. 522)

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AÇÕES RELATIVAS À PROVA INTRODUZIDAS NO LIVRO III DO CPC

sequer se imagina a possibilidade da sua não admissão por irrelevância da prova ou por impertinência ou irrelevância do fato, uma vez que a relevância de uma prova e a pertinência ou a relevância de um fato obviamente apenas podem ser aferidas pelo juiz da causa, isto é, pelo juiz que deve solucionar o litígio.

Na verdade, o juiz do procedimento antecedente apenas deve indeferir uma inquirição ou a realização de perícia no caso em que o requerimento do autor não tiver fundamentação para autorizar a asseguração da futura produção da prova

Aprova é assegurada no procedimento antecedente à propositura da ação Neste caso, é certo, a prova ainda não é produzida, até porque o autor não deseja influenciar a convicção do juiz no procedimento antecedente,mas apenas obter elementos para a futura produção da prova.. E possível, em caráter antecedente, obter a inquirição de parte ou de testemunhas, ou realizar perícias em sentido estrito, ou vistorias Isto para assegurar a viabilidade da produção da prova na ação futura.

Tratando-se de asseguração da prova, é necessário verificar o que é urgente A urgência incide sobre uma situação fática ou sobre uma possibilidade concreta (por exemplo, acesso a documentos) que podem desaparecei' com o passar do tempo Em razão disto, admite-se que a situação fática seja registrada e que a possibilidade concreta seja imediatamente aproveitada, através de procedimento antecedente.. Porém, isto está longe de significar a elaboração técnica de uma perícia que exija

5 “Não há qualquer dúvida quanto à possibilidade dc assegurarem-se provas por meio dc vistorias e exames periciais (stricto sensu).. Resta saber se também os arbitramentos e avaliações poderão ser objeto de ações cautelares de asseguração de prova A quesrão e controvertida em doutrina, porquanto o registro dos fatos colhidos nas ações de asseguração de prova não pode ser valorativo da prova, devendo os peritos iímkarem-se exclusivamente a descrever os fatos por eles observados (Satta, Commentario . ,IV,I,p 262) Nem seria,aliás,possível pedirão perito,em tais ações, um juízo valorativo sobre o alegado nexo de causalidade determinante do evento objeto da prova técnica (Andrioli, ob cit.., IV, p. 239; Nicotina, ob cic., p 153) Nossa jurisprudência não é segura neste ponto, como mostramos em obra anterior (Comentdrios ,p 450-451). femos como inviável o arbitramento cautelar, bem como as avaliações Tanto o arbitramento quanto as avaliações não se limitam a assegurar a prova, que haverá depois de ser produzida, constituindo, já produção de prova técnica, portanto não cautelar { ) Imaginemos, o que é muito comum na prática forense, que se queira assegurar a prova dos danos ocasionados pelo acidente de trânsito de que se diz vítima o autor da ação dc asseguração de prova; ou se cuida dc comprovar, peri- cialmente, em ação preventiva, os prejuízos causados a um prédio ou a uma cultura agrícola de propriedade do requerente, por um incêndio cuja autoria este atribui ao réu da ação cautelar Estas ações seriam perfeitamente viáveis se recebidas como vistorias ad perpetuam rei memoriam, em que os peritos limitassem o laudo a descrever puramente os fatos, sem arbitrar o valor dos danos por eles ocasionados à vitima; e nem mesmo, a nosso ver, afirmando a relação dc causalidade entre os danos por eles verificados e a autoria que o autor lhes atribui. Ele não poderá dizer, enquanto perito, limitado a descrever apenas aquilo que penetra em seu campo de percepção (vistim), quem teria sido o autor dos danos, a não ser naturalmente no caso de poder o expert contar com instrumento técnico capaz de determinar essa relação causai” (Ovidio Baptista da Silva, Curso dc Processo Civil, cit., v.. 3, p 295-296),

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92 TEORIA GERAL DATUTELA CAUTELAR

juízo ou valor do perito, ou melhor, que exija, além do registro do fato que pode se perder com o tempo, a elaboração de raciocínio direcionado a apontar uma conclusão a partir deste fato.

Assim, se a descrição de uma situação fática ou uma fotografia constituem o registro de um fato que, segundo alega o autor, pode deixai’ de ser perceptível com o passar do tempo, não há razão para admitir que o perito raciocine a partir deste fato para desde logo estabelecer uma avaliação,. Da mesma forma, se documentos podem desaparecer, tomando-se imprescindível obtê-los com urgência, nada justifica a ime­diata elaboração técnica de perícia sobre os documentos, bastando a sua exibição,.

Falou-se em viabilidade da produção da prova exatamente porque a circuns­tância de uma inquirição ter sido feita, ou de um fato ter sido registrado, não significa que a prova será efetivamente produzida, seja porque aquele que o obteve pode desistir de requerei a produção da prova, seja porque o juiz pode inadmiti-la

Portanto, a prova que o legislador supõe poder stx produzida “antes da pro­positura da ação, ou na pendência desta, mas antes da audiência instrução” (art. 847, CPC), na verdade jamais será produzida antes da propositura da ação, mas apenas na pendência desta

Antes da “propositura da ação", a produção da prova é assegurada, Asseguram- se elementos imprescindíveis à futura produção da prova. Porém, como em caso de urgência o juiz pode admitir um depoimento testemunhai (por exemplo), aferindo a sua credibilidade e importância para a elucidação dos fatos, antes da audiência de instrução, há aí produção da prova,, Isto não quer dizer que não possa existir, em casos raros, asseguração da prova no próprio processo em que se deseje produzi-la, ou seja, antes da audiência de instrução e julgamento. Basta atentar paia a situação em que a urgência exige apenas a obtenção de um documento para que, sobre ele, possa incidir a futura produção da prova pericial

63 Asseguração de prova e exibição de documento ou coisa

Embora o art,. 844 afirme que a exibição “tem lugar como procedimento preparatório”, sabe-se ~ conforme já se estudou no volume 2 deste Curso de Processo CiviP - que a exibição de documento ou coisa também pode ser exigida no curso do processo de conhecimento em que deve servir como prova.

Neste caso, fala-se em exibição ináde?italde coisa ou documento, a qual é re­gulada entre os arts. 355 e 363, que dão corpo à Seção IV (D a exibição de documento ou coisa) do Capitulo em que o Código de Processo Civil trata “das provas”.

A Sobre a exibição incidental de documento ou coisa, ver este Curso de Processo Civil (Processo dc Conheámmto, v 2, cit., Parte II, item 13.13),

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AÇÕES RELATIVAS À PROVA INTRODUZIDAS NO LIVRO III DO CPC 9 3

Na exibição incidental, a prova é produzida, Ai não há motivo para se alegar urgência ao se exigir a exibição do documento, A exigência do documento se funda no direito de influenciar o convencimento do juiz e, assim, de produzir prova,7 sem que se possa pensar na necessidade de assegurar a produção da prova.

Há outra situação no caso em que se necessita obter, no próprio processo e de forma urgente, documento para viabilizar a produção de prova pericial Neste caso, como 0 documento é obtido, em virtude da urgência, para permitir a futura produção de prova pericial, não há, evidentemente,^ror/tt;*?í> de prova documental, mas apenas exibição com função assegurndora da produção da prova pericial,

Por outro lado, nem todos os pedidos de exibição que podem ser fundados no art. 844 do Código de Processo Civil exigem alguma finalidade probatória. Com base neste artigo, alguém certamente pode apenas exercer o direito de conhecer ou de ver um documento, sem que tenha lhe passado pela cabeça qualquer interesse em produzir prova,

Mas a exibição de documento pode sei em procedimento antecedente, para assegurar a produção de prova.. Na verdade, a exibição antecedente, ao disponibilizar o documento, permite que a parte interessada produza futuramente a prova docu­mental ou, em outro caso, mais tarde utilize o documento para produzir sobre ele prova pericial,. Em ambas as hipóteses, há asseguração da prova, de que é pressuposto a urgência,

Não obstante, o art, 844 alude, em seu caput, à exibição como procedimento preparatório, parecendo apontar para a necessidade de a exibição exigir uma futura ação principal. Contudo, da mesma forma que a circunstância de a prova ter sido assegurada através de procedimento antecedente não exige que aquele que obteve a

7 Embora a lei ponha a salvo, em várias situações, os interesses do sujeito passivo da exi­bição Com a regra do art.. 363 do CPC, que vaie tanto paia a exibição determinada contra parte como contraterceiro.deixa-se a salvo algumas situações em quesc considerajustificávelarecusado requeridoem apresentarodocumento ou acoisa. “Trata~sc,evidentemente,de elenco meramente exemplificativo - o que, ademais, fica evidente da leitura da regra última, inserta no inciso V do presente artigo (‘se subsistirem outros motivos graves que, segundo o prudente arbítrio do juiz, justifiquem a recusa da exibição'), Todavia, é certo que nas situações expressamente arroladas no dispositivo, sem qualquer margem de questionamento, não se pode obrigar o sujeito a cumprir a determinação à exibição, Vale dizer que nas situações descritas no texto, o legislador pré-excluiu do juiz 0 poder de exigir a exibição; em outros casos, porém, segundo 0 critério do juiz, poderá ele entender razoável liberar o sujeito (parte ou terceiro) do dever de exibir coisa ou documento E bom ressaltar, entretanto, que a previsão em comento exonera a parte (ou o terceiro) do dever de exibir, mas não a proíbe de fazê-lo. Assim, mesmo diante de uma das causas aqui previstas, subsiste a possibilidade de o juiz conduzir todo o processo de exibição (ou o incidente especifico), sendo-lhe vedado rejeitar de plano o pedido exibitório, fundado na existência de causa de escusa Compete ao sujeito de quem sc requer a exibição o exame da conveniência de exibir o documento ou a coisa, mesmo diante da cláusula überatória estipulada em lei” (Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Comentários ao Código de Processo Civil, v.. 5, t 2, p 219-220)

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94 TEORJ A GERAL- DATUTELA CAUTELAR

segurança produza a prova no futuro, a obtenção do documento, mediante o proce­dimento dc exibição, não obriga a propositura de uma ação principal

6.4 Asseguração de prova e justificação

O procedimento da justificação é utilizado quando se quer “justificar a exis­tência de algum fato ou relação jurídica, seja para simples documento e sem caráter contencioso, seja para servir de prova em processo regular” (art S61, C P C ).

Portanto, também a justificação não se liga apenas àprova. Contudo, é possível se requerer a justificação da existência de fato ou de relação jurídica, usando-a em ação posterior.

Esta justificação não é incidente, sendo sempre antecedente A justificação, ainda que possa ser utilizada em ação futura, é fruto de procedimento autônomo, sendo completamente impossível se pensar em relacioná-la com a necessidade dc uma ação principal. Além disso, este procedimento não requer a presença da urgência, imprescindível para a asseguração de prova ou para a exibição de documento de natureza asseguradora.

Na justificação não se assegura prova. O procedimento da justificação serve para constituir prova O procedimento da justificação se destina a justificar a existência de fato ou de relação jurídica, de modo que aquele que obteve a justificação possa utilizá-la, nos termos do art, 861 do CPC, como prova em processo regular..

Em termos rigorosos, a prova não ò produzida na justificação, até porque o juiz e o procedimento da justificação não se confundem com o juiz e com a ação em que a justificação pode ser utilizada Mas a justificação não apenas assegura a viabilidade da realização da prova da existência do fato ou da relação jurídica. No procedimento da justificação, realiza-se ou constitui-se a prova ou ajustificação do fato ou da reiação jurídica

Diz o art. 866 do Código de Processo Civil que “ajustificação será afinal julgada por sentença” O juiz deve homologar a prova formada mediante o procedimento da justificação Sem a homologação, a prova não é constituída, Contudo, homologar a justificação, ou melhor, “julgá-la por sentença” (art. 866), não é apenas chancelar a presença de requisitos formais; a homologação é a expressão de que houve ajustifi­cação do fato ou da relação jurídica. Ou seja, não se trata apenas de homologar para permitir que ajustificação produza efeitos jurídicos.. Trata-se, sim, de homologar para atribuir ao ato o efeito de justificar o fato ou a relação jurídica.

O juiz da justificação deve analisar se o procedimento permitiu ajustificação do fato ou da relação jurídica. Ou melhor, o juiz do procedimento da justificação somente deve homologá-la se entender que o fato ou a relação jurídica restaram demonstrados..

Não se quer dizer que o juiz da justificação possa valorar a prova como o juiz da causa em que deve ser utilizada, até porque a valoração da prova, pelo juiz da causa,

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AÇÕES RELATIVAS À PROVA INTRODUZIDAS NO LIVRO III DO CPC 9 5

não é apenas a valoração da prova na forma individualizada, mas sim a valoração dc todas as provas, isto é, a valoração das provas em seu aspecto global,

Na verdade, não importa saber se ojuiz dajustificação pode valorar individual­mente a prova, mas sim se ojuiz da causa pode negar ajustificação homologada e em que situações Afirma Ovídio Baptista da Silva que “o juiz do processo regular em que a prova já constituída será utilizada poderá recusá-la se contar, para tanto, com prova contrária suficientemente idônea para invalidar a força probante dajustificação”,8

Ao que parece, Ovídio Baptista da Silva só admite que 0 juiz da causa possa negar a justificação homologada quanto estiver na fase da valoração do conjunto probatório.. Contudo, tal possibilidade é uma mera decorrência lógica da circunstância de se admitir outras provas em relação ao fato ou à relação jurídica justificadas Ora, se ajustificação se insere dentro de uma esfera que contém outras provas, é natural que ojuiz da causa, ao valorar o conjunto probatório, possa recusá-la diante de “prova contrária suficientemente idônea para invalidar a foiça probante dajustificação”

O problema, portanto, é verificar se ojuiz da causa pode concluir que ajusti­ficação carece de credibilidade ou, ainda, é insuficiente para demonstrar individu­almente o fato..

No processo de conhecimento, depois de produzida a prova, ojuiz ainda pode e deve valorar a credibilidade da prova Neste ponto, ainda não se trata de valorar se a prova identifica 0fato, mas apenas se 0 documento éformalmente exato, ou se 0perito e a testemunha são idôneos, ou mesmo se aprova pericial e a prova testemunhai têm saliências que retirem a sua credibilidade9

A credibilidade da prova possui relação com a sua idoneidadepiin. demonstrar um fato. Assim, a prova pericial que contém contradições que inviabilizam a sua própria prestabilidade para o esclarecimento do fato, do mesmo modo que o depoimento que contém em seu bojo graves contradições, nâo passam pelo teste de credibilidade e, assim, sequer podem ser relacionados com 0 fato que almejam elucidar.

Apenas depois de considerar a prova idônea ou crível, ojuiz irá valorá-la indi­vidualmente.10 A valoração individual tem o objetivo de verificar a relação entre uma certa prova e o fato, O que importa, nesta fase, é estabelecer sc determinada prova demonstra a hipótese fática Por isto, é acertado dizer que a valoração individual está integrada na valoração da prova, uma vez que tem a intenção de evidenciar a aptidão de uma prova específica para demonstrar um fato.

Se ojuiz da causa é o competente para solucioná-la, não há lógica em admi­tir que ele apenas possa recusar a justificação diante de outra prova, produzida cm

8 Ovídio Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, v 3, c it, p 343Conforme foi visto no volume 2 deste Curso de Processo Civil(Processo de Conhecimento,

v 2 ,cit., p. 470 e ss ).10 Sobre a credibilidade da prova, valoração individual e valoração conjunta da prova, ver

este Curso de Processo Civil {Processo de Conhecimento, cit , Parte ll,item l511 3)

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96 TEORIA GERAL DATUTELA CAUTELAR

processo de sua competência e em que ajustificação foi introduzida, Ajustificação também poderá ser recusada se o juiz da causa entender que ela não passa pelo teste de credibilidade, ou, ainda, é insuficiente para demonstrar o fato ou a relação jurídica a que almejou evidenciar.

Assim, por exemplo, se existem graves contradições na prova ou insuficiência da prova para demonstrar o fato, como aconteceria se os depoimentos houvessem sido prestados por pessoas que não estavam no local do acidente, ou que relataram ao juízo algo que apenas poderia ser plena e adequadamente evidenciado através de prova técnica.

E claro que o j uiz, pai a rejeitai' a credibilidade ou a suficiência da prova, assume o ônus da argumentação em contrário, já que ajustificação homologada goza de um forte crédito de presunção da demonstração do fato ou da relação jurídica» Ou seja, nestes casos, o juiz, para negar ajustificação, terá que demonstrai, mediante funda­mentação idônea, a falta de credibilidade da prova ou a sua insuficiência.

6.5 Segurança da prova: segurança da tutela do direito ousegurança dos direitos processuais de ação ou de defesa?

Se a antecipação da produção da prova (antecipação da produção no próprio processo de conhecimento, antes da audiência da instrução) e ajustificação (cons­tituição da prova) não se confundem com a asseguração da prova, tendo esta última o fim de assegurar a viabilidade da produção da prova, resta analisar a natureza da asseguração de prova, se cautelar ou não.

Ovídio Baptista da Silva, sem qualquer dúvida o jurista que melhor estudou o assunto entre nós, atribui natureza cautelar à asseguração de prova.,*1 Após advertir que o Código de Processo Civil não faz distinção entre pretensão a assegurar provas e produção de provas, afirma Ovidio que “pode haver produção antecipada de provas e asseguração cautelar de elementos de prova”, sendo que,“na asseguração cautelar de provas, o que se pretende é tão somente documentar algum fato cujo desaparecimento seja provável, a fim de poder-se depois utilizá-lo como prova” .12

Ovídio tem na asseguração de prova um exemplo de que a ação cautelar pode ser autônoma, dispensada uma ação principal Lembra o caso em que um locatário, ao aproximar-se o fim da locação, solicita vistoria para registrar a situação em que o imóvel se encontra, temendo que mais tarde o locador possa cobrar-lhe ressarcimento sob o fundamento de que o imóvel fora por ele danificado.13 Neste caso, o locatário não deseja pedir qualquer tutela do direito em face do locador, mas apenas registrar a situação do imóvel para que possa futuramente, em caso de eventual ação proposta

11 Ovidio Baptista da Silva, Do processo cautelar, cic, p 387 e ss12 ldem,p..387n Ovidio Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, cit., v 3, p. 47 e ss

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AÇÕES RELATIVAS À PROVA INTRODUZIDAS NO LIVRO III DO CPC

pelo locador, defender-se adequadamente, demonstrando que dano nenhum fora causado ao imóvel..

E claro que o exemplo evidencia que a ação de asseguração de prova pode dispensar a propositura de ação principal. Porém, ainda que a ação cautelar possa, excepcionalmente, dispensar a ação principal, a ação de asseguração de prova não possui natureza cautelar,

Na asseguração da prova, a relação de instrumentalidade é entre a segurança e a produção de prova, Como o direito à produção da prova constitui corolário tanto do direito de ação quanto do direito de defesa, a relação de instrumentalidade pode ser vista entre a asseguração da prova e a efetividade do exercício do direito de ação, ou do direito de defesa,. De modo que a asseguração de prova se destina a assegurar a viabilidade do exercício adequado da ação ou da defesas mas jamais a efetividade da tutela do direito material. A circunstância de a ação se fundar em urgência obviamente não lhe confere natureza cautelar. A tutela cautelar objetiva assegurar a efetividade da tutela do direito material ou da tutela satisfativa.

Tudo isto significa que os procedimentos de exibição, de produção antecipada de prova e de justificação nada têm a ver com o processo cautelar, estando inseridos no livro que trata do processo cautelar, àfalta de melhor ordenação do legislador. Tais procedi­mentos encontrariam melhor lugar no capitulo destinado às provas.

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A Ação Cautelar Inominada

S u m á r io : 7 1 Característica supletiva da ação cautelar inom inada em um sistem a processual marcado pela rigidez das form as procedim entais - 7 2 0 uso da ação cautelar inominada para garantir as novas necessidades de tutela do direito material - 7.3 A reconfiguração da fisionom ia originária da ação cautelar inominada diante da tutela antecipatória e das ações inibitória e de rem oção do ilícito

7.1 Característica supletiva da ação cautelar inominada em um sis­tema processual marcado pela rigidez das formas pr ocedimen­tais

A compreensão da ação cautelar inominada exige a análise dos arts. 798 e 799 do Código de Processo Civil Diz o art, 798: “Além dos procedimentos cautelares específicos» que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz deter­minar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fimdado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação”. Complementando esta norma, afirma o art. 799: “No caso do artigo anterior, poderá ojuiz, para evitar o dano, autorizar ou vedar a prática de determinados atos, ordenar a guarda judicial de pessoas e depósito de bens e impor a prestação de caução”,

Através destes dois artigos, o Código de Processo Civil,já quando da sua edição, se dá conta da insuficiência da instituição de procedimentos especiais para atender às diversas situações concretas carentes de tutela.. Assim, além dos procedimentos cautelares específicos, o Código de Processo Civil dá à parte, por meio do art 798, o direito de requerer “medidasprovisórias adequadas”, exemplificando-as no art.. 799.

Tais normas abrem oportunidade à utilização do procedimento adequado ao “caso concreto cautelar", ou melhor, à construção da ação cautelar adequada ao caso concreto 1 Evidencia-se, mediante estas normas, não apenas que o legislador não

1 Lcmbrc-se, conforme demonstrado no volume 1 deste Curso de Processo Civil, "que o direito dc ação, hoje, é muito mais do que o direito ã ação adequada ao plano do direito material

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A AÇÃO CAUTEL AR INOMINADA 99

pode instituir tantos procedimentos quantas são as necessidades de segurança, mas, sobretudo, que estas necessidades variam conforme as particularidades concretas, e, assim, que não há alternativa a não ser deixar uma válvula de escape para a utilização da técnica processual adequada à situação concreta

Porém, não há dúvida que a admissão desta‘Válvula de escape” foge do princípio da tipicidade das formas processuais, cujo objetivo era o de garantir ao cidadão um procedi­mento previamente previsto na lei A definição do procedimento ou da técnica processual que poderia ser utilizada pelo autor e pelo juiz garantiria a liberdade do réu contra a ame­

O legislador não sc limitou - nem poderia - a estabelecer técnicas processuais adequadas ao piano do direito materiai, mas instituiu cláusulas gerais, assim como técnicas processuais dota­das dc conceitos indeterminados, com o objetivo dc dar ao cidadão o direito de construir a ação adequada ao caso concreto A legitimidade da jurisdição depende dos direitos de o autor influir sobre o convencimento do juÍ2 e utilizar as técnicas processuais adequadas à proteção do direito matéria! Acontece que, conforme dito acima, não se pode exigir do legislador a estruturação de tantos procedimentos especiais quantas sejam as situações dc direito substancial carentes de tuteia.. /Vinda que sc pudesse tentar cumprir tal tarefa através de um trabalho hercúleo e não producente, jamais seria possível criar procedimentos ou técnicas processuais que se ajustassem perfeitamente ãs variadas situações de direito material, pois essas, ainda que possam ser visualizadas em abs­trato, sempre estão na dependência das circunstâncias do caso concreto Já passou a época em que o direito cra visto como uma ciência lógico-formal, que trabalhava apenas com derivações dedutivas, ao gosto do positivismo clássico e do jusnaturalismo racionalista. Sabe-se que o direito, atualmente, não pode se desligar da realidade O direito deve se projetar sobre a realidade dos casos concretos e, por essa razão, não sc admite - e nem mesmo se deseja-que uma norma possa ter sempre o mesmo sentido. As normas operam sobre a realidade conforme o valor que lhe é atribuído pelos princípios. As normas processuais relativas ao direito dc ação, especialmente em razão da sua narureza instrumental, não podem se desligar dos vários casos concretos, e assim devem serlidas à luz do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. A norma processual civil, quando iluminada pelo direito fundamental à tutela jurisdicional eletiva, obriga ojuiz a lhe dar a inteligência capaz dc permitir a efetiva tuteia do direito material O ordenamento jurídico, ao dispor das normas, exatamente porque sabe que não pode atender a todas as situações, diante da riqueza e multiplicidade das particularidades que as formam, trabalha com normas abertas e com normas com significados abertos Ambas devem ser concretizadas conforme as peculiaridades do caso concreto e,assim, respondem a um direito voltado à realidade,expressando um ordenamento jurídico marcado pelos princípios e pelos direitos fundamentais ( ) A partir do momento em que as normas relativas à ação passam a se voltar à realidade ou ao caso concreto, rompe-se o gesso da época em que o seu exercício ficava restrito aos modelos processuais previamente fixados na lei, quando se supunha que a ação podia sercompletamente indiferente ao direito material A legislação processual civil brasileira impõe a tese do direito à construção da ação adequada ao caso concreto (. ) As novas regras processuais, partindo do pressuposto de que o direito dc ação não pode ficar na dependência de técnicas processuais ditadas dc maneira uniforme para todos os casos ou para alguns casos específicos, incorporam normas abertas, isto é, normas voltadas para a realidade, deixando claro que a ação pode ser construída conforme as necessidades docasoconflitívo O art 5 °,XXXV, da CF garante o direito à ação adequada, mas esse direito é complementado através de normas abertas ou dotadas de significados abertos” [L uiz Guilherme Marinoni, Teoria Geral do Processo (Curso de Processo Civil, v 1 ), cit,, p 295-297].

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100 TEORIA GERAL DA TUTELA CAUTELAR

aça de arbítrio estatal. O réu nao poderia ser pego de surpresa, tendo a sua esfera jurídica invadida por forma processual não expressamente delineada pelo legislador.

De modo que a previsão dos arts. 798 e 799 é advinda da constatação de que a prévia definição das formas é uma garantia menos relevante do que a garantia de tutela cautelar adequada.. O direito à tutela cautelar adequada, obviamente decor­rente do direito fundamental de ação, levou à instituição das normas dos arts. 798 e 799, dando origem ao direito à ação cautelar inominada. Inominada exatamente porque não nominada, ou melhor, não expressamente prevista pelo legislador como procedimento especial.

Assim, em poucas palavras, é certo concluir que a ação cautelar inominada é fruto da necessidade de se conferir tutela cautelar adequada ao caso concreto, consti­tuindo ação ou forma processual capaz de suprir a insuficiência da técnica processual expressamente estabelecida.

7U 2 O uso da ação cautelar inominada par a garantir as novas neces­sidades de tutela do direito material

Contudo, a circunstância de a ação cautelar inominada ter sido idealizada para viabilizar a tutela cautelar adequada ao caso concreto não impediu o seu uso para veicular outras formas de tutela jurisdicional, também não obteníveis com base nas técnicas processuais previstas na legislação,

Como foi dito acima, a lentidão do procedimento comum e a ausência de técnicas processuais capazes de permitir o alcance da tutela inibitória, mediante a ação de conhecimento, transformaram a ação cautelar inominada não só em técnica de sumarização do processo de conhecimento, mas também em ação capaz de pro­porcionar as tutelas inibitória e de remoção do ilícito.

A ação cautelar inominada foi utilizada como meio para a obtenção da tutela satisfativa e, além disto, para impedir a violação do direito material e para remover os efeitos concretos do ilícito. Era comum, por exemplo, a utilização de ação cau­telar inominada no lugar do mandado de segurança, bem como para se obter tutela inibidora de violação a direito da personalidade.

Galeno Lacerda apresentou, em seus Comentários ao Código de Processo Civil, vários casos que, em razão de necessidades oriundas da prática - ou melhor, de técnica processual idônea à efetiva tuteia do direito material - admitiriam o uso da ação cautelar inominada no lugar do mandado de segurança, porque passados os cento e vinte dias para o seu exercício. Referiu-se Galeno, entre outros, a um caso de fechamento arbitrário de estabelecimento comercial.2 Nesta hipótese a prova seria pré-constituida e, portanto, faltaria a própria situação de aparência (fumus bont iuris) legitimadora da ação cautelar,. Realmente, se é possível demonstrai’ de plano a

2 Galeno Lacerda, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 8 , t, 1 , p, 185 e ss

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A AÇÃO CAUTELAR INOMINADA 101

arbitrariedade (direito liquido e certo), a ação, ainda que rotulada de cautelar, sempre admitiria sentença de cognição exauriente, e, por isto, dispensaria a ação principal. No exemplo, seria necessária apenas a tutela antecipatória, como providência a ser concedida no curso do processo de cognição exauriente.. Ou seja, bastaria uma ação autônoma (de cognição exauriente) com liminar

De outra parte, como os direitos da personalidade-e outros direitos deste porte porsuaprópria natureza, exigem tutelas jurisdicionais inibitórias,e essas não podiam

ser prestadas pelo procedimento comum de conhecimento, a ação cautelar inominada foi utilizada para viabilizar a tutela inibitória destes direitos. E isto, como já dito acima, não apenas no Brasil, mas também em vários outros países, como na Itália,3

Entretanto, tais funções, como já explicado, não foram idealizadas para a ação cautelar inominada, cujo fim é permitir a tutela de segurança. Quando a tutela obtida é satisfativa ou inibitória, nunca há motivo para se pensai em ação principal. Isto porque a tutela satisfativa e a tutela inibitória (que, aliás, também é satisfativa) não são instrumentais a qualquer outro tipo de tutela . A ação cautelar que permitiu a obtenção de tais tutelas era,realmente, autônoma ou satisfativa, uma vez que satisfazia o desejo de tu tela jurisdicional, bastando em si. O problema é que esta ação, rotulada de cautelar inominada, não prestava tutela cautelar, mas sim tutelas que não podiam ser obtidas mediante o uso das técnicas processuais à época disponibilizadas pela legislação

De modo que, como é fácil ver, a ação cautelar inominada passou a ser utilizada de forma tecnicamente distorcida para permitir o alcance de outras formas de tutela, que não apenas a cautelar. E, nesta dimensão, assumiu ainda maior importância diante do direito fundamental de ação e do dever jurisdicional de prestação de tutela jurisdicional adequada,

7.3 A reconfigui ação da fisionomia originária da ação cautelar ino- minada diante da tutela antecipatória e das ações inibitória e deremoção do ilicitoA reforma processual de 1994, mediante as novas regras instituídas nos arts,

273 e 461, eliminou a necessidade do uso distorcido da “ação cautelar” para a obten­

3 A Pretura de Turim expressamente admitiu tutela inibitória, com base no art. 700 do CPC italiano (equivalente ao art 798 do CPC brasileiro), para proteger direito da personalidade: “11 libero esercizio dei diritto di cronaca e di critica, pur costituzionalmente garanti to, non può iedere i diritti, assolutamente primari, delia persona umana e deüa sua dignità civile e morale anche essi tutelatidal dettato costituzionale. CostituÍscelcsionedeü’altrui prestigio e credibilità politica Ia distribuzione, ne{ corso di una campagna ekttorale di volantini contenenti erronee informazioni sulla passata posizione ideologica di un leader político, candidato alie elezioni, e idonei ad alterarne Pintegrità deila figura e a ingenerare negü elettori la convinzione di una sua mancanzadi dignitàe coerenzapoíitica. NelTipotesi di travisamento deU’ídentitàpoIiticaamezzo di volantini eÍettorali,/>«ò ordinarsi, con prowedimento d'urgenza, che ne venga inibita la ulteriore diffuúoni' (Pretura Torino, 30 de maio de 1979 (ord.), Giurisprudenza italiana, 1979, p. 600)

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102 TEORIA GERAL DATUTEL A CAUTELAR

ção de tutela satisfativa de cognição sumária (mediante liminar cm açao de cognição exauriente) e de tutelas inibitória e de remoção do ilícito..

Além disto, como a distorção do uso da ação cautelar, viabilizando o alcance das tutelas satisíativa, inibitória é de remoção do ilícito, nem sempre fazia com que o juiz dispensasse a ação principal, tal reforma acabou eliminando o grosso equívoco da duplicação de ações ou de procedimentos para a obtenção de apenas uma tutela do direito material»

Quando escrevemos para demonstrar a necessidade da introdução da tutela antecipatória no Código de Processo Civil, mostramos o erro em se exigir dois procedimentos para se obter tão somente uma tutela do direito (satisfativa), assim argumentando: “A prática forense tem mostrado várias hipóteses em que processos rotulados de ‘cautelar’per dem qualquer sentido após a concessão da liminar. Isto quer significar que a prática, em vários casos, reduziu a importância do processo cautelar a uma liminar Com apoio na doutrina, a prática aceita a tese de que a ação cautelar pode substituir o mandado de segurança, uma vez escoado o seu prazo decadencial. O que era direito líquido e certo se transforma, em passe de mágica, em fumus boni. iuris Porém, passada a fase propícia à concessão da Liminar, por inexistir necessidade de elucidação de matéria de fato, o juiz resta em condições de proferir sentença capaz de produzir coisa julgada material., Ou seja, a ‘ação cautelar’ seria suficiente para a resolução definitiva do mérito e para a concessão da tutela satisfativa,, Contudo, como diante da tutela (que seria) cautelar o lugar para a concessão da tutela do direito é no chamado ‘processo principal’, exige-se a propositura da ação principal, desneces­sariamente proposta quando se percebe que a ação rotulada de cautelar é travestida para possibilitar o requerimento de liminar Nestes casos, realmente, a conclusão deveria ser a dc que a ação principal’ é despicienda e a ‘ação cautelar não é cautelar Necessário é um procedimento de cognição exauriente em que seja possível a obtenção de tutela antecipatória A doutrina transforma direito líquido e certo em fumus boni iuris, mas não tem coragem para reconhecer que são completamente desnecessários dois procedimentos para tais casos”.’1

As novas técnicas processuais que viabilizam a antecipação da tutela e as tutelas finais inibitória e dc remoção do ilícito eliminaram a razão para o uso distorcido da técnica processual idealizada para servir à tutela cautelar e, além disto, desnudaram o grosseiro erro em se exigir duas ações para o alcance das tutelas inibitória e dc remoção do ilícito - ou da tutela satisfativa em geral - derivado da falta de atenção à circunstância de que tais tutelas não são marcadas pela instrumentalidade, própria à tutela cautelar.

Assim, quem necessita de tutela satisfativa de cognição sumária, a ser prestada mediante liminar, deve propor ação dotada de procedimento comum de conhecimen­

'' Luiz Guilherme Marinoni, Tutela cautelar, tu cela antecipatória urgente e tutela ante­cipatória .4 juris, v 61, p. 70-71

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A AÇÃO CAUTEL AR INOMINADA 103

to e requerer tutela antecipatória, não podendo mais propor ação cautelar e, muito menos, fazê-la seguir de ação principal Do mesmo modo, quem precisa de tutela inibitória ou de tutela de remoção do ilícito deve propor ação fundada no art, 461 do CPC, requerendo o emprego das técnicas processuais adequadas para tanto, isto é, da técnica antecipatória, da sentença e do meio executivo idôneos

O legislador, ao instituir as técnicas processuais idôneas à obtenção das tutelas que até então eram obtidas a partir do uso distorcido da ação cautelar inominada, torna não só desnecessária, mas também ilegítima, o uso da técnica cautelar para a viabilização de tais formas de tutela.

De modo que não há mais como admitir a duplicação de ações e de procedimen­tos para a obtenção de uma única tutela do direito,5 nem a propositura de ação cautelar para, por exemplo, inibir a violação do direito à honra ou do direito à imagem,

5 "Não é mais admissível - após a reforma do Código - que alguém pretenda propor ação (de cognição) sumária‘satisfativa’com base no art 798 .0 novo art 273 estabeleceu de for­ma clara que o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, totai ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação Agora é possível, portanto, que a tutela sumária satisfativa seja requerida no curso do processo de conhecimento Alguém poderia ser tentado a admitir a ação sumária inominada, desde que antecedente ao processo de conhecimento Tal possibilidade, contudo, novamente abriria caminho para a duplicação de procedimentos para a apreciação dc uma única lide Se alguma situação es­pecífica de direito material justificar um procedimento de cognição sumária^atisfativo', caberá ao legislador defini-lo como tuteia jurisdicional diferenciada. Nada impede, de fato, que o legislador construa procedimentos de cognição sumária que permitam a realização do direito material, e que até mesmo deixe ao vencido o ônus da propositura da ação de cognição exauriente. Cabe advertir que ainda temos ações sumárias satisfativas. Basta se pensar na ação de alimentos provisionais A ação de alimentos provisionais, frequentemente rotulada de cautelar, permite a satisfação da pretensão aos alimentos Ainda que os alimentos provisionais constituam tutela antccipatória, é óbvio que o art 273 não baniu a ação de alimentos provisionais do sistema Os procedimentos sumários satisfativos^ícirtú, como o procedimento dos alimentos provisionais, podem e devem conviver com a tutela antecipatória do processo de conhecimento” (Luiz Guilherme Marinoni, Antecipação da tutela, c it , p 178-181)

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8O Poder Jurisdicional de Concessão

de Medida Cautelar de Ofício

S um ário*. 8,1 Poder cautelar de ofício - 8 .2 Pressupostos para a concessão de tutela cautelar de ofício - 8 .3 Tuteia cautelar de oficio e responsabilidade pelo dano causado à parte ~ 8 4 Poder cautelar de oficio e poder concentrado de execução - 8 .5 Poder cautelar de oficio e poder de policia ~ 8 ,6 Tuteia cautelar de ofício e tutela cautelar inominada.

8.1 Podei cautelar de oficio

Afirma o art, 797 do CPC que, “só em casos excepcionais, expressamente auto­rizados por lei, determinará o juiz medidas cautelares sem a audiência das partes”

Trata-se de norma que, sem qualquer dúvida, pretende atribuir ao juiz uma maior latitude de poder, dando-lhe o poder de conceder “medidas cautelares” sem qualquer requerimento das partes

Sabe-se que, em tema de tutela cautelar, existe a teoria que vê na função cautelar a defesa da jurisdição, derivada das lições de Chiovenda e Calamandrei.

A doutrina chiovendiana epós-chiovendiana-daqual Calamandrei foi o prin­cipal expoente empenhou~se em inserir o processo em uma dimensão publicista, em que, ao invés dos interesses dos particulares, prevalece o interesse do Estado.1

Nesta linha, Calamandrei comparou as medidas cautelares ao instituto do conttmpt oj Court, salientando que a sua função, no direito anglo-americano, é jus­tamente a de “salvaguardar o imperium judieis, ou seja, a de impedir que a soberania do Estado, em sua mais alta expressão, que é a da justiça, Ümite-se a ser uma tardia e inútil expressão verbal”. Pouco antes de chegar nesta conclusão, Calamandrei fez referência à necessidade de a jurisdição reprimir a possibilidade de o devedor desviar os seus bens para se livrar da condenação 2

1 Ver Michele Taruffo, La giustizia civile in ítalia dal‘700 a oggt, cit, p 193 e ss,2 Piero Calamandrei, Introducáon al estúdio sistemático de lasprovidencias cautelares, c it ,

p 140.

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PODERJURISDICIONAL DE CONCESSÃO DE MEDIDA CAUTELAR DE OFÍCIO / Q t$

A circunstância de se atribuir à medida cautelar a função de garantir a autoridade da jurisdição justificaria, mediante determinado raciocínio lógico, a possibilidade de o juiz conceder medida cautelar de oficio, Dir-se-ia: como o juiz deve proteger a autoridade da jurisdição, e as medidas cautelares servem exatamente para isto, cabe- lhe conceder medida cautelar de ofício,

Embora a lógica do raciocínio seja impecável, uma das suas premissas é falsa, A medida cautelar não se destina a garantir a autoridade da jurisdição, E completamente equivocado supor que o arresto se preste para tanto; tal figura tem o nítido objetivo de garantir a efetividade da própria tutela do direito material, ou seja, da tutela pelo equivalente ao valor da lesão, ou da prestação inadimplida, ou da tutela da obrigação de pagar soma em dinheiro,

A providência jurisdicional, neste caso, destina-se a assegurar um direito do litigante, pouco importando se é denominada de cautelar ou de contempt o j Gourt.3

O que pretendeu Calamandrei, em verdade, foi libertar o juiz das amarras do pxincípio dispositivo, dando-lhe o poder de, sem requerimento da parte, garantir a efetividade da tutela jurisdicional do direito,.

Como é óbvio, o arresto, caso não confirmado, terá beneficiado injustamente o credor e prejudicado com a mesma qualidade o devedor. Ao contrário, se o direito material for declarado ao final do processo, confirmando-se o arresto, o credor será justamente protegido,, Nestes termos, é pouco mais do que evidente que a tutela cautelar protege a parte, assegurando a efetividade da tutela do direito material, Ou seja, não há como admitir que a tutela possa ser concedida de ofício, em todo e qual­quer caso, sob o simples e fácil argumento de que ela está garantindo a autoridade da jurisdição.

Mas a questão de o juiz poder conceder medida cautelar de oficio ainda não foi resolvida. E preciso indagar, agora, se ojuiz pode determinar medida cautelar para assegurar a efetividade da tutela do direito.,

O art 797 afirma que sim. Diz que ojuiz pode conceder tutela cautelar nos casos excepcionais e nas hipóteses expressamente previstas na lei, não obstante parte da doutrina se empenhe em mostrar que o seu poder é restrito apenas às hipóteses expressamente delineadas nalei.'1

Porém, se a tutela de segurança pode ser concedida de ofício e m casos previstos na lei, não há como não permiti-la nas situações concretas que, embora não adivi­nhadas pelo legislador, igualmente justificam a atuação oficiosa do juiz,, Raciocinar de forma contrária seria negar a principal característica do processo contemporâneo,

3 O co nte mptof Co uri- instituto típico do direito anglo-americano, sem exata correspon­dência no direito italiano e no direito brasileiro- pode ser relacionado com os poderes dc execução e de polícia e do juiz, mas certamente não guarda relação mais íntima com a tutela cautelar Ver Dan. B. Dobbs, Contempt ofcourt: a survey ComeilLaw Review, v, 56, p. 235 e ss.

4 Por exemplo, Ovídio Baptista da Silva, Curso de Processa Civil, v, 3, cit,., p. 113

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106 TEORÍA GERAL DA TUTEL A CAUTELAR

deixando-se de admitir a utilização da técnica processual conforme as necessidades do caso concreto, em sinal de nítido obstáculo à realização do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.5

Contudo, se a tutela cautelar pode ser concedida em casos excepcionais, assim como naqueles previstos na lei, o problema passa a ser o de saber em que circunstâncias esta atuação é possível

8.2 Pressupostos paia a concessão de tutela cautelar de oficio

Em primeiro lugar, cabe analisar as hipóteses em que ojuiz está autorizado, por leí, a conceder tutela cautelar de ofício. Quando se afirma que ojuiz está autori­zado, se quer dizer que ele não está impedido, pelo princípio dispositivo, de conceder a tutela cautelar sem requerimento da parte.. Porém, quando existe lei, e assim não se aplica o princípio dispositivo, o magistrado tem o dever àz, uma vez presentes as circunstâncias reclamadas na norma autorizadora, conceder a tutela cautelar

Diz o art 1.001 do Código de Processo Civil: “Aquele que se julgar preterido poderá demandar a sua admissão no inventário, requerendo-o antes da partilha. Ou­vidas as partes no prazo de dez dias, ojuiz decidirá Se não acolher opedidotrcm ctem o requerente para os meios ordinários, mandando reservar, em poder do inventariante, o quinhão do herdeiro excluído, até que sc decida o litígio'’.. Por sua vez. assim estabelece o art 1.018 do mesmo Código: “Não havendo concordância de todas as partes sobre o pedido de pagamento feito pelo credor, será ele remetido para os meios ordinários Parágrafo único.. O juiz mandará, porém, reservar em poder do inventariante bens suficientes para pagar o credor, quando a dívida constar de documento que comprove suficientemente a obrigação c a impugnação não se fundar em quitação”.(í

Tais normas, como se vê, gravam ojuiz com o dever de reservar “quinhão” e “bens suficientes”, para assegurar a efetividade da tutela do direito do “herdeiro ex­

5 Por outro lado, ao interpretar o art.. 797, assim demonstra Moniz dc Aragão: “Convém raciocinar com a hipótese de que esse texto não existisse Qual seria o efeito? Se houvesse absoluta omissão, estaria ojuiz impedido de determinar medidas cautelares de ofício em ‘casos expres­samente autorizados por lei’? Parece óbvio que não Para tais situações a lei nada inovou e seu silêncio nem seria notado A omissão constituiria veto, aí sim, à expedição de medidas cautelares de ofício em ‘casos excepcionais’, isto é, aqueles não autorizados por lei, para os quais prevaleceria o princípio dispositivo Quanto a eles, sem dúvida, a lei inovou ao autorizar ojuiz a emitir medidas cautelares de ofício.. Segue-se que opoder de atuação do magistrado não fica circunscrito aos‘casos expressamente autorizados por lei'; estende-se outrossim aos casos excepcionais’, não autorizados por lei” (Egas Moniz dc Aragão, Medidas cautelares inorninadas.cit,, p 41-42) .

6 Segundo Ovídio Baptista da Silva, estas são as únicas duas hipóteses de tutela cautelar dc ofício, conforme Curso de Processo Civil, v 3, cit., p. 113 Sem razão, elencando outros exemplos dc tutela cautelar expressamente autorizados pela lei, Galeno Lacerda, Comentários ao Código de Processo Civi/, cit.., p. 116 c ss.; HumbertoTheodoro Júnior, Processo cautelar, cit., p 102;João Carlos Pestana de Aguiar Siiva, Síntese informativa do processo cautelar Revista Forense, v, 247, p 48

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PODER JURISDICIONAL DE CONCESSÃO DE MEDIDA CAUTELAR DE OFÍCIO / Q J

cluído” e do “credor” Ambas as tutelas cautelares asseguram a efetividade da tutela do direito eventualmente reconhecida, ao herdeiro excluído ou a credor, no futuro- mediante o que os arts 1 001 e 1.018 do Código de Processo Civil chamam de “meios ordinários”..

O dever de concessão destas tutelas surge quando o juiz não acolhe o pedido do preterido de admissão no inventário (art 1 001, CPC), quando não há concordância de todasaspart.es sobre o pedido de pagamentofeito pelo credor c. a dívida constar de documento que comprove suficientemente a obrigação e a impugnação nâo se fundarem quitação (art, 1.018, CPC) A caracterização destes pressupostos (i não acolhimento do pedido e ii. não concordância de todas as partes, alíada a documento que comprove suficien­temente a obrigação e impugnação não fundada em quitação) é suficiente para obrigar ojuiz a conceder a tutela cautelar.

Fora destas hipóteses, ojuiz somente pode conceder tutela cautelar de ofício em casos excepcionais. Para concretizar o significado de casos excepcionais, é preciso deixar claro, de início, que, havendo situação capaz dc pôr em risco a efetividade da tutela do direito material, ojuiz deverá, quando possível, mandar que as partes se pronunciem, permitindo-lhes chegar a uma solução de consenso capaz de colocar fim à situação de perígo, ou, até mesmo, abrindo à parte que pode ser prejudicada oportunidade para o requerimento de tutela cautelar

Apenas quando não houver tempo para o juiz ouvir as partes é que se apre­sentará a primeira característica do significado de “caso excepcional”. Existindo situação de perigo capaz de colocar em risco a efetividade da tutela do direito, e não havendo tempo para ojuiz ouvir os litigantes, a tutela cautelar pode ser concedida sem requerimento da parte,

Mas a ausência de tempo para ouvír as partes não basta, Para que ojuiz possa atuar de ofício, é preciso que a situação de urgência não seja do conhecimento da parte que pode ser prejudicada, e, assim, não tenha sido caracterizada expressamente no processo ou anunciada por qualquer das partes..

Ademais, além de obviamente ser imprescindível a presença defumus boni iuris, é necessário que o risco à efetividade da tutela do direito seja constatávelprim afade Frise-se, por último, que não há qualquer racionalidade em admitir tutela cautelar de ofício antes da instauração da ação em que se pede a tutela do direito ameaçada de se tornar infrutífera. De lado o fato de que, nesta hipótese, ojuiz não pode sequer pensar em fumus bonis iuris, é completamente inconcebível que um juiz possa agir de ofício por supor que uma situação de risco afeta eventual tutela do direito, que sequer foi pedida.

Não obstante, ainda que o juiz possa conceder tutela cautelar de ofício em casos excepcionais, a parte afetada não pode deixar de ser imediatamente comunicada da sua concessão, para que possa voluntariamente eliminar a situação de perigo, defender-se perante ojuiz, ou, ainda, interpor agravo de instrumento no tribunal.

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108 TEORIA GERAL DATUTELA CAUTELAR

8.3 Tutela cautelar de ofício e responsabilidade pelo dano causado à parte

Diante da possibilidade de ojuiz conceder medida cautelar de ofício em casos excepcionais, é de se perguntar sobre a responsabilidade pelo dano trazido à parte contra quem a tutela cautelar foi decretada de ofício.

E cíaro que só se pode pensar em responsabilidade pelo dano provocado pela tutela cautelar- quando esta não é confirmada ao final do processo. Neste caso, teria sentido responsabilizar o Estado ou o juiz? Ou o melhor seria deixar o litigante que sofreu o dano sem reparação?

Ojuiz não pode ser responsabilizado por culpa, Só há cabimento em respon­sabilizá-lo por dolo ou fraude. O Estado somente deve ser responsabilizado quando ojuiz houver agido com culpa grave, isto é, em total desatenção aos pressupostos de que a tutela cautelar apenas pode ser concedida de ofício nas situações em que não há evidência de que a parte tem ciência do perigo e não há tempo para comunicar os litigantes acerca da situação perigosa . O Estado também deve responder quando a tutela cautelar for revogada por ausência de perigo e ojuiz houver concedido a tutela sem qualquer evidência da situação perigosa. Ou seja, a falta de evidência do perigo, assim como a possibilidade de o próprio litigante ter requerido a tutela cautelar, geram a responsabilidade do Estado pela concessão da tutela sem provocação da parte,

Porém, a circunstância de o direito, suposto provável pelo juiz que concedeu a tutela cautelar, ter sido negado ao final do processo, não gera ao Estado o dever de indenizar. Ninguém pode sei responsabilizado quando temodeverdeatuar,aindaque a sua atuação, diante de outro contexto, mais tarde possa ser considerada equivocada, Isto também seria o mesmo do que atribuir responsabilidade a quem tem dever de agir, mas, agindo, tem a possibilidade de provocar dano.

Note-se, em primeiro lugar, que a concessão da tutela cautelar, por ser fun­dada na probabilidade do direito, pode ser correta, ainda que o direito que nela foi suposto provável, mais tarde, seja dito inexistente, A legitimidade da tutela cautelar, para efeito de responsabilização do Estado, deve ser aferida no instante em que foi concedida. Não há qualquer racionalidade em responsabilizar aquele que deve atuar de ofício para proteger um direito provável apenas porque, ao se aprofundar a cog­nição judicial, verificou-se que o direito não existia.. Ora, a tutela cautelar é prestada a um direito provável e a alteração da compreensão da situação iitigiosa é inerente ao desenvolvimento do contraditório,

8.4 Poder cautelar de ofício e poder concentrado de execução

Não há como confundir o poder de conceder tutela cautelar de oficio e o poder de ojuiz utilizar o meio executivo necessário ou adequado às circunstâncias do caso concreto,

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PODERjURÍSDICIONAL DE CONCESSÃO DE MEDIDA CAU TELAR DE OFÍCIO f Q Q

O poder de utilização do meio executivo adequado deu orígem ao princípio da concentração do poder executivo do juiz, em contraposição ao clássico principio da tipicidade dos meios executivos.

O principio da tipicidade afirma que não existem meios de execução além dos tipificados na lei , A jurisdição não pode utilizar outros. Isto seria uma garantia de liberdade do litigante contra a possibilidade de arbítrio do juiz A esfera jurídica do demandado não poderia ser invadida através de meio executivo não tipificado, tendo o cidadão 0 direito de saber, para a hipótese da sua condenação, de que forma a execução seria realizada.

Este princípio é típico do direito liberal clássico,7 época em que a desconfian­ça em relação ao Estado era justificada e os direitos fundamentais tinham apenas conteúdo de direitos de liberdade, ou de direitos de defesa do particular em face da opressão estatal,.

Com a transformação da sociedade e do Estado, operou-se a mutação do princípio da tipicidade em princípio da concentração do poder de execução do juiz Isto porque surgiram novas situações de direito substancial carentes de tutela, cuja natureza não se amoldou à forma executiva própria à obtenção da tutela ressarcitória pelo equivalente em pecúnia, ou melhor, a uma forma executiva rigidamente deter­minada e indiferente às particularidades da situação concreta.

Mostraram-se necessárias, para permitir a efetividade da tutela das novas situações substanciais, não apenas modalidades executivas diversas, ou mesmo a possibilidade de o autor r equerer a utilização de meios executivos não expressamente previstos na lei, mas também dar ao juiz o poder de utilizar a modalidade executiva adequada ao caso concreto, ainda que não solicitada pela parte,. Foi quando se conferiu ao juiz o poder de determinar o meio executivo de ofício.8

7 Ver o volume 1 deste Curso de Processo Civil ( Teoria Geral do Processo, cit., p 122 e ss , p 127 e ss , p, 238 e ss ,p. 274 e ss , p. 297 ess.) Na p, 238 está escrito o seguinte: “Diante de uma leitura histórica e crítica de tal princípio e do direito de ação, é possível dizer que a tipicidade das formas processuais constituiu a expressão do principio de liberdade, próprio ao jusnaturalismo e ao racionaÜsmo iluminista- garantia de liberdade totalmente compreensível em um contexto preocupado em proteger as liberdades do arbítrio dos juizes e das suas relações espúrias com o chamado Antigo Regime Se ojuiz dessa época não merecia qualquer confiança, e portanto o seu poder deveria ser nenhum - como disse Montesquieu era natural que o desenvolvimento da ação ou que o desenvolvimento do procedimento ficassem atrelados às formas previstas na lei. Afinal, tai juiz era visto como um ‘ser inanimado’, incumbido de proclamar o ‘texto exato da lei’ . Vittorio Denti, ao tratar de forma critica da história do processo de conhecimento, fez ver a razão de ser do princípio da tipicidade das formas processuais no Estado liberal, lembrando que Chiovenda, em conferência proferida em 1901, insistiu para a necessidade das formas como garantia con tra a possibilidade de arbítrio do juiz, deixando absolutamente clara a estreita ligação entre a liberdade individual e o rigor das formas processuais”.

8 “Contudo, quando se pensa na técnica processual capaz de garantir a efetividade da tutela do direito, não é possível esquecer da esfera jurídica do réu Se é possível escolher a técnica

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110 TEORIA GERAL DA T UTELA CAUT EL AR

Os §§ 4 ° e 5 ° dos arts. 84 do Código de Defesa do Consumidor e 461 do Código dc Processo Civil constituem exemplos claros do poder de execução dc ofício Lnquanto o § 4..° dá ao juiz o poder de impor a multa, em valor adequado ao caso concreto, sem qualquer pedido do autor, o § 5.° lhe outorga o poder de determinar as “medidas (executivas) necessárias”, também sem qualquer requerimento do autor, para prestar de forma efetiva a tutela do direito material9

Se, à época do Estado liberal, o poder de execução era subordinado àlei porque isto era fundamental para garantir a liberdade dos litigantes, hoje o poder de execu­ção tem uma amplitude substancialmente maior, porque a efetividade da tutela dos direitos é imprescindível para uma organização justa

Note-se, porém, que o juiz pode determinar meio de execução dc ofício não apenas na sentença, mas também ao conceder tutela antccipatória ou tutela cautelar Nem teria sentido restringir o poder de execução de ofício apenas à tutela final, uma vezque ele é imprescindível nas tutelas de urgência, uma vez que aí, diante dadinãmica da situação concreta, a variabilidade da execução é ainda mais necessária

Não obstante, não há como confundir a tutela de ofício destinada a assegurar a tutela de um direito (tutela cautelar de ofício) com a utilização dc ofício de meio executivo, com o propósito de dar efetividade à tutela cautelar requerida peía parte. Trata-se de uso de poder jurisdicional de ofício com finalidades distintas. Um, para assegurar a tutela do direito; outro, para executar a tutela cautelar,,

processual capaz dc dar proteção ao direito, não há como admitir que essa escolha possa prejudicar o demandado Isso quer dizer que a utilização da técnica processual, diante da norma processual aberta, tem a sua legitimidade condicionada a um prévio controle, que considera tanto o direito do autor, quanto o direito do réu., Esse controle pode ser feito a partir de sub-regras da regra da proporcionalidade, isco é, das regras do meio idôneo e da menor restrição possível A providência jurisdicional deve ser idônea à tutela do direito e, ao mesmo tempo, a que traz a menor restrição possível à esfera jurídica do réu E claro que, antes de tudo, a providência deve ser idônea à tutela do direito Ojuiz somente deve se preocupar com a menor restrição possível após ter identificadoo meio idôneo à tutela do direito.. Porém, a necessidade de raciocinar a partir da consideração da tutela no plano do direito material e do direito de defesa não teria significado sem a devida justificativa, isto é, sem a motivação capaz de expressar adequadamente o raciocínio judicial A justificativa permite controle crítico sobre o poder do juiz, sendo que o equívoco da justificativa evidencia a ilegitimidade do uso da técnica processual A ampliação do poder de execução do juiz, ocorrida para dar maior efetividade ã tutelados direitos, possui, como contrapartida, a necessidade de que o controle da sua atividade seja feito a partir da compreensão do significado das tutelas no plano do direito material, das regras do meio idôneo e da menor restrição e mediante o seu indispensável complemento, a justificação judicial Em outros termos: peío fato dc ojuiz ter poder para a determinação da melhor maneira dc efetivação da tutela, exige-se dele, por conseqüência, a adequada justificação das suas escolhas Nesse sentido se pode dizer que a justificativa é a outra face do incremento do poder do juiz” [Luiz Guilherme Marinoni, Teoria Geraldo Processo {Curso de Processo Civil, v.. 1), c i t p 124-125]

9 Ver o volume 3 deste Curso de Processo Civil {Execução), p 145 e ss

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PODER JURISDICIONAL DE CONCESSÃO DE MEDIDA CAUTELAR DE OFÍCIO / / /

8.5 Poder cautelai de ofício e poder de polícia

O poder de conceder tutela cautelar de ofício também não se confunde com o chamado “poder dc polícia” do juiz. Afirma-se que ojuiz tem poder de polícia para demonstrar que o magistrado tem poder para coibir a prática de atos, seja das partes ou de estranhos ao processo, que possam obstaculizar o seu normal andamento, conturbar a prática de atos processuais, ou mesmo lhes retirar a utilidade e a efetividade..

O Código de Processo Civil alude ao “poder de polícia” do juiz no seu art. 445, que assim dispõe: “O juiz exerce o poder de polícia, competindo-lhe: I - manter a ordem e o decoro na audiência; II - ordenar que se retirem da sala da audiência os que se comportarem inconvenientemente; I I I - requisitar, quando necessário, a força policial”,

Esta norma trata do poder de polícia na audiência, mas certamente não esgota o poder de polícia que ojuiz pode exercer no processo civil O juiz também pode atuar para viabilizar a realização regular de prova pericial, coibindo a prática de atos, pela parte ou por terceiros, que possam dificultar o desenvolvimento normal da produção da prova. Também pode ojuiz determinar a apreensão de autos, por oficial de jusdça, quando estes não foram entregues pelo advogado, devidamente intimado para tanto.

A requisição de força policial, para permitir a execução de decisão, também é manifestação do podei de polícia Note-se que a requisição de força policial, expres­samente autorizada pelo § 5,° do art. 461 do Código de Processo Civil, não constitui modalidade executiva. A força policial é requisitada para permitir que a execução ocorra sem os entraves criados pela parte ou por terceiros

E óbvio que o poder de polícia do juiz não depende da vontade das partes. Eie é exercido de ofício, Porém, como está claro, garan tir a ordem e o bom desenvolvimento da audiência, a regularidade do procedimento e a efetividade dos atos executivos está longe do poder de o juiz conceder tutela cautelai' de ofício

8.6 Tutela cautelar de oficio e tutela cautelai* inominada

Há certa confusão entre tutela cautelar de ofício e tutela cautelar inominada 10 Alude-se, muitas vezes, a poder geral de cautela, sem se deixar claro do que se está

10 “Há ainda urna última observação, da maior relevância, a ser feira antes que sc encerre este parágrafo: adoutrinacostuma às vezes identiíicaro denominado‘poder cautelargeraFcom as medidas exoffício, e outras vezes identifica este mal definido ‘poder csutchr geral’com as medidas cautelares inominadas E, necessário, porém, advertir que o poder que o magistrado possa ter para defender a jurisdição não se confunde com o direito da parte Uma coisa é poder do Estado (Chiovenda), outra ação (direito da parte) Melhor definiríamos esse pretenso ‘poder’ geral de cautela dizendo que o magistrado, em tais casos, tem antes o ‘dever’de prestar cautela” (Ovidio Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, v 3, cit , p 113)

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112 TEORIA GERAL DATUTELA CAUT ELAR

falando: se é da possibilidade de o juiz conceder tutela cautelar de oficio fora dos casos previstos na lei, ou se é da possibilidade de se obter tutela cautelar atípica por meio de ação cautelar inominada..

A confusão é explicável E que o poder de conceder tutela cautelar fora das hipóteses em que são estabelecidos requisitos específicos par'a a sua outorga-portanto, dos procedimentos especiais - pode ser confundido com o poder de conceder tutela cautelar de ofício, fora dos casos expressamente definidos na lei.

Na verdade, falta frisar que a ação cautelar inominada nada mais é do que a conseqüência da atipicidade da tutela cautelar, uma vez que esta pode se concedida para assegurar qualquer tutela de direito material, desde que presentes os requisitos dofum us boni iurn e do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação Por outro iado, aludir a ação cautelar inominada, no estágio em que vive o direito processual civil, é uma insistência enfadonha, diante da certeza de que a ação éabstrata e atípica, servindo à obtenção de qualquer espécie de tutela jurisdicional,

A tutela cautelar atipica é pedida pela parte mediante o exercício da ação cau­telar inominada; de outra parte, o juiz pode conceder tutela cautelar de ofício, fora dos casos expressamente previstos na lei. Na primeira hipótese, há o reconhecimento do direito à tutela cautelar atípica, Na segunda situação, há um podercautelar geral de ofício, destinado a permitir a concessão de tutela cautelar de ofício, fora dos casos delineados na lei.

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Parte II

O PROCEDIMENTO, A TÉCNICA PROCESSUAL E OS INSTITUTOS

CARACTERÍSTICOS À TUTELA CAUTELAR

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“Das Disposições Gerais” Relativas ao Processo Cautelar

O Livro do Processo Cautelar se divide em dois capítulos. O primeiro tem o título “Das disposições gerais" (arts 796 a 812 do CPC) e o segundo está sob a epígrafe “Dosprocedimentos cautelares específicos” (arts, 813 a 889 do CPC)..

Nas “disposições gerais”, além dos preceitos relativos à ação cautelar inomi­nada (arts 798 e 799 do CPC) e ao poder cautelar de ofício (art, 797 do CPC), estão inseridas normas que dizem respeito ao modo de ser do procedimento cautelar, às técnicas processuais que lhe são características e à significação de determinados institutos diante da tutela cautelar.

Estas normas contêm disposições genéricas, aplicáveis a todo e qualquer procedimento cautelar. Neste sentido, o último artigo do capítulo concernente às “disposições gerais” diz o seguinte: “Aos procedimentos cautelares específicos, re­gulados no Capítulo seguinte, aplicam-se as disposições gerais deste Capítulo” (art. 812 do CPC).

Interessa, a partir de agora, compreender o procedimento, as técnicas proces­suais e os institutos característicos da tutela cautelar

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2Procedimento Acelerado

Como já demonstr ado,1 a tutela cautelar tem como pressupostos ofumus bom z»me o perigo de dano Admite-se que ojuiz possa prestara tutela cautelar com base em fumus ou em convicção de verossimilhança exatamente porque o perigo de dano faz surgir uma situação de urgência, incompatível com a demora inerente à plenitude do contraditório e da investigação probatória.

O pressuposto do fumus boni iuris significa que o juiz está autorizado a tratar da tutela cautelar com base em cognição sumária, ou seja, a partir de uma cognição não aprofundada sobre a matéria de fato que integra o litígio, e por isto dita menos aprofundada em sentido vertical Mas, além da tutela cautelar se contentar com a cognição sumária, ela exige um procedimento formalmente sumário, ou melhor, um procedimento acelerado ou abreviado

O processo de cognição sumária {processo em que a tutela é prestada com base em verossimilhança) não permite o conhecimento aprofundado da matéria iitigiosa. De outra parte, o processo com procedimento abreviado (formalmente sumário) viabiliza a prestação da tutela (com base em cognição sumária ou em cognição apro­fundada - exauriente) em um tempo menor que o despendido pelo procedimento comum ordinário, diante da aceleração dos atos processuais, os quais são praticados num espaço mais curto de tempo. Ou seja, enquanto a cognição sumária reflete o grau de convicção acerca dos fatos litigiosos, o procedimento formalmente sumário diz respeito à aceleração da prática dos atos do processo.

Se a cognição sumária é decorrência da impossibilidade de o juiz investigar os fatos de forma mais aprofundada e a aceleração do procedimento serve para dar maior rapidez à conclusão do processo, é certo que a cognição sumária e o procedi­mento abreviado não andam necessariamente de mãos dadas, pois pode - e é comum -existir procedimento abreviado que permita a cognição exauriente. Basta pensar no procedimento sumário (art,. 275 e ss do CPC) e no procedimento do mandado de segurança (Lei 12 016/2009), ambos indubitavelmente procedimentos abreviados, mas que exigem que ojuiz decida com base em cognição exauriente.2

1 Ver, acima, Conceito e características da tutela cautelar: Per igo de Dano-Probabilidade do direito à tutela do direito material,

* Ver, neste Curso de Processo Civil: Processo de Conhecimento, v. 2 , 6 ed , c it , p. 61 e ss..; Teoria Geraldo Processo, v. 1,2. ed,, cit., p 372 e ss.

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PROCEDIMENTO ACELERADO 117

Enquanto o procedimento de cognição sumária restringe a possibilidade da produção de prova, permitindo apenas juízo de probabilidade, o procedimento formalmente sumário abre oportunidade para o conhecimento aprofundado da matéria de fato, porém em um tempo mais exíguo do que o reservado ao procedi­mento ordinário, como acontece no procedimento do mandado de segurança e no procedimento sumário,

E certo que o art 277, § 5. ®, do Código de Processo Civil, afirma que o proce­dimento sumário deverá ser convertido em ordinário quando houver necessidade de “prova técnica de maior complexidade". Mas isto não significa que o procedimento sumário seja de cognição sumária ou que o procedimento sumário não permita a cog­nição exauriente. O procedimento sumário não chegará à cognição exauriente apenas quando esta depender de “prova técnica de maior complexidade”, O “procedimento sumário” é um procedimento de cognição exauriente que “corre” mais rápido do que o procedimento ordinário 3

O procedimento sumário é mais curto que o procedimento ordinário, muito embora ambos admitam instrução probatória suficiente para permitir a resolução do mérito com força de coisa julgada material, Já o procedimento de cognição sumária, ainda que também formalmente sumário, não objetiva a resolução definitiva do mérito, alcançando apenas um juízo de probabilidade, ditado pela cognição sumária,

O procedimento sumário é caracterizado pela coisa julgada material, enquan­to o procedimento de cognição sumária não permite a formação de coisa julgada material, exigindo sempre um “procedimento principal” ou um procedimento de cognição exauriente.

Determinadas situações de direito substancial, ainda que não particularizadas peía urgência, adaptam-se a um procedimento mais abreviado e, portanto, devem ser tratadas através do procedimento sumário. Contudo, outras situações de direito substancial, caracterizadas pela urgência, como é o caso da tutela cautelar, exigem tanto cognição sumária (fumus boni iuris) quanto procedimento abreviado. O juiz, para prestar a tutela cautelar, além de estai’ autorizado a decidir com base em cognição sumária, vale-se de um procedimento mais breve e menos formal do que o comum ordinário e no qual os prazos para a prática dos atos processuais são mais curtos..

3 Victor Fairen Guillén, um notável processualista espanhol, distinguiu com precisão os processos de cognição restrita em sentido material dos processos com procedimento abreviado: “Los procedimientos plenários rápidos se diferencian dei ordinário, simplemente por su forma, más corta, pero no por su contenido, que es el mismo cuaiitativamentejurídicamen te plenário'’ (. ) “los procedimientos sumários se diferencian dei ordinário plenário,por su contenido, cualitativamente, juridicamente parcial, siendo indiferente laforma, aunque tendente a la bnvedad, por lo cual se aproxtmaban - en ocasiones hasta cortfundirse procedimentalmente - con los plenários rápidas" (Juicio ordinário,plenários rápidos sumario, sumarísimo, Temas dei ordenam lento pracesal, p„ 82 8 ) Ver, ainda, Victor Fairen Guillén, E l juicio ordinárioy los plenários rápidos.

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3Competência

De acordo com o caput do art. 800 do Código de Processo Civil, “as medidas cautelares serão requeridas ao juiz da causa; e, quando preparatórias, ao juiz compe­tente para conhecer da ação principaTMnterposto o recurso, acrescenta o parágrafo único do art. 800, “a medida cautelar será requerida diretamente ao tribunal”.,

A competência, em relação à ação cautelar, observa as normas e os princípios que dizem respeito à competência no processo de conhecimento,1 embora deva atentar para as regras e os princípios que lhe são particulares

Quando for antecedente à ação de conhecimento, a ação cautelar deve ser proposta perante ojuiz competente para a ação de conhecimento, como diz a parte final do caput do art 800 do Código de Processo Civil ,

Assim, se a ação cautelar for proposta perante juízo relativamente incom­petente, a competência, definida pela ação cautelar, será prorrogada se o réu não apresentar “exceção de incompetência” (arts. 112 e 114 do CPC), fazendo com que o juízo, para o qual foi distribuída a ação cautelar, torne-se igualmente competente para a ação principal.2

E claro que isto não ocorrerá se a incompetência for absoluta., Neste caso, por ser a competência pautada pelo interesse público, não se admite que ojuiz se torne competente apenas em razão de o réu não ter atuado., Nesta situação, aliás, como já explicado no volume 2 deste Curso de Processo Civil,3 sequer se fiila em “exceção de incompetência”, podendo a alegação de incompetência ser articulada pelo réu na própria contestação ou em outra oportunidade, além de poder ser reconhecida de ofício pelo juiz

1 Ver Processo de Conhecimento (Curso de Processo Civil, v. 2), Parte I, Capítulo 1 , item 1 4■ Súmula 33 cio STJ:UA incompetência relativa não pode ser declarada de ofício" Porém,

o parágrafo único do art 1 1 2 , introduzido no CPC peia Lei 11.280/2006, diz o seguinte: “A nulidade dc cláusula de eleição de foro, cm contrato de adesão, pode ser declarada de ofício pelo juiz, que declinará de competência para o juízo de domicílio do réu”,

3 Processo de Conhecimento (Curso de Processo Civil, v 2), cit , p. 42 e ss. c 140 e ss.4 Art, 113, caput, do CPC: “A incompetência absoluta deve ser declarada dc ofício e pode

ser alegada, cm qualquer tempo c grau de jurisdição, independentemente de exceção”.

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COMPETÊNCIA 119

De outra parte, quando a ação principal já foi proposta, a ação cautelar deverá ser endereçada ao juiz da ação principal, situação que ainda melhor demonstra que a competência para a ação cautelar depende da fixação da competência para a ação de conhecimento.

No caso em que a necessidade de tutela cautelar aparece após a interposição do recurso de apelação no Tribunal Estadual ou Regional Federal, do recurso especial no Superior Tribunal de Justiça ou do recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal, a tutela cautelar deve ser requerida perante o tribunal ao qual o recurso foi endereçado..

Pouco importa se o recurso já foi, ou não, processado perante o juízo a quo e está no tribunal ad quem. Em caso positivo, é certo, não há dúvida que a tutela cau­telar deve ser solicitada perante o tribunal, Porém, mesmo que o recurso ainda esteja diante do juízo a quo, a tutela cautelar deve ser solicitada ao tribunal ad quem. E que o órgão jurisdicional que proferiu a decisão objeto do recurso já cumpriu a sua função perante a causa e, assim, deixou de ter competência para apreciar os pressupostos da tutela cautelar,

Mas a situação de urgência, característica típica e legitimadora da tutela cautelar, também incide sobre a compreensão da competência Não há dúvida que a urgência legitima o requerimento de tutela cautelar a juiz relativamente incompe­tente,5 Embora a exceção de incompetência não suspenda o processo cautelar, em vista da sua natureza particular, o entendimento contrário não faria com que a tutela cautelar concedida antes da apresentação da exceção de incompetência perdesse a eficácia, diante do que reza o parágrafo único do art. 807 do Código de Processo Civil: “Salvo decisão judicial em contrário, a medida cautelar conservará a eficácia durante o período de suspensão do processo”.

O art. 266 do Código de Processo Civil afirma que, durante a suspensão do processo, é defeso praticar qualquer ato processual, mas ojuiz poderá “determinar a realização de atos urgentes, a fim de evitar dano irreparável” . Assim, mesmo que se entendesse que a exceção de incompetência suspende o processo cautelar, ojuiz poderia, após ter sido excepcionado como incompetente, conceder tutela cautelar

Na verdade, a tutela cautelar concedida por juiz relativamente incompetente permanece eficaz ainda que este juiz, em face de exceção de incompetência, procla­me-se mais tarde incompetente para a causa

5 Neste sentido, é interessante registrar a norma do art 196 do Código Procesai Civil y Comercial de la Nación (Argentina): “Medida decretada por juez incompetente Art. 196. Los jueces deberân abstenerse de decretar medidas precautorias cuando el conocimiento dc la causa no fuese de su competencia Sin embargo, la medida ordenada por unjuez incompetente será válida siempre que bayaúda dispuesta de confortnidadcon laíprescripciones de este capítulo, pero no p rorrogará su competencia . El juez que decreto ia medida, mmediatamente después de requerido remitirá las actuacioncs al que sea competente".

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7 2 (? O PROCEDIMENTO, A TÉCNICA PROCESSUAL E OS INSTITU TOS

Ademais, diz o art 120 que o relator do conflito de competência6 poderá designar um dos juizes envolvidos no conflito pai a tratar, em caráter provisório, da necessidade de tutela cautelar, o que também demonstra que esta tutela não pode deixar de ser prestada quando não se tem acesso ao juiz constitucionalmente com­petente ou ao juiz “definido” como competente pela própria jurisdição.

Porém, o art. 113, § 2, do Código de Processo Civil, estabelece que “declarada a incompetência absoluta, somente os atos decisórios serão nulos, remetendo~se os autos ao juiz competente”,. Como a decisão que concede tutela cautelar é, sem dúvida, um “ato decisório”, caso ojuiz que a concedeu seja declarado, mais tarde, absolutamente incompetente para a causa, a sua decisão que deferiu a tutela cautelar deverá ser considerada nula,

Não obstante, diante da circunstância de que o desaparecimento da tutela cautelar pode sujeitar o litigante a grave dano, não há razão para entender que a tutela cautelar deva perder a sua eficácia antes de ter a sua legitimidade aferida pelo juizo competente Neste caso, o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, frisando o direito à segurança da efetividade da tutela do direito, impõe-se sobre o dado de que será mantida a eficácia de uma tutela cautelar concedida por juiz absolutamente incompetente.7

Aliás, em casos raros, em que o litigante não possa se socorrer de um juiz que não seja absolutamente incompetente para a causa, o direito fundamental de ação também garante o direito de requerer tutela cautelar ao juiz absolutamente incom­petente, uma vez a ausência de juiz para dar resposta efetiva a uma necessidade do jurisdicionado legitima a tutela privada.

6 A legislação processual civil brasileira admite três razões distintas para a instauração do conflito de competência: a) quando dois ou mais juizes se considerarem competentes para certa causa (conflito positivo cie competência); b) quando dots ou mais juizes reputarem-se incompeten­tes para dada demanda judicial (conflito negativo de competènda)\ c) finalmente, quando surgir controvérsia a respeito da reunião ou separação de processos, entre dois ou mais juizes. Existindo qualquer dessas situações, terá lugar o conflito de competência, como forma de resolver a con­trovérsia criada, fixando-se uma única autoridade judiciária como competente para. a causa (ou conjunto de causas) Porem, segundo a Súmula 59 do STJ, “não há conflito de competência se já existe sentença com trânsito em julgado, proferida por um dos juízos conflitantes” Cf. Processo de Conhecimento (Curso dt Processo Civil, v 2), c it , p.. 52 e ss.

7 Anote~sea lição de Alcides Munhoz da Cunha: “Diante disso, há que se terem mente que em casos extremos, a incompetência relativa ou absoluta do juiz que decreta uma medida cautelar apresenta-se totalmente legítima, justificada por um estado de necessidade processual,o que impede a decretação de nulidade se reconhecido esse estado de necessidade ou, ainda que eventualmente fosse apenas relativa a necessidade, deve ser mantida a medida pelo órgão com­petente, se a providência cautelar revelou-se adequada ou se a medida puder ser eficientemente ajustada ao caso concreto, em face do princípio da fungibilidade ou variabilidade das medidas cautelares" (Comentários ao Código de Processo Civil, v. 11, p. 610)..

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Petição Inicial

Segundo o art. 801 do Código de Processo Civil, a petição inicial da ação cautelar deve preencher os seguintes requisitos: i) indicar a autoridade judiciária a que é dirigida; íi) descrever o nome, estado civil, profissão e residência do autor e do réu; iii) anunciai' a lide principal e o seu fundamento; iv) expor a probabilidade do direito ameaçado e o perigo de dano; e v) indicar as provas,

O confronto entre os requisitos da inicial da ação cautelai e os requisitos da petição inicial da ação que se desenvolve mediante o procedimento ordinário do processo de conhecimento (art 282 do CPC) suscita importantes considerações.

Entre os cinco requisitos enumerados nos incisos do art, 801, apenas dois são específicos da ação cautelar: “a lide e seu fundamento” (inciso III) e “a exposição sumária do direito ameaçado e o receio da lesão” (inciso IV), Por outro lado, o art 282 possui, entre os seus sete requisitos, quatro que não são reafirmados no art, 801: “o fato e os fundamentos jurídicos do pedido” (inciso III); “o pedido, com as suas especificações” (inciso IV); “o valor da causa" (inciso V) e “o requerimento para a citação do réu” (inciso VII).

A ausência do “requerimento para a citação do réu” no art 801 certamente é um esquecimento do legislador, pois é evidente que o autor da ação cautelar não pode deixar de requerer a citação do réu Tal lapso é corrigido pelo art,. 802, que afirma que o réu deve ser citado, “qualquer que seja o procedimento cautelar”, para contestar o pedido no prazo de cinco dias, embora um dos procedimentos arrolados pelo legislador como cautelai, o dajustificação (art. 861 e ss.), não permita a defesa, dispensando a citação.

Também não se pode imaginar que o legislador dispensou o autor da ação cautelar de dar valor à causa, até porque o art 258, situado na parte geral do Código de Processo Civil, afirma que “a toda causa será atribuído um valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediato”,

E certo, porém, que o valor da causa, na ação cautelar, não se identifica com o valor da causada ação principal. Aquele valor deve ser estimado com base no eventual dano que pode ser trazido à tutela repressiva almejada através da ação principal.1

1 “Processo civil.. Embargos de declaração. Erro material na fundamentação do acórdão embargado.. Ações cautelares. Valor da causa. Arts 258 e 260 do CPC. Correspondência ao

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1 2 2 0 PROCEDIMENTO, A TÉCNICA PROCESSUAL, E OS INSTITUTOS

A dificuldade em precisar o valor da causa, na ação cautelar, deriva da circuns­tância dc que se está diante de uma probabilidade de dano, e não de um dano, de uma prestação ou de uma coisa, que são elementos de fácil identificação econômica. Porém, se tal dificuldade pudesse dispensar o autor de atribuir valor à causa, ninguém mais precisaria, por identidade de razão, desta forma proceder diante de uma ação inibi­tória ou mesmo do interdito proibitório, ações de conhecimento cuja petição iniciai ninguém jamais imaginou que pudesse dispensar a atribuição de valor à causa.

Portan to, o valor da causa, na ação cautelar, deve ser estimado pelo autor - ob­viamente sujeitando-se a controle do juiz como ocorre em tantas outras hipóteses no processo de conhecimento

Há certa identidade entre o requisito do art. 801, IV, “a exposição sumária do direito ameaçado e o receio da lesão”, e o requisito do art .282, III, “o fato e os fundamentos jurídicos do pedido". Estes constituem a causa de pedir da ação de conhecimento, enquanto aqueles identificam a causa de pedir da ação cautelar»

Por exposição sumária do direito ameaçado não se deve entender exposição pouco aprofundada do direito ameaçado.. A exposição sempre deve ser adequada para possibilitar a procedência do pedido, seja pedido de tutela de direito material (processo de conhecimento), seja pedido de tutela de segurança (processo cautelar).,

A particularidade do processo cautelar é o de que, para a procedência do pedido, basta o fumus boni iuris ou a probabilidade do direito à tutela do direito material, Ou seja, a petição inicial da ação cautelar deve expor, de forma completa e adequada, a probabilidade do “direito ameaçado”. E certo que “exposição da probabilidade ào direito ameaçado” expressa o que se quis dizer com “exposição sumária do direito ameaçado”, devendo-se ter a fórmula lingüística do inciso IV do art, 801 como tecnicamente mal formulada pelo legislador.

Mas o inciso IV do art 801, além de faiar em exposição sumária do direito ameaçado, alude a “receio da lesão"., O receio da lesão é o outro pressuposto da tutela cautelar, identificado como perigo de dano. Com isto se quer dizer que o autor da cautelar deve expor o perigo que incide sobre a tutela do direito material buscada ou a ser buscada pela ação principal, bem como o dano que lhe pode ser acarretado. Tal exposição se destina a evidenciar a necessidade da tutela cautelar, bem como a adequação da providência solicitada para assegurar a tutela do direito material De modo que a causa de pedir da ação cautelar é composta pela probabilidade do direito à tutela do direito e pelo perigo de dano

conteúdo econômico Precedentes 1.. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, o valor da causa arbitrado pelo autor na ação cautelar não necessita ser igual ao da causa principal, mas deve corresponder ao benefício patrimonial pieíteado 2 . Aplica-se, portanto, a dicção dos arts 258 e 260 do CPC também cm relação às ações cautelares.. 3 Embargos de declaração parcialmente acolhidos,mas sem efeitos rnodifkativos"(STJ,2 ..:lT.., EDcl nos EDcl no REsp 509893, rei .Min.. Eíiana Cnímon, jD/27 02 2007)

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PETIÇÃO INICIAL 123

O inciso III do art 801 afirma que o autor também deve expor “a lide e seu fundamento” O parágrafo único deste artigo dispensa a observância do requisito quando a ação cautelar é incidente.. Neste caso, “a lide e seu fundamento” já estão evidenciados na ação que está cm curso. Mas, tratando-se de ação cautelar que deve ser seguida por ação principal, a petição inicial deve indicar o pedido e os fundamentos que serão apresentados na ação principalr

O requisito é dispensado no caso de ação veiculada mediante o procedimento cautelar, mas cuja tutela não tem natureza cautelar (por exemplo, entrega de bens de uso pessoal do cônjuge e dos filhos: art., 888, II) O mesmo ocorre no caso em que se requer tutela cautelar para a hipótese de inadimplemento ou de dano, como se dá na caução de dano infecto. Nesta situação não se pretende cautelar para assegurar uma tutela do direito já exigíveí, mas tutela cautelar para assegurar uma eventual e hipotética tutela do direito, que passará a ser exigíveí na eventualidade da ocorrência do dano.

Por fim, falta tratar da circunstância de que o art. 801, ao contrário do art 282, não estabelece como requisito da inicial: “o pedido, corn as suas especificações” (art 282, IV, do CPC) Quem propõe ação cautelar pede, necessariamente, tuteia de segurança . A demonstração de que se deseja tutela de segurança pode ser feita através da exposição do direito ameaçado e do perigo de dano, ou seja, mediante a observância do requisito relativo à causa de pedir (art. 801, IV, do CPC)

O problema é saber se basta demonstrar o desejo de tutela de segurança ou sc é imprescindível pedir a providência que individualiza como a tutela de segurança deve ser prestada. Tomando-se em consideração apenas a dicção do art 801, se diria que o autor não tem obrigação de especificar a providência que entende capaz dc viabilizar a tutela de segurança. Ou seja, o autor não teria necessidade de pedir ar­resto ou seqüestro, mas apenas aludir ao direito ameaçado e ao perigo de dano para demonstrar a sua pretensão à tutela de segurança..

Tal conclusão poderia se fundar, ainda, no poder de ojuiz conceder tutela cautelar de ofício Tendo o juiz o poder de outorgar tutela cautelar sem requerimen­to, não haveria razão para dele se retirar o poder de debear de atender a providência solicitada peio autor para conceder outra ~ obviamente quando adequada à situação concreta. Isto, por conseqüência lógica, permitiria afirmar que bastaria ao autor de­duzir a probabilidade do direito ameaçado e o perigo de dano, identificando apenas a necessidade de tutela de segurança.

Não obstante, a mera omissão do art. 801 não autoriza a conclusão de que o autor da ação cautelar foi dispensado de formular pedido O próprio caput do art. 802 diz que o réu será citado para contestar o pedido. Ademais, uma simples omissão de

2 L embre-se o que diz o art.. 806 do CPC: “Cabe à parte propor a ação, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data da efetivação da medida cautelar, quando esta for concedida em procedimento preparatório”

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124 0 PROCED1MEN io , a t é c n i c a p r o c e s s u a l e OS INS T ITUTOS

lei encarregada de tratar de procedimento dotado de particularidade não pode im­plicar em dispensa de algo que é fundamental na teoria geral do processo.. Portanto, a única justificativa para a dispensa do pedido se centraria no ponto de que não há razão para se obrigar o autor a pedir uma providência específica quando ojuiz a ela não está vinculado.

E preciso lembrar, porém, que ojuiz apenas tem poder para conceder tutela cautelar de ofício em “casos excepcionais", Como dito acima, quando se estudou o poder de o juiz conceder tutela cautelar de ofício, esta pode ser concedida sem re­querimento apenas quando não há tempo para o juiz ouvir os litigantes e a situação de urgência não é de conhecimento do virtual prejudicado,. É que, se o autor tem conhecimento da situação de urgência, cabe-lhe requerei a tutela cautelar e a provi­dência que reputai adequada

Algo diverso ocorre quando é solicitada providência inadequada para atender a situação lamentada. E apenas aí que aparece o problema relativo à possibilidade de o juiz conceder providência cautelar diversa da solicitada, surgindo a questão da “fungibilidade da tutela cautelai”.

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5A Fungibilidade da Tutela Cautelar

Quando se pergunta sobre a fungibilidade da tutela cautelai se pretende sa­ber se ojuiz pode conceder providência cautelar que reputar adequada no lugar da requerida pelo autor.

Tal pergunta só tem razão de ser quando é requerida providência cautelai. Note~se que, ainda que sem aceitar tutela cautelai' de oficio fora dos casos expres­samente previstos cm lei, é possível admitir que ojuiz conceda providência cautelar diferente da pedida.

Quando o autor requer providência que, embora idônea à tutela de segurança, não é a que traz a menor restrição possível ao réu, o juiz certamente deve conceder providência diversa da solicitada, identificada como idônea à tutela de segurança e, ao mesmo tempo, que impõe a menor restrição à esfera jurídica do demandado.

Ovídio1 e Fritz Baur,2 quando tratam do princípio da fungibilidade, fazem referência a exemplo em que o autor pede a retirada de uma janela do prédio vizinho, sob o fundamento de direito de vizinhança, e o juiz deixa de deferir a supressão da janela para ordenar a colocação de vidros foscos que impeçam a visão para o prédio do autor

Além desta tutela, ao contrário do que afirmam Ovidio e Baur, não ser cau­telar, mas de remoção do ilicito,3 aí ojuiz está simplesmente pautando a sua atuação a partir da regra da necessidade, a qual impede que um direito seja tutelado por um meio que cause um gravame despropositado ao réu. Portanto, a atuação jurisdicional, no caso, não está simplesmente proporcionando, mediante o emprego do principio da fungibilidade, a tutela idônea ao autor, mas sim se fundando em uma das sub- regras da regra da proporcionalidade. Ou melhor, como ojuiz tem o dever de tutelar o direito sem causar restrição desnecessária ao demandado, a jurisdição apenas está sendo exercida de modo legítimo,

1 Ovidio Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, v. 3, c it , p 147.2 Fritz Baur, Tutela jurídica mediante medidas cautelares (tradução de Armindo Edgar

Laux),p. 9.3 Ver acima o item Da tutela cautelar às tutelas contra o ato contrário ao direito (tutelas

inibitória e de remoção do ilícito).

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1 2 6 0 PROCEDIMENTO, A TÉCNICA PROCESSUAL E OS INSTITUTOS

Considerando-se a distinção entre a tutela de segurança (tutela cautelar) e a providência ambicionada para prestar a tutela, é possível dizer que o pedido de pro­vidência é negado em parte para atender de forma “justa” ao pleito de tutela E que a tutela somente é prestada de modo “justo” através do meio que é idôneo e causa a menor restrição possível..

Fala-se em justo, aí, no sentido em que Larenz trata da ideia dc“justa medida” Segundo Larenz, a regra da necessidade - que sc desdobra nas regras da menor res­trição possível e do meio idôneo - tem relação com o que Lerche chama de proibição de excesso, invocando as noções de “equilíbrio” e dc “justa medida” para evitar que o direito seja tutelado mediante a imposição de conseqüências “desmedidas” ao réu., Observa Larenz que a ideia de “justa medida” tem uma relação estreita com a ideia dc justiça, tanto no exercício dos direitos como na imposição dc deveres e ônus, dc equilíbrio de interesses reciprocamente contrapostos na linha do menor prejuízo possível''

Mas, se não há porque negar a possibilidade de ojuiz conceder uma providência cautelar menos restritiva, a situação oposta, ou seja, a possibilidade de o juiz conceder medida que, apesar de mais restritiva, é a única idônea à. tutela cautelar, também deriva da circunstância de ojuiz estar subordinado apenas à causa de pedir e ao pedido de tutela de segurança, sem se vincular ao pedido de providência cautelar.,

Quando a exposição do direito ameaçado e do perigo de dano indicam que a providência requerida não tem idoneidade, em termos qualitativos ou de extensão, para prestar efetiva tutela dc segurança, tendo ocorrido lapso no requerimento da providência, o juiz deve conceder providência outra, porque idônea, ainda que mais gravosa ao demandado.

Porém, quando a fundamentação do pedido de tutela cautelar não demonstra a necessidade qualitativa (qual espécie) e de extensão (qual medida) da providência, ojuiz está impedido dc conceder providência outra no lugar da requerida.

Perceba-se que, quando a causa de pedir demonstra a espécie e a extensão da providência necessária, há delimitação da tutela cautelar desejada e, assim, possibilidade de o juiz verificar se a providência requerida é, ou não, idônea à tutela cautelar,

4 Knrl Larenz, Metodologia da ciência do direita, p 585 e ss

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6Cumulação de Pedidos de Tutela Cautelar

Nada obsta a cumulação de pedidos de tutela cautelar. É simples: quando os pedidos de tutela necessitam de procedimentos e técnicas processuais que não se excluem, é certo que os pedidos exigem ações processuais que podem ser unificadas em um mesmo procedimento.,

Porém, nâo há possibilidade de cumular pedido de tutela cauteiar com pedido de tutela do direito, como, por exemplo, pedidos de tutela inibitória ou de tutela res­sarcitória,, A ação cautelar, por exigir procedimento próprio, não pode ser cumulada com a ação “satisfativa” Não há como unificar as respectivas ações processuais em um mesmo procedimento

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Liminar Cautelar

S u m á r i o : 7.1 Concessão da liminar antes da ouvida do réu e garantia do contraditório - 1.1 Justificação prévia para a concessão da tutela cautelar- 7 3 Contracauteia e garantia da parte que sofre a tutela cautelar

7. 1 Concessão da liminar antes da ouvida do réu e garantia do con­traditório

De acordo com o art, 804 do Código de Processo Civil,“é lícito ao juiz conceder liminarmente ou após justificação prévia a medida cautelar, sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá tomá-la ineficaz, caso em que poderá deter­minar que o requerente preste caução real ou fidejussór ia de ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer”.

A tutela cautelar, por ser fundada em urgência, naturalmente não pode pri­var-se de um procedimento que viabilize a sua concessão antes da ouvida do réu ou inaudita altera parte Porém, como a tutela cautelar obviamente repercute sobre a esfera jurídica do réu, a sua concessão inaudita altera par te somente é possível quando há motivo suficiente para fazer ojuiz crer que o adiamento do seu deferimento, para depois do momento oportuno à defesa, impedirá o alcance da segurança almejada pela tutela cautelar;

Ou seja, a concessão da tutela cautelar antes da ouvida do r éu é algo excepcional, e assim deve ser tratada,. E preciso atentar para o fato de que o deferimento da tutela cautelar inaudita altera parte restringe, com forte intensidade, o direito fundamental de defesa, e isto apenas tem legitimidade quando o direito fundamental de ação, sem a emissão desta tutela jurisdicional, não puder encontrar efetividade no caso concreto.’

Para justificar a legitimidade da tutela cautelar sem a ouvida do réu é preciso perceber que a tutela de segurança pode exigir providências imediatas e, por conse­qüência, o adiamento ou a postecipação do esclarecimento dos fatos e do completo desenvolvimento do contraditório..

1 Ver Lutgi Paolo Comoglio, Lagaranzia costituzionale ddll'azione ed ilprocesso civile.

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LIMINAR CAUTELAR 129

Mas, se a imediatidade da tutela cautelar é justificada quando não é possível aguardar o tempo necessário para a ouvida do réu, isto não é viável apenas porque o dano pode ocorrer durante este período de tempo, mas também porque, ao se dar tempo para o réu se manifestar, em alguns casos terá ele oportunidade de frustrar a própria efetividade prática do provimento {suspiao de dilapidatione bononun seu de fuga), tornando o provimento cautelar incapaz de propiciar a segurança almejada.2

Nicolò Trocker reconhece que a validade destes motivos foi acolhida pelo Bundesverfamingsgerkbt alemão, mas que este advertiu que, por se tratar de inter­ferência na esfera jurídica de alguém, a derrogação ao principio geral da audiência prévia somente pode ser admitida quando resultar indispensável (unabwehbar) para o alcance do próprio provimento .3

7.2 Justificação prévia para a concessão da tutela cautelar

O art. 804 diz que o juiz pode conceder a tutela cautelar, sem ouvir o réu, “liminarmente ou após justificação prévia”, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz,. A norma, ao autorizar a concessão da tutela cautelar sem a ouvida do réu, deixa claro que o juiz, quando reputar necessário, deve determinar a realização de justificação prévia.

Como ojuiz, diante da urgência e da conseqüente necessidade da concessão da tutela cautelar antes da ouvida do réu, é obrigado a formar a sua convicção apenas com base nos argumentos do autor, é natural que, em situações faticamente mais complexas e delicadas, tenha que exigir ajustificação da situação fática que ampara o pedido de tutela de segurança,.

Esta justificação, em princípio, é feita sem a presença do réu. Porém, como a tutela cautelar é concedida inaudita alteraparte porque a prática do dano pode ocorrer durante o tempo necessário para a ouvida do réu, ou porque este, ao ser citado, pode ter a capacidade de frustrar a efetividade da tutela que mais tarde possa vir a ser con­cedida, não há racionalidade em admitir tutela cautelar sem ouvir o réu quando há tempo para convocá-lo para participar dajustificação e não há perigo deste inutilizar a efetividade da tutela que possa, após a sua ouvida, ser deferida,

Portanto, apenas quando não há tempo para convocar o réu para a justificação ou esta convocação possa permitir ao réu, ao tomar conhecimento do pedido do autor, praticar o ato que se objetiva evitar mediante a tutela de segurança, é que se legitima a justificação sem a presença do demandado.

Frise-se, assim, que a tutela cautelar pode ser concedida, sem a ouvida do réu, com ou sem justificação prévia, e que, no caso de o réu dela participar, a tutela cautelar

2 Cf Nicolò Trocker, Processo civik e cosútuzlone, c it , p.. 406.3 Idem.ibidem.

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1 3 0 0 PROCEDIMENTO, A TÉCNICA PROCESSUAL E OS INSTITUTOS

será concedida após a sua ouvida na justificaçao, mas antes da oportunidade para a apresentação da contestação..

Quanto à forma de participação do réu na justificação, ou ao significado de ouvida do réu na justificação, é preciso estar atento a que ajustificação é ato através do qual ojuiz busca esclarecimento acerca da situação fática em que se funda o pedido de tutela cautelar, constituindo espaço processual em que o autor deve demonstrar os pressupostos para obter esta tutela no curso do procedimento.

Assim, o réu não tem oportunidade de apresentar defesa ou de produzir pro­vas na justificação, embora tenha a possibilidade de contraditar as testemunhas e de impugnar a idoneidade do per i to - afirmando-o suspeito ou impedido-, assim como de formular perguntas às testemunhas e ao perito com o objetivo de suprir omissões ou eliminar contradições eventualmente presentes nos depoimentos testemunhais e nos esclarecimentos periciais.

A tutela cautelar, nesta hipótese, embora não concedida inaudita altera parte, é deferida no curso do procedimento, ou seja, enquanto o contraditório próprio ao procedimento cautelar ainda não se desenvolveu em sua plenitude,

7.3 Contracautela e gar antia da parte que sofre a tutela cautelar

Segundo a parte final do art. 804, ojuiz, ao conceder a tutela no curso do procedimento cautelar, “poderá determinar que o requerente preste caução real ou fidejussória de ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer”,

A exigência de caução não é subordinada à concessão da tutela cautelar sem a ouvida do réu., A caução pode ser exigida quando a tutela cautelar for deferida no curso do procedimento cautelar, não importando se após ajustificação ou se o réu dela participou. O que legitima a exigência da caução não é a não ouvida do réu ou a ausência de justificação, mas sim a circunstância de ojuiz ter um superficial esclare­cimento dos fatos à época da concessão da tutela cautelar,

O conteúdo da caução sc liga ao dano que pode ser produzido pela execução da tutela cautelar e não ao bem objeto do litígio na ação principal, ou ao dano temido pelo autor da ação cautelar. Note-se que a caução é uma cautela contra a cautela, ou seja, uma contracautela, de modo que apenas pode assegurar em face do dano que pode ser produzido pela própria execução da providência cautelar,

Embora o art. 804 fale em caução real ou fidejussória, aquele que obtém tutela cautelar pode garantir aparte de outro modo, desde que idôneo a prestar efetiva segu­rança pelo eventual prejuízo capaz dc ser acarretado pela execução da tutela cautelar. Em princípio, não há porque descartar, por exemplo, que o beneficiado pela tutela cautelar ofereça como caução um contrato de seguro que cubra a responsabilidade pelo dano que pode ser produzido pela execução da cautelar '1

4 Neste sentido, Ovidio Baptista da Silva, Curso dc Processo Civil, v 3, cit.,, p. 166

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8Reação do Demandado

S u m á r i o : 8 1 Conteúdo da defesa - 8 2 O prazo para a apresentação da defesa- 8 3 Revelia e presunção de probabilidade - 8 4 Reconhecimento da proce­dência do pedido..

8.1 Conteúdo da defesaDe acordo com o art, 802 do Código de Processo Civil, o réu “será citado,

qualquer que seja o procedimento cautelai para, no prazo de 5 (cinco) dias, contestar o pedido, indicando as provas que pretende produzir”.

Embora o art. 802 diga, expressamente, que o réu pode apresentar contestação “qualquer que seja procedimento cautelar”, o Código de Processo Civil incide em contradição logo a seguir, ao tratar do protesto, da notificação e da interpelação (arts 867-873) e dajustificação (arts., 861-866),

E certo que não se está, nestes casos, diante de tutela cautelar, mas sim de procedimentos regulados como cautelares, Mas isto não importa, pois significa simplesmente um duplo equívoco do legislador de 1973. Na verdade, o Código de Processo Civil, tal como moldado na sua origem, não apenas regulou como cautelar o que não tem natureza de tutela cautelar, demonstrando lamentável superficialidade, como ainda incidiu em equívoco de lógica ao instituir uma regia que é contraditada alguns artigos adiante. Veja-se que o art 865 afirma que “no processo de justificação não se admite defesa nem recurso”, e o art 871 diz que “o protesto ou interpelação não admite defesa nem contraprotesto nos autos; mas o requerido pode contraprotestar em processo distinto”

Deixando-se de lado esta gritante contradição, cabe sublinhar que não há como obstaculizar o exercício do direito de defesa no procedimento em que se pede tutela cautelar, O direito de defesa é direito fundamental, constituindo importante garantia de justiça expressa na Constituição Qualquer procedimento que pode culminar em ato jurisdicional que interfere na esfera jurídica de alguém só tem le­gitimidade constitucional quando lhe oportuniza o exercício do direito de defesa A tutela cautelar não dá segurança a alguém sem interferir na esferajurídica de outrem, e, por isto, o seu procedimento não pode deixar de permitir o adequado exercício do direito de defesa.

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■f 2 2 0 PROCEDIMENTO, A TÉCNICA PROCESSUAL E OS INSTITUTOS

O art 802 apenas regulamenta o exercício da defesa no processo cautelar.. Embora a norma aluda somente a contestação, evidentemente não há como negar o direito de o réu apresentar exceção de incompetência relativa (art. 112 do CPC), de impedimento (art. 134 do CPC) e de suspeição do juiz (art. 135 do CPC). Não obstante, não há como pensar, seja em vista da natureza da tutela almejada, seja em razão da própria estrutura procedimental a ela adequada, em reconvenção e em ação declaratória incidental no processo cautelar.

Na contestação, o réu pode deduzir defesa de mérito e defesa processual A defesa de mérito pode ser direta ou indireta, permitindo a negação do fato constitutivo do direito do autor e a alegação de fato extintívo, modificativo ou impeditivo. Na defesa processual, o réu pode articulai- qualquer preliminar que, dizendo respeito à ação ou ao processo, impeça a apreciação do mérito cautelar.

Na defesa de mérito, o réu pode contestar o direito dito ameaçado ~ negando o seu fato constitutivo ou apresentando fato extintivo, modificativo ou impeditivo ou seja, o fumus boni iuris, e a existência de perigo de dano.

Ao contestar o fumus boni iuris, o réu pode se valei de todas as defesas articulá- veis na ação satisfativa, isto é, na ação em que se pede a tutela do direito sob risco de lesão.. Sublinhe-se, contudo, que o réu tem a possibilidade de apresentar as defesas passíveis de articulação na ação principal apenas e tão somente para demonstrar a inexistência do fumus boni iuris

Não se dá ao réu a oportunidade de contestar de forma sumária ou menos apro­fundada o direito afirmado ameaçado. O direito de contestar é pleno. É por isto que o réu temo direito de articularasdefesasque podem ser apresentadas na ação principal. Sumária é a cognição que permite ao juiz chegar à convicção de verossimilhança capaz de permitir a concessão da tutela cautelar, ou melhor, sumária é a cognição com base na qual o juiz trata do pedido de tutela cautelar, seja para concedê-la ou não.

Isto quer dizer que, embora o réu tenha o direito de apresentar as mesmas defesas que podem ser articuladas na ação principal, o juiz não pode exigir, para julgar improcedente o pedido e negar a tutela cautelar, um grau de convicção que lhe permitiria chegar à conclusão de que o direito afirmado pelo autor não existe, O juiz, ao considerar a defesa, deve verificar apenas se ela é apta a demonstrar a inexistência do fumus bom iuris,

8.2 O prazo par a a apresentação da defesa

Conforme já dito, o réu tem o prazo de cinco dias para se defender, isto é, para apresentar contestação e exceção processual.

Embora o art.. 802 estabeleça este prazo apenas para a contestação, é certo que o prazo para apresentar exceção processual deve ser o mesmo daquele que permite o oferecimento da contestação, assim como ocorre no procedimento ordinário, em que o réu tem quinze dias para contestar, oferecei exceção e reconvir. Lembre-se que,

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REAÇÃO DO DEMANDADO 133

segundo o art.. 297 do Código de Processo Civil, “o réu poderá oferecer, no prazo de quinze dias, em petição escrita, dirigida ao juiz da causa, contestação, exceção e reconvenção” . Como no processo cautelar o réu pode apresentar contestação em cinco dias, cabe-lhe oferecer exceção-já que a reconvenção não é cabível no processo cautelar - igualmente no prazo de cinco dias.

De acordo com o parágrafo único do art,. 802, “conta-se o prazo, da juntada aos autos do mandado: I ” de citação devidamente cumprido; II - da execução da medida cautelar, quando concedida liminar mente ou após justificação prévia”.

Quando o réu é citado antes da execução da tutela cautelar, não há dúvida de que o prazo para defesa deve ser contado da juntada aos autos do mandado de citação cumprido, como é regra no processo civil.

Porém, quando a tutela cautelar é concedida e executada antes da ouvida do réu, afirma o incíso II do parágrafo único do art. 802 que o prazo para contestar deve ser contado a partir da juntada aos autos do mandado de execução.

A regra parte da premissa de que o réu sempre tem conhecimento da execução da tutela cautelar. Partindo desta premissa não verdadeira, raciocina como se a juntada do mandado de execução aos autos fosse suficiente para evidenciar a ciência do réu acerca do pedido de tutela cautelar, devendo a partir daí passar a correr o prazo para a apresentação de defesa.

A regra está fundada em dois equívocos, ambos impeditivos do adequado exercício do direito de defesa. A execução da tutela cautelar não necessariamente depende do constrangimento da vontade ou da participação do réu, o que significa que o réu nem sempre está presente na execução ou dela tem conhecimento.

Por outro lado, a ideia de contraditório, sobre a qual se fundão direito de defesa, exige que aparte tenha adequada compreensão do que contra ela é postulado, a ciência para a sua reação ou defesa e as conseqüências da sua ausência. Aliás, o próprio Código de Processo Civil reconhece tal necessidade, ao dizer que o mandado de citação deve ser acompanhado da petição ínicíal e da advertência de que a ausência de contestação fará com que os fatos alegados pelo autor sejam presumidos verdadeiros. Recorde-se dos arts,. 225 e 285 do Código de Processo Civil: “A rt 225, O mandado, que o oficiai de justiça tiver de cumprir, deverá conter: I - os nomes do autor e do réu, bem como os respectivos domicílios ou residências; XI — ofnn da citação, com todas as especificações comtantes da petição inicial\ bem como a advertência a que se refere o art 285, segunda parte, se o litígio versar sobre direitos disponível?, III - a cominação, se houver; I V - o dia, hora e lugar do comparecimento; V - a cópia do despacho; VT - o prazo para defesa; VII - a assinatura do escrivão e a declaração de que o subscreve por ordem do ju iz. Parágrafo único. O mandado poderá ser em breve relatório, quando o autor entregar em cartório, com a petição inicial, tantas cópias desta quantosforem os réus; caso em que as cópias depois de conferidas com o original,farão parte integrante do mandado" “A rt 285. Estando em termos a petição inicial, o juiz a despachará, ordenando a citação do

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7 3 4 O PROCEDIMENTO, A TÉCNICA PROCESSUAL E OS INSTITUTOS

réu, para responder; do mandado constará que, não sendo contestada a ação, se presumirão aceitos pelo réu, corno verdadeiros, osfatos articulados pelo autor’

Como se vê, o próprio Código de Processo Civil reconhece que o direito à defesa dá àquele que contra si tem formulado pedido de tutela jurisdicional o direito de conhecer os termos do pedido e os seus fundamentos, o direito de ter ciência do prazo para se defender e o direito de ser advertido das conseqüências da não apre­sentação da defesa Trata-se de regulamentação do direito de defesa que, certamente, não pode valer apenas para o processo de conhecimento., Tanto é que o art. 803, ao tratar dos efeitos da revelia no processo cautelar, alude expressamente ao art. 285, advertindo para a necessidade de o mandado de citação conter a advertência de que a falta de contestação fará com que os fatos alegados pelo autor sejam presumidos verdadeiros.

Não há qualquer racionalidade em supor que o réu tem direito a saber dos ter­mos da demanda, do prazo para contestar e das conseqüências da não contestação no processo de conhecimento e não no processo cautelar As mesmas razões que impõem tais direitos no processo de conhecimento estão no processo cautelar.

Assim, a norma do inciso II do parágrafo único do art 802, para não ser dita inconstitucional, exige a interpretação de que o prazo para defesa é contado da juntada do mandado de execução apenas quando há um mandado para a execução e para a citação, ou seja, quando o réu tem ciência dos termos da pretensão cautelar, do prazo para defesa e da conseqüência da não contestação

Como é óbvio, se a execução é realizada, mas o réu dela não tem conhecimento, certamente não há como pensar em possibilidade de efetivação do contraditório, já que somente pode reagir quem é comunicado, Aliás, mesmo que o réu tenha presenciado a execução, tem ele o direito de ser adequadamente comunicado para apresentar defesa

Vincenzo Vigoriti, estudando as decisões da Corte Constitucional italiana em tema dc garantias constitucionais processuais, lembra que a Corte, ao sublinhar que o fim da comunicação é o conhecimento real, evidenciou que a garantia constitucional não é respeitada quando, sendo possível adotar uma forma de notificação capaz de levar o conteúdo do ato à esfera de conhecimento do destinatário, é feito recurso a outra forma dc notificação, da qual deriva uma presunção legal de conhecimento.1 Na mesma linha, adverte Trocker que, considerada a estreita relação entre notificação e con traditório,é preciso garantir que a “efetividade” do segundo não seja prejudicada pela inadequação e ineficiência das formas de execução da primeira: ou seja, trata-se de assegurar a concreta idoneidade do procedimento notificatório a produzir o efeito “conhecimento" no sujeito interessado.2

1 Vincenzo Vigoriti, Ganmzie costituzionale dei processo civile, p 723 Nicolò 1 rockcr, Processo cknle e costituzione, cit , p 467-‘!68

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REAÇÃO DO DEMANDADO 135

Portanto, ainda que a tutela cautelar tenha sido concedida e executada inaudita altera parte, não há como deixar de citar o réu para a defesa. Neste caso, afirma-se que o prazo para a defesa corre da juntada aos autos do mandado de execução, porque se supõe um único mandado para a execução e para a citação

Como a tutela inaudita altera parte significa grave limitação ao direito de ser ouvido, a sua execução deve ser prontamente comunicada para permitir rápida e eficaz reação do demandado Note-se que o Código de Processo Civil é rigoroso neste sen­tido.. Diz o seu art., 811, ao tratar da responsabilidade pela execução da cautelar, que o autor responde, entre outros casos, quando “não promove a citação” do demandado em cinco dias após a execução da tutela inaudita altera parte (art, 811, II, do C P C ).

Ora, como a citação do demandado deve ser promovida pelo autor no prazo de cinco dias após a execução da tutela, é ilógico imaginar que o mandado de execução possa ser expedido desacompanhado do mandado de citação,

Ou seja, o inciso II do parágrafo único do art., 802 deve ser interpretado em consonância com o art 81.1,11. Como a citação deve ser feita no prazo de cinco dias depois da execução, supõe-se que, neste caso, o mandado que serve à execução deve conter a citação.

8.3 Revelia e presunção de probabilidade

Segundo o ar t . 803 do Código de Processo Civil, “não sendo contestado o pe­dido, presumir-se-ão aceitos pelo requerido, como verdadeiros, os fatos alegados pelo requerente (arts. ,285 e 31.9); caso em que o juiz decidirá dentro em 5 (cinco) dias”.

A norma guarda grande similaridade com a contida no art 319, que assim es­tabelece: “Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor”. O art., 319 diz que a não apresentação de contestação, isto é, a revelia, gera a presunção de veracidade dos fatos alegados.,3 O art , .320 elenca exceções a este efeito da revelia, aplicáveis ao processo cautelar.4

3 A existência da revelia decorre da caracterização do estado de inação quanto ao ofe­recimento da contestação.. A revelia é uma situação processual da qual decorrem vários efeitos (de ordem material c processual), sendo a presunção de veracidade dos fatos alegados apenas um deles Porém, sc a revelia ensejará a realização completa ou parcial de seus efeitos, isso é algo que somente a avaliação das demais circunstâncias que orbitam em torno deía poderão indicar. O réu pode ser revelsem que venha a sofrer o efeito da presunção de veracidade, como faz ver o art 320. Ver o volume 2 deste Curso de Processo Civil (Processo de Conhecimento), c it, p.. 121 e ss

'* Art. 320, CPC: “A revelia não induz, contudo, o efeito mencionado no artigo ante­cedente: I - se, havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação; 11 - se o litígio versar sobre direitos indisponíveis; III - se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento publico,que a lei considere indispensável à provado ato” Essas são as três causas que, na descrição do art 320, impediriam a aplicação da presunção de veracidade dos fatos, caracterizada no art 319 Contudo, estas não são as únicas hipóteses em que será elidido o efeito material da revelia Outras regras do Código de Processo Civii podem afastar a incidência deste efeito, como e o

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136 ° PROCEDIMENTO, A TÉCNICA PROCESSUAL E OS INSTITUTOS

De lado o fato de que não aceitamos a interpretação de que a dispensa da con­testação simplesmente desobriga o juiz de verificar as afirmações fáticas do autor,5 há uma citcunstânch, particular à tutela cautelar, que impede que se admita uma presunção de veracidade dos fatos alegados»

E que, no âmbito do processo cautelar, a tutela objetivada pelo autor não reclama um juízo de veracidade acerca dos fatos, mas apenas um juízo de verossi­milhança ou de probabilidade Ora, se o autor não tem pretensão de convencer o juiz da veracidade dos fatos que alega, e ao réu basta demonstrar que o direito ameaçado não èprovável, é lógico que a ausência de contestação jamais poderia redundar na presunção de veracidade, mas, no máximo, na presunção à t probabilidade dos fatos alegados na petição inicial,.

A não contestação somente pode gerar um efeito compatível com o processo em que ocorre. Assim, no processo cautelar, apenas pode conduzir à presunção de probabilidade dos fatos articulados pelo autor,. Portanto, o art, 803 deve ser interpretado no sentido de que a não apresentação de contestação presume os fatos “verdadeiros" para o efeito de permitir o juízo suficiente - de probabilidade ~ para a concessão da tutela cautelai,. Aliás, racionai’ de forma contrária implicaria em equívoco grosseiro, já que faria surgir uma qualidade de convicção judicial que sequer pode ser formada dentro das limitações inerentes ao processo cautelar

A não contestação faz surgir a presunção de probabilidade dos fatos, mas não eÜmina a possibilidade de o juiz confrontar tais fatos com a situação concreta e, in­clusive, determinar o imediato comparecimento das partes em juízo,.6

caso, por exemplo, da participação no processo de curador especial, nas hipóteses do art. 9°, I e II - “ao incapaz,se não tiver representante iegai, ou se os interesses deste colidirem com os daquele" e “ao réu preso, bem como ao revel citado por edital ou com hora certa"-, quando, não obstante a ocorrência da revelia, sendo nomeado ao revel um curador especial, tem ele o dever de oferecer defesa, impedindo, com isto, a aplicação do efeito material da revelia Vero volume 2 deste Curso de Proccsso Civil (Proctsso de Conhecimento), cit., p. 124 e ss,

5 Quando interpretado literalmente, o art. 319 do Código de Processo Civil ê inconstitu­cional Especialmente quando se tem em conta ograu de esclarecimento ( o l i , mais adequadamente, de ignorância) de grande parte da população brasileira, adificuldade econômica para a contratação de advogado e a ineficiência da assistência judiciária pública e gratuita, tudo a espelhar a falta de efetividade do proclamado direito de acesso à justiça

“De outra parte, como já se observou anteriormente, a presunção fixada pelo art 319 somente pode constituir presunção iuris tantnm (relativa) e, por isso, pode ser afastada pelo magistrado, à vista de outras circunstâncias que lhe impulsionem o convencimento em sentido contrário Assim, a presença no processo de qualquer elemento que confiite com a aplicação tout court da presunção material da revelia pode, a critério do magistrado, afastar sua incidência, fazendo preponderar a realidade sobre a ficção . Imagine-se, por exemplo, que o autor, instruindo a petição inicial em que demanda a cobrança de uma dívida, faz juntar documento totalmente contrário a seu interesse e que demonstra o pagamento da dívida pelo réu; ainda que o réu seja revei, ojuiz certamente há de considerar a presença do comprovante de pagamento e, com isso,

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REAÇÃO DO DEMANDADO 137

8.4 Reconhecimento da procedência do pedido

No processo cautelar, o réu, além de apresentar defesa ou permanecer inerte, pode também reconhecer a procedência do pedido

Lembre-se que o reconhecimento da procedência do pedido não se confunde com a não apresentação de contestação.. No processo cautelai, a não apresentação de contestação faz surgir o efeito da presunção da probabilidade dos fatos afirmados na iniciai. Porém, daí não decorre a conclusão automática de que o pedido cautelar deva ser julgado procedente., Não obstante, no reconhecimento da procedência do pedido, o réu não se limita a admitir os fatos articulados pelo autor como prováveis. Nesta hipótese, o réu não se limita a admitir a probabilidade dos fatos, mas reconhece o pedido de tutela, tomando-o como legítimo e procedente.

A figura apenas tem relevância quando a tutela que se almeja assegurar diz respeito a direitos disponíveis, não acontecendo o mesmo quando a tutela cautelar objetivada visa a assegurar tutela relativa a direitos indisponíveis,

Tratando-se de direitos disponíveis, o reconhecimento do pedido redunda na vinculação do magistrado à procedência do pedido cautelar. Mas não basta ao juiz, nesta situação, simplesmente homologar o reconhecimento do pedido, devendo dar ao réu prazo breve para eliminar a situação de perigo, sob pena de determinar a execução da providência cautelar reconhecida,

afastar a incidência da presunção legal, sendo absurdo que se imagine em sentido contrário. As­sume a regra, assím, seu verdadeiro papel no processo" [Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Processa de Conhecimento (Curso de Processo Civil, v. 2), cit.., p, 127],

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Litisconsórcio e Intervenção de Terceiros

A pluralidade de partes e o litisconsórcio também podem se dar em qualquer dos pólos do processo cautelar,

Para a formação do litisconsórcio, e preciso que se faça presente, pelo menos, uma das hipóteses previstas no art, 46 do Código de Processo Civil Assim, o litis­consórcio requer que a situação de material, afirmada no processo cautelar, ligue as partes, reíacionando-as através de um laço que lhes seja comum

Assim como a ação reivindicatória não pode ser proposta apenas contra al­guns dos condôminos do imóvel reivindicando, a ação cautelai de seqüestro deve ser proposta contra todos os condôminos do imóvel que se pretende seqüestrar, para assegurar a tutela reivindicatória,

Por outro lado, não há como pedir o arresto de bem de quem não poclc ser apontado como devedor, isto e, como réu na ação de conhecimento; mas o arresto de bem pertencente a dois devedores certamente pode ser admitido, aforando-se contra eles a ação cautelar,

O litisconsórcio no processo cautelar guarda uma peculiaridade, decorrente da sua natureza urgente.. Em virtude da urgência que legitima a própria tutela cautelar, não há como não se tratar de modo menos rígido da necessariedade da formação do litisconsórcio, ou melhor, do litisconsórcio necessário.

Assim, sendo urgente a concessão da tutela cautelar de seqüestro inaudita altera parte (por exemplo), a questão da necessidade da participação de eventual condômino como parte e, deste modo, litisconsorte necessário, pode ser adiada para momento posterior ao alcance da tutela dc segurança, sem que se possa pensar em nulidade..1

Considerando-se que o assistente litisconsorcial é um litisconsorte que in­gressa ulteriormente no processo, há assistência litisconsorcial no processo cautelar.. O condô mino, que não teve a oportunidade de participar desde o início do processo

1 Ver Alcides Munhoz da Cunha, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 1 1 , cit., p651

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LITISCONSÓRCIO E INTERVENÇÃO DE TERCEIROS 139

relativo à ação de seqüestro, posteriormente ingressa no processo cautelar como assistente litisconsorcial.

A assistência simples (art.. 50 do CPC), verdadeira forma de intervenção de terceiro, é admissível no processo cautelar. E possível que o terceiro, com interesse jurídico, ingresse no processo cautelar como assistente simples, tenha sido notificado ou não da demanda, objetivando aaxiliar a parte a obter sentença favorável

Dentre as formas de intervenção de terceiro concebidas pelo Código de Pro­cesso Civil,2 a denunciação da lide (art 70 e ss do CPC), o chamamento ao processo (art. 77 e ss do CPC) e a oposição (art. 56 e ss. do CPC) são institutos estranhos ao processo cautelar, por serem com ele incompatíveis.,

A denunciação da lide é uma ação de regresso, cujo fim é o de obter uma tutela do direito material, isto é, uma “tutela satisfativa”, incompatível com o escopo do processo cautelar, que é o de apenas prestar segurança à situação jurídica tutelável pelo processo de conhecimento ou à própria tutela do direito a ser obtida através do processo de conhecimento.

Não obstante, assim como o denunciado, ao responder à ação cujo objetivo é uma tutela satisfativa, também se coloca, no processo de conhecimento, como as­sistente simples do denunciante, nada impede que ele ingresse no processo cautelar como assistente simples da parte.. Porém, a sua posição será apenas de assistente simples, não se confundindo com a de denunciado

A mesma lógica impede o “chamamento ao processo" no processo cautelar Lembre-se que o art. 80 do Código de Processo Civil diz que “a sentença, que julgar procedente a ação, condenando os devedores, valerá como título executivo, em favor do que satisfizer a dívida, para exigi-la, por inteiro, do devedor principal, ou de cada um dos co~devedores a sua cota, na proporção que lhes tocar”.. Ora, no processo cautelar não há “condenação dos devedores” ou possibilidade de formação dc título executivo, capaz de permitir a execução em favor daquele que houver satisfeito a dívida.. O que se poderá admitir é apenas a intimação de algum devedor solidário a respeito da ação cautelar..3

Descabe, ainda, a oposição, que objetiva excluir o direito de ambas as partes sobre o bem lidgioso., Se a oposição é deferida àquele que pretende, no todo ou em parte, a coisa ou o direito sobre que controvertem as partes no processo (art 56 do CPC), não há como admiti-la no processo cautelar, em que nada se pode definir sobre coisa ou direito. Ou melhor, no processo cautelar não há discussão sobre coisa ou direito e, assim, não há como pretender sentença que exclua o direito das partes.

2 Ver, sobre o litisconsórcio, a assistência litisconsorcial, a assistência simples, a oposição, a nomeação à autoria, a denunciação da lide c o chamamento ao processo, o volume 2 deste Cursa de Processo Ci vil (Processo de Conhecimento) ,cit.,p 159ess.

3 Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, v 3, c i t p 143

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1 4 0 0 PROCEDIMENTO, ATÉCNICA PROCESSUAL E OS INSTITUTOS

Porém, a nomeação à autoria (art. 62 e ss.. do CPC), vista como instituto capaz de propiciar a correção da legitimidade passiva, pode ser útil no processo cautelar, especialmente quando se percebe que a necessidade da propositura de “nova” ação contra o “real” legitimado passivo, e, assim, a exclusão da admissão da correção da legitimidade passiva no processo cautelar já instaurado, pode não se conciliai- com a urgência que fundamenta e legitima a própria tutela cautelar.

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Prova e Convicção Judicial no Processo Cautelar

Sum ário : 10.1 Prova e convicção - 10,2 Convicção, verdade e verossimilhança -10.3 A convicção de “verossimilhança preponderante”- 10.,4Tutela cautelar e convicção de verossimilhança - 10.5 Convicção e prova no processo cautelar -10.6 Racionalidade da decisão cautelar-10,7 Outros critéiios pai a a decisão cautelar-10.8 Decisão cautelar e caso concreto - 1 0 ,9Tutela cautelar e dificul­dade da prova™ 10.10 Convicção de verossimilhança e tutelas cautelar inaudita altera parte e final - 10.11 A prova na audiência do processo cautelar.

10.1 Prova e convicção

Na doutrina brasileira não há elaboração teórica voltada a demonstrar a di­ferença entre prova e convicção.. Daí decorre a equivocada suposição de que a tutela cautelai'e a tutela antecipatória exigem uma particular espécie (prova documental,...) e qualidade (prova inequívoca,,..) de prova, e, neste ponto, distinguem-se da tutela do processo de conhecimento.

Como deveria ser óbvio, o que distingue a tutela cautelar da tutela própria ao processo de conhecimento não é a espécie ou a qualidade da prova, mas simplesmente a convicção judicial, ou melhor, a convicção a que ojuiz deve chegai' para conceder a tutela jurisdicional.

A prova é algo que preexiste à convicção, pois existe para convencer, de modo que chega a ser absurdo identificar prova com convicção, como se pudesse existir prova de verossimilhança ou prova de verdade,. Ora, a prova não pode ter outra finalidade que não a de convencer o juiz.

Mas, se a prova não se confunde com a convicção, também não há como esta­belecer uma relação de causa e efeito entre espécie de prova o. grau de convicção, como se o grau de convicção “M ” apenas pudesse resultar da prova “N”, ou como se a prova “Y ” apenas pudesse redundai- no grau de convicção “X ” .

Assim, deve ficar claro, desde logo, que não existtprova característica ao processo cautelai, mas sim convicção judicial própria à concessão da tuteia cautelar.

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142 0 p ro c e d im e n to , a TÉCNICA PROCESSUAL E OS INSTITUTOS

10.2 Convicção, verdade everossimilhançaA elaboração teórica do tema ligado à convicção, com a conseqüente demons­

tração de que a convicção pode ser de verossimilhança e dc certeza, obviamente não pretende fazer alguém acreditar que ojuiz pode penetrar na essência da verdade. Sabe-se perfeitamente que toda certeza jurídica se resolve em verossimilhança..

A verossimilhança, quando compreendida na linha da teoria do conhecimento, não pode ser colocada no mesmo plano da convicção, pois existe convicção de ver­dade e convicção de verossimilhança, ainda que ambas, na perspectiva gnoseológica, somente possam resultar em verossimilhança..

Porém, a circunstância de ojuiz não poder descobrir a “verdade” não o dis­pensa da necessidade de buscar se convencer a respeito do que se alega no processo de conhecimento. E evidente que a impossibilidade de ojuiz descobrir a essência da verdade dos fatos não lhe outorga o direito de definir o mérito, no processo de conhecimento, sem estar convicto.. Estar convicto da verdade não é o mesmo que encontrar a verdade, até porque, quando se requer a convicção de certeza, não se nega a possibilidade de que “as coisas não tenham acontecido assim”.,1

A “convicção da verdade” tem presente a limitação humana de buscar a ver­dade e , especialmente, a correlação entre esta limitação e a necessidade de definição dos litígios, Para ser mais preciso: ojuiz chega à convicção da verdade a partir da consciência da impossibilidade da descoberta da siia essência, uma vez que é esta que demonstra a falibilidade do processo para tanto Trata-se, em outros termos, de recordar Calamandrei, quando advertiu que, apesar de a natureza humana não ser capaz de alcançar verdades absolutas, “é um dever de honestidade acentuar o esforço para se chegar o mais perto possível dessa meta in alcançável”,2

De modo que é preciso sublinhar a distinção entre convicção (que pode ser de verdade ou de verossimilhança) e verdade e veros si milhança em sentido filosófico., Ojuiz, para decidir ou sentenciar, deve sempre procurar se convencer, ainda que, em outro se ntido, a sua decisão ou sentença nunca vá se afastar da verossimilhança.

10..3 A convicção de “verossimilhança preponderante”Se existe convicção de verdade e convicção de verossimilhança, cabe explicar a

diferença entre as duas 3 Para tanto, não há como deixar de aludira teoria de origem sueca que entende que ojuiz pode definir o mérito com base na chamada “verossi­milhança preponderante”

1 Gcrhard Walt cr, Livre apreciación de la prucba, p . 169.2 Picro Calamandrei, Vcrità c verosimiglianzu nel processo civilc, Rivista di Diritto

Processuale, 1955, p 190.3 Ver o volume 2 deste Curso de Processo Civil(Processo de Conhecimento), cit'' Por Olof Ekclõf, Bewcisvvürdigung, Bewcislast und Beweis des ersten Anscheins,

ZZP, 75, p 289 e ss

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PROVA E CONVICÇÃO JUDICIAL NO PROCESSO CAUTELAR 7 4 3

Tal teoria se move a partir da ideia de que a regra do ônus da prova não é justa e, assim, não deve prevalecer.. A regra do ônus da prova,5 na perspectiva desta teoria, não tem qualquer importância como mecanismo de distribuição do ônus probatório c, muito menos, como regra dejuízo, constituindo uma espécie de régua que indicaria a parte vencedora. O ônus da prova seria o ponto central dessa régua, e assim não pesaria sobre nenhuma das partes; a parte que conseguisse fazer a régua pender para o seu lado, ainda que a partir de um mínimo de prova,6 deveria ganhar a causa, quando então prevaleceria o princípio da “verossimilhança preponderante” 7

A doutrina sueca concluiu que o julgamento de procedência dependeria apenas de um mínimo de preponderância da prova, ou seja, de um grau de 51%.. Se a posição de uma das partes é mais verossímil que a outra, ainda que minimamente, isso seria suficiente para lhe dar razão Nesse sentido, ainda que a prova do autor demonstre com um grau de 51% a verossimilhança da alegação, isso tornaria a sua posição mais próxima da verdade, o que permitiria um julgamento mais racional e melhor motivado que aquele que, estribado na regra do ônus da prova, considerasse a alegação como não provada B

Frise-se que esta tese é ligada à tutela final do processo de conhecimento, e não às tutelas baseadas em cognição sumária (cautelar e antecipatória).. Diante disto, tal tese, evidentemente, não pode prevalecer, pois não há como aceitar, ao menos como regra, que ojuiz possa conceder a tutela final no processo de conhecimento sem estar convencido de que o autor tem razão., Ou melhor, não há racionalidade em admitir, como regra, que ojuiz pode conceder a tutela final, no processo de conhecimento, com base na verossimilhança preponderante, pois isso eqüivaleria a entender que o juiz não precisa se convencer para julgar 0 mérito deste processo

Não é possível ter a teoria da verossimilhança preponderante como regra capaz de guiar a decisão final do juiz no processo de conhecimento, embora isto não signifiqiie que a ideia de verossimilhança preponderante não possa prevalecer em determinadas situações, mesmo ao final desta espécie de processo.,

Excepcionalmente, a dificuldade de prova e a natureza do direito material podem justificar a redução das exigências de prova no caso concreto, dando ao juiz a possibilidade de se contentar com a verossimilhança preponderante no próprio processo de conhecimento. Isto ocorre, por exemplo, em determinadas situações de direito material em que a prova da causalidade é extremamente árdua, como acon­

s Sobre a regra do ônus da prova, ver o voiume 2 deste Curso de Processo Civil (Processo de Conhecimento), cit..

“ Gerhnrd Walter, I. ivre apreciación de lapruebn, cit , p 160..7 Esta teoria fala em verossimilhança preponderante ou Òverviktspnnap, para eviden­

ciar que basta, para a procedência ou para a Ímprocedência, um grau de probabilidade mínimo (Salvatore Patti, Prove Disposizionigenerali, p.. 164)

9 Cf Salvatore Patti, Prove.. Disposizioni genemlt, cit., p 164

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744 ° PROCEDIMENTO, A TÉCNICA PROCESSUAL E OS INS TTT U TOS

tece nos casos de lesões pré-natais Portanto, quando se analisa a convicção judicial, é preciso considerar se a causalidade pode ser esclarecida e em que termos. Apenas quando a possibilidade de elucidação não é plena, e, assim, não há como exigir uma “convicção de certeza”, basta a “verossimilhança preponderante”, pena de serem ne­gadas as peculiaridades do direito material e, dessa maneira, a possibilidade de uma efetiva tutela jurisdicional.9

Sublinhe-se, contudo, que a redução das exigências de convicção, ao final do processo de conhecimento, somente pode ser admissível em casos excepcionais, jamais como regra, como pretende a teoria sueca da verossimilhança preponderante,. Não há como entender que o juiz deva simplesmente dar ganho de causa à parte cujo direito for mais verossímil,. Até mesmo porque, como todos sabem, não é possível medir, em termos matemáticos, a graduação de uma prova ou de um conjunto de provas, o que eliminaria a possibilidade de justificação racional da “verossimilhança preponderan­te” na sentença, A convicção de verossimilhança somente pode ser racionalmente justificada, ao finai do processo de conhecimento, a partir das necessidades do direito material e do caso concreto

10.4 Tutela cautelar e convicção de verossimilhança

Algo diferente acontece quando se considera a convicção de verossimilhança derivada das situações de urgência, em que a necessidade de tutelar imediatamente exige a limitação da produção da prova e, consequentemente, impõe a admissão da tutela com base em convicção de verossimilhança ou em fumus bom iuris,

A expressãofiimus boni iuris, típica do processo cautelar, não tem qualquer rela­ção com a verossimilhança própria à filosofia ou com a convicção de verossimilhança que permite, em casos excepcionais - lesões pré-natais; relações de consumo etc. - a procedência do pedido no processo de conhecimento, situações estas estudadas nos dois últimos itens,.

A situação de perigo de dano e a conseqüente urgência em tutelar impedem o aprofundamento da convicção no processo cautelar, tornando a cautelar uma tutela caracterizm/rt pela convicção de verossimilhança,. Lembre-se que o Código de Processo Civil afirma que o autor deve demonstrar a probabilidade do direito ameaçado (art 801, IV, do CPC), de onde decorre a conclusão de que ao juiz basta, para conceder a tutela cautelar, a convicção de verossimilhança.

Com mais precisão: ojuiz decide, no processo cautelar, com base em convicção de verossimilíiança^r^oíií/emn^» Decidir com base na verossimilhança preponderan­te significa sacrificar o improvável em benefício do provável. Se a tutela cautelar tem como pressupostos o fumus boni iuris e o perigo de dano, não se pode exigir mais que a verossimilhança preponderante, quando o próprio direito que se mostra verossímil

9 Ver o volume 2 deste Curso de Processo Civil (Processo de Conhecimento), cit,

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PROVA E CONV1CÇÃO,JUDICIAL NO PROCESSO CAUTELAR 145

está ameaçado por dano . Portanto, o requisito da fiimaça do bom direito quer dizer que ê bastante, para a concessão da tutela cautelar; a convicção de que o direito afirmado pelo autor prepondera sobre a posição jurídica do réu

10.5 Convicção e prova no processo cautelar

Se a convicção, própria à tutela cautelar, é de verossimilhança preponderante, isto também significa que o juiz, para proferir sentença no processo cautelar, não pode ter convicção de certeza, isto é, a convicção que lhe permitiria prestar a tutela jurisdicional ao final do processo de conhecimento.

O juiz julga o pedido cautelar com base em fumus boni iuris, Assim, a sua convicção jamais deve ultrapassar a verossimilhança, pois de outra forma estar-se-á diante de um processo de cognição exauriente, em que a convicção é de certeza e o juízo acerca do litígio permite a declaração capaz de gerar a coisa material, O processo cautelar é necessariamente limitado à convicção de verossimilhança,.

Quando a verossimilhança prepondera em favor do autor, a tutela cautelar deve ser concedida; em caso contrário, preponderando a verossimilhança em favor do réu, a tutela cautelar deve ser negada,

A convicção de verossimilhança capaz de permitir a tutela cautelar, isto é, a convicção de verossimilhança preponder ante em favor do autor, depende da situação substancial e das particularidades do caso concreto

Não é possível definir a espécie de prova que o juiz pode utilizai paia formar convicção de verossimilhança, ou o tipo de prova que pode ser admitido no processo cautelar,. O juiz pode, para formar convicção de verossimilhança, valer-se de docu­mento, testemunho e prova técnica, mas não pode admitir documento, testemunho ou prova técnica quando qualquer deles for apto a formar convicção de certeza

Ou seja, se ojuiz tem convicção de verossimilhança e o testemunho ou a pro­va técnica servirão para formar convicção de certeza, fazendo surgir um juízo que extrapola os limites do processo cautelar, o testemunho e a prova técnica certamente deverão ser indeferidos. Porém, se ojuiz ainda não dispõe de juízo de verossimilhança, deverá admitir a produção de tais provas, mas apenas nos limites para a demonstração da verossimilhança.

Lembre-se que na própria justificação prévia do art,. 804 o juiz pode ouvir testemunhas e perito técnico. Neste caso, a tutela cautelar é requerida, em vista da urgência, antes de se dar ao réu a oportunidade para apresentai’contestação , Por tanto, o juiz pode chegar, com base em tais provas, a uma convicção de verossimilhança ainda mais rarefeita do que aquela que deve existir ao final do processo cautelar

Porém, tenha sido concedida ou não a tutela cautelar antes da ouvida do réu, é possível que, após a contestação, o juiz ainda não tenha convicção de verossimilhança capaz de lhe permitir proferir a sentença no processo cautelar. E por isto que o pará­grafo único do art 80.3 do Código de Processo Civil diz que,4 se o requerido contestar

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1 4 6 ° PROCEDIMENTO, A TÉCNICA PROCESSUAL- E OS INSTITUTOS

no prazo legal, o juiz designará audiência de instrução e julgamento, havendo prova a ser nela produzida”.

Sublinhe-se que a prova, no processo cautelar, subordina-se à questão da urgência , Assim, qualquer prova, cujo tempo de produção seja incompatível com a urgência que legítima a própria tutela cautelar, não pode ser admitida.. Porém, além disto, não se pode admitir prova sem se tomar em conta a razão pela qual se pretende a sua produção.. Se a prova objetiva demonstrar o direito e não somente a sua proba­bilidade, ou melhor, se a prova pretender formar convicção de certeza e não apenas convicção de verossimilhança, impõe-se o seu indeferimento

Assim, a prova cujo tempo para produção é longo e cujo resultado ultrapassa a convicção de verossimilhança não deve ser admitida. A prova pericial, no modelo do processo de conhecimento, é incompatível com a natureza do processo cautelar, em­bora nada impeça prova pericial,produzida de modo menos formal e mais rápido,com o intuito de atingir resultado capaz de gerar apenas convicção de verossimilhança.

Em suma: mais do que se tentar definir a prova típica da tutela cautelar, c preciso atentar para a convicção que lhe é peculiar, pois assim não se permitirá a produção de prova incompatível com a urgência e que tenha o intento de gerar convicção que extrapola os limites do processo cautelar,

10.6 Racionalidade da decisão cautelar

Quando se pensa na verossimilhança suficiente para a concessão da tutela cautelar, o problema não está no grau de convicção, mas sim na racionalidade da decisão judicial, ou melhor, no controle da racionalidade da decisão10 que concede, ou não, a tutela cautelar

Esta racionalidade não pode ser garantida através de uma artificial e impossível determinação do grau de verossimilhança. Para o controle da racionalidade da decisão que trata da tutela cautelar, é indispensável a consideração da justificativa da própria convicção de verossimilhança

Ninguém mais duvida que o raciocínio probatório não pode ser demonstrado através do método axiomático-dedutivo, peculiar à matemática. Porém, isto obvia­mente não pode implicar na ideia de que ojuiz não pode ser controlado., A garantia da motivação das decisões tem relação com a necessidade de controle do juiz, que deve justificá-las não só para legitimar o exercício do seu poder, mas também para dar às partes o direito de compreendê-las e impugná-las perante os tribunais Em outras palavras, aceitar uma decisão sem justificativa é o mesmo que impedir a adequada participação das partes e retirar a legitimidade do Poder Judiciário.11

1(1 Ver Michcle Taruffo, 11 controllo di razionalità deila decisione fra iogica, retórica e dialettica Na Internet: c\nvwstudiocelentano.it>

31 Michcle TarufFo, La motivazwnc delia sentenza civile, p 392 c ss

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PROVA E CONVICÇÃO JUDICIAL- NO PROCESSO CAUTELAR 147

Ojuiz, ao valorar a credibilidade das provas, ao estabelecer a ligação entre as provas e os fatos e ao valorar as presunções e o conjunto probatório, submete o seu raciocínio a sistemas e critérios racionais, embora não possa explicá-los através da ló­gica matemática. Tais critérios permitem-lhe decidir e justificar a sua decisão, embora muitas vezes necessitem da adição de outros, próprios ao método sistemático, como os da coerência e da congruência, capazes de também auxiliar na decisão judicial.,12

A tutela cautelar apresenta-se com necessária quando a posição do autor está fragilizada,já que o seu direito está sendo ameaçado por dano iminente.. Para tornar possível a sua proteção, outorgou-se ao juiz a possibilidade de decidir com base em verossimilhança, o que significa que ele está proibido de pensar em uma convicção de verdade, própria à regra do ônus da prova. Para a concessão da tutela cautelar, além do perigo de dano, basta-lhe a convicção de que o material trazido ao processo indique que o direito do autor é mais verossímil do que o do réu Se a tutela cautelar requer uma convicção de verossimilhança preponderante, o juiz não pode deixar de concedê-la sob o argumento de que o autor não se eximiu do ônus da prova, pois essa regra, obviamente, aí não vale..

Mas, também na tutela cautelar, ojuiz não pode deixar de justificar: i) as razões que o levaram a acreditar, ou não, na prova, ii) a ligação que realizou entre as provas e os fatos, ní) os motivos que o levaram a estabelecer, ou não, uma presunção, e iv) de referir e fundamentar as regras de experiência que guiaram o seu raciocínio, Assim, nada significa dizer, seca e simplesmente, que há, ou não, fumus boni iuris, pois essa convicção deve resultar da justificativa da decisão “cautelar”.

Em poucas palavras, é preciso descrever o fato probando e as provas produzidas, explicar a relação entre as provas e os fatos - inclusive indiciários - e a relação entre os fatos indiciários provados e o fato probando, além de deixar claras as regras de experiência - e os seus fundamentos - que conduziram o raciocínio judicial.,

Observa-se que, na prática forense, não se dá importância para a definição de fato indiciário e, consequentemente, para os raciocínios (presuntivos) que são feitos- na maioria das vezes de forma desapercebida - ligando os fatos indiciários ao fato probando.. Mais especificamente, nota-se uma completa desatenção para com as regras de experiência que fundamentam os raciocínios destinados a fixar as presun- ções, Porém, as regras de experiência e os raciocínios presuntivos não só devem ser claramente explicitados, como devidamente fundamentados como aptos à formação das presunções Se ojuiz deve julgar com base em critérios racionais, não há como a motivação esquecer a demonstração da racionalidade das regras de experiência, sejam comuns ou técnicas,,1-5

Tudo isso quer dizer que a justificativa deve explicar o desenvolvimento do raciocínio que conduziu à decisão, e não apenas enunciar o seu resultado Com efeito,

12 Ver o voiume 2 deste Curso de Processo Civil(Processo de Conhecimento), p -470 c ssn Veridem, ibidem..

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1 4 8 0 p r o c e d im e n to , a TÉCNICA PROCESSUAL E OS INSTITUTOS

pouco esclarece dizer que há, ou não, fumus boni iuris, se não se explicar os motivos desse convencimento.

A peculiaridade da decisão cautelar está em que todos esses critérios de con­vencimento, como o da relação entre a prova e os fatos e o da relação entre os fatos indiciários e o fato probando, não exige o esgotamento da regra do ônus da prova, pois aqui ela deve ser vista como uma régua - como queria a doutrina escandinava da verossimilhança preponderante que, fixando-se no grau 50, aponta em favor do autor quando inclina para a direita (de 50 para cima) e, em favor do réu, quando pende para a esquerda (de 50 para baixo).

Por isso, o juiz deve explicar cada um dos critérios antes apontados e, conse­quentemente, os motivos que o levaram a concluir pela verossimilhança da posição de uma parte ou outra, Ou melhor, a motivação da decisão cautelar deve ser tão racional quanto a da sentença, com a única diferença de que deve justificar apenas uma convicção de verossimilhança preponderante.

Frise-se que ajustificação tem valor em si mesma, uma vez que dela depende a idoneidade da decisão. Ou seja, para se ter uma decisão como idônea, é preciso ver ificar a racionalidade da sua justificação, que objetiva explicar a racionalidade dos raciocínios probatório e decisório.

10.7 Outros critérios para a decisão cautelar

Contudo, a circunstância de os critérios há pouco lembrados eventualmente não poderem levar o juiz a se convencer da verossimilhança não significa dizer que o juiz deva parar aí, ou que não tenha outros critérios para se convencer, Quando tais critérios levam a duas versões igualmente aceitáveis - o que também pode ocorrer na sentença do processo de conhecimento devem ser aplicados os critérios da coer ência e da congruência.14

O primeiro desses critérios quer expressar que a narrativa judicial deve ser coerente, e, assim, não pode conter ilogicidades, como a de aceitar um fato como verdadeiro e falso ao mesmo tempo, admitir fatos entre si incompatíveis, utilizar uma regra de experiência em uma situação e a negar em outra - sem que entre elas exista qualquer motivo para discriminação ~ ou se valer de regras de experiência incompatíveis.15

Ademais, além de ausente de contradições, a versão judicial não pode negar uma prova ou um fato provado ou aceitar um fato afirmado, mas não provado. De outr a forma, a narr ativa do juiz seria incompleta ou excessiva.16

14 VerMichelcTaruffo, Funzione delia prova: la funzione dimosti ativa, Rivista di Diritto Processuale, p. 568 € ss.

15 MicheleTaruffb, La prova deifatti giuridici, p. 295..16 Idem.ibidem.

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PROVA E CONVICÇÃO JUDICIAI NO PROCESSO CAUTELAR 1 4 Q

Esclareça-se, porém,que a coerência e a congruência podem ser utilizadas para g u iai o raciocínio do juiz rumo à decisão-quando podem ser utilizados como testes para a escolha da melhor versão das partes ou mesmo para a definição da própria versão judicial-ou vistos como critérios que devem qualificar a justificativa e servir para o seu controle pela da parte e pelo tribunal,17

Assim, por exemplo, a falta de lógica da versão de uma das partes pode implicar na escolha da outra ou na definição de uma terceira, quando o critério integrará o raciocínio decisório Contudo, a justificativa também deve ser coerente e congruente, razão pela qual o tribunal pode, através de recurso e fundado nestes critérios, não aceitar a justificativa do juiz, No primeiro caso, a coerência constitui critério de decisão, enquanto que, no segundo, integra a justificação ou o raciocínio justificativo.

Note-se que a circunstância de uma prova apontar para duas versões nada tem a ver com falta de coerência ou congruência, uma vez que essas duas últimas não se referem à prova, mas sim à narrativa (ao discurso), A incoerência está no interior da narrativa que aceita dois fatos incompatíveis, Quando os fatos incompatíveis estão na prova, e não na narrativa, não há que se pensai em incoerência. Ou melhor, quando a prova aponta para fatos que não se conciliam, não há incoerência do discurso, mas simples resultado probatório, que deve ser adequadamente valorado e, inclusive, pode servir para a formação da convicção em sentido favorável ao autor ou ao réu,

Quando uma prova aponta em dois sentidos, isso não quer dizer que esta seja inútil, pois pode permitir que a convicção se forme em um dos sentidos, especialmen­te na dimensão da verossimilhança preponderante A circunstância de uma prova apontar em dois sentidos apenas pode tornar mais difícil a elaboração da convicção, mas,justamente pela razão de que pode formar ou colaborar para formar' a convicção, não pode ser descartada,.18

17 Acerca da distinção entre raciocínio decisório e raciocínio justificativo, ver Michele Taruffo, Chico lecciones mexicanas.

iB Barbosa Moreira, ao interpretar a regra do art, 273, que exige “prova inequívoca” para a concessão de tutela antecipatória, assim concluiu: “será equívoca a prova a que se possa atribuir mais de um sentido; inequívoca, aquela que só num sentido seja possível entender" ( J. C. Barbosa Moreira, Antecipação da tutela: algumas ques toes controvertidas, i n Temas de direitoprocessual civil, p, 80), Segundo este processualista, a prova que aponta para dois sentidos é equívoca e, por isto, incapaz de permitir a concessão de tutela antecipatória Diz ele: “Em duas etapas se desdobrará a perquirição do magistrado, diante da prova produzida, Primeira: èela ‘Inequívocano sentido de que só comporta um entendimento ? Segunda com esse entendimento, tem ela sufic iente forçapersuasiva para fazer verossímil (ou provável) a alegação do requerenteT (J. C.. Barbosa Moreira, Antecipação da tutela: algumas questões controvertidas, in Temas de direito processual civil, cit,, p 81) Para Barbosa Moreira, a prova que comporta dois sentidos não pode ser valorada ou gerar convicção Esta construção subordina a valoração da prova ou a elaboração do juízo a uma primeira fase, que seria ultrapassada somente pela prova que aponta em um sentido. Parte-se da premissa de que a prova que aponta em mais de um sentido não pode permitir a formação da convicção do juiz, devendo ser excluída como se não pudesse fazer parte da valoração probatória, Com efeito,

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1 5 0 0 p ro ce d im e n to , A TÉCNICA PROCESSUAL E OS INSTITUTOS

10.8 Decisão cautelai e caso concreto

A tomada de consciência de que a convicção, apesar de não se submeter à ló­gica matemática, deve ser demonstrada através de argumentos capazes de justificar racionalmente a decisão judicial, evidencia a necessidade de se pensar a convicção a partir do direito material e do caso concreto.

O percuiso do raciocínio que leva à decisão se funda em critérios racionais que devem ser devidamente explicitados e justificados. Tais critérios, assím como a sua justificativa, encontram plena racionalidade quando conectados ao direito material

existiria uma primeira fase, que poderia ser dita dc eliminação, na qual a prova seria definida como capaz, ou não, dc formar a convicção Por essa fase passaria apenas a prova que aponta em uma direção. A partir dessa fase estariam descartadas as demais provas - ditas então equívocas - , que não poderiam sequer fazer parte do conjunto de provas objeto da valoração Acontece que o juizpode extrair convicção de qualquer prova, mesmo daquela que aponta em dois sentidos. Melhor explicando; se ojuiz, antes de valorar a prova, tem que aferir a sua credibilidade, não há como confundir prova que aponta em dois sentidos com falta de credibilidade E evidente que tal prova pode merecer credibilidade e, por conseqüência, ser valorada, tendo i negável potencialidade para a formação da convicção, De modo que não há como aceitar a tese dc que não c possível chegar à fase em que se verifica a força persuasiva da prova “para fazer verossímil (ou provável) a alegação do requerente” (J.. C. Barbosa Moreira, Antecipação da tutela: algumas questões controvertidas, in Temas de di­reito processual civil, cit, p 81) Se a prova que aponta em dois sentidos for considerada equívoca, c assim incapaz de ser valorada, o juiz não poderá conjugá-la com uma prova que aponta apenas cm um sentido para formar a sua convicção Assim, a aceitação da tese de Barbosa Moreira exciui a possibilidade de o juiz conjugar uma prova que aponta em um sentido com outra que aponta em dois sentidos Na verdade, a obviedade de que a prova que aponta em dois sentidos pode ser valorada está exatamente em que ela pode ser conjugada com outra, não podendo ser excluída do conjunto probatório sobre o qual a convicção incide Se isso é incontestável, a verdadeira questão da prova que aponta em dois sentidos não está na sua credibilidade, mas sim na convicção que pode gerar Porém, se o problema é de convicção, e esta varia conforme os processos penal e civil,o momento cm que a tutela é exigida no curso do processo civil, e as particulares situações de direito material, é pouco mais que evidente que a força da prova que aponta em dois sentidos será maior em um caso do que no outro, dependendo de ser o processo penal ou civil, de scr a tutela final ou antecipatória, e, especialmente, das diferentes hipóteses dc direito substancial apresentadas à dccisão judicial no momento em que se requer a tutela antecipatória. Eliminar a possibilidade de ojuiz decidir com base em prova que aponta em dois sentidos não elucida a verdadeira questão relacionada à decisão da tutela antecipatória. Ao contrário, ela piora o estado das coisas, pois não só retira, de forma arbitrária - e apenas para ajeitar as palavras contidas na norma —, a possibilidade de decidi-lo a partir de prova que aponta para dois caminhos, como mantém insolúvel o problema relacionado aos critérios dc aferição da verossimilhança E muito fácil afirmar, a partir dos dicionários, o significado de inequívoco.. Porém, o problema não é tão simples, pois é preciso verificar, antes de tudo, sc a fixação de tal significado não impede ojuiz de encontrar na regra uma interpretação que possa scr útil c adequada aos casos concretos, além dc evidentemente passível de justificação racional na perspectiva da necessidade daquele que vai ao Poder Judiciário c da própria razão de ser da tutela antecipatória (cf. Luiz Guilherme Marinoni, Antecipação da tutela, cit.., p 214 e ss )

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PROVA E CONVICÇÃO JUDICIAL NO PROCESSO CAUTELAR f

c ao caso concreto a que devem servir Aliás, a obviedade de que as necessidades do direito material e dos casos concretos são várias é que aponta para a impossibilidade de se definir, segundo critérios matemáticos, a modalidade de prova eo^ra« de con­vicção que devem presidir a tutela cautelar.

Tratando-se de tutela cautelar, a única coisa que se pode definir, em princípio, c que a convicção do juiz, em razão de a decisão ter que ser tomada mediante cogni­ção sumária em virtude de perigo de dano, deve seguir a lógica da verossimilhança preponderante,

Não é preciso dizer que isto está muito longe das idéias de graduação da convicção e de definição apriori da prova capaz de gerá-la, até porque essa maneira de pensar inviabilizaria a própria elasticidade que deve marcar a tutela cautelar e, assim, a sua possibilidade de atender de forma adequada aos vários casos conflitivos concretos.,

10.9 Tutela cautelai' e dificuldade da prova

Se a convicção de verdade, própria à sentença do processo de conhecimento, pode ceder cüante de certos casos concretos (como os relacionados a danos pré-na- tais ou a danos ligados ao não cumprimento de deveres de proteção), não há como negar que a convicção de verossimilhança, típica da tutela cautelar, também deve ser pensada em face das circunstâncias concretas que indicam dificuldade para a produção da prova.

E preciso se considerar a dificuldade de produção da prova, peculiar a uma dada situação concreta, quando se pensa na convicção - seja de certeza ou de veros­similhança-,pena de se negar tutelajurisdicional adequada a determinados direitos. E neste sentido - isto é, considerando-se que a dificuldade de prova pode decorrer de uma específica situação substancial concreta - que se afirma que ojuiz deve se satisfazer, para conceder qualquer espécie de tutelajurisdicional, com a“prova possível da alegação”,

A convicção de verossimilhança pode ser justificada não só com base nas provas produzidas, mas também mediante a explicação racional da dificuldade de produção de prova, considerando que, quanto maior fo r essa dificuldade, menos se deve exigir para a demonstração do fumus boni iuris. A lógica é bastante simples, pois todos sabem que não se pode exigir de quem tem um direito algo que inviabilize o seu exercício (no caso, o direito à tutelajurisdicional).

Assim, nas situações em que o direito material justifica a redução da exigência da convicção e naquelas em que o caso concreto aponta para a dificuldade de se pro­duzir prova, não há como deixar de elaborar critérios que possam auxiliar o encontro de um tratamento justo .

Em determinados casos, a urgência da tuteia impede o autor de produzir prova, obrigando ojuiz a decidir apenas a partir das alegações. Caso se entendesse que ojuiz

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152 0 PR0CED1MEN IO, A TÉCNICA PROCESSUAL E OS INSTIT U T OS

nâo pode concedera tutela sem ter um mínimo de prova, a tutela cautelar não apenas deveria ser rejeitada, mas, na verdade, o juiz estaria dispensado de decidir nos casos em que a urgência impede a produção de prova. Porém, a urgência é uma situação concreta como qualquer outra e, assim, não pode obstaculizar o exercício do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. A impossibilidade de produção de prova, quando justificada a partir da situação concreta, não pode eximir ajurisdição do seu dever de prestar tutelajurisdicional,

Contudo, se a parte tem direito de pedir tutela, mesmo quando não pode produzir prova, e o juiz, dever de decidir, mesmo que sem prova, não há outra al­ternativa, nesta situação, a não ser relacionar a convicção judicial com as alegações do autor, permitindo a sua aferição de modo a permitir a formação da convicção de verossimilhança.

Neste caso, ojuiz formará convicção com base nas alegações do autor, daí im­portando o critério da “credibilidade das alegações”, que deve se basearem regras de experiência devidamente consolidadas na sociedade no momento da decisão, Para a valoração da credibilidade da alegação, é importante considerar se o autor é digno de crédito, se o evento lítigioso está no padrão da normalidade e se a alegação decorre racionalmente do contexto litigioso, não existindo obstáculos, em uma perspectiva meramente lógica, para a sua aceitação,19

A credibilidade das alegações, assim como as regras de experiência capazes de fundá-las, constituem critérios cuja racionalidade deve ser devidamente justifi­cada, Se a impossibilidade de prova pode ser suprida pelo critério da credibilidade das alegações ~ que não pode se desligar da idoneidade das regras de experiência tanto a impossibilidade da produção de prova, quanto a legitimidade de tais critérios, dependem da racionalidade da justificativa judiciai Vale dizer: a racionalidade da argumentação é que deve justificar a dificuldade de prova, a credibilidade das alegações e a idoneidade das regras de experiência 20

10.10 Convicção de verossimilhança e tutelas cautelai inaudita altera parte e final

Embora seja certo que a tutela cautelar é caracterizada pelofumus boni iuris e pela convicção de verossimilhança, não há dúvida que não se pode exigir a mesma convicção para conceder a tutela cautelar antes de se dar oportunidade para o réu apresentai’ contestação e na sentença,,

Quando a urgência exige a concessão da tutela cautelar antes da ouvida do réu, admite-se que a cognição de verossimilhança seja mais rarefeita do que a própria

19 Ver M auio Cappeüetti, La testimonianza delia parte nel sistema deli 'orahtà, cit,, p. 248 e ss ; Gerhard Walter, Libre apreciaáón de lapruebei, cit., p. 251 e ss.

20 Luiz Guilherme Marinoni, Antecipação da tutela, cit., p. 208 e ss

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PROVA E CONVICÇÃO JUDICIAL NO PROCESSO CAUTELAR f 5 3

à sentença cautelar. Se, para conceder a tutela cautelar ao final do processo, ojuiz necessita de fumus boni iuris, para conceder a tuteia cautelar liminai mente o juiz precisa ter a convicção de que terá fumus boni iuris após a contestação ou por ocasião da sentença..

10.11 A prova na audiência do processo cautelar

Tendo sido concedida ou não a tutela cautelar antes da ouvida do réu, é possível que o juiz, após a contestação, não tenha convicção de verossimilhança capaz de lhe permitir proferir a sentença. De acordo com o parágrafo único do art. 803 do Código de Processo Civil, “se o requerido contestar no prazo legal, ojuiz designará audiência de instrução e julgamento, havendo prova a ser nela produzida",

Necessitando formar convicção para proferir sentença, o juiz deferirá as provas requeridas Sublinhe-se que tais provas apenas podem ser deferidas para demonstrar o fumus boni iuris ou a situação de perigo. Assim, não podem ser admitidas quando tiverem o fim de evidenciar a certeza dos fatos que fundam o direito que se pretende ver assegurado, já que a certeza dos fatos e o reconhecimento do direito constituem temas do processo de conhecimento

E correto admitir perícia, bem como o depoimento de testemunhas, para aferir e registrar a situação fática sobre a quai recai o perigo de dano. Tais provas também poderão ser admitidas quando pairar dúvida sobre a verossimilhança do direito ameaçado pelo perigo de dano .

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11Eficácia Temporal da Tutela Cautelar

SumArio: 1 1 1 A tutela do direito como critério de fixação da eficácia temporal da tutela cautelar - 1 1 2 Revogação e modificação da tutela cautelar

11.1 A tutela do direito como critério de fixação da eficácia tempor al da tutela cautelai

Ao sc pensar na eficácia temporal da tutela cautelar, importa, em primeiro lugar, atentar para a primeira parte do art 807 do Código de Processo, que diz que “as medidas cautelares conservam a sua eficácia no prazo do artigo antecedente e na pendência do processo principal. ”,

A interpretação literal desta norma poderia sugerir a conclusão de que a tu­tela cautelar é deferida para sobreviver apenas e tão somente no processo principal. Esta ideia, ainda que equivocada, é reflexo da posição da doutrina italiana clássica, especialmente da lição de Calamandrei, que subordinava a tutela cautelar à sentença cio processo principal.

Ovídio Baptista da Silva, em sua original e brilhante doutrina sobre tutela cautelar, demonstra a posição de Calamandrei, acusando-o de não ter percebido que, em determinadas situações, a tutela cautelar necessariamente terá que ser mantida eficaz para além da sentença do processo principal. Diz Ovídio: “Segundo a doutrin a dc Calamandrei, a partir do exato momento em que fosse pronunciada a sentença de mérito ~ posto que para um grupo apreciável de processualistas a única senten­ça de mérito é a do processo principal a medida cautelar perderia inteiramente sua utilidade, seja porque ojuiz do processo principal declara inexistente o direito acautelado, caso em que a cautela perderia o sentido, seja porque o julgador, dando razão a quem obtivera o provimento cautelar, com a sentença de procedência teria ‘absorvido’em seu conteúdo aquela porção de sua própria eficácia que fora ‘anteci­pada’pela medida cautelar, Esta é a conhecida lição de Calamandrei, que adquiriu, na doutrina posterior, foros de verdade definitiva:‘La vida de la providencia cautelar está en todos los casos fatalmente ligada a Ia emanación de la providencia princi­pal: si ésta declara que el derecho no existe, la medida cautelar desaparece, porque la aparência en que la misma se basaba, si manifiesta ilusória; si, por e! contrario,

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EFICÁCIA TEMPORAL- DA TUTEL A CAUTELAR 155

declara que el derecho existe, la medida cautelar no puede hacer o tra cosa que dejar el puesto libre a aquellos cfectos definitivos, las veces de los cuales ha hecho hasta ahora anticipadamente’ (Introduccíon . , p 78; original, p. 64) Em outra passagem de sua obra, renova Calamandrei este mesmo pensamento: ‘De esta variabiüdad por circunstancias sobrevidas estando pendiente el juicio principal (que es fenômeno común a todas las sentencias con la cláusula rebus sic stantibus), se debe distinguir netamente otro fenômeno, que es exclusivo de las providencias cautelares, y que es una consecuencia típica de su instrumentalidad: Ia extinción ipso iure de sus efectos en el momento en que sc dieta, con eficacia de sentencia, la providencia principal’ (p 91; original, p. 82).. Não será necessário insistir em que tal concepção não apenas não pode ser aceita, em virtude de colidir frontalmente com o conceito por nós adotado de tutela cautelar, como ela própria não será capaz de dar solução correta a inúmeros casos em que a eficácia da medida cautelar terá necessariamente de prolongar -se para além da sentença principal. A cláusula rebus sic stantibus d. que se refere Calamandrei, como critério para disciplina da estabilidade dos provimentos cautelares, não a re­laciona à sentença de mérito do processo principai, e sim à permanência do ‘estado perigoso>, que naturalmente poderá prolongar-se para tempo posterior à emanação da sentença principal”.,1

Ovídio critica a doutrina de Calamandrei, ao frisar que a tutela cautelar não se subordina à sentença do processo principal, mas sim à permanência do estado perigoso.. O principal exemplo de que se vale Ovídio para demonstrar a sua tese é o do arresto.. Segundo Ovídio, o arresto não tem razão para perder eficácia com o trânsito em julgado da sentença condenatória, uma vez que o estado de perigo que legitimou a sua concessão pode se manter presente após o encerramento do processo de conhecimento.,

Embora Ovídio esteja absolutamente correto ao afirmar que o estado de perigo pode não desaparecer após o trânsito em julgado da sentença do processo de conhecimento, o mal estar provocado pela doutrina de Calamandrei não deve ser eliminado mediante a imposição do argumento de que a tutela cautelar se subordi­na ao “estado perigoso”, mas sim a partir da percepção de que o fim do arresto, por exemplo, é assegurar a tuteia do direito que se almeja obter, através da ação que deu origem ao dito processo principal

O arresto nada tem a ver com a sentença condenatória. A subordinação do arresto à sentença condenatória só teria sentido se a condenação prestasse tutela ressarcitória pelo equivalente ou tutelado crédito pecuniário Porém,como isto não é verdade,já que a condenação, para prestar a tutela do direito, depende da execução, é natural e evidente a conclusão de que o arresto pode ser mantido eficaz após o término do processo de conhecimento, encontrando razão para desaparecer apenas depois da realização da penhora.

1 Ovídio Baptista da Siiv;i, Curso dc Processo Civi/, v. 3, cit , p 170-171,

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7 5 6 O PROCEDIMENTO, ATÉCNICA PROCESSUAL E OS INSTITUTOS

De modo que o arresto não presta ~ nem nunca prestou - segurança até a pro- lação da condenação, pois se destina a assegurar a tutela do direito que depende da penhora Lembre-se, como frisado em praticamente todos os volumes deste Curso de Processo Civilt que a condenação e os meios de execução nada mais são do que técnicas para a prestação da tutela do direito, com ela não se confundindo.. É por este motivo, singelo, mas não tomado em conta pela doutrina, que o arresto não se subordina à sentença condenatória, tendo relação única e exclusiva com a tutelaressarcitóriapelo equivalente ou com a tutela do crédito pecuniário.

O arresto pode sobreviver ao trânsito em julgado da sentença condenatória, porque se destina a assegurar a tutela pecuniária, e não porque o estado perigoso pode não desaparecer com o trânsito em julgado. A circunstância de o perigo estar presente não revela o alcance ou o limite da eficácia temporal da tutela cautelai, constituindo apenas elemento para justificá-la.

A persistência da situação perigosa é apenas ajustificativa para a manutenção da tutela cautelar. Note-se que, como durante o tempo de processamento do recurso a situação de perigo aínda pode estar presente, ninguém jamais duvidou que a tutela cau­telar pode ser mantida viva, no caso de sentença de procedência impugnada mediante apelação.. Sempre se admitiu a manutenção da tutela cautelar napendêncta do recurso em razão da persistência do perigo, mas se fixou, equivocadamente, o seu momento de consumação no trânsito em julgado da sentença do processo principal.

O alcance da eficácia temporal pergunta a respeito do momento em que a tutela cau­telar, cumprindo a sua missão, deixa de ser necessária, e não sobre a sua justificativa. E claro que a tutela cautelar deve ser revogada ao desaparecer a situação de perigo.. Mas isto pode ocorrer no curso do procedimento de primeiro gr au de jurisdição, no tribunal ou mesmo na fase de execução, após o trânsito em julgado da sentença do processo principal.

Da mesma forma, no caso de ação cautelar destinada a assegurar uma tutela de direito que ainda não pode ser exigida - caução de dano infecto é indiscutível que a tutela cautelar não pode perder efeito com a sentença do processo principal., Neste caso, enquanto não produzido o dano, não há como exigir a tutela ressarcitória e, assim, propor a ação principal. Contudo, o alcance da eficácia temporal da caução de dano infecto continua sendo a tutela ressarcitória, embora a caução deva obviamente desaparecer, caso a situação perigosa se dissolva antes da produção do dano,

Portanto, o que se altera, na perspectiva da teoria da tutela dos direitos- susten­tada neste Curso de Processo Civil—, é o indicativo do alcance ou da efcâcia temporal da tutela cautelar, que deixa de ser a sentença e passa a ser a tutela do direito m aterial

Perceba-se, ademais, que a dispensa da ação de execução para a realização da condenação constitui valioso fundamento para a nossa tese, pois demonstra, de forma absolutamente incontestável, que a tutela do direito jamais foi prestada pela condenação, tendo sempre dependido da execução,2

2 Aliás, como temos dito, a tutela do direito cada vez mais é execução do que declaração Ver o volume '3 deste Curso de Processo Civil (Execução, Parte I), cit.

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EFICÁCIA T EMPORAL DATUTELA CAUTELAR 157

11.2 Revogação e modificação da tutela cautelar

A parte final do caputào art, 807 do Código de Processo afir ma que as medidas cautelares “podem, a qualquer tempo, ser revogadas ou modificadas".

A norma evidencia que a ftitela cautelar pode ser revogada ou modificada no procedimento de 1.° grau de jurisdição, ainda que a decisão que a concedeu não tenha sido impugnada através de recurso de agravo. Daí não se pode retirar a conclusão de que o juiz pode modificar ou revogar a tutela cautelar sem ter motivos para tanto, ou sem justificá-los precisamente na fundamentação da decisão que revogar ou modificar a tutela cautelar.3

Porém, os motivos que permitem a modificação ou a revogação da tutela cau­telar não são apenas os que dizem respeito a fatos novos, não existentes à época em que a tutela cautelar foi solicitada, Ainda que a situação fática se mantenha estável, o desenvolvimento do contraditório pode trazer argumentos e provas capazes de alterar a convicção do juiz, justificando a modificação ou a revogação da tutela.

Isto em razão da convicção que funda a decisão que concede a tutela cautelar. A convicção de verossimilhança pode, logicamente, se alterar, na medida em que são apresentados no processo novos argumentos e novas provas, o que imprime à tutela cautelar uma característica de instabilidade, tornando-a, assim, sujeita a revogação ou modificação.

De modo que o art 807 constitui exceção à regra de que o juiz não pode de­cidir sobre a mesma situação fática e de direito apenas por ter novas provas, Mas, além dísso, a tutela cautelar pode ser modificada quando fatos existentes à época em que foi requerida não foram alegados, Isto porque, ao fazer o pedido de tutela cautelar, o autor não precisa alegar todos os fatos que poderiam convencer o juiz da sua necessidade.

3 Ver Juan José Monroy Palacios, Teoria cautelar, cit., p .313

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12Hipóteses Legais de Cessação da Eficácia

da Tutela Cautelar

S u m á r i o : 1 2 . 1 Primeiras considerações ~ 1 2 2 A não propositura da ação principal no prazo de trinta dias - 12 3 A não execução da tutela cautelar no prazo de trinta dias - 1 2 4 A extinção do processo principal com ou sem resolução do mérito

12.1 Primeiras considerações

Diz o art., 808 do Código de Processo Civil: “Cessa a eficácia da medida cau­telar: I - se a parte não intentar a ação no prazo estabelecido no art., 806; II ~ se não for executada dentro de 30 (trinta) dias; III - se ojuiz declarar extinto o processo principal, com ou sem julgamento do mérito”,

O art, 808 raciocina como se a tutela cautelar estivesse a serviço do processo principal e não da tutela do direito material, E por isto que afirma que a tutela cautelar perde eficácia quando não é proposta a ação principal noprazo de trinta dias, ou quando é declarado 'extinto o processo principal, com ou sem julgamento do mérito”,

Lembre-se, ainda que rapidamente, que é possível assegurar uma tutela ainda não exigíveí, como acontece no caso de caução de dano infecto Ademais, a extin­ção do processo de conhecimento, ainda que mediante sentença de procedência do pedido, pode não prestar a tutela do direito, e, neste caso, certamente não a coloca a salvo do perigo de dano,,

Dc qualquer forma, é importante frisar que os incisos do art. 808 espelham situações em que a tutela cautelar perde a sua eficácia antes da sentença do processo principal ter sido executada e, neste caso, ter sido obtida a tutela do direito assegu­rada,

12.2 A não propositura da ação principal no prazo de trinta dias

Segundo o art. 806 do Código de Processo Civil/cabe à parte propor a ação, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data da efetivação da medida cautelar, quando esta for concedida em procedimento preparatório”.

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HIPÓTESES LEGAIS DE CESSAÇÃO DA EFICÁCIA DATUTEL A CAUTEL AR 7 5 9

Quando a ação principal não é proposta no prazo do art, 806, a tutela cautelar, já concedida e efetivada (executada), perde a sua eficácia.. Portanto, o prazo de trinta dias para a propositura da ação cautelar só tem significado quando a tuteia cautelar é concedida e executada. Se a ação cautelar é proposta, mas não é concedida a tutela cautelar antes da ouvida do réu, não surge ao autor da cautelar o dever de propor a ação principal. Neste caso, o processo cautelar prossegue regularmente, sem a ne­cessidade da instauração do processo principal., Mas a necessidade da propositura da ação principal surgirá se a sentença conceder a tutela cautelar e, afém disto, for ela executada.,5

Frise-se que, segundo a primeira parte do art 810 do Código de Processo Civil, o “indeferimento da medida [cautelar] não obsta a que a parte intente a ação [principal], nem influi no julgamento desta”, Se quer dizer, como isto, não só que a negação da tutela cautelar não influi sobre 0 resultado do processo principal, mas também que não impede a propositura da ação principal., Ora, se foi preciso norma para deixar claro que a negação da ftitela cautelar não obsta a ação principal, é pou­co mais do que evidente que ela não necessira ser proposta no prazo de trinta dias, quando a liminar é indeferida,

Porém, a sentença cautelar de procedência somente tem algum significado para a fluência do prazo para a propositura da ação principal quando a tutela cautelar não foi anteriormente concedida e executada. Equivocou-se o Tribunal de Justiça de São Paulo ao exigir, apesar de executada a liminar no curso do processo cautelar, sentença de procedência para a fluência do prazo.2 Este prazo é ligado à execução da tutela cautelar, isto é, à sua interferência na esfera jurídica do réu, nada tendo a ver com a sentença de procedência..

De acordo com Calmon de Passos, cumpre ao autor estar atento à efetivação da medida, porquanto desse ato ele não terá ciência e, entretanto, com ele iniciará o curso do prazo que tem para ajuizar a ação principal.3 O autor seria intimado somente da concessão da medida, incumbindo-lhe estar atento a sua execução, marco a partir do qual 0 prazo passaria a correr Porém, considerando-se a importância da adequa­da comunicação para a fluência do prazo e o gravame que pode ser trazido pela sua inobservância, o prazo deve correr a partir do momento em que a parte toma ciência formal da juntada do mandado de execução da medida, devidamente cumprido z1

1 Eis o entendimento do STJ, fixado em embargos de divergência em recurso especial: “Processual civil Medida cautelar, Deferimento., Ajuizamento da ação principal Prazo Termo inicial. Data de efetivação da medida liminar. I.. Nos termos do art. 806 do CPC , quando deferida a medida liminar, o prazo de 30 (trinta) dias para ajuizamento da ação principal flui da data da efetivação da medida constritiva. II.. Embargos de divergência acolhidos” (STJ, 2.a S , ERE.sp 74716, rei Min . Waldemar Zveiter, D J 1 2 06 2000)

2 RT5Q9/772 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 10, t 1, p 123

Ovídio Baptista da Silva, Comentários, c it , p.. 227

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1 6 0 0 PROCEDIMENTO, ATÉCNICA PROCESSUAL E OS INSTIT U TOS

Considere-se, por outro lado, a hipótese de execução de vários arrestos. Lem­bre-se que a imposição de brevidade para a propositura da ação principal atende à necessidade de não se permitir a sobrevivência de uma medida eventualmente infundada por longo período de tempo, exigindo-se que o autor assuma, no menor tempo possível, o ônus de demonstrar o direito assegurado pela tutela cautelar.. Portanto, como o primeiro arresto obviamente interfere na esfera jurídica do réu, o prazo deve começar a correr a partir da juntada aos autos do primeiro mandado devidamente cumprido.5 Decidiu com acerto o extinto 1.°Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, quando concluiu, sob o correto argumento de que “o primeiro ato de execução material já é mais do que suficiente para provocar restrição ao direito do requerido”, que o prazo deve ser contado “do primeiro ato de execução material da medida, e não do último da série”.6

Na hipótese de medida concedida por sentença recorrida, o prazo não correrá a partir do trânsito em julgado da sentença, já que a medida poderá ser efetivada, apesar do recurso (art 520, IV, do C-PC). Ademais, caso a medida, depois de efetivada, seja revogada por posterior decisão e o prazo de trinta dias ainda não tiver passado, não há necessidade de ser proposta a ação principal, Não obstante, se a decisão revo- gadora da medida for posteriormente cassada, a restauração dos efeitos da medida inicialmente concedida exige a propositura da ação principal no prazo que faltava, contando-se o prazo restante a partir do momento em que o requerente teve ciência da nova execução da medida 7

A necessidade da propositura da ação principal faz surgir a questão adnente à natureza do prazo do art. 806. Há julgados no sentido de que tal prazo tem natureza decadencial, não se suspendendo pelo advento de recesso forense ou outra causa semelhante.8Também existe conclusão de que o prazo corre durante estes períodos sob o fundamento de que o Código de Processo Civil autoriza a efetivação da citação nestas ocasiões “a fim de evitar o perecimento de direito” (art. 173, II, do CPC),9 Porém, não se aplica o art. 173, II, porque o caso não é de citação, mas apenas de propositura da ação principal Alguém poderia pensar na incidência do art, 174 ,1, o qual reza que devem ser pr aticados durante tais períodos os atos “necessários à conservação de direitos”,, Note-se, porém, que a propositura da ação principal no prazo legal interessa ao requer ido porque se supõe que, com a ação principal - em que a instrução é ampla - , a medida cautelar poderá ser revogada,, Na verdade, toda “ação principal" deveria

5 Consigne-se que o STJ tem entendimento contrário: STJ, 4 a T„, EREsp 69870, rei. Min, Ari Pargendier, D /31 03.2003; STJ, 3.a T , REsp 90228, rei. Min Waldemar Zveiter, D J15 12.1997; STJ, 2 aT,R Esp 225907, rei Min Castro M eira.D/24.10,2005.

6 R T S W IA S ,7 Ovidio Baptista da Silva, Comentários, c it , p. 228.8 R T 512/1219 RT573/231

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HIPÓTESES LEGAIS DE CESSAÇÃO DA EF ICÁCIA DATUTELA CAUTELAR -JQ-f

correr em tais períodos, mas, se assim não acontecer, não haverá qualquer razão para a propositura da ação principal no período de recesso forense.10

Ovídio afirma, e com razão, que os critérios de direito material, pertinentes à prescrição ou à decadência, não são adequados à disciplina dos prazos processuais,.15 De fato, a suspensão do processo cautelar, nos casos previstos no art. 265 ,1 e I I 12 e V, também suspende o prazo do art. 806.

Convém lembrar, ainda, que a tutela cautelar liminar pode ser requerida ao juiz relativamente incompetente No direito brasileiro, somente não ocorrerá prorrogação de competência se apresentada exceção. A exceção da incompetência, entretanto, não suspende o processo cautelar, em vista das suas peculiaridades próprias,, Desta foi ma, o autor da ação cautelar deve propor a ação principal, no prazo do art, 806, perante o juízo incompetente, Isto, obviamente, se não houve declaração de incompetência antes de escoado o prazo.

Não proposta a ação principal no prazo devido, deve o juiz declarar a perda da eficácia da tutela.Tal declaração de cessação da eficácia, aliás, somente não é ne­cessária quando a sentença do processo principal for desfavorável ao requerente da tutela,. De lado a hipótese de sentença favorável, nos casos dos incisos I e II do art, 808, a declaração é necessária porque a cessação da eficácia decorre do escoamento de um prazo marcado para a prática de um ato processual, o que requer juízo sobre a observância, ou não, do prazo, principalmente porque os tribunais divergem sobre vários pontos ligados ao cumprimento dos prazos do art. 808, como, por exemplo, a respeito da natureza do prazo para a propositura da ação principal,

A perda da eficácia se dá com a não propositura da ação principal no prazo marcado, e não com a decisão que declara a cessação já ocorrida. Destoa dos princí­pios, portanto, o julgado que entendeu que “a propositura da ação principal, ainda que depois do prazo de .30 dias assinado pelo art. 806 do Código de Processo Civil, mas antes da declaração da perda da eficácia da medida cautelar preparatória, faz desta convalesceremos efeitos”.13

Porém, a não propositura da ação principal, se faz cessar a eficácia da cautelar, não impõe a extinção do processo.14 O prazo para a propositura da ação principal

1() Correta a decisão do 1 ° Tribunal de Alçada Civil de São Paulo: “Cabe à parte propor a ação principal no prazo de trinta dias contados da efetivação da medida cautelar, não sendo, porém, obrigada a propõTa durante as férias forenses, se durante estas a ação não tem curso” (RT 516/141) Em igual sentido, R T 542/112

11 Ovidio Baptista da Silva, Comentários, cit,, p 224,12 Ver Mariulza Franco, £ admissível, no processo cautelar, a suspensão deste, por acordo

entre as partes litigantes? Em caso positivo, como fica o periculum in mora}, Revista de Processo, v 50, p 212-215,

13 RT577/250..H “A decisão concessiva de medida cautelar initiohtis é intedocutória, assim como a que,

incidentaimente, declara a ineficácia da cautela, por falta de propositura da ação principal, deia cabendo agravo e não apelação" (R T 579/122).

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162 0 p ro c e d im e n to , a t é c n i c a PROCESSUAL E OS INSTITUTOS

objetiva impedir que a execução se perpetue sem que o seu requerente proponha a discussão do direito - reconhecido como provável no momento da concessão da tutela cautelar ~ com as folgas do processo de conhecimento, onde se pode discutir o direito de forma plena.. Mas não há razão para entender que a não propositura da ação principal, ao levar à cessação da eficácia da cautelar, deva extinguir o direito ao julgamento do pedido de tutela cautelar..15 A perda da eficácia da tutela é suficiente para conservar o tratamento isonômico às partes..

E certo que o art. 808, parágrafo único, do Código de Processo Civil afirma que, “se por qualquer motivo cessar a medida,é defeso à parte repetiro pedido, salvo por novo fundamento”. Acontece que o autor da ação cautelar pede tutela cautelar, requerendo a sua concessão liminarmente ou pela sentença O fato de a tutela, efetivada liminar­mente, ter perdido a eficácia não impede que a tutela cautelar, com base em outro grau de cognição, seja concedida pela sentença,16 Não se trata, por óbvio, de renovação do pedido,. O pedido é anterior ao motivo que determinou a cessação da eficácia.,

Lembre-se que a ação principal não precisa ser proposta quando a tutela cautelar não é executada, Quando o autor não executa a tutela cautelar no prazo de trinta dias, há cessação da sua eficácia (art, 808, II, do CPC), mas o processo cautelar prossegue normalmente, rumo à sentença. Ora, se quando a cautelar não é executada a ação principal não necessita ser proposta, e não há razão para a extinção do processo cautelar, quando a cautelar é executada e a ação principal não é proposta somente há motivo para a cessação da eficácia da cautelar, mas não para a extinção do processo cautelar.

Nãoobstante, o SuperiorTribunal de Justiça, em acórdão relatado pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, ao reconhecer a não propositura da ação principal no prazo de trinta dias, extr aiu desta omissão não apenas a conseqüência da cessação da eficácia da medida, mas igualmente a extinção do processo cautelar. Eis a ementa do acórdão: “Processual civil, Recurso especial. Medida cautelar preparatória., Não ajuizamento da ação principal no prazo legal Conseqüência. Extinção do processo Aplicação da Súmula 8 3 desta Corte. 1.. Ajuizada medida cautelar inominada contra clube esportivo com concessão de liminar, posteriormente deixou-se de ajuizar a ação declaratória no prazo decadencial de 30 dias (art.. 806 do Código de Processo Civil), o que gera a cessação da eficácia da medida (art. 808 ,1) e, por conseqüência, sua extinção (. ,.)n 17

15 “Ação cautelar (arresto). Medida liminar cumprida Não proposta a ação principal cm 30 dias, ccssa a eficácia apenas da liminar, mas o processo cautelar não se extingue ipsofacto Tem de prosseguir até que se cxdnga por alguma das causas previstas nos arts. 267 ou 269 do CPC” (*7626/110-113).

16 Ver José Carlos Barbosa Moreira, Medida cauteiar liminarmente concedida e omissão do requerente em propor a tempo a ação principal, Medidas cautelares (estudos em homenagem ao Professor Ovidio Baptista da Silva), p 98..

17 STJ, 3 aT,rel Min. Carlos Alberto Menezes Direito, REsp 58350, DJ 17..03..1997.

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HIPÓTESES LEGAIS DE CESSAÇÃO DA EFICÁCIA DA TUTELA CAUTELAR

O acórdão extraiu da omissão na não propositura da ação principal uma conseqüência não prevista no art.. 808 do Código de Processo Civil Uma restrição a direito fundamental- ao direito fundamental de ação - não somente não prevista em lei, como completamente desnecessária para preservar outro direito fundamentai., E mais: uma restrição irracional, quando se enxerga que a exigência da propositura da ação principal no prazo de trinta dias da execução da tutela cautelar objetiva apenas evitar interferência na esfera jurídica do réu por prazo ilimitado, e obrigar o autor a assumir concretamente o ônus de demonstrar o direito que foi suposto como provável ao se conceder a tutela cautelar.,

Recentemente, porém, em acórdão reiatado pelo Ministro João Otávio dc Noronha, a 2 ,a Turma do SuperiorTríbunai de Justiça extraiu da omissão em propor a ação principal no prazo de trinta dias apenas a cessação da eficácia da tutela cautelar, nada dizendo sobre a extinção do processo Restou assim consignado na ementa: “Processo civil.. Recurso especial . Medida cautelar preparatória. 1, Em se tratando de medida cautelar preparatória, o requerente tem o prazo decadencial de .30 dias, contados da data da sua efetivação, para ajuizamento da ação principal Não sendo cumprido esse prazo, cessa a eficácia da medida na forma do art, 808 ,1, do Código de Processo Civil” ,s

De outra parte, é preciso grifar que nem sempre a execução da tutela cautelar pode exigir a propositura da ação principal, como ocorre no caso de caução de dano infecto,,Nesta hipótese, não tendo ainda ocorrido o dano, e, portanto,sendo inexigível a tutela ressarcitória, a ação principal é impensável

O mesmo ocorre em uma série de ações reguladas no livro do processo cautelar, mas que não possuem natureza cautelar Basta recordar da ação de asseguração de prova e da ação de exibição com fim assecuratório Nestes dois exemplos, embora assegurada a prova ou exibido o documento, não fica o requerente obrigado a exigir a tutela do direito material e, para tanto, propor a ação principal O requerente, após ver ou obter o documento, ou, ainda, assegurar a viabilidade da produção da prova, pode chegar à conclusão de que não deve pedir a tutela do direito material

A exigência da propositura da ação principal no prazo de trinta dias, como faz notar a referência do inciso 1 do art. 808 à “data da efetivação da medida cautelar”, decorre de a tutela cautelar restringir o direito do executado ou, mais precisamente, do afetado pela proteção de segurança.

Assim, apenas as verdadeiras tutelas cautelares ~ isto é, tutelas de segurança da tutela do direito material - , quando executadas, exigem a propositura da ação

18 Neste mesmo acórdão, o SI J declarou que “a cessação da eficácia da medida também deve ser imputada aos casos cm que, a despeito de ter sido proposta, a ação principal permanece paralisada por mais de dois anos consecutivos, por negligência da parte autora, o que configura o desinteresse na rápida solução do litígio, fulminando o requisito do periculum in mora ’ (STJ, 2 a T , rei .Min. João Otávio de Noronha, REsp 225357, D J15 08.2005}

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164 0 p r o c e d im e n to , ATÉCNICA PROCESSUAL E OS INSTITUTOS

principal no prazo de trinta dias. E isto, como já dito, quando a tutela do direito for exigíveí e o autor tiver interesse de agir na propositura da ação principal..

Se o autor da cautelar já executou a tutela de segurança e pode exigir a tutela do direito material acautelada, deve propor a ação principal, para evidenciar a ra­zão de ser da tutela obtida e justificar a restrição da esfera jurídica do demandado, dando-lhe, ademais, oportunidade para demonstrar a inexistência do direito que foi suposto existente ao se conceder a tutela urgente.

12.3 A não execução da tutela cautelai no prazo de trinta dias

A segunda hipótese de cessação da eficácia da tutela cautelar diz respeito a sua não execução no prazo de trinta dias Note-se que, neste caso, a tutela cautelar ainda não foi executada e, assim, não afetou a esfera jurídica do demandado,

Portanto, a cessação não é da eficácia da tutela cautelai’propriamente dita-uma vez que a tutela cautelar depende da sua execução mas sim da eficácia da decisão que concedeu a oportunidade para a execução da tutela cautelar,

A razão de ser da perda da cessação, desta forma, está na inércia do requerente da tutela cautelar, ou melhor, na sua presumível falta de interesse na pronta obtenção (execução) da tutela cautelar,

O legislador parte do pressuposto de que, se o juiz profere decisão concedendo a tutela cautelar solicitada e o autor não a executa no prazo de trinta dias, há desinteresse superveniente na imediata obtenção da tutela cautelar,, Esta perda superveniente de interesse é que justifica a cessação da eficácia da decisão cautelar.

Contudo, não ocorrerá cessação da eficácia se a tutela não for efetivada, no prazo de trinta dias, em razão de fato atribuível ao juízo ou à parte contrária. Incidirá, neste caso, o art, 265, V, do Código de Piocesso Civil, suspendendo o prazo para a execução da tutela,19 Assim, está exato o acórdão doTribunal de justiça do Paraná que afirmou que “a exigência da execução da medida cautelar no prazo estipulado no n. II do art, 808 do Código de Processo Civil, sob pena de cessação de sua eficácia, não vinga quando se evidencia que o réu oculta o veiculo que é a razão da expedição do mandado judicial e que não foi cumprido, máxime, ainda, quando provado está que o autor realiza esforços para localizar o bem” 20

Por outro lado, quando a tutela cautelar for de execução complexa - por exem­plo, necessidade de vários arrestos ou de vários sequestros a sua execução parcial no prazo de trinta dias impede a cessação da eficácia da decisão que concedeu a tutela cautelar,-1

19 Ovídio Baptista da Silva, Comentários, cit., p. 23530 RT552/22221 Ver Galeno Lacerda, Comentários ao Código de Processo Civil, v.. 8 , t 1, p 408

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HIPÓTESES LEGAIS DE CESSAÇÃO DA EFICÁCIA DATUT ELA CAUT EL AR H f ô

Perceba-se, no entanto, que a cessação da eficácia da decisão impede a execução da tutela cautelar, mas não o prosseguimento do processo e, inclusive, a reitei ação da sua concessão, por ocasião da sentença.

O objetivo do inciso II do art.. 808 éimpedira execução após trinta dias da decisão cautelare não impor a extinção do processo* Perda de interesse na execução da decisão que liminarmente concede a tutela cautelar não é o mesmo que perda de interesse na concessão da tutela cautelar, ao final do procedimento cautelar e na execução da sentença que a concedeu.

12.4 A extinção do processo principal com ou sem resolução do mé- rito

Neste caso, é preciso colocar de um lado as sentenças de extinção do processo sem julgamento do mérito e de Ímprocedência do pedido e, de outro, a sentença de procedência do pedido, assim como distinguir a sentença recorrida e a sentença tran­sitada em julgado.

A sentença que extingue o processo sem julgamento do mérito e a sentença que julga improcedente o pedido, quando transitam em julgado, fazem cessar a efi­cácia da tutela cautelar,. Porém, tais sentenças, quando estão sendo analisadas pelo tribunal e,portanto, ainda não transitaram emjulgado,não eliminam a possibilidade de dano à efetividade da tutela do direito, ou melhor, de a tutela do direito poder não ser obtida de modo efetivo,

Na verdade, é preciso reconhecer que a sentença que extingue o processo sem julgamento de mérito, ao dizer que o autor sequer pode exigir a tutela do direito, e a sentença de Ímprocedência do pedido, ao afirmar que o autor não tem direito à tutela do direito que reclamou, descalçam a tutela cautelar do pressuposto dofiitmts boni iuris, o que, em uma perspectiva lógica, deveria obrigatoriamente conduzir à cessação da tutela cautelar,.

Não obstante, quando se estabelece a devida ligação entre a tutela cautelar e a tutela do direito, não é difícil verificar que, apesar de a sentença ter sido de impro- cedência ou de extinção do processo sem julgamento do mérito, a tutela do direito ainda não foi negada ao autor, podendo ser-lhe outorgada em caso de reforma da sentença pelo tribunal.

Neste sentido, torna-se fácil admitir que a tutela do direito, ainda que negada pelo juiz de l.°grau,podese tornar invíávelouinefetiva,em virtude de acontecimento ocorrido durante o tempo de demora do processamento do recurso Nesta situação, ainda que o tribunal reforme a sentença, o perigo de dano, que antes já fora reconhe­cido liminar mente em 1 ° grau de jurisdição, exatamente por ter sido “liberado” pela sentença, impedirá a efetividade da tutela do direito.

Se, em termos estritamente lógicos, a sentença se sobrepõe à decisão cautelar, pode haver fumus boni iuris, considerando-se o acórdão do tribunal que está por vir, em face da sentença recorrida.

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-fQ Q O PROCEDIMENTO, ATÉCNICA PROCESSUAL E OS INSTITUTOS

Portanto, não há dúvida dc que o relator do recurso de apelação pode conceder tutela cautelar ao visualizar a sentença. Mas o problema aparece como grave quando se pensa no período que vai da prolaçao da sentença até a distribuição do recurso no tribunal.

Este problema foi, cm grande parte, solucionado pelo parágrafo único do art.. 800 do Código de Processo Civil, o qual deixa claro que, mesmo que o recurso ainda esteja diante do juizo a quo, a tutela cautelar deve ser solicitada diretamente ao tribunal ad quem

Realmente, não há como dar ao juiz que já declarou a inexistência do direito a oportunidade de valorar o fum us boni iuris decorrente do recurso endereçado ao tribunal.

Porém, não é absurdo considerar o período que intermedeia a sentença e a inter posição do recurso . E certo que a tutela cautelar, para perder eficácia, depende da intimação do autor acerca da sentença de Ímprocedência do pedido ou de extinção do processo sem julgamento do mérito. Mas, ainda assim, haverá um período entre a cessação da eficácia da tutela cautelar, a interposição da apelação e o requerimento de tutela cautelar diretamente ao tr ibunal..

Não há dúvida que este período não é muito longo e que a possibilidade de dano, durante este espaço de tempo, em regra, é reduzida. Não obstante, não se pode descartar tal possibilidade, que, assim, somente pode ser eliminada pelo próprio juiz de primeiro grau de jurisdição.

Diante disto, há que se aceitar que ojuiz, em hipóteses excepcionais, em que vislumbre a iminência da prática de dano, possa manter a eficácia da tutela cautelar na própria sentença de Ímprocedência ou de extinção do processo sem julgamento do mérito.

Em caso de sentença de procedência do pedido, a questão da cessação da efi­cácia da tutela cautelar somente se põe quando há trânsito em julgado . Antes disto, havendo sentença de procedência e recurso, não há que se pensar em cessação da eficácia da tutela cautelar.

Mas a cessação da eficácia em virtude da sentença de procedência transitada em julgado não é tão óbvia quanto pareceu ao legislador., Lembre-se que o Código de Processo Civil ligou expressamente a tutela cautelar ao tempo de vida do processo de conhecimento, sublinhando que “as medidas cautelares conservam a sua eficácia ( .) na pendência do processo principal (

A eficácia da tutela cautelar não se subordina à “pendência do processo prin­cipal”, mas sim à tutela do direito buscada através da ação principal. E isto constitui elemento que separa nitidamente as tutelas antecipatória e cautelar. A tutela antecipatória é consumida pela tutela final transitada em julgado, enquanto a tutela cautelar, por simplesmente assegurar a tutela satisfativa, apenas deixa de ter razão de ser quando esta tutela e efetivamente prestada, ou seja, executada

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HIPÓTESES LEGAIS DE CESSAÇÃO DA EFICÁCIA DATUTELA CAUTELAR j Q J

Quer dizer que a tutela cautelar, mesmo quando o processo de conhecimento ainda não havia sido unificado com o processo de execução, nunca perdeu a eficácia com a sentença de procedência transitada em julgado..

Atualmente, diante da completa unificação dos processos de conhecimento e execução - iniciada mediante a norma introduzida no art., 461 em 1994 e finalizada com a dispensa da ação de execução em face da sentença que condena a pagar quantia (art.. 475-J, CPC)22 não há dúvida que o inciso III do art. 808 deve ser interpretado no sentido de que a cessação da eficácia da tutela cautelar não ocorre com o trânsito em julgado da sentença de procedência, mas com a extinção do processo composto pelas fases de conhecimento e de execução.,

" Ver o volume 3 deste Curso de Processo Civil (Execução), cit.., p 42-56

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13A Substituição da Tutela Cautelar

De acordo com o art, 805 do Código de Processo Civil, “a medida cautelar poderá ser substituída, de oficio ou a requerimento de qualquer das partes, pela prestação de caução ou outra garantia menos gravosa para o requerido, sempre que adequada e suficiente para evitar a lesão ou repará-la integralmente”.

Esta norma é fundamentada nas regras do meio idôneo e da menor restrição possível Afirma a regra que a medida cautelar pode ser substituída quando outra medida cautelar, igualmente “adequada e suficiente”, for “menos gravosa” ao deman­dado.

Ao se deixar claro que a medida cautelar apenas pode ser substituída por outra “adequada e suficiente”, toma-se em conta a regra do melo idôneo, evitando- se o equivoco, praticado em outros casos, de se pensar que uma medida ou técnica processual possa ser substituída por outra apenas por ser menos gravosa, como se o demandante tivesse que se submeter a uma medida menos idônea em beneficio do demandado,

Lembre-se que os tribunais, ao interpretarem a ordem de penhora de bens, entender am que o exequente apenas poderia requisitar informações ao Banco Central, acerca da existência de dinheiro depositado pelo executado em instituições financeiras, após ter esgotado a possibilidade de localizar outros bens penhoráveis. E evidente que esta interpretação beira o absurdo, não havendo qualquer racionalidade em obrigar o exequente a penhorar bens menos idôneos à satisfação do seu direito para tornar a execução mais suave ao executado.

Na verdade, a alusão a este caso se destina somente a sublinhar que a menor restrição possível não pode impor uma medida menos idônea . Apenas quando existem duas ou mais medidas igualmente idôneas, caberá utilizai a que traz a menor restrição possível, A regra da menor restrição incide, no raciocínio judicial, apenas depois de adotada a regra do meio idôneo. Ou seja, não há como perguntar a respeito de menor restrição possível antes de individualizada a medida idônea à tutelajurisdicional,

O art,, 805, demonstrando compreender a razão deste raciocínio, manda aplicar a regra da menor restrição desde que a do meio idôneo seja preservada.

De outra parte, quando o art. 805 alude à caução, ele somente fornece um exemplo de medida cautelar menos restritiva ou menos gravosa. Vale dizer que a

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A SUBSTITUIÇÃO DATUTELA CAUTELAR 1 6 9

medida cautelar não deve ser necessariamente substituída pela caução, mas sim pela medida cautelai que, no caso concreto, for menos restritiva.

A substituição pode ser requerida em face das mesmas circunstâncias fáticas que levaram à decretação da medida cautelai que se pretende substituir, ou diante de novas circunstâncias de fato que, alterando a situação que esteve à base da decretação da medida cautelar, permitam a adoção de medida cautelar menos restritiva, porém idônea à nova situação de fato,

O juiz pode atuar de ofício quando constatar que a situação fática foi alterada e, assim, que a medida cautelar, antes decretada, pode ter se tornado excessiva para prestar a tutela de segurança necessária à nova situação que se formou,

Ao perceber esta circunstância, o juiz deve intimar as partes, Frise-se que o requerente responde pelo prejuízo provocado pela medida cautelar excessiva, mesmo que em princípio idônea para evitai o dano. Realizada a intimação, caso o réu solicite a restrição ou a modificação da providência cautelar e o diálogo tr avado entre as partes demonstre que a medida cautelar realmente ultrapassou o limite do necessário, cabe ao juiz limitar ou alterar a providência cautelar

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14Reconhecimento da Decadência

ou Prescrição do Direito do Autor no Processo Cautelar

O art. 810 do Código dc Processo Civil, quando dá í io juiz o poder de “acolher a alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor”, permite que a matéria que diz respeito à tutela do direito material, a ser buscada através da ação principal, seja tratada no procedimento cautelai Note-se que a norma fala de“decadência ou de pres­crição do direito do autor”, isto é, do direito a ser exigido através da ação principal.

Neste caso, de forma excepcional, permite-se que o mérito da ação principal seja definido no procedimento cautelar, desde que ojuiz tenha condições de chegar à convicção que lhe seria suficiente, caso estivesse diante do procedimento de conhe­cimento, para declarar a prescrição ou a decadência . Ou melhor: o juiz apenas pode declarar a prescrição ou a decadência no procedimento cautelar quando tem convicção de certeza, e não quando tem apenas convicção de verossimilhança e, desta forma, apenas poderia “declarar” a probabilidade da prescrição ou da decadência..

A. exceção aberta pelo art., 810, portanto, não apenas permite ao juiz tratar de matéria que diz respeito à ação principal, mas também lhe outorga a possibilidade de decidir com base em cognição exauriente, ou seja, com base em cognição impertinente ~ mais aprofundada - ao procedimento cautelar

Como ojuiz trata do mérito da ação principal com base em cognição exauriente, a sua decisão, ao reconhecer a prescrição ou a decadência, produz coisa julgada mate­rial, impedindo a propositura da ação principal. Caso ojuiz não acolha a alegação de prescrição ou de decadência, o réu da ação principal poderá reavivar a sua discussão na ação principal,

A previsão do art.. 810 tem nítido sabor de celeridade e economia processuais, pois permite que ojuiz, desde logo no procedimento cautelar, declare algo que, em princípio, apenas poderia ser objeto do processo principal, evitando, desta forma, a manutenção do estado de litigiosidade, além do dispêndio de tempo e dinheiro, tanto das partes como da administração da justiça .

E claro que a aplicação do art, 810 só tem sentido quando a ação cautelar é antecedente No caso de ação cautelar incidente, estando o direito sendo discutido

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DECADÊNCIA OU PRESCRIÇÃO DO DIREITO DO AUTOR 171

no processo principal, a prescrição ou a decadência devem ser aí tratados e eventu­almente declarados

Por outro lado, é importante frisar que a norma somente permite a declaração de “decadência ou de prescrição do direito do aittor \ não do direito do réu. Assim, caso o autor entre com ação cautelar e alegue, entre outras coisas, que a pretensão do réu está prescrita, ojuiz assim não poderá declará-la. Não somente por ser esta matéria própria do processo de conhecimento, mas especialmente pelo fato de que a previsão do art 810 constitui exceção e regra especial, não admitindo interpretação extensiva 1

1 Ver Ovídio Baptista da Silva, Do proctsso cautelar, cit., p 215

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15A Sentença no Processo Cautelar

S u m á r io : 15 .1 Requisitos da sentença cautelar - 15 .2 A natureza da sentença que concede a tutela cautelar - 1 5 ,3 A fungibilidade da sentença cautelar

15.1 Requisitos da sentença cautelar

Como acontece no processo de conhecimento, a sentença proferida no processo cautelar deve conter relatório, fundamentação e parte dispositiva (art. 458, C PC ).1

Ojuiz deve demonstrar as premissas a partir das quais desenvolveu o seu racio­cínio (relatório), evidenciar os motivos pelos quais se convenceu a acolher ou a rejeitar o pedido (fundamentação) e identificar o conteúdo da tutela cautelar concedida, bem como o meio executivo adotado para permitir a sua implementação (parte dispositiva da sentença de procedência), ou ainda individualizar o dispositivo que negou a tutela cautelar solicitada (parte dispositiva da sentença de Ímprocedência).

Não se pense que a fundamentação da sentença cautelar pode ser mais breve ou menos precisa do que a fundamentação da sentença do processo de conhecimento. A distinção certamente não está na forma da fundamentação das sentenças, mas sim no grau de convicção que está à base da fundamentação de uma e de outra,.

E certo que a convicção para a prolação da sentença cautelar é de verossimilhança e a convicção própria à sentença do processo de conhecimento é de certeza, Porém, a forma de fundamentar ou de demonstrar a convicção de verossimilhança não tem razão para ser distinta da convicção de certeza, Ambas devem ser precisas e suficientes para demonstrar a convicção, não importando se ela é de certeza ou de verossimilhança.

Quanto à parte dispositiva, a sentença de procedência deve identificar o con­teúdo da tutela concedida e o meio adotado para a sua execução, devendo a sentença de Ímprocedência individualizar o dispositivo que negou a tutela cautelar.

1 Segundo o art, 458 do CPC, “são requisitos essenciais da sentença: I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II - os fundamentos, em que ojuiz analisará as questões de fato e de direito; III ~ o dispositivo, em que ojuiz resolverá as questões, que as partes lhe submeterem".

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A SENT ENÇA NO PROCESSO CAUTELAR 173

15.2 A natureza da sentença que concede a tutela cautelar

Firme-se a necessária e indispensável premissa de que a sentença é apenas uma técnica processual que deve ser adequada à prestação da tutela do direito.

Descarte-se, a partir dai, a possibilidade de se ter sentenças declaratória, cons­titutiva e condenatória no processo cautelar. Tais sentenças não são idôneas para a prestação da tutela cautelar, pois não viabilizam a sua implementação

A sentença que concede a tutela cautelar necessita de execução. Assim, as sentenças declaratória e constitutiva evidentemente não servem à tutela cautelar Ao lado disto, a sentença condenatória é correlacionada às formas de execução por sub-rogação, tendo sido idealizada para permitir a tutela posterior ao dano ou ao inadimplemento.

O binômio condenação-execução por sub-rogação, por estar direcionado a tal espécie de tutelado direito,é caracterizado por uma formalidade e lentidão incompa­tíveis com a urgência e a variabilidade de conteúdo que marcam a técnica cautelar.

A sentença cautelar, para ser idônea, tem que ser dotada de executividade intrínseca ou tem que ter execução em si mesma, pois só assim pode responder à urgência que legitima a própria tutela cautelar.

Esta executividade tem que ser apta para prestar a tutela cautelar, seja con­vencendo o demandado, seja obstaculizando, independentemente da sua vontade, o prosseguimento da situação de perigo de dano.

Assim, as únicas sentenças que podem prestar a tutela cautelar são as sentenças mandamental e executiva,. A primeira, ao se valer da multa, pode constranger o de­mandado a não continuar na prática dos atos que ameaçam de dano ou a convencê-lo a praticar atos necessários à eliminação da situação que abre oportunidade ao dano. Por outro lado, quando a tutela cautelai'puder ser implementada independentemente da vontade do demandado, a sentença pode determinar a imediata prática de atos executivos por intermédio do oficial de justiça, como a busca e apreensão.

15.3 A fungibilidade da sentença cautelar

Como já visto, o juiz não se vincula ò. providência solicitada para viabilizar a prestação da tutela de segurança (cautelar), mas apenas à própria tutela cautelar e à sua causa de pedir - perigo de dano ao direito provável.. Em caso de procedência, o juiz não pode outorgar outra forma de tuteia a não ser a cautelar, além de não poder fugir da causa de pedir exposta na inicial. Ou melhor, ojuiz é vinculado ao pedido de tutela e não ao pedido èst providência para a prestação da tutela cautelar.

Porém, além de ojuiz não estar vinculado k providência destinada à prestação da tutela cautelar, também não está vinculado ao meio executivo solicitado pelo autor para a imposição da providência capaz de prestar a tutela cautelar.

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Y74 0 PROCEDIMENTO, A TÉCNICA PROCESSUAL E OS INSTITUTOS

Vejamos um exemplo: em ação de desconstituição de ato administrativo con­cessivo de patente dc invenção, o autor pode pedir, como tutela cautelar, a proibição da fabricação de certo produto (providência) e a imposição de multa diária de RS1.000,00 (meio executivo). Ojuiz, ainda que vinculado ao pedido de tutela cautelar, pode admitir a fabricação do produto, mas sem a utilização de determinada tecnologia, impondo multa fixa, por infração, no valor de RS 100,000,00,

Note-se que, neste exemplo, ojuiz não apenas alterou a providência destinada a permitir a tutela cautelar, mas igualmente o meio executivo, mais precisamente a forma de incidência e o valor da multa, que de diária passou a ser fixa e com valor cem vezes maior,

No exemplo, apesar de alterada a multa, a sentença conservou a sua natureza mandamental, nos moldes solicitados pelo autor Contudo, nada impede que, em determinada situação, seja requerida sentença mandamental (ordem sob pena de multa) e ojuiz determine a execução da providência mediante ato a ser praticado pelo oficia! de justiça, ou vice-versa: imponha ordem sob pena de multa, quando solicitada sentença executiva,

No exemplo antes refer ido, caso o produtojá houvesse sido fabricado e distribu­ído aos comercian tes, o autor poderia pedir, como tutela cautelar, a obstaculização da exposição à venda do produto, mediante ordem, sob pena de multa. Neste caso, ojuiz poderia, vinculado à tutela cautelar, entender adequada tal obstaculização, mas, para tanto, determinar a busca e apreensão dos produtos., Ou seja, ojuiz teria concedido sentença executiva no lugar da sentença mandamental pedida pelo autor.

D e qualquer forma, tanto a providência cautelar, quanto a sentença e o meio executivo, apenas podem ser alterados com base nas regras do meto idôneo e da menor restrição possíveL

Se existem duas providências idôneas a outorgar tutela cautelar, ojuiz deve necessariamente conceder a providência que cause a menor restrição possível ao réu

Ao inver so, quando a exposição da causa de pedir ou a prova realizada no curso do processo cautelar são capazes de demonstrar que a providência requerida não tem idoneidade para prestar efetiva tutela de segurança, ojuiz deve conceder outra providência em seu lugar, aínda que mais gravosa ao demandado..

O mesmo se passa em relação ao meio executivo. O juiz pode fugir do meio executivo solicitado quando este não se mostrar idôneo à prestação dn tutela de segu­rança, assim como pode conceder outro, igualmente idôneo, porém menos restritivo à esfera jurídica do demandado..

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16Execução da Sentença que Concede

a Tutela Cautelar

Deixe-se claro, de inicio, que não há mais necessidade em falar em “efetivação" e “execução” para demonstrar a distinção entre a execução da sentença cautelar e a execução da sentença condenatória.

E claro que, quando se trata da execução da sentença cautelar, sabe-se perfei­tamente que não se está cuidando da execução da sentença condenatór ia.. A execução da sentença condenatória foi pensada com base em outra realidade e a partir de uma necessidade de direito material completamente diversa daquela que está à base da sentença cautelar.

A execução da sentença condenatória foi idealizada para tornar concreta uma tutela repressiva, fundamentalmente a tutela ressarcitória pelo equivalente ao valor do dano e a tutela pelo equivalente ao valor da prestação obrigacional inadimpüda.,

Por outro lado, a sentença condenatória é marcada pelo princípio da tipicida­de dos metos executivos,1 somente permitindo que a execução se realize através das modalidades executivas expressamente previstas na lei.

A demora inerente à execução da condenação, embora completamente incom­patível com a urgência que legitima a própria tutela cautelar, é natural à prestação da tutela repressiva. A execução da sentença cautelar, em razão de estar preocupada com uma tutela que tem como pressuposto o perigo de dano, não pode obedecer aos critérios e contar com os meios da execução da sentença condenatória O que define o modo de ser da execução são as necessidades de tutela do direito substancial. Assim, é pouco mais do que óbvio que a execução da sentença cautelar não pode ser estruturada do mesmo modo que a execução da sentença condenatória.

Os princípios, as modalidades executivas e os prazos que servem à sentença condenatória são impróprios à sentença cautelar. Note-se que a execução da senten­ça cautelar, por exigir maleabilidade e variabilidade dos meios de execução, não se submete ao princípio da tipicidade dos meios de execução

! Ver este Curso de Processo Civil, v.. 1 (Teoria Geral do Processo), cit.., p 238 c ss ; v 3 (Execução), p.. 59 e ss ; p 109 e ss

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f J Q O PROCEDIMENTO, A TÉCNICA PROCESSUAL E OS INS TITU TOS

Com efeito, outro ponto que faz a diferença entre as duas formas de execução é que a execução da sentença cautelar, diante da variação das situações tuteláveis cautelarmente e da importância das particularidades de cada caso, deve admitir a adoção do meio executivo adequado à tutela cautelai' no caso concreto, sequer lhe bastando contar com inúmeras modalidades executivas.

Não é por outra razão que o principal meio de execução da sentença cautelar é a multa, sabidamente caracterizada pela sua maleabilidade e capacidade de confor­mação, de onde deriva o seu vasto espaço de ação e de adaptação às variadas situações conflitivas concretas,2

A multa constitui forma de pressão sobre a vontade do réu, destinada a con­vencê-lo a adimplir a ordem do juiz,. Ora, para que possa constituir efetivo mecanis­mo de pressão, é indispensável que seja definida com base em critérios que tomem em conta as particularidades do caso concreto, como a capacidade econômica do demandado,3

A sentença cautelar, em virtude da urgência que caracteriza a tutela que deve prestar, exige meios executivos capazes de permitir a imediata realização da tutela cautelar, Assim, além da multa, o juiz pode utilizar mecanismos de execução que viabilizem a pronta prestação da tutela cautelar, independentemente da vontade do demandado, como a busca e apreensão, o seqüestro e o arresto,,

O fato de a sentença poder se ligar ao meio executivo que o juiz reputai ade­quado ao caso concreto não significa que a sentença, neste particular, não possa ter a sua legitimidade controlada, O meio executivo, além de idôneo à prestação da tutela cautelar, deve ser o que traz a menor restrição possível, sendo ilegítima a sentença que emprega meio executivo que traz gravame despropositado ao demandado.

De qualquer maneira, o que importa é frisar que a sentença cautelai' de pro­cedência, em razão da natureza da tutela que deve prestar, ao invés de ser marcada pelo princípio da tipicidade das formas executivas, é caracterizada pelo principio da

- "O emprego da multa, como forma dc atuação das decisões do juiz, suscita dificuldades que não podem ser ignoradas pela doutrina .Tais dificuldades decorrem não só do fato de a multa ter amplo espaço de ação, mas também de sua complexidade e, porque não dizer, da própria origi­nalidade de sua fisionomia, que já levou a doutrina francesa a falar em mystèrede lastreinte” (Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, cit ,p 211) Ver Paolo Cendon, Le misure compulsorie a carattere pecuniário.. Processo e tecniche di attuazione dei diritti, p 294.

3 “Na fixação do valor da multa, é importante considerar a capacidade econômica do demandado. Lembre-se de que o art. 37 do CPC argentino afirma que a multa deve ser graduada ‘en proporción al caudal econômico'daquele a que sc dirige A mesma preocupação está presente no berço das astreintes, ou seja, no direito francês, onde a Corte de Cassação já decidiu que o valor ànastremte deve ser estabelecido de acordo com o potencial econômico de quem deve suportá-la De fato, como diz Paolo Cendon, a astreinte é modelada com base em parâmetros ‘tipicamente subjetivos - a capacidade de resistência do obrigado, o grau da sua culpa, as suas condições eco­nômicas’" (Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, cit., p 219)

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EXECUÇÃO DA SENTENÇA QUE CONCEDE A TUTELA CAUTELAR f 7 7

concentração do poder executivo do juiz. Este princípio significa que o juiz é dotado de uma ampla latitude de poder destinada à imposição do meio executivo adequado à tutela cautelar no caso concreto. E tal poder, em virtude da urgência que caracteriza a tuteia cautelar, é exercido exatamente no momento em que a sentença é proferida,. Ou seja, a sentença de procedência, além de reconhecer ofumus boni iuris e o periculum in mora e determinar a providência destinada a dar tuteia cautelar, impõe a modalidade executiva adequada ao caso concreto.

De outra parte, além de a sentença poder ser impugnada através de recurso de apelação, o executado pode, mediante petição simples, pedir ao juiz que substitua a providência cautelar por outra menos gravosa ou mesmo que a modifique - restrin­gindo-a ao limite do necessário à proteção cautelar - ou a revogue, Na verdade, com a possibilidade de substituição-modificação-revogação imediata da tutela concedida, resta respeitado o princípio da paridade de armas e, assim, o direito de defesa.

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17Recursos no Processo Cautelar

A decisão interlocutória, ao conceder ou não a tutela cautelar no curso do pro­cedimento, é recorrível mediante agravo de instrumento, enquanto que a sentença, caracterizada como o ato que decide o pedido de tutela ao final do procedimento cautelar, é impugnável mediante recurso de apelação,

O art 522 do Código de Processo Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei11.187/2005, diz que “das decisões in terlocutórias caberá agravo, no prazo de dez dias, na for ma re tida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar aparte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento”.

No mesmo sentido, diz o art., 527, II que o relator do agravo de instrumento, ao recebê-lo, “converterá o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar aparte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, mandando remeter os autos ao juiz da causa”.

A redação do art. 522, ao excepcionar a hipótese de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, evidencia que a decisão que não concede a tutela cautelar sempre é recorrível através de agravo de instrumento, uma vez que a própria tutela cautelar, negada peia decisão, destina-se a evitar lesão grave e de difícil reparação Ou seja, a decisão negativa, neste caso, é suscetível de causar hparte lesão grave e de difícil reparação, desafiando recurso de agravo de instrumento..

Por outro lado, a decisão que concede tuteia cautelar, ao interferir na esfera jurídica do réu, certamente também é suscetível de causar-lhe lesão grave e de difícil reparação, e, assim, igualmente abre oportunidade a agravo de instrumento.

O mesmo motivo que autoriza o agravo de instrumento abre oportunidade para o agravante requerer ao relator do recurso tutela antecipatória recursal ou suspensão dos efeitos da decisão agravada, conforme o agravo se destine a obter a tutela cautelar negada ou a sua revogação.

Com efeito, de acordo com o art. 527, III, do Código de Processo Civil, o relator do agravo “poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso (art. 558), ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão”

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RECURSOS NO PROCESSO CAUTEL AR 179

Ê imprescindível sublinhar, neste passo, que a decisão que trata da tuteia no curso do procedimento cautelar assenta-se em convicção de verossimilhança bastante tênue a respeito do periculum in mora e do direito ameaçado Tal convicção incide especialmente sobre a situação fática que abre oportunidade ao dano e sobre os fatos que dão origem ao direito ameaçado

Na decisão tomada no curso do procedimento cautelar, a convicção judicial incide basicamente sobre fatos, tendo que, muitas vezes, até mesmo abrir mão de provas c se servir do critério da “credibilidade das alegações” Este último critério sc sustenta na circunstância, comum a toda decisão proferida antes do término do pro­cedimento cautelar, de que as alegações poderão ser demonstradas, como prováveis, durante o desenvolvimento do procedimento

Portanto, além de a decisão incidir fundamentalmente sobre fatos, o juiz deve considerar não apenas o que já foi provado, mas, sobretudo, o que pode vir a ser de­monstrado ou não negado no desenrolar do procedimento, sempre com a consciência de que lhe basta, mesmo ao final do procedimento cautelar, apenas convicção de verossimilhança preponderante.,

Tudo isto tem uma relação muito íntima com a tese de que a decisão que trata de fatos é tanto mais perfeita quanto mais ojuiz está perto da investigação probatória e dos litigantes.

Em caso de pedido de concessão de tutela cautelar antes da contestação, ojuiz, para formar convicção, tem duas alternativas. De um lado, pode se basear nas provas apresentadas pelo autor ou recorrer ao critério da “credibilidade das alegações”; de outro, pode exigir a justificação da situação fática que ampara o pedido de tutela de segurança.

Na justificação prévia, o juiz pode ouvir ambas as partes e as testemunhas ar­roladas pelo autor, bem como consultar técnico acerca das alegações fáticas contidas na inicial., Neste caso, assim como quando a decisão se baseia apenas nas provas e nas alegações apresentadas com a petição inicial, a convicção judicial está rente à situação fática litigiosa, muito perto das partes e das provas

Recorde-se, diante disto, que a qualidade da prestação jurisdicional é vinculada, desde a clássica lição chiovendiana, aos princípios da oralidade e da imediação. O princípio da oralidade está centrado no contato direto do juiz com as partes e com as provas, dando-lhe não apenas a oportunidade de presidir a coleta da prova, mas especialmente a de “sentir” as par tes, as testemunhas e o perito.

Chiovenda, ao abordar o princípio da imediação - sem o qual o princípio da oralidade não poderia se realizar1 - , adverte que a imediatidade almeja “que ojuiz, a

1 “O princípio da imediação não sc acha apenas estritamente conjugado ao da oralidade, tanto que só no processo oral é passível de plena e eficaz aplicação, senão que, em verdade, constitui a essência do processo om/’YGiuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, c it , 1965, v 3, p 53.

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1 8 0 ° PROCEDIMENTO, ATÉCNICA PROCESSUAL E OS INSTITUTOS

quem caiba proferir a sentença, haja assistido ao desenvolvimento das provas, das quais tenha de extrair seu convencimento, ou seja, que haja estabelecido contato direto com as partes, com as testemunhas, com os peritos e com os objetos do processo, de modo que possa apreciar as declarações de tais pessoas e aí condições do lugar; e outras, baseado na impressão imediata que delas teve, e não em informações de outros" 2

Como se vê, a oralidade e a imedíatidade somente geram benefícios à prestação jurisdicional do juiz do primeiro grau de jurisdição, nunca às decisões proferidas, mediante recurso, pelos tribunais, O recurso amda os benefícios da oralidade e da ime­diatidade, pois estes obviamente não podem atingir os magistrados do tribunal, que não tiveram qualquer contato com as partes e com a prova..

Contudo, são exatamente a oralidade e a imediatidade que conferem ?naior qualidade e segurança à decisão jurisdicional. Aliás, a doutrina alemã fa z importante relação entre a oralidade e o princípio político da participação (rethtlkhes Gehõr) - fundamento do contraditório ” , grifando que a oralidade é imprescindível para uma participação adequa­da dos litigantes no processo Nesta linha, Nicolò Trocker lembra que a imediatidade é muito importante para que o processo possa efetivamente responder às garantias constitucionais da ação e da defesa»3

De modo que a decisão tomada pelo juiz de primeiro grau, quando apoiada sobre matéria de fato, tem condições de ser mais bem elaborada do que a decisão do tribunal, e, assim, deve ser considerada, em principio, como de maior qualidade É que o juiz de primeiro grau tem contato direto com as partes, testemunhas e perito, podendo formular-lhes as indagações necessárias à elucidação dos fatos, segundo o próprio desenvolvimento da produção da prova - por exemplo, da inquirição da testemunha,4 Enquanto isso, o tribunal, para realizar o segundo juízo, contará apenas com os termos escritos em que os depoimentos das partes e das testemunhas foram reduzidos, fundando-se, por assim dizer, no ditado do juiz de primeiro grau.

Porém, se é inegável que a sentença que elucida matéria de fato, colocando fim ao processo de conhecimento, vale-se dos benefícios da oralidade e da imedia­tidade, enquanto a decisão do tribunal, provocada pelo recurso, constitui apenas um segundo juízo sobre o mérito, formado a partir dos termos escritos em que as provas orais foram reduzidas, isto é ainda mais significativo quando se está diante

- Idem,ibidem3 Nicolò Trocker, Processo civile e costttuzioric, cj t , p. 719 e ss.

“Se a instrução faz surgir uma realidade processual que se forma a partir dos depoi­mentos das partes e das testemunhas, é evidente que a vontade do juiz interfere no resultado da instrução, uma vez que o magistrado sempre tem que realizar determinado juízo’ prévio (que é dele e não de outro juiz) para formular pergunta à parte ou à testemunha. O que se quer dizer, cm outros termos, é que se ojuiz vai formando seu juízo sobre o mérito à medida que o procedimento caminha, é equivocado supor que alguém que julgará com base nos escritos dos depoimentos das partes e das testemunhas estará em melhores condições de decidir” [Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Processo de Conhecimento (Curso de Processo Civil, v. 2), cit ., p 490].

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RECURSOS NO PROCESSO CAUTELAR 1 8 1

das decisões acerca de tutela cautelar, especialmente daquelas proferidas no curso do procedimento cautelar..

Tratando-se de decisão tomada no curso do procedimento cautelar, a convicção judicial se funda quase que exclusivamente nas impressões do juiz acerca das alega­ções de fato, relacionadas com as provas os mesmo com o critério da “credibilidade das alegações". Sendo assim, não há razão para imaginar que o tribunal, diante de agravo de instrumento, poderá chegar a um juízo mais perfeito do que o formado pelo juiz de primeiro grau .

Não há racionalidade em dar ao tribunal o poder de rever o juízo sobre a matéria de fato, especialmente quando o próprio juiz de primeiro grau ainda deverá proferir juízo, acerca da mesma matéria fática, após aprofundar a sua convicção com o desenvolvimento do procedimento cautelar.

A vulgarização da revisão das liminares, mediante a sobreposição do juízo do tribunal sobre o juízo de primeiro grau, faz surgir, por conseqüência lógica, decisões cuja fundamentação sequer ie preocupa em demonstrar equivoco na decisão de primeiro grau,, Na verdade, as decisões dos tribunais, nesses momentos, são elaboradas como se o tribunal pudesse negar uma decisão de primeiro grau apenas por ter uma impressão pessoal ou uma convicção subjetiva, acerca dos pressupostos da tutela cautelar, distinta da do juiz de primeiro grau,.

O tribunal cassa a decisão de primeiro grau sem dizei a razão pela qual che­gou à conclusão de que há - ou não - perigo de dano e probabilidade do direito, Na verdade, o tribunal nada diz por não ter uma convicção objetiva sobre a matéria de fato que possa se sobrepor à convicção do juiz de primeiro grau.5

Quer isto dizer que o tribunal apenas pode interferir sobre a decisão de primeiro grau quando houver erro na interpretação da matéria de direito ou erro no percurso do raciocínio judicial que parte das alegações, passa pela prova e chega ao juízo sobre os pressupostos da tutela cautelar.

Note-se que o erro tem que estar no raciocínio judicial Isto ocorre, por exem­plo, quando o juiz relaciona, por equivoco, uma alegação com uma prova que diz respeito a outra alegação, considerando demonstrado, ainda que de forma provável, um fato que sequer foi objeto de prova. Também há erro no raciocínio quando ojuiz não se refere a uma prova, ainda que indicíária, capaz de demonstrar a probabilidade do fato alegado,6 O mesmo acontece quando ojuiz parte de uma prova indiciária e,

5 “O desejável ponto de equilíbrio nesta matériadeve ser buscado tendo como pressuposto que as liminares cautelares são providências jurisdicionais que ojuiz da causa pode adotar fundado numa avaliação prudencial das circunstâncias, formadoras de um juízo cie verossimilhança, incapaz de ser suspenso ou anulado por um tribunal superior, com base em outro juízo igualmente de simples probabilidade contido em decisão igualmente liminar” (Ovidio Baptista da Silva, Curso cie Processo Civil, v. 3, cit., p. 198)..

6 Ver este Curso de Processo Civil (Processo de Conhecimento, v. 2 ,6 ed , c itp . 481 e ss ).

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182 0 p ro c e d im e n r o , a t é c n i c a p r o c e s s u a l e o s in s t i t u t o s

ao raciocinar para formar a presunção, toma em consideração regra de experiência nâo consolidada na sociedade ou na comunidade científica” conforme a regra de experiência seja comum ou técnica7 - ou mesmo regra de experiência que nada tem a ver com a dedução estabelecida. 8

Mas não é possível admitir que o tribunal reforme a decisão a partir de convicção própria sobre a situação fática, formada a partir dos termos processuais das provas colhidas pelo juiz de primeiro grau

Deixando-se de lado a decisão interlocutória, cabe sublinhar que a sentença, ao pôr fim ao procedimento cautelar, é apelável Diante da urgência inerente à sentença cautelar, importa lembrar que o art. 558 do Código de Processo Civil,que permite ao relator do agravo, em caso de perigo de “lesão grave e de difícil reparação”, “suspender0 cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara”, é aplicável* as hipóteses do art.. 520” (parágrafo único, art. 558)

Uma das hipóteses do art. 520 éjustamente ada sentença que decide “o processo cautelar” (art 520, IV) Assim, a própria letra do Código de Processo Civil autoriza ao apelante pedir a suspensão dos efeitos da sentença recon ida“até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara".

E necessária interpretação mais elaborada apenas quando a sentença não concede a tutela cautelar ou, especialmente, julga improcedente o pedido cautelar, cassando a tutela cautelar liminar

Neste caso, ainda que a interpretação literal do art. 558 - dirigida inicialmente apenas para o agravo de instrumento ~ somente aponte para a possibilidade de sus­pensão dos efeitos da decisão, é preciso lembrar que o próprio inciso III do art., 5.27 teve a sua redação alterada, pela Lei 10.352/2001, para evidenciar a possibilidade da antecipação de tutela no recurso de agravo de instrumento.,

Ademais, o perigo de dano não atinge apenas aquele que sofre a tutela cautelar, mas igualmente aquele que a tem negada, muito especialmente a quem teve a tutela cautelar liminar cassada pela sentença de ímprocedência.

N a realidade, admitira suspensão dos efeitos da sentença que concede a tutela cautelar, mas não permitir a concessão da tutela cautelar negada pela sentença de1 mprocedência, é tratar as partes dc forma desigual, pois não há qualquer justificativa racional para admitir a obstaculização e não a concessão da tutela cautelar, quando tanto uma como outra podem ser necessárias para evitar dano.

' Ver este Curso de Processo Civil(Processo de Conhecimento, v. 2 ,6 ed , cit.., p 474 e ss )H “Nesse percurso entre o indício c o fato essencial, através do qual se olhapara a presunção,

ojuiz precisa de bases para o seu caminho.. Ou melhor: ojuiz, para verificar se o indício aponta, e em que medida, para o fato essencial, deve se orientar por critérios, que são chamados de regras de experiência” [L uiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Processo de Conhecimento (Curso de Processo Civil, v.. 2), c it , p. 474]

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Coisa Julgada Material e Princípio do ne bis in idem no Processo Cautelar

É importante analisar se há coisa julgada material no processo cautelar, ou apenas proibição de renovação do pedido com o mesmo fundamento, Além disto, torna-se imprescindível, para o esclarecimento do tema, analisar o significado de'novo fundamento”, que, segundo o parágrafo único do art. 808 do Código de Processo Civil, abre oportunidade para a repetição do pedido.,

Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que a coisa julgada material não se confunde com a proibição do bis in idem. A coisajulgada material é fenômeno típico do processo jurisdicional/ enquanto que o princípio do nebis in idem marca uma série de situações em que não se pode admitir a renovação ou repetição de um pleito

Há proibição do bis in idem na esfera administrativa, assim como na chamada “jurisdição voluntária”, mas certamente não existe, nestas duas situações, coisa jul­gada material..

1 “A coisa julgada e fenômeno típico e exclusivo da atividade jurisdicional Somente a função jurisdicional pode conduzir a uma declaração que se torne efetivamente imutável e indis­cutível,sobrevivendo mesmo àsucessão de leis (art 5 o, XXXVI, da CF) Em virtude do fenômeno da coisajulgada, corna-se indiscutível-seja no mesmo processo, seja em processos subsequentes- a decisão proferida peio órgão jurisdicional, que passa a scr, para a situação especifica, alei do caso concreto'. Com isso, se em ukerior processo alguém pretender voltar a discutir a declaração transitada em julgado, essa rediscussão não poderá ser admitida A isso é que sc denomina efeito negativo da coisa julgada, impedindo-se que o tema já decidido (que tenha produzido coisajulgada) venha a ser novamente objeto de decisão judicial Por outro lado, a coisajulgada também operaráo chamado efeito positivo, vinculando os juizes de causas subsequentes à declaração proferida (e transitada em julgado) no processo anterior. Dessa forma, se em uma primeira demanda é re­conhecido o estado dc filho do autor frente ao réu, não poderá o juiz dc ação seguinte (tendente a obter alimentos do pai reconhccido) negar essa condição ao demandante, sob pena de ofensa à coisajulgada Deverá tomar por pressuposto o fato de que o autor realmente é filho do réu, seguindo daí o exame que pode fazer dos elementos do litígio.. Aquela declaração tornou-se a 'lei do caso concreto', e por isso não pode ser desconsiderada pelos demais magistrados, nem revista por nenhum órgão jurisdicional” [Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Processo de Conhecimento (Curso de Processo Civil, v 2), cit,., p 638]

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184 0 p r o c e d im e n t o , a t é c n ic a p r o c e s s u a l e os in s t it u t o s

Quer isto dizer que a circunstância de um pedido ter sido decidido em deter­minada espécie de processo - de “jurisdição voluntária”, por exemplo - não torna a relação jurídica decidida indiscutível nem impede que ela seja objeto de outro processo j urisdicional

A coisajulgada material é a qualidade que toma indiscutível a declaração ou o efeito declaratório contido na sentença.2 Entretanto, a coisajulgada somente incide em face de algumas sentenças. Não diante das sentenças proferidas na “jurisdição voluntária” e no processo cautelar, uma vez que a “declaração” contida em tais sen­tenças é inapta para produzir coisa julgada material, ou melhor, não é propriamente declaração ou declaração para efeito de coisajulgada material.

A sentença, para produzir coisajulgada material, deve ser capaz de declarar a existência ou a inexistência de um direito,. Se o procedimento não outorga às partes adequada oportunidade de alegação e produção de prova, ou melhor, de exercício do contraditório, nele jamais se poderá chegara um juízo capaz de permitir a “declaração do direito”, mas apenas a um juízo idôneo a autorizar uma “declaração sumária”, que, por sua própria natureza e origem, não terá força suficiente para gerar a imutabilidade típica da coisajulgada.

A declaração judicial somente é apta a recebei a qualidade de coisajulgada material quando tem força suficiente para se tornar definitiva.. Portanto, a declaração fundada em cognição sumária - típica à sentença cautelar - ou em cognição rarefeka- própria à sentença de jurisdição voluntária3 ~ não é capaz de gerar coisa julgada material, até porque não objetiva produzir “definitividade",

Na ação cautelar, ojuiz decide com base na aparência do direito ameaçado ou com base em cognição sumár ia ou em fumus boni iuris, sem que possa chegai a um juízo de “certeza” e, desta forma, “declarar” acerca do direito, o que é imprescindível para a formação da coisajulgada material.

Ao julgar o pedido cautelar, o juiz “declara” que o direito é provável ou impro­vável Porém, declarar uma probabilidade não é o mesmo do que declarar um direito Aliás, declarar uma probabilidade é, implicitamente, confessar que o que foi afirmado como provável certamente pode ser dito em contrário em outro processo.

2 "Deixe-se claro, porem, que todas as sentenças têm aigo de declaratório Assim, quando se diz que a coisajulgada material incide sobre o efeito declaxatório, deseja-sc-em primeiro lugar- afirmar que a coisajulgada material toca no elemento declaratório das sentenças declaratórias, condenatórias, constitutivas, executivas e mandamentais- e nâo apenas na ‘declaração'própria da stntmça declaratória projetando para fora do processo um efeito declaratório imutável” (Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhar t, Proctsso de Conhecimento (Curso de Proctsso Civil, v 2), cit ,p, 637]

2 Como adverte Ovidio Baptista da Silva, “nosso direito considera que a declaração queojuiz necessariamente também fará, para aplicara lei nos procedimentos de jurisdição voluntária, é insuficiente, como eficácia de declaração, para produzir coisajulgada” (Curso de Processo Civil, v. 3 ,cit,,p. 203).

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COISAJULGADA MATERIAL E PRINCÍPIO DO NE BIS IN IDEM 185

Mas se não há dúvida de que a sentença cautelar não produz coisa julgada material, ainda resta explicar o que seria a proibição de renovação do pedido cautelar, “salvo com novo fundamento”.

Quando a tutela cautelar é negada por ausência de prova do perigo ou ausência de fumus boni iuris, o pedido pode ser repetido, com base no mesmo fundamento, diante de nova prova..

Contudo, se ojuiz rejeita a tutela cautelar por entender que o fato, ainda que evidenciado, não gera situação perigosa suficiente à sua concessão, não há como admitir a renovação do pedido de tutela cautelar com base na mesma circunstância fática.

Mas a proibição de reutilização da mesma circunstância fática ou do mesmo fato indicador do perigo nada tem a ver com coisa julgada. Nem mesmo se pode aceitar a tese de que a negação da tutela cautelar impede a invocação de fato que poderia ser utilizado, mas não o foi, para demonstrar o perigo, conforme pretendeu GiuseppeTarzia no artigo Rigettoeriproponibilità deila domanda cautelaie, publicado na Rivista di Diritto Processuais.*

O autor, para pedir tutela cautelar, não precisa alegar todos os fatos que pode­riam convencer ojuiz da sua necessidade. Fatos não alegados, mas já existentes, podem fundar novo pedido de tutela cautelar Não há como aglutinar ou imantar os fatos que podem fundar este pedido de tutela. Cada um deles constitui um fundamento para o pedido de tutela cautelar.

Portanto, não há preclusão na não alegação de fato que já existia à época do requerimento da tutela cautelar negada. Proibe-se apenas a reiteração de fato já descartado como capaz de indicar situação perigosa suficiente para a concessão da tutela cautelar.

Esta proibição, no entanto, não se confunde com a coisajulgada material, constituindo apenas manifestação da proibição do bis in idem

Diz o parágrafo único do art, 808 do Código de Processo Civil que, “se por qualquer motivo cessar a medida, é defeso à parte repetir o pedido, salvo por novo fundamento”. Assim, nos casos de não propositura da ação principal no prazo de trinta dias após a execução da cautelar (art, 808 ,1, CPC) e de não execução da tutela cautelar no prazo de trinta dias após a sua concessão (art. 808, II, CPC), a parte está proibida de renovar o pedido de tutela cautelar, “salvo por novo fundamento”.

Este novo fundamento não pode ser o fato reconhecido como perigoso para a concessão da tutela cautelar que perdeu a eficácia. O fato deve ser outro, suficiente para a concessão de nova tutela cautelar.. Este fato, distinto do que fundou o pedido de tutela cautelar que perdeu a eficácia, é o “novo fundamento”, capaz de permitir, nos termos do parágrafo único do art 808, a repetição do pedido..

4 Giuseppe Tarzia, Rigetto e riproponibilità deila domanda cauteíare Rivista di Diritto Processuale, 1988..

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1 8 6 0 PROCEDIMENTO, ATÊCNICA PROCESSUAL E OS INSTITUTOS

Note-se que o parágrafo único do art, 808, ao aludir a "novo fundamento”, não tem preocupação alguma com o fumus bonx iuris. O seu objetivo é impedir a renova­ção do pedido com base no mesmo fato que levou à concessão da tutela cautelar que perdeu a eficácia.

Assim, ainda que cesse a eficácia da tutela cautelar, a parte pode requerer novo pedido de tutela cautelar com base em fato novo ou com base em fato já existente, mas não alegado. Só não lhe é possível requerer tutela cautelar com base no mesmo fato perigoso que fundou a tutela cautelar cuja eficácia se cxtinguiu.

Page 182: Curso de Processo Civil - Volume IV - Processo Cautelar - Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart

19A Revogação e a Modificação

da Tutela Cautelar após o Trânsito em Julgado da Sentença Cautelar

Se um fato novo, por significar nova causa de pedir, dá origem a uma nova ação cautelar, um fato novo, obviamente, pode ser utilizado pela parte atingida pela tutela cautelar para pedir a sua revogação ou modificação.

De outra parte, a tuteia cautelar também poderá ser modificada caso o deman­dante alegue outro fato, diferente do invocado, ainda que existente à época em que a tutela cautelar foi solicitada.

Ademais, como a tutela cautelar é fundada em convicção de verossimilhança, nada pode impedir a alteração da convicção do juiz a respeito do direito que foi tido como provável, Sendo assim, também por esta causa é natural a possibilidade da sua revogação ou modificação.,

Também aqui, o que se proíbe é a rediscussão da situação fática que levou o juiz a reconhecer o perigo de dano !

1 VerJuanJosé Monroy Paiacios, Teoría cautelar, c it, p 326 e ss

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Responsabilidade Objetiva Derivada da Execução da Tutela Cautelar

Sum áRJO: 20 1 Responsabilidade objetiva-20,2 Hipóteses de responsabilidadeobjedva - 20. ,3 Liquidação da indenização.

20.1 Responsabilidade objetiva

De acordo com o art. 811 do Código de Processo Civil, “sem prejuízo do dis­posto no art , 16, o requerente do procedimento cautelar responde ao requerido pelo prejuízo que lhe causar a execução da medida: I - se a sentença no processo principal lhe for desfavorável; II - se, obtida liminarmente a medida no caso do art 804 deste Código, não promover a citação do requerido dentro em 5 (cinco) dias; III - se ocorrer a cessação da eficácia da medida, em qualquer dos casos previstos no art, 808 deste Código; IV ~ se ojuiz acolher, no procedimento cautelar, a alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor (art, 810). Parágrafo úníco. A indenização será liquidada nos autos do procedimento cautelar".

O art. 811, sem excluir a responsabilidade por má-fé - prevista no art. 16 - , elenca as hipóteses em que o requerente é considerado responsável pelo dano cau­sado pela execução da tutela cautelar; Trata-se de responsabilidade independente de culpa, mas derivada única e exclusivamente dos eventos consignados nos quatro incisos do art. 811

O dever de indenizar depende apenas da ocorrência de hipótese prevista em um destes incisos, devendo a indenização ser liquidada, nos termos do parágrafo único do art, 811, nos autos do procedimento cautelar.

E claro que o ressarcimento pelo dano provocado pela execução da tutela cautelar, apesar de não depender de culpa, exige a demonstração do dano, ou melhor, requer a sua delimitação e quantificação.

20.2 Hipóteses de responsabilidade objetiva

i) O primeiro inciso do art 811 afirma que há r esponsabilidade do requerente da tutela cautelar quando a sentença do processo principal lhe for desfavorável. A

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RESPONSABILIDADE OBJET IVA DERIVADA 189

sentença desfavorável é suficiente para fazer surgir o dever de indenizar Da sentença decorre inexoravelmente o dever de indenizar.

Mas o legislador se esqueceu de prever o caso em que o requerente, após a execução da tutela cautelar, saiu vencido no processo cautelar e vitorioso no processo principal. Note-se que o autor da ação cautelar e da ação principal pode ter direito material, mas não ter tido razão para pedir a tutela cautelar, em razão de inexistência de situação perigosa, Neste caso, como é fácil perceber, o autor teria sentença de im- procedência no processo cautelar e sentença de procedência no processo principal

À primeira vista, tal omissão poderia ser suprida pelo juiz, uma vez que o ven­cido no processo cautelar, ainda que obtendo sentença de procedência no processo principal, pode causar dano.

Porém, não há dever de indenizar como resultado direto de sentença de im- procedência proferida em processo cautelar. Neste caso, para obter ressarcimento, o vencido no processo cautelar tem que propor ação (autônoma) de ressarcimento, na qual terá que demonstrar não apenas o dano, mas também o dever de indenizar, ou seja, a inexistência de causa para a execução da tutela cautelar

A tutela cautelar pode ser inicialmente necessária - e, nesta hipótese, ter causa e, mais tarde, vir a perder a sua justificativa, sendo revogada pela sentença cautelar,,

Neste caso, o requerente não pode ser responsabilizado pelo dano que a execução da tutela cautelar tenha causado à parte.

Raciocinando nesta linha, é fácil perceber que, ao surgir circunstância que passe a justificar uma medida cautelar inicialmente injustificada, deixade existir razão para obrigação de ressarcimento. Da mesma forma, é possível que uma medida perca justificativa no curso do processo, hipótese em que o requerente deve responder por perdas e danos a partir do instante em que a medida tornou-se injustificada.

Nestas últimas situações, em que se pergunta sobre a causa ou a justificativa da tutela cautelai, a responsabilidade depende de culpa, exigindo uma ação (autônoma) de ressarcimento. A responsabilidade objetiva, própria ao art 811, não permite a análise da causa ou da justificativa da medida cautelai; O dever de indenizai decorre simplesmente dos eventos previstos nos incisos do art, 811, devendo a indenização ser apenas liquidada nos próprios autos do procedimento cautelar, conforme o parágrafo único do mesmo artigo,

ii) O segundo caso de responsabilidade objetiva ocorre quando, “obtida limi­narmente a medida” (art. 804 do CPC), o requerente “não promover a citação do requerido dentro em 5 (cinco) dias”.

A urgência, em alguns casos, pode exigir a execução da tutela cautelai antes da ouvida do réu,, Para a suajustificação, alega-se que uma situação substancial ameaçada por perigo de dano iminente e irreparável pode tornar- necessárias medidas imediatas sem um completo esclar ecimento da situação fática, e recorda-se, ainda, que a omissão da audiência prévia do réu pode ser ditada pelo objetivo de não colocar este último em condições de frustrar a eficácia prática do próprio provimento,.

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1 9 0 0 PROCEDIMENTO, A TÉCNICA PROCESSUAL E OS INSTITUTOS

A legitimidade destes motivos foi acolhida pelo Bundesverfassungsgerichtúz- mão, que advertiu, no entanto, que, tratando-se de uma ingerência na esferajurídica da parte, uma derrogação ao princípio geral da audiência prévia somente pode ser admitida quando resultar indispensável para o alcance do escopo do provimento..1

Se a execução de tutela cautelar inaudita altera parte pode ser necessária para assegurar a tutela do direito,2 a sua excepcionalidade decorre do fato de postergar o contraditório 3 Em nome da efetividade do contraditório, ao réu deve ser permitido demonstrar, com a maior brevidade possível, a eventual inexistência dos fundamentos que autorizaram a concessão da tutela cautelar e mesmo a sua impropriedade, por não representar a medida que produz a “menor restrição possível”.

Portanto, há razão par a o legislador se preocupai em exigir a breve citação do réu quando a tutela cautelar é deferida inaudita alteraparte, impondo ao autor res­ponsabilidade objetiva pelo dano ocasionado pela execução da tutela cautelar liminar, na hipótese dc a citação não ter sido “promovida” no prazo de cinco dias

Note-se que a norma fala que o autor é “obrigado a promover”- e não a efetivar- a citação do réu no prazo de cinco dias, o que significa que lhe basta tomar as pro­vidências necessárias para que a citação ocorra no prazo legal., O autor responde por perdas e danos apenas quando não toma os cuidados necessários para que a citação se realize no prazo devido.,

Ao assi m proceder, o autor responde por perdas e danos, ainda que as sentenças do processo cautelar e do processo principal sejam de procedência. Esta conclusão pode parecer estranha ao primeiro olhar e geralmente não é compreendida pela dou­trina.. D e fato, HumbertoTheodoro júnior afirma que “o inciso II do art 811, relativo a retardamento da citação do réu nos casos de medida liminarmente deferida, é de difícil entendimento e de verdadeira inaplicabilidade prática. Isto porque o atraso na citação do réu não foi previsto como causa de perda de eficácia da medida cautelar. Se assim é, não obstante o referido atraso, a ação cautelar pode ser julgada proce­dente.. E- se o mesmo se dá com a ação principal, não haverá meio de ímpor ao autor o dever de reparar um prejuízo que, conforme a melhor razão ou lógica, não poderá ter ocorrido Já se a ação principal, no mesmo exemplo, for dada por improcedente, a indenização será devida, mas não em razão do atraso na citação, e sim em virtude da própria sucumbência, fato esse que figura no inciso I do art. 81I V

1 Nicolò Trocker, Processo civile e costituzwne, cit, p 4062 Ver Luigi Paolo Comoglio, l a garanzia cosütuzionale deli'azione ed ilprocesso civile.3 “Si è detto che í! princípio dei contraddíttorio è rispettato anche quando il prowedi­

mento c pronunciato inaudita altera parte, purche prima che il prowedimento dsventi difinitivo, Ia parte contro cui e cmesso abbia la possibilita di proporre le sue difese” (Giuseppe Martinerto, Contraddittorio (Principio dei) Novisshno DigesloItaliano, v, 4, p, 461)

4 Humberto Theodoro Júnior, Comentários ao Código de Processo Civil, v 5, p.. 139

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RESPONSABILIDADE OBJETIVA DERIVADA 191

Porém, além dc uma medida cautelar não poder permanecer eficaz por tem­po superior ao suficiente à tutela de segurança, esta não pode causar um gravame despropositado ao réu, devendo obedecer à regra da “menor restrição possível”. Isto para não falar que o réu tem direito à substituição da medida cautelar por caução ou outra medida menos gravosa, bastando que sejam, uma ou outra, suficientes para a tutela cautelar (art. 805 do CPC)

Se a efetivação da liminar antes da ouvida do réu, porque representa derrogação do princípio geral de audiência prévia, somente é admitida em casos excepcionais, a não citação do réu em prazo breve o impede de exercer o seu direito à substituição da medida cautelar, assim como lhe retira a possibilidade de requerer a modificação da tutela cautelar ou a aplicação da regra menor restrição possível, o que torna excessi­vamente grave a postergação do contraditório..

Nesta situação, não tendo sido promovida a citação no prazo de cinco dias, o autor responde objetivamente pelo dano ocasionado pela execução da tutela liminar. Embora a responsabilidade seja objetiva, a medida do dano, a ser considerada na li­quidação, deve tomar em conta apenas o dano provocado durante o espaço de tempo em que o réu não esteve no processo, em virtude do atr aso na sua citação, Ou seja, se o réu apresenta contestação, requerendo ou não a modificação ou a substituição da medida cautelar, a partir deste instante não há mais como pensar em responsabilidade pelo dano ocasionado pela execução da medida. A partir daí, a responsabilidade pelo dano terá que tomar em conta outro fator, como a sentença de Ímprocedência no processo principal..

üi) De acordo com o art 811, III, combinado com o art. 808 ,1, o requerente responde pelo dano ocasionado pela execução da tutela cautelar quando a ação prin­cipal não for proposta no prazo legal, cessando a eficácia da tutela.,

Como a responsabilidade, nesta hipótese, depende da análise da cessação da eficácia da medida em virtude da não propositura da ação pr incipal, e isto já foi estudado anteriormente, remete-se o leitor para o item 1.2.2

E conveniente apenas reafirmar que a não propositura da ação principal no prazo legal, embora faça cessar a eficácia da medida cautelar, não leva à extinção do processo cautelar O processo prossegue e a tutela cautelar ainda pode ser concedida posteriormente.

Como a sentença cautelar e a sentença do processo principal podem ser fa­voráveis ao requerente da tutela cautelar que perdeu a eficácia, a liquidação do dano poderá ser feita contra quem saiu vitorioso em ambos os processos. Assim como poderá haver necessidade de duas liquidações, no caso de a tutela cautelar ser con­cedida ao final do procedimento cautelar e, depois, a sentença do processo principal ser desfavorável ao requerente Nesse último exemplo, o requerente responderá pelo dano ocasionado pela medida liminar que cessou diante da não propositura da ação principal (art 811, III, c/c art, 8 0 8 ,1, CPC) e pelo dano produzido pela medida- concedida pela sentença cautelar- que cessou em virtude da sentença desfavorável proferida no processo principal (art . 811,1, CPC).

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192 0 p ro c e d im e n to , ATÉCNICA PROCESSUAL E OS INSTITUTOS

iv) O art.811 ,III,quando combinado como art.808 ,II,croisapolêmica,por pressupor responsabilidade quando a medidau não for executada dentio de trinta dias". Galeno Lacerda entende que, neste caso, não pode existir responsabilidade, pois o art, 808, II, “pressupõe, exatamente, a não execução da cautela”, Observa o professor gaúcho que o "simples deferimento da liminar não causa dano. O ressarcimento exige prejuizo real oriundo da execução da medida, situação excluída pelo referido inciso II„ Nesta hipótese, o máximo que poderá haver é a condenação do autor na sucumbência cautelai, se o réu tiver contratado advogado para defendê-lo”.5 Frederico Marques, no mesmo sentido, escreve que a“cessação de eficácia da medida cautelar, em razão do fato apontado no art,. 808, II, não acarreta a obrigação de indenizar, malgrado o que preceitua o art. 811, III, porque não executada a providência cautelar concedida” 6

Na verdade, a conjugação do art, 811, III, com o art. 808, II, impõe a interpre­tação de que há responsabilidade quando a execução da tutela cautelar ocorre depois de trinta dias. Quando a tutela cautelar não é executada, não há realmente como pensarem responsabilidade. Como anteriormente visto (Ittm /lnão execução da tutela cautelar no prazo de trinta dias), no caso em que a tutela não é executada em trinta dias, a decisão que a concede perde eficácia, Porém, há que se ter em conta a hipótese em que a tutela é executada depois dos trinta dias. Nesta situação há responsabilidade, pois a medida é “executada” quando a decisão não tem mais eficácia Como é óbvio, se a decisão é ineficaz, a “execução” não tem fundamento e a interferência na esfera jurídica do réu é ilegal.

v) O art 811, III, afirma também haver responsabilidade quando cessa a eficácia da medida cautelar por ter ojuiz declarado “extinto o processo principal, com ou sem julgamento do mérito" (art. 808, III)

Como é evidente, só há responsabilidade quando a sentençado processo prin­cipal for desfavorável ao requerente da medida cautelar. De modo que a combinação do art. 811, III, com o art. 808, III, gera um postulado que não adquire significação própria, já que já contido na própria previsão do inciso I do art. 811,

vi) Por fim, diz o art, 811, IV, que o requerente responde pelo dano causado pela execução da tutela cautelar “se o juiz acolhei, no procedimento cautelar, a alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor (art. 810)”

Lembre-se que o art. 810, de forma excepcional, permite que o juiz, quando tiver convicção de certeza para tanto, desde logo declare a prescrição ou a decadência do direito do autor no próprio procedimento cautelar7

Tal decisão, embora proferida no procedimento cautelar, faz coisajulgada em relação à ação principal, obstaculizando a sua propositura.

5 Galeno Lacerda, Comentários, cit., p. 4376 José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, v.. 4, c it , p. 3977 Ver acima, para melhor análise, o item Reconhecimento da decadência ou prescrição do

direito do autor no procedimento cautelar.

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RESPONSABILIDADE OBJETIVA DERIVADA 1 9 3

Assim, a declaração da prescrição ou da decadência do direito do autor opera, diante da execução da tutela cautelar inicialmente concedida, como se o autor hou­vesse obtido uma sentença de Ímprocedência no processo principal..

O autor, em razão da declaração da prescrição ou da decadência no procedi­mento cautelar, responde objetivamente pelo dano eventualmente ocasionado pela execução da tutela cautelar liminar.

20.3 Liquidação da indenização

Diz o parágrafo único do art. 811 que a “indenização será liquidada nos autos do procedimento cautelar”. Não se trata de liquidação de sentença condenatória ilíquida nem de liquidação de obrigação de indenizar já declarada em sentença declaratória “ hipótese, esta última, em que o lesado pede apenas a declar ação da obrigação de indenizar e não tutela ressarcitória,

A liquidação do art. 811 é liquidação de obrigação de indenizar Mas se dife­rencia da liquidação da obrigação de indenizar declarada em sentença em razão de poder chegará conclusão de que nada é devido pelo demandado E que na liquidação de indenizar do art. 811 é preciso demonstrar o dano e, obviamente, o nexo de cau­salidade entre o dano e a execução da tutela cautelar.

A única coisa que é incontestável na ação do parágrafo único do art.. 811 é a responsabilidade pelo eventual dano causado pela execução da medida, ou o dever de indenizai' eventual dano, a ser identificado e quantificado na ação de liquidação.

O dever de indenizar deriva, de forma inexorável, das causas consignadas nos incisos do art. 811. Existindo qualquer um dos eventos definidos nos incisos do art. 811, surge indiscutível e incontestável responsabilidade ou dever de indenizar eventual dano provocado pela execução da medida cautelar

No caso de o dano restar quantificado na liquidação, bastará ao autor da ação de liquidação requerer a execução, nos termos do art. 475-J do Código de Processo Civil,. Mas o problema da execução aparece quando se lembra que a liquidação não é de sentença condenatória - que, em razão da sanção executiva, abre oportunidade para o requerimento de execução - , mas sim de obrigação de indenizar e, assim, torna-se necessário identificar em que lugar está a eficácia executiva que permite a execução.

Na hipótese de responsabilidade derivada de sentença desfavorável-proferida no processo principal - ao requerente da execução da medida cautelar (art. 811,1, CPC), não há necessidade de que esta sentença condene o requerente da medida..

Se a responsabilidade decorre dos eventos expressos nos incisos do art. 811, não há dúvida que o objetivo da liquidação é sempre definir e precisar o dano, relacio- nando-o com a execução da medida, além de quantificá-lo. Portanto, toda e qualquer sentença que quantificar o dano derivado da execução da cautelar, simplesmente por

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1 9 4 0 PROCEDIMENTO, a TÉCNICA p r o c e s s u a l E OS INSTITUTOS

definir o direito à tutela ressarcitória, deve abrir oportunidade para a execução da quantia certa

Note-se que a sentença de liquidação, ao quantificar o dano, colabora com a prestação da tutela ressarcitória, que resta na dependência do adimplemento volun­tário ou da execução.. De modo que a execução deriva da definição do direito à tutela ressarcitória, que, obviamente, abre oportunidade para execução, A menos que se pense que a parte que sofre a medida cautelar, ao requerer a liquidação da obrigação de indenizar do requerente da medida cautelar, pede tuteía declaratória da obrigação de indenizar e não tutela ressarcitória.

Porem, não há racionalidade em supor que alguém que sofre a execução de medida cautelar, que, segundo a lei (art 811 do CPC), é indevida e de responsabi­lidade da outra parte, possa ter interesse em solicitar a identificação e quantificação do dano que lhe foi ocasionado apenas para tê-lo declarado, mas não passível de exigibilidade através de execução.

AJém do mais, quem pede tutela ressarcitória e requer sentença declaratória, e não sentença condenatória, simplesmente solicita uma técnica processual inidônea (sentença inidônea). E esta situação, a partir da introdução do art. 475-N, I, no Código dc Processo Civil (Lei 11 2.32/2005) - que diz ser título executivo judicial a sentença que “reconhece a existência” de obrigação de pagar quantia torna a sentença decla­ratória (requerida, obviamente, por equívoco, já que para prestar tutela ressarcitória) executável, ou melhor, identificável como titulo executivo judicial

Ou seja, quando se pede tutela ressarcitória se requer, necessária e implicita­mente, sentença executável Portanto, caso atualmente seja requerida sentença decla­ratória para prestar tutela ressarcitória, ojuiz, diante do evidente equívoco do autor, pode admitir a sua execução 8 Na verdade, concederá sentença condenatória, uma

8 " ..o art. 475-N do Código de Processo Civil substituiu o antigo inciso que falava exclu­sivamente cm ‘sentença condenatória proferida no processo civil' (art 584,1) por um inciso que diz ser titulo executivo judiciai ‘a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência dc obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia’ (art 475-N, 1) Uma sentença que reconhece a existência de obrigação a ser cumprida apenas pode ser qualificada a partir da análise do sistema executivo Longe dos meios de execução, tal sentença apenas declara que resta uma obrigação a ser cumprida para que a tutela do direito seja prestada Esta sentença, que então seria deciaratória, não se confundiria com a sentença declaratória da classificação clássica, pois declararia a necessidade de uma atividade ulterior para a prestação da tutela, enquanto que a sentença declaratória propriamente dita presta a tutela declaratória, satisfazendo o autor com a eliminação da incerteza jurídica. Porém, não há qualquer razão para se criar uma nova modalidade de sentença declaratória, já que a natureza da sentença deve ser visualizada em sua extensão para a prestação da tutelajurisdicional Se a sentença do art. 475-N, I, não é suficiente para prestar a tutelajurisdicional do direito, ficando esta na dependência do cumprimento de uma obrigação, é intuitivo que tal sentença não pode scr definida como se fosse satisfativa (como se bastasse por si mesma), mas sim como uma sentença que depende de meios de execução. ( . .) Como já foi dito,o Código de Processo Civil, ao aludir a reconhecimento dc obrigação, não cria uma nova espécie

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RESPONSABILIDADE OBJETIVA DERIVADA 195

vez que, como é pouco mais do que óbvio, “sentença declaratória executável' é uma contradição em termos,

Perceba-se que isto não elimina a possibilidade de se requerer tutela declaratória após a violação do direito, como permite o art.. 4 ° do Código de Processo Civil, O lesado continua com a possibilidade de pedir tutela declaratória,, A diferença é a de que, a partir da exata distinção entre tutela e sentença percebe-se que o lesado pode pedir tutela declaratória e sentença declaratória, mas não pode pedir tutela ressarci­tória e sentença declaratória, A tutela ressarcitória reclama, necessariamente, sentença executável, sendo a sentença condenatória a técnica adequada à prestação da tutela ressarcitória pelo equivalente em pecúnia,,y

Melhor explicando: se a parte pede tutela de ressarcimento do dano pelo equivalente e solicita sentença declaratória, o ju iz deve prestar, ao “reconhecer a obrigação de pagar” (art 475-N, I do CPC) ~ compreendida como dever de ressarcir em dinheiro *-, sentença condenatória, ou, mais precisamente, sentença executável de natureza condenatória,

Mas isto não quer dizer que o autor da ação de liquidação não deva pedir a condenação (sentença condenatória) do responsável pelo dano provocado pela exe­cução da tutela cautelar:, E também que ojuiz não deva, neste caso, proferir sentença condenatória., O que se quis demonstrar, apenas, é que, diante da omissão do autor da ação de liquidação de obrigação de indenizar em requerer a sentença adequada, o juiz não tem alternativa, a não ser proferir sentença condenatória.

dc sentença declaratória, porém evidencia que tal sentença declara efeitos jurídicos no plano do direito material, no sentido de quedevem ser implementadas, mediante as modalidades executivas adequadas, tutelas que dependem de fazer, não fazer, entregar coisa e pagar quantia. Ora, é claro que a sentença não se confunde com o que é por ela prestado e almejado pelo autor - a tutela nem com o que deve ser feito pelo réu para que a tutela do direito seja prestada - o fazer, o pagar etc ” [Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Execução (Curso de Processo Civd, v.. 3), cit., p. 107-108]..

9 Sobre a sentença condenatória como uma das modalidades de sentença executáveí, ver este Curso de Processo Civil (Execução, c it , p. 107 c ss )

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Parte IIICAUTELARES ESPECÍFICAS

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O Elemento Comum das Medidas Cautelares Específicas

Quem examina os procedimentos reunidos sob o nome de “cautelares específi­cos” tem dificuldade para compreender a razão que levou o legislador a agrupá-los. Já em uma primeira análise salta aos olhos que sob o título de “procedimentos cautelares específicos” estão relacionadas tutelas que estão muito longe das cautelares Há aí, além de tutelas de natureza cautelar (arresto), tutelas satisfativas urgentes (alimentos), tu­telas satisfativas não urgentes prestadas mediante procedimentos acelerados (entrega de bens de uso pessoal do cônjuge e dos filhos), tutelas regulatórias (posse provisória dos filhos), tutelas de remoção do ilícito (interdição ou demolição de prédio), tutelas voltadas a garantir a efetividade de direitos processuais (produção antecipada de provas) e tutelas de junscítção voluntária (protesto, notificação e interpelação)

A questão que se põe, portanto, é saber o que levou o legislador a reunir medidas tão heterogêneas. Respondida a pergunta, será necessário ainda investigar se estas providências têm regime comum ou ao menos semelhante.,

O traço comum encontrado pelo legislador certamente não foi a natureza das tutelas, Embora o Capítulo II do Livro III do Código de Processo Civil aluda a procedimentos cautelares específicos, não é verdade que a cautelaridade tenha sido o elemento aglutinador destes procedimentos Tampouco possuem tais providencias, como nota comum, as características da urgência e da temporariedade.

Na realidade, o elemento catalisador destas medidas é encontrado na exposição de motivos do Código de 1973,1 exatamente na seguinte passagem: “Ainda quanto à linguagem, cabe-nos explicar a denominação do Livro III. Empregamos aí a ex- pressãoprocesso cautelar Cautelar não figura, nos nossos dicionários, como adjetivo, mas tão só como verbo, já em desuso O projeto o adotou, porém, como adjetivo, a fim de qualificar um tipo de processo autônomo, Na tradição de nosso direito pro­cessual era a função cautelar distribuída, por três espécies de processos, designados por preparatórios, preventivos e incidentes. O projeto, reconhecendo-lhe caráter autônomo, reuniu os vários procedimentos preparatórios, preventivos e incidentes sob

fórmula geral, não tendo encontrado melhor vocábulo que o adjetivo cautelar para designar

1 Item 7 da exposição de motivos

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200 CAUTELARES ESPECÍFICAS

a função que exercem. A expressão processo cautelar tem a virtude de abranger todas as medídas preventivas, conservatórias e incidentes que o projeto ordena no LivroIII, e, pelo vigor e amplitude do seu significado, traduz melhor que qualquer outra palavra a tutela legal”

Como se vê, o Código de Processo Civil não ligou o qualificativo"cautelar” às tutelas de natureza cautelar O Código confessa ter reunido procedimentos de natureza diversa - “preventivos, conservatórios e incidentes"-e utilizado para qualificá-los o nome “cautelar” à falta de outros melhores,. Ou seja, o Código de Processo Civil, ao tratar da tutela cautelar, não teve qualquer preocupação em se fundar em uma dogmática séria e adequada às necessidades de tutela do direito material

Deste modo, cabe à doutrina identificai, entre as várias espécies de medidas apresentadas no Capitulo II do Livro III, as suas distintas naturezas, e, após isto, o regime ao qual estão submetidas.

Vale, de toda sorte, uma advertência: o regime específico das providências cau­telares somente é integralmente aplicado às medidas que efetivamente têm natureza cautelai, Em relação aos demais, alguns elementos do procedimento cautelar geral ou algum princípio semelhante aos que regem a tutela cautelar podem incidir, mas não haverá integral aplicação do regime cautelar.

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A Importância das Medidas Cautelares Específicas

Feita esta observação preliminar, resta considerar qual a significação da previsão de medidas de natureza cautelar t m procedimentos específicos.

A ação cautelar inominada, dada a sua abrangência e plasticidade, traz à tona a seguinte indagação: para que servem as ações cautelares especificas? Se as provi­dências cautelares específicas muitas vezes exigem requisitos mais difíceis de serem preenchidos do que os elementaresfumus boni iuris epericulum in mora, qual seria a razão para a existência de procedimentos específicos no sistema? Realmente, partindo do pressuposto de que a ação cautelar inominada está habilitada a conferir proteção cautelai1 a qualquer situação carente dessa tutela, por que razão se há de dispor de procedimentos específicos para atingir ao mesmo fim?

Em uma primeira e rápida análise, seria possível afirmar que as providências cautelares específicas constituem simplesmente hipóteses sujeitas a condições es­peciais Assim, por exemplo, considerando-se o procedimento do arresto, o credor, para obter a indisponibilidade dos bens do devedor e a tutela de segurança do seu direito ao recebimento de quantia, sempre teria que apresentar “prova literal de dívida líquida e certa” (art. 814,1, do CPC) e evidenciar uma das hipóteses enumeradas no art. 813 do CPC. O não preenchimento dos requisitos previstos na lei obstaculizaria a concessão da tutela cautelar de arresto.

Porém, se os procedimentos cautelares específicos forem vistos como meios que, não obstante garantam tutela cautelar a situações especificas, impedem a sua concessão para outras situações substanciais que, embora contando com particula­ridades diversas, igualmente necessitam de tutela de segurança, existirá restrição inconstitucional ao direito fundamental de ação..

Note-se, ainda tomando em conta o exemplo fornecido acima, que alguém pode necessitar de arresto - com o fim de indisponibilizar o patrimônio do réu para assegurar direito ao recebimento de dinheiro - sem ter presentes os requisitos enume­rados nos artigos que regulam o procedimento cautelar de arresto . Nestaperspectiva, a vingar aquela tese, seria forçoso convir que o ordenamento nacional não estaria apto a proteger uma situação substancial tutelável ou carente de tutela, em flagrante violação à promessa contida no art,. 5..°,XXXV, da C F

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202 CAUTELARES ESPECÍFICAS

Dcstc modo, fica claro que a razão de ser dos procedimentos cautelares deve ser procurada em outro lugar. Neste sentido é preciso perceber que o regramento das providências cautelares específicas, ao invés de restringir o direito fundamental à tutelajurisdicional efetiva, conferiu ao jurisdicionado a possibilidade de obter tutela cautelar não apenas diante das situações em que estão presentes os requisitos dofumus boni iuris e do periculum in mora

Quer dizer que, além de sempre ser viável a tutela cautelar para qualquer situação substancial afirmada, bastando a demonstração do perigo de dano e da probabilidade do direito, haverá situações em que o cumprimento dos requisitos previstos na norma reguladora de providência cautelar específica dispensará o juiz, de investigar - como se estivesse diante de uma ação cautelar inominada - os requisitos do periculum e do fumus. O preenchimento dos requisitos estabelecidos na lei permitirá ao juiz formar a convicção necessária para outorgar a tutela cautelar, como se houvesse uma espécie de presunção legal de perigo dc dano e de probabilidade do direito

Assim, se o credor tiver prova literal de dívida líquida e certa (art 8 1 4 ,1, do CPC), estará dispensado de produzir outras provas da existência do fumus bom iuris. Do mesmo modo, se demonstrar a ocorrência de um dos casos do art, 81.3, restará de pronto evidenciada a presença do periculum in mora, não sendo legítimo ao juiz afastar-se desta conclusão.,

Portanto, os requisitos das providências cautelares específicas constituem hi­póteses presumidas de aparência do direito e de perigo de dano De modo que os pro­cedimentos cautelares específicos são técnicas processuais concebidas para dar maior efetividade à tutela de segurança e não para reduzir o seu raio de abrangência

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Arresto

S u m á r i o : .3 .1 Noções introdutórias - .3 2 Requisitos - 3 .3 Condições da ação no arresto: .3 3 1 Legitimidade; 3 3 .2 Interesse processual; 3 3 3 Possibilidade jurídica do pedido - 3.4 Bens arrestáveis - 3 .5 Procedimento do arresto - 3 6 Conversão do arresto em penhora.

3.1 Noções introdutórias

O arresto é a primeira medida cautelar típica, tratada pelo Código de Processo Cívil.,Tem suas raízes no direito medieval, embora seja possível encontrar traços ro­manos em sua concepção,1 Em que pese a multiplicidade de natureza que as medidas cautelares específicas arroladas no Código de Processo Civil ostentam, o arresto é sem düvida providência de natureza cautelar, dada a sua função de preservar a utilidade da tutela principal..

Com efeito, a finalidade da medida cautelar de arresto é proteger pretensões monetárias, que sejam, ou que venham a ser, objeto de demanda judicial própria. Substancialmente, por meio do arresto, busca-se tornar indisponíveis bens (que possam sujeitar-se a penhora em execução futura), em valor suficiente, de modo a assegurara futura realização de créditos monetários ou de outras prestações que devam converter-se em prestações pecuniárias r No arresto,pouco importam os bens a serem apreendidos, bastando que se prestem eles a serem excutidos em futura execução Por isso mesmo, pode-se dizer, grosso modo, que a finalidade do arresto é proteger a futura penhora3 - a ocorrer na execução do crédito, depois de reconhecido ou depois de eficaz - segregando, desde logo, bens que serão passíveis de penhora, de modo a viabilizar a ulterior efetivação de crédito monetário Mais precisamente, a função do arresto é proteger a tutela de pretensões creditícias (originais ou não), permitindo a viabilidade da ulterior penhora sobre bens passíveis de execução

1 Ovídio Araújo Baptista da Silva, Do processo cautelar, p. 217-218.2 C f Alfredo de Araújo Lopes da Costa, Medidas preventivas, p. 65 Ovídio Araújo Baptista

da Silva, Do processo cautelar, cit.,, p.. 222. Sérgio Seiji Shimura, rjfnrc/o cautelar, p 493 Aífrcdo de Araújo Lopes da Costa, Medidas preventivas, p. 62

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204 CAUTELARES ESPECÍFICAS

Em razão de seu objetivo, apenas prestações que tenham natureza monetária ou que devam converter-se em pecúnia podem ser protegidas por via do arresto De fato, se a finalidade do arresto é proteger a penhora, somente nos casos em que esta venha a ser utilizada - e, portanto, somente para a proteção da futura execução de crédito- é possível o emprego de tai providência cautelar. Vale salientar que obrigações de fazer, de não fazer ou de entregar coisa que devatn converter-se em perdeu e danos (arts. 461, § 2„°, 461-A, § 3 °, 627 e 633, do CPC), embora não sejam originariamente prestações monetárias, podem valer-se do arresto, pela precisa circunstância de que serão futuramente tratadas como execuções pecuniárias.4

Aliás, esse é exatamente o elemento que distingue o arresto de outra medida cautelai’ muito semelhante: o seqüestro. De fato, há confusão histórica entre as duas medidas, a ponto de legislações mais antigas, como as Ordenações do Reino, empre­garem o termo “sequestro’'para designar casos claros de arresto, confusão que se repete em diversos diplomas legais atuais, como é o caso do texto constitucional vigente (art. 100, § 2 ,° , C F). Enquanto o arresto destina-se a preservar futura execução pecuni­ária, o seqüestro tem por finalidade proteger ulterior execução (ou cumprimento) para entrega de coisa, O seqüestro, portanto, incidirá sobre bens determinados, cuja titularidade ou posse é discutida na ação principal; já o arresto terá por meta bens cuja propriedade seja indiscutível e pertença ou ao futuro devedor ou a outro respon­sável pelo alegado crédito. Por outras palavras, o arresto visa à proteção de créditos, enquanto o seqüestro tem por finalidade a proteção de determinado bem.. Por isso mesmo, o bem que é objeto do seqüestro é o mesmo que constitui o objeto da relação jurídica litigiosa (principal), o mesmo não ocorrendo com o arresto.5

O mesmo elemento de distinção é o traço que separa o campo do arresto daquele emprestado à busca e apreensão,, Também aqui, impõe-se a necessidade de que o bem objeto da cautelar seja especifico e determinado, havendo então profunda distância com a medida de arresto,

Distingue-se também o arresto da busca e apreensão, já que nesta sobressai o interesse na localização e apreensão do bem (ou da pessoa, que também pode estar sujeita a esta medida cautelar específica) Identicamente, distancia-se o arresto do arrolamento cautelar, na medida em que, aqui, surge o interesse na descrição de bens indeterminados e sobre os quais há temor de extravio ou dissipação

A Neste sentido: “Ação cautelar (art. 800, parágrafo único, do CPC) Arresto. Sentença condenatória dc obrigação de fazer que pode converter-se em pagamento em dinheiro, objeto dc apelação ainda não julgada. Esvaziamento do patrimônio da ré condenada. Presença dos requisitos para a concessão do arresto. Bens suficientes para atender eventual indenização Ação juigada procedente.” (TJSP, 2 a Câm. Dir Priv., MC 4565674200, rei, Des Boris Kaufímann, j. 24 04.2007).

5 Cf Galeno Lacerda e Carlos Alberto Al varo de Oliveira. Comentários ao Código de Processo Civil, v. VIII, t. II, p. 32.

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ARRESTO 205

Por fim, não cabe confundir o arresto em estudo com a providência contem­plada pelo art.. 653 do CPC, que recebe o mesmo nome. O arresto executivo nada tem de cautelar, sequer exigindo a demonstração da coexistência do fum as boni iuris e do periculum in mora para a sua outorga. Bastará a não localização do devedor para ser citado na execução para que a medida possa ser exigida, sequer dependendo de autorização judicial, Este arresto eqüivale à penhora antecipada, que se justifica em razão da dificuldade em localizar o devedor para ser citado. Isso, por óbvio, em nada se relaciona com o arresto cautelar, providência destinada a assegurar a futura execução.

3.2 Requisitos

Nos termos do que prevêem os arts. 813 e 814 do CPC, dois serão os requisi­tos para a concessão da medida cautelar de arresto. Em primeiro lugar, é necessário que haja prova documental ou justificação da ocorrência de alguma das seguintes circunstâncias: (a) “o devedor sem domicilio certo intenta ausentar-se ou alienar os bens que possui, ou deixa de pagai’ a obrigação no prazo estipulado” (art. 81.3,1); (b) “o devedor, que tem domicilio, se ausenta ou tenta ausentar-se furtivamente; caindo em ínsolvência, aliena ou tenta alienar' bens que possui; contrai ou tenta contrair dividas extraordinárias; põe ou tenta pôr os seus bens em nome de terceiros; ou comete outro qualquer artifício fraudulento, a fim de fr ustrar a execução ou lesar credores” (ar t 813, II); (c) “o devedor, que possui bens de raiz, intenta aliená-los, hipotecá-los ou dá-los em anticrese, sem ficar com algum ou alguns, livres e desembargados, equivalentes às dívidas” (art. 813, III); e (d) “nos demais casos expressos em lei” (art, 813, IV). Estes são os chamados motivos do arresto (ou causae arresti) que constituem os elementos que indicam a necessidade da medida assecuratória.

Fundamentalmente, vê-se que o primeiro requisito enumerado pela lei para a concessão do arresto diz com casos em que o devedor, com sua conduta, pode frustr ar a efetivação futura de crédito pecuniário, ou colocando-se em condição de insolvência, ou construindo obstáculo a uma futura execução.

O segundo requisito exigido pela lei é a “prova literal da dívida líquida e cer ta” (art. 814,1), à qual é equiparada a “sentença, líquida ou iUquida, pendente de recurso, condenando o devedor ao pagamento de dinheiro ou de prestação que em dinheiro possa converter-se” (art.. 814, parágrafo único),

Não é difícil notar que os requisitos postos no texto legal são, por vezes, extre­mamente difíceis de serem demonstrados, extrapolando em muito os meros contornos dofumus boni iuris e do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. Sobretudo, a demonstração, por via de prova literal, da existência efetiva de divida líquida e certa é exagerada, se contrastada com os requisitos geralmente exigidos para a concessão de qualquer cautelar - incluindo-se ai a cautelar inominada (art.. 798). E preciso, portanto, refletir um pouco sobre tais requisitos..

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206 CAUTELARES ESPECÍFICAS

Os requisitos estipulados no atual Código dc Processo Civil têm sua origem no Regulamento 737 (especialmente arts. 321 e 32.2), embora a especificação das carnae arresti não tenha sido seguida peio Código de Processo Civil de 19 39 . Na realidade, é antiga a crítica à enumeração exaustiva das causas quejustificam o arresto,seja porque seria impossível abarcar todas as situações em que a medida é necessária, seja em razão da limitação exagerada dos casos expressamente disciplinados no Regulamento 737 (e repetidos no atual Código de Processo Civil)

Não há dúvida de que o rol apresentado pelo art. 813 do CPC, busca aglutinar os casos em que o legislador supõe que possa ocorrer o perigo de dano irreparável em relação à tutela de créditos. Todavia, como é evidente, é humanamente impossível prever todos os casos em que o crédito pode correr risco de ser frustrado

De outra parte, seria manifestamente inconstitucional negar o arresto (ou providência com o mesmo conteúdo, ainda que com denominação distinta) a casos em que este fosse necessário, mesmo que essas hipóteses não estivessem descritas em lei..

Por conta disso, deve-se ter como meramente exemphfuativo o elenco de casos trazido pelo art. 81.3 do CPC. Note-se que esses casos, todos, traduzem casos nos quais o Iegislador/>raw?7i? a ocorrência do periculum m mora., Essa presunção, porém, é meramente relativa, de modo que pode ser afastada pelo magistrado, diante da evidência de que o temor é injustificável

Imagine-se, por exemplo, o caso em que o devedor, com domicílio certo, tenta ausentar-se furtivamente. Esse fato constitui, sem dúvida, um indicativo de que o devedor pretende subtrair-se da execução futura. Todavia, esse indicio pode mostrar-se desarrazoado, sobretudo para a concessão do arresto cautelar. Caberá, portanto, ao magistrado avaliar se a hipótese descrita no art . 813 do CPC, constitui ou não elemento suficiente para a demonstração do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação que, ultima ratio, é o verdadeiro requisito para a concessão das medidas cautelares.,

D o mesmo modo, a ocorrência de outras situações, que também configurem perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, ainda quando não elencadas no art.. 813 do CPC, merecem ser consideradas para fins de concessão da medida. De fato, os casos do art 813 do CPC não são os únicos em que a medida de arresto deve ser deferida Em todos os casos em que a futura execução pecuniária esteja em risco, está presente o perigo de dano que é imposto para a outorga da providência cautelar. Tal conclusão é invencível, especialmente se considerada a essência constitucional da proteção cautelar. Com efeito, se a garantia de acesso ao Poder Judiciário impõe a prestação de tutela adequada, então é evidente que as medidas cautelares são providências indissociáveis daquele direito fundamental. E, se isso é verdade, então resta claro que a lei não pode excluir hipótese em que a medida é necessária e a não previsão em lei dc todos os casos em que o arresto é exigíveí não constitui óbice para a sua concessão

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ARRESTO 207

De toda sorte, vale sublinhar que não é necessário que o requerente da medida de arresto demonstre o elemento subjetivo da conduta do suposto devedor. Vale dizer que não sc exige a indicação de que o requerido tenha agido de má-fé nas condu­tas de diminuição patrimonial. Basta a caracterização objetiva de algum dos casos enumerados no dispositivo mencionado, ou de outra causa assimilável, que também represente o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, para que seja viável a concessão do arresto ,6

O mesmo tipo de raciocínio vale para o outro requisito, posto no art, 814 do CPC., Conforme exige a lei, a medida cautelar de arresto depende da existência de prova literal da dívida líquida e certa A esta prova é equiparada “a sentença, liquida ou ilíquida, pendente de recurso, condenando o devedor ao pagamento de dinheiro ou de prestação que em dinheiro possa converter-se” (art 814, parágrafo único, doCPC).

Inicialmente, vale salientar que a prova literal de que trata o dispositivo não se confunde com o título executivo, sendo necessário muito menos que a exibição desse tipo de documento para a outorga da providência. Isso porque aquele que ostenta um título executivo tem acesso direto ao processo de execução, de modo que dificilmente necessitaria da cautelar de arresto, sobretudo em razão da averbação prévia, tratada pelo art.615~A,do CPC,que possui eficácia semelhante e sequer depende de autori­zação judicial,. Logicamente, se o requerente possui título, poderá também, em casos excepcionais, ter necessidade de arresto, não havendo dúvida de que esse documento supre a exigência dofumus boni iuris que é imposto pelo art, 814, em comento

De todo modo, qualquer documento que represente a existência de dívida líquida e certa é hábil a fazer a prova exigida peia lei. Duas questões, porém, podem ser aí colocadas: (a) e se o documento represente dívida, mas que não é certa ou não é líquida? (b) e se a prova da dívida líquida e certa não estiver revestida da forma documental?

Mais uma vez, o alicerce constitucional em que se baseia o direito às tutelas assecuratórias impede que se responda que tais situações, ainda que não previstas expressamente no comando legal, estão fora do campo de proteção da medida de arresto..7 Vale anotar que o requisito de üteralidade da prova do crédito líquido e certo remonta as preocupações liberais, do século X IX , A exigência de literalidade não constava nas Ordenações do Reino, tendo sido introduzida, no direito brasileiro, por meio do Regulamento 737 (art .382). Foi contemplada, depois, em diversos Códigos estaduais e também no Código de Processo Civil de 1939 (art.. 681), com expressa

6 Nesse sentido, perante o direito alemão, v.. WaltherJ.Habscheid, Les mesures provisoires en procédure civile: droits allemand et suisse Les mesures provisoires en procédure civi/e - atti dei colloquio internazionale,p 36

7 Essa é a linha seguida pelo direito alemão, como se vê em Walther J Habscheid, c it , p 36-37.

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208 CAUTELARES ESPECÍFICAS

menção à necessidade de que os créditos revestissem-se do caráter de liquidez e certeza. A intenção da limitação tinha por finalidade restringir eventuais excessos na concessão da medida, especialmente na época em que a visão liberal se impunha em toda sua força8

Todavia, perante o direito atual - que prevê a possibilidade da concessão de medidas cautelares inominadas (art,. 798), inclusive de ofício pelo magistrado (art. 797) - nada justifica tão severas restrições.9 Ao contrário, como já dito, a gênese constitucional da garantia de proteção cautelar impõe a disseminação maior da pro­vidência, de modo que as limitações expostas nos arts . 813 e 814 do CPC, nãopodein ser lidas como restrições ao cabimento da medida de arresto, mas apenas como exemplos dc situações em que a providência em princípio deve ser deferida. Por outras palavras, a conjugação dos requisitos apresentados pelos arts. 81.3 e 814 do CPC, induz à su­posição (presunção relativa) da presença do fumus boni iuris e do periculum in mora„ São, portanto, casos em que o legislador fixou (ao menos até prova em contrário) a presença dos requisitos para a concessão da medida, de modo a facilitar a prova imposta ao requerente da medida.

Em outros casos, não arrolados pelos preceitos mencionados, caberá ao reque­rente demonstrar a presença do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação e da aparência do direito, de modo a obter o arresto..

Outra solução importaria ou na negativa de outorga da medidacauteíar quando ela fosse absolutamente necessária, em franca violação à promessa contida no art. 5,°, XXXV, da CF, ou na concessão de outra providência (medida cautelar inominada) com o mesmo conteúdo do arresto, para tais circunstâncias,o que implicaria evidente preciosismo com as formas, que não mais se justifica nos dias atuais.

Seja como for, na jurisprudência, vê-se clara tendência em exigir aprova literal da divida liquida e certa,10 ainda que normalmente se atenue o rigor com o elenco das causae arresti, contempladas pelo art. 813 do C PC ,11

B Ovídio Baptista da Silva, Do processo cautelar, c it , p.. 2379 Contra, entendendo imprescindível a presença de prova literal da dívida, ver Humberto

T heodoro Júnior, Tutela cautelar, v 4, p. 124 e 126.10 STJ, 3 a I , REsp 869,399/SC, rei Min Menezes Direito, D /t /04.06.2007, p. 352;

STj,3.aT,REspll5,767/M T,rel Min Nilson Naves, £>71/19.04.1999, p. 133;TJM G,9.aCC, Agln 1,0079,06.249032-5/001, rei. Des. Pedro Bemardes,£>/08.07.2006;TJRS, 9 a CC, AC 70019751791, rei. Des Mário José Gomes Pereira,D/21,11.2007; TJPR, 19,aCC, AC 0248662-8, rcl Des Lauri Caetano da Silva,j. 10 .02 2005. Entendendo que, à mingua da prova literal da dívida líquida e certa é cabível medtda cautelar inominada, ver STJ, 5 aT., REsp 753.788/AL, rei. Min FeíixFischer,D/í714.11.2005,p.400;TAMG,5.aC C,A C457.266-91rel JuÍ2 Hélcio Valentim, DJU15 09.2004;TJPR, 8..aCC,AC 0392623-4, rei.. Des. Macedo Pacheco,j. 12 .04.2007

u STJ, 3 aT , REsp 709.479/SP, rei. Min Nancy Andrighi, D JU 01 02.2006, p 548; STJ, 1 »T„ REsp I70,272/R 0, rei. Min. Garcia Vieira, £>71702.08.1999, p. 145;TJRS, 9 a CC, AC 70010944718, rei. Des íris Helena Medeiros Nogueira, D J 09 05 2005; TJPR, 18.a CC,

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ARRESTO 209

Diante disso, frente a créditos ainda ilíquidos, deve-se promover prévia li­quidação (ainda que provisória) do crédito, no intuito de atender às exigências da jurisprudência e evitar possível negativa de tutela.

Por outro lado, a certeza indicada pelo texto legal, não pode sei visto em sua acepção clássica, como sinônimo de indíscutibilidade do crédito, Recorde-se que a medida cautelar não lida com o conceito de certeza, que é típico dos processos de cognição exauriente. O campo das cautelares é o da aparência, de modo que seria impensável que uma medida como o arresto pudesse apresentar, dentre seus requisitos, exigência de certeza. A certeza a que alude alei, portanto, deve ser entendida no sentido que lhe empresta o art. 586, do CPC, ou seja, como sinônimo de dívida determinada em relação ao seu objeto. Não se admite, assim, que a dívida a ser protegida por via do arresto tenha conteúdo indeterminado ou prestação indefinida Inexistindo este óbice, a divida é certa par a preencher o requisito posto pelo art, 814 do CPC.

Quanto à previsão contida no parágrafo único, do art. 814, a equiparar à prova literal da dívida a sentença judicial, deve-se sublinhar o fato de que não apenas as sentenças estritamente condenatórias se prestam a tal fim,. Iodas as sentenças que impõem prestações de fato, que possam sujeitai-se a execução por quantia certa, estão certamente abarcadas em tal conceito, devendo ser aceitas para fins de arresto.12

Enfim, vale lembrar alguns casos particulares de arresto, que se submetem a regras próprias e, por isso, merecem ressalva. Assim ocorre com o arresto de navios, que dispensam o requisito da liquidez e certeza do crédito, exigindo apenas a de­monstração da probabilidade do crédito para sua outorga,13 O arresto de navios possui, ademais, limitações, seja em relação ao tipo de dívida que admite seu arresto (arts, 481 e 483 do Código Comercial), seja decorrente da nacionalidade da embarcação (art, 482 do Código Comercial),.

Particular também é o arresto de aeronaves,. Essa constrição, seguindo os moldes traçados para a penhora desse tipo de bem, deve ser averbada no Registro Aeronáutico Brasileiro (art, 155 da Lei 7.565/86), sem que se autorize a interrupção do serviço prestado (art, 155, § 1.°, da Leí 7.565/86).

Outro caso particular de arresto é o previsto no art, 7.° da Lei 8.429/92. Trata-se do arresto para assegurar o ressarcimento dos cofres públicos por ato de improbidade administrativa,. Como se vê daquele preceito, trata-se de medida com a mesma finalidade do arresto, mas que se sujeita aos requisitos gerais da medida

Agln 0264369-2, rei. Des Rabello Filho,j.. 07 06.2005; TJSP,22.3 C.. de Direito Privado, Agln 7150013100, rei. Des.Thiers Fernandes Lobo,j 10.07.2007 Em sentido contrário, entendendo que o arresto só tem cabimento nos casos estritos previstos no art 813, ver STJ, 4 a'T., AgRg na MC 11..967/AP,rel. Min . Aldir Passarinho Junior, D JU 11 12.2006, p 360.

12 Cf. Ovídio Baptista da Silva, Do procedimento cautelar, cit., p. 246n C f Ovidio Baptista da Silva, Do processo cautelar, c it, p. 229

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210 CAUTELARES ESPECÍFICAS

cautelar inominada, dispensando, assim, a prova literal de crédito líquido e certo, do mesmo modo que as causae arresti, enumeradas no art. 813 do CPC,

3.3 Condições da ação no arresto

Embora não existam, propriamente, particularidades em relação às condições na ação cautelar dc arresto, convêm examinar situações particulares, eventualmente ocorrentes na prática, que tocam diretamente ao tema.,

3 3.1 Legitimidade

Todos aqueles que se aleguem titulares de relaçãojurídica que consista, natural ou acidentalmente, em imposição de pagar quantia certa estão legitimados a requerer o arresto Note-se que a legitimidade para o arresto não depende, necessariamente, de ostentar o requerente a condição de credor frente a alguém, Embora o credor seja o natural legitimado para postular o arresto, também aqueles caracterizados como obrigados de regresso (a exemplo dos fiadores ou avalistas), embora sejam devedores, podem postular a garantia, frente aos devedores principais H

O Ministério Público, nas causas em que intervém como parte ou ainda na­quelas em que atua como custos legis, é autorizado a pleitear arresto.

Quanto ao pólo passivo da demanda, nele estará, de ordinário, o suposto devedor da obrigação,, Poderão, porém, figurar nessa condição, os fiadores e avalistas do devedor ~já que respondem solidariamente pela obrigação contraída15 - e ainda o terceiro responsável por dívida alheia, na forma especificada pelo art . 592 do CPC 16

De todo modo, ainda quando o arresto deva incidir sobre bem que pertença à pessoa casada, é dispensável a citação do cônjuge para o arresto.. E que o arresto (assim como a penhora) constitui garantia pessoal, de modo que não tem incidência aqui o regime do art. 10 do C PC .17

M ldcm ,p 231. Neste sentido: Agravo de Instrumento A ção cautelar de arresto. Lim i­nar Preenchimento dos requisitos legais Legitimidade do titular de direito regressivo cm face do demandado, na condição de prestador dc garantia real cm céduia rural hipotecária, em cuja execução a penhora rccaiu exclusivamente sobre o bem gravado (...).. Decisão que subsiste por seus próprios fundamentos.. Agravo desprovido ” (TJR S, 17 a C C , A gln 7 0 0 04273421 , rei . Des. Eduardo Uhlcin, j. 25 06 2002)

15 TJM S, l . aT., A C 2 0 0 2 .0 0 7 0 0 8 -4 /0 0 0 0 -0 0 , rei. Des Jo su é de Oliveira, j 0 6 .04 2004 ; T JSC , 2 n C.. Direito Civil, A C 1999..004302-9 , rei. Des.. Antônio do Rego M onteiro Rocha, j 23 06 2005

16 STJ, 4 a T , REsp 3 3 4 .759/R J, rei. M in Ruy Rosado de Aguiar, D JU 01 0 7 .2 0 0 2 , p.. 3 4 7 ;T JR S, 19 n C C , A C 7 0 0 0 8 2 5 1 5 5 5 , rei Des. Guinther Spode, j. 0 4 05 2004 .

'' Sérgio Seiji Shimura,//m\í/0 cautelar, cit , p. 88.

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ARRESTO 211

Outrossim, aquele que não é devedor, mas corresponde a sujeito passivo de prestação que pode converter-se em pecúnia, também pode estar sujeito ao arresto, já que, como visto, a garantia se presta tanto para a proteção de prestações propria­mente pecuniárias como para aquelas que se transformam em dinheiro por acidente no cumprimento específico,

J.. 3 2 Interesse processual

No que toca ao interesse processual, é corrente na dou trina a opinião de que, se o risco preexistia à celebração do contrato com o devedor, não é admissível o arresto de seus bens., A legitimidade do arresto está condicionada ao surgimento do risco depois de constituído o crédito, ou, ao menos, à ciência posterior do credor sobre o estado de risco que havia na época da contratação 18

Por outro lado, o fato de o crédito permitir imediata execução não elimina, por si só, a utilidade do emprego da medida cautelar de arresto De fato, podem suceder circunstancias especiais no caso concreto que determinem, em que pese a pronta exequibiüdade da dívida, a prévia incoação de medida de arresto, no intuito de segregar bens a serem ulterior mente penhorados.

Todavia, essa exigibilidade imediata do crédito a ser protegido não é, eviden­temente, condição indispensável para o deferimento do arresto, Ainda que a dívida não possa ser exigida, é viável o arresto para a proteção da ulterior cobrança do valor Tal é o que já indicava o Código de Processo Civil estadual de Minas Gerais, em seu art. 402: “Para que o arresto seja concedido não é necessário que a dívida já esteja vencida, bastando que a ação possa ser proposta dentro de quinze dias” 19

Enfim, no que toca ao tema do interesse processual, deve-se cogitar da neces­sidade da utilização da via do arresto para o objetivo proposto Recorde-se a existência, hoje, de diversos outros mecanismos com funções bastante semelhantes às desempe­nhadas pelo arresto Tome-se como exemplo a hípotecajudicial, apresentada pelo art, 466 do CPC. Essa figura também ocasiona a indisponibilidade de bens do devedor, independentemente dc qualquer autorização judicial ou necessidade dc comprovação de periculum in mora O mesmo se diga em relação à aveibação prévia, autorizada pelo art. 615-Ado CPC

Esses institutos, normalmente, bastarão a prevenir a violação ao direito de crédito do autor, de modo a tornar desnecessária a propositura do arresto, Somente, então, em casos muito excepcionais - em que a utilidade do arresto possua algum plus em relação àquela decorrente do uso de tais institutos - é que se admitirá o ajui-

1SÍ C f Ovídio Araújo Baptista da Silva, Do processo cautelar, c i t , p 235; Sérgio Sciji Shi- mura, Arresto cautelar, c i t , p 5 9 -6 0

59 Alfredo dc Araújo Lopes da Costa, Medidas preventivas, cit., p 70.

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212 CAU TELARES ESPECÍFICAS

zamento de medida cautelar de arresto em casos em que for possível recorrer a uma daquelas medidas.

3,3,3 Pós í ibilidade jurídica do pedido

Finalmente, no que se refere à possibilidade jurídica do pedido, somente se admidrá o arresto nos casos em que, futuramente, será cabível também a penhora.20 Assim, somente os bens sujeitos à penhora poderão estar sujeitos ao arresto O tema será mais detidamente estudado adiante,

3.4 Bens arrestáveis

Diante do fato de que os bens arrestados destinam-se a ser, posteriormente, objeto de penhora (art, 818 do CPC), resta evidente que somente os bens passíveis de penhora poderão sujeitar-se ao arresto Desse modo, é necessário prestar atento respeito às diretrizes fixadas, entre outras, pelos arts., 649 e 650 do CPC, na medida em que estes bens não poderão estar sujeitos ao axresto, exceção feita aos bens enumerados no último artigo, que poderão ser arrestados à falta de outros bens disponíveis.21

Recorde-se, de todo modo, que mesmo bens em principio impenhoráveis po­dem estar sujeitos a esta constrição, como faz ver o art, 3.° da Leí 8,009/90. Em tais casos, por se estar diante de bens excepcionalmente penhoráveis, pode-se também utilizar do arresto para a proteção da futura execução.22

Por outro lado, vale recordar que o elenco indicado pelos artigos mencionados não esgota os bens impenhoráveis, Como cediço, também são impenhoráveis os bens públicos, alguns direitos autorais (arts , 27 e 38 da Lei 9.610/98), as ações depositadas, os rendimentos, o valor de resgate ou de amortização vinculados a certificados de depósitos (art. 4.3, § 2 °, da Lei 6,.404/76), as rendas constituídas por título gratuito, por deliberação do instituidor (art. 813 do CC) e outros tantos bens e direitos, con­templados por lei.

Também estão excluídos do âmbito do arresto os bens gravados com cláusula de impenhorabilidade, exatamente por não estarem sujeitos à execução.33

Por outro lado, como demonstra a doutrina, há bens não penhoráveis que podem ser sujeitos ao arresto, Dá-se como exemplo as universalidacles de fato, como

20 Francisco Cavalcanti Pontes de M iranda, Comentários ao Código de Processo Civil, t. XII, p 141

21 STJ, 4 a ’T., REsp 3 1 6 ,306 /M G , rei. Min. Aidir Passarinho Junior, D JU 18 .06 2 0 0 7 ,p, 265

22 STJ, 4 ‘ T., REsp 697..893/M S,reí. M in Jo r g e Scartezzini, D JU 01 08 2 0 0 5 , p.. 470.23 Scrgio Setji Shimarai, Arresto cautelar, cit., p. 75 -7 6 .

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ARRESTO 213

é o caso de estabelecimento agrícola.24 Essas universalidades, como se sabe, não poderão ser penhorados, pelo fato de não serem os bens particularizados, de modo que não se poderá proceder à sua alienação em praça. Ainda assim, esses conjuntos de bens poderão ser arrestados, a fim de permitir a ulterior penhora sobre os bens (individualizados) que os integram,

Do mesmo modo,hábens que são,em princípio, inalienáveis e que, no entanto, estão sujeitos à penhora e ao arresto, E o caso, como salienta a doutrina,25 das áreas de terra inferiores ao módulo, que são inalienáveis por negócio jurídico, mas podem ser certamente objeto de execução contra seus proprietários (art,. 8,° da Lei 5,868/72 c/c art,. 65 do Estatuto da Terra - Lei 4,504/64).,

3.5 Pro cedimento do arresto

O procedimento previsto para o arresto segue, em linhas gerais, o tratamento das medidas cautelares exposto na parte gerai do Livro III, do Código de Processo Civil, Assim, inicia-se o processo por petição inicial, que deve preencher os requisi­tos do art 801 do CPC e, se possível, os pressupostos específicos indicados pelo art,, 814, do mesmo Código (prova literal de dívida liquida e certa e prova documental ou justificação de alguma das causae arresti enumeradas no art 813, da Lei Processual). Recorde-se que estes pressupostos específicos constituem^nW^/oparao requerente, de modo a atenuar a prova sobre os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora para a concessão da medída.Todavia, como visto anteriormente, tais elementos (enumerados no art . 814 do CPC) não podem ser vistos como indispensáveis para o ajuizamento da cautelar de arresto, sob pena de deixar desprotegidos diversos inte­resses que, conquanto relevantes, não estão albergados por tal preceito.

Apresentada a inicial, pode ser necessário realizar audiência de justificação prévia, no intuito de apurar a real necessidade da outorga da providência cautelar e a presença dos requisitos necessários (aparência do direito e perigo de dano irrepar ável ou de difícil reparação).

Segundo prevê o art, 815 do CPC, a audiência de justificação prévia, quando necessária, deve ocorrer imediatamente e em segredo (portanto, sem a participação do requerido).. Essa restrição à garantia do contraditório, porém, só se justifica nos casos indicados pelo art, 804 do CPC, ou seja, quando a ciência prévia pelo réu da propositur a da medida cautelar puder frustrar a efetividade da providência eventual­mente deferida,Tirante esse caso, em obediência ao primado do contraditório, deve o réu ter acesso também à audiência de justificação prévia, ainda que não seja esse o momento par a que possa defender-se da cautelar,.

24 O vídio Baptista da S Uva, Curso dá processo civil, v. 3 , p, 227,.

25 Caríos Alberto A l varo de Oliveira e Galeno Lacerda,. Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p.. 34,

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214 CAUTELARES ESPECÍFICAS

Por outro lado, o art. 816 do CPC prevê a dispensa da justificação prévia para a concessão do arresto, quando o requerente for a União, o Estado ou o Município, nos casos previstos em lei, e ainda quando o credor prestar caução. Obviamente, a previsão não tem o condão de subtrair do magistrado a análise da presença da aparência do direito e do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação para a outorga da providência cautelar. Se inexistírem estes requisitos, ainda quando o requerente seja a Fazenda Pública ou mesmo que o credor se ofereça a prestar caução, não há de ser deferida a medida liminar ou mesmo a providência final de arresto,26

Recorde-se que, da decisão judicial que concede ou não a medida liminar de arresto, é cabível impugnação por meio de recurso de agravo por instrumento, De fato, embora, na atualidade, o agravo por instrumento somente seja admitido em casos excepcionais, não há dúvida dc que aqui se está diante de uma dessas hipóteses., E evidente que a decisão que examina a liminar de arresto é suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, de modo a autorizar a interposição de agravo na sua forma por instrumento (art 52 2 do C P C ).

Examinado o pedido de liminar de arresto - seja apenas com base na prova documental produzida com a inicial, seja diante da prova trazida na audiência de justificação prévia - deve o magistrado proceder à citação do réu, para defender-se, na forma do art. 802 do CPC. A par de deduzir sua defesa, poderá o requerido, seja nesse momento, seja em fase ulterior do procedimento de arresto, suspender a efetivação da medida constritiva de seu patrimônio, quer pagando ou depositando em juízo o valor da dívida acrescido de honorários advocatícios (na importância arbitrada pelo juiz) e das custas do feito, quer oferecendo fiador idôneo ou caução para a garantia do valor da dívida somada aos honorários advocatícios e às custas do processo (art. 819). Prestando essas garantias, torna-se desnecessária a indisponíbilidade de bens do arresto, já que a dívida (a ser exigida na ação principal) já se encontra suficiente­mente garantida .Obviamente, se essa outra garantia prestada não for suficiente para cobrir a integralidade do débito demandado na ação principal, subsistirá interesse no arresto, que deverá então sei' efetivado..

E,mbora a lei não diga expressamente, em razão da nova sistemática da execu­ção, é legítimo concluir que o arresto também ficará suspenso se o requerido oferecer fiança bancária ou seguro garantia judicial, no valor da dívida, de seus acréscimos legais e acrescidos de trinta por cento (art. 656, § 2 °, do CPC)

No mais, o procedimento do arresto é aquele disciplinado pela parte geral do Livro III, do Código de Processo Civil, seguindo-se a fase instrutória e a decisão da medida.

■6 Nesse sentido, ver ST j, l . a T..t REsp 139 187/D F , rei M in Hum berto Gomes de Barros, D JU 03 .04 2 000 , p. 113..

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ARRESTO 215

Deferida a liminar ou juigadaprocedente a medida cautelar de arresto, deve-se promover ~ à semelhança do que ocorre com a penhora - a apreensão, o depósito e, eventualmente, a administração dos bens 27

A efetivação desse arresto sujeita-se, no que forem cabíveis, às regras gerais, apresentadas pelo Código de Processo Civil a respeito da penhora de bens (art. 8.21 do CPC), Assim, o arresto se efetiva pela apreensão da coisa ou pela simples lavra tura de auto de arresto, no caso de bens imóveis (arts.. 659 e 664 do CPC) O depósito será feito seguindo-se as diretrizes do art. 666 do CPC, sendo em princípio inviável deixar-se como depositário o réu da ação (salvo no caso descrito no parágrafo pri­meiro do dispositivo, ou seja, nos casos de bens de difícil remoção ou com a expressa anuência do requerente da medida),.

Eventualmente, a pardo depósito, o bem arrestado necessitará ser administrado provisoriamente.,Tal é o que ocorre, por exemplo, com o arresto de estabelecimentos comerciais, industriais ou agrícolas, ou ainda com quotas sociais 28 Em tais casos, deverá o magistrado determinar a forma de gestão provisória do bem arrestado, nomeando para tanto administrador judicial incumbido dessa tarefa.

Outrossim, admite-se a substituição dos bens arrestados, seguindo-se os mesmos critérios que autorizam a substituição dos bens penhorados (arts, 656 e 668 do CPC) 29

A lei não impõe o registro do arresto na matrícula do imóvel, como elemento indispensável para a eficácia do arresto. Todavia, tal como ocorre com a penhora, esse registro constitui salvaguarda para o requerente da medida, a fim de precaver-se contra possível adquirente de boa-fé do bem Como cediço, a eficácia da penhora- e não poderia ser diferente com o arresto - somente se estende às partes envolvidas no processo, não atingindo terceiros.. Assim, sc um terceiro adquire, de boa-fé, bem penhorado, a tendência da jurisprudência é preservar o negócio jurídico, já que não se poderia exigir que este terceiro tivesse ciência da constrição judicial, não sendo legítimo impor-lhe prejuízo pela negligência do credor (que se omitiu em averbar, no registro do bem, a existência do ônus) .30 Essa condição particular da penhora também é aplicável ao arresto.

27 Somente depois dc cumprido integralmente o arresto, com a apreensão da quantidade de bens em valor suficiente e compatível com a dívida assegurada, é que tem início o prazo para a propositura da ação principal. Nesse sentido, ver ST j, 2 nT.., REsp 225 907/SP, rei M in Castro Meira, DJU24 10 .2005 , p 226; S T J,2 .a Seção, E R Esp 69 870/SP, rei Min Ari Pargendler, DJU31 03 2 0 0 3 ,p 142

2íi Ver, Ovidio Araújo Baptista da Silva, Curso de processo civil, c i t , p 2 3 0-23129 Sobre a questão, ver Luiz Guilherme M arinoni, Teoria Geral do Processo (Curso de

Processo Civil, v, 3, item 3 3 ,4),30 Ver, a respeito do assunto, Luiz Guilherme Marinoni, Teoria Geral do Processo (Curso

de Processo Civil, v 3, Parte V, itens 3 1 e 3 2 3)

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216 CAUTELARES ESPECÍFICAS

Também aqui o arresto somente opera efeitos perante as partes envolvidas na medida cautelar, não prejudicando terceiros de boa-fé. A alienação de bem arrestado, em conta disso, não é nula, mas apenas ineficaz frente ao processo de conhecimento e,ulteriormente, frente à execução. Essa ineficácia, todavia, está subordinada à má-fé do adquirente do bem, já que é tendência abertamente aceita pelo sistema jurídico nacional a proteção do terceiro de boa-fé, Por conta disso, tem-se admitido como válida e eficaz a alienação de bem arrestado a terceiro de boa-fé, o que se presume se a constrição judicial não foi registrada na matrícula do imóvel indisponibilizado 35 Não havendo a averbação do arresto no registro imobiliário, compete ao credor a prova da má-fé do terceiro adquirente, a fim de induzir a fraude à execução no negócio jurídico, de modo a manter a utilidade no arresto.32

Outrossim, o arresto produz, em linhas gerais, o mesmo efeito que a penhora opera frente às partes. Assim, em princípio, o arresto retira do devedor a posse direta sobre o bem. Do mesmo modo, o arresto afeta o bem tomado à eventual futura exe­cução. Por fim, embora a questão seja controversa do ponto de vista doutrinário, na ótica da jurisprudência, o arresto ainda produz o efeito de gerar a preferência (para o autor da medida cautelar) sobre o produto da alienação do bem arrestado em even­tual hasta. Exige-se apenas que esse arresto esteja devidamente registrado, a fim de não prejudicar terceiros de boa-fé, Desse modo, havendo arresto de bem anterior a penhora incidente também sobre ele, o titular da primeira constrição terá prioridade na satisfação de seu crédito - ou na reserva do dinheiro correspondente, no caso do arresto - em relação àquele que obteve o segundo ônus,.33

De todo modo, ainda quando concedida a medida de arresto, essa deixa de existir quando ocorrer qualquer causa extintiva da dívida exigida na ação principal (art 820 do CPC).. O texto legal apenas alude a algumas causas extintivas, mas é evidente que, não existindo mais a divida que é protegida pelo arresto, por qualquer causa que seja, torna-se injustificável a manutenção (ou aconcessão) dessa constrição judicial. Do mesmo modo, a extinção do arresto pode dar-se pelas causas gerais de extinção das medidas cautelares, indicadas pelo art. 808 do CPC,34

31 Nesse sentido, ver S T j, 1 .“ T R Esp 49 4 5 4 5 /R S , rei M in Teori Zavascid, D JU2 7 0 9 .2 0 0 4 , p. 2 1 4 ; S T J, 4 » I , R Esp 2 2 0 .9 8 6 /S P , rei Min,. A ldir Passarinho Junior, D JU28 10 2 0 0 2 , p. 321,

32 C f S T J,3 ,:iT ,R E sp 3 3 2 .1 2 ó /S P ,re l Min. Castro Filho,D JU 16 02 2 0 0 4 ,p 2 4 1 ;STJ, 2 .1T , REsp 811 8 9 8 /C E , rei. M in. Eliana Calmon, D JU IS. 10 2 006 , p. 2.33.

33 Nesse sentido, ver STJ, 4 :* T , REsp 759. 700/SP,reí p/acórdão Min. Jorge Scartezzini, D JU 24 0 4 2006 , p- 40 7 (o acórdão trata do arresto do art 6 5 3 ,do C P C , masem seu corpo trata de forma genérica do arresto, assimilando seus efeitos à penhora) . S T J ,4 .aT., REsp 2 .435 /M G , rei p/ acórdão Min Sálvio de Figueiredo Teixeira, D JU 2S 0 8 .1 9 9 5 , p, 26.635..

34 Ver, a respeito, as limitações indicadas à incidência dessa regra, neste volume, Parte II, item 12

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ARRESTO 217

3.6 Conversão do arresto em penhora

Nos termos do que prevê o art. 818 do CPC, “julgadaprocedente a ação prin­cipal, o arresto se resolve em penhora” 35 De fato, como observado inicialmente, a finalidade do arresto é prestar-se a proteger a futura penhora sobre bens do suposto devedor. Desse modo, nada mais natural que, uiteriormente, se confirmada a existência do crédito indicado peio autor da medida, o objeto do arresto passe a constituir o objeto da penhora, no ulterior cumprimento de sentença.

Todavia, o dispositivo em questão merece certa cautela, De inicio, não é certo dizer que o arresto se converte em penhora pelo simples julgamento de procedência da ação principal Sabe-se que, a penhora só é realizada após o inicio da fase do cum­primento da sentença, que depende de provocação do credor (art. 475-J do CPC). Desse modo, é natural que o arresto não possa, de imediato, simplesmente com o julgamento do mérito da ação principal, transformar-se em penhora, sem que o credor tenha dado início à satisfação judicial do seu crédito.

Por conta disso, a conversão do arresto em penhora somente se dá no momento oportuno, ou seja, depois de esgotado o prazo para o pagamento voluntário da dívida- quinze dias contados da incidência da eficácia condenatória sobre o réu - e, mais precisamente, depois da formulação do requerimento pelo credor, na forma do que prescreve o ait. 475-J do C P C 36 Com efeito, no cumprimento de sentença, o requeri­mento inicial se presta para efetuar a penhora de bens do devedor - não há prazo para o pagamento voluntário do devedor depois de iniciada a fase do cumprimento - de modo que, havendo anterior arresto, o requerimento deve dirigir-se para a conversão dos bens arrestados em penhora.

Todavia, deve-se ponderar que o arresto não pode vigorar indefinidamente, à espera do requerimento do credor para dar início ao cumprimento de sentença. Efe­tivamente, se o arresto pudesse perdurar eternamente, até ser convertido em penhora,

35 N ote-se aquí importante peculiaridade do arresto em relação ao regime geral das meclídas cautelares. Nos termos do que prevê o art. 808, III, do C P C , com a extinção do proces­so principal perde também eficácia a medida cautelar Essa regra - que, como acentua Ovídio Baptista da Silva, não corresponde a algo efetivamente aplicável às medidas cautelares em geral (Ver Luiz Guilherme Marinoni, Teoria Geral do Processo [Curso de Processo Civil,v. 3 ,p 178-179)- certamente não tem aplicação ao arresto, que tem disciplina específica sobre o tema.

36 Aqui, ainda, há outra particularidade decorrente da sistemática de cumprimento de sentença, introduzida pela Lei 1 1 .2 3 2 /2 0 0 5 . Nos termos do regime atual, o não cumprimento espontâneo da obrigação faz incidir multa no importe de 10% (dez por cento) sobre o débito. Não há dúvida de que esseplus é computado para a extensão da penhora dos bens do executado Contudo, não se pode inciuí-lo no valor que serve de base para o arresto de bens do devedor Isso porque, quando do arresto, ainda não se tem configurado o desrespeito ao cumprimento voluntário da futura sentença de procedência, não havendo então o pressuposto para a incidência da multa cominada pelo art 4 7 5 -J do C P C

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218 CAUTELARES ESPECÍFICAS

como quer o art.. 818 do CPC, ter-se-ia situação em que o patrimônio do devedor estaria indisponibilizado por tempo indefinido, a único critério do credor.

Para evitar essa situação manifestamente insensata, deve-se concluir que, transitada em julgado a sentença condenatória-que é o momento em que, de modo definitivo, o efeito condenatório se expressa contra o devedor - terá o credor o prazo de trinta dias (art., 806 do CPC) para requerer o início do cumprimento de sentença- ou para pedir a liquidação da dívida - , a fim de manter a constrição de bens decor­rente do arresto.

Não requerido o início da fase de cumprimento de sentença nesse período (ou não promovida a liquidação do quantxnn dsbeatur), é de se concluir que o credor não tem mais interesse na indisponibiiidade cautelar dos bens do devedor, de modo que a medida não mais se justifica.

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Seqüestro

S u m á r i o : 4 1 Noções introdutórias - 4.2 Hipóteses legais dc cabimento doseqüestro -4 .3 Os sequestros especiais ~ 4 4 Efetivação do seqüestro..

4,1 Noções introdutórias

O seqüestro é medida conhecida há muito tempo no direito processual. Era, ao contrário do que ocorreu com o arresto (que tem, como visto, raízes na prática medieval) praticado no direito romano, embora com particular configuração., Naquele período, o seqüestro consistia no depósito, pelas partes, de bem em mãos de terceiro (um depositário, chamado de seqnester), que se obrigava a entregá-lo ao sujeito a quem beneficiasse certa condição, que poderia consistir, por exemplo, na vitória da ação principal.5

A medida cautelar de seqüestro apresenta atuação muito parecida com o ar­resto,Também ela se presta para a apreensão de bens, no intuito de assegurar futura efetivação de provimento final..

Todavia, a nota substancial de distinção entre o arresto e o seqüestro é o fato de que esta última medida se destina à proteção de pretensões sobre coisa determinada. Pode~se dizer que, enquanto o arresto tem por finalidade viabilizar futura execução de pagamento de soma em dinheiro, o seqüestro destina-se a preser var ulterior exe­cução (em sentido amplo) para entrega de coisa, Ou seja, a finalidade do seqüestro é proteger ulterior tutela do direito que.se caracterize pela entrega de bem determinado ao interessado,

O bem que é objeto do seqüestro é, por isso mesmo, normalmente, o objeto litigwso do processo Em razão disso, é viável perceber diferença clara entre o arresto e o seqüestro no tocante ao objeto de sua incidência,. O arresto, no particular, incidirá

! "Espécie dc depósito no qual o depositário se obrigava a entregar a coisa àqueie a cujo favor se verificasse uma condição, que poderia ser, por exemplo, a vitória na demanda sobre a coisa depositada Esse depósito podia scr voluntário ou forçado (por ordem do juiz) Neste último caso, a obrigação de restituir resultava de um quase-contrato, que o vencedor fazia valer por ação: se­ques trataria adio depoúti' (Alfredo de Araújo Lopes da Costa, Medidas preventivas, c i t , p.. 90)

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220 CAUTELARES ESPECÍFICAS

sempre sobre bens que pertencem, indiscutivelmente, ao devedor (ou ao responsável pela dívida) - já que sua finalidade é viabilizar a ulterior penhora, que só pode incidir sobre bens que estejam futuramente sujeitos à execução da dívida. Ao contrário, o seqüestro terá por objeto, em regra, bem de propriedade ou posse discutível - pelo fato de que, normalmente, a discussão dessa propriedade ou dessa posse constitui o objeto da ação principal2 A propósito, importa salientar que a discussão sobre a propriedade ou a posse do bem seqüestrado, embora seja normal, na ação principal, não é exigência inafastável Com efeito, o importante é que o requerente da cautelar de seqüestro ostente pretensão sobre o bem na ação principal, que pode estar fundada em direito real ou não. Assim, também o autor que discute relação obrigacional, que tenha como conseqüência a entrega de coisa determinada, também pode valer-se da medida de seqüestro para defender o bem específico contra eventual lesão do réu ou de terceiro,3

Enfim, tem-se que, o seqüestro tem como grande diferencial, o fato de inci­dir sobre bem especifico, de modo a protegê-lo contra destruição, dano, alienação ou dcsaparccimento.

Por conta disso, o objeto do seqüestro - diversamente do que ocorre com o do arresto - deve ser sempre determinado e especificado. Cumpre ao requerente da medida apontar exatamente o bem que pretende que seja protegido, já que isso é ínsito à cautelar em questão

4.2 Hipóteses legais de cabimento do seqüestro

Ao disciplinar o seqüestro, o Código de Processo Civil seguiu a experiência -com o visto anteriormente, frustrada-do arresto, buscando indicar os precisos casos em que a medida é cabível Diz o art, 822 do CPC, que “o juiz, a requerimento da parte, pode decretar o seqüestro: I ~ de bens móveis, semoventes ou imóveis, quando lhes for disputada a propriedade ou a posse, havendo fundado receio de rixas ou da- nificações; II - dos frutos e rendimentos do imóvel reivindicando, se o réu, depois de condenado por sentença ainda sujeita a recurso, os dissipar; III - dos bens do casal, nas ações de desquite e de anulação de casamento, se o cônjuge os estiver dilapidando; I V - nos demais casos expressos em lei”,

Nos termos do primeiro inciso, é viável o seqüestro para a proteção de móveis, imóveis ou semoventes, no intuito de evitar rixas ou danos, que pudessem comprome­ter a utilidade de futura ação pela qual se determine a posse ou a propriedade de tais coisas, Entende-se que a demanda em questão não obrigator iamente deve ter como objeto principal a posse ou a propriedade dos bens,. Esses interesses podem constituir o objetivo mediato da demanda, ou seja, constituir a conseqüência da procedência

2 Ovídio Araújo Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, cit,, p . 2.32,-1 TA M G , 6 ,3 CC,., A gln 4 5 8 .2 5 8 -1 , rei Juíza Heloísa Com bat, 13 /2 7 .0 8 .2 0 0 4 .

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SEQÜESTRO 221

da demanda principal, como ocorre em ação que busca anular a compra e venda de certo bem, cujo resultado ensejará a restituição de determinada coisa/

A previsão contida no inciso II assemelha-se à primeira, tratando, porém, dos frutos e rendimentos de imóvel Na verdade, o preceito contém severa limitação ao cabimento da cautelar, ao exigir que esse seqüestro somente seja admitido: (a) para a proteção de frutos de bens imóveis, (b) em ação reivindicatória; e (c) que exista sentença de procedência ainda não transitada em julgado„ Obviamente, a previsão é insuficiente, sobretudo porque o perigo de dissipação dos frutos - que, salvo esti- pulação em contrário, pertencem ao titular do imóvel ~ pode ocorrer, sem dúvida, antes da sentença. Nada justifica, outrossim, a exclusão de frutos de outros tipos de bens da proteção judicial, ou mesmo a limitação a que essa cautelar somente esteja atrelada à demanda reivindicatória.

Quanto ao inciso III, trata de caso par ticular, atinente às relações patrimoniais entre cônjuges, no caso de desfazimento do laço conjugal. Mais uma vez, a regra é insuficiente, já que deixa de pr ever a possibilidade de socorrer-se da medida cautelar para a proteção do divórcio ou de separação de união estável,, Por outr o lado, a proteção apenas do patrimônio do casal deixaria de lado os bens próprios e r eservados de um dos cônjuges, o que, por óbvio, não teria sentido, Ademais, não seria apenas a dila­pidação do patrimônio que seria capaz de gerar o perigo de dano grave e irreparável ou de dificíl reparação. Também a sua ocultação ou a sua danificação gerariam tais conseqüências e mereceriam proteção judicial.

De todo modo, a redação do preceito dá a falsa impressão de que o seqüestro somente pode ser admitido nos casos ali arrolados. Todavia, similarmente ao que ocorre com o arresto, a limitação da medida apenas às hipóteses indicadas no tex­to legal conduziria a soluções inadequadas, em qualquer sentido. De fato, caso se tomasse como taxativo o rol mencionado, ter-se~Ía ou de admitir que, nos demais casos, seria viável uma medida cautelar inominada, com o mesmo conteúdo e função do seqüestro, ou se admitiria que, para estes outros casos, o ordenamento jurídico nacional não contempla a possibilidade de proteção, em franca violação ao disposto no art 5 °, XXXV, da C R A primeira alternativa é por óbvio insatisfatória, por sujeitar o “seqüestro" a um duplo regime: ao típico, nos casos descritos no art. 822 do CPC e ao atípico nos demais casos, diante da simples circunstância de a hipótese estar espe­cificamente descrita no comando legal ou não; a segunda alternativa implicaria clara inconstitucionalidade do art., B22 do CPC, com sua necessária exrirpação do sistema processual. Vê-se, então, que nenhuma das duas alternativas pode ser admitida.

Diante disso, deve-se considerar que os casos descritos no art, 822 são meros exemplos dos casos em que o seqüestro é cabível. São, por assim dizer,presunçôes re­lativas da existência do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, de modo a

A Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários a o Código de Processo Civil, c i t , p 103-104 .

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222 CAUTELARES ESPECÍFICAS

simplificar a prova necessária para que o autor possa fazer jus à medida cautelar Por outras palavras, incidindo o caso concreto em uma das situações narradas no preceito indicado, estará caracterizado - salvo prova em contrário - o perigo de dano irreparável para a outorga da providência cautelar. Se, ao contrário, a situação não se amoldar àqueles casos, então deverá o requerente fazer prova suficiente do perigo de dano 5

Seja como for, em todos os casos descritos no art 822 do CPC, vê-se nítida a função desempenhada pelo seqüestro, de conservação de bem determinado (ou de seus frutos), contra dilapidação, deterioração, subtração ou danificação por uma das partes do processo. Por conta disso, e tendo em vista as observações feitas no último parágrafo, sempre que houver situação que implique dano ou perecimento de bem que é objeto do processo, ainda quando não descrito explicitamente no texto do art 8.22, pode-se utilizar do seqüestro para a proteção desse objeto.,

4.3 Os sequestros especiais

Segundo prevê o art, 8 22, IV, do CPC, a medida de seqüestro é também cabível nos demais casos expressos em lei A previsão em questão merece análise em separado, porque não raro se prevê sequestros (ou medidas com esse nome) que não guardam nenhuma semelhança com a medida aqui estudada.

Observe-se, por exemplo, o seqüestro de que trata o art. 100, § 2 °, da C F (que trata do “'seqüestro”de valores para a garantia da ordem do pagamento de precatórios requisito rios). A previsão é repetida pelo art. 731 do CPC e, da simples leitura de tais preceitos, vê-se de modo claro que a figura em questão não guarda nenhuma relação com o seqüestro cautelar., Aliás, a medida disciplinada nesses artigos sequer é figura que ostenta natureza cautelar

Com efeito, sua concessão independe da análise àtpericu/um in mora e de fumus boni iuris; não há qualquer risco de dilapidação patrimonial envolvido na questão; sua função é preservar execução para pagamento de quantia certa; e seu procedimento não guarda qualquer correspondência com a medida cautelar aqui examinada

O mesmo ocorre com o seqüestro criminal, a que aludem o art 125 e ss do CPP A medida aqui tratada se presta para a apreensão de bens obtidos com o produto de

5 Agravo de Instrumento Medida cautelar de seqüestro A rt 822 Relação meramente exemplificativn.. Fumus boni iuris Periculum in mora As hipóteses previstas no art., 822 para o cabimento da medida cautelar dc seqüestro não são exaustivas, sendo possível a medida sempre que houver perigo dc destruição ou perecimento de um objeto iitigloso ( ). (T A M G , 3..n C C , Agln 370 5 7 0 -4 , rei. JuízaTeresa Cristina da Cunha Peixoto, D /2 3 11 .2002) Em sentido seme­lhante, dando interpretação extensiva ao art 822 do C P C : S T j,3 aT ., REsp 43 248/SP, rei Min. Carlos Alberto Menezes Direito, D JU 0 2 .12 1996 , p.. 47670 ; ST j, 4 a T , REsp 60 .288/S P , rei. Min Ruy Rosado dc Aguiar, D JU 21 06 1995 , p.. 3 2 3 7 7 ;T jR S, 1 6 a C C , A C 7 0 0 1 8073866 , rei. Des Ergio Roque M enine,j 11 .04 2007 ; TJR S, 9.» C C , AC 70 0 1 3 0 8 3 6 1 3 , rei Des Marilene Bonzanini Bcrnardi.j 13 1 0 2 0 0 5

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SEQÜESTRO 223

crime e tem por finalidade possibilitar o futuro perdimento de tais bens cm favor do poder público, Para sua decretação é suficiente a existência de “indícios veementes da proveniência ilícita dos bens” (art. 126 do CPP), sem que se cogite da existência do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. Ora, como são evidentes essas características da medida de seqüestro criminal distancia-a nitidamente do seqüestro cautelar civil.

Não é outra a situação do seqüestro a que alude o art.. 45 da Lei 6.,024/74 - que trata do seqüestro de bens de ex-administradores de instituições financeiras, em caso de liquidação da entidade., A finalidade dessa medida é, claramente, viabilizar a ulterior responsabilização desses ex-administradores por eventuais prejuízos por eles causados., Trata-se, portanto, de clara hipótese de arresto (como, aliás, faz ver o § 2.° do mesmo dispositivo) e que, assim, não se sujeita ao regime do seqüestro cautelar, aqui estudado.

O fundamental, a partir de tais exemplos, é perceber que muitos desses outros “sequestros” a que alude o direito brasileiro não têm a mesma substância da medida aqui examinada.. A maioria deles sequer tem natureza cautelar, não se sujeitando, portanto, aos pressupostos do fumus boni iuris e. do periculum in mora,

E preciso,portanto, estar atento ao seqüestro de que se trata concretamente Vá­rios deles possuem regime próprio, que não se amolda às previsões aqui estudadas

4.4 Efetivação do seqüestro

Segundo prescreve o art. 8.23, aplicam-se ao seqüestro, no que couberem, as previsões contidas no Código de Processo Civil referentes ao arresto.. Na realidade, é evidente que essa aplicação analógica somente é possível em relação à forma de efetivação da medida-não,certamente,quanto aos requisitos dacautelar-sobretudo porque,em ambas, tem-se a apreensão e o depósito de bens até decisão final. E, mesmo assim, há substanciais diferenças entre as medidas, que devem ser respeitadas

De início, vale sublinhar que a principal característica do seqüestro é a apreensão de coisa determinada.. Por isso, ao contrário do arresto, no início do procedimento, será necessário que o requerente precise, de forma minuciosa, o bem que deve sofrer a constrição judicial - o que, por óbvio, não existe no arresto . De outro lado, é certo que a previsão de substituição do bem arrestado, viável em razão do que prevê o art 805 do CPC,certamente não tem cabimento em relação à medida de seqüestro, que visa à proteção de bem específico.

Também a finalidade do arresto distingue-se cabalmente daquela prevista para o seqüestro., Como visto, o arresto destina-se a ser convertido em penhora (art . 818 do CPC)., Essa não é, inquestionavelmente, a finalidade do seqüestro. O seqüestro tem por objetivo, ao final, entregar ao vitorioso da demanda principal um bem útil e íntegro, não tendo, assim, nenhuma relação com eventual futura penhora. Nessa mesma linha, o bem seqüestrado, em regra, será imediatamente entregue ao vencedor

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224 CAUTELARES ESPECÍFICAS

no final do processo principal; já no arresto, isso não ocorre de forma necessária, já que o bem somente sofrerá outro tipo de apreensão judicial (a penhora), que pode ou não, ulteriormente, converter-se em adjudicação.6

Ademais, é evidente que alguns dispositivos existentes no trato do arresto são nitidamente incompatíveis com o regime do seqüestro. Por exemplo, é clara a inaplicabilidade ao seqüestro das previsões contidas nos arts. 819 e 820 do CPC, que tratam, respectivamente, da suspensão e da extinção do arresto,. Esses preceitos indicam situações em que a dívida (que é objeto do processo) resta protegida ou extinta, tornando desnecessário o arresto. É evidente que esses comandos não têm pertinência com o tema de que trata o seqüestro, O mesmo ocorre com o previsto no art, B16 do CPC. Essa determinação - somente aplicável ao arresto - dispensa a justificação prévia para a concessão da medida quando requerida por pessoa jurídica de direito público e ainda no caso de o credor prestar caução,. Não há dúvida de que isso não tem nenhuma aplicação ao seqüestro, que sequer cogita de crédito.

Desse modo, as regras do arresto aplicáveis ao seqüestro dizem respeito, apenas, à forma de apreensão e de guarda do bem ~ que, por sua vez, segue, no que forem aplicáveis, as regras referentes à penhora (art, 821 do CPC).

Assim, deferida a medida liminar (ou a sentença de seqüestro) será o bem apreendido e depositado, O depósito será procedido junto à pessoa indicada pelo magistrado, que poderá ser pessoa indicada, de comum acordo, pelas partes ou uma das par tes, desde que ofereça maiores garantias e preste caução (art. 824 do C PC ).7 Será tomado do depositário compromisso legal, após o que lhe será confiado o bem para guarda e conservação. Havendo resistência na entrega do bem ao depositário, poderá este requerer ao juiz força policial para obter o depósito (art,, 825 e parágrafo único, do CPC).

Se necessár io, o bem depositado também poderá ser administrado, aplicando- se aqui as previsões próprias constantes do regime da penhora.

6 Ver, sobre essas diferenças, Ovidio Baptista da Silva, Curso de processo civil, cit.., p. 2 4 1 -242

' Observe-se que o art. 666 do C P C , em sua redação atual, impede,em princípio, queo depósito de bens penhorados se dê em mãos do devedor. A previsão, todavia, não revoga o dispositivo especifico do seqüestro, mesmo porque a finalidade da proibição em questão não tem pertinência no caso do seqüestro

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5Caução

S u m á r i o : 5 .1 N oções introdutórias- 5 . 2 Procedim ento da caução: 5 .2 .1 P ro ­cedim ento da caução espontânea; 5.2,.2 Procedim ento da caução fo rç a d a - 5 ,3 Sentença da caução - 5 4 A cautioproexpensis-5,5 Reforço de caução

5. 1 Noções introdutórias

Sob adenominação de caução, reúne o Código de Processo Civil diversos insti­tutos heterogêneos, alguns dos quais com natureza claramente cautelar e outros não. Na realidade, a figura da caução não é uma exclusividade do direito processual, sendo também instituto conhecido do direito material. Há, então, cauções que constituem objeto principal de demandas judiciais - porque constituem direito autônomo, de cunho material - e outras que nascem do processo Por outro lado, há cauções que exigem do magistrado a avaliação da necessidade e conveniência em sua prestação e há outras que são impostas por lei, sem que se possa cogitar da existência à t periculum in mora ou de fumus bom iuris.

Essa diversidade de institutos leva a doutrina a discutir acirradamente sobre a natureza da medida que defere a caução, havendo quem a entenda com natureza cautelar, enquanto outros vêem ai a possibilidade de veicularem-se múltiplas formas de tutela,

Como já alertado anteriormente, sempre que se esteja diante de uma caução que tenha por objetivo a asseguração de uma tutela ressarcitória, essa garantia terá natureza cautelar,1 Na realidade, para a apuração da cautelaridade da caução não importam cogitações sobre a avaliação judicial da aparência do direito ou do risco de dano irreparável ou de difícil reparação , Não é isso o que caracteriza uma medida cautelar, mas sim, como se viu na exposição da parte geral desta obra, a função de asseguração de outra tutela,

No caso da caução, essa assegur ação se dará sempre sobre outra tutela de caráter ressarci tório, já que o objetivo da garantia é, simplesmente, proteger futuras pretensões satisfativas, pelas quais se imponha a reparação de certo dano. Não importa que esse

1 Ver Parte I, item 4 5..

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226 CAUTELARES ESPECÍFICAS

dano seja efetivo (ou seja,já ocorrido) ou fiituro ou ainda eventual Porque a medida se destina a assegurar a viabilidade da tutela ressarcitória futura (ainda que eventual), está-se aqui diante de uma medida cautelar

De outro lado, a proteção em questão há de ser sempre de pretensão ressarcitória- e não de outras espécies de pretensão. Note-se, com efeito, que a caução não tem caráter preventivo, já que é incapaz de impedir a vioiação a direito. Por isso, não se confimde com espécie de tutela inibitória, A finalidade da caução é, simplesmente, permitir que, se violado o direito e caracterizado certo dano, possa esse ser reparado de forma mais ágil e simples, por meio da imediata incidência da responsabilidade sobre a garantia.,2

Note-se, portanto, que o dano que se liga à caução não precisa ter ocorrido, para que caiba a medida,, E suficiente que possa ocorrer esse dano, para que se tenha por cautelar a medida de caução a ele dirigida,3 Será, assim, cautelar a caução de dano iminente, exigíveí por proprietário contra vizinho que seja dono de imóvel que ameace ruir (art., 1..280 do CC). Também será a caução exigida do tutor de menor, quando o patrimônio deste for de elevado valor (art 1.745, parágrafo único, do CC), O mesmo se diga em relação à caução exigida pelo Código de Processo Civil, para a prática de atos que possam gerar danos irreparáveis na execução provisória (art. 4 7 5 -0 , III, do CPC) Enfim, em qualquer caso em que a medida de caução vise a assegurar o ressarcimento futuro (ainda que eventual) de um dano, está-se diante de medida cautelar

Posta esta premissa, nota-se que pode haver cauções processuais e materiais. Pode também existir caução que exija a análise judicial para apurar a sua incidência ou não, bem como situações em que essa avaliação está vedada. Fala~se,com efeito, em cauções de direito completo, para indicar esses casos, em que a caução tem seus pressupostos já fixados em leí, não deixando ao magistrado margem de liberdade para analisar, no caso concreto, a existência ou não do risco de dano.

■ No passado, imaginava-se que a caução tinha caráter preventivo, exatamente porque nâo se cogitava da possibilidade de generalização das tutelas efetivamente preventivas, isto é,da tutela inibitória Se a tutela do direito só podia scr ressarcitória, o instrumento que se prestava a garantir a sua obtenção era naturalmente visto com o preventivo Lembre-se que Hugo Simas, após lembrar que não seria possível o pedido da abstenção do ato de construir, concluiu que a caução de dano infecto era “preventiva do dano a ser reclamado por ação de indenização” (Hugo Simas, Comentários ao Código dc Processo Civil, v. VIII, p.. 25).

■* E clássica a lição de que a caução é 'o ato por via do qual se assegura a indenização de algum dano possível ou se a previne para a falta de cumprimento de alguma obrigação" (Luiz A n­tonio da C osta Carvalho, Curso teórico-prático de direito judiciário civil, v. 2 , p 387).. Nesse mesmo sentido, é correto dizer, com José de M oura Rocha que a caução é “uma garantia ao cumprimento da obrigação ou à satisfação de um dano eventual” (Exegese do Código de Processo Civil, v. III, p 234), N ote-se, porem, que o autor rcRita o caráter de medidas cautelares das cauções, ainda que veja uma finalidade cautelar nelas (ob c i t , p 236)

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CAUÇÃO 227

De toda sorte, em que pese a multiplicidade de regimes (materiais) das cau­ções, em termos processuais, a pretensão a caução será sempre exigíveí por uma de duas vias. Em primeiro lugar, essa caução pode ser exigida e prestada internamente a outro processo, como simples incidente deste . Tal é o que ocorre, por exemplo, com a caução do art- 4 7 5 -0 , III, do CPC, com a caução do art., 805 do mesmo Código, ou com aquela estabelecida pelo art., 1 .'745, par ágrafo único, do CC, acima mencio­nado.’1 Dessa caução, por óbvio, não se cogita aqui, já que ela, embora tenha natureza cautelar, não necessita de veículo próprio para ser postulada ou prestada., Ela é dada dentro de outro processo, de modo que, em termos procedimentais, não suscita maior polêmica para o tema em estudo,

O outro caminho que pode ser dado para a prestação de caução é a via autônoma Haverá cauções que deverão serprestadas (ou exigidas) em processo especificamente designado para esse fim . Assim se dá com a caução de dano iminente (art, 1,280 do CC) ou com a caução do usufrutuário, quando o exija o dono do bem (art 1 400 do CC). E para esses últimos que a lei reserva a medida de caução

Como é evidente, a medida de caução, embora cautelar, não segue o regime clássico das providências asseguratórias Não exige que se proponha outra demanda (principal) em trinta dias (art.. 806 do CPC), não possui a instabilidade comum das medidas cautelares corriqueiras e, em muitos casos, nem exige a demonstração de perigo de dano ou de aparência do direito.. Isso ocorrerá, porém, por conta da espécie de caução em jogo e não da natureza cautelar ou não da medida.

Por isso, não importa o tipo de caução de que se trate, exigindo ela a propositura de uma ação para ser prestada ou exigida, seu rito será aquele disciplinado pelo art 826 e ss., do CPC,

O Código de Processo Civil, ao tratar da medida de caução, dá-lhe interpretação ampla, compreendendo por esse termo qualquer espécie de garantia real ou fidejussória (art. 826)., De outra parte, admite que, em caução, possa-se prestar qualquer espécie de garantia, a exemplo da hipoteca, do penhor, da fiança ou do depósito de títulos e valores. Enfim, qualquer garantia que deva ser prestada ou exigida em via judicial, e para a qual não haja previsão de incidência no seio de processo já instaurado, deverá ser implementada por meio da medida de caução

5.2 Procedimento da caução

O procedimento disciplinado a partir do art 826 do CPC, trata da caução a ser prestada pelo autor da medida (dita caução espontânea, prevista no art. S29) e também daquela solicitada por ele (chamada de caução provocada, regulada a partir

4 “Art. 1.745.. ( . ).. Parágrafo único. Sc o patrimônio do menor for de valor considcrávcl, poderá ojuiz condicionar o exercício da tutela à prestação de caução bastante, podendo dispensá- la se o tutor for de reconhecida idoneidade ”

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228 CAUTELARES ESPECÍFICAS

clo art 830). Há, portanto, duas medidas distintas tratadas sob a mesma rubrica, o que impõe análise em separado

De todo modo, estabelece o art. 828 do CPC, que “a caução pode ser prestada pelo interessado ou por terceiro”. Daí, evidentemente, não resulta a conclusão de que a medida de caução (especialmente a caução buscada do requerido) poderá ser postulada por terceiro, que nenhum interesse tem em litígio, a favor de outra pessoa (que tem o direito à caução),, A previsão, que tem caráter material e não processual, simplesmente significa que a caução em si não precisa ser necessariamente prestada por aquele que tem a obr igação de fazê-lo, podendo também ser apresentada por terceir a pessoa Isso é natural, nos casos de fiança, em que a garantia vem prestada por terceiro, mas também pode ocorrer em quaisquer outros casos, desde que o terceiro assuma essa imposição.

A questão, porém, tem reflexos para o processo, na medida em que se legitima para promover a caução espontânea não apenas aquele que tem a obrigação (legal, negociai ou processual) de prestá-la, mas também qualquer terceiro que deseje efetuar a garantia em benefício do obrigado.

Do mesmo modo, no pólo passivo da caução forçada, poderá concretizar a cau­ção não apenas o requerido, mas também qualquer outra pessoa. Neste último caso, é claro, esse terceiro não assumirá a condição de réu do processo, permanecendo como ter ceiro, Sua participação no processo limitar~se~á, tão só, a dar efetivo cumprimento à ordem de caução determinada ao réu,.5

5.2.1 Procedimento da canção espontânea

Aquele que tiver de prestar caução deverá solicitar a citação do beneficiário, para recebê-la em juízo, Seu pleito será revestido da forma de petição inicial, em que, a par dos requisitos gerais, de verá mencionar “I - o valor a caucionar; I I - o modo pelo qual a caução vai ser prestada; III - a estimativa dos bens; IV - a prova da suficiência da caução ou da idoneidade do fiador” (art. 829 do CPC).

Nota-se que a inicial não discute a prestação garantida pela caução, razão pela qual os requisitos específicos dizem respeito, apenas, à adequação da caução a ser prestada. Obviamente, isso não exclui o dever de o requerente aludir à situação tutelanda, de modo que deve ele indicar a que se refere a caução que será prestada..

Apresentada a petição inicial, poderá o juiz, de plano, indeferi-la, nos casos do art. 295 do CPC, ou quando manifestamente inexista o dever apontado pelo requerente, Não constitui, porém, motivo para o indeferimento liminar da medida o fato de a caução poder ser prestada diretamente em outro processo (dispensando a propositura de ação separada). Isso porque o exagero cometido pelo requerente - em instaurar novo processo quando isso era dispensável - não deve resultar na rejeição

5 C f Ovidio Araújo Baptista da Silva, Curso de processo civil, cit., p. 256

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CAUÇÃO 229

da caução.. Será simplesmente o caso de aceitar o pedido como incidente do feito já instaurado, descaracterizando~o como procedimento autônomo.

Recebida a inicial, será o requerido citado para, no prazo de cinco dias (art 831 do CPC) oferecer resposta. Impugnada a caução prestada, caberá ao juiz verificai se há ou não necessidade de produção de provas . Nâo sendo necessário, cumpre-lhe proferir desde logo sentença, decidindo sobre a caução (art. 8.32, III, do CPC) Se houver essa necessidade, deverá designar audiência de instrução e julgamento, a fim de colher provas orais para formar sua convicção (art, 8,33 do CPC) ou então designar, fora dessa audiência, outras provas que entenda necessárias (a exemplo da prova pericial),

Poderá o requerido, ainda, aceitar de pronto a caução, caso em que o magistrado proferirá sentença imediata (art 832, II) determinando ao requerente que preste a caução no prazo que fixar (art. 834).

Essa sentença comporta, ao menos em tese, recurso de apelação, embora seja raro o seu emprego, haja vista o fato de que a sentença se limitará a aceitar o pleito formulado pelo requerente, admitido pelo requerido, sem decidir efetivamente so­bre a caução Desse modo, em regra, faltará interesse recursal para ambas as partes interporem recurso contra essa sentença Em casos, porém, em que se vislumbre esse interesse, a sentença desafiará, como sempre recurso de apelação,

De toda sorte, porque a apelação eventualmente interposta não é dotada de efeito suspensivo (art. 520, IV, do CPC), cabe ao requerente, desde logo, cumprir com a caução proposta, no prazo fixado pelo magistrado, Se, porém, o requerente não cumprir com a determinação judicial dentro do prazo estipulado, o juiz considerará “não prestada a caução”(art. 8.34,parágrafo único, I, do CPC), sujeitando o requerente aos efeitos consectários dessa situação..

5.2.2 Procedimento da caução forçada

Quem tiver interesse em que ihe seja prestada caução, poderá utilizar-se também do procedimento previsto para a medida de caução para esse fim. A petição inicial, que será apresentada na forma do que prescreve o art,. 830 do CPC, pleiteará “a citação do obrigado para que a preste, sob pena de incorrer na sanção que a lei ou o contrato cominar para a falta”.. Como é evidente, a petição inicial não se limitará a isso. Deverá indicar os requisitos gerais, apontando, especialmente a causa de pedir da demanda, ou seja, o motivo que leva o requerente a sustentar seu direito à caução. Competirá, ainda, ao requerente, estabelecer o montante da garantia a ser prestada e a sua forma, se for o caso..

Novamente, poderá a inicial ser de plano indeferida, se desatendidos os requi­sitos legais, ou admitida. Neste segundo caso, será o requerido citado para oferecer resposta em cinco dias (art. 831 do CPC).. Impugnado o dever de prestar a garantia,

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230 CAUIELARES ESPECÍFICAS

o valor desta ou o modo pleiteado pelo requerente, ou ainda apresentadas defesas outras, o procedimento seguirá regime muito parecido com o rito ordinário..

Ojuiz, se entender desnecessárias outras provas (porque a matéria versada é exclusivamente de direito ou, em sendo de direito e de fato, já se encontra provada à saciedade por meio documental) deverá proferir desde logo sentença.. Caso contrá­rio, entendendo necessária a instrução da causa, designará audiência de instrução e julgamento, se deferir a produção de prova oral (art.. 833 do CPC) ou determinará a produção de outras provas {vg., pericial) segundo o regime padrão. Ultimada a instrução, deverá ojuiz decidir sobre o pleito iniciai

O requerido poderá ainda, no prazo da resposta, prestar a caução que lhe é exi­gida, sem ressalva, Essa atitude, equivalente ao reconhecimento do pedido, resultará na imediata homologação por sentença, com a fixação de prazo para o cumprimento da prestação.6

Julgada procedente a pretensão inicial à caução do requerido, tal como ocorre no caso da sentença homologatória, deverá ojuiz arbitrar prazo para que o requerido preste a caução. Em ambos os casos, se a caução não for prestada no prazo assinalado, fará incidir o juiz a sanção respectiva, prevista pela lei ou pelo negócio jurídico (art. 834, parágrafo único, II, do CPC)

5 3 Sentença da caução

Bem examinadas as previsões a respeito da sentença da caução, vê-se que o procedimento ali tratado não contempla apenas uma sentença, mas duas., Cada uma delas encerra uma fase do procedimento, de modo muito similar ao que hoje ocorre com as ações que impõem obrigação de pagar, fazer, não fazer e entregar coisa

De fato, nas cauções espontâneas, caberá ao juiz,julgando procedente o pedido do autor, fixar prazo para que este preste a caução por ele solicitada, Tem-se aqui, a primeira sentença, que examina propriamente o direito â caução, entendendo-o existente l-indo o prazo, se a caução foi prestada na forma como determinado em sentença, a obrigação estará exaurida, de modo que deve o magistrado proferir sentença extintiva, nos mesmos moídes daquela prevista no art, 795 do C P C . Ao contrário, se não houver a prestação de caução no prazo assinalado, ou se esta não corresponder àquilo que havia sido determinado em sentença, haverá ojuiz de pro­ferir nova sentença, em que considerará “não prestada a caução” (art. 8.34, parágrafo único, í, do CPC) ,

De forma similar, no caso de caução forçada, a sentença que julga o pedido do autor, se entendê-lo procedente, determinará ao réu que preste a caução em prazo de­terminado Tem-se aqui a sentença (da fase “de conhecimento”) da medida de caução..

fl Tal como na caução espontânea, essa sentença cm tese comporta apelação, que será, porém, dificilmente admitida, porque em regra ausente no caso o interesse recursal.

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CAUÇÃO 231

Passado o prazo sem que o réu tenha cumprido a determinação judicial, 011 não tendo sido observados os parâmetros fixados para a caução, deverá ojuiz, por nova sentença, reconhecer por não atendida a pretensão do autor.. Incidirão, então, as sanções decor­rentes da não prestação da caução, previstas ou em lei ou no ato negociai.

Esta segunda sentença tem suscitado acirrada polêmica Há quem entenda que esse ato é completamente inútil, porque não haveria necessidade de o magistrado “reconhecer" incidentes os efeitos da não prestação de caução, na medida em que isso decorre da própria lei ou do negócio jurídico.. Essa sentença, portanto, não teria nenhuma função, razão pela qual seria, por não acrescentar nada, seria irrecorrível.7 Todavia, parece necessário considerar que pode sim haver conteúdo decisório nesse ato, na medida em que, muítas vezes, terá ojuiz de examinai se a caução que foi pres­tada está adequada às exigências da parte ou àquilo que fora fixado, anteriormente, na primeira sentença Nesses termos, essa sentença passa a impor cognição judicial sobre o ocorrido, de modo que se sujeita a recurso (apelação)8

Quanto às conseqüências do “reconhecimento” judicial de que a caução não foi prestada ou de que devem incidir as sanções respectivas, vale advertir, podem elas variar em amplo espectro.,

Em se tratando de caução de direito material, satisfativa, a conseqüência prevista será aquela tratada pela própria lei material ou pelo ato negociai.

No caso de caução cautelar, todavia, parece correta a orientação da doutrina que entende que a conclusão de que não foi prestada a caução deve resolver~se na conversão do procedimento em arresto de bens do obrigado a prestar caução.9 Assim deve ser porque aqui se está diante de caução de índole cautelar e, portanto, imposta para evitar 0 perigo de dano irreparável ou de difícil reparação . Desse modo, qual­quer outra solução, como simplesmente considerar não prestada a caução exigida, não seria apta a afastar 0 perigo que está na base da outorga da proteção Qualquer outro ttpo de provimento, portanto, seria inábil para conferir tutela adequada ao interesse posto pelo requerente Ademais, porque essa segunda sentença é calcada em aparência do direito (cognição sumária), não haveria aí declaratividade suficiente capaz de fazer coisajulgada para, de modo incontroverso, fazer incidir qualquer conseqüência de direito material prevista para 0 caso em que se reconhecesse por não prestada a caução

Por isso, a única solução plausível para dar eficácia ao provimento aqui conferido será o de oferecer a ele eficácia mandamental, de modo que, não prestada a caução no

7 Nesse sentido, entre outros, ver Carlos Alberto Aívaro de Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p.. 171..

3 Admitindo também a apelação sobre essa sentença, ver, entre outros, Francisco Caval­canti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, c it, p. 203

9 Nesse sentido, ver Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, c it , p 258-259

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232 CAUTELARES ESPECÍFICAS

prazo estipulado, tocará ao juiz proceder ao arresto de bens do requerido, efetivando a caução que este deveria ter prestado e não o fez.10

5.4 A cantiopro expensis

Segundo estabelece o art,. 835 do CPC, “o autor, nacional ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou dele se ausentar na pendência da demanda, prestará, nas ações que intentar, caução suficiente às custas e honorários de advogado da parte contrária, se não tiver no Brasil bens imóveis que lhe assegurem o pagamento"..

Trata-se aí da caução pelas despesas processuais, conhecida há muito no direito nacional11 Inovando em relação ao texto presente no Código de Processo Civil anterior, o Código vigente acrescenta que a caução deve abranger as despesas com os honorários advocatícios e dispensa o requerimento do réu paia a instituição da garantia.

Evidentemente, o dispositivo está mal colocado no livro referente aos pro­cedimentos cautelares, A questão relaciona-se com as despesas processuais, o que recomendaria que seu trato estivesse ali alocado, De todo modo, a previsão não tem nenhuma relação com o procedimento da medida de caução, nem possui natureza cautelar, como e evidente , Não se exige, para a sua incidência, a presença do fumus boni iuris ou do periculum in mora, nem se suporia que essa caução depende de processo autônomo para ser exigida e prestada.

A medida, portanto, limita-se a es tabelecer, no curso do processo já instaurado, garantia ao pagamento integral das despesas processuais (em especifico, as custas e os honorários advocatícios), diante da circunstância de que o autor de ação, por não possuir bens imóveis em território nacional e por estar ausente do país (o que poderia inviabilizar eventual execução ulterior por esses créditos) possa frustrar o pagamento de tais valores

10 Essa já era a solução antiga para certas cauções. Tratando da caução muáana - devida, então, pelo legatário para pedir o legado condicional - afirmava Lobão que “o legatário a quem se deixou um legado condicional, ou modal, maximt com modo, que seja a sua causa finai; condição, ou modo, que deverá cumprir depois de adquirir, e possui a cousa legada, elle deve antes da adquisi- ção, requerendo-o a pessoa interessada, prestar caução de adimplir a condição, ou modo; e, não o adimpiindo, ficar eüe, ou sua herança responsável ao interessado (que havia de succeder na falta do implemento) não só pela restituição da cousa legada, mas por todos os fruetos e rendimentos d’ella, que perceber” (Manuel de Almeida e Sousa de Lobão, Tratadopratico compendiario de todas as acções summarias, § 227, p 161).

11 A medida já estava prevista nas Ordenações Filipinas (Livro III,T. 20, § 6 o), no Re­gulamento 737 (art. 736), na primitiva Lei de Introdução ao Código Civil (art 18) e no CPC de 1939 (art 67), Ver sobre a história mais remota dessa medida, Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários no Código de Processo Civil, cit, p 205-206

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CAUÇÃO 233

A grande questão posta em relação a esta previsão diz respeito à sua consti- tucionalidade. Parcela da doutrina nacional, com apoio na interpretação dada peía Corte Constitucional italiana em relação ao art. 98 do Código de Processo Civil da­quele pais, entende inconstitucional essa exigência, por violação à gar antia do acesso à justiça.12 Na base do entendimento está a conclusão de que, ao exigir essa caução, poderá o direito inviabilizar a manutenção do processo, por insuficiência de recursos do autor, constituindo essa imposição, ademais, sempre, uma restrição à garantia de acesso ao Poder judiciário,

Para outra parte da doutrina, tem-se como constitucional a exigência, na me­dida em que ela se destina, exclusivamente, a proteger o interesse do processo, em satisfazer as custas do processo e as despesas decorrentes da sucumbência.

Parece, con tudo, maís acertada a opinião de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira,13 Tratando-se de discussão que envolve a proteção de interesse fundamental, parece correta a conclusão de que qualquer solução a p rio ri é inadequada.

Por isso, sempre que se verificar que a exigência da caução inviabiliza a ins­tauração ou o prosseguimento do processo, tornar-se-á inexigível, porque incons­titucional . Note-se que essa inviabilidade não depende, necessariamente, do estado de pobreza da parte autora. Por vezes, embora não se trate de pessoa pobre, por ser estrangeiro, todos os seus recursos de vulto encontram-se no exterior e, às vezes, imobilizados. Nesse caso, ainda que a pessoa não seja pobre, descaberá a exigência da garantia.

Por oportuno, é i mportante recordar que, se o caso tratar de pessoa realmente carente, ou que não tenha condições de arcar com as despesas do processo sem pre­juízo para sua subsistência, seja nacional ou estrangeira (art,. 2.° da Lei 1.060/50), estará ela por autorização legal, isenta, ao menos temporariamente, das despesas do processo.H Por conta dessa isenção, parece claro que tais pessoas, ainda que se enquadrem na previsão contida no art,. 835, em estudo, não estarão sujeitas à caução pro expenús,.

Caso contrário, podendo o autor arcar com esses valores, nada justificaria a dispensa de caução,já que a existência das despesas do processo não são consider adas, em si mesmos, como obstáculos inconstitucionais ao acesso ao Poder judiciário

Do mesmo modo, poderia admitir~se, no intuito de conjugar as exigências em conflito, solução intermediária, fundada em interpretação conforme a Constituição,

12 Ver por todos, Ada Peliegrini Grínover, Osprincípios canstituc ionais e o Código de Processo Ctvil, p 63-65

13 Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 174-175H Trata-se de isenção eventualmente temporária porque, se o requerente tiver alterada

sua situação financeira, podendo arcar com as despesas do processo, deverá fazê-lo (art 12 da mesma lei).

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234 CAUTELARES ESPECÍFICAS

que exigisse a caução, mas apresentasse certa flexibilidade ou quanto ao seu momento, ou quanto à sua forma ou quanto ao lugar em que deveria ser prestada..13

No mais, em relação ao regime jurídico atual da medida, é de se observar que esta caução pode ser imposta de ofício pelo magistrado, não dependendo de requeri­mento da parte contrária Sua exigibilidade independe da presença (ou ausência) de perigo de dano ou dc aparência do direito., Trata-se de caução imposta pelo simples fato da ausência do requerente do país, sem deixar bens imóveis capazes de garantir- as despesas do processo,

Também, sua incidência não exige a propositura de demanda autônoma, nem a observância do rito estabelecido para a caução, dos arts,. 826 a 834 do CPC A medida será determinada e prestada nos próprios autos da ação cujas despesas se pretendem proteger.

Enfim, como prevê o art. 836 do CPC, essa caução/w expenm não é exigíveí em certos tipos de demandas. Assim, não será ela imposta, ainda que o autor se au­sente do país sem deixar imóveis capazes de garantir o valor das despesas processuais, “I ~ na execução fundada em título extrajudicial; II - na reconvenção” , Ainda que o texto legal possa indicar rol exaustivo, considera-se que há outras espécies de ação em que também se torna inexigível a caução aqui estudada, Assim, por exemplo, tem-se como descabida a garantia em homologação de sentença arbitrai estrangeira10 e na ação de busca e apreensão.,17

N ão prestada a caução, quando ela for exigida, deve-se extinguxr o processo sem exame de mérito, por falta de pressuposto processual de desenvolvimento válido

S ,5 Reforço de caução

Sempre que prestada a caução, pode suceder de tornar-se ela insuficiente .Isso tanto pode decorrer da natural depreciação dos bens dados em garantia ou de altera­ções na capacidade econômica do fiador, como em razão da valorização daquilo que se precisava garantir. Em tais casos, haverá desfalque da caução prestada, porque ela já não atenderá mais à finalidade de garantia a que se destinava..

Note-se que o desfalque em questão não exige má-fé da parte que ofereceu a caução, nem se limita a casos em que tenha havido o propósito de prejudicar o processo.

15 Nesse sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que “não acarreta a nulidade do processo o depósito tardio da caução exigida pelo art 835, do CPC, falta que não prejudicou o processo nem causou dano à parte adversa" (STj, 4 n T , REsp 331 022/RJ, rei Min Rosado de Aguiar, D JU 06 05 2002, p. 296)

16 STJ, Corte Especial, SEC 507/EX, rei Min Gilson Dipp, DJU 13.11.2006, p 204; STF,Pleno,SEC 5.378/FR, rei.Min Maurício Corrêa, DJU2S 02 2000, p..54; STF, Pleno, SEC5 847/IN, rel .Min Maurício Corrêa,D JU 17.12.1999,p. 4.

!' ST J, 4 a 1 , REsp 660 437/SP, rei. Min Asfor Rocha, DJU 14,03,2005, p 378.

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CAUÇÃO 235

Bastará a existência, por fato ulterior à estipulação da caução, de descompasso entre o valor da garantia e o montante garantido, para que se tenha como caracterizado o desfalque.,

Ocorrendo esse desfalque, poderá a parte interessada requerer o reforço da caução antes prestada. Isso poderá ocorrer tanto na forma do art., 829 (caução es­pontânea), como naquela do art , 830 (caução forçada), do Código de Processo Civil , Ou seja, é possível que esse reforço seja requerido por aquele que tenha de prestar a caução, como também por aquele que espera que a caução seja prestada pelo reque­rido.. Em que pese a redação da parte final do art . 837 do CPC (que menciona que o autor da medida deve indicar a importância de reforço que “pretende obter”) não haveria sentido em privar aquele que deve prestar a garantia do direito de adiantar-se a qualquer pedido, oferecendo sponte. própria a prestação.,

O pedido de reforço de caução será feito por procedimento autônomo, iniciado por petição inicial. Nesta peça, caberá ao requerente indicar as razões que autorizam o pedido e reforço, apontando a depreciação havida com a garantia antes prestada e estabelecendo o montante da diferença (art. 8.37 do CPC) . Novamente, merece re­paro a redação do artigo referido, quando alude à necessidade de que a inicial indique “a depreciação do bem dado em garantia”., A expressão pode indicar que somente a caução real permite reforço, não valendo essa figura para as demais formas de garantia A conclusão, obviamente, seria desprovida de lógica, na medida em que pressupõe que as outras formas de garantia não podem depreciar-se Como observado acima, porém, pode ocorrer, por exemplo, que a garantia pessoal oferecida (fiança) também se torne insuficiente em razão da alteração da condição econômica do fiador, a exigir a mesma complementação da garantia. Por isso, o procedimento de reforço de caução vale para todas as formas de garantias viáveis, não se limitando à garantia real

O procedimento segue o rito normal da medida de caução (tanto a espontânea como a forçada) de modo que haverá a citação do requerido e o momento de instrução da causa. Concluído o procedimento, tocará ao magistrado decidir sobre o pedido de reforço., Conforme estabelece o art. 8.38 do CPC, “julgando procedente o pedido, ojuiz assinará prazo para que o obrigado reforce a caução Não sendo cumprida a sentença, cessarão os efeitos da caução prestada, presumindo-se que o autor tenha desistido da ação ou o recorrente desistido do recurso”..

A parte final do preceito sugere que a medida de reforço de caução estaria liga­da, exclusivamente, à cauçãopro expcnsis, do art.. 835 do CPC De fato, somente em relação a estas cauções é que haveria sentido em aplicar a conseqüência ali prevista, de presumir que o autor tenha desistido da ação ou do recurso apresentado.

Essa visão, entretanto, estreita por demais a função desempenhada pelo re­forço de caução, exigindo solução insatisfatória para os outros casos. Com efeito, a prevalecer essa interpretação, porque não se pode excluir que também em outros casos de caução ocorra o desfalque, será necessário prever outro mecanismo para o reforço de caução ali prestado Esse reforço ou assumirá a forma da ação de caução

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2 3 6 CAU TELARES ESPECÍFICAS

ou será veiculado por medida cautelar inominada. A primeira resposta eqüivale a aplicar paia esse reforço a previsão dos arts. 837 e 838 do CPC. A segunda solução faria necessário ajuizar uma cautelai' inominada com a mesma forma de uma medida de caução, o que, sem dúvida, seria uma incoerência..

Por isso, em que pese a existência de elementos que ligam o procedimento de reforço exclusivamente à caução pro expemis, é evidente que a medida também deve ser destinada para tratar do reforço de outras cauções, variando-se apenas a conseqüência

De todo modo, a solução do julgamento da medida de reforço de caução será a mesma prevista para a medida de prestação de caução em si. Em razão do que já foi dito ao examinai' o tema (item 5,3, supra), dispensa-se maiores comentários,

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Busca e Apreensão

S u m á r i o : 6.1 Questões preliminares - 6 .2 Procedimento da busca e apreen­são.

6.1 Questões preliminares

Anteriormente, viu-se que o Código de Processo Civil disciplina minuciosa­mente, duas medidas cautelares que têm por finalidade o desapossamento de bens do requerido e sua entrega ao depositário (o arresto e o seqüestro). Adiante, será também estudada a medida cautelar de arrolamento de bens, cujo objetivo é também muito similar a estes, apenas com ênfase para a descrição pormenorizada dos bens apreendidos, Aqui, enfim, o Código disciplina outra medida com função semelhante, a busca e apreensão, Nesse universo de medidas com semelhantes estrutura e eficácia, cumpre tentar extremar os casos em que uma ou outra técnica deve ser aplicada,.

Na realidade, como anota a doutrina,1 a busca e apreensão aqui estudada não deve ser vista como um único instituto, mas sim como a form a assumida por diversos mecanismos judiciais de apreensão e remoção de bens e de pessoas, para diversas fina­lidades. Desse modo, não há, a rigor, uma medida de busca e apreensão, mas sim uma disciplina genética para qualquer hipótese em que seja necessário localizar, apreender e remover bens ou pessoas no interesse de um processo de caráter civil,

Assim, a disciplina que se há de examinai aqui é apenas a de um procedimento, recorrível sempre que for necessária a busca e o desapossamento de certo bem ou de certa pessoa, independentemente do tipo de direito que constitui a base dessa preten­são. Apenas não se utilizarão desse “procedimento modelo” as buscas e apreensões para as quais alei destinar procedimento específico. Afigura em estudo, portanto, se presta como estrutura residual, cabível para a operação de qualquer busca e apreensão que não possua regime próprio e ainda para todos os elementos que não sejam disciplinados especificamente em outra parte do direito processual. Tome-se, por exemplo, a ação de busca e apreensão tratada pelo Dec -lei 911/69, que trata da alienação fiduciária

1 Ver, entre outros, Ovídio Baptista da Silva, Cinso de processo civil,cit, p. 261 e ss; Alcides Alberto Munhoz da Cunha, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p 316 e 489.

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cm garantiu. Ali há a previsão específica de um regime para a efetivação da busca e apreensão dos bens cm questão, de modo que não se aplica àquele procedimento, o regtme aqui descrito. Todavia, para os casos em que não há previsão de regime pró­prio, subsidiariamente deverá ser aplicado o regime aqui descrito para a efetivação da ordem que imponha busca e apreensão de bens ou pessoas.

Em conta disso, a medida de busca e apreensão reúne figuras claramente distintas, que não permitem uma visão unívoca sobre sua natureza jurídica Assim, haverá buscas e apreensões cautelares, antecipatórias, satisfativas etc..,conforme sejam as pretensões que estão na base da medida decretada..

Cabe salientar que a busca e apreensão particulariza-se frente às outras medidas já estudadas por um dado que lhe é peculiar: na busca e apreensão, há sempre, como elemento indissociável da medida, n necessidade de localizar o objeto da apreensão, o que nem sempre ocorrerá com as outras medidas.. De fato, no arresto e no seqüestro não há, ao menos como peça intrínseca, a necessidade de encontrar o bem a ser objeto da constrição Bastará, para sua efetivação, a localização do bem que é objeto do litígio (seqüestro) ou de bens em montante compatível com a dívida afirmada (arresto) Na busca e apreensão, ao contrário, é essencial o elemento da localização daquilo a ser tomado

E fato que, eventualmente, esse elemento pode dissolver-se na realidade con­creta, porque, por exemplo, o bem foi facilmente encontrado, já que estava exposto ou era de localização notória Do mesmo modo, pode suceder que na efetivação do arresto ou do seqüestro, ocorra dificuldade de acesso2 ou de localização dos bens a serem apreendidos Todavia, é de se ponderar que, na ação de busca e apreensão, esse elemento é natural, ao passo que, nas outras figuras, isso é meramente acidental e ocasional,3

Outra particularidade da busca e apreensão é que ela é a única medida que permite a tomada de pessoas, além de bens (art.. 8,39 do CPC) Não há, portanto, no direito brasileiro, seqüestro ou arresto de pessoas, mas somente a sua busca e apreensão. Ademais, a medida em estudo também permite a constrição de direitos, como se vê da previsão contida no art., 842, § 3.°, do CPC, ao tratar do procedimento de busca e apreensão de direito autoral ou conexo.

Enfim, do que se extrai da dicção do Código de Processo Civil, pode-se con­cluir que a medida aqui estudada disciplina o modus operandi de toda providência que, não tendo regulamentação própria, visa à localização, à apreensão e ao depósito de pessoas, direitos ou coisas

2 Recorde-se que o Código chega a prever, expressamente, essa possibilidade, dizendo que “sc houver resistência, o depositário solicitará ao juiz a requisição de força policiai” (art 825, parágrafo único, do CPC)

3 Cf Ovidio Baptista da Silva, Curso dc processo civil, cit , p. 265

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BUSCA E APREENSÃO 239

6.2 Procedimento da busca e apreensão

No que toca ao procedimento da busca e apreensão, é necessário, antes de adentrar no exame de seus aspectos concretos, abordar questão preliminar- Trata-se de verificar a que tipos de medidas de busca e apreensão é aplicável o procedimento que se vai examinar. E francamente majoritária a orientação que conclui que não importa se a medida tem caráter satisfativo ou não para a determinação do rito a ser seguido. Assim, mesmo as medidas que não se revistam de natureza cautelar observarão o rito aqui estudado, ainda que visem à cognição exauriente e à tuteia satisfativa..

Todavia, em uma peculiaridade, essa mesma uniformidade não se verifica A doutrina que trata do assunto divide-se entre aqueles que consideram que o rito previsto pelo art.. 839 e ss. (com aplicação subsidiária do regime geral das medidas cautelares, previsto no art.. 800 e ss.. do CPC) é aplicado, indistintamente, a qualquer medida de busca e apreensão para a qual não esteja previsto procedimento especial, em lei própria.'1 Outros, porém, entendem que a medida de busca e apreensão que envolva pessoas deve valer-se do rito ordinário, porque, em razão de sua gravidade, não se justificaria a restrição ao contraditório presente no procedimento das tutelas de urgência.5

Ainda que existam fundadas razões que militam em favor da segunda tese, não parece que suas conclusões estejam corretas A sumariedade formal do rito cautelar- com a aceleração dos prazos e a eliminação de certos atos e fases processuais - não lhe retíra a legitimidade, nem a possibilidade de cognição suficiente e compatível com a necessidade de qualquer busca e apreensão. Não há dúvida de que a busca e apreensão de menores trata com valores fundamentais, mas também poderão lidar com interesses fundamentais as medidas de busca referentes a coisas (v g , bens de um hospital ou bens de uma escola), sem que a doutrina cogite aqui de qualquer inconveniente no emprego do rito cautelar Ademais, não há qualquer base legal para que se empregue um rito em certos casos e outro rito em outras circunstâncias, nada garantindo que o rito ordinário produza frutos melhores do que o abreviado, em cada caso concreto. Por fim, é de se ver que o emprego do rito ordinário em ações de busca e apreensão de menores, se, em tese, garante de modo eficaz o contraditório, prejudica na mesma medida as garantias de acesso ao Judiciário e de tempestividade da prestação jurisdi­cional, que também têm status constitucional., Assim, não parece razoável tratar de modo distinto a busca e apreensão em razão do seu objeto

Por conta disso, todas as buscas e apreensões serão regidas pelas disposições do art. 839 e ss.-, do CPC, não obstante o seu objeto, saívo se houver previsão em iei que determine o contrário.

4 Manifestando esse entendimento, ver por todos, Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, cit., p, 267-268.

5 Seguindo esse entendimento, ver Carlos Alberto Aivaro de Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil, c it, p. 196-197..

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Desse modo, seguindo o regime geral, a medida de busca e apreensão será requerida por petição escrita, em que o interessado exporá “as razões justificativas da medida e da ciência de estar a pessoa ou a coisa no lugar designado" (art. 840 do CPC). Trata-se, dependendo da natureza da medida (se cautelar ou satisfativa), da exposição sumária ou exauriente da causa de pedir. Deve o requerente, como se vê da parte final do dispositivo, indicar os motivos pelos quais entende que a pessoa ou a coisa está no local indicado na exordiaL

Como visto anteriormente, a busca e apreensão caracteriza-se pela necessidade de localizar a pessoa ou a coisa objeto da constrição judicial. Desse modo, a indicação do local em que se encontra o objeto da apreensão se presta, unicamente, par a justificar a necessidade dessa espécie de medida. Por isso, nâo há necessidade de o requerente comprovar, de forma inequívoca, que realmente o objeto da apreensão está no lugar indicado - mesmo porque isso seria incompatível com a natureza sumária das me­didas de busca urgentes.. Bastará a existência de indícios suficientes de que o bem ou a pessoa esteja no lugar indicado, para a satisfação do requisito Havendo essa piau- síbilidade, mas não sendo o bem ou a pessoa encontrado no local indicado, poderão ser procedidas outras diligências, a fim de se localizar o objeto da apreensão.

O utrossim, pode suceder que o lugar da busca não se limita apenas a um espaço determinado, Em se tratando de vários objetos ou várias pessoas (como seriam obras em violação a direito autoral) resta evidente que serão necessárias diversas diligências para a efetivação da busca e apreensão determinada,

A medida de busca e apreensão pode sei decretada liminarmente, antes mesmo da oitiva do requerido, E o que indica o art, 841 do CPC, Para o deferimento dessa ordem liminar, poderá o magistrado calcar-se em prova documental, apresentada com a inicial, ou em prova oral, produzida em audiência de justificação prévia. Em havendo necessidade de produzir prova oral sumária, em audiência preliminar, deverá ser o requerido, em principio, intimado para acompanhar esse ato, podendo contraditar testemunhas, formular perguntas a elas ou, eventualmente, apresentar contra prova, Não é, porém, essa a oportunidade para que o requerido deduza sua defesa, que lhe será oportunizada em momento posterior,

A audiência de justificação prévia pode também conduzida sem a participação do requerido, nos moldes do que admite o art. 804 do CPC Isso ocorrerá sempre que a ciência do requerido da existência da medida possa frustrar-lhe a eficácia,6 ou ainda em casos urgentíssimos, em que seria inviável aguardar a convocação prévia do requerido em face da premente situação de uigência apontada pelo requerente

Se necessário, essa audiência de justificação prévia pode ser realizada em segredo de justiça, especialmente quando a causa envolver a busca de menores (art. 155, II, do CPC)..

6 Pense-se no caso em que o requerido, tendo ciência do ajuizamento da medida, possa desaparecer com o bem ou com a pessoa

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Após a análise de eventual pedido de liminar, deverá o requerido ser citado para oferecer resposta, no prazo de cinco dias (art. 802 do CPC) Ainda que o Código de Processo Civil não trate da defesa do réu no procedimento de busca e apreensão, é evidente que assiste a ele o direito de responder à inicial, aplicando-se, então, sub- sidiariamente, o que prevê a parte gerai do Livro III, do CPC, como determina o seu art. 812 . Por isso, poderá o réu apresentar resposta, em que poderá suscitar não apenas questões referentes ao direito à busca e apreensão solicitada, mas ainda no concernente ao local em que a coisa ou a pessoa deve ser depositada (art 841, II, do CPC) ou sobre eventuais excessos no cumprimento de ordem liminar.

Se necessário, designará o juiz audiência de instrução e julgamento, paia a colheita de prova oral do interesse das partes (art. 803, parágrafo único, do CPC), proferindo então sentença,.

Deferida a medida, liminarmente ou em sentença, ordenará o magistrado a busca e a apreensão da pessoa ou da coisa objeto do pleito inicial, No mandado, deverá constar a descrição do objeto da constrição, o lugar em que provavelmente ele se localiza e o destino a lhe ser dado, Haverá, portanto, a necessidade de se indicar depositário para aquilo que foi apreendido, devendo o magistrado de pronto tratar dessa situação..

O mandado deve ser cumprido por dois oficiais de justiça, “um dos quais o lerá ao morador, intimando~o a abrir as por tas” (art. 842 do C P C ). Havendo resistência no atendimento à ordem de acesso, poderão os oficiais arrombar portas, abrir móveis e vasculhar qualquer lugar em que suspeitem que possa estar ocultado o bem ou a pessoa objeto da ordem judicial (art 842, § 1 ° , do CPC),. De todas as diligências conduzidas, deverão os oficiais lavrar termo circunstanciado, que será assinado por eles e por duas testemunhas se houver necessidade de vencer a resistência do ordenado (arts,. 843 e 842, § 2 ° , do CPC),,

Eventualmente, poderão ser adotadas cautelas especiais para a efetivação de certas ordens de busca e apreensão. Assim, determina o Código que, em se tratando de busca e apreensão de bens em violação a direito autoral ou conexo, deverá ojuiz designar, paia acompanhar os oficiais de justiça, “dois peritos, aos quais incumbirá confirmar a ocorrência da violação, antes de ser efetivada a apreensão” (art,. 842, § 3.°, do CPC) Outrossim, embora a lei não o preveja de forma específica, poderá o magistrado ordenar que os oficiais sejam acompanhados por assistente social, no caso de busca de menor, ou por médico, em caso de busca e apreensão de doente mental,7 ou ainda poderá ojuiz forrar-se de outras cautelas que entenda pertinentes ao caso específico.

Poder-se-ia questionar se, para a efetivação da busca e apreensão em estudo, poderia o juiz lançar mão das técnicas tratadas pelos arts. 461 e 461-A do CPC Como se sabe, o art.. 461-A trata da efetivação das prestações de entrega de coisa.

7 O vidío B aptis ta da S Uva, Curso de processo civil, ct t , p. 2 69

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Segundo seu regime, essas prestações podem ser cumpridas ou por mandados dc busca c apreensão (parabéns móveis) ou de imissão na posse (para bens imóveis),ou ainda por meio das técnicas dc indução, tratadas pelo art.. 461, §§ 4 ° e 5.,°, Seriam essas técnicas utilizáveis também para o cumprimento da busca e apreensão de que aqui se trata?

Parece evidente que sim. Nada justificaria que essas técnicas pudessem ser empregadas para a satisfação de “obrigações” de entrega de coisa - ou de outras pres­tações pelas quais o requerido tivesse de, por sua iniciativa, entregar alguma coisa - e não fossem permitidas para a tutela de outras ordens judiciais com igual conteúdo, Se a autoridade do Estado impõe a apreensão de certa pessoa ou certa coisa, para a efetivação desse comando deve ser empregado o meio mais idôneo e mais pronto, não se podendo ficar vinculado a esquemas pré-fixados ou tipificados.

Por conta disso, desde que as técnicas dos arts... 461 e 461-A, do CPC, reve­lem-se mais adequadas para o caso concreto do que a forma prevista no art. 842 e ss.., mostrando-se, ainda, menos gravosas para o requerido, devem ser empregadas, ainda que essa remissão não conste no tratamento legal da medida de busca e apreensão..

Finalmente, recorde-se que o deferimento da busca e apreensão está condicio­nado à demonstração da sua legitimidade no caso concreto, segundo o tipo de medida em questão. Diante dessa razão, em se tratando de busca e apreensão cautelar, bastará a presença da aparência do direito e do risco de lesão grave ou de difícil reparação para que seja viável a outorga da proteção, Já em se tratando de busca e apreensão satisfativa, deverá haver exame mais criterioso dos pressupostos, pois se está diante de providência oferecida em cognição exauriente, que demandará a efetiva demons- tração do direito à medida pleiteada.

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Exibição

S u m à r j o : 7.1 Noções introdutórias- 7.2 Dever dc colaboração e exibição- 7 3Objetos sujeitos à exibição -7 .4 Procedimento da exibição

7„ 1 Noções introdutórias

O direito fundamental à prova tem ligação evidente com o direito à tutela jurisdicional adequada Partindo-se da premissa de que, no processo de conhe­cimento, deve a parte alegar t provar suas afirmações, é evidente que a alegação sem prova eqüivale à inexistência da alegação,. Daí a importância a ser dada à dis­ciplina da prova no direito processual, já que ela é indispensável para a cognição judicial e, assim, para o sucesso da demanda apresentada pelo autor ou da defesa oferecida pelo réu

Por conta dessa importância, não apenas para o interesse das partes, mas também para o exercício da própria jurisdição, impõe o Código de Processo Civil um dever geral de colaboração, incidente sobre as partes e também sobre terceiros (arts . 339, 340 e 341). Por conta desse dever, todos devem cooperar na reconstru­ção dos fatos da causa. Assim, a parte não se servirá apenas das provas que detém em seu poder, podendo também utilizar-se de elementos que estão sob a guarda de outros (seja o adversário, sejam terceiros) para demonstrar o acerto de sua tese.. Para atender a essa solicitação de exibição é que o Código dc Processo Civil disciplina a medida de exibição.

A exibição, no direito brasileiro, pode assumir duas feições distintas. Pode ela incidir no curso do processo em que o documento ou a coisa deve ser utilizada com fim probatório A medida pode ainda ser requerida antes do ajuizamento da ação em que o documento ou a coisa deve ser empregada. E desta ultima forma que trata a “medida cautelar” de exibição, aqui estudada, já que a outra figura é tratada pelo art. .355 e ss do CPC .

De todo modo, nenhuma das figuras possui natureza cautelar Isso porque a exibição - seja incidental, seja preparatória - não tem por finalidade imediata a proteção da tutela de direito, nem a preservação de situação tutelável.. O objetivo da

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exibição é sempre a preservação da autoridade jurisdicional e, mais precisamente, a proteção da utilidade do processo. Isto porque, como é óbvio, a finalidade dessa medida - assim como da medida de asseguração de prova, a ser adiante examinada- está ligada à preservação do exercício adequado dos direitos de ação e de defesa, o que descaracteriza a natureza cautelar dessa providência ,1 Somente de forma mediata é que essas medidas têm por objetivo resguardar o direito material- Por isso, torna-se claro que a exibição (seja a antecedente, seja a incidente) deveria ser colocada no Livro I, do Código de Processo Civil, na disciplina do direito probatório, e não dentre as medidas cautelares

De toda sorte, afirmar que essa providência não tem natureza cautelar também não implica dizer que ela sempre deva possuir caráter satisfativo ou autônomo . Como se verá adiante, a exibição é normalmente instrumental, no sentido de que, por estar destinada a preservar direitos fundamentais processuais (ação e defesa), em regra devem estar vinculadas a outro processo, em que ocorrerá o direito fundamental que esta medida busca preservar,.

Trata-se, enfim, de um desdobramento do direito fundamental à prova, razão pela qual deve receber o mesmo status das medidas destinadas à preservação de outros interesses processuais fundamentais,

7.2 Dever de colaboração e exibição

Acima se disse que o direito à exibição da prova por outrem existe de forma indiscutível Todavia, esse ponto pacífico já foi objeto de muita controvérsia, tanto em relação à sua efetiva existência, como no que respeita ao fundamento dessa prer- rogativa do Estado,2

Relativamente ao fundamento para a existência de um direito à exibição de bens e documentos que estão na esfera de outra pessoa, vê-se que, na origem do instituto, imaginava-se que essa autorização tinha por pressuposto algum direito material (propriedade) sobre o documento ou a coisa, direito este que permitiria à parte interessada exigir de quem quer que estivesse com o elemento a sua apresenta­ção no processo,3 Ou seja, a exibição processual justificar-se-ia quando o postulante tivesse algum direito substanciai, que lhe assegurasse a possibilidade de impor a sua apresentação em qualquer lugar e, da mesma forma, em juízo (como, por exemplo, na situação em que o pretendente fosse proprietário da coisa). A toda evidência, esta

1 Ver item 6 1, na parte I.2 Sobre todas estas teorias, veja-se Sergio La China, Esibizione documcntaíe., Enciclopédia

dei diritto, v.. XV, p. 701 et seq.3 Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Comentários ao Código de Processo

Civil, v. 5, t.U, p. 176

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teoria não se presta para justificar o instituto da exibição, mesmo porque, como bem acentua, Sergio La China,4 o titular de um direito substancial sobre o documento não necessitaria pedir ao juiz a sua exibição, bastando solicitar àquele que detém a coisa o adimplemento da prestação correspondente,.

E cei to que o titular de um direito sobre a coisa ou sobre o documento (direito de gozo) pode vê-la exibida em juízo.5 Neste caso, todavia, o incidente de exibição torna-se totalmente despropositado, sequer podendo o detentor da coisa ou do do­cumento opor-se à exibição, invocando as razões do art,, 363 do CPC. Com efeito, se o pretendente à exibição tem direito (por exemplo, algum direito real) sobre a coisa, é claro que nem mesmo razões de preservação da intimidade ou violação de dever de honra constituem obstáculo sério à negativa de atendimento ao direito que está sendo exercido/’

A evolução do instituto, todavia, fez com que esta orientação fosse superada e, especificamente no direito italiano, que se admitisse o poder judicial de determinar a exibição de qualquer documento que fosse necessário ao processo, especificamente para o conhecimento dos fatos da causa, no intuito de preservação da autoridade do Estado e do desenvolvimento adequado da atividade jurisdicional.7 Seria a neces­sidade de instruir a demanda judicial com elementos de convicção para ojuiz que justificariam a figura da exibição, Todavia, também esta teoria peca pelo excesso. E claro que, na base do instituto, encontra-se esta raiz; porém, observa-se do deli- neamento da figura que a lei põe a salvo, em diversas circunstâncias, os interesses do sujeito passivo da exibição, liberando-o da carga desta apresentação. Resulta, então, que nem só o interesse exclusivo do pretendente à exibição é que informa o instituto, que busca um equilíbrio entre o interesse público e o particular.

Enfim, como pondera La China, trata-se de uma questão de equilíbrio e de fixação de limites para o exercício dessa prerrogativa,. Assim como seria inviável limitar o direito à exibição somente àqueles documentos e bens sobre os quais o interessado detivesse alguma espécie de direito real, também é inconcebível dar amplitude tal a esse direito, a ponto de atingir qualquer objeto, de forma indiscriminada, Haverá, certamente, algumas coisas e alguns documentos que nenhuma pertinência terão com o conteúdo do processo, que estarão de fora do direito à exibição, Do mesmo modo, há outros interesses relevantes, que merecem ser protegidos, inclusive contra

4 Sergio La China, Esibizione docamentale, cit., v XV, p 7015 Cf. Francesco Carnelutti, Sistema de derechoprocesalcivil, t . II, p. 454.6 “Já da simples existência de um direito de propriedade sobre um documento descende

a estraneidade de qualquer outro sujeito, que não seja o proprietário, em relação ao conteúdo do documento, e assim, de reflexo, uma primeira geral mas segura nota de privacidade dele mesmo” (Sergio La China, Esibizione documentale, cit.., v.XV, p. 704).

7 Enrico Tullio Liebman, Manuale di diritto processuale civile,principi, p. 369,

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o interesse do Estado de buscar, ilimitadamente, dados para a formação da convicção judicialB A solução deste conflito (entre o interesse publico e o particular) parte do exame das hipóteses em que a lei admite a exibição, bem como daquelas outras, em que a lei, apriori, a exclui. Dentro deste campo, é essencial a tarefa do juiz, apreciando a peculiaridade do caso concreto e adaptando a ele as regras abstratamente previstas.. E, então, o conteúdo do documento (ou a ideia que pode transmitir a coisa) que deve orientar a separação dos campos do interesse público e do interesse privado (conforme será visto nos comentários específicos),

Feita essa consideração prévia, insta verificar se existe fundamento para se exigir de alguém que possa ser prejudicado pela exibição o dever de colaboração com o Poder Judiciário, Entra então em cena o exame da velha questão sobre o dever (ou não) de produzir-se prova contra si mesmo.

Sabe-se que esse princípio tem origem na quinta emenda da Constituição nor­te-americana, que estabelece que ninguém pode ser compelido a apresentar-se como testemunha contra si próprio, em processo criminal.9 Apesar do texto expresso, o entendimento que se tem desta regra caminha no sentido de que ela também deve aplicar-se a processos cíveis, desde que da prova possa originar-se um processo criminal; mais que isso, o direito norte-americano sustenta que a garantia acima referida não se limita apenas à prova oral, produzida pela parte, mas vai além, pro­tegendo o acusado de produzir qualquer prova contra si m esm o10 De todo modo, a invocação do princípio da inexigibilidade da produção de prova contra si mesmo pela parte depende, antes de mais nada, que haja contra ela a imputação de um fato delitívo ou, ao menos, que a produção desta prova possa resultar para ela em perigo de sofrer alguma ação penal.. Ressalvadas estas hipóteses, não se pode objetar com o princípio para desonerar a parte da produção de prova, ainda que esta venha a prejudicá-la no processo.

Desse modo, observa-se com razoável segurança que não existe base para uma garantia geral de exoneração do dever de colaborar com o Judiciário, no aporte de provas ao processo, mesmo que sejam prejudiciais à parte que as tra2 Ao contrário, a garantia - ao menos nos termos originários, em que foi moldada no direito norte- americano - apenas se limita aos casos em que a exibição da prova pela parte (ou o seu depoimento) possa acarretar-lhe risco de sofrer ação penal (e, neste limite, a

8 Sergio La China, Esibizione documentale, cit., v.. XV, p. 704’ “Ninguém {. ) nem eleve ser compelido em qualquer causa criminai a servir-se como

testemunha contra si mesmo10 Neste sentido, veja-se GeofFrcy C.. Hazard jr, e M\chclcTzru{ío,símenca?i civil procédure,

p 115 Veja-se ainda, nesta mesma forma, o julgado proferido pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América, Counselman v Hitchcock, 142 U.S 547 (1892) e o Icadtng case Miranda v Arizona, 384 U S 436, 86 S. O 1602,16 L.Ed 2dò9A (1966)

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garantia vem expressamente aceita em nosso ordenamento, com o art.. .363, III, do CPC); ressalvada esta hipótese, é dever seu trazer a prova para o Judiciário, quando assim solicitada, ainda que esta venha em seu prejuízo.

Mais que isso, na elaboração original,a garantia contra a autoincriminação adere à pessoa e não à informação,” razão pela qual não pode ser invocada por outros que não a própria pessoa como causa eficiente para comportar a exoneração do dever de depor ou de exibir a prova. Assim, “se a confissão documentada vem de uma terceira mão alio intuitu ( ..),0 seu uso no tribunal não compele o réu a ser uma testemunha contra si mesmo".32

Desse modo, vê-se que não existe um direito da parte de não produzir provas que venham em seu prejuízo no processo civil., Somente quando se tratar de proteção contra autoincriminação é que, originalmente, se vê restrição ao dever de cooperação.

Por óbvio, a tendência à humanização do processo levou à ampliação dos casos de exclusão desse dcvcr de colaborar., Outras causas — ainda que não tão importantes como a proteção contra a autoincriminação, mas ainda assim relevantes - levaram o legislador a colocar a parte a salvo da exigência de colaboração, que seria, no caso, exageradamente excessiva Assim, vê-se o elenco do art. ,36.3 do CPC, que exclui o dever de colaboração na exibição de documentos ou coisas, em vários outros casos além do risco de autoincriminação

O rol trazido indica que a ponderação de direitos fundamentais deve ser con­siderada, no íntuito de buscar o equilíbrio antes indicado.. Nem se deve dar ao Estado a amplitude absoluta no poder de caçar evidências para a formação da convicção ju­dicial, nem se deve deixar o indivíduo totalmente inerme para proteger seus direitos A preservação de sua dignidade, de sua honra, de sua imagem ou de sua intimidade deve redundar na limitação ao poder do Estado de exigir dos cidadãos a colaboração no desempenho da atividade jurisdicional.13

” Confira-se o julgamento da Suprema Corte dos Estados Unidos da America, United States t- Nobles, 422 U S 225 (1975)

12 Suprema Corre dos Estados Unidos da América, Johnson v.. U.S., 228 U S 457(1913).

13 Nesse campo, deve-se sublinhar o notório abuso cometidopelo Código Civil, ao ampliar os casos de exceção ao dever de cooperação, como se vc do art 229 dessa lei. Ainda que a regra não trate do dever de exibição, o precedente, absolutamente perigoso, reflete o exagero que rompeo equilíbrio aqui buscado, com a inflação da garantia da liberdade individual A prevalecer essa ideia - totalmente retrógrada e de alto sabor oitocentista - restará absolutamente inviabilizada a atividade judiciária, já que ninguém mais poderá valer-se de provas que não estejam cm seu domínio A violação do direito fundamental à prova nesse preceito é evidente, razão pela quai não merece ser aplicado.. Sobre a questão, ver Luiz Guilherme Marinoni, Teoria Geral do Processo, Curso de Processo Civil, v.. 2, Parte II, item 13 10

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Enfim, no que concerne ao dever de colaboração incidente sobre os ter­ceiros, que não façam parte da relação processual, também se poderia cogitar de sua extensão..1-1 Pestana de Aguiar, fiando-se em lição de Couture, assenta que, enquanto a parte do processo, possuidora ou proprietária de documento ou coisa, guarda inúmeros deveres para com o Judiciário (lealdade, boa-fe, probidade) de­vendo colaborar ativamente com a descoberta da verdade, o mesmo não se opera em relação ao terceiro. Segundo o autor, o terceiro, por não participar da relação processual, não pode ser simplesmente despojado de seu patrimônio, “salvo dentro dos limites em que a Constituição autoriza a ocupação da propriedade privada”.15 Enfim, conclui o autor, dizendo que “de qualquer modo, pode o terceiro se recusar à exibição, alegando que tais bens integram seu patrimônio e que não podem ser dele desfalcados, salvo em casos de utilidade pública e com as garantias gerais da expropriação” 16

Há, ao que parece, nítido exagero nas palavras do processualista. Supor-se que a exibição de documento ou coisa, quando dirigida a terceiro, deve equiparar-se à figura da desapropriação é, no mínimo, excessivo. O processo expropriatório, desenhado pela Constituição Federal, presta-se para a aquisição da propriedade de bens particulares. Já o instrumento da exibição não implica qualquer restrição ao direito de propriedade do particular, mas apenas submete este a colaborar com o Judiciário, apresentando referida coisa ou documento em juízo. Acrescente-se que este dever de colaboração com o Judiciário, peremptoriamente ditado nos arts,. 339 e 341 do CPC, sequer depende da prévia convocação oficiai para tanto 17 Esta colaboração se expressa, dentre outras formas, também na permissão do uso de seus bens para a realização da tarefa judicial, sem que, disso, se possa extrair a necessidade de indenizar por este auxílio Não havendo restrição à propriedade do terceiro, não se cogita de qualquer óbice à determinação de exibição a terceiro,, Esta exibição pode ser sempre determinada (ressalvadas as hipóteses legais de exclusão do dever de colaboração), sem que o terceiro possa objetar contra sua compulsória colaboração,

Poder-se-ia, é claro, cogitar de indenização nos casos em que a coisa exibida pelo terceiro era necessária para o exercício de sua atividade profissional ou para sua manutenção Aqui haverá privação do uso da coisa por certo tempo e disso pode decorrer algum dano. Em casos tais, ficando a coisa de posse do Judiciário na pendência do processo, aí sim se poderia pensar em retribuição para a colaboração

l'* Sobre a questão, ver Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 5, t. II, p 210 e ss,

15 João Carlos Pestana de Aguiar, Comentários ao Código de Processo Civil,v. IV, p, 146.16 Idcm,ibi<ieni.17 Nes te sen tido, confira-se o texto de José Carlos Barbosa More ir a, A justiça e nós (Temas

de direito processual, p. 1 -16, em especial p 12).

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do par ticular que, afinal, gerou-lhe prejuízo . Todavia, apesar do prejuízo, não pode o terceiro esquivar-se do indefectível dever de colaboração, podendo, apenas, socorrer-se de indenização pela privação necessária do bem de que dependia.

7.3 Objetos sujeitos à exibição

Prevê o Código de Processo Civil que estão sujeitos àexibição os bens móveis, os documentos e a escrituração comercial, os balanços e os documentos de arqui­vos, Nos termos do que estabelece o art 844 do CPC, é viável postular a exibição preparatória “I - de coisa móvel em poder de outrem e que o requerente repute sua ou tenha interesse em conhecei ; II - de documento próprio ou comum, em poder de cointeressado, sócio, condômino, credor ou devedor, ou em poder de terceiro que o tenha em sua guarda, como inventariante, testamenteiro, depositário ou ad­ministrador de bens alheios; III ~ da escrituração comercial por inteiro, balanços e documentos de arquivo, nos casos expressos em lei” Como se vê, não são apenas os documentos que estão sujeitos à medida, mas também outras espécies de bens. Poder-se-ia, então, perguntar se a medida em análise não teria a mesma finalidade da busca e apreensão ou do seqüestro, confundindo-se com estas figuras,. A tanto poderia colaborar a referência, posta no art 844 ,1, do CPC, à exibição de coisa que o interessado “repute sua”.

Na realidade, não. A exibição tem por particularidade a finalidade a que se destina, que é sempre a preservação de prova. A utilidade da exibição está no caráter instrutório da coisa a ser exibida, o que não existe, por óbvio, na ação de busca e apreensão oii em qualquer outra medida semelhante,

Desse modo, ainda que alei autorize a exibição de bens móveis, essa per missão só existe na medida em que o interessado invocar a finalidade de valer-se desse bem como prova, adiante. Caso contrário, havendo outro objetivo para a apresentação desse bem, então não será o caso de lançar mão da medida de exibição, mas sim de outra figura típica ou de medida cautelar inominada,

Note-se que o Código deixou de fora a referência aos bens imóveis . Em prin­cípio, pelos termos do dispositivo mencionado, não seria viável postular-se a exibição de bens imóveis. Segundo parcela da doutrina brasileira, assim é porque os imóveis estão sujeitos à vistoria (prova pericial) o que se dá não por meio da exibição, mas por meio da medida de asseguração de prova (art, 846 do CPC), a ser adiante estudada.18 Ademais, essa orientação estaria de acordo com as origens do instituto no direito romano, já que a actio adexbibendum só poderia ter por objeto coisa móvel, embora haja polêmica sobre essa conclusão.19

19 Nesse sentido, ver entre outros, Humberto Theodoro Júnior, Processo cautelar, cit., p. 29219 V , sobre isso, Ovidio Baptista da Silva, Do processo cautelar, cit.., p 337

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250 CAUTEL ARES ESPECÍFICAS

Outros, porem, entendem que é possível que se pretenda simplesmente a exi­bição de imóvel, sem sua submissão a exame pericial, de modo que nem sempre essa apresentação seria veiculada por meio de asseguração de prova. E evidente que, se há (e, de fato,pode haver) interesse na simples apresentação do imóvel, sem necessidade de submetê-lo a prova pericial, deve existir medida que autorize essa providência, sob pena de violação flagrante ao contido no art. 5.°, XXXV, da CF. Assim, seja por interpretação extensiva do art. 844 ,1, do C PC ,20 seja por via da cláusula aberta das medidas cautelares inominadas,21 é necessário admitir que também é possível a exi­bição de imóveis no direito nacional.,

Do mesmo modo, deve-se admitir, embora não expressamente prevista no rol do art., 844 do CPC, a exibição de semoventes,

Em todos os casos, a exibição pode ter por base um interesse de cunho material ou processual. De fato, pode-se cogitar no direito de sócio de empresa ter interesse em examinar a escrituração contábil da pessoa jurídica, simplesmente por conta do exercício dos poderes decorrentes de sua condição Pode-se também, por outro lado, imaginar que esse direito à exibição se apresente pelo interesse do sócio em usar daquela escrituração em ação judicial, v..g.., contra a empresa.22

7.4 Procedimento da exibição

Conquanto não assuma natureza cautelar, o fato de estar a medida arrolada dentre as providências cautelares especificas faz com que a doutrina cogite sobre a necessidade ou não de submeter essa figura ao regime das medidas cautelares.. Especialmente, importa saber se, ajuizada a medida de exibição (que será sempre antecedente), é necessário que a parte intente a “ação principal” - em que usará a prova - no prazo de trinta dias sob pena de perda de eficácia da medida anterior (art. 806 do CPC)

A resposta é negativa, Como se viu, o direito à exibição pode assentar-se em prerrogativa do direito material ou simplesmente em razão do interesse do processo. Ainda que, normalmente, a exibição sirva para subsidiar o exercício de um direito fundamental processual (ação ou defesa) não se deve esquecer que haverá casos em que o interesse do requerente não terá por finalidade nenhuma demanda judicial posterior.

20 Est:i c a opinião de Pontes de Miranda (Comentários ao Código de Processo Civil, c it , c. XII, p.. 248).

21 Tese sustentada, entre outros, por Ovídio Baptista da Silva (Doprocesso cautelar, cit ,p 338)

” Segundo o STF, todavia, há limitação quanto a esta exibição, como se vê da sua Sú­mula 260: "O exame de livros comerciais, cm ação judicial, fica limitado às transações entre os litigantes”

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EXIBIÇÃ O 251

Imagine-se, por exemplo, a pretensão daquele que busca ver um documento (a exemplo de um contrato) somente para conhecer com exatidão o seu conteúdo, no intuito de cumprir adequadamente os seus termos. Não há, aqui, nenhuma intenção do requerente de propor outra medida com base no documento exibido., A intenção se limita ao conhecimento do conteúdo do documento,.

Obviamente, nesses casos não se cogita da propositura de outra ação judiciai, nem do perecimento da medida em caso de não cumprimento do contido no art., 806 do CPC.,23

Mesmo nos casos de medidas de exibição ajuizadas no intuito de preservar interesse processual, pode suceder a inexistência da propositura da ação principal, sem que se cogite da caducidade da prova obtida. Figurc-se a situação daquele que requer a exibição de documento para avaliar a propositura de açãojudicial que, diante do conteúdo da prova, se mostra inviável Obviamente, não teria sentido obrigar o requerente da medida de exibição a propor a “ação principal” claramente fadada ao insucesso. Por outro lado, também não se cogita do desaparecimento, nesse caso, da prova constituída, que pode ser eventualmente utilizada para outros fins.,

Aliás, é de se convir que até quando a exibição demonstre que o interesse do requerente efetivamente foi violado, de modo que a “ação principal” deve ser ajuizada, não há sentido em impor ao autor da medida antecedente a propositura desta outra ação. Isto porque, em se tratando de direito disponível, deve ficar na conveniência do interessado a propositura ou não da ação principal.. Considerando que a medida de exibição cumpriu (e exauriu) sua finalidade, ao dar a proteção devida ao direito de ação, não se pode imaginar de fazei' perecer a proteção dada pelo não exercício do poder de ação..

O mesmo se deve dizer quando a exibição é requerida por aquele que tem fundamento suficiente para acreditar que será demandado em açãojudicial. Nesse caso, a exibição protegerá o direito de defesa de um futuro réu. Obviamente, como o seu direito de defesa está condicionado ao ajuizamento da ação pelo autor, não teria sentido imaginar de prever prazo para a eficácia da prova constituída aqui.

Em razão disso, parece evidente que, a par de não ser cautelar a medida em estudo, também não se sujeita ela à necessária incoação da ação principal no prazo de trinta dias, sob pena de perecimento.

De toda sorte, quando se destinar a preservar direito fundam ental processual, a medida antecedente de exibição exigirá, como é evidente, o periculum in mora. Na

23 Nesse sentido, ver S fj , 1 .a T , REsp 809 385/BA, rei Min. José Delgado, DJU 31.08.2006, p. 244; STJ, 3 “T , REsp 513 707/SC, rei Min Menezes Direito, D JU 30 06 2006, p 214; STJ,4 aT , REsp 744 620/RS, rei Min. Jorge Scartezzini, DJU 12 09 2005, p 344

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252 CAUTELARES ESPECÍFICAS

realidade, é esse risco que autoriza a proteção da garantia processual da ação ou da defesa Do contrário, deverá a parte aguardar a ação principal para íòrmular, em seu bojo ~ mesmo que de forma rápida e, portanto, antes da fase adequada de produção das provas ~ o pedido de exibição.

Normalmente, figurarão como partes na ação de exibição aqueles que estarão como partes também na outra ação a ser ajuizada. Essa regra, porém, não é absoluta, sendo perfeitamente admissível - e, aliás, até previsto pelo próprio texto legal (art.. 844, II, infine, do CPC) - a propositura de ação de exibição contra terceiro, que não será parte da “ação principal”, De fato, imagine-se que o documento a ser utilizado em litígio envolvendo^/e B está de posse de C. A exibição deverá ser ajuizada em face de C, mas obviamente a ação principal não poderá inclui-lo, já que ele não guarda nenhuma relação com a lide em s i24

O procedimento da exibição antecedente é o mesmo empregado para a exibição incidental, de modo que seguirá, em linhas gerais, o disposto no art.. 355 e ss.. do C PC .25 Na realidade, como se verá, não é integral a aplicação do regime da exibição incidental à exibição antecedente, até porque há incompatibilidades insuperáveis.

A inicial deverá conter, então, a especificação do documento ou da coisa a ser exibida, a indicação das razões que sustentam a conclusão de que esse objeto esteja em poder do requerido e a finalidade a que se destina a exibição .26

O réu será sempre citado27 para, no prazo de dez dias, oferecer resposta.. O prazo deve ser sempre o de dez dias e não o de cinco, previsto para a exibição incidental contra a parte (art. 357 do CPC), porque aqui se está diante de ação e de processo autônomos Desse modo, e diante da remissão presente no art. 845 do CPC, deve-se observar' a regra que guarde maior harmonia com a intenção da analogia, de forma a

24 Ncssc sentido, ver STJ, l .aT., REsp 827 326/M G, rei Min José Delgado, D JU08 06 2006, p. 152; STJ,4.aT,REsp557379/DP,reí..Min. BarrosMonteiro,D/U03.05.2004, p. 178

25 V., Luiz Guilherme Marmoni, ‘Teoria Geral do Processo (Curso dt Processo Civil, v 2, Parte II, item 13 13)

20 De forma mais ampia, sobre esses requisitos, ver Enrico Tullio Liebman, Manu ale di dirittoprocessuak cwik, v. II, 1 p. 122-123. No que diz à ação de exibição de documentos envolvendo Sociedade Anônima, cumpre sublinhar a Súmula 389 do STJ, prevendo que “a comprovação do pagamento do custo do serviço referente ao fornecimento de certidão de assentamentos cons­tantes dos livros da companhia é requisito de procedibüidade da ação de exibição de documentos ajuizada em face da sociedade anônima'’

21 Não se cogita aqui de intimação para a exibição, ainda que dirigida contra aquele que será a parte ré no processo principal, de modo que não é inteiramente aplicável o disposto no art. 357 do CPC

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EXIBIÇÃO 253

fazer sempre incidir no caso o contido no art, 360 do Código, com prazo de resposta de 10 dias.

Eventualmente, se necessário, autorizará ojuiz exibição inaudita altera parte, mesmo antes de promover a citação do requerido (arts. 273 ,1, e 804, do CPC), Isso poderá ocorrer sempre que a ciência do requerido possa comprometer a eficácia da medida ou ainda em casos de urgência insuperável, que sequer possa aguardar pelo prazo da resposta do réu,

Se necessário, após a resposta, colherá o magistrado provas para formar a sua convicção a respeito do direito de exibição, decidindo em seguida.

A sentença da ação de exibição, se ordenar a apresentação da coisa ou do documento, não se cumpre de acordo com o previsto no art, 359 do C PC , até porque seria impossível ojuiz da medida antecedente impor sanção ao requerido que só poderia ser cumprida na “ação principal”,. Ademais, é certo que essa pre­sunção pode ainda depender de outros dados, só avaliáveis na ação principal, o que retiraria qualquer força para a sua incidência na medida antecedente 28 Real­mente, as afirmações de fato da petição inicial (da ação principal) ainda não foram apresentadas; não se sabe se, para a ação principal, aquele documento não exibido seria documento indispensável à propositura da ação (o que impediria a aplicação da presunção em tela); sequer se sabe se, fáticamente, será viável ou útil aplicar a presunção na ação principal .

Por conta disso, a procedência da ação deve determinar a expedição de ordem para que o requerido apresente o documento ou a coisa, sob pena de busca e apreensão29 ou, sendo esta medida inútil, mediante o emprego das técnicas de indução adequadas (art,. 461-A , §§ 2 ° e 3,°, do CPC),.30

23 Nesse sentido, ver STJ, 3 a T , REsp 887.332/RS, rei. Min, Humberto Gomes deBarros, D JU 28.05,2007, p. 3.39 Contra, entendendo cabivel a aplicação da presunção na me­dida preparatória de exibição, ver STJ, 3 a T , REsp 633 .056/MG, rei Min. Castro Filho, D JU02.05.2005, p. 345; ST J, 4,nT., REsp 953,746/M G, rei Min Aldir Passarinho Junior, D JU01 102007, p, 288.

29 Na doutrina, ver com essa opinião, Ovídio Baptista da SUva, Do processo cautelar, cit., p 354, Adotando esse entendimento na jurisprudência, ver STJ, 3 aT,, REsp 887,3.32/RS, men­cionado na nota anterior,

30 Essa ultima opinião, embora não goze dc aceitação na jurisprudência, parece ser a mais sóbria para oferecer a tutelajurisdicional adequada à pretensão do requerente, especialmente nos casos un que a medida de busca e apreensão se mostre inefetiva {v.g , quando o requerido ocultar a coisa ou o documento que deveria ser exibido). Por isso, e com amparo na autorização prevista pelo art, 461-A do CPC, parecem perfeitamente utilizáveis aqui as técnicas de indução autorizadas para as prestações (materiais) específicas de fazer, não fazer e entregar coisa, Frise-se, porém, que, de acordo com a Súmula n. 372 do STJ, “na ação de exibição de documentos não cabe a aplicação de multa cominatória”

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254 CAUTELARES ESPECÍFICAS

Dc todo modo, é bom recordar o que já se disse antes:31 A iunção da exibição antecedente não é a de produzir alguma prova , mas apenas a de assegurar a suafutura produção. Obtida a prova na medida de exibição, terá o requerente condições de, uiteriormente, na eventual “demanda principal” a ser ajuizada, valer-se dessa prova para convencer ojuiz de seus argumentos, produzindo lá essa prova..

31 Ver purte I, item 6.3

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8Produção Antecipada de Provas

S u m á r i o : 8 1 Observações prévias “ 8 2 Meios instrutórios protegidos pela asseguração de provas: 8.2.1 Depoimento da parte; 8 .2 2 Prova testemunhai;8.2 3 Prova pericial; 8.2.4 Inspeção judicial- 8 3 Procedimento: 8 3 1 Assegu­ração de prova oral; 8 3.2 Asseguração de prova técnica c de inspeção judicial ” 8. 4 Asseguração de prova e fixação de competência para a ação principal

8.1 Observações prévias

A medida aqui estudada completa o sistema processual de preservação de provas. Se a exibição se prestava para assegurar a prova documental, a “produção antecipada de prova” relacÍona~se com os outros meios de prova Mais uma vez, nota-se o relevo com que o ordenamento jurídico nacional trata do tema da prova, o que se justifica pelo papel central por eia desempenhado no processo de conhecimento.,

Como já observado, o processo de conhecimento tem como núcleo fun­damental a observância dos fatos da causa para a entrega de uma regra jurídica concreta, que deve reger a conduta das partes, Para essa observação, que há de ser sempre sobre fatos pretéritos, é indispensável o papel desempenhado pelas provas, já que são elas os elementos que deverão impressionar o convencimento judicial. O desenvolvimento da relação processual, portanto, exige a possibilidade de se demonstrar os fatos sobre os quais se litiga, o que induz à proeminência da função da prova no processo.

De outro lado, considerando que é direito fundamental, posto no art. 5 o, XXXV, da CF, o direito ao acesso àJustiça, é evidente que esse direito, para ser exer­cido de modo pleno, impõe também a garantia à instrução adequada da causa.. Com efeito, tendo por premissa que a garantia do acesso à Justiça constitui direito funda- mental, expresso no texto constitucional entre o núcleo duro dessa lei, é elemento de sua hermenêutica a otimização, ao máximo possível, dessa garantia. Por isso, o status constitucional desse direito deve determinar: (a) o direito contra o Estado de ser protegido contra qualquer restrição ou ablação do recurso ao Poder Judiciário para questionar qualquer lesão ou ameaça a direito; (//} o direito de obter do Estado condutas positivas, capazes de remover quaisquer tipos de barreiras existentes para o

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256 CAUT ELARES ESPECÍFICAS

acesso ao Poder Judiciário, e para a implementação de medidas para que esse acesso se dê da forma mais fácil, ágil e adequada possível.1

Ora, se o direito à prova é exigência natural para o pleno desenvolvimento da atividade jurisdicional, torna-se óbvio que ele passa a integrar o direito de acesso à Justiça, alcançando também hierarquia constitucional e exigindo, do mesmo modo, interpretação otimizada. Surge daí a indicação ao direito fundamental à prova, que exige que o sistema processual não apenas esteja livre de qualquer restrição quanto à prova-salvo, evidentemente, aquelas que se destinam a preservar outro direito funda­mental (v.g:, a proibição da prova ilícita) - mas ainda que existam instrumentos para permitir a mais ampla, adequada, fácil e rápida obtenção de meios instrutórios .

E evidente que, em regra geral, as provas não precisam ser obüdas de antemão, até porque não se sabe se haverá, no futuro, ou não qualquer demanda judicial sobre alguma questão. Por isso, o regime comum da produção da prova se dá inteiramente dentro do processo em que a prova será utilizada.

Todavia, casos haverá em que não se poderá esperar pelaincoação do processo para se iniciar a atividade de captação das provas. E fácil imaginar casos em que a prova pode desaparecer em razão do tempo - a exemplo de marcas em lugar que precisa ser limpo ou de pessoa que, embora possa servir como testemunha, é aco­metida de moléstia grave e corre o risco de falecer - ou de outro agente - como é o caso de obra que precisa ser reparada ou de abalroamento em veículo, que deve ser consertado. Em tais casos, está-se diante do seguinte impasse: ou seimpõe a imediata instauração da demanda judicial ou se permite, de modo preventivo, a tomada e a conservação da prova, para uso futuro (e, talvez, eventual). A primeira opção esbarra em inúmeros inconvenientes, a começar pelo fato de que sequer é possível saber se a demanda judicial seria mesmo necessária ou não, Ademais, pode ser que a ação ainda não possa ser ajuizada, porque, por exemplo, a prestação ainda não é exigíveí ou porque o interessado na produção da prova não é aquele que figur aria como autor da demanda principal, mas sim como réu,.

Em razão disso, opta o sistema processual pela segunda alternativa, conferindo ao interessado na conservação de alguma prova, para uso em processo flituro (ou eventual) possa propor ação com o exclusivo intuito de captar esse elemento instru- tório. Tem-se aí o campo da exibição - para bens ou documentos - e da medida de “produção antecipada de prova", para outros casos,

Assim como foi observado quando do exame da medida de exibição, não é finalidade da “produção antecipada de provas”, ao contrário do que sugere o seu nome, a produção daprova, a ser usada no processo subsequente, de modo antecedente. Como se sabe, a internalização da prova no processo passa por várias fases, que vão da propositura da prova (o requerimento formulado pela parte), seguindo pela sua

1 Ver, sobre isso, por todos, Luiz Guilherme Marinoni, Teoria Geral do Processo (Curso de processo civil., v I, Parte II, itens 2 e 3)..

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PRODUÇÃO AN T ECIPADA DE PROVAS 257

admissão (a decisão do magistrado que autoriza ou não a sua produção), passando pela sua efetiva produção e ultimando com a valoração do que foi colhido,2 Como é evidente, a produção é o momento culminante do procedimento instrutório, pois é quando se considerará a prova efetivamente integrada ao processo.

Todavia, não é função da medida aqui estudada realizar essa incorporação da prova ao processo futuro, Isso porque, obviamente, sequer o processo existe, de modo que nem mesmo se pode saber se ele virá a acontecer ou então se a prova será relevante e necessária para aquilo que lá for debatido. Mais que isso, por que o processo (principal) ainda não existe, não há ainda requerimento para que nele ocorra a pro­dução de qualquer prova, nem admissão sobre esse tema,. Recorde-se que essas fases não são tomadas em abstrato, mas de modo concreto, segundo aquilo que se tornou relevante e controvertido, em face do litígio apresentado e das questões efetivamente discutidas no feito (-y.g., art.. 334 do CPC). Seria,portanto, incongruente admitir-se que uma prova £o\produzida- em procedimento prévio - sem sequer saber se ela terá utilidade no feito principal,.

Daí por que se diz que, no processo em exame, não ocorre, a rigor, a produção de uma prova, mas apenas a sua asseguração 3 A finalidade da medida aqui analisada é simplesmente a de preservar alguma prova, para que ela possa vir a ser utilizada na seqüência. Por isso, prefere-se designar a figura em estudo de medida de asseguração de prova;1

Por meio desta medida, então, consegue-se apenas documentar algum fato, que pode desaparecer no futuro, de modo que se possa utilizar desse elemento em processo subsequente, razão pela qual se costuma designar a prova ai obtida de prova ad perpetuam rei nmnoriam. Com a asseguração de prova, logra-se obter o registro de um fato, de modo que se possa, no futuro, requerer a incorporação desse registro em outro processo e, em sendo isso admitido, produzir a prova desse fato nessa outra demanda

Está claro que a medida em questão não possui natureza cautelar. Não se destina ela a proteger a tutela de algum direito, nem sequer objedva assegurar situação juridica tutelável.Tal como ocorre com a medida de exibição, a função da asseguração de prova é simplesmente a de proteger direitos processuais (a ação e a defesa), São medidas,

2 Essas fases admitem alteração e, por vezes, até supressão (como é o caso da produção da prova determinada de oficio pelo juiz, onde não haverá o momento da propositura) Todavia, esse procedimento todo dá visão didática bastante próxima daquilo que é necessário para se ter como efetivamente produzida uma prova no processo. Por maiores informações sobre o tema, ver Luiz Guilherme Marinoni, Teoria Geral do Processo (Curso de processo civil, v 2, Parte II, item 13.7).

3 Aliás, essa lição é clássica, como se vê da observação de Hugo Simas: “O que se diz em relação à prova testemunhai, tem aplicação às demais consdtuídas ad perpetuam rei mtmoriam Tem efeito puramente acautelatôno, valendo, apenas, como preservação da prova ao perigo que a ameaça” (Hugo Simas, Comentários ao Código de Processo Civil, c it , p.. 31).

4 Sobre o tema, ver Ovidio Baptista da Silva, Do processo cautelar, cit., p. 358,

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258 CAUTELARES ESPECÍFICAS

então, que se relacionam com a eficácia do processo e nao, pelo menos diretamente, com a proteção dc interesses materiais.

De fato, basta pensar que, tomada a prova de modo preventivo, não há qualquer garantia de que o sujeito que possuí a prova, vá sagrar-se vencedor na ação futura A medida de asseguração de prova, então, estaria protegendo quai direito substancial? Rigorosamente, nenhum. Sequer o autor da medida de asseguração de prova precisa indicar a existência de algum direito substanciai para postular a obtenção prévia da prova, Basta que ele demonstre ter interesse na prova -porquepoderá utilizá-la cm processo futuro - para que esteja legitimado a postular a medida de asseguração de prova. Vê-se, portanto, nitidamente, que a asseguração de prova não se destina à proteção de qualquer direito material, mas apenas à garantia da eficácia dos direitos de ação e de defesa, ostentados pelas partes.,

E evidente que o direito à asseguração de prova só tem sentido nos casos em que a prova corra risco de desaparecer, não subsistindo até o ajuizamento da ação em que a prova será efetivamente produzida Esse perigo de demora poderia gerar a impressão de que a medida teria natureza cautelar Todavia, ainda que seja verdade que a admissão da asseguração de prova esteja condicionada ao periculum in mora, essa urgência não faz com que a medida assuma natureza cautelar, porque não há situação jurídica tutelável por ela protegida, nem visa ela a proteger a tutela adequada de qualquer direito,

O risco de demora pode frustrar somente o atendimento dos direitos processuais (da ação e da defesa), de modo que a ligação da medida de asseguração de prova não é com o direito material, mas apenas com direitos processuais

8.2 Meios instrutóiios protegidos pela asseguração de provas

Segundo prescreve o art 846 do CPC, “a produção antecipada de prova pode consistir em interrogatório da parte, inquirição de testemunhas e exame pericial”.. Portanto, poderiam ser objeto dessa medida as provas orais (interrogatório da parte e prova testemunhai) e a prova pericial. Considerando que a prova documental já é objeto da medida de exibição, deixou-se de fora do rol, o depoimento da parte e a inspeção judicial. Insta, pois, saber se esse recorte é proposital ou não e, então, determinar se esses meios de prova também estão inseridos no objeto da asseguração de prova,

8-2.1 Depoimento da parte

Quanto ao depoimento da parte, deve-se de início observar que ele não se confunde com o interrogatório livre, que foi expressamente admitido pelo art. 846, em estudo 5 Com efeito, o interrogatório livre é disciplinado pelo art .342 do CPC,

’ Sobre a questão,ver LuizGuilherme Marinoni, Teoria Geraldo Processo (Curso de processo civil, v. 2), Parte II, item 13 11

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PRODUÇÃO AN TECIPADA D E PROVAS 259

que admite que o magistrado, de ofício, determine a oitiva das partes, em qualquer momento do processo, e por quantas vezes forem necessárias, esclarecei osfatos da causa Desse modo, o interrogatório Livre tem por objetivo o esclar ecimento do juiz, razão pela qual pode ser determinado de ofício pelo magistrado, em qualquer fase do processo, podendo ocorrer mais de uma vez

já o depoimento da parte, regido a partir do art. 34.3 do CPC, tem outra finalidade: destina-se a induzir o depoente à confissão. Por isso, esse depoimento só será tomado a requerimento da parte adversária, não podendo ser requerida pelo próprio depoente, nem pelo juiz., Mais que isso, há um momento específico para que essas declarações sejam tomadas (na audiência de instrução e julgamento, conforme prescreve o art 452, II, do C PC)6 havendo preclusão sobre a colheita dessa fonte de prova.

São, portanto, elementos absolutamente distintos o depoimento da parte e o interrogatório livre

Ocorre que a fonte de prova para o processo principal não c, propriamente o interrogatório livre - que, como dito, tem por finalidade o esclarecimento do juiz da cansa sobre os fatos controvertidos ~ mas o depoimento da parte, já que este é o instrumento vocacionado a obter a confissão. Por isso, em que pese a omissão do Código, deve-se admitir que o depoimento da parte seja admitido por meio da asseguração de prova,

O grande problema em aceitar a asseguração do depoimen to das partes está na sua conseqüência processual. Como adiantado, a finalidade do depoimento da parte é tentar obter dela a confissão Por isso mesmo, o não comparecimento injustificado da parte para a colheita da prova, a negativa dela em responder às perguntas formuladas ou o emprego de outros subterfugios para evitar o depoimento permitem a aplicação da sanção de confissãoficta (art. 345 do CPC). Essa sanção gera as mesmas conse­qüências da confissão efetiva, de modo que se devem presumir verdadeiros os fatos afirmados pela parte contrária, e que se pretendia comprovar por meio dessa prova, Surge aí a grande questão: é possível que ojuiz, no procedimento de asseguração de prova, aplique a conseqüência de confissão, seja a ficta, seja a efetiva?

A resposta deve ser negativa., Recorde-se que a medida aqui estudada não se destina à produção da prova, mas apenas à asseguração do meio A sua finalidade, então, é simplesmente documentar o fato, para que se possa utilizar esse registro no processo subsequente, Desse m oào, porque não houve ainda a produção efetiva da prova -q u e só ocorrerá no processo principal - não se há também de cogitar de sua valoração, que constitui a etapa seguinte. Ora, é só na valoração da prova que tem cabimento pensar em caracterizar confissão efetiva, em vista das declarações da

(l Esse momento, porém, pode ser antecipado, dentro do próprio processo de conheci­mento, como se infere do contido no art 336 do CPC

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260 CAUTELARES ESPECÍFICAS

parte, ou ficta, por conta da omissão em prestar declar ações ou em razão das evasivas empregadas na resposta.

Desse modo, é evidente que, embora cabível a colheita do depoimento da parte por via antecedente, as conseqüências e a própria avaliação do conteúdo das declarações obtidas não estão a cargo do juiz da medida de asseguração de prova. Tais questões cabem, exclusivamente, ao juiz do processo principal e, somente, após passadas todas as etapas anteriores da produção da prova. Tocará, portanto, a este último magistrado avaliar se as declarações contidas representam ou não hipótese de confissão efetiva, bem como se, em vista da conduta da parte diante da ordem de seu depoimento, deve incidir a sanção de confissão ficta,

Vale sublinhar, ainda, que há casos em que a lei exclui o dever de colaboração da parte no tocante ao seu depoimento (art,. 347 do C PC ).7 Mesmo esses aspectos só podem ser avaliados pelo juiz do processo principal. A parte, então, mesmo que albergada por uma das hipóteses de exclusão do dever de depor, tocará compar ecer à audiência designada para a colheita de suas declarações, e recusar-se a depor. O ma­gistrado, diante dessa conduta, só poderá registrar a negativa da parte, deixando ao juiz do processo principal a avaliação da legitimidade ou não da conduta do depoente,

Isso, todavia, não elimina a possibilidade dc que seja procedida, por via ante­cedente, a colheita da prova do depoimento da parte .

8.2, 2 Prova testemunhai

A lei também admite que se possa assegurar a prova testemunhai Novamente, na esteira do que se dísse acima, não compete ao juíz valorar a prova a ser tomada, mas apenas documentar o que será declarado perante ele.

De toda sorte, porque a asseguração de prova não se destina a produzir a prova testemunhai, é certo que qualquer atividade que dependa dessa produção não terá aqui espaço. Por conta disso, não se pode admitir a dispensa da colheita do depoimento, sob a invocação da inexistência do dever de depor (art. 414, § 2,°, c/c o art. 406 do CPC), Como dito, as causas de exclusão não interferem no dever de comparecimento da testemunha, mas simplesmente no dever de depor sobre determinado fato. Como somente ao magistrado do caso concreto cabe avaliar a extensão e a qualidade do depoimento prestado, e também sobre o valor a ser dado às declarações prestadas, é evidente que só ele é o destinatário da regra do art. 406 do CPC. Por isso, tocará ao juiz da asseguração de prova limitar-se a registr ar a negativa de depor da testemunha,

7 Mais uma vez vale repetir que não se pode entender por constitucional a previsão contida no art 229 do CC, em razão da restrição excessiva imposta à garantia fundamental do acesso à prova, razão pela qual tais limites não merecem sequer ser estudados. Remete-se o leitor, novamente, ao que consta em Luiz Guilherme Marinoni, Teoria Geraldo Processo (Curso de processo civil, v, 2, Parte II, item 13.10).

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PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS 261

deixando a critério do magistrado da ação principal a análise da legitimidade ou não dessa conduta.

Do mesmo modo, não cabe na asseguração de prova a acareação de teste­munha (art 418, II, do CPC) Isso porque a acareação pressupõe a avaliação do depoimento, a fim de verificar se houve contradição entre este e outra declaração, prestada por outra testemunha ou por parteO ra, se não cabe ao magistrado da asseguração realizar a avaliação do depoimento, não tem ele autorização para reco­nhecer a contradição em questão. Mais uma vez, somente ojuiz da causa principal poderá constatar essa contradição e, se entender cabivel e se isso ainda for possível, determinar a acareação.3

Também haverá restrição quanto à contradita da testemunha (art. 414, § 1.°, do CPC). Examinando o rol das situações que excluem alguém de servir como teste­munha, vê-se que há causas que são objetivas, no sentido de que interferem na própria habilidade do sujeito de compreender os fatos ou de transmiti-los adequadamente (incapacidade, prevista no art. 405, § 1°, do CPC). Outras causas são subjetivas e, normalmente, dependem de análise da relação da pessoa com a causa posta para julga­mento ou com as partes envolvidas (impedimento e suspeição, previstas respectivamente nos §§ 2 °e 3 ° do art 405 do CPC), razão pela qual admite o Código o depoimento desses sujeitos, se essencial ao deslinde da questão (art. 405, § 4 o, do CPC).

Em vista disso, parece claro que não compete ao juiz da asseguração de prova recusar a colheita do depoimento de pessoas suspeitas ou impedidas, mesmo porque o magistrado da ação principal poderá admitir a sua oitiva, na condição de informan­te, De outro lado, algumas das causas arroladas como causas de impedimento e de suspeição (v.g., o que intervém em nome da parte ou o que tem interesse no litígio) dependerão da análise dos termos da ação principal, que ainda não foi ajuizada. Nesses casos,portanto, a contradita apresentada à testemunha sob alegação de incidir ela em uma dessas razões jamais poderá conduzir à rejeição da colheita da prova. Quando muito, diante de um dos motivos de suspeição e impedimento, entendendo plausí­vel a existência do defeito, poderá o magistrado deixar de tomar o compromisso do depoente, deixando a critério do juiz da ação principal a avaliação sobre a utilidade e a eficácia do depoimento assim prestado,.

Se, porém, o defeito alegado em contradita disser respeito à causa de incapa­cidade {v.g. , afirmando-se que a testemunha é pessoa interditada por demência, ou que, por ser cego ou surdo, não tem condições de transmitir conhecimentos que só por esses sentidos seriam captados), é evidente que toca ao juiz da asseguração da prova analisar' a arguição. Entendendo efetivamente existente o motivo apontado, recusará ojuiz a colheita da prova, até porque ela seria totalmente imprestável em

8 Carlos Alberto Aivaro de Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 242.

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262 CAUTELARES ESPECÍFICAS

qualquer hipótese.. Recorde-se que o Código de Processo Civil, ainda que admita o depoimento dos suspeitos e impedidos como informantes, não deixa semelhante autorização para os incapazes, por razões óbvias 9

Por isso, há limitação quanto à apuração da contradita pelo juiz da asseguração de prova, mas não há, propriamente, impedimento a que ele examine essa alegação em qualquer hipótese

8.2,3 Provapericial

Com relação à prova pericial, a solução não é diferente de tudo o que já sc disse em relação aos outros meios de prova Porque a asseguração não se presta para a valoração antecipada da prova, não será admissível pretender-se prova pericial que exija essa condição. Sabe-se que a prova pericial pode assumir quatro formas distintas: a vistoria, o exame, a avaliação e o arbitramento (art, 420 do CPC) 10

Dessas formas, as duas primeiras se destinam a analisar bens, pessoas ou semo- ventes, para considerar aspectos técnicos neles envolvidos As duas últimas formas (avaliação e arbitramento), porém, têm por finalidade conferir expressão econômica a alguma coisa. Daí resulta a inviabilidade de se obter tais tipos de prova pericial por meio da assegur ação dc prova., E que, como mostrou Ovídio Baptista da Silva,u essa valoração ou não terá importância nenhuma para o juízo da ação principal, que desconsiderará a opinião técnica lançada na perícia antes procedida, ou, no extremo oposto, vinculará a atuação do juiz, tolhendo-o de afastar-se daquelas conclusões Em um caso, portanto, a asseguração seria inútil; no outro, extrapolaria claramente a dimensão da simples proteção da prova, perpassando a sua produção e até uma valoração prévia,

Por conta disso, e diante da função desempenhada pela asseguração de pro­va, somente se deve admitir o seu emprego para a realização de exames e vistorias Curiosamente, no sentido contrário, o Código de Processo Civil de 19.39, ao disci­plinar a medida de asseguração de provas no art.. 676, VI, autorizava-a para vistorias, arbitramentos e inquirições

9 Novamente, deve-se sublinhar que o Código Civil (art 228, parágrafo único) não fez ressalva quanto aos incapazes, para permitir o seu depoimento “para a prova de fatos que só elas conheçam” Isso poderia levar alguém a cogitar que, atualmente, os incapazes também podem depor como informantes.. Todavia, com a ressalva do incapaz, todos os outros nâo podem depor simplesmente por razões “naturais", de modo que, mesmo com a suposta autorização legal, essas pessoas continuam impossibilitadas de depor. Infelizmente, ainda não se chegou ao ponto de o direito conseguir alterar a natureza das coisas!

!° Sobre isso, ver L uiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart Comentários ao Código de Processo Civil, c it , v. 5, t II, p 567 e ss,

11 Do processo cautelar, cit., p.. 362-363

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8\ 2.. 4 Inspeção judicial

Finalmente, poder-se-ia cogitar do cabimento da medida de assegur ação de prova para autorizar a inspeção judicial . A questão é controvertida, na medida em que a inspeção exige, como elemento intrínseco, a imediata e direta percepção dos fatos pelo juiz, o que seria eliminado no caso de inspeção preventiva, Com efeito, a admissão da inspeção em medida asseguraíória poderia implicar o mesmo problema examinado acima, quando vista a questão dos arbitramentos e das avaliações, Ou as impressões tomadas e registradas pelo juiz da asseguração serão desconsideradas na ação principal - caso em que a medida antecedente seria totalmente inútil - ou ela acabaria por vinculai esse próximo magistrado, caso em que haveria clara invasão da esfera de valoração deste ultimo-

Ao que parece, porém, é possível sim a admissão de medida de asseguração de prova que consista em inspeção judicial13 E claro que o magistrado desta ação deve estar consciente de que não deverá emitir juízo de valor sobre os fatos por ele presenciados Sua atuaçílo está limitada apenas à descrição precisa daquilo que viu e examinou, deixando ao juiz da ação principal a avaliação dessa descrição e a extração de conclusões em face desses elementos.. Note-se que a lei autoriza que, no registro da inspeção, possa o juiz instruir essa peça com “desenho, gráfico ou fotografia” (art. 44,3, parágrafo único, do CPC), sendo certo que esses elementos - meramente representativos - podem ter elevada importância na formação da convicção do juiz da causa principal, sem que denotem qualquer invasão, pelo juiz da asseguração de prova, da esfera de cognição daquele..

8.3 Procedimento

Apesar do que indica o art. 847 do CPC - que menciona que a prova oral pode ser objeto da medida de asseguração de prova tanto antes da propositura da ação principal como na sua pendência - esse instrumentojamais será incidente à causa em que a prova será utilizada, Isso ocorre pela simples razão de que, no cur so do processo em que se pretende utilizar a prova, prevê a lei formas para a antecipação (interna) da produção da prova (art. 336, parágrafo único, do CPC) ° Daí, porém, não decorre

12 Com efeito, é da tradição brasileira a admissão da vistoria preventiva V , entre ou­tros, Francisco de Pauia Baptista. Compêndio de theoria e prática do processo civil comparado com o commenial e de hermenêutica jurídica, p. 163; Joaquim Ignácio Ram alho, Praxe brasileira, p.. 305 Admitindo também a inspeção judicial preventiva, em trabalho recente, v. Vicente de Paula Ataide J r , A imprescindibilidade da inspeção judicial em ações ambientais Revista de Processo, out. 2007, p. 72.

n Note-se que aqui se trata, verdadeiramente, de produção antecipada de prova, já que ojutz (da causa) não se limitará a assegurar a uiterior produção, mas desde logo incorporará ao processo a prova, eventualmente emitindo juízo de valor (eventualmente provisório) sobre a mesma, como no caso de concessão de antecipação de tutela

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264 CAUTELARES ESPECÍFICAS

a conclusão dc que toda a medida de asseguração de prova sejapreparatória de outra ação Também poderá haver cnedidas de asseguração de prova autônomas, ou seja, que independam do ajuizamento de qualquer outra medida. Isso porque, visando essa demanda simplesmente à preservação do direito de ação ou de defesa, protegido esses direitos não há o que obrigue o exaurimento desses interesses, com a efetiva propositura de demanda ou com o necessário oferecimento de defesa no processo, Ademais, visando a asseguração de prova apenas a gar antir tais direitos, pode ser que, no futuro, o direito reste frustrado porque a ação se tomou desnecessária (v.g., pelo cumprimento espontâneo do direito do autor) ou porque a defesa não ocorrerá (por exemplo, porque a ação não foi proposta).

De todo modo, e por conta do aspecto acima apontado, é certo que não se aplica à medida de asseguração de prova o prazo de trinta dias, de que trata o art . 806 do CPC.H Por isso também, não se cogita de perda de eficácia da medida cautelar, se não ajuizada a ação principal naquele prazo. Aliás, sequer haveria sentido em simplesmente desconsiderar prova previamente tomada, apenas pelo fato de que a ação em que ela será usada não foi proposta em trinta dias.

8.3,1 Asseguração de jnova oral

O pedido de asseguração de prova deve vir nos termos do que prevê o art801 do CPC. Deverá, especialmente, o requerente indicar a presença de algum dos

14 “Processual civil. Ação cautelar de produção antecipada de provas Não incidência do prazo do art. 806 do CPC. 1 A divergência entre julgados do mesmoTribunal não enseja recurso especial (Súmula 13 do S 1J) 2 A ação cautelar de produção antecipada de provas, ou de asseguração de provas, segundo Ovídio Baptista, visa assegurar três grandes tipos de provas: o depoimento pessoal, o depoimento testemunhai e a prova pericial (vistoria ad perpetuam rei menioriam). Essa medida acautelatória não favorece uma parte em detrimento da outra, pois zela pela própria fina­lidade do processo - que é ajusta composição dos litígios e a salvaguarda do principio processual da busca da verdade. 3 Ao interpretar o art. 806 do CPC, a doutrina e a jurisprudência pátrias têm se posicionado no sentido de que este prazo extintivo não seria aplicável à ação cautelar de produção antecipada dc provas, tendo em vista a sua finalidade apenas de produção e resguardo da prova, não gerando,cm tese, quaisquer restrições aos direitos da parte contrária. 4. Na hipótese dos autos, a liminar concedida na cautelar de produção antecipada de provas suspendeu os efeitos da Portaria 447/2001 expedida pela Funai, impedindo que esta procedesse à demarcação das áreas consideradas indígenas, configurando, assim, restrição de direito 5 Entretanto, a medida de an­tecipação de provas é levada a efeito por auxiliares do juízo e deia depende a propositura da ação principal, onde, através de provimento de urgência, pode-se evitar um mal maior e irreversível,6 O prazo do trintídio tem como ratio essendi a impossibilidade de o autor cautelar satisfazer-se da medida provisória, conferindo-lhe caráter definitivo. 7. In casa, a propositura da ação prin­cipal não depende do autor, posto inconclusa a perícia Destarte, declarada essa caducidade, o periculum in mora que se pretende evitar com a perícia será irreversível e infinitamente maior do que aguardara prova e demarcar oportuno tempore a área. 8.. Recurso especial provido” (STJ, l .a T,REsp641 665/DF',rel.Min. LuizFux,D/í704.04.2005,p.200)

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requisitos específicos, que autorizam a asseguração da prova especifica, postos nos arts . 847 (para a prova oral) e 849 (para a prova pericial ou inspeção judicial)

Assim, no caso de asseguração de prova testemunhai, deverá o interessado demonstrar que a medida é necessária ou por que o depoente (parte ou testemunha) terá de ausentar-se, de modo que não estará presente na época da ação principal; ou por que, em razão de sua idade ou por moléstia grave, há risco de que a pessoa venha a falecei ou se encontre impossibilitada de depor na oportunidade correta da ação principal.

Como assenta a doutrina, a análise desses requisitos não pode ser feita de forma aprofundada, de modo que não havendo prova cabal da presença de tais elementos, indeferir~se a asseguração de prova, Sobretudo em se tratando de asseguração re­querida por aquele que poderá figurar como réu em ação subsequente, é evidente que não tem ele condições de indicar o tempo em que a ação principal ocorrerá, de modo que também não poderá precisar o momento em que a parte (contrária) não estará presente ou a expectativa de vida, até o instante correto da ação principal,

Terá, porém, o autor de satisfazer os requisitos básicos, postos no Código de Processo Civil, para requerer a produção da prova, Por isso, evidentemente, a parte jamais poderá requerer, em asseguração de prova, a colheita do seu próprio depoimento, já que isso não é admitido como prova no processo. Do mesmo modo, será inviável requerer a oitiva de testemunha ou mesmo o depoimento da parte contrária, nos casos em que a lei exige a prova documentai (art, ,'366 do CPC). Também não pode­rá a parte pedir a oitiva, como testemunha, de pessoa incapaz para depor (art. 405, §1.» do CPC).

Mais que isso, deverá a parte indicar, de pronto, com precisão, a finalidade da prova, ou seja, a afirmação de fato que se pretende demonstrar com a prova colhida (art, 848 do CPC).

Oferecida a petição inicial, competirá ao magistrado proceder ao juizo de admissibilidade inaugural da ação. Obviamente, nessa análise preambular, poderá ojuiz de pronto recusar a asseguração de prova, sempre que notai' que a medida não preenche os pressupostos legais (especialmente a necessidade de documentar, de modo antecipado, a prova), ou que verificar que a prova a ser produzida será inútil ou irrelevante, como nos casos apontados acima.

Não sendo o caso de indeferir liminarmente a petição inicial, será o requerido citado para defender-se, O Código de Processo Civil pode dar outra impressão, já que não alude especificamente ao direito de defesa do réu.. Limita-se, no parágrafo único do art. 848, a dizer que “tratando-se de inquirição de testemunha, serão intimados os interessados a comparecer à audiência em que prestará o depoimento”. A referência à intimação pode levar alguém à conclusão de que não ocorre citação do requerido

15 Ovidio Baptista da Silva, Curso de processo civil, cit., p. 300,

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- c( em conseqüência, nao se lhe dá oportunidade de defesa prévia.. Essa, porém, não pode ser a visão correta..

Note-se que a medida de asseguração de prova envolve interesse de ambas as partes e não apenas do requerente.. Por isso, seria ilegítimo afetar a esfera jurídica do requerido, sem que se lhe oferecesse, antes, momento para apresentar suas razões.. O direito de defesa, afinal, constitui garantia fundamental (art., 5 °, LÍV e LV, da CF), de modo que mesmo a omissão do Código não pode afastar a sua incidência.

Obviamente, o campo de defesa deferido ao requerido é reduzido, já que não lhe compete discutir o direito a ser debatido na ação principal.. Todavia, é evidente que poderá o requerido, por exemplo, apontar sua ilegitimidade passiva para a asseguração da prova - porque não se entende legitimado para figurar na outra ação - ou ainda a imprestabilidade da prova a scr ali assegurada, por não ter relação com o litígio a ser discutido na ação principal.,16

Também não prevê o Código dc Processo Civil a possibilidade de liminar na medida de asseguração de prova A ausência de previsão expressa decorre do fato dc que uma liminar que autorizasse a documentação preventiva da prova poderia inviabilizar o contraditório sobre a prova, já que seria, ao menos em tese, possível ter um testemunho documentado sem a participação do réu, Com isso, se efetivamente desaparecesse a fonte da prova na época da ação principal, a parte requerida na asse­guração seria sem dúvida prejudicada dc modo irremediável.

Porém, não se pode deixar de notar que haveiá casos em que a liminar será absolutamente necessária.. Recorde-se que a medida liminar (em especial, inaudi­ta altera parte) pode, cm linhas gerais, ser deferida em duas hipóteses: (a) quando houver urgência tal que não haja tempo para a citação do requerido; e (b) quando o réu, tendo ciência da existência da medida, possa frustrar-lhe a utilidade Aplicando essas ideias no campo da asseguração da prova, vê-se que é possível dar tratamento diverso a cada um dos casos..

Dc fato, se o problema se liga â impossibilidade de ciência prévia do requerido porque este poderá frustrar a eficácia da medida, então estará o magistrado diante da colisão de dois interesses processuais — o direito de ação 011 de defesa (relativamente à ação principal) do requerente e a garantia do contraditório do requerido Cumprirá ao juiz, examinando as circunstâncias do caso concreto e tendo em conta as diretrizes da proporcionalidade, fazer preponderar um ou outro interesse. Desse modo, será possíveL a concessão de liminar inaudita altera parte, sempre que essa resultar da ponderação dos princípios constitucionais postos em jogo.

Em relação à outra hipótese, normalmente ela se resolverá pela prévia inti­mação do requerido para comparecer à audiência, com apostecipação do contraditório para momento seguinte Vale dizer que, nesse caso, em regra, será suficiente deferir a liminar, para a asseguração imediata da prova em audiência para a qual será intimado

16 Ovidio Baptista da Silva, Curso de processo civtl, c it , p.. 301

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também o requerido e, concluída essa providência, abrir-se-á a oportunidade para que o réu possa apresentar resposta Em sendo acolhida a defesa oferecida, poderá o juiz deixar de homologar a prova produzida, caso em que ela não produzirá qualquer eficácia. Somente em casos muito raros, em que a urgência seja tamanha que nem mesmo haverá tempo para a intimação do requerido para acompanhar o depoimento, é que se justificaria, em prol da preservação daprova, que ele não fosse sequer intimado para participar da audiência designada para a documentação das declarações,

Quanto à colheita do depoimento em si, seguirá ele, em linhas gerais, o previsto sobre o assunto nos dispositivos específicos (arts. 343/347 e 401/419 do CPC), com as ressalvas já feitas. Deverá, então, ser instalada audiência para a colheita da prova testemunhai ou do depoimento da parte. Na intimação da parte (para a obtenção de seu depoimento) não constará a advertência sobre a confissão ficta, já que não cabe ao juiz a asseguração daprova dessa medida Em relação à tomada da prova testemunhai, como já examinado, não terá cabimento a acareação e será reduzida a possibilidade de contradita (v item 8 2.2).

Se necessário, tem inteira aplicação aqui o regime particular dc colheita de prova, indicado pelo art 336, parágrafo único, do C P C . Por isso, poderá ser necessário- mormente no caso de pessoa enferma ou de idade avançada - proceder à audiência fora do local do forum, indo ojuiz e as partes até o local em que se encontra a pessoa que deve depor,

Tomado o depoimento, estará exaurida a função da asseguração da prova., Assim, tocará ao juiz homologar o procedimento que, se não houver recurso, estará encerrado..

Concluído o processo, os autos deverão permanecer em cartório, a fim de que as partes possam solicitar as certidões que entendam convenientes (art. 851 do CPC).

8.3.2 Asseguração de prova técnica e de inspeção judicial

O procedimento previsto para a asseguração de prova técnica (e também para a inspeção judicial) não diverge muito daquilo que foi visto em relação à asseguração de prova oral.

Também ele se iniciará por petição inicial do interessado, em que este indicará, a par dos requisitos do art 801 do CPC, o fato específico a ser demonstrado por meio da asseguração da prova.. Quanto ao periculum in mora, deverá o requerente apresentar indícios de que “venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação” (art. 849)

Poderá a inicial ser rejeitada, se ausentes os pressupostos respectivos, ou se inadequada aprova pericial para os fatos a serem demonstrados. Assim, por exemplo, se o fato que se pretende provar não depende de conhecimentos técnicos para sua demonstração, se a prova desse fato for impraticável nas circunstâncias concretas ou

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se o próprio fato for impertinente ao litígio apontado, poderá o magistrado de pronto indeferir a petição inicial Obviamente, é preciso ter atenção nessa análise, já que alguns dos casos em que a prova pericial é inadmissível dependem da consideração específica da demanda principal ajuizada (v g .7 art.. 420, parágrafo único, II, do CPC), o que não poderia ser feito na via da asseguração.

Admitida a petição inicial, será o réu citado para responder em cinco dias (art.802 do CPC), momento em que poderá impugnar a utilidade da prova a ser assegu­rada ou ainda arguír questões processuais.

Do mesmo modo que ocorre com a asseguração de prova oral, poderá ser de­ferida medida liminar, em casos extremos Novamente, porém, cabe a advertência de que se deve garantir, na medida do possível, a maior medida do contraditório possível para o requerido, até porque, em caso contrár io, poderá restar frustrado o contraditório ulterior e, muitas vezes, tornar imprestável a prova assegurada.

A realização da perícia deverá obser var, no que forem cabíveis, as previsões respectivas, apresentadas no Livro I, do Código, Por conta disso, em linhas gerais, será observado o regime padrão da colheita da prova pericial. Cumprirá ao magis­trado nomear o perito, autorizando às partes a indicação de assistentes técnicos e a formulação de quesitos.

Embor a possa o juiz indefern quesitos manifestamente impertinentes ~ segundo aquilo que foi indicado pela parte autora, como finalidade da perícia a ser assegurada- é preciso ter cautela nesse procedimento, para que não se invada a atribuição do juiz da causa principal,57

Entregue o laudo pericial e os pareceres dos assistentes técnicos, poderão as partes buscar esclarecimentos em audiência (art 435 do CPC)

Ultimada a realização da perícia, concluído estará o procedimento, de modo que caberá ao juiz homologar o resultado e disponibilizar às partes o procedimento, para que requeiram as certidões que entenderem devidas (art. 851).

8.4 Asseguração de prova e fixação de competência para a ação prin­cipal

Existe viva discussão na doutrina e na jurisprudência sobre a aplicação do art. 800, do CPC, às medidas de asseguração de prova A questão posta, diz respeito a saber se o juízo da ação principal há de ser, necessariamente, aquele em que se pro­cessou a medida assecuratória,

Aqueles que entendem que ojuiz da medida preparatória fica prevento para a ação principal apoiam-se no dispositivo acima indicado e concluem que a regra cria competência funcional, e, portanto, inderrogável. Por conta disso, não haveria

17 Cf. Ovídio Baptista da Silva, Curso dtprocesso civil, cit., p 303

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PRODUÇÃO AN T ECIPADA DE PROVAS 269

sentido para permitir a dissociação entre o juízo da medida preparatória e aquele da ação principal.18

Os que advogam a solução contrária ~ ou seja, a inexistência dessa prevenção- lastreiam-se no fato de que, em regra, quando ajuizada a ação principal, a medida de asseguração já estará extinta, de modo que não se deve pensar em prevenção.19 Sustentam, ademais, que o regime da asseguração de prova não pode ser, integral­mente, aquele previsto para as cautelares em geral, até porque este é incompatível com as necessidades daquela.

Outros, ainda, sustentam tese intermediária, pela qual, se houve intervenção do juiz no feito (‘y-g-, nomeando perito), existirá a prevenção, o que não sucederá em outros casos. Haveria, então, aplicação parcial do art, 800 do CPC, somente para os casos em que a documentação da prova tenha exigido a interferência do magistrado na eleição dos meios,20

A análise da jurisprudência resulta na conclusão de que o exame da “prevenção" costuma ser feito caso a caso, atendendo às particularidades do caso concreto. No maís das vezes, sempre que for conveniente que o juiz que presidiu a asseguração da prova também examine a ação principal, tem-se admitido a prevenção, o que não ocorre nos outros casos,.

Na realidade, o entendimento manifestado pela jurisprudência merece acolhimento, mas não pelas razões normalmente expostas,, Substancialmente, não há prevenção decorrente da asseguração de prova, mesmo porque, como visto ini­cialmente, não constitui ela genuína medida cautelar. Se houvesse dita prevenção, seria manifestamente ilegal reconhecer que ela incidiria em certos casos e não em outros, porque a regra de prevenção é posta no interesse público e, em conseqüência, inderrogável.

A medida de asseguração de prova deve ser sempre proposta no local mais con­veniente para atingir a sua finalidade. Em regra, então, será ela ajuizada no local em que se encontra a pessoa ou o objeto que constituirá a fonte da prova a ser assegurada. Não teria nenhum sentido pretender instaurai' a medida em uma cidade, para deprecar a oitiva da testemunha para outro local, quando esta é a única finalidade da ação.

Quanto à ação seguinte (principal) esta será ajuizada segundo o regime geral de competência. Porém, pode haver nítida conveniência em que, podendo ser proposta

18 Admitindo esse entendimento, ver STJ, ,3.aT , REsp 712.999/SP, rei.Min, Menezes Direito, D JU 13.06.2005, p.. 305

19 Nessa linha, ver, STJ, 4.a T., AgRg na MC 10.565/RJ, rei Min.. Fernando Gonçal­ves, D JU 14.11.2005, p. 324; STj, 4.a T , REsp 51.618-8/MG, rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, D/í/21,11,.1994, p.. 31.774; ST J, 6 *T:., Resp 59 238/PR, rei. Min. Vicente Leal, D JU 0 5 .05.1997, p. 17.1.30,

20 Nesses termos, ver STj, 2 a T., REsp 487 630/SP, rei, Min Franciulli Netto, D JU 28,06.2004, p.. 245.

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em vários locais, seja oferecida na sede (e perante) do juízo que examinou a medida de asseguração de prova. Isso cm conta da preservação do princípio da imediatidade e da identidade física do juiz., Se, com efeito, foi esse juiz que teve a impressão pessoal do fato e da prova, então é claro que ele será o magistrado que, normalmente, terá melhores condições de examinar o litígio, sobretudo quando a prova assegurada tenha sido a prova oral ou a inspeção judicial.

A reunião das ações, porém, não decorre da prevenção, mas apenas da tentativa, na maior medida possível, dos princípios gerais que informam a atividade judicial e que buscam oferecer a decisão mais perfeita ao caso concreto.

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9Alimentos Provisionais

SUMÁRIO: 9 1 Considerações prévias™ 9 .2 Alimentos provisórios, provisionais e definitivos - 9 .3 Hipóteses legais de cabimento dos alimentos - 9 .4 Proce­dimento - 9 .5 A sentença de alimentos e sua estabilidade - 9 6 Efetivação dos alimentos provisionais.

9.1 Considerações prévias

Alguns créditos são mais sensíveis à demora do processo - e especialmente à fase de efetivação dos direitos ~ de modo que exigem mecanismos mais drásticos para a obtenção rápida da satisfação das prestações impostas pelo Estado Dentre estes, encontra-se inquestionavelmente o crédito alimentar.

Como se sabe, os alimentos são a importância necessária e indispensável à manutenção da subsistência digna do alimentando, Desse modo, nâo se deve con­fundir o termo “alimento”, simplesmente com o valor necessário para que o credor possa alimentar-se O termo designa, mais precisamente, todo valor necessário ao sustento do alimentando, mas ainda à manutenção de sua moradia, de seu vestuário, de sua saúde e ainda, quando cabível, de sua criação e educação..1

Por esse conteúdo, o valor dos alimentos não pode scr pré-ííxado de modo geral, devendo atender às circunstâncias especificas de cada pessoa. Assim, tem influência na fixação do valor dos alimentos a necessidade concreta do alimentando - tomada segundo aquilo que ordinariamente receberia se convivesse com o requerido - e a possibilidade do alimentante..2 Desse modo, o valor dos alimentos não toma por base apenas o dispêndio necessário à preservação da condição mínima dc vida do interessado; deve atender à conservação do padrão de vida que tinha (ou teria) antes da necessidade de postular judicialmente esse direito. Pela importância desse crédito,

1 Cf Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t IX, p 207 Idem, Comentários ao Código de Processo Civtl, t.. X, p 475

2 Nesse passotaiírmao Código Civil que o valordos alimentos deve consideraro montante necessário para que o alimentando possa “viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação” (art 1.694), devendo scr focados na "pro­porção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada" (art 1 694, § 1°)

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entende o Código civil por atribuir-lhe, necessariamente, valor atual, razão pela qual impõe que o crédito fixado a título de alimentos deva ser periodicamente reajustado pelos índices oficiais (art.. 1,710 do CC)

Os alimentos tanto podem ser prestados em quantia pecuniária como em espé­cie, De fato, embora seja mais comum a entrega de soma em dinheiro para prover os alimentos, nada impede que se confira alimentos que consistam em prestações de fazer ou de entrega de coisa, como expressamente prevê o art 1/701 do CC 3 Aliás, muitas vezes, é até de recomendar-se a prestação de alimentos nessa forma-sempre que isso atenda melhor os interesses do alimentante - para que se tenha certeza de que aquilo que foi entregue efetivamente se destine a prover os alimentos do beneficiário,

Outrossim, quanto à origem do direito à percepção dos alimentos, é comum considerar que ele deriva de relações reguladas pelo direito de família, Todavia, a percepção é equivocada,. O direito aos alimentos pode derivar de imposição legal, de ato voluntário ou de ato ilícito, Assim, não apenas o parente tem direito à percepção desse valor de outra pessoa de sua família, mas também tem esse direito a vítima de atropelamento, poi exemplo (ato ilicito), ou aquele que recebeu em testamento esse direito (ato voluntário).

Em todos esses casos, não há dúvida de que esse crédito, porque se destina a satisfazer as necessidades mais básicas do indivíduo, não se compadece com a demora natural do processo,. Se alguém precisa de alimentos, é porque não tem condições de prover o seu sustento por força própria. Assim, aquele que postula judicialmente a concessão de alimentos não tem, obviamente, condições de aguardai o desfecho do processo para, só então, passar a perceber esses valores.

Em razão disso, prevê o direito nacional várias possibilidades para que o reque­rente possa obter, de modo provisório e antecipadamente, alimentos, na pendência da lide,

Surge, dentre os mecanismos instituídos para tanto, a medida de alimentos provisionais, De fato, esta não é a única medida destinada a oferecer, provisoriamente, alimentos a alguém. Há outros instrumentos, inclusive a possibilidade de ordenar a prestação de alimentos incidentalmente em ação especificamente designada para esse fim, Todavia, a flexibilidade da medida de alimentos provisionais, a amplitude das finalidades que pode atender e a menor exigência quanto aos seus requisitos fa­zem dessa figura instrumento particularmente importante, o que justifica seu trato pormenorizado no Código de Processo Civil.

9.2 Alimentos provisórios, provisionais e definitivos

Como acentuado, ao se examinar a execução do crédito alimentar, há várias classificações relevantes para esse direito. Para os fins da presente análise, importa

2 V , sobre isso, Luiz Guilherme Marinoni, Teoria Gtral do Processo (Curso de processocivil), v. 3, Parte VII, item 11.

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ALIMENTOS PROVISIONAIS 2 7 3

avaliar com cautela uma dessas classificações, que é a que distingue os alimentos em defiinittvos,provisionais a provisórios.

A classificação tem por critério o instrumento processual usado pai a a outorga da prestação e a estabilidade ou não da decisão que concede os alimentos, embora se saiba que mesmo os alimentos outorgados por sentença transitadaemjulgado podem ser revistos, se sobrevier alteração no estado de fato ou de direito da causa (art, 1.699 do CC, arts 471 € 4 7 5 - ^ § 3.°, do CPC e art. 15 daLei5,478/68'!)

Diz-se que são definitivos os alimentos concedidos por sentença em processo de conhecimento ou por acordo homologado judicialmente Tipicamente, esses alimentos são prestados em ação própria (ação de alimentos) ou em razão de pedido de alimentos formulado de modo cumulativo em outra demanda {u g , divórcio, reconhecimento de paternidade, indenização por ato ilicito),.

Já os alimentosjíiro-yisionais são aqueles outorgados em liminar ou em sentença na medida aqui estudada (arts. 852 a 854 do CPC), ou ainda em liminar antecipatória em qualquer demanda ajuizada,

Por fim, alude-se a alimentos provisórios para tratar daqueles outorgados com base na Lei cie Alimentos (Lei 5.478/68), provisoriamente, nos termos do seu art. 4.,°. Sua concessão depende da existência de prova prévia do parentesco ou da obrigação de alimentar do devedor (art 2 ° da Lei 5, 478/68). Por isso, embora esses alimentos sejam provisórios - no sentido de serem oferecidos enquanto não se resolve de modo definitivo sobre sua incidência no caso concreto - exigem cognição exauriente, ao menos quanto à existência do dever de prestá-los, para serem concedi­dos, Por isso, estão a meio caminho entre os alimentos provisionais e os definitivos, Por conta disso, salienta a doutrina que os alimentos provisórios estão próximos da função processual executiva, já que sua concessão depende da existência prévia de um titulo, que corresponde à inexistência de dúvida quanto à relação de parentesco ou ao dever de alimentar.5

As diferenças de fundamentos que estão na base de cada uma dessas formas de alimentos, têm levado a doutrina e a jurisprudência a criar distinções quanto ao regime dessas prestações,, A própr ia lei, por vezes, ao menos parece tratar de forma diversa os alimentos, indicando que certas categorias podem beneficiar-se de determinados mecanismos, que estariam aparentemente indisponíveis para outros, Assim é que, por exemplo, alude o art.. 733 do CPC ao cabimento da prisão civil par a a “execução”

A Esta úitlma regra, porém, contém clara imprecisão, ao dizer que não há coisajulgada em tal sentença. Na realidade, existe sim coisajulgada, mas submetida - como sempre - à cláu­sula rtbus sic stantibus, de modo que, em havendo modificação do estado de fato ou de direito da causa, tem-se nova causa de pedir, de forma a afastar a coisajulgada anteriormente constituída (a respeito, ver Luiz Guilherme Marinoni, Teoria Geral do Processo (Curso dc processo civil, v. 2), Paite III, item 5.

5 Cf. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civilt cit., p. 256.

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dc alimentos provisionais, não oferecendo semelhante medida para os outros tipos dc alimentos Identicamente, o art. 735, do mesmo diploma, alude aos alimentos provisionais apenas, não tratando das outras categorias. A seu turno, o art.. 17 da Lei 5 478/68 apenas sc refere aos alimentos fixados em sentença ou acordo (portanto aos alimentos definitivos) quando trata da autorização para desconto em alugueres ou rendas do devedor como forma de efetivação de tais prestações.. Por outro lado, parte importante da doutrina defende que o prazo da prisão civil cabível para a hipótese de descumprimento do dever alimentar varia conforme o tipo de alimentos objeto do pleito .6

Não parece, todavia, correto este pensamento Em verdade, nada justifica que se dê tratamento distinto aos alimentos, simplesmente porque calcados eles em de­cisão provisória (sentença em procedimento “cautelar” ou liminar) ou em definitiva Especialmente, a discriminação não se justifica quando se observa que, a ser aplicada exclusivamente a previsão contida no Código de Processo Civil, dar-se~Ía meios mais eficazes à cobrança de ú\mt\-\X.os provisionais (a prisão civil) que à de alimentos definitivos, o que é obviamente umeontrassenso Na verdade, a correta interpretação sistemática dos dispositivos que tratam do tema - aí incluído o Código de Processo Civil, a Lei de Alimentos e a Lei 6 014/73 (que alterou a Lei de Alimentos) - indica que os alimentos devem ser vistos como um direito único, que tem regime comum, independentemente da estabilidade ou não da decisão que os concede Somente se podem admitir distinções que tenham por premissa a estabilidade da decisão concessiva de alimentos para aquelas conseqüências evidentemente ligadas a essa estabilidade ou maior ou menor amplitude da cognição tomada para a concessão dessa medida (o que reflete, é claro, na estabilidade antes tratada) 7

Assim, como se verá a seguir (itens 9.3 e 9.4), é comum conceber diferenças entre alimentos provisionais, provisórios e definitivos no que diz respeito à sua dura­ção (sobretudo ante a sentença ulterior de Ímprocedência) Aqui, porém, a distinção não está calcada no regime próprio do direito a alimentos, mas na força da decisão que os concede, em vista da estabilidade (maior ou menor) da decisão que examinou o tema.

Do mesmo modo, é óbvio que os alimentos provisórios exigem/»; ova definitiva da relação de parentesco ou da obrigação de alimentar..8 Haverá, portanto, aqui, em

" Humberto Theodoro Júnior, por exemplo, defende a ideia de que o prazo dc prisão poderá ser de até três meses para os alimentos provisionais e de até sessenta dias para alimentos definitivos (Curso dc direito processual civil, v II, p. 264)..

' Assim sendo, e conforme pacífica orientação jurisprudência!, não há distinção - no campo processual-entre as técnicas aplicáveis àefetivaçãodosalimentos provisionais,provisórios e definitivos, de modo que também esta distinção, embora clássica, perde grande parte do seu interesse para o aspecto processual .

H “Ação de alimentos em favor de fiiho natural, independentemente de investigação da paternidade, sob invocação do art 2 o da Lei 5 478/68, tendo o indigitado pai contestado a ação

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relação a estes elementos, cognição exauriente, restando apenas a análise da neces­sidade e da possibilidade para a outorga da prestação. Já os alimentos provisionais sustentam-se na mera aparência (probabilidade) da existência do dever dc alimentar Exigem, assim fum us boni iuris (cognição sumária) e não certeza para a sua admissão. Quanto ao periculum in mora, embora ambas as figuras exijam sua demonstração, é evidente que a situação de direito material em que se enquadram os alimentos pro­visórios tornam mais fácil sua demonstração, na medida em que é dever dos parentes próximos sustentar os outros que tenham necessidade.,

Por outro lado, outras diferenças, sustentadas pela doutrina e eventualmente pela jurisprudência, que não decorrentes especificamente do regime de estabilidade da decisão de alimentos, não devem ser admitidas.

Por exemplo, sustenta-se que aquele que dispõe, desde logo, dc prova da pa­ternidade, não pode postular alimentos provisionais, porque já tem de pronto acesso aos alimentos provisórios y E preciso notar, todavia, que em muitos casos, embora o requerente possua essa prova pré -constituída, ainda não tem condições de ingressar com a ação (principal) que pretende, porque lhe faltam outros elementos, por exemplo. Nesse caso, nada justificaria impedir ao interessado o acesso à medida de alimentos provisionais, para garantir seu sustento até que esteja cm condições de apresentar a demanda principal que lhe interesse.

Do mesmo modo,observa-se do contido no art.. 852, parágrafo único, do CPC, que em relação a pedido de alimentos provisionais relacionado a ações de divórcio ou de anulação de casamento, o valor da verba deve incluir as despesas para custear a demandajudicial E claro que a previsão não pode ser interpretada no sentido de que somente nesse caso é que o montante necessário ao custeio das despesas do processo pode ser computado no valor dos alimentos. Por razões mais do que evidentes, sc a função dos alimentos (quaisquer que sejam) é prover as necessidades do alimentando,

Exato alcance da Lei 5.478, dc 25 07.1968 (art 2 o, § 1 °,I e II) A pretensão alimentar, cm razão de parentesco, hádc assentar no reconhecimento voluntário do parentesco, ou no reconhecimento em juízo Não c possível declarar-se a paternidade incidentemente, e para o só efeito dc alimen­tos, quando contestado o parentesco (paternidade), pressuposto essencial ao reconhecimento da obrigação alimentar A Lei 5 478/68 teve em vista unicamente a prestação alimentar, exigindo para isso a prova pré-constituída do parentesco, que rende ensejo à fixação de plano, pelo juiz, dos alimentos provisórios, como se vê consignado no seu art.. 42 O fim social que inspirou a lei em causa não justifica interpretação acolhida pelo acórdão recorrido, que poderá propiciar a insegurança e o risco de irreparável injustiça. Precedentes do Supremo Tribunal Federal O autor apresenta-se carente da ação intentada.. Provimento do recurso, para se julgar extinto o processo Decisão por maioria de votos" (STF, RE 96 735/RS, rei. p/ acórdão Min. Djaci Falcão, D JU 18.10.1985,p 18 455)

9 Apresentando esse entendimento, ver, por todos, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil, cit,, p.. 259

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e se este precisa de dinheiro paia arcar com as despesas do processo, esse valor deve sempre fazer-se incluir no montante devido..50

Por ísso, é preciso ter cautela nas distinções que se busca fazer em relação às espécies de alimentos cabíveis.. Em todos os casos em que a distinção se operar exclu­sivamente para intuito processual, ela pode ser admitida, se não frustrar a finalidade dessa prestação,Todavia, quando repercutir no âmbito material do direito ou quando implicar menosprezo à sua tutela adequada para uma espécie de alimentos em pri­vilégio de outra, haverá manifesta e inconstitucional diferenciação. Afinal, tanto os alimentos provisórios como os provisionais possuem a mesma natureza intrínseca,31 de modo que não se legitimam diferenças de regime, que não estejam fundadas em critérios estritamente operacionais

9.3 Hipóteses legais de cabimento dos alimentos

Nos termos do que prevê o art, 852 do CPC, os alimentos provisionais são devidos: “I - nas ações de desquite e de anulação de casamento, desde que estejam separados os cônjuges; II - nas ações de alimentos, desde o despacho da petição inicial; III - nos demais casos expressos em lei”

A toda evidência, o elenco aqui trazido é anacrônico e precisa ser observado com cautela, Partindo-se da premissa de que os alimentos provisionais são concedidos ante a existência de aparência do direito à prestação alimentar e diante do perigo de dano irreparável pela não concessão dessa verba, em todos os casos em que esses pressupostos estejam presentes sei á cabível a medida de alimentos provisionais.

Dessa forma, em que pese a redação do ar t 852, são sempre cabíveis alimentos provisionais em medida preparatória, porque não se pode esperar que somente no curso de outra ação é que vá surgir a necessidade de alimentos,. Por idêntico raciocí­nio, a previsão contida no inciso I do art,. 852, em exame, a exigir que tenha havido a separação formal dos cônjuges para a outorga dos alimentos, não tem nenhum sentido, Uma, porque, obviamente, a necessidade de alimentos pode surgir antes desse fato, Duas, porque o Código Civil estabelece o dever de mútua assistência aos cônjuges, o que implica, obviamente, o dever de alimentar,.

Na mesma toada, limitações como aquela contida no art,. 5 ° da Lei 883/49, de autorizar a concessão de alimentos provisionais ao filho não reconhecido somente

10 João Batista Lopes entende que os alimeruos provisionais -e , cm qualquercaso.averba destinada ao custeio do processo - não se sujeita à cláusula de irrepetibilidade, pela razão de não se revestirem de estabilidade (Medidas liminares no direito de família. Repertório de jurisprudência e. doutrina sobre liminares, Coord .Teresa Arruda Aivim Wambier, São Paulo: RT, 1995, p. 63). Não parece, na esteia do que se disse no corpo do texto, correta a orientação, em razão do fato de que a cláusula de irrepetibiiidade é questão que toca ao direito material, não decorrendo do caráter estável ou não da decisão que concede os alimentos.

11 C f O ví dio Baptista da S iiva, Curso de processo civil, cit.,p 329

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após a sentença de procedência (ainda que sujeita a recurso) são manifestamente inconstitucionais e ilegais, não tendo sido recepcionadas pela Constituição da Re­pública atual, nem pelo Código Civil vigente (que sequer faz diferença entre filhos havidos dentro ou fora do casamento).

Em razão disso, cumpre ter como simplesmente exemplijitatwo o elenco tra­zido pelo art 852 do CPC, de modo que, em qualquer caso em que seja necessária a concessão de alimentos ~ seja essa necessidade fundada em direito de família ou não- a prestação é devida e será cabível a medida de alimentos provisionais,

9.4 Procedimento

Na análise do procedimento previsto para os alimentos provisionais, é preciso ter em mente que, em verdade, não se está aqui diante de uma medida cautelar genuína, mas sim de uma tutela satisfativa, que toma emprestado o rito previsto para o proce­di mento cautelar Desse modo, é necessário tomar cumgranun salis o procedimento geral das medidas cautelares, descartando as previsões que não façam sentido diante de medida satisfativa como são os alimentos provisionais,

A competência para o aforamento da medida de alimentos provisionais será sempre do juiz de primeiro grau, ainda que a causa “principal” penda de análise em grau superior (art, 853 do CPC). Não se aplica, assim, o disposto no parágrafo único do art,. 800 do C P C . A razão da previsão é evidente: por se tratar de medida capaz de gerar prejuízo grave ao requerido, e que ademais tem caráter satisfativo, deve seguir o regime geral das ações, com acesso do requerente todos os graus de jurisdição, evitando-se a subtração de instância pelo ajuizamento da medida diretamente em tribunal.

Obviamente, para a solução do Código de Processo Civil, se buscava atender de modo mais adequado os interesses das partes, atribuindo-lhes maior latitude na defesa, gerou inconvenientes óbvios. O primeiro deles é o de impor a duplicidade de ações - uma que pende de julgamento no tribunal e outra, muitas vezes com cópias das principais peças da primeira, que é ajuizada no primeiro grau, Em segundo lu­gar, aumenta-se o risco de decisões conflitantes, já que o juiz do primeiro grau pode conceder os alimentos provisionais ao mesmo tempo em que o tribunal se convence de que o requerente não tem direito aos alimentos definitivos.

Desse modo, ainda que inter essante a opção do legislador, é de se refletir se ela corresponde efetivamente à melhor solução para a questão.

De toda forma, a ação de alimentos provisionais será sempre ajuizada no primeiro grau, no juízo que conheceu - ou que tem competência para conhecer - da ação principal de alimentos.

A petição inicial dos alimentos provisionais deve revestir-se dos requisitos gerais do art. 801 (e, de modo mais amplo, do art. 282) do CPC. Especialmente, impõe-se que o requerente indique, na exordial, a sua necessidade de alimentos e a

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possibilidade de o requerido satisfazer essa pretensão (art. 854 do CPC) Esses ele­mentos não são, em regra, importantes para a determinação da existência do direito a alimentos, mas sim para a avaliação do quantum a ser estipulado para essa prestação Daí a importância de que integrem a causa de pedir no feito e de que sejam objeto de debate e de prova no curso do processo..

Questão que merece atenção diz respeito à possibilidade ou não de cumular-se o pedido de alimentos provisionais com outro, também de natureza satí sfativa (v.g.., a indenização por ato ilícito, o reconhecimento de paternidade).. O problema poderia suscitar maior controvérsia se a medida em questão tivesse real natureza cautelar. Todavia, como já visto, os alimentos provisionais ostentam caráter satisfativo (e, portanto, não cautelar), valendo-se simplesmente do rito cautelar sua celeridade. Em vista disso, parece não haver óbice a que se postule, cumulativamente com outro pedido qualquer, a pretensão de alimentos (provisionais), como medida antecipatória cm outro processo, Por óbvio, nesse caso, não se cogita de aplicação à pretensão de alimentos provisionais, do rito cautelar, A medida de alimentos provisionais será deferida incidcntalmenteno processo,como antecipação de tutela (referente ao pedido principal de alimentos definitivos, a ser realizado na petição inicial), sem contar com autonomia procedimental.

Seguindo o pedido de alimentos o procedimento autônomo, prevê a leí que o requerente da medida possa postular, de imediato, e mesmo antes da citação do requerido, o arbitramento de alimentos provisionais, em liminar inaudita altera parte (art, 854, parágrafo único, do CPC).. Para o deferimento da medida liminar, eviden­temente, não há a necessidade de que se demonstre de plano o direito do requerente a alimentos, sendo suficiente a existência de probabilidade na afirmação do autor, somada à existência (que, em relação a alimentos,é quase sempre presumida) de risco de perecimento do direito, em razão da demora natural do processo, Embora a clara lesão às garantias do contraditório e da ampla defesa, potencializada pelo caráter irrepetível dos alimentos, a medida se justifica em razão da natureza da prestação em questão Se os alimentos visam a prover as necessidades básicas do requerente, é evidente que esse valor, quando mais é necessário, é indispensável à própria sobre­vivência do autor, A demora na outorga dessa proteção, portanto, redundará muitas vezes na própria inviabilidade da proteção adequada do interesse em litígio. Em conta disso, a fim de viabilizar proteção adequada ao interesse demandado, justifica- se plenamente a postecipação do contraditório para a imediata proteção - ainda que provisória, mas francamente satisfativa - do interesse envolvido

Preenchidos os requisitos formais, a par da análise de eventual pedido de liminar, a petição inicial será recebida, determinando-se a citação do requerido para oferecer resposta à pretensão do autor no prazo de cinco dias (art 802 do CPC) , Como resposta, poderá o requerido oferecer contestação ou exceção. Em regra, a doutrina não admite o oferecimento de reconvenção dentro da ação de alimentos provisionais, dada a sua sumariedade formal .Todavia, merece recordação o fato de que a pretensão a alimentos (provisionais) é satisfativa, não constituindo efetivo exemplo de medida

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cautelar. Realmente, deve-se rejeitar o cabimento de reconvenção nessa medida, mas não em razão de sua sumariedade formal.. O descabimento dessa resposta decorre do fato de que, embora satisfativa a medida, não há cognição exauriente na sentença que a concede. Os alimentos aqui concedidos o são a titulo provisório, já que a questão definitiva da análise do direito a alimentos é objeto de outra ação (a de alimentos definitivos ou aquela em que esse pedido é somado a outros).

Oferecida ou não a resposta do réu, poderá o magistrado, se necessário, de­terminar a realização de audiência de instrução e julgamento. Colhidas as provas pertinentes, deverá o magistrado proferir sentença, acolhendo ou não o pedido do requerente.

9,5 A sentença de alimentos e sua estabilidade

Como visto anteriormente, os alimentos provisionais não têm por base nem a certeza quanto à existência de seus pressupostos (o que estaria ligado aos alimentos definitivos), nem a certeza quanto à existência da relação de parentesco (dc onde re­sultariam os alimentos provisórios). Bastará a existência de probabilidade do direito a alimentos - com a demonstração aparente da relação de parentesco, da necessidade do alimentando e da possibilidade do alimentante, ou da existência cio ato ilícito que é capaz de gerar o direito a alimentos, ou de outra relação da qual esse direito possa ainda surgir-para que a medida seja deferida,12

Assim, evidentemente, não se há de exigir prova pré-constituída da relação de parentesco com pressuposto para o deferimento de alimentos provisionais. Bastará a existência de verossimilhança na alegação do requerente para a outorga da sentença de alimentos provisionais, Note-se que a aparência, no caso, não é pressuposto apenas para a concessão da medida liminar, mas também para a outorga da sentença dc procedência, Embora isso pareça óbvio, deve ser ressaltado que não sc está diante, propriamente,de medida de natureza cautelar., Os alimentos provisionais constituem, na realidade, forma especial de antecipação de tutela, veiculada por procedimento autônomo e, portanto, com dois momentos para a outorga da providência de urgên­cia (liminar e sentença). Assim, embora satisfativa a medida, não possui ela caráter definitivo, mas apenas provisório e calcado em juízo de cognição sumária

Em razão disso, os alimentos provisionais, ainda que concedidos cm sentença, não são estáveis, podendo ser alterados em qualquer momento posterior, sempre que sobrevierem alterações no estado de fato-especialmente na condição econômica das partes (necessidade do alimentando ou possibilidade do alimentante) - ou de direito

12 Nesse sentido, compreendendo que não se exige prova cabal da existência dos pressupostos para a concessão de alimentos provisionais, ver STj, 4.;' T , REsp 186 013/SP, rei Min Fernando Gonçalves, D JU 08 03 2004, p 257. Em sentido contrario, entendendo que os alimentos, mesmo provisionais, só são devidos depois do reconhecimento de paternidade, ver STJ, 3.»Turma REsp 200 595/SP, rei Min Pádua Ribeiro, D JU 09 06.2003, p 263.

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da causa (art. 15 da Lei 5.478/68). Essa alteração (posterior à sentença) poderá ser realizada dentro do próprio processo em que foram concedidos os alimentos, até que o feito esteja concluído,13 ou em ação autônoma, depois de esgotado o processo de alimentos provisionais. Sua estipulação durará, portanto, até a fbcação dos alimentos definitivos (ou até ser provado o descabimento do direito a alimentos).1-'

Em conta disso, pode-se cogitar de várias situações distintas:A) Não obtidos os alimentos provisionais, sobrevem, ulteriormente, sentença

concessiva de alimentos definitivos. Nesse caso, em razão do caráter extnncdo direito a alimentos, expresso no art. 13, § 2 da Lei de Alimentos (Lei 5 ,.478/68) os efeitos da sentença devem retroagir à data da citação na medida de alimentos provisionais (e não à citação na ação “principal”), Embora a lei de alimentos se limite a dizer que os alimentos (provisórios) retroagem à data da citação (na ação de alimentos), é evidente que o principio que está aí subjacente indica que o direito a alimentos deve sempre retroagir ao momento em que ele foi pleiteado (ou, mais precisamente, no momento cm que o requerido sabe que houve o exercício dessa pretensão) Por isso, se o início da pretensão a alimentos se deu com o ajuizamento da medida de alimentos provisionais, é certo que a data a partir da qual eles sejam devidos esteja fixada naquele instante (e não no momento em que foi ajuizada a ação de alimentos definitivos). Assim, o credor poderá pleitear em futura execução não apenas as parcelas fixadas a partir da sentença de procedência, mas também os valores retroativos - mesmo aqueles não concedidos na liminar ou na sentença de alimentos provisionais,

B) Os alimentos provisionais foram deferidos, mas a ação principal entendeu inexistente o direito a eles Nesse caso, em face do principio da irrepettbilidade dos alimentos, o valor já obtido de alimentos não será devolvido. A partir do momento em que o suposto devedor foi exonerado da prestação alimentar, não será mais responsável pelo pagamento dessa verba, mas também não poderá recuperar o que já foi pago.

Nesse caso, poder-se-ia cogitar sobre o momento a partir do qual incide essa exoneração, se desde a prolação da sentença que julga improcedente a pretensão a alimentos, se a partir do momento em que não haja mais recurso com efeito suspensivo dessa sentença, ou se apenas com o seu trânsito em julgado. A questão é altamente polêmica, porque envolve a análise de diversas questões que só podem ser localizadas nas circunstâncias do caso concreto. De todo modo, deve-se anotar a existência de previsão, referente aos alimentosprovisàrios, que afirma que “os alimentos provisórios serão devidos até a decisão final, inclusive o julgamento de recurso extraordinário” (art, 13, § 3 da Lei 5,478/68). Em vista desse preceito, que a jurisprudência tam­

13 Exaurido o processo de alimentos provisionais, pelo esgotamento dos recursos ou pela inexistência de sua interposição, o procedimento estará concluído, não havendo como reativá-lo (coisajulgada formal). Por isso, após sua conclusão, embora o conteúdo da decisão seja passível de revisão, isso só poderá ocorrer em outro meio (processo), a ser em seguida instaurado.

w STJ, 3 »X,REsp 846. 767/PB, rei. Min Nancy Andrighi,D/í/14„05,.2007, p. 297

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bém tem aplicado aos alimentos provisionais, tem-se entendido que a sentença de ímprocedência é, por si só, insuficiente para retirar o direito a alimentos fixado em liminar' ou em sentença de ação de alimentos provisionais. Assim, mesmo diante de sentença de Ímprocedência na ação principal, persistiria o dever de pagar alimentos para o réu, se não até o trânsito em julgado da sentença que rejeita o direito a alimentos da ação principal, ao menos até que não possa mais o alimentando valer-se de recurso com efeito suspensivo contra aquela sentença.15 Em que pese a regra mencionada, vê-se que ela é facilmente burlada, por meio da revogação da medida de alimentos provisionais em momento anterior à prolação da sentença na ação principal,

Para evitar que se use desse expediente apenas para superar o impasse legal, mas muitas vezes no intuito de oferecer solução mais justa para o problema, outra solução, ao que parece mais adequada, seria divisada. Sabe-se que os alimentos provisionais são outorgados no intuito de evitar prejuízo irreparável ao postulante, o que legitima sejam eles concedidos initio litis. Em conta dessa função, devem perdurar enquanto houver a necessidade de proteger o requerente contra esse dano Assim, a sentença de ímprocedência (na ação principal) não deve mesmo ser vista como elemento sufi­ciente, capaz de determinar a cassação dos alimentos provisionais antes outorgados, especificamente se pers istir a situação de risco existente ao tempo em que estes alimentos foram concedidos,,Todavia, não havendo mais a situação de risco, ainda que não tenha transitado em julgado a sentença da ação principal (que reconheceu a inexistência do direito aos alimentos), nada há mais que autorize a manutenção da imposição pro­visória..16 Enquanto houver o estado de perigo, justifica-se a manutenção da medida de alimentos provisionais, até que transite em julgado a sentença que conclua pela inexistência desse direito.. Isso porque, visando os alimentos a proteger direito fun­damental à vida, é razoável que, enquanto houver mínima chance de que o direito do alimentante venha a ser reconhecido judicialmente, imponha-se o dever de proteger aquele bem jurídico.. Somente quanto não mais houver a situação de risco - porque, então, o direito fundamental à vida não estará mais na iminência de sofrer lesão - ou quando reconhecida, por sentença definitiva, a inexistência do direito a alimentos, é que a medida deve ser revogada. Em conta disso, recomenda-se sempre que a cassação dadecísão (liminar ou sentença) que concede alimentos provisionais somente ocorra mediante expressa deliberação do magistrado, Na ausência de qualquer manifestação judicial - ressalvado o trânsito em julgado da sentença que reconhece a inexistência do direito a alimentos - mantém-se o direito aos alimentos provisionais 17

15 Nesse último sentido, ver Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito processual civil, verlll, p 203

16 C f Ovídio Baptista da Silva, Do processo cautelar, cit., p 404-405 e 186-187.17 Segundo decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “A decisão concessiva de alimentos

provisionais em favor da autora da ação de dissolução da união estável, se não revogada ou reduzida -o que pode ser obeido a qualquer tempo,-permanece eficaz depois da sentença de ímprocedência, objeto de apelação nos dois efeitos, pelo que a autora pode promover a execução das prestações

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2 8 2 CAUTEL ARES ESPECÍFICAS

Outro ponto que poderia ser problematizado aí diz respeito às prestações an­teriores à sentença que rejeitou o direito a alimentos, mas que ainda não foram pagas pelo requerido , Seguindo o princípio exposto no art 13, § 3 o, da Lei 5.478/68, antes mencionado, tem a jurisprudência entendido que esses valores são devidos, ainda que a sentença da ação principal tenha acolhido a tese do suposto alimentante,18 Esse entendimento se dá, sobretudo, por razões de ordem prática, a fim de não estimular o réu, obrigado a pagar alimentos provisionais, a descumprir a ordem, aguardando o desfecho do processo “principal”

C) Os alimentos provisionais foram deferidos e a sentença da ação principal os majorou, Nesse caso, seguindo-se o mesmo princípio estampado no art. 13, § 2 o, da Lei 5.478/68, deve o novo valor retroagir à data da citação - como visto, à citação na medida de alimentos provisionais ~ de modo que o alimentante terá direito a postular, posteriormente, a diferença entre o que foi pago até a majoração e ainda as novas prestações, no montante fixado enfim 19

Todavia, se a majoração decorreu de fato ocorrido posteriormente ao momento do deferimento dos alimentos provisionais { v g , no curso da ação principal, o re­querente dos alimentos apresenta maior necessidade, ou o alimentante melhora sua condição financeira), somente a partir desse momento é que devem incidir o novo valor dos alimentos (art., 15 da Lei 5.478/68), não retroagindo à data da citação

D ) Os alimentos provisionais foram deferidos e a sentença da ação princi­pal os reduziu. Nesse caso, não houve negativa do direito a alimentos, mas apenas adequação de sua importância às reais exigências do caso concreto Por isso, parece razoável que o novo valor passe a vigorar a partir da sentença, não retroagindo seus efeitos à citação, nem ficando condicionados ao trânsito em julgado dessa última decisão.,20 Na realidade, os mesmos motivos que levam à conclusão de que os efeitos da exoneração dos alimentos não devem retroagir para atingir os valores ainda não pagos, recomendam que também não se opere o efeito retroativo no caso presente. Autorizado esse efeito retroativo, haveria manifesto estímulo ao alimentante para que resistisse à ordem de pagar os alimentos, na esperança de que a sentença da ação principal viesse a lhe beneficiar (ao menos para reduzir o importe devido) Em razão disso, por razões de ordem prática não se recomenda a retroatividade dessa nova

vencidas após o julgamento'’ (STJ, 4 “T , REsp 296 039/MT, rei Min Ruy Rosado de Aguiar, D/t/20 08 2001, p.. 475)

18 Cf. STJ, 4 .» T , REsp 14ó 294/MG, rei Min Salvio dc Figueiredo TcLveira, D JU 24. 05 1999, p 171; STJ, 4 aT ,REsp 36.170/SP, rei Min R uy Rosado de Aguiar, DJUQ\ 08 1994, p 18 655; STJ, 3 » T , REsp 555 24l/SP, rei Min. Nancy Andrighi, DJU01 02 2005, p.. 542.

17 STJ, 3 » T , Edcl no REsp 504..630/SP, rei.. Min. Castro Filho, DJU 11,09.2006, p..247

20 Em sentido contrário, entendendo que os efeitos dessa decisão devem retroagir, ficandoa salvo apenas as prestações já pagas, ver STJ,3.aT , REsp 209 098/RJ,rel Min.. Nancy Andrighi,DJU21 02 2005, p 369

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AL IMENTOS PROVISIONAIS 283

decisão. De outro lado, também não parece razoável condicionar os efeitos dessa redução ao trânsito em julgado da sentença.. Isso porque, reconhecido - por sentença dada em cognição exauriente - não serem precisas as condições (de necessidade e possibilidade) tomadas como premissa para a fixação dos alimentos provisionais, não se justifica que seja o valor originalmente arbitrado mantido, em detrimento da nova decisão, que melhor aprecia a questão. Note-se que, nesse caso, a proteção do direito à vida continua garantida, já que os alimentos permanecem devidos. A alteração de sua importância não deixa desabrigado o direito à vida, de modo que não se justifica que a decisão provisória seja mantida em detrimento da decisão dada na ação principal.

Mais uma vez, como observado acima, se a diminuição do valor dos alimentos se dá em razão de alteração nas circunstâncias da causa, especificamente da condição econômica do alimentante e do alimentado, seus efeitos fazem-se sentir de pronto, mormente diante do que dispõe o art., 15 da Lei 5,478/68..

E) Os alimentos foram concedidos em liminar na ação de alimentos provisio­nais, mas a sentença da ação de alimentos provisionais concluiu que não havia direito a esse valor Nesse caso, tem-se a revisão da decisão “urgentíssima” dada na medida de alimentos provisionais, pela sentença “urgente” dada nesse mesmo procedimento. Trata-se de reconsiderar decisão dada em circunstâncias extremas, à luz de contradi­tório mínimo e de cognição mais legitimada Por isso, parece claro que a sentença da medida de alimentos provisionais sempre pode rever a conclusão esposada na liminar dessa ação, seja diante de circunstâncias novas de fato (o que já seria autorizado pelo art. 15 da Lei 5.478/68), seja pela simples reapredação daquilo que já havia napro- positura da ação, mas que não pode ser apreciado, nem em cognição sumária,21

Vale ainda ressaltar que a instabilidade da sentença proferida na ação de ali- mentos provisionais não é, como visto acima, completa. Ela é mantida estável, seja até o advento das circunstâncias acima descritas, seja enquanto se mantiverem inal­teradas a situação de fato e de direito existentes ao momento em que aquela decisão foi proiatada,

Enfim, é de se questionar se, concedida a medida de alimentos provisionais, seja em liminar ou em sentença final, deve o requerente ajuizar a ação principal no prazo de trinta dias, sob pena de caducidade da proteção provisória, nos termos do que prescrevem os arts.. 806 e 8 0 8 ,1, do CPC.. A resposta caminha pela inaplicabi- lidade dos preceitos indicados no caso presente. Isto porque, como visto anterior­mente, não se está aqui, propriamente, diante de medida de natureza cautelar Os alimentos provisionais se servem do procedimento das medidas cautelares, mas não possuem natureza cautelar, e sim satisfativa Por outro lado, há franca tendência da jurisprudência em não aplicar esse prazo de caducidade, em medidas de urgência que

21 Cf. STJ, 4 a r., REsp 36 052/PR, rei. Min. Barros Monteiro, D JU 09.06 1997, p2 5 5 4 2

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2 8 4 CAUTELARES ESPECÍFICAS

tutelam interesses de menores e relações de família, exatamente pela peculiaridade de tais situações e pelos interesses (extremamente frágeis) ai envolvidos,22 Desse modo, ainda que não se deva permitir que a medida de alimentos provisionais vigore indefinidamente, também não se aplica aqui, de modo peremptório, a caducidade que impera no campo das medidas efetivamente cautelares,

9.6 Efetivação dos alimentos provisionais

A efetivação dos alimentos provisionais se dá do mesmo modo empregado para a efetivação de qualquer outra espécie de alimentos Assim, a decisão (liminar) ou a sentença que fixa alimentos provisionais será executada, na forma do que prescrevem o art. '732 ess.,do CPC, e o art, 16 e ss., da Lei 5.478/68.

A afirmação poderia suscitar alguma dúvida, na medida em que os dispositivos mencionados, ao menos aparentemente, não abrangeriam, ao menos todos, as várias espécies de alimentos existentes.. Com efeito, apenas se vê referência expressa aos “alimentos provisionais” nos arts. 733 e 735 do CPC, o que poderia indicar que para a efetivação desses alimentos, só seria possível por meio de execução por quantia certa comum (art. 735) ou por meio de prisão civil (art.. 7,33, § 1,°).

Esse entendimento, porém, não merece ser prestigiado. Uma, porque se baseia em interpretação literal do sistema de efetivação dos alimentos em geral, o que é, de longe, a mais pobre técnica de interpretação viável, Duas, porque nada justifica dar aos alimentos provisionais, em termos de modos de efetivação, tratamento díspar em relação às demais formas de alimentos. Três, porque, se fosse permitido algum tratamento diferente, os alimentos provisionais, por se ligarem a situação de urgência e de risco de perecimento de direito, seriam os que mereceriam a mais eficaz técnica de satisfação.. Quatro, porque a Lei de Alimentos não contém semelhantes restrições em seus preceitos,.

Enfim, nada autoriza que se limitem os mecanismos utilizados para dar efe­tividade aos alimentos provisionais, de modo que todas as técnicas disponíveis estão habilitadas para o trato dessa pretensão.

Quanto ao funcionamento dessas técnicas, o tema já foi abordado no segundo volume deste Curso Desse modo, a fim de evitar repetição, remete-se o leitor àquilo que foi ponderado naquela ocasião,23

22 Nesse sentido, ver R JT JE S P 43/190 ,68/268, 7.3/122,107/169.33 Ver Luiz Guilherme Marinoni, Teoria Geral do Processo (Curso de prousso civil), v 2,

Parte VII, n. 1.

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10Arrolamento de Bens

S um ário : 10.1 Questões prévias - 10,2 Cabimento do arrolamento - 10.3 Procedimento do arrolamento.

10.1 Questões prévias

Mais uma vez o Código de Processo Civil prevê procedimento cautelar que se destina a prevenir o extravio ou a dissipação de bens do requerido.. Nos termos do que prevê o art. 855 do CPC, “procede-se ao arrolamento sempre que há fundado receio de extravio ou de dissipação de bens”., Há clara semelhança entre a medida aqui examinada e figuras como o arresto, o seqüestro ou a busca e apreensão,. Por isso, impõe-se, preliminarmente, delimitar o campo de atuação dessa medida e segregá-la das figuras afins antes referidas.

A medida de arrolamento de bens não é nova no ordenamento processual nacional..Todavia, a figura, até a edição do atual Código de Processo Civil, tinha por finalidade exclusiva a de descrever bens - sem qualquer constrição - para permitir ulterior inventário. Previa, nessa linha, o art,. 676, IX, do CPC de 19.39, que seria admissível medida preventiva que consistisse “no arrolamento e descrição de bens do casal e dos próprios de cada cônjuge, para servir de base a ulterior inventário, nos casos de desquite, nuüdade ou anulação de casamento”,. A medida tinha caráter nítido probatório, servindo para a descrição de bens que compunham uma universalidade, a serem em seguida pleiteados em outra ação.1

Não é, porém, essa a medida que atualmente é tratada como ar rolamento. Como se pode ver da simples leitura do art. 855 e ss. do CPC, o atual arrolamento consiste não apenas na descrição (elaboração de rol) de certos bens, mas também na sua efe­tiva apreensão e depósito (arts. 858 e 859 do CPC) Piá, portanto, umplits agregado à medida tradicionalmente conhecida, que acrescenta algo como o seqüestro dos bens descritos e o seu depósito em mãos de pessoa da confiança do juiz Nesse passo,

1 Havendo necessidade de constrição desses bens, utilizava-se, no direito anterior, da medida de seqüestro, o que demonstra que no arrolamento então previsto não se cogitava do desapossamento dos bens arrolados.

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286 CAUTELARES ESPECÍFICAS

como reconhece a doutrina,- inspirou-se o Código atual na legislação portuguesa, desviando-se então da figura tradicionalmente prevista no direito nacional.

A medida prevista no direito português caracteriza-se por destinar-se, quase de modo absoluto, à proteção de universalidades de bens.3 Daí a explicação para que o instrumento alie o desapossamento de bens, com seu depósito, e o arrolamento, com descrição, destes Em se tratando dc medida que visa à constrição de universalidade de bens, é evidente que o requerente poderá não ter condições de, a prior i, descrever cada um dos itens que compõem esse conjunto Por isso, a par da tomada desses bens, impõe-se seu detalhamento, não apenas para a sua precisa indicação, mas ainda para que possam eles ser especificamente demandados na seqüência.

Em vista disso, a medida de arrolamento distancia-se das outras figuras seme­lhantes até aqui estudadas precisamente pelo fato de que sc destinam à proteção de universalidades de bensA Sempre que o interessado tiver por interesse a proteção dessas universalidades, sem poder descrever dc modo antecipado sobre qual bem incide seu direito, poderá valer-se da medida em estudo e não das outras formas de constrição cautelar de bens, antes examinadas Recorde-se que a medida de seqüestro exige que o requerente descreva com exatidão os bens que serão objeto da constrição judicial, já que essa medida objetiva a apreensão de bem determinado já o arresto tem por fina- lidade a proteção de crédito - cuja satisfação se dá de forma difusa no patrimônio do

2 Ovidio Baptista da Silva, Curso de processo t ivil, cit., p. 306-307; Carlos Alberto Alvaro dc Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil, cit , p 279 e ss

1 Carlos Alberto Alvaro dc Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil, cit , p280

4 Segundo Ovídio Baptista da Silva {Cmso de processo civil, cit.., p 308), a medida de arro- lamcnto só pode ser utilizada para a proteção de direito subjetivo, pretensão ou ação decorrente de direito de família ou de sucessão Seu entendimento baseia-se no que prevê o art. 856, § 2 °, do Código, que prevê que o credor só possa vaier-se do arrolamento nos casos dc arrecadação de herança Para outras situações, defende o autor gaúcho seguindo aorientação da doutrina italiana, deveria ser utilizada a medida de seqüestro, com a observação cie que, nesse caso, fica dispensada a descrição pormenorizada dos bens a serem seqüestrados Outros autores entendem que, sempre que presente uma universalidade, a medida adequada seria o arrolamento, independentemente de tratar-se de direito de familia ou de sucessão, em sentido estrito Embora a observação do processualista mencionado esteja calcada em argumento de peso, parece que a questão é cie menor importância Se esses outros casos devem ser tutelados por via de seqüestro ou de arrolamento, é tema estritamente formal, que deve cederem prol da necessidade de efetiva proteção dc todos os interesses Recorde-se que a finalidade do detalhamento no Código de medidas cautelares específicas não é a de limitar apenas aos casos descritos o cabimento de tal tipo de proteção, mas simplesmente a de facilitar a situação do requerente que, inserindo-se no caso descrito, terá menores ônus na indicação dos pressupostos para a outorga da proteção e mais fácil acesso à prestação de urgência, que já fora tipicamente prevista no Código Desse modo, limitando-se ou nâo o arrolamento a casos dc direito de família, é certo que outras situações aí não abrangidas poderão ter direito à mesma espécie de providência (chamada ou não de arrolamento), sempre que isso seja necessário para a proteção adequada da situação material

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ARROLAMENTO DE BENS 2 8 7

requerido-dc modo que a constrição ali almejada abranja qualqiierhtm com conteúdo econômico, No arrolamento, tem-se figura sob certa medida intermediária, porque nem há um bem específico a ser demandado, nem se admite a apreensão de qualquer bem do requerido.. Visa a medida à apreensão e à descrição de um conjunto de bens, que está na posse do requerido, mas que é objeto de pretensão do requerente.5

O arrolamento possui evidente natureza cautelar,já que se destina a conservar bens - que já sejam ou que venham a ser objeto de disputa judicial - “indetermi­nados” (porque não especificados ainda, já que pertencentes a uma universalidade não esmiuçada pelo requerente) de modo a permitir a adequada tutela dos direitos discutidos em outra demanda.

10.2 Cabimento do arrolamento

Segundo estabelece o art. 855 do C PC ,“procede-se ao arrolamento sempre que há fundado receio de extravio ou de dissipação de bens”. Extrai-se desse comando que, a par de a medida destinar-se a proteger universalidade de bens, essa proteção exige a existência de ameaça fundada de extravio ou de dissipação dos bens que compõem aquele conjunto. Na realidade, embora o Código somente aluda a esses dois tipos de dano aos bens em questão, é evidente que se deve dar a esses elementos in terpretação larga, que apanhe também outras formas de prejuízo, como a ocultação, a adulteração, o abandono ou mesmo a alienação fraudulenta..6

Importa, pois, para a concessão da medida de arrolamento, que se tenha si­tuação dc rísco, capaz de gerar prejuízo a um conjunto determinado de bens, cujos elementos ainda não são exatamente definidos pelo requerente (universalidade) O elemento da universalidade deverá sempre estar presente, já que é a nota particular dessa medida, Mesmo no caso de credores - que não têm, em regra, direito a bens determinados do patrimônio do requerido - esse elemento é exigido, já que eles só podem pleitear o arrolamento nos casos em que sucederá a arrecadação de herança (art. 856, §2.°, do C P C )7

5 Justifica-se aí a distinção entre o caso de cabimento do arrolamento e o caso de sequesrro, tratado pelo art 822, III, do CPC (“( •) dos bens do casal, nas ações de desquite c de anulação de casamento, se o cônjuge os estiver dilapidando”) Se o caso é de simples dilapidação dos bens do casal, a hipótese recomenda o uso do seqüestro para a proteção dos interesses do cônjuge inte­ressado Se, porem, o cônjuge interessado sequer tiver condições de precisar os bens em questão, necessitando da proteção para evitar a dilapidação de bens ainda nâo determinados (por falta de informações sobre sua existência e sobre a extensão desse patrimônio), então deverá scr utilizada a medida de arrolamento, já que esta, a par de obter a apreensão dos bens, também resultará em sua indicação e descrição..

6 Cf. Ovídio Baptista da Siiva, Curso dc processo civil, cit.., p 3147 Carlos Alberto Alvaro dc Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil, ci t , p

284..

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288 CAÜT ELARES ESPECÍFICAS

Poderão ser objeto do arrolameato todos os tipos de bens móveis e imóveis que possam constituir uma universalidade. Excepciona-se dessa condição o dinheiro corrente, por sua característica de fungibilidade.. Por outro lado, embora não haja previsão expressa no ordenamento nacional, também podem constituir objeto de arrolamento os documentos que formam um conjunto impreciso.. Desde que seja necessário fazer uma relação desses documentos, além de apreendê-los, é o arrola­mento a medida adequada para a proteção de tais interesses, Não é sequer necessário que esses documentos possuam valor econômico intrínseco (como seriam os títulos de crédito), bastando que haja interesse em sua conservação, embora não se possa precisar, de antemão, a sua descrição.8

Conforme prevê o art. 856 do CPC, habilita-se a requerer o arrolamento qual­quer pessoa que possua interesse na conservação dessas universalidades. O interesse em questão pode defluír de direito já reconhecido - embora ainda não efetivado - ou que ainda venha a ser objeto de demanda judicial (art. 856, § I o, do CPC),. Justi­fica-se, portanto, que a medida de arrolamento possa ser postulada como cautelar prepar atória ou mesmo como incidental a outro processo.

Em regra, esses legitimados estarão ligados a relações fundadas em direito de família ou de sucessão,. Porque estes são os naturais sujeitos que possuem direito (já reconhecido ou a ser avaliado em demanda outra) a universalidades, no todo ou em parte, é evidente que estes sejam os primeiros destinatários da medida cautelar em apreço, Desse modo, os principais interessados na medida de arrolamento serão os detentores de algum direito a determinados bens (portanto, direitos ou pretensões reais) que serão arrolados.

Porém, a doutrina também vem recomendando o uso do arrolamento para o trato do direito societário, em razão das semelhanças que esse campo possui com o direito de família e de sucessões, projetadas para a pessoajurídica.9 Aceita essa assimi­lação, então também os sócios de pessoas jurídicas poderão valer-se do arrolamento para a proteção de seus interesses - v.g., em ações de dissolução de sociedades - sempre que for necessár ia a descrição dos bens que compõem o conjunto patrimonial e que este complexo esteja sofrendo risco de lesão.10

Quanto aos credores do requerido, como já ressaltado, estes só poderão utilizar- se do arrolamento nos casos em que sucederá a arrecadação de herança (art. 856, § 2 °, do C P C ), Assim ocorre porque nos demais casos, o credor não tem interesse (ou direito) específico sobre a universalidade de bens em questão, mas apenas um interesse

8 Cf Carlos Alberto Alvaro de Olíveira, Comentários ao Código de Processo Civil, cit, p.284

9 Ver, a respeito, Carlos Alberto Alvaro de Olíveira, Comentários ao Código de Processo Civil, c it , p. 298-299

10 Pontes de Miranda também sugere o uso do arrolamento para a tutela de bens do ausente e ainda para a proteção de bens “achados" (ver Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p 289).

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ARROLAMENTO DE BENS 289

geral na conservação do patrimônio do réu, paia fazer posteriormente incidir sobre aquele a responsabilidade sobre a dívida não adimplida.. Legitima-se, pois, ao arresto e não ao arrolamento de bens.

10.3 Procedimento do arrolamento

O arrolamento inicia-se por petição escrita, que satisfaça os requisitos gerais do art. 801 do CPC, e que descreva o interesse do requerente aos bens envolvidos, bem como as razões que permitem concluir pela existência do perigo de lesão sobre tal universalidade (art,. 857 do CPC). A afirmação contida no Código de Processo Civil de que o requerente deverá expor o “seu direito aos bens” (art. 857 ,1, do CPC) é que leva a doutrina11 a concluir, ao que parece com acerto, que somente tem direito ao ar­rolamento aquele que se arroga a titulai'de direito real sobre os bens demandados.

O Código optou por não esmiuçar o procedimento do arrolamento em suas fases processuais. Dai resulta certa dúvida sobre o procedimento da medida em questão, especialmente sobre a forma e a extensão da defesa admissível ao requerido. Isto porque o Código não disciplina essa defesa, limitando-se a dizer, laconicamente, que “o possuidor ou detentor [leia-se o requerido] dos bens será ouvido se a audiên­cia não comprometer a finalidade da medida” (art. 858, parágrafo único, do CPC). Pode surgir, assim, a indagação sobre se a defesa do requerido só é viabilizada se não comprometer a finalidade da medida, de modo que, nos outros casos, a cautelar não admitiria o contraditório. Ou, o que é pior, pode-se cogitar ai de um procedimento singular, em que todo o elenco de atos resume-se à audiência de que trata o art, 858 do CPC ,.

Não parece, porém, ser essa a intenção do Código, Na realidade, bem lido o preceito contido no art, 858 do CPC, nota-se que ele está dirigido a disciplinar ape­nas a liminar cabível no procedimento do arrolamento. Desse modo, proposta a ação de arrolamento, pode ojuiz deferir liminarmente a ordem de arrolamento (apreensão e ulterior descrição dos bens), seja por simples decisão-quando houver prova de plano (documental) das condições que autorizam a outorga dessa proteção - ou então após justificação prévia..

A audiência de justificação prévia, a seu turno, pode ocorrer com ou sem a participação do requerido., Dispensa-se a participação deste quando ele, tendo ciência do pedido de arrolamento, puder frustrar a utilidade da medida - como, por exemplo, se houvesse razões para suspeitar que ele, cientificado para participar da audiência de justificação prévia, pudesse ocultar os bens demandados ou estragá-los, de modo a tornar inútil a cautelar.. Em todos os outros casos,impõe-se a intimação do requerido para acompanhar a audiência de justificação. Sua atuação nessa ocasião, é claro, não se dá pelo oferecimento de defesa, já que não é essa a oportunidade para tanto A

11 V.g., Ovidio Bap tlsta da S ilva, Curso de processo civtl, cit,, p. 312 -313.

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290 CAUTELARES ESPECÍFÍCAS

convocação do requerido para a audiência prévia tem a finalidade de permitir que ele acompanhe a prova a ser produzida pelo requerente, podendo contraditar teste­munhas, formular indagações a elas ou, quando muito, produzir contraprova.. Não lhe cabe, ainda, apresentar resposta aos termos da inicial, o que lhe será facultado ulteriormente.

Deferida ou não a medida liminar, será oferecido ao requerido o prazo regular (de cinco dias, nos termos do art.. 802 do CPC) para responder. Sua resposta será ampla, podendo defender-se seja do mérito da ação cautelar proposta, seja da efeti­vação (realizada ou pretendida) da medida . Assim, poderá o requerido não apenas defender-se alegando a inexistência do direito afirmado pelo requerente, mas ainda apontando a desnecessidade do arrolamento ou a impossibilidade de a medida atingir determinados bens.

Se necessário, poderá o magistrado designar audiência de instrução e julga­mento, para a colheita de prova orai (art , 803, parágrafo único, do CPC), proferindo, então, sentença.,

O conteúdo da decisão (seja a liminar, seja a sentença final) que concede o arrolamento há de incluir a ordem de apreensão dos bens discutidos, o seu depó­sito e, em seguida, o seu “arrolamento”, ou seja, a sua descrição em relação própria. Dessa forma, deferida a medida, em liminar ou na sentença, deverá ojuiz nomear depositário, ordenando que os bens que constituem a universalidade discutida lhe sejam entregues,

O depositário judicial será escolhido com apoio nas diretrizes do art. 666 do CPC. Não há razão, porém, para se excluir a prior i (e mesmo fora dos casos disciplinados no art, 666, § 1.,°) a possibilidade de que o próprio requerido venha a ser nomeado como depositário dos bens. Com efeito, se a condição de depositário for suficiente para eliminar o risco até então existente de lesão aos bens discutidos, é possível que a universalidade reste em posse do requerido, alteradíi apenas a sua relação com essas coisas (que agora será de depósito).. Havendo, porém, risco de que a conduta do requerido seja mantida ainda que assumida a condição de depositário dos bens, ou não sendo recomendável atribuir ao requerido o depósito de tais coisas- por exemplo, porque o arrolamento que ele poderia proceder não seria fiei aos bens ~ então deverá ser nomeado terceiro para essa atribuição

Caberá ao depositário, além de suas tarefas corriqueiras, proceder ao"arroía- mento” dos bens que a ele foram confiados, Conforme preceitua o art., 859 do CPC, “o deposi tário lavrará auto, descrevendo minuciosamente todos os bens e registrando quaisquer ocorrências que tenham interesse para a sua conservação”. Ao contrário, pois, do que sucede com um cnte no processo civil, a elaboração do auto (aqui, de arro- lamento) não está a cargo daquele que realiza a apreensão dos bens (ou seja, do oficial de justiça), mas sim do depositário que recebe esse conjunto patrimonial em seguida. Obviamente, a opção legal em atribuir ao depositário a incumbência de arrolai os bens apreendidos pode gerar vários problemas, a começar pela dificuldade de o requerido

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ARROL AMENTO DE BENS 291

ter, dc pronto, documento que indique os bens que lhe estão sendo subtraídos Do mesmo modo, sendo o requerido deixado como depositário dos bens, dificilmente poderá o requerente discutir, futuramente, se algum dos bens que deveriam ter sido apreendidos- mas não consta na relação apresentada- realmente foi objeto da cons­trição ou não.. A par disso, há o problema lógico, apontado pela doutrina,12 de que a nomeação do depositário no momento da decisão - antes, portanto, de que tenha ocorrido a efetiva apreensão dos bens - cria a inusitada situação de um depositário de coisa nenhuma, ao menos por um período de tempo..

Determinado o arrolamento pelo juiz, os bens deverão ficar inacessíveis até a conclusão dos trabalhos de levantamento e de depósito.Tal é a intenção implícita, ma­nifestada no art 860 do CPC (“não sendo possível efetuar desde logo o arrolamento ou concluí-lo no dia em que foi iniciado, apor-se-ão selos nas portas da casa ou nos móveis em que estejam os bens, continuando-se a diligência no dia que for designado”) . Assim, determinada a efetivação da medida, é possível lacrar o lugar em que se encontram os bens a serem arrolados, até o final dos trabalhos, para a preservação da integridade do patrimônio e para a correta conclusão da tarefa ordenada pelo magistrado. O termo “selo” empregado no Código, por óbvio, não deve ser interpretado literalmente, O importante é que, para a segurança dos bens a serem arrolados, reste o local em que se encontram isolado, impedindo~se o acesso de quaisquer pessoas que pudessem violar a intenção da medida de arrolamento., Desse modo, pode-se colocar, de fato, selos nas portas do lugar em que estão os bens a serem arrolados; todavia, a medida também poderá consistir na interdição por outro meio desse ambiente, ou ainda na remoção dos bens a serem arrolados par a lugar seguro,, O fundamentai, de todo modo, é que se mantenha a integridade dos bens que são objeto da medida cautelar13

Efetuado o arrolamento dos bens em discussão, exaurida está a finalidade da medida, que aguardará o sucesso da demanda principal. Não há previsão sobre a possibilidade de que os bens arrolados possam ser liberados, mediante a prestação de caução, na forma do que genericamente prevê o art. 805 do CPC, Em que pese o silêncio da lei quanto ao tema específico, a doutrina sinaliza pela possibilidade de aceitação dessa substituição, desde que uso seja suficiente para atender à finalidade da medida u Em conta disso, não se deve admitir a substituição dos bens arrolados por caução, em princípio, nos casos de bens infungíveis, mas é possível essa troca sem­pre que não houver prejuízo para os interesses do requerente, sendo medida menos gravosa para o requerido.,

12 Cf. Ovídio Baptista da Siiva, Curso de processo civil, c ít , p. 31713 Recorde-se, de toda sorte, que a violação dos selos em questão, é tipificada pelo Código

Penal ("Art 336 . Rasgar ou, de qualquer forma, inutilizar ou conspurcar edital afixado por ordem de funcionário público; violar ou inutilizar selo ou sinal empregado, por determinação legai ou por ordem de funcionário publico, para identificar ou cerrar qualquer objeto ”)

1,1 Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 306

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Justificação Judicial

Sum ário : 111 Noções introdutórias-11.2 Finalidade da justificação judicial-11,3 Procedimento

11.1 Noções introdutórias

A justificação judicial é medida que tem por finalidade a constituição imediata de prova de deter minado fato, seja para simples fim de documentação, seja para utilização em ulterior processo judicial ou administrativo (art, 861 do CPC),

Note-se que, por meio da justificação, não se assegura a futura produção (em juizo) da prova - tal como ocorre com a exibição ou com a produção antecipada de prova, A finalidade é, desde logo, documentar certo fato, seja no intuito de utilizar-se desse documento ulteriormente em processo, seja apenas paia proteger os interes­ses do requerente.Tem-se, portanto, com a justificação, a constituição imediata de prova, que poderá ser utilizada futuramente para a demonstração da legitimidade de pretensão do autor - ou da ausência desta, quando a prova for invocada pelo réu - em eventual processo judicial ou administrativo futuro.

Como aponta Ovídio Baptista da Silva, desde as Ordenações Afonsinas é ad­mitido o procedimento judicial paia assegurai' a produção de prova., Todavia, a partir da Consolidação Ribas, nota-se separação entre as medidas designadas para essa finalidade, o que deu origem às providências de asseguração de prova e dejustificação judicial.1 A nota que distingue, desde então, as duas medidas é a desnecessidade de demonstração dcpericulwn in mora no procedimento da justificação judicial. Vale dizer que a justificação é admitida independentemente da demonstração de que a prova possa vir a desaparecer no futuro, o mesmo não ocorrendo com a produção antecipada de prova.

Sem dúvida, o aspecto mais relevante da justificação judicial é precisamente a dispensa de que ela se ligue a situação de risco para a prova. Por dispensar ela a

1 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p 294-295; Ovidio Baptista da Silva, Curso de processo civil, cit, p 342,

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JUST IFICAÇÃO JUDICIAL 293

demonstração desse perigo, é cabível para simples precauçao genérica do interessado, sem necessariamente ligar-se a processo determinado, seja atual, seja ulterior;

Aliás, essa exata condição também torna claro que a justificação judicial não é, nem pode ser, procedimento de natureza cautelar. Não tem ela por finalidade a asse­guração de qualquer outra tuteia ou pretensão . Seu objetivo não se liga nem à proteção de direitos, nem à preservação de outro processo. O fim dessa medida é, tão só, fazer imediata prova de fato do interesse do requerente, quer para simples resguardo, quer para utilização ulterior. Com efeito, a natureza cautelar dessa medida está descartada já pela circunstância de dispensar o periculum in mora para sua concessão. Como é cediço, é natural das tutelas de urgência que se relacionem à proteção contra o risco de dano futuro, de modo que, não sendo essa a utilidade da justificação judicial, des- borda ela, claramente, do campo cautelar,, Do mesmo modo, confirma a ausência de cautelaridade na medida estudada o fato de não ser ela preparatória de outra medida, nem provisória (ou temporária), como é inerente às providências cautelares.

A justificação judicial trata, enfim, de medida de jurisdição voluntária, ina­dequadamente colocada pelo Código no Livro III. O regime da figura, portanto, não pode tomar como parâmetro as linhas mestras das medidas cautelares, devendo sujeitar-se ao regime de medida autônoma, que não possui limitação temporal ou ligação direta com outro processo

11.2 Finalidade dajustificação judicial

Acima se disse que a finalidade da justificação judicial é a de constituir prova de certo fato-seja paia simples preservação, seja para utilização em processo ulterior. De fato, essa é a intenção declarada da medida, como se vê do disposto no art. 861 do CPC: “Quem pretender justificar a existência de algum fato ou relação jurídica, seja para simples documento e sem caráter contencioso, seja para servir de prova em processo regular, exporá, em petição circunstanciada, a sua intenção”.

A dicção da regra - e a explicação inicialmente dada - pode induzir alguém a pensar que a finalidade dajustificação é estabelecer, de modo definitivo e inques­tionável, a existência (ou inexistência) de fato ou de relação jurídica. Há, porém, manifesto engano nessa conclusão,

Ajustificação judicial não é ação declaratória de existência ou inexistência de fato, nem se confunde com ação declaratória regular (que reconhece a existência ou inexistência de relação jurídica). Não tem essa medida a finalidade de certificar, de modo estável e vinculante, o reconhecimento judicial da existência ou não de certo fato ou relação jurídica. Seu objetivo é muito mais modesto, limitando-se apenas à criação de certa prova de fato ou relação jurídica. Vale dizer que, por meio da justificação judicial, não se torna certa a existência de um fato determinado ou de cer ta relação jurídica Por via dessa medida, apenas se constitui prova a respeito de tais elementos,

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2 9 4 CAUTELARES ESPECÍFICAS

sem qualquer caráter vinculativo para processo futuro Não há, assim/coisa julga­da” sobre o fato ou a relação “justificada”, apesar de a lei submeter essa justificação a sentença (art, 866). Isso porque o magistrado não se pronuncia, ao “decidir” sobre a justificação, sobre a força probante das provas apresentadas, de modo que não há reconhecimento efetivo (por parte do Judiciário) de que o fato ou a relação jurídica existe concretamente.

A propósito, dispõe o art. 866, parágrafo único, do CPC, que “o juiz não se pronunciará sobre o mérito da prova, límitando-sc a verificar se foram observadas as formalidades legais”. Por outras palavras, a finalidade desta medida é apenas dotar o interessado de uma prova, sem que se atribua, porém, a esta prova, qualquer eficácia pre-determinada,. O juízo sobre a força probante da prova constituída por meio da justificação judicial somente será efetuado pela autoridade que conhecer do eventual processo (judicial ou administrativo) em que essa prova seja utilizadas

Por conta disso, é possível dizei que não se está aqui diante de um caso particular de ação declaratória.. Não se trata de ação declaratória sobre fato, porque o Código expressamente proíbe tal tipo de medida, como se observa do art. 4 do CPC.. De outro lado, também não se está diante de ação declaratória comum (sobre relação jurídica), quer em razão do que dispõe o art. 866,parágrafo único, acima indicado, quer porque na justificação judicial, como se verá a seguir, não há espaço para contraditório (art. 865), o que inviabilizaria processo legítimo de caráter cogente,

Frata-se, enfim, de simples derivação de procedimento destinado à criação de prova, efetuado em jurisdição voluntária

Segundo prevê o art. 861 do CPC, a finalidade da prova constituída por via da justificação judicial pode ser apenas a documentação e também pode prestar-se a servir de prova “em processo regular”. O processo a que alude a lei não é apenas o processojudicial-de qualquer natureza que seja-mas também o processo adminis­trativo, já que não há qualquer limitação nesse sentido. Assim, é possível utilizar-se

2 “Processual civil. Valor probante da justificação Contraditório Prova testemunhai 1 - A justificação, ao servir de prova no processo principal, não tem eficácia absoluta, uma vez que, como todas as provas, se sujeita ao contraditório judicial e ao princípio do livre convencimento do juiz2 ~ Através do processo cie justificação, justifica-se a existência de relação jurídica, porém não há, como resultado do processo de justificação, a declaração da existência ou inexistência de relação jurídica, conforme prevê o art. 4 o, I, do CPC, como objeto da ação declaratória O mesmo se dá com a existência de algum fato objeto de justificação, conforme o art. 861. A justificação do art. 861 fica a meio caminho entre aasseguraçãoda prova e as ações declara tó ri as sobre a existência de uma relação jundica O juiz do processo regular, onde a prova já constituída será utilizada, poderá recusá-la se contar, para tanto, com prova contrária suficientemente idônea para invalidar a força probante da justificação (. )"(T R F 2 * Região, 3 . AC 165911, rei Juiz Fed Conv.. Wanderley de Andrade Monteiro, D JU 24 03. 2004, p 8 8 ) No mesmo sentido: TRF I a Região, 1 aT,, AC 9401196176, rei Juiz Leite Soares, D JU 06 10 1997, p 81 967; STJ, 6 a T.., RMS I0311/G 0, rei Min Fontes de Alencar, D JU 01 08 2000 ,p 342

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JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL 295

da prova constituída por meio de justificação judiciai, por exemplo, em processos disciplinares, em processos perante órgãos arrecadadores ou em processos de inves­tigação preparatória

Questão fundamental que se deve colocar é examinar a natureza da prova constituída por meio da justificação judiciai O problema assume relevo na medida em que, não raramente, exige a lei prova escrita ou prova documental de certa relação jurídica para gerar certo efeito.,Tome-se como exemplo a ação monitoria, que exige prova escrita da obrigação para o uso de seu procedimento (art 1.10.2-A do CPC), Seria possível utilizar da justificação judicial para criar prova escrita de obrigação, no intuito de valer-se da ação monitoria? Poder-se-ia ainda questionar a viabilidade do uso da justificação judicial para suprir a exigência de “início de prova material”, normalmente posta pela legislação previdenciária para a demonstração de tempo de serviço rural ou de dependência.,

Por óbvio, pelas características próprias da justificação judicial, não tem ela o condão de alterar a natureza das provas ali produzidas.. Como se viu acima, a função do juíz no processo está limitada à certificação da regularidade da produção da prova, sem atribuir ao resultado (a prova produzida) qualquer eficácia distinta.. Por isso, se na justificação foram apenas ouvidas testemunhas, o resultado da justificação não será a formação de uma prova escrita ou material Ter-se-á apenas uma prova testemunhai, mas agora registrada (documentada)3 Todavia, por óbvio, se forem juntados docu­mentos na justificação (art. 864), estes já serão o início de prova escrita (ou material) exigido pela lei, de modo a suprir a exigênciaA De toda forma, o importante é perceber que a justificação não altera a natureza da prova ali produzida, não sendo apta a criar provas documentais ou provas escritas até então inexistentes5

3 Ver, sobre o tema, Luiz Guilherme Marinons c Sérgio Cruz Arcnhart, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v 5, t. II, p. 235 c ssidem , neste Curso, v. 2 (Processo de conhecimento), p.. 336

'* Nesse sentido, v STJ, 5 .a T., AgRg no REsp 877238/SP, rei Min Felbc Fischer, DJU 14.05.2007, p 392; STj, ó 111 , AgRg no REsp 935688/SP, rei Min. Hamilton Carvalhido, D /í/10 09.2007, p 338

5 "‘Não é admissível prova exclusivamente testemunhai para reconhecimento de tempo de exercício de atividade urbana e rural (Lei 8.213/91, art 55, § 3 °)’ Tribunal Regional Federal da 1 ..3 Região, Súmuía 27 2 Para comprovação de tempo de serviço perante a Previdência Social, a lei exige início razoável de prova material, a scr complementada por outros meios de prova, inclusive depoimento de testemunhas (Lei 8.213/91, art. 106 e Lei 8 212/91, art.. 55, § 3 3. Ajustíficaçãojudicial,apesarde constituir meio hábil aservirde prova em processo regular, conforme previsão expressa nos arts. 861 a 8 6 6 , do Código de Processo Civil, quando baseada apenas cm depoimentos de testemunhas, não tem validade para o reconhecimento de tempo de serviço para fins previdcnciários 4 Precedente desta Seção” (TRF I a Região, I a S., AR 200101000487830, rei Des. Fed José Amílcar Machado, DJU 11 1.2.2003, p. 3)

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11.3 Procedimento

Ajustificaçãojudicialé procedimento necessariamente antecedente ou autôno­mo, não havendo justificação incidente..6 Vale dizer que ela jamais será processada no curso de “ação principal’’,, Isto decorre da finalidade da medida, que é a de constituir prova,. Por isso, se a demanda, em que a prova seria utilizada, já está em curso, não é o caso de utilização do procedimento de justificação, mas, quando muito, da antecipação de prova de que trata o art,. 336, parágrafo único, do C P C ,

Tem legitimidade pai a propor a medida qualquer pessoa que se relacione ao fato ou à relação jurídica cuja prova se pretende realizar na justificação,. Quanto ao interesse processual, evidencia-se pela simples afirmação do requerente de pretender constituir prova, somada à adequação (em tese) do meio de prova para a demonstra­ção do fato envolvido,7 sendo irrelevante a destínação a ela dada.. Vale ressaltar que, na justificação judicial, por não se tratar de genuína medida cautelar, é dispensável a referibilidade, de modo que o requerente não tem a obrigação de, na petição inicial, indicar a lide principal (art. 801, III, do CPC) protegida por este procedimento, até porque essa função assecuratória sequer é exigida.

Quanto à competência paia esta medida, há de se observar, novamente, que a justificação não constitui propriamente medida cautelar,. Desse modo, não está ela atrelada, pelo menos não necessariamente, a ulterior ação principal,. Assim, é impor­tante, para a determinação da competência, observar a finalidade a que se destina a justificação. Quanto o destino dajustificação seja a formação simples de prova, sem finalidade contenciosa (art ,861, primeira parte), tem- se medida claramente autônoma e que, portanto, deve sujeitar-se, na fixação do juizo competente, aos critérios gerais do Código (arts. 86 e ss.,) Em se tratando, porém, de medida que, segundo manifesta intenção do requerente, visa à constituição de prova para ser utilizada em subsequente processo de conhecimento judicial ou administrativo (art, 861, segunda parte), a competência deverá ser fixada segundo o regime determinado pelo art, 800, do CPC, devendo ser pr oposta no juizo em que será apresentada a “ação principal'’.8

A petição inicial da justificação é simples, bastando que o autor indique, de forma circunstanciada, a finalidade da medida (art. 861) e apresente as provas que

6 Ovidio Baptista da SUva, Curso de processo civil, cit.,, p. 3447 Assim, não é possível utilizar-se dajustificação para a prova, por testemunhas, de fatos

que, segundo a lei processual, somente podem ser provados por instrumento público (art. 366 do CPC) Ver, no mesmo sentido, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p . 309.

8 Entende o SuperiorTribunal de Justiça que “compete à Justiça Federai processar justi­ficações judiciais destinadas a instruir pedidos perante entidades que nela têm exclusividade de foro, ressalvada a aplicação do art 15, II, da Lei 5.0 1 0 / 6 6 ” (Súmula 32).

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JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL 297

pretende produzir. Em princípio, estas provas estão limitadas às testemunhas (art 863).

O Código também permite a juntada de documentos na justificação. Todavia, como não é tarefa do juiz, na justificação, certificar a existência do fato probando ou da relação jurídica probanda, os documentos, juntados ou não no procedimento, nenhuma relevância terão, pois per manecerão de posse do requerente e poderão ser utilizados - independentemente de terem sido apresentados na justificação - em eventual futura demanda,. Por isso, a juntada de documentos não é obrigatória na justificação, servindo, quando muito, para reforçar os depoimentos a serem prestados pelas testemunhas,.

Estão excluídos do procedimento de justificação a produção de prova pericial, inspeção judicial e depoimento das partes, A inspeção judicial depende da análise específica do juiz que julgará a “causa principal”, de modo que é totalmente inútil uma inspeção realizada por outro magistrado. Do mesmo modo, o depoimento das partes exige a existência prévia de um litígio (para que existam partes), o que não existe ainda na justificação. Ademais, a função do depoimento das partes é provocar a confissão do depoente, o que pressupõe fato contrário ao seu interesse e favorável a um adversai Ío, algo também incompatível com a figura dajustificação, Por fim, quanto à prova pericial, suas características - c a eventual necessidade de sua constituição preventiva ~ recomendam o uso da medida cautelar de asseguração de prova, o que excluiria a utilidade da justificação.

A lei brasileira não abre espaço para defesa ou recurso najustificação (art. 865). Todavia, exige a citação pessoal dos interessados (art. 862) ou, não sendo ela possível, a participação do Ministério Público (art. 862, parágrafo único), Proibida a defesa para este interessado, sua participação consistirá, basicamente, em “contraditar as testemunhas, reinquirHas e manifestar-se sobre os documentos, dos quais terá vista em cartório por vinte e quatro horas” (art. 864) Por outras palavras, a participação dos interessados estará limitada à interferência na colheita das provas da justificação, sem que possam eles produzir contraprova—mesmo porque o fato probando não será propriamente julgado-ou trazer alegações a respeito dos fatos (ou relações jurídicas) cuja prova se pretende constituir por via desse procedimento,,

Não há espaço, obviamente, para liminar najustificação, exatamente pela razão de que ela não lida com o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação Assim, citados os interessados, cabe, de imediato, a colheita das provas solicitadas pelo interessado..

Produzidas as provas que interessavam ao requerente, cabe ao juizproferir sen­tença extintiva do procedimento, que, como acima dito, estará limitada à verificação da regularidade da produção da prova, sem pronúncia a respeito da força probante do material colhido (art, 866, parágrafo único).

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298 CAUTELARES ESPECÍFICAS

A doutrina discute sc é possível que o magistrado considere “não justificado” o fato, quando entender que nenhuma prova produzida evidencia a sua ocorrên­cia Ovídio Baptista da Silva, calcado em lição de Hugo Simas, feita no exame do Código anterior, entende ser possível essa conclusão.. Segundo ele, cabe ao juiz, na sentença, aprovar o fato cuja prova foi efetivada - ainda que esta aprovação ainda esteja sujeita a contraprova na ação futura, em que essa prova será utilizada.. Por outras palavras, o juiz, na justificação, não se limita a verificar a regularidade da produção da prova, pronunciando-se, também, sobre se o fato (que se pretendia provar) foi demonstrado (ainda que provisoriamente) ou não/; Outra parcela da doutrina, fincada na regra expressa do art. 866, parágrafo único, entende que não compete ao magistrado manifestar-se sobre a prova produzida, nem sobre sua eficácia na demonstração do fato ou da relação jurídica envolvida. Parece mais correta a segunda opinião, em que pesem os fundamentos históricos apontados pela doutrina contrária.,10 E isso não apenas em razão da dicção clara do texto legal, mas ainda pelo fato de que para nada serviria uma declaração provisória sobre o fato ou a relação jurídica. Com efeito, supondo que o magistrado considere não justificado o fato, porque as provas colhidas foram insuficientes ou porque não têm consistência, estará o interessado proibido de valer-se dessa justificação em processo ulterior? E, nesse processo, poderá o juiz considerar provado o fato com base naqueles mesmos elementos rejeitados pelo primeiro órgão julgador? Parece evidente que sim, porque a atuação do primeiro magistrado não vinculará a decisão do segundo, sobretudo porque não há declaração de existência (certificação) da relação jurídica ou do fato jurídico na medida de justificação e muito menos coisa julgada sobre o pronunciamento ali proferido, de modo a vincular o judiciário futuramente Assim, parece mais correto concluir que não deve o magistrado pronunciar-se, najustificaçâo, sobre o conteúdo da prova produzida, limitando-se, apenas, a examinar as formalidades em sua colheita,

Proferida a sentença, os autos serão entregues ao interessado, no prazo de quarenta e oito horas, independentemente de traslado (art 866), para a guarda do documento ou para a utilização futura, em processo., O prazo de quarenta e oito ho­ras, indicados no texto legal, presta-se para permitir que os interessados requeiram certidões sobre o conteúdo da justificação, para eventual uso futuro.

9 Ovídio Baptista da Silva, Do processo cautelar, c it , p. 452-453.H) Todavia, cabc dizer que há regras, como o art 50, § 3,°, h e /, da Lei 6..880/80, que

concebem a justificação judicial como um processo em que, efetivamente, há reconhecimento estável de fato O preceito indicado vê como viável a caracterização de dependência de militar para a ‘‘pessoa que viva, no mínimo há 5 (cinco) anos, sob a sua exclusiva dependência econômica, comprovada mediante justificação judicial” e “a companheira, desde que viva em sua companhia há mais de 5 (cinco) anos, comprovada por justificação judicial”

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JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL 2 9 9

Porque a lei expressamente exclui o cabimento de recurso da sentença que julga a justificação, tem-se admitido contra esta a impetração de mandado de segurança,11 embora a inexistência de “julgamento” próprio sobre o fato ou a relação jurídica “justificada” tornem praticamente inútil o recurso ao writ.

11 STJ, 6 2 T., RMS 19247/CE, rcl Min Paulo Gallotti, D JU 07.11 2005, p. 385 No entanto, mesmo com a vedação legal, há julgados admitindo a interposição da apelação quando o magistrado de 1 °grau, aojuSgar a justificação, não se limita acertifi cara regularidade da produção daprova:TRF2 3 Região, 6 .aT. Especializada, Agln 101394, rei Des Fed Benedito Gonçalves, D/X/21..09..2007, p. 417;TRF 1 .» Região, 4 aT., AC 199801000064092, rei Juiz Fed. Conv. João Carlos Costa Maycr Soares,DJUQ7.04.2005, p 126;TRF 2 a Região, 4 aX , AC 98 02 21269-5, rei. Des Fed Rogério Carvalho, D JU 2 8.09.1999.

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Protestos, Notificações e Interpelações

SuíMá r io : 12 1 Noções preliminares - 1 2 ,2 Condições de admissibilidade -12.3 Procedimento,

12.1 Noções preliminares

Os protestos, notificações e interpelações são instrumentos de comunicação da vontade, podendo fazer-se judicialmente ou não. De todo modo, é clara a sua natureza não cautelar, haja vista a ausência dos requisitos de fumus boni iuris e d t periculum in mora, bem como da finalidade de preservação da tutela dos direitos.

Na realidade, essas medidas ostentam caráter de clara jurisdição voluntária, em que o Judiciário é utilizado apenas como o veículo par a a manifestação da intenção do requerente,

De todo modo, trata-se de três medidas distintas, com usos específicos, ainda que os três instrumentos sirvam para a comunicação da vontade do requerente, ma­nifestação esta que se dirige, em regra, à conservação de direitos

Os protestos se prestam à expressão da vontade do requerente, que afirma possuir um direito ou manifesta a intenção de exercitá-lo. Nos termos do art, 867 do CPC, “todo aquele que desejar prevenir responsabilidade, prover a conservação e ressalva de seus direitos ou manifestar qualquer intenção de modo formal, poderá fazer por escrito o seu protesto, em petição dirigida ao juiz, e requerer que do mesmo se intime a quem de direito”, Tem como principal efeito a condição de interromper a prescrição (art,. 202, II, do C C ),! prestando, como se vê do dispositivo menciona­do, também para manter ressalva do direito do interessado ou para simplesmente manifestar sua intenção,

As notificações judiciais, a seu turno, têm por objetivo comunicar a alguém determinado fato. E o que ocorre, por exemplo, na notificação exigida pelo art. 57 da Lei 8 245/91 (Lei de Locações), que prevê a notificação prévia para a denunciação (extinção) de contrato de locação por tempo indeterminado.

1 Alfredo Araújo Lopes da Costa, Medidas preventivas, cit., p, 167.

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PROTESTOS, NOTIFICAÇÕES E INTERPELAÇÕES 3 0 1

Por fim, as interpelações destinam-se à expressão de vontade do requerente que, em si mesma, não produz efeitos jurídicos, estando condicionados estes efeitos a ação ou omissão do interpelado..Tal é o que ocorre,exemplíficativamente, nos casos em que se comunica o devedor da necessidade de cumprir com certa prestação, sob pena de incidir em mora (art. .397, parágrafo único, CC).

Em todos estes casos, como se vê, não há propriamente atuação jurisdicional, no sentido de que nenhuma providência se espera do órgão judicial, a não ser o enca­minhamento ao requerido da manifestação apresentada pelo autor. Não há, portanto, decisão judicial nestas medidas, de modo que não cabe ao magistrado pronunciar-se sobre a mora, sobre a divida, sobre o contrato etc,.

De outro lado, ainda que a disciplina legal não seja clara a este respeito, as regras postas nos arts. 867 a 873 tratam, indistintamente, das três medidas, Com efeito, a lei­tura de certos dispositivos dessa seção poderia induzir conclusão distinta Assim ocorre, por exemplo, como contido no art,, 871, ao afirmar que “o protesto ou interpelação não admite defesa.,..”, excluindo a figura da notificação, Todavia, apesar da aparente distinção, a disciplina legal de todos os instrumentos aqui estudados é a mesma, não havendo razão para variações, como, aliás, se vê do previsto no ar t 873.

12.2 Condições de admissibilidade

De acordo com o que prevê o art, 869, tem-se a existência de dois requisitos de admissibilidade para as medidas aqui estudadas, Segundo a regra,“o juiz indefe­rirá o pedido, quando o requerente não houver demonstrado legítimo interesse e o protesto, dando causa a dúvidas e incertezas, possa impedir a formação de contrato ou a realização de negócio licito”.

A regra tem a intenção de filtrar o uso das medidas em comento, inviabilizan­do seu uso quando ele possa desviar de sua função regular ou quando a intenção do requerente seja, por meio delas, obter finalidade não comportada pelo instrumento. Recorde-se que essas medidas levam à expedição de um ato judicial, que pode, por vezes, impressionar o requerido e fazê~lo crer que está diante de mais do que verda­deiramente o ato é. Por isso, não pode o magistrado admitir que as figuras em questão sejam utilizadas para induzir o requerido a crer que há decisão judicial ali veiculada,

Com mais razão, não se pode admitir o uso dessas medidas para obter do Po­der Judiciário pronunciamento - qualquer que seja - sobre direito ou pretensão,, Os protestos, as notificações e as interpelações, quando admitidas, não se revestem de ne nhuma eficácia particular judicial, nem obtêm a chancela pública quanto à validade ou à pertinência da intenção manifestada,. Por isso, também não conduzem ordem judicial destinada a ninguém,2

2 Nesse sentido, Ovídio Baptista da Silva, Do processo cautelar, cit., p. 455-456; Carlos Alberto Alvaro de Olíveira, Comentários ao Código de Processo Civil, c it , p, 329 .

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302 CAUTELARES ESPECÍFICAS

A força dessas medidas opera, portanto, exclusivamente no plano psicológico, sem qualquer conteúdo coercitivo estatal.

Daí a razão pela qual a atividade judicial em aceitar ser o veículo de protestos, notificações e interpelações assumir papel relevante. Em conta disso, não deve o ma­gistrado aceitar tais medidas quando faltar legítimo interesse, Esse legítimo interesse não se confunde, obviamente, com o interesse processual., O Código conhece bem a expressão “interesse processual”, empregada em diversas passagens suas (v g.., arts.. 267, VI, e .295, III), de modo que não se deve tomar com o sinônimos essa expressão e o “legítimo interesse" de que aqui se trata - ainda que este último, nos termos aqui defendidos, leve à caracterização da inadequação da via para o uso das medidas aqui examinadas. Obviamente, a falta de condição da ação - seja a legitimidade, seja o interesse processual, seja a impossibilidade jurídica do pedido - sempre conduz à extinção de qualquer processo, de modo que seria desnecessário prever a possibilidade de indeferimento liminar da medida para tais circunstâncias, na medida em que isso já está previsto pelo art 295 do CPC

O legítimo interesse, portanto, deve ser tomado como algo a mais., A recusa em proceder ao protesto, à notificação ou à interpelação em razão da falta de legítimo interesse deve ser tomada no sentido de inadequação evidente da medida para o fim pretendido Por outras palavras, é indicação de que o Judiciário - ainda quando se trate de jurisdição voluntária - não deve ser utilizado para veicular manifestações de vontade que certamente não atingirão o objetivo almejado pelo requerente. Assim, sempre que o protesto, a notificação ou a interpelação exigir a participação judicial para dar eficácia à manifestação de vontade, as medidas se tornam inviáveis ~ já que não compete ao magistrado contribuir com a autoridade estatal nessa espécie de providência 3

Identicamente, não se pode utilizar dos protestos, notificações ou interpelações para o exercício de pretensão manifestamente ilícita - a exemplo de ameaças ou de constrangimento ilegal, tipificadas pelo Código Penal (arts.. 147 e 146, respectiva­mente),

Enfim, a análise de interesse legítimo repercute em uma apuração, ainda que superficial, feita pelo magistrado sobre a idoneidade e juridicidade do pedido for­mulado pelo requerente Não havendo essa aparente legitimidade, o pedido deve ser de pronto indeferido

De outro lado, também deve o magistrado recusar o protesto, a notificação ou a interpelação quando a medida der causa a dúvidas e incertezas, que possam invia­

3 “Notificação Faltade interesse É de ser indeferida por falta de interesse notificação inútil, que objetiva informar o credor da impossibilidade da execução, porque proposta ação revisional, eis que esta não impede o processo coativo, assegurado pela Constituição Federal, se o credor tiver título certo, líquido e exigíveí Apelação negada" (extinto TARS, 3 a CC, AC 195191135, rcl Juiz Gaspar Marques Batista, j. 08 05.1996)..

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PROTESTOS, NOTIFICAÇÕES E INTERPELAÇÕES 3 0 3

bilizar a formação de contrato ou a realização de negócio lícito.. Substancialmente, essa hipótese não é muito diversa da anterior. O importante é que o processo judicial- mesmo o de jurisdição voluntária - não seja usado como veículo para atemorizar terceiros, criando obstáculos à legítima realização de relações jurídicas . Não deve o juiz admitir, assim, protesto para o público em geral que tenha o manifesto e único propósito de criar opinião pública negativa de certa empresa ou de incutir na po­pulação a falsa (não comprovada) sensação de que há irregularidades que afetam o requerido ou certa relação jurídica.,

Eníim, a proibição é de que se use do Poder judiciário - com sua imanente credibilidade - como veículo para abalar a confiança nas relações interpessoais ou para emprestar falsa impressão de força estatal a certo comunicado.,

12.3 Procedimento

O protesto, a notificação e a interpelação devem ser formulados em petição escrita, em que o interessado deve indicar os fatos e fundamentos de sua manifestação (art,. 868). E necessário, assim, que o requerente especifique, com exatidão, a intenção da medida e os fatos que circunscrevem a sua manifestação de vontade

O juízo competente para a medida será aquele determinado segundo as regras gerais de competência, designadas na parte geral do Código (arts, 86 e ss.).

Apresentado o pedido, compete ao magistrado, como já observado, indeferi-lo liminarmente quanto entendei que falta ao requerente legítimo interesse ou quando verificar que a medida, por gerar dúvidas ou incertezas, poderá prejudicar a celebração de negócios jurídicos lícitos Não sendo o caso de indeferir de pronto o pedido, deverá o magistrado encaminhar ao requerido o protesto, a notificação ou a interpelação

Segundo prevê o Código, essa comunicação se dá por meio de intimação (art 8 70). Discute a doutrina se afigura de fato consiste em intimação ou se, ao revés, tem ela características de citação. Aqueles que entendem que essa comunicação reveste-se da condição de intimação própria sustentam seu entendimento no disposto no art, 21.3 do CPC, que indica que a citação se presta para a convocação do réu ou interessado para defender-se em juízo Não havendo espaço para a defesa nos procedimentos de protesto, notificação ou interpelação (art 871), a comunicação estaria, efetivamente, revestida da condição de intimação.'* Por outro lado, a parcela da doutrina que en­tende tratar-se essa comunicação de verdadeira citação apoia-se na imperfeição da definição contida no art. 21.3 do Código - até porque, por exemplo, na execução a citação do devedor não se faz para que ele venha defender-se - , compreendendo que o verdadeiro papel da citação é a convocação do réu ou interessado para sujeitar-se a

■' Seguindo esse entendimento, ver José de Moura Rocha, Exegese do Código de Processo Civil, cit., p 3 8 6 ; Ovídio Baptista da Silva, Do processo cautelar, cit., p 4 6 2 .

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3 0 4 CAUTELARES ESPECÍFICAS

um processo.5 Ademais, no inciso II, do art.. 870, refere-se o Código expressamente a “citando”, a indicar que talvez a menção do caput fosse equivocada.

Na realidade, como observa Ovídio Baptista da Silva, nenhuma das duas figuras tem perfeita aplicação ao caso.6Tanto a intimação como a citação foram figuras que, a rigor, não foram pensadas para atuar como simples veículos de comunicação ao requerido da manifestação de vontade do réu Todavia, apenas em razão dos efeitos produzidos, parece mais adequado pensar em aplicar a esta comunicação o regime das citações. Isto porque, tanto pelo Código de Processo Civil (art. 219), como pelo Código Civil (art, 202, II, com a remissão posta ao inciso I), é a citação que é capaz de interromper a prescrição - que, como se viu, é um dos papéis desempenhados pelo protesto ~ e de induzir em mora o devedor ~ outra das finalidades para a utilização dessas medidas (em especial, aí, a notificação).

De todo modo, a “intimação” do requerido é, em principio pessoal, devendo ser feita ou pelo correio ou por mandado. Admite-se, todavia, a “intimação” por editais “I - se o protesto for para conhecimento do público em geral, nos casos previstos em lei, ou quando a publicidade seja essencial para que o protesto, notificação ou inter­pelação atinja seus fins; II - se o citando for desconhecido, incerto ou estiverem lugar ignorado ou de difícil acesso; III - se a demora da intimação pessoal puder prejudicar os efeitos da interpelação ou do protesto" (art. 870). O primeiro dos casos apresenta aspecto relevante, na medida em que indica situação na qual não há um requerido determinado para o protesto, que pretende atingir o público em geral. Trata-se, sem dúvida, de medida erga omnes e, por isso, excepcional no direito nacional, mas que acentua o caráter de jurisdição voluntária da medida aqui examinada.

Recebe ainda tratamento particular-o protesto contra alienação de bens, Como indica o art, 870, parágrafo único, “quando se tratar de protesto contra a alienação de bens, pode o juiz ouvir, em 3 (três) dias, aquele contra quem foi dirigido, desde que lhe pareça haver no pedido ato emulativo, tentativa de extorsão, ou qualquer outro fim ilícito, decidindo em seguida sobre o pedido de publicação de editais”. Novamente, como já observado, a intenção é evitar que a credibilidade do Judiciário seja utilizada para dar roupagem de legitimidade para ato ilícito do requerente,. Especialmente quando essa conduta torpe do requerente possa redundar na inibição de alienação de bens, deve ter especial cautela o magistrado, em razão dos valores normalmente envolvidos nesse tipo de negócio jurídico.7

5 Assim, Alexandre Freitas Câmara,Lifôa de direitoproctssual civil, c it, p 223.6 Ovídio Bapdsta da Silva, Curso de processo civil, cít., p. 3517 Discute-se sobre a possibilidade de levar a registro, na matrícula dos imóveis, o pro­

testo havido contra a alienação desses bens Há acirrada divergência quanto a esse assunto na jurisprudência, embora tenha prevalecido a opinião que autoriza essa inscrição Manifestando-se favoravelmente a esta averbação, especialmente como expressão do direito substanciai de caute­la, ver STj, 3 aT„, REsp 695095/PR, rei. Min. Nancy Andrighi, D JU 20.11.2006, p. 302; STj, Corte Especial, EREsp 440837/RS, rei p/acórdão Min.. Barros Monteiro, jD/t/28.05.2007, p.

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PROTESTOS, NOTIFICAÇÕES E INTERPELAÇÕES 305

Feita a comunicação ao requerido-ou ao público em geral, quando foro caso-, tem-se por exaurida a função desse procedimento, E que nele não se admite defesa nem contraprotesto interno ao processo (art. 871) . Alei apenas permite que o reque­rido exerça o direito de contrapro testo em autos separados, no intuito de preservar seus interesses contra o protesto desenhado pelo requerente. Esse contraprotesto, por óbvio, constituirá novo protesto ~ desta vez, porém, solicitado por aquele que constava como requerido na primeira medida - seguindo, assim, o rito geral, até aqui estudado.

Por essas razões, efetuada a comunicação do protesto, da notificação ou da interpelação, cabe ao juiz concluir o procedimento.. Por isso, determina o art. 872 que “feita a intimação, ordenará o juiz que, pagas as custas, e decorridas 48 (quarenta e oito) horas, sejam os autos entregues à parte independentemente de traslado”. Não há, portanto, propriamente julgamento nestas medidas, Embora o ato que as conclui seja qualificado, tecnicamente, como sentença, a atividade judicial está limitada, em princípio, ao encaminhamento do protesto, da notificação ou da justificação,

260; STJ, 4.aT , RJVIS 14184/RS, rei..Min. Fernando Gonçalves,D JU 28.04 2003, p, 202; ST J,4.aT,REsp440837/RS,reLMin.BarrosMonteiro,D JU 16.12.2002,p..345 ;STJ,4,a T.,REsp 146942/SP, rei. Min. Asfor Rocha, DJU 19.08.2002, p 167 Em sentido contrário, concluindo por inadmissível tal medida, por não estar prevista em lei, e por tratar-se o protesto de medida de jurisdição voluntária, ver STJ, 4.aT., REsp 774785/MG, rei. Min Aidir Passarinho Junior, DJU 04.12.2006, p. 326; STJ, 3.3X , REsp 434541/SP, rei Min. Menezes Direito,DJU04..0S .2003, p. 29.3; STJ, 3 .3 T., REsp 324406/SC, rei. Min.. Menezes Direito, D /í/01 .04 .2002, p.. 184.

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13Homologação de Penhor Legal

S u m á r io : 13 1 Questões introdutórias - 13 2 O pen hor legal - 13 3 Proce­dimento,

13.1 Questões introdutóriasMais uma vez o Código de Processo Civil arrola, dentre as medidas cautelares,

providência que não tem nenhum caráter assecuratório. A homologação de penhor legal, como o próprio nome já indica, corresponde a providência normalmente de jurisdição voluntária, que visa simplesmente a atender vetusta previsão contida no Código Civil (o penhor legal).

A ausência do caráter cautelar na medida em estudo é facilmente verificável, quando se nota, da leitura dos arts 874 a 876, que não há análise de fumus bom iuris ou de periculum in mora para o deferimento dessa homologação., Ojuiz limita~se a apurar se o procedimento do suposto credor está correto e a estabilizar o apossamento por este realizado., Porvezes,como sevê do previsto no art. 8 74, parágrafo uníco, do Código, a ho­mologação do penhor legal sequer exige a citação prévia do réu para a sua consolidação.,

Está-se, portanto, diante de mais uma “falsa cautelar”, que, por isso mesmo, não se sujeita ao regime geral das medidas cautelares. Assim, não se cogita da neces­sidade de propositura ulterior de ação principal; não há caducidade da medida; não se examinam os pressupostos naturais das medidas cautelares nesse procedimento etc., Impõe-se, desse modo, ter cautela na avaliação do regime a ser aplicado à homo­logação do penhor legal, para que não se caia na tentação de atribuir-lhe a disciplina própria das providências cautelares,

13.2 O penhor legalO penhor, sabe-se, é direito real de garantia, semelhante à hipoteca, por meio

do qual sc toma a posse de bem móvel (em regra, do devedor) até que se realize o adimplemento da dívida assumida..1 Em regra, o penhor é convencionai, decorrendo

1 Código Civil, art .1.431: “Constitui-sc o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por cie, de uma coisa móveí, suscetível de alienação ( .)”

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HOMOLOGAÇÃO DF. PENHOR LEGAL 3 0 7

de relação jurídica mantida pelas partes. Por vezes, porém, é imposto pela própria lei, nascendo então o chamado penhor legal.

No direito nacional, o penhor legal é disciplinado pelos arts, 1 467 a 1 472 do Código CiviL Do regime ali exposto, nota-se que essa garantia é reservada para certos tipos de crédito somente, impondo, em princípio, autorização judicial para a manutenção.

Conforme expõe o art, 1.467 do Código Civil, “são credores pignoratícios, independentemente de convenção: I ~ os hospedeiros, ou fornecedores de pousada ou alimento, sobre as bagagens, móveis,joias ou dinheiro que os seus consumidores ou fregueses tiverem consigo nas respectivas casas ou estabelecimentos, pelas despesas ou consumo que aí tiverem feito; II - o dono do prédio rústico ou urbano, sobre os bens móveis que o rendeiro ou inquilino tiver guarnecendo o mesmo prédio, pelos aluguéis ou rendas". 2

Vê-se que o penhor legal é muito limitado, cabendo apenas em situações excepcionais., Mais que isso, tem-se clássica discussão em doutrina sobre a natureza própria dessa medida, que reflete na extensão dos poderes sobre os bens aqui envol­vidos. Com efeito, há quem veja no instituto simples direito de retenção - seguindo, paralelamente, o que prevê sobre o tema o art, 755 do Código Civil português.. Ou­tros enxergam aqui verdadeiro direito real de garantia, como sugere o próprio nome da medida, A discussão não tem reflexos apenas acadêmicos. Caracterizado como verdadeiro penhor, tem-se a incidência, em prol do credor, de diversos direitos que extrapolam a simples prerrogativa de retenção (ver art, 1.433 do CC). Aliás, visto como espécie efetiva de penhor, o instituto em questão permite até mesmo que o credor busque, por via de ações possessórias, a recuperação dos bens enumerados no preceito descrito acima, até o pagamento integral da dívida, o que, evidentemente, não sucede com o direito de retenção

A doutrina nacional inclina-se pela posição de considerar a figura em questão como efetivo direito real de garantia., Isso, porém, se dá, sobretudo, em conta de oferecer ao crédito em questão o privilégio natural das dívidas vinculadas a garantia real e não tanto pensando naqueles outros efeitos dessa conclusão,,3

Seja como for, estabelece o Código Civil que, nos casos indicados no art., 1,467, acima mencionado, poderá o credor apossar-se de bens em montante suficiente para garantir a dívida existente A obtenção dessa garantia-em forma de penhor - porque

2 Além desses casos, há outras previsões de penhor legal em leis especiais, como é a hi­pótese de penhor legai para os artistas em relação aos equipamentos e materiais do empregador para a realização de programa, espetáculo ou produção (art . 31 da Lei 6 533/78)

3 Segundo Darcy Bessone, a hipótese realmente trata de penhor, já que o direito de re­tenção se dá sobre coisa que está na posse do credor antecipadamente, o que aqui não ocorre. A posse do bem empenhado não precede o penhor, mas deriva dele, que é precisamente a situação que aqui se apresenta (Darcy Bessone, Direitos reais, p 390)..

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3 0 8 CAUTELARES ESPECÍFICAS

é feita sponteprópria pelo credor, como forma de autotutela, exige posterior apreciação judicial Para tanto é que a lei impõe que, depois de tomados os bens em penhor, deva o credor sujeitar-se à homologação judicial desse procedimento.

Alei material, todavia, não prima pela clareza em relação ao tema. Diz o Código Civil, em seu art. 1.470, que “os credores, compreendidos no art. 1.467, podem fazer efetivo o penhor, antes de recorrer à autoridade judiciária, sempre que haja perigo na demora, dando aos devedores comprovante dos bens de que se apossarem”,. Poste­riormente, no artigo seguinte, determina o mesmo Código que, “tomado o penhor, requererá o credor, ato contínuo, a sua homologação judicial”.

Dos dispositivos indicados surge o seguinte problema: a homologação do pe­nhor legal é providência utilizada apenas para o caso em que o apossamento dos bens tenha sido feito seguindo o pressuposto do art, 1.470, ou seja, quando haja perigo de demora? Não havendo perigo de demora, pode o credor tomar bens em penhor para garantir as dívidas enumeradas no art, 1.467? Se esse apossamento for possível, deverá sujeitar-se à homologação judicial ou está sujeito a outro tipo de medida judicial?

Ao que parece, a conclusão que melhor harmoniza os dispositivos menciona- dos com o sistema geral do direito positivo nacional é aquela que vê no penhor legal um ato complexo, que exige a confluência de diversas condutas. O direito ao penhor legal assiste a todos aqueles que se enquadram nas previsões do art. 1.467 do CC. Todavia, em regra geral, esse penhor só pode ser efetivado apó\ pedido formulado ao ju iz , por procedimento autônomo., Não pode, portanto, o credor tomar para si bens do devedor simplesmente por entender-se inserido em uma das duas situações des­critas no art, 1.46 7 do CC..

Por exceção, havendo perigo na demora, poderá o credor, de plano e indepen­dentemente de provimento judicial (em medida de justiça de mão própria autorizada por lei), apossar-se dos bens descritos no artigo indicado, solicitando, apenas poste­riormente, a intervenção judicial, no intuito de chancelar sua conduta urgente. Para estes casos é que se designa a medida de homologação de penhor legal4

4 Este também é o entendimento de Pontes de Miranda: “É certo que, no art. 779 [re­fere-se o autor ao Código revogado], o Código Civil, prevendo casos de urgência (‘sempre que haja perigo na demora’), admitiu que os credores compreendidos no art. 776 do mesmo Código possam‘fazer efetivo o penhor, antes de recorrerem à autoridade judiciária'. Clóvis Beviláqua ( ) considerou tal penhor como ‘constituído'. O art. 779 do Código Civil foi tirado do Projeto de Coelho Rodrigues, art. 1.667, que não permitia tal interpretação.‘Efetivo’lá estava por‘de fato’, tanto que, após essa prenda, tinha o credor de se conformar com o pedido de homologação (art1 667 do'Projeto Coelho Rodrigues, verbis ‘conformando-se com as disposições seguintes’). O art 780 do Código Civil [de 1916] continua o art. 779 [ver, respectivamente, arts. 1.470 e 1.471 do CC/2002j: haver perigo na demora é pressuposto material para a homologação; se não há esse perigo (e.g, o devedor deu fiador,ou por outro modo satisdeu), a homologação fica afastada” (Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t. XX, p 424-425).

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HOMOLOGAÇÃO DE PENHOR LEGAL 309

13.3 Procedimento

Alei não prevê prazo para o inicio do procedimento de homologação de penhor legal. Todavia, é intuitivo que não se pode admitir que o credor se apodere de bens do devedor e mantenha-os consigo indefinidamente. Assim, é preciso concluir que há um prazo para que o credor solicite em juízo a homologação do procedimento por ele adotado,Tanto o art. 1. 471 do CC, como o art. 874 do CPC, indicam que o ajuizamento da homologação deve ocorrer “ato contínuo”, sem, porém, esclarecer o que significa isso,. Na falta de indicação específica, parece razoável - até diante das dificuldades normalmente implicadas na propositura de uma ação judicial, com a contratação de profissional, a elaboração da peça inaugural etc. - que se aplique aqui, por analogia, o prazo de trinta dias, de que trata o art,. 806 do CPC 5

A homologação de penhor legal se inicia por petição inicial dirigida pelo credor ao juiz. Esse documento deve conter, como determina o art. 874, a relação especificada das despesas (ou o valor da locação não paga), a tabela de preços do es­tabelecimento6 (somente para o caso de penhor de dívidas de despesas e consumos de estabelecimentos de hospedagem ou alimentação - art. 1 ,467 ,1, do CC) e o rol de bens retidos em garantia 7 Pedirá o requerente a citação do devedor para, no prazo de vinte e quatro horas, pagar ou apresentar sua defesa,

Em que pese a forma da citação indicada - em prazo exíguo (idêntico ao prazo dado, no processo de execução, antes da reforma da Lei 11..382/2006, para o pagamento voluntário) para que o devedor quite com a obrigação assumida - , não se trata aqui de modalidade de execução antecipada ou de ação monitoria derivada, A ação em questão é forma de processo de conhecimento, de rito especial e de caráter satisfativo, que visa apenas à formalização e à obtenção da chancela judicial para o penhor legal operado,

Segundo prevê o art. 874, parágrafo único, do CPC, “estando suficientemen­te provado o pedido nos termos deste artigo, ojuiz poderá homologar de plano o penhor legal”.. Poderá alguém supor que o preceito indica que, em caso de instrução suficiente do pedido, dispensa-se a citação do réu e o processo termina de plano, com a homologação do penhor tomado pelo credor.

Essa, porém, não parece ser a conclusão acertada. A garantia do contraditório é imposição constitucional-em todo processo que possa gerar gravame para o réu-,

5 Contra, entendendo que o prazo não pode ser este, de trinta dias, mas um prazo razo­ável, tomado a livre arbítrio do magistrado, ver Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil, cit ., p 353.

6 Segundo determina o art.. 1.468, do CC, essa tabela deve scr impressa e estar prévia e ostensivamente exposta no estabelecimento, sob pena de nulidade do penhor.

7 Esse último requisito posto pela lei corrobora o entendimento antes indicado, no sentido de que a homologação somente se presta para a hipótese do art, 1.470, do CC, ou seja para o caso em que já tenha ocorrido o apossamento de bens do devedor, em razão do perigo na demora..

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3 1 0 CAUTELARES ESPECÍFICAS

cie modo que não pode a lei infraconstitucional dispensá-la somente em razão da evidência do direito do autor. Ademais, é possível que a dívida já tenha sido paga ou que o devedor se disponha a caucioná-la, na forma do que lhe autoriza o art. 1.472 do CC. Em casos como esses, obviamente, ainda que evidente o direito do autor ~ segundo os elementos que deve ele apresentar na petição inicial - , não poderá o magistrado homologar o penhor legal

Por isso, sempre deve ser garantido o contraditório neste procedimento, salvo se for caso de indeferimento liminar de petição inicial

Em razão disso, a previsão contida no parágrafo ünico do art. 874 do CPC, somen te pode significar a ou torga de "homologação provisória”do penhor legal.. Vale dizer que, em caso dc prova suficiente das condições para o penhor legal, poderá ojuiz oferecer medida liminar, que per mi ta ao penhor realizado pelo credor a emanação dos seus efeitos legais desde logo Não havendo essa homologação provisória imediata, os efeitos do penhor somente se operarão após final decisão do magistrado..

Citado o réu, poderá ele pagar o valor da dívida, somada aos seus acréscimos legais - incluindo os ônus da sucumbência de modo a levantar o penhor operado pelo credor. Poderá também o devedor locatário (somente no caso do art 1. 467, II, do CC) oferecer caução idônea da dívida, inviabilizando a constituição do penhor legal (art. 1 472 do C C ). Enfim, poderá oferecer defesa, impugnando a homologação do penhor legal.

Segundo prevê o art, 875, a defesa do réu neste procedimento não é ampla. Está limitada aos seguintes temas: “I - nulidade do processo; II - extinção da obrigação; III - não estar a divida compreendida entre as previstas em lei ou não estarem os bens sujeitos a penhor legal”. Interessam, sobretudo, as defesas que estão arroladas no inciso III, acima descrito, porque sobre estas existe viva controvérsia.,

Com efeito, discute-se em doutrina quais os tipos de dívidas compreendidos no art. 1.467 do C C . Há quem dê interpretação restritiva aos casos enumerados no artigo indicado, compreendendo que apenas os valores referentes às despesas e con­sumo (inciso I) ou aquelas referentes aos aluguéis ou rendas (incíso II) poderiam ser protegidos pelo penhor legal.” No entendimento de outros, também estariam com­preendidos no permissivo legal os valores indiretamente ligados a tais débitos - como, por exemplo, os valores acessórios à locação, como seriam as multas contratuais, as despesas conclominiais, os tributos' incidentes sobre o imóvel ou os débitos referentes à manutenção do imóvel locado..9 Porque a hipótese constitui caso de autotutela, parece recomendável que se lhe dê interpretação restritiva. Assim, parece ser mais adequado considerar que apenas para os créditos expressamente designados em lei é possível o penhor legal - feito pelo próprio credor - de que aqui se trata

K Nesse sentido, ver Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civtl, cit.., p, .359 ’ Seguindo esse entendimento, ver Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado dc

direito privado, c it , t XX, p 425

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HOMOLOGAÇÃO DE PENHOR LEGAL 3 1 1

Outrossim, quanto aos bens que podem ser objeto de penhor, não basta que sejam bens que possuam valor econômico e que possam ser alienados em ulterior execução (bens penhoráveis), O art 1..467 do CC, expressamente indica que o penhor legal somente pode incidir sobre bagagens, móveis, joias ou dinheiro que os consu­midores ou fregueses portem consigo (inciso I) ou sobre bens móveis que guarneçam o prédio rústico ou urbano, alugado ou arrendado (inciso II)., Novamente, embora se pudesse apontar interpretação extensiva ao preceito, o fato de tratar-se aqui de hipótese de autotutela recomenda interpretação restritiva, de modo que apenas esses bens podem ser objeto de penhor legal,

Havendo ou não defesa, cumpre ao magistrado decidir o procedimento, homo­logando ou não o penhor realizado pelo credor. Se homologá-lo, deverá entregar os autos ao requerente em quarenta e oito horas, independentemente de traslado, salvo se, neste prazo, tiver havido pedido de certidão. Não sendo homologado o penhor, os bens apossados deverão ser restituídos ao requerido, o que, porém, não inibirá o credor de satisfazer seu crédito por processo autônomo (art.. 876).,

Efetuada a homologação do penhor, pode o credor ajuizar desde logo execu­ção por quantia certa, garantida pelo direito real sobre os bens. Em regra, como se sabe, os contratos garantidos por penhor constituem título executivo extrajudicial (art, 585, III, do C PC ),30 o mesmo valendo para os contratos de locação feitos do­cumentalmente (art 585, V, do CPC), Desse modo, homologado o penhor, cria-se automaticamente um título executivo extrajudicial, a habilitar o credor ao ajuizamento imediato de execução, Não estando, porém, ainda liquidada a dívida ou pendendo sobre ela condição ou termo, poderá ser necessár io liquidar o valor ou aguardar a superação do óbice criado.

Com a homologação (inclusive a provisória), legitima-se a posse do credor sobre os bens do devedor, que manterá os bens como depositário, até a quitação da dívida Recorde-se, porém, que há casos de penhor em que o depósito não ficará em mãos do credor, como é o caso de penhor rural, industrial, mercantil ou de veículos (art. 1..431,parágrafo único, do C C ),n

Todavía, deve-se advertir, porque a homologação de penhor legal não constitui medida cautelar genuína, que a propositura da execução ulterior não está condicio­nada ao prazo de trinta dias (art.. 806), nem perde eficácia a homologação por não ter sido a execução ajuizada nesse prazo O prazo para a propositura de tal execução é o prazo prescricional comum, não se sujeitando à condicionante posta no direito processual.

10 Recorde-se que a nova redação dada a este dispositivo torna claro que não é apenas o contrato dc penhor (ou seja, o penhor estabelecido em via negocia!) que constitui título executivo extrajudicial. Também, portanto, os contratos garantidos por penhor legal assumem a condição de título executivo

11 Ver sobre isso, Orlando Gomes, Direi/os reais, p 396

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14Posse em Nome de Nascituro

S um ário : 14.1 Observações prévias - 14 2 Legitimidade para a medida-14.3Procedimento

14.1 Observações prévias

Sabe-se que a personalidade jurídica da pessoa natural surge com o seu nasci- me nto.Todavia, na expectativa de que alguém possa nascer, o ordenamento resguarda certos tipos de direito ao nascituro, a fim de que, nascendo, possa gozá-los de modo pleno, Esses direitos, como aponta o art,. 2„° do CC, estão preservados a partir da concepção do nascituro, quedando, por assim dizer, em estado latente, no aguardo da formação da personalidade jurídica de seu titular, o que ocorrerá com o nascimento com vida da pessoa,

Note-se que, a rigor, o nascituro não tem personalidade jurídica, razão pela qual não pode ser titular de nenhum direito (ainda que condicional, eventual ou limitado). Não possui ele, portanto, direitos, mas apenas interesses (ou meras ex­pectativas de direito), que se converterão em direitos subjetivos se ele vier a nascer com vida. Por isso, a sua condição é suigeneris, na medida em que possui proteção jurídica paia a proteção de direitos que não lhe pertencem (poís não pode aínda ser titular de direitos).

Em conta dessa sua particular situação, é necessário conceber sistema próprio de proteção, que leve em conta sua condição particular, Porque o nascituro não tem personalidade jurídica, também não tem capacidade de ser parte, para fins processuais. Desse modo, as ações que são movidas em seu interesse são propostas tendo como parte os seus pais ou aqueles que os representarão, enquanto incapazes. A legitimação, porém, dessas pessoas está obviamente condicionada à existência do nascituro, ou seja, àexistência de uma gravidez em curso, Presente essa condição, surgirá aproteção legal dada aos interesses desse nascituro, impondo ao direito processual a consecução de instrumentos para a tutela de tais valores.

Os interesses dos nascituros espraiam-se por diversas ordens, Para os fins aqui examinados, interessam especialmente os interesses sucessórios, já que é para atender a estes que foi designada a presente medida. Conforme afirma o art,. 1,798

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POSSE EM NOME DE NASCITURO 3 1 3

do CC, têm legitimidade para suceder o falecido as pessoas nascidas ou concebidas no momento da abertura da sucessão,. Do mesmo modo, estatui o art. 1.799 do mesmo Código, que até mesmo os filhos ainda não concebidos podem suceder na sucessão testamentária, desde que estejam vivos no momento da sucessão

Para a proteção desses interesses sucessórios, prevê o Código de Processo Civil a medida de posse em nome de nasci turo. Por meio desse procedimento, confere o juiz à mãe do nascituro a “posse” de seus interesses, permitindo-lhe a defesa dos mesmos até o nascimento do (futuro) titulai:. A finalidade da medida, portanto, é demonstrar a viabilidade da existência do interesse de nascituro - o que se faz, como visto, por meio da prova da gravidez - outorgando-se a pessoa viva o poder de proteger esses interesses até que o feto nasça com vida.

Vale dizer que essa ação se presta, de um lado, à constituição de prova da gravidez,. Por meío dessa prova é que a mãe se habilita à proteção dos interesses do nascituro e, mais que isso, é que esses interesses efetivamente surgem. De outro lado, por essa medida atribui-se à mãe a proteção dos interesses do nascituro, conferindo- lhe legitimidade extraordinária paia a tutela dos mesmos,.

Em vísta dessas finalidades, vê-se que não há essência cautelar na presente medida. Não se presta ela a assegurar a viabilidade da tutela de outros direitos.1 E medida autônoma, satisfativa em si mesma, e de jurisdição voluntária - porque dis­pensa o litígio para ser proposta

Segundo a doutrina, a posse em nome de nascituro se assemelha à justificação judicial,2 porque se destina a constituir prova (da gravidez), a fim de assegurar ou realizar Interesse, especificamente aquele ligado à sucessão. Exatamente por isso, não estando em jogo interesses sucessórios, a proteção dos interesses do nascituro pode dar-se por outra via, inclusive pela própriajustificação judicial (ação de constituição de prova de gravidez3), mas não assumirá a forma de posse em nome de nascituro,

14.2 Legitimidade para a medida

Segundo prescreve o art. 877 do CPC, a legitimada principal para a posse em nome de nascituro é a mãe grávida,, Ela ostentará o poder familiar sobre o incapaz nascido, de modo que também se lhe atribui o dever de proteger os interesses do nascituro,. Mais que isso, recorde-se que, em regra, a sucessão que legitimará a me­

1 Também nesse sentido, ver Alcides Alberto Munhoz da Cunha, Comentários ao Código de Processo Civil, cit ., p. 514.

2 De fato, a presente medida se parece mais com a justificação do que com a medida de asseguração de prova. Isso porque não tem ela por finalidade assegurar a futura realização da prova Por meio da posse em nome de nascituro, produz-se de imediato a prova, sem ter em vista qualquer demanda ulterior.

3 Ver, sobre isso, Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, cit.., p 364

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3 1 4 CAUTELARES ESPECÍFICAS

dida será a do pai do nascituro, de modo que seria mesmo intuitiva a legitimidade da grávida para a ação

Todavia, em que pese a restrita menção apresentada no art. 877, do CPC, não é a grávida a ünica legitimada para a medida. Estabelece o art. 1 779, do CC, que “dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar ” Ora, nesses casos, evidentemente, até porque a mãe não terá o po­der familiar sobre os interesses do incapaz (quando nascer), a proteção do nascituro não será conferida a ela, mas sim ao curador indicado. Esse curador, como indica o parágrafo único do art. 1779 mencionado, pode até mesmo ser o curador da própria mulher, se for ela interditada. Caso contrário, deverá o juiz nomear outra pessoa para exercer essas funções, seja no curso do pedido formulado pela mãe que não detenha o poder familiar em ação de posse em nome de nascituro (art, 878, parágrafo único, do CPC), seja em via autônoma (art, L103 e ss . do CPC), que poderá ocorrer, por exemplo, em casos nos quais há conflito entre os interesses da mãe e do nascituro..

Também se legitima ao pedido o pai, se vivo. Como sublinhado anteriormente, a posse em nome de nascituro se presta à proteção de interesses do feto, que há de ser feita, em princípio, por aqueles a quem caberá a representação do incapaz quando nascer. Ora, nascendo com vida, cabe aos pais da criança, em primeiro plano, a tutela de seus direitos Assim, embora a iei aluda apenas à mãe - porque pressupõe, como acima dito, que a sucessão aberta seja a do pai - também o pai, se vivo, está legitimado a postular a medida.

Finalmente, a medida também pode ser ajuizada pelo Ministério Público, por tratar-se de figura de jurisdição voluntária (art. 1 104 do C P C ).

Sujeitos passivos da medida serão os herdeiros do falecido,já que são os inte­ressados que poderão ser atingidos pela decisão sobre a posse,

14.3 Procedimento

Dispõe o art. 877 que o pedido de posse em nome de nascituro será elaborado em petição, dirigida ao juiz, solicitando-lhe que mande examinar a mãe por médico (nomeado pelo magistrado) para a demonstração do estado de gravidez, A par do pedi­do de exame, deve também a requerente formular pleito de intervenção do Ministério Público (arts, 877 e 82,1,4 do CPC) Deve acompanhar o requerimento a certidão de óbito da pessoa de quem o nascituro seja sucessor (art. 877, § l.°,do CPC).

4 Observe-se que o nascituro não e, ainda, incapaz, porque sequer possui personalidade jurídica Todavia, a ratio que justifica a intervenção do Ministério Público na proteção dos in­capazes - a sua debilidade, a impossibilidade de adequadamente defenderem seus interesses e a relevância pública da preservação de seus direitos, para a preservação de seu fiituro - também estão aqui presentes, o que legitima a equiparação do nascituro ao incapaz e o oferecimento àquele das mesmas vantagens processuais dadas a este.

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Embora a lei não o preveja expressamente, é necessário promover a citação dos interessados ~ ou seja, dos herdeiros não para apresentarem defesa, mas para acom­panharem a prova a ser constituída. A participação desses herdeiros está indiretamente prevista no art 877, § .2 °, do Código, quando se afirma que o exame médico pode ser dispensado“se os herdeiros do falecido aceitarem a declaração da requerente".. Porem, essa citação não sepresta a autorizar que os herdeiros apresentem defesa (contestação) no processo. A citação se dá para que os herdeiros possam aceitar a declaração de gravidez da mãe ou, não o fazendo, para acompanhar a prova pericial a ser realizada, podendo, quando muito, arguir a incapacidade da mãe para exercer os interesses do nascituro.. Note-se que não há direito à contestação no presente procedimento, tendo em vista sua similaridade com a figura da justificação judicial, que, como visto, não a admite (art. 865), Mais que isso, não é a posse em nome de nascituro o ambiente adequado para a discussão dos interesses que tocam ao nascituro ou para a discussão de direitos sucessórios eventualmente ostentados pelos herdeiros. Por isso, tais temas devem ser reservados para outra demanda,

De toda forma, não tendo ocorrido essa aceitação expressa, após a citação dos herdeiros deverá o magistrado nomear médico, da sua confiança, para realizar o exa­me na suposta mãe.. Diz o Código, no art., 877, § .3 °, que “em caso algum a falta do exame prejudicará os direitos do nascituro”.. Daí decorre o fato de que o exame não é elemento inafastável dessa medida , Poderá ocorrer ~ sobretudo quando a ação for ajuizada por outra pessoa que não a mãe - que esta não seja encontrada para realizar o exame. Poderá aínda suceder caso em que a mãe, por motivos vários, se recuse a ser submetida ao exame médico Ainda que haja justa razão para essa recusa ou para a impossibilidade de se promover o exame médico, isso não pode constituir motivo para a rejeição da proteção dos interesses do nascituro. Não terão aplicação, então, as regras estabelecidas nos arts. 231 e 23.2 do Código Civil, que autorizam a presunção contra o requerente, no caso de negativa em submeter-se ele à prova pericial. Ha­vendo a recusa ou a impossibilidade de sujeição ao exame pericial, portanto, deverá a falta dessa prova ser suprida por outros elementos, seja trazidos pela requerente, seja aportados pelo Ministério Público, seja carreados pelos outros herdeiros, seja ainda introduzidos de oficio pelo magistrado.

Excepcionalmente, é até de se admitir a realização do exame médico contra a vontade da grávida. Com efeito, a negativa da mulher em sujeitar-se a essa prova estará escudada em garantia fundamental - da inviolabilidade pessoal - , que pode estar em oposição a outra garantia também fundamental de igual ou superior hierar­quia. Na ponderação de tais valores, poderá suceder de prevalecer a segunda garantia cm detrimento da primeira, o que autorizará a violação da liberdade da mulher e a imposição da perícia médica Trata-se, enfim, de hipótese de colisão de garantias fundamentais, que não admite resposta apriorísticae que pode redundar na superação da garantia da intangibilidade pessoal, por outra garantia eventualmente protegida por meio da ação de posse em nome de nascituro

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3 1 6 CAUTELARES ESPECÍFICAS

Realizado o exame médico e apresentado o laudo, poderão as partes sobre ele manifestar-se - valendo-se, por analogia, do prazo de dez dias, estimado para o pronunciamento das partes quanto à prova pericial (art. 4.33, parágrafo único, do CPC), Embora o Código não preveja expressamente essa manifestação, é ela inerente ao procedimento, até porque não teria sentido determinar a citação dos herdeiros no processo, se não se lhes autorizasse qualquer tipo de participação. A necessidade de citação dos interessados (ou seja, dos herdeiros) indica que se lhes deva autorizar o acompanhamento do exame - por assistentes técnicos - e, consequentemente, a manifestação sobre o laudo apresentado.

Também, por óbvio, o Ministério Público deverá ser ouvido sobre o exame realizado, podendo impugnar o laudo, apontando eventuais falhas,

Com ou sem manifestação dos interessados, no prazo mencionado, deverá o juiz, por sentença, decidir sobre a ação,. Constatada a gravidez, “declarará a reque­rente investida na posse dos direitos que assistam ao nascituro” (art. 878 do CPC),, Caso, obviamente, não tenha a gestante condições de administrar esses interesses do nascituro, tais poderes serão atribuídos a outra pessoa - o pai, se vivo, ou curador habilitado, nos termos do que prevê o art. 878, parágrafo único, do CPC.

Não havendo sinais de gravidez, a ação será rejeitada, de modo que os direitos sucessórios indiretamente envolvidos serão atribuídos aos demais herdeiros, em ação própria,

Note-se que a sentença dada em ação de posse em nome de nascituro não se limita a constituir prova da gravidez,. Vai além, porque constitui a mãe (ou outra pessoa) na administração dos interesses do nascituro,

Embora a doutrina majoritária entenda insuscetível de gerar coisa julgada a sentença em questão, não parece que a conclusão seja exata. Obviamente, não há coisa julgada nessa sentença a respeito da existência onda extensão dos direitos do nascituro, ou mesmo sobre a efetiva existêm ia de relação de parentesco entre o nascituro e apessoafalecida. Todavia, há, sim, coisa julgada quanto à outorga de poderes de eventuais direitos do nascituro à mãe ou a quem indicado na sentença. Que esta pessoa detenha os poderes de representar os eventuais interesses do nascituro é questão, a partir do trânsito em julgado da sentença aqui proferida, indiscutível,

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Atentado

Sumário: 15,1 Noções preliminares - 15-2 Requisitos - 15 3 Procedimento- 1 5 .4 Efeitos do reconhecimento do atentado.

15-1 Noções preliminares

O atentado é medida que se destina a preservar o estado de coisas existente no momento em que a ação principal foi intentada, a fim de permitir mais precisa compreensão das circunstâncias de fato existentes naquela ocasião, para que o juiz possa formar de modo mais adequado sua convicção,1

E certo que o estado de fatos existente no momento do ajuizamento da ação pode modificar-se por várias razões - em razão de fato superveniente, por conta de direito novo etc. - devendo esses fatos ser considerados na apreciação da causa (v g , arts. 30.3, 397,462 e 517 do CPC)..

Todavia, haverá fatos novos, ocorridos no curso do processo, que terão a exclusiva função de prejudicar o andamento da causa, a sua instrução ou frustrar o seu resultado. Quanto a esses fatos, obviamente, não só é dever considerá-los, mas, sobretudo, impõe-se o seu combate, sob pena de tornar o Judiciário conivente com a chicana da parte,

O atentado constitui um dos instrumentos utilizados para esse fim Presta-se ele para evitar que a parte possa inovar no estado da causa, a fim de prejudicar a per­feita análise dos fatos envolvidos ou para frustrar a efetividade de decisões judiciais. Nesses termos, prevê o art. 879, do CPC, que “comete atentado a parte que no curso do processo: I-v io la penhora, arresto, seqüestro ou imíssão na posse; II - prossegue em obra embar gada; III - pratica outra qualquer inovação ilegal no estado de fato”.

Das hipóteses acima descritas, vê-se que a função do atentado não é, ime­diatamente, a proteção da tutela do direito material Ainda que, mediatamente, se

1 Há muito tempo, pondecavao Barão de Ramalho que “o nunciado que, em contravenção ao mandado, continua a obra embargada, sem preceder mandado de levantamento, commette attentado, e fica sujeito á prisão e a ser demolida á sua custa toda a obra que tiver feito, depois do embargo” (Joaquim Ignácio Ramalho, Praxe brasileira, cit., p, 419).

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destine a medida a proteger o direito (alegado) da parte, sua finalidade principal é preservar o estado da lide.2 Essa preservação se dá, por óbvio, para a manutenção da utilidade e da efetividade do provimento judicial, ou para o resguardo da situação a ser verificada, pelo magistrado, para a formação de seu convencimento. Esta última, porém, é a finalidade específica da medida, o que não se confunde com a ideia de assegurar a tuteia de direito,

Quando muito, portanto, a presente medida poderia ser assimilada a uma for­ma de proteção da autoridade do Estado ou da seriedade da prestação jurisdicional. A medida, assim, avizinha-se às multas por litigância de má-fé, ao ato atentatório à dignidade da jurisdição ou ao poder de polícia atuado pelo magistrado no curso do processo. Há, portanto, clara ausência de cautelaridade na medida em questão.

Curioso verificar que o atentado, originalmente, ligava-se à proteção do in­teresse da parte contra a atuação do magistrado no processo., As Ordenações do Reino tratavam assim a figura, ao dizerem que a atividade praticada pelo juiz de primeiro grau após a prolação de sentença (salvo em casos excepcionais) considerar-se-ia atentado . Foi criação doutrinária a extensão desse atentado para a conduta também das partes, sendo que ambas as figuras conviveram até o Código Processual de 1939,3 embora alguns Códigos estaduais limitassem o instituto apenas à conduta das partes Somente com o Código atual é que o atentado foi definitivamente ligado à conduta das partes no processo.

Como tutela dirigida contra a atividade de parte que prejudica a atividade juris- dicional, não se cogita aqui das notas de provisoriedade ou de aparência do direito, A medida de atentado é satisfativa por si mesma ~ quanto à finalidade a que é predisposta- e tem características de processo de conhecimento Por outro lado, já que se destina à proteção da autoridade do Estado, parece evidente que a medida aqui examinada é uma daquelas que pode ser (sempre no curso de processo) determinada de ofício, sem requerimento anterior, nos moldes do que autoriza o art. 797 do CPC,,

15.2 Requisitos

A medida de atentado não admite a forma preparatória Somente existe o atentado incidental ao processo principal, Isso é o que decorre da redação clara do art., 879 do CPC, que reconhece que o atentado só pode ser praticado “no curso do processo” Por isso, só há atentado na pendência de um litígio, não se admitindo que ele ocorra nem antes, nem depois da conclusão do processo Para que se tenha

2 Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civd, cit., p 379.3 O art 712 do Código de Processo Civil de 1939 estabelecia que “a parte que, no correr

do processo, sc reputar lesada por inovação contra direito, poderá requerer que a lide volte ao estado anterior c fique interdita a audiência da parte adversa até a purgação do atentado, quando reconhecido” , Como se vê, a lei não distinguia a origem da inovação contra direko, que poderia advir tanto dn parte, como do próprio juiz

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ATENTADO 319

por pendente o processo (ou para que o ato de atentado seja praticado “no curso do processo”, como quer o dispositivo indicado) é necessário que a res tenha-se tornado litigiosa Em vista disso, a caracterização do atentado impõe a existência de citação do réu, ainda que ordenada por juiz incompetente (art., .219 do CPC).-1

Como visto anteriormente, o Código admite o atentado em três casos.,Todos eles revelam conduta de uma das partes dopivcesso, Por isso, obviamente, não há aten­tado praticado por terceiro (salvo se age por ordem de parte, como se verá a seguir), nem decorrente dc força maior ou caso fortuito 5 Exige-se, portanto, atitude da parte (ainda que por interposta pessoa), mesmo que não seja dolosa ou culposa,6 que incida em um dos casos previstos em lei

Marca o termo inicial para a prática do atentado o conhecimento, pela parte, da existência da demanda Em razão disso, o atentado praticado pelo autor caracteriza- se a partir do momento em que apresenta a demanda em juízo, Para o réu, por outro lado, a data inicial a ser considerada para verificar os atos de atentado praticados é a sua citação no processo “principal”

Por óbvio, se houver expressa autorização legal ou judicial para a prática do ato - mesmo que descrito em um dos casos do art, 879 do CPC - , nâo se cogitará de irregularidade em sua prática e, portanto, descaberá o atentado., Assim, por exemplo, se há autorização para o prosseguimento em obra embargada, por ordem judicial, tendente a realizar reparos necessáriosàsua manutençãoou a evitar sua ruína (v.g. ,art 888 ,1, do CPC), não estará caracterizada a ilegitimidade que qualifica o atentado.,

Do mesmo modo, se o ato praticado, ainda que se enquadre hipoteticamente em um dos casos enumerados no Código, não gerar prejuízo ao processo ou ao seu objeto - por exemplo, porque ineficaz perante o processo não se cogitará de aten­tado., Por exemplo, a alienação de bem penhorado, no curso de execução, ainda que possa em tese inserir-se no art. 879 ,1, do CPC, não constitui atentado, porque essa alienação, embora válida, é por si só ineficaz perante o processo, não tendo poten­cialidade lesiva.7

Também não se considera atentado o uso normal da coisa, especialmente em continuação ao que se fazia antes do ajuizamento da ação. Assim, a manutenção da

'' C f Hugo Simas, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p 355 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, cit ,

p 3996 Recorde-se que aqui se está tratando do ato ilícito e não do ato danoso E o ato ilicito não

exige o elemento subjetivo para ser caracter] zado, verificando-se simplesmente pelo enquadramen­to do fato questionado â hipótese descrita na norma. Ver, sobre isso, Luiz Guilherme Marinoni c Sérgio Cruz Arenhart, Processo de Conhecimento (Curso de processo civil, v. 2} c i t , p 435 e ss ; Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, 3., ed ., p 47 e ss.; Sérgio Cruz Arenhart, Perfis da tutela inibitória coletiva, cit , p. 100 e ss.; Sérgio Cruz Arenhart,// tutela inibitória da vida privada, c i t , p 156 e ss; Luciane Gonçalves Tessler, Tutelas jurisdicionais do meio ambiente, c i t , p 205 e ss

7 Ver sobre o tema, neste Curso, v. 3 (Execução), p 251 -252

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administração de bem que passa a ser objeto de constrição judicial, o prosseguimento do uso de certo maquinário arrestado ou penhorado (se a posse permanecer com o requerido) ou a utilização regular de imóvel já anteriormente usado não implicam atos capazes de gerar atentado.

A doutrina discute sobre se é possível caracterizar o atentado somente por condutas positivas ou também por omissões da parte,. Aqueles que entendem ser inviável a caracterização do atentado pela omissão sustentam sua conclusão na constatação de que ele depende sempre de inovação no curso do processo, e que só haveria efetiva inovação por meio de condutas positivas do agente, 8 A parcela da doutrina que defende a possibilidade de atentado por omissão finca-se na observação de que, se a parte tinha o dever de agir para evitar a inovação do estado das coisas e não o faz, sua omissão é responsável pelo atentado, caso em que também a inação pode ser sancionada pela presente via.9 Parece que razão assiste à segunda corrente. De fato, embora excepcional, há casos em que a inovação pode decorrer justamente da omissão da parte em cumprir com seus deveres Suponha-se o caso da parte que, em ação de seqüestro, é deixada como depositária do bem (art. 824, II, do CPC) e deixa de tomar providências para conservar a coisa., Certamente, essa omissão viola o seqüestro havido, já que este tinha por objetivo preciso evitar que a coisa fosse danificada ou destruída Tem-se, aí, caso em que a medida cautelar de atentado é, sem dúvida, cabível.

Quanto aos requisitos específicos, vê-se que as três hipóteses arroladas no art. 879 do Código, têm em comum o intento de prejudicar o perfeito exame da causa ou a integridade de decisão judicial, Embora os casos sejam suficientemente claros, convém lembrar que a inovação no estado de fato da causa, a que alude o Código, relaciona-se a qualquer modificação (que se entenda por ilegal) no estado da res Í?i iudutio dedacta, que possa inserir-se nos escopos acima apontados,

Por fim, seria discutível o cabimento da medida de atentado contra ameaça de ato que se inserisse em um dos casos do art. 879 do Código, A redação do dispositivo indicado dá a entender que somente a pr ática de tais atos constitui atentado, de modo que seria discutível o cabimento da medida em caso de simples ameaça. Por outro lado, a inexistência de proteção contra a ameaça, em casos como os descritos no pre­ceito indicado, poderia levar à frustração de qualquer medida, já que poderia resultar efeito irreversível. Como essa última hipótese conduziria a situação absurda, em que o Judiciário se mostraria impotente contra o abuso por uma das partes, é evidente que ela não seria admissível. Por isso, mostra-se necessário haver proteção para tal situação, Todavia, a proteção em comento não haveria de ser buscada pelo meio do atentado Isso porque a tutela veiculada por essa medida (art.. 881 do CPC) não é

8 Nesse sentido, ver Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito processual civil, cit.., p.. 254l> Assim, ver Ovidío Baptista da Silva, Do processo cautelar, cit., p. 506; Galeno Lacerda,

Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 379

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ATENTADO 321

adequada para atender a situações em que se verificasse ameaça de lesão - v.g.., seria ilógico pretender que o magistrado determinasse a “restituição do estado anterior”, ou a “proibição de o réu falar nos autos até a purgação do atentado”..

Em razão disso, para o caso de ameaça de ato ilegal como os aqui examinados, o caminho adequado há de ser a ação xnibitória, autônoma, fundada no art. 461 do CPC

153 Procedimento

A medida de atentado segue, em linhas gerais, o rito previsto para as medidas cautelares inominadas. Assim, a petição inicial deverá conter os requisitos comuns, sendo autuada em apartado aos autos principais.

A peculiaridade do atentado fica por conta da previsão contida no art. 880, parágrafo único, do CPC, que estabelece que “a ação de atentado será processada e julgada pelo juiz que conheceu originariamcnte da causa principal, ainda que esta se encontre no tribunal". Como se vê, não tem aplicação o contido no art.. 880 do CPC, que trata da competência para o ajuizamento das providências cautelares Em relação ao atentado, a medida será sempre ajuizada no primeiro grau,10 ainda quando a causa esteja submetida a instância recursal. Desnecessário dizer que a previsão, embora tivesse por finalidade facilitar a situação do requerente e deixar a cargo do juiz que se encontra mais próximo ao fato a decisão da questão, gera vários inconvenientes De inicio, porque a causa (principal) não está mais sujeita ao juízo de primeiro grau, poderá ser necessário formar nova instrução de questão que já se apresentava nos autos principais na medida de atentado, para comprovar as alegações ali feitas, com duplicação eventualmente desnecessária de atos processuais.. Em segundo lugar, as conseqüências do julgamento de procedência do atentado poderão, por vezes, ser sentidos pelo tribunal recursal e, o que é mais estranho, impondo a este órgão (que é hierarquicamente superior) a obediência de determinação do juízo a quo - como ocor rerá com a ordem de suspensão do processo ou a proibição de a parte falai' nos autos até a restituição das coisas ao seu estado anterior.11 Apesar de todos os inconvenientes, o texto legal é claro e, portanto, descabe discussão a respeito. A medida deverá, assim, ser sempre proposta perante o juízo que examinou a causa originariamente Note-se, ainda, que, apesar de o Código indicai- que o atentado deve ser postulado ao ju iz que examinou a causa na instância inicial, não há sentido em entender o vocábulo em sua acepção exata. Isso porque não há vinculação pessoal de magistrado a causa alguma, mas tão só àe. ju ízo , de modo que se deve tomar com certa ressalva a previsão legal.

Discute-se sobre a possibilidade de concessão de liminar no pedido de atentado.. A doutrina que nega o cabimento da medida assenta-se, basicamente, na remissão

10 Salvo casos de competência originária de tribunal11 Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, c i t , p.. 379

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3 2 2 CAUTELARES ESPECÍFICAS

contida no art 880 do CPC Como se vê da redação desse dispositivo, devem ser aplicados à disciplina do atentado as regras dos arts 802 e 803 do Código Não tendo havido indicação de que também seria aplicável o contido no art 804 (que é o preceito que trata das liminares em medidas cautelares), estaria o Código indicando o não cabimento de liminar nesse procedimento,52 Aqueles que defendem o cabimento da medida fundamentam-se no contido no art 812, do Código (que ordena a aplicação do contido na parte geral aos procedimentos cautelares específicos), e na ideia de que pode haver situações em que providência inconúnenti é necessária para coibir o ato ilegal,13 Ora, considerando que toda açãojudicial é expressão de uma garantia constitucional que, por ser fundamental, exige interpretação quelhe confira a maior eficácia possível,1'1 seria inconcebível a negação de provimento urgente se houvesse situação em que esta medida fosse necessária Desse modo, ainda que não haja expressa previsão do cabi­mento de liminar - e mesmo diante da interpretação sugerida pela remissão contida no art 880 do CPC - é forçoso concluir por sua admissibilidade, sobretudo quando as circunstâncias do caso concreto exigirem do magistrado atuação imediata..

O atentado é medida satisfativa, que pode resultar em restrição grave aos interesses do requerido. Por isso, como seria óbvio, admite ele defesa plena do réu, Deverá, portanto, ele ser citado para defender-se no prazo de cinco dias (art, 802 do CPC)., Em sua defesa, poderá o requerido apontar qualquer argumento que lhe interesse, desde que se ligue à postulação do autor Poderá discutir, portanto, não apenas a existência dos atos descritos no art 879 do Código, mas ainda a inexistên­cia de prejuízo na prática do ato, ou a ausência de sua participação para a conduta descrita na inicial Poderá, ainda, como é evidente, requerer a produção de provas de suas alegações.

Havendo necessidade de provas orais, designará ojuiz data para audiência de instrução e julgamento, na forma do que prevê o art. 80.3, parágrafo único, do CPC

Ultimada a instrução do atentado,cumpre ao juiz proferir sentença, acolhendo ou não o pedido inicial., Da sentença ~ de qualquer conteúdo - caberá recurso de apelação

15.4 Efeitos do reconhecimento do atentado

Nos termos do que estabelece o art. 881 do Código, a verificação judicial do atentado conduz a três efeitos principais: a) àdeterminação da restituição das coisas ao

12 NessesentidOjVerSTJ, L aT.,REsp 141408/RJ,rei Min. Garcia Vieira, jD /í /1 6 . 02.1998, p 39 Na doutrina, ver Ovídio Baptista da Silva, Do processo cautelar, c i t , p 514-515..

13 Seguindo essa orientação, ver STJ, 4 31 , REsp 399866/D F, rcl. Min Sáivio de Fi­gueiredo Teixeira, D JU 02.09.2002, p 196 Em doutrina, ver Galeno Lacerda, Comentários ao Código de Processo Civil, cit , p 396-39 7

H Ver, sobre isso, neste Curso, v.. 1 ( Teoria Geral do Processo), p . 215 e ss

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ATENTADO 323

seu estado original; b) à suspensão do processo até essa restituição; eeja proibição de o requerido falar nos autos até a eliminação dos atos ilícitos que geraram o atentado. Além desses três efeitos principais, prevê a lei a possibilidade de o magistrado, na sentença que reconhece o atentado, condenar o réu a ressarcir o autor dos prejuízos causados com o ato ilícito por ele provocado (art, 881, parágrafo único)

E preciso tomar com cautela cada um desses efeitos, para que não se desvirtue a função do atentado, Realmente, a imposição indiscriminada de todos esses efeitos poderia conduzir a situação prejudicial para o requerente e benéfica para o requeri­do, especialmente em se considerando a determinação de suspensão da causa Ora, não há dúvida de que, muitas vezes, interessa ao requerido - que não tem razão, e que pratica atentado - a suspensão do processo, já que com isso terá condições de protelar mais ainda o cumprimento de suas obrigações ou o reconhecimento de suas responsabilidades, Em tais casos, obviamente, a ordem para suspensão do processo serviria como prêmio para o réu que não tem razão, ao invés de ser vir como meio indutivo para que ele restituísse as coisas ao seu estado anterior.

Por isso, não obstante a redação peremptór ia do art 881 do Código, por ra­zões de pura lógica tem a jurisprudência cindido a incidência dos efeitos indicados, permitindo que o magistrado aplique ao caso concreto os efeitos que surtam alguma utilidade e descarte os outros . Nesse sentido, fríse-se que a finalidade principal do atentado será, sempre, impor ao requerido o desfazimento dos atos ilegais por ele praticados.. Esse é o verdadeiro conteúdo do atentado Esta determinação deve estar sempre presente,. As demais imposições prestam-se como meios de indução para im- por-lhe o cumprimento daquele primeiro objetivo. Por isso, sujeitam-se ao princípio da eficiência, de modo que somente devem ser aplicados se puderem ter função coercitiva no caso concreto.

Sob esse prisma, a suspensão do processo só deve ser determinada se esta, manifestamente, não interessar ao requerido. Tome-se, por exemplo, o caso de ter sido deferida tutela antecipada (integral) no curso do processo; obviamente, aí, a paralisação do processo não interessa ao réu da ação (que tenha praticado atentado), de modo que a suspensão em tela pode servir como instrumento coercitivo eiicaz para Índuzi~Io à restituição das coisas ao seu estado anterior. Do mesmo modo, se aquele que pratica o atentado é o autor da ação principal, normalmente a suspensão da causa não lhe interessa, especialmente se não houver tutela de urgência deferida em seu favor..

Assim, como é evidente, a medida de suspensão do processo só tem sentido - e só deve ser ordenada pelo juiz (seja liminarmente, seja em decisão final) - quando ela se prestar como medida coercitiva para impor ao requerido a ordem de desfazimento do atentado.

Quanto à proibição de falar nos autos, trata-se de medida grave, que pode acarretar sérias conseqüências para o requerido, sobretudo quando imposta sem a suspensão do processo principal Deveras, proibida a participação do requerido - e

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324 CAUTELARES ESPECÍFICAS

essa proibição é ampla, abrangendo a prática de qualquer ato, como a apresentação de petições, a interposição de recursos, o requerimento de provas e a participação em sua colheita o seguimento do processo poderá redundar, em face da preclusão das fases que se seguirem, em prejuízo irreversível à parte . Ainda que a parte volte a participar do processo quando purgar o atentado, não terá condições de realizai' atos nem participai de fases que já foram superados pela preclusão. Receberá, tal como o revel, o processo no estado em que se encontrar, somente podendo atuar a partir de então.,

Por essa razão, há quem entenda inconstitucional a medida, por violação à garantia do contraditório Não parece, porém, que exista a inconstitucionalidade mencionada. Observe-se que o único responsável pela vedação de participação no processo é aprópria parte quepratkou o atentado. Tão logo desfaça o ato ilícito que praticou, será restituida em todos os seus poderes processuais, voltando a participar integralmente do processo. Não há, assim, propriamente, proibição - por parte de outrem ~ à participação da parte no processo; é ela mesma que cria para si essa con­dição, enquanto resistir à obediência da ordem judiciai.

Tendo em vista essas considerações, resta evidente que o atentado só tem sen­tido - e só pode ser admitido - se a situação puder ser restituida ao estado anterior à prática do atentado. Sendo essa restituição inviável - que, como visto, corresponde à principal função da ação de atentado esse pleito será impossível, deixando também imprestáveis os outros dois comandos (a suspensão do processo e a proibição de falar nos autos) que a sentença de atentado pode veicular. Quando muito, nesse caso, será possível atender apenas ao pedido de indenização, que, de toda sorte, exige pedido autônomo na ação de atentado e corresponde, assim, a pretensão diversa.13

Na mesma linha de compreensão, se não há culpa do requerido em deixar de cumprir a ordem de restituição - ainda que ela permaneça viável deixa de ser possível a aplicação das técnicas coercitivas agregadas ao atentado (proibição de falar nos autos e suspensão do processo). Dessa forma, por exemplo, se o desfazimento da obra realizada depende de tempo ou não ocorreu por demora impuíável a terceiro, não se pode atribuir ao requerido a responsabilidade pelo não cumprimento a tempo da determinação de restituição, de modo que a proibição de falar nos autos e/ou a suspensão do processo deve ser levantada.

Por outro lado, parece evidente que, se a função de tais medidas (proibição de falar nos autos e suspensão do processo) é impor ao requerido a obediência à ordem de restituição das coisas ao seu estado anterior, não serão elas as únicas medidas de que o magistrado pode lançar mão para fazer cumprir sua determinação As técnicas do art. 461 do CPC estão plenamente à disposição do juiz, que poderá utilizar, a par das medidas coercitivas características do atentado, de qualquer outro instrumento

55 Ver, sobre o assunto, Ovídio Baptista da Silva, Curso deprousso civil, c i t , p . 37.3-375.

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ATENTADO 325

que se revele idôneo e menos oneroso ao requerido (v.g., a multa coercitiva ou a restrição de direitos).

Enfim, quanto à indenização de eventuais pedidos sofridos pelo requerente com o atentado, prevê o Código, como acima se viu, que possa ser objeto de pedido autônomo na presente ação (art. 881, parágrafo único, do CPC). Esta regra, por si só, já seria suficiente para demonstrar que não se está diante de pretensão cautelar no atentado.. A cognição aqui é exauriente, e não sumária, fixando o dever de indenização com coisa julgada..

A imposição dessa indenização, embora possa ser outra a impressão que se tem ao ler o art. 881, parágrafo único, exige pedido específico do requerente, não podendo ser concedida de oficio.. Assim deve ser em razão do princípio da demanda e da adstrição ao pedido (arts. 2.°, 128 e 460 do CPC). A imposição dessa condena­ção, evidentemente, constitui objeto de outra demanda, cumulável com o atentado (nos mesmos autos deste), mas que não se confunde com este 16 Na ação que objetive a indenização dos danos, de todo modo, o conteúdo da cognição do juiz é distinto daquele que qualifica a análise do atentado, Assim, para que surja o direito à inde­nização, deve~se cogitar do elemento subjetivo do ilícito - que é o que gera o dever de reparar o dano salvo se houve expressa previsão de lei que estabeleça o caso especifico como hipótese de responsabilidade objetiva,. Ademais, deverá também ser perquirido a respeito da extensão do dano verificado ou, ao menos, de sua existência ™ ficando a apuração do quantum para ulterior fase de liquidação,

De toda sorte, requerida essa indenização e sendo elareconhecidajudicialmen- te, a sua liquidação e execução devem dar-se nos mesmos autos do atentado, seguindo o regime do cumprimento de sentença (art, 4'75-J e ss, do CPC),.

A sentença que julga o atentado - inclusive no que se refere à imposição do dever de reparar o prejuízo - se sujeita à coisa julgada material quanto àquilo que foi ali reconhecido: o ato ilicito (consistente no atentado) e o eventual ato danoso (a ser indenizado) Não há, porém, evidentemente, coisa julgada sobre os meios coercitivos (proibição de falar nos autos e suspensão do processo) que estão à disposição do juiz para impor a determinação de restituição das coisas ao estado anterior.

16 Galeno Lacerda, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p 404

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Protesto e Apreensão de Títulos

SumâRIO: 16 1 Observações introdutórias - 16.2 A dúvida no protesto ~ 16 3 A apreensão de título; 16 4 A prisão civil e os outros meios de indução no procedimento de apreensão: 16 4 1 Contextualização do problema; 1 6 4 .2 A admissão da prisão criminal com fins coercitivos; 1 6 4 ,3 Da prisão civil como meio coercitivo

16.1 Observações introdutórias

A doutrina processual1 é uníssona em dizer que a medida aqui regulada - ao menos em sua maior parte ~ não guarda nenhuma relação com o direito processual civil, De fato, o protesto de títulos é tema que escapa (como se pode ver da disciplina dos arts. 88.2 e 883 do Código) à atribuição jurisdicional, sendo atividade francamente extrajudicial e regulada pelo direito mercantil.,

O protesto, como cediço, é a forma de demonstrar a falta (ou negativa) de aceite em título, ou ainda a falta de seu pagamento ou de sua restituição.2 Não se confunde essa figura com o protesto regulado pelos arts 867 e ss. do CPC, que é medida mais ampla e serve para qualquer situação em que o requerente pretenda preservar seus direitos.

O protesto em exame é medida praticada segundo as leis próprias (em regra, a Lei 9 492/97) É realizado por tabelião, titular de cartório com atribuição específica e, portanto, em via extrajudicial Não se trata de questão processual, de modo que seu exame não tem cabimento nessa esfera..

No que tange às questões processuais, propriamente ditas, o Código regula o procedimento de dúvida, apontada pelo oficial do protesto em relação ao procedi­mento (art. 884) e o procedimento de apreensão de títulos (art.. 885).. Cada uma das figuras será avaliada, ainda que de forma sintética, em separado, adiante . Todavia,

1 K g , Ovidio Baptista da Silva, Do processo cautelar, c i t , p.. 527; Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil, c i t , p -!06

2 “Protesto éo ato formal e solene peio qual se prova a inadimplência eodescumprimcnto de obrigação originada em títulos e outros documentos dc dívida” (art 1 ° da L ei 9 492/97)

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PROTESTO E APREENSÃO DE TÍTULOS 327

no momento, basta, esclarecer que nenhuma das duas demandas apresenta cunho cautelar

Realmente, em nenhum dos instrumentos processuais mencionados se vê a função de proteção (asseguração) da tutela dos direitos Nem estarão presentes os elementos típicos das medidas cautelares, a saber, o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação e a aparência do direito do requerente Na realidade, as providências indicadas têm, a primeira, caráter nitidamente administrativo, voltado à obtenção de indicação de conduta do magistrado em relação ao procedimento a ser adotado pelo oficial do protesto; a segunda aponta para providência autônoma, de caráter satisfativo e principal, que tem por finalidade específica a obtenção de título em posse do emitente, sacado ou aceitante..

16.2 A dúvida no protesto

A atividade desenvolvida pelo oficial de protestos e tipicamente administra­tiva e vinculada,, Em conta disso, não tem ele, em princípio, poder discricionário para realizar ou não o protesto dos títulos que lhe são encaminhados.. Todavia, ao receber o título, poderá o oficial suscitar dúvida quanto à idoneidade do título, à sua regularidade formal ou a outros vícios que impediriam o seu protesto (art, 9 °, caput e parágrafo único, da Lei 9 492/97),

Verificando esses defeitos, recusará o protesto, caso em que o interessado, que discordar dessa negativa do oficial, poderá recorrer ao Judiciário pleiteando a deter­minação de que se realize o procedimento administrativo, Essa é, precisamente, a dúvida de que trata o art , 884 do CPC.

Segundo prevê o Código, no preceito indicado, “se o oficial opuser dúvidas ou dificuldades à tomada do protesto ou à entiega do respectivo instrumento, poderá a parte reclamar ao juiz”, Note-se que o procedimento judicial só será iniciado em caso de recusa do oficial em procederão protesto, invocando dúvidas ou opondo embaraços para a efetivação desse ato ou para a entrega do seu instrumento

A medida será requerida sempre pelo interessado-embora haja quem sustente que esse procedimento também pode ser suscitado pelo oficial do protesto - e dirigida ao juiz competente segundo as regras de organização judiciária locai,

Como já se observou (item 16.1), o procedimento em questão representa caso de exercício de jurisdição voluntária, cuja finalidade precípua é a de examinar a legalidade ou não da conduta do oficial em realizar o protesto e, se for o caso, deter­minar-lhe a realização do ato.,

Não há, por conta disso, resistência do oficial, mas apenas a dúvida por ele suscitada - que inviabiliza o protesto - sobre a legitimidade de algum dos elementos formais do título apresentado. Por essa razão, não há propriamente defesa do oficial no procedimento, nem necessidade de que ele venha a fazer-se representar por ad­vogado O procedimento, assim, se dá por meio da apresentação de petição inicial

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328 CAUTELARES ESPECÍFICAS

que, admitída pelo juiz, ocasionará a oitiva do oficiai do protesto, para que preste informações - e não defesa. Nas informações, deverá o oficial apontar as razões que o levaram à recusa do protesto, a fim de serem ponderados pelo magistrado.

O prazo de tais informações, à mingua de previsão especifica no Código, deve ser aquele fixado paia as cautelares inominadas (art, 802 do CPC), ou seja, de cinco dias Colhida essa resposta do oficial, deverá ser ouvido o Ministério Público ~ por se tratar de procedimento de jurisdição voluntária (art. 1.105 do CPC) - caben­do então ao juiz proferir sua sentença,. A sentença poderá ordenar o protesto - se entender ilegítima a recusa - ou confirmar a dúvida do oficial, caso em que restará definitivamente inviabilizado o protesto do título. Em ambos os casos, a conclusão da sentença será transcrita no instrumento do protesto.

16.3 A apreensão de título

Os arts. 885 a 887 do CPC tratam de outro procedimento ligado aos ti tidos mercantis, de natureza completamente distinta do procedimento de dúvida acima estudado , Este novo procedimento não envolve debate com o oficial do protesto, mas com algum dos sujeitos envolvidos na relação representada pelo título.

Este segundo procedimento tratado juntamente com o protesto diz respeito à apreensão de títulos sonegados ou não restituidos. Seu emprego dírige-se à obtenção do título que estava em posse do emitente, do sacado ou do aceitante - em casos, res­pectivamente, por exemplo, de pagamento do título sem a sua entrega ao devedor ou de entrega do título ao sacado ou ao aceitante para promover o aceite, sem devolução ao credor - normalmente para fins de prova do pagamento (no primeiro caso) ou para viabilizar a ulterior execução do titulo ou seu protesto (nos demais casos),

A previsão desse procedimento de apreensão - e da viabilização do protesto sem o título - já era contemplada no art. 412 do Código Comercial (revogado pelo Decreto legislativo 2.044, de 1908), que estabelecia que “se acontecer que o sacado, tendo ficado com a letra em seu poder para aceitar ou pagar, se recuse à sua entrega a tempo de poder ser levada ao protesto, será este tomado sobre outra via, ou em separado se a não houver, com essa declaração; e poderá proceder-se a prisão contr a o sacado até que efetue a entrega da letra”. O mesmo preceito foi repetido pelo Re­gulamento 737 (art, 376) e, de forma parecida, no art 732 do Código de Processo Civil de 1939,

O grande diferencial desse procedimento é a previsão, ainda hoje existente, da prisão civil do réu que não restitui ou sonega o título (ar t, 885, segunda parte, do Código), A viabilidade do emprego dessa técnica coercitiva no sistema atual é am­plamente controvertida e, por isso mesmo, será objeto de exame em apartado..

De todo modo, o procedimento em questão não constitui espécie de medida cautelar, tratando-se de providência satisfativa, obtida em demanda de cognição plena (e não sumária), Com efeito, a apreensão de título, ainda que se preste para que o

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PROTESTO E APREENSÃO DETÍTULOS 329

credor possa, de posse do título, tomar providências para realizar seu direito (efetuar o protesto ou iniciar execução) não exige referibilidade a essas outras medidas, nem tem por único propósito proteger essas outras formas de tutela do direito de crédito,. Por isso, evidencia-se sua autonomia e seu caráter satisfativo, desnaturando~a como medida cautelar

A regulamentação da medida é pobre no Código. Este decidiu focar-se na questão da prisão, tratando de modo muito sintético o restante do procedimento,. Por isso, a este procedimento deverá ser aplicado o regime geral das providências cautelares, exposto na parte geral do Livro III do Código,

Assim, a inicial da medida de apreensão do título será elaborada com obser­vância dos requisitos expostos no art. 801 do CPC (à exceção da exposição da “lide e seu fundamento”, já que aqui o Código trata das medidas genuinamente cautelares, que exigem referibilidade com a pretensão assegurada),

Apresentada a petição, poderá ser concedida medida liminar-não exatamente para ordenar a prisão do réu renitente, mas para ordenai a imediata apreensão do título discutido, com a eventual entrega ao demandante, acoplando-se a essa ordem o meio coercitivo adequado, O Código não prevê de modo expresso a possibilidade de concessão de medida Ümínar (especialmente da liminar inaudita altera parte), mas ela é inerente a todo sistema processual, sobretudo quando estiver presente a urgência (urgentíssima) que ímponha a outorga imediata do provimento ou quando a ciência pelo réu da existência da demanda puder frustrar a sua efetivação (ar t, 804 do CPC) Por outro lado, parece evidente que a liminar ~e também a sentença -não se destina especificamente à decretação da prisão do resistente, mas à ordem de entrega do título sonegado ou não restituído.. A prisão civil, no caso, constitui meio de indução par a impor ao requerido o cumprimento da ordem judicial, A ordem sempre será a entrega do titulo que constitui o objeto do processo. Por isso, não se cogita de eventual excesso na outorga da providência initio li tis ou no curso do procedimento, desde que as circunstâncias evidenciem a presença de caso excepcional de perigo de dano ou em que a ciência prévia do requerido possa frustrar a efetividade do comando judicial,,

A medida liminar poderá ser deferida de plano ou após justificação prévia E o que se extraí do contido no art.. 885 do CPC, que prevê a concessão da prisão civil (rectius, da ordem de restituição sob pena de prisão civil) de imediato - “se o por tador provar, com justificação ou por documento, a entrega do titulo e a recusa da devolução”.

Concedida ou não a liminar, o processo seguirá com a citação do requerido para que, querendo, possa impugnar a pretensão do autor, O prazo de resposta do réu deverá ser aquele previsto para o processo cautelar - ainda que a presente medida não possua essa natureza - ou seja, de cinco dias (art. 802 do CPC). A contestação poderá versar sobre qualquer tema pertinente - seja ao titulo, seja ao crédito que lhe é adjacente - e poderá vir somada ao depósito da quantia estampada no titulo (somada ao valor das despesas do requerente),.

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3 3 0 CAUTELARES ESPECÍFICAS

O depósito cm questão, que pode ou não acompanhar a resposta do réu, tem, além de seus efeitos comuns,3 um propósito específico Esse depósito funciona como óbice à decretação da prisão do requerido, ainda quando a demanda de apreensão tenha sido julgada procedente (art, 8 8 6 ,1, do Código)., Por outras palavras, feito o depósito, ainda que o magistrado conclua que o título efetivamente deve ser en­tregue, não poderá valer-se da prisão civil para impor a ordem de apresentação do documento, De todo modo, feito o depósito e havendo, na contestação apresentada pelo réu, impugnação quanto ao crédito cujo título é pleiteado pelo autor, determina o Código que o valor consignado fique retido até o trânsito em julgado da sentença (art 887) Parece evidente exagero essa cautela do Código,, Isso porque é sabido que nem a apelação cm processo (que obedece ao procedimento) cautelar, nem os recursos extraordinários têm efeito suspensivo, de modo que, entregue o título ao credor, pela efetivação da sentença ou na pendência de recurso iilteriormente interposto, nada impede que o credor, de posse do título, ajuize sua execução E, em promovendo essa execução, ainda que provisória, obviamente, poderá penhorar o crédito depositado, recebendo-o de pronto (na medida em que os embargos à execução não têm mais, em regra, efeito suspensivo) Não bastasse isso, poderia haver expressa concordância do réu com esse levantamento - por exemplo, para evitar futura execução ou para eliminar a mora-ainda que prosseguisse na ação para demonstrar o acerto na retenção do título,, Nesse caso, obviamente, não teria sentido exigir o trânsito em julgado para autorizar o levantamento do valor.

Oferecida ou não a contestação do réu, haverá espaço para a colheita de provas, a fim de permitir às partes a demonstração da legitimidade ou ilegitimidade da retenção ou da sonegação Finalizada a colheita de provas, caberá ao juiz decidir a causa.,

A sentença aqui proferida tem natureza idêntica à dos provimentos emanados com base no art 461 do CPC Será, portanto, executiva - em que o juiz ordenará ao oficiai de justiça que apreenda o título e o apresente nos autos podendo assumir conteúdo mandamental, seja no caso da decretação da prisão, seja quando forem empregados outros meios de indução Note-se que, em regra, a sentença (e também a liminar) será executiva, atribuindo o juiz ao oficial de justiça a localização do título e sua entrega ao autor da demanda, mediante o competente mandado de busca e apreensão Porém, não se logrando encontrar o título ou havendo outro motivo que assim o recomende, poderá o juiz servir-se das técnicas de indução (coercitivas e de sanção premiativa) para impor ao próprio réu o dever de entregar o título que está em sua posse

A sentença desafiará apelação, que não terá, porem, em regra efeito suspensivo (art , 520, IV, do CPC) Poderá, todavia, ser deferido esse efeito, em caso de risco de

3 Por exemplo, o depósito pode retirar :i exequibilidade do título, se integral, ou pode servir como penhora, em ukerior execução, para imprimir efeito suspensivo aos embargos do devedor eventualmente interpostos

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PROTESTO E APREENSÃO DE TÍTULOS 331

dano irreparável e em havendo plausibilidade na tese sustentada no recurso (art 558, parágrafo único, do CPC).

16.4 A prisão civil e os outros meios de indução no procedimento de apreensão

Observou-se acima que os provimentos que tutelam a apreensão de título po­dem ser munidos de técnicas de indução, a fim de obter o mais prontamente possível a satisfação da ordem de entrega do título , Embora em regra a sentença do juiz deva determinar a busca e apreensão desse documento - porque se trata de meio mais idô­neo e com o menor sacrifício ao requerido - casos haverá em que esse caminho ou se mostrará inútil ou não será recomendável, em razão das dificuldades que envolveria 4 Em tais situações, será necessário recorrer a técnicas de indução, capazes de impor ao próprio réu a determinação de entrega do título.

O Código de Processo Civil alude, especificamente, no que se refere à presente medida, ao emprego da prisão civil como técnica coercitiva para a entrega do docu­mento., Não há menção ao uso de outros meios para tanto.. Porém, a interpretação sistemática do Código induz à conclusão de que qualquer meio coercitivo é utilizável ~ até porque todos os outros são menos gravosos ao requerido - para impor ao réu o cumprimento da determinaçãojudicial, Seriam,portanto, aplicáveis aqui os preceitos contidos nos arts. 461 e 461-A do CPC, integralmente, até porque se está diante de clara determinação de prestação de fazer/dar (entregar o título),

Desse modo, poderia o juiz, ao ordenar a entrega do titulo, impor ao réu comi- nação de multa diária, de restrição a direito ou de outra sanção abarcada na previsão genérica contida no art. 461, § 5 ° ,do Código,5 Em último caso, poderá também, ao menos segundo o que diz o Código, impor prisão civil ao réu resistente (arts., 885 e 886).

Como se sabe, é amplamente controvertida a possibilidade de impor a prisão civil como meio coercitivo, sobretudo em razão da dicção do art. 5.°, LXV7I, da Constituição da República. A questão se torna ainda mais delicada em razão da internalização de tratados internacionais (a exemplo do Pacto de São José da Costa Rica) ainda mais restritivos do que a previsão constitucional.,

Há, hoje, franca corrente jurisprudencíal que compreende por inviável a decre­tação da prisão civil do depositário infiel. O Supremo Tribunal Federal se inclina por

■' Seriam exemplos desses casos ode ocultação do título ou o do elevado custo ou a demora para a restituição do documento pela estrutura judiciária (como cm casos cm que o título está cm outro Estado ou mesmo em outro país).

5 Remete-se o leitor ao que foi escrito a respeito dessas técnicas por Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arcnhart, Execução {Curso cie Processo Civil,v. 3) Conferir tb L u iz Gui­lherme Marinoni, Tutela inihitória, p 208 e ss ; Sérgio Cruz Arenhart, Perfis da tutela inibitoria coletiva, cit., p 350 e ss

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332 CAUTELARES ESPECÍFICAS

seguir o mesmo entendimento.. A grande questão que se deve enfrentar, portanto, é: será constitucional o emprego da prisão civil como meio coercitivo?0 Especificamente no caso aqui examinado, pode essa medida ser admitida?

16 4,. 1 Contextualização do problema

O tema da prisão civil não é estranho ao debate processual nacional. Em tempo não muito distante, houve tentativa de incorporar, de modo definitivo e genérico, ao ordenamento jurídico brasileiro a prisão como técnica coercitiva, aos moldes do conternpt ofCourt do direito anglo-americano, acrescentando-se urn § 2,.° ao art. 14 do C PC .7 A proposta, todavia, não vingou, ao que parece por pressões do Governo Federal, o qual impôs a supressão da previsão 0

O impasse, porém, não sepulta a questão, já que há ainda acirrado debate em torno do tema. Em regra, a doutrina nacional entende impossível a utilização generalizada da prisão civil como meio de coerção, invocando para tanto a anterior­mente mencionada regra constitucional que só autoriza duas hipóteses de prisão civil Ressalvadas as duas situações expressamente previstas no texto constitucional, entende-se normalmente como inaplicável o uso da prisão civil como técnica co­ercitiva, Com efeito, a regra presente no art, 5 °, LXVTI, da Constituição Federal parece ser bastante clara ao preceituar que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel’. Reafirmando esta mesma ordem de ideia, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ratificada pelo Decreto Legislativo 226/91),9 bem como a Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, ratificado pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo 27/92),10

6 Sobre essa questão, o texto a seguir praticamente reproduz o que foi escrito em ensaios anteriores V., a respeito, Sérgio Cruz Arenhart, A prisão civil como meio coercitivo, Instrumentos de coerção e outros temas de direito processual civil ~ Estudos em homenagem aos 25 anos de docência doprofessor Dr. Araken de Assis, coordenação José Maria Rosa Tesheiner, Mariângela Guerreiro Miihoranza e Sérgio Gilberto Porto, p . 633 e ss .; idem, Direito eprocesso-Estudos em homenagem ao Desembargador Norberto Ungaretti, coordenação Pedro Manoel Abreu e Pedro Miranda de OÜveira,p 839 ess,

7 Ada Pellegrini Gfinover, Paixão e morte do conternpt ofeourt brasileiro (art. 14 do Código de Processo Civil), Direito processual-Inovações e perspectivas— Estudos em homenagem ao Ministro Sáhio de Figueiredo Teixeira, coordenação Eliana Caimon e Uadi Lammêgo Buios, passim

8 Idem, p. 9.9 Dizo art 11 ,deste Pacto de 1966 que“ninguém poderá ser preso apenas por não poder

cumprir com uma obrigação contratual",lü Diz o art. 7. § 7 desta Convenção que “ninguém deve ser detido por dívidas Este

principio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”

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PROTESTO E APREENSÃO DE TÍTULOS 333

estabelecem restrições a esta limitação da liberdade, sendo ainda mais rigorosos, Esta última convenção, com efeito, tem sido alvo de constantes debates, em doutrina e jurisprudência, que pretendem estender a garantia da inviabilidade da prisão civil, colocando como única exceção o caso dos alimentos, e excluindo a possibilidade da prisão civil do depositário infiel.

Como alternativa à inviabilidade do uso da prisão civil no ordenamento brasi­leiro -para além dos casos expressamente admitidos no texto constitucional - surge tendência, doutrinária e jurisprudência!, de recorrer à prisão criminal, uma vez que o desatendimento à ordem judicial pode ser considerado como crime de desobediência (art. 330 do Código Penal), ou prevaricação (art,. 319 do Código Penal), ou ainda outro tipo penal específico ( v g , o tipo penal do art, 10 da Lei 7.347/85) 11

Por outro lado, os defensores da viabilidade do emprego da prisão civil como técnica coercitiva respaldam-se em interpretação restritiva do art, 5 LX V II, da CF, concluindo que, por meio daquele dispositivo, somente a prisão pai a o adimplemento de dividas é proibido, de modo que seria sempre possível o uso do mecanismo para compelir alguém a cumprir ordem judicial,

No que interessa à prisão de que trata o Código de Processo Civil ao disciplinar a medida de apreensão de titulo ora examinada, seria possível encontrar fundamento para sustentar as três opiniões. Poder-se-ia cogitar da inconstitucionalidade da pre­visão da prisão civil, de modo que os preceitos em questão não teriam sido recepcio­nados pela atual Constituição da República,12 Seria também possível sustentar que a prisão de que tr ata o dispositivo tem natureza criminal.. Finalmente, seria admissível a conclusão de que o preceito trata de hipótese de prisão civil compatível com a ordem constitucional atual, por diversas razões, a serem adiante examinadas. Antecipa-se que a opinião aqui defendida é a última, mas para tanto é necessário perpassar’ pelas demais conclusões.,

16A..2 A admissão daprisão criminalco?n fins coercitivos13

E sabido que a pena possut - ao menos na ótíca da doutrina majoritária - duas funções: a repressiva e a preventiva. Ainda que prepondere a primeira função, sob o aspecto preventivo (que aqui interessa) a reprimenda criminal serve para dissuadir o indivíduo de transgredir certa regra. Supõe-se que a ameaça de sofrer a sanção criminal faz com que o indivíduo comporte-se da forma esperada pelo legislador e evite a atitude reprovada socialmente, A partir deste ponto de vista, a sanção crimi­

11 Sérgio Cruz Arenhart, A prisão como meio coercitivo, c i t , p 634.u Na verdade, sob esse prisma, seria a admissão dessa prisão civil até mesmo inconsti­

tucional em seu nascimento, porque incompatível com a ordem constitucional vigente da cpoca em que o Código de Processo Civil foi editado

13 Sobre o assun to, v. tb , Sé rgio Cruz Are nhart, Perfis da tutela inibitóna coletiva, cit., p 386-388. Idem, A prisão como meio coercitivo, cit , p . 6.36 e ss.

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3 3 4 CAUTEL ARES ESPECÍFICAS

nal apresenta-se como mecanismo dc coerçao, já que consubstancia ameaça de uma reprimenda, no intuito de obter de alguém certa conduta..

Inúmeros procedimentos na legislação brasileira recorrem a esta medida objetivando empregá-la como técnica coercitiva.. Apenas como exemplos, pode-se mencionar o mandado de segurança1'1 e a ordem de exibição de documento ou coisa (art . 362 do CPC)., Em ambos os casos, protege-se a decisão judicial com a ameaça dc reprovação criminal pela violação daquela.,

Também em relação à medida aqui examinada (a ação de apreensão de título) seria possível sustentar que a prisão tratada pelo art., 885 não representa caso de prisão civil, mas sim de evidente punição criminal. Isso em razão do que prevê o art. 886, III, do CPC, a dizer que é causa de cessação da prisão o fato de não ter sido “iniciada a ação penal dentro do prazo da lei”.

Os autores que sustentam o descabimento do emprego da prisão civil fora dos casos expressamente previstos no texto constitucional muitas vezes defendem o recur­so à prisão criminal como alternativa à inviabilização desse outro caminho.. Em regra, sustenta-se que a autorização constitucional da prisão civil é excepcionalíssima, por agredir diretamente garantia fundamental das mais preciosas (a liberdade individual). Por outro lado, o descumprimento de ordem judicial conduz a conseqüência própria, expressamente designada e reprimida pelo direito penal, não havendo justificativa para trazer esse pr oblema para o combate por sanção civil 1S Afirma-se que a proteção da autoridade do juiz se dá por via da sanção criminal, não se podendo recorrer aos meios de coerção cíveis

Não há dúvida de que a reprimenda cr iminal se presta para a proteção da auto­ridade estatal (aí incluída a jurisdicional)., Porém, não parece que esta figura consiga desempenhar adequadamente a função de meio de pressão psicológica adequado a obter a satisfação de prestação Ainda que o temor em sofrer a punição criminal possa desempenhar função coercitiva ~ o que, aliás, se vê pela prática em relação aos vários provimentos judiciais que se valem dessa medida para obter do réu o cumprimento de certa ordem - essa sanção está longe dc ser técnica adequada para a imposição de ordens judiciais, especialmente se consideradas as características do sistema penal nacional e a forma de imposição desta sanção no regime brasileiro..

Inicialmente, é preciso lembrar que a sanção criminal (como meio coercitivo) somente tem efeito antes de sua imposição, já que, uma vez violada a ordem, deve a sanção ser efetivada, sem que se possa retirá-la em vista do ulterior cumprimento da determinação pela parte, Assim, se a parte já descumpriu a ordem judicial, a prisão de

^ Ver a respeito, Sergio Ferraz, A execução da sentença em mandado de segurança: anotações, 0 processo de execução - Estudos em homenagem ao professor Alcides de Mendonça Lima, especialmente p 339

15 Joel Dias Figueira Júnior, Comentários ao Código de Processo Civil, v.. 4, t 11, p. 245 e ss

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PROTESTO E APREENSÃO DE TÍTULOS 335

cunho criminal perde totalmente sua condição coercitiva, passando a assumir caráter exclusivamente punitivo (já que a pessoa deve sofrer a prisão, pelo prazo estipulado pela lei penal, ainda que venha ulteriormente a cumprir o comando judicial, ou a repor as coisas em seu estado anterior16),

De outra parte, a manifesta tendência do direito penal em reduzir o emprego da sanção restritiva de liberdade aos casos estritamente necessários, bem como a dificuldade em se obter ou em se manter a prisão em flagrante em delitos como estes (sem violência) tornam pouco crível que a medida consiga realmente exercer o papel coercitivo em questão. Some-se a isso a demora no processo judicial necessário à aplicação da pena e a facilidade com que se consegue esquivar de sua incidência17 e a conclusão será fácil: a prisão criminal não constitui medida coercitiva adequada, ao menos para a normalidade dos casos.

Com efeito, na atualidade é quase inviável obter a prisão em flagrante pelos delitos que têm por finalidade a proteção das decisões judiciais. E que, em razão da pena imposta a tais ilícitos, estão eles sujeitos ao regime dos Juizados E speciais . No procedimento previsto para tais infrações (designadas de menor potencial ofensivo), prevê a lei que, se o réu se comprometer no termo circunstanciado a comparecer à audiência, não poderá ser preso em flagrante 18

Inquestionavelmente, esta peculiaridade do procedimento destas infrações tor­na ainda mais inadequado seu uso como técnica coercitiva para obter o cumprimento de ordem judicial Ademais, é sabido que, em razão da quantidade de pena corporal imposta a esses crimes,deverá ela, em regra, ser substituída por alguma forma de pena alternativa (que, em regra, se traduz em multa ou prestação de serviço à comunidade). Enfim, não se pode esquecer que mesmo essa pena alternativa só será aplicada, res­salvada a hipótese de transação penal, depois de longo e garantístico processo penal, tornando ainda mais remota a incidência da sanção Essas três características, a toda evidência, demonstram que a prisão criminal em caso de desobediência não passa, ao menos na maioria dos casos, de mera ilusão, que jamais se concretizará, mesmo após flagrante desrespeito à ordem judicial

Finalmente, deve-se lembrar que, ainda que se pudesse obter a prisão em flagrante em tais casos, dificilmente esta constrição seria mantida por muito tempo E que, nos termos do que prevê o Código de Processo Penal (art 310, parágrafo

u’ Eventualmente, este comportamento pode, quando muito, reduzir a pena. atribuída ao réu, conforme prevê o art.. 16 do Código Penal..

17 Pense-se nas penas alternativas, na possibilidade de suspensão condicional do processo penal, na transação penal c ainda nu reai possibilidade de prescrição da pretensão cxecutória do Estado, em razão do quantum da pena corporal cominada pelos tipos penais em tela

18 E o que prevê o art.. 69, parágrafo único, primeira parte, da Lei 9 099/95 (com a redação que lhe deu a Lei 10.455/2002): “Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediata­mente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança"

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3 3 6 CAUTELARES ESPECÍFICAS

único), não se deve manter a prisão em flagrante nos casos em que não se decretaria a prisão preventiva (art. 312). Esta, por sua vez, só é admitida para a proteção da ordem pública, da ordem econômica, para a conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. Ora, dificilmente será possível enquadrar a situação daquele que deixa de obedecer ao comando judicial em um destes casos, de modo que é praticamente nula a possibilidade de se manter a prisão em flagrante acaso realizada.

Cotejando todos esses elementos, conclui-se que é remota a possibilidade de usar com sucesso esta técnica como meio coercitivo adequado. Ainda que a ameaça de punição criminal se mantenha pelo estigma que carrega e pelo componente negativo que gera no senso comum, é certo que sua eficácia a isto se limita, havendo meios muito mais eficazes de obter o cumprimento das decisões judiciais.

Reduzindo ainda mais o potencial coercitivo dessa medida, deve-se ainda recordar a atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que se inclina a inviabilizar a aplicação de sanções criminais quando a decisão haja expressamente cominado outra punição para o seu descumprimento ou quando a lei não preveja abertamente outra conseqüência.19 Mais que isso, entende-se ilegal a ameaça, postapor juízo cível, de prisão em flagrante para o caso de descumprimento da ordem judicial.20 Toda esta orientação jurisprudencial - restritiva ao uso das sanções criminais como mero elemento de apoio ao cumprimento de decisões civis - tende a inviabilizar-seu uso para proteger as decisões emanadas de juízo civil

Em razão de tudo isso, vê-se que, não obstante seu relevante papel coercitivo- representado pela péssima impressão deixada em relação àquele que responde por ação penal ou que está (ou esteve) sujeito a uma sanção criminal - não é a prisão criminal um mecanismo indicado para a proteção de decisões cíveis.

19 Nesse sentido, ver STJ, 5 .» T , H C 22721/SP, rei. Min. Felix Fischcr.D/C/30,06.2003, p. 271; STJ, 5,3T , RHC 12130/JV1G, rei. Min Edson Vidigal, DJU IS 03 2002, p. 276; STJ, 5 :l T , HC 16940/DF,rei Min Jorge Scartezzini, £)/£/18 11 2 0 0 2 ,p 243

30 Nesse sentido é o seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça: “ Haheas corptis. De­terminação de prisão em flagrante para o caso de desobediência à determinação judicial relativa à restituição de valores depositados em fundos de investimentos.Juizo cível, Inadmissibilidade. Constrangimento ilegal configurado.. Ordem concedida 1 A decisão proferida por juizo cível, no sentido de que se efetue a prisão em flagrante da pessoa responsável pela agência bancária, caso ainda persista o descumprimento da determinação judicial reiativa à restituição de valores depositados em fundos de investimentos, por crime de desobediência, constitui constrangimento iiegal.2 Essa modalidade prisional-prisão em flagrante - c incompatível com a prévia determi­nação por escrito da autoridade judicial. Inteligência dos arts. .301 e 304 do CPP e art 5 ", LX3I, da C F 3 Embora compreensível a vontade do magistrado, no exercício da jurisdição cíveí, de querer ver satisfeita em sua plenitude a prestaçãojurisdicional, a ameaça efetiva de prisão, quando não se tratar das hipóteses de depositário infiel e devedor de alimentos, configura ilegalidade, por ausência de previsão legal. 4, Ordem concedida” (ST J, 5 .a T , HC 42896/TO , rei Min. Arnaldo Esteves Lima, D JU 2 2 .06 2005, p. 323).

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PRO T ESTO E APREENSÃO DE TÍTULOS 3 3 7

Sobretudo no caso em exame, há evidência de que não se trata aqui de prisão de ordem criminal. O argumento eventualmente usado pela doutrina, fundado no previsto no art. 886, III, do Código (ao aludir expressamente à ação penal) não tem cabimento. Isto porque a regra indicada somente tem por objetivo indicar que, por ser o fato, além de ilícito civil, também considerado crime (art 168 do CP) deve ser provocada a atuação da jurisdição criminal para que se possa, se for o caso, legitimar a prisão do requerido sob outra perspectiva (a penal). Em razão disso, sustenta~se que a duração da prisão civil preconizada pelo art. 885, em questão, se admitida como constitucional, só deve durar pelo prazo que seria adequado para o ajuizamento de ação penal.21

Não cabe, portanto, confundir a prisão admitida pelo art., 885 do CPC com alguma hipótese de prisão criminal que poderia ser decretada pelo juízo cível. A prisão em questão, desse modo, tem nítido caráter civil (e, assim, coercitivo), o que remete à discussão sobre a constitucionalidade da medida,

16 4.3 Da prisão civil com o meio coercitivo

Ao contrário do que sucede com a prisão criminal, a pr isão civil não pretende ter conteúdo retributivo, nem caráter ressocializador. Sua finalidade é exclusiva­mente coativa, tendente a estimular o ordenado ao cumprimento da determinação judicial,22 Não há, pois, preocupação em punir o renitente, mas apenas em compeli-lo ao cumprimento.

Essa característica da prisão civil, por divorciar-se da tradicional função puni­tiva, tem sido responsável por insistente hermenêutica restritiva ao seu uso. Consi­dera-se que - por não visar à punição de alguém que viola bem valioso paia a ordem jurídica23 - a finalidade da prisão civil, consistente apenas em obter o cumprimento de certa prestação, é menos nobre e por isso nâo merece, salvo raríssimas exceções (todas contempladas pelo texto constitucional), lançar mão de sanção tão grave como a restrição da liberdade individual,.

21 Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários ao Código de Processa Civil, cit ., p 41822 Como observa Araken de Assis, tratando da prisão civil do devedor dc alimentos,"sem

visar a retribuição do mal praticado, nem a recuperação do agente, tem essa espécie de custódia caráter meramente compulsivo e não penal, pelo que os benefícios da proccssualística criminal, no particular, inaplicam-se” (Araken de Assis, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 9, p. 450} Neste sentido, ver José da Silva Pacheco, Tratado das execuções - Processo de execução, v 2, p. 554; Alvaro Villaça Azevedo, Prisão civil por dívida, c i t , p 52 e ss ; Pinto Ferreira, Comentários à cons­tituição brasdtira,v 1, p . 195; Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra da Silva Martins, Comentários à Constituição do Brasil, v. 2, p. 306 Em sentido mais amplo, a propósito da distinção entre a sanção civil e a penal, ver Alessandra Pekelis, 11 diritto come volontà costante, p. 122 e ss.

33 Que, pelo seu valor, é protegido pelo direito penal, com suas sanções severas e seu caráter agressivo,

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3 3 8 CAUTELARES ESPECÍFICAS

A discussfio a respeito da tendência, da legislação infraconstitucional, em limitar a prisão civil exclusivamente a um único caso reacendeu a polêmica sobre a ampliação do campo desta sanção para outros casos que não os taxativamente indi­cados na regra constitucional (com a recepção das convenções internacionais antes referidas). Com efeito, o entendimento hoje dominante de restringir a prisão civil somente ao débito alimentar, tornando-a inaceitável no caso do depositário infiel (ao menos contratual), por conta do texto do Pacto de São José da Costa Rica, faz ainda mais imprescindível examinar se em outros casos (a par desses dois) a prisão seria admissível.

V;de recordar que um dos argumentos utilizados pe!a doutrina para admitir o emprego da prisão civil no caso do art 885 do CPC foi exatamente o de compreender que aquela hipótese versava caso particular de depósito (interpretado em seu sentido ampIo)>cle modo que estaria admitida pelo texto constitucionala prisão em tela25 Por óbvio, a prisão daquele que não entrega o título, como ordenado pelo juiz, não pode ser qualificada como hipótese de violação de depósito O possuidor do título não é seu depositário, de modo que a equiparação é manifestamente forçada.

Por isso, impõe-se enfrentar de modo preciso a questão de fundo do problema, ou seja, ponderar se a Constituição da República somente autoriza a prisão civil para os dois casos mencionados no seu art 5.°, LXV7I (hoje, mais especificamente, só para o devedor de alimentos) ou se há outras hipóteses em que essa técnica coercitiva é utilizável.

E possível antecipar a conclusão para a questão posta no sentido da admissibili­dade do uso desse me io em outros casos Para legitimar esta conclusão, é imprescindível notar que a Constituição Federal não proíbe toda e qualquer forma de prisão civil, Na realidade, o texto oferecido pela Lei Maior é explícito em tratar, exclusivamente, de certo tipo de prisão civil, a “por dívida"’, não sendo esta hipótese equiparável a toda forma de prisão civil26 Argumento semelhante usava Pontes de Miranda, debruçado sobre a regra, aqui estudada, do art 885 do Código de Processo Civil, na vigência

21 Esse entendimento, embora não tenha sido corroborado de modo conclusivo pelo Supremo Tribunal Federal, encontra franco apoio dessa Corte. De fato, no julgamento do Recurso Extraordinário 466.343/SP, iniciado em 22 de novembro de 2006, há atualmente sete votos no sentido de entender inconstitucional a prisão civil do alicnante liduciário e do depositário infiel Embora o julgamento ainda não esteja concluído, há aceno claro para a tendência de aceitar a visão já sedimentada hoje na doutrina e em grande parte da jurisprudência Note-se de todo modo, que a tendência manifesta é em aceitar a inconstitucionalidade da prisão do depositário contratual, não se estendendo o entendimento para o depositário judicial (ver, nesse sentido, STF, 1„3T.., RH C 90.759/M G , rei Min Ricardo Lcwandowski, D JU 2 2 06 2007, p.. 41; STF, 1 aT , H C 84 484/SP, rei. Min Carlos Britto, R T J 196, p 240)

2> Nesse sentido, ver, entre outros, josé de Moura Rocha, Exegese do Código de Processo Civil, cit ,p 454..

2t' Sérgio Cruz Arenhart, A prisão como meio coercitivo, cit , p 639 e ss

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PROTESTO E APREENSÃO DETÍTUL-OS 339

da Constituição Federal pretérita 27 Uma coisa seria vedar a prisão civil por divida pecuniária; outra, totalmente diversa, seria inviabilizar a prisão como meio coerci­tivo, imposto ao réu que se recusa a cumprir determinação judiciai Uma prisão (a por dívida) se presta para a obtenção indireta do adimplemento de uma obrigação privada; a outra representa reação do Estado contra o desprezo demonstrado pelo réu em atender às suas ordens. 28

Diante disso, a presença da expressão “por dívida” no texto constitucional, como parece ser evidente, não pode ser desconsiderada. Não é admissível, com efeito, simplesmente ignorar este elemento, como se não existisse, e como se a regra cons­titucional proibisse qualquer espécie de prisão civil. Se o preceito é claro em limitar sua disciplina à prisão civil por divida^ não há dúvida de que não está a Constituição Federal tratando de qualquer espécie de prisão civil, mas apenas àquela ligada a ccrtas situações que o constituinte resolveu ligar à ideia de “dívida”.29

Nesse passo, vale lembrar que a limitação da prisão civil por dívida é tradicional no direito brasileiro, não sendo inovação da Carta Constitucional de 1988. Já nas Ordenações Afonsinas o direito luso-brasiieiro tratava da prisão civil por dívidas ctvis (Livro IV, Título LXVII), autorizando-a até o pagamento da dívida Prescrevia a regra que a prisão deveria ser evitada se o devedor tivesse como pagar {use tiver per honde pagar'), ressalvada a hipótese de má-fé, estipulando ainda que, em caso de au-

27 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, t.. XII, p 449. Segundo o autor, "o que a Constituição proíbe e a pena de prisão por não pagamento de dívidas, de multas ou de custas, e não a prisão como meio para impedir que o que tem a posse imediata de algum bem sc furte à entrega dcle"(ob cit t p 449; idem, Comentários à Constituição de 1967 ~ Com a emenda n 1, de 1969, t V, p 264) Este também parece ser o entendimento de Carlos Maximiliano (Comentários à Constituição brasileira - 1946, v 3, p 165), ao considerar ser desumano privar a liberdade de alguém apenas por não ter dinheiro para pagar suas dívidas, e ainda deThemístocles Brandão Cavalcanti {A Constituição Federal comentada, v 3, p 248)

Com este fundamento, pode-sc mesmo a sugerir a possibilidade da prisão civil comomeio de coerção, dizendo que “não cerrado imaginar que, em alguns casos, somente a prisão poderá impedir que a tutela específica seja frustrada A prisão, como forma de coação indireta, pode ser utilizada quando não há outro meio para a obtenção da tutela especifica ou do resultado prático equivalente. Não se trata, por óbvio, de sanção penal, mas de privação da liberdade tendente a pressionar o obrigado ao adimplemento” (Luiz Guilherme Marinoni, Novas linhas do processo civil, p 87-8S) Admitindo ainda a prisão civil como meio de coerção, ver Ada Peliegrini Grinover, Paixão e morte do contempt ofeourt brasileiro (art 14 do Código de Processo Civii), cit , espe­cialmente p. 8; Marcelo Lima Guerra, Execução indireta, p. 242 e ss ; Rogéria Fagundes Dotei, A crise do processo de execução, Gênesis - Revista de Direito Processual Civil, v 2, p 386/387; Elton Venturi, A tutela executiva dos direitos difusos nas ações coletivas, Processo de execução e assuntos afins, coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier, p 171, nota n 12; jorge de Oliveira Vargas, A pena de prisão para a desobediência da ordem do juiz cível, Gênesis - Revista de Direito Processual Civil,, v. 3, p.. 797 e ss ; Sérgio Shimura, Efetivação das tuteías de urgência, Processo de execução, coordenação Sérgio Shimura eTeresa Arruda Alvim Wambier, p. 674-675

M Sérgio Cruz Arenhart, A prisão corno meio coercitivo, cit , p 641 e ss

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3 4 0 CAU T ELARES ESPECÍFICAS

sência de malícia, não deveria o juiz decretar a prisão civil senão após a condenação do réu por sentença transitada em julgado.. Semelhantes previsões foram inseridas nas Ordenações ManueÜnas (Livro IV,Titulo LII) e nas Filipinas (Livro IV, Títu­lo LXXVI),, Em todos estes preceitos, vê-se a preocupação em proibir-se a prisão por dívidas quando não houvesse malícia no inadimplemento (salvo após sentença transitada em julgado); após a sentença, dever-se-ia iniciar pela execução sobre o patrimônio do executado, mas não havendo patrimônio, seria admissível a prisão do devedor até o pagamento da divida.30 Nota-se das regras mencionadas, a intenção de disciplinar não a prisão civil cmgeral, mas apenas a prisão para o cumprimento de dividas (obrigações), Quanto à prisão para outros fins, não havia nenhuma limitação tratada pela regra em comento,

A mesma preocupação demonstrada pelas Ordenações - em tratar apenas da prisão por dividas - foi manifestada pela Constituição brasileira de 1934 No art 113, n. 30, deste diploma, previa-se que “não haverá prisão por dívidas, multas ou an ­tas”. Também nas Constituições de 1946 (art, 141, § 32), 1967 (art. 150, § 17) e na Emenda de 1969 (art.. 153, § 17), é possível encontrar preceitos semelhantes, proi­bindo a prisão civil por divida, multa ou custas, excetuada a hipótese do depositário infiel ou a do responsável pelo inadimplemento de obrigação alimentai'. Vê-se, então, que a preocupação em tratar da prisão por dividas, multas ou custas é que sempre permeou a mente do constituinte, Jamais houve a intenção de disciplinar a prisão civil em geral, mas apenas a de li mitar a prisão civil para a obtenção do pagamento de divida, multas ou custas, ante a responsabilidade patrimonial atrelada a esta espécie de obrigação, que torna esta via mais simples e rápida para a satisfação desta espécie de prestação 31

Aliás, esta mesma intenção é observada nos tratados internacionais-dos quais o Brasil é signatário - comumente usados para invocar a proibição do uso da prisão civil para além do caso dos alimentos. O Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos), em seu art. 7 °, § 7.°,expressamente se limita a tratar da prisão civil por dívidas, proibindo que alguém possa ser preso por este motivo. Da mesma forma,e ainda mais enfaticamente, estabelece o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966 (ratificado pelo Decreto Legislativo 226/91), em seu art 11, que ninguém pode ser preso pela única razão de não poder satisfazer uma obrigação contratual Note-se, com efeito, que este último documento, depositado na Organização das Nações Unidas, foi assinado e ratificado, dentre outros países, pela

30 Conforme pre viam as Ordenações Lilipi nas, “e sendo o devedor conde nado por sentença que passe cm cousa julgada, faça-se execução em seus bens.. E não lhe achando bens que bastem para a condenação, seja preso, e reteúdo na Cadea até que pague. Porém, dando iugar aos bens na forma que por Direito deve, será solto, como se contem no Titulo 74: Dos que fazem cessão de Uns" (Livro IV,Titulo LXXVI, 1).

31 Sérgio Cruz Arenhart, A prisão como meio coercitivo, cit., p.. 642

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PROTESTO E APREENSÃO DE TÍ TULOS 3 4 1

Alemanha (em 23 de março de 1976),pelo Reino Unido (em 20 de agosto de 1976)32 e pelos Estados Unidos (em 8 de setembro de 1992), países que sabidamente usam da prisão civil como técnica coercitiva..

Ora, é curioso que tais países, que também internalizaram os tratados indicados, convivem pacificamente com a prisão civil, sem que lá se ponha objeção semelhante à existente no direito nacional. Ou a interpretação por eles dada aos tratados é restrita demais, ou a hermenêutica brasileira é que se apresenta por demais ampla.

De toda sorte, parece razoável concluir que a indicação presente nos tratados internacionais (referente à prisão por dívida ou à prisão por obrigação contratual), bem como a expressão “por dívida” presente nos diversos diplomas nacionais, de­vem ser interpretados de forma significativa, restringindo a proibição de prisão civil apenas para tais casos, ou seja, em relação a dívidas ou obrigações contratuais. Não há, portanto, no direito brasileiro, limitação quanto ao uso da prisão civil em outros casos, Não fosse assim, seria difícil de justificar o uso da prisão civil na Alemanha e nos Estados Unidos que, como visto, apresentam em sua legislação a mesma restrição existente no Brasil

Ante todo este panorama,pode~se concluir que realmente há respaldo suficiente pai a emprestar legitimidade a esta forma de coerção, Posta esta premissa, tem-se por certo que a proibição constante no texto constitucional - e reproduzida nos tratados internacionais de que o Brasil é signatário - não se refere a toda forma de prisão civil Não é isso que a Constituição Federal proíbe, mas apenas certos tipos de prisão civil, especificamente aquela dita “por dívida”

O problema que realmente se põe é saber a extensão da expressão “por dívida”. Isto porque não se pode interpretar literalmente este vocábulo, já que isto se chocaria com a regra constitucional em questão, se examinada como um todo De fato, vem de Ovídio Baptista da Silva a arguta objeção à interpretação literal da expressão “por dívida”, constante do art, 5.°, LXVU, da CF.33 Segundo o mestre gaúcho - que exa­minava a passagem de Pontes de Miranda antes referida (sobre o art 885 do CPC)- é inaceitável a tese deste autor, no sentido de que a Constituição Federal apenas vedaria a prisão por dívidas. Isto porque, segundo o processuaiista do Rio Grande do Sul,‘ e verdade que a Constituição se refere à prisão por dívidas’, mas, ao mencionar as exceções que abre ao princípio, alude a um caso de dívida monetária, ou comumente monetária, que é a obrigação alimentar; e a outro, que absolutamente não se confunde com essa espécie de obrigação, que é a prisão do depositário infiel Se a prisão por dividas que não fossem monetárias estivesse sempre autorizada, não faria sentido a exceção constante do texto constitucional para o caso de depositário infiel”.34

32 O Reino Unido foi o único dos paises arrolados a colocar ressalva ao art. 11 (referente à prisão civil), ao assinar o tratado, indicando que não aplicaria essa regra em Jersey: Todos os demais paises mencionados aceitaram integralmente o comando.

33 Ovídio Baptista da Siiva, Do processo cautelar, p. 535.3-1 Idem.ibidem.

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342 CAUTEL ARES ESPECÍFICAS

O argumento trazido pelo autor impressiona, mas não a ponto de negar a possibilidade de interpretar a Constituição Federal de forma a autorizar a prisão civil como técnica coercitiva generalizada.. Ainda que seja verdade que uma das hipóteses contempladas pela Carta Magna não se refira a espécie de dívida propriamente dita (prisão do depositário infiel), é de se observar que ambas representam situações de prisão excepcional em casos de nítida relação obrigacional,35

A prisão do depositário infiel, ressalvado o questionamento já referido, a pro­pósito de sua manutenção no ordenamento atual (que poderia mesmo descartar esta espécie de prisão como legítima, no panorama vigente), possui cunho estritamente obrigacional (arts. 627 a 652 do Código Civii brasileiro)36 O mesmo se diga em relação à obrigação de prestação alimentícia Guarda ela nítido caráter obrigacional,

35 Sérgio Cruz Arenhart, A tutela inibitória da vicia privada, p 210-211; idem, Perfis da tutela imbitória coletiva, c it, p 390-392.

36 Aliás, questiona-se hoje com grande afinco a possibilidade de prisão civil no caso de alienação fiduciária, exatamente porque se entende que neste caso o contrato não eqüivale a qualquer vínculo público. Neste sentido, encontram-se inúmeros arestos do Superior Tribunal de Justiça, descaracterizando a legalidade da prisão civil no caso de alienação fiduciária, tendo por base o Decreto-lei 911/69 Apenas a título de exemplo, veja-se o teordo acórdão proferido pela 6 a Turma do STJ, no julgamento do Recurso cm Habcas Corpus 95 0004288/RJ (rei M in Adhemar Maciel, D/í/19 06 1995, p 18 750), que tem como ementa:“ConstitudonaI Prisão civil Habeas corpus Alienação fiduciária em garantia.. Interpretação do art 66 da L ei 4 728/65 [artigo revogado pela Lei 10 .931/2004], alterado pelo Decreto-lei 911/69, em face do ;trt 5 o, LXVI1, da Constituição em vigor. Crítica à jurisprudência firmada ao tempo da ordem constitucional caduca (art 153, § 17 [da CF/1969]). Recurso conhecido e provido I - O paciente celebrou um contrato dc alienação fiduciária em garantia O bem (veiculo) não foi encontrado em poder do fiduciante.. Seu registro não constava do Detran A credora fiduciária ajuizou uma ação de busca e apreensão, mais tarde transformada em ação de depósito Houve trânsito em julgado O juiz determinou a prisão civil do devedor 1 1 -0 instituto da alienação fiduciária em garantia se traduz em uma verdadeira aberratio kgis: o credor fidueiário não é proprietário; o devedor fiduciante não é depositário; o desaparecimento involuntário do bem fiduciado não segue a milenar regra da 'resperit domino sito Talvez pudesse configurar em ‘penhor wie traditwne rei', nunca em ‘de­pósito* O legislador ordinário tem sempre compromisso com a ordem jurídica estabelecida Na verdade, o que a lei (Decreto-lei 911/69, ao alterar o art 66 da L MC [ar tigo revogado pela Lei10 931/2004]) fez fos reforçar a garantia contratual mediante prisão civií, o que contraria toda nossa tradição jurídica, que tem raízes profundas no sistema jurídico ocidental. A ‘prisão civil por dívida do depositário infiel’ do art.. 5 o, LXV1I, da Constituição, só pode ser aquela tradicional (art 1 265 do CC [de 1916; ver arts 627 c 628, caput, do CC/2002]) 111 - Recurso ordinário conhecido c provido” Ainda nesse sentido, veja-se STj, 6 3 T.., HC 95 0003545/DF, re! Min Adhemar Maciel, DJU 18.12 1995, p. 44 .620; STJ, 6.aT., HC 95 0003206/SP, rei Min . Vicen­te Leal, DJU 05 06 1995, p. 16.686; STJ, 6.aT., RHC 96 0005372/RJ, rei.. Min Luiz Vicente Cemicchiaro,DJUQA 11.1996,p 42 526; STJ,5 »X,HC97.0005618/RJ,rcl.Min.CidFIaquer Scartczzini, D JU 08 09.1997, p 42.525; STj, Ó.»T , RHCP 96 000564S/MG, rei Min Luiz Vicente Cernicchiaro, DJU25.05 1998, p 151

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PROTESTO E APREENSÃO DE TÍTULOS 3 4 3

seja quando derive de vínculo de família, seja quando tenha por pressuposto a repa­ração por ato ilícito? !

Desta forma, embora correto Ovídio Baptista da Silva, quando objeta que as situações previstas na Constituição não se limitam a tratar de dívidas pecuniárias, não se conclui, com esta assertiva, que a prisão civil esteja em todo caso proibida., Ambas as situações versadas como exceções à regra constituem espécies de obrigações, e esta é a medida que se deve adotarparabem entender o texto constitucional. A alusão feita pela Constituição Federal, portanto, para “prisão civil por dívida” parece pretender significar a impossibilidade de prisão civil que tenha origem em vínculo obrigacional, A menção a “dívida”, no texto constitucional, é empregada no sentido leigo de débito, vinculada, portanto, a certo conteúdo obrigacional da prestação.30 E esta a prisão que é vedada, salvo nos casos (ou no caso, se se considerar inconstitucional a prisão do depositário infiel) expressamente designados pelo texto constitucional Em sentido semelhante, aliás, já previa o aludido Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, em seu art., 11, como dito anteriormente.39

À interpretação aqui sugerida seria possível levantar a objeção de que ela, praticamente, repete a opinião de Pontes de Miranda, alterando apenas a ideia de dívída pela noção de relação obrigacional. Isto porque assim como o depósito não pode ser caracterizado como dívida, também há na legislação nacional hipóteses de depósito que não possuem natureza obrigacional (a exemplo do depósito legal ou do judicial). Desse modo, porque a Constituição Federal proíbe, como exceção àprisão "por dív ida’, a hipótese do depósito em geral e não apenas o contratual, a hermenêutica aqui sugerida não seria adequada, Incidiria, portanto, a opinião aqui defendida na mesma crítica formulada por Ovidio Baptista da Silva à tese original de Pontes de Miranda, como acima visto,

37 Sergio Crux Arenhart, A prisão como meio coercitivo, cit ., p 646-64738 Resta mantida, poís, neste âmbito, a essência da lição de Pontes de Miranda, que pres­

crevia, ainda na vigência da Constituição Federal dc 1967 - que dispunha, cm seu art 153, § 17 que “não haverá prisão civi! por dívida, multa ou custas, salvo o caso do depositário infiel ou do responsável pelo inadimplemento dc obrigação alimentar, na formada lei", cm previsão, portanto, muito parecida com a atual- que “a prisão civil por inadimplemento de obrigações, que não sejam pecuniárias, é sempre possível na legislação Nâo a veda o texto constitucional.. Outrossim, em se tratando de obrigações que não sejam de dívidas no sentido estrito (e g., depósito, comodato, fidúcia real), nem de multas ou de castas" (Comentários à Constituição de 1 9 6 7 - Com a emenda n 1, de 1969, cit, p 266) Não havendo, pois, o fundamento cm dívida (- obrigação), é sempre viável a prisão civil como meio coercitivo

y> Sergio Chiarioni, neste passo, apresenta a ideia, presente no Código Civil napoleônico, dc que a impossibilidade de a pessoa serconstrangida a prestar fato decorre da preocupação, assente no direito francês da época, de que a privação da liberdade como meio de pressão constituiria “une violence qui nc peut pas être un mode dexécution des contrats’’(Sergio Chiarioni, Misnre coercitive e tutela dei diritti, p.. 90)

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Ao que parece, todavia, precisamente aqui reside a diferença entre as duas óticas, de forma a revelar a superioridade da interpretação aqui sugerida sobre aquela outra, posta por Pontes de Miranda De fato, é evidente que as regras incluídas no Código Civil também aludem ao chamado depósito necessário (incluindo aí o depósito legal), que não possui caráter obrigacional, Todavia, como acentua o art, 648 do Código Civil, o depósito legal ~ imposto por determinação de lei, e, portanto, sem caráter obrigacional - não é equiparado ao depósito comum, regendo-se por disposições específicas ,'t0 Quanto ao depósito por calamidade (também sem caráter obrigacional), também este sofre certa adaptação no regime jurídico tradicional, não se equiparan- do, portanto, ao depósito obrigacional (art. 648, parágrafo único, do Código Civil), Por conta disso, parece ser inquestionável concluir que o direito brasileiro autoriza diversos regimes jurídicos para o depósito, não se podendo, por conseqüência, reduzir todos ao regime padrão (previsto para o depósito obrigacional),

E dizer que o depósito necessário não deve, obrigatoriamente, sujeitar-se ao mesmo regime previsto para o depósito convencional. E isso se dá exatamente por­que u natureza daquele depósito não se confunde com a natureza do depósito contratual, Esta conclusão deve valer, também, para a questão da prisão civil, mesmo porque em relação àquela modalidade de depósito, não haverá em situação nenhuma qualquer modalidade àc. prisão civrlpor dívida

Em síntese, é verdade que nem todo depósito é obrigacional, mas é indiscutível também que há depósitos de cunho obrigacional E precisamente para a proteção destes depósitos que a lei proíbe o recurso à prisão civil. Os depósitos com outras natu­rezas não ficam abrangidas pela norma proibitiva do art. 5„0, LXVII, da Constituição Federal, autorizando sua tutela por meio desse mecanismo de coerção. Esta parece ser a única interpretação razoável para harmonizar os vocábulos “divida”e “depositário”,

10 O Superior Tribunal cie justiça tem reiteradamente estabelecido diferenças eficaciais entre o depósito contratual e o judicial Assim, decidiu aquela Corte: “liabmscorpus Prisão civil Depositário infiel 1 A prisão civil quesofre restrições é adecretada em razão de descumprimento de cláusula contratual 2 A prisão civil do depositário infiel, que no exercício de muntts público não apresenta o bem sob sua guarda, enseja aplicação da Súmula 619/S T F' 3. OPacto de SãoJosé da Costa Rica, ao qual aderiu o Brasil, não reprova a prisão de quem descumpre ordem judicial. 4 Habeas corpus denegado’’ (2 a T.,HC 23540/MG, rei Min Eliana Calmon, DJU1QQ2 2003,p 174). Identicamente, em outro aresto, consignou aquele Tribunal que: "Recurso em habeascorpus Prisão civil. Depositário iniiel 1 .A prisão civil sofre restrições quando decretada em descumpri­mento de cláusula contratual 2 Diferentemente, a prisão civil do depositário que exerce munus público decorre do fato de não atender o paciente à ordem judicial 3. Recurso irnprovido” (2.3T , RHC 1312 l/SP, rei Min ElianaCa!mon,D/f/21.11.2005,p 172). Do mesmo modo,o Supremo Tribunal Federal, ainda que tenha sedimentado o entendimento de que a prisão civil do deposi­tário é ilegai em qualquer modalidade de depósito (Súmula Vinculante n.. 25) vinha anteriormente indicando que essa ilegitimidade se restringe ao depósito convencional, não abrangendo o depósito judicial (ver, nessa linha, STF, l .aT , RHC 90 759/MG, rei, Min Ricardo Lewandowski, DJU22 06 2007, p. 41; STF, 1 aT , HC 84.484/SP, rcl Min. Carlos Britto, R TJ196, p 240)

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contidas no dispositivo constitucional em estudo . Qualquer outra hei menêutica suge­rida ou escorregará para o excesso - desconsiderando a proibição da prisão civi] ~ ou para o descaso com a redação dada ao texto constitucional. Recorde~se a propósito que não é legitima a interpretação que simplesmente desconsidere a existência da palavra “divida" posta na redação da garantia constitucional em questão ,'u É evidente que a argumentação aqui apresentada não pode deixar de mencionar que o Supremo Tribunal Federal, por meio da Súmula Vinculante n. 25, já solidificou entendimento diverso. Segundo aquele tribunal, “é ilicita a prisão civil de depositário infiel, qual­quer que seja a modalidade do depósito”.Todavia, o entendimento manifestado não parece ser aquele que melhor se harmoniza com a legislação nacional (especialmente de ordem constitucional), nem com os critérios do direito internacional. Por isso, em que pese a inviabilidade atual dessa tese najurisprudência, o argumento mantém ainda toda a sua coerência.

Por outro lado, não se deve negligenciar o fato de que, ao menos em processo civil, aquilo que não se dá a uma das partes está sendo atribuído ao outro polo da relação processual,, Se, pois, sob a justificativa de vedação constitucional, é negado a alguém (que recorre ao judiciário com pleito que somente pode ser protegido por ordem acoplada a prisão civil) este meio de coerção, confere-se ao outro sujeito - que violou (ou pretende violar) o interesse do primeiro - a liberdade para violar o direito do requerente. Ou seja, para a preservação ilimitada da liberdade individual, está-se sacrificando, ao menos em certos casos, o direito de acesso ao Judiciário, também garantido constitucionalmente (art. 5.°,XXXV, da CF). Fazer, pois, vistas grossas ao texto constitucional em sua integralidacle é atribuir-lhe significado distinto daquele que desejaria ele veicular,limitando, indevidamente, o campo de atuação de legítimo meio de coerção.

Sob esse prisma, o tema em questão precisa harmonizar-se ao regime geral das garantias fundamentais processuais Não pode, portanto, a proibição de prisão civil pairar como única garantia posta 710 texto constitucional Deve essa previsão harmo­nizar-se com os demais preceitos de igual status, o que impõe a avaliação casuística do processo, com a adequação de todos os princípios a cada caso particular. Não há, assim, hierarquia entre tais preceitos, o que elímina a possibilidade de ver, na vedação apresentada pelo art. S,°, LXVII, da CF, restrição peremptória e indiscutível. Em conta disso, é, ao menos em tese, possível o uso da prisão civil, desde que se faça isso para tutelar outro direito fundamental,. Por se estai diante de uma colisão de direitos

Corno salienta KonradHessc,“onde o intérprete passa por cima da Constituição, ele não mais interpreta., senão ele modifica ou rompe a Constituição" (KonradHcsse, £/<:;?««tos dê direito constitucional da República Federal da Alemanha, tradução da 20, ed. alemã por Luís Afonso Heck, p 69-70) Não é dado ao intérprete negar, simplesmente, função a qualquer palavra, sobretudo posta em garantia constitucional.

42 Sérgio Cruz Arenhart, A prisão com o meio coercitivo, c i t , p. 6 48-649 .

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3 4 6 CAUTELARES ESPECÍFICAS

fundamentais, não se pode dar a nenhum deles, apriori, valor absoluto B Com efeito, havendo a necessidade de harmonizar este conflito, cumpre concluir que “a prisão deve ser vedada quando a prestação depender da disposição de patrimônio, mas permitida para a jurisdição poder evitar-quando a multa e as medidas de execução direta não se mostrarem adequadas - a violação de um direi to” Z'1

Em conta de tais argumentos, parece correto concluir que não poderia existir óbice geral à prisão civil no ordenamento jurídico nacional.. A medida é constitucional, salvo nos casos em que tenha por finalidade a proteção de relação obrigacional, de modo que, ao menos cm tese, é possível o seu uso para a proteção de garantias funda­mentais Cumpre recordar que o direito brasileiro autoriza em outros casos a restr ição da liberdade individual para fins estritamente civis (que também não se amoldam às exceções previstas na regra constitucional do art.. 5 °, LXVTI, da CF

No direito português, o art. 629, n„ 4, do Código de Processo Civil prevê, apoia­do no art .27, n„ 3?/, da Constituição da República Portuguesa, a condução coercitiva da testemunha faltosa .'b Neste caso, a própria Constituição admite a limitação da

43 Nas palavras de Marcelo Lima Guerra, u[i]nsista-se, portanto, que o uso de prisão civilé capaz defavorecera realização de outros direitosfundamentais, o que consiste em forte argumentoem favor da ‘tese ampliativa’. Assim, como medida coercitiva de eficácia comprovada, a prisãocivil favorece, desde logo, o direitofundamentalà tutela executiva Além disso, se a própria situaçãomaterial - vale dizer, o crédito a ser satisfeito in executivis - também consistir na expressão sub­jetiva de algum direito fundamental, como por exemplo, a proteção ao meio ambiente, à saúde, àprivacidadc,ã integridade física e à própria vida do credor, esses outros valores reforçam a defesa,sempre na perspectiva do caso concreto, do uso de prisão civil" (Marcelo Lima Guerra, Direitos

fundamentais e a proteção do credor na execução civil, p 136) Diante disso, conclui o mesmo autorque “por tais razões, acredita-se racionalmente justificada a opção por atribuir à expressão ‘dívida’o sentido de ‘obrigação pecuniária’, aderindo a aqui chamada ‘tese ampliativa’ Tal decisão estámetodologicamente justificada, por ser resultante do uso de uma interpretação especificamente constitucional, adequada à teoria dos direitos fundamentais e às peculiaridades específicas dasnormasjusfundamentais como mandamentos de otimtzação - as quais, repita-se, não se compadecem com soluções que privilegiam, absoluta e abstratamente, qualquer direito fundamental - assim como está também //w^ntf/WH/Vjustificada por permitir uma maior proteção a todos os direitosfundamentais que possam estar envolvidos numa situação concreta,onde se discuta o cabimento ou não de prisão civil, fora das hipóteses do inciso LXV1I do art 5 ° da C F” (Marcelo LimaGuerra, Direitosfundamentais e a proteção do credor na execução civil, cit , p 136)

''l Luiz Guilherme Marinoni, Técnica processual e tutela dos direitos, p.. 29315 “ Veja-sc a compulsão da testemunha a depor: o juiz pode ordenará testemunha faltosa

sem justificação que compareça sob custódia (art 629 °, n 2 [n 4], do Cód. Proc. Civ., redacção do Dec -lei 368/77) A testemunha é, assim, compelida a vira tribunal, afim de cumprir o seu dever de depor, sendo mantida sob custódia no tribunal para e apenas ate ser prestado o seu depoimento. A constitucionalidade da privação da liberdade da testemunha é hoje claríssima, face à al e) do n. 3 do art 27.° { ú j ) do n.. 3 do art. 27] da Constituição, introduzida pela lei constitucional n 1/82, de 30 de Setembro” (joão Calvão da Silva, ob. cit, p 388, nota de rodapé 710).

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liberdade individual para preservar a autoridade da jurisdição e o efetivo e adequado funcionamento do processo civil.

Outro exemplo que se pode recordar é o da prisão administrativa para fins de deportação (art 61 da Lei 6.815/80) 16 Como se sabe, a deportação não está calcada na prática de crime pelo estrangeiro, podendo ser imposta diante da sim­ples entrada ou estada irregular do estrangeiro em território nacional (art, 57 da lei mencionada). Não se trata, pois, de prisão criminal, mas administrativa e, assim, de caráter civil Embora seu caráter claramente civil, e em que pese não estar ela albergada pelas exceções do art-, 5.°, LXVII, da CF, também é esta prisão franca­mente aceita e praticada, não havendo questionamentos de peso em relação à sua constitutionaiidade.

Estes exemplos, e outros tantos que poderiam ser trazidos, demonstram franca­mente a admissão no direito brasileiro do uso da restrição à liberdade individual como técnica coercitiva. Embora a ideologia dominante possa frear a admissão desta técnica, não há razão jurídica plausível para impugnar sua legitimidade constitucional.

Advirta-se, por fim, que, embora viável, a medida deve sempre ser deixada como último recurso, cabível apenas naquelas hipóteses em que se mostre como o único meio ídôneo a obter a proteção da ordem judicial referente ao direito tutelado, Como se verá a seguir, existem critérios a serem seguidos pelo aplicador do direito no momento de determinar qual o meio coercitivo que deve ser usado para cada caso concreto,

Um destes critérios é, sem sombra de dúvida, o menor sacrifício ao requerido, razão pela qual sua prisão somente se justificará quando nenhum outro mecanismo surta efeito na situação especifica. Tendo por base a premissa de que a admissão da prisão civil tem por suporte interpretação fundada nos direitos fundamentais, é imprescindível convir que essa técníca somente pode ser aplicada apoiando-se nos critérios (e suberitérios) da proporcionalidade, Assim,apenas diante do caso concreto será possível determinar a superação da vedação contida no art., 5.°, LXVII, da CF, com a prevalência da tutela de outro direito fundamental, e somente quando aquela for a única forma de fazer prevalecer este outro interesse Tratando-se, como é evi­dente, da técnica mais restritiva possível a direito fundamentai, só se justifica o uso da prisão civil quando não houver outra alternativa (outro meio coercitivo) cabível no caso específico, capaz de dar efetividade à ordem judicial 17

Por essa razão, não se pode admitir a utilização da prisão civil como meio co­ercitivo para impor a entrega de título, na medida aqui estudada, nos casos de dupli­cadas mercantis ,'18 Isto porque, sendo possível ao titular da cár tuia emitir outra via do

'u‘ Art 61, caput. “O estrangeiro, enquanto não se efetivar a deportação, poderá scr reco­lhido à prisão por ordem do Ministro da Justiça, pelo prazo de 60 (sessenta) dias"

1,7 Sérgio Cruz Arenhart, A prisão como meio coercitivo, cit.., p. 652 ess48 Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários ao Código di Processo CivU, cit, p.. 414

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3 4 8 CAUTELARES ESPECÍFICAS

documento (a tripli cata), não se justifica tamanha lesão à liberdade do réu para obter a satisfação da prestação devida Se é possível obter a mesma prestação (ou prestação com idêntica finalidade) por outra via, nada justifica a restrição à liberdade do réu Do mesmo modo, descabe a decretação da prisão sempre que houver pluralidade de exemplares ou de cópias do título, pelas mesmas razões ,‘!9

De outra banda, a admissão da prisão civil como técnica coercitiva impõe a avaliação da eficácia da medida para atingir o objetivo desejado. Desse modo, como segundo princípio para a utilização da prisão civil, deve-se considerar se o mecanis­mo é hábil para obter a prestação deter minada pelo juiz. Por ísso, por exemplo, se o requerido já está preso, torna-se evidente a imprestabilidade da técnica para forçar o réu a obedecer ao comando judicial. Dever-se-á, então, lançar mão de outro meio para a proteção da decisão do magistrado,.

Como observado anteriormente, em que pese o silêncio da lei -justificável em razão do momento de sua edição - é hoje perfeitamente aplicável à ordem de entrega de títulos o regime dos meios coercitivos e sub-rogatóxios dos arts. 461 e 461-A do CPC. Por isso, pode o juiz limitar-se a determinar a busca e apreensão do titulo não entregue ~ se isso for idôneo pai a a finalidade esperada - ou então pode valer-se dos meios de pressão desenhados naqueles dispositivos (a exemplo da multa coercitiva ou da restrição a direitos), sem ter de recorrer ao decreto de prisão civil

Aprisão, por conta disso, resta mesmo como última medida, somente justificável quando falharem todos os outros meios - sub-rogatórios ou coercitivos - disponí­veis ao magistrado para impor o cumprimento de sua ordem. Embora, então, não se descarte seu uso, é certo que não é a prisão civil medida normal na ação de entrega ou restituição de titulo, mas sim técnica excepcional, somente admitida quando as circunstâncias do caso concreto denunciarem ser inútil qualquer outra medida.

,v Idem, p.414

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17As Medidas do Art. 888 do CPC

Sumário : 17.1 Observações introdutórias - 17 2 Regime jurídico das medidas do art,. 8 8 8 ~ 17 3 As medidas do art. 8 8 8 em espécie: 17,3,1 Obras de con­servação em coisa litígiosa ou judicialmente apreendida; 17 .3 ,2 Entrega de bens de uso pessoal do cônjuge e dos filhos; 17,3.3 Posse provisória de filhos;17.3.4 Afastamento de menor autorizado a contrair casamento contra a von­tade dos pais; 17 3,.5 Depósito de menores ou incapazes; 17.3,6 Afastamento temporário de cônjuge; 17.3,7 Guarda e educação de filhos; 17.3.8 Interdição ou demolição de prédio.

17.1 Observações introdutórias

Há grande dificuldade para classificar as “medidas’1 do art 888 Além de não possuírem natureza cautelar, elas têm características heterogêneas.

As medidas do art. 888 não se destinam a assegurar a efetividade de outra tutela ou mesmo uma situação jurídica tutelável, Nelas não há instrumentalidade ou referibilidade assecuratória a uma tutela do direito ou a uma situação tutelável Por ísto nâo se baseiam em perigo de dano e não têm como pressuposto o fumus boni iuris,,

Pense-se, por exempla, na medida de “entrega de bens de uso pessoal do côn­juge e dos filhos”, descrita no art, 888, I I Piá aí referibilidade a outra tutela a que a entrega de bens se destina a assegurar? Não havendo referibilidade, existe razão para exigir a probabilidade do direito e o perigo de dano para a obtenção dos bens de uso pessoal?

E evidente que a entrega de bens não se destina a assegurar o direito à dissolu­ção do casamento ou mesmo a acautelar uma situação jurídica tutelável mediante a dissolução do casamento A medida de entrega de bens realiza o direito à obtenção dos bens e, assim, a situação jurídica que lhe é subjacente é tutelada e não assegurada,,

Mas tal medida também não configura uma tutela antecipatória, ou seja, uma tuteia que é antecipada, com base em probabilidade, em virtude de perigo de dano, A tutela é final, embora possa ser antecipada em razão de perigo, conforme preceitua o parágrafo único do art. 889.

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3 5 0 CAUTELARES ESPECÍFICAS

A medida dc entrega de bens depende de um procedimento formalmente sumário, estruturado com base nos arts.. 801,802 e 80.3 do Código de Processo Civil (art SB9,caput, do CPC). Este procedimento permite a prestação da tutela satisfativa de entrega de bens dc uso pessoal, sem que, para obtê-la, seja necessário invocar outro direito a ser assegurado c o perigo de dano.

Porém, as medidas do art., 888 teriam alguma característica essencial capaz de lhes permitir uma identificação comum? A última seção do livro do processo cautelar tem a rubrica “Dc outras medidas provisionais” (Seção XV, Capítulo II, Livro III). O termo provisional, neste caso, não tem o sentido de “provisoriedade", mas sim o de “provisão”, ou melhor, o de prover algo essencial ao entendimento das necessidades de alguém.1 E preciso observar que o termo “provisoriedade” é técnico-processual, designando o que é provisório em termos processuais, isto é, o que depende de confirmação no processo, ao passo que o termo “provisão” indica o que é suficiente para prover ou satisfazer alguém no plano do direito material.. Assim, e possível dizer que tais medidas se prestam a “tutelar provendo” uma ne­cessidade essencial.

Tais tutelas têm caráter satisfativo. O que as torna comparáveis com a tutela de segurança é apenas a circunstância de que, em alguns casos, estão inseridas em um contexto maior, ou meíhor, em um conflito de interesses mais amplo, e, em outros, simplesmente necessitam ser prestadas de modo célere.

Porém, este conflito de interesses, em que a medida provisional eventualmente se insere, certamente não é por ela tutelado.. Além disto, a tutela devida a este con­flito, assim como a situação jurídica, a ele pertinente, a ser tutelada, também não são asseguradas por tal medida

Sob esta ótica, estas medidas têm uma particular referibilidade a outra tutela, mas esta referibilidade não se confunde com a que caracteriza a tutela de segurança. Tais medi das estão vinculadas a uma outra tutela, mas não tem finalidade assegurativa e não exigem perigo de dano E neste sentido que deve ser compreendido o caput do art. 888 ao dizer que as medidas provisionais podem ser ordenadas ou autorizadas “na pendência da ação principal ou antes de sua propositura”

A trutela cautelar tem referibilidade ou ligação a uma tutela do direito a que presta segurança Ao contrário, mesmo a medida provisional que exige uma ação prin­cipal não se destina a assegurar uma tutela do direito ou uma situação tutelável, mas tem o objetivo de r í^ n im a situação jurídica relacionada a um conflito de interesses mais amplo, sem ao menos se importar com o perigo de dano

O que marca a maioria das medidas do art.. 888 é a função de regular na pen­dência do processo, em face de uma outra tutela do direito ou de uma outra situação jurídica.

1 V er Ovídio Baptista da Silva, D o processo cautelar, cit., p 5 3 3 -5 3 4

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AS MEDIDAS DO ART. 888 DO CPC 3 5 1

Contudo, como dito no início, as medidas do art. 888 tem características hete­rogêneas, não podendo deixar de ser diferençadas I-rise-se, assim, que as tutelas dos incisos II (entrega de bens de uso pessoal do cônjuge e dos filhos), IV (afastamento de menor autorizado a contrair casamento contra a vontade dos pais), VII (guarda e educação dos filhos) e VIII (interdição e demolição de prédio) do art. 888 não exigem a propositura de ação principal, esgotando-se em um procedimento autônomo, des­vinculado de um outro procedimento ou de uma outra tutela jurisdicional A medida do inciso I (obras de conservação em coisa litígiosa ou judicialmente apreendida) é sempre incidental a um processo instaurado., E as medidas dos incisos III (posse provisória dos filhos), V (depósito de menores ou incapazes castigados imoderada- mente ou induzidos à prática de atos contrários à lei ou à moral) e VI (separação de corpos) exigem uma ação principal - não porque asseguram a tutela a ser prestada no processo principal, mas porque regulam uma situação jurídica que exige a definição (a tutela) de outra situação jurídica por meio do processo principal

Porém, não são apenas as figuras dos incisos III (posse provisória dos filhos), V (depósito de menores ou incapazes castigados imoderadaniente ou induzidos à prática de atos contrários à lei ou à moral) e VI (separação de corpos) que configuram medidas regulatórias ou que proveem uma necessidade essencial A medida do incisoI (obras de conservação em coisa litígiosa ou judicialmente apreendida) tem nítido caráter regulatório, pois trata de uma situação criada pelo próprio processo ou pela Htispendência.. A medida do inciso II (entrega de bens de uso pessoal do cônjuge e dos filhos), embora não exija uma ação principal ou outra tutela, regula uma situação diante de um conflito de interesses maior que pode vir a ser discutido em uma outra ação, A medida do inciso IV (afastamento de menor autorizado a contrair casamento contra a vontade dos pais), não obstante sequer possa se preocupar com uma ação principal, regula uma situação até que o casamento do menor, já autorizado pelo juiz, seja realizado A medida do inciso VII (guarda e educação dos filhos) também é prestada em um procedimento autônomo, mas a tutela antecipada, neste caso, tem a particularidade de não exigir perigo de dano para poder regular a situação da guarda dos filhos até a tutela final Não obstante, a medida do inciso VIII (interdição e demo­lição de prédio) somente tem a característica de prover de forma célere, permitindo a demolição e a interdição em procedimento autônomo que abre oportunidade à antecipação das tutelas de demolição e de interdição .

Mas, é preciso frisar que a característica realmente comum a todas as medidas do art. 888 é a de que não têm como pressuposto o perigo de dano O próprio Có­digo de Processo Civil afirma a desnecessidade da indicação do periculum in mora para a concessão de tais medidas, ao dispor, no parágrafo único do art. 889, que, “em caso de urgência, ojuiz poderá autorizar ou ordenar as medidas, sem audiência do requerido”, Ora, tem-se claro a partir desta regra que a urgência não é requisito para a concessão da medida provisional, mas apenas para a sua outorga antes da ouvida do demandado. Não havendo urgência, a medida continua sendo devida, mas desde que respeitada a garantia do contraditório. Por tanto, a presença do periculum in mora

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é requisito apenas para a postedpaçao do contraditório, mas não para a concessão das medidas provisionais.

17,2 Regime jurídico das medidas do art. 888

A disciplina das medidas provisionais observa, como preconiza o caput do art 889 do Código de Processo Civil, o regime geral do procedimento cautelar (arts. 801 a 803 )2 Deste modo, deixa-se claro que a tutela não pode ser prestada por ato único, devendo ser fruto de procedimento hábil a garantir a adequada participação das partes em contraditório.

Todavia, a aplicação do procedimento cautelar geral não e feito de modo in­tegral, nem dispensa a adaptação das regras pertinentes à realidade das provisionais, Isto porque não se está diante de tutela cautelar, mas de tutelas que, em regra, devem tomar de empréstimo o procedimento cautelar.

Assim, embora o pleito de tais tutelas deva ser feito mediante a observância dos requisitos do art, 801 ~ além de outros, omitidos pelo art, 801, mas também imprescindíveis à petição inicial da própria ação cautelar, como o pedido, o valor da causa e o requerimento para a citação do réu (art 282, IV, Ve VII, do C PC)3 não é necessário que o autor exponha o “direito ameaçado e o receio da lesão” (art. 801, IV, do CPC), devendo este requisito ser substituído pelo expresso no art, 282, III, do CPC, que exige que a petição inicial indique “o fato e os fundamentos jurídicos do pedido”,.

Tal substituição é simples conseqüência de que a provisional não se presta a assegurar um direito ameaçado - e, assim, não exige “receio da lesão” - e de que a pe­tição inicial que lhe diz respeito não pode deixar de invocar os fatos e os fundamentos jurídicos que alicerçam o seu pedido.

De acordo com o art. 889, parágrafo único, havendo urgência é viável o defe­rimento da tutela antes da oitiva do réu. Contudo, fora dai o procedimento seguirá, no que for cabível, o regime geral do procedimento previsto para as cautelares Íno- minadas.

Dessa forma, apresentado o pedido, o réu será citado para, no prazo de cinco dias, apresentar resposta. Se necessário, o juiz designará audiência de instrução e julgamento para a colheita de provas. Não sendo necessária a audiência - ou após a sua realização - o juiz decidirá o pedido. O ato judicial que decide sobre a concessão da medida regulatória é uma sentença, desafiando, portanto, recurso de apelação.

2 Ver Parte II (O procedimento, a técnica processual e os institutos característicos à tutela cautelar), item 4 (Petição inicial)

3 VerPartelI (O procedimento,a técnicaprocessualeosinstitutos característicos à tutela cautelar), item 4 (Petição inicial).

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AS MEDIDAS DO ART. 888 DO CPC 3 5 3

O art 888, ao dizer que as provisionais podem ser concedidas “na pendência da ação principal ou antes de sua propositura”, e o caput do art 889, ao afirmar que “na aplicação das medidas enumeradas no artigo antecedente observar-se-á o procedimento estabelecido nos arts. 801 a 803”, deixam absolutamente clara a necessidade de pro­cedimento autônomo par a a outorga da medida, certamente partindo da necessidade de se permitir às partes a adequada participação em contraditório.

Por outro lado, o art. 806 do Código de Processo Civil, que exige a propositura da ação principal no prazo de trinta dias, nem sempre se aplica às provisionais. Há casos em que a ação principal não é necessária. Sublinhe-se, como já dito, que a ação principal apenas precisa ser proposta nas hipóteses dos incisos III, V e VI do art. 888. No caso do inciso I, a medida apenas pode ser requerida incidentalmente ao processo principal, Nas hipóteses dos incisos II, IV, VII e VIII do art. 888, a medida não exige qualquer ação principal, embora uma outra ação possa ser, não raramente, do interesse daquele que obteve os bens de uso pessoal.

17.3 As medidas do art. 888 em espécie

Antes de analisar, uma a uma, as medidas arroladas no art 888, convém recordar que estas tutelas dispensam a demonstração de perigo e de fumusboni iuris. Não obs­tante isto, algumas delas requerem a propositura da “ação principal”, enquanto outras esgotam a necessidade de tutela jurisdicionai, não exigindo a demanda principal.

17.3.. 1 Obras de conservação em coisa litigiosa ou judicialmente apreendida

Tomado indisponível-pela efetiva apreensão judicial ou por se converterem objeto litigioso do processo - certo imóvel, pode surgir a necessidade de se promover obras para a sua conservação,, Porém, porque o bem está afetado ao processo, reco­menda-se o cuidado de se requerer a autorização judicial par a proceder à obra, seja para evitar sanções futuras (por exemplo: conseqüências do atentado, responsabili­dade do art, 150 do CPC, ou até eventual sanção criminal) ou para autorizar futura indenização pelos gastos havidos ,

Recorde-se que o depositário tem direito de reaver as despesas com a conser­vação do bem (art. 150, in jin e , do CPC). O mesmo se aplica àquele que está com o bem, na pendência da ação, e de boa-fé realiza obras para a conservação do imóvel. Deste modo, a principal finalidade da autorização judicial é prevenir direitos ou responsabilidades de quem realizará a obra de conservação.

Tanto aquele que está com o bem - seja nacondição de proprietário ou enquanto mero depositário - como a parte contrária, a quem interessam as obras de conserva­ção, legitimam-se a postular a medida. O possuidor do bem, de forma dolosa, pode deixar de conservar o bem litigioso ou se negar a executar as obras imprescindíveis à

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354 CAUTELARES ESPECÍFICAS

sua adequada manutenção.. Nestas situações, surge à parte contrária a que está com a coisa interesse em requerer autorização para realizar as obras de conservação/'

De outro lado, a medida do art. 8 8 8 ,1, tanto pode assumir a feição de auto­rização para que o requerente realize as obras necessárias, como ainda o caráter de ordem para que o requerido execute tais trabalhos,, Deste modo, a ação pode modelar providências distintas, permitindo a veiculação de pretensões diversas em seu bojo e que, em conclusão, resultarão em conseqüência semelhante,

De fato, se o requerente for autorizado a realizar as obras necessárias, ulte- riormente poderá postular indenização se o bem, ao final do processo, não lhe for definitivamente entregue Porém, caso o requerido receba ordem para aprática destes trabalhos, terá o benefício de, ao final, receber a restituição do valor custeado, se não lhe tocava a responsabilidade pela deterioração da coisa..

O termo “obras de conservação” é empregado no art. 888,1, em sentido lato, abrangendo qualquer medida necessária para a conservação do bem ou do direito litigioso. Não são autorizadas apenas obras de pequeno porte, mais quaisquer obras necessárias à conservação do bem 3 O termo “obras” está na norma como mero exem­plo das providências admissíveis,já que outras providências- averbações, anotações ou mesmo o protesto de título6 - podem ser necessárias à preservação do interesse sobre o bem ou a fim de conservar direitos.7

A medida sempre toma cm conta uma ação em que a coisa foi apreendida ou se tornou litigiosa.. A medida não tem natureza cautelar, mas regulatória O requerente não precisa demonstrar, para poder realizar as obras para conservar a coisa ou mesmo para exigir que a outra parte as realize, a existência de perigo de dano. Além disto, a necessidade de conservação da coisa decorre simplesmente da existência do processo, não exigindo a demonstração da probabilidade do direito Para conservar ou exigir a conservação, o requerente não precisa demonstraryí/ww/wíi iuris.

17.3 2 Entrega de bens de uso pessoal do cônjuge e dos filhos

Com base no art. 888,II,ojuizpode autorizar ao cônjuge ou aos filhos o ingresso no lar - ao qual não mais têm acesso - para buscar seus pertences pessoais

Considere-se, por exemplo, ordem de afastamento do lar conjugal, dirigida a um dos cônjuges Porque o cumprimento desta determinação deve ser feito do modo

'' Neste sentido, também, Carlos Alberto AJvaro de Oliveira, Comentários ao Código dcProcesso C!ivil, cit ,p 422

5 Cf Alfredo de Araújo Lopes da Costa, Medidas preventivas, cit , p 122-1236 O protesto como “obrade conservação" é sugerido por Carlos Alberto Alvaro de Oliveira

(Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p 423).7 Cf Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil,

v 12,cit, p 457

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AS MEDIDAS DO ART 888 DO CPC 355

mais rápido possível e sem aviso prévio, normalmente sucederá que o ordenado receba a imposição sem ter tempo de levar consigo seus bens pessoais (roupas, objetos de higiene pessoal, instrumentos necessários para o exercício da profissão, documentos etc.), Apesar disto, não poderá mais ingressar na casa, sob pena de violar a ordem judiciai. A medida do art 888, II, busca simplesmente oferecer provisório e limitado acesso do requerente à morada para que possa apoderar-se de seus bens

São legitimados a pleitear a medida o cônjuge ou os filhos (se menores, de­vidamente assistidos ou representados) que estão impossibilitados de buscar seus bens, A medida também tem cabimento na hipótese de união estável, podendo ser requerida por quaisquer dos convíventes ou seus filhos,

O ju iz , para conceder a tutela, pode não apenas autorizar o ingresso no lar, mas também ordenar àquele que permaneceu na morada que entregue ao re­querente os bens de seu uso pessoal., A escolha do meio executivo dependerá não apenas do requerimento do interessado, mas, sobretudo, das particularidades do caso concreto.

Os bens de que aqui se trata são, inquestionavelmente, do requerente. Não entram na partilha, nem admitem ser outorgados a outrem em qualquer ação que discuta o desfazímento do casamento.8 A medida, assim, tem nítido caráter satisfa­tivo, não exigindo uma ação principal. Porém, quando vista em face da totalidade do conflito de interesses, a medida assume caráter regulatório, Na verdade, a natureza reguJatória da medida não deflui da necessidade da propositura da ação principal, mas da sua eventualidade, ou melhor, apenas da circunstância de a situação tutelada pela medida estar inserida em um conflito de maior abrangência

17.3.3 Posse provisória de filhos

A medida regula a necessidade de se determinar, na pendência de ação - ou antes de seu ajuizamento ~ em que se discuta a relação conjugal, quem cuidará pro­visoriamente dos filhos do casal até a decisão final sobre a questão Note-se que a medida pode ser pleiteada antes ou na pendência da ação principal, definida no art 888, III, como de separação judicial ou de anulação de casamento.

Enquanto o casal discute seus interesses, os filhos precisarão ser custodiados em princípio por um dos pais, pois, na maioria das vezes, será inviável manter a posse de ambos sobre os menores,

Embora o art 888, III, faça referência apenas às ações de separação judiciale de anulação de casamento, é inquestionável que a guarda provisória pode ser necessária e ter cabimento em outras situações, como, por exemplo, diante da ação de dissolução de união estável, já que a sua finalidade é tutelar os filhos menores

3 Verarts 1 659, V,e 1 6 6 8 , V,do CC

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A tutela pode ser requerida por qualquer dos cônjuges, pelos filhos ou ainda pelo Ministério Publico. Aliás, segundo parte da doutrina, a medida pode ser deferida de ofício pelo juiz, tendo em vista a relevância dos interesses em jogo.9

Ainda que a posse provisória seja, em princípio, deferida a um dos pais (ou a ambos, no caso de guarda compartilhada), pode ocorrer que, em caráter excepcional, seja deferida a outra pessoa (art, 1.584, parágrafo único, do CC). Por outro lado, ainda que a lei se limite a falar em posse dos filhos, é possível que o magistrado regule, de modo próprio, a situação provisória dos menores, no intuito de garantir-lhes a melhor proteção possível (art. 1..586 do CC).

Sustenta-se que, se a questão envolver a guarda de menores, refletindo na suspensão, destituição ou restrição de poder familiar, a medida adequada será a do art, 888, VIL10 Embora a fonte legal da admissão da tutela tenha pouca importância, é relevante frisar que só será possível discutir a guarda dos menores, por meio das ações reguladas no art, 888, nos estritos limites em que essa espécie de tutela tem aplicação.

A guarda provisória não dispensa a ação principal, mas não tem conteúdo cautelar. Essa medida não exige perigo de dano e probabilidade do direito à tutela a ser exigida, por exemplo, através das ações de separação judicial ou de anulação do casamento.

A medida tem caráter regulatório e a ação principal é necessária para se definir a questão a que se deu regulação provisória,. Note-se, contudo, que a ação principal pode ser proposta tanto pelo autor quanto pelo réu da ação de guarda provisória,

17,3.4 Afastamento de menor autorizado a contrair casamento contra a vontade dos pau

Dentre os poderes-deveres que compõem o poder familiar atribuído aos pais (ou a quem exerça essa função), está o de ter os filhos em sua guarda e companhia (art . 1.634, II, do CC). Por isto não pode o filho deixar a morada da família sem a autorização dos pais..

Também constitui elemento inerente ao poder familiar a autorização para o filho contrair casamento Cart.. 1..634, III, do C C ). Negada esta autorização de forma injusta, poderá o filho menor buscar o suprimento judicial (art. 1.519 do CC), que substituirá a autorização dos pais.

Sendo necessária esta medida excepcional, poderá surgir dificuldade para o filho continuar convivendo com os pais. Neste caso, diante da impossibilidade do

9 Carlos Alberto Alvaro de O li veira, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 425.,10 Idem, ibidem.

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AS MEDIDAS DO ART 888 DO CPC 3 5 7

filho simplesmente abandonar o lar, deverá solicitar ao juiz autorização para se afastar, na forma do que prevê o art 888, IV, do CPC.

Somente o filho tem legitimidade para postular a medida. Os pais ~ ou aquele que exerça o poder familiar - não dispõem desta faculdade, já que é seu dever (e não direito) manter os filhos sob sua companhia.. O fato de o menor obter judicialmente autorização para casar contra a vontade dos pais não elimina tal dever, cabendo aos pais manter o filho menor até o casamento.

Por isto, somente tem legitimidade o filho que se sinta impossibilitado de conviver com os pais depois de ter obtido autorização judicial para o casamento, O filho, porque menor, e diante da contraposição dos seus interesses com os dos pais, deverá ser assistido normalmente por curador.

Também a noiva (ou o noivo) não está autorizada a formular o pedido.. Excep­cionalmente, admite-se que o Ministério Público formule a pretensão, verificando abuso dos pais ou situação equivalente (art. 1..6.37 do CC).

Admite-se a postulação da medida de afastamento antes do pedido de su­primento de autorização para o casamento, Embora a lei aluda ao afastamento do “menor autorizado ’ a contrair casamento, não há dúvida que o pedido de afastamento pode ser necessário antes do de suprimento para evitar que, após o requerimento de suprimento, surjam retaliações ao menor,.11

Ojuiz, ao autorizar o afastamento do menor, seja já autorizado judicialmente a casar, seja antes do pedido de suprimento, deverá fixai’ o lugar em que o menor passará a viver até o casamento, E conveniente que fique com algum parente, mas, na falta deste, poderá ser posto em outro lugar, observada a maior proteção possível aos seus interesses.12

Autorizado o afastamento do menor, a inexistência do casamento ou o posterior insucesso no pedido de suprimento não impõe o retorno do menor à morada dos pais, Nesta hipótese, ficará a critério do juiz determinar as providências mais adequadas ao interesse do menor, seja restituindo-o à sua família - se houver condição para tanto e as circunstâncias o recomendarem - seja alterando o regime do poder familiar, se necessário (arts. 1. 637 e 1.638 do CC).

Deixe-se claro, porém, que a ação para a obtenção de autorização de afastamento de menor já autorizado a casar contra a vontade dos pais não requer qualquer ação principal. Entretanto, a ação de afastamento de menor ainda não autorizado exige a ação de suprimento,. O afastamento, neste último caso, não tem natureza cautelar, não solicitando a demonstração de perigo nem da probabilidade do direito à tutela de suprimento. A necessidade da propositura da ação de suprimento se liga ao dever

11 Francisco Cavalcanti Pontes cie Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, v 12,cit.,p.. 461.

!* Carlos Alberto Alvaro dc Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil, cit,, p. 426

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de quem pede afastamento do lar sob o pressuposto de que deseja casar contra a vontade dos pais

17,3.5 Depósito de menores ou incapazes

A hipótese trata do depósito de incapazes castigados imoderadamente por seus pais, tutores ou curadores, ou por eles induzidos à prática de atos contrários a lei ou a moral.

O Código Civil estabelece que o poder familiar não é um “direito” dado aos pais, e muito menos pode ser usado de maneira desmesurada,, O poder familiar constitui, substancialmente, um poder-dever, e nessa condição deve sempre ser desempenhado no interesse dos incapazes .

Por conta disto, o Código Civil proíbe que os país abusem de sua autoridade e do exercício do poder familiar, sob pena de verem restringido ou até mesmo suspenso este poder13

As hipóteses descritas no art , 888, V, representam casos extremos de abuso do poder familiar, A sanção prevista para tais condutas transcende a restrição ou a sus­pensão do poder parental, podendo levar à perda desta autoridade, conforme dispõe0 art 1,6.38,1 e III, do Código Civil

Havendo tais condutas, os pais, tutores e curadores estão sujeitos à perda do poder familiar, da tutela ou da curatela concedida Porém, a prática de tais condutas, mais do que acarretar tais conseqüências, impõe, independentemente da perda do poder familiar, da tutela ou da curatela, o “depósito” dos menores ou incapazes, ou melhor, o isolamento de um espaço em que os país, tutor ou curador não podem atingi-los ~ física ou psicologicamente Trata-se não só de restrição ao poder paren­tal, mas, acima de tudo, de uma proteção ou tutela conferida ao direito dos menores pelo art 888, V

Estão autorizados a postular essa providência o Ministério Público (art .1 637 do CC), o menor envolvido - devidamente representado ou assistido - e seus parentes.,

A caracterização dos atos de castigo imoderado ou da indução à prática de atos ilegais ou imorais constitui, por si só,periadum in mora Porém, a medida não se volta contra a probabilidade de dano capaz de fazer acreditar nopericuhim in mora, mas é fundada nas práticas ilícitas cometidas pelos pais, tutores ou curadores., Tais ilícitos são suficientes para impor a limitação do poder familiar e o depósito provisório dos incapazes em mãos de terceiros.,

13 Art. 1.637 do CC: “Sc o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a cies inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabc ao juiz, requerendo aigum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha"

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AS MEDIDAS DO ART 888 DO CPC 359

A decisão judieial deverá não apenas restringir o poder familiar, mas também regular, de modo provisório, a situação do incapaz. Assim, deverá o juiz fixar onde ficará depositado o menor - preferencialmente com algum parente seu - assim como eventuais faculdades a serem conferidas aos pais Por vezes, ainda haverá o magistrado de comunicar a infração ao juízo criminal, para eventuais medidas cabíveis

Outrossim, embora o Código de Processo Civil se limite a prever o depósito âos incapazes, poderá o juiz dar outra solução à questão, que lhe pareça maís adequada ao caso concreto, E o que resulta do art. 1,637 do Código Civil, que prevê o poder de o magistrado tomar a providência que mais convenha à hipótese, em havendo excessos como os aqui considerados.

A medida do art 888, V, não é cautelar. Trata-se de tutela que, além de não requerer a demonstração de perigo, não se baseia na probabilidade do dano, tendo como pressuposto um ilícito já ocorrido, de modo que a tutela é satisfativa Porém, a ação principal é necessária, decorrente do dever de pedir a destituição do poder familiar (ou a remoção do tutor ou do curador) após o deferimento da medida que, baseada cm conduta ilícita, restringiu tal poder, determinando o depósito provisório dos incapazes nas mãos de terceiros. A medida tem clara natureza regtdatóriay inserida na previsão genérica em estudo, porque ligada a um conflito maior.

Note-se, porém, que a não propositura da ação principal no prazo de trinta dias não impõe o retor no do m enor ao convívio com os pais. Não há qualquer eficácia “executiva” na decisão que reconhece a cessação de eficácia do “depósito” capaz de obrigar o retorno do menor ou do incapaz a sua antiga moradia. Aliás, é evidente que a volta do menor ou do incapaz tenderia apenas a acirrar a violência e a situação de instabilidade, colocando cm risco a sua integridade física. Portanto, nesta situação caberá ao juiz disciplinar a situação do menor ou do incapaz, sempre com o objetivo de lhes proporcionar a mais efetíva proteção ou tutela

17.3 6 Afastamento temporário de cônjuge

O “afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal”, prevista no art. 888, VI, corresponde à “separação de corpos”do Código de Processo Civil de1939 (art. 678), que constitui uma designação mais expressiva do que a atual,

A coabitação sob o mesmo teto é dever dos cônjuges enquanto perdurar a sociedade conjugai A “separação de corpos” objetiva impedir a caracterização do abandono do lar, da violação do dever de coabitação.

Sendo a finalidade da medida a de evitar a caracterização da violação do dever de coabitação, o cônjuge que, diante da insuportabilidade da vida em comum, deseja se afastar do lar, deve pedir autorização para tanto (art. 1,566, II, do CC). Além disto, se um dos cônjuges pretende, também em virtude da impossibilidade da manutenção

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da vida em comum, que o outro se afaste do lar, deve pedir ao juiz que ordene a este que deixe a residência do casal .1,1

Como está claro, ambas as hipóteses - autorização para sair e ordem para que o outro saia - se fundam na insustentabilidade da coabitação. A diferença essencial entre uma e outra é que a primeira tem por objetivo a obtenção de autorização paia que o in­teressado possa deixai' a morada comum sem sofrer as sanções decorrentes do abandono do lar (ar11,573, IV, do CC), enquanto que, na segunda, um dos cônjuges, para proteger seus interesses, requer uma ordem para que o outro se afaste da residência do casal.

Embora em ambos os casos o cônjuge requerente demonstre a intenção de ver suspenso o dever de coabitação, em um basta ao requerente se afastar do lar e no outro o requerente deseja ficar na residência, pretendendo que o outro cônjuge seja obrigado a sair da morada comum,.

Para tanto, não é necessário que o sujeito passivo da ordem tenha seviciado o requerente ou tenha praticado outro ato de infração aos deveres do casamento - embora tais situações sejam fortes fundamentos para a ordem de afastamento do lar-bastando que não mais exista a possibilidade de convívio. A sentença de procedência ordenará ao requerido que deixe o lar, impondo a separação fática entre os cônjuges,

Note-se que no primeiro caso não há imposição da separação de fato dos cônju­ges, o que acontece no segundo,15 E que a separação de corpos, mesmo quando impõe uma separação de fato, sempre tem conseqüência juridica, E, em verdade, sempre uma separação temporária juridua e não uma mera separação de fato,

Não é por outra razão que a medida de “separação de corpos” ou de “afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casai” pode ser requerida ainda que os cônjuges já estejam separados de fato, E que o objetivo da medida, como já dito, é o de evitar a caracterização de um estado contrário aos deveres dos cônjuges. Assim, o cônjuge que saiu de casa mantém o interesse em obter a “separação de corpos”-que, repita-se, não é simplesmente de corpos, mas sim “separação jurídica" - para que a sua conduta não seja reputada violadora dos seus deveres.

Somente os cônjuges estão autorizados a pleitear' a medida em apreço, até porque são os únicos legitimados a requerer a separação judicial (art. 1 572 do CC),i6 Todavia, entende-se que o magistrado pode determinar o afastamento de um dos

14 Há quem entenda que somente esse último caso representaria, de fato, hipótese de separação de corpos, de modo que a ou tia figura seria realmente o “afastamento temporário”. Embora a questão não tenha maior relevo, deve-se ressaltar que a legislação material (v.g , art. 1,575 do CC) emprega o termo “separação de corpos" também para designar a permissão (e não a ordem) de que o casal deixe de habitar o mesmo lugar, de modo que parece correto tomar como sinônimas as locuções empregadas para designar a medida em estudo.

15 Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil, cit, p,. 42916 Na jurisprudência, tem-se entendido que a medidaem comento não é o caminho correto

para postular o afastamento de conviventes, mas apenas de pessoas casadas Para os conviventes,

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AS MEDIDAS DO ART. 888 DO CPC 3 6 1

cônjuges da residência nos casos em que a vida em comum tenha se tornado capaz de causar violência, ou mesmo de conturbai' a paz do lar, ou, ainda, de pôr a integridade física dos cônjuges em risco.

No caso em que o requerente pede autorização para se afastar do lar, o juiz, para concedera tutela, deve apenas se convencer de que o requerente não mais deseja viver em comum. Na hipótese em que se pede que o requerido seja obrigado a se afastar e o juiz não reconhece justificativa para impor o afastamento, não há racionalidade em não se autorizar o requerente a se afastar da morada do casal, retirando-se da sua conduta a qualidade de violação do dever de coabitação. O pedido para que o requerido seja obrigado a se afastai' é, por si, demonstração de que a convivência não é possível, e, assim, ainda que não exista motivo para obrigai o requerido a sair de casa, a autorização para o requerente se afastar deve ser concedida.

A medida em questão não possui natureza cautelar . Não exige a demonstração dopericulwn in m ora- ou seja, a existência de risco de dano se acaso mantido o dever de convivência - nem ofumus boni utris, O fundamento para a separação de corpos guarda a característicada“evidência”, sendo demonstrável de plano ao juiz, Por outro lado, embora, em alguns casos, possa haver violência de um dos cônjuges, isto não é elemento de demonstração do perigo de dano, mas elemento justificador da separação de corpos. A violência ou a sua mera potencialidade são fundamentos suficientes para a separação de corpos, Não há qualquer motivo pai a se pensar na necessidade de fazer o juiz acreditar que da violência ou mesmo da sua potencialidade possa advir dano a um dos cônjuges,, Ou melhor, a violência ou o estado de violência são caracterizadores da insuportabilidade da vida em comum e não de perigo de dano.

A separação de corpos se liga a um conflito maior e a uma ação principal,17 a exemplo de futura ação de separação judicial, de anulação de casamento ou de divórcio, Tem, assim, a nítida natureza regulatória, marca característica das medidas do art,,888,. Neste caso, a ação principal pode ser proposta tanto pelo autor quanto pelo réu da ação de separação de corpos,

A ação principal deve ser pr oposta no prazo de trinta dias, sob pena de cessar a eficácia da medida de separação de corpos. Como é óbvio, tal cessação de eficácia não impõe o retorno do cônjuge ao lar e nem teria cabimento que o juiz a impusesse,, Do mesmo modo, o cônjuge que foi afastado não pode exigir o seu retorno à morada,. Lembre-se que a separação de corpos é uma separação temporária jurídica e não uma

deve-se utilizar da medida cautelar inominada (STJ, 4. aT., REsp 10113/SP,rcLMin. Sálvio de Figueiredo Teixeira, D JU 09.09.1991, p. 12.210)..

17 Caso a separação de corpos pudesse assumir caráter definitivo, independendo de ação principal,"haveríamos introduzido no direito brasileiro um tertium status, onde, havendo casa­mento válido, teria a relação matrimonial amputado um de seus elementos mais importantes, que é justamente o dever de coabitação; estado este que ficaria posto ao íado de divórcio e da separação de corpos” (Ovídio Baptista da Silva, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 1 1, cit., p, 683),

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mera separação de fato Para sair de casa o cônjuge não precisa de tutela jurídica; a tutela jurídica serve para legitimar a sua saída do lar Por outro lado, o cônjuge cjue saiu de casa em virtude da decisão não pode exigir o seu retorno ao lar, No caso de afastamento forçado, a cessação não é da eficácia da parte da decisão que impôs a saída do lar - uma vez que esta parte da decisão já produziu os seus efeitos ao obrigar o cônjuge a sair de casa - mas da eficácia da parte da decisão que suspendeu os de- veres do casamento A não propositura da ação no prazo legal faz apenas cessar esta separação temporária jurídica, tornando a separação, antes legitimada pela decisão, não mais acober tada pela jurisdição

1 7.3.. 7 Guarda e educação de filhos

A hipótese do art. 888, VII, tem semelhança com a do art 888, III, Porém, enquanto a medida de posse provisória de filhos, prevista no inciso III, tem relação com as ações de separação judicial ou de anulação de casamento, a medida de guarda e educação dos filhos do inciso VII não tem em conta outra situação jurídica que não a que diz respeito à guarda dos filhos menores.

Recorde-se que o cuidado dos filhos constitui dever fundamental, impondo-se seu cumprimento, em princípio, a ambos os pais (art, 1, 634 do CC), Com a separação do casal, tal dever não se altera, permanecendo ambos os pais com o dever de zelo e de cuidado (art , 1 63.2 do C C ),

Após a separação, torna-se difícil atribuir a ambos os cônjuges igual estatura para ditar as regras para a criação e a educação do menor, sendo muito comum a designação de um dos pais - ou, excepcionalmente, de terceiro - para o exercício desta tarefa Isto não retira do outro pai - ou de ambos, conforme o caso - o poder de interferir na criação e na educação do menor.18

Ainda que seja viável - e mesmo desejável (art, 1,632 do CC) - a manutenção da guarda cm comum, a questão pode vir a requerer tutela jiirisdicional, exigindo a definição da guarda e das linhas que ditam a maneira e a forma do seu exercício.,Trata- se de tutela que não só tem em conta tema delicado, como ainda exige decisão que deve tratar de várias situações de forma precisa, de onde deriva a sua complexidade

Note-se que a tutela não se limita a definir aguarda do menor, devendo igual­mente tratar dos poderes-deveres ligados à guarda, a exemplo da educação, mencio­nada expressamente no texto do inciso VII do art 888 Não obstante esta regra fale apenas em guarda, educação e direito de visita, o juiz deve tratar de todas as questões embutidas no exercício do poder familiar. Para tanto, tem o juiz ampla latitude de poder para atender, na melhor medida possível, os interesses do menor.

18 Por um tratamento pormenorizado do exercício do poder familiar, ver Denise Damo Comei, Do poder familiar, especialmente p 175 e ss

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AS MEDIDAS DO ART. 888 DO CPC 3 6 3

A tutela pode ser requerida pelos pais, peio menor e pelo Ministério Público (nos casos do art. 1 6.37 do CC), Uma vez que a ação do inciso VII do art.. 888 trata exclusivamente da guarda dos filhos, não podendo deixar de definir todas as questões relativas a ela, o seu procedimento é suficiente para esgotar a tutelajurisdicional, tornando desnecessária qualquer ação principai19 A particularidade desta ação- voltada à definição da guarda - é a de que ela abre oportunidade para a regulação provisória da guarda de filhos no curso da ação, sem qualquer necessidade de invo­cação de perigo.

17,3,8 Interdição ou demolição de prédio

O art. 888, VIII, trata da interdição e da demolição de prédio “para resguardar a saúde, a segurança ou outro interesse público”

No Código de Processo Civil de 19.39, a interdição e a demolição para o resguardo da saúde, da segurança ou dc outro interesse público, era objeto de ação especial, a ação cominatória. Dizia o caput do art. 305 deste Código: "Se, na inicial ou no curso de ação cominatória que intentar, a União ou o Estado ou o Município alegar urgência, verificada por perito, executar-se-á incontinenti a providência requerida, ressalvando-se ao réu, na sentença final, o direito à indenização”.,

O Código de 1973 aboliu a ação cominatória como procedimento especial e, especialmente, a possibilidade de se exigir tutela urgente no seu curso. As prestações de fazer e de não fazer passaram a ser exigidas através dc ação de procedimento co­mum, ancorada no art 287, que não permitia a concessão de antecipação de tutela nem a cominação de multa no curso do processo.. Portanto, a ação cominatória, que passou a ser requerida a partir do art. 287, não admitia a imposição de fazer ou o desfazimento de algo que não deveria ter sido feito de forma urgente, ou seja, no curso do processo de conhecimento.,

E importante lembrar que o inciso VIII do art, 888 foi acrescentado pela Câ­mara ao aprovar duas proposições iguais, subscritas pelos Deputados José Bonifácio Neto e Célio Borja, com a seguinte justificativa: “Extinguindo a ação cominatória não contém o projeto regra assimilável ã do art 305 do Código atual (jnc permita a execução urgente, imediata, de providências como a demolição de prédio em estado de ruína iminente, e outras análogas A sede própria para a disciplina da matéria é o art., 908 [tratava- se do art. 908 do projeto], que prevê medidas provisionais, de natureza cautelar, determináveis na pendência da ação principal ou mesmo antes da sua propositura.

19 “Medida Cautelar autônoma. Não havendo caráter preparatório, inaplicável o disposto no art 806 do CPC O pedido de guarda dos filhos (CPC, art 8 8 8 , VII), pode assumir, dc regra,o caráter de autonomia, independendo dc qualquer outra ação ou providência judicial” (TjRS,4 a CC, Agravo de instrumento 27.152, Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, v, 62, p, 218),

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3 6 4 CAUTELARES ESPECÍFICAS

Entre essas medidas não podem deixar de figurar as que ora se recordam, destinadas a proteger a saúde, a segurança e outros relevantes interesses públicos” .20

Como está claro, o inciso VIII do art. 888 foi instituído no Código em virtude da inexistência de técnica processual idônea a permitir a demolição e a interdição de forma urgente,. De modo que tal inciso jamaís teve a intenção de abrir oportunidade a uma tutela de segur ança (tutela cautelar), O seu objetivo foi o de permitir uma “execução (tutela) urgente”

Porém, como nesta época sequer se imaginava o que poderia vir a significar a técnica antecipatória, sendo inadmissível a antecipação da tutela ou a execução urgente no curso do processo, a única técnica processual que poderia permitir a de­molição ou a interdição urgente estaria no procedimento cautelar, que contava com procedimento acelerado, liminar e meios executivos capazes de permitir o alcance de tais tutelas.

Para não deixar a demolição e a interdição urgentes esquecidas ou entregues à ação cautelar inominada, especialmente porque o Código de 1939 reservava normas especificas (arts , 302, X I, e 305 do CPC/1939) a estas formas de tutela, o legislador instituiu o inciso VIII no art, 888, em principio insistindo para a possibilidade de a demolição e a interdição serem requeridas como tutelas cautelares.

Porém, como a ação cautelar deve ser seguida por uma ação principal (art. 806 do CPC), logo os tribunais atinaram ao despropósito de se exigir duas ações para a obtenção de uma única tutela (demolição ou interdição), passando, assim, a dispensar a ação principal nos casos em que era invocado o inciso VIII do ar t. 888,31

Na verdade, os tribunais vislumbraram, na aplicação cotidiana da regra do inciso VIII do art,. 888, a necessidade do instituto da tutela antecipatória, pois anunciaram a existência de uma ação de conhecimento como antecipação da tutela fundada em urgência,

20 Alexandre de Paula, Código de. Processo Civil Anotado, v. 3, p 558.21 Em 2 2 de junho de 1982,oTribunal de Justiça de São Paulo, através de sua 3,.a Câmara,

decidiu que a interdição de estabelecimento requerida peia municipalidade é medida de caráter satisfativo, embora regulada entre as medidas cautelares (Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Pauto, v. 79, p 280-290) O mesmo Tribunal, em 1 0 de setembro de 198.3, por intermédio da 4 a Câmara, decidiu no mesmo sentido, estabelecendo que a interdição de estabelecimento possui natureza satisfativa, sendo desnecessário o ajuizamento da ação prin­cipal (Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado dt São Paulo, v. 87, p. 269-270). A 6 .3 Câmara, em 18 de outubro de 1984, a unanimidade de votos, seg iiu a mesma orientação, afirmando que a interdição prevista pelo art. 8 8 8 , VIII, do Código de Processo Civil, é medida satisfativa, sendo impossível se cogitai'do ajuizamento de ação principal (Revista deJurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, v 92, p. 163-164). A 8 a Câmara, em 28 de março de 1984, por maioria de votos, decidiu que a interdição de prédios possui caráter satisfativo, não obstante achar-se regulada entre as medidas cautelares (Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, v. 90, p.. 239-242).

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AS MEDIDAS DO ART. 888 DO CPC 3 6 5

Em 1994, surgem os institutos da tutela antecipatória e da tutela específica, regulados nos atuais arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil. O art 461 passa a constituir o arsenal das técnicas processuais destinadas à prestação da tutela espe­cifica, albergando técnica antecipatória e meios executivos idôneos para obrigar o cumprimento de fazer ou de não fazer, inclusive meios executivos capazes de permitir o alcance do resultado que teria sido obtido caso o fazer ou o não fazer houvesse sido voluntariamente adimplido 22

Por conseqüência, a demolição e a interdição de obra passam a encontrar téc­nicas adequadas no art. 461, que permite a construção da ação adequada a tais tutelas, mediante a utilização da técnica antecipatória e dos meios executivos idôneos. Ou seja, o art. 461, ao instituir novas técnicas processuais - não obstante necessárias há décadas - colocou em desuso o inciso VIII do art.. 888, tornando-o entulho, a ser lembrado apenas para demonstrar a história da evolução do processo civil,

Além do mais, há por trás da demolição e da interdição uma questão que trans­cende a técnica processual, indo além da inidoneidade do procedimento cautelar e da necessidade das técnicas do art,. 461 para a prestação de tais formas de tutelas,.

Trata-se da importante questão da distinção entre ato contrário ao direito e dano, a qual impõe uma nova conceituação ao ilícito civil.. Sabe-se que o ilicito civil reuniu as noções de ato contrário ao direito e de dano, partindo da premissa de que o ato contrário ao direito ou o ilícito puro não tem significado quando não produz dano e levando à conclusão de que a única tutela contra o ilicito seria o ressarcimento, o que também conduziu à unificação das categorias da ilicitude e da responsabilidade civil..23

Porém, uma importante conquista da doutrina está na percepção da importância da dissociação das noções de ato contrário ao direito e de dano no plano civil e na identificação de uma tutela civil contra o ilícito - independentemente da produção de dano.2it

Ao se constatai' que o dano é uma conseqüência eventual - e não necessária ~ do ilícito, resta natural a aceitação de uma tutela contra o ilícito que não produziu dano,, Basta que o ato contrário ao direito tenha deixado efeitos concretos de natureza con­tinuada- E o caso, por exemplo, da exposição à venda de produto nocivo à saúde.

A demolição e a interdição também são tutelas contra o ilicito que deixou efeitos concretos continuados,. A obra ou a construção que viola norma que protege a saúde pública, a segurança ou qualquer outro interesse público, constitui o efeito concreto da ação ilícita e não um dano..

22 Ver neste Curso dt Processo Civil: Teoria Geral do Processo, v. 1 , cit., p. 288 e ss; Processo de Conhecimento, v. 2, cit,, p. 432 c ss; Execução, v. 3, cit, p 44 e ss,

23 Ver neste Curso de Processo Civil: Teoria Geral do Processo, v. 1, cit,, p. 250 e ss.24 Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, cit.; Sérgio Cruz Arenhart, Perfis da tutela

inibitória coletiva, cit.

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3 6 6 CAUTELARES ESPECÍFICAS

A demolição e a interdição não constituem tutela ressarcitória na forma específica O ressarcimento deve estabelecer a situação que existiria caso o dano não houvesse ocorrido. Por isto, o ressarcimento na forma específica é, em regra, somado ao ressarcimento em dinheiro para permitir o ressarcimento integral, ou seja, o ressarcimento do dano que engloba não só a alteração produzida pela con­seqüência danosa imediata do ilícito, mas também o dano acarretado cm virtude deste fato danoso.25

Já a tutela de remoção do ilícito deve apenas restabelecer a situação anterior a da prática do ilícito, eliminando ou removendo os seus efeitos concretos, sem se preocupar em ressarcir ou estabelecer a situação que existiria caso o ilícito não hou­vesse sido praticado, Quando o Município pede a demolição de uma obra sequer está preocupado com os eventuais danos ressarcíveís produzidos pela construção ilícita,

E claro que da construção ilícita podem derivar danos, especialmente à inte­gridade física e à saúde das pessoas, assim como ao meio ambiente e ao paisagismo. Mas estes danos estão sujeitos à tutela ressarcitória, e não à demolição ou à interdição, ou seja, à tutela de remoção do ilícito

Lembre-se que a conseqüência da distinção entre dano e ilícito leva à formula segundo a qual não há ressarcimento quando a tutelajuiisdicional tem por objeto afon­te do dano26 No caso em que se remove a fonte do dano, há tutela contra o ilícito..

Ademais, a tutela contra o ilícito, ao contrário da tutela ressarcitória, não tem entre os seus pressupostos a culpa ou o dolo., A tutela ressarcitória - seja pelo equiva­lente ou na forma específica - pressupõe que o ofendido prove a responsabilidade do sujeito ao qual o dano é imputado (a não ser, obviamente, nos casos de responsabili­dade sem culpa), o que não acontece no outro âmbito de tutela, em que está situada a tutela que visa a remover o ilícito. 27

25 O § 249 do Código Civil alemão, ao tratar do ressarcimento na forma específica, alude a obrigação dc reconstituir a situação que existiria caso o dano não houvesse ocorrido De acordo com Helmut Rübmnnn, o § 249, primeira frase, dá ao credor a pretensão ao restabelecimento in na t ura (§ 249 Satz 1 gibt dem Gláubiger einen Anspruch auf Herstellung in Natur) (Helmut Rübmann, Kommentarzum Biirger/icòen Gesetzòucb, p 185) Corno o ressarcimento deve propor­cionar um resultado equivalente ao da situação que existiria caso o dano não tivesse acontecido, não basta, cm outras palavras, o restabelecimento da situação que era anterior a do dano.. Comoo bem protegido deve ser integralmente tutelado, é necessário que se estabeleça uma situação equivalente àquela que existiria caso o dano não houvesse sido praticado. Se o estabelecimento desta situação não é possível, ao ressarcimento na forma específica deve ser cumuiado o ressarci­mento pelo equivalente em pecúnia Ver, ainda, Pcter Erman, Handkommentar zum Bürgdkhen Gesetzbuch, v l,p 12.

2h Michele Mòccioia, Probiemi dei risarcimcnto dei danno in forma speciíica nella giu- risprudenza, Rivista Critica deiDintto Privato, 1984, p 380-381.

2' Cf. Cesare Salvi, U risarcimcnto dei danno in forma specifica, Processo e temiche di attuazione dei diritti, p. 587..

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AS MEDIDAS DO ART 888 DO CPC 3 6 7

Ora, o autor, para obter a demolição ou a interdição, sequer precisa aludir a culpa ou dolo.. A culpa é critério para a imputação da sanção ressarcitória c não para a remoção do ilícito.. Para a demolição e para a interdição, basta que o demandado tenha praticado um ato contrário ao direito, pouco importando, por exemplo, se o demandado não conhecia as normas que lhe proibiam a construção .

Note-se, aliás, que quem pede a demolição ou a interdição tem que demons­trar apenas a ocorrência de ilícito , E, mesmo para obter a tutela antecipatória, não necessita aludir a probabilidade de dano, bastando evidenciar a probabilidade da ocorrência do ilícito.,

Tudo isto quer dizerque a interdição ou a demolição de prédio, para o resguardo da segurança, da saúde ou de outro interesse público, não constitui uma tutela con­tra a probabilidade de dano, mas uma tutela contra um ilícito praticado que deixou efeitos concretos.,

Por mais esta razão, a medida do inciso VIII do art 888 nada tem a ver com a tuteía cautelar, A ação não é cautelar e não exige uma ação principal28 A tutela é de remoção do ilícito, devendo ser prestada através de procedimento autônomo cons­truído com base nas técnicas processuais, inclusive na técnica antecipatória, presentes no art, 461 do Código de Processo Civil.29

A aparência do ilícito é suficiente para a concessão da tutela antecipatória de remoção do ilícito (demolição ou interdição), uma vez que o perigo de dano defliii lógica e naturalmente da própria obra ilícita, sendo desnecessário - para não se dizer irracional - demonstrar que da obra proibida em nome da segurança, da saúde e de outro interesse público pode decorrer dano

M Ver STJ, 1 T , REsp 504 510/SP, rei. Min Francisco Falcão,DJU24 05 2004, p. 167; STJ, I a T., REsp 37 101/SP, rei , Min, Cesar Asfor Rocha, D JU 22 11.1993, p 24.909; STJ, 2 a T., REsp29633/SP, reJ Min. Antonio de Padua Ribeiro, D JU 13 05 1996, p 15.542.

29 Sobre o direito ã construção da ação adequada ao caso concreto, inclusive à tutela de remoção do ilícito, ver Teoria Geral do Processo (Curso de Processo Civil, v 1), c it, p.. 230 e ss

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índice Alfabético-Remissivo

Os números referem-se aos itens

A

Ação- ação de conhecimento, I, 1.7; I, 2,.2; I,

2,.4; I, 3 .3; I, 4,6; I, 7.2; II, 2; II, 8 .4; III,17.3.6

- ação de execução, II, 11.1; II, 12.3- classificação, I, 2.4; II, 20.2™ condições da ação (no arresto), III, 3.3

direito fundamental de ação, 1 ,1. 2; I, 2.3;I, 2. 4; I, 4,2; I, 7.1; I, 7.2; I, 8.1; II, 3; H, 6; II, 7.3; II, 107; II, 11.2; II, 20,.3; III,7.4

Ação de alimentos, 1,7.3; III, 8.4; III, 9.3; III, 9,4; III, 9.5

Ação de anulação de casamento, III, 3.6; III, 9.2; III, 9.5; III, 9.6; HI, 17.2; III, 17.3,5

Ação cautelar- ação cautelar inomínada, I, 2.4; I, 7; I,

8.6; III, 2; III, 17.3.8- autonomia, III, 17..3.7- conceito, 1 ,1,1~/umus boni iuris, v.fumiis boni iuris ~ periculum in mora, v.. pcriculum in mora- tutela do direito de ação, 1 ,1.2- provisoriedade, 1 ,11; 1 ,1,2; 1 ,1,4; 1 ,15;

1 ,16; 1 ,3.1; 1,3.2; 1,3.3; I, 3.4; 1 ,4.5; I, 51; III, 15.2; 111,16.4.3

- temporariedade, 1 ,1.5; II, 20..3

Ação de conhecimento, v. ação

Ação cominatória, III, 17.3. 8

Ação de despejo, 1,3.4

Ação de divórcio, III, 4.2; III, 8.4; III, 9.2; III, 17.3.6

Ação de dissolução dc sociedade, III, 10 2

Ação executiva, v sentença executiva

Ação mandamental, v. sentença mandamento!

Ação de indenização, III, 5,1

Ação de reconhecimento de paternidade, III, 9,3; III, 9.4

Ação penal, III, 7.2, III, 16.4 2

Ação reivindicatória, 1,1. 4; II, 9; III, 4.2

Ação rescisória, I, 3.5

Acareação, III, 8.2.2; III, 8 .3 !

Acordo, 11,12 .2, III, 4 4; 111,9 2

Administrador, I, 1.4; III, 3,5; III, 4.4; III,7 3

Adquirente, III, 3 5

Aeronave, III, 3.2

Afastamento de menor da morada familiar, III, 17.3.4

Afastamento temporário dc cônjuge da morada do casal, III, 17 3 .6

Agravo, I, 8.2; U, 11.2; II, 12 2; II, 17; III, 3,5

Alienação, 1 ,1.4; III, 3.4; III, 3,5; III, 4.2; III, 10.2; III, 12 3; III, 153

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3 8 2 PROCESSO CAUTEL AR

Alienação ftduciária, III, 6.1; III, 16 4 3

Alimentos, v. tb, ação dc alimentos

- alimentos definitivos, III, 9,2; III, 9.3; III, 9 .4; III, 9 5

- alimentos provisionais, I, 3.3; I, 7.3; III, 9

- alimentos provisórios, 111, 9 2

Alteração da medida cautelar, II, 5; II, 11.2;II, 13; II, 19

Aluguel, 1 , 1 9; I, 3.4

Antecipação de prova, III, 1 1 3 ; v tb. Asseguração de prova

Antecipação de tutela, v Tutela antecipatória

Anulação de casamento, III, 4.2 ; III, 9 2; III, 10.1; III, 10.2; III, 17 3 3; III, 17 3 6; III,17,3 7

Apelação, 1,1 5; 1 , 1.7; II, 3; II, 11 1; II, 12.4;II, 16; II , 17; III, 3 2; III, 5 2 2; III, 5,3; III, 9.5; III, 15,3; III, 16 3; III, 17,2

Arrecadação, III, 10 1 ; III, 1 0 2

Arresto

- alienação de bem arrestado, III, 3 5

- alienação do bem arrestado, III, 3 5

- arresto de crédito, 111, 3.4

- arresto de navios e aeronaves, III, 3 4

- arresto penal, III, 3 1

- c a u ç ã o , 111,3 5

- anistie íincsti, III, 3 2- competência, III, 3 5- conceito, 111, 3 1

- conversão do arresto em penhora, III, 3 6

- créditos (que autorizam o arresto), III, 3 3

- dc estabelecimentos, III, 3.4; III, 3.5

- defesa no arresto, III, 3 5

- depositário, III, 3 .5

- depósito, III, 3.5

- dispensa da caução, III, 3.5- e seqüestro, 111, 3 1- efeitos do arresto, III, 3 .1; III, 3,6- execução, III, 3. 5; III, 3 6- extinção do arresto, III, 3 5; III, 4 4- histórico, III, 3 1- interesse processual, III, 3 3 “ justificação prévia, III, 3 5- legitimação, III, 3 3- limites da arrestabilidade, III, 3 4- litisconsórcio, III, 3,3- medida liminar, III, 3 5- perda de eficácia do arresto, 111,3 5- perigo de dano, III, 3 .2- petição inicial, III, 3 .5- possibilidade jurídica do pedido, III, 3 3- prescrição da dívida, III, 3.3- pressupostos, III, 3,2- presunção de periculiwi in mora, III, 3 2- procedimento, III, 3,5- prova literal da dívida, III, 3.2- registro do arresto, III, 3 5 ~ sentença, III, 3 5- substituição de bem arrestado, III, 3 5- suspensão da execução, III, 3.5- terceiro prejudicado, 111, 3 3

Arrolamento de bens- arrombamento, III, 10 .3- conceito, III, 10 1- depositário, III, 10.3- depósito e administração, III, 10,3 ~ e arresto, III, 3 1; III, 10 .1- e busca e apreensão, III, 6.1- e direito societário, III, 10 2- e seqüestro, III, 10 1- eficácia da medida, III, 10.1- interesse, III, 10 1; III, 10.2- lacre, III, 10,3- legitimação, III, 10.2

Page 375: Curso de Processo Civil - Volume IV - Processo Cautelar - Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart

ÍNDICE AIFABÉTICO-REMISSIVO 3 8 3

- liminar, III, 10 3- objetivo, III, 1 0 .1

- petição inicial, III, 10.3- pressupostos, III, 1 0 1; III, 1 0 2- procedimento, III, 10 3

Asseguração de prova- ação principal, ÍII, 8 1; III, 8.4- competência, III, 8 4- conceito, I, 6 2; I, 6.3; III, 8 1

- defesa, III, 8 .3- e depoimento da parte, III, 8 2- e exibição de documento ou coisa, 1,6 3- c inspeção judicial, III, 8.2- e justificação, I, 6 4~ e prova documental, 111, 8 1

- e prova pericial, III, 8 .2

- e prova testemunhai, III, 8 ,2

~ eficácia, III, 8 .3- legitimidade, III, 8 3- liminar, III, 8 3- preservação do direito dc defesa, 111, 8 1

- prevenção para a ação principal, III, 8.4- procedimento, III, 8.3~ produção antecipada de provas, I, 6 .2 ; III,

8.1- provas asseguráveis, III, 8 2

Assistente, II, 9

Assistente social, 111, 6 2

Assistente técnico, III, 8 3 2; III, 14 3

Atentado~ atos da parte como atentado, III, 15 2- atos do juiz como atentado, III, 15..2- caução, III, 15 3- competência, III, 15 3- conceito, III, 15 1- defesa do réu, III, 15 3- e omissão, III, 15 2- efeitos, III, 15.4

- execução da sentença, III, 15 4- hipóteses de cabimento, III, 15.1; III,

15 2- ilícito penal, III, 15 1; III, 15 4- legitimidade, III, 15 3 -* liminar, III, 15 3- perdas e danos, III, 15.4- pressupostos, III, 15 2 ~ procedimento, III, 15 3 ~ revelia, III, 15,3- sentença, III, 15 3

Ato ilícito, I, 2.1; I, 2 3; I, 4 1 ; I, 4.3; I, 4.4; III, 9 2 ; III, 9.4; III, 1 2 3; III, 15 2; III,15 4; III 16 .4 3

Audiência preliminar, III, 6 2

Audiência de instrução e julgamento, I, 6 .2 ;II, 10,5; II, 10.10; III, 5 2 2; III, 5 3; III, 6.2; III, 8,2 2; III, 9 5; III, 10 3; III, 15 3;III,17 2

Auto dc arresto, III, 3 5

B

Bens- bens arrestáveis, III, 3 4- bens do casal, III, 4 2 ; III, 1 0 1 ; III, 10 2

- bens imóveis, III, 3 5; III, 4 2 ; III, 5 4; III, 6 2 ; III, 7,3

- bens impenhoráveis, III, 3 4- bens inalienáveis, III, 3 4- bens móveis, III, 4.2; III, 6 2 ; III, 7 3; III,

10.2; 111,13 2; III, 13 3- bens penhorados, 111, 3.5; III, 4.4- bens pessoais, III, 17 3.2 ~ bens públicos, III, 3 4

Busca e apreensão- arrombamento, III, 6 2- citação, III, 6 2

- classificação, III, 6 1

- competência, III, 6 .2

Page 376: Curso de Processo Civil - Volume IV - Processo Cautelar - Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart

3 8 4 PROCESSO CAUTELAR

- conceito, III, 6 1

~ contestação, III, 6 2- de coisa, III, 6 .1

- dc pessoa, III, 61- de produto nocivo, I, 2,2; I, 2 .4 ,1, 4.4; I,

4.6; II, 15.3- c arresto, III, 3 .1 ; III, 6 ,1- e seqüestro, III, 6.1- execução, III, 6 .2

—justificação liminar, III, 6 .2

- objeto da medida, III, 6 .1 ~ petição inicial, III, 6 2

- pressupostos, III, 6 1

- procedimento, III, 6 2

C

Carga, III, 7,2

Casamento, I, 2.4; III, 4.2; III, 9.2; III, 9 3; III, 1 0 .1 ; III, 17,1; III, 17.3.3; III, 17.3.4; III, 17.3.6; 17.3.7

Caução- ação de caução, III, 5 1

- caução às custas, III, 5 4- caução espontânea, III, 5 .1- caução forçada, III, 5 1- caução processual, III, 5 1- caução substitutiva, II, 13; III, 10.3- cauções legais, III, 5 1- cauções negociais, 111, 5.1- cautio pro cxpaisis, III, 5 4- classificação, III, 5 .1- como expressão do direito de garantia, I,

1.2; 1,1,8; 1 ,19 ; 1,4,5- conceito, III, 5.1~ contracautela, II, 7 3- de dano infecto, I, 17 ; I, 4.5; II, 4; II,

111; II, 12 1; II, 1 2 .2 ; III, 5.2- c liminar, II, 7.2; II, 7.3; III, 3 5- e penhor legal, III, 13.3- e prejuízo eventual, I, 4.5

- e suspensão da execução de arresto, III, 3.5

- Fazenda Pública, III, 5.2- impediente do seqüestro, III, 4.4- legitimação, III, 5.1 ~ objeto, III, 5.1- procedimento, III, 5„2- reforço de caução, III, 5,5

Causa de pedir da ação cautelar, II, 4

Certidão, III, 13 3; III, 14, 3

Cessação da eficácia- excepcionalidade da manutenção da

eficácia da medida cautelar, na pendência do recurso, em caso de sentença de improcedência, II, 12.4

- da decisão cautelar na hipótese de não execução da medida cautelar, II, 12.3

- do arresto, III, 3 5- manutenção da eficácia da medida

cautelar no caso de trânsito em julgado da sentença de procedência, II, 12 4

~ pela não propositura da ação principal, II, 12.2

- quando concedidas várias medidas cautelares, II, 12.3

- responsabilidade no caso de cessação da eficácia da medida cautelar, II, 20„2

Chamamento ao processo, II, 9

Cognição sumária, 1 ,1 ,2 ; I, 1.4; I, 1 7; 1, 1 .8 ; 1 ,2 4; I, 3.3; I, 3.5; I, 7.3; II, 2 ; II, 1 0 3; II, 1 0 ,8 ; II, 18; III, 5 3; III, 9.2 ; III, 9.5

Cognição exauriente, I, 1.4; I, 2.4; I, 3.3; I, 5.2 ; I, 7,3; II, 2; II, 10,5; II, 14; III, 3.3; III, 6,2; 111,9.2; 111,9.5

Coisa litigiosa, III, 17 3.1

Coisa julgada, I, 1 5 ; I, 1.7; I, 2 ,2 ; I, 2 . 4; 1, 3.3; I, 7.3; II, 2 ; II, 14; U, 18; II, 20.2; III, 5.3; III, 9.2; III, 9.5; III, 1 1 .2 ; III, 113; III, 14.3; III, 15.4

Comerciante, II, 16

Page 377: Curso de Processo Civil - Volume IV - Processo Cautelar - Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart

ÍNDICE AUFABÉTICO-REMISSIVO 3 8 5

Competência- absoluta e tutela cautelar, II, 3- do juiz da causa principal, II, 3 ~ e alimentos provisionais, III, 9 4- e arresto, III, 3.5~ e asseguração dc prova, III, 8 .4- c atentado, III, 15 3- e busca c apreensão, III, 6 .2

- e justificação, 1 ,6.5; III, 113- c seqüestro, III, 4,4- em casos de urgência, II, 3- em grau de recurso, II, 3- prevenção,II, 3- relativa c tutela cautelar, II, 3- Tribunais Superiores, II, 3

Condições da ação, III, 3.3

Conhecimento ra: ojficio, v. medidas cautelares cx officio

Cônjuge, II, 5; III, 1; III, .3,3 1 ; III, 4 2; III, 9.3; III, 10.1 ; III, 1 0 .2 ; III, 171 ; III, 17 2 ; III, 17.3.2; III, 17.3.3; III, 17.3 5; III,17.3 6; m , 17.3.7

Contestação, I, 2.4; II, 2; II, 7,3; II, 8 ; II, 10.5; II, 1 0 .1 1 ; II, 17; II, 2 0 .2 ; III, 9.4; 111, 14.3; III, 16,3

Contracautela, II, 7.3

Contradita, III, 7.3; III, 6 .2 ; III, 8.2.2; III,8 3 2 ; III, 103; III, 11 3

Contraditório, I, 1.4; I, 1.5; I, 2.3; I, 4.5; I, 8.3; II, 2; II, 7; II, 8 .2 ; II, 11 2; II, 17; II, 18; II, 2 0 .2 ; III, 3.5; III, 6 .2 ; III, 8.3 1; III,8 .4; III, 9,4; III, 9.5; III, 10,3; III, 11.2; III, 13.3; III, 15..4; III, 17 1; III, 17.2; III, 17.3

Contraprotesto, v protesto

Cópia, II, 8 2 ; III, 9.4; III, 16.4. 3

Crédito- arresto de crédito, III, 3,4- condicionais, III, 14.1

- ilíquidos, III, 3.2- que habilita o arresto, III, 3.3

Crime de desobediência, III, 16.4 1 ; III, 16. 4 2

Cumulação de pedidos cautelares, II, 6

Curatela,III, 17.3,5

Custas, 111,3.5; III, 5,4; III, 1 2 3; III, 16,4.3

D

Dano, v. pericu/um in mora- danificação de bens, III, 4.2- presunção legal, III, 2- requisito para o seqüestro, III, 4 2

Decadência, I, 2.4; I, 7.3; II, 12 2 ; II, 14; II, 20

Decisão de plano- em apreensão de titulos, III, 16 .3

Defesa, v. contestação, exceção e reconvenção

Demolição de prédio, I, 4 5; III, 1 ; III, 17.1; III, 17.2; III, 17.3 8

Denunciação da lide, II, 9

Denunciação de contrato, III, 1 2 .1

Depoimento antecipado, III, 8 .2 .1

Depoimento da parte, I, 6 .2 ; I, 6 4; I, 6 5; II, 7.3; II, 10.11; II, 17; III, 7.3; III, 8,2; III,8.3 1 ; III, 11.3

Depositário, III, 3 6 ; III, 4 1 ; III, 4.4; III, 6 .1; III, 6 2; III, 7,3; III, 10 3; III, 13 3; III, 16.4; III, 17.3.1

Depósito- de bens, III, 3,5, III, 4 1 ; III, 4.4; III, 5.2 ~ de pessoas, III, 6 .2 ; III, 17.3.5

Desistência, I, 6 .-2 ; III, 5.5

Desobediência, v. crime de desobediência

Despesas, III, 5.4; III, 9.3; III, 13 2; III, 13 3; III, 16.3; III, 17.3 1

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3 8 6 PROCESSO CAUTEL AR

Dever de honra, III, 7 2

Difícil reparação, v pcriaihmi ín mora

Dinheiro, I, 1 2 ; 1, 2 .2 ; I, 3.4; I, 4 2 ; 1, 4 5 ; I, 8.2; II, 13; II, 14; II, 2 0 3; III, 2 ; III, 3.2; III, 3 3 1 ; III, 3.6; III, 4 1 ; III, 9.2; III, 9 3; III, 1 0 .2 ; III, 13 2 ; III, 13 3; III, 17.1; III,17.3.8

Direito ameaçado, I, 1 3; I, 1.9; II, 4; II, 5;II, 8.4; II, 10.4, II, 10 11; II, 17; II, 18; III,17.2

Direito autoral, III, 6 2

Direito de preferência, III, 3 6

Direito real, III, 4.1; III, 6 2; III, 10.3; III,13 2; 131, 13 3

Direito regressivo, III, 3 3 1

Dissolução de sociedade, III, 10 2

Dissolução de união estável, III, 9.5; III, 17 1 ;III,17 3 3

Dívida líquida e certa, III, 2 ; III, 3 3; III, 3 5

Divórcio, III, 4.2; III, 9 2; III, 17 3.5

Documentos, I, 6 2 ; III, 72 ; III, 73 ; III, 8 1 ; III, 10.2; III, 11 3; III, 113; III, 16.1; III,17.3.3

Dolo, 1 ,8 4; III, 152; III, 16.4 3; 17.3

Domicilio, II, 3; II, 8 2 ; III, 3 2

Domínio, III, 7.2

Dúvida (procedimento dc), III, 16 .2

E

Edital, II, 8.3; III, 1 0 3

Efeito suspensivo, I, 2 3; II, 17; III, 5 2 2 ; III,9 5; III, 16 3

Eficácia da medida cautelar- cessação, II, 12- duração, II, 11- e caducidade, II, 1 2

- e modificação da medida, II, 112; II, 19- e proteção do direito, II, 11 1- e repropositura da medida, II, 11

- e revogação da medida, II, 11 2 ; II, 19

Embarcações, v. navios

Embargos à execução, III, 16 3

Embargos do devedor, v. embargos à execução

Empresa, 1, 2 4; I, 4.2; III, 7 3; III, 7 4; III,12.3

Entrega de bens de uso pessoal- cabimento, III, 17 3 2- execução, III, 17 3 2- medida provisional, III, 17 3,2- petição inicial, III, 17 .3.2

Escrituração comercial, III, 7 3

Escrivão, II, 8 2

Estabelecimento agrícola, III, 3 4; III, 3 5

Estabelecimento comercial ou industrial, I, 7 2 ; 111,3.5

Estado dc Direito, 1, 1 9; Ir 2 1

Estado de fato, III, 9.3; III, 9 5, III, 15 1 ; III,15.3

Estrangeiro, 1 ,1 ..6 ; III, 5 4; III, 16 4.3

Exame pericial, I, 6.1; III, 7.3; III, 8 .2 ; III, 143

Exceções

™ de impedimento e suspeição, II, 8 2; II,1 1 2 ; III, 9 4

- de incompetência, II, 3; II, 8 .2 ; II, 1 2 .2

Execução

- da caução, III, 5 2- da entrega de bens dc uso pessoal, III,

17 3 2- da exibição, III, 7.4- do arresto, III, 3 5

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ÍNDICE ALFA8ÉT1CO-REMISSIVO 3 8 7

- do atentado, III, 15 4- do seqüestro, 111, 4 4- pura a entrega de coisa, III, 3 1 ; III, 4 !- por quantia certa, I, 1 6 ; III, 3 3; 111, 9.6;

III, 14.1- provisória, I, 1 6 ; I, 2 3; I, 2 4; I, 3.3; III,

5..1

Exibição- classificação, III, 7.1- conceito, I, 6 .3; III, 7 !- de coisa e documentos em poder de

terceiros, III, 7.3; III, 7 4- de coisas, III, 7 3- de documentos, III, 7 3- exibição cautdar, I, 6 3; 111, 7 1

- exibição incidental, III, 71- origem, III, 7.1- procedimento contra a parte, III, 7 4- procedimento contra terceiro, III, 7 4- regras de exclusão, III, 7 2

Exoneração da prestação alimentícia, III, 9.5

Exoneração do dever de depor, III, 7 3

Extinção- do processo cautelar, II, 12; II, 15- c inobservância de prazo, II, 12- formas normais c anômalas, II, 14- impossibilidade de renovar o pedido de

medida cautelar que perdeu a eficácia, II,18

- medida cautelar não restritiva dc direito,1 1 ,1 2

- responsabilidade civil pela execução da medida cautelar, v responsabilidade civil

Extravio de bens, III, 3.2; III, 10 1 ; III, 1 0 2

F

Fazenda Pública, III, 3 5

Fiador, III, 3.3.2; III, 3 5; III, 5.2 1 ; III, 5 5;13.3

Fiança, III, 3 5; III, 5 2 ; III, 5 5; IIÍ, 16 4 3

Filhos menores, III, 6 2; III, 9 6 ; III, 17.2; III, 17.3.3; III, 17.3 7

Força policiai, I, 8 5; III, 4 4; III, 6 2

Fotocópia, v. cópia

Fundamentos da ação cautelar, ÍI, 4

Fraude, I, 8.4

Fraude à execução, III, 3.5

Frutos do imóvel reivindicando, III, 4 2

Fiimus boni iuris, 1, 1.4; I, 2 4; I, 3.3; I, 7 2;I, 7.3; 1,8 2; 1 ,8 6 ; II, 2 ; II, 4; II, 8 2; II, 10.4; II, 10 5; II, 10 .6 ; II, 1 0 9; II, 10 .10; II,1 0 1 1 ; II, 12.4; II, 16; II, 18; III, 2 ; III, 3. III, 3.5; III, 4.3; III, 5 1; III, 5 4 ; 111,9 III, 12 1; III, 13.1; III, 17 1 ; III, 17 3

Fundado receio dc dano, v, periathtm i» mora

Fundamentação, I, 6 2 ; 1, 6 4; II, 4; II, 5; II, 1 1 2 ; II, 15 1 ; II, 17

Fungibilidade, I, 3 5; II, 3; II, 4; II, 5; II, 15 3; III, 1 0 .2

G

Guarda e educação dc filhos

~ execução, III, 17 3 7- medida provisional, III, 17 3 7- regime, 111, 17 .3 7

Guarda judicial de pessoas, I, 7 1

Guarda de menores, III, 17 3 3

H

Herança, III, 5 3; III, 1 0 1 ; III, 10 2

Herdeiros, I, 4 2; I, 8 2 ; III, 14 3

Hipoteca, III, 3 2 ; III, 3.3 2; III, 5.1; 111, 132

Homologação, I, 6 .4; III, 5 3; III, 5 4

K) to

Page 380: Curso de Processo Civil - Volume IV - Processo Cautelar - Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart

3 8 8 PROCESSO CAUT ELAR

Homologação dc penhor íegal

- caráter satisfativo, III, 13.1- casos, III, 13.1; III, 13 .2- citação, III, 13 .3- conceito, III, 13 .1 ; III, 13,2- contestação, III, 13.3- documentação, III, 13.3- entrega dos autos ao credor, III, 13 ,3- execução do crédito garantido por penhor

legal, 111,1,3.3- extinção da dívida, III, 13...3- homologação liminar, III, 13.3- natureza, III, 13 .1- nulidades, III, 13.2- pagamento da dívida, III, 13 3- pedido, III, 13 3~ perda de eficácia da medida, III, 13 ,3- petição inicial, III, 13 .3- procedimento, III, 13.3- restituição dos bens ao devedor, III, 13 3- sentença, III, 13 ,3

Honorários advocatícios, III, 3.5; III, 5 .4

Hospedeiros, III, 13 2

I

Ilegitimidade de parte, III, 8 .3 .1

Imissão de posse, III, 6 , 2 ; III, 15 .1

Imóvel, v. bem imóvel

Impedimento, I, 4.2; v. tb. Exceção de impedimento

Impenhorabilidade, III, 3, 3 .3

Incapaz, II, 8.3; III, 8 .2 3; III, 8.3.1; III, 14.1; III, 14,2; III, 14.3; III, 17.1; III, 17,3,5

Incompetência, II, 3; II, 8 .2 ; II, 12..2

Inconsdtucionalidade, III, 4.2; III, 15.4; III,16 4

Indenização, 1,2,2; 1,4.2; 11,20.1; II, 20.2; II,

20.3; III, 3.1; III, 5.2; III, 7.3; III, 9.2; III, 9.4; III, 15 4; III, 17.3 1; III, 17.3.8

Ineficácia, 1 ,1.4; II, 122 ; III, 3 5

Inexigibilidade do título, III, 7,2

Inovação ilegal no estado de fato, III, 15..1; III, 15 2

Inquilino, III, 13.2

Inquirição de testemunha, 1 , 6 .1 ; 1 ,6 .2 ; 1 ,6,3;II,17; III, 8 .2 2 ; 111,8,3.1

~ ad perpetuam rei memoriam, III, 8 .2 2 ;111,83.1

Inscrição, III, 12,.3

Insolvência, III, 3.2

Inspeção judicial, III, 8 .2; III, 8 .2,4; III, 8 3,.2 ;III, 11.3

Instrumentalidade, 1, 1,7

Interdição de prédio, III, 1 ; III, 17.1; III,17.3.8

Interpelação, II, 8 ; III, 1 ; III, 12 .1 ; III, 1 2 2 ; III, 12.3

Interrogatório da parte, I, 6 1 ; III, 8 2

Intervenção de terceiro, II, 9

Inventariante, I, 8 1 ; I, 8,2; III, 7.3

Inventário, I, 8 2 ; III, 10 1

Investigação de paternidade, v. ação de investigação de paternidade e alimentos provisionais

Irrecorribilidade

~ e caução, III, 5.3 ~ e justificação, III, 1 1 .3- e protesto, interpelação e notificação, III,

12.3

í

Juiz

- e atentado, III, 15.2

Page 381: Curso de Processo Civil - Volume IV - Processo Cautelar - Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart

ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO 389

- m ed id as ca u te la re s cx ojficio, I , 8

~ p o d eres n a e fe tiv a çã o d as m ed id as

cau te lares , I I , 5 ; I I , 1 5

J u lg a m e n to a n te c ip a d o , 1 , 1 5

Ju risd içã o v o lu n tá ria , I I , 1 8 ; I I I , 1 ; I I I , 1 1 .2 ;

I I I , 1 2 .1 , I I I , 1 2 .2 ; I I I , 1 3 .1 ; I I I , 1 4 .2 ; I I I ,

1 6 2

ju r o s , 1 , 1 .9 ; 1 ,2 .1

ju s tif ic a ç ã o

- c o m p e tê n c ia , I I I , 1 1 .3

- co n c e ito , I , 6 ,4 ; I I I , 1 1 .1

~ d o c u m e n to s , I I I , 1 1 .3

- in te rv e n çã o do M in is té rio P ú b lico , I I I ,

1 1 .3

~ o b jetiv o , I , 6 ,.4 ; I I I , 1 1 .2

~ p ro ce d im e n to , I I I , 1 1 3

- req u isito s , I I I , 1 1 .2

- se n te n ça , I I I , 1 1 ,3

Ju s tif ica çã o p rév ia , I I , 7 .1 ; I I , 7 .2 ; I I , 8 2 ; I I ,

1 0 .5 ; I I , 1 7 ; I I I , 3 .5 ; I I I , 4 4 ; I I I , 6 2 ; I II ,

1 0 .3 ; I I I , 1 6 .3

L

L a u d o p e ric ia l, I I I , 8 .4

L e g itim id a d e d e p a rte , I I , 9 ; I I I , 3 .3 ,1 ; I I I ,

8 .3 ,2 ; I I I , 1 1 -3 ; I I I , 1 2 .2 ; I I I , 1 4 .1 ; I I I , 1 4 ,2 ;

I I I , 1 7 3 4

L e v a n ta m e n to d o d in h e iro , I I I , 1 6 ,3

L im in a r inaudita .altera parte, I , 2 ,4 ; I I , 7 ,1 ;

I I , 7 .2 ; I I , 8 ,.2 ; I I , 8 .3 ; I I , 8 ,4 ; I I , 1 0 .1 0 ; I I ,

2 0 .2 ; I I I , 7 .4 ; I I I , 8 .3 .1 ; I I I , 9 ,3 ; I I I , 1 6 .3

L iq u id a çã o d e se n te n ç a , I , 1 .1 ; I I I , 3 .2 ; I II ,

3 .6 ; I I I , 4 .4 ; I I I , 15 ..4

L iq u id a çã o d o d an o o ca sio n a d o p ela e x e cu çã o

d a m e d id a ca u te la r

- p ressu p o sto s, I I , 2 0 .1 ; I I , 2 0 .3

- p ro ce d im e n to , I I , 2 0 .3

- resp o n sab ilid ad e o b jetiv a , I I , 2 0 .1 ; I I ,

20..2

Litigante dc má-fé, v. má-fé

Litisconsórcio, II, 9

Livros comerciais, III, 7 4

Locação, 1 ,3 4; 1, 6 5; III, 12 1 ; III, 13 3

M

Má-fé, II, 20.2; III, 3.2; III, 3 5; III, 3 6 ; III, 5.5; III, 15,2; III, 16.4.3

Médico, III, 6 2; III, 14.3

Medida cautelarautonomia, I, 2.4

- evolução histórica, I, 2- fungibilidade, II, 5- ifirtiidiífl aiícra parte, v liminar iHfludiía

altera parte- instrumcntaiidade, 1 ,1 7 ~ preventividade, 1 ,1.9- probabilidade, 1 ,1.4- provisoriedade, 1 ,1 5- referibilidade, 1, 1 .8

- revogabilidade, II, 1 1 2 ; II, 19- satisfatividade, 1, 1 .6

- temporariedade, 1, 1.5

Medida cautelar inominada- procedimento, II, 4; II, 5; II, 6 ; II, 7; II, 8 ;

II, 9; II, 1 0 ; II, 1 1 ; II, 1 2 ; II, 13; II, 14; II, 15; II, 16; II, 17; 11,18; II, 19; II, 2 0

- competência, II, 3- conteúdo, I, 7- eficácia, I, 7- requisitos, I, 7

Medida cautelar de oficio- e poder concentrado de execução, I, 8 4- e poder de polícia, I, 8 .5- e tutela cautelar inominada, I, 8 6

- hipóteses de cabimento, I, 8 .1

- pressupostos, 1 , 8 .2

- responsabilidade por sua concessão, I, 8 .3

Page 382: Curso de Processo Civil - Volume IV - Processo Cautelar - Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart

390 PROCESSO CAUTEL AR

M e d id a s provision ais

- a fa sta m e n to d c m e n o r a u to riz a d o a

co n tra ir ca s a m e n to , I I I , 1 7 1 ; I I I , 1 7 .3 .4

- a fastam en to de u m d os cô n ju g es d a

m o ra d a d o casal, I I I , 1 7 .1 ; I I I , 1 7 3 ,6

- c o n c e ito , I I I , 1 7 1

- d ep ó sito d c m e n o re s ou in cap azes

castig ad o s im o d e ra d a m e n te ou in d u zid o s

à p rá tica d e a to s co n trá rio s à lei ou à

m o ra l, I II , 1 7 1 ; I I I , 1 7 3 5

~ en tre g a de b en s de uso pesso al, I I I , 1 7 .1 ;

I I I , 1 7 3 2

- g u a rd a e e d u ca çã o d os filhos, I I I , 1 7 1 ;

1 1 1 ,1 7 3 7

- in terd ição e d e m o liçã o de p réd io , I I I ,

1 7 .1 ; I II , 1 7 .3 .8

- n a tu re z a , I I I , 1 7 1

- o b ra s dc co n se rv a çã o cm co isa litig iosa ,

I I I , 1 7 .1 ; I I I , 1 7 .3 .1

- posse provisória d c filhos, I I I , 1 7 1 ; I I I ,

1 7 3 .3

- reg im e , 111, 1 7 2

M e n o re s , v filhos m en o res

M in is té r io P u b lico , 1 , 2 3 ; I I I , 3 3 .2 ; I I I , 11 3 ;

I I I , 1 4 .3 ; I I I , 1 6 .3 ; I I I , 1 7 .3 .4 ; I I I , 1 7 .3 5 ;

I I I , 1 7 .3 .7

M o d ifica çã o d a m ed id a cau telar, I I , 5 ; I I ,

11 2 , 1 1 , 1 3 ; I I , 19

M o ra , I I I , 1 2 .2 ; I I I , 1 6 3

M o ra d a d o casal, I I I , 1 7 .3 2 ; I I I , 1 7 3 4 ; I II ,

1 7 3 6

M ó v e is , v.. bens m óveis

M u n ic íp io , I I I , 3 5 ; I I I , 1 7 3 .8

N

N a s c itu ro , v. posse em n o m e d e n ascitu ro

N av io , I I I , 3 2

N e g ó c io s ju ríd ico s , 111, 3 4 ; I I I , 3 .5 ; I I I , 5 3 ;

I I I , 1 2 .3

N o m e a ç ã o à au to ria , I I , 9

N o tific a çã o , v. tb p ro te sto

- a u to n o m ia , I I I , 1 2 1

“ c o n c e ito , I I I , 1 2 1

- co n d içõ e s d e ad m issib ilid ad e, I I I , 1 2 2

~ reg rn m en to , I I I , 1 2 ,3

- satisfativ id ad e , I I I , 1 2 1

N u lid ad e , I I , 9 ; I I I , 5 .4 ; I I I , 1 0 1 ; I I I , 1 3 .3

- d e cláu su la d e e le ição de foro , I I , 3

O

O b r a em b a rg a d a , I I I , 1 5 1 ; I I I , 1 5 .2

O b ra s de co n se rv a çã o

~ le g itim a ç ã o , I I I , 1 7 .3 1

~ m ed id a p ro vision al, I I I , 1 7 .1 ; I I I , 1 7 3..1

~ ô n u s d os g asto s, I I I , 1 7 .3 .1

Ô n u s d a p ro va , I I , 1 0 .4 ; I I I , 10..6

O p o siçã o , I I , 9

P

P artes

- d e p o im e n to a n te c ip a d o , I I I , 8 .2 1

- ex ib ição d e d o cu m e n to ou co isa , I I I , 7 4

- in d ica çã o n a p e tiçã o in icial, I I , 4

~ n a m ed id a cau telar, I I , 9

P a rtilh a , I , 8 2 ; I I I , 1 7 .3 .3

P a te rn id a d e , v ação d e r e co n h e c im e n to de

p atern id ad e

P á tr io poder, v p o d er fam iliar

P o d e r fam iliar, I I I , 1 4 2 ; I II , 1 7 3 3 ; I I I ,

1 7 .3 4 ; I I I , 1 7 .3 .5 ; I I I , 1 7 .3 .7

P ed id o , I I , 4 ; I I , 6

P e n h o r legal, v.. h o m o lo g a çã o d e p e n h o r

legal

P e n h o ra , 1 , 1 .2 ; 1 , 1 5 ; I I , 1 1 .1 ; I I , 1 3 ; I I I , 3 1 ;

I I I , 3 .3 ; I I I , 3 .4 ; I I I , 3 .5 ; I II , 3 .6 ; I I I , 4 .2 ;

I I I , 4 .4 ; I I I , 1 5 1 ; I I I , 1 6 3

Page 383: Curso de Processo Civil - Volume IV - Processo Cautelar - Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart

ÍNDICE AL FAB ÉTICO- IlEM IS SIVO 391

Perdas e danos, I, 2.1; II, 20 1 ; 20.2; III, 3 1

Pcríc!</itin in mora, 1 ,1 3; 1 ,1 4; I, 15 ; I, 3.1;I, 3 .3; I, 3 5; 11, 1 2 2 ; II, 16; II, 17; III, 2 ;III, 3 2; III, 3.3; III, 3.5; III, 4 3; III, 5 1 ;III, 5 4 ; III, 7 4 ; III, 8 1; III, 8 3.3; 131, 8.3.2; III, 9.3; 111, 1 1 ..1 ; III, 1 2 .1 ; 111,13 1 ; III, 17 2 ; 111,173 5; III, 17 .3 6

Perito, 1, 6.2; 1, 6.4; II, 7.3; II, 10 5; 11,17; III,6 .2; 111, 8 4; 111,173.8

Petição inicial, 1 ,1.4; II, 4; 11, 8 .2 ; III, 8 3 ; II, 17; III, 3 5; III, 5 2 1 ; III, 5.2 2 ; III, 5 5;III, 7.4; III, 8.3 1; III, 8.3.2; 111, 9 3 ; III,9 4; III, 11.3; III, 13 3; III, 153 ; III, 16 2 ;III, 17 2

Poder de Polícia, 1,8.5

Poder geral de cautela, 1, 8 6 ; v tb , medida cautelar inominada

Posse em nome de nascituro- conceito, III, 14 1

- documentação, III, 14 3- efeitos, III, 14 1; III, 14 3 ~ exame médico, 111,14 3- indeferimento da inicial, III, 14 3- legitimação, III, 14 2- Ministério Público, III, 14.2- natureza da medida, III, 14 1

- nomeação de curador, III, 14.3- participação de terceiros, 111, 14 2; 111,

14 3- petição inicial, III, 143- procedimento, 111,14 3 ~ sentença, 111,14 3

Posse provisória dc filhos- e união estável, III, 17 3 3- interferência do Ministério Público, III,

17.3.3~ medida provisional, III, 17 1 ; 111,17 3 3

Possibilidade jurídica do pedido, v condições da ação

Po ssu id o r, 1 , 4 5 ; I I I , 7 3 ; I I I , 1 0 3 ; I I I , 1 6 4 3 ;

1 1 1 ,1 7 3 .1

P ra z o

- ce ssa çã o d a m ed id a cau te lar p o r

in o b serv ân cia d c p razo s , I I , 12- co n ta g e m do p ra z o p ara a p ro p o situ ra da

a çã o p rin cip al, I I , 1 2 2

- d a prisão civil em ap reen são d c títu lo , I II ,

1 6 4 .3

- eficácia te m p o ra l das m ed id as cau te lares ,

1 1 ,1 1

~ em re lação às m ed id as pro vision ais, I I I ,

1 7 2

- in o b serv ân cia d o p razo pura a e x e cu çã o

d a m ed id a cau te lar , 11, 1 2

- d a ju n ta d a do m a n d a d o , I I , 8 2

- n a tu reza d o p ra z o p ara a p ro p o situ ra da

ação p rin cip al, I I , 1 2 2

- p ara a a p resen tação de defesa no p ro cesso

cau telar, I I , 8 2

~ para a d efesa em h o m o lo g a çã o d e p en h o r

legal, I I I , 1 3 3

~ p ara a e n tre g a d os au to s em ju s tificação ,

1 1 1 ,1 1 3

- para a ex e cu çã o da m ed id a cau telar, I I ,

1 2 .3

- para a resp o sta na e x ib ição , I II , 7 4

- para a ju izam en to d a a çã o p rin cip al em

afa sta m e n to te m p o rá rio do cô n ju g e , I II ,

1 7 .3 .6

- p ara a ju iz a m e n to da açã o prin cip al cm

d ep ó sito d e m en o res ou in cap azes, I II ,

17.35- para a ju iz a m e n to da ação p rin cip al, I I , 4 ;

I I , 1 2 ; I I I , 7 4 ; I I I , 1 3 .3

- p ara a ju izam en to d a h o m o lo g a çã o de

p e n h o r legal, I I I , 1 3 3

- p ara defesa cm a te n ta d o , I I I , 15 3

- para im p u g n a r o laud o m éd ico no caso de

“posse em n o m e d e n ascitu ro ”, I I I , 1 4 3

- p ara in fo rm açõ es cm p ro ce d im e n to de

ap reen são de títu lo , I I I , 1 6 3

Page 384: Curso de Processo Civil - Volume IV - Processo Cautelar - Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart

392 PROCESSO CAUTELAR

- para prestai' caução, III, 5.2- p ra z o p a ra a e x e cu çã o d o arres to , I I , 1 2 2 ;

I I I , 3 .5 ; I I , 3 .6

P re fe rê n cia , I I I , 3 .5

P re p a ro , v cu stas

P re sc riçã o , I I , 1 2 2 ; I I , 1 4 ; I I , 2 0 ; I I I , 1 2 .1 ;

I I I , 1 2 .3 ; I I I , 1 6 4 .2

P r e s ta ç ã o a lim e n tíc ia , I I I , 9 .2 ; I I I , 1 6 .4,.3

P re su n çã o de v eracid ad e

- e revelia , I I I , 8 .3

P re te n s ã o à s e g u ra n ç a , 1 , 4 5

P re v e n çã o , I I I , 8 .4

P re v e n tiv id a d e , 1 , 1 9

P risã o civil, I I I , 1 6 ,4

P r o c e d im e n to ca u te la r (n a tu re z a ) , I I , 2

P ro c e d im e n to s cau te lares esp ecíficos, I I I , 1 ;

1 1 1 ,2

P ro ce ss o d c e x e cu çã o , 1 , 1 .2 ; I I , 1 2 4 ; I I I , ,3 .2 ;

I I I , 1 3 ,3 ; I I I , 1 6 .4 .2

P ro c e s s o p rin cip al, 1 , 1 .2 ; 1 , 1 7 ; 1, 3 3 ; I , 7 .3 ;

I I , 1 1 .1 ; I I , 11 2 ; I I , 1 2 4 ; I I , 1 4 ; I I , 2 0 ; I I I ,

3 ,6 ; I I I , 4 4 ; I I I , 7 4 ; I I I , 8 .2 1 ; I I I , 8 2 .2 ;

I I I , 1 1 .2 ; I I I , 1 5 .2 ; I I I , 15 4 ; I I I , 1 7 ,2 ; I I I ,

1 7 .3

P ro d u ç ã o a n te c ip a d a d e p ro va , v. asseg u ração

d c p ro va

P r o rro g a ç ã o d e co m p e tê n c ia , I I , 1 2 2

P ro v a

- d ificu ld ad e d e p ro va , I I , 1 0 .9

- e au d iên cia , I I , 1 0 ,1 1

- e co n v icç ã o , I I , 1 0 .1 ; I I , 10 ,.2 ; I I , 1 0 3 ; I I ,

1 0 .5 ; I I , 1 0 .6

- c ra cio n a lid a d e , I I , 1 0 .6

- e v e ro ss im ilh a n ça , I I , 1 0 .2 ; I I , 1 0 .3 ; I I ,

1 0 .4 ..; I I , 1 0 ,5 ; 1 1 ,1 0 .1 0

- e m a çõ e s cau te lares , I I , 1 0

Protesto- citação, III, 12.3 ~ conceito, III, 121- condições de admissibilidade, III, 1 2 .2

- contraprotesto, III, 12.3 -editais, III, 12,3- entrega dos autos à parte, III, 12.3- finalidade, III, 1 2 .1

“ jurisdição voluntária, III, 12,1- petição inicial, III, 12.3- procedimento, III, 12,3 ~ recurso, III, 1 2 3

Provisoriedade, 1, 1 .1 ; I, 1 ,2 ; I, 1.5; I, 1 ,6 ; I, 3 3; I, 3 4; I, 4.5; I, 5 2; III, 15 2 ; III, 17.2

Purgação do atentado, III, 15,3

aQuesitos, III, 8.3 2

Quinhão do herdeiro, 1 , 8 .2

R

Receio de lesão, v pmcuítim ih mora

Reconvenção, II, 8 .1 ; II, 8 .2; III, 5.4; III, 9.4

Recusa~ da prova produzida de forma antecedente,

1,6.4- em depor, III, 8,2,1

- em exibir, 1, 6 3; III, 7.3- em realizar o protesto, III, 1 2 .2 ; III, 16 2- em sujeitar-se ao exame médico, III,

14.3- em tomar o depoimento, III, 8 2 .2

Redução- de exigência de convicção, II, 10,3; II,

10.10Referibilidade, 1 ,1 8

Registro imobiliário, III, 3,5; III, 12,3

Rendas, 1 ,1 ,9; III, 3.4; III, 9,2; III, 13,2; III,13.3

Page 385: Curso de Processo Civil - Volume IV - Processo Cautelar - Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart

ÍNDICE ALFABÉT1CO-REMISSIVO 393

Requisição dc força policial, I, 8 5; III, 6 .1

Resistência, II, 16; III, 4.4; III, 6.2; III, 16 2

Responsabilidade objetiva pela execução da medida cautelar- conceito, II, 2Ü..1- c medidas cautelares de oficio, I, 8 .3- hipóteses, I I , 20 .2

~ liquidação da indenização, II, 20,3- no caso de não citação do réu no prazo dc

cinco dias, II, 2 0 . 2- pela execução da medida cautelar após o

prazo de trinta dias, II, 20,2~ sentença de impiocedência no processo

de conhecimento, II, 20.2- sentença de improcedência no processo

cautelar, II, 20.2

Retenção ™ direito de retenção, III, 13 3- do título, III, 16.3

Revelia ~ em ação cautelar, II, 8,3- em ação dc atentado, III, 15,3 -e m ação de caução, III, 5.2.2- em ação de exibição, III, 7.4- presunção dela decorrente, II, 8.3

Revogação da medida cautelar, II, 11,2; II,19

Rka, m , 4 2

sSegredo de Justiça, III, 6 .2

Segurança da prova, I, 6.5

Selos, III, 10.3

Semoventes, III, 4.2; III, 7.3; III, 8.2.3

Sentença- e coisa julgada, v coisa julgada- c protesto, notificação e justificação, III,

12.3

- fu n d a m e n ta çã o d a s e n te n ça cau te lar , I I ,

1 5 .1

~ fun g ib ilid ad e do co n te ú d o , I I , 1 5 .3

- n a tu re z a , I I , 15 ..2

- se n te n ça cau telar, I I , 15

~ s e n te n ça execu tiv a , 1 , 1 2 ; I , 2 ,.4 ; I , 3 .4 ; I ,

4 .3 ; 1 ,4 .5 ; 1 , 4 6 ; I I , 1 5 .2 ; I I I , 1 6 ,.4 .3

- se n te n ça m a n d a m e n ta l, I , 1 2 ; I , 2 4 ; I,

3 .4 ; I , 4 .3 ; I , 4. 5 ; I , 4 ,6 ; I I , 1 5 .2 ; I I I , 5 .3 ;

I I I , 1 6 3

S e p a ra çã o d e co rp o s , v a fa s ta m e n to

te m p o rá rio d o cô n ju g e d a m o ra d a d o casal

S eq ü estro

- ca b im e n to , I I I , 4 .2

- competência, I I I , 4 4

- co n c e ito , 1 1 1 ,4 ,1

- d ep o sitá rio , I II , 4 .4

- d iferen ça co m o a rres to , I I I , 4 .1

- e fe ito s d o seq ü estro , I I I , 4 ,4

- e x e cu çã o , I II , 4 .4

- fin alidade, I I I , 4 .1

- o b je to , I II , 4 4

~ p ro ce d im e n to , I I I , 4 4

- req u isito s p ara a lim in ar, I I I . 4. 4

- req u isito s, I I I , 4 2

“ seq u estro s esp eciais, I I I , 4 .3

S erv id ão , I , 3 .4

S ig ilo d c co rre sp o n d ê n cia , I , 4 .2

S u b -ro g a ç ã o , I I , 1 5 .2

S u cesso r, I I I , 1 4 .3

S u cu m b ê n cia , I I , 2 0 .2 ; I I I , 5 .4 ; I I I , 1 3 .3

S u p rim e n to d e a u to riz a çã o p ara c a s a m e n to

d e m en o r, I I I , 1 7 .3 .4

I

T e rce iro , I , 8 .6 ; I I , 9 ; I I I , 3 ,2 ; I I I , 3 .3 .1 ; I I I ,

3 .5 ; I I I , 4 1 ; I I I , 5 .2 .1 ; I I I , 7 .1 ; I I I , 7 2 ; I I I ,

7 .3 ; I I I , 7 .4 ; I I I , 1 0 ,3 ; I I I , 1 2 .3 ; D I , 1 5 2 ;

I I I , 1 5 .4 ; I I I , 1 7 .3 .5 ; I I I , 1 7 3 7

Page 386: Curso de Processo Civil - Volume IV - Processo Cautelar - Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart

3 9 4 PROCESSO CAUTELAR

Testamenteiro, III, 7 3

Testamento, III, 9 .1

Testemunha, 1, 6 2; III, 8 .2 2

1 ítulo executiva, I, 1.9; I, 2 3; II, 9; II, 20 3;III, 3.2; III, 13.3

Transação penal, III, 16.4 2

Tutela antccipatória- definição, I, 3.1- e ações constitutivas, I, 3.4- e ações declaratórias, I, 3.4- e receio de dano irreparável ou dc difíci!

reparação, I, 3 ,2- e tutela cautelar (distinção), 1, 3 3- c tutelas inibitória c de remoção do ilícito

(distinção), I, 5 2- elementos, I, 3 1

Tutela asseguratória, I, 1 .2

Tutela cautelar- autonomia, III, 17 3. 7- conceito, I, 1.1

- cumulação, II, 6

~ de ofício, I, 8

- e tutela antecipatória (distinção), 1, 1 .6 ; I, 1.7; 1,1.8; 1,3.3

- c tutela inibitória (distinção), 1,2 2; 1 ,2 4; 1,4.5; 1,5.2

- e tutela dc remoção do ilícito (distinção), 1,2.2; 1,2.4; 1,4.6; 1,5 2

- e tutela preventiva (distinção), I, I, 1 9 ,1, 2.2,1, 2.4

-/umtts í?oni iuris, v./miws Í j o í i í iuris- fungibilidade, II, 5- inominada, I, 7; I, 8 6 ; III, 2 ; III, 17.3 8

- liminar, II, 7- natureza, 1,1..2

- periculum in mora, v. periculum in mora- tutela do direito de ação, I, 1 2

- provisoriedade, I, 1 1; 1 ,1 2; I, 14 ; I, 1 5; 1 ,1 6 ; I, 3.1; I, 3 2; I, 3 3; I, 3 4; 1, 4 5 ; I,

5 1; III, 15 2; III, 16 4,3- temporariedade, I, 1.5; II, 20 3

Tutelas contra o ilícito- evolução histórica, I, 2 2; I, 2,4; I, 4,3; 1,

4.5; I, 4.6- e rutcla cautelar (distinção), I, 4

Tutela de remoção do ilícito~ como tutela autônoma, 1,5 2

- definição, I, 4.1; I, 4.4- e tutela cautchr (distinção), I, 4 6

- e tutela inibitória (distinção), I, 4 4

Tutela inibitória- como direito fundamental, I, 4..1; I, 4.2 ~ definição, I, 4 1- direito material à tutela inibitória, I, 4 ,2

- e adequação ao direito material, 1,4 3- e tuteia cauteiar, I, 4 5; 1,5 2- e tutela de remoção do ilícito, I, 4.4

Tutela preventiva- e tutela cautelar (distinção), 1 ,1 .9; I, 2.2;

1,2.4

U

União, III, 3 4 ; III, 17 3 8

União estável, III, 4 . 2 ; III, 9 5; III, 17.3 2 ; III,17.3.3

V

Valor da causa, II, 4; III, 17 2

Vencido, 1, 1 .9; I, 7 3; II, 20 .2

Verossimilhança, v prova

Vício, 1,4.3; III, 162

Violação do dever dc honra, III, 7.2

Visita de filho, III, 17 3 7

Vistoria ad perpetuam rei memoriam, v. asseguração de prova

Vizinhança, II, 5

Page 387: Curso de Processo Civil - Volume IV - Processo Cautelar - Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart

Obras dos Autores

Luiz G u ilh e rm e M aü in o ni

AIjuso ric dc/csíi c parte incontroversa da demanda São Paulo: RT, 2007

Abuso dc d e fa is a y parte incontrovertida de la demanda Lima: Ara Editores, 2007 .

Aiiíccipação da tutela 11 ed rev e ampl. São Paulo: RT, 2009

Coisri julgada inconstitucional São Paulo: RT, 2009.

Código dc Proccsso Civil Comentado (artigo por artigo) 2 cd rev c ampl São Paulo: RT.2 0 1 0 (com Daniel MUidiero)

Comentários ao Código de Processo Civil; Do proccsso dc conhecimento - Arts 3 3 2 a 3412 ed rev. atual e ampl São Paulo: RT, 200 5 vol 5 , l I (com Sérgio Cruz Arenhart; coord Ovídio A Baptista da Silva)

Conientdrios ao Código âc Proccsso Civil; Do processo de conliccimcnto - Arts 34 2 a 44 3 2 ed rev., atual e ampl São Paulo: RT, 2 005 vol 5, t II (com Sérgio Cruz Arenhart; coord Ovídio A Baptista da Silva)

Dectsíón de inconstitucionalidady cosa juzgada Lima: Com m unitas, 2 008

Dcrcciio/midíimcmal a J<z jtiriscfícctortci! cjectiva Lima: Palestra, 2007

E/eíividade do processo c tutela dc urgência Porto Alegre: Fabris, 1994 (esgotado)

Execução 3 ed. rev. e atual São Paulo: RT, 201 0 (com Sérgio Cruz Arenhart) (Curso de processo civil, v. 3 .) (no prelo)

Novas Jinluis do proccsso civil 4 ed São Paulo: M alheiros, 200 0 (esgotado)

Procedimentos especiais 2 ed São Paulo: RT, 201 0 (com Sérgio Cruz Arenhart) (Curso dc processo civil, v. 5 ) (no prelo)

Proccsso cautelar. 2 cd rev. c atua! São Paulo: RT. 2 0 1 0 (com Sérgio Cruz Arenhart) (Curso dc proccsso civil, v. 4 )

Processo de conliccimcnto 8 cd rev e atual São Paulo: RT. 2 010 (com Sérgio Cruz Arenhart)(Curso dc processo civil, v 2 )

Prova São Pauio: RT, 2 0 0 9 (com Sérgio Cruz Arenhart)

Questões do novo direito processual civil brasileiro. Curitiba: ju ru á , 1999 (esgotado)

Repercussão geral no recurso extraordinário. 2 ed São Paulo: RT, 2 0 0 8 (com Daniel M itidiero).

Técnica processual e tutela dos direitos 3 ed rev. e atu al São Paulo: RT, 2 010

Teoria geral do proccsso 4 ed rev. e atual São Paulo: RT, 2 0 1 0 (Curso de proccsso civil, v 1 )

Tutela anticipada Lima: Ara Editores. 2007

Page 388: Curso de Processo Civil - Volume IV - Processo Cautelar - Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart

396 PROCESSO CAUTELAR

Tutela antecipatória e julgam ento antecipado - Paric incontroversa da demanda 5 ed rev, atual e ampl São Paulo: RT, 2 002 (esgotado)

Tutela cautelar c tutela antccipatória São Paulo: RT, 1992 (esgotado)

Tutela especifica - Arts 4 6 1 , CPC e 8 4 , CDC 2. ed rev. São Paulo: RT, 2001 (esgotado)

Tutela especifica dc los derechos Lima: Palestra, 2 0 0 8

Tuícia jnibiídrííi ~ Individual e coletiva 5 ed rev , atual e am pl São Paulo: RT, 2 0 1 0 (noprelo)

S é r g io C r u z A r e n h a r t

A íuíe/fl inibitória da vida privada São Paulo: RT, 2 0 0 0

Código Modelo dc Procesos Coletivos: Un diálogo iberoam ericano Com entários artículo por articulo M exico: Porrua, 2008. (com A ntonio Gidi e Elton V e m u ri)

Comentários ao Código de Processo Civil 2 ed São Paulo: RT, 2 0 0 5 vs 1 e 2

Eveciiçclo 3 ed rev c atual São Paulo: RT, 2 0 1 0 (com Luiz G uilherm e M arinoni) (Curso dc processo civil, v. 3 ) (no ptelo)

Perfis da tutela inibitória coletiva São Paulo: RT, 2 003 v. 1

Procedimentos especiais 2 ed São Paulo: RT, 2 0 1 0 (com Luiz G uilherm e M arinoni) (Curso dc processo civil, v 5 .) (no prelo) Processo cautelar. 2 ed rev. e atual São Paulo: R I, 2 0 1 0 (com Luiz G uilherm e M arinoni) (Curso de processo civil, v. 4 .)

Proccsso dc conhecimento 8 ed rev. e atual São Paulo: RT, 2 0 1 0 (com Luiz G uilherm e M arinoni) (Curso dc processo civil, v 2 )

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CURSO DE PROCESSO CIVIL

10-02172

Volume 1

L u iz G u il h e r m e M a r jn o n i

Teoria Geral do Processo 4 ed rev. c atual.., 2010

Volume 2

Luiz G u i l h e r m e M a r i n o n i

S é r g i o C r u z A r e n h a r t

Processo de Conhecimento8. ed.. rev,, e atual., 2010

Volume 3

L u iz G uil h e r m e M a r in o n i

S é r c io C r u z A r e n h a r t

Execução2 ed, rev c atual.,, 2008

Volume 4L u iz G u i l h e r m e M a r i n o n i

S é r g i o C r u z A r e n h a r t Processo Cautelar

2 ed.., rev. e atual, 2010

Volume 5 L u iz G u i l h e r m e M a r i n o n i

S é r g i o C r u z A r e n h a r t Procedimentos Especiais

2010

Vide obras dos autores na p 395.

Dados ln lem adm iuls de C atalogação na Publicação (C1P)(C âm ara Brasileira do Livro, SP , Brasil)

Marinoni. L.uií GuilhermeProcesso catitelar / Luiz Guilherme Marinoni Sérgio Cru?. Arenhart

- 2 ed - São Pauto: Editora Revista dos Tribunais, 2010 - (Coleção curso ile processo eivil ; v -1)

ISBN 978-85-203-3642-7 Bibliografia

I Processo cautelar 2 Processo cau te lar- Brasil 3 Processo cameiar - Leis e legislação - Brasil I Arcnhan. Sérgio Cru?.. II Título III Stíric

C D U -347 994 1(81)

índices pura catálogo sistem ático: 1. Brasil : Processo cauiclar : Processo civil347 994 l<81)