Cunhal - O Valor Actual Do Manifesto

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O Valor Actual do Manifesto (1) Álvaro Cunhal 01 de Fevereiro de 1998 http://www.marxists.org/portugues/cunhal/ 1998/02/01.htm Primeira Edição: jornal Público (1 de Fevereiro de 1998) e reproduzido em "O Militante" Nº 233 - Março / Abril - 1998. Fonte: Partido Comunista Português - Organização Regional de Lisboa Transcrição: Carlos Coutinho HTML: Fernando A. S. Araújo Há tanto a dizer do Manifesto Comunista que, no espaço disponível, apenas alguns limitados aspectos seleccionados podem ser referidos num breve apontamento. 1. Comemorar 150 anos do Manifesto Comunista de Marx e Engels é falar de um documento que - pelas suas análises, o seu conteúdo ideológico, o objectivo e a possibilidade que aponta de construir uma sociedade nova — lançou e promoveu uma luta revolucionária de alcance universal: a luta dos comunistas, que marcou e determinou as principais realizações e conquistas de transformação social desde então até aos dias de hoje. Como anotavam as primeiras palavras do Manifesto, "andava pela Europa o espectro do comunismo". Ao longo do século e meio decorrido, continuou a "andar", agora pelo mundo, o mesmo espectro, a que as forças do capital chamaram "o perigo comunista". E, ao findar o século XX, ao mesmo tempo que proclamam que "o comunismo morreu", as campanhas

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O Valor Actual do Manifesto(1)lvaro Cunhal

01 de Fevereiro de 1998http://www.marxists.org/portugues/cunhal/1998/02/01.htm

Primeira Edio: jornal Pblico (1 de Fevereiro de 1998) e reproduzido em "O Militante" N 233 - Maro / Abril - 1998.Fonte: Partido Comunista Portugus - Organizao Regional de LisboaTranscrio: Carlos CoutinhoHTML: Fernando A. S. Arajo

H tanto a dizer do Manifesto Comunista que, no espao disponvel, apenas alguns limitados aspectos seleccionados podem ser referidos num breve apontamento.

1. Comemorar 150 anos do Manifesto Comunista de Marx e Engels falar de um documento que - pelas suas anlises, o seu contedo ideolgico, o objectivo e a possibilidade que aponta de construir uma sociedade nova lanou e promoveu uma luta revolucionria de alcance universal: a luta dos comunistas, que marcou e determinou as principais realizaes e conquistas de transformao social desde ento at aos dias de hoje.

Como anotavam as primeiras palavras do Manifesto, "andava pela Europa o espectro do comunismo". Ao longo do sculo e meio decorrido, continuou a "andar", agora pelo mundo, o mesmo espectro, a que as foras do capital chamaram "o perigo comunista". E, ao findar o sculo XX, ao mesmo tempo que proclamam que "o comunismo morreu", as campanhas violentas, constantes, universais, que lanam contra ele, mostram que no morreu mas est vivo e para viver.

2. O Manifesto Comunista um extraordinrio libelo acusatrio contra o capitalismo.

No apenas indicando a situao da classe operria e das massas trabalhadoras: os salrios injustos, o desemprego, o tempo e intensidade de trabalho, as discriminaes e falta de direitos da mulher, o trabalho infantil, os problemas da habitao e da sade, o alastramento da pobreza e da misria. No apenas apontando medidas necessrias de carcter imediato. Mas tambm desvendando a natureza e as leis do capitalismo e apontando a necessidade e possibilidade histrica de super-lo.

Esta simultaneidade da luta com objectivos a curto e a mdio prazo e a luta pelo socialismo, caracterizou desde ento a luta dos comunistas.

luta dos comunistas, sempre estreitamente ligados classe operria e s massas populares e promovendo as suas organizaes unitrias, nomeadamente o movimento sindical, se devem, mesmo no quadro do sistema capitalista, importantes conquistas. A ela tambm se deve, com a revoluo de Outubro de 1917 e outras revolues socialistas, a prova na vida da actualidade histrica de construir uma sociedade nova, uma sociedade socialista.

3. um marco fundamental dessa luta, a revoluo de Outubro de 1917 e suas repercusses em todo o mundo.

A revoluo de Outubro significou que, pela primeira vez, em milnios de histria da humanidade, o ser humano se lanou audaciosamente construo de uma sociedade sem exploradores nem explorados.

Significou a realizao de profundas reformas nos domnios poltico, econmico, social e cultural, com o melhoramento radical das condies de vida do povo e a eliminao de muitos dos flagelos sociais.

Significou, num curto perodo histrico, a transformao da velha, atrasada e tirnica Rssia dos czares, num pas altamente desenvolvido, fazendo frente com xito ao imperialismo.

Significou, pela sua influncia e relaes de solidariedade recproca, uma nova e poderosa dinmica do movimento operrio internacional e suas conquistas.

Significou um papel determinante, pago com 20 milhes de vidas, para a derrota, na 2 Guerra Mundial, da Alemanha hitleriana e da coligao fascista (Alemanha, Itlia, Japo) que ameaava impor ao mundo o seu domnio de terror.

Significou, em datas diversas, o estmulo a novas revolues socialistas, - no leste da Europa, na China, em Cuba, no Vietname, na Coreia do Norte, no Laos - com caractersticas diferenciadas e contraditrias, mas inseridas durante dcadas no mesmo sentido positivo da evoluo mundial.

Significou, pelo exemplo e pela solidariedade, uma contribuio para a luta dos povos oprimidos, o desenvolvimento dos movimentos de libertao nacional, o ruir do sistema colonial e a conquista da independncia por povos secularmente submetidos ao colonialismo.

A revoluo de Outubro, pelo que foi e pelas suas repercusses mundiais, constitui o acontecimento histrico mais importante do sculo XX.

No por acaso que ataques, propaganda e campanhas anticomunistas tm tido sempre em todo o mundo dois alvos centrais: a revoluo de Outubro de 1917 e a obra e papel de Lnine que, com o Partido Bolchevique, dirigiu a luta do proletariado russo e a revoluo vitoriosa.

Ainda recentemente, quando do 80 aniversrio da revoluo, assistimos a uma furiosa, vil e orquestrada campanha, - com seminrios, livros, programas nos grandes meios de comunicao social - apresentando a revoluo de Outubro e a aco de Lnine, como histrias de odiosos crimes.

natural que as foras do capital o faam. Sabem tudo quanto a Revoluo de Outubro, Lnine, a URSS, e outras revolues socialistas e nacional-libertadoras representaram na luta libertadora dos trabalhadores e dos povos.

Um partido comunista, para continuar a s-lo, no pode, por atitude ou omisso, favorecer e ainda menos secundar to reaccionrias campanhas. Outubro e Lnine so referncias fundamentais.

4. Se a Unio Sovitica, tal como outros pases, sofreu uma evoluo negativa, que a conduziu ao desastre, no foi por que tenha fracassado o ideal e projecto comunista. Foi sim porque, num complexo processo, cuja anlise est por aprofundar, acabou por se instaurar um "modelo" que deixou de corresponder a esse ideal e projecto e em alguns aspectos o perverteu.

Poder centralizado e burocratizado em vez de poder dos trabalhadores. Estatizao completa da economia. Perda de ligao viva do governo e do partido com a classe operria e as populaes. Ouvidos fechados crtica. No realizao da prometida democracia "mil vezes mais democrtica que a mais democrtica das democracias burguesas". Intolervel abuso de mtodos repressivos. Dogmatizao da ideologia do partido e sua imposio como doutrina do Estado.

J num processo avanado de degradao, a "perestroika" prometeu correco e viragem: com mais democracia "mais socialismo". No cumpriu. Renegou a revoluo. Renegou tudo quanto o povo havia realizado, alcanado e vitoriado. Renegou a luta herica dos que deram a vida. Renegou democracia e renegou socialismo.

O desmoronamento da URSS e a evoluo para o capitalismo - com o caos econmico, a liquidao de direitos sociais, as guerras internas, os "gangs" de sbitos milionrios, o proliferar de poderosas mafias, a vaga da corrupo do crime e da prostitituio - uma terrvel catstrofe e perda para os povos da ex-URSS. Perda terrvel tambm para os povos do mundo, que deixa campo mais livre ao imperialismo para se lanar ofensiva tentando liquidar fora todas as foras que se lhe oponham, e impor de novo o seu domnio mundial.

Explica-se que na ex-URSS e noutros pases se observe o que j se chama "saudade do passado". No no sentido de refazer um "modelo" condenado, mas para, rejeitando tudo quanto estava mal e muito era, recuperando direitos perdidos, valorizando realizaes e experincia passadas, encontrando solues novas, reempreender a construo do socialismo.

5. Nos ltimos 150 anos, o capitalismo conheceu um desenvolvimento em ritmo acelerado. Novos passos na expanso mundial. Descobertas e conhecimentos das cincias. Tecnologias revolucionrias. Inesperado e vertiginoso desenvolvimento das foras produtivas nos pases mais desenvolvidos.

Ganhou assim novo flego. Manteve porm a sua natureza exploradora, opressora e agressiva.

Estes 150 anos de capitalismo so assinalados por duas guerras mundiais que sacrificaram uma centena de milho de vidas e destruram pases inteiros. Por outras guerras, agresses e intervenes militares. Pelo terrorismo de Estado. Pelos crimes e genocdios de ditaduras fascistas e de regimes autocrticos. Por rapinas devastadoras de recursos e violentas agresses ecolgicas. Pela explorao colonial e neo-colonial e guerras coloniais.

certo que, depois de sofrer grandes derrotas histricas que, com os comunistas, lhe infligiram os trabalhadores e os povos, o capitalismo conseguiu, na segunda metade do sculo XX, inverter de momento a tendncia da evoluo mundial que vinha a processar-se a favor do socialismo. E, ao mesmo tempo que agrava ainda mais a explorao e opresso de classe, as desigualdades, injustias e flagelos sociais, proclama-se como um sistema final, um "capitalismo civilizado", no qual desaparece a luta de classes atravs de solues de consenso, e no qual imperar o "pensamento nico", ou seja, a ideologia do capitalismo, que se acoberta na proclamao do "fim das ideologias".

A verdade porm que o capitalismo, passados 150 anos do Manifesto Comunista, nem sequer resolveu um nico dos graves problemas da classe operria e das massas oprimidas apontados no Manifesto. E, ao findar o sculo, mostra-se incapaz de resolver os grandes problemas da humanidade, est rodo por crescentes contradies. O que tem por diante no o fim da luta de classes mas um novo e inevitvel fluxo da luta dos trabalhadores e dos povos e novas exploses revolucionrias na continuidade da luta anunciada e lanada h 150 anos pelo Manifesto Comunista.

Por muito difcil que seja o percurso, o socialismo, aprendendo com vitrias e derrotas, continua a ser a verdadeira alternativa.

6. As teorias de Marx e Engels, das quais o Manifesto Comunista faz uma primeira sntese, revolucionaram o pensamento e as sociedades no sculo XX.

A sua expanso mundial foi possvel por explicar o que at ento no tinha explicao. Sobre a relao do ser humano com a natureza que o envolve. Sobre as contradies e histria das sociedades. Sobre a economia capitalista e suas leis. Sobre a actualidade da construo revolucionria de uma nova sociedade. Porque cientficas e dialcticas, teorias abertas reflexo e contrrias prpria cristalizao. As conquistas das cincias, as transformaes provocadas pelas novas tecnologias, a internacionalizao a nvel mundial dos processos produtivos, as alteraes na composio social das sociedades, incluindo na composio do proletariado, obrigaram e obrigam a novas respostas e a um novo rigor dos princpios tericos.

Curioso que certos estudiosos, quando falam do marxismo, investigam o pensamento de Marx antes de este ter formulado as grandes concluses tericas. Ou seja: de quando Marx ainda no era marxista. O marxismo h que consider-lo em movimento, acompanhando a vida.

Lembre-se que, apenas passados 50 anos do Manifesto Comunista, j o desenvolvimento do capitalismo exigia novos acertos tericos. Lembre-se que coube a Lnine definir o capitalismo monopolista, "o imperialismo etapa suprema do capitalismo", como indica o ttulo da sua obra clebre. Neste e noutros aspectos, negar ou recusar o pensamento de Lnine negar o marxismo ao longo do sculo XX. No foram infelizmente poucos os que, comeando por negar Lnine acabaram por negar Marx.

A ideologia que inspirou as transformaes e conquistas revolucionrias do sculo XX correctamente designada por marxismo-leninismo.

Alm do mais, porque a teoria adquiriu na sociedade fora material quando amplas massas a tomaram como sua e, mesmo que conhecendo e assimilando apenas aspectos essenciais, sentem nela inspirao para lutarem com convico, coragem e confiana. O marxismo-leninismo foi a grande ideologia revolucionria que inspirou e encaminhou as grandes lutas, realizaes e experincias libertadoras de transformao social que marcam para sempre o sculo XX, na histria da humanidade.

No sem um percurso acidentado. Tanto tendncias revisionistas como dogmticas tm com frequncia incapacitado de responder criativamente s transformaes da realidade. Se muitas respostas tm sido dadas, muitas mais esto por dar.

Entretanto, princpios fundamentais continuam vlidos e continuam no s a explicar o mundo, mas tambm a indicar como transform-lo.

7. Uma breve referncia:

Vlidos os princpios fundamentais do materialismo dialctico que, rejeitando verdades absolutas e eternas, confia no conhecimento cientfico.

Vlida a confiana no conhecimento das realidades exteriores ao ser humano dispensando a imaginativa crena em foras sobrenaturais que testemunha a insuficincia do saber.

Vlida a descoberta do modo de produo, das relaes de produo, como determinante "em ltima instncia" da vida social.

Vlido, como o Manifesto Comunista proclama, que "a histria de todas as sociedades at agora existentes a histria da luta de classes".

Vlido que uma poltica de classe, de explorao e opresso de classe, caracterstica da poltica dos governos dos estados capitalistas.

Vlidos os princpios fundamentais da teoria econmica, nomeadamente da teoria da mais-valia "pedra angular da teoria econmica de Marx".

Vlido que o capitalismo, tal como sistemas anteriores, contm contradies que, em determinado momento histrico, conduzem sua substituio e que, como indica o Manifesto Comunista, entrmos num tal momento histrico.

Vlido o objectivo, a necessidade e a possibilidade de construir uma sociedade nova, que liquide a explorao do homem pelo homem, que erradique as grandes desigualdades, injustias e flagelos sociais.

No por insistncia dogmtica, mas porque a vida o comprovou nos 150 anos decorridos desde o Manifesto Comunista, que se afirma a validade e actualidade de princpios essenciais.

8. No foi apenas a escolha de um nome, mas uma declarao programtica, ter sido editado o Manifesto Comunista com o ttulo de Manifesto do Partido Comunista.

O projecto, no s de luta com objectivos a curto e mdio prazo, mas de superao do capitalismo e de construo do socialismo continha, como um elemento central, a existncia e aco no s de um novo partido, mas de um partido novo.

Um partido independente dos interesses, dos objectivos, da ideologia das foras do capital. Um partido da classe operria, como sublinhou Engels, "constitudo, no como a cauda de qualquer partido burgus, mas sim como partido independente, que tem o seu prprio objectivo, a sua prpria poltica".

Grandes e pequenas vitrias da causa comunista, a capacidade de resistncia s mais violentas perseguies, presses e tentativas de liquidao, devem-se existncia de partidos assim concebidos, embora com diferenas resultantes de lutarem em diferentes condies e terem diferentes percursos e histria.

Inversamente muitas derrotas resultaram do facto de partidos se terem afastado dos ideais comunistas. Da ligao viva com a classe operria e as massas populares. Da sua natureza e independncia poltica e ideolgica de classe. Dos seus objectivos revolucionrios. Do patrimnio histrico da luta. Da sua identidade que diferencia um partido comunista dos outros partidos. Seguindo tais caminhos, alguns partidos acabaram por dissolver-se ou converter-se noutra "coisa". Outros, evoluindo nesse sentido, absorvem-se em conflitualidades internas susceptveis de conduzir a rupturas.

Neste findar do sculo XX, tal como quando foi proclamado o Manifesto Comunista, tanto a luta por objectivos a curto e a mdio prazo, como a luta pelo socialismo, continuam a no poder dispensar partidos comunistas, com este ou outro nome, mas convictos e confiantes nos traos essenciais da sua identidade.

Concretamente: A natureza e poltica de classe. A ligao classe operria e s vastas massas populares. A defesa dos seus interesses e direitos. O objectivo da construo da sociedade socialista. A firmeza ideolgica. A solidariedade internacionalista tendo como raiz o internacionalismo proletrio. E tambm respeito pela verdade, convico, confiana e coragem.

Leia-se ou releia-se o Manifesto Comunista. Passe-se em revista, sem ideias feitas nem preconceitos, a histria dos 150 anos decorridos. No se apresente como novo o que j velho e revelho nem se diga ser velho o que historicamente novo. No se insista em proclamar que morreu o que est vivo e que viver para sempre um sistema social j historicamente condenado. A histria indica e a vida mostrar que o futuro no pertence ao capitalismo mas ao socialismo e ao comunismo.

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Notas:(1) O Manifesto do Partido Comunista foi elaborado por Marx e Engels como programa da Liga dos Comunistas por deciso do seu II Congresso, realizado em Londres entre 29 de Novembro e 8 de Dezembro de 1847. Representava o triunfo dos defensores da nova linha proletria no quadro das discusses havidas no interior do movimento. Ainda em Londres e depois em Bruxelas, Marx e Engels trabalharam juntos na redaco do texto. Tendo Engels partido para Paris em finais de Dezembro, a verso definitiva foi elaborada por Marx fundamentalmente durante o ms de Janeiro de 1848 e remetida finalmente para Londres, onde viria a ser publicada, pela primeira vez, em fins de Fevereiro do mesmo ano. H 150 anos, portanto. Associando-se s comemoraes da publicao do Manifesto que este ano decorrem, O Militante transcreve neste nmero um texto do camarada lvaro Cunhal, divulgado no jornal Pblico (1 de Fevereiro de 1998) sobre o contedo e a importncia histrica desta obra de Marx e Engels. (retornar ao texto)