Cura Interior Dupla

61
a CURA do ‘eu’ INTERIOR

Transcript of Cura Interior Dupla

Page 1: Cura Interior Dupla

a CURA do ‘eu’ INTERIOR

Page 2: Cura Interior Dupla

A CURA do ‘EU’ INTERIOR

O caminho e o diálogo entre Fé e Ciência

Pe. Isac Isaías Valle

NIHIL OBSTATPe. João Carlos Orsi, Censor Eclesiástico.

Presidente do Tribunal Interdiocesanoda Arquidiocese de Sorocaba, SP.

5 de abril, 2011.

Page 3: Cura Interior Dupla

5

Copyright © Palavra & Prece Editora Ltda., 2011.Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser utilizada ou reproduzida sem a expressa autorização da editora.

Fundação BiBlioteca nacional

Depósito legal na Biblioteca Nacional,conforme Decreto no 1.825, de dezembro de 1907.

coordenação editorial

Júlio César Porfírio

revisão e diagramação

Equipe Palavra & Prece

capa

Sérgio Fernandes ComunicaçãoImagem: Istockphoto

impressão

Escolas Profissionais Salesianas

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático:

PALAVRA & PRECE EDITORA LTDA.

Parque Domingos Luiz, 505, Jardim São Paulo, Cep 02043-081, São Paulo, SP

Tel./Fax: (11) 2978.7253

E-mail: [email protected] / Site: www.palavraeprece.com.br

Sumário

Introdução ....................................................................... 7

Fé e Razão para uma vida plena! .................................... 11

A Dimensão Transcendente no homem ........................... 19

A adequação do Consciente e do Inconsciente à Verdade 27

Fatores psicológicos e conflitos espirituais, na base da neurose ......................................................... 35

A ‘Somatização’ ............................................................. 49

Manifestações corporais de nossos conflitos internos ................................................... 49

Causas e razões de nossas doenças ................................. 59

Por que adoecemos? .............................................. 59

Os Sentimentos! ............................................................. 71

Sua importância e sentido, na vida cotidiana .......... 71

O Consciente e o Inconsciente ........................................ 81

O necessário equilíbrio, ara uma vida sadia .......... 81

Depressão, ‘o mal do século’! ......................................... 91

A ansiedade .................................................................. 103

Como lidar? ........................................................ 103

Conclusão .................................................................... 113

Jesus e a cura das doenças ................................... 113

Page 4: Cura Interior Dupla

7

INTRODUÇÃO

Mais uma vez, chegamos aos nossos leitores, por meio da Palavra & Prece Editora, com a publicação de mais

um livro que traz reflexões e aprofundamentos sobre o tema Cura Interior. A cada dia nos convencemos da necessidade da Cura Interior em nossas vidas. Como sacerdote e pároco, posso afirmar que esta preocupação deve ser a primeira, tanto em nossa própria vida, quanto na vida de nossos irmãos, aos quais nos dedicamos no Ministério Sacerdotal.

A Cura Interior deve ser uma busca constante. Mas, é algo que vale a pena. A cada dia podemos nos conhecer melhor, aprofundando os conhecimentos sobre nosso mundo interior, nosso “eu interior”, nosso “homem interior” – usando a expressão paulina da 2Cor 4,16, se renova “de dia para dia”.

Acho expressiva a palavra do padre Michael Scanlan, em seu pequeno opúsculo intitulado A Cura Interior, onde lemos palavras tão profundas, marcadas por uma especial unção espiritual; ei-las:

“Estamos marcados de cicatrizes e avariados por tanto desamor nas nossas próprias vidas, que seria uma violação da verdade representarmos uma condição de perfeição... De mais a mais, somos parte do pecado de todos os homens.”1

1 SCALAN, Michael. A Cura Interior. 10a ed. São Paulo: Paulinas, 1975, p. 54.

Page 5: Cura Interior Dupla

8 9

O pensamento acima revela, com intensidade única, a necessidade que todos temos de Cura Interior, e que devemos buscá-la lançando mão de todos os recursos de que podemos dispor. Aliás, esse já é o nosso quarto livro sobre esse tema; e, agora, com uma abordagem mais diferenciada, no aprofun-damento de pensamentos e textos de autores renomados, no mundo da Ciência e da Fé.

Assim, conheceremos pessoas que, em seus escritos, abri-ram caminhos e atalhos, facilitando nosso conhecimento sobre nós mesmos e oferecendo preciosa ajuda aos que sofrem em seu mundo interior.

Hoje, na aproximação e diálogo entre fé e ciência – cami-nho irreversível em nossos dias –, percebemos o quanto os dados da Ciência nos ajudam a compreender nossa mente, nosso consciente e inconsciente, com toda a sua riqueza e profundidade.

E com esses conhecimentos, ajudaremos nossos irmãos nessa “extraordinária aventura” de desbravarmos nosso mundo Interior. Esse “mundo” da nossa intimidade é feito de luzes e sombras, riquezas e pobrezas; de perfeições e de limites; de céu e terra, de barro e espírito, e assim por diante!

Quero expressar minha gratidão ao nosso querido arce-bispo metropolitano, Dom Eduardo Benes de Sales Rodri-gues, pelo Imprimatur dessa obra. E também, externo a gratidão ao padre João Carlos Orsi, presidente do Tribunal Interdiocesano de Sorocaba, pela leitura e pelo Nihil obstat que nos concedeu.

Menciono com gratidão a pessoa da Dra. Lídia Maurino A. Bovice, que sempre nos norteou no acompanhamento de muitos casos, e suas apreciações psicológicas. Agradeço ao

Dr. Reynaldo Russo Ayres, pelas constantes conversas sobre os assuntos aqui tratados.

Que nosso livro possa ser uma pequena luz a iluminar a vida e o coração de tantos irmãos que buscam de forma incansável uma liberdade interior tão necessária, para uma vida sempre mais plena.

Se nossa vida é marcada pela unicidade e irrevogabilidade, ela deve ser vivida na maior alegria que podemos colher a cada instante, desse grande e precioso dom que do Pai Celeste recebemos, e do qual Ele é a fonte inesgotável: pois “em Vós está fonte da vida” (Sl 35,10).

O AUTOR

Sorocaba, 5 de abril.

36o aniversário de Ordenação Sacerdotal

Paróquia Santa Rita de Cássia (Sorocaba/SP)

Page 6: Cura Interior Dupla

11

FÉ E RAZÃO PARA UMA VIDA PLENA!

“Fé e razão são duas asas pelas quais o espírito humano se eleva, na contem-plação da verdade!”2

No início de nosso trabalho, queremos reafirmar a importância que estamos dando e vivendo à aproxima-

ção entre fé e ciência, em nossos dias; aliás, talvez nunca se levou tanto em consideração esse fato, que é notável e muito bem-vindo.

Assim, afirmamos que, em nossos dias, é indiscutível o intercâmbio de informações, conceitos e descobertas que em ambos os campos, o da fé e da ciência, nós temos verificado. Jamais a Igreja descuidou dos dados da ciência; mas se houve algum tempo em que esse diálogo não era tão claro e patente, a história mesma, o avanço das Ciências, a atenção da Igreja ao momento presente fez com que esta despertasse para a importância da ciência, na vida humana.

Se afirmamos, de forma convicta, que entre corpo, mente e espírito – numa visão holística do ser humano – deve pri-mar uma harmonia sempre maior e mais profunda, o mesmo se diz no diálogo entre “fé e ciência”. Diríamos, mais: o dis-curso que hoje desconhece essa “interdisciplinaridade” – a

2 Documento de Aparecida, maio de 2007, nº 494.

Page 7: Cura Interior Dupla

12 13

ajuda mútua que flui entre os dois pontos – não pode mais ser levado a sério; ou seja, não deve ser tomado em consideração. Pois, fixar-se num ponto de vista (o científico, por exemplo) e excluir outro (a espiritualidade, a fé), que em sua essência é integrante ao ser humano, é ter uma visão falseada da pessoa e de sua essência.

Ora, isso também afeta a abordagem do ser humano do ponto de vista da ciência. Deixar a dimensão transcendente “de lado”, sem levá-la em consideração na abordagem do “dilema humano” é, no mínimo, falsear ou deturpar o ser humano! Seria como que privá-lo de algo que está em seu próprio ser; ora a ciência que se preocupa com o ser humano, em todo o seu mistério de dor, sofrimento e alegrias, só pode levar em conta a transcendência humana, na abordagem do Fenômeno Humano (usando a expressão de T. de Chardin).

Por isso, deixar de fazê-lo incluirá, sem dúvida, falhas na abordagem humana feita. E aqui está o grande divórcio, digamos assim, que é notório – incluso nos meios acadêmicos – onde a dimensão espiritual ou transcendente não é levada em conta; antes, é propositalmente desprezada.

Estamos vendo, aqui e acolá, traços desse intercâmbio entre fé e ciência, o que nos leva a crer que, hoje em dia, é a tendência a se firmar cada vez mais. Parece que esta-mos vendo um verdadeiro “casamento” entre fé e ciência que poderíamos também dizer, parafraseando a Divina Revela-ção: “O que Deus uniu, o homem jamais separe”!

O pensamento citado anteriormente, do ‘V Celam’, que diz: “Fé e razão são duas asas pelas quais o espírito humano se eleva, na contemplação da verdade”, expressa, de forma bela e atual, a tendência que sentimos na aproximação da fé e da ciência – na visão da Igreja, neste famoso Documento de Aparecida (do ‘V Celam’ celebrado dede 13 a 31 de maio de

2007). O Documento expressa o pensamento da Igreja, pois foi aprovado pelo Papa Bento XVI, e é fruto da reflexão dos bispos da América Latina e Caribe, que lhe deram origem.

Nesse Documento importante para a Igreja, fala-se da “visão falsa e difundida em nossos dias sobre incompatibili-dade entre fé e ciência. [...] Valorizamos a tantos homens de fé e ciência [...], e valorizamos os espaços de diálogo entre fé e ciência”.3

Assim, contemplar a verdade, aceitá-la, posicionar-se diante dela, modelar-se a ela é a forma melhor, senão única, de buscarmos uma vida plena – vivendo a unicidade da vida humana, em todo o seu mistério e em seu esplendor. Somente viveremos bem a nossa vida, confrontando-a com a verdade. E a verdade suprema, Deus, se torna o ponto de referência para a “humanização do próprio homem”. Sem a transcen-dência, sem Deus, o homem fica como que “não finalizado”; fica um ser não compreendido totalmente; em outros termos, ficaríamos com um ser em nossas mãos ao qual faltaria um componente que o ilumina em seu último sentido, em sua última “meta” (Telos).

Assim, sem a referência a Deus, o homem não poderia ser entendido em sua luz mais profunda, em seu significado último. Fé e ciência são, pois, dois instrumentos – os mais completos – para a abordagem mais plena, perfeita e sadia do ser humano.

Se bem que, em algum tempo (há algumas décadas ape-nas) pudemos, também, verificar a dificuldade de se acei-tar a ajuda da ciência, na análise dos conflitos emocionais. Mas hoje, tal resistência, diríamos assim, já está superada, em grande parte. Apesar de tantas descobertas no mundo da

3 Documento de Aparecida, de 2007, nº: 494. 495. 496.

Page 8: Cura Interior Dupla

14 15

ciência – em todos os seus campos – ela deu passos largos nos princípios que norteiam o conhecimento do ser humano, de forma mais plena.

O aprofundamento dos dados sobre o inconsciente – suas abordagens modernas – trouxe grandes luzes no conheci-mento desse mundo interior tão complexo, que é o mundo da nossa alma, o mundo interior do ser humano. Muito ainda se tem a fazer para que esses dados da ciência possam ser conhecidos e usados, para o bem do ser humano.

Mais: não podemos abandonar a fé (a relação transcen-dente do ser humano, sua relação com seu Deus), e muito menos a ciência (com seus princípios seguros e certos) na abordagem do problema humano. Sublinhar um só aspecto é deturpar, descaracterizar o ser humano que é, sim, maté-ria, corpo, psiquismo, mas também é alma, é relação com seu Deus.

Nessa linha, o pensamento da Dra. Renate J. de Moraes4 afirma que há uma mentalidade vigente na qual a harmonia entre ciência e espiritualidade parece algo utópico e não rea-lizável; e muitos acabam aceitando que é assim. Contudo, a falta de conciliação entre as duas realidades, as duas verdades – a espiritual e a científica – “supõe que, ao menos, uma delas seja falsa”. Elas não podem ser consideradas realidades opos-tas: ambas necessitam unificar-se para que ele, o ser humano, não se desestruture. Pois a fé e a ciência são dois aspectos da verdade e do próprio homem.

É bom observar que há verdade na fé, e verdade na ciência. E o homem precisa de ambas, para sua vida. Há uma “fé humana” que consiste em creditar nas próprias

4 DE MORAES, Renate Jost. O Inconsciente Sem Fronteiras. 10a ed. Aparecida: Vale Li-vros, 1995, p. 232.

potencialidades, quanto nas dos outros. E há uma “fé divina”, a qual se origina na pregação da Palavra de Deus, e é dom de Deus para o coração do homem. Pela fé divina, cristã, o homem expressa sua dimensão transcendente em sua relação com Deus.

A autora ainda afirma que há pessoas, no campo da ciên-cia, que se fecham à espiritualidade; e pessoas espirituais, religiosas (e de grupos religiosos) que se fecham a qualquer abordagem da ciência. Em ambos os casos, tais pessoas caem no que entendemos de “fanatismo”. Ora, não somente um religioso pode se tornar fanático, reforçando somente suas ideias, seu ponto de vista, sua prática religiosa, quanto um cientista pode tornar-se fanático, quando se fecha a outros diálogos, a outras “escutas”, igualmente importantes e fun-damentais sobre o ser humano em questão.

Não poderíamos de deixar de citar dois documentos do pontificado do Papa João II. O primeiro é a Carta Encíclica “Veritatis Splendor”5, que afirma que: “Os Dez Mandamen-tos” – conforme se explicitou no Catecismo da Igreja – ensi-nam-nos “a verdadeira humanidade do homem”, colocando em relevo “os deveres essenciais” e, por conseguinte, indire-tamente, “os direitos fundamentais inerentes à natureza da pessoa humana”.

Ora, se as Leis de Deus, ou “o Decálogo” (cf. Ex 20; Dt 5) ensinam-nos sobre a verdadeira humanidade do homem, isto resulta que tais Leis divinas, provindas da Revelação Judaico-Cristã (pois Jesus as retoma e atualiza, segundo Seu Evangelho: Mt 5-7; Mt 19, etc.), nos dão ensinamentos sobre o mistério do homem, sobre a vida humana e como deve ser

5 Papa João Paulo II. Carta Encíclica: Veritatis Splendor – Sobre algumas questões fun-damentais do ensinamento moral da Igreja (6 de agosto de 1993, no 13 – Cf. Catecismo da Igreja Católica, nº 2070, de 11 de outubro de 1992).

Page 9: Cura Interior Dupla

16 17

vivida para que seja plena e feliz. E isto nos ajuda a compre-ender como Deus é importante para que o homem se compre-enda, e seja mais “humano” ainda!

O segundo Documento chama-se “Fides et Ratio” (“Fé e Razão”)6; nele se trata da “relação entre fé e a razão” (ou ciência: cf. Cap. IV), quanto do “Drama da separação da fé e da razão” (nº 45ss).

Para concluir nossa reflexão, nada mais belo do que o pen-samento do Papa, ao concluir sua Carta Apostólica. E diz ele: “A todos peço para se debruçarem profundamente sobre o homem, que Cristo salvou no mistério do seu amor, e sobre a sua busca constante da verdade e de sentido. [...] Dizer que o homem pode decidir-se autonomamente sobre o seu destino e o seu futuro, confiando apenas em si e suas forças [...], essa nunca poderá ser a grandeza do homem. O homem somente poderá viver na verdade, construindo a própria casa à som-bra da sabedoria e nela habitando”.

Só nesse horizonte da verdade – diz a “Fides et Ratio”7 – “(o homem) poderá compreender, com toda a clareza, a sua liberdade e o seu chamamento ao amor, e ao conhecimento de Deus, como ‘suprema realização de si mesmo’.”

Que estas palavras e reflexões – no início de nosso livro – nos ajudem a valorizar os homens de fé e de ciência, que se esforçam pela unidade entre ambas, as quais se “tocam” num ponto: na verdade. Não poderá jamais haver erro na fé, nem erros na ciência! A verdade é o elo entre as duas realidades: entre a espiritualidade e a ciência, entre a fé e a razão.

6 Papa João Paulo II. Carta Apostólica “Fides et Ratio”, sobre as relações entre Fé e Ra-zão (14 de setembro de 1998). E se diz, ali: “Ao desassombro (‘parressía’) da Fé, deve corresponder a audácia da Razão” (ou ‘Ciência’: nº 48).

7 Ibidem, nº 107.

Para completar, eis o pensamento do Apóstolo Paulo: “Contra a verdade, não temos poder algum” (2Cor 13,3). Aceitar a fé e ciência, na abordagem do “mistério humano” é ter a melhor e única abordagem possível para uma reflexão segura e verdadeira.

O psicanalista Valério Albisetti8, bem resumiu esta abor-dagem da espiritualidade e da ciência, sobre o ser humano ao afirmar: “Só a terra não pode definir o ser humano (nem só o céu). Mas a terra e céu juntos, sim”.

Diríamos: definimos o ser humano pela junção entre “terra e céu”; entre ciência e espiritualidade; entre fé e razão. Quanto mais conhecemos o ser humano, em sua constituição física, emocional e espiritual, mais nos tornamos pessoas reli-giosas; e mais perfeitamente podemos ajudar o homem, na compreensão de si mesmo e de seus semelhantes.

8 ALBISETTI, Valério. De Freud a Deus. São Paulo: Paulinas, 1997, p. 121.

Page 10: Cura Interior Dupla

19

A DIMENSÃO TRANSCENDENTE

NO HOMEM

“A consciência não somente nos remete à transcendência, senão que ela mesma brota também da mesma transcendência; ela é, portanto, onticamente irredutível.” (Viktor E. Frankl)9

A reflexão sobre o tema da consciência – como uma reali-dade constitutiva do ser humano –, leva-nos a abordá-la

sob duplo aspecto: o aspecto da “consciência psicológica” e o da “consciência moral”.

Tal distinção se faz necessária devido ao conteúdo e ao objeto mesmo de cada uma destas. Se a primeira diz respeito à consciência de nós mesmos, de nossos atos, e ainda do que está em nosso inconsciente, a segunda, a “consciência moral” afeta a natureza de nossos atos, com relação ao bem e ao mal – enquanto realidades morais, como ações que devem estar de acordo com nossa natureza humana, para o nosso bem e nossa própria realização, na felicidade.

Sabemos da interação entre as duas realidades. Mas, para uma abordagem mais didática, falaremos de cada uma por vez.

9 FRANKL, Viktor E. La Presencia Ignorada de Dios. 9a ed. Barcelona: Herder, 1994, p. 63.

Page 11: Cura Interior Dupla

20 21

— Consciência Psicológica (“CP”)

Esta consciência se refere à autoconsciência do ser – enquanto ser existente –, à tomada de conhecimento de si mesmo, ao longo de seu desenvolvimento e amadurecimento pessoal, quanto ao sentido de sua presença, de sua existência relacional no mundo.

Rollo May10 oferece uma breve definição: “A consciência é a forma distintamente humana da percepção [...], de saber algo, de sentir-se como um sujeito em relação a um objeto, e em relação a um tu”.

Esta CP é, também, onticamente irredutível – e não somente a “consciência moral” (CM) que, em última instân-cia, remete o homem à transcendência (na afirmação Frankli-niana). Tanto uma (a CP) quanto outra (a CM) são irredutí-veis ao ser humano, ou seja, não podemos dispensá-las, por pertencerem ao ser humano em sua constituição última.

Ao dispensarmos uma ou outra, estaremos tirando um ele-mento constitutivo do ser humano. Se bem que, ultimamente, a CM não tem sido muito levada em conta na análise dos fatos pessoais, diante do permissivismo moral que estamos presenciando, e isto resultou numa distorção da mesma aná-lise, quanto da abordagem da pessoa em sua conflitualidade, e em seus desafios humanos.

Quanto mais nos conscientizamos dos problemas, especial-mente dos que estão no nível do inconsciente, mais facilmente atingiremos nosso equilíbrio e bem-estar interior. A questão da CP diz respeito, portanto, ao “estar presente a nós mes-mos”, no que realizamos ou projetamos, quanto à conscien-tização dos conflitos e suas causas (sua etiologia), no nível inconsciente. Quanto mais nos conscientizamos do que nos

10 MAY, Rollo. A Psicologia e o Dilema Humano. Rio de Janeiro: Vozes, 2000, p. 167.

incomoda, e nos posicionamos de forma adequada diante des-ses fatos desconfortáveis, mais atingiremos a tranquilidade interior, a qual acalma o nosso ser, ajudando-nos a viver uma vida sempre mais humana, plena e feliz.

A CP, que se desenvolve com nossa maturidade pessoal em todos os níveis – físico, emocional e espiritual – é um processo que perdura por toda a nossa vida. Por vezes, evitamos uma introspecção pessoal, em nosso íntimo, para conhecermos as causas dos nossos desconfortos emocionais, e acabamos por reprimir, no nível inconsciente, o que nos é desagradável e doloroso. Passamos, assim, a viver mais de repressões incons-cientes do que da busca – no nível consciente – das causas de nossos conflitos.

Aliás, muitos dissabores nos provêm do nível consciente mesmo, sem a necessidade de descermos no nosso incons-ciente, o qual é constitutivo de nove décimos de nossas vivên-cias, como veremos adiante ao refletirmos sobre o nosso inconsciente, sobre os seus conteúdos, sua linguagem única e suas características tão ricas e singulares.

— A Consciência Moral (“CM”).

A realidade da CM é inegável, esta é constitutiva do ser humano, pertencente à sua natureza. É pela CM que se percebe a bondade ou falsidade das realidades que nos cir-cundam. Esta consciência se desenvolve no ser humano na medida de seu amadurecimento físico, afetivo, intelectual e social, quanto religioso; mas é dada, também, com a própria natureza.

Aqui cabe, no início, esta pergunta: Como sabemos – mesmo ainda quando somos crianças – que algo não nos é conveniente, ou quando algo nos agride, ou está fora de uma

Page 12: Cura Interior Dupla

22 23

verdade “natural” (que trazemos com nossa natureza)? A res-posta não pode ser outra, senão pela CM!

Inúmeros casos de CM, a nós apresentados, tiveram sua referência a acontecimentos pessoais, relativos à Primeira Infância. Por que isso incomodou tanto em tenra idade? Por causa de uma CM. Já trazemos dentro de nós uma “ética natural” (princípios do que é bom ou não), que logo nos faz avaliar os fatos que nos dizem respeito. Para tanto, não é necessário todo um desenvolvimento intelectual, reflexivo, que vem com a idade e os conhecimentos. Mas logo já nos diz que isso ou aquilo não está de acordo com nossa natureza.

Tem lugar, aqui, a reflexão de R. Jost de Moraes11: diz a autora que uma criança percebe quando está diante de uma pessoa “de luz”, com retidão interior, com pureza de cora-ção e de intenções, ou quando está diante de uma pessoa falsa, de segundas intenções, ou que traz, em seu ser, uma duplicidade de vida e de falta de retidão interior. É bom levar em consideração essa afirmação, dada por uma pesquisadora do inconsciente, fruto de observação e de princípio científico comprovado.

As crianças absorvem as mensagens que vêm do nível espi-ritual das pessoas; e até os especiais se agitam na presença de pessoas cuja “luz interior” está obscurecida pelo mal e pela falsidade.

O que leva a uma criança a tal percepção? A simples CM! E diz a autora que mesmo quando estamos diante de uma pessoa diminuída intelectualmente – mesmo por alguma deficiência psíquica – estas têm uma percepção ainda mais acentuada e perspicaz.

A CM deve ser educada, formada e orientada pela retidão interior, pela referência ao que é verdadeiro, ao que é puro e

11 DE MORAES, Renate Jost. Op. cit.

nobre. Esta educação deve ser iluminada pela orientação ao transcendente, e deve ser educada à luz do Evangelho e das orientações da Igreja.

A propósito, Rollo May12, falando da importância da refe-rência ao transcendente (a Deus) na vida humana, diz que “o verdadeiro ateu deve, logicamente, apresentar tendências neuróticas. E quando o indivíduo realmente se encontra, ele encontra sua sociedade e, de certa forma, a Deus!” Sua “sociedade” é a dimensão pessoal e comunitária, na qual o homem vive para poder tornar sua vida possível, e formar sua personalidade de forma humana e adequada.

Neste sentido, ele diz ainda, “a personalidade se caracte-riza pela liberdade, individualidade, integração social e ten-são religiosa”; ou, em outras palavras, que a personalidade é a “concretização do ‘processo-da-vida’ num indivíduo livre, socialmente integrado, que possui uma tensão religiosa”.

Essa “integração social, a vivência de uma fé – nas ten-sões que lhe são próprias, na vivência entre o ‘horizontal e vertical’ –, a busca da liberdade interior, na qual se expressa sua individualidade, são constitutivos da vida humana sadia” (Ibid. pp. 38 e 63).

Para D. Goleman13, há um grande valor humano e psicoló-gico no nosso bom relacionamento com as pessoas, e isto vol-tado para a nossa saúde. Não podemos viver, emocionalmente

12 MAY, Rollo. A Arte do Aconselhamento Psicológico. 6a ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1987, p. 52.

O capítulo X, falando da “Religião e Saúde Mental”, trata da importância de C.G. Jung sobre o pensamento de Deus, no indivíduo, enfatizando a presença divina (sua imanência) no indivíduo, mas com o risco de se identificar a Deus, com o Self, e seus níveis mais profundos. O equilíbrio está quando se enfatiza a natureza transcendente de Deus [com relação à natureza criada do homem], encontrada na Tradição Cristã. Cf. p. 187.

13 GOLEMAN, Daniel. Inteligência Emocional. 39a ed. Rio de Janeiro: Objetiva, p. 195.

Page 13: Cura Interior Dupla

24 25

equilibrados, sem a consciência de nossa relação social (socie-dade, amigos, família, trabalho, etc.).

Devemos, nesse sentido, lembrar a força da mídia, em nossos dias, na formação (ou deformação) da CM. Muitas pessoas não “filtram” as informações que recebem – e que são qual uma avalanche –, não tendo condições de avaliar sua importância em sua formação pessoal (interior). Para um mundo secularizado, Deus e os valores do Seu Reino não contam; pois, a esses valores divinos “da Verdade e da Vida, da Santidade e da Graça, da Justiça, do Amor e da Paz” se opõem uma mentalidade totalmente “natural”, na qual não são levados em conta.

Porém, quando levamos em conta Deus e seus valores, e sua revelação amorosa para com o homem, criatura saída de Suas mãos e d´Ele dependente, e ainda, por graça, chamado à participação da vida divina, da “natureza divina”, usando uma expressão petrina (da 2Pd 1,3-4), estaremos humani-zando ainda mais a natureza e vida do próprio homem.

Aqui ajuda-nos, tão bem, a expressão de Erna van De Win-ckle14 , “quando Deus aparece [quando é levado em conta na vida humana] é sempre para impelir o homem para a sua evolução [a mais alta, a mais nobre e realizável possível], e sempre para um ‘país novo’, para a sua maturidade! Nunca é para a sua estagnação. Assim, a análise, no domínio natural [científico] e psicológico não pede outra coisa”.

Para o Documento de Aparecida, do V Celam, “Jesus é a Verdade última do ser humano”.

14 VAN DE WINCKLE, Erna. Do Inconsciente a Deus. 2a ed. São Paulo: Paulinas, pp. 100-101.

Eis o pensamento oficial da Igreja! E, para completá-lo, citemos o autor Ricardo Peter15, que analisando a obra de Frankl, afirmou de forma decisiva: “Somente a dimensão espiritual constitui o verdadeiro espaço do humano. Ora, sem esse espaço, jamais poderia se constituir o que podemos definir como ‘homo humano’ [homem humano]”. E ainda: “O conceito da transcendência é indispensável para se com-preender o homem, em sua dimensão antropológica mais essencial: sua autodeterminação”.

E o 21º Concílio Ecumênico da História (o Concílio Vati-cano II, de 1962-1965), nesse sentido, deixou-nos um pensa-mento memorável, ao afirmar que: “Somente à luz do Verbo encarnado [à luz de Cristo Jesus] ganha plena luz o mistério do homem” (Gaudium et Spes, nº 22).

Para concluir, o pensamento de Frankl se afirma no seu conceito mais humanístico: Não há consciência, no homem, que não remeta à transcendência (a Deus, em última análise); e é essa transcendência (Deus, em si, na Sua Unidade e Trin-dade – para nós cristãos) o fundamento último da consciên-cia humana. Ou seja, não há um ser humano, na sua dimen-são de consciência, que não se sinta impelido a se referenciar a Deus, em sua vida e em seus atos. E é ali, em Deus, que ele encontra o fundamento de si mesmo, de sua vida e do seu fim último.

15 PETER, Ricardo. V. Frankl: A Antropologia como Terapia. São Paulo: Paulus, 1999, pp. 56.57.100.

Page 14: Cura Interior Dupla

27

A ADEQUAÇÃO DO CONSCIENTE

E DO INCONSCIENTE À VERDADE

“Sustento que o Inconsciente é uma mediação por meio da qual, Deus se revela... Mas esse mundo interior precisa ser purificado, para transmitir niti-damente a mensagem.” (Josep Otón Catalán)16

Deus sempre se servirá do “aparelho” psíquico, com o qual nos criou, para a Sua comunicação. Ele sempre levará

em conta a nossa natureza humana, a qual Ele criou, com tanta perfeição, como expressa o Salmo 138: “Fostes vós que plasmastes as entranhas de meu corpo, vós me tecestes no seio de minha mãe” (Sl 70,13).

Deus não criará “outra estrutura mental” para nos trans-mitir Suas mensagens e Suas inspirações. Se Ele usa nosso consciente, poderá usar, sem dúvida alguma, a dimensão de nosso “I” para nos falar, para nos transmitir Seu amor, seu chamamento a alguma vocação, segundo Sua Divina Pro-vidência. Ele habita as profundezas do ser humano, mesmo se este não tenha consciência reflexa dessa presença divina.

16 CATALÁN, Josep Otón. Inconsciente, Morada de Deus? São Paulo: Loyola, 2003, p. 23.

Page 15: Cura Interior Dupla

28 29

Aliás, no “I” temos a presença de Deus, e Ele é uma “expe-riência que humanamente pode ser feita” – especialmente na vida intrauterina. É o caso de lembrar a visita de Nossa Senhora à sua prima Santa Isabel, na região de Ain-Karin (“Fontes de Vinhedos”), nas montanhas de Judá, antes do nascimento de João Batista. Diz o evangelista Lucas que quando Maria saudou Isabel – já no sexto mês da gravidez de João Batista – “o menino estremeceu de alegria em seu ventre” (cf. Lc 1,29-45).

E nos perguntamos: será que Lucas narrou essa “alegria do menino” somente para embelezar sua narrativa? Passa-dos dois mil anos, a ciência confirma que a criança percebe quando os pais têm fé, quando oram, quando têm Deus em suas vidas... Não é de se estranhar que João Batista, “estre-meceu no seio de Isabel”, (cf. Lc 1,41) tenha sentido a pre-sença de Deus (Jesus, no seio de Maria), e junto d´Ele e de Maria “ele exultou de alegria”.

Trazemos, ao nascer, a dimensão da verdade. Nosso ser nasce com uma orientação para a verdade e para o bem, quanto para Deus. Quando agimos contra essa orientação, agredimos a nossa natureza, a qual logo se encarregará de nos punir. Quantas autoagressões exercemos sobre nossa vi da ao faltarmos com a verdade e com o bem. E quanto bem exercemos para conosco ao respeitarmos essa orientação de nosso ser.

A verdade é sempre libertadora, como ensinou Jesus. Ade-quar nossa vida consciente (“C”) à verdade, quanto governar nosso inconsciente (“I”) por esse valor é e sempre será um esforço que valerá a pena, na consecução de um equilíbrio emocional e espiritual.

Jesus nos fala que “A verdade vos livrará” (Jo 8,32), visto que tudo o que é verdadeiro estará de acordo com a nossa

natureza, em sua direção mais irreversível (cf. também Fl 4,8-9; Ef 5,11).

Aliás, esses são valores universais e absolutos, na vida de qualquer pessoa, enquanto ser pensante e enquanto “ser moral”.

— O Consciente e a Verdade.Na orientação consciente à verdade, logo se manifestarão

os frutos para uma vida equilibrada e cada vez mais feliz. Não poderá nunca haver felicidade e bem-estar numa vida distante da verdade e do bem. Nós somos marcados por pecados e misérias morais que trazemos no mais profundo do nosso ser. O pecado original deixou-nos um resquício difí-cil de vencer: a concupiscência; esta, não sendo pecado, é a tendência ao pecado, à fraqueza e às imperfeições morais. Em si mesma, não é pecado, diz a Teologia Moral da Igreja; mas tende ao pecado; inclina ao pecado, alicia para que o pecado aconteça. E sem a plena vontade do homem, no ato pecami-noso, não acontece uma falta grave.

A concupiscência é vencida pela Graça de Cristo, pela vigi-lância e pela oração (cf. Mc 14,38), e pela ajuda do Espírito Divino. Toda pessoa que vive nessa vigilância cristã (cf. Lc 12,36ss) poderá, com a graça de Deus, viver santamente, e sem graves pecados.

A propósito, levemos em consideração o pensamento do Dr. David A. Seamands17, ao afirmar que a perfeição bíblica “é um nível de maturidade e santificação em que a santidade de Cristo nos é transmitida pela habitação interior do Espí-rito Santo, de modo a capacitar-nos para uma vida de vitória habitual sobre o pecado”. Mas isso se deve em primeiro lugar

17 SEAMNDS, David A. A Cura das Memórias. São Paulo: Mundo Cristão, 1987, p. 75.

Page 16: Cura Interior Dupla

30 31

que temos em nós, para evitarmos dissabores ou exposi-ções indevidas. A mentira é um “recurso” que temos para não sermos castigados, punidos ou até ridicularizados. Mas logo sentiremos dentro de nós a voz da consciência, que nos interroga sobre o que dissemos ou fizemos, e que não está de acordo com a verdade. O arrependimento “verdadeiro” é uma voz interna, questionando a retidão ou não de nossos atos. Esse “modo interior” de sentir já revela uma direção transcendente (a Deus) a ser seguida.

E Viscott ainda acrescenta: “Tornar-se verdadeiramente honesto é o primeiro passo para tornar-se livre. E o segundo é exprimir abertamente seus sentimentos”. Essa “honesti-dade”, do ponto de visa emocional e espiritual, é constitutiva do nosso ser. Ora, seguindo-a, estaremos crescendo na dire-ção de nossa perfeição, a qual durará por toda uma vida.

Desviando-nos dela, estaremos enredando por desvios da nossa autorrealização. A propósito, Jesus, no Evangelho de Mateus, nos dirá: “Dizei somente ‘sim’ se é sim; ‘não’ se é não” (Mt 5,37). O que se coadunará com a Verdade, em todas as suas formas, isto estará de acordo com o nosso ser, e com os ditames da consciência moral (“CM”).

— O Inconsciente e a Verdade.

Essa experiência de Deus, no inconsciente humano – hoje mais ricamente conhecida do que outrora – se vê descrita já no Antigo Testamento: é o caso típico do profeta Jeremias! Ali se lê: “Antes que no seio fosses formado, eu já te conhe-cia; e antes do teu nascimento, eu já te havia consagrado”(Jr 1,5. Cf. o que se diz dele, em Eclo 49,9).

Também no profeta Isaías, encontramos o mesmo pen-samento: “O Senhor chamou-me desde o meu nascimento;

à Graça, qual auxílio divino ao homem na sua fragilidade, e ao esforço humano, na cooperação com a iniciativa divina. Vigilância e oração estão para sempre unidas.

Mas, a atenção à Verdade, na qual a vida deve ser vivida, e à vigilância cristã, para com as situações “de risco” (com rela-ção à vida da Graça em nós) devem ser vividas tanto à luz do discernimento espiritual, quanto psicológico. Se soubermos que certa ação, ato ou certo acontecimento poderá colocar em risco nossa orientação à Verdade, o discernimento logo nos indicará uma atitude firme e forte, para poder evitá-lo. Pelo discernimento espiritual, dom de Deus (cf. 1Cor 12,8-10), logo poderemos avaliar os frutos de uma atitude ou de algo que nós possamos permitir, e que contrarie nossa consciência interior.

O psicólogo D. Viscott18, a propósito, afirmou: “Você não pode passar sua vida toda contando mentiras, especialmente para você mesmo”. A mentira pode perdurar por algum tempo na vida, mas não por muito tempo. Quando se deseja crescer na qualidade interior de vida, de sentimentos verda-deiros e de retidão interior, o estímulo para sermos verdadei-ros – no que somos e dizemos – logo se impõe à nossa vida.

Num determinado momento de nossas mentiras, nos depararemos com alguma dimensão da verdade que se oporá a nós. Logo encontraremos, seja nos acontecimentos, nas pessoas com quem convivemos, e na ação divina em nosso interior (Graça santificante e atual) alguma oposição ao que não está certo em nossa vida. Então, é hora de tomar uma posição interior e reordenar o que não está certo, em nosso nível “C”.

Por conseguinte, ninguém deverá viver na mentira; esta poderá acontecer, por mecanismos inconscientes de defesa

18 VISCOTT, David. A Linguagem dos Sentimentos. São Paulo: Summus, 1982, p. 83.

Page 17: Cura Interior Dupla

32 33

ainda no seio de minha mãe, ele pronunciou o meu nome” (Is 49,1).

Estes relatos nos mostram que Deus nos chama, para alguma vocação na Igreja, desde o seio materno. Com nosso amadurecimento, vamos explicitando um “chamado, uma vocação”, a qual já vem da vida intrauterina. Assim, sabe-mos que Deus já habita no nosso ser mais íntimo. Ele está na dimensão “I”, desde nossa concepção. São João afirma que “[O Verbo] era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem” (Jo 1,9). É claro que viemos ao mundo já na concepção. Ali estamos como um ser único, e isso trata-remos mais detalhadamente adiante.

Esses e outros fatos atestam, simplesmente, que a experiên-cia de Deus, e do Seu conhecimento, o qual ali é ainda ini-ciante, já está presente em nós desde nossa vida intrauterina. Hoje se faz a experiência de Deus, como “luz”, na nossa vida inconsciente; e uma criança, ainda no seio materno, já per-cebe quando seus pais têm fé, e como ela se alegra com isso.

Se o Inconsciente (“I”) é tido qual mediação de Deus, para sua revelação – conforme o autor anteriormente citado – essa mediação necessita de aprimoramento, de cuidados especiais e de discernimento, para transmitir bem a mensagem de Deus, sem deturpá-la ou obscurecê-la.

Nosso “I” já tem, em si, uma orientação para o bem e para a verdade. Mas, como esta é uma dimensão “programável”, essa atividade “programadora” deve ser iluminada pela sã e reta Consciência, formada dentro dos valores morais, com-patíveis com nossa natureza humana. Formamos, educamos e controlamos nosso “I” por meio de nosso “C” cristiani-zado. Quem tem “o pensamento de Cristo” – diz São Paulo – “deverá ter, também os mesmos sentimentos que estavam em Jesus Cristo” (Cf. 1Cor 2,16; Fl 2,5ss).

Quando abordamos o “I” – seja nosso ou de outrem – notamos que dispomos de resistências para aí penetrar e curar os males nesse nível “I”. Aliás, são resistências das quais nos devemos livrar, lentamente, para alcançarmos uma cura, quando o problema está abaixo do nível consciente. Mas disso falaremos mais adiante. Aqui basta dizer que o “I” também segue a Verdade, e “cede à verdade”, quando esta lhe é proposta de maneira clara, como a luz.

São Paulo, na Carta aos Coríntios, nos oferece um pensa-mento, no mínimo, surpreendente, ao dizer que: “Contra a verdade, não temos poder algum...” (2Cor 13,8). E eu acres-centaria: “Nem mesmo o Inconsciente tem”. Este cederá, “dobrando-se” sempre diante da Verdade. E esta experiência é feita, como que diariamente, no atendimento pastoral às pessoas. Sentimos suas resistências, as quais vão “até certo ponto”. É ali que se defronta a Verdade, no seu mundo inte-rior; esta se impõe qual realidade límpida.

E ao tocarmos o “cerne do problema”, do que de fato aconteceu, é que se dá a libertação interior. Expressar os sen-timentos de forma correta, verdadeira – como diz Viscott – é a melhor forma e a mais direta, senão única, de viver uma libertação interior.

Por mais dura que seja a aceitação de um fato doloroso em nossa vida, ou de uma experiência traumática, jamais pode-remos “apagar” a memória do que nos aconteceu. O que é vivido, jamais será esquecido. Mas o que se deve fazer é se posicionar de forma correta diante do fato, mudando as pos-turas erradas que, porventura, tenhamos assumido outrora. Sempre encontramos casos nos quais a pessoa deve reposi-cionar-se de forma mais consoante com a verdade. E essa atividade interior, de mudança de atitudes internas será, com certeza, o caminho para uma cura interior.

Page 18: Cura Interior Dupla

34 35

Ao programarmos nosso “I” com valores humanos e cris-tãos, estaremos no caminho certo da programação de uma vida saudável e cheia de alegrias. Saber dizer “não” ao que não convém à Verdade do nosso ser e de nossa vocação cristã é também crescer e amadurecer emocionalmente. Nosso “I” frutificará o que lá colocarmos: se valores bons, os frutos serão os melhores. Se ali colocarmos “contravalores”, os fru-tos negativos e destrutivos logo se farão sentir.

São Paulo nos afirma: “O que o homem semeia, isso mesmo colherá” (Gl 6,7). Ora, este pensamento (paulino), que é voltado para os frutos da carne e Espírito, também serve, de forma nítida, para nossa atividade psíquica. Se den-tro de nós colocarmos uma boa programação mental, posi-tiva e sadia, também colheremos os melhores frutos para nossa vida emocional sadia e alegre.

Somos influenciados, a todo o momento, por imagens, sons, leituras que nem sempre nos edificam. Devemos, sim, filtrar as informações, e rejeitar o que nos convém – seja do ponto de vista emocional, seja do ponto de vista de uma vida cristã adequada. Diz o Livro do Eclesiástico: “Não acredi-tes em tudo o que dizem” (Eclo 19,16). Esse pensamento expressa bem o que estamos tratando. Cabe-nos adequar nosso “C” e nosso “I” ao que é bom, ao que é belo e nobre. Nossa natureza é correta e pródiga, e logo colheremos os bons frutos de uma vida sadia e feliz! Temos tantos recursos, queridos por Deus e colocados em nós para termos a melhor vida, a “vida em plenitude” que Jesus nos veio, no Natal, trazer a todos.

Cabe-nos fazer uso de nosso autoconhecimento e de todas as potencialidades de nossa natureza e da Graça Divina, para que possamos viver a vida humana e cristã, em sua forma mais plena e bela.

FATORES PSICOLÓGICOS E CONFLITOS ESPIRITUAIS,

NA BASE DA NEUROSE

“Sabemos que um fator psicológico, mas também uma causa espiritual, por exemplo, um conflito de consciência, pode levar a uma neurose.” (Viktor E. Frankl)19

O pensamento de Viktor E. Frankl une dois elementos, dos quais provém um conflito neurótico: o fator psicológico

e o espiritual (ou ‘moral’, diríamos nós). Não somente um fator, mas o outro – o espiritual – pode também desencadear um problema neurótico no indivíduo.

19 FRANKL, Viktor E. Psicoterapia para Todos. 2a Ed. Rio de Janeiro: Sinodal, 1997, p. 48. Para Rollo May, “Neurose em como raiz a palavra: nervos! Isto porque os distúrbios

emocionais, originalmente foram observados através do nervosismo que provocavam sob a forma de ansiedade, preocupação, ou até mesmo pelo tremer de partes do corpo. O termo não indica que algo está falho no sistema nervoso; refere-se mais a um estado de personalidade. O termo ‘psicose’ designa um estado de distúrbio mental mais grave que a neurose, e inclui as formas de doenças mentais popularmente consideradas ‘lou-cura’. Algumas psicoses são orgânicas – como as causadas por uma doença que ataque os tecidos do sistema nervoso, mas muitas são (apenas) funcionais” (cf. M.Rollo. A Arte do Aconselhamento Psicológico, o.c., p. 32).

Para Pascal Ide (cf. abaixo, o.c., p. 54), a psicose, “como alteração grave do psiquismo perturba a percepção da realidade, e é frequentemente acompanhada por alucinações” [realidade não presente num simples estado de “N”, na qual as tensões da vida real se manifestam, de forma mais aguda, mas sem perturbações na vida real e ambiental da pessoa. A “N” é mais sensível à psicoterapia].

Page 19: Cura Interior Dupla

36 37

Definição de Neurose

Vejamos, brevemente, a neurose. Entre inúmeras aborda-gens, dizemos que a neurose (“N”) é o resultado de conflito entre “leis biológicas” e “leis morais”.

Por “leis biológicas” entendemos o que rege nossa consti-tuição biológica e psíquica, nossa instintualidade, nossa pre-sença no mundo como “ser relacional”, nossa natureza que está em comunhão com a matéria, mas que é animada pelo “hálito de vida”, especificamente humana (cf. Gn 2,7).

Ora, adequar o lado “humano” (biológico, instintual e psí-quico) às exigências das leis morais – as quais se coadunam com a nossa natureza – exige um esforço e disciplina pessoal (senão, uma verdadeira “Ascese”, “Askésis”, ou “treino”). A Neurose acontece quando esse controle, esse equilíbrio não é mantido. E é, justamente, essa adequação que nos faz viver de forma mais consciente e plena.

Por “leis morais”, entendemos a direção para a verdade e para o bem. Infelizmente, nem sempre as seguimos, quando tomamos decisões que as contrariam (na orientação de nos-sos atos e escolhas).

Sabemos que tal “tensão” nos acompanhará por toda a vida! Ao seguirmos as orientações morais, as que estão em nós, as que vamos assimilando em nossa educação humana e cristã, estaremos contribuindo com nossa natureza para um desenvolvimento pleno de nossa personalidade.

Nem as leis biológicas, nem as leis morais se opõem à nossa natureza; antes, devem-se harmonizar, para uma vida de equilíbrio e saudável.

As leis morais podem estar dentro de nós, quanto às leis e ordenamentos que vamos aprendendo, ao longo da vida. Quantos conflitos podemos evitar seguindo com retidão tais

leis! De fato, é a quebra de uma lei moral, transcendente, que muitas vezes nos coloca em conflito de consciência.

Se um conflito psicológico pode nos desestruturar, emo-cionalmente falando, o mesmo pode acontecer com um con-flito no plano religioso (com a falta do cumprimento de um dever religioso, ou mesmo uma falta moralmente grave), isto para quem leva sua fé, sua religião, as orientações da Igreja a sério.

Até neste caso, Jesus oferece o perdão, pelo Sacramento da Reconciliação, devolvendo a paz e tranquilidade ao cora-ção. Ele bem conhece a fraqueza da natureza humana (cf. Mc 14,38), e lhe oferece um remédio: o Seu perdão, os sacra-mentos, a oração e a vigilância cristã, quais reforços para a prática do bem. Mas, cabe-nos uma distinção, muito impor-tante, no campo das neuroses. Pois, há casos em que não temos acesso a suas causas mais íntimas, senão por alguma ajuda externa (de alguém).

Ainda, neste tema da neurose, costumamos distinguir: a neurose consciente e a neurose inconsciente.

— Neurose ‘consciente’: esta se dá e se verifica quando estamos plenamente conhecedores do estado interior em que estamos vivendo. Isto é, quando conhecemos a causa do conflito que se instaurou em nós. Essa “causa” está no nível consciente, portanto. Não é necessário buscar no nível de nosso “I” alguma causa, seja próxima ou longínqua. Nesse conflito consciente, percebemos que nós, de certa forma, também contribuímos para chegar “aonde chegamos”. Nem sempre aceitamos e trabalhamos a parte da causa da Neu-rose, que se deveu a nós, ou seja: as atitudes que tomamos, os nossos pensamentos, os atos que assumimos, e que tiveram

Page 20: Cura Interior Dupla

38 39

forte, sem nosso controle, trazendo toda a sorte de inquietu-des e “somatizações”.

Diz Bárbara Leahy Shlemon21 que “muitas de nossas doenças psicossomáticas podem ser atribuídas ao esforço do corpo para resolver problemas da mente”. Afirmação muito rica e ampla em sua abordagem. De fato, o corpo manifesta, nas somatizações (pelos distúrbios biológicos), as tensões da alma; e ele adoece, tentando resolver um problema que não é fruto de sua natureza (somente), mas é um problema que se manifesta ou se reflete nessa dimensão corporal, por vezes com lesões sérias e difíceis de curar.

A “N” inconsciente é fruto de sentimentos, emoções, atitudes reprimidas, e que não tivemos condições pessoais, nem tempo ou oportunidades e meios adequados “naquele momento” de resolvê-las bem. E assim, vamos levando “vida afora” aquelas situações registradas no nosso “I”, as quais aguardarão um momento oportuno para eclodir, de dentro de nós, e com toda a sua força.

As consequências dessa situação “neurótica”, na sua eclo-são, logo se farão sentir: desconfortos internos, instabilidade emocional, perda da alegria, tristezas cujas causas não reco-nhecemos facilmente; e, ainda: perda da criatividade, fecha-mento sobre si mesmos, entre outros...

Por outro lado, a cura da “N” inconsciente, vencendo as barreiras de nossas resistências internas – pela conscientiza-ção de suas causas, e retomada de posição diante dos proble-mas – traz, ao “consulente” uma nova forma de ver a vida, de ser criativo, de manifestar de forma mais livre seus senti-mentos, enfim, uma nova alegria reinante!

21 SHLEMON, Barbara L. A Cura do Eu Interior. 11a ed. São Paulo: Loyola, 1995, p. 10.

um “peso” no processo de conflito neurótico, que se instalou no íntimo pessoal.

Diz o autor João Léo Pinto Lima, em seu artigo “Psicodrama”20, que: “Sanidade é aceitação da consciência que temos. Tentar mudá-la é a patologia. Nesse caso, a men-tira é considerada como espontaneidade”, como algo que procede da “não aceitação do estado consciente”, que me quer na verdade. Num estado de “N”, vive-se uma patolo-gia, um desvio da normalidade psíquica, marcada pelas men-tiras; estas são como que recursos ou subterfúgios, procu-rando levar os outros crerem, verdadeiramente, no que dize-mos, isto é, nas palavras que não correspondem à nossa vida interior. Desenvolve-se como que uma “arte” em mentir, de forma sutil, a qual não está ou estará presente, numa vida sem “N”. Mas para o neurótico (aqui falamos, dos casos de “N” Consciente), criam-se hábitos para camuflar a mentira na qual vive; e, a mentira – que é a falsidade na qual pousam suas vivências – é a forma mais comum de recurso, nos casos de Neurose.

— Neurose ‘inconsciente’: esta se situa no nível de nosso “I”, de não fácil acesso, normalmente. Nesse caso, é neces-sária a ajuda de um profissional da saúde mental para nos ajudar a conscientizar a(s) causa(s) mais remota(s) de nosso desconforto emocional, do qual nos queremos livrar. Como resistimos para trazer à tona da mente consciente as coi-sas desagradáveis, essa resistência é uma forma de defesa que temos; mas, no momento oportuno, o que está repri-mido dentro de nós – independente do tempo que ali esteja – “como que se destampa” – e se manifesta de forma muito

20 PINTO LIMA, J. Léo. Psicodrama, em: Psicoterapias Alienantes. Sociedade de Psica-nálise Integral. São Paulo: Próton, 1980, p. 101.

Page 21: Cura Interior Dupla

40 41

Pascal Ide22, médico e sacerdote, informa-nos que a psiquia tria distingue, classicamente, quatro tipos de neurose:

“N” de angústia – Estado de angústia pontuado por cri-ses; e a angústia é um medo, sem perigo real. É a “N” menos estruturada;

“N” fóbica – É a angústia cristalizada em coisas (ou inse-tos, etc.), ou em situações (claustrofobia, medo de lugares fechados, “angustiantes”, lugares escuros, alturas, etc.), ou de pessoas (lugares que a provocam: “agorafobia”, medo de lugares públicos; fobia “social”; e medo de pessoas atrás de nós, etc.);

“N” histérica – Quando a angústia se converte em sin-tomas orgânicos (paralisias, síncopes, doenças psicossomá-ticas, etc.);

“N” obsessiva – Quando a angústia se torna ativa, fixando-se em atitudes que procuram afastar ideias obsessi-vas pelos ritos compulsivos (aparentemente absurdos, quanto desnecessários: são os rituais lavatórios; mania de limpeza; de repetição de atos, como fechar e tornar a fechar a porta, a torneira do gás...).

Estes desequilíbrios são profundamente nocivos à vida normal de uma pessoa, e seu tratamento, por vezes, é longo e demorado, com acompanhamento sistemático de um profis-sional da saúde mental (quando não, de um psiquiatra para a indicação medicamentosa necessária).

Com essas informações tão ricas, para nosso conheci-mento, vemos como as neuroses estão mais do que presentes na vida de nossos irmãos, de amigos, e enquanto você lê essa classificação, talvez lhe venha em mente algum momento em que você possa ter desenvolvido algum tipo dessas Neuroses,

22 IDE, Pascal. Os Traumas da Alma. São Paulo: Loyola, 2000, pp. 54-55.

ou conheça alguém que há anos luta com elas. Nunca se despreze ou se ridicularize uma pessoa com algum tipo de “obsessão” (o que acontece, muitas vezes, junto aos que são portadoras do assim chamado “TOC”, o “Transtorno obses-sivo compulsivo”).

O neurótico, diz Pascal Ide, conserva o sentido do mundo ambiental [tem sobre este o seu controle], e pela consciên-cia de sua “doença” ele sofre ainda mais. Rezemos também por eles; que nossa oração toque aquele Inconsciente trau-matizado, e leve até lá a cura e paz que Jesus nos vem trazer, oferecendo-nos uma vida plena.

— Conflito de Consciência e Neurose.

Frankl aborda um delicado tema, o da relação entre neu-rose e espiritualidade, e quanto a relação entre esses dois valores está abalada. De fato, não há neurose (consciente) sem um fundo religioso.

A realidade de cada dia nos leva a refletir com as pessoas, relação entre “N” e a dimensão espiritual, na qual podemos encontrar a raiz de algum conflito neurótico. Acontece que quando não cumprimos os nossos “deveres de estado” – por exemplo, os deveres de uma pessoa casada, de uma religiosa, de um sacerdote – podemos entrar em conflito de neurose, e de forma muito fácil.

Há uma grande sensibilidade para com esse tipo de con-flito; especialmente nas pessoas que têm certa liderança, ou que têm uma vida religiosa intensa. O conflito neurótico – nesses casos – assume proporções ainda maiores. Quanto maior é a sensibilidade para com a religião e seus valores, os efeitos da “N” assumem dimensões bem mais amplas e pro-fundas. Nesse sentido, uma vida religiosa – seja no Ministério

Page 22: Cura Interior Dupla

42 43

Sacerdotal, seja na vida consagrada, ou na vida matrimonial – exigirá, sempre, uma vida moral adequada. Não se pode viver uma vida de “consagração” (seja à família, à Igreja, à uma vida religiosa) sem a devida vida moral, coadunada com as exigências próprias ao estado em que se vive.

Aliás, qualquer atitude ou valor que se assume e que atenta contra a unidade e equilíbrio da vida interna, deverá ser rejeitado, de forma contundente. Aqui não se pode admitir “meias medidas”. E a decisão, quando tomada corretamente, sempre trará frutos benfazejos, e uma reorganização interna, com relação à hierarquia de valores.

Concluindo, dizemos o quanto a ajuda, nesses casos, de uma boa direção espiritual, de uma palavra amiga de um sacerdote (e, eventualmente, uma boa confissão sacramental) poderão ajudar a aliviar as tensões, buscando reordenar a vida interior, reencontrando força na oração e na vigilância. Mui-tos de nossos conflitos emocionais têm, seguramente, alguma causa em nossa vida espiritual não vivida de forma correta.

Afirmamos, ainda, que se o psicológico “marca, determina o biológico”, este fator também “marca o teológico”; ou seja, muitos problemas emocionais acabam por “determinar” a nossa vida de relação com Deus, e o cumprimento dos man-damentos divinos, e de nossos deveres religiosos. Sabemos de pessoas que, vivendo neuroses conscientes, acabaram por abandonar os sacramentos, mormente a Confissão e Euca-ristia; e resolvidos tais conflitos, a volta para Deus, para a comunidade eclesial e vivência sacramental foram os efeitos mais imediatos.

Trazemos, aqui, alguns pensamentos do médico e cardio-logista Dr. Roque M. Savioli23, que comenta, a propósito,

23 SAVIOLI, Roque Marcos. Fronteiras da Ciência e da Fé. São Paulo: Gaia, 2006, p. 27.

sobre o papel preponderante da religião na vida das pes-soas. Ele analisa que S. Freud combatia, de forma veemente, a influência da religião na psique, como que exercendo um valor depressivo da vida, e distorção da realidade, tornando--se uma verdadeira ‘neurose obsessiva’. Mas, C. G. Jung, dis-cípulo de Freud, logo viu o equívoco do mestre, e procurou consertar aquela visão unilateral. Para Jung, a ‘perda do sen-tido religioso da vida pode ser causa de muitas neuroses e distúrbios mentais’. E ele traz o pensamento de A. Einstein (1897-1955), que a partir de 1905 apresentava ao mundo a ‘Teoria da Relatividade’, o qual afirmava: “Ciência sem reli-gião é paralítica! Religião sem ciência, é cega!”

Cientificamente falando, o papel efetivo da religião sobre a saúde, diz ele ainda, não está ‘totalmente comprovada’. Mas profissionais científicos respeitados no mundo todo já deba-tem sobre esse assunto, e a questão deverá ser respondida em pouco tempo. Infelizmente nem sempre essa junção acontece! Por parte da Igreja, o diálogo, como se vê, entre fé e ciên-cia é algo atual em seus documentos oficiais, e nunca será descartado.

Do ponto de vista de cientistas renomados, a influência da religião – isto é, da relação humana com o transcendente – é algo indubitável; e parece ser a via mais certa e plena, para se abordar o homem, em sua complexa realidade de matéria e espírito.

Erna Van de Winckle24 ilustra, a propósito, a necessidade de se curar as neuroses para um crescimento na espirituali-dade, dimensão essencial de nossas vidas. E diz que “com os neuróticos não se pode pensar em ascese autêntica, enquanto não estiverem curados. De um mesmo modo que um manco

24 VAN DE WINCKLE, Erna. Op. cit., p. 173.

Page 23: Cura Interior Dupla

44 45

não pode correr, um neurótico não pode engajar-se seria-mente na virtude; ademais, a ascese cristã não é possível, sem maturidade”. Isto revela o quanto – e assim assevera Frankl25 – “a existência do homem é marcada pela sua autotranscen-dência”, pela sua relação com Deus, com o seu Criador e ‘Redentor’ (‘Go’el’).

Para o sacerdote e psicólogo do Celam, Salvador López26, “as doenças psíquicas impedem que muitas pessoas consigam estabelecer boas relações com Deus”. Por isso, afirmamos a necessidade de trabalharmos nosso mundo interior, para uma maior abertura ao transcendente (Deus, enfim). Aqui recordamos o pensamento de André Millette27: “Uma pessoa dividida interiormente no seu eu profundo não tem harmo-nia, mesmo que faça muitas orações, e trabalhe muito.” Eis a base para uma boa espiritualidade: a busca incessante da Cura Interior, da cura de nosso “mundo interior”!

Trago sempre, em meus livros, a famosa frase de Salva-dor Lópes que, ao abrir seu livro, exarou o seguinte pensa-mento: “Cristo não tem êxito, numa psique destruída”. Disso se deduz que a Graça de Deus supõe a natureza e a aperfeiçoa (nunca a dispensa).

A parábola do bom semeador, de Mateus 13,1ss é a página bíblica que melhor ilustra a eficiência das realidades divinas (a boa semente, no caso), junto ao coração humano, o “bom terreno”. Os outros “terrenos” (os “corações”) que contêm pedras, espinhos e nos quais passa Deus e o mundo (os ditos “terrenos à beira da estrada”) nada retêm, por não terem

25 FRANKL, Viktor E. Psicoterapia para Todos. Op. cit., p. 66.26 LÓPEZ, Salvador. Psicologia e Vida Consagrada. São Paulo: Paulinas, 1985, p. 17.27 MILLETTE, André. A Entrevista Psicológica, na Relação de Entre Ajuda. São Paulo:

Paulinas, 1982, p. 136.

condições satisfatórias para o crescimento e desenvolvimento dos valores espirituais e morais.

Outro exemplo nós vemos na experiência da “Parábola do Filho Pródigo” (Lc 15,11s): o moço mais novo abandona irmão, casa, pai, e quer, por si mesmo, buscar sua realização nas ilusões que imagina, em uma falseada liberdade, longe de Deus (o Pai, da parábola) e da família (a Igreja). E sabemos onde foi parar: numa suinocultura, longe da dignidade de filho e na total miséria, humana e moral!

Como aquele jovem da parábola, dizemos que há, na neu-rose, um orgulho em nível elevado, de independência total, e de uma “cegueira” diante dos grandes valores, que são refe-renciais na vida humana. Isso nada mais tem valor.

É incrível como a “N” – especialmente a que é provo-cada por um conflito moral consciente – bloqueia a pessoa em suas relações humanas, eclesiais e sociais, quando a pes-soa tudo abandona, mesmo os valores mais sagrados de sua vida, como: religião, vida moral, amigos, família, vida social, em detrimento à vida interior. O caminho da Cura é o da “volta” (a metanoia, a conversão), refazendo os laços rompi-dos outrora, voltando de forma humilde, ao estado anterior de equilíbrio e de paz.

Nesse sentido, Deus Pai, cheio e rico de misericórdia (2Cor 1,3; Ef 2,4) vem refazer, no coração pecador, a Sua Graça, Sua comunhão, pelo perdão Sacramental que a Igreja, em nome de Cristo e do Espírito, pode administrar. Como é bom sentir-se livre da culpa – quando é real – diante do pecado que se cometeu, e cuja realidade já não mais existe. Dizemos que podemos pecar, influenciados por conflitos emocionais; eles podem levar-nos a cometer pecados, ao afastamento de Deus, e ao não cumprimento de nossos deveres mais fundamen-tais. Quando alguém é curado em seus conflitos emocionais,

Page 24: Cura Interior Dupla

46 47

volta-se a uma vida religiosa autêntica e aos valores morais, que são o fruto mais natural.

Uma atitude de séria revisão de vida – como fez o Filho Pródigo, que entrou em si e refletiu – é o primeiro passo para reordenar o mundo interior, desconcertado pela “N”, de fundo religioso ou moral. Lá, bem no “fundo do poço”, nós encontramos a realidade mais bela e fundante do ser humano: sua consciência. Além desta, não podemos ir além. Aliás, é bom salientar que a “santidade começa com a consciência do pecado”. E o pecado é um mistério que somente à luz de Deus, do Seu Espírito, pode ser conscientizado. Por isso, o Após-tolo João nos afirma que o Espírito nos foi dado “para nos convencer a respeito do pecado”. Sentir esse “remorso”, esse arrependimento, diante de nosso pecado já é influxo da graça divina (Jo 16,8).

Temos o clássico exemplo da parábola do “Filho Pró-digo”. Ele “tocou” esta dimensão essencial do seu ser (a sua consciência); e foi ali que ele, “entrando em si e refletindo” tomou a séria decisão de deixar aquela vida, e retomar a vida de filho, que deixara para trás, por uma decisão livre, mas terrível.

A cura do seu pecado foi encontrada na livre decisão de reconhecer seu estado de miséria, buscado por ele mesmo, e de confessar o seu pecado, ao voltar para seu Pai (Deus). É ali, (naquela casa e presenças paterna e fraterna), deixadas para trás, é que ele encontraria a paz perdida por uma esco-lha livre, mas de efeitos altamente nocivos para sua vida.

Assim, se uma neurose consciente está desgastando as nossas energias interiores, no esforço repressor para evitá--las, nada melhor do que “cortar tais neuroses”, com atitudes certas, determinantes e conscientes.

Diz o psiquiatra italiano, Valério Albisetti28, que todas as pessoas, quer mais ou quer menos, apresentam certo nível de neurose; e isto acontece desde a vida intrauterina, após o nascimento e nas fases da vida. O grau neurótico vai aumen-tando, despertado pelo ambiente parental, familiar e mais tarde pelo ambiente escolar, profissional e social.

Mas, aqui está o segredo, diz ele: “Tarefa de todo o ser humano vivo, sadio é a de reduzir o grau de neurose que apresenta!” Em outras palavras, podemos e devemos dimi-nuir ao máximo, o nível de neurose no qual vivemos. Para nosso bem, devemos eliminar de nossa vida, tudo o que não se coaduna com nossa vida, com nossa vocação, com nosso ser de filhos de Deus e de irmãos entre nós. Eis o esforço diário, psicológico e cristão ao qual todos somos convocados.

Padre Raniero Cantalamessa29, falando das dificuldades na vida dos santos, nos diz que “as neuroses não pouparam nem mesmo alguns dos santos; não impediram, porém, que se santificassem”. Podemos fazer delas um passo de maturi-dade, de crescimento, e de verdadeiras conquistas interiores, ao vencê-las! Eles também conheciam as “noites escuras da alma”, as “sombras” interiores que habitavam seus corações; e, sem ter todo o aparato científico de que dispomos hoje, buscavam na vida de oração e na direção espiritual uma orientação para suas vidas.

Os santos foram os mais conscientes de suas imperfeições; consciência, esta, que não os fez desanimar. Ao contrário, buscaram, pelos meios que dispunham, viver de forma serena, mas consciente, o seguimento de Jesus.

28 ALBISETTI, Valério. Para Ser Feliz. Psicoterapia para Todos. 2a ed. São Paulo: Paulinas, 1995, p. 41.

29 CANTALAMESSA, Raniero (Pe.). O Canto do Espírito. Meditações sobre o ‘Veni Crea-tor’. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 288.

Page 25: Cura Interior Dupla

48 49

A ‘SOMATIZAÇÃO’

Manifestações corporais de nossos conflitos internos

“Quando alguém, com uma doença física, opera uma completa e positiva mudança de personalidade, as defesas orgânicas poderão eliminar a doença que não faz parte do novo ser.” (Bernie S. Siegel, M.D)31

Seguindo o pensamento de Siegel, operar uma mudança interior, diante de uma enfermidade, não é algo aparen-

temente tão fácil, mesmo sendo tão simples. Como é difícil a mudança de mentalidade, de sentimentos, de postura diante dos fatos, quando isso é determinante para o bem-estar e saúde plena.

De certa forma, afirma a Dra. Renate J. de Moraes32, “todos somos resistentes à cura e às mudanças”. Aliás, qual-quer mudança nos coloca em algum “desconforto” (por vezes inevitável); e isso acontece quando mudamos de paróquia, de escola, de cidade, de médico, de casa, etc. A capacidade

31 SIEGEL, Bernie S. (MD). Amor, Medicina e Milagres. 17a ed. São Paulo: Best Seller, 1989, p. 157.

32 DE MORAES, Renate Jost. Op. cit., p. 173.

Nessa linha, afirma Ricardo Peter30: “Uma mente cons-ciente do limite, é uma mente sadia”. Os santos bem conhe-ciam seus “limites”. Mas, confiantes e auxiliados pela Graça Divina, “davam um novo sentido às suas imperfeições”.

O Apóstolo São Paulo já falava em sua ascese pessoal, a qual sentiu a força do limite e das fraquezas; e delas se gloriou, enquanto meios de manifestação da força e da pre-sença divina em sua vida. E diante dos “espinhos na carne”, o Senhor lhe disse: “Paulo: Basta-te a Minha graça porque é na fraqueza que se revela totalmente a Minha força” (Cf. o pensamento paulino, na 2Cor 12,7-10). E Paulo conclui, afirmando: “Porque quando me sinto fraco é que sou forte” (v.10). Ele tinha a “consciência de seu limite”; e se ele “era alguma coisa”, atribuía-o à Graça Divina, e não a si (1Cor 15,10; cf. Rm 7,14ss).

Por fim, cabe-nos lembrar, nos momentos difíceis, a beleza da oração do Salmo 129,1-2: “Das profundezas eu clamo a Ti, Senhor. Senhor, escuta a minha prece. Que vossos ouvi-dos estejam atentos, à voz da minha súplica”.

Esta é uma oração de confiança, de quem encontrou em Deus a força da conversão e da santidade, e busca, junto dele, uma vida sempre mais plena. “No Senhor”, diz o Salmo 35,10: “está a fonte da Vida”. A recuperação do equilíbrio interior passa, muitas vezes, pela volta a Deus, pelo humilde reconhecimento de nossas fraquezas, e pela confiança na misericórdia de Deus, que nunca nos falta, e “que faz tudo novo” (Ap 21,5), inclusa nossa vida emocional.

30 PETER, Ricardo. Uma Terapia para a Pessoa Humana. Aspectos Teóricos da Terapia da Imperfeição. São Paulo: Paulus, 1998, pp. 137.160.

Page 26: Cura Interior Dupla

50 51

essa parte submersa de nossa consciência – o subconsciente (ou o inconsciente) – que controla o nosso corpo”. Saber lidar com essa dimensão “I” não é fácil; é preciso estudar suas manifestações, sua linguagem, seus recursos, que são os mais ínfimos possíveis, para poder fazer com que o nosso “C” o dirija e o controle.

Somos comandados pelo inconsciente – e veremos, adiante, suas características, e a quem ele obedece e reage – até por vota dos 16/17 anos, como veremos. Até ali, ele exerce uma influência decisiva nos atos da pessoa; depois disso, o cons-ciente vai “tomando as rédeas”, e dirigindo “mais de perto” os pensamentos e atos humanos. Mas, até ali, já teremos colocado toda a sorte de pensamentos e atitudes negativas, cujos efeitos não tardarão a se manifestar. Aguardam, ape-nas, um fato, uma ocasião emocional mais intensa e traumá-tica para eclodir.

Falemos um pouco do fenômeno da “somatização” que sempre está ou esteve, de alguma forma, presente em nossas vidas.

Aliás, quem não somatizou, uma ou outra vez? Ou quem não presenciou alguma somatização em algum membro de sua família ou de sua escola, ou até mesmo em sua comuni-dade eclesial? Assim sendo, para muitos, nossas comunida-des são os locais onde as pessoas buscam a solução de seus problemas físicos e emocionais, com base na fé, na oração, quanto na orientação que ali encontram.

Aliás, diga-se de passagem, nossas comunidades deve-riam ser “comunidades curativas”, onde as pessoas pudessem encontrar quem orasse por elas, quem as assistisse emocio-nalmente, e quem lhes indicasse o meio adequado, na solução de seu problema.

de adaptação deve logo ser colocada em atividade. Toda mudança exige adaptação. Ainda mais quando falamos de mudanças de hábitos, de pensamentos e de atitudes interio-res! E é bom lembrar que resistimos, de forma consciente ou inconsciente, a toda atitude interna de mudança, que nos leve a esforços pessoais, necessários para nossa saúde mental. Queremos a cura, mas não o esforço que leva a ela.

Nessa linha, o analista junguiano e padre episcopaliano, John A.Sanford33, afirma que “as pessoas são preguiçosas no que diz respeito à sua própria psique [...] Queremos, sim, que tudo nos seja oferecido de bandeja; as pessoas esperam tudo pronto, de quem cuida delas (o analista, por exemplo), sem que façam esforços, por si mesmas”. Aqui, nestes casos, devemos saber levar em conta esse “mundo da ilusão pes-soal”: sem uma tomada de posição interior, que modifique nossos valores, nossas concepções errôneas, e que exigem de nós novos comportamentos, pensamentos e valores: nada acontecerá.

É bom lembrar, já neste início, que vivemos num mundo que nos desestabiliza a todo o momento; assim, a capacidade de reordenar o mundo interior, segundo um são procedi-mento, é esforço que se impõe a todos nós, a cada dia. É claro que ninguém é obrigado a se curar de nada, de nenhum problema; mas, quando a pessoa se propõe que necessita de ajuda, ali está implícita a vontade de mudança interior.

Agnes Sanford34, no capítulo IV de seu livro, “Renasci-mento da Fé: Reeducação do Subconsciente”, traz o parecer da ciência, que afirma: “Nove décimos de nossos pensamen-tos restam abaixo do nível da consciência; e o que é mais, é

33 SANDFORD, John A. Os Parceiros Invisíveis. 6a ed. São Paulo: Paulus, 1987, p. 162.34 SANFORD, Agnes. A Luz que Cura. Oração pelos Doentes. São Paulo: Loyola, 1985, p. 33.

Page 27: Cura Interior Dupla

52 53

— Somatização: Quanto menos “somatizarmos’, melhor. Sabemos que todos nós somatizamos, quer mais, quer menos, “com maior ou menor intensidade e frequência, mesmo que disso não nos demos conta, ou até não aceitemos”, afirma o Dr. Marco A. Dias Da Silva35.

Se, contudo, estivermos atentos às manifestações doentias em nossa vida, logo veremos a importância do “I” nesse pro-cesso de “adoecimento”. De fato, ao mudarmos internamente nossas referências, valores, atitudes mentais, logo verificare-mos os efeitos da mudança, em nossa vida.

D. Goleman afirma que muitos pacientes, que vão aos médicos, sofrem mais de “angústia emocional”, o que na psiquiatria é um fenômeno conhecido como “somatização”. Quando esta é identificada? Como se manifesta? Todos somatizamos, e em que “grau”? Vejamos alguns conceitos.

D. Goleman36 define a “somatização”: nós a temos, a iden-tificamos quando “uma dor emocional se expressa através de uma dor física”. Diríamos, a somatização é algo que se espelha no corpo, mas sua causa está na alma, no íntimo, no nosso mundo interior de emoções. Somatização vem de Soma, “corpo” no grego. Sofremos no corpo um “eco, uma ressonância” de algo que, em nossas emoções não está bem. Ali está, no corpo (e na epiderme, muitas vezes) o espelho de nossos conflitos que não temos condições, auxílio e mesmo coragem no momento certo, com a pessoa certa de tratar, de expressar nossos conflitos emocionais, e buscar a ajuda de que necessitamos. Aliás, o corpo somente conhece a lin-guagem da mente (seja consciente ou inconsciente). Por isso,

35 DA SILVA, Marco Aurélio Dias. Quem Ama Não Adoece. O papel das emoções, na cura e prevenção das doenças. 17a ed. São Paulo: Best Seller, 1994, p. 114.

36 GOLEMAN, Daniel. Op.cit., p. 65.

a cura interior, a cura dos conflitos, em si, é tão complexa. Temos resistências, próprias de nossa natureza psíquica; pois ninguém gosta, nem sente alegria em mexer e remexer nas feridas, ainda não cicatrizadas.

É assim que reflete o escritor David A. Seamands37, pastor Metodista que se dedicou, por anos, ao estudo da cura das emoções negativas, dos traumas emocionais, e de como pode-mos lidar com eles, também pelo meio da oração de cura interior. E diz que: “O tempo pode curar todas as memórias penosas – que não foram reprimidas e não infeccionadas [...] O tempo, em si, não cura aquelas lembranças que são, de tal forma penosa, que a pessoa humana não pode tolerar”. É ali que somatizamos, manifestamos os desequilíbrios que são mais profundos, que estão bem além das aparências.

Dizemos, enfim: e como sua causa última está “mais pro-funda em nós”, a dor física nem sempre é identificada pelo médico; o que temos ali é um efeito, cuja causa deve ser bus-cada no inconsciente, na maioria dos casos.

Se o problema não é biologicamente observável, podemos “desconfiar” da presença do fenômeno da somatização. E o que é mais belo, ao se solucionar o problema emocional em causa, é que a dor física desaparece, como que por encanto. E como dissemos acima: se nove décimos de nossa vida estão abaixo do nível consciente, pode-se desconfiar de alguma causa presente no nível “I” (depois de se perscrutar o “C”, se ali existe algo consciente, de fácil acesso, que produziu o des-conforto emocional). Nem sempre as causas de nossos males estão no nível “I”; esses podem estar no nível “C”, e muitas vezes ali estão.

37 SEAMANDS, David. A. A Cura das Memórias. São Paulo: Mundo Cristão, 1987, p. 22.

Page 28: Cura Interior Dupla

54 55

Muitas somatizações, frequentes na vida adulta, são cura-das ao se reativar a memória inconsciente – por vezes até na vida intrauterina (ou na vida infantil) – ajudando a pessoa a se recolocar diante de sua programação negativa, mas, agora, de forma positiva e construtiva. Veremos, logo adiante, como é possível ao “I” atingir qualquer fase da vida, pelas caracte-rísticas que este possui, graças aos avanços das descobertas e recursos do “I”.

Falávamos antes, citando o Dr. Seamands, que o tempo não cura as feridas que ainda não fecharam, que ainda estão abertas, apesar do tempo em que aconteceram em nós; mas há casos em que o tempo cura muitas lembranças; e podemos compará-las a uma fogueira que “deixamos de alimentar”: o fogo logo se apagará, quando não alimentado. Muitos pro-blemas se esvairão, quanto menos atenções dermos a eles.

Assim, podemos lidar com muitas lembranças cheias de dor, mas que são de caráter mais superficial. Seria impos-sível tentar curar toda e qualquer sensação de desconforto, de pequenas depressões que possa ocorrer na vida. Temos acompanhado pessoas que acabam por reforçar pequenas lembranças, a ponto de dar-lhes uma dimensão tamanha que, em si mesmas, não têm.

Além da ajuda externa, que devemos buscar, sempre pode-mos recorrer à Oração de Cura Interior, encontrada em tan-tos livros, e que é de imensa ajuda na abordagem de nossos problemas. Jesus não somente curou as pessoas, de seus pro-blemas físicos (veja Mt 4; Lc 7), mas também cuidou dos Seus Apóstolos, dos possíveis problemas emocionais, que regiam, por vezes, a vida do Grupo dos Doze, por Ele escolhidos. Eles também – como todos nós – necessitavam serem trabalhados na dimensão emocional, de como conviver com pessoas tão diferentes, mas agindo com amor e perdão recíprocos.

— Doença Psicossomática. Goleman anota, ainda: outra coisa é a doença psicossomática.

Esta se dá quando “os problemas emocionais causam doenças físicas autênticas”. E ele comenta que muitos bus-cam junto ao médico uma ajuda, por vezes infrutífera, “um tratamento médico para aquilo que, na verdade, é um pro-blema emocional”, e não simplesmente, uma enfermidade fisicamente identificável, diagnosticada.

Todos nós somatizamos, quer mais, quer menos, nós todos o sabemos. E isso independe de capacidades conscientes de somatizações. Uma criança, já no seio materno – e veremos adiante – já somatiza, já se decide por algum tipo de enfermi-dade, para fazer frente ao que vai encontrar na vida, depois do nascimento. Aliás, nessa fase intrauterina, nossa sensibili-dade é altíssima, atingindo os mais altos níveis humanos pos-síveis, seja para captar as impressões boas e promotoras de nosso “eu” e pessoa, sejam as que apreendemos como “agres-sões” em forma de rejeição, de descaso, de abandono, de falta de aceitação. Tais atitudes levam as crianças, na vida anterior ao nascimento, a verdadeiras e tristes agressões, senão à ten-tativa de autoabortamentos.

Quanto menores somos, mais forte são as sensações que percebemos no nível inconsciente; e quando essas são positi-vas, nós as integramos como reforços à nossa vida, à estrutu-ração da personalidade, chegando a colaborar com a mãe, no próprio nascimento.

Mas, se sentimos o contrário, também reagiremos nega-tivamente, guiados pelas impressões em nosso inconsciente, e reagimos, sem colaboração alguma, ao processo do nosso nascer. É quando não desejando nascer, dificultando o pro-cesso do parto, sentimo-nos altamente ansiosos e nervosos antes do nascimento.

Page 29: Cura Interior Dupla

56 57

Hanna Wolf38, teóloga e psicoterapeuta alemã, diz que: “Jesus não realizou nenhuma psicanálise no sentido de neu-rose, de trauma ou depressão. Mas – e isso é decisivo – Ele conhece plenamente os processos psíquicos construtivos e destrutivos da vida”, e oferece caminhos de solução. Oferece Seu Evangelho, Seus Mandamentos e Suas exigências, a Sua Divina caridade e Seu Perdão, acima de tudo, para nos ajudar a superar os conflitos, e a termos uma vida, cada vez mais plena e feliz.

Temos constatado, a propósito, quanto uma atitude de mudança interior positiva, seja no nível emocional, quando religioso (moral) tem contribuído para a busca do equilí-brio interior, necessário para uma saúde mental, condizente com um sadio desejo de felicidade, e de uma vida realizada, e vivida nas boas relações humanas. Muitas somatizações nada mais são do que autoagressões: acabamos por nos ferir, diante da violação de leis da nossa natureza humana, ou leis morais.

Uma mudança interior – para o bem – logo trará os fru-tos de saúde, em todos os sentidos. Vejamos o caso de uma pessoa: esta manifestava irrupções cutâneas enormes, e em todo corpo (alergias que causavam sangramento). Ora, vendo a “somatização” que ali ocorria, logo identificamos a causa – presente no nível consciente. E, ao ser curada a causa da somatização, logo desapareceram todos os sintomas: em pou-quíssimo tempo, a somatização desapareceu por completo! Muitas vezes, o problema todo está na “ferida do amor”: onde se ama e se é amado de forma correta e moral, também se evitam problemas de toda a sorte.

38 WOLFF, H. Jesus Psicoterapeuta. São Paulo: Paulinas, 1990, p. 18.

Para o médico Dr. Marco A. D. da Silva39, em seu famo-síssimo livro já citado, diz, incansavelmente: “Vimos defen-dendo que quando não se foi amado, de forma adequada e/ou insuficiente, frequentemente não consegue amar. Não amando, será infeliz e o corpo, adoecendo, será o palco para dar vazão e comunicar aos outros seu sofrimento.” Aqui, corrigido o sofrimento que causava a somatização, a pessoa recobrou novo vigor, um novo “helan” (Impulso vital), ou uma vitalidade impressionante.

O que estava acontecendo neste caso específico? Bastou, simplesmente, um reconhecimento humilde e sincero de uma falta moral ali presente, e a coragem da Confissão Sacramen-tal, com o perdão divino, para que se restabelecesse totalmente a saúde física, num modo inimaginável e impressionante.

Esta “doença orgânica” logo se eliminou, em tempo recorde, pois já não fazia parte do novo ser (como afirmou Frankl). E é assim que acontece: quando temos a coragem e a humildade de reconhecer nossas fraquezas, e pela fé nos que-remos “refazer” – espiritualmente falando, em nossa relação com Deus –, a saúde é o primeiro “sinal, sensível e visível” de que estamos bem.

A partir daí, surge, “no novo ser”, uma “incrível criativi-dade”; é a pessoa manifestando “ela mesma, a si, quanto aos outros”. Em muitos casos, a pessoa muda de semblante, no modo de se comunicar, no modo de reassumir suas tarefas, com novo vigor, e com uma nova e incrível criatividade...

Quanta satisfação a pessoa sente em si, vendo-se livre de um “sofrimento desnecessário” (expressão de Frankl). E nós sentimos imensas satisfações, vendo os bons e construtivos frutos, na vida dessa pessoa. Ela passou a trabalhar ainda

39 DA SILVA, Marco Aurélio Dias. Op. cit., pp. 211-212.

Page 30: Cura Interior Dupla

58 59

mais em sua comunidade, e com novo ânimo e liberdade! Sempre que levamos alguém à sua integridade, à recomposi-ção de seu “eu interior”, muitas vezes esfacelado pelos proble-mas interiores, a satisfação é dupla: na vida da pessoa, e na vida de quem a ajudou, e lhe indicou o caminho da liberdade. De agora em diante, cabe a ela caminhar sozinha, com suas próprias forças e com o aprendizado que lhe sobrou, depois da “tempestade da alma”. Enfim, aprendemos com nossos erros, e iremos levar os outros a essa plenitude, que “já faz parte de nosso novo ser”.

CAUSAS E RAZÕES DE NOSSAS DOENÇAS

por que adoeceMos?

“Há que proponha que, quando alguém adoece, está adoecendo para alguém ou por [causa de] alguém.” (Dr. Marco A. Dias da Silva)40

Dr. Marco A. Dias da Silva coloca-nos diante da per-gunta fundamental de nossas vidas: Por que adoece-

mos? Como expressamos as nossas doenças, “nossos confli-tos emocionais”? O que, de fato, mina tanto nossa segurança física e emocional, a ponto de adoecermos? Esse pensamento é genial e merece reflexão.

O mesmo autor salienta que “como todo sintoma orgâ-nico, a dor é uma forma de expressão de sentimento, de pedir ajuda, e de atenuar a angústia interior” (Idem, p. 167). Mas há sempre algo que precede esse sintoma orgânico, doloroso: um acontecimento, geralmente marcado pela nossa relação com alguém, ou até, conosco. Quando adoecemos, necessi-tamos de ajuda externa; e somente o fato de nos sentirmos

40 DA SILVA, Marco Aurélio Dias. Op. Cit., p. 98.

Page 31: Cura Interior Dupla

60 61

“dependentes de alguém, na doença”, já nos oferece certo alento, conforto e calma.

O pensamento da página anterior, nos leva a refletir sobre alguns significados, expressos, exteriorizados ou não em nossa própria vida. E refletimos o pensamento acima: fica-mos doentes (A) “por causa de alguém”, ou “para alguém”; e, a seguir, nos perguntamos: (B) O que a “doença veio preencher”? Vejamos por parte.

— O significado “simbólico” de nosso adoecer. Tudo o que vive, sofre de alguma forma. Nasce, cresce, adoece e vem ao declínio. Mas, na vida humana, o sofrimento é bem mais complexo; ali se mesclam elementos físicos, do meio ambiente, da hereditariedade e do complexo psíquico, que podem nos fazer adoecer. Enfim, na vida adoecemos e sofre-mos porque estamos vivos. E lutamos contra toda a forma de enfermidade, tentando encontrar a maior integridade possí-vel, em todo o nosso ser.

O próprio Jesus, em Suas curas, manifestava Seu amor pelos doentes e a presença do Reino do Pai, que irrompia em Sua palavra contagiante e em Suas ações curativas. Jamais deixou de curar alguém que Lhe pediu com fé. E as pessoas curadas O seguiam, cresciam na fé e no amor a Ele; quando envia os Apóstolos, Ele mesmo lhes recomenda o “anúncio do Reino e a cura dos enfermos” (Mt 10,7-8). Ele diz, em Sua pregação, que “veio para que suas ovelhas tenham vida plena” (Jo 10,10). Suas curas e ressurreições apontavam para um estado definitivo, escatológico, onde a dor, a tristeza, os sofrimentos e a morte não mais teriam vez (Apocalipse de São João 21,4). E Ele mesmo confirma, dentro da Última Ceia, que a vida humana estaria marcada por dificuldades de toda a sorte, e disse: “No mundo haveis de ter aflições.

Coragem!” (Jo 16,33). Ele mesmo se propõe como consola-dor, ao dizer: “Vinde a mim vós todos que estais aflitos sob o fardo e eu vos aliviarei...”. (Mt 11,25ss). O recurso a Jesus, na Eucaristia (Missa), na vida de oração e de fé, e na oração pelos enfermos tem sido uma ajuda e sustento imenso, nos momentos de sofrimento de muitos irmãos de fé. É só confe-rir os textos a seguir: Mt 4,23-25; Mt 21,22; Mc 11,22-26; Mc 16,16-20; Lc 5,1-16; Lc 6,17-19; Jo 6,1-2 ; e o texto de Tg 5,13-16, onde se lê: “Orai uns pelos outros para serdes curados! A oração do justo tem grande eficácia”.

Por outro lado, os sofrimentos têm, na visão cristã, o sen-tido redentor; completamos em nós a Paixão do Senhor – disse Paulo (cf. Col 1,24); e tais sofrimentos nos purificam e nos aproximam de Deus e dos irmãos. Jesus não veio tirar a cruz, nem os sofrimentos ou a morte: mas veio mudar-lhes o sentido. Ele fez dessas realidades, um caminho e uma reali-dade pascal. Ele assumiu nossas dores, redimindo-as; assim diziam os padres da Igreja: “O que Jesus assumiu, Ele tam-bém redimiu, salvou, regenerou”.

É claro que o nosso ser luta pela sua integridade; chega até a adoecer, para buscar uma solução a determinado pro-blema que o afeta. Deus quer a nossa cura; e Jesus demonstrou essa vontade divina, curando a muitos, e cura ainda hoje. Há momentos em que o adoecer tem o valor de “prova”, e na fé nos unimos a Deus, por nossa redenção e pela redenção do mundo.

E aprendemos, também, que se deve distinguir entre um sofrimento “necessário” – esforços de viver retamente e segundo Deus (e isso nos faz bem, nos promove e fortalece), e que há um sofrimento “desnecessário”, que nenhum bem nos traz (assim como: um trauma, uma fobia, um pânico, uma “agorafobia”, uma “claustrofobia”, etc., nada acrescentam de bom, dentro de nós; por isso, devem ser curados).

Page 32: Cura Interior Dupla

62 63

Mas, devemos ainda acrescentar: O fato de se “adoecer” tem um sentido: o da prevenção! Quando adoecemos, é como se um “pisca-pisca” de alerta se acendesse, avisando que algo não está bem conosco. É a natureza zelando pela nossa integridade e chamando nossa atenção para alguns cui-dados necessários.

Quando algo não está bem em nós, a dor que sentimos nos ajuda a buscar o recurso necessário para a recuperação de nossa saúde. Sem a doença, não saberíamos que estamos doentes. Há ocasiões em que a doença é um sadio e necessá-rio “aviso” da nossa natureza para que descansemos mais, para que saiamos de um ativismo doentio; para termos férias merecidas e necessárias; é um aviso para regularmos melhor nossa alimentação; que necessitamos de um sono mais res-taurador; que é hora de abrir o coração a alguém, para ali-viar as tensões, e assim por diante. Hoje se sabe do valor do repouso, do relaxamento e do descanso. Uma das caracterís-ticas da pessoa emocionalmente sadia está no modo de como ela relaxa, de como descansa, de como acalma seu coração e controla suas pulsões interiores. O descanso, o bom sono, é o melhor remédio na recuperação dos desgastes diários, quanto na recuperação de uma cirurgia e outras enfermidades que exigem repouso absoluto.

De fato, não é fácil aceitarmos o “motivo” que nos dei-xou doentes, tristes, deprimidos, fechados em nós mesmos, reclusos e incomunicáveis. E não sentimos prazer em pensar, refletir, aprofundar a causa de nossa tristeza mais profunda. Temos a impressão de que simplesmente não enfrentando o problema – de forma pensada, calma, identificando suas cau-sas – ele não nos incomodará. Mas o que acontece é algo bem diferente. E quanto mais cedo tomarmos consciência do

nosso problema e o analisarmos friamente, mais cedo pode-mos resolvê-lo.

A melhor forma de resolver um problema dessa natureza é, certamente, enfrentá-lo com serenidade, sempre confron-tando-nos com o que é verdadeiro para nossa vida, para a vocação na qual vivemos nossa realização pessoal.

Mesmo se ali temos “certa culpa”, na sua causalidade, ao se aceitar nossa “contribuição” no problema, na neurose, no mal-estar emocional, nós o enfrentamos com outro olhar, com outra ótica, e com outra possibilidade de busca de solução.

Há sempre uma “causa”, em nossas enfermidades, em nossas tristezas de alma. Especialmente quando lidamos com nossos conflitos mais íntimos, onde tivemos que assumir deci-sões – e ali estávamos sozinhos –, a causa é sempre e facil-mente identificável; e, com ajuda externa, saberemos verificar o “nosso grau” de participação em nosso próprio conflito. O Dr. Marco A. Dias da Silva ainda nos induz a refletir sobre “a incapacidade do doente de expressar seus sentimentos e emoções”41, como um caminho de alívio e de cura.

Para o autor42, “a doença é uma válvula de escape dos conflitos intrapsíquicos e emocionais... O mais rijo e saudá-vel ‘ego’ do mundo tem seu limite na resistência”.

E quando aceitamos que somos fonte de nosso problema, que este surgiu dentro de nós, por alguma atitude que toma-mos – nem sempre a mais correta – somos levados a perceber que, dentro de nós está, também, a solução!

Para Valério Albisetti43, quando alguém vem ao seu con-sultório, diz ele, invariavelmente recebe a mesma resposta:

41 Ibidem, p. 98.42 Ibidem, p. 94.43 ALBISETTI, Valério. Para Ser Feliz. Psicoterapia para Todos. Op. Cit., p. 79.

Page 33: Cura Interior Dupla

64 65

“para ser ajudado”. E ele, é claro, diz que ninguém lhe poderá dar a ajuda de que necessita. Cada qual deverá penetrar em seu interior. Somente ali encontrará resposta para seus pro-blemas. Eu somente posso fornecer instrumentos, para que cada um “encontre a si mesmo”. Para J. Hillman44, em Psico-logia “o problema é o próprio indivíduo, assim como eu sou meu próprio problema”.

Nem sempre podemos ou temos condições de dizer, exata-mente, porque ocorrem certos dissabores. É por isso que, ao conversarmos com alguém, ao conscientizarmo-lo o máximo possível de seus pensamentos e sentimentos, invariavelmente, se sentirá grande alívio interior. A palavra dos outros nos ajuda de forma mágica. Se muitas coisas nós já sabemos, “por nós mesmos”, outras saberemos pelo “outro”, pelo próximo. Necessitamos uns dos outros, mais do que imaginamos! O outro é meu “espelho”, minha fonte de conhecimentos sobre mim, e de ajuda de que necessito, para me conhecer melhor e me curar.

Se nem sempre sabemos “bem” a causa de nossos distúr-bios interiores, noutras vezes, o sabemos e muito bem! Mas, escolhemos por “racionalizar”, usando até certa “lógica”, na explicação de nossa doença (ou mal-estar). “Lá no fundo”, sabemos que sua causa é “bem outra”. Daí a necessidade de ajuda, para nosso equilíbrio e sensação interior de bem-estar. Essa “camuflagem” da verdadeira causa dos problemas nos faz ver como resistimos ao enfrentar a verdadeira causa dos problemas. Usamos de “mecanismos de defesa” (de forma inconsciente), para não revelarmos a verdadeira causa dos conflitos.

44 HILLMAN, James. Uma Busca Interior, em Psicologia e Religião. São Paulo: Paulus, 1985, p. 11.

Para o Dr. Seamands45, entre os três principais mecanis-mos de defesa que temos, incluímos:

• O mecanismo da negação (quando negamos algo, não querendo aceitá-lo ou abordá-lo de forma consciente e racional);

• O mecanismo de racionalização (quando damos razões para justificar nosso comportamento, pensamentos, ações).

• E, por fim, o mecanismo da projeção (culpando os outros por nossos problemas, ou espelhando ou “projetando” nos outros nossos defeitos e frustrações; é o caso de quando sofremos, “por dentro”, ao percebemos que os defeitos dos outros nos inquietam. Isso nada mais é do que projeções que fazemos, sobre eles, daqueles mesmos defeitos que estão mal resolvidos, dentro de nós mesmos).

Também poderíamos citar: o mecanismo de compensa-ção, o de introjeção e o de transferência, como formas de defesa de nosso ego, de nosso mundo interior que queremos defender e preservar, a todo o custo. Contudo, é no meca-nismo de racionalização, o mais ‘sofisticado’ (diz o autor) que reside o esforço de justificarmos nossos atos, diante dos outros e de nós mesmos, enganando-nos ‘no que’ e ‘até onde’ podemos. Nesse mecanismo, o nosso estado neurótico se apoia e se fortalece dentro de nós, por atitudes de verdadeira “cegueira”, diante dos valores que sempre regeram nossa vida. E neste estado de neurose, onde a racionalização é tão forte, não cedemos as rédeas de nossa vida a outros; aliás, temos muitas dificuldades em solicitar algum auxílio, para sairmos da neurose em que nos encontramos. E ali permane-cemos por um longo tempo, sem ver saída ao problema. Aqui

45 SEAMNDS, David. Op. cit., pp. 44-45.

Page 34: Cura Interior Dupla

66 67

se vê a necessidade fundamental que temos dos outros, para nos livrarmos de nossas neuroses.

E tem mais: o orgulho toma conta de nós, de modo que não submetemos ao “não Eu” (ao outro) o nosso “Eu”, para que nos dirija para fora de nosso nível neurótico. Muitos não saem por si mesmos, desse estado de neurose, pela forte racionalização a que estão submetidos.

E aqui entramos no pensamento já citado: “Adoecemos por causa de alguém” (por vezes, por nós mesmos). Esse pen-samento é notório! A fonte de um dissabor pode ser o pai, a mãe, um irmão, um amigo, alguém no trabalho, um fato na vida eclesial, um nosso superior, ou mesmo algo que nós permitimos e que nos fez mal; nesse caso, o problema está conosco, e tem sua raiz em nós, e não nos outros. E deve-mos, por força, admitir que nós somos, em muitos casos, a causa de nossos sofrimentos. E não temos outra coisa a fazer, a não ser aceitarmos “nossa mesma contribuição” ao nosso estado doentio e, nos esforçarmos por evitar, em outras situa-ções, atitudes e pensamentos errôneos, que nos levem a fru-tos semelhantes. É assim que, muitas vezes, aprendemos com nossos erros: tirando deles o melhor proveito.

Geralmente, tal reflexão se dá “a posteriori”, isto é, depois que as coisas nos acontecem. Nem sempre, de forma “a-priorica” temos condições de avaliar bem o que estamos para fazer. Na maioria dos casos, quando vemos, as coisas já aconteceram.

Pascal Ide46 afirma que a “agressividade [especialmente a de origem em nível “I”, qual misto de raiva e medo] está ligada a uma frustração, a uma ferida, portanto”. A atitude de agressividade revela sempre alguma forma de “defesa”; é

46 IDE, Pascal. Op. cit., p. 64.

uma forma de externarmos a preocupação com nosso mundo interior, que está ameaçado por alguma “invasão”, ou por alguma ameaça à nossa pessoa. Reagimos, fazemos “subir a fervura”, explodimos, quando isso acontece. Eis o que acon-tece nas reações agressivas, que externamos por um modo de falar mais rígido, por atitudes de ameaça ou de afastamento.

Se ficarmos doentes “por causa de alguém”, deveremos, certamente, avaliar qual foi nossa atitude diante do outro que nos adoeceu. É um fato irredutível que todos nós temos problemas; mas, nem sempre ficamos doentes, por causa dos problemas que temos. Tudo depende de como nos colocamos diante do conflito que temos. Podemos dar uma resposta cor-reta a um problema, ou uma reposta errada, com consequên-cias funestas para nós. E esse nosso “posicionamento” diante dos conflitos é algo que acontece a cada dia, a cada ocasião, a cada situação. E como as pessoas mudam quando nos colo-camos de forma adequada, diante das possíveis agressões ou desafios. Sabemos que o “semelhante atrai o semelhante”, mas sabemos, também, que o “positivo sempre vence o negativo”. Essas são leis da mente, que são universais e absolutas. Ao res-peitarmos tais leis, estaremos sempre agindo adequadamente, do ponto de vista psíquico, e colhendo os melhores frutos.

Em muitos casos, nossos desconfortos emocionais depen-deram, simplesmente, de como nos temos colocado diante dos “outros”, de qual resposta demos diante de suas provo-cações ou agressões. É isso que nos faz doentes ou sadios, emocionalmente falando. E devemos saber lidar com as pes-soas que têm caráter difícil, que também manifestam, em suas atitudes e palavras, o mundo “em ebulição” que trazem dentro de si. Pois, para D. Viscott47, “o mundo moderno está

47 VISCOTT, David. Op. cit., p. 51.

Page 35: Cura Interior Dupla

68 69

É bom salientar que nada acontece por acaso, sem alguma causa (seja esta no nível “consciente ou inconsciente”). A coragem de nos autoanalisarmos – ou de buscarmos ajuda externa – é o primeiro passo para recuperarmos a paz interior.

Diz o Dr. Marco A. D. da Silva48 que “a doença – por paradoxal que seja, que pareça – é preço a pagar por manter a vida dentro dos limites possíveis”. A doença vem ao nosso encontro de alguma forma – consciente ou inconsciente – para nos avisar que devemos buscar uma solução para algum pro-blema, que nos traz dor e desconforto. E isto corresponde à afirmação que optamos, vez ou outra, por ficarmos doentes: seja para conseguirmos alguns “ganhos secundários”, seja para obtermos momentos de atenção e carinho dos outros, ou mesmo para nos dar um descanso do qual necessitamos urgentemente, ou também para que as pessoas queridas nos visitem e se interessem por nós.

Sabemos, contudo, passada a necessidade do “preenchi-mento do que nos faltava, pela presença de algum mal-estar que provocamos”, os ganhos secundários irão se diluir, como a neblina evapora, numa manhã fria, com a chegada do sol. Então, já é hora de assumirmos novamente nossa integri-dade, nossa saúde, e vivermos “por conta” de nós mesmos – dispensando qualquer outra presença ou ajuda. Retomamos as atividades normais, com novo vigor e disposição, quando assumimos, de forma corajosa, a nossa saúde, e o que daí decorre.

Finalizamos com o pensamento convincente do Dr. Roque M. Savioli49 que, com sabedoria afirmou:

48 DA SILVA, Marco Aurélio Dias. Op. Cit., p. 94.49 SAVIOLI, Roque Marcos. Fronteiras da Ciência e da Fé. Op. cit., p. 62.

enlouquecendo muitos de nós”. Não somente eu, você, mas “muitos de nós” e, quem sabe, aquele que o está desafiando, exatamente, agora!

Nosso mundo moderno, pela força da “mídia”, que é um verdadeiro “rio” caudaloso de informações, de “competitivi-dade exacerbada” termina, sim, de nos adoecer, de nos enve-lhecer em grau e velocidade jamais vistos. Perdemos o nosso controle interior, muitas vezes, sem saber o porquê! E é difícil excluir-nos de algum tipo de influência do mundo que nos rodeia. Uma atenta vigilância, unida a uma capacidade de selecionar o que vemos e ouvimos será, na maioria dos casos, de imensa ajuda para nós.

— O que a doença veio preencher? Muitas e muitas vezes verificamos, seja na nossa vida, quanto na vida das pessoas a quem assistimos, a “necessidade de se adoecer” por algum motivo. A doença, o desconforto emocional é, por vezes, um recurso nosso, até resolvermos alguma necessidade básica. Muitos desses “recursos” são de nível inconsciente. Mas, hoje em dia, muitos livros tratam desse tema que, em modo geral, é novo na abordagem de nosso autoconhecimento, para nossa Cura Interior. Mas não deixa de ser, no mínimo, algo intrigante e que nos faz pensar.

De fato, um conflito, um mal-estar emocional é como uma “luz vermelha” que assinala que algo não está bem conosco (como refletimos anteriormente). Saímos daquele “nível” de equilíbrio, no qual tínhamos certo controle do nível desejável de tensões e ansiedades. Algo como que se instala dentro de nós, trazendo-nos tristezas e desconfortos. Ali é necessário fazer-nos a pergunta: “O que isso veio preencher? Por que deixei isso acontecer? O que eu poderia ter feito e não o fiz?” E sempre encontraremos algum motivo para isso.

Page 36: Cura Interior Dupla

70 71

OS SENTIMENTOS

sua iMportância e sentido, na vida cotidiana

“Os sentimentos são a maneira como nos percebemos. É nossa reação ao mundo que nos circunda. É a maneira pela qual percebemos que estamos vivos: sem eles, não à vida.” (David Viscott)50

Queremos refletir sobre o tema dos sentimentos na vida humana, porque eles são um elemento constitutivo de

nosso ser, de nosso mundo interior, constituído de alegrias e tristezas, de abertura ou fechamento de nós mesmos, nas relações humanas, familiares e sociais.

— Como “nos percebemos”? David Viscott diz, em pri-meiro lugar, que pelos sentimentos “nos percebemos”, isto é, tomamos consciência de como estamos “dentro de nós”: se alegres ou tristes; se estamos vivendo num sentimento de criatividade, ou de falta de comunicação, etc.

Agimos movidos pelos sentimentos. A Palavra de Deus chega a dizer que “Coração alegre, bom remédio; um espí-rito abatido seca os ossos” (Pr 17,22); ou, ainda: “O coração contente alegra o semblante” (Pr 15,13).

50 VISCOTT, David. Op. cit., p. 17.

“Sempre digo nas minhas palestras que Deus não fez as doenças, mas Ele nos visita na hora do sofrimento; basta apenas reconhecermos Sua presença e pedir-Lhe o milagre”. Reconhecer a presença de Deus, num sofrimento verdadeiro, já é Graça do Alto. E a força que de Deus advém, nesses momentos, somente à luz da fé poderá ser medida e aceita, de forma resignada.

Page 37: Cura Interior Dupla

72 73

O Livro Sapiencial do Eclesiástico afirma que: “O sinal de um coração feliz é um rosto alegre, tu o acharás dificil-mente e com esforço” (Eclo 13,32). Ora, tal afirmação faz ver a importância de trabalharmos bem os nossos sentimen-tos interiores, para expressar-nos de forma feliz e sadia na relação com os semelhantes. Muitas vezes agimos movidos pelos sentimentos que alimentamos dentre de nós. Ora, nem sempre os sentimentos que alimentamos são os mais positi-vos e construtores de nossa própria vida; mas, vale aqui o princípio: isso depende estritamente de nós; de nos avaliar-mos internamente, e ver se o que pensamos, e como temos reagido está em sequência normal e viável, em nossa vida; ou se o sentimento que temos alimentado nos deixou mais tristes e acabrunhados.

Há um fato, na expressão de nossos sentimentos, que devemos trabalhar: é a nossa sensibilidade. Jamais levaremos “a sério” a importância de nossa sensibilidade interior. Fato marcante é a sensibilidade das crianças e adolescentes. Junto deles, o que se diz, o que se pensa ou como reagimos diante dos conflitos e problemas familiares é determinante em suas vidas.

Por isso, dizemos que não imaginamos a que nível de pro-fundidade podemos influenciar o “I” das pessoas que estão ao nosso redor. Como os outros nos influenciam, nesse nível “I”, também nós comunicamos e influenciamos as pessoas ao nosso redor, no nível “I”.

Crianças e adolescentes, por demais sensíveis que são, comandam-se pelo inconsciente; pois o “eu adulto”, “maduro” ainda não se formou dentro deles e eles ainda não têm respos-tas armazenadas para fazer frente aos conflitos que somente a maturidade e os anos trarão, ao longo da vida.

Eles lidam com o que veem e sentem, com o que ouvem e como tiram suas conclusões; mesmo não sendo as melhores

e mais corretas, serão essas que comandarão suas vidas, e passam a viver dessa programação mental. Dizemos que uma criança se une por volta de 90% de seu inconsciente ao “I” da mãe; e por volta dos 10% ao “I” do pai.

Nesses casos de “crianças com problemas”, com algum distúrbio do sono, de alimentação (negando-se à amamen-tação), de ativismo exagerado, de crianças que estão sempre com alguma infecção e enfermidade, ou que caem muito, che-gando a se expor ao perigo de vida, é a mãe que deve ser tra-tada (não a criança). E quando a mãe melhora, acalma seu “I”, este é captado pelo “I” da criança, que logo passa a mudar de comportamento. Em outras palavras: a mãe “melhorando”, a criança melhora!

Cabe bem lembrar aqui que as pessoas percebem, por sua sensibilidade (que é a sua “paranormalidade” – comum a todo o ser humano com equilíbrio interior), como estamos “por dentro”. Uma criança percebe quando um dos pais não está bem; ou se há algo de “errado” entre eles. Ou se uma pessoa junto delas está com algum problema: e reagem a isso. Sentem-se mal, em desconforto e irritabilidade.

Todos nós percebemos essa realidade, esse sentimento, por uma intuição própria ao nosso ser. Essa observação é muito interessante para quem lida com o público, para quem dá palestras, para quem ensina numa sala de aula. Geralmente somos muito sensíveis ao “público” a quem nos dirigimos. E logo percebemos se o clima está leve, solto, ou se está “pesado”, carregado de negatividade. Mas como o “positivo sempre vence o negativo”, devemos criar condições de melho-rar o nível de negatividade que apreendemos – sem entrar nele – e criar condições para uma mudança de sentimentos que estão como que “no ar”. Se nós influenciamos negati-vamente as pessoas ao nosso redor quando estamos com problemas, também influenciamos positivamente os que nos

Page 38: Cura Interior Dupla

74 75

fruto de nosso autocontrole, ou se vivemos um turbilhão de sentimentos negativos, que logo encontrarão uma forma de manifestação.

— Como reagimos, aos estímulos exteriores? Concluímos, assim, que nós reagimos – ao nosso redor, e junto das pessoas – dependendo de como sentimos “esse ambiente e as pessoas ali presentes”. Reagimos, “ao mundo que nos circunda”, de acordo com o modo de como o percebemos e de como nos posicionamos diante de tal percepção “sentimental”, diante do modo de como nos “colocamos diante dele”.

Por vezes, reagimos de forma violenta, por meio de exterio-rizações de emoções negativas e fortes, que manifestam mais nosso “stress” inabitual, nosso desconforto e desequilíbrio interior que estamos vivendo do que o verdadeiro motivo, pelo qual explodimos.

Jesus também se deixou tomar pela “ira divina”, ao expul-sar os vendilhões do Templo de Salomão (Jo 2,14). E Ele fun-damentou, no Sl 68,10, Sua atitude, a qual manifestava Sua indignação, diante do aviltamento pelo qual passava aquele lugar sagrado; e diz: “É que o zelo de vossa casa me consu-miu” (cabe aqui conferir as citações de Is 56,7; e de Jr 7,11).

A manifestação de nossos sentimentos sempre terá um motivo, uma “causa”; mas nem sempre “uma boa causa” uma “causa justa”. Quando a temos, quando há um fundo real, a manifestação se integra em nossa vida, sem trazer-nos dissabores; mas, quando não há um fundo real, essa mani-festação – por vezes mais forte e irascível – já expressa algo que não está bem, dentro de nós. Eis o que nos ajuda a nos “percebermos” e a nos avaliarmos, de como estamos “dentro de nós”, na manifestação de nossos sentimentos: se estamos bem, ou se algo afeta nosso equilíbrio, e que necessita de atenção, de cuidados e de cura.

rodeiam, ou a quem dirigimos nossa palavra (como refleti-mos acima). Nosso “I” se comunica “não verbalmente”, mas por pura intuição interior, porém certa!

Se nos percebemos com sentimentos sadios, positivos e edificantes, as pessoas percebem e se influenciam pela nossa presença. Um inconsciente calmo e sereno espargirá “luz, serenidade e bem-estar” ao seu redor (o contrário também é válido). Mas, para isso, necessitamos estar bem, cultivar bons e nobres sentimentos; o que será um bem para nós, quanto para os que nos rodeiam e nos são caros. Se nós “nos perce-bemos”, por nossos sentimentos, nós também percebemos os outros, pelos sentimentos que têm, e que alimentam em si.

Hoje vivemos um tempo oportuno, no qual podemos nos conhecer melhor, e podemos expressar adequadamente os nossos sentimentos. Estes não podem e não devem ser repri-midos; pois a vida mesma se encarregará de fazê-los eclodir – e nem sempre de forma boa e construtiva.

É comum ouvirmos expressões como esta: “Nossa, eu não esperava essa atitude dessa pessoa; ela teve uma atitude tão violenta, drástica... E parecia tão calma!”.

É oportuno lembrar que essas “explosões” de ira, de res-sentimentos guardados não se improvisam; brotam, sim, das profundezas daquele ser, onde estavam reprimidas e armaze-nadas. Houve apenas um momento de manifestação, na qual a própria pessoa não pode controlar. E depois, para consertar!

Assim sendo, dentro de nós os sentimentos são educados por nós, e se trabalhados nas suas manifestações exterio-res, estaremos contribuindo para nosso equilíbrio interior, e para uma manifestação construtiva de nosso sadio viver. Os sentimentos externam, expressam, revelam “como nos per-cebemos”, em nosso mundo interior. Eles revelam o que se passa dentro de nós, se estamos vivendo uma situação de paz,

Page 39: Cura Interior Dupla

76 77

— Alexitimia. É hora de saber! Quando lemos um bom livro sobre assuntos de nosso interesse e cultura, ali encon-tramos algumas noções tão ricas e importantes, que logo as queremos comunicar e guardar na memória, quanto comu-nicá-las aos demais. Isso indica que tais conceitos nos enri-queceram; que nos ajudaram a nos conhecer melhor e, por conseguinte, queremos que os outros também se beneficiem.

As boas leituras nos tornam conscientes do valor desses conceitos, hoje tão próximos de todos nós, e que nos servirão para nosso autoconhecimento.

O Dr. Goleman51 é quem nos fornece importantes dados e reflexões, sobre esse termo, cujo sentido nós, certamente, já o temos vivenciado, seja na nossa vida, quanto na vida dos demais. A Alexitimia é um termo de origem grega, e de recente “cunhagem” no nível da Ciência Psicológica, se bem que seu significado faz parte até da nossa própria vida, e diz respeito ao “modo de como manifestamos, por palavras e atitudes”, o que se passa dentro de nós, em nosso mundo interior, complexo e rico ao mesmo tempo.

Goleman comenta que foi o Dr. Peter Sifneos, psiquiatra de Harward que, em 1972, cunhou o termo “Alexitimia”. Sua etimologia grega bem expressa o que se vive, muitas vezes, ou seja:

A, do grego, significa “ausência”, “falta”, “carência”;

LÉXIS é a “palavra”, a expressão verbal, são os “concei-tos para expressão” dos sentimentos;

THYMÓS se refere aos “sentimentos, emoções”, às expres-sões afetivas do que se passa dentro de nós.

Aprofundando, diríamos: a pessoa (“A”) não tem palavras, não consegue “verbalizar” (“LEXIS”) o que se passa dentro

51 GOLEMAN, Daniel. Op. cit., p. 64.65.

de si mesma, “faltam palavras para descrever seus sentimen-tos” (THYMÓS).

Essa experiência, se o leitor me permitir, faz ou já fez parte, em algum momento de nossas vidas, em determinadas situações.

Nem sempre sabemos como externar uma admiração por alguém, como fazer um verdadeiro elogio, não sabemos como nos posicionar diante dos outros (para uma comunicação, uma palestra, um canto, para declamar uma poesia..., enfim, há ocasiões em que nos “perdemos de todo”, perdemos o equilíbrio e o domínio interior; e essa experiência é tamanha que muitos, simplesmente, não conseguem enfrentá-la).

A Alexitimia também se expressa, ou diz respeito, à “ver-gonha que passamos”, quando alguém nos pede para se fazer algo diante dos outros, ou prestarmos certos serviços (mesmo dentro de uma comunidade paroquial). Se estivermos atentos, logo identificaremos comportamentos e atitudes – em nós e nos outros – de “Alexitímicos” – que todos nós nos revelamos!

O termo, que parece difícil em sua composição, expressa muito bem as dificuldades que se tem, ao se querer expres-sar bem, de forma correta, os sentimentos que trazemos (e alimentamos) em nosso mundo interior. Há certa confusão de sensações e sentimentos, e o Alexitímico expressa, em ati-tudes corporais a confusão mental em que se encontra; e, muitas vezes, acaba por “somatizar” a dificuldade interior de expressão em verdadeiras manifestações de desconfortos e enfermidades físicas, sem saber o porquê desse mal-estar. E Goleman ainda afirma, para nosso esclarecimento, que “se você conseguir colocar em palavras o que está sentindo, o sentimento ficará sob seu controle”. E continua: “O corolá-rio, claro, é o dilema do Alexitímico: Não ter palavras para os sentimentos significa’ não tomar posse’ desses sentimen-tos” (Ibid., p. 65).

Page 40: Cura Interior Dupla

78 79

Por outro lado, diz ainda Goleman52, “quanto mais estiver-mos conscientes de nossas próprias emoções, mais facilmente poderemos entender o sentimento alheio”. Podemos, assim, afirmar que, quanto mais expressamos verbalmente, para nós ou para quem nos ouve o que se passa dentro de nós, mais controle teremos sobre nós mesmos; e isso nos levará, “ipso facto” a compreendermos melhor os sentimentos alheios que também, como nós, necessitam de exteriorização ou “verbali-zação”, ou de comunicação (“que haja alguém quem os ouça”).

Para James Hillman53, “assim como quem me vem em busca de ajuda, eu preciso dele para expressar minha capaci-dade de ajudar”; no entanto – afirma ele – “nós fomos educa-dos para negar as nossas necessidades”. “Necessitar” – acres-centa, ainda – significa, na linguagem ocidental, “ser depen-dente e fraco”, o que subentende “submissão a outrem”. E como isso nos custa.

Mas necessitamos dos outros para nosso autoconheci-mento e ajuda; para fazermos nossa autocrítica; para melho-rarmos nossa autoestima, etc.

O autor ainda nos brinda com um pensamento profundo, que é uma realidade em nossas vidas, quando diz que: “Embora eu não consiga responder aos meus próprios dese-jos, eu sou capaz de responder aos seus. Embora eu não con-siga me compreender, posso auxiliá-lo a compreender-se; e você pode fazer o mesmo comigo” (Ibid. p. 14).

Por estas e outras expressões, vamos aprendendo algo sobre nós mesmos que antes nem sequer ouvimos falar; e que, de agora em diante, estaremos mais conscientes do valor dos sentimentos, e dos próprios sofrimentos que, por vezes, por não terem expressão verbal, abertura de nosso íntimo a

52 Ibidem, p. 109.53 HILLMAN, James. Op. cit., pp. 13-14.

alguém, terminam por nos adoecer e causar dor profunda, na alma e no corpo.

Nessa linha de nosso pensamento, colocamos a reflexão do Dr. Marco A. Dias da Silva54, ao dizer que como todo sintoma orgânico, a nossa dor “é uma forma de expressão de sofrimento”, uma “forma de pedir ajuda’’, quanto uma forma de “atenuar a angústia interior”.

Essa “forma”, diz ele, pode até “ser considerada imper-feita e fracassada, uma forma falha”, e até parece como uma forma “imprópria”, e isto “para contornar o conflito interior que, consciente ou inconscientemente angustia a pessoa”. Este pode ser um meio (e o usamos infinitas vezes, senão sempre) “de manifestar através do corpo os afetos e sofrimentos não expressos verbal e claramente”.

Dito isto, vemos a importância de conhecermos melhor e expressarmos o nosso mundo interior, o que nos ajudará ao nosso próprio conhecimento; e isto acarretará uma inestimá-vel ajuda, para entendermos e aceitarmos melhor os sentimen-tos alheios (e nunca julgá-los e condená-los)... Nosso próprio conhecimento e expressão verbal dos sentimentos é fonte de compressão e aceitação dos sentimentos de nosso próximo.

Por tudo o que dissemos, vemos a importância de conhe-cermos esses avanços da ciência, auxiliando-nos a nos conhe-cermos melhor, e ajudando os outros a percorrerem conosco, esta “extraordinária aventura de homens comuns”.

J. Hillman55 diz tudo, no pensamento seguinte: “Exigên-cias pedem satisfação; mas necessidades precisam apenas de expressão”. Saber expressar nossas necessidades interiores de carinho, aceitação, compreensão, respeito, amor, proteção individualidade e autoafirmação é, certamente, o “treino”

54 DA SILVA, Marco Aurélio Dias. Op. Cit., p. 167.55 HILLMAN, James. Op. cit., p. 14.

Page 41: Cura Interior Dupla

80 81

para nossa mais alta realização e felicidade. Mas é um exer-cício a ser praticado a cada dia, o que torna a vida mais cons-ciente e bela de ser vivida.

John A. Sanford56 reforça esse pensamento, ao afirmar que “infelizmente, muitos homens têm dificuldades de expressar seus sentimentos, e relutam em trazer à tona (da consciência) as coisas desagradáveis... Quando expressamos os sentimentos, nos tornamos pessoas mais evoluídas” (ou seja: mais amadurecidas, mais equilibradas, emocional-mente falando).

E é nesse desejo de conhecermos um pouco a riqueza do mundo interior de cada um de nós que nos levou a colher essas verdadeiras “pérolas do pensamento” atual, nas obras de psicologia que hoje, mais do que no passado, chegam às nossas mãos. Nós, talvez, “um pouco mais sábios”, devemos ajudar nossos irmãos a expressarem a riqueza do seu mundo interior (e nunca a inibi-la), também ajudando, quando neces-sário, a baixar as “defesas” (que são mais que “normais”), erguidas pelo temor da exposição das sombras e fraquezas, quanto das possíveis mudanças que se deve aceitar, a partir de então. Todos necessitamos desse “treino de expressão dos sentimentos e emoções”...

Mas, nós sabemos que a ninguém agrada “mexer” nas feridas, nos traumas ou situações dolorosas do passado; daí nossas resistências, as quais devemos vencer, com boa von-tade e orientação de alguém.

56 SANDFORD, John A. Op. cit., pp. 52-53.

O CONSCIENTE E O INCONSCIENTE

o necessário equilíbrio, para uMa vida sadia

“Define-se, assim, o ‘controle mental’: como (uma) faculdade inerente ao homem [a todo ser humano] sadio, destinada a equilibrar o Inconsciente e o Consciente.” (Rosie Bruston)57

Queremos refletir sobre a necessidade que temos de con-trolar o “I” (inconsciente) com nosso “C” (consciente).

E isso se pode fazer sob dois ângulos: do ponto de vista psí-quico e do ponto de vista espiritual. Isso nos leva a dedu-zir que podemos e devemos – para nosso equilíbrio – treinar nosso “C”, para que programe bem nosso “I”. O “C” é o programador do nosso “I”. Este aceita tudo o que ali deposi-tamos. Veremos suas características, mais adiante.

O chamado “controle mental” (ou “controle emocional”) deve, já no início, ser bem entendido. Para muitos – e temos

57 BRUSTON, Rosie. Pequeno Manual de Reeducação Psicossensorial, em Psicoterapia Vittoz. São Paulo: Loyola, 1989, pp. 8.13.

Page 42: Cura Interior Dupla

82 83

testemunhado essa atitude – o “controle mental” é o controle que alguém exerce sobre a mente de outrem, para pesquisar sua vida, seu passado, seus traumas, suas fobias enfim, seu mundo mais íntimo, e “manobrar” esses conteúdos, a seu bel prazer. Em outras palavras, é entrar na mente do outro e fazer dela “o que se quiser”, e até violentando seu íntimo, quanto seus valores mais nobres.

Ora, isso nunca foi “controle mental”, como afirma a ciên-cia, e é isso – e não outra coisa – que está em consonância com a verdade. “Manobrar” o mundo interior de alguém, as suas lembranças e problemas mais sérios jamais poderá ser considerado como “controle mental”. Vejamos a seguir.

— Nossa Capacidade (ou faculdade) mental – Se esta é uma “faculdade inerente a todo o ser humano sadio”, é de forma sadia, respeitosa, equilibrada que se podem trabalhar os dados do “I”, especialmente os que necessitam de cura, de conscientização e de erradicação, quando necessário. Pois nosso “I” não guarda somente as más lembranças, mas guarda, também, as boas lembranças que, em muitos casos são evocadas (e com grande facilidade), para que a pessoa se reposicione diante do seu problema, tome outras conside-rações e atitudes, e assuma comportamentos mais corretos. Mas, levemos em conta essa “regra de ouro”: não precisa-mos “ser curados”. Aliás, ninguém “necessita ou precisa” da cura, se não o quiser! Mas, sabemos que quando alguém nos procura, é porque está em necessidades interiores, as quais ele mesmo, sozinho, não consegue mais controlar. Mesmo assim, as resistências (como visto anteriormente) podem estar presentes, e devem ser respeitadas, dentro dos limites da liberdade humana.

Outra coisa – e isso é claro – é a arte de ajudar a pessoa “baixar suas defesas, as resistências” ao processo de cura de algum conflito, que a levou a nos procurar. Há casos em que a pessoa começa esse processo de “conscientização de seu conflito, de verbalização da tensão interior” e logo tudo abandona. Ela tem esse direito. O segredo, diz o parapsicó-logo Onofre Antonio Menezes58 “é saber o que levará a pes-soa (à regressão, quando é o caso) à revivescência de seus pro-blemas... Em todos esses casos (e mesmo com os neuróticos e psicóticos) existe um bloqueio, uma ‘capa de aço protetora’ que impede o contato saudável entre ela e o terapeuta, entre ela e o mundo”.

Nesses casos, examinando o que leva a pessoa à revives-cência de seus conflitos (e para alguns – diz ele – será a rigi-dez da bioenergética; ou a massagem; ou técnicas catárticas; ou o toque, o carinho, a companhia, o reforço, etc.) estes conflitos podem e devem ser confrontados com arte, respeito, conhecimento do psiquismo humano, e das possíveis resistên-cias a serem vencidas pela prudência e forma de abordagem. A confiança entre a pessoa com problema, e aquele que a assiste, é de importância capital. Esse bom relacionamento entre nós e os que nos buscam para assisti-los em suas dores é a “conditio sine qua non” para um trabalho efetivo e fru-tuoso. Saber relacionar-se bem, acolhendo a pessoa como ela é e na situação em que está é o começo de todo um trabalho curativo.

Diz Mark W. Baker59, que “os bons relacionamentos nos curam; sem esse relacionamento saudável conosco e com os

58 MENEZES, Onofre Antonio. Parapsicologia e Regressão de Idade. São Paulo: Loyola, 1986, pp. 20.21.

59 BAKER, Mark W. Jesus, o Maior Psicólogo que Já Existiu. 6a ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2005, pp. 43.47 e 85.

Page 43: Cura Interior Dupla

84 85

de Hanna Wolff61: “O Pensamento que crê poder ignorar o inconsciente (“I”) é antiquado”. E acrescentaríamos, com toda a certeza: “...é fadado ao fracasso, e é anacrônico, fora do nosso tempo e não pode ser levado a sério por ninguém”.

Sabemos que nove décimos (9/10) de nossa vida interior (de nossas memórias, de alegrias e sofrimentos vividos) estão abaixo do nível consciente, (no “I”) – como já vimos! E mui-tos de nossos problemas estão, assim, radicados, reprimidos ali, nesse nível “I”.

Vejamos algumas características do “I”, hoje tão estudado e questionado.

• O “I” e nossa concepção – O “I” ”começa” ou se forma em nós, no ato de concepção. Ali se forma nosso “eu real”, diferente do “eu” do pai e da mãe, e a pessoa já se sabe se é “menino ou menina”. Ele é “a-físico”, atemporal: não neces-sita de meses de crescimento e ‘amadurecimento’ corporal para sua manifestação; e se pode percorrer a vida de uma pessoa, independente da idade em que está buscando no “I” a raiz de seus problemas e conflitos maiores. Portanto, quanto mais nova for a pessoa, ou quanto mais perto de nosso “começo” (isto é, de nossa concepção, da vida intrauterina, do período da infância) estivermos – diz Onofre A. Mene-zes62 – mais a pessoa se traumatiza com os fatos (por isso, os acontecimentos da vida intrauterina – os negativos, é claro – são tão traumatizantes).

61 Wolff, Hanna. Jesus na Perspectiva da Psicologia Profunda. São Paulo: Paulinas, 1994, p. 36. Confira, ainda, sobre o tema, a nossa obra: Cura Interior. Uma busca constante. Princípios da Fé e da Ciência para uma Vida Plena. São Paulo: Palavra & Prece, 2010, pp. 35-38.

62 MENEZES, Onofre Antonio. Op. cit., p. 15.

outros não podemos viver bem e ser felizes. A própria psico-terapia – diz ele – é o processo de ajudar as pessoas que estão perdidas a se reencontrarem”. E como é saudável, reestrutu-rador e benéfico o carinhoso acolhimento, seja o problema que nos traga.

As pessoas se sentem mais à vontade com quem sentem maior empatia, e ali encontrarão facilidade de abrir o cora-ção, e verbalizar suas tensões. Nós, que ouvimos essas pes-soas, apenas procuramos dar pistas para que elas mesmas mudem seus valores ou comportamentos interiores, que assu-miram de forma não correta. Mas é a pessoa que é o “agente de mudanças”; se nela está o problema, vamos ajudá-la a viver a solução, que também está no íntimo da alma.

Onofre A. Menezes60 ainda acrescenta que “todos os males que sentimos são a exteriorização das emoções que foram fixadas em nosso “I”, em decorrência de fatos acontecidos em determinadas épocas, nos ambientes em que vivíamos”. Mas, exteriorizar tais sentimentos é que é o problema. E vimos anteriormente que a Alexitimia é encontrada na maioria dos casos que temos analisado.

Ajudar a pessoa a externar suas emoções e sentimentos, por vezes os mais traumáticos, é a arte do aconselhamento, a arte da direção de almas. Quando ajudamos a alguém, a reencontrar o equilíbrio entre o “C” e seu “I”, estaremos contribuindo para a harmonização da vida da pessoa em questão. Quanto mais o “C” controlar, educar e programar o “I”, mais equilíbrio psicológico se irá viver.

— O Inconsciente e suas características – Começamos com uma citação de suma importância, encontrada na obra

60 MENEZES, Onofre Antonio. Op. cit., p. 21.

Page 44: Cura Interior Dupla

86 87

Isso se deve pelo fato da pessoa ainda não acumular, den-tro de si, respostas aos seus conflitos, fato este que vem com a idade, os anos vividos, as experiências e a reflexão sobre os acontecimentos, etc. Vejamos uma outra característica. Se o adulto tem a criança dentro de si, a criança ainda não tem o “adulto” em si – dizem os escritores. Por esse motivo, as emoções negativas, traumatizantes tanto nos machucam, quando somos ainda pequenos. Mesmo assim, diz o Dr. Donald Woods Winnicott63 (1896-1971), “o Ego infantil, nas suas primeiras fases, é capaz de lidar com uma tremenda quantidade de frustrações”! Quantos recém-nascidos lutam internamente para sua sobrevivência! Seu ego, seu “I” reúne todas as capacidades possíveis para sobreviver a alguma ame-aça que possa colocar em perigo a própria vida e integridade. A luta é insana; e vencem, na maioria das vezes!

E há algo mais, anotado por Mark W. Baker64: “É a partir do nosso primeiro alento na vida, que buscamos um relacio-namento com alguém fora de nós mesmos. Nascemos para nos relacionar…”.

• O “I” e sua memória fantástica – Ao se formar em nós, de forma já plena na concepção, o “I” goza de uma memória “pantomnésica”: lembra (“mnein”) tudo (“pan”) com uma fidelidade impressionante. Nossa memória consciente é um décimo do que é a memória inconsciente.

Boas memórias, dizem os psicólogos, são trazidas com facilidade à tona da mente consciente; mas, os episódios trau-máticos – afirma Bárbara L. Shlemon65 – “são empurrados para o fundo dos recessos ocultos e nós tentamos esquecer

63 WINNICOTT, Donald Woods. Natureza Humana. Rio de Janeiro: Imago, p. 62, 1990.64 BAKER, Mark W. Op. cit., p. 119.65 SHLEMON, Barbara Leahy. A cura do eu interior. 15ª ed. São Paulo: Edições Loyola,

2004.

as experiências e os sofrimentos associados a eles... Mas, não fugimos a uma característica do “I”: ele nada esquece”. O “I” não dorme nunca; nosso “C” como que “apaga” ao entrarmos nas ondas “Delta”, quando nosso cérebro para suas atividades, e entra em vibrações cíclicas de 0-4 vibrações cíclicas por segundo. No sonso profundo, nosso “C” como que “apaga”, assim dizemos! E o “I” vigia sempre, liberando tensões e pulsões, pelos sonhos e pesadelos que podemos vivenciar. Até enquanto dormimos ocorrem curas interiores; até quando dormimos, Deus nos quer curar do que, comu-mente, não teríamos fácil acesso e libertação interior.

Por vezes, recalcamos no “I” uma cena triste, uma agres-são recebida na infância (ou puberdade ou adolescência), uma palavra dura, uma exclusão (na família, na escola); mas, um fato, na vida adulta, pode trazer à consciência essa ferida reprimida e esta surge em forma de ansiedade e pânico, mui-tas vezes, deixando a pessoa à mercê de suas inseguranças. Um fato traumático pode permanecer no “I” por décadas; e enquanto “resistimos” para que não suba à tona consciente, este fato não nos incomodará. Mas, a partir de algum estí-mulo, o trauma lá guardado vem “com tudo” e o desequi-líbrio emocional se instala: a pessoa não dorme, não come direito, tem insônia, começa a ter medo de altura, de lugares fechados, de água (conforme foi o trauma associado a algu-mas destas realidades).

E se perguntarmos à pessoa o “por que de seu temor, ela simplesmente dirá: “Não sei”. Isto é, não sabe no nível “C”; entrando-se em seu nível “I”, tudo se saberá.

Muitas vezes buscamos na vida intrauterina a causa de um pânico, de uma fobia, de uma depressão ou de uma ansie-dade. É o caso da jovem que sofria de sudorese nas mãos e nada a curava; antes de nascer estava aflita porque não

Page 45: Cura Interior Dupla

88 89

Saber filtrar as informações, saber dizer “não” aos pen-samentos negativos é a ação, por excelência e benéfica, de nosso consciente. É assim que vivemos o “controle mental e emocional”.

Enfim, o “I” não segue a razão, mas à sugestão. Eis porque é difícil, em linguagem “racional” apenas, curar um temor do escuro, por exemplo, ou outro trauma qualquer. Deve-mos ter cuidado do que depositamos dentro de nós do que aceitamos lá dentro em nosso íntimo. Muitas pessoas “não filtram” as informações, nem as analisam para ver se são cer-tas, verdadeiras e se nos fazem bem. E como é difícil corrigir um erro por sugestão! Quanta resistência a pessoa apresenta nestes casos! E sabemos que somente uma correção interna de programação, uma sugestão positiva corrigirá aquela pro-gramação que tanto mal faz à pessoa... Já encontramos pes-soas que, com tanto temor “do que encontrariam dentro de si” se recusaram, terminantemente, a enfrentar seus pânicos, tamanha é a força convincente da sugestão, que se gravou e se programou dentro de si.

Há casos em que a pessoa não consegue enfrentar a reali-dade dentro de si; e sofrerá o resto de sua vida enquanto não enfrentar, de forma confiante, o seu problema. Ela encon-trará somente “seus conteúdos emocionais traumáticos”, nada mais, nada menos (e não experiências de “vidas passa-das”, como se costuma pensar em certos ambientes).

• Tendências do “I” – O “I” se deixa levar pelo que é mais fácil, pelo prazeroso, pelo que é mais atraente – sem emitir um juízo moral sobre que realiza; esta é a função do “C”, o qual deve vigiar sobre o “I” e controlar suas tendências. E quanto mais educarmos nosso “C” com o pensamento e os sentimen-tos de Cristo (e orientações da Igreja: cf. 1Cor 2,16; Fl 2,5ss), mais equilibradamente viveremos nossa vida emocional. E,

sabia como o pai – que queria um menino – iria aceitá-la, vendo-a menina. Ao nascer, descreveu o choro do pai e disse ser aquele choro o acolhimento do pai, o amor do pai que a achava semelhante a ele. Essa aceitação paterna – corrigida a ansiedade criada pelo medo de não ser aceita – trouxe a cura das mãos, cuja origem estava na ansiedade, antes de nascer (pois não se dispunha, naquele tempo, do exame pré-natal de ultrassonografia).

• O “I” e sua linguagem – Diferente da linguagem cons-ciente, o “I” tem sua linguagem própria; cabe perceber e conhecer sua manifestação e se modo de expressão, distin-guindo quando alguém fala de modo racional (consciente) ou usando a linguagem inconsciente. Esta última é sempre pura, direta, e sabe ler os fatos “com aquela emoção” retida “lá no fundo”.

• O “I” e sua programação – No fundo, o “controle men-tal” ou “emocional” depende dessa programação; pois o “I” aceita tudo o que ali depositarmos. São Paulo já afirmara na Carta aos Gálatas, num sentido espiritual: “O que você semeia, isso mesmo colherá” (5,6); quem semeia na carne, colhe corrupção; o que semeia no Espírito, colherá liberdade. O que colheremos, dependerá do que tivermos semeado. Isso vale, fundamentalmente, no campo psicológico: se progra-marmos nosso “I” com valores positivos, nobres, sadios, nosso “I” tudo fará para realizar essa programação de nosso “C”. Se colocarmos no “I” ideias e sentimentos negativos, depressivos, ansiosos, nosso “I” irá trabalhar para que isso também se torne realidade. Educar-nos, positivamente, é algo que devemos fazer cada dia; pois vivemos num mundo marcado por negatividades que se fixam dentro de nós, sem percebermos...

Page 46: Cura Interior Dupla

90 91

consequentemente, mais saudável será nossa vida pessoal e nossa relação com as pessoas. Devemos, sim, estar atentos à direção na qual nos quer levar o “I”; e, quando necessário, “corrigir o endereço”, dizer um “não firme” ao que não está de acordo com nossa natureza ou com nossa vocação.

DEPRESSÃO, ‘O MAL DO SÉCULO’!

“Devemos lembrar o passado só quando nos ajuda a não repetirmos certos erros.” (Valério Albisetti)66

Neste capítulo, queremos falar sobre a depressão e, a seguir, sobre a ansiedade, que são dois momentos que,

de alguma forma, afetam a todos nós. Quem não passou por algum momento depressivo? Por outro lado, quem não enfrentou algum momento de ansiedade, diante de algo que estava para acontecer?

Enfim, o que é “depressão” (“D”)? Como compreender este “estado de alma” tão complexo?

Para o Dr. Marco A. D. da Silva67, assim podemos defini-la: “A ‘D’ é a incapacidade de sentir prazer, associada à abso-luta falta de ‘vontade de viver’ (sem, necessariamente, ser o ‘desejo de morrer’), e é isto que distingue a verdadeira ‘D’ da chamada ‘fossa’, o ‘baixo astral’ ou a ‘melancolia’, que assalta a todos nós”. É um estado de espírito, com elevado transtorno de humor, de perda das alegrias corriqueiras e de “falta de sentido” para o que se faz e o que se gosta.

66 ALBISETTI, Valério. Para Ser Feliz. Op. cit., p.82.67 DA SILVA, Marco Aurélio Dias. Op. cit., p. 148. (O médico, ainda, afirma que nos

estados depressivos, o sono é o elemento mais precoce e intensamente atingido, a tal ponto que se deve colocar em dúvida o diagnóstico de “D”, se a pessoa estiver dormin-do bem”: Ibid., p. 149).

Page 47: Cura Interior Dupla

92 93

É sempre válido o princípio que nos orienta nessa direção: “Tudo depende de como nos colocamos diante do conflito que temos”. Nem sempre nos posicionamos de forma cor-reta e positiva diante dos revezes que a vida nos tenha apre-sentado. Mas devemos nos educar para dar a melhor e mais positiva resposta aos conflitos, enfim, aos desafios de cada dia. Todos têm problemas, e o sabemos e bem! Mas nem por isso, nem “todos” ficam doentes pelos problemas que têm. Tudo depende de como os encaramos, e de como buscamos, de forma correta, a sua solução mais adequada e perfeita, em cada caso.

Nesse sentido, a vigilância sobre os mesmos, sobre o que devemos ou não aceitar “lá dentro de nós”.

A depressão é, certamente, o “mal do século” – como também a ansiedade –, o mal da atualidade. É tão comum encontrarmos pessoas que buscam oração, auxílio médico e psicológico, por motivos depressivos, quanto por ansiedades que já não conseguem controlar.

Nosso humilde trabalho não tenciona ser uma palavra exaustiva sobre esses dois temas, mas quer apenas apontar luzes e indicar soluções que, em nossos dias, estão mais fáceis de serem encontradas.

Na medicina, quanto na psicologia e psiquiatria, os avan-ços na direção da cura das depressões e ansiedades são imen-sos. Tais avanços estão sempre mais próximos de nosso uso, à nossa disposição, bem mais que em tempos passados.

Hoje, ainda, devemos considerar um outro aspecto: pes-soas, em várias áreas da saúde mental, estão se especiali-zando, estão conhecendo melhor as origens da depressão e da

ansiedade, e é ampla a Bibliografia ao nosso dispor (confira algumas indicações Bibliográficas68).

Devemos dizer o quanto ajuda a boa leitura sobre esses temas, e quanto nos ajuda a Palavra de Deus unida a uma vida de oração e de fé, nos auxiliando nesses momentos difí-ceis, de “verdadeiras tormentas” da alma.

Aliás, o Salmo 56 reza assim: “Abrigo-me à sombra de tuas asas, até que a tormenta passe”. Quantos encontram na leitura bíblica (especialmente no método da “Lectio Divina – a Leitura Orante da Bíblia”69), na oração, nos Sacramentos da Confissão e da Comunhão, quanto na direção espiritual a força de superação dos momentos cruciais de suas vidas!

Mas, ao unirmos “fé à ciência” – na busca da solução de nossos problemas – encontraremos com maior facilidade a superação dos momentos mais difíceis da vida, e poderemos ter uma vida mais feliz.

68 Sobre o tema da “depressão”, citamos algumas publicações valiosas, para sua leitura e consulta:

– GOLEMAN, Daniel. Op.cit., pp. 86-88 (voltaremos à obra do autor). – VISCOTT, D. Op. cit., p. 109 ss (Capítulo VI: “A Depressão”). – PAIGE, Andrew. Saindo da Depressão. Campinas: Verus, 2000. – SAVIOLI, Roque Marcos. Depressão. Onde está Deus? 6a ed. São Paulo: Ágape, 2003. – CANOVA, Francesco. Cansaço e Depressão (Do original Italiano: “Stanchi o Depres-

si”). Lisboa: São Paulo, 1993. – BAKER, Mark W. Jesus, o Maior Psicólogo que Já Existiu. Op. cit. – HUNTER, James C. O Monge e o Executivo (Uma história sobre a essência da Lide-

rança). 15a ed. São Paulo: Sextante, 2004. – WOLFF, Hanna. Jesus Psicoterapeuta. Op. cit. – VALLE, Isac Isaías (Pe.). Cura Interior... Uma vida consciente e Integrada á luz da Fé e

da Ciência. Campinas: Raboni, 2002. – VALLE, Isac Isaías (Pe.). Cura-me, Senhor. O Evangelho e a Ciência, na busca do Equilí-

brio Psíquico. São Paulo: Palavra & Prece, 2010 [Textos do Evangelho, relidos à luz da Terminologia atual, e aplicando-os em nossas vidas].

– VALLE, Isac Isaías (Pe.). Cura Interior. Princípios da Fé e da Ciência para uma vida plena. São Paulo: Palavra & Prece, 2010 (Aqui fazemos, igualmente, um estudo do “I”, quanto das “Ondas Cerebrais” – para nosso equilíbrio pessoal).

Page 48: Cura Interior Dupla

94 95

Nós podemos dispor de meios e de conhecimentos que nos venham auxiliar nas fases mais agudas de nossas vidas. É óbvio que o mais adequado é o de mantermos – no dia a dia – certo equilíbrio emocional, para que tenhamos uma vida saudável e mais feliz, quanto mais plena, como deseja Jesus (lembramos aqui o famoso texto de Jo 10,10).

A depressão

Palavra introdutória.

Nosso caro amigo Dr. Roque M. Savioli69, em seu recente livro sobre depressão, afirma que pessoas o buscavam para tratamento de problemas cardíacos, mas na realidade, suas queixas estavam relacionadas com alterações do estado emo-cional, como o pânico, a angústia, o estresse e, principal-mente, a depressão.

Por essa observação médica, podemos perceber quanto as pessoas sofrem desses estados emocionais alterados, citando--se entre os conflitos mais agudos, o estado emocional “depres-sivo”. E como já afirmamos, todos nós devemos nos preparar para enfrentar alguma forma de manifestação depressiva, em algum tempo da vida. Geralmente, essas manifestações da depressão se dão depois de algumas décadas de vida, e com relação às situações deprimentes, de perdas afetivas signifi-cativas, de vivências carregadas de emoções negativas que trouxeram, como consequência, uma “alteração do estado de humor” (como se costuma dizer, em relação à depressão).

Dr. Roque70, clínico geral e cardiologista, ainda comenta que a depressão é o mal do século, atingindo cerca de 15% da população mundial atualmente; e atinge, em maior número,

69 SAVIOLI, Roque Marcos. Depressão. Onde está Deus? Op. cit., p. 19.70 Ibidem, p. 12.

mulheres acima de 40 anos. Relatos sobre depressão são encontrados em todas as fases da história. Já no século IV a.C., Hipócrates descrevia um quadro de profunda tristeza e desinteresse pela vida, o qual denominava de ‘melancolia’.

Apesar de encontrarmos relatos depressivos nos persona-gens de romancistas da história, diz o autor, somente a partir do século XIX é que se descreveu a “Síndrome da Depres-são”, cuja etimologia “depremere” significa, literalmente: “empurrar para baixo”. E é isso mesmo que acontece: quando vivenciamos uma situação fora do comum, com grande carga emocional negativa: “empurramos aquela situação debaixo do tapete”, tentamos evitar e esquecer essas experiências dolorosas. Mas, o “I” as retém, enquanto temos “força repressora”, reprimindo-as para que não subam à tona da mente consciente. Um desgaste emocional significativo, que força nossas defesas internas fará eclodir, e de forma forte e negativa, o que está detido dentro de nós.

A propósito, a Bíblia nos traz, nas orações consagradas pelo povo judeu (os Salmos, especialmente, quanto o relato de expressões depressivas nos reis e profetas) um pedido de cura das depressões, das tristezas e até da ansiedade.

Aqui lembramos alguns relatos, na Bíblia, onde podemos identificar aspectos depressivos, presentes em muitos casos. Apenas relatamos alguns que, no nosso parecer, são mais significativos.

Confira esses textos, que selecionamos para sua leitura:

– I Livro de Samuel 1,7: Ana, mulher de Elcana, chorava por não ter filhos, e nem comia.

– I Livro de Samuel 18,6ss: O rei Saul, com ciúmes de Davi, diante dos belos comentários que lhe dirigiam, “irritou-se ao

Page 49: Cura Interior Dupla

96 97

extremo, e tentou matá-lo arremessando contra ele a lança, enquanto Davi tocava harpa, para acalmar seu espírito”.

– II Livro de Samuel 12: Quando o rei Davi viu o seu filho, nascido de Betsabé, muito doente, ficou triste, não comia, e chorava muito (vv. 17.21). Vemos aqui a depressão, diante da enfermidade de um filho, concebido em situações tão deli-cadas, que envolvera a morte de Urias, legítimo marido de Betsabé (Cf. Sl 50,15).

– Os Salmos 41 e 42 fazem a pergunta: “Por que te depri-mes, ó minh’alma, e te inquietas dentro de mim? Espera em Deus, porque ainda eu hei de louvá-lo”

– Salmo 108,22: “Trago, dentro de mim, um coração ferido”.

– Salmo 114,3: “Estava abismado na aflição e na ansie-dade”, diz o salmista.

– Livro de Jó 1,20: O justo Jó raspa a cabeça e se veste de saco, quando recebe a notícia da morte de seus filhos e ser-vos, expressando suas tristezas; seus amigos Elifaz, Bildad e Sofar, ao avistarem o amigo, choraram, rasgaram suas vestes e lançaram poeira ao ar, que recaia sobre suas cabeças (Jó 2,11-13).

– Jó ainda amaldiçoa o dia de seu nascimento... : “Que esse dia se mude em trevas!” (Jó 3,1ss).

– Jeremias (8,18) traz expressões que manifestam os senti-mentos de dor e tristeza da alma humana. E afirma: “Onde encontrar consolo para a minha dor? Dentro de mim, sofre um coração!” E no capítulo 20, maldiz o dia de seu nas-cimento, tendo preferido morrer no seio de sua mãe (cf. Jr 20,14-17).

A Bíblia ainda revela, nas orações consagradas, expres-sões que revelam corações marcados por sofrimentos e

tribulações. Fala-se, assim, de “tristezas, angústias, solidão, ‘desfalecimentos’, lágrimas e prantos derramados, vida ator-mentada pela tristeza diante da brevidade da vida”, etc.

Mas também revela, no coração do homem orante e de fé, uma confiança inabalável em Deus, o qual pode mudar as trevas em luz, a tristeza em alegria, as tribulações em con-solações. Enfim, na união com Deus, pela oração e cumpri-mento fiel de Seus Mandamentos, o homem bíblico encon-trava força para vencer suas dores e tribulações da alma, sentindo seu Deus perto de si, um “aliado” na superação das dificuldades.

A experiência da depressão é, pois, de alcance mundial, e está presente em todas as fases da história humana. Costuma--se dizer: “Ubi Homo, Ubi Miseriae”: “Onde está o homem, ali estão as misérias humanas”; e acrescentamos: “ali estão presentes, também, as depressões”.

Causas e sintomas da depressão.

Quanto a isso, Dr. Roque M. Savioli apresenta algumas características para se “reconhecer uma pessoa deprimida”, e aponta para suas causas mais comuns e gerais, no qua-dro depressivo, quanto como identificar os sintomas, mais comuns:

- Humor depressivo; sensação de tristeza; autodesvaloriza-ção; sentimentos de culpa; pensamentos homicidas; perda de vontade em sentir prazer na vida; fadiga exagerada e perda de energia; dificuldade permanente de pensar e de tomar decisões importantes; alterações no sono e apetite; retração diante de momentos sociais significativos para sua vida e família.

Page 50: Cura Interior Dupla

98 99

Há ainda: constantes crises de choro, sem se conhecer – no nível consciente – sua causa última; há um conjunto de efei-tos ‘somáticos’ (no “soma”, “corpo”), como: vertigens, dores no peito, dificuldades respiratórias, emagrecimento ou obesi-dade, dores constantes de cabeça.

Há, contudo, nas depressões profundas um componente físico, biológico no cérebro com relação aos “mensageiros químicos”, os “neurotransmissores” (especialmente a ‘seroto-nina e noreprinefrina’), que controlam as emoções, levando--nos a vivê-las de forma serena e equilibrada.

Mas, quando esses neurotransmissores mudam de nível, de equilíbrio, isso muda nosso modo de reagir, diante das emoções que a vida nos apresenta; assim, em vez de se estar alegre, em situações específicas, vive-se triste e deprimido. Nos momentos de paz, se está inquieto (encontrando-se ali, em muitos casos de depressão e certa ansiedade, que a acompanha).

Por que isso acontece? Não temos uma resposta clara a essa pergunta, a qual é, ainda hoje, envolta em mistério. Ainda não se sabe sua causa última.

Influência hereditária. Notemos, também, que há pes-soas que já têm essa tendência depressiva (talvez se encontre ali, alguma tendência hereditária à depressão). Contudo, já acompanhamos pessoas deprimidas, sem alguma conota-ção hereditária precedente a si (ao menos que se conheça); resulta, nesses casos, que a pessoa vivenciou momentos de perdas, de tristezas, de decepções afetivas e emocionais que foram vividas somente por ela, e por ninguém mais. As cau-sas depressivas estão nela somente; e que quando trabalha-das e removidas essas emoções negativas, a pessoa recobrou o gosto e a alegria pela vida, pela criatividade de antes, e assumiu as tarefas comuns (antes, sem qualquer motivação

para as mesmas). E, muitas vezes, as tristezas acumuladas em seu “I” podem provocar, e provocam mesmo, um estado inte-rior depressivo, de tratamento complexo e interdisciplinar. O que isso significa? Vejamos algumas orientações.

Indicações úteis para o estado depressivo.

Em primeiro lugar, que a depressão tem cura; mas, tam-bém devemos dizer, a seguir, que mesmo se alguns sucumbam a ela – como afirma Andrew Page71 – (“a qual deixa sobre-viventes e mortos”), devemos envidar todos os esforços para ajudar as pessoas em estado de depressão. Se esta doença tem cura, nem sempre as pessoas se motivam, com todo o esforço, em usar os meios de que dispomos no tratamento do estado depressivo. Eis a questão!

Vejamos, porém, alguns pontos, hoje tidos como básicos, no acompanhamento dessa enfermidade:

• acompanhamento médico (psiquiátrico) para a medica-ção adequada – quando necessária;

• uma vida de exercícios físicos, e de alimentação ade-quada (sempre orientados por profissionais competentes);

• uma vida de espiritualidade bem dosada (uma vida sacra-mental, leitura da Bíblia, orações que a pessoa sempre gos-tou de fazer, algum acompanhamento com o seu sacerdote ou confessor, confissão sacramental sempre que necessária, a leitura de bons livros sobre Cura Interior e sobre depres-são para autoconhecimento, a oração de Cura Interior para a cura das raízes da depressão, etc.);

• a ajuda de um psicólogo, para orientações sobre sua vida, seus comportamentos, e em que direções as mudanças

71 PAGE, Andrew. Saindo da Depressão. Op. cit., p. 9.

Page 51: Cura Interior Dupla

100 101

devem ocorrer, a partir da reinterpretação de seu passado e de sua história.

Assim sendo, o que pode desencadear o fator depressivo? São estas, as mais comuns, que o médico elenca, em sua des-crição: “Situações estressantes ou perdas emocionais signifi-cativas; algumas doenças físicas (como Esclerose múltipla ou ‘derrames’: ‘AVC’); alterações hormonais (nos tratamentos da tireoide, na menopausa e ‘TPM’). E, ainda, os usos indevidos de álcool e drogas ilegais podem desencadear e aumentar o nível depressivo”. Em muitos casos, temos constatado blo-queios emocionais, causados por situações íntimas, não bem solucionadas.

A pessoa “se fecha”, não se comunica, como normalmente fazia, tendo dificuldades em expressar seus sentimentos, notando-se alguma conotação Alexitímica (ut supra). Mas são pessoas que necessitam de ajuda específica (indicadas neste tópico), e de forma urgente. Quantos superaram – com a ajuda adequada – o seu estado depressivo. E que alegria sen-tem, quando causas e sintomas da depressão são eliminados. O alívio é indescritível. Mas, nos casos em que as pessoas buscaram, com força de vontade, a cura depressiva, seguindo as orientações apresentadas, todas elas saíram da depressão.

Há momentos em que “entramos em depressão”; e esta pode se apresentar em três graus distintos, segundo o livro da medicina, o “CID-10” (a conhecida: “Classificação Esta-tística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde”. Vol. 1, F 32, p. 327):

• Ou temos a depressão num nível mais leve (superficial, periférico e rápido);

• Ou: num nível moderado (ou mediano);

• Por fim, num nível mais grave (ou mais profundo), variando de intensidade e de tempo de duração.

Bastam, por ora, essas informações tão ricas, para nossa ajuda e autoconhecimento.

Entrar no processo depressivo é colocar-se diante de um quadro interior de dificuldades imensas; e ninguém “forma um quadro depressivo” de um momento para o outro; como também, ninguém sai desse processo num “piscar de olhos”. Muitos, de fato, diante do tempo em que se sentem doentes, não têm paciência com sua enfermidade. E se desmotivam a buscar auxílio necessário.

Há casos, nos quais a família mesma se acostuma com o membro depressivo, e pouco o ajuda e o compreende. Não basta dizer que isso “é da cabeça dele”, que isso é “boba-gem”. A depressão é distúrbio sério, é assunto sério, com o qual ninguém brinca, nem se deve brincar.

E devemos pensar que a depressão – em vista do que dis-semos – pode acontecer para qualquer um de nós. É comum o pensamento, entre os escritores, de que todos nós podemos trazer, em nosso interior, grandes motivos (ou causas) para a depressão. E que ninguém pense – assevera o Dr. Roque Savioli – que a “depressão é castigo de Deus, ou é um modo usado por Deus para que alguém volte para Ele”.

Deus não age dessa forma, mesmo que muitos sejam levados a pensar assim, e isto é algo que deve ser corrigido em nossas comunidades. “Deus é amor; nós conhecemos e cremos no amor que Deus tem para conosco”, nos diz São João, na sua Primeira Carta (1Jo 4,8.16); e se Deus nos ama, deseja-nos todo o bem em Cristo. Não é desejo de Deus ver-nos deprimi-dos; a depressão, em si, não leva a bem algum; ao contrário, só traz diminuição de qualidade de vida plena. E devemos, a

Page 52: Cura Interior Dupla

102 103

cada dia, encontrar a resposta ao estado depressivo, que pode afetar a qualquer pessoa, diante do que se viveu de forma intensa, e sem uma adequada solução ou resposta.

Se a depressão está voltada aos fatos do passado, o depri-mido tem dificuldades de se desligar do mesmo. Mas, como afirmou V. Albisetti, no pensamento citado anteriormente, o passado deve apenas nos ajudar a não repetir os erros que cometemos, ou aquele posicionamento incorreto que assu-mimos, diante dos fatos que temos vivenciado. Se tivemos falhas, devemos aprender com os erros, e não nos punir pelo que aconteceu. A maturidade humana passa pelo gerencia-mento desses conflitos, mas de forma objetiva e consciente. Condenar a si mesmo, ou aos outros, diante das falhas come-tidas, de nada adianta.

Terminamos, com o pensamento do sacerdote e psicólogo, Pe. Giuseppe Colombero72, que atua em hospitais da grande Turim, cidade do Norte da Itália. Diz ele, que “é preciso saber reconhecer os erros, sem sucumbir à angústia de tê--los cometido”. Mas, ao sentirmos o peso de nossos erros, devemos buscar uma ajuda certa, redimensionando a nossa vida e seus valores, segundo Deus e a nossa natureza. Esse é o caminho mais belo e seguro para aprendermos com o pas-sado, vivendo melhor o presente, programando ainda melhor o nosso futuro.

Lembramos, por fim, o pensamento áureo de São Paulo: “Todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8,28).

72 COLOMBERO, Giuseppe. Caminho de Cura Interior. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 67.

A ANSIEDADE.

coMo lidar?

“Além da inculpação do ‘ritmo’ como causa da crise espiritual, depara-se o homem com outra caracterização da ‘doença da época’, tantas vezes diagnos-ticada: o nosso século é conhecido como o ‘Século da Ansiedade’ (‘The Age of Anxiety’ – ou, também, a ‘Doença do Ocidente’).” (Viktor E. Frankl)73

O fenômeno da “Ansiedade” (de agora em diante: “A”) está afetando a todos nós, em níveis maiores ou menores;

contudo, certo grau de “A”, dentro dos limites do humano, é até normal.

O Dr. Marco A. Dias da Silva74 apresenta, em sua obra Quem ama não adoece toda uma abordagem sobre o tema; e diz que “esta é, até certo ponto: útil, e não nociva”! Certo grau está de acordo com a natureza humana; e é impossí-vel não senti-la, vez em quando. Remetemos a sua leitura a esta obra médica, assim como outras obras numerosas sobre o tema.

73 FRANKL, Viktor E. Psicoterapia para Todos. Op. cit., p. 36.74 DA SILVA, Marco Aurélio Dias. Op. cit., p. 126.

Page 53: Cura Interior Dupla

104 105

Nosso intento não é apresentar um tratado sobre a “A”; mas de vê-la como um desafio que toca a todos nós, e de como podemos responder aos “ataques de ansiedade”...

É muito comum, nos nossos atendimentos, ouvir pessoas se queixarem de “A”, com toda a sintomatologia que já se conhece.

Porém, se temos uma “A” considerada “normal”, sem grandes conflitos, e que está sob o controle humano há, tam-bém, a “A” que é “patológica” (e foge do nível e manifestação normal, tornando-se doentia, no indivíduo).

Manifestações da ansiedade (“A”).

Esta se manifesta com desequilíbrio emocional e até orgâ-nico, em muitos casos, que descontrola os sentimentos, o modo de viver, o sono, a digestão, a incapacidade de concen-tração; e, ainda, se manifesta na pressa, na rispidez que se faz presente no trato com as pessoas, na “explosão” de raiva e descontrole a que as pessoas são submetidas, quando estão em crise de “A”. É comum um ativismo exagerado estar pre-sente na vida dos ansiosos em demasia.

Tudo se faz e se criam atividades, na dificuldade que se sente de relaxar e de acalmar o ser interior, que busca alívio em seus sofrimentos. Um ativismo exagerado é, quase sem-pre, um sintoma agudo de ansiedade. E mesmo quando se está sob alto nível estressante, a “A” logo se faz sentir.

Daniel Goleman75 chega a dizer: “Repetidos ataques de ansiedade indicam altos níveis de estresse”. Ora, isso indica que devemos descobrir a “causa mais profunda” da “A”, para que desapareçam os sintomas, tão indesejáveis. Nos casos

75 GOLEMAN, Daniel. Op. cit., p. 188.

comuns (vejamos a seguir), a “A” passa logo, depois da causa que a provocou.

Uma “A”, diante de algum momento que devemos viver (um vestibular, um exame de motorista, um teste de emprego, uma prova mais difícil, na escola ou faculdade, etc.) é comum e deve ser vivida com naturalidade e boa expectativa.

É indispensável uma disposição interior de calma e tran-quilidade, quanto de confiança em si, para se enfrentar os motivos mais profundos causadores da “A”.

É neste momento que se deve rever o esquema da vida diária, e buscar uma disciplina que melhor se coadune com nossa vida e com nossas possibilidades.

Quem já não passou por momentos de profundas ten-sões emocionais? Estar preparados para resolvê-las é o que importa!

Encontrar um equilíbrio psíquico, uma saúde mental, uma disciplina de vida, uma fé bem vivida e fundamentada, trabalhar nossos relacionamentos, para que sejam construti-vos e educadores, eis o que importa para cada um. A felici-dade, nos ensina Jesus, também está nestes pequenos pontos, quando vividos honestamente, e com esforços de superação de nossos limites.

O valor do descanso e do relaxamento na “A”.

Por outro lado, sobrecarregar-se de trabalhos, sem dei-xar tempo para a oração, para o descanso, para o necessário lazer, o tempo para um “relax”, um tempo para o exercício de um bom “hobby” (ouvir música; pescar; fazer alguma ati-vidade física; uma boa leitura) é “candidatar-se” a ser ansioso e doente. Por maiores orientações que possamos ter, nesses pontos, cabe a cada um apropriar-se deles, para seu próprio

Page 54: Cura Interior Dupla

106 107

bem. Devemos aproveitar das habilidades que dispomos para o nosso bem, para descarregarmos nosso estresse, quanto o nível de tensões internas.

É bom dizer que muitos, hoje, vivem em ansiedade dema-siada, a qual tem controle, e reajustes; mas a maioria não sabe e não consegue reencontrar o caminho do equilíbrio, e sofre terrivelmente.

Frankl afirmou que, além do ritmo alucinante no qual vivemos (ele fala da “inculpação do ritmo de vida”), há uma caracterização da ‘doença da época’, tantas vezes diagnosti-cada: o nosso século é conhecido como O Século da Ansie-dade (“The Age of Anxiety”)...

De fato, a “A” é a “Doença do Ocidente”! É bom saber-mos esta “qualificação da ciência” com relação à “A”, quanto à luz de nossa vida cristã, no modo como vivemos nossos relacionamentos familiares, comunitários e sociais. Muitos de nossos problemas familiares se originam pelas expressões agudas de “A”, nos nossos relacionamentos, causando pro-fundas feridas e agressões.

Se no caso da ‘depressão’ minhas atenções se voltam ao “passado”, com sua carga de tensões e sofrimentos, que estão ainda muito vivos e atuantes em nós, por sua vez, no caso da ‘Ansiedade’, esta se relaciona com o amanhã, com o futuro, com o que poderei enfrentar nas próximas horas, nos dias ou meses, o que me torna inseguro e incapaz de responder adequadamente ao que me espera.

Jesus, novamente, nos recorda: “A cada dia basta o seu cuidado” (Mt 6,34).

Se hoje vou viver minha vida com toda a intensidade, eu me desligo, também, das expectativas futuras. Viverei o hoje,

pois o futuro a Deus pertence... Jesus nos ensina a viver o “agora, o hoje”.

O descanso, o relaxamento neuro-muscular é o primeiro, senão o melhor, dos remédios, nos casos da ansiedade. Todos nós podemos sofrer, vez ou outra, alguma sensação ansiosa, a qual devemos controlar, pela calma e pelo relaxamento.

O Dr. Marco A. Dias da Silva76, coloca a “A” entre duas posições, ou seja:

(1º) “Há a participação dos neurotransmissores (fundamentalmente bioló-gica)”, como há:(2º) “elementos ligados a conflitos interiores e a um Ego que se sente em perigo, e dele se defende por meio da ansiedade”.

Para os casos comuns de crises ansiosas, não necessitamos de remédio, mas de simples relaxamento, para se administrar melhor o corpo “alterado” em seus sintomas, e o modo de como se pode enfrentar o que realmente nos deixa ansiosos (Cf. Goleman, O.c., p.87). Como fazer, para acalmar? É sim-ples e fácil:

Deitar-se, de forma cômoda, por meia hora ou quarenta e cinco minutos. Largar bem o corpo, por sobre a cama; cen-tralizar-se em si, ou em Deus, ou em alguma música suave e de baixo volume; alguns rezam silenciosamente, o que faculta o relaxamento físico e mental. Nada adianta estarmos des-cansando no corpo, se a mente trabalha em alto nível (nível cerebral “Beta”, por exemplo, de 14-28 vibrações cíclicas por segundo: “p/seg”). Tudo deve acalmar: corpo e mente. E é assim, neste estado de relaxamento, que baixamos o nível da ansiedade (sem, nesses casos, de necessidade medicamentosa),

76 DA SILVA, Marco Aurélio Dias. Op. cit., p. 126ss (aqui, p. 129).

Page 55: Cura Interior Dupla

108 109

quanto das tensões. A paz se reinstala dentro de nós. E reor-ganizamos a disciplina do nosso dia.

Os outros estados: o “Alfa” – é o de relaxamento, mas de plena consciência, e sem atividade alguma.

Já o estado “Theta”, é o estado do “pré-sono”, aquele estado de semissonolência e semiconsciência, com vibrações cíclicas que variam de 4-7 vibrações c. p/seg. É daqui que “partimos” para o sono profundo!

Por fim, o estado “Delta”, o qual caracteriza o sono pro-fundo: “apagamos” – por assim dizer – as atividades cons-cientes (funcionando, em nós, os sinais vitais e outros fun-cionamentos orgânicos independente de nossa vontade e con-trole), e neste estado “Delta” – onde temos de 0-4 vibrações c. p/seg – este último caracteriza o estado de sono profundo, de descanso e recuperação de energias e forças. Conhecemos bem os casos em que as pessoas, por tantas preocupações de trabalho, de família, de compromissos, enfim, não conse-guem “conciliar o descanso e o sono”, passando a noite “em branco”.

Mas sempre dizemos em nossos cursos, “que Deus nos fez de forma maravilhosa” (cf. Sl 138, v.14), isto é, perfeita; somos o cimo da Criação e do Universo. Devemos, sim, saber administrar o modo de como fomos criados por Deus, com nossas ondas cerebrais, afastando delas o que não as faz atuar, de forma correta. De fato, quando a pessoa se “distancia” de suas ocupações e problemas, que assolam sua mente, notur-namente, não necessita de calmantes para dormir. Entra “em jogo” a adequação em sua vida, das ondas cerebrais.

É claro que há momentos nos quais necessitamos de um “calmantezinho” – sempre prescrito por um médico –, mas para passarmos melhor certos momentos de grande desgaste,

de perdas dolorosas, ou de uma atividade por demais exaus-tiva, que a pessoa mesma não consegue relaxar ou se “des-ligar”. Mas isso deve ocorrer em momentos especiais, e não de forma muito comum, sem criar dependência do remédio.

Quando nos chegam pessoas com alto nível de ansiedade e de tensões, o primeiro procedimento que realizamos é o de relaxá-la, até o nível que possa chegar.

Viver o momento presente.

Este é um exercício que devemos realizar a cada dia. Viver bem cada momento, cada encontro humano, cada momento de espiritualidade, cada momento de sono, de lazer ou de atividades. Muitas vezes nos sentimos ansiosos, por pequenas coisas; quem já não experimentou tal sensação, que é desa-gradável? É quando fazemos as coisas rapidamente, come-mos em pouco tempo, não conseguimos relaxar, reagimos de forma agressiva a qualquer desafio e assim por diante.

Viver cada dia com suas preocupações, com suas tarefas diárias, sempre será um treino diário para todos nós.

Deus não pede que vivamos “no” passado, nem que viva-mos o futuro ou já “no” futuro. Pede vivermos o presente (cf. Mt 6,34). Pede que vivamos cada dia da vida, com todo o seu sentido e sua força, com todo o seu limite, ‘finitude’ e sua ânsia de perfeição e santidade. O Evangelho nos ajuda e sugere que vivamos no hoje, a plenitude de toda uma vida; que no hoje possamos cumprir nossos deveres, sejam os que se voltam para Deus, sejam os deveres da família, da socie-dade, sejam os que temos na Igreja.

Por vezes é mais fácil se refugiar no passado do que assumir as exigências da vida presente; é fácil lá permanecer por entre os sofrimentos que nos feriram, que nos fizeram chorar, que

Page 56: Cura Interior Dupla

110 111

nos condicionaram nos anos seguintes, do que buscar meios de superação e de integração do passado em nosso momento presente. A Dra. Renate J. de Moraes77, sempre citada por suas importantes observações científicas, ainda nos ilumina com este pensamento: “Por causa dos ganhos secundários, registros antigos ficam no organismo e no psiquismo uma programação ativa (negativa); é preciso que o Eu-Pessoal do paciente reformule hoje o ‘motivo’ pelo qual ‘quis’ adoecer no passado”.

Mas é isto que Jesus nos indica e nos pede: viver a cada dia a extraordinária aventura de homens comuns, discernindo, à luz dos sinais dos tempos, qual é a santa e amorosa von-tade do Pai para conosco e para nossos irmãos. Levar a cabo esta missão, este compromisso humano e cristão, dentro dos limites da nossa humanidade, mas contando com a ajuda da Graça, “pela qual somos o que somos”: eis um programa de vida digno de ser vivido; eis uma proposta altamente ‘huma-nizadora’, apresentada por Jesus a todos nós. Acho impressio-nante o apelo à oração que a ciência mesma reconhece válida, até nos casos de depressão. Por vezes, se reza pouco; sabemos que não se está motivado nem para rezar. Mas, nossa reação é necessária e integrante do processo de cura. Daniel Gole-man78, cientista de renome mundial, chega admitir, com sua autoridade indiscutível, que: “As preces, quando se é muito religioso, funcionam para todos os estados de espírito, sobre-tudo a depressão”. Ao meu parecer, essa frase, como uma afirmação da ciência, é por demais importante; é uma verda-deira pérola, no pensamento da ciência ao nosso favor, que somos pessoas religiosas e de fé.

77 DE MORAES, Renate Jost. Op. cit., p. 341.78 GOLEMAN, Daniel. Op. cit., p. 88.

Ora, se a ciência nos afirma tal verdade, quanto não deve-mos valorizar a oração, nosso contato com Deus, com Cristo, com Seu Espírito, quanto estamos com algum problema? De fato, pouco se reza e se recorre à oração nas depressões. É hora de mudarmos nosso enfoque!

Rezar é crer que Deus atua, em nosso interior, até mesmo quando estamos deprimidos e sem motivações para nada nesta vida. Há sempre uma luz que brilha e ilumina nossas trevas, quando acendemos o interruptor da fé! E se a pro-posta cristã nos humaniza, nos propondo a oração e a fé nas nossas enfermidades e depressões, é porque essa proposta é digna para todo o ser humano, e deve ser vivida com toda a convicção!

Page 57: Cura Interior Dupla

113

CONCLUSÃO

Jesus e a cura das doenças

Depois de tanta riqueza que fomos acumulando, esco-lhendo aqui e ali os pensamentos mais iluminadores para

nossa autoajuda e autoconhecimento, gostaríamos de refletir, à luz do Evangelho, a ação de Jesus junto aos enfermos.

É bom saber que 1/5 dos Evangelhos são dedicados, em suas narrativas, à cura das enfermidades, por Jesus; e se olharmos atentamente no livro dos Atos, de Lucas, ali vere-mos a extensão da ação de Jesus, junto aos apóstolos e dis-cípulos (e diáconos, também), de Sua ação evangelizadora e curativa.

Jesus evangelizava e curava, dizem os Evangelhos. Optou por esse método e nunca o abandonou. Foi excelente eficaz; e Sua fama corria por todas as redondezas; as pessoas O seguiam, “porque via os milagres que fazia em benefício dos enfermos” (Jo 6,2).

É clara, nos Evangelhos, a leitura de que Jesus queria curar e curou a muitos, como manifestação de Sua divindade, de Seu poder sobre as doenças, e como expressão da força do Reino de Deus, já presente no mundo, em Sua Pessoa divina, ação e palavras.

Page 58: Cura Interior Dupla

114 115

A Renovação Carismática Católica renovou, entre nós, o interesse, o conhecimento e a abertura ao carisma da Cura (cf. 1Cor 12,8-10), o qual estava um pouco à margem da vida eclesial. A releitura – nessa nova luz – dos textos sobre curas, nos Evangelhos, nos ajudaram a compreender o desejo de Deus que nos quer saudáveis, com uma “vida em pleni-tude” (cf. Jo 10,10), isto é, em todas as dimensões do nosso ser: “corpo, mente e espírito” – segundo a famosa expressão de São Paulo (cf. 1Ts 5,23).

— Modos de Deus nos curar.

Desde o Antigo Testamento, já vemos menções a cura das enfermidades, pela ação de Deus e pelos remédios e medi-cina; não nos delongamos aqui, pois já refletimos esses temas em outras obras nossas.

Deus nos cura pelas leis biológicas, pelo respeito às leis de nosso corpo, mente e espírito. Ele nos cura pela medicina e médicos (cf. Eclo 38: “Médicos e Medicinas”), quanto pelo respeito e prática de suas Leis, que nos levam a uma vida justa e sadia.

Se n’Ele está a “fonte da vida” (Sl 35,10), quem vive segundo Deus sempre terá mais paz, vida feliz e abençoada. Claro que o sofrimento pode ter um valor – e tem mesmo – de redenção e purificação (Cl 1,14). Pois Deus ou nos cura das enfermidades, ou nos dá forças para vivê-las numa união maior a Ele, e a Jesus sofredor. Mas, Sua vontade é a que tenhamos uma vida saudável e feliz.

No Antigo Testamento já temos curas e milagres de Deus, junto ao Seu povo, e por meio de Seus servos. Em Êxodo 15,25-26 já se lê: “Eu sou o Senhor que te cura”.

Ao se falar, no Deutero-Isaías (Is 40-55), os quatro Cân-ticos do Servo de Javé, relidos à luz do Cristo na sua morte e ressurreição, veem que “Ele assumiu sobre si nosso sofrimen-tos e por suas chagas fomos curados” (Cf. Is 53,5; 1Pd 2,24- 25). Deus nos cura pela oração de seus servos, revelando-se o Senhor de tudo. Ele não somente tem poder, mas “é” poder! As curas revelam Sua vontade e Seu amor pelos que sofrem.

— Jesus e a cura.

O Documento da Santa Sé da “Congregação da Doutrina da Fé”, com o título: Instruções sobre as Orações para alcan-çar de Deus a Cura (de 14 de setembro de 2000), afirma que:

“Nos Evangelhos não encontramos nenhuma reprovação aos pedidos de cura, feitos a Jesus”. E, ainda, que “o recurso à oração nunca deve excluir o empregos dos meios naturais úteis para conservar e recuperar a saúde” (nº 2).

A Igreja admite o Carisma da Cura (relatado em São Paulo, como “manifestação do Espírito, mas para proveito comum”), sempre nos alertando sobre a liberdade do Espírito em dar esse dom a quem desejar, e de manifestá-lo quando e como o desejar.

Em nossos dias, podemos afirmar que estamos renovando a mentalidade de cura pela oração e imposição de mãos (Mt 10,7-8; Mc 16,18; Tg 5; 2Cor 12,12). Estamos conhecendo melhor a oração de cura pelos enfermos, a doutrina da impo-sição das mãos, e como unir fé e ciência, para uma atuação cristã mais eficaz. E o que é mais importante: crendo que Deus age por nós, e aprendendo a rezar pela cura.

Jesus quer a nossa cura, e a manifestou em suas ativida-des missionária, “curando todas as doenças e enfermidades entre o povo” (Mt 4,23). Devemos admitir a cura emocional,

Page 59: Cura Interior Dupla

116 117

também presente no ministério de Jesus: e esse pensamento é comum nos escritores da RCC: Aqui refiro-me, especial-mente, ao padre Robert De Grandis; ao padre Emiliano Tar-dif; ao padre Diego Jaramillo; ao padre Dario Bettencourt – os quais tive a graça de conhecê-los todos, entre outros escritores.

Nas Missas da Renovação (RCC), a Palavra de Ciência, praticada depois da Comunhão – e este é seu momento pri-vilegiado – tem trazido, para muitos, verdadeiras graças, que somente a ação do Espírito, iluminado à mente do Servo, poderia manifestar. E como aumenta a fé da pessoa e da comunidade ‘orante’, quando alguém é curado, nessa forma de oração, pela ação de Jesus Eucarístico e de Seu Espírito.

Temos testemunhado curas inexplicáveis, mesmo para médicos peritos, em sua especialidade. Mas, vejamos algo mais, de importância essencial.

— A fé carismática.

Aprendemos que a fé tem três modos de expressão:

• Temos a fé “doutrinal”, que nos vem pela pregação e nos leva à adesão a Jesus, ao seu amor, ao discipulado, e à salvação.

• Temos a fé “confiante”, e confiamos em Deus, pois sabe-mos que estamos nas mãos do Pai (cf. Sl 130; Lc 12, 22ss; 2Tm 1,12), que nos ama e nos protege.

• Temos a fé “carismática” – aquela que “faz ver a gló-ria de Deus acontecer”, como disse Jesus (Jo 11,40). É essa fé, que São Paulo considera como Carisma do Espírito (na 1Cor 12,4-11). E é a esta fé que as pessoas estão se abrindo e testemunhando a “glória de Deus, junto a nós”. É a fé que “transporta montanhas” (Mc 11,23-26), que alcança o que

se pede com fé verdadeira (Mt 21,22), em consonância com a vontade de Deus (1Jo 5,14-15). É por esta fé que louvamos a Deus que quer ser o Senhor de tudo o que nos acontece. Sabemos que o louvor liberta e cura. “A cura” – nos dizem os escritores da RCC – “é a resposta de Deus à nossa oração ao nosso louvor”. Que mudança de mentalidade já vemos aqui!

Muito já se tem feito e testemunhado, no tocante à ora-ção pelos enfermos e à oração de Cura Interior. Mas, ainda estamos numa caminhada inicial, o que já é algo importante. Ainda estamos aprendendo a orar pelas pessoas, e a crer que Deus age, por nosso meio. Colocar-se à disposição d’Ele é o que conta!

— Como rezar?

• Quem sentir no coração o chamado de Deus, para rezar pelos enfermos: agradeça e cresça no dom, estude o dom da cura (seja física, emocional ou espiritual); leia bons livros sobre o assunto; troque experiências com quem exerce tal carisma. Lembremo-nos: “A Graça supõe nossa natureza e a aperfeiçoa”. O dom de cura tende a se desenvolver em nós, desde que estejamos abertos a ele.

• Comece a orar pelas pequenas dificuldades emocionais (ou pequenas enfermidades). É bom que, inicialmente, acom-panhemos alguém que já exerça o carisma.

• Levar em conta esse dado essencial: é Deus quem cura! Faça sua parte; ore, escute uma “Palavra de Ciência”, em seu coração, quando for o caso (siga sempre a direção do Espírito).

• Ser breve e suscito na oração; para quem se ora, saber o problema sobre o qual dirigir nossa oração; ser humilde e estar em estado de Graça, ao se fazer oração. Um coração

Page 60: Cura Interior Dupla

118 119

bom e puro parece fazer fluir, de forma melhor, o poder curativo d’Ele.

• Suscitar uma fé verdadeira junto a quem oramos; pois, muitos nos procuram, depois de ter passado por tantos outros lugares, movidos pela tentativa de cura. Centrar a fé em Cristo! Incentivar a que se procurem os Sacramentos, mormente a Confissão e Eucaristia, para um fortalecimento interior.

• E, no final de cada oração, agradeça o que Jesus “já está fazendo na vida desta pessoa” e que tudo “seja para a honra e glória de Seu Nome”. Somos apenas “servos inúteis” (Lc 17,10). Quem ora pelos que sofrem está exercendo o maior mandamento, o da caridade. A pessoa deve sentir o carinho, o amor, e a ternura de Jesus, por seu intermédio.

Aqui, amado leitor, sugiro que apresente a Jesus, que é o “Médico divino de nossa pessoa” seus conflitos internos, quanto seu passado, presente e futuro. Também devemos a Ele apresentar, a cada dia, as apreensões rotineiras, as angús-tias e nossas decepções. Desejar curar-se, eis o primeiro passo. E se deve buscar, junto aos irmãos, os profissionais da saúde mental, toda a ajuda que dispomos hoje em dia.

Pois, na saúde mental, o que conta, o que cura, é o con-fronto, o pedido de ajuda a quem confiamos, buscando a modificação de comportamento e de valores, no nosso Eu Interior.

Tudo isso deve estar acompanhado de uma atitude de humildade, no reconhecimento de nossos limites e fraquezas internas, quanto o arrependimento por nossos erros, e uma sincera conversão, do coração e da mente a Deus. Eis a jun-ção da fé e da ciência, para uma vida em plenitude!

Nossa Oração: Terminamos, orando!

“Jesus, que Vosso amor esteja junto a nós, trazendo-nos o alento e a cura de que necessitamos! Vós sabeis o que é viver a nossa vida, em meio às aflições e sofrimentos. Vossa pre-sença nos ajude a carregar a Cruz, que Vossa força nos fará achar leve.

Jesus, Vós nos convidais, ao dizerdes: ‘Vinde a Mim, vós que penais, e Eu vos aliviarei...’ (Mt 11,25). Nessa confiança inabalável, aqui estamos clamando das ‘profundezas de nosso coração’ (Sl 129), por uma vida sempre mais bela e plena de amor e sentido. Jesus, Vós sabeis o que é viver nesse mundo, no qual devemos Vos testemunhar, a cada dia. Sede nosso amparo e luz, nas tribulações! Se tudo vencestes, em Vós tudo podemos vencer (Fl 4,13; Jo 16,33).

Sois o mesmo: ‘Ontem, hoje e sempre’ (Hb 13,8): como curastes, manifestando Vosso divino amor e ternura, ‘curai--nos, hoje, por Vossas chagas’.

Dai-nos a graça de perdoar toda ofensa, de perdoar a nós mesmos e aos que nos ofenderam, como perdoastes na Cruz, os Vosso algozes!

E que um dia, junto de Vós nos Céus, possamos gozar da vida plena, no eterno louvor, na comunhão dos Santos. ‘Amém, e que assim seja’.”

Page 61: Cura Interior Dupla