Cumprir o “testamento” do mestre - rffadvogados.com · Orador de mão cheia e de palavra...

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26 TOC 177 Eduardo Couto, vice-presidente do ISEG (3.º da esquerda para a direita), na sessão de encerramento Cumprir o “testamento” do mestre Prémio Professor Doutor Rogério Fernandes Ferreira R ogério Fernandes Ferreira. Três nomes que podiam, perfeitamen- te, ser substituídos por verdade, rigor e justiça. Dizem os que com ele privaram e reiteram os mais jovens que bebem todo o seu legado que a escrita imortalizou. Cerca de uma centena de profissionais presenciaram, no dia 12 de dezembro, a conferência «Prémio Professor Doutor Rogério Fernandes Ferreira», promovi- da pela Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas (OTOC), Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC) e Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). O solene espaço do Salão Nobre da Reitoria da Universidade de Lisboa foi o local escolhido para a sessão de home- nagem. Na abertura do evento, o bas- tonário dos TOC salientou ser este «um momento para ficar mais próximo do mestre e perpetuar os seus ensinamen- tos. É a melhor evocação que podemos fazer a quem já não está entre nós». Domingues de Azevedo acrescentou que a entidade que dirige, ao apoiar este prémio, «está a cumprir a sua missão, na medida em que não concordo que o trabalho da OTOC se esgota na regu- lação profissional, devendo intervir no processo de gestão social, sensibilizan- do os cidadãos para a importância de diversas temáticas». O Bastonário revelou que o facto de 31 trabalhos terem concorrido a este pré- mio é «um incentivo à investigação». Por seu turno, o bastonário da OROC elegeu a «transparência, a ética e a verdade», como valores deixados por Fernandes Ferreira. «O conhecimento e o saber são os principais valores, a par com uma informação apropriada e verdadeira, sendo aqui que entra o pa- pel dos TOC e dos ROC, na preparação e certificação da informação, respetiva- mente». Por isso, acrescentou Azevedo Rodrigues, «este prémio é a prova de que a OTOC e a OROC devem privile- giar uma visão complementar da ativi- dade que desempenham». Orador de mão cheia e de palavra fá- cil, Guilherme d’Oliveira Martins veio até à Cidade Universitária exaltar uma «personalidade fascinante, um homem de esperança, um humanista». O presi- dente do Tribunal de Contas recordou, aqui e ali com uma ponta de emoção e saudade, alguém que «está bem pre- sente nos ensinamentos, no exemplo e na determinação». E como esquecer as únicas e peculiares mensagens de Natal que anualmente o professor enviava aos seus interlocutores? «Guardo muitas 26 TOC 175 NOTÍCIAS NOTÍCIAS

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Eduardo Couto, vice-presidente do ISEG (3.º da esquerda para a direita), na sessão de encerramento

Cumprir o “testamento” do mestrePrémio Professor Doutor Rogério Fernandes Ferreira

Rogério Fernandes Ferreira. Três

nomes que podiam, perfeitamen-

te, ser substituídos por verdade,

rigor e justiça. Dizem os que com ele

privaram e reiteram os mais jovens que

bebem todo o seu legado que a escrita

imortalizou.

Cerca de uma centena de profissionais

presenciaram, no dia 12 de dezembro,

a conferência «Prémio Professor Doutor

Rogério Fernandes Ferreira», promovi-

da pela Ordem dos Técnicos Oficiais de

Contas (OTOC), Ordem dos Revisores

Oficiais de Contas (OROC) e Instituto

Superior de Economia e Gestão (ISEG).

O solene espaço do Salão Nobre da

Reitoria da Universidade de Lisboa foi o

local escolhido para a sessão de home-

nagem. Na abertura do evento, o bas-

tonário dos TOC salientou ser este «um

momento para ficar mais próximo do

mestre e perpetuar os seus ensinamen-

tos. É a melhor evocação que podemos

fazer a quem já não está entre nós».

Domingues de Azevedo acrescentou que

a entidade que dirige, ao apoiar este

prémio, «está a cumprir a sua missão,

na medida em que não concordo que o

trabalho da OTOC se esgota na regu-

lação profissional, devendo intervir no

processo de gestão social, sensibilizan-

do os cidadãos para a importância de

diversas temáticas».

O Bastonário revelou que o facto de 31

trabalhos terem concorrido a este pré-

mio é «um incentivo à investigação».

Por seu turno, o bastonário da OROC

elegeu a «transparência, a ética e a

verdade», como valores deixados por

Fernandes Ferreira. «O conhecimento

e o saber são os principais valores, a

par com uma informação apropriada e

verdadeira, sendo aqui que entra o pa-

pel dos TOC e dos ROC, na preparação

e certificação da informação, respetiva-

mente». Por isso, acrescentou Azevedo

Rodrigues, «este prémio é a prova de

que a OTOC e a OROC devem privile-

giar uma visão complementar da ativi-

dade que desempenham».

Orador de mão cheia e de palavra fá-

cil, Guilherme d’Oliveira Martins veio

até à Cidade Universitária exaltar uma

«personalidade fascinante, um homem

de esperança, um humanista». O presi-

dente do Tribunal de Contas recordou,

aqui e ali com uma ponta de emoção e

saudade, alguém que «está bem pre-

sente nos ensinamentos, no exemplo e

na determinação». E como esquecer as

únicas e peculiares mensagens de Natal

que anualmente o professor enviava aos

seus interlocutores? «Guardo muitas

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Guilherme d'Oliveira Martins Manuel dos Santos Azevedo Rodrigues

delas, pelo afeto, o rigor e a esperança

que transmitiam, destacando sempre

que o essencial são as pessoas», salien-

tou Oliveira Martins.

O também presidente do Centro Nacio-

nal de Cultura recordou que o professor

sempre «pugnou pela simplificação das

leis e das regras, pela estabilização dos

códigos de impostos, de forma a serem

mais facilmente respeitados e com-

preendidos pelos cidadãos».

Guilherme d’Oliveira Martins qualificou

o legado de Fernandes Ferreira como

um «testamento que temos de cumprir»,

assente na dignidade humana como pe-

dra basilar para entender todos os do-

mínios desde a ética, a gestão, o direito,

a contabilidade e a fiscalidade, sempre

tendo por base a ideia de sustentabili-

dade, bem como a noção de boas con-

tas. «Faltar à verdade nas contas é a

raiz de muitos dos nossos problemas.

Não é possível ter uma boa preparação

de contas, sem um TOC, e uma correta

certificação das mesmas, sem um ROC»,

atalhou.

Em jeito de conclusão, recuperou uma

ideia forte – a enésima – de Rogério

Fernandes Ferreira, em plena vertigem

da globalização: «O que tem mais valor

é o que não tem preço».

Invocar a ética

Manuel dos Santos moderou o primeiro

painel do dia sobre a temática «A éti-

ca na contabilidade». O presidente da

Mesa da Assembleia Geral da Ordem

começou por referir que «a ética na con-

tabilidade não é diferente da ética para

a vida». Na introdução que antecedeu

o primeiro orador, Manuel dos Santos

citou Churchill, a frase do presidente

do Tribunal de Contas que «a corrup-

ção começa sempre por um favor», leu

uma passagem das «Encruzilhadas» do

homenageado e ainda lhe sobrou um

par de minutos para ler um trecho das

«intemporais» cartas de Natal do pro-

fessor.

Azevedo Rodrigues voltou a usar da pa-

lavra, desta feita na condição de orador.

O Bastonário da OROC referiu que a

ética é um dos valores mais invocados

na última década, especialmente na se-

quência da crise financeira de 2008 «A

ética necessita de ser invocada com mais

frequência. A falta dela tem tido conse-

quências devastadoras», adicionou o

também docente universitário. Ter aten-

ção às fronteiras da ética, aplicar o sa-

ber e o conhecimento tendo subjacentes

critérios éticos e respeitar a ética pro-

fissional, sob pena de defraudar a con-

fiança de muitos destinatários, foram

mensagens que o Bastonário quis deixar.

Azevedo Rodrigues entende que «o có-

digo de ético deve ser entendido como

um instrumento de marketing das pro-

fissões, que dever ser escrupulosamente

aplicada».

Referindo-se aos casos de infrações dis-

ciplinares verificados na Ordem que lide-

ra, revelou que 18 processos referem-se

a casos de ética e 22 a questões sobre

deontologia e qualidade do trabalho.

Avelino Antão voltou a enfatizar uma

tónica muito expressa na conferência, a

crescente proximidade entre as funções

desempenhadas pelos profissionais da

contabilidade e da auditoria «Os TOC e

os ROC são confrontados com questões

cuja solução faz apelo a situações éticas

por serem eles próprios a definirem os

seus limites de atuação», disse o ex-

-presidente do Conselho Técnico da Or-

dem. Conhecedor profundo, na teoria e

da prática, do exercício da atividade de

contabilista e auditor, Avelino Antão ar-

gumentou que «na era da especialização

a ética é fundamental».

Sobre o homenageado, leu na íntegra a

intervenção de Rogério Fernandes Fer-

reira no colóquio sobre ética financeira

na então Câmara dos Revisores Oficiais

de Contas, corria o ano de 1996. Re-

lembrando Fernandes Ferreira na pele

de docente, Avelino Antão descreveu-o

como um «professor exigente comigo e

que me dificultou as boas notas».

Reformas adiadas,

ruturas inevitáveis

O segundo painel do dia foi dedicado ao

tema «A importância social da gestão».

O conhecido economista João Salgueiro

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associou-se à homenagem a uma pes-

soa com quem privou de perto e que

«aprendeu a admirar pelo seu carater».

O professor do ISEG, António Gomes

da Mota, veio abordar a dimensão so-

cial na gestão empresarial. Destacou a

importância da «dimensão humana»

e do coletivo para que as empresas

alcancem bons desempenho. Admitiu

que, por vezes, «as pessoas são o alvo

fácil das empresas», ao mesmo tempo

que mostrou-se convicto que «nunca

teremos desenvolvimento social sem

desenvolvimento económico».

À margem da família, José Augusto

Felício deverá ter sido dos presentes

o que de mais de próximo privou com

Rogério Fernandes Ferreira. Foram, ao

todo, 35 anos de convívio, com o que

foi seu amigo, mestre e orientador de

doutoramento. Na sua intervenção

destacou o esforço para se dotar o

prémio, ele que foi um dos seus maio-

res impulsionadores, de um «figurino

mais científico», abarcando os países

de língua oficial portuguesa, nações

com quem Fernandes Ferreira manti-

nha relações privilegiadas. No texto

escrito que leu, Felício realçou o ca-

pital intelectual e organizacional das

empresas, bem como a importância

do trabalho em equipa no desempenho

do coletivo. «A cultura de equipa forta-

lece o capital organizacional. E foi por

esse espirito coletivo que o professor

sempre pugnou, defendendo gestores

competentes, necessariamente fieis a

regras e valores».

Com o relógio a dar tréguas, João Sal-

gueiro lançou aos presentes um convi-

te à reflexão. Personalidade respeita-

da, João Salgueiro já foi quase tudo

na vida política e económica nacional.

Sabe do que fala, com conhecimento

de causa. Fez em meia hora uma breve,

mas abrangente viagem sobre os pro-

blemas do país.

Recuou até 1990, pouco depois da

queda do muro de Berlim, ano em que

identifica o início da incubação da crise

portuguesa. «Não tomámos medidas

preventivas e o modelo económico na-

cional acabou por morrer em maio de

2011», disse. O ex-ministro das Finan-

ças lembra que as reformas estruturais

que eram exigidas em 1978 no governo

de Mota Pinto mantêm-se atuais, ou

seja, por fazer: fiscalidade, justiça, bu-

rocracia e organização das empresas

públicas. Contundente, com a inércia

nacional, Salgueiro afirma que «refor-

mas adiadas dão ruturas inevitáveis».

E reparte as culpas por empresários

e sindicatos, por exemplo. «Qual foi a

classe que assumiu um projeto de de-

senvolvimento para o país? Assistimos

a manifestações contra e não a favor

de projetos», afiançou. Crítico das re-

sistências e dos que se limitam a colo-

car obstáculos no caminho, Salgueiro

afirmou que «não se constrói o futuro,

defendendo o passado».

Transparência e opacidade

Debater a transparência na gestão,

temas queridos de Rogério Fernandes

Ferreira e que mereceram da parte

do professor intermináveis horas de

estudo e muitas intervenções, orais

e escritas, foi o propósito do debate

que se seguiu após o almoço. Modera-

do por Paulo Baldaia, diretor da TSF,

teve em António Carlos dos Santos,

ex-secretário de Estado dos Assuntos

Fiscais, António Maia, do Observatório

de Economia e Gestão de Fraude, Jor-

ge Landeiro de Vaz, professor do ISEG

e João Paulo Batalha, diretor executivo

da Transparência e Integridade, Asso-

ciação Cívica, quatro intervenientes

atentos aos múltiplos fatores que in-

terferem com as boas práticas (ou falta

delas) na gestão das entidades, públi-

cas e privadas.

António Carlos dos Santos foi o primeiro

a dizer de sua justiça. Afirmou o mem-

bro do Gabinete de Estudos da OTOC,

numa abordagem global, que «a trans-

parência define-se um pouco pela opa-

cidade, pela não transparência» e que,

numa «sociedade complexa e de riscos»,

existem cada vez mais «problemas de le-

gitimação, de participação e de transpa-

rência.» Modelos desses obstáculos não

faltam. Produtos farmacêuticos, produ-

ção de computadores, guerra do Iraque,

petróleo, gás e carvão, foram alguns dos

exemplos dados pelo orador que referiu

ainda «a muita ocultação» que existe

João Salgueiro Paulo Baldaia António Carlos dos Santos

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«por trás das decisões das agências de

rating.»

Entrando depois num campo que lhe é

bem conhecido, o professor universitário

afirmou que «a transparência também se

põe no plano da fiscalidade. Por exemplo,

o segredo fiscal deve ou não existir? Ou-

tro exemplo é o código de conduta sobre

a fiscalidade das empresas a nível inter-

nacional, que regulava e aproximava as

práticas fiscais das empresas. Aquelas

que não eram consideradas transparen-

tes eram tidas como desleais.»

António Carlos dos Santos socorreu-se

do recente caso LuxLeaks, no Luxembur-

go, para assentar que «aquelas práticas,

feitas com base em rulings secretas, não

são transparentes mas o problema é que

estão de tal forma enraizadas na cabe-

ça das pessoas que as praticam que são

por elas consideradas normais.» Outro

exemplo da falta de transparência a nível

internacional «é a City de Londres, pro-

vavelmente o maior offshore da Europa»,

aferiu ainda o ex-SEAF.

Uma coisa é clara, esclareceu António

Carlos dos Santos: «Não de pode redu-

zir as questões da transparência à cor-

rupção», até porque «a verdade é uma

questão de contraditório.»

Com intervenções sempre curtas, fruto

do modelo escolhido pelo moderador,

Carlos dos Santos passou ao de leve

pela questão da linguagem utilizada no

campo da ética e da transparência, de-

fendendo que «temos uma ética muito

mercantilizada. Dizemos “bem”, “valo-

res” e por aí fora. Se analisarmos bem

a linguagem, chegaremos a conclusões

engraçadas.»

O icebergue da corrupção

António Maia explicou em poucas pa-

lavras os objetivos do Observatório de

Economia e Gestão de Fraude, usando

depois uma imagem que se poderia ma-

terializar num icebergue para explicar

o fenómeno da fraude e corrupção nas

organizações. «Não há estudos que per-

mitam medir o fenómeno da corrupção,

mas há indicadores que nos dão uma

ideia», esclareceu.

A relação inadequada na gestão do pa-

trimónio público, por prevalência de in-

teresses particulares relativamente ao

interesse geral, traduzido em desigual-

dades no relacionamento entre o Estado

e os cidadãos e que produz diferenciação

de oportunidades no acesso à prestação

de serviços públicos ou na contratação

pública; a opacidade burocrática dos

procedimentos internos dos serviços;

a tendência para a não denúncia ou as

práticas de difícil detecção são fatores

que, no entender de Maia, ajudam a ex-

plicar a corrupção.

Para combater o mal, o orador apre-

sentou a transparência como fator

preventivo, recordando que se trata da

«coerência entre as práticas e os valores

que defendemos.» Ou seja, anotou, «a

transparência é tanto mais transparen-

te quanto cada sujeito adira aos valores

que defende.»

A colocação do problema ao nível da

escala axiológica de cada indivíduo leva

a que o orador tenha dúvidas sobre os

efeitos de meras práticas legislativas:

«Estamos a melhorar a transparência

legislando? A ideia do bem comum não

pode ser apenas um discurso», referiu.

Problema de transparência

é de verdade e justiça

Docente do ISEG e colega de Rogério

Fernandes Ferreira nessa mesma escola,

Jorge Landeiro de Vaz começou por dar

nota disso mesmo, recordando que «foi

sempre um exemplo para todos.»

Centrando o seu discurso em questões

de caráter mais filosófico, Landeiro de

Vaz referiu que «o problema da transpa-

rência é de verdade e justiça.»

«Será que a sociedade democrática é

mais transparente do que a não demo-

crática?» interrogou-se depois o ora-

dor, defendendo que, «aparentemente,

é, porque se trata de uma sociedade de

diálogo, crítica e liberdade, o que ajuda à

transparência.»

Para este professor universitário, a

questão da transparência «nunca terá

uma solução definitiva», e sublinhou

que, nesse capítulo, «o conflito entre po-

der e justiça não está resolvido. É sobre

a justiça que construímos a paz.»

Chamando o ensino superior também

a assumir o seu papel, Landeiro de Vaz

Jorge Landeiro Vaz António Maia João Paulo Batalha

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recordou que a transparência é também

«um desafio para as universidades, por-

que têm de levar a pedagogia do rigor

e da verdade mais longe», ao mesmo

tempo que lamentou o papel dos paraí-

sos fiscais, sinónimo de «evasão fiscal

organizada, como alertou o Papa Fran-

cisco.»

Desmedida confiança

na impunidade

João Paulo Batalha era o mais novo dos

intervenientes. «O combate à corrupção

e a promoção da transparência têm de

ser travados em paralelo», começou por

anotar o também jornalista.

Para o diretor executivo da Transpa-

rência e Integridade, Associação Cívica,

«a transparência pode ser um antídoto

para a corrupção, mas não o único», e

reforçou a ideia de que «é uma pré-con-

dição para termos uma sociedade aber-

ta e de debate cívico. É que, por vezes,

temos ainda a sensação que vivemos

numa sociedade do “respeitinho”, onde

perguntar ofende.»

Para este ativista, «Portugal tem sérios

problemas entre os interesses públicos

e privados», apontando como exemplo

«os célebres PIN – Projetos de Potencial

Interesse Nacional – uma vez que mui-

tos nunca saíram do papel. Seria bom

fazer um estudo sobre o seu real impac-

to na economia», desafiou.

Para Batalha, o problema da transpa-

rência carece ainda de vários problemas

graves: «Pensamos que tudo se pode

resolver com legislação ou então que

tudo se resolverá com sol e bons cos-

tumes.» Junte-se ainda, sublinhou o

orador, «a falta de confiança dos cida-

dãos nas instituições, uma tarefa ur-

gente que a democracia tem para re-

solver» e fica-se com um quadro onde

há muito trabalho pela frente: «Temos

que ser vigilantes uns com os outros»,

aconselhou ainda João Paulo Batalha,

que vê no caso BES/GES uma conse-

Familiares do homenageado, organizadores e vencedores do Prémio Rogério Fernandes Ferreira.

Avelino Antão Gomes da Mota Augusto Felício

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NOTÍCIAS

quência da «desmedida confiança na

impunidade.»

«Quem não quer nada, tem tudo»

O programa do dia seguiu, após a pau-

sa para café, com o visionamento de um

vídeo de cerca de cinco minutos, elabo-

rado pela OTOC, com imagens, ideias,

excertos e depoimentos de amigos de

Rogério Fernandes Ferreira, antes ainda

da entrega do prémio (ver caixa).

Na sessão de encerramento, Eduardo

Couto, vice-presidente do ISEG, não es-

condeu a satisfação pessoal (e institucio-

nal). «Rogério Fernandes Ferreira foi um

dos melhores quadros que Portugal teve

nas últimas décadas», disse alto e bom

som este docente que garantiu ainda

que o professor «ficou para a história do

ISEG. É com muito orgulho que dizemos

hoje aos nossos alunos que ele foi nosso

professor», garantiu Eduardo Couto.

Emocionada, Leonor Fernandes Ferreira,

a mais velha dos três filhos do professor,

falou em nome da família para agradecer

a todos, em particular à OTOC, OROC

e ISEG o facto de terem unido esforços

para manter de pé o prémio com o nome

do seu pai e terminou com a passagem

de uma fotografia de uma dos últimas

notas escritas por Rogério Fernandes

Ferreira, quando estava já impossibilita-

do de falar: «”Quem não quer nada, tem

tudo”. A frase é baseada num verso de

Fernando Pessoa e foi o lema de vida do

meu pai», confidenciou a docente univer-

sitária e vogal da Comissão de História

da Contabilidade da Ordem.

Azevedo Rodrigues, bastonário da

OROC, lembrou que «prémios como

este são um contributo importante em

áreas onde temos ainda muitos passos

parar dar», até porque «queremos con-

tas certas, de pessoas de bem, e não de

esquemas.»

Por fim, Domingues de Azevedo, encer-

rou os trabalhos. «O professor, de uma

forma indireta, continua connosco, por-

que o legado que nos deixou ultrapassa

O Prémio Professor Doutor Rogério

Fernandes Ferreira teve, na presen-

te edição, dois vencedores. Sérgio

Pontes e Raul Laureano assinaram

o trabalho «Relato Financeiro Dife-

renciado: tendências da investiga-

ção», enquanto José Miguel Oliveira

viu premiado «A Contabilidade e o

equilíbrio de interesses: o caso da

Companhia Geral da Agricultura das

Vinhas do Alto Douro (1756-1826)».

Por decisão dos três autores, o pré-

mio, no valor de 7 500 euros , será

entregue a instituições de solidarie-

dade social.

Leonor Fernandes Ferreira, um dos

membros do júri, a par de Ana Isa-

bel Morais e Ezequiel Fernandes,

explicou todo o mecanismo que

presidiu à atribuição dos galardões,

adiantando que foram rececionados

31 trabalhos (26 de Portugal, qua-

tro do Brasil e um de Angola) tendo

salientado a especial dificuldade em

Prémio atribuído a dois trabalhos

chegar até aos trabalhos vencedo-

res, dada a elevada qualidade pa-

tenteada pela esmagadora maioria

dos textos.

Por ausência de José Miguel Olivei-

ra, que se encontra a residir fora do

país, Sérgio Pontes, que foi aluno de

Rogério Fernandes Ferreira no mes-

trado em Contabilidade, Auditoria

e Fiscalidade, lembrou os ensina-

mentos do professor e o desacordo

que mostrava em relação a algumas

das suas posições. Só que, «15 anos

depois, a evolução veio dar razão a

Rogério Fernandes Ferreira sobre as

suas críticas às normas internacio-

nais de contabilidade e à linguagem

usada», confessou o premiado.

O Prémio Rogério Fernandes Fer-

reira destina-se a galardoar, de dois

em dois anos, trabalhos técnico-

-científicos em língua portuguesa, no

âmbito da Contabilidade, Gestão e

Fiscalidade.

em muito o seu tempo de vida. Sinto-me

honrado por hoje termos tido aqui uma

conferência para falar do professor. Ele

marcou gerações. Quem não se recorda

das suas obras? Quem não se recorda da

forma simples mas eloquente como colo-

cava as questões e abordava os proble-

mas? Desengane-se quem pensa que isso

é fácil de conseguir. Não é. O professor

fazia-o por uma razão: essa forma de ser

e de estar vinha-lhe da alma.» z

Fotos e vídeo disponíveis

no Flickr e no Canal OTOC