Cultura da imagem: Pesquisas, Poéticas e...

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Cultura da imagem: Pesquisas, Poéticas e Mediações Autores: Alice Fátima Martins Dilma Marques Silveira Klem Elizabete Figueiredo Palma Eny Arruda Barbosa Fátima Raquel Ferreira Costa Hélio Renato Silva Brantes Heloisa de Lourdes Veloso Dumont Juçara de Souza Nassau Míriam da costa Manso Moreira de Mendonça Nilza Eliane Afonso de Souza Quintiliano Roberta Letícia Pereira Marques Suely Lopes de Queiroz Ferreira

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Cultura da imagem:

Pesquisas, Poéticas eMediações

Autores:Alice Fátima Martins

Dilma Marques Silveira Klem

Elizabete Figueiredo Palma

Eny Arruda Barbosa

Fátima Raquel Ferreira Costa

Hélio Renato Silva Brantes

Heloisa de Lourdes Veloso Dumont

Juçara de Souza Nassau

Míriam da costa Manso Moreira de Mendonça

Nilza Eliane Afonso de Souza Quintiliano

Roberta Letícia Pereira Marques

Suely Lopes de Queiroz Ferreira

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Cultura da Imagem: Pesquisas, Poéticas e MediaçõesOrganizaçãoDilma Marques Silveira Klem

AutoresAlice Fátima MartinsDilma Marques Silveira KlemElizabete Figueiredo PalmaEny Arruda BarbosaFátima Raquel Ferreira CostaHélio Renato Silva BrantesHeloisa de Lourdes Veloso DumontJuçara de Souza NassauMíriam da costa Manso Moreira de MendonçaNilza Eliane Afonso de Souza QuintilianoRoberta Letícia Pereira MarquesSuely Lopes de Queiroz Ferreira

Polo Arte na Escola da Universidade Estadual deMontes Claros - Unimontes, MG

2013

III Encontro de Professores Arte na Escola

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Shirlene Vila Arruda - Bibliotecária)

_______________________________________________________________III Encontro de Professores Arte na Escola

Cultura da imagem: pesquisas, poéticas e mediações [recurso eletrônico] / Organização Dilma Marques Silveira Klem. – Montes Claros: Polo Arte na Escola da Universidade Estadual de Montes Claros, 2013. 104 p.

ISBN: 978-85-7762-072-2 (e-book)

1. Artes 2. Arte - Estudo e Ensino 3. Cultura visual I. Klem, Dilma Marques Silveira II. Título

CDD-700

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SUMÁRIO

Apresentação ............................................................................................................................................5

Imagens Digitais - Mediação na Cultura Contemporânea ...................................................................9 Dilma Marques Silveira Klem ..........................................................................................................9 Alice Fátima Martins ......................................................................................................................9

Estágio Supervisionado: Expectativas Performáticas para a Formação Docente ..........................21 Elizabete Figueiredo Palma ..........................................................................................................21

Experiências de Alguns Artistas com o Barro ....................................................................................29 Eny Arruda Barbosa ......................................................................................................................29 Míriam da costa Manso Moreira de Mendonça .............................................................................29

Os “Gibis” de Raymundo Colares: uma Antropologia do Olhar ......................................................39 Fátima Raquel Ferreira Costa .......................................................................................................39

Performance e Seus Caminhos das Artes Visuais à Ciberarte .........................................................51 Hélio Renato Silva Brantes ...........................................................................................................51

A Aurática Fotografia de Che Guevara ................................................................................................59 Heloisa de Lourdes Veloso Dumont ..............................................................................................59

Tramas Fotográficas sob o Reflexo da Imagem .................................................................................67 Juçara de Souza Nassau ..............................................................................................................67

Montes Claros: uma Identidade Vista sob o Olhar da Poética ..........................................................77 Nilza Eliane Afonso de Souza Quintiliano .....................................................................................77

O Labor Reflexivo - Apontamentos sobre a Pesquisa em Poéticas Visuais ....................................89 Roberta Letícia Pereira Marques ..................................................................................................89

A Pesquisa Qualitativa Revelando Significações Culturais ..............................................................99 Suely Lopes de Queiroz Ferreira ..................................................................................................99

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APRESEnTAçãO

Cultura da imagem: Pesquisas, poéticas e mediações, apresenta-se como uma coletânea de trabalhos científicos, realizados por professores do curso de Licencia-tura Artes Visuais da Unimontes, mestrandos em Arte e Cultura Visual – UFG/FAV.

O objetivo desta compilação é contribuir com a divulgação, promovendo a expansão da pesquisa no âmbito artístico. Em um contexto da cultura da imagem, os trabalhos configuram em análises, poéticas e mediações.

As imagens são artefatos presentes em nosso cotidiano e medeiam o co-nhecimento e a experiência estética. A produção cultural está conectada a fenômenos imagéticos, que materializam ideias, narrativas, identidades e subjetividades.

Em uma complexidade naturalizada na cultura visual, em que a imagem é o núcleo das problematizações, as abordagens articulam as relações de poder e saber, independente do espaço e do tempo, reconhecendo-as como produtoras e mediadoras de cultura.

Cada autor contribui de forma singular em uma projeção de visualidades convergindo à cultura visual.

Dilma Klem

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ARTIGOS

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IMAGEnS DIGITAIS – MEDIAçãO nA CULTURA COnTEMPORÂnEA

Dilma Marques Silveira Klem 1

Alice Fátima Martins 2

ResumoNeste artigo, são discutidas as imagens digitais no contexto da cultura contemporânea. As reflexões e proposições são fundamentadas em autores que abordam o assunto, subsidiando conceitos e caminhos para uma nova postura no âmbito educacional e artístico. Sustentando que as visualidades promovidas pela máquina, analógica ou digital, fixa ou em movimento possuem potencialidades para formar pensa-mentos críticos, promovendo experiências estéticas e criativas, estabelecendo conexão com os contextos telemáticos em que estamos imersos.

Palavras-chave: imagens digitais, cultura contemporânea, narrativas visuais

AbstractIn this article, it’s discussed the digital images in the contemporary culture context. The reflections and propositions showed here are based in authors that talk about this subject, assisting concepts and ways to a new position in the educational and artistic ambit. Sustaining that the visualities promoted by the machine, analogical or digital, fixed or moving have potentialities to form critical thoughts, starting with the practice that promote esthetic experiences and creative, establishing connection with the actual virtual surrounding that we live.

Key-words: imaging digital, contemporary culture, visual narratives

InTRODUçãO

O mundo contemporâneo presencia uma geração tecnológica que tem como pano de fundo imagens digitais que articula, valores, intenções amalgamados na cotidianidade das pessoas. Dias (2011, p. 50) postula: “É o mundo das imagens, que expressam e definem a nossa forma de pensar e viver.” Nesta ótica, a sociedade forja comportamentos através das circunstâncias e experiências decorrentes da comunicação imagética contemporânea, em processos que reconfiguram os imaginários, novas for-mas de pensar. Tourinho e Martins (2011) citam Dias (2008) para descrever esta relação com as múltiplas formas visuais nos dias atuais.

Vivemos imersos em um mundo tecnológico visual extremamente sofisticado e difícil onde as imagens que usamos no cotidiano para nossa comunicação, instrução e conhecimento transformaram-se numa mercadoria valiosa e indis-pensável. (DIAS apud TOURINHO e MARTINS, 2011, p. 52)

1 Licenciatura em Educação Artística, habilitação em Artes Plásticas pela Universidade Estadual de Montes Claros (1995). Especia-lista em História das Artes e Pedagogia em Espaços Não-Escolares. Mestrado em andamento em Arte e Cultura Visual pela Universidade Federal de Goiás, UFG (2012). CV: http://lattes.cnpq.br/73326816953784592 Pós-Doutora em Estudos Culturais (PACC/UFRJ), Doutora em Sociologia (UnB). Professora na Faculdade de Artes Visuais (FAV/ UFG), no curso de Licenciatura em Artes Visuais, e no PPG em Arte e Cultura Visual, do qual é Coordenadora. Autora dos livros Cata-dores de Sucata da Indústria Cultural, pela Editora da UFG (2013) e Saudades do Futuro: a ficção científica no cinema e o imaginário social sobre o devir, pela Editora da UnB (2013). CV: http://lattes.cnpq.br/2768377569632609 C

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Há uma proliferação imagética sem precedente atribuída aos avanços tec-nológicos cada vez mais sofisticados. Visualidades que requerem uma educação no olhar, um olhar crítico capaz de decifrar códigos e desvelar novos sentidos. Freedman e Stuhr (2009) assinalam que as tecnologias apresentam imagens e objetos. A facilidade e velocidade com que são produzidos, reproduzidos, o poder e difusão dessas imagens reclamam espaço de reflexão na educação. Perceber e interpretar as imagens requer sa-beres e experiências que propiciam o domínio das representações visuais. Neste sentido as percepções são diferenciadas num mesmo objeto visual.

Rahde (2000) postula que o observador atua e relaciona com diferentes e variados graus da realidade. Desta forma a imagem é observada e interpretada distinta-mente. Com esse pensamento, percebe-se que é extremamente importante a experiên-cia prévia para estabelecer o processo de interpretação das iconografias imagéticas. O saber olhar implica no deciframento de códigos que estão implícitos o cotidiano e valores de uma sociedade. Mitchell (2003) postula que devemos nos interessar pelas represen-tações visuais e entender que estas imagens influenciam nas relações sociais.

A imagem desde sempre é expressão da humanidade. A linguagem escrita surgiu bem mais tarde e ainda assim a linguagem visual continuou sendo uma manifes-tação de desejos, ideias, crenças e todo um jeito de viver de um povo. Com a invenção da fotografia, imagem reprodutível, uma nova era é revelada, sendo um divisor de águas no mundo cultural e artístico.

No âmbito educacional, paradigmas são rompidos, novas visões são ema-nadas, a imagem digital modifica valores estéticos, surgindo parâmetros modernos na prática pedagógica no ensino de artes. A imagem insurge com mais força e atenção por parte de arte-educadores, artistas e especialistas que tratam de produtos e suas rela-ções na sociedade. Pesquisadores estudam e disseminam conceitos sobre o mundo imagético.

EnTRECRUzAMEnTOS DA TERMInOLOGIA IMAGEM

A presença da imagem na sociedade é um fenômeno imperativo para o desvelamento de uma cultura, carregada de valores, costumes, crenças e poderes. A imagem ocupa estudos que buscam elucidar a importância da sua subjetividade e dos elementos inseridos, suas implicações, aspectos imprescindível na produção e interpre-tação imagética.

Flusser (2002) conceitua a imagem como superfícies que, independente do espaço e do tempo tem a intenção de representar algo. “Imagens são códigos que traduzem eventos em situações, processos em cenas. Não que as imagens eternalizem eventos; elas substituem eventos por cenas.” (2002, p.8) Nesta perspectiva, a imagem

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estabelece relação imediata do homem com o mundo. E seguindo a ideia de Flusser (2002), há uma inversão das funções, o homem passa a viver em função da imagem e não imagens em função das necessidades do homem.

A função da imagem segundo Meira (2003) é de agregar significados, com-portamentos da cotidianidade. A autora afirma:

A imagem tem papel virtual agregador de significados, formas, comportamen-tos reais do cotidiano vital. Imagens mostram a exterioridade dos fenômenos intersubjetivos que se concretizem em gestos, formas, agenciamentos culturais, através dos quais a sociedade exerce sua criatividade. (MEIRA, 2003, p. 52)

Ainda segundo esta autora, a imagem oferece possibilidades de conexão do imaginário ao real, do distante com o próximo. A experiência com imagens promove a percepção de identidades e as relações sociais, fenômenos que exteriorizam a inter-subjetividade e que materializam a criação humana. Se tratando do ato de criar Ostrower (2009) define:

Criar é, basicamente, formar. É poder dar uma forma a algo novo. Em qualquer que seja o campo de atividade, trata-se, nesse “novo”, de novas coerências que se estabelecem para a mente humana, fenômenos relacionados de modo novo e compreendidos em termos novos. O ato criador abrange, portanto, a capaci-dade de compreender; e esta, por sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar, significar. (OSTROWER, 2009, p. 9)

Desta capacidade de configuração e atribuição de significados surge a imagem, uma relação da interioridade com elementos exteriores, de virtualidades e re-alidades projetadas imageticamente com acúmulos de valores e padrões interligados a um determinado espaço e tempo, são artifícios sociais e históricos do mundo, abordado por Nascimento (2011) como uma modalidade de pensamentos que são materializados como prática social. Uma ideia que pressupõe que toda produção e recepção de ima-gens são processadas seguindo regra numa relação de poder.

As imagens são produzidas, veiculadas e interpretadas a partir da existência de certas regras específicas quanto ao tempo e lugar e que definem, em uma época dada, as condições que o sujeito tem que obedecer quando participa do processo de produção e disseminação e interpretação. As imagens circulam no campo social e se relacionam de acordo com as conveniências e contigências, podendo servir tanto às estratégias de dominação quanto de resistência ou re-cusa. (NASCIMENTO, 2011, p.216)

Nesta perspectiva, Joly (2004) afirma que a imagem está presente na experiência humana, assumindo a função singular de representação cultural. São consonâncias de pensamentos que insere a imagem em um contexto social peculiar de cada cultura. Formas, cores, temas, elementos diversos, são determinantes para o desvelamento particular das imagens e estabelecem influências nas relações sociais. C

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Francastel (1987) postula que as imagens associam uma maneira de ver segundo nossa modo de interpretar. Interpretamos as imagens adaptando a nossa realidade, nossa prá-tica cultural, sendo assim cada indivíduo possui diferentes níveis de vivência.

Archer (2008) postula em sua abordagem sobre a arte contemporânea que a imagem sofre influências segundo valores de uma época, mas mesmo rompendo com paradigmas, permanece o conceito de identidade. Exemplificou este pensamento com a Assemblage3, tendência da arte contemporânea, ressaltando que por mais que possam agregar certas imagens para uma produção artística, tais imagens não perdem totalmen-te sua identificação do cotidiano de onde foram extraídas.

A forma como vê alguma imagem acontece mediante o repertório visual que já se possui, segundo Martins (2011). “Rastreamos algum tipo de relação que seja familiar ou corresponda a categorias visuais conhecidas.” (2011, p.60).

Na contemporaneidade as imagens digitais assumiram uma relevância es-pecial, é o resultado de meios multimidiáticos, construídas através da manipulação tec-nológica com uma produção e circulação cada vez mais crescentes.

IMAGEM DIGITAL

As imagens digitais estão presentes na cotidianidade das pessoas. Estão inseridas de forma multifacetada em todos os meios de comunicação. As imagens di-gitais em seu contexto carregam poder publicitário, político e social. Nos dias atuais as imagens merecem especial atenção por exercer influência até mesmo no comportamen-to humano.

Martins (2007) postula que as imagens analógicas e digitais, fixas e em movimento, têm dominado a cotidianidade, ao ponto do cidadão contemporâneo não percebê-las em suas dimensões e representações. Tourinho e Martins (2011), ante a esta saturação de imagens, asseveram a necessidade de tempo e aprimoramento para compreensão destes aparatos.

Estamos em um mundo saturado por monitores painéis e telas de diferentes tamanhos, em que imagens e objetos atraem e repelem olhares, cobram e des-viam atenção. Nosso trabalho também está sendo mediado por esses aparatos imagéticos que exigem, cada vez mais, tempo e habilidade aguçada para inter-pretação e negociação. (TOURINHO e MARTINS, 2011, p.52)

3 Assemblage: O termo assemblage é incorporado às artes em 1953, cunhado pelo pintor e gravador Jean Dubuffet (1901- 1985) para fazer referência a trabalhos que, segundo ele, “vão além das colagens”. O princípio que orienta a feitura de assemblages é a “estética da acumulação”. Todo e qualquer tipo de material pode ser incorporado à obra de arte. O trabalho artítico visa romper defi-nitivamente as fronteiras entre arte e vida cotidiana;Fonte:http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=325 . Disponível em: 28/10/2012C

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Segundo Flusser (2002) as imagens técnicas4 são aquelas produzidas por aparelhos, diferentes das imagens tradicionais. “as imagens tradicionais precedem os textos, por milhares de anos, e as imagens técnicas sucedem aos textos altamente evoluídos” (2002, p. 13). Na visão de Flusser (2002), a imagem técnica é mediadora do homem e o mundo.

A fotografia, segundo Aumont (1993, p.164), tem sua origem quando o “tra-ço é fixado mais ou menos em definitivo, finalizado para certo uso social.” Em seguida inaugura-se o cinema e mais tarde a televisão e o vídeo. Aumont (1993) menciona ca-racterísticas como: imagem fixa e imagem móvel. A imagem móvel pode tomar múltiplas formas, imagens mutáveis, a cinematográfica, a videográfica e outras formas têm mani-festado na cultura contemporânea, presentes em performances artísticas.

Martins (2007) postula aspecto relevante na concepção das imagens analógicas:

É traço marcante dessas imagens o fato de que elas relacionam-se com ele-mentos que se encontram fora delas. Ou seja, representam algo, referem-se ao “mundo lá fora”, ainda que o processo de tratamento das imagens provoque distorções, resultando em abstrações. Ainda e assim, o gesto primeiro gerador da imagem refer-se a “algo lá fora”: condição própria da natureza das imagens analógicas. (MARTINS, 2007, P. 629)

Ao contrário, conforme Martins (2007), as imagens digitais podem ser cria-das a partir da linguagem própria através de códigos, são possibilidades de criação que não seja reproduções do mundo lá fora.

E, desde as imagens analógicas, o advento das imagens digitais vem mudan-do radicalmente as relações de produção imagética, colocando em questão os próprios conceitos de imagem, representação, realidade, interação, interface, dentre outros. (MARTINS, 2007, p. 118)

Fica evidente que a imagem digital é traço marcante da cultura contempo-rânea, apresentando cada vez mais facilidades e condições de produção através dos meios eletrônicos. Tourinho e Martins (2011) ressaltam que a tecnologia digital amplia de forma expressiva a produção de imagens e a transportação destas imagens “por meio de câmeras de celulares, câmeras fotográficas, computadores, criando links e tornando--as públicas na internet (apud MARTINS, 2009, p. 34), são evoluções que propiciaram transformações na atualidade.

Conexões: Imagem Digital & Cultura Visual

A cultura contemporânea configura-se na era da tecnologia digital, quan-do a comunicação advém velozmente, por meio de artifícios eletrônicos, tecnológicos, 4 A imagem técnica citada no texto é uma terminologia usada pelo Vilém Flusser, que faz referência a imagem digital. C

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podendo ser de forma assíncrona ou síncrona5, a difusão e circulação das imagens é amplamente potencializado pelas sofisticadas invenções das tecnologias de informação e comunicação – TIC.

Nesta direção, a cultura visual compõe o cenário contemporâneo, congre-gando pensamentos e conceitos sobre aspectos da visualidade, entrecruzando em cam-pos diversos, pautados na crítica, reflexão e significados imagéticos.

Martins (2007) ressalta que a cultura visual inquire a imagem como ca-minho ao conhecimento, que proporciona conhecer realidades do outro e ampliam as visões de mundo, deixa de ser subordinadas ao texto como ilustrativas, mas possui liberdade para alcançar a mente.

Este potencial das imagens, a influência que elas exercem na sociedade, a facilidade de produção e de veiculação, exige uma pedagogia do olhar, uma educação da cultura visual.

Tourinho e Martins (2011) assinalam conceitos e contextualizam a educa-ção da cultura visual, apontam como campo de estudo transdisciplinar, que pesquisam a produção artística do passado, mas postula que seu enfoque são os fenômenos visuais atuais, em suas funções e práticas que dependem do ponto de vista de quem observa.

Seus objetos de estudo e produção incluem não apenas materiais visuais tangí-veis, palpáveis, mas também modos de ver, sentir e imaginar através dos quais os objetos visuais são usados e entendidos. Consequentemente, as metodolo-gias da cultura visual são híbridas, diversificadas, podendo utilizar elementos práticos e empíricos bem como abordagens teóricas e criativas. Como campo dinâmico, em constante transformação, a cultura visual busca a saturação do nosso cotidiano com informação e entretenimento visualmente mediados. (TOU-RINHO e RAIMUNDO, 2011, P.53)

Em consonância com esta concepção Dias (2011) ressalta que a educação da cultura visual é um conceito recente que coloca em evidência as manifestações de vi-sualidades do cotidiano provocando práticas de “produção, apreciação e crítica de artes e que desenvolvem cognição, imaginação, consciência social e sentimento de justiça. (DIAS, 2011, p. 54)

Nesse contexto, a cultura visual assume uma postura que de forma trans-disciplinar estuda e investiga as imagens numa perspectiva social, com proposições que estimula a produção ativa da cultura. Um processo de agenciamento de maturação críti-ca e de atitude perante as visualidades.

Considerando que a cultura visual propõe o deslocamento conceitual e vi-sual, configurando em práticas que potencializa a imagem como mediadora para experi-

5 Interação assíncrona os interlocutores se comunicam sem estabelecerem ligação direta. A interação não é intermediada por recur-sos que permitem aos interlocutores acompanharem oque o(s) outro(s) deseja(m) comunicar no momento exato em que a comunicação é emitida. Assim, os usuários podem ou não esta-rem ligados em rede simultaneamente. A interação síncrona ocorre em tempo real, ou seja, os interlocutores encontram-se ligados simultaneamente em rede e utilizam recursos que permitem aos envolvidos acompanharem o que o(s) outro(s) deseja(m) comunicar. Disponível em: http://penta3.ufrgs.br/PEAD/Semana01/texto_interacao.pdf Acesso em: 15/01/2013C

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ências estéticas e de criação, surge proposições em que novas realidades são construí-das, e especificamente a partir de imagens digitais.

Proposições para a experiência estética e artística mediadas pelas imagens Digitais

A cultura visual é potencialmente um campo que promove práticas que enleva a imagem como mediadora. Hernandez (2006) delineia que à cultura visual é configurada como mediadora da experiência estética. A reflexão e produção visual pro-porcionam a compreensão e interpretação das imagens levando a aquisição de uma visão mais crítica da realidade.

O panorama contemporâneo possui condições de disseminar informações e conhecimentos através de aparatos tecnológicos, mídias que acontece virtualmen-te em tempo e espaços diversos. Utilizar estes veículos de comunicação e informação para produzir conhecimento, promover experiências estéticas e estabelecer processos de criação, é assumir uma nova metodologia e práticas no campo artístico.

O âmbito dessas arenas sociais está em contínuo processo de expansão. Con-vivemos com mídias conhecidas (fotografia, televisão e filme); mídias tradicio-nais (pintura, escultura e design) e, ainda, novas mídias artísticas e multimídias, como a web e o processamento digital. Juntas essas mídias veiculam imagens de informação, de arte, ciência, ficção, publicidade e cultura popular, enfatizando o papel e importância das visualidades e das mídias visuais no nosso cotidiano e na disseminação de ideias nas esferas pública e privada. (TOURINHO e MAR-TINS, 2011, p.52-53)

As imagens digitais, são produções que influenciam os modos de pensar e de criar. Martins (2007) faz referência ao pensamento de Flusser para salientar que a imagem consiste em vários pontos de vistas da realidade.

Ou seja: todo conjunto de imagens articula um discurso, apresenta e problema-tiza questões, constituindo redes de argumentações em favor de determinados posicionamentos ideológicos, políticos, estéticos, sociais. Sobretudo, porque as imagens disponibilizadas para o espectador traduzem, antes de tudo, o ponto de vista desde o qual o fotógrafo ou o cineasta vê, capta o que pretenda mostrar. É como se esses profissionais emprestassem seu ângulo de visão para o público que observa suas imagens. Além do posicionamento particular daquele olho so-bre as cenas, está a própria concepção de mundo do sujeito que olha e registra cenas, re(a)presentando-as. Em última instância, as imagens que o público vê nas fotos e nas telas de cinema não representa a realidade, mas o ponto de vista do fotógrafo e do cineasta a respeito daquela realidade, que o público, em geral, assume como se fosse seu. (MARTINS, 2007, P. 116)

No campo do ensino de artes, novos conceitos e novas ações são propos-tas. Com o crescente repertório de imagens através do processamento digital, conside-rando o poder que elas possuem, é necessário práticas que abordam estas imagens de

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maneira crítica, capaz de estabelecer contextos e conceitos em um processo criativo e dinâmico. As imagens digitais fixas ou em movimento, possuem um valor imensurável por possibilitar experiências estéticas e processos de criação. Nesse ponto, a partir de Costa e Martins e suas referências á imagem cinematográfica, estendemos como possi-bilidades apresentadas também as demais imagens digitais (2009):

[...] amplia as possibilidades de discussões no âmbito dos processos de criação e da experiência estética propriamente dita, bem como somar-se aos processos de aprendizagem, estimulando os mecanismos cognitivos de reflexão e análise, ajudando na formação para o exercício consciente e crítico da cidadania [...] (COSTA; MARTINS, 2009, p.198)

A imagem técnica, conforme conceitua Flusser (2002), tornou-se ampla-mente disseminada. Tourinho e Martins (2011) ressaltam que a imagem em movimento possibilitou novas maneiras de apreensão coletiva e a imagem eletrônica alargou esta recepção e potencializou as visualidades oferecendo condições para produção. Estes autores citam Achutti (2004) para externar estas transformações:

Qualquer pessoa deixa de ser um mero consumidor de imagens para se tornar um realizador/criador de imagens [e artefatos visuais/tecnológicos] e se consa-grar a reproduzir a vida cotidiana em vídeo ou em fotografia, por um preço módi-co, sem ter conhecimentos técnicos muito avançados. (ACHUTTI apud TOURI-NHO e MARTINS, 2011, p.56)

Com esta facilidade, tornam-se necessários projetos educacionais que in-cluam processo de análise e interpretação destas imagens produzidas por aparelhos digitais e tecnológicos. A expansão das tecnologias visuais tem se configurado em po-tencialidades para o educador, o artista e as instituições educacionais e culturais. Nas esferas das artes visuais estes canais de comunicação visual têm sido explorados como mediadores para experiências estéticas e artísticas.

Martins (2007) assinala que os artistas contemporâneos têm desbravado as possibilidades dos aparatos tecnológicos, numa proposta de realizar experiências estéticas, interagindo com a máquina e produzindo imagens em diferentes níveis de realidade.

Ao lado das experimentações nos processos de criação, as novas tecnologias têm aberto novos campos de ação para as instituições culturais que abrigam trabalhos artísticos os mais diversos, produzidos na atualidade ou em outras épocas. Dentre outras, as mudanças propiciadas pelo uso das novas tecnologias podem ser sentidas nos campos de atuação de centros culturais, galerias e mu-seus, que têm a oportunidade de experimentar novas linhas de trabalho além de ampliar a acessibilidade e visibilidade de seus acervos. (MARTINS, 2007, p.630)

Muitas instituições artísticas, galerias e museus têm utilizado as tecnolo-gias visuais para construir acervos digitais, agregando ferramentas peculiares para de-senvolver um processo estético e de criação com os expectadores, usando não só pro-

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duções de arte e tecnologia, mas também digitalizando obras artísticas que compõem um estoque possibilitando acessos a pesquisas e estudos, construindo um verdadeiro mundo de tecnoimagens quer fixas, quer em movimento oportunizando um exercício para interpretação, contextualização e produção.

Tais pensamentos levam a concepção que para responder às demandas requeridas na cultura contemporânea devem ser ampliados os campos artísticos, carac-terizados por repertórios imagéticos inseridos no mundo eletrônico e digital.

narrativas visuais: uma proposta pedagógica para o processo de criação e reflexão

O ensino da Cultura Visual contextualiza as visualidades na vida cotidiana, bus-cando compreender a condição cultural e social. A avalanche de imagens e suas diversidades de circulação, os dispositivos da multimídia ampliam grandemente a visão da sociedade.

Enquanto empreendimento híbrido recém-formado pela convergência de uma variedade de teorias e metodologias, a cultura visual analisa as relações existen-tes entre sociedades, indivíduos e imagens. A cultura visual é a caracterização e a avaliação da produção de sentidos através do visual, como vemos, o que vemos, o que não vemos, o que não nos é permitido ver etc. – que vai além das fronteiras disciplinares tradicionais. (TAVIN, 2009, p. 225)

Dialogando com o autor, a educação da cultura visual preocupa-se em en-tender o processo de construções de identidades sociais em um mundo mediado pelas imagens. São experiências estéticas promovidas pelas tecnologias visuais onde há inte-rações, interpretações e construção crítica da cultura e cotidianidade.

Ao apontarmos o ambiente virtual como campo potencial para o desenvolvimento de projetos de educação, no âmbito das visualidades contemporâneas, entram em cena as fotografias e vídeos, popularizados pelas tecnologias digitais, multi-plicados, principalmente, nas mãos de jovens que, com seus aparelhos celulares e câmeras digitais, fotografam e gravam tudo à volta (...) portais de imagem fixas e em movimento, na rede mundial de computadores. Configura-se um painel de dimensões planetárias, onde pulsam micro-narrativas formuladas a partir da vida quotidiana... (MARTINS, 2009, p.112-113)

Este cenário da cultura contemporânea, é inserido no ensino das artes visuais, por meio de imagens com potencial para produzir conhecimento e experiência estética. As narrativas visuais propiciam discussões sobre significados sociais das imagens, desenvolvem a criticidade e a criatividade do educando.

As narrativas visuais são ferramentas potenciais que levam a aprendiza-gens, experiências, reflexão. São mostradas em histórias e temas pontos de vistas dife-rentes, suscitando questionamentos utilizando imagens que desvelam o cotidiano. Sobre as narrativas visuais Martins (2009) afirma:

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A partir delas, é possível ampliar a discussão mais efetiva sobre questões pró-prias à arte contemporânea, e, desse modo, propiciar aos estudantes e profes-sores o exercício mais crítico e criativo do uso dessas tecnologias da imagem, desses suportes midiáticos, das redes de comunicação e relacionamentos, na direção de se aproximarem de projetos e questões de arte hoje. (MARTINS, 2009, p 113)

As narrativas visuais são projetos das tecnologias que utilizam as imagens digitais, desenvolvendo narrações e reflexões, estabelecendo um trânsito entre as imagens dialogando em diversas temporalidades, apresentando indagações, levantando questões, construindo e desconstruindo realidades através de visualidades. Construir narrativas visu-ais, é apropriar-se das imagens, dando a elas a primazia, podendo ser ou não articulas ao texto. As imagens devem assumir significação própria e não como ilustração.

O foco destas narrativas é assegurar meios de expressão àqueles que têm menos poder na sociedade, desvelando o cotidiano, imagens que chocam, impactam, que provocam reações das mais diversas possíveis, sentimentos de indignação, de jus-tiça, de alegria, de choro e tantas outras sensações são emanadas através de um relato imagético. As imagens carregam significados, reflexo da sociedade que as produz, de um estado social, de situações provindas do próprio ser humano, fenômenos que incitam á reflexão, transformação e construção de conceitos e atitudes. Estas pequenas narrati-vas são mediadas pelas tecnologias visuais, uma prática que exercita a percepção esté-tica, os múltiplos olhares, o processo criativo e a compreensão crítica de circunstâncias inclusa na cultura contemporânea.

Tecendo uma reflexão final, embora provisória

As imagens na cultura contemporânea são produtos simbólicos, que tornam parte na tessitura da sociedade. São tecnologias visuais que formatam olhares, constro-em visões, avançam e não retrocedem. As visualidades são criadas como representa-ções, não são vazias, mas transbordantes de sentidos, são imagens digitais, produzidas por aparatos tecnológicos. Porém insurgem de realidades, pensamentos imagísticos que são exteriorizados, puramente humanos.

Diariamente são produzidas formas visuais, algumas em graus eleva-dos, impregnam códigos, que induzem valores, condições de cidadania, comunicando austeridade e hegemonia. Os projetos educacionais devem atentar-se a esses fluxos imagéticos,em sua práxis pedagógica, promovendo novos olhares, novas percepções capazes de ampliar o âmbito de relações com o mundo imagético, gerando compreen-sões sobre o que está além das imagens.

Através de ações propositoras, com ênfase nas visualidades mediadas pe-las tecnologias visuais, na interconexão com a cultura contemporânea, tornam-se possí-

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veis, práticas que construam pensamento crítico, capacidade de perscrutar, autonomia e emancipação. Não ficar à margem das inovações tecnológicas, mas percorrer vias que estabeleçam o conhecimento necessário para uma referência na pós-modernidade, uma cultura inteiramente mediada pelas imagens digitais.

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ESTÁGIO SUPERVISIOnADO: ExPECTATIVAS PERFORMÁTICAS PARA A FORMAçãO DOCEnTE

Elizabete Figueiredo Palma 1

Resumo: Este texto tem a finalidade de refletir sobre as expectativas e necessidades dos discentes do curso de Licenciatura em Artes Visuais, presencial e a distância da UNIMONTES. No decorrer das aulas da disci-plina estágio supervisionado, foi apontado através dos relatos dos discentes, a polêmica relação entre a operacionalização e a prática desta na escola campo de estágio onde a práxis acontece.

Palavras - chave: Estagio supervisionado – formação docente - expectativas

AbstractThis text aims to reflect on the expectations and needs of the students of the Bachelor’s Degree in Visual Arts, and distance of UNIMONTES. During the classes the discipline supervised, was appointed by the reports of the students, the controversial relationship between the operation and practice of school training field where the practice happens.

Keywords - Keywords: Supervised Internship - teacher training – expectations

Todo conhecimento começa com o sonho. O conhecimento nada mais é que a aventura pelo mar desconhecido, em busca da terra sonhada. Mas sonhar é coisa que não se ensina. Brota das profundezas do corpo, como a água brota das profundezas da terra. (Rubem Alves)

InTRODUçãO

O propósito deste trabalho é refletir sobre fragmentos da minha trajetória, enquanto docente no curso presencial de Artes Visuais e ao mesmo tempo, desem-penhando a função de tutora no mesmo curso, porém a distância, no período entre o segundo semestre de 2009 ao primeiro semestre de 2011 na Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES.

Desde o inicio da minha carreira como docente nesta Universidade, trabalho com as disciplinas de Prática de Formação, Estágio Supervisionado, Processos Pedagó-gicos, Arte Educação dentre outras, sempre voltados para a formação de professores. E como tutora neste período, guiei e mediei não só as disciplinas, mas também as discus-sões nos fóruns das salas virtuais. Neste relato, debruço meu olhar sobre a disciplina de estágio supervisionado, ora mediando enquanto tutora e ora como docente ministrando

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual MINTER - UFG/UNIMONTES. Linha de pesquisa: Cultura da Imagem e Processo de Mediação. CV: http://lattes.cnpq.br/7976048310148589 C

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a mesma. Assim, impulsiono numa descrição refletida sobre os saberes teóricos e prá-ticos, entrelaçando esses saberes com os relatos dos discentes estagiários, na sala de aula presencial e nos fóruns de discussões da sala virtual. A intenção de vivenciar estes relatos parte da minha prática docente em conformidade com o processo de formação dos discentes e em consonância com o universo escolar, onde a práxis acontece.

A disciplina estágio supervisionado é denominada como o eixo norteador de todas as disciplinas do curso na qual, assume um caráter instrumentalizador e per-formático da práxis docente, entendida como atividade de transformação da realidade. Como disciplina nos cursos de Artes Visuais, presencial e a distância da Unimontes, esta compartilha o mesmo objetivo geral, de acordo com a resolução do Estágio Su-pervisionado, previsto nos Projetos Políticos Pedagógicos e nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Artes Visuais, ou seja, compreender o estágio supervisionado e sua operacionalização como importante processo para a formação da identidade pro-fissional docente. De acordo com Tardif (2002, p. 295), “aprender a profissão no decorrer do estágio supõe estar atento às particularidades e às interfaces da realidade escolar em sua contextualização na sociedade”. Desta forma o estágio proporciona aos futuros discentes, refletir sobre sua própria prática e com isso desenvolver uma práxis pedagó-gica, entendida como um processo de reflexão na qual a prática deve ser construída e reconstruída, objetivando a transformação da realidade escolar.

Neste sentido, porém, os princípios e estratégias para otimização das ações no estágio supervisionado têm sido discutidos em diferentes contextos e cenários, na tentativa de pensar, não de maneira única, mas coletivamente, pois, quaisquer reflexões relacionadas a esta práxis, sejam da sala de aula presencial ou nos espaços virtuais, onde docentes e discentes discutem suas práticas, anseios, problemas, ou nas escolas onde o corpo docente e administrativo precisa lidar cotidianamente com a presença de discentes estagiários, ou ainda nas discussões e decisões que resultam em ideias, em-bora, na maioria das vezes, divergentes.

Pimenta (2004), acrescenta que:

O estágio, ao contrário do que se promulgava, não é atividade prática, mas te-órica, instrumentalizador da práxis docente, entendida esta como atividade de transformação da realidade. Nesse sentido, o estágio curricular é atividade teó-rica de conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção na realidade, esta, sim, objeto da práxis. Ou seja, é o contexto da sala de aula, da escola, do siste-ma de ensino e da sociedade que a práxis se dá (PIMENTA, 2004,p.45).

A teoria, neste sentido, é fundamental. É ela que vislumbra ao discente em formação, novas possibilidades de análises para melhor compreender sua ação docente. Esta também abre espaço e da visibilidade a estrutura curricular dos cursos sustentados por discentes e docentes, principalmente no que se refere ao campo da pesquisa.

O estágio supervisionado como campo do saber, reflete a capacidade pro-

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fissional e potencial do discente, e possibilita a aplicação dos conhecimentos adquiridos no curso e o desenvolvimento de habilidades pessoais e interpessoais do acadêmico, visando deste modo, a sua formação humanista. De acordo com o regulamento para normatização do estágio supervisionado, as leis que fundamentam o mesmo estão apre-sentadas no Art. 5, como:

Art. 5. O presente regulamento está em conformidade com a legislação vigente, obedecendo todos os requisitos para o desenvolvimento do Estágio Supervi-sionado obrigatório, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB nº 9394/96, Lei Federal n° 11.788 que dispõe sobre o estágio de estudantes, pelo Parecer CNE/CO nº 28/2001 que dá nova redação ao Pare-cer CNE/CP 21/2001 e estabelece a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores - Resolução do Conselho Nacional de Educação CNE/CP 001/2002 e as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Artes Visuais Resolução 001/2009.

Citamos o artigo de número 5, porque ele trás um resumo das principais leis que fomenta o estágio supervisionado. Outros artigos também no total de 44, consti-tuem as etapas do estágio supervisionado, como: objetivos, operacionalizações, estrutu-ra organizacional, apêndices e outros, além das orientações necessárias aos discentes.

Performance: experiências e possibilidades

O termo “performance”, segundo Melin, (2007, p. 07), é tão genérico quanto as situações nas quais é utilizado. Nas distintas áreas do conhecimento este permeia por várias linguagens. Cohen, (2004, p. 38,) classifica a performance como uma “linguagem de experimentação”. É basicamente uma arte de intervenção, modificadora, que visa causar uma transformação. Vale mencionar que, a pedagogia da performance reivindica para o currículo de artes visuais, segundo Aguirre, (2009, p. 157), “de uma renovação das ideias básicas e dos imaginários”, ou seja, é preciso descortinar os modelos antigos da educação e vestir novos modelos. A performance é considerado também como um termo guarda--chuva, onde as múltiplas possibilidades e desdobramentos estão sempre em transito.

Como professora tutora e professora formadora, meu objetivo tem sido pensar a importância da disciplina estágio supervisionado e como esta contribuir com a construção e o perfil dos discentes futuros professores de artes visuais. E com o fito de argumentar sobre as implicações do estágio, discorremos da experiência vivenciada durante o período citado no corpo deste texto, direcionando e enumerando-os os relatos como discente nº1p ou discente nº1ad, que quer dizer discente número um presencial ou discente número um a distância, em sequência, tomando por base as visões docente e discente, bem como a perspectiva da escola campo de estágio e do departamento de Estágios e Práticas Escolares desta Universidade. C

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Iniciamos relembrando momentos de discussões sobre a operacionaliza-ção do estágio que ocorreram durante as aulas presenciais e a distância, acreditando ser possível perceber a identidade, o perfil, os saberes, as práticas e a percepção dos dis-centes sobre sua formação. Observamos nas nos relatos dos discentes palavras chaves como: medos, anseios, expectativas, conhecimentos, propostas, esperanças e outras que foram surgindo do decorrer dos relatos.

(....) o momento que vivemos é mágico: “Viver intensamente” é a frase da vez. O acadêmico de licenciatura se esbarra no medo do amanhã. “O que será o do amanhã, responda quem puder. Quem sabe é Deus o que irá me acontecer, o meu destino será como Deus quiser”. Assim canta Simone e traduz bem o mo-mento do estágio em nossas vidas. Chega a hora de enfrentar os saberes e os fazeres a que nos propomos nos dedicar e um turbilhão de dúvidas nos tiram noites de sono. Discente nº1p.

(....) “somos eternos aprendizes”, como diz a música de Gonzaguinha, pois neste momento do estágio já percebemos como nosso conhecimento é limitado. Sur-preendemo-nos com os alunos e com as diversidades que eles nos apresentam. Nesse momento aparecem as interrogações de como ser um bom professor, diante a tanta desigualdade. Discente nº2ad.

Sinalizamos como ponto inicial, o relato das discentes que descrevem o estágio performatizando seus medos e os anseios. Percebemos já nestas falas, que as discentes consideram seus conhecimentos limitados diante aos saberes/fazeres e a tantas questões implicadas na disciplina. (Freire, 2000, p.54), complementa dizendo que “Sonhos são projetos pelos quais se luta. Sua realização não se verifica facilmente, sem obstáculos. Implica, pelo contrário, avanços, recuos, marchas as vezes demoradas. Implica luta”. Assim, o momento é uma incessante busca, onde o conhecimento se volta para outras realidades. É o momento de construção.

Os discentes nº3 e 4ad, apontam que:

(....) ao observar o ambiente escolar, vê-se uma realidade oposta à das teorias dos discursos referentes à educação. Embora, esta prática de estagiar cause impacto; a experiência obtida enriquece o saber individual, profissional e ético. É no estágio que o futuro profissional da educação assume a função prática do aprendizado acadêmico e inicia-se a compreensão de enfrentar e adquirir a res-ponsabilidade de contribuinte na transformação para se alcançar educação de qualidade. Discente nº3ad.

(....) quando não possuímos uma visão da realidade escolar docente, aflora-nos uma série de emoções imprecisas. Unicamente após adentrarmos numa sala de aula é que desvendamos o estágio curricular superviso nado, como um processo muito aquém do ensinar técnicas de pintura ou de a de história dos grandes ar-tistas. O processo de educação (ensino/aprendizagem) é de complexidade pal-pável, mas pode ser muito prazeroso e excitante. Descrever a sensação de ter diante de se como recém estagiários, uma turma de garotos e garotas ansiosas por novos conhecimentos ou simplesmente de algo que dê sentido as suas vidas é impactante, se não pasmoso. O estágio nos dá a oportunidade de experimen-tar tudo isso e de nos aparelharmos antes de ir definitivamente para a sala de aula, esta é sim, uma fase de preparação. Discente nº4ad.C

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Observamos nestes relatos pontos comuns no que se refere as expectati-vas que os discentes almejam tanto na escola campo de estágio, como na Universidade. Sabemos, pois, que, o estágio supervisionado é um processo de reflexão e investigação que demanda uma mediação professor, aluno e escola. É o momento de aprender ensi-nando e ensinar aprendendo, numa constante estratégia de percepção de identidades. Ainda neste pensamento as discentes de nº5p e nº6p acrescentam que:

(....) em nossas vidas há exemplos a seguir: uns bons, outros ruins; a escolha é sempre nossa. Thiago de Melo nos diz que: “Não temos caminho novo, o que temos é um jeito novo de caminhar”. Assim é o estágio c. supervisionado em nossas vidas. Ele vem acrescentar experiências de vida para quem o realiza. Cada um leva um pouco de si e carrega muitos daqueles com quem comparti-lhamos saberes. É uma troca constante, onde todos só tem a ganhar: escola, professores, alunos e estagiários. Discente nº 5p.

(....) o trabalho com adolescentes exige atenção, segurança nas palavras, postu-ras, equilíbrio e percepção. A experiência do estágio c. supervisionado é um im-portante ensaio, dando-nos alicerce para sabermos lidar com situações distintas. Abrindo aos poucos nossos olhos para a realidade que nos aguarda. Fortalecen-do-nos e dando sentido ao nosso processo acadêmico, nos motiva a querer ser melhores, a buscar estratégias diferentes, a “fazer a vida como der, ou puder ou quiser“. E nós queremos fazê-la ser melhor possível. Discente nº 6p

Nesta interlocução, percebemos que a vontade de “querer ser melhores”, descrito pelas discentes, transcende a busca por estratégias e experiências na qualidade de ensino na qual elas compartilham. Querer ser e saber ser é muito mais que transpor modelos. Segundo Pimenta, (2004, p.35), muitas vezes nossos alunos aprendem conos-co nos observando, imitando, mas também elaborando seu próprio modo de ser a partir da análise crítica do nosso modo de ser. A partir desse processo os discentes escolhem, separam, e adaptam estes modelos às suas experiências e saberes, partindo daí, para uma visão mais crítica dos saberes e do ensino que ora lhe será proposto.

Outros relatos foram apresentados, mas de maneira geral apontaram para as mesmas dúvidas, conflitos ou ideias para o cumprimento da disciplina estágio supervisionado.

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COnSIDERAçõES FInAIS

As considerações esboçadas indicam a pluralidade de anseios, medos, dúvi-das e vontades que os discentes esperam da disciplina estágio supervisionado. A concep-ção da ação docente como um processo contínuo de reflexão crítica e de reorganização da atuação pedagógica, proporcionou aos discentes a construção de conhecimentos e competências amplas e exclusivas através dos embates da prática pedagógica e também do confronto de teorias pedagógicas e curriculares definindo as estratégias de trabalho e de acompanhamento do discente estagiário. Além de possibilitar a realização de uma reflexão conjunta (docente e discente) tanto da teoria tanto quanto da prática vivenciada.

Deparamos com situações complexas no cotidiano escolar, mas prosseguir é preciso, pois, conhecer a realidade do ensino, buscar alternativas de melhorias, dina-mizar os conteúdos é ser um inexaurível pesquisador.

Assim, finalizamos comparando o estágio curricular supervisionado com as palavras da Melin, ( 2008, p.65), que diz: “a performance, longe de limitar-se apenas como instrumentos de registros, todas as fases se tornam elementos constitutivos da obra, materialização de um procedimento temporal oferecido á recepção”. No entanto, no que tange a formação dos discentes para atuarem como docentes de artes visuais nas escolas, Aguirre, (2009, p.182), nos aponta que, “repensar-nos como educadores e, repensar os eixos de nossa tarefa são os desafios mais importantes que teremos daqui em diante” . Com o pensamento desses autores, finalizamos este texto abrindo espaços para novos relatos com o intuito de ouvir mais os nossos discentes, pois vislumbramos, em aproveitar as atividades comuns da sala de aula e delas extrair respostas que redi-mensionem nossa a prática docente.

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ExPERIênCIAS DE ALGUnS ARTISTAS COM O BARRO

Eny Arruda Barbosa 1

Míriam da costa Manso Moreira de Mendonça 2

ResumoEste artigo discute aspectos de relações e interações observadas nas artes visuais, por artistas que utili-zaram o barro como material expressivo. Assim, procura analisar os objetos produzidos enquanto formas autônomas capazes de fazer com que a experiência, perceptual, temporal ou espacial interfira no modo de ver, de fazer, de sentir a experiência vivenciada, remetendo-nos à utilização do corpo como parte indis-pensável da obra.

Palavras-chave: Artes Visuais; Barro; Experiência vivenciada

AbstractThis article discusses aspects of relationships and interactions observed in the visual arts by artists who used the clay as expressive material. Thus, to analyze the objects produced as autonomous forms able to make the experience, perceptual, temporal or spatial interfere with the view, to do, to feel the experience lived by referring us to use the body as an essential part of the work .

Keywords: Visual Arts; Clay; Experience experienced

InTRODUçãO

A cerâmica, desde sempre, foi e ainda é um dos suportes plásticos mais empregados no fazer artístico tridimensional, seja como suporte para se chegar a um protótipo seja na modelagem de escultura. Pela história, não há como negar a impor-tância desse material para as artes plásticas, para o design e para o artesanato. A argila representa os quatro elementos da natureza: a terra, massa plástica formada de barro; a água, massa plástica composta por líquido; o ar, oxigênio para queima das peças; e o fogo, o calor produzido pelas queimas à lenha, a gás e à eletricidade. Existe outro fator que é condição para os processos da cerâmica, o tempo, pois cada etapa demanda um preparo exclusivo e um período de maturação.

Fazer cerâmica é um procedimento solitário e silencioso. Na maioria das vezes, precisamos de concentração e calma para desenvolver cada uma das peças. É um aprendizado diário, uma troca e doação, de tempo, energia e disposição. Aprende-mos com a cerâmica que o mais importante não é apenas o resultado final, mas todo o processo, pleno de aprendizagem e descobertas.

1 Mestranda do curso de Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual, da Faculdade de Artes Visuais – FAV, da Universidade Federal de Goiás - UFG, Projeto MINTER – Mestrado em Arte e Cultura Visual, entre a Universidade Federal de Goiás - UFG e a Univer-sidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. Possui Pós-Graduação em História da Arte pela UNIMONTES e Pós-Gradua-ção em Educação a Distancia pela UNIMONTES, onde atua, com o cargo de professora do Ensino Superior.CV: http://lattes.cnpq.br/87145344714427692 Professora Doutora em Ciências Sociais – Antropologia (PUC/SP) e Mestre em Ciências da Comunicação (ECA/USP) integrante do PPPGACV da Universidade da Universidade Federal de Goiás - UFG,Coordenadora Projeto MINTER – Mestrado em Arte e Cultura Visual, entre a Universidade Federal de Goiás - UFG e a Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. Professora do curso de Moda e professora de Doutorado pela mesma universidade. CV: http://lattes.cnpq.br/8573276727905431

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AS VISõES DA PERFORMAnCE nAS ARTES VISUAIS

O termo “performance” apresenta-se com maior visibilidade no contexto social. Nas artes visuais, performances existem enquanto ações, interações e relações. Uma série múltipla de trabalhos gestuais nos remetendo à utilização do corpo como par-te indispensável da obra. Não se restringe a uma classificação, concebe uma categoria ilimitada e abrangente referenciada por Gagnebin et al Benjamin (1996).

Para os autores a externalização dos significados se manifestava, na arte, como resultado de um processo sócio-cultural mais amplo. Processo este, que vinha se manifestando desde as práticas dadaístas, as duchampianas, Bauhaus, o Cubismo, a literatura de Doblin, Kafka e os filmes de Chaplin (GAGNEBIN et al BENJAMIN 1996).

Assim se define a lógica da externalidade, capaz de produzir um novo tipo de arte, real ou performática, de quem cria (artista), para o público (expectador), mais amplo e participativo. É nesse desdobramento da escultura e da pintura, contaminado pelas práticas interdisciplinares, que se agrupava o teatro, a dança, a música e a poesia nos anos 60.

Tanto no cenário europeu como no cenário americano, surgiram certas prá-ticas artísticas chamadas de arte desmaterializada ou anti-forma, por meio do conceitu-alismo, site specificity, performance, instalação e a arte conceitual exercida na década de 70. O ponto comum nessas práticas era a crítica da lógica moderna da autonomia do objeto para uma lógica onde a experiência, perceptual, temporal ou espacial interferisse no modo de ver, de fazer e de sentir, no olhar da experiência.

É complicado determinar um conceito único de performance nas artes visuais. Dessa forma apresentada, a obra dialoga com o espectador, com o espaço, com o tempo e até mesmo com o seu criador, indicando, assim, uma noção de performance, onde a interação passa a ser total entre a obra e o espectador. Regina Melin afirma que: “Quando o assunto é performance, é sempre um número muito variável de concepções, as quais não se postulam como obrigatórias para atingir um consenso” (MELIN, 2008: 22).

Diversos autores e artistas deixaram suas considerações acerca da arte da performance. Em seu livro A arte da performance: do futurismo ao presente, Roselee Goldberg (2006) aponta a trajetória da performance no séc. XX; Gregory Battock (2004), historiador de arte, em seu livro Arte da Performance - A antologia da crítica, sinaliza-va que a arte da performance envolveria a imaginação de um número muito maior de artistas; e a Professora de História de arte Kristine Stiles comenta os protestos sobre a terminologia performance art.

Na década de 70, os artistas acreditavam que o termo despolitizava seus objetivos, aproximando-os do teatro, muitas vezes associado à idéia de representação e entretenimento. Comumente, os autores descrevem a trajetória das perspectivas, ma-C

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nifestações e descrições de artistas e suas obras. Regina Melin (2008), fala de Jackson Pollock e seu trabalho, apresentado no Museu de Arte Moderna de Nova York em 1951, onde foi registrada, em um vídeo, a pintura de um quadro em seu atelier e, naquele mo-mento, a pintura aquele trabalho se estabelecia como um evento performático. A perfor-mance se consolidou não pela pintura como obra finalizada, mas pela ação de Pollock, em documentar através do vídeo o instante em pintar.

Esse foi um marco histórico e entusiasmou artistas de todo o mundo, pro-vando que o ato performático não é uma prerrogativa apenas das artes cênicas, ou da dança, mas de várias outras manifestações artísticas. Leonardo da Vinci escreveu cer-ta vez que “a arte diz o indizível; exprime o inexprimível, traduz o intraduzível” <http://pensador.uol.com.br/frases_sobre_arte/> Acesso em 2013). Produzir arte é expressar a emoção, a alma e assim desenvolver todas as nossas potencialidades, o homem parti-cipa, age e se expressa através da criação. Divulgando algo que se descobre na mente. A arte é um signo, um símbolo de algo que nos sugere a realidade e que surge para a maioria dos artistas, de dentro para fora.

A ARTE DA CERÂMICA: UMA ExPERIênCIA COM O BARRO

Para artistas que trabalham com o barro, o material pode ser mais que a matéria prima escolhida para construir suas obras. A utilização da argila acontece em um processo contínuo, onde o artista, na busca pela criação, inicia com a matéria até a finalização da obra; num diálogo íntimo, aprende a dominar e transformar o barro.

Ceramistas, como Ana Mendieta, de origem cubana, e Celeida Tostes, a partir dos anos setenta do século XX e Adel Souki, a partir dos anos 80, utilizaram o barro como suporte e veículo das rupturas modernistas, e trabalharam um abrangente universo particular feminino, mas preocuparam-se com o contexto sócio-político daquele momento. O conhecimento desses artistas foi sendo adquirido ao longo da vida. Tanto o manejo com o barro como a relação diária com as técnicas de preparação das obras fo-ram decisivos para a construção de seus trabalhos plásticos. Resende (1996), ao inserir o catálogo de Souki, fala sobre o método dessa artista:

Tudo tem inicio no corpo a corpo do toque de mão sobre o barro inerte quando mutuamente a imprimem, dando forma à matéria bruta e informe. Dessa intimi-dade de gestos nascem idéias, revelam-se sonhos e descortinam-se possibilida-des (RESENDE 1996, p. 121).

O homem é a única espécie animal que detém esse poder: criar partindo de si mesmo, da sua imaginação. Alcançamos imagens através do praticar arte, retidas no in-consciente, acionando, os conteúdos desconhecidos, demonstrando através da produção simbólica, algo que nenhuma palavra pode revelar oferecendo a expressão concreta e ma- C

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terialidade ao nosso pulsar energético, ao que sentimos e nem sabemos. Criar é converter idéias em novas possibilidades, trazendo outros olhares para determinadas situações.

As obras de Ana Mendieta são realizadas na terra, sobre a terra, com a terra/barro/lama, entregando-se nua a fim de denunciar e romper com uma imagem da mulher como símbolo do desejo masculino, utilizando seu corpo como protagonista da ação, na série Siluetas, 1973-80, ou Árvore da vida, 1977. Afastada da civilização, a ar-tista apropria-se de rituais de sua origem cubana e, com isto, tenta religar-se à mãe da qual foi afastada aos doze anos de idade.

Partindo do objeto cerâmico nas séries de Vênus, Selos, Ovos e passando por uma obra performática Ritual de Passagem (1979), Celeida Tostes é uma artista que dá seguimento ao seu trabalho e atua a partir de sua própria realidade na cidade do Rio do Janeiro, com trabalhos como Muro de adobe (1982), em cuja duração do projeto sur-giu um amassado que lembrou selos, daí a série selos, s/d. A artista comenta:

podemos ter um projeto inicial, mas durante a realização dele vamos chegando a outras questões que nos direcionam e promovem o aparecimento de novas estruturas que não havíamos imaginado antes (TOSTES, 1982: 122).

A artista estava sempre atenta a novos procedimentos, permitindo novos caminhos. Um exemplo disto é a performance Passagem (1979), que aconteceu no apartamento da artista, no bairro de Botafogo, na cidade do Rio de Janeiro; trata-se de um trabalho performático, com livre acesso entre as artes plásticas e as artes cênicas. No entanto, a experiência sentida em Passagem foi muito mais do que isso; nas palavras de Celeida, “foi como se eu tivesse saído e ido embora para o espaço”. Concordo com a declaração da artista, apoiada por seus críticos, que, segundo Pinto, diz em ser:

Passagem o meu trabalho matriz, ele foi uma tentativa de voltar ao útero de uma mãe que não conheci. Tem uma ligação muito forte com minha história de vida. Surgiu após uma fase em que eu estava fazendo bolas, fazia bolas que não aca-bava mais e colocava coisas dentro delas, coisas que faziam uns barulhos. Então me dei conta de uma lembrança da fazenda, de uma antiga empregada, que dizia que os bebês apareciam no canteiro de repolhos. Ate hoje não sei como esta lenda européia chegara aos ouvidos dela. Logo começaram a vir uma série de memórias, como por exemplo, uma prima grávida e nós, crianças, destroçando um canteiro de repolhos para procurar o seu bebê. Mas eu ainda levei muito tempo, cerca de dois anos, para conseguir realizar Passagem. (PINTO, 1994: 92).

Logo depois da finalização da performance, Celeida exprimiu suas sensa-ções da seguinte forma:

Despojei-me. Cobri meu corpo de barro e fui. Entrei no bojo do escuro, ventre da terra. O tempo perdeu o sentido de tempo. Cheguei ao amorfo. Posso ter sido mineral, animal, vegetal. Não sei o que fui. Não sei onde estava. Espaço. A história não existia mais. Sons ressoavam. Saíam de mim. Dor. Não sei por onde andei. O escuro, os sons, a dor, se confundiam. Transmutação. O espaço encolheu. Saí. Voltei. (PINTO, 1994: 92 e 93).C

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O jarro de barro no formato de útero que gerou uma nova artista e, na pequena fenda do jarro, dentro dessa morada, a artista renasceu, floresceu, germinou e nasceram várias sementes em forma de arte. Fruto de celebração e comunhão. Um apropriado desígnio do fazer cerâmico.

A partir de diferentes estratégias e atuando em diversos contextos, Ana Mendieta, Celeida Tostes e Adel Souki, procuraram modificar a realidade por meio da arte. Os ceramistas, atuando no entre, no intervalo do cotidiano, criam espaços tanto in-dividuais como coletivos, explorarão o gênero feminino, exercitando a materialização de objetos. Partindo de uma experiência individual, cada um dos artistas utiliza a prática da cerâmica, na qual a metáfora do feminino estava presente, pelas formas da mãe-terra, de corpos ou órgãos internos, e centrando o interesse nas questões limítrofes da arte. É importante salientar que, entre os artistas, no caso dos ceramistas, a performance presente no processo criativo acontece pelo registro feito em diários, folhas soltas ou cadernos contendo desenhos e/ ou anotações e na execução das obras também.

A experiência de pessoas que já tiveram contato com a argila mostra- nos o quanto ficamos imersos na ação de modelar o barro. Temos a nítida sensação de que nos religamos com algo perdido há muito tempo. A argila exerce a capacidade de nos fa-zer voltar para dentro de nós mesmos, para direcionarmos toda a energia naquela massa plástica. Esta é uma das formas, que aprendemos ao lidar com a argila, pelo fato de ser maleável, é um material com características fortes e por isso devemos respeitar seu rit-mo e não impor o nosso. Todas as coisas precisam de um tempo para se formar, crescer e desenvolver-se, “tudo tem o seu tempo determinado, a tempo de nascer e tempo de morrer: tempo de plantar, e tempo “d’arrancar o que se plantou.” (BÍBLIA SAGRADA, Eclesiastes 3. 1,2). Da mesma maneira acontece com a argila: existe o tempo certo de colher, de preparar, sovar, modelar, secar e queimar o barro. Como material expressivo o barro se presta a muitos usos. Vai além da arte performática acima descrita, sempre guardando em si um elemento transcendental que se remete ao primeiro fazer humano a confecção das peças utilitárias.

O ceramista, Walmir Alexandre permite conhecer um pouco mais sobre a riqueza cultural de Montes Claros - MG, sua terra natal e a influência desta cultura retra-tada nas obras do artista, que utiliza o barro como matéria prima expressa nas varieda-des de séries como: Mulheres Rendeiras, em que ficou clara também a forte influência nordestina (seus pais são cearenses); Bateias de Minas; Meninas de Minas; Potes de Mi-nas; Painéis de Minas; nas variedades de santos e santas, o São Francisco, de grandes dimensões, estéticas e artisticamente vestido, o conteúdo do tecido como que subindo do mar a terra, até os céus, em criterioso detalhamento de seus belos elementos; os Divinos (representações do Divino Espírito Santo), verdadeiras obras de arte e devoção, nas quais, definitivamente, se firmou como grande escultor.

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Nessas obras são apresentados ao público os elementos de inspiração e temas que motivaram na elaboração de seus trabalhos artísticos. Nas palavras da artista mineira Yara Tupinambá à Revista Tempo (2009: 99), “para um artista é sempre impor-tante ver nascer e crescer outro artista, pois isso significa, para nós, o aparecimento de outro elo que dará continuidade à corrente da arte da vida, da qual fazemos parte”.

As esculturas em cerâmica de Walmir têm como marca registrada a força que imprime às mulheres fortes do sertão, caboclas singelas como as próprias flores que carregam, mas profundamente expressivas da sensualidade em seus gestos femininos sutis. A criatividade das obras do artista está presente em cada detalhe, cada gesto ou semblante retratado nas peças de barro que ganham vida e verdade com o fogo imenso de seu talento.

No cenário internacional, destacamos artistas como: Picasso, Miró, Cha-gall, entre outros, que do interesse pela cerâmica, passam a fazer estudos anteriores, como forma de registro, hábito comum entre pintores e escultores, por décadas. A partir da materialização de cada obra o artista, ao longo do processo, vai utilizando a matéria, exercitando a forma, cor, textura e volume para criação de novas possibilidades. (RO-DRIGUES, 2009: 119)

A manipulação da matéria pela tradição é uma característica da cerâmica trabalhada por Picasso, e podia servir de base para a construção estética e para suas re-flexões críticas. A manipulação e sua vontade em experimentar novas técnicas o levaram a trabalhar com os dedos, sentindo um enorme respeito pelas mãos que conseguiam dar formas tridimensionais aos seus pensamentos.

Os trabalhos cerâmicos de Chagall também são exemplos; não satisfeito com a pintura da argila, sentiu a necessidade de por a mão na massa e modelar na di-mensão espacial da arte. Várias foram as vezes em que o artista fez esboços apurados antes de dar por terminado o trabalho cerâmico, sua versão finalizada. Bachelard, em seu livro O direito de sonhar, discute a relação de Chagall com essa matéria: “Marc Cha-gall rapidamente se torna um mestre dessa pintura satânica que ultrapassa a superfície e se inscreve numa química da profundeza. E sabe conservar vivo na pedra, na terra, na massa, seu vigoroso minimalismo” (BACHELARD, 1986: 25).

Em 1942, o ceramista catalão Llorens Artigas procurou Miró, com a finali-dade de firmar uma parceria para conseguir o domínio das etapas de produção em cerâ-mica, totalizando 300 peças ainda no final de 1950. Essa colaboração entre o pintor e o artesão fez com que Miró descobrisse a performática arte primitiva do fogo.

No Brasil, destacam-se: Francisco Brennand e Hélio Siqueira. De acordo com esses artistas, o desenho atua como ferramenta de estudos, mas a maneira de tra-balhar sofre modificações de artista para artista, no sentido de pensar a forma, definir os passos para a materialização da obra, da forma e até da cor em sua inserção no espaço.

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Hélio Siqueira (2000) utiliza do desenho na cerâmica em duas situações, para pensar nas obras e para organizá-las no espaço. Trabalha as formas com refina-mento no tratamento da luz e sombra por meio de hachuras em seus esboços. Acerca de sua produção plástica, revela que:

Encontro nele a âncora de sustentação para a livre criação nas artes plásticas. Se, no início da carreira, ele aparecia como forma autônoma, hoje ele aparece nas peças que são criadas migrando ora para a cerâmica, ora para a pintura. Re-conheço que o desenho é a forma de anotação rigorosa do instante e, é através dele que registro minhas idéias, seja em inúmeros cadernos organizados, seja nas paredes / espaços que encontro ao alcance da mão (GRANDO E SIRILLO, 2009: 124).

Durante uma entrevista em 2003, Brennand explana as diferenças existen-tes com a pintura em relação à escultura: “Na pintura eu preciso ver, eu sou como São Tomé, eu quero botar o dedo na chaga, eu imagino só, e desenho”. Improvisar para Bren-nand é desenhar. Ele faz ainda um comentário durante a entrevista: “para chegar a uma escultura, eu tenho certamente grande quantidade de desenhos daquilo que pretendo fazer, você esgota o assunto” (GRANDO E SIRILLO, 2009: 124).

Brennand encaminha seus desenhos aos artesãos que modelam e repro-duzem com fidelidade, sob a sua monitoria, a construção de cada peça. O desenho vai além de um delimitador de formas, é um meio de performático de comunicação do artis-ta, ou para quem for executar sua obra.

Preocupados em construir novas performances nas artes visuais, esses artistas, e muitos outros, vêm utilizando referências dos mundos de vida a fim de rein-ventar as relações políticas, culturais, sociais, econômicas em cada contexto em que atuam. É importante salientar que os artistas brasileiros moldaram objetos em cerâmica e esculturas-potes tendo o barro como suporte do trabalho em arte. Peças que, desafian-do a milenar técnica cerâmica, ao mesmo tempo em que dialogavam com sua tradição, erguiam-se para o alto, no desafio técnico e nos limites conceituais. E, desse modo, como nos diz Bourriaud,

As obras não se fixam já o objetivo de formar realidades imaginárias ou utópicas, senão que buscam construir modos de existência ou modelos de ação no interior da realidade existente seja qual seja a escala escolhida pelo artista para tratar com tal categoria (BOURRIAUD, 2001:429).

Temos, pois, objetos autônomos que, no diálogo entre sujeito-objeto, insti-gavam o espectador à interpretação além dos aspectos técnico-formais. Ao buscar pra-ticar outros modos de arte/vida que deem conta de nossa realidade, ampliando a capa-cidade de relacionar-se com o outro, o artista atua, hoje, como mediador de processos coletivos, propositor de experiências duradouras, provocando situações reais.

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COnSIDERAçõES FInAIS

As artes da realidade nos questionam como sujeitos partícipes. Ao não impor verdades, a obra de arte questiona seu espectador e o torna co-produtor, sendo o artista um mediador de situações diversas. A ruptura com o espaço simbólico da arte, e a experiência performática, da atuação, no intervalo do dia-a-dia, nos aproximam no processo das ações que vão sendo construídas e, a partir daí, outras podem surgir, pois só assim acredita-se poder vivenciar a experiência em toda sua potencialidade e, quem sabe, transformar o outro. Percebe-se o exercício e a recuperação de um estado criativo do indivíduo que o leva a reinventar-se nas diversas esferas da vida cotidiana. “A arte tem por objetivo reduzir o mecânico que há em nós: aspira destruir todo acordo a priori sobre o percebido” (Bourriaud, 2001:440). É nessa direção que acreditamos no potencial transformador e crítico da arte em nosso contexto atual. A performance é o ato ou ação desenvolvidos por artistas plásticos com características ritualísticas ou mesmo narci-sistas. Isso geralmente resulta em algum tipo de documentação em vídeo, filme, fotos, livros, destinados ao circuito da arte. É uma forma de arte híbrida, com inspiração teatral, musical, literária, que pode usar métodos de expressão pictorial ou escultórica, além de outros. Diante do exposto, a arte cerâmica busca, por meio do apoderamento, provocar a realidade, desestabilizar o simbólico instituído. Os artistas citados neste artigo em outras épocas e em diferentes situações conviveram com uma arte que, para muitos, era consi-derada uma transgressão. Hoje, a transgressão dessa arte passaria por esses diferentes modos de se fazer entender.

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OS “GIBIS” DE RAyMUnDO COLARES: UMA AnTROPOLOGIA DO OLhAR

Fátima Raquel Ferreira Costa 1

ResumoPassando do visível para o visual, propomos neste texto, uma incursão nos livros de artista “Gibis” de Raymundo Colares, inspirando uma antropologia do olhar. Buscamos reconhecer o potencial informativo desses livros de artista e desenvolvemos nossa narrativa apontando algumas facetas poéticas do autor. Também realizamos entrelaçamentos comparativos entre os livros de Colares com artistas que o inspira-ram. Assim os trabalhos aqui examinados, constitui uma tentativa de entender o que o documento visual suscita no observado.

Palavras-chave: Antropologia do olhar, Gibis, Raymundo Colares, documento visual.

Abstract Passing the visible to the visual, we propose in this paper, a raid on artist books “Gibis” RaymundoColares, an anthropology inspiring look. We seek to recognize the potentialof these informative books and artist develop our poetic narrative pointing some facets of the author. We also perform comparative twists books Colares with artists who inspired him. Thus the works examined here, is an attempt to understand what the document raises the visual observed.

Keywords: Anthropology of the look, Gibis, RaymundoColares, visual document.

InTRODUçãO

De acordo com Meneses (2003) é a Antropologia que descobre o valor cognitivo dos fatos e, sobretudo, dos registros visuais. Para ele, não basta observar o visível e deles inferir o não visível. É necessário ir além, passando do visível para o visu-al, inspirando uma antropologia do olhar. A Antropologia Visual, como campo disciplinar, é quem reconhece o potencial informativo das fontes visuais e toma consciência da sua natureza discursiva, e objetiva incluir a interação entre observador e observado na pro-dução, circulação e consumo das imagens.

Propomos neste texto, uma incursão nos livros de Raymundo Colares, uma invasão do objeto “Gibi”, o documento visual como registro, ou parte do observável, produ-zido para o observador. Escolhemos três livros de artista para os nossos estudos. Assim os trabalhos aqui examinados, constitui uma tentativa de entender o que o documento visual suscita no observado. Obter uma visão que distingue este artista dos outros que criaram livros de artista. Concordamos com Merleau-Ponty (1980, p.109) quando este diz:

“A visão é o encontro, como numa encruzilhada, de todos os aspectos do ser”. O olhar fenomenológico se faz pelo corpo num entrelaçamento de sentidos, per-cepções e consciência. Neste sentido, o olhar não apenas vê, ele olha, toca, sente e compreende o mundo e, principalmente o é, com o mundo. (MERLEAU--PONTY, 1980, p.109).

1 Professora do Curso de Artes Visuais - UNIMONTES. Mestranda em Arte e Cultura Visual. Minter FAV- UFG/UNIMONTES, turma de 2012. E-mail: [email protected]ço para acessar CV:http://lattes.cnpq.br/9794445047269181

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O ARTISTA RAyMUnDO COLARES

No ano 2000, descobri Raymundo Colares (1944 - 1986), ou Ray Colares como é conhecido pelos amigos de sua cidade, Montes Claros – MG. Sua obra me im-pressionou. Primeiro conheci seus trabalhos através do seu catálogo “Trajetórias” de 1997, depois tive a oportunidade de ver algumas de suas obras na casa de sua irmã Terezinha. Na ocasião senti uma forte empatia com os trabalhos do artista e me encan-taram especialmente os “Gibis”, livros de artista, criados a partir de 1968.

Para Sousa (2009, p.18): “O termo livro de artista compreende uma rica e diversificada produção, que inclui livros únicos ou de tiragem reduzida, livros múltiplos, livros alterados, livros documento, livros-objeto, livros escultóricos, entre muitos outros”.

Os Gibis de Raymundo Colares mantem as particularidades espaço-tem-porais pertinentes à forma livro, são folheáveis, um documento visual. Apesar de possuir o mesmo nome da revista em quadrinhos infantil “Gibi”, a sérielivros de artista “Gibi” de Ray Colares, difere da revista infantil, pois não possuem imagens ilustrativas nem pala-vras. São papéis coloridos, recortados e manuseáveis. São obras em processo, em que as imagens se fazem ou desfazem na medida em que as páginas são movimentadas. Os cortes oferecem sucessivas surpresas, um caráter lúdico.

Com estas obras o artista pretendia a participação do espectador. O obser-vador/ folheador é o sujeito central neste trabalho. Parafraseando Souza (2009, p.20), o observador: “é aquele a quem o livro é destinado, que se abre à experiência do livro, que ativa e complementa a obra ao oferecer seu corpo ao contato, àquele que se converte em preceptor ao folhear”.

O potencial desses ”Gibis” - livros de artista, inspirados numa antropologia do olhar, se manifesta através daprodução do documento visual, na circulaçãoe consu-mo das imagens, na interação entre observador e observado. Estes “Gibis” dão vida a uma poética que explora intensamente a visualidade. São matrizes de sensibilidade, que apelam para a leitura sinestésica com o leitor.

UMA FACETA DO ARTISTA RAyMUnDO COLARES

Raymundo Colares ou simplesmente Ray Colares, e normalmente apre-sentado como um artista de Montes Claros, mas nasceu em Grão Mogol em 1944. Sua família migra para Montes Claros quando Ray tinha sete anos, local onde passa boa par-te de sua vida, principalmente sua infância e juventude. Em 1965, muda-se para o Rio de Janeiro, onde realiza sua formação artística e desponta como o principal articulador dos movimentos artísticos: neoconcretismo com a Pop Art.Eram características desses mo-vimentos: a sensibilidade, a expressividade e asubjetividade, com a incorporação efetiva

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do observador, que ao tocar e manipular as obras tornava-se parte delas.Ray Colares teve uma carreira promissora, porém curta, devido à sua morte precoce em 1986.

Ray Colares cursou a Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1966,mas logo se incompatibilizou com a academia. Os cursos do MAM – Museu de Arte Moderna e a sua cantina pareciam mais receptivos à sua inquie-tação poética. A velocidade e o movimento da grande cidade o fascinavam. As obras de Colares são orgânicas numa combinação do ideário da cultura de massa com o rigor geométrico. Em seus trabalhos, puramente abstratos, a imagem impressa é urgente e icônica. A urgência se evidencia nas pinturas de carrocerias de ônibus, pinturas estas fragmentadas como na visão de espelhos retrovisores e das janelas de carros. De acor-do com Osorio (2010, p.14):

Em Colares, a apropriação de uma geometrização concreta do espaço pictóri-co dar-se-ia através de um olho atravessado pela estrutura visual das histórias em quadrinhos e pela confusão sedutora da desordem urbana, metaforizada pela fragmentação dos ônibus cortando o campo perceptivo, De início, eles se compu-nham numa narrativa costurada por uma polifonia espacial, justapondo perspecti-vas, movimentos e planos de cor. É uma narrativa visual que não se desdobra no tempo, mas se fragmenta no espaço multiplicando os dados perceptivos na ver-tigem de um corpo atravessado pela confusão da cidade. (OSORIO, 2010, p.14)

Figura 1: Colares,Raymundo – Sem título, 1969. Tinta esmalte industrial sobre metal (alumínio) 100 x 232 cm. Coleção João Sattamini/Comodante Museu de Arte Contemporânea da Prefeitura de Niterói. Reprodução fotográfica Sérgio Guerini.Fonte Disponível em::http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/

index- Acesso 22 jun. 2013.

Ray é considerado um artista único na cena experimental da arte brasileira no final dos anos 60. Ray era um artista inquieto e nada acadêmico. De acordo com o curador Luiz Camillo Osorio (2010, p.8): “O rigor formaltradição construtiva aliou-se nele ao ruído urbanoe expressivo da nova figuração e a urgência comunicativa do pop. Um pouco de Oiticica, mas um tanto de Ed Ruscha, intermediados por Antônio Dias”. C

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Num dos seus quadros de 1981, presente na exposição, podemos ler no verso: “Homenagem a Volpi, o maior artista brasileiro”. Figura 2.

Figura 2: COLARES. Raymundo- Homenagem a Volpi (maior artista brasileiro), 1981. Tinta industrial sobre madeira, 70 x 70 cm.

Fonte: Catálogo Museu de arte Moderna de São Paulo, 2010.

Inspirando-se em nomes como Mondrian e Volpi, Ray Colares criou sua geometria particular, buscando uma nova leitura dos universos desses artistas. Na trans-posição desses ideários para cadernos manuseáveis, Ray Colares cria os Gibis, livros de artista, na qual o artista reinventa a relação livro-objeto-participação e cujo cuidado de composição vai da escolha de papéis de texturas distintas ao caleidoscópio de formas, que se modificam com o virar das páginas.

LIVRO DE ARTISTA - UMA LInGUAGEM ARTíSTICA SEnSóRIO, LúDICA E DIFE-REnCIADA.

Tradicionalmente a forma do livro exibe um conjunto de folhas de papel, em geral impressas, do mesmo tamanho e que ao serem unidas entre si estabelecem um volume com a função de transmitir um conteúdo literário. Atualmente o livro propõe dife-renças relativas ao seu conceito e construção formal e propõe diferenças significantes. Este pode apresentar-se como livro-objeto, livro de artista, livro de artista artesanal, livros de bibliófilo, manifestar-se como documento de performances, de trabalhos conceituais.

Os livros de artista utilizam frequentemente a fusão entre mídias, segundo Veneroso (2012, p.83):

[...] o livro de artista será compreendido como obra intermidiática, já que pela sua própria natureza híbrida e mutante, ele está situado, frequentemente, na interse-ção entre diferentes mídias. Impressão, escrita, fotografia, design gráfico, entre outras coisas, convivem num espaço no qual não cabem definições fechadas, já que o livro de artista é múltiplo, possibilitando assim diversas formas de aproxi-mação. (VENEROSO, 2012, p.83).

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Entendemos que a intermidialidade é o processo da união e interação de várias mídias. Vale salientarque a literatura e as artes são mídias, assim como o cinema, a fotografia, rádio, jornal e TV, pois também veiculam informações, reunindo em torno de si,todo um aparato social e cultural. As mídias se contaminam e geram novos discursos, que vão além da capacidade expressiva de um só meio.

Já Silveira (2008, p.37) comenta este caráter intermidiático: “O livro de ar-tista stricto sensu é uma obra tipicamente contemporânea, inserido no contexto intermí-dia”. De outra maneira Sousa, (2009, p. 18) comenta:

[...] O termo livro de artista compreende uma rica e diversificada produção, que inclui livros únicos ou de tiragem reduzida, livros múltiplos, livros alterados, livros documento, livros-objeto, livros escultóricos, entre muitos outros. Esses diversos trabalhos em livro transitam entre supostas categorias tipológicas, movendo-as, transformando-as constantemente e borrando as fronteiras de delimitação. As concepções, motivações, técnicas e linguagens envolvidas na constituição des-se amplo espectro de trabalhos interpenetram-se, o que faz do campo do livro de artista um território híbrido, bastante peculiar no contexto das artes visuais. (SOUSA, 2009, p.18).

Os livros de artista são produzidos por artistas, grande parte produzida para manuseio direto, vão além do conceito livro para se assumirem como objetos de arte, são únicos e possibilitam a aproximação real, tátil e visual com a obra. Por se-rem edições especiais, o artista pode fazer a edição de exemplar único ou de múltiplos exemplares. Estes livros são espaços de criação, onde são explorados vários tipos de narrativas, são locais privilegiados para experiências plásticas.

RAyMUnDO COLARES: SEUS GIBIS E O LIVRO DE ARTISTA

Os Gibis deRaymundo Colares são livros de artistas e se afastam dos livros tradicionais por que não possuem textos. As imagens são folhas coloridas, recortes de folhas coloridas de vários tamanhos e formas,e não possuem imagens desenhadas ou pintadas, e estes recortes estão organizados de tal maneira, que a cada virar de página temos composições diferentes. São livros que precisam ser manuseados para que se concretize a sua leitura. Essas estruturas são uma demonstração de pura visualidade. Cadôr (2010, p.75) relata que:

[...] os gibis de Raymundo Colares são feitos com papeis recortados de diferen-tes tamanhos, cores e formatos. O artista faz uma espécie de elogio do papel, evidente pela escolha de papéis especiais, do tipo que se usa para a pintura em aquarela, com qualidade superior ao papel utilizado na indústria gráfica. O papel ainda é valorizado pelas texturas diversas e pelas relações cromáticas que ele esta estabelece entre os diferentes tipos de papel usados no mesmo livro. (CA-DOR, 2010, p.75-76)

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Cadôr (2010, p.75) em seu texto informa que Gibi foi o título de uma re-vista brasileira de história em quadrinhos, lançada em 1939, e graças a ela o termo gibi tornou-se sinônimo de revista em quadrinhos, no Brasil.O artista escolheu o nome de Gibi para batizar seus livros de artista, consolidando a fantasia de um cotidiano no qual a arte se insere de maneira tão intrínseca que as HQs tornam-se, revistas-obras cujo enredo e desfecho o próprio público realiza. Verifica-se que o movimento está no cerne de seu trabalho.

A cor também é valorizada, pois, são utilizadas folhas de papel tingidos diretamente da polpa com o contraste sendo destacado pelas áreas de cor uniforme fa-zendo um limite bem definido entre as demais cores.

Relação entre homenagem ao quadrado de Josef Albers e o Gibi, 1970 de Ray Colares.

Alguns livros de artista de Ray Colares são formados porapenasduas co-res, outros parecem uma demonstração do Teorema cromático da Homenagem ao qua-drado, de Josef Albers. (Figura 3, à esquerda). A percepção dessas relações agrada ao olho e a mente. De acordo com Moraes e Francoico (2004, p.3), ao analisar a obra de Albers, comentam:

Na pintura Homenagem ao Quadrado: Signo Raro, realizada em 1967, vê-se uma das quatro variações do esquema padrão criado por Albers em sua série iniciada em 1949. Três áreas quadrangulares, de tonalidades distintas do matiz verde, propiciam a experiência visual ao espectador de perceber, pela sobre-posição dos quadrados formados, a fusão visual dos planos de profundidade. (MORAES e FRANCOICO, 2004, p.3).

A característica construtivista do trabalho de Josef Albers dialoga com a obra de alguns artistas concretos e neoconcretos e os “Gibis” de Ray Colares são exemplos.

Como exemplo, podemos citar o Gibi, 1970, (Figura 3 à direita), onde Co-lares utiliza o papel em cores e recortes diversos provocando um efeito óptico de planos que avançam e retrocedem no espaço, como Albers fazia com a tinta, explorada através da iluminação.

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Figura 3: à esquerda - Homenagem ao Quadrado: Signo Raro, 1967. óleo s/ tela, 101.5 x 101.5 cm. Aquisição MAC-USP.

À direita: Gibi, 1970 – Raymundo Colares – Aquisição: Fundo para aquisição de obras para acervo MAM-SP – Pirelli.

Fontes Disponíveis Em: Figura da esquerda: <http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo1/construtivismo/bauhaus/albers/

obras.htm> - Acesso: 30 mai.2013 eFigura da direita: <http://mam.org.br/acervo_online/ver/3159>Acesso 30 mai.13

Ao folhear um Gibi, temos a liberdade de escolher qual recorte virar, indo e vindo, construindo a nosso modo, quadrados, retângulos triângulo, linhas e curvas, sen-tindo a textura e a mudança de cores.Somos convidados amanusearum “Gibi” quando seguramos um exemplar. O olho e a mão interagem na descoberta, apresentada a cada página. A leitura exige a participação ativa do leitor, quando manipula cuidadosamente o livro etoca e sente a texturado papel, quando vira as páginas, é nesse momento que o livro acontece, e cabe ao leitor explorar seu potencial criativo, como num jogo.

Relação entre os livros ilegíveis de Bruno Munarie os Gibi de Ray Colares

Os Gibis seguem a tradição dos “livros ilegíveis” de Bruno Munari, (Figura 4 à esquerda),nos quais a leitura exige uma manipulação minuciosa do objeto, em que o expectador ao tocar o papel, sente sua textura, vira a página e descobre um novo mun-do, uma leitura lúdica e exploratória.Ray Colares e Munari defendem que o livro pode ser compreendido somente por sua visualidade, ambos suprimem o texto em seus livros, e adotamo papelem vários formatos e cores, tornam-no a essência da comunicação e con-teúdo. Percebemos que ambos fizeram experiências explorando o formato das páginas, e perceberam quepáginas de diferentes formatos são mais comunicativas.

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Figura 4: À esquerda: Bruno Munari - Da cosa nasce cosa.À direita: Raymundo Colares - Exemplares de Gibis.

Fontes disponíveis em: Figura da esquerda:<http://agabrielasilva.tumblr.com/acesso >Acesso em 01 jun. 2013.

Figura da direita:<http://gramatologia.blogspot.com.br/2010/12/raymundo-cola-res.html>Acesso 01 jun. 2013.

Os Gibis e os livros ilegíveis são estudos sobre a espacialidade do livro em seu formato de códex, em ambos os artistas propõem levar a condição tridimensional do objeto livro ao limite: cada peça ganha um formato e um sentido de leitura diferente, com a particularidade de nenhuma delas ter nada escrito, seja com palavras ou com imagens.

Ambos exploram um livro com folhas coloridas, sem nada escrito somente folhas em cores, que nos convidam a experiência da leitura para outros sentidos, além da visão. Do leitor exigem uma nova sensibilidade, a do tato edepois de tatear, de tocar o objeto, o leitor passa para a manipulação. O virar das páginas, o olhar atento, compõem um ritmo totalmente novo à contemplação. Deixa de ser estático para se tornar matéria em movimento.

Na (Figura 4 - à direita), outros exemplares de Gibis. Como base, esses livros podem ser lidos de acordo com a preferência do folheador / observador. Podendo a leitura ser feita em qualquer um dos lados.

Alguns livros de Ray Colares são formados por duas cores, outros por es-colhas cromáticas utilizando harmonias contrastantes. A percepção dessas formas e relações cromáticas intriga e agrada ao olho e à mente tornando-se um convite ao ma-nuseio, circunstância na qual olho e mão interagem na descoberta do livro que exige par-ticipação ativa do leitor, o interesse de explorar detalhadamente o objeto. O livro é uma exploração, um jogo lúdico. Na revista de Cultura Vozes (1970),Pontual faz o seguinte comentário sobre a experiência de manusear os Gibis de Colares:

Virar, uma a uma, suas páginas de apenas cor e distribuir todas as possibili-dades de novos conjuntos de planos, que os cortes oferecem em sucessivas surpresas de muito mudar, é como retornar à essência de certos brinquedos de infância e aperfeiçoa-los pela procura do melhor equilíbrio formal. (PONTUAL, 1970, apud CADÔR, 2010. p.77).

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O leitor tem a autonomia para escolher uma nova composição ao virar de cada página, explorando os recortes e criando uma nova sequência, deixando claro uma narrativa em cada Gibi. Essa composição é a sucessão de formas e cores que se dis-põem alternadamente, de acordo com a leitura. O tempo e o espaço estão numa só obra variando sucessivamente num jogo que mexe a todo o momento com o leitor.

Relação entre composições de Piet Mondrian e os Gibis de Ray Colares

Raymundo Colares usou os recortes de papel numa nova forma de leitura da obra de PietMondrian, onde conseguiu transferir com maestria e lealdade a técnica do pintor modernista neoplasticista. Na (Figura 5 - à esquerda), uma composiçãoMondrian, que inspirou a criação de um gibi de Colares.

Figura 5: à esquerda - MONDRIAN, Piet. - Composition II in Red, Blue and Yellow, 1930. À direita - COLARES, Raymundo. GIBI, 1970.

Fontes disponíveis em: à esquerda <http://en.wikipedia.org/wiki/Piet_Mondrian>Acesso em 30 mai. 2013.

À direita - http://gramatologia.blogspot.com.br/2010/09 /raymundo-colares.htmlAcesso em 30 mai. 2013.

Com os recortes as experiências de leitura mudam de acordo com o virar de cada página e com a vontade do leitor, que escolhe qual página virar primeiro. E ao virar a página uma nova composição se apresenta aos nossos olhos. Essaexploração torna evidente uma narrativa, cada Gibi tem múltiplas e potenciais narrativas. Na figura 5, linhas retas horizontais e verticais determinam os planos de cores, numa nova forma de leitura, toda particular, de um trabalho de Mondrian. As cores utilizadas e a grade ortogonal formam a malha construtiva desta leitura. Os quadrados e retângulos são dis-postos de tal forma, objetivandocriar relações de proporção com a área da página, numa demonstração combinatória com a disposição efetuada no trabalho de Mondrian, mos-trando algumas possibilidades dentro de um sistema de relações.

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COnSIDERAçõES FInAIS

Foucault argumenta que as Ciências Humanas é o espaço da representa-ção. Representação esta, do produto da consciência do homem, “fenômeno de ordem empírica que se produz no homem”. Também argumenta que toda forma de saber possui uma positividade, que não está condicionada a cientificidade e que não pode ser julgada por uma referência que não seja o próprio saber. O visível e o invisível representam o domínio do poder e do controle,da visibilidade e invisibilidade. Concordamos com um fa-moso dito de Paul Klee onde este comenta que “a arte não reproduz o visível, mas torna visível” - o visível esta fora da consciência. As imagens participam da nossa “intuição” como pessoas sociais e “são os observadores que fazem os quadros”, já dizia Duchamp. Com os “Gibis”, Colares pretendia a participação do espectador. O potencial desses ”Gibis” - livros de artista, inspirados numa antropologia do olhar, se manifesta através da produção do documento visual, na circulação e consumo das imagens, na interação entre observador e observado.

O Neoconcretismovisava uma interação com o sujeito. Assim, os Gibis co-municam com o público numa linguagem sem palavras, através dos sentidos, dando uma nova visão a respeito da arte e do livro. Colares queriaque seus “Gibis” fossem como os gibis (revista em quadrinhos), encontrados em qualquer banca de jornal, dessa forma eles seriam mais acessíveis ao público.Estes “Gibis” dão vida a uma poética que explora intensamente a visualidade. São matrizes de sensibilidade, que apelam para a leitura sinestésica com o leitor.

“Os Gibis” de Ray Colares são a representação deum dos momentos mais fascinantes da arte brasileira contemporânea na década de 60/70. O artista consegue com “Os Gibis” trazer, numa linguagem já existente, sensações diversas, experiências renovadas em cores e formas, recortes e dobras, linhas e formas geométricas. Em uma linguagem que não envelhece.

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REFERênCIAS

CADÔR, Amir – Os Gibis de Raymundo Colares. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO. Raymundo Colares. Luiz Camillo Osório (Curadoria). São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2010.

FOUCAUL, Michel - Estética: literatura e pintura, música e cinema. 2. ed.- Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.

MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. - Fontes Visuais, cultura visual, história visual: balan-ço provisório, propostas cautelares. Revista Brasileira de história. V.23, n.45, p.11-36, jul.2003.________ - Rumo a uma “História Visual”. In: MARTINS, José de Souza (orgs.) - O ima-ginário e o poético nas ciências sociais. Bauru, SP: Edusc, 2005.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Trad. Carlos Alberto R. De Moura. São Paulo: Martins Fontes, 1980.

MORAES, Christiane; FRANCOICO, Maria Ângela Serri – Ficha 1 - Josef Albers – p.65 – MAC USP : Fonte Disponível em: <http://www.macvirtual.usp.br/mac/templates/projetos/roteiro/PDF/01.pdf> Acesso 30 mai.2013.

MUSEU DE ARTE MODERNADE SÃO PAULO. Raymundo Colares. Luiz Camillo Osório (curadoria): catálogo. São Paulo, 2010. 96 p.

OSORIO, Luiz Camillo. Os Gibis de Raymundo Colares. In: MUSEU DE ARTE MODER-NA DE SÃO PAULO. Raymundo Colares. Luiz Camillo Osório (Curadoria). São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2010.

PONTUAL, Roberto –“Raymundo Colares, a afirmação do autodidata”. Jornal do Brasil. 26 jun. 1970. In OSÓRIO, Luiz Camillo(Curadoria). Museu de Arte Moderna de São Pau-lo. Raymundo Colares. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2010.

SILVEIRA, Paulo. A existência de narrativo no livro de artista. Porto Alegre: Instituto de Artes UFRGS, 2008. 321p. (Tese, Doutorado em História, teoria e crítica da Arte).

SOUSA, Marcia Regina Pereira de. O livro de artista como lugar tátil. 2009. 217p. Disser-tação (mestrado) Universidade do Estado de Santa Catarina, UDESC, Centro de Artes, Mestrado em Artes Visuais, Florianópolis, Santa Catarina.

VENEROSO, Maria do Carmo de Freitas. Palavras e imagens em livros de artista. Re-vista do Programa de Pós-graduação em Artes da Escola de Belas Artes – Pós: Belo Horizonte, v.2, n.3, p.82-103, mai.2012.

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CRéDITO DAS FIGURAS

Figura 1: COLARES, Raymundo – Sem título, 1969. Tinta esmalte industrial sobre metal (alu-mínio) 100 x 232 cm. Coleção João Sattamini/Comodante Museu de Arte Contemporânea da Prefeitura de Niterói. Reprodução fotográfica Sérgio Guerini. Fonte Disponível em:<http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index>- Acesso 22 jun. 2013.

Figura 2: COLARES. Raymundo- Homenagem a Volpi (maior artista brasileiro), 1981. Tinta industrial sobre madeira, 70 x 70 cm. Fonte: Catálogo Museu de arte Moderna de São Paulo, 2010.

Figura 3:à esquerda - Homenagem ao Quadrado: Signo Raro, 1967. óleo s/ tela, 101.5 x 101.5 cm. Aquisição MAC-USP.À direita: Gibi, 1970 – Raymundo Colares – Aquisi-ção: Fundo para aquisição de obras para acervo MAM-SP – Pirelli. Fontes disponíveis em: Figura da esquerda:<http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo1/construtivismo/bauhaus/albers/obras.htm> - Acesso: 30 mai.2013 eFigura da direita: <http://mam.org.br/acervo_online/ver/3159>Acesso 30 mai.13

Figura 4 – À esquerda: Bruno Munari - Da cosa nasce cosa.À direita: Raymundo Colares - Exemplares de Gibis. Fontes disponíveis em: Figura da esquerda:<http://agabrielasilva.tumblr.com/acesso >Acesso em 01 jun. 2013. Figura da direita: <http://gramatologia.blo-gspot.com.br/2010/12/raymundo-colares.html>Acesso 01 jun. 2013.

Figura 5: à esquerda - MONDRIAN, Piet. - Composition II in Red, Blue and Yellow, 1930.À direita - COLARES, Raymundo. GIBI, 1970.Fontes disponíveis em:à esquerda <http://en.wikipedia.org/wiki/Piet_Mondrian>Acesso em 30 mai. 2013.À direita - <http://grama-tologia.blogspot.com.br/2010/09 /raymundo-colares.html>Acesso em 30 mai. 2013.

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PERFORMAnCE E SEUS CAMInhOS DAS ARTES VISUAIS À CIBERARTE

Hélio Renato Silva Brantes 1

ResumoEste artigo pretende refletir sobre a linguagem da performance, com auxílio de pensadores como Richard Schechner, Josette Féral, Edgar Franco, e Regina Melin apresentando a trajetória do pensamento sobre o tema, em sua característica interdisciplinaridade e,no entrecruzamento, sua aproximação com as artes visuais. Momentos marcantes serão apresentados dos anos 60 à atualidade, do avanço das novas tecno-logias ao conceito do “pós-humano”.

Palavras-chave: performance; artes visuais; ciberarte; pós-humano.

Abstract:This article aims to reflect on the language of performance, with the help of thinkers such as Richard Sche-chner, Josette Feral, Edgar Franco, and Regina Melin presenting the trajectory of thought on the subject, in his characteristic interdisciplinary and crossing his approach to the visual arts. Moments, will be presented ‘60s to the present, the advancement of new technologies to the concept of “post-human”.

Key words: performance, visual arts; cyberart; posthuman.

InTRODUçãO

A noção de performance, nas considerações de Féral, 2011,confunde-se com as artes cênicas, porém supera o teatro dramático e, com ele, o fim do próprio conceito de teatro corrente. “O ator aparece aí, antes de tudo, como um performer. Seu corpo, seu jogo, suas competências técnicas são colocadas antes de tudo. [...] A narra-tiva incita a uma viagem no imaginário do espectador tanto quanto o canto e a dança amplificam (FÉRAL, 205).

Estão em jogo, em qualquer performance, num espetáculo, num jogo ou num ritual de entrega acerca de,pelo menos, em três operações; diz Schechner,1982.São três expressões verbais que representam ações como:ser/estar,fazer e mostrar o que faz, du-rante o devir artístico , o processo de criação, atos conhecidos por todo artista “Por vezes separados, por outras combinados, eles não se excluem jamais. Muito pelo contrário, eles interagem com frequência no processo cênico”. (Schechner apud Feral, p.208)

Performance,Feral, 2011,quer seja num sentido de primeiramente superar ou ultrapassar os limites de um padrão ou, ainda, no sentido de se engajar caracterizando-se na evidencia de ser/estar,ou seja, se comportar, fazer a atividade de tudo o que existe;mostrar o que se faz, ligando-se à natureza dos comportamentos humanos (Feral, p.208).

1 Hélio Renato Silva Brantes: Professor na Unimontes-Artes Visuais,Faculdades Santo Agostinho-Arquitetura e Urbanismo e Mes-trando em Artes e Cultura Visual-Minter UFG. Unimontes. CurrículoLattes: http://lattes.cnpq.br/3315852008374023 C

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Voltando nosso olhar às artes visuais, em considerações de Melin, 2008, a palavra performance nos remete a ideia da inserção do corpo participante na obra, notadamente nos anos 60 e 70, com um grande número de variáveis, em ações ao vivo, num tempo ou espaço específicos. Os artista, voltando-se às ações performática, objeti-vando romper com os padrões convencionais da arte, buscando indicar novos caminhos (MELIN, p.7,8) .

Se a arte da performance, em comentário de Pupo, 2011, se evadiu nas variadas opções propostas presentes , “mesmo que essa seja programada e ritmada, assim como na performance, o desenrolar da ação e a experiência que ela traz por parte do espectador são bem mais importantes do que o resultado final obtido”(PUPPO,p 114).

A diferença entre estas abordagens é igualmente perceptível no nível dos discursos teóricos e das abordagens analíticas, como nos apresenta Feral,2008, sendo que,se no pensamento de americanos, estes preferem desenvolver o conceito de “per-formance” em seu sentido antropológico, multicultural e multidisciplinar; pelo lado fran-cês, a resistência ao conceito é grande, pois a noção de performatividade está no cerne de suas ações(Feral,p.197).

PERFORMAnCE E AS ARTES VISUAIS

No final da década de 1960 e no início dos anos de 1970, a prática perfor-mativa integra-se e amplia também a visibilidade do discurso das artes plásticas, em ob-servações de Melin, 2008, quando as câmeras de vídeo surgiram em registro de alguns processos artísticos, “Bruce Nauman, Vito Acconci e John Baldessari punham-se a frente à Câmera em seus ateliês, ausentes de público, com uma série de gestos repetidos, re-alizavam suas obras ações observadas até os dias de hoje”. (MELIN. P.47)

Não diferentemente, os trabalhos criados no Brasil pelas primeiras gera-ções de vídeos, como registra Melin, 2008,voltavam-se principalmente a performances no campo nas artes visuais. Mesmo nos dias de hoje,observamos que estes registros, também são orientados por fotografias. Trabalhos realizados por artistas plásticos como Anna Bela Geiger, Paulo Herkennhoff, Artur Barrio, Carlos Zílio, Regina Silveira, Tunga entre outros. Paulo Herkennhoff engolindo papel de jornal em “Estômago Embrulhado”, Regina Silveira em “A arte de desenhar”, Anna Bela Geiger, subindo e descendo uma escada, todas de 1975. Uma característica que abraça todos esses vídeos e fotografias é que os artistas expandem seus corpos como matéria artística como categoria de es-cultura e pintura. Entendendo-se que qualquer prática neste viés,realizada por artistas, configuraria como objeto artístico. Havia, sem dúvida, uma clara intenção de sublinhar o processo como obra.Tendo seus ateliês como espaço escolhido, como espaços de experimentação e realizações”(MELIN. P.47).

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PERFORMAnCE, ARTE E TECnOLOGIA

Referindo-se sobre a aproximação entre, arte e tecnologia e performance, voltando-se à ciberarte, em texto de Eduardo Kac, 1997,indica como sendo a partir dos anos 60, os primeiros registros de trabalhos de arte robótica,desenvolvidos numa mes-clagem, unindo entretenimento e ciência, tendo resultados expressivos.Neste cenário, um robô,inspirado na forma humana,foi criado por de Paik e Abe. Os artistas produziram uma performance intitulada «A Primeira Catástrofe do Século Vinte e Um”, “quando, fora da galeria, numa avenida, o robô foi atingido por um carro. Nesta performance, Paik abordou os problemas potenciais que surgem quando as tecnologias colidem fora do controle humano”(KAC, p. 60-67).

“A reação do público das galerias, ao ver criaturas hediondas como K-456 ou os robôs animados por sistemas pneumáticos de Jim WHiting, variava da piedade, passando pela fascinação e chegando ao terror” (Franco, p. 134).

Seguindo este viés artístico, Mark Pauline, volta-se à arte robótica rela-cionada, incluindo a sua presença em eventos performáticos. Em 1980, Pauline criou o grupo colaborativo «Survival Research Laboratories» (SRL), unindo máquinas, música, explosões, rádio, ações destrutivas e violentas,‘fogo, líquidos, partes de animais e ma-teriais orgânicos. Esses espetáculos robóticos de medo e destruição são, muitas vezes, questionados pelo abuso da força e exacerbação da tecnologia”(Franco, 2006, p.135).

Nas apresentações de SRL, segundo o comentário de Franco, 2006, cria-turas robóticas, que nos remetem à arsenais teledirigidos, se digladiam como numa are-na romana. Os robôs são antromorfizados que, muitas vezes, “contam com partes de animais mortos como componentes estéticos. Lutam em um espaço repleto de húmus, lubrificante, óleo, gasolina e ainda explosivos e lança chamas controlados remotamente” (Franco,p.13)

Figura1: MarK PaulineFonte: Disponível em:www.srl.org – Acesso: 18/08/2013

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Stelarc também é outro ciberartista performático, como descreve Edgar Franco2, 2006, com apresentações “body-artísticas”, com as quais percorreu o Japão, Europa e Estados Unidos. Torna-se conhecido por suas performances desde os anos 60. Ficou conhecido, em performances, nos anos 70,pelas suspensões de seu corpo por cordas e perfurações da pele. De seus trabalhos reverenciados são “Third Hand”(1976), “VirtualArm”(1992), “Virtual Body” (1994), “Stomach Sculpture”(1993) e “The Extra Ear”(2007). Outras obras também significativas são “Fractal Flesh”(1995), onde senso-res ,ligados a seus membros,resultam movimentos em imagens no ciberespaço. “Ping Body” e “Parasite”(1995) em conexão à Internet e “Exoeskeleton”, 1998,em que o artista com seis pernas mecânicas andava, com a obra “Movatar”(2000), um corpo robótico e a obra “Extended Arm” relembradas como todas outras de suas performances. Em 2007 apresentou “The Extra Ear”,um implante de orelha, gerando polêmicas globais. Stelarc, como umcyborg,em performances que sugeriam o corpo como ultrapassado, “o corpo obsoleto”,creditando suas conquistas ao esforço de equipes interdisciplinares.

“O artista declara objetivamente que suas obras nada mais são do que antecipações de mudanças iminentes, proporcionadas pelos avanços tecnológicos, e demonstra uma enorme excitação diante desse futuro pós-humano”(Franco, p. 106-107).

O artista plástico brasileiro, Eduardo Kac3 nos traz à discussão performance, objeto e sujeito arte quando,em 1997,implantou um microchip no calcanhar, na obra”Cápsula do Tempo”.Causou também polêmica em 2000, com a obra Bunny,em que introduziu genes fluorescentes numa coelha que sob luz azul, o animal emite luz verde. Eduardo Kac causou nova sensação, em 2009, com a engenharia genética, quando uniu seu próprio DNA ao de uma flor, uma petúnia; Eduardo Kac nomeia a flor resulta do como “Edunia”

Figura 2: Eduardo Kac a coelha “Bunny” e “Edùnia”Fonte: www.ekac.org/nat.hist.enig.port.html - Acesso:18/08/2013

Apesar das críticas, como aquelas de pessoas e movimentos ligados a arte, como apresenta Franco, 2006, em que acusam os “trabalhos de arte genética de propagan-distas e interessados na publicidade [...]a bioarte avança de forma irreversível, e,a cada dia, aumenta o interesse de artistas, teóricos e da academia por elas”.(Franco, p.50)

2 Edgar Franco:performer e artista multimídia Doutor em Artes pela Eca/Usp e professor da UFG-GO.3 Eduardo Kac: artista contemporâneo e pioneiro da arte digital, arte holográfica, arte da telepresença ebioarte.C

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Outro projeto de tecnologia e manifestações artísticas, em que um labora-tório, o Graffiti Research, ligado a estas investigações, buscando criar uma ferramenta para que o artista, Tony Quanaka Temptone, de LA, portador de uma esclerose que leva a perda dos movimentos, podendo assim fazer seus grafittis apenas com o registro ex-clusivamente dos movimentos dos seus olhos. Os resultados dessa experiência, como uma performance, os desenhos,foram projetados em edifícios de Los Angeles.

Figura 3: O Grafiteiro Tony Quanaka Temptone Fonte:http://pplware.sapo.pt/pessoal/ciencia_ saude/eyewriter-o computador-

controlado-com-os-olhos/ - Acesso: 18/08/2013

Observa-se como, após quase quarenta anos do desastre engendrado por Paik, já citado, em comentário de Kac, 1996,podemos relacionar também as obras, des-sa geração de artistas, como Mark Pauline, (KAC, p. 60-67) tanto quanto das obras do “tecnoperformer” Stelarc, em “Extraear” que, se aproxima de cirurgias plásticas repara-doras, e Eduardo Kace suas performance na Bioarte e a discussão ética resultante da ideia da busca estética e o receio da possibilidade da perda do controle humano das tecnologias assim como seu contraste impactante.

Figura 4: Stelarc exibindo “Extra Ear” Fonte: asterisk.apod.com/viewtopic.php?f=31&t= 23824&hilit=LISA Acesso: 18/08/2013

Se em reflexão, Edgar Franco, 2006, atribui as similaridades entre as

poéticas,que discutem os limites do corpo humano, o corpo ultrapassado, e a ampliação de seus domínios pelas máquinas, o corpo pós-humano, em contraste com a realidade da experiência vividado notório paratleta Oscar Pistorius,em que o Comitê Olímpico In-

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ternacional, lhe concedeu o direito de participar das seletivas para os jogos de Pequim em 2009. Aproxima-se a este pensamento com surpresa,deparando-se comum a gera-ção de beneficiados pelo avanço das tecnologias; entre eles, os paratletas, que ampliam os limites humanos, como no caso do brasileiro Alan Fonteles,campeão no Mundial Pa-raolímpico de atletismo, em Lyon, na França em 2013, na categoria de biamputados, e seus companheiros de prova, todos com suas próteses.

Refletindo como a tecnologia promove uma interação com o homem, en-quanto usuário, desde a ampliação da comunicação através de celulares, computadores guardam sua memória, chips regulam os batimentos cardíacos e as próteses que vali-dam performances, como uma expansão do corpo humano.

Figura 5: Prova de 100 m rasos, Mundial Paraolímpico de atletismo, em Lyon, França,2013.Fonte: esporte.uol.com.br/atletismo/ultimas-noticias/2013/07/23/alan-fonteles-vence-os-100-m-e-fatura-2-

-ouro-no-mundial-paraolimpico.htm: acesso em 18/08

Na atualidade, como cita Franco, 2006, entre filósofos, artistas e cientistas sociais aparece o termo “pós-humano”, neologismo que tem como um dos seus signifi-cados possíveis mais difundidos,“a expansão e diluição do corpo e consciência humana através do acoplamento crescente com as novas tecnologias: robótica, telemática, nano-engenharia, biogenética”(FRANCO. p. 100-101).

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COnSIDERAçõES FInAIS

O desenvolvimento das tecnologias se da arte acompanham os caminhos da civilização e os trabalhos artísticos têm essa capacidade de antecipar muitos desses avanços e seus benefícios, através da ficção, de performances e experimentações. A ciência tem caminhado solidamente em suas conquistas; por outro lado, muitas ficções antecipam consideravelmente conquistas tecnológicas. Aguardamos, ávidos, em nossas pesquisas, a constatação e concretização das novas possibilidades que através dos tra-balhos artísticos, antevêem em ficções ou registram conquistas, que propiciam melhores condições à superação dos limites da vida humana.

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REFERênCIAS

FÉRAL, Josette. Por uma poética da performatividade: o teatro performativo. Sala Preta, São Paulo, v.11, n. 1, p. 197-220, 2011.

FRANCO, Edgar. Stelarc: arte, tecnologia, estética e ética. Educação & Linguagem, São Paulo, v. 13, n. 22, n. 22, p. 98-115, jul-dez, 2010.

KAC, Eduardo.Origem e Desenvolvimento da Arte Robótica.”Art Journal”, Vol. 56, N. 3, Fall 1997, pp. 60-67. A revista “Art Journal” é publicada pela College Art Association, New York: emhttp://www.ekac.org/roboarte.html: acesso em 12/08/2013

MELIN, Regina. Performance nas artes visuais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2008. (p. 07-65)

PUPPO ,Maria Lúcia de Souza Barros. Mediação artística, uma tessitura em processo. Revista Urdimento N° 17 Setembro de 2011

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A AURÁTICA FOTOGRAFIA DE ChE GuEvArA

Heloisa de Lourdes Veloso Dumont 1

“Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera inteira”. Che Guevara

Resumo:Esta resenha pretende formular algumas hipóteses acerca do documentário “Chevolution”, produzido em 2008, pelos diretores TrishaZiff e Luis Lopez, e que discute a icônica fotografia do guerrilheiro cubano Che Guevara. Esta foto se tornou a imagem mais reproduzida de todos, encontrando terreno fértil não só poli-ticamente, mas no universo da Cultura Visual, inspirando os mais variados segmentos.

Palavras Chaves: Fotografia, imagem, reprodução.

AbstractThis review aims to make some assumptions about the documentary “Chevolution” produced in 2008 by the directors Trisha Ziff and Luis Lopez, and discusses the iconic photograph of Che Guevara Cuban guer-rilla. This photo became the most reproduced image of all, finding fertile ground not only politically, but in the world of Visual Culture, inspiring several segments.

Key Words: Photography, image reproduction.

InTRODUçãO

O documentário “Chevolution”, produzido no ano de 2008, dos diretores TrishaZiff e Luis Lopez, busca discutir a jornada da icônica fotografia do guerrilheiro cubano Che Guevara, que se tornou a imagem mais reproduzida de todos os tempos. O filme conta com entrevistas com os atores Antônio Banderas e Gael Garcia Bernal, que anteriormente haviam interpretado o lendário Che Guevara no cinema.Este surpre-endente documentário discute a fotografia de Che feita pelo fotógrafo cubano Alberto “Korda” Diaz. Figura 1.

1 heloisa de Lourdes Veloso Dumont,CV: http://lattes.cnpq.br/9380627247184940.Mestranda em Arte e Cultura Visual pela UFG/UNIMONTES, Especialista em Arte Educação e Historia da Arte, professora de Ensino Superior da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES e da FASA - Faculdades Santo Agostinho.

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Figura 1: Ernesto Che GuevaraFonte: http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.rua.ufscar.br/img/s06/chevolution.

jpg&imgrefurl=http://www.rua.ufscar.br–Acesso 18 Jul. 2013.

Ernesto Rafael Guevara de laSerna, conhecido como “Che” Guevara”, foi um político, jornalista, escritor e médico argentino-cubano, nasceu em 1928 e morreu em 1967. “Che Guevara” não gostava de ser fotografado e, o documentário, inclusive, aborda a teoria de que ele havia proposto a “Korda” que somente posaria para uma foto em troca de uma semana de trabalho no corte da cana de açúcar.

Alberto Korda iniciou sua carreira na fotografia através da produção de imagens de produtos comerciais e modelos femininos sensuais em Cuba. A partir da fotografia em 1958, de uma menina chorando assustada e segurando uma boneca, que na verdade era um pedaço de madeira embrulhado com papel jornal, se conscientiza da situação real do seu país e se torna um revolucionário, aliado à causa de Fidel Castro, se tornando um colaborador voluntário do Jornal Revolución, acompanhando a revolução e registrando os seus instantes decisivos.

A fotografia, objeto de debate do documentário, que se tornou ícone mun-dial, foi produzida em 05 de março de 1960, quando Che Guevara participava de um funeral público em Havana. Naquele momento, o fotógrafo “Korda”, jamais poderia ima-ginar que estaria escrevendo definitivamente o nome do guerrilheiro “Che”Guevara, co-mandante da revolução Cubana – e o seu próprio – na história. Bastaram apenas dois clicks para capturar a imagem emblemática do comandante revolucionário naquele dia. E bastou apenas uma destas imagens para espalhar o rosto de Che, com sua boina e seu olhar misterioso e carregado de dor por todo o mundo, o transformando em símbolo de incontáveis movimentos e manifestações populares.

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De acordo com depoimento da irmã do fotógrafo Korda, no instante deci-sivo da foto, Che, Sartre e Simone de Beauvoir, se encontravam no palanque. Câmera posicionada, quando Che avança para contemplar a multidão, momento em que o fotó-grafo o focalizou e disparou dois cliques, um na posição vertical e outro na horizontal.

“Chevolution” investiga e debate como esta lendária foto, produzida por um foto jornalista, pode suscitar implicações variadas e ser constantemente reinventada, a ponto de ter se tornado a fotografia mais reproduzida de todos os tempos, transformada em fenômeno mundial, fonte de inspiração de jovens, artistas e designers. Trata-se, por-tanto de um fato bastante antagônico. O mito e a história por trás da imagem de CheGue-vara, que foi transformado em um símbolo do socialismo, da luta contra o imperialismo norte-americano, e que através desta intrigante fotografia se torna um produto da cultura de massa, utilizada no mundo todo, e livre das limitações dos direitos autorais.

Causa grande inquietação o fato de uma simples imagem, que sequer foi publicada no jornal local na época de sua produção, aos poucos ter se transformado ao ponto de ser considerado um ícone, se espalhado sem controle pelo mundo todo, sendo utilizada das mais diversificadas maneiras. De acordo com entrevista da filha do fotógra-fo no documentário, a imagem que havia sido recusada pelo jornal cubano da época, provavelmente foi doada pelo próprio Korda para 2Giangiacomo Feltrinelli, quando de sua visita a Cuba. Após o retorno deste à Europa, utilizou a fotografia na produção de diversos pôsteres, posteriormente lançados por sua editora. A partir de então a imagem não tem dono, a sua veiculação e seu uso irrestrito acontece livre dos direitos autorais.

Uma curiosidade abordada no documentário é o fato de anos depois ter sido divulgada a fotografia de Che Guevara morto, uma imagem que foi comparada com “A Lamentação sobre o Cristo Morto (1475-1478)”, uma das mais famosas têmperas do pintor Renascentista italiano, Andrea de Mantegna (1431 -1506). A divulgação desta fotografia não tira o foco e nem substitui a imagem intrigante do guerrilheiro, ícone de resistência, que já se popularizava e já era conhecida antes de sua morte.

Não só politicamente, mas esta icônica imagem, encontrou terreno fértil no universo da Cultura Visual, inspirando os mais variados segmentos. A participação do ar-tista plástico Jim Fitzpatrick no documentário mostra que a partir da estilização da imagem de Che, à maneira da ‘Pop Art’, novos valores foram sendo agregados, transformando esta imagem de cunho documental e jornalístico em objeto artístico. Figura 2.

2 Giangiacomo Feltrinelli, codinome Osvaldo (Milão, 19 de junho de 1926 - Segrate, 14 de março de 1972), foi um editor e ativista político italiano.Fundador da renomada editora italiana Feltrinelli, foi também o criador, em 1970, dos GAP (Gruppi d’Azione Partigia-na), uma das primeiras organizações armadas de esquerda dos chamados anos de chumbo. C

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Figura 2: Wohrol, Andy.Che Guevara.Fonte: www.wikipaintings.org. Acessado em 18 Jul. 2013.

Não somente nas artes plásticas, a imagem de Che viaja através de di-versos segmentos. De maneira inusitada o músico Tom Morello (da banda RageAgainst The Machine) se utilizou da imagem na capa do cd Bombtrack de 1992, relacionando a ideologia da banda com a do guerrilheiro. Figura 3.

Figura 3: Capa CD Bombtrack - http://portalctb.org.br/site/cultura-e-midia/12012-em-entrevista-tom--morello-do-rage-against-the-machine-fala-sobre-a-ligacao-da-banda-com-movimentos-sociais. Acesso

em 20 Jul.2013.

Pensar em como esta fotografia produzida por um fotojornalista vem sendo uti-lizada e ressignificada, nos leva a analisar as especificidades do uso da imagem de maneira atemporal. De acordo com Rouillé (2009), o sentido da imagem original vai sendo transfor-mado na medida em que esta vai ganhando novas camadas de significados, e o contexto do dia específico do acontecimento desaparece, na medida em que novos valores vão sendo incorporados à imagem. Para o autor, o tempo fotográfico deve ser pensado em:

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...como as imagens conseguem contornar a tirania do tempo cronológico do dispositivo, para abrirem-se ao tempo não cronológico da vida dos eventos? Evidentemente pelas formas, pela expressão. O documento estrito respeita a cronologia, enquanto a expressão tenta inibi-la por todos os meios. O tempo, todavia, não é o mesmo para o operador em face do evento, e para o espectador colocado diante da imagem. (ROUILLÉ, 2009, p. 208)

O que nos leva a refletir que a fotografia postula estratégias para reinventar e reverter o passado em presente, não podendo dissociar a lembrança da pessoa ou aconte-cimento da representação da imagem. A fotografia, portanto,registra e constrói a realidade; não somente a produz. E essa realidade no caso específico desta foto, apropriada pela indústria cultura, a imagem apropriada do herói é recriada e elevada a de consumo.

A fotografia representa o eterno idealismo da juventude, e a essência de Che ain-da está gravada naquela imagem. Para Benjamin, a aura é uma “figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais próxima que ela esteja” (1998, p. 150). O autor considera que a aura é como um instante, um momento capturado de maneira intrigante em uma imagem. É como “observar, em repouso, numa tarde de verão, uma cadeia de montanhas no horizonte, ou um galho, que projeta sua sombra sobre nós, até que o instante ou a hora participem de sua manifestação, significa respirar a aura dessa montanha, desse galho”. (HUBERMAN, 1998, p.101).

A respeito da aura da fotografia, podemos ainda pensar esta imagem de Che como uma fotografia aurática. Para Huberman (1998) o aurático

Seria o objeto cuja aparição desdobra, para além de sua própria visibilidade, o que devemos denominar de suas imagens, suas imagens em constelações ou em nuvens, que se impõem a nós como outras tantas figuras associadas, que surgem, se aproximam e se afastam para poetizar, trabalhar, abrir tanto seu as-pecto quanto sua significação , para fazer delas uma obra inconsciente. E essa memória, é claro, está para o tempo linear assim como a visualidade aurática para a visualidade “objetiva”: ou seja, todos os tempos nela serão trançados, feitos e desfeitos, contraditos e supervisionados. (1998, p.149)

Para esse autor, a aura está relacionada com o olhar do sujeito, “do olhante pelo olhado” (1998, p. 148). O autor diz ainda que “sentir a aura de uma coisa é conferir--lhe o poder de levantar os olhos”. Portanto, a aura de um objeto está intimamente ligada ao conjunto de imagens que ela suscita. Na imagem de Che-, não podemos pensá-la de forma descontextualizada, mesmo diante do fato de que foi feito um recorte na mesma em relação ao sentido anterior, abrindo, portanto, espaço para a proliferação de sentidos. Isso significa que a supremacia da foto de Che está em ser um ícone da resistência e um exemplo de inspiração, é como se a imagem e as ideias deste jovem revolucionário não tivessem dono, é o mito e a história por trás da fotografia deste guerrilheiro.

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A aura é, portanto, a grande motivadora do desejo irresistível de possuir o objeto, que no caso da foto de Che, é oferecida e apresentada ao espectador/consumi-dor através da repetição.

Autenticidade depende da materialidade da obra, portanto, o que faz com que um objeto seja autêntico é o que ele tem de originariamente transmissível, levando em conta a sua durabilidade e seu poder de testemunhar a história. A reprodução de uma imagem pode abalar a sua autenticidade e ainda a própria autoria da mesma.

Conclui-se, portanto, que a imagem de Che se tornou atemporal e se esta-belece através da sua relação com o espectador. Não se pode pensar esta fotografia de forma descontextualizada, mas sim como um evento, pois existe uma relação das pes-soas com a imagem, possibilitando pensar nas implicações emanadas na mesma. O que ela provoca e que aos poucos vai sendo alterado é que faz dela uma imagem para além de seu tempo. Esta fotografia que incita a proliferação dos sentidos, motiva à criação artística, é uma imagem quase sagrada, famosa devido ao uso que fizeram dela. A sua autenticidade pode ser pensada através das representações críticas enquanto constru-ção visual do social e a constituição de Che Guevara como sujeito.

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REFERênCIAS

Benjamin, W. In Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras Escolhidas, volume II. São Paulo: Brasiliens, 1993.

Benjamin, W. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica. In Magia e técni-ca, arte e política: Ensaios sobre literatura e historia da sultura. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 165-196.

Didi-Huberman, G. A dupla distância. In Didi-Huberman. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Ed. 34, 1998, p. 147-68.

Rouillé, A. Tensões da Fotografia. In A. Rouillé. A fotografia entre documento e arte con-temporânea. São Paulo: Editora SENAC, 2009, p. 189-229.

Página da Web:http://www.rua.ufscar.br/site/?p=1139- acessado em 18 Jul. 2013

http://portalctb.org.br/site/cultura-e-midia/12012-em-entrevista-tom-morello-do-rage--against-the-machine-fala-sobre-a-ligacao-da-banda-com-movimentos-sociais.

www.wikipaintings.org. Acessado em 18 Jul. 2013.

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TRAMAS FOTOGRÁFICAS SOB O REFLExO DA IMAGEM

Juçara de Souza Nassau 1*

ResumoO presente artigo pretende discutir as possibilidades de interpretação da imagem fotográfica. Destaca-se, ainda, a importância de estabelecer intercessões entre a fotografia e a história social.

Palavras-chaves: Fotografia. História. Análise de imagens.

AbstractThis article intends to discuss the possibilities of interpretation of the photographic image. It is noteworthy, also, the importance of establishing intersections between photography and social history.

Key words: Photography; History; Image Analysis.

InTRODUçãO

Propomos analisar a fotografia de Serafim Facella, um italiano que veio para o Brasil, deixando para trás os resquícios da Primeira Guerra Mundial e instalou-se,com sua família, em Montes Claros no ano de 1927, à procura de segurança e liberdade.

Residindo nesta pequena cidade, no interior de Minas Gerais, e sem as mínimas condições para sustentar a sua família, inicialmente, Facella irá enfrentar muitas dificuldades financeiras, mas logo consegue contorná-las ao resolver adotar a fotografia como profissão - apesar de não ter anteriormente qualquer aproximação com esse ofício. Assim,ele inicia o seu novo trabalho incentivado pela esposa Maria Facella que, na Itália, já dominava a arte fo-tográfica. Com ela, Facella teve as suas primeiras aulas e logo se habilitou para o manuseio da câmera e das técnicas laboratoriais para revelação das fotografias em preto e branco.

Se, em um primeiro momento, a fotografia se expandiu pelo interior do país através dos fotógrafos ambulantes, assim também, chegou ao interior de Minas Gerais, em Montes Claros, de maneira a contribuir significativamente para a difusão da fotografia na cidade. Neste contexto, destaca-se o pioneirismo de Facella, que ali instalou o primeiro estú-dio fotográfico da cidade, o Foto Facella, situado na praça da Matriz, principal praça de Mon-tes Claros na época. Em um momento de escassos recursos, Facella precisava desprender enormes esforços e buscar no Rio de Janeiro os materiais para o funcionamento de seu es-túdio. Apesar de todas as dificuldades, através da fotografia, Facela registrou um período im-portante para a história de Montes Claros e contribuiu de maneira significativa para que hoje possamos reaver os modos e os costumes de uma cidade que estava apenas se iniciando.

1 Mestranda em Cultura Visual (UFG). Professora do Departamento de Artes - UNIMONTES. CV: http://lattes.cnpq.br/1761770155465344 C

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Notamos em suas fotografias a preocupação com o enquadramento, o cor-reto posicionamento das luzes e das sombras que, para atingir os objetivos composi-cionais, muitas vezes, compunha a cena a ser registrada. Portanto, ao analisar as suas fotografias percebemos o embate entre a representação e o fato. Esta dualidade, que se encontra presente em seu registro fotográfico, nos faz duvidar deque sejam vestígios do mundo real. Nesse sentido, elas trazem reflexões sobre as funções da fotografia ao longo da história, enquanto documento histórico.

Se o espaço e o tempo permeiam a imagem fotográfica, podemos enten-der que, na fotografia de Facella, o espaço está determinado pelos enquadramentos realizados nas ruelas da pequena cidade interiorana, e pelo tempo circunscrito no ano de 1935, em que suas fotografias foram realizadas. A partir destes pontos procuraremos realizar algumas abordagens sobre as possíveis tramas que compõem este espaço/tem-po, costuras que unem o que está explicitamente visível e o que implicitamente podemos desvendar. Neste contexto, pretendemos alinhavar estes recortes espaciais e temporais, assim como os acontecimentos do passado, possibilitando olhares mais aguçados sobre a vida social dos habitantes desta cidade.

Segundo Kossoy (2005), esta reconstrução pode ser realizada tanto com o auxílio de investigação em documentos escritos, quanto por meio da mera dedução ou lembrança pessoal dos fatos acontecidos. De uma maneira ou de outra, sempre será passível implicar aí um processo de criação de realidades.

Nessa esteira, constatamos a existência de narrativas visuais na imagem fotográfica e a possibilidade de conhecê-las. Como ressalta Foucault (2000, p. 44),“co-nhecer será, pois, interpretar: ir da marca visível ao que se diz através dela e, sem ela, permaneceria palavra muda, adormecida nas coisas”.

PRIMEIRA COSTURA: O CORTE

Figura 1: Inauguração do primeiro chafariz, 1935, Montes Claros.Fonte: Serafim Facella, COLARES, Zezé e SILVEIRA, Yvonne.

Montes Claros de ontem e de hoje. Belo Horizonte: Mazza Edições, 1995.

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Vemos na estatização do plano fotográfico (figura1),uma cena urbana que Serafim Facella escolheu retratar: entre tantos enquadramentos possíveis, um espaço público da cidade de Montes Claros e os possíveis moradores desta pequena cidade do interior de Minas Gerais.

Um casario ao fundo,revela o lugar - a periferia da cidade - e atesta a pouca condição financeira de seus moradores. Um grupo de pessoas, formado por crianças e adultos, homens e mulheres, ricos e pobres, todos presenciam um mesmo acontecimen-to - a inauguração do primeiro chafariz da cidade.Ao fotógrafo, coube a tarefa de docu-mentar este importante momento para a cidade, enquanto o pesquisador propõe-se, a partir deste recorte, analisar e desvendar a história social que essa imagem representa.

Na fotografia (figura 1), portanto, não vemos apenas uma encena-ção construída com personagens ilusórios, mas rastros de um acontecimento social. Aquelas pessoas estariam ali como testemunhas de um fato acontecido. Através da fotografia,podemos construir uma crônica através da imagem, neste ponto, recorremos a Mauad (1996) quando ela propõe que, para compreender a imagem fotográfica, é pre-ciso, primeiramente, compreender a natureza técnica do ato fotográfico e considerar a fotografia como testemunho, já que ela atesta a existência de uma realidade: “um espe-lho cuja magia estava em perenizar a imagem que refletia” (MAUAD, 1996, p. 2). Seria, então, a fotografia este espelho mágico de gravar as imagens reais?

Esta postura de tratar a imagem fotográfica como cópia precisa do mundo real foi muito criticada e é passível de discussão, tomando como base a história da foto-grafia. A partir destas considerações, percebemos que a fotografia constitui-se de indí-cios da história,como sugere Burke (2004), e, como tal, precisa ser analisada através de métodos investigativos que demonstrem uma postura crítica por parte do pesquisador e que o instiguema desvendar as tramas contidas nas imagens fotográficas.

A fotografia não é, portanto, uma cópia fiel, reflexo exato de uma cidade ou de uma pessoa. Daí,segundo Kossoy(2009), existirem alguns preconceitos quanto à uti-lização da fotografia como instrumento de pesquisa. Preconceito, em primeiro lugar, de ordem cultural, uma vez que a escrita predomina como meio de conhecimento científico.Além disso, no que diz respeito à expressão, a informação visual acaba por constituir-se um obstáculo para o pesquisador que insiste em interpretar a informação quando “esta não é transmitida segundo um sistema codificado de signos em conformidade com os cânones tradicionais da comunicação escrita”(KOSSOY, 2009, p.30).

Nesse sentido, quando percebemos, na Figura 1, que quase todos olham para a câmera fotográfica e se posicionam de modo a saírem na fotografia, podemos su-gerir o controle do fotógrafo na organização da cena para este momento? Essa questão evidencia a dificuldade do analista em identificar o quê sofreu interferência do fotógrafo e o quê de fato aconteceu.

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A partir das dúvidas formuladas a respeito da imagem fotográfica, vamos criando uma nova realidade e recriamos os fatos, estabelecemos conexões com outros contextos culturais e históricos que já possuíamos.Para Kossoy (2009),as informações adquiridas pelo pesquisador serão mais seguras quanto maior for o seu preparo, sua bagagem cultural e a sua experiência com a imagem fotográfica.

Ao analisar a imagem, torna-se necessário posicionarmo-nos criticamente sobre a aparência imediata das imagens fotográficas.

“Mas o grau de sutileza desses detalhes, que os tornaria quase imperceptíveis no fluxo do tempo normal da cena, nos conduz por julgamentos distintos. Ora nos impressionamos com a habilidade do fotógrafo, cujo olhar aguçado teria permitido domar a fugacidade do instante; ora desconfiamos de sua intenção em mostrar aquilo que se vê agora em sua foto.” (ENTLER, 2005,p.274)

Impossível, portanto, analisar as imagens sob um único ponto de vista.É preciso tecer relações entre elas. Interpretar uma imagem significa, portanto, levar em conta e desvendar as redes em que elas estão inseridas nas relações humanas, é tornar visível o quê em uma imagem está oculto. Para isso, como sugere Rouillé (2009, p. 162), é preciso “libertar-se da ordem visual que regia a fotografia documento”, o que supõe libertar-se dos automatismos visuais que nos impedem de ver além da matéria.

Figura 2: Inauguração do primeiro chafariz, 1935, Montes Claros. Fonte: Serafim Facella, Acervo público da cidade de Montes Claros.

Sendo assim, procuraremos nos detalhes, a análise da figura 2. Desta ima-gem, que se apresenta em um ângulo maior de visão, provavelmente, reproduziu-se a figura 1. Nesta, podemos ver inteiramente as pessoas dos cantos à esquerda e à direita da imagem e também, parte de um nome e, daí constatarmos, que o produtor da fotogra-fia é o Foto Facella. Mas, provavelmente, esta fotografia também é cópia de uma terceira imagem, pois a data, geralmente inserida pelo fotógrafo, logo abaixo de seu nome, não aparece ou, por algum motivo, foi cortada.C

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SEGUnDA COSTURA: ALInhAVOS EnTRE AS IMAGEnS

Nesta imagem (figura 2), encontramos evidências concretas sobre este acontecimento urbano. No entanto, algumas questões nos inquieta: a fotografia seria uma encomenda? De quem? Para quem? O grande número de pessoas, de diferentes de grupos sociais, presentes no evento e que disputam o restrito espaço em torno do chafariz, quem seriam?

Além da captura de alguns detalhes que compõem a fotografia e nos aju-dam a desvelá-la,o historiador Nelson Vianna (1964) esclarece-nos, ainda,que foi no dia 23 de outubro de 1935, às 18:00 horas que aconteceu a inauguração do chafariz:

“ [...] foi inaugurado em Montes Claros, o primeiro chafariz público, situado no Bairro do Morrinho. O ato contou com a presença do Dr. José Antônio Saraiva, Prefeito Municipal de Montes Claros, do Dr. Silviano Azevedo, engenheiro en-carregado da obras de canalização e grande massa popular.” (VIANNA, 1964, p. 356)

O engenheiro José Antônio Silveira (figura 3) é citado por Vianna (1964) quando em 1935, por ato do Governador do Estado, ele é nomeado para o cargo de Pre-feito Municipal de Montes Claros. Silveira assumiu o cargo no curto período de um ano, de 1935 à 1936. Seria ele o senhor vestido de terno claro, gravata e chapéu escuro que se encontra no primeiro plano e do lado direito da fotografia? Encontramos alguma simi-laridade entre sua imagem (figura 3) e o homem que na Figura 1 está vestido de terno branco e olha para o fotógrafo?

Figura 3: Doutor José Antônio Silveira Fonte: Disponível em http://www.montesclaros.mg.gov.br/desenvolvimento%20economico/div_tur/

fotos%20antigas/Administradores/pages/1935%20-%201936%20

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Ao procurarmos localizar o engenheiro Dr. Silviano Azevedo na fotografia (figura 2), que provavelmente idealizou a construção do referido chafariz, questionamos se seria ele o outro homem, também de terno e chapéu claro, que se encontra mais pró-ximo da obra recém-construída. Ele olha, atento,a torneira que aberta jorra água e enche a lata que está sob o chafariz.

Francisca Azevedo Guimarães (2008, p. 36), filha do Dr. Silviano Azevedo, identifica o grupo de pessoas da fotografia (figura4): «adultos: Tia Vivi (Maria das Dores, irmã de mamãe), mamãe com meu irmão Augusto ao colo e papai. Crianças: Eduardo (filho de Vivi), Francina e Silviano com um amiguinho”.

Portanto, podemos observar a semelhança da fotografia do Dr. Silviano (figura 4) com a imagem do homem, próximo ao chafariz, na figura 2. Seria a mesma pessoa e o mesmo chapéu?

Figura 4: Silviano Azevedo e família.Fonte: GUIMARÃES, Francina Azevedo Campos. Silviano Azevedo: meu pai, meu chefe, meu amigo.

Belo Horizonte: O Lutador, 2008.

A dúvida também se instala ao observarmos o aspecto tonal do céu, o contraste de luz e sombra que permeia toda a imagem, o reluzir das latas d`água ao sol, e questionamos ainda: seria»à tardinha», às 18 horas, o momento da inauguração do chafariz? Ou esta fotografia representa o instante em que os idealizadores responsáveis pela obra testavam o chafariz para a inauguração que se aproximava?

Para responder a esta pergunta torna-se necessário notarmos a diferença de tonalidade entre as imagens, apresentadas nas figuras 1 e 2, e compararmos a suave pe-numbra de uma e a aparente claridade da outra, respectivamente. Ao levarmos em conta este fato, descobrimos também outras possíveis deduções, outras camadas invisíveis na imagem e nas quais não podemos verificar, neste momento, a sua autenticidade.

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TERCEIRA COSTURA: EnTRE AS CAMADAS IMAGEnS

Na segunda imagem (figura 2),a estrutura estética em que a fotografia se apresenta compõe-se de um semicírculo formado por pessoas em torno de uma fonte que, neste momento, jorra água em uma calma abundância. Este pequeno detalhe faz surgir diante de nossos olhos o motivo da fotografia: o recém-construído chafariz da cidade.

Nesse instante fotográfico, as pessoas se posicionam em torno da fonte. Como deduzimos, as que estão mais próximas dela são o engenheiro e o prefeito da cidade. Destacam-se do grupo pela localização e pelas vestimentas. Parados, com as mãos ao longo do corpo, um olha para a fonte, o outro para o fotógrafo e o restante do grupo os imitam no gesto e no olhar. Para Foucault (2000,p. 26) “há na emulação algo do reflexo e do espelho: por ela as coisas dispersas através do mundo se correspondem”, mas, no entanto, não os aproximam:

“Por essa relação de emulação, as coisas podem se imitar de uma extremidade à outra do universo, sem encadeamento nem proximidade: por sua reduplicação em espelho, o mundo abole a distância que lhe é própria; triunfa assim sobre o lugar que é dado a cada coisa.” (FOUCAULT,2000,p.27)

A distância, portanto, existe naquele restrito espaço físico em que as pes-soas se aglomeram para assistir um pequeno evento e ao mesmo tempo, saírem na fotografia. Ali, naquele instante, estão mulheres que aguardam passivas o momento de encherem suas latas de água; e os meninos que observam a cena curiosos.Além dos dois engenheiros,mais dois homens compõem a cena e podemos observar a similarida-de da localização em que se encontram: ambos estão distantes do chafariz. Suas rou-pas, porém,denunciam a diferença e a posição social existente entre eles.

O chafariz, quase ao centro, delimita o lado esquerdo e o lado direito da imagem. Do lado esquerdo, se encontram quase todas as mulheres da imagem. Elas vestem saias ou vestidos e nenhuma está calçada. Cada uma delas traz nas mãos uma lata vazia para ser cheia de água.Uma única mulher se localiza do lado esquerdo da imagem, ela não traz nenhuma lata nas mãos e, talvez por este motivo, mereça estar entre o prefeito e o engenheiro. Provavelmente, ela espera, com os pés descalços e com o sorriso no rosto, o fotógrafo realizar a fotografia para, depois então, resgatar a sua lata que já transbordante de água, também espera o ato fotográfico.Esta é a única mulher que olha para o fotógrafo.

Os meninos, de diferentes idades, entremeiam-se e, ao mesmo tempo, se di-videm na imagem. Do lado esquerdo da imagem fotográfica, vemos os meninos descalços – um deles chupa o dedo, o outro ajuda a mãe a segurar a lata d´água e o que está mais ao centro da imagem carrega um objeto que tanto pode ser uma lata, como também, um caixo-te, pois, segura-o pela alça pendurada no braço,como também fazem os engraxates.

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Já, do lado direito da imagem, ficam os quatro meninos calçados,entre eles, dois se destacam pelas roupas, pelos sapatos e pela proximidade com a fonte e com o engenheiro Dr. Silviano Azevedo, seriam os filhos dele? Silviano e Augusto que Guimarães mencionou (figura 4)?Os outros dois meninos, no primeiro plano fotográfico, se abraçam e se afastam dando melhor visibilidade à imagem do prefeito.

Tanto as meninas, quantos as mulheres, que não estavam ali para busca-rem água, não aparecem na imagem. Porque essa ausência? Ou elas apenas não teriam sido enquadradas pelo fotógrafo?Estes questionamentos nos remetem novamente a ve-racidade das imagens fotográficas. Neste ponto, concordamos com Kossoy:

Assim como as demais fontes de informação históricas, as fotografias não po-dem ser aceitas imediatamente como espelhos fiéis dos fatos. Assim como os demais documentos elas são plenas de ambiguidade, portadoras de significados não explícitos e de omissões pensadas, calculadas, que guardam pela com-petente decifração. Seu potencial informativo poderá ser alcançado na medida em que esses fragmentos forem contextualizados na trama fotográfica em seus múltiplos desdobramentos (sociais, políticos, econômicos, religiosos, culturais enfim) que circunscreveu no tempo e no espaço o ato da tomada do registro. (KOSSOY, 2009, p. 22)

A partir dos múltiplos desdobramentos que esta imagem possui e da des-construção da imagem em constante busca de significados, é possível a comparação deste processo com a definição de palimpsestos, proposta por Leite (2005, p. 34):“[...] são antigos materiais de escrita, especialmente pergaminhos utilizados duas ou três ve-zes, nos quais por raspagem ou processos químicos ou fotográficos, é possível ver as camadas inferiores”.

A imagem, portanto, se mostra apenas aparentemente em uma única ca-mada. Ao nosso alcance imediato, nessa primeira camada superficial, existe apenas uma mensagem, que, desprovida de múltiplos significados, provoca a primeira visão/compreensão: um acontecimento banal em um lugarejo qualquer. Nas palavras de Fou-cault (2000, p.13) “aquilo que é olhado mas não visível”. E, se invisíveis neste primeiro olhar, à medida que atentamente a observamos, escavamos e procuramos fragmentos.Outras camadas juntamente com outras mensagens da imagem fotográfica emergem e gradativamente surgem, camada à camada, e vão desvendando a cena registrada por Serafim Facella.

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COnSIDERAçõES FInAIS

A partir da fotografia de Facella, procuramos realizar algumas abordagens que auxiliassem e possibilitassem a interpretação da imagem. A busca e apreensão de alguns fragmentos que compõem a imagem foram essenciais para desvelar as possíveis tramas que compõem a fotografia na década de 1930, em Montes Claros.

No entanto, torna-se necessário esclarecer, que não tínhamos a intenção de responder a todas as questões formuladas, mas, propiciar o início de um debate so-bre o leque de possibilidades que a interpretação que as imagens oferecem.Analisar as tramas fotográficas sob estes enfoques destaca a possibilidade de um olhar mais atento do observador/pesquisador e cresce, assim, a importância dos fragmentos como instru-mentos de pesquisa, principalmente ao relacioná-los com outros contextos fundamentais para a reconstituição histórica.

Delimitado este espaço/tempo e tecendo relações entre os acontecimentos do passado, buscaram-se alguns olhares mais aguçados sobre a vida social dos habitan-tes desta cidade. O poderio das relações, as exclusões e a precariedade vivida naquela época vieram à tona à medida que observávamos os detalhes do enquadramento foto-gráfico e desvendávamos, uma a uma, as camadas que se sobrepõe na imagem fotográ-fica. Tornou-se necessário, portanto, escarificá-la se aprofundar-nos nas informações vi-síveis e invisíveis desta imagem. Contudo, foi possível apenas cortá-la superficialmente, neste primeiro momento de pesquisa, e desvendar apenas parte da história da cidade.

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MOnTES CLAROS: UMA IDEnTIDADE VISTA SOB O OLhAR DA POéTICA

Nilza Eliane Afonso de Souza Quintiliano 1

Resumo O presente artigo propõe reflexões sobre a identidade cultural da cidade de Montes Claros – MG a partir de suas visualidades. Busca também compreender, de que forma a linguagem da gravura, uma poética construída através de materiais alternativos poderão representá-la e ainda, em que medida estes mesmos elementos detêm o poder de inventar, construir, confirmar, alterar e ou sustentar esta identidade.

Palavras-chave: Montes Claros. Identidade. Poética. Gravura.

Abstract This essay reflects on the cultural identity of Montes Claros city - MG from its visualities. It also seeks to understand how the language of the picture, a poetic built by the use of alternative materials can represent it and also to which extent these same elements have the power to invent, build, confirm, change and or sustain this identity.

Keywords: Montes Claros. Identity. Poetic. Engraving.

InTRODUçãO

Este artigo propõe reflexões sobre identidade, um conceito considerado complexo e pouco compreendido na ciência social contemporânea e tem como principal foco, uma discussão sobre a identidade cultural da cidade de Montes Claros – Minas Ge-rais, caracterizada e construída a partir de suas visualidades. Visa também compreender em que medida essas visualidades representadas através de uma poética em gravura tem o poder de construir, afirmar, alterar, confirmar e sustentar essa identidade. Na visão do sujeito sociológico de Hall (2011), a identidade é formada a partir de sua interação com a sociedade refletindo valores, sentimentos, simbologias, ou seja, a cultura na qual o sujeito está inserido. Neste estudo é preciso também considerar a importância da cultura visual e das imagens na construção e afirmação da história no decorrer do tempo, visto que imagens carregam em si mesmas, eternidade e transcendência e estão abertas para o mundo e para o novo. Cada geração escreve e reescreve sua própria história. E no mundo atual, considerando a identidade móvel, formada e transformada continuamente pelos sistemas culturais que nos rodeia, é importante considerar e pensar o sujeito sob a perspectiva – de onde fala - e qual é o seu papel na construção destas identidades.

1 Nilza Eliane Afonso de Souza Quintiliano. Professora no Curso de Artes Visuais. Especialista em Educação Artística. Mestranda em Arte e Cultura Visual, área de concentração Arte, Cultura e Visualidades. Programa Minter – Universidade Federal de Goiás - UFG e Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes.http://lattes.cnpq.br/2000873760829877

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O hOMEM E A COnSTRUçãO DE UMA IDEnTIDADE

Na busca por compreender os muitos caminhos que constituem o conceito de identidade assim como os muitos elementos que a compõem é necessário conceituá--la e só assim entendê-la e valorizá-la. Hall (2011, p.8-9), considera o conceito com o qual estamos lidando, “identidade”, demasiadamente complexo e pouco desenvolvido, bem como, pouco compreendido na ciência social contemporânea para ser definitiva-mente posto à prova. E como ocorre em outros fenômenos sociais, é impossível oferecer afirmações conclusivas ou fazer julgamentos seguros.

Ainda sobre identidade, o autor (p.10-13) apresenta três concepções: O sujeito do Iluminismo – onde o indivíduo é totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades da razão, de consciência e de ação, cujo “centro” - núcleo interior, emerge pela primeira vez com o nascimento do sujeito e com ele se desenvolve. O sujeito so-ciológico – formado na relação com “outras pessoas, importantes para ele”, mediando valores, sentidos e símbolos – a cultura – dos mundos que ele/ela habita. Essa noção de sujeito sociológico reflete a crescente complexidade do mundo moderno. De acordo com essa visão, a identidade é formada na “interação” entre o eu e a sociedade, o “eu real”, formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais “exteriores” e as identidades que esses mundos oferecem. O sujeito pós-moderno – considerado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. Uma identidade mó-vel, formada e transformada continuamente pelos sistemas culturais que nos rodeia. E, (p.13), “a identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia”. E argumenta

Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcer-tante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais podería-mos nos identificar – ao menos temporariamente. (HALL, 2011, p. 13).

Termo derivado do latim, formado a partir do adjetivo “idem”, cujo signifi-cado “o mesmo” e do sufixo “dade”, indicador de um estado ou qualidade. Percebe-se em sua etimologia indícios que podem auxiliar na tentativa de desvendar seu significa-do. Assim, para que um indivíduo possa se enxergar como “o mesmo”, necessita-se da presença do outro, do olhar sobre o outro e a comparação entre os dois. Portanto, para a formação da identidade é preciso que se estabeleçam relações entre os sujeitos, os membros de uma sociedade. Partindo do pressuposto que a identidade é nômade e volá-til, depende de uma dimensão contextual. Vista como um sistema de representação das relações entre indivíduos e grupos, a identidade cultural, envolve entrelaçamentos entre língua, lugar, religião, artes, dentre outros aspectos.

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As identidades parecem invocar uma origem que residiria em um passado his-tórico com o qual elas continuariam a manter uma certa correspondência. Elas têm a ver, entretanto, com a questão da utilização dos recursos da história, da linguagem e da cultura para a produção não daquilo que nós somos, mas daquilo no qual nos tornamos. Têm a ver não tanto com as questões “quem nós somos” ou “de onde nós viemos”, mas muito mais com as questões “quem nós podemos nos tornar”, como nós temos sido “representados” e “como essa representação afeta a forma como nós podemos representar a nós próprios”. (HALL, 2000, p.108-109)

Em se tratando das relações entre produção visual e construção de identi-dades, podemos dizer que as imagens ganham um significado particular, considerando o tempo e o lugar no qual são concebidas. Através de seu poder imagético, podem as-sumir uma dimensão visual, cultural, intelectual, histórica, evocando memórias, trazendo significados e se afirmando num processo de construção de uma identidade cultural. Rouillé (2009, p. 206), considera que “a imagem está sempre ligada, muitas vezes pro-fundamente, a um sujeito um “eu”, em suas ações, sentimentos e percepções, em suas infinitas singularidades”. E, como afirma Mauad (1996, p. 15), toda imagem é histórica. E, “a história embrenha as imagens, nas opções realizadas por quem escolhe uma ex-pressão e um conteúdo, compondo através de signos, de natureza não verbal, objetos de civilização, significados de cultura”.

Podemos dizer que através das imagens, cada geração escreve e reescre-ve sua própria história. E segundo knauss (2006, p. 158), o termo cultura visual, passa a ser usado para promover uma interrogação original sobre os meios de expressão con-temporâneos e sobre as relações entre produção visual e construção de identidades. As imagens carregam em si mesmas, eternidade e transcendência, estão abertas para o mundo e para o novo.

Ao se aproximar do campo visual, o historiador reteve quase sempre, exclusi-vamente a imagem – transformada em fonte de informação. Conviria começar, portanto, com indagações sobre a percepção do potencial cognitivo da imagem para compreendermos como ela tem sido explorada, não só pela história, mas pelas demais ciências sociais, e, antes disso, no próprio interior da vida social, na tradição do ocidente. (ULPIANO, 2003, p. 12)

Desde os primórdios da história até a contemporaneidade, as imagens regis-tram a história. Para Mauad, (1996, p. 6), “novos temas passaram a fazer parte do elenco de objetos do historiador, dentre eles a vida privada, o quotidiano, as relações interpesso-ais”. A autora diz ainda que, uma micro história para ser narrada, não necessita perder a dimensão macro, a dimensão social, totalizadora das relações sociais, exigindo, portanto do historiador que o mesmo seja antropólogo, sociólogo, semiólogo e ainda um excelen-te detetive, para aprender a relativizar, desvelar redes sociais, compreender linguagens, decodificar sistemas de signos e decifrar vestígios, sem perder, jamais, a visão de conjun-to. Ao contrario da palavra escrita, a imagem, tem o poder de atingir todas as camadas C

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sociais, ultrapassando fronteiras e grupos sociais, condensando a visão comum que se tem do passado. Caracterizada como expressão da diversidade social, exibe a pluralidade humana, ganhando um significado particular quando relacionadas ao tempo e lugar em que são concebidas e criadas. Têm o poder magnético de atrair outras ideias, podendo ser esquecidas por séculos para serem novamente reconvocados pela memória.

Na discussão sobre identidade e cultura, Veiga Neto (2004), considera: bus-car uma aproximação entre o pensamento de Michel Foucault e os estudos culturais, pode contribuir para descrevermos e compreendermos melhor nosso mundo de hoje. Coloca ainda que, a cultura está imbricada indissoluvelmente com relações de poder, derivam dessas relações de poder a significação do que é relevante culturalmente para cada grupo. Para Foucault (2010, p. 273), “O sujeito é dividido no seu interior e em relação aos outros” E, (p. 278) que as lutas contemporâneas giram em torno de uma questão: quem somos nós? Quem somos como indivíduos ou o que determina quem somos. Essas lutas tem o poder de atacar, instituição de poder ou grupo de elite ou classe, mas, antes, uma técnica, uma forma de poder. E ainda sobre relações de poder, Foucault argumenta:

Essa forma de poder aplica-se à vida cotidiana imediata, que categoriza o indi-víduo, marca-o com sua própria individualidade, liga-o à sua própria identidade, impõe-lhe uma lei de verdade, que devemos reconhecer e que os outros têm que reconhecer nele. É uma forma de poder que faz dos indivíduos sujeitos. Há dois significados para a palavra sujeito: sujeito ao outro através do controle e da de-pendência, e ligado à sua própria identidade através de uma consciência ou do autoconhecimento. Ambos sugerem uma forma de poder que subjuga e sujeita. (FOUCAULT, 2010, p.278)

Sendo assim, de acordo com o pensamento foucaultiano (Rago, 1993. p.31), conclui: “As identidades são máscaras sobrepostas a outras máscaras, codificações clas-sificatórias que esquadrinham os indivíduos no espaço social, principalmente num momen-to em que a preocupação em decifrar o outro assume importância fundamental”. Com esta fala vêm as reflexões: Como acreditar, então, que a identidade pessoal ou grupal coincida com sua verdade primeira, com a própria essência originária que brota do ser? Nada que naturalize o homem ou objeto histórico é aceito pelo pensamento da diferença.

História. Diferentes leituras interpretativas no tempo e no espaço. O que é a história? Para quem é a história? A história é a maneira pela qual as pessoas criam, em parte, suas identidades. Sentimentos, gestos, práticas sociais e culturais. Toda ge-ração escreve e reescreve sua própria história, ela nunca se basta, sempre se destina a alguém. Está sendo constantemente retrabalhada e reordenada por todos aqueles que, em diferentes graus, são afetados pelas relações de poder. Ficar presos a representa-ções do passado nos impede de abrir novos caminhos e criar novas referências concei-tuais. É preciso desconstruir para construir. Buscar os fios que tecem e dão continuidade a nossa história nos levando a reencontrar as raízes de nossa identidade. O que, para Hall, (2011, p. 38; 39) se caracteriza como algo realmente formado, ao longo do tempo, C

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através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no mo-mento do nascimento. Neste processo existe sempre algo de “imaginário” ou fantasia-do sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo formada”.

Montes Claros: uma identidade construída através de suas visualidades

Ao falarmos em cidade, nos referimos não apenas ao seu conjunto arquitetôni-co, mas também a um contexto mais amplo, mais abrangente, o da sua construção no tem-po, caracterizada e carregada de sentimentos e acontecimentos marcados por uma geração. As cidades constituem em si, um mundo; crescem sobre si mesmas, e através das imagens que representa, adquirem consciência e memória, configurando uma história.

O particular e universal, o individual e o coletivo contrapõem-se e confun-dem-se nas cidades, sinais de uma vida cotidiana. As cidades são como tramas, ordena-das e dispostas como pontos de referência da dinâmica urbana. Nascem da análise de sistemas políticos, sociais, econômicos, e se manifestam, dentre outros aspectos, nas relações culturais. A sua história e de seus personagens é revelada pelos edifícios, pelos monumentos, pelo patrimônio cultural e pelas marcas da passagem do tempo. Conviven-do com a cidade, podemos descobrir e identificar o modo de viver do seu povo, seu modo de pensar e de agir a partir de suas experiências e de seu cotidiano, enfim, seus valores, sua identidade. Rossi (2001, p. 19) considera a cidade como “a coisa humana por exce-lência” e que, os fatos sociais estão sempre relacionados com as obras de arte, estando, portanto, sempre ligada a um lugar preciso, um acontecimento. E ainda (p. 193), “[...] a cidade é por si mesma, depositária de história”. E, “[...] como fato material, como arte-fato, cuja construção ocorreu no tempo e do tempo conserva os vestígios, ainda que de modo descontínuo”. O autor considera as cidades, como texto dessa história. Portanto, a memória está ligada a fatos e lugares e o conceito de cidade congrega a união entre o passado e o futuro. A cidade fala por si mesma. É, portanto, na sua história, testemunho de valores, permanência e memória, uma configuração da relação lugar / homem.

Partindo da noção contextualizada da identidade, temos a cidade de Mon-tes Claros, localizada ao norte de Minas Gerais, identificada em todo o Estado como um “polo-cultural”. Tal reconhecimento se atribui, ao grande número de manifestações e produções artísticas presentes no seu contexto cultural. Manifestações como o conga-do, as tradicionais festas de agosto, as danças folclóricas levadas a vários continentes pelo grupo Banzé, as festas tradicionais religiosas, a arquitetura dos velhos casarões, o artesanato, a música, as cores e os sabores dos pratos típicos, e ainda, aos artistas e personalidades, ligadas à música, à política e às artes visuais, pessoas de renome que a apresentam e a projetam no cenário e no contexto local, regional e nacional.

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Montes Claros, concebida e concretizada a partir do desejo e esforço de muitas pessoas, é hoje capaz de, através de suas subjetividades e de suas diversidades tocar no coração, no íntimo de todos os montes-clarenses, apaixonados e orgulhosos de sua cidade, de seu lugar.

A gravura como confirmação e afirmação de uma identidade

Desde a pré-história até os nossos dias, o processo de hominização e so-cialização do homem está ligado às imagens, que o acompanham e perpassam sua vida, ordenando as relações entre o visível e o invisível. O mundo tal qual o conhecemos e o experimentamos, é um mundo representado e não o mundo em si mesmo.Para apreciar-mos uma obra de arte se faz necessária sua contextualização no tempo e espaço. Pro-duzidas pelas mãos dos artistas, as imagens guardam uma marca, condensam a visão comum que se tem do passado.

A gravura é uma linguagem fascinante. Tem seu próprio alfabeto, modos de expressão e processos, que permeados por experimentações pessoais dos artistas dão origem a infinitas possibilidades técnicas. Um bom resultado depende da pesquisa, da disciplina, da paciência assim como também de uma alquimia entre o material e o artista. A principal característica da gravura é a reprodução. A gravura tem o poder de representar e expressar um olhar sobre este mundo. Gravar, num sentido bem amplo, é uma atividade conhecida desde a antiguidade e em quase todas as culturas. Tem a ver com uma história coletiva, ao longo dos séculos. Funcionando como veículo de novos pensamentos e visões de mundo, a gravura funciona para anunciar novas realidades e novas concepções.

Desde que o homem molhou a mão com tinta e estampou-a na rocha das caver-nas, até as últimas novidades artísticas e técnicas de impressão e de gravura, no final do século XX, existe um ponto em comum: a busca da algo comunicação e da expressão como algo vital para a humanidade. (FAJARDO; SUSSEKIND e VALE 1999, p. 30).

No Brasil, a gravura teve um importante papel no contexto artístico e cultu-ral, principalmente nas regiões Norte e Nordeste com a Literatura de Cordel. Os primei-ros folhetos – pequenos livros em versos com capa e ilustrações em xilogravura – têm ainda hoje grande popularidade, sendo sua função entreter e divulgar notícias através do sertão. Os livretos apresentam fatos históricos e fantásticos; romances; histórias de santos e milagres; personagens heroicos; críticas e costumes sociais. E, à medida que faz circular informações, ideias, fatos e sentimentos, educa e traz reflexões, forma opi-nião e contribui para a construção do imaginário daquele povo afirmando e reconstruindo suas identidades. A imagem e o significado operam na dialética entre o ver e o não ver,

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interrogam o conhecimento como fruto do sensível e defendem a ponte entre o dado e a abstração, o que permite ver onde os outros não veem. Tratada a partir da interrogação os seus significados se afirmam socialmente e historicamente. A imagem não se carac-teriza como dado, mas como construção.

Construção. Este é também um fator que caracteriza as pesquisas ligadas à área das poéticas visuais, um processo em desenvolvimento que, enquanto ação, se movimenta em busca de uma linguagem. Através de procedimentos técnicos e materiais, de experimentações, dos erros e acertos, da apropriação da matéria enquanto descons-trução e construção na busca da criação, da obra, da transformação da realidade. O processo da poética visa uma significação em cada gesto do artista, que colhidos e redi-mensionados pela percepção resultam na ação criadora. Um fluxo contínuo entre prática e teoria, a obra “em processo”, “sendo feita”.

Tendo como objeto de pesquisa, uma investigação em gravura com base nos materiais alternativos - fibras e couro, - propomos através da articulação entre a po-ética, a gravura e a cultura, uma representação das visualidades da cidade de Montes Claros, – Minas Gerais. E a partir da construção dessa poética e dos registros obtidos, buscaremos também compreender, de que forma e em que medida estes elementos representados através da linguagem da gravura, poderão contribuir ou deter o poder de inventar, construir, confirmar, alterar e ou sustentar esta identidade.

Figura 1: Foto/Composição. Nilza 2013. Figura 2: Imagem manipulada. Nilza 2013.

Figura 3: Matriz Couro. Nilza 2013. Figura 4: Gravura impressa. Nilza 2013.

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Em busca da expressão, o homem manipula materiais criados por ele e pela natureza. Ao longo dos séculos, o ato de gravar tem a ver com uma história coletiva, de milhões de artesãos e gravadores em busca de se comunicar, chegar ao outro ho-mem, dando testemunho de seu tempo. Na contemporaneidade, as imagens estão pre-sentes nos mais distintos meios de circulação e representam pequenos fragmentos que indicam as diversidades culturais, religiosas, de raça, o cotidiano e o imaginário do povo. Imagens que seduzem, transmitem sentimentos e nos propicia descobrir e conhecer o mundo. A gravura tem resquícios muito antigos. Não está presa nem ao passado nem ao presente. Ela é o que é. Imprimir é a repetição de um gesto pré-histórico. Fazer uma impressão é deixar marcado um gesto. E cada gesto criador é capaz de desencadear transformações. E para (FAJARDO; SUSSEKIND e VALE 1999, p. 30), “o gravador é o artista que faz a ponte entre o velho e o novo”. Ele aprende as técnicas ancestrais e pode usar o espírito dessas técnicas nesse novo mundo que a tecnologia oferece.

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COnSIDERAçõES FInAIS

O que é cultura? O que consideramos identidade cultural? Como as visuali-dades podem auxiliar na construção de uma identidade? Como se dá a percepção destas construções identitárias? E ainda, como um olhar poético, no diálogo com outras mani-festações artísticas, pode contribuir para a formação e a confirmação de uma identidade cultural? Partindo destes questionamentos, de reflexões teóricas a respeito de identidade e cultura, buscamos aqui, compreender a importância deste conceito no decorrer da histó-ria, assim como discutir em que sentido uma poética em gravura, desenvolvida a partir de materiais e suportes alternativos detêm o poder de inventar, construir, confirmar, alterar e ou sustentar a identidade cultural de um lugar da cidade de Montes Claros – MG.

A cultura é um registro da história de um determinado povo, e como a pró-pria história, encontra-se em um processo contínuo e ininterrupto de transformação. A identidade cultural se constrói durante o crescimento e amadurecimento dos sujeitos e no decorrer de toda a sua vida, por meio de uma troca entre as diversas dimensões cons-tituintes desta respectiva cultura, sendo, portanto, o resultado da interação entre um e outro. Desde os primórdios, com os mais variados sistemas de representação – pintura, escrita, desenho, fotografia, dentre outros – e ainda a utilização de técnicas e materiais diversificados, o homem vem demonstrando uma relação ativa de apropriação e trans-formação do ambiente em que vive. As culturas se constituem de símbolos e represen-tações, imagens, memórias que conectam o presente e o passado, construindo uma identidade. A identidade cultural como um sistema de representação das relações entre indivíduos e grupos, que envolvem e compartilham patrimônios comuns como a cultura, a arte, a língua, a religião, o trabalho, é um processo dinâmico de construção articulada e entrelaçada, que se alimenta de várias fontes no tempo e no espaço.

Na contemporaneidade, a cultura sempre móvel e dinâmica parece esgar-çar-se ante o impacto avassalador do mundo globalizado, com seu poder de contestar e deslocar estas identidades centradas e fechadas, tornando-as mais plurais e diversas, me-nos fixas e unificadas, centradas em torno de uma tradição, tornando-as sujeitas a retornar às raízes ou a desaparecer. A partir dessa concepção, torna-se necessário garantir que as visualidades, na sua multiplicidade e diversidade sejam preservadas. Este é um grande desafio que devemos enfrentar, para assim permitir uma convivência sólida entre os sujei-tos na busca de convivência, afirmação e solidificação. As identidades, só serão preserva-das à medida que o sujeito retenha vínculos com suas tradições, seu lugar de origem, sua linguagem e sua história ao mesmo tempo em que convive com as novas culturas.

Atentos às necessidades da contemporaneidade, propor novos desafios pode propiciar e desvelar novas possibilidades estéticas e construtivas. A utilização de materiais não convencionais na elaboração de uma poética em gravura oportunizará uma aprendizagem vinculada à compreensão de uma produção contemporânea, visto

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apresentarem características distantes do acadêmico e do tradicional. Da sua posição de sujeito, o artista, em consonância com o seu tempo, tem o poder de através de seu trabalho, de sua poética, perceber, registrar e codificar as visualidades do mundo no qual está inserido. Buscar conexões e cruzamentos entre Identidade Cultural, Poética e Gra-vura, propiciará reflexões acerca do caminho a ser percorrido na construção desse fazer poético e consequentemente dessa identidade de Montes Claros e suas visualidades. Que impressões esta cidade deixa em mim, que podem se traduzir numa poética em gravura? Eu artista, sujeito da ação, posso intervir nesse processo de valorização e reva-lorização desta cultura? Como sujeito sociológico, imbricados na estrutura da sociedade, temos que desempenhar nosso papel, fazer a nossa parte na construção e valorização da identidade cultural desta cidade, Montes Claros – MG.

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O LAbOr rEfLExivO APOnTAMEnTOS SOBRE A PESQUISA EM POéTICAS VISUAIS

Roberta Letícia Pereira Marques 1

ResumoEste artigo apresenta a pesquisa em poéticas visuais em sua recente expansão no campo da produção de conhecimento em arte e suas características metodológicas essenciais. O estudo aborda ainda a gênese do processo de pesquisa poética sobre representações do corpo feminino a partir do conceito do corpo (des)educado, presente nos estudos de gênero de Judith Butler e Guacira Lopes Louro e também do con-ceito de abjeção em Julia Kristeva.

Palavras - chave: pesquisa em arte; processos de criação; poéticas visuais.

AbstractThis article presents the research into visual poetics in its recent expansion in the field of production of knowledge in art and their methodological characteristics essential. The study discusses the genesis of the research process on poetic representations of the female body from the concept of the body (un)educated, present in gender studies of Judith Butler and Guacira Lopes Louro and also the concept of abjection in Julia Kristeva.

Keywords: research in art; creation processes; visual poetics.

InTRODUçãO

Este artigo aborda o processo de criação da produção artística como es-paço de pesquisa recente no campo das artes. Pela sua atualidade, a elaboração de uma metodologia própria garante que suas especificidades sejam garantidas. A pesquisa em poéticas visuais permite que o processo de produção plástica antecipe a existência de reflexão e consequente sistematização teórica, pois a coexistência da prática artística e da produção textual é essencial e indissociável na produção do co-nhecimento em artes. Para tanto, apresento aqui os marcos iniciais do processo criati-vo em desenvolvimento através de pesquisa de pós-graduação strictu sensu, sobre as representações do corpo feminino deseducado e abjeto, como espaço de resistência e poder frente à regulamentação institucional dos corpos a partir de práticas cotidianas relacionadas ao intolerável.

1 Artista pesquisadora, professora do Curso de Artes Visuais da Universidade Estadual de Montes Claros UNIMONTES. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual MINTER - UFG/UNIMONTES. Linha de pesquisa: Poéticas Visuais e Pro-cessos de Criação. Currículo Lattes <http://lattes.cnpq.br/0861021882229108> E-mail <[email protected]>

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A PESQUISA EM POéTICAS VISUAIS

A história da pesquisa em artes no Brasil é bem recente. Conforme Wanner (2001), o curso brasileiro mais antigo de pós-graduação stricto sensu foi criado em 1972, o Mestrado em Artes da Universidade de São Paulo – USP. Até a década de 1990, a maioria dos trabalhos científicos produzidos sobre arte contemplava somente o campo de pesquisa da história da arte. Somente a partir dessa década, houve um aumento nas investigações relacionadas ao próprio fazer artístico, e não somente à obra enquanto produto final. Rey (1996) destaca o fato de que a pesquisa em arte, ou em poéticas visuais, surge como “[...] modalidade de pesquisa no contexto universitário [...] na Uni-versidade de Paris I, início dos anos 80”. (REY, 1996, p.81). A autora ainda acentua a distinção terminológica entre pesquisa sobre arte e pesquisa em arte.

Pesquisa em arte, ênfase de Poéticas Visuais, delimita o campo do artista pes-quisador que orienta sua pesquisa a partir do processo de instauração de seu trabalho plástico assim como a partir das questões teóricas e poéticas, susci-tadas pela sua prática. Já a pesquisa sobre arte, ênfase de História, Teoria e Crítica, referencia as pesquisas envolvendo o estudo da obra de arte a partir do produto final, seus processos de significação e códigos semânticos, seus efeitos no contexto social, seus processos de legitimação e circulação (REY, grifo da autora,1996, p.82).

Assim, a pesquisa ‘sobre’ arte é aquela que investiga a produção artística sob uma perspectiva da obra como produto acabado, com estudos teóricos e críticos a partir dos movimentos histórico-artísticos e concepções estéticas. Já a pesquisa ‘em’ arte investiga o processo de produção da obra sob o enfoque do artista, ou seja, dos caminhos percorridos pelo artista pesquisador para se chegar à obra.

Segundo Gomes (2001), a oposição entre ciência e arte gerou a crença na ciência como espaço de utilização do intelecto, com exatidão e comprovação e na arte como pertencente a outro tipo de saber, com foco em sentimentos, emoção e intuição, mas sem parâmetros e sem rigor. Na atualidade, porém, a diluição entre as fronteiras disciplinares permite que, apesar de possuírem objetivos específicos, diferentes objetos e diferentes métodos, ciência e arte compartilhem a utilização das mesmas fontes do saber: a intuição e o intelecto.

A inserção da arte no quadro das ciências inspirou a necessidade de se pensar suas especificidades, e consequentemente, de se criar seus próprios parâmetros diante da rigidez dos métodos tradicionais de pesquisa científica.

Uma vez que não é possível enquadrar a arte nos padrões metodológicos das ciências ditas exatas, busca-se descobrir métodos específicos de trabalho e uma intelecção própria [...] uma intelecção que se constrói através de formas, mas que, trabalhando no campo simbólico, vão bem além de simples arranjos for-mais. Uma racionalidade que tem suas regras específicas e que se abre como campo de investigação. (BULHÕES, 2001, p. 22).C

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Desse modo, a criação de uma metodologia própria para a pesquisa em arte e a ampliação da utilização de metodologias originárias de outras áreas de conheci-mento para a pesquisa sobre arte garantiram uma espécie de autonomização da produ-ção do conhecimento científico na área.

Tanto na ciência quanto na arte podem-se utilizar métodos e técnicas que, empiricamente, se utilizam no cotidiano: indução, dedução, aná-lise-síntese, além de se aproveitar os métodos largamente utilizáveis em ciências humanas, ciências exatas, comunicação, museologia, etc., enquanto não se consolidam denominações específicas para métodos de abordagem e procedimentos artísticos: formalista, histórico, icono-gráfico e/ou iconológico, semiótico, estruturalista, comparativo, triangu-lar, observacional, experimental, etc. (FLEXOR, 2001, p. 140).

É importante ressaltar que as diversas áreas do conhecimento humano se beneficiam a partir do desenvolvimento da pesquisa nas atividades artísticas, pois o conhecimento gerado nesse campo é único. Conforme Wanner (2001), nenhum conheci-mento pode ser obtido através da ciência que não sabe valorizar a arte, e sim da ciência que, acatando as especificidades desses dois campos distintos, compreende ciência e arte como geradoras do conhecimento humano.

Para Zamboni (2006), a maior dificuldade em se desenvolver projetos de pesquisa na área de artes se deve à dificuldade de medir quantitativamente os resulta-dos obtidos, e por isso, é importante que o pesquisador recorra a outras metodologias que permitam acessar os aspectos subjetivos e interpretativos do objeto artístico. Assim, a intuição e a subjetividade serão aliadas à racionalidade e objetividade da pesquisa científica.

O PROCESSO CRIATIVO: QUESTõES METODOLóGICAS

A linha de pesquisa em Poéticas Visuais trata dos estudos da obra em pro-cesso, ou seja, o objeto é investigado ao mesmo tempo em que é construído. Para Rey (2002) a realização da pesquisa:

[...] não apenas coloca o artista como um produtor de objetos que lançam sua can-didatura ao mundo dos valores artísticos, mas pressupõe que, ao produzi-los, o faz de tal modo que esses objetos são oriundos de um questionamento, delimitan-do um ponto de vista particular, propondo uma reflexão sobre aspectos da própria arte e da cultura. Para a pesquisa, muito mais importante do que achar respostas é saber colocar questões. A arte produto de pesquisa não se limita à simples re-petição de fórmulas bem-sucedidas. A pesquisa faz avançar às questões da arte e da cultura, reposicionando-as ou apresentando-as sob novos ângulos. É desafio constante para o artista-pesquisador provocar um avanço, ou, talvez, mais próprio seria dizer um deslocamento desse campo específico de conhecimento que é de-limitado pelas artes visuais. (REY, grifo da autora, 2002, p. 124). C

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Inicialmente, é preciso compreender o objeto artístico enquanto uma mistu-ra de intenções, ações, ideias do artista e de processos de pesquisa técnica. Ainda que a obra seja dotada de autonomia, é praticamente impossível traduzi-la, o que lhe confere múltiplas interpretações, porém nenhuma capaz de apreender o seu significado comple-to. Sobre isso Cattani (2001) acrescenta:

Produzir conhecimento em arte significa ir além da criação da obra, para enten-der seu processo de instauração e sua inserção no seio da produção contem-porânea e da história da arte como um todo. Significa, também, compreender suas relações com as teorias sobre arte e com as categorias da crítica de arte. Enfim, representa contribuir para uma epistemologia, sempre em construção, do fenômeno arte e de seu sistema nas sociedades contemporâneas. (CATTANI, 2001, p. 106).

Conforme Zamboni (2006, p. 65), podemos definir a fase na pesquisa em que buscamos chegar à materialização das ideias e interpretações da observação por meio de ações sistemáticas como “processo de trabalho”. Na pesquisa em arte é um pro-cesso racional e ao mesmo tempo intuitivo, uma vez que o artista se utiliza da observa-ção e interpretação do mundo para organizar ideias e, consequentemente, materializá--las, através da criação.

Normalmente, a visão que se tem da pesquisa em artes visuais é a de que o artista, ao sistematizar os passos da pesquisa e incluir teoria através de conceitos filo-sóficos, históricos, antropológicos, dentre outros, fique limitado em sua liberdade criativa, o que poderia causar um enorme prejuízo à qualidade da sua produção artística. Entre-tanto, ao incluir uma organização teórica através de uma metodologia própria, o artista consegue ampliar o alcance de suas ideias e manter um posicionamento investigativo. As fases da pesquisa em arte, na qual a pesquisa e o método utilizado correspondem às bases do processo artístico, estão presentes desde a concepção e elaboração da obra pelo artista até o ensaio teórico, ou o texto escrito.

O ofício de pesquisador/artista é muito semelhante ao ofício do pesquisador/cientista, uma vez que a busca por respostas a um problema inicialmente proposto passa obrigatoriamente pela formulação de hipóteses, pesquisa de materiais e técnicas, leitura de teorias e concepções, dentre outros. Desse modo, todo artista deve assumir o papel de pesquisador e indagador, deve ainda saber refletir sobre a prática artística, além de buscar teorias através de leituras dos mais diversos assuntos, para que a sua produção possa contribuir para a efetivação da arte enquanto área de conhecimento humano.

O artista não inicia nenhuma obra com uma compreensão infalível de seus pro-pósitos. Se o projeto fosse absolutamente explícito e claro ou se houvesse uma pré-determinação, não haveria espaço para desenvolvimento, crescimento e vida; a criação seria, assim, um processo puramente mecânico. (SALLES, 1998, p. 43)

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A pesquisa em arte possui uma característica fundamental: o objeto é com-preendido ao mesmo tempo em que é construído. Desse modo, a reavaliação de hipóteses e objetivos é constante no processo. Segundo Salles (1998, p.43), “não há uma teoria fe-chada e pronta anterior ao fazer. [...] as tendências poéticas vão se definindo ao longo do percurso: são leis em estado de construção e transformação.” A pesquisa e o conhecimen-to gerado em artes visuais são desenvolvidos a partir da inter-relação entre os contextos histórico, filosófico, estético e crítico da arte, devendo, assim, o artista assumir um caráter de pesquisador que investiga objetos e processos, e busca respostas.

Toda e qualquer atividade artística se realiza em um contexto teórico e histórico, no qual a definição do objeto e a identificação do problema da pesquisa têm de ser inseridas, e será tanto mais elaborada a pesquisa quanto maior for o grau de consciência desse fato pelo pesquisador. (ZAMBONI, 2006, p.62)

O processo de produção plástica deve prever a existência de reflexão e consequente sistematização teórica, pois a coexistência da prática artística com a produ-ção textual é essencial e indissociável. De acordo com Wanner (2001), como toda obra possui um caráter reflexivo em sua produção, a investigação deve ser realizada passo a passo, do início até a finalização da obra.

[...] é a prática, na verdade, que dita aqui suas leis, é ela que prescreve, quando se faz necessário, as derrogações a um emprego não contraditório dos con-ceitos. [...] trata-se, pois, para nosso pesquisador em artes plásticas, de deixar essa prática desdobrar o conceito que a trabalha, [...] e isso, sobretudo, se ele pretende ver essa prática produzir, ao termo, uma teoria capaz de encarregar-se dela. (LANCRI, 2002, p. 29).

A avaliação do próprio processo de criação e da produção pessoal, bem como o processo e a produção dos outros é fator de importância, pois tanto a crítica, o debate e o exame minucioso quanto a criação de estratégias para a solução de proble-mas promovem crescimento cognitivo e evolução técnico/teórica.

As hipóteses formuladas ao longo do processo podem ser revistas e reavalia-das a qualquer tempo, uma vez que no campo metodológico são os objetivos que assumem o grau de importância. A pesquisa em Poéticas Visuais configura um campo de investigação recente, o que pressupõe uma metodologia própria, pois cabe ao pesquisador produzir seu objeto de estudo concomitante ao desenvolvimento da pesquisa teórica. Para Rey (1996, p. 93), o pesquisador “precisa produzir seu objeto de investigação (sua obra) para daí extrair as questões que investigará pelo viés da teoria”. Ao contrário da pesquisa sobre arte, em que o objeto de estudo já existe como um dado anterior, na pesquisa em poéticas visuais é a prática que suscitará as questões norteadoras para a construção do objeto e do corpus da pesquisa, bem como são os questionamentos decorrentes da práxis2 que nortearão a pes-

2 “A palavra práxis é comumente utilizada como sinônimo ou equivalente ao termo ‘prático’. Entretanto a práxis não é apenas ativida-de social transformadora, no sentido da transformação da natureza, da criação de objetos, de instrumentos, de tecnologias; é ativi-dade transformadora também com relação ao próprio homem que, na mesma medida em que atua sob a natureza, transformando-a, produz e transforma a si mesmo.” (BRASIL, s/data, p.1) Disponível em http://moodle3.mec.gov.br/ufms/file.php/1/gestores/vivencial/pdf/praxis.pdf Acesso em 06 de março de 2013. C

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quisa teórica. A pesquisa em poéticas visuais tratada como práxis permite a conexão entre teoria e prática.

Segundo Rey (1996), a teoria é a exposição de ideias, que pode ser mate-rializada sob a forma plástica ou escrita, e que visa à apreensão do pensamento ainda confuso e vago, numa tentativa de aproximação. Por isso, a obra em seu caráter pro-cessual e sua dimensão técnica e procedimental pode ser definida como geradora dos conceitos. Para a autora, enquanto método, a pesquisa deve possuir rigor e abertura ao mesmo tempo. Deve ser iniciada a partir do trabalho artístico, e embora seja difícil ver-balizar a própria obra, os relatos em diário permitem o exercício de sistematização das ideias. É importante também organizar os passos da pesquisa em etapas, visando disci-plinar a produção e a reflexão. As leituras e os exercícios de redação são tão importantes quanto pesquisar artistas e obras, bem como visitar exposições artísticas. Na redação textual, é possível utilizar o verbo na primeira pessoa do singular para o que é particular e pessoal, como a produção plástica; o verbo na primeira pessoa do plural para o que é mais geral, como conceitos e pensamentos de autores; e o verbo no impessoal quando mencionados os aspectos técnicos e procedimentais. Rey (1996) sugere ainda que, tan-to o sumário quanto a introdução da dissertação devem referenciar o trabalho prático, e aponta a possibilidade de certa subversão do formato da dissertação, pois formalmente deve ser acadêmica, mas levando em conta o trabalho artístico produzido.

A ABJEçãO DOS CORPOS DESEDUCADOS: A PESQUISA TEóRICO/PRÁTICA

Na atualidade, somos instigados a compreender as visualidades produzi-das em seus aspectos constituintes, sobre o espaço ocupado por elas, suas relações com as demais produções humanas, sua constante necessidade de significação, etc. Sendo assim, é possível caracterizar a pesquisa em arte enquanto “processo híbrido” (REY, 2002, p.123), pois a sua realização está aliada à produção de sentido, tanto do objeto artístico em si quanto sobre o percurso em que se deu sua produção.

Na pesquisa poética de que trata este artigo, investigo o corpo feminino (des)educado3 como espaço de resistência e empoderamento frente à regulamentação institucional dos corpos a partir de práticas cotidianas relacionadas ao intolerável. Nesse sentido, realizo representações visuais do corpo feminino a partir da subversão do con-ceito de “corpo educado”, presente nos estudos de gênero de Judith Butler e Guacira Lopes Louro e também do conceito de abjeção, difundido pela teórica Julia Kristeva. As representações de gênero inserem o universo particular do pesquisador no contexto científico, em que a abordagem do corpo (des)educado e o tratamento asséptico dos seus fluidos apontam a abjeção na imagem como uma revelação de caráter existencial.

3 (de.se.du.ca.do) 1. Diz-se de pessoa que se deseducou, que foi mal educado ou perdeu a educação. Disponível em http://aulete.uol.com.br/nossoaulete/deseducado Acesso em 04 de Fevereiro de 2013. C

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O estudo citado neste artigo emprega, metodologicamente, a pesquisa em poéticas visuais/pesquisa em arte, que é orientada pelo percurso criativo através da abordagem do objeto artístico a partir de uma reflexão sobre o processo de criação. O corpus da pesquisa abrange imagens de natureza variada (desenhos, fotografias, víde-os, filmes, catálogos, sites, etc.), livros teóricos e de literatura, artigos científicos, além da produção artística poética pessoal. A produção prática pode ser caracterizada como híbrida, pois prevê a utilização de linguagens múltiplas como o desenho, objeto, perfor-mance, instalação, fotografia e registros em vídeo. A documentação da produção artísti-ca através da fotografia e do vídeo opera como um meio de registro de ações efêmeras.

A divisão do assunto da pesquisa em capítulos está prevista em três partes, sendo o primeiro capítulo destinado à discussão sobre o corpo, sua regulação e desedu-cação. A segunda parte pretende apresentar o conceito de abjeção, a assepsia social do corpo e o corpo deseducado como corpo monstruoso e abjeto. A terceira e última parte busca a apreensão do efêmero na produção poética da performance, através do seu registro em fotografia e vídeo.

A revisão de literatura fundamenta-se em autores que transitam pelos con-ceitos abordados nas temáticas do corpo (Fig. 1), da abjeção, da análise do processo criativo e dos dispositivos de registro na arte contemporânea. Abrange também pesquisa de artistas e obras que tratam do tema.

Figura 1: Livros referência sobre o tema do corpo.Fotografia, 2013. Acervo da pesquisadora.

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As anotações em diário são excelentes para sistematizar as ideias e colo-cá-las em ordem. Muitas vezes grandes possibilidades são perdidas pela ausência de registro, ou ainda, pela crença de que se trata de devaneios ou ideias tolas. Anotar ou registrar tudo o que vem à mente ao iniciar a produção de um trabalho artístico é etapa fundamental para a obtenção de resultados satisfatórios.

Figura 2 – Anotações em diário. Fotografia, 2013. Acervo da pesquisadora.

Tudo deve ser anotado: o que se pretende fazer, referências a artistas e movimentos que estejam relacionados ao tema, imagens, esboços, plantas baixas, cro-quis, amostras de materiais artísticos, etc. Até o que deu errado no momento de executar o trabalho deve ser anotado, assim como as mudanças de estratégias ou de materiais artísticos. É necessário registrar todas as conquistas, percepções gerais sobre o mundo e sobre a arte, e até frustrações: vale tudo! O diário será o guia durante todo o período de realização da pesquisa prática, além de servir de referência para futuras produções.

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COnSIDERAçõES FInAIS

O artista percorre um caminho nem sempre fácil durante a ação criadora. Antes de sua materialização, a obra artística existe virtualmente, a ideia, e até o momen-to da sua existência física, muitas ações, reflexões, experimentações, tentativas e erros, fazem do processo de criação uma etapa inerente à produção. Cabe ao executor, nesse caso o artista/pesquisador, sistematizar o pensamento para dar existência material à ideia. A pesquisa em poéticas visuais prescinde de metodologia própria, pois não pode ser realizada exclusivamente conforme os parâmetros da produção de conhecimento em outras áreas. Fazer pesquisa em arte pressupõe o emprego de conceitos e a compre-ensão da dimensão teórica da ação artística e não somente a descrição dos aspectos técnicos e procedimentais deste fazer.

Embora ainda existam aqueles que julgam a pesquisa em arte enquanto limitadora da espontaneidade do fazer artístico pelo seu caráter de teorização dos pro-cessos e ações, a tendência que vem se configurando nos últimos anos, tanto nos espa-ços acadêmicos de produção e ensino de arte, quanto no âmbito do artista autônomo, é a da necessidade de sistematização dos processos de produção de arte. Desse modo, ao assumir um perfil investigativo, através de uma metodologia que comporte conjugar a feitura do trabalho artístico ao entendimento dos processos pelos quais este se instaura, é que será possível ao artista/pesquisador compreendê-lo como projeto completo. Por-tanto, a análise do processo criativo permite compreender o processo de criação da obra enquanto técnica e poética, pois teoria e prática artística são indissociáveis.

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A PESQUISA QUALITATIVA REVELAnDO SIGnIFICAçõES CULTURAIS

Suely Lopes de Queiroz Ferreira 1

ResumoO presente estudo tem como proposta expor abordagens metodológicas com intuito de apontar caminhos que irão responder questionamentos propostos na pesquisa de Mestrado em andamento, intitulada “As relações de cultura e devoção nas vestimentas do Mestre de Catopês João Farias”. São apresentados conceitos de autores especialistas, esclarecendo a investigação qualitativa com menção nos procedimen-tos técnicos: entrevista individual e focal.

Palavras-chave: Pesquisa qualitativa. Entrevista. Vestimentas.

Abstract:This article has as the purpose expose methodological approaches with the intention of pointing ways that will respond proposed questions in the ongoing master’s degree research, title as “The relation of culture and devotion in the Master of the Catopês João Farias clothing”. There are expert authors concepts, mak-ing the qualitative research clear with mention on the technical procedures: individual and focal interviews.

Key-words: Qualitative research. Interviews. Clothing

InTRODUçãO

A cultura e a devoção manifestadas pelos grupos que se apresentam nas festas de Agosto fortalecem a identidade cultural local. Neste sentido a pesquisa busca valorizar a expressão popular, investigando as vestimentas do líder do Grupo de Catopês “Nossa Senhora do Rosário” o mestre João Farias.

A pesquisa será desenvolvida numa abordagem qualitativa, por acreditar-mos ser esta, uma poderosa fonte de análise e sendo contextual tem os dados coletados a partir de uma realidade social. Pesquisas desenvolvidas sob esta abordagem poderão ir além de um instantâneo, nos mostrando como e porque as coisas acontecem. Neste contexto estão também incorporadas as motivações, emoções e ainda, o preconceito das pessoas. Os estudos qualitativos podem ser utilizados em circunstâncias em que se conheça relativamente sobre um fenômeno ou ainda pode propiciar novas investigações. O foco deste artigo é apresentar conceitualmente esta metodologia, mencionando os procedimentos técnicos a serem utilizados - entrevista individual e focal, como caminhos metodológicos para atingir os objetivos esperados, possibilitando assim responder ao questionamento de partida proposto na pesquisa de Mestrado em andamento.

1 Mestranda em Arte e Cultura Visual pela Universidade Federal de Goiás, Especialista em Arte-Educação pela Universidade Esta-dual de Montes Claros, Graduada em Artes Plásticas pela Universidade Estadual de Montes Claros. Professora do Departamento de Artes da Unimontes. http://lattes.cnpq.br/4216790812396787 C

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Dentro de uma temática proposta, entrevistas são utilizadas a fim de gerar informações e partilhar experiências com o pesquisador em várias áreas do conhecimen-to. Quando bem elaboradas, obteremos sucesso em nossas investigações.

Neste sentido, o autor define:

Entrevista como a técnica em que o investigador se apresenta frente ao entre-vistado e lhe fórmula perguntas com o objetivo de obtenção de dados que inte-ressam à investigação. A entrevista é, portanto uma forma de interação social. (GIL, 1995, p.113).

É importante ressaltar que a entrevista é utilizada como procedimento de interação, viabilizando o contato do pesquisador com o pesquisado ou ainda com seu grupo dentro de uma mesma realidade social. Sendo meu problema de pesquisa a in-vestigação das vestimentas do Mestre João Farias, dentro do contexto individual e focal considero a escolha deste procedimento o mais adequado a este estudo.

PESQUISA QUALITATIVA/CATOPêS

Na pesquisa qualitativa o papel do pesquisador se caracteriza pela busca de um panorama profundo, intenso e holístico do contexto em estudo, muitas vezes en-volvendo a interação dentro das vidas cotidianas de pessoas, grupos, comunidades e organizações, incluindo as percepções dos participantes.

Por ser uma abordagem naturalista, buscaremos entender fenômenos den-tro de um universo específico, captar dados, criar empatia com os estudados. Este es-tudo será contextualizado a partir da pesquisa de campo, sendo fundamental o papel do pesquisador inserido no processo. O foco principal da pesquisa será entender as formas como as pessoas agem e explicar suas ações.

A opção por esta abordagem metodológica se deu ao percebermos que nosso objetivo não era exatamente quantificar as vestimentas e sim qualificá-las, mesmo sabendo que no percurso da investigação isso poderá ocorrer. Pensamos que, através da escolha das entrevistas - individuais e focais, objetivando a coleta de dados, encon-traremos respostas para os nossos questionamentos.

De acordo, Gaskell (2004, p. 65) a entrevista qualitativa, fornece os dados básicos para o desenvolvimento e a compreensão das relações entre os atores sociais e sua situação. O autor complementa: “O objetivo é uma compreensão detalhada das crenças, atitudes, valores e motivações em relação aos comportamentos das pessoas em contextos sociais específicos”.

Portanto, é no ambiente natural que encontraremos a fonte de dados que alimentará o nosso processo de investigação. Nesta abordagem os resultados obtidos deverão ser menos significativos que o processo.

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Creswell (2010) acredita que os pesquisadores ao optarem pela pesquisa qualitativa “encaram um estilo indutivo, um foco no significado individual e na importância da interpretação da complexidade de uma situação” (p.26). Assim ele aponta a pesquisa qualitativa como:

Um meio para explorar e para entender o significado que os indivíduos ou os gru-pos atribuem a um problema social ou humano. O processo de pesquisa envolve as questões e os procedimentos que emergem, os dados tipicamente coletados no ambiente do participante, a análise dos dados indutivamente construída a partir das particularidades para os temas gerais e as interpretações feitas pelo pesquisador acerca do significado dos dados. O relatório final escrito tem uma estrutura flexível. (CRESWELL, 2010, p.26).

Quando o autor fala (2010) que o processo de pesquisa envolve as questões e os procedimentos demandados como dados coletados no ambiente e sendo as análises feitas a partir das particularidades propostas pelo pesquisador, isto vem fortalecer a nossa investigação, visto que, explorando e compreendendo detalhes presentes nas vestimentas do mestre, estaremos analisando com profundidade os significados nelas implícitos.

Tomaremos como foco da investigação as vestimentas usadas pelo Mestre João Farias, (Fig.01) líder do grupo de Catopês (Fig.02) de Montes Claros, devotos de Nossa Senhora do Rosário. O grupo de Catopês do Mestre João Farias, faz parte do Congado de Montes Claros, manifestação cultural que se fortalece a cada ano de forma significativa nos festejos religiosos das Festas de Agosto.

Figura 1: Mestre João Farias.Fonte: Acervo particular

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Figura 2: Grupo de Catopés Nossa Senhora doRosário do Mestre João Farias.

Fonte: Acervo particular.

A pesquisa surgiu no intuito de valorizarmos pessoas simples como o mes-tre João Farias e seu grupo, que demonstram fé, devoção aos santos e se preocupam em manter e perpetuar uma tradição que é passada de geração em geração.

Temos como meta verificar as relações de cultura e devoção nas vestimen-tas do Mestre João Farias, acreditando que a melhor maneira de obter tais informações será através de entrevistas com o mestre, as costureiras e alguns componentes do grupo, a fim de descobrir detalhes relevantes que possam responder a nossa pergunta de partida.

Pretendemos investigar como as vestimentas são elaboradas, confeccio-nadas e costuradas; se as mesmas passam por algum ritual antes de serem usadas; se são bentas ou não. Quanto aos tecidos e adereços, se deverão ser sempre novos ou se poderão ser reutilizados. Faremos observações também quanto aos tipos de tecidos, cores, bordados, adereços e outros detalhes contidos nas vestimentas.

No desenvolvimento desta pesquisa, utilizaremos o recurso das entrevistas individual e focal aplicadas ao Mestre e algumas pessoas no seu entorno.

EnTREVISTAS

As entrevistas são consideradas como uma das melhores alternativas para o pesquisador interagir com a pessoa que será entrevistada. Por isso é importante sa-bermos que existem algumas diferenças entre as mesmas, visto que, neste estudo estas possam se complementar. Ao utilizarmos das entrevistas como meio para coletar dados, precisaremos verificar suas particularidades. Segundo Gaskell (2004, p.64), a entrevista individual é caracterizada por uma série de perguntas predeterminadas e bem estrutu-radas, enquanto que a focal, menos estruturada, foca-se no conhecimento local e na cultura e por um tempo maior de investigação.

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Entrevista Individual

A entrevista individual ou de profundidade é normalmente caracterizada por uma conversa mais longa onde o pesquisador faz perguntas abertas e fechadas, tendo como intuito explorar um determinado tema. É necessário, portanto que o pesquisador estabeleça uma relação harmoniosa a fim de dar maior segurança ao entrevistado, sem-pre demonstrando interesse em suas respostas, sem perder o foco da pesquisa. Este tipo de pesquisa tem um caráter informal, flexível, exigindo do pesquisador dinamismo no intuito de alcançar os seus objetivos.

Entrevista Focal

Este tipo de entrevista se assemelha a dinâmica de grupo. Em geral, com-põe-se de 8 a 12 pessoas. O pesquisador lança o tema e os componentes do grupo dis-cutem a temática. Em geral, a entrevista com grupo focal acaba algumas vezes, comple-mentando a entrevista individual. Gaskell (2004 p.79) esclarece que, “o debate em grupo é uma troca de pontos de vista, ideias e experiências, embora expressas emocionalmen-te e sem lógica, mas sem privilegiar indivíduos particulares ou posições” No intuito de desenvolver ideias e assuntos para a discussão em pauta, o pesquisador poderá utilizar recursos variados como fotos, desenhos direcionando o grupo para as discussões.

Ainda sobre entrevista focal,

O pesquisador pode agir como moderador do grupo, conduzindo as reuniões, não deixando que o grupo perca o foco de análise e discussões. Ao final de cada pergunta o moderador resume as opiniões expressas e busca o consenso sobre a síntese apresentada. (BARROS; LEHFELD, 1990, p.85)

E importante ressaltar que no momento em que o pesquisador vai a campo fazer as entrevistas, pressupõe que o mesmo já possua em mente o tema ou o refe-rencial teórico. Para qualquer tipo de pesquisa, haverá sempre a necessidade de um planejamento anterior. Tanto para entrevista individual como focal. Gaskell (2004, p.66) considera como aspectos centrais: “a preparação e o planejamento, a seleção dos en-trevistados, e uma introdução às técnicas de entrevistas individuais ou grupais”. Outro recurso importante é o tópico guia que servirá como um lembrete de pontos da pesquisa a serem abordados. Este será sempre reformulado de acordo com as necessidades, com as devidas justificativas de mudanças ocorridas.

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COnSIDERAçõES FInAIS

Diante da importância desta manifestação cultural para a arte e a cultura da ci-dade de Montes Claros, julgamos de extrema relevância tais investigações, visto que a partir deste estudo estaremos compreendendo e divulgando as tradições e a cultura local.

Não é objetivo desse artigo, aprofundar sobre todas as questões a respeito de entrevistas. Como nossa abordagem é qualitativa, consideramos que as entrevis-tas poderiam nos proporcionar resultados mais eficazes. Na verdade são pinceladas de uma proposta em andamento onde tudo poderá ser modificado na intenção de melhorar sempre. Escolher um caminho metodológico não é fácil porque dependemos sempre da natureza da pesquisa e do problema. É necessário descobrirmos qual caminho se ajusta melhor na busca das respostas. O pesquisador deverá ser flexível, aberto as mudanças e disposto a encontrar outros caminhos quando necessário.

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