Curso de Epistemologia/6 2

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Fundamentos Epistêmicos da Medicina 2.2. Conhecimento e Verdade "O destino habitual das novas verdades é começar como heresias e acabar como superstições" (T. H. Huxley.) Pretende-se considerar aqui apenas dois pontos de vista doutrinários presentes da Gnosiologia atual: 1) o dos realistas e dos materialistas (que sustentam que o conhecimento é uma marcha progressiva em busca da verdade contida nas teorias, nas coisas e nos constrtutos); e 2) o dos idealistas e fenomenistas que pretendem ser impossível conhecer os objetos mesmos, porque o conhecimento se limitaria a uma imagem mais ou menos distorcida de sua aparência, enganadora por definição). Os positivistas lógicos e outros fenomenologistas imaginam a verdade apenas como atributo da linguagem, por isto reduzem-na a um fenômeno lógico, verbal. Os fenomenistas intuicionistas pretendem a verdade como fruto exclusivo da intuição (conhecimento independente da razão ou da experiência). Os materialistas e realistas tem-na como qualidade fática, um fenômeno da realidade por extressar a correspondência entre o 1

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Fundamentos Epistêmicos da Medicina

2.2. Conhecimento e Verdade"O destino habitual das novas verdades é começar como heresias e acabar como superstições" (T. H. Huxley.)

Pretende-se considerar aqui apenas dois pontos de vista doutrinários presentes da Gnosiologia atual: 1) o dos realistas e dos materialistas (que sustentam que o conhecimento é uma marcha progressiva em busca da verdade contida nas teorias, nas coisas e nos constrtutos); e 2) o dos idealistas e fenomenistas que pretendem ser impossível conhecer os objetos mesmos, porque o conhecimento se limitaria a uma imagem mais ou menos distorcida de sua aparência, enganadora por definição).

Os positivistas lógicos e outros fenomenologistas imaginam a verdade apenas como atributo da linguagem, por isto reduzem-na a um fenômeno lógico, verbal. Os fenomenistas intuicionistas pretendem a verdade como fruto exclusivo da intuição (conhecimento independente da razão ou da experiência). Os materialistas e realistas tem-na como qualidade fática, um fenômeno da realidade por extressar a correspondência entre o pensamento e a experiência com fato a que ele corresponde.

Desde um ponto de vista materialista, pretende-se que a verdade (do latim, veritas) se refira ao conhecimento que pode ser tido como verdadeiro, posto que se reconhece pela concordância, adequação, correspondência ou identidade com aquilo a que se refere. Esta questão central consiste em saber se é possível haver um conhecimento verdadeiro e, sendo possível, se haverá viabilidade em reconhecer esta verdade como tal (isto é, de

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demonstrar, comprovar ou verificar esta verdade). Ainda que isto se faça de forma permanenteente incompleta e provisória, mas mesmo que completa e definitiva este fato á de ser sempre estabelecido probabilisticamente.

Aqui se define verdade como reflexo mais ou menos fiel da realidade no pensamento (através da razão ou da percepção) e como fidelidade de sua expressão naquilo que pretende afirmar.A possibilidade de se conhecer a verdade (nas proposições, na natureza, na sociedade ou nos seres humanos) ou a possibilidade de se estabelecer um certo teor ou probabilidade de verdade em um conhecimento ou informação é talvez o mais candente dos problemas de ciência e da construção do conhecimento científico.

O teor máximo de verdade que possa ser reconhecido em uma proposição denomina-se veracidade. Verossimilhança (ou verosimilitude) é o termo que expressa a semelhança de uma proposição com a verdade ou com a identidade de dois conceitos ou duas proposições, teor de verdade que pode ser expresso em percentuais.

A veracidade de um conhecimento é expressa pelo se grau de verdade que contém (ou que existe na proposição que o expressa). Se bem que todo conhecimento, por definição, envolva algum grau de convicção de que aquele dado da consciência corresponde à verdade (o contrário de falsidade). Contudo, não se pode confundir o conhecimento com a convicção de realidade. O que será mais detalhado logo adiante neste trabalho (quando se diferenciar veracidade de verossimilitude).

Desde que se estuda a forma e o conteúdo do conhecimento foram se diferenciando o conhecimento vulgar (mais ou menos espontãneo, ametódico, acrítico e assistemático); do conhecimento filosófico (verosímil, intencional, metódico e sistemático, referentes à generalidade dos objetos e fenômenos); e do conhecimento científicofactual � (idêntico ao filosófico, mas referente a classe partculares de objetos e fenômenos da raelidade natural, social ou humana) sugiu a necessidade de

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caraterizar casa uma detas modalidades de conhecimento e as relações entre elas.

Desde Leibnitz, em filosofia da ciência diferencia a veracidade lógica ou verdade da razão (referente a idéias, proposições e formulações teóricas, característica das filosofia e das ciência ideiais), da veracidade fática referente às verdades casuais, verdades de fato (que se referem à correspondência dos fatos com o que se conhece sobre eles). Posição mental que integra o racionalismo com o sensualismo.

Do ponto de vista epistemológico, no conhecimento científico deve-se diferenciar dois pares categorias complementares da Epistemologia: o que já se conhece e o que resta para conhecer sobre algo; e o conhecimento completo e exaustivo que se possa elaborar sobre algo em confrontação com conhecimentos parciais e segmentares que se possa construir. O primeiro ponto de vista corresponde ao da maioria dos autores, enquanto o segundo, tem a marca do dogmatismo.

Entretanto, por definição, o procedimento de conhecer implica sempre, para o sujeito do conhecimento, em alguma convicção de que aquilo que se conhece é verdadeiro, que corresponde à verdade. A convicção na veracidade é um componendispensável da noção de conhecimento. E o teor da possibilidade de um enunciado ser verdadeiro se expressa em termos de probabilidade.

Esta questão parece crucial para a atividade científica. Afinal, a ciência sempre pretendeu produzir conhecimento verdadeiro. Se não completa e perenemente verdadeiro, ao menos, o mais verdadeiro possível em cada momento de sua evolução.

Do ponto de vista da verdade, os enunciados e as proposições (inclusive os enunciados e as proposições científicas podem ser classificados em verdadeiros e falsos. Estes, podems er atribuídos ao engano ou à mentira.

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Conhecimento e Convicção

Todo conhecimento inclui a participação do eu de quem conhece, ou seja, a convicção de veracidade naquilo que é tido como conhecido pelo sujeito. Isto é, a crença em sua veracidade. Ainda que esta crença não seja característica essencial sua, porque as pessoas podem cultivas crenças em proposições impossíveis, absurdas. Os não digmáticos têm oconhecimento como uma modalidade particular de crença (a crença justificada através do recursos de comprobabilidade, lógico- ou fáticos, possíveis no momento).

A aquisição do conhecimento pelo sujeito cognoscente consiste no processo funcional de apreensão e elaboração ativas de informações sobre um objeto qualquer a ser conhecido, sob a forma de uma imagem perceptiva, apreensão, noção, conceito ou um componente qualquer da consciência que pode ser processado logicamente e assimilado pelo sujeito como uma imagem da memória (representação), possível de ser evocada e reconhecida como verdadeira.

Por isto, todo conhecimento está sempre associado à consciência pelo agente de algum grau de convicção de verdade sobre si, porque quem conhece deve capaz de reconhecer como verdadeiro o seu conhecimento. A menos que se engane ou falseie deliberafamente a verdade. E é também por isto que a atividade científica elabora e constantemente aperfeiçoa procedimentos para se assegurar da veravidade (ou, ao menos verosimilitude, de seus achados teóricos e práticos.

Aqui se presume que todo conhecimento factual científico por definição implica em alguma certeza de correspondência com a realidade. De fato, mesmo o conhecimento comum implica em algum grau de convicção de que o conhecido é verdadeiro. Contudo, o conhecimento científico deve ao mnos resistir a algum esforço metodologicamente aprovável de qu é verdadeiro ou, ao menos, que não é falso. Convém diferenciar conhecimento e crença, pois, desde sua origem, a noção de conhecimento se

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opõe à de crença, embora ambas apresentem algum grau de convicção. Pode haver convicção muito arraigada, uma crença muito firme, que não possa ser denominada de conhecimento.

Entretanto, nem toda convicção, mesmo intensa, arraigada e profundamente dotada de participação do eu, provém da correspondência com a verdade, muita convicção se origina na credulidade, capacidade de acreditar independente de comprovação ou demonstração. A convicção da realidade de uma informação costuma estar assentada em u ou dois pilares interagentes : sua correspondência com a realidade (dimensão objetiva) e da tendência do sujeito a acreditar nela (dimensão subjetiva).

Desde Aristóteles, se conhece o seguinte caminho da busca da verdade dos objetos desconhecimento: ignorância, dúvida, opinião ou impressão (doxa) e a certeza (episteme). Cada um desses momentos aponta para um grau progressivamente maior de convicção verificável

O conhecimento é um estrutura de informações e de habilidades que coexistem com a noção de ser coerente internamente e consistente em sua relação com a realidade e é esta possibilidade de utilizar um critério de verdade que diferencia as simples crenças das convicções provindas do conhecimento.

O conhecimento se diferencia das crenças e do pensamento mágico-mítico-religioso que não podem ser chamados de dados do conhecimento, ainda que componham o patrimônio de certezas de muitas pessoas e sejam potencialmente capazes de exercer influência na propulsão, direção e modulação de seus comportamentos (inclusive as atitudes cognitivas, afetivas e referentes à conduta interpessoal). Pois, sabe-se que as crenças exercem papel motivador muito importante nos comportamentos e que correspondem a necessidades psicológicas ou ideológicas sempre mais ou menos valiosas para quem as experimenta e cultiva.

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As crenças (ou dogmas) são conteúdos de natureza afetiva e não cognitiva, embora se expressem como conceitos, juízos e raciocínios como o conhecimento. E porque são fenômenos afetivos, se consolidam, se ampliam e se enraízam em função destes motivos e não pelo convencimento provindo da razão.

Também costuma discutir se o conhecimento se limita a existir como atividade da consciência, uma representação mental de seu sujeito que incluiu uma imagem do objeto, ou se o processo de conhecer se dá pela incorporação e assimilação pelo sujeito das características do objeto. E, neste segundo caso, o fato de conhecer, determina uma transformação em quem conhece.

Conhecimento, Verdade e Falsidade

A definição mais sintética de verdade, designa-a como conhecimento da realidade ou adequação à realidade; da realidade factual, da realidade lógica ou da realidade de uma convenção.

A convicção de veracidade contida em uma proposição ou em sistema de proposições é, por definição, uma característica do conhecimento. Todas as formas de conhecimento compartilham esta condição, Por isto, podem ser consideradas crenças. No conhecimento comum, estas crenças não são verificadas, diferentemente do conhecimento filosófico e, especialmente. Do conhecimento científico, os quais contêm recursos metodológicos qie realizam a aferição do seu grau de veracidade.

O objetivo mais importante desta relação cognitiva com alguma certeza de verdade parece ser assegurar que aquilo que se conhece corresponde à verdade objetiva, a verdade lógica ou à verdade convencionada, conforme for o caso. Pode ser considerado como verdadeiro. Com isso, o sujeito cognoscente pode usar o que conhece em seu processo permanente de se adaptar ao mundo, de se defender dos riscos, de aumentar seu

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conforto, sua segurança e se assegurar maior probabilidade de sobreviver com o maior bem-estar que lhe for possível.

Ao menos do ponto de vista do conhecimento científico, importa que este grau de veracidade esteja devidamente confirmada por meio de alguma forma de verificação confiável.

O conhecimento científico é uma forma específica de crença caraterizada pela possibilidade de verificar o teor de verdade que contém. Pois, crenças são todos os conteúdos psíquicos aos quais o agente atribui veracidade. Quando este teor de verdade pode ser verificado, seja logicamente na demonstração ou factualmente na comprovação, é que se deve denominar conhecimento científico. Como se vê, por esta definição que se usa aqui, o conhecimento deve corresponder à verdade, pois o conhecimento é uma espécie de reflexo ou representação da realidade, acompanhado de alguma convicção de que se trata da verdade. Ainda que se saiba que a noção de verdade pode ser modificada com o tempo e a experência

Analogamente, define-se verdade como reflexo fiel e autêntico da realidade no pensamento e como fidelidade de sua expressão naquilo que pretende afirmar. Este dois elementos conceituais da verdade são a validade (o quanto uma proposição reflete o aspecto da realidade a que se refere) e a fidedignidade o quão fielmente os termos de uma proposição transmitem aquilo que enunciam.

Outra ponderação a ser feita é que as ciências durante séculos estiveram abrigadas no interior da Filosofia. Por muito tempo, até o Renascimento, as ciências na natureza foram englobadas pela Filosofia Natural ou Filosofia da Natureza. Foi deste ramo da Filosofia que se originaram todas as ciências naturais na modernidade.

A questão da verdade contida nos conceitos, nos juízos e nas proposições está situada no vértice tipificador de toda discussão a respeito do conhecimento. Principalmente, porque, por definição,

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todo conhecimento se completa em alguma convicção de sua veracidade Tanto como fenômeno individual, quanto como processo cultural.

Pode-se dizer que a verdade (do latim, veritas), reporta-se ao conhecimento verdadeiro. Nestes termos, segundo Aristóteles e os clássicos e os escolásticos, é aquele que se reconhece pela concordância, adequação, correspondência ou identidade com aquilo a que se refere: a identidade ou correspondência do conhecimento com o objeto estudado; um fato real ou com um argumento racional. Para eles, existe verdade quando há correspondência entre o pensamento, expresso por um conceito ou por uma proposição, e a realidade factual ou lógica a que ele se refira.

Assim, seguindo-se esta tendência, pode-se definir verdade como reflexo o mais fiel e autêntico da realidade no pensamento que for possível obter e, também, como a possível fidelidade de sua expressão com aquilo que pretende afirmar ou negar em uma proposição. Levando em conta as suas formas intermediárias, expressas em probabilidade. Contudo, este critério de verdade como corresondência com a realidade só se presta para aferir as proposições das ciências factuais. Não tem eficácia nas ciências formais (ou ideais) nem nas situações em que o fenômeno estudado é convencionado, como sucede com as denomiações que se atribuem às coisas ou os nomes das pessoas.

Não obstante, pode-se afirmar genericamente que a verdade reflete a concordância entre dois extremos conceituais: dois fatos (ou dados reais, dois entes existentes), dois dados intelectuais (duas idéias) ou uma idéia e um fato da realidade. A verdade se expressa por conceitos ou proposições verdadeiras que se referem a estes tipos de relações possíveis entre os objetos estudados.

A questão da verdade está intimamente ligada à cognoscibilidade porque o essencial no conhecimento é que ele se reflita a objetos e fenômenos verdaderos. Se não houvesse cgnoscibilidade ão haveria ciência. Aqui, a questão central da Gnosiologia consiste

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em saber se é possível haver um conhecimento verdadeiro e, sendo possível, se haverá viabilidade em reconhecer esta verdade como tal (isto é, de demonstrar, comprovar ou verificar esta verdade). Por isto, todo conteúdo mental que mereça ser chamado de conhecimento presume a convicção de verdade.

Veracidade do conhecimento. Aqui se coloca a questão do que é a verdade, especialmente da verdade científica. Se ela existe e como pode ser reconhecida e quais seriam seus limites. Pois, estas são as perguntas mais importantes nesta matéria.

O oposto da verdade não é a mentira, é a falsidade. A falsidade pode provir de engano ou de mentira. Mentira é a falsidade deliberada. Uma proposição não verdeira é uma proposição falsa. Falsidade e verdade são manifestações lógicas opostas.

A verdade e a falsidade são possibilidades existentes ao final dos procedimentos de verificação ou comprovação das proposições (ou enunciados). Pode-se afirmar genericamente que a verdade reflete a concordância entre dois extremos conceituais: dois fatos (ou dados reais, dois entes existentes), dois dados intelectuais (duas idéias) ou uma idéia e um fato da realidade.

A verdade se expressa por conceitos ou proposições verdadeiras que se referem a estes tipos de relações.

Nas ciência formais, as verdades são do tipo lógico e se referem a proposições que expressam idéias e delas retiram conclusões lógicas que podem ser verificadas racionalmente.

Todo ente é verdadeiro como tal, mesmo que se trate de uma fantasia; sua existência é comprovante de sua veracidade. O mito de Papai Noel, torna o Papai Noel, verdadeiro como personagem mítico e não como um ser humano real. O personagem (de literatura, cinema teatro) é verdadeiro como personagem, ainda que não o seja como pessoa (ainda que esteja sendo representado por uma ator que é uma pessoa verdadeira e represente alguém que exista de realmente).

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Considera-se aqui os seguintes tipos de verdade: a verdade objetiva ou ontológica, a verdade lógica, a verdade convencional.

A verdade material, verdade factual ou verdade ontológica consiste na comprovação da existência objetiva de uma coisa.

A verdade lógica consiste na conformidade, adequação ou consistência de duas idéias ou de uma idéia e a realidade.

A verdade convencional se expressa em uma proposição que obedece a regras convencionadas.

A falsidade é o conceito oposto ao de verdade, coerência ou correspondência com a realidade.

Existe uma falsidade ideal (quando falta correspondência ou adequação entre duas idéias que é a falsidade dos raciocínios ou das arquiteturas lógicas) e uma falsidade material ou factual (quando inexiste correspondência entre um fato e uma idéia, como acontece nas ciências factuais, como se de ver adiante).

As noções verdade e falsidade e, mais comumente, verdadeiro e falso são atribuídos a conceitos, a juízos e a raciocínios. As proposições construídas com estas figuras lógicas podem ser tidas como verdadeiras acreditadas como falsas.

Falsicabilidade é o princípio proposto por Popper para o conhecimento factual, pelo qual deve-se ter uma proposição como verdadeira enquanto ela não for comprovada como falsa. Isto é, enquanto resistir aos esforços metodologicamente corretos para comprovar sua falsidade. Este é núcleo essencial do conceito popperiano de verdade.

Ao contrário do que se pensa, quando se trabalha com os conceitos do conhecimento vulgar, o oposto de verdadenão é mentira, é a falsidade. E a falsidade pode se radicar no desconhimento, no engano ou na mentira A mentira é uma form da fasidade.

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Conhecimento: Impressão e Certeza da Verdade

Anteriormente, neste trabalho, já se definiu o conhecimento como a apropriação mental pelo sujeito de propriedades do objeto do conhecimento (objetos, fenômenos e relações deles entre sí e com o mundo); tal apropriação se faz através da apreensão de características descritivas ou explicativas do que está sendo conhecido; e implica, sempre, em um certo grau de certeza de que aquele conhecimento seja verdadeiro.

A impressão ou mesmo certeza de veracidade é característica fundamental do conhecimento. Ainda que não possa (nem deva) ser tomado como indicador de veracidade. Também já se apontou para o fato de que a ceeteza de verdade pode ter origem objetiva ou subjetiva. E que essa última depende do raciocínio ou dos interessos afetivos ou ideológicos da pessoa cognoscente.

Por definição, não há conhecimento sem que haja alguma convição de veracidade ou inveracidade no conteúdo pensado como conhecido. Além do conhecimento, tudo o que é pensado ou sentido como crença, inclui essa convicção de verdade ou algum grau de dúvida. Mesmo que não o seja verdadeiro, pode ser sentido como se fosse. Pois, nem toda convicção de veracidade corresponde à existência de veracidade, sequer de verossimilitude. Alguém pode ter certeza (uma impressão muito forte, uma convicção bastante arraigada) de que uma proposição é verdadeira e ela ser falsa; não ser uma verdade, mas uma falsidade, como acontece nas crenças da fé.

A definição mais sintética de verdade, designa-a como conhecimento da realidade; da realidade lógica ou da realidade factual. Anteriormente, neste trabalho, já se definiu o conhecimento como a apropriação mental pelo sujeito de propriedades do objeto do conhecimento (objetos, fenômenos e relações deles entre si e com o mundo); tal apropriação se faz através da apreensão de características descritivas ou explicativas do que está sendo conhecido; e implica, sempre, em um certo grau de certeza de que aquele conhecimento é

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verdadeiro. A impressão de veracidade é uma característica fundamental do conhecimento.

Tudo isso considerado, pode-se afirmar que a convicção de veracidade está sempre presente em todo conhecimento, se bem que em diferentes graus. A crença, a impressão (ou a convicção) de verdade de uma coisa quase nunca é evidenciada por ela mesma, mas por suas relações.

Este grau de convicção da veracidade do conhecimento se caracteriza por se saber que se sabe e saber o que se sabe, permite reconhecer e ocasiona a possibilidade de comunicar que são características essenciais de todo conhecimento, porque não se conhece verdadeiramente, qualquer que for o tipo ou o grau deste conhecimento, se não se for capaz de reconhecer a coisa conhecida como tal ou de comunicar sobre ela. Já se viu que, com o sentido de conhecimento-resultado, também significa o acervo de informações proporcionadas por estes processos.

No conhecimento vulgar, a convicção de verdade existente em um conhecimento  qualquer sobre alguma coisa resulta apenas da impressão subjetiva de sua veracidade na consciência do agente do processo de conhecer; neste caso, quando se busca alguma comprovação para reforçar a convicção, esta não deve passar de uma comparação de aparências.

No entanto, este procedimento mental é muito influenciado pelos interesses objetivos e subjetivos; neste caso, quando se busca alguma comprovação para reforçar a convicção, esta não deve passar de uma comparação de aparências. Enquanto no conhecimento científico, a noção de veracidade de uma proposição é dado por um programa sistemático de investigação que fornece a necessária consonância de seus conceitos e suas proposições entre si e com a realidade factual.

No âmbito do conhecimento filosófico, como no das ciências formais (lógica, matemática) o critério de verdade é dado pela

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consistência de seus conceitos e de seus juízos. E a convicão é fruto do convencimento da correção logica da elaboração que é um processo cognitivo.

De qualquer forma, ainda que a convicção seja parte importante do saber, conhecer é essencialmente diferente de acreditar, ter como verdadeiro, ter fé; pois, embora todo conhecimento implique em uma certa convicção de veracidade, a convicção pode provir ou não do conhecimento, pode ser fruto da fé.

Em ambos os casos, a convicção tem estruturas completamente diferentes: crença nas diversas modalidades de conhecimento vulgar e convencimento no conhecimento superior (científico e filosófico).

O conceito de verdade é sempre atribuído a um juízo (um enunciado ou uma proposição, como se diz em linguagem da ciência). Quando se trata de um juízo científico em uma ciência factual, tem-se uma verdade científica factual. Essas verdades científicas são do tipo factual, por isto, devem ser objetivas.

A objetividade é um pressuposto tido como essencial para caracterizar uma verdade científica, o que não deve ser confundido com objetivismo (que implica na recusa sistemática de tudo que não for objetivo). Por isto, a objetividade se situa como uma característica fundamental da ciência. A objetividade, entendida como independência em relação ao observador, é um elemento importante para o reconhecimento da verdade. A objetividade, entendida como independência em relação ao observador, é um elemento importante para o reconhecimento da verdade.

Tipos de Verdade

Na dependência das difererentes opiniões filosóficas que possam ser alimentadas por quem ofaz, podem ser mencionadas diferentes modalidades de verdade, dentre as quais ;e bastanete comum que sejam destacadas as seguintes:

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- a verdade lógica ou verdade formal (que se expressa na consistência lógica entre conceitos e ou juízos);

- a verdade factual, também chmada objetiva, experimental ou material (que manifesta a coerência entre uma proposição e um fato objetivo);

- a verdade axiomática ou verdade convencional, (que traduz a fidedignidade de algo que foi convencionado, como o nome de uma pessoa ou coisa, por exemplo);

- a verdade narrativa (que expressa a correspondência entre uma narrativa e a história que está sendo narrada, quer essa se refira a acontecimentos reais ou produtos da imaginação).

Cada um destes tipos de verdade se materiza na correspondência entre uma proposição e aquilo que ela menciona. O conhecimento do conteúdo de verdade de uma proposição resulta do critério de verdade com o qual ela é aferida. A noção de convicção de veracidade ou de certeza da verdade em uma proposição ou em uma teoria pode se dar por qutro mecanismos chamados critérios de verdade.

O primeiro, é o critério da consistência ou da consonância com a realidade lógica a que se refere. Identifica a verdade pela demonstração da coerência interna das proposições que formam uma tese; a verdade lógica. Caracteriza as ciências formais. Por exemplo, dois objetos iguais a um terceiro são iguais entre si, um cálculo aritmético.

O segundo critério de verdade, é o critério de consonância com a realidade material, que caracteriza as ciências factuais. Este critério estabelece um conceito (ou uma proposição) como verdade na medida em que seja comprovado como adequado à realidade. Além destes dois critérios de verdade, existe um terceiro que é dado pela comparação com o modelo convencionado ou aceito como padrão (que é usado para estabelecer as verdades convencionais), como nas escalas de avaliação, pesos, medidas e nas convenções e normas sociais.

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Além destes dois critérios de verdade, existe um terceiro que é a comparação com o modelo convencionado ou aceito como padrão (que é usado para estabelecer as verdades convencionais), como nas escalas de avaliação, pesos, medidas e nas convenções e normas sociais. O quarto tipo de aferição de veracidade, o da verdade narrativa, trata da verificação de uma narrativa com o que é narrado.

Quando o conhecimento da realidade começou a demolir as chamadas verdades religiosas, os dogmas das religiões, um filósofo católico, AVERRÓIS (1126 -1198) inventou a doutrina da dupla verdade provavelmente para enganar crédulos e inquisidores. Consistia no seguinte: duas afirmativas contraditórias, uma científica e outra religiosa, podiam ser ambas verdadeiras (cada uma em seu mundo), ainda que se mostrassem antagônicas.

Adiante, se há de estudar um pouco mais sobre a verdade científica e as noções de veracidade e verossimilitude como importantes elementos lógicos do conhecimento científico. Por enquanto, deve-se continuar a cuidar da comparação da convicção nas crenças no processo e no resultado do conhecimento e a relação do conhecimento com a verdade. Porque não é a convicção de realidade ou impressão mais ou menos arraigada de verdade, como experiência subjetiva, que caracteriza o conhecimento, notadamente o conhecimento cientifico. A convicção de realidade é comum do conhecimento e das crenças.

Distinguem-se as proposições verdadeira das falsas por meio do emprego dos assim chamados critérios de verdade, Critério de verdade é como se denomina o procedimento lógico ou metodológico que se utiliza para avaliar o grau de veracidade (conteúdo de verdade) ou de verossimilitude (semelhança com a verdade) contida em uma proposição.

Quando o critário de verdade se revela negativo, indica a falsidade da proposição examinada com ele. Entretanto, é preciso reparar que cada modalidade de verdade exige o emprego de um

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critério de verdade compatível com sua natureza. Destarte, quando se pretende identificar uma verdade factual, uma verdade lógica, uma verdade convencional ou uma verdade narrativa, deve-se empregar o tipo de critério de verdade mais adequado para aquele tipo de proposição.

O critério empregado para identificar uma verdade material (também denominada verdade factual ou verdade ontológica) consiste na comprovação da existência objetiva da coisa ou do fato a que uma proposição se refere. O método experimental é o recurso científico mais eficaz para comprovar ou negar uma verdade factual utilizando uma ou mais experimentações desenhadas segundo um modelo confiável de investigação.

O critério usado para identificar um verdade lógica consiste na verificação da conformidade, adequação ou consistência de duas idéias ou de uma idéia e a realidade. O intelecto e a razão são os recursos usados em tal processo. A demonstração de um teorema é um bom exemplo da comprovação de uma verdade lógica.

O critério para verificar a verdade convencional reside na constatação da verdade (a correspondência da coisa com o conceito ou o juízo convencionado); usa-se este critário para promover a verificação  de uma convenção ou de um axioma, para verificar o nome de uma pessoa ou o significado de uma palavra. .

A falsidade é o conceito oposto ao de verdade, coerência ou correspondência com a realidade (factual, lógica ou axiomática).

Na falsidade ideal falta correspondência ou adequação entre duas idéias que é a falsidade dos raciocínios ou das arquiteturas lógicas; e pode-se identificar uma falsidade material ou factual quando inexiste correspondência entre um fato e uma idéia. As verdades e as falsidades ideais e as verdades e falsidades factuais estruturam as ciências ideais e as ciências factuais.

As noções de verdade e falsidade (ou como se diz mais comumente, as noções de verdadeiro e falso) podem ser

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atribuídas tanto a conceitos, como a juízos, a raciocínios e a teorias. Por isso, as proposições construídas com estas figuras lógicas podem ser tidas como verdadeiras ou acreditadas como falsas.

Conceitos, juízos, raciocínios e teorias construídos com enunciados verdadeiros, são considerados verdadeiros. Caso contrário, falsos. Basta um conceito falso na estrutura de um juízo para tornar falso qualquer juízo construído com ele. E basta uma proposição falsa em uma estrutura racional simples ou complexa para tornar falso um racicínio que o contenha. Se um conceito ou um juízo essencial na estrutura de uma teoria for verificado falso, isso compromete a veracidade daquele estrutura teórica.

Verificabilidade - qualidade de tudo o que é verificável por qualquer recurso lógico ou experimental, ao mesmo tempo, na possibilidade de se verificar a veracidade ou falsidade de uma proposição na teoria (demonstração) ou na prática (comprovação). Portanto, pode-se verificar aa verdadede um conceito juízo, raciocínio ou teoria por meio de comprovação (procedimento prático) ou demonstração (procedimento teórico), recursos que devem se completar na atividade epistemológica. .

Demonstrabilidade - conceito usado para a verificação nas ciências formais, que pode se referir à qualidade de tudo o que for demonstrável ou à possibilidade de se demontrar logicamente um raciocínio mais ou menos complexo ou uma teoria.

Comprobabilidade pode significar a qualidade de tudo o que for comprovável ou o tipo de verificabilidade que se faz por meio correspondência de um enunciado (ou proposição) com a realidade do fato a que ela se refere.

Falsificabilidade é o princípio proposto por Popper para obter o conhecimento factual verdaeiro, ainda que relativo e provisío, pelo qual pode-se ter como verdeira uma proposição enquanto ela não for comprovada como falsa (ou enquanto resistir aos

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esforços metodologicamente corretos que forem feitos para comprovar sua falsidade).

Conhecimento, Crença e Fé

De uma maneira bastante particular, mas relativamente comum, é freqüente que se definam a crença e a fé da seguinte maneira:

- o conhecimento, ja se afirmou, consiste na apropiação pelo sujeito de propriedades de um objeto, o que se acompanha por alguma convicção de que aquilo se trata da uma verdade;

- crença como o fenômeno subjetivo pelo qual se considera uma proposição qualquer como verdadeira ou falsa qualquer que for seu conteúdo e qu mobilize convicção, independente dos motivos pelos quais isto se faça;

- e que se estabeleça a fé como uma crença que contrarie a experiência ou a razão, especialmente as de conteúdo místico ou religioso,.

Nestes termos, é possível que uma informação científica comprovada, possa existir como uma crença na consciência de quem não a entenda ou não alcance sua fundamentação.

De certa maneira, o conhecimento é uma constatação iniciada em uma impressão, uma percepção ou em uma elaboração inteligente (uma evidência, ainda que mais ou menos casual) que leva a uma conclusão inteligente por meio de um processo cognitivo eficaz; tal processo cognitivo que inicia-se no reconhecimento da existência de seu objeto, evolui para conhecê-lo, a partir da sua forma para seu conteúdo, da aparência para a essência, da forma para o conteúdo e finda na convicção.

Embora o conhecimento possa se dar de maneira mais ou menos casual, sem participação óbvia e ativa da inteligência, esta sempre está presente no processo de fixação inteligente, ao menos nas conexões lógicas que se estabelecem entre o material

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adquirido e o conhecimento já havido pela pessoa. Enquanto a crença não é uma conclusão lógico-cognitiva, nem resulta do processamento lógico de informações sensíveis ou lógicas sobre o objeto, é uma convicção assimilada a partir de uma necessidade afetiva; nela, quando existe algum procedimento racional, este se dá a posteriori, apenas para justificá-la e não para elaborá-la.

O conhecimento é uma constatação (como componente cognitivo mais ou menos complexo) iniciada em ou restrita a uma impressão elementar, uma percepção singela ou um indício lógico que possibilite elaboração inteligente (evidência, ainda que mais ou menos tênue ou casual) que leva a uma conclusão inteligente por meio de um processo cognitivo eficaz; que inicia-se no reconhecimento da existência de seu objeto, evolui para conhecê-lo, a partir da sua forma para seu contéudo, da aparência para a essência, da forma para o conteúdo e finda na convicção.

Os elementos motivacionais e os critérios de verdade permitem diferenciar a crença do conhecimento. Aqui se pretende estabelecer os elementos distintivos entre conhecimento e crença (fé) e se distingue convicção (certeza como processo cognitivo independente da afetividade) de crença (expressão de credulidade, fenômeno de base afetiva) como tipos diferentes de impressão subjetiva da realidade e veracidade de um conhecimento qualquer. A convicção ou certeza é um processo predominantemente cognitivo (ainda que se relacione muito com as instâncias afetivas da personalidade; resulta da constatação de consistência e compatibilidade com a realidade que pode ser presumida como relativamente independente dos interesses ou desejos de quem a experimenta.

Parece importante que o iniciante aprenda a estabelecer alguns elementos distintivos entre o conhecimento, a crença e  a fé, além de exercitar o procedimento de distinguir a convicção  cognitivamente lastreada (certeza como processo cognitivo independente da afetividade) da convicção baseada na afetividade (que é uma expressão de credulidade, fenômeno de base predominantemente

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afetiva) como tipos diferentes de impressão subjetiva da realidade e veracidade de um conhecimento qualquer.

As diferentes expressões da certeza e da dúvida fazem-se presentes em todas as manifestaões do conhecimento, da crença e da fé. O dogmatismo e o fanatismo se manifestam como expressões de convicção sem qualquer dúvida e que recusam qualquer manifestação dubitativa. A diferença reside no fato de que a convicção do conhecimento pode ser demonstrada logicamente ou comprovada observacional ou experimentalmente. O oposto da convicção não é a convicção oposta, mas a dúvida.

O apego à verdade e sua valorização pelos indivíduos e culturas mostra-se como um valor fundamental para do conhecimento e da personalidade e para defesa contra as crenças ou os relacionamentos baseados nelas. Não é possível existir interação humana saudável que não se baseie na verdade, nem organização social ou estrutura ética que possa prescindir dela.

Dúvida e convicção são categorias dialéticas. A convicção se completa na dúvida (atitude de falta de convicção, de perplexidade, de vacilação, de irresolução) que é sua antítese lógica e psicológica.

A dúvida pode ser uma atitude (tendência ou fenômeno psicológico) ou um método de cogitação filosófica (a dúvida sistemática cartesiana que caracteriza a ciência moderna desde Descartes). A dúvida do ceticismo metodológico é um recurso do pensamento científico que aconselha a duvidar de tudo que não possa ser verificado na teoria (demonstração) ou na prática (comprovação).

A certeza e a dúvida estão sempre presentes em variadas proporções em todos os conhecimentos. A convicção se completa na dúvida (atitude de falta de convicção, de perplexidade, de vacilação, de irresolução) que é sua antítese lógica e psicológica.

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As certezas delirantes e as dúvidas obsessivas colocam-se como extremos de um espectro ainda muito mal investigado.

A dúvida pode ser uma atitude (tendência ou fenômeno psicológico) ou um método ou sistema de cogitação filosófica (omo por exemplo, a dúvida sistemática cartesiana que caracteriza a ciência e a filosofia modernas).

A crença (inclusive a fé e outras expressões de religiosidade) é um fenômeno subjetivo que se fundamenta em uma base afetiva, estruturando-se a partir processos afetivo-psicológicos ou ideológicos, há muito tempo, reconhecida como processo subjetivo arracional e incomprovável. Mas, nas quais o sujeito dá muita importância e que pode exercer notável influência sobre sua conduta e seu julgamento; comportando-se como uma paixão.

A crença pode ser definida como a atitude do espírito que adere a um enunciado ou a um fato sem poder administrar-lhe prova completa, sem que a convicção provenha da experiência ou da razão. Por isto, a crença pode corresponder a todos os grau de probabilidade. 1 Mas a convicção que provoca independe de sua correspondência com a realidade ou de qualquer outro critério de verdade.

O denominador comum que pode ser identificado em todas essas convicções é O alcance das crenças também costuma ser extremamente variado, tanto em qualidade, quanto em intensidade da convicção presente nas crenças. Pode variar de uma opinião mais ou menos comum acerca de uma coisa pouco importante, até sistemas muito complexos de crenças e valores que alcançam praticamente todos os aspectos da vida individual e do convívio coletivo.

O alcance das crenças também costuma ser extremamente variado, tanto em qualidade, quanto em intensidade da convicção presente nas crenças. Pode variar de uma opinião mais ou menos

1 Ronner, M., Comunicação Pessoal, 1993.

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comum acerca de uma coisa pouco importante, até sistemas muito complexos de crenças e valores que alcançam praticamente todos os aspectos da vida individual e do convívio coletivo.

As crenças podem resultar de necessidades conscientes ou inconscientes, individuais ou sócio-culturais, que tomam forma de convicção injustificável, experimental, lógica ou racionalmente em pessoas sugestionáveis ou anacásticas. Uma crença pode surgir como revelação do sujeito.

A revelação é uma forma particular de crença que se manifesta como uma convicção ou um conjunto de convicções originadas em experiências subjetivas místicas (ou, de qualquer maneira, ideológicas) tidas como provenientes da comunicação com uma entidade sobrenatural. Em geral, as revelações resultam da soma da crença, ignorância e sugestionabilidade (patológica ou não) combinadas em diversas proporções.

A credulidade, entendida como tendência das pessoas para crer em alguma coisa por força de suas motivações afetivas ou ideológicas, é encontrável em todos os grupos humanos e muitos a denominam de religiosidade, quando se refere a temas sobrenaturais mais ou menos sistematizados e codificados. Mas esta designação é imprópria. A religião é uma instituição social, uma organização de crentes, uma comunidade (eclesia) de fiéis. O fenômeno individual é a credulidade.

No entanto, deve-se ter presente que as crenças religiosas não são sempre sobrenaturais. Existem crenças de natureza religiosa, mas cujo conteúdo se situa no campo de política, da prática esportiva e em outras situações semelhantes. As crenças são, em última análise, a concretização da credulidade (predisposição para ter fé independente de comprovação) com componentes ideológicos e psicológicos. Estes, mais afetivos que cognitivos.

Adiante haverá oportunidade de diferenciar a crença

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como atributo da consciência individual (patológica ou não patológica) e a crença como aspecto da consciência social ou ideológica, a serviço de pessoas, das religiões, instituições sociais que se manifestam, em organizações mais ou menos complexas, a serviço do Estado ou das classes sociais hegemônicas.

Além da influência de fatores psicológicos e psicopatológicos, a existência, a intensidade e o alcance das crenças depende de fatores econômicos, culturais, políticos e ideológicos ou ideologicamente determinados. Quando se promove o exame mental dos crentes, pode-se verificar que nas suas crenças podem ser identificadas dimensões psicológicas (individuais, como as religiosas) e sociais, como as lastreadas na cultura e culturalmente compartilhadas) e ideológicas (antropológicas e sociológicas).

Pode-se dizer que a crença é a ideologia  (com o sentido de falsa consciência determinada por influências objetivas de natureza social), o  desejo, o temor (sendo que estes dois fenômenos, muitas vezes, são expressões aparentemente opostas de uma mesma coisa) ou qualquer outra expressão de necessidade cultural ou afetiva, transformado em convicção.

Convicção esta que pode assumir qualquer grau de certeza, independente de ser ideológica, afetiva ou interessada. Não sendo raro que se mostre muito arraigada e capaz de exercer influência diretora sobre uma área muito grande do comportamento.

As crenças impõem uma atitude positiva em relação à validez (ou validade, no sentido de correspondência com a realidade) daquilo em que se crê, por isto, todos têm convicção em suas crenças, ainda que elas não correspondam à realidade e, mesmo, possam parecer completamente incríveis (ou, mesmo, bastante ridículas) para todos os outros. Embora as fé ou as crenças religiosas ou sobrenaturais sejam sempre suas expressões, nem todas as crenças têm este matiz religioso ou sobrenatural.

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Como fenômeno psicológico, a crença é uma modalidade de concretização da credulidade (ou predisposição humana para ter fé). A credulidade humana sofre a influência de fatores internos e externos; organísmicos ou ambientais; psicopatológicos ou psicossociais. Muitos os fatores, dentre os quais se detaca o medo (a ansiedade patológica e a fobia), que confluem para aumentar e insegurança ou diminuir a esperança ou a autoestima dos seres humanos costumam incrementar a sua credulidade, conduzindo-os a condutas impressionatemente insensatas.

As crenças não verificadas ou inverifcáveis, inclusive a fé, são fenômenos fundamentalmente psicológicos e de base afetiva ou ideológica. Dependem das características da personalidade de quem as experimenta (inclusive de seus traços fóbicos ou anancásticos), de suas circunstâncias e de suas possibilidades culturais e mentais. Sofre mais influência das necessidades afetivas do que da cognição.

A religião se caracteriza por ser mais que expressão instituída de uma crença. A religião é uma instituição social com grande poder de mobilização de seus adeptos, é uma organização de crentes, uma comunidade (eclesia) de fiéis que se reunem para cultuar ou celebrar sua fé e cumprir os rituais de sua crença, mas que se organizam social e politicamente em torno deste centro.

Existem crenças que não são religiosas, que são provenientes da confiança em quem seja considerado uma autoridade ou outras, como as políticas e, até, as científicas. Porque é possível e comum que alguém experimente opiniões científicas como uma fé, como se fossem crenças. Para se reconhecer isto, leva-se em conta a dúvida, pois se sabe que a dúvida é incompatível com a crença enquanto é essencial ao conhecimento científico. O conhecimento, sobretudo o conhecimento científico, ao menos em princípio, não tem implicações afetivas ou, em qualquer caso, não as deve ter dominantes. Por que isto configura uma paixão.

O caráter institucional e ideológico das religiões lhes confere significado particular no estudo da Psicologia Social. A comunidade de uma crença ou de um sistema de crenças

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constitui unicamente o substrato de interação dos aderentes a uma religião. O fenômeno individual é a credulidade. A confiança que a pessoa deposita em coisas que podem ser inteiramente inverossímeis, mas nas quais ele deposita confiança incondicional.

Ressalte-se que a crença não é uma conclusão lógico-cognitiva, nem resulta do processamento lógico de informações sensíveis ou lógicas sobre o objeto. A crença é um processo basicamente afetivo que se expressa como convicção gerada, desenvolvida e assimilada a partir de uma necessidade afetiva. Nela, quando existe algum procedimento racional, este se dá a posteriori, apenas para justificá-la ou para reforçá-la, e não para elaborá-la ou comprová-la.

As pessoas tendem a confiar mais ou menos poderosamente em suas crenças, pois elas geram uma atitude positiva em relação ao seu crédito: portanto, tendem a aceitar a validez (ou validade, no sentido de correspondência com a realidade) daquilo em que acredita, pois, todos têm convicção em suas crenças, ainda que não correspondam à realidade e, mesmo, possam parecer completamente incríveis (ou, mesmo, bastante ridículas) para todos os outros. Maneira eficaz de se distinguir os conhecimentos das crenças, se dá quando de sua contestação ou, mesmo, a prova de sua invalidade. Sempre que um conhecimento se prova falso, ele é substituído sem qualquer emoção, frustração ou sofrimento; ninguém lastima a substituição de um conhecimento, ainda que possa sofrer com sua repercussão prejudicial. Ao contrário do que acontece com as crenças, quando se mobilizam reações emocionais proporcionais às necessidades afetivas investidas nelas.

Quanto maior a necessidade subjetiva de uma crença, maior é seu arraigamento. A comprovação da falsidade de crenças muito arraigadas pode ocasionar reações desesperadas de grande violência, com manifestações superlativas de ansiedade e luto, podendo determinar comportamentos auto ou hetero-agressivos. A impressão de verdade é um valor fundamental para o

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conhecimento, para a personalidade e pela a sociedade. Não é possível existir interação humana saudável que não se baseie na verdade, nem organização social ou estrutura ética que possa prescindir dela.

Deve-se insistir que não obstante a fé e as crenças religiosas ou sobrenaturais sejam sempre suas expressões, nem todas as crenças têm este matiz religioso ou sobrenatural. Analogamente, as pessoas tendem a ficar muito mobilizados afetivamente por suas crenças. E, por isso, elas exercem sempre alguma influência sobre sua conduta. Em geral, a necessidade em jogo naquela situação costuma ser proporcional à sua sugestionabilidade e influenciabilidade, sua imaturidade.

Existem crenças de motivação baseada em necessidades objetivas e subjetivas.

É fácil entender que uma pessoa acredite com mais facilidade em algo que atenda a um interesse seu, do que o contrário.

Dentre as crenças de motivação subjetiva, destacam-se as ideologias (conceitos, juízos ou sistemas racionais que se apropriam da consciência e que correspondem aos interesses da pessoa) e as originadas em pulsões inconscientes.

As crenças são fenômenos individuais ou psicossociais de gênese predominantemente afetiva, apenas dirigidas ou moduladas pela cognição; enquanto o conhecimento é uma manifestação predominantemente cognitiva, apenas modulada ou dirigida pela afetividade (quer se trate de emoções, sentimentos, estados de ãnimo, afetos ou paixões).

Paixão é uma emoção ou sentimento vivenciada pelas pessoas com tal arraigamento na personalidade que exerce uma ação diretora sobre o pensamento, o julgamento, o comportamento, influindo mais ou menos decisivamente na percepção, no juízo, nos raciocínio e na ação. As paixões pode ser induzidas por necessidades subjetivas ou por necessidades materiais.

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As paixões, mesmo as paixões da ciência ou na ciência, costumam ser importantes fatores de distorção do conhecimento na atividade científica.

Deve-se atentar para as paixões como propulsoras das condutas pró-sociais e anti-sociais, mesmo no âmbito da ciência. Mas não se pode esquecer a influência dos interesses objetivos e subjetivas. As pessoas podem se apaixonar por um time de futebol ou um partido político; mas é mais fácil encontrá-las apaixonadas por dinheiro, por poder, sexo, por autoridade, por fama, por prestígio e influência.

A dificuldade de identificar as paixões da ciência é tão maior quando acontece de tudo isto estar misturado, tal como se pode assistir recentemente na polêmica sobre a prioridade na descoberta e identificação do vírus da imunodeficiência humana adquirida, quando interesses financeiros vultosos se somavam à uma grande carga de vaidade individual e nacional de cientistas franceses e norte-americanos, além dos interesses dos indivíduos e o poder das empresas envolvidos e interessados diretamente no resultado da querela.

Apesar de haver poucos inocentes no mundo da ciência, pode-se diferenciar os apaixonados empregando-se o mesmo critério usado para diferenciar a simulação da histeria; pode-se empregar a natureza da vantagem perseguida como critério diferencial para diferenciar a paixão da má-intenção. Quando a vantagem for material, considera-se que a paixão é secundária. No caso do ganho obtido redundar em vantagem psicológica ou ideológica, pode-se considerar a paixão como primária.

Um outro elemento psicológico que pode distorcer a veracidade do conhecimento são as atitudes e os hábitos intelectuais.

Dentre os fenômenos psicopatológicos capazes de comprometer a qualidade do conhecimento, podem ser reconhecidos os

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seguintes: as timopatias (depressiva ou eufórica, pelo comprometimento do juízo crítico), os delírios (pela distorção característica do reconhecimento ou da interpretação da realidade), as fobias (pela influência que exercem no julgamento) e a obsessividade (pela influência dos pensamentos intrusivos no comportamento da pessoa afetada).

Além da influência de fatores psicológicos e psicopatológicos, a existência, a intensidade e o alcance das crenças pode sofrer a influência de fenômenos e processos ideológicos ou ideologicamente determinados.

Pode-se dizer que a crença é a ideologia, 2 o desejo, o temor (sendo que estes dois fenômenos, muitas vezes, são expressões aparentemente opostas de uma mesma coisa) ou qualquer outra expressão de necessidade cultural ou afetiva, transformado em convicção; convicção esta que pode assumir qualquer grau de certeza. Não sendo raro que se mostre muito arraigada e capaz de exercer influência diretora sobre uma área muito grande do comportamento. O denominador comum de todas estas convicções é não terem sido verificadas ou comprovadas por seus crentes.

O alcance das crenças também costuma ser extremamente variado. Pode variar de uma opinião mais ou menos comum acerca de uma coisa pouco importante, até sistemas muito complexos de crenças e valores que alcançam praticamente todos os aspectos da vida individual e do convívio coletivo.

As crenças resultam de necessidades conscientes ou inconscientes, individuais ou sócio-culturais, que tomam forma de convicção injustificável lógica e racionalmente. Uma crença pode surgir como revelação. As crenças têm dimensões psicológicas (individual e social) e ideológicas (antropológicas e sociológicas) e seu estudo deve se dar em todos estes domínios.

2 Ideologia com o sentido de falsa consciência determinada por influências objetivas de natureza social.

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Crença e Revelação

A revelação é uma forma particular de crença que se manifesta como uma convicção ou um conjunto de convicções originadas em experiências subjetivas místicas (ou, de qualquer maneira, ideológicas) tidas como provenientes da comunicação com uma entidade sobrenatural que escolheu aquele sujeito como agente de uma missão.

Em geral, as revelações são resultado de uma crença, ignorância e sugestionabilidade (patológica ou não) combinadas nas mais diversas proporções.

Mas não se pode esquecer a mistificação (a mentira deliberada) ainda que praticada com as melhores intenções. Em geral, o conceito de revelação é empregado pelos religiosos como verdade revelada (que foge às exigências de comprovação, dependendo apenas da fé. Não se trata de conhecimento, mas de crença.

Revelação é uma experiência consciente da recepção de uma mensagem, tida subjetivamente por verdadeira porque teria sido transmitida por uma divindade ou entidade sobrenatural superior, diretamente à pessoa, utilizando algum meio sobrenatural para lhe comunicar alguma coisa.

A revelação pode ser percebida apenas como uma convicção subjetiva supra-sensorial ou pode ser originada em pseudo-percepções tácteis, auditivas, visuais ou outras. Pode ser um fenômeno de credulidade patológica (obsessividade, delírio) ou não patológica. Neste segundo caso, pode ser expressão de sugestionabilidade induzida por meio de uma crença ou de uma ideologia.

Os conteúdos revelados não podem ser considerados científicos, sendo componentes muito comuns das crenças (e dos delírios), embora, eventualmente, possam corresponder à realidade mas sejam impossíveis de comprovação. Mas, em qualquer condição,

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um conhecimento assim revelado é incompatível com o conhecimento adquirido por meios científicos.

Cunha, J.A. 3é um dos autores que empregam a ênfase na revelação como divisor de águas das religiões e divide as crenças religiosas em reveladas e encantadas. Nas primeiras, sua codificação é sempre atribuída a um ou mais profetas que assumem o status de seus fundadores. As segundas, as crenças religiosas encantadas são atribuídas a um trabalho de desvendamento, uma espécie de descoberta coletiva intuitiva do mundo e, embora possam ter iniciadores, caracterizam-se por ser uma construção sócio-cultural.

Crença e Ciência

Diferentemente dos outros tipos de crença mencionados acima, o conhecimento científico baseia uma modalidade de crença denominada crenca verificada. Isto é, a crença decorrente da demonstração teórica (como as que provém dos métodos lógico e matemático) e a produzida pela comprovação (verificação prática ou factual produto do método científico.

As crenças demonstradas, sejam factuais ou ideais iniciam a diferenciação entre a ciência e a filosofia. Para Ferrater-Mora, muito resumidamente, a ciência é essencialmente um modo particular de conhecimento que procura formular, mediante linguagens rigorosas e apropriadas — tanto quanto possível, com o auxílio da linguagem matemática — as leis por meio das quais se regem os fenómenos.

3 Cunha, J.A., Filosofia, Ed. Atual, S.Paulo, 1992, p. 84.

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