Cultura, Comunicação e Economia Política (Golding & Murdock)

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Atenção, favor citar a fonte ao utilizar o texto. Tradução feita pela profa. dra. MARIA DAS GRAÇAS PINTO COELHO para utilização dos alunos do PPGEM/UFRN. "O QUE É ECONOMIA POLÍTICA? A Economia Política crítica difere das principais correntes econômicas em quatro principais aspectos: primeiro, é holística; segundo, é histórica. Terceiro, é fundamentalmente preocupada com o equilíbrio entre empreendimentos capitalistas e a intervenção governamental. Por fim, e talvez o mais importante de todos os aspectos, seja o que vai além das questões técnicas de eficiência para se engajar com as questões morais básicas de justiça, equidade e bem comum".

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CULTURA, COMUNICAÇÃO E ECONOMIA POLÍTICA

PETER GOLDING E GRAHAM MURDOCK1

O QUE É ECONOMIA POLÍTICA?

A Economia Política crítica difere das principais correntes econômicas em quatro principais aspectos: primeiro, é holística; segundo, é histórica. Terceiro, é fundamentalmente preocupada com o equilíbrio entre empreendimentos capitalistas e a intervenção governamental. Por fim, e talvez o mais importante de todos os aspectos, seja o que vai além das questões técnicas de eficiência para se engajar com as questões morais básicas de justiça, equidade e bem comum.

Embora as principais correntes econômicas olhem para a “economia” como um campo separado e especializado, a Economia Política crítica está preocupada com a interação entre a organização econômica e a vida política social e cultural. No caso das indústrias culturais, nós estamos particularmente preocupados em esboçar o impacto da dinâmica econômica no leque e na diversidade das expressões culturais da sociedade, e o acesso permitido aos diferentes grupos sociais. Estas preocupações obviamente não são exclusivas dos teóricos críticos. Estas são questões igualmente centrais no pensamento econômico e político de teóricos mais conservadores, ligados ao pensamento da direita. A diferença reside nos pontos de partida da análise.

Economistas políticos liberais enfocam intercâmbio no mercado na medida em que os consumidores escolhem entre bens de consumo competitivos com base na utilidade e na satisfação oferecidas por cada um destes bens. Quanto maior a interação das forças do mercado, entre si, maior a “liberdade” de escolha do consumidor. Na última década, esta visão tem ganhado renovada credibilidade junto a governos de várias diferentes matizes ideológicas. Renascidos na sua fé na mão oculta da competição “livre” de Adam Smith, eles defenderam programas de privatização desenhados para aumentar a escolha do consumidor ao estender a escala dos mecanismos de mercado. Contra isto, os defensores da Economia Política crítica seguem Marx mudando a atenção do campo do intercâmbio para a organização da produção e da propriedade, tanto dentro das indústrias culturais quanto em termos gerais. Eles não negam que os produtores e consumidores culturais estão continuamente fazendo escolhas, porém as fazem dentro de estruturas mais amplas.

Enquanto a principal corrente de economia enfoca os indivíduos soberanos do capitalismo, a Economia Política crítica começa analisando os conjuntos de relações sociais e o jogo do poder. Esta corrente se interessa em observar como a criação e a apropriação do significado é moldado em todos os seus níveis pelas estruturas sociais assimétricas. Estas relações assimétricas incluem tudo, desde como a notícia é estruturada pelas relações prevalecentes entre os proprietários da mídia, editores, jornalistas e fontes, até a maneira como se vê a televisão é afetada pela organização da vida doméstica e as relações de poder familiares. Estas preocupações, claro, são largamente compartilhadas com pesquisadores de outras correntes. O que, ainda, diferencia a Economia Política crítica é que a análise sempre vai além da ação circunstancial para mostrar como micro contextos particulares são moldados pela dinâmica da

1 GOLDING, Peter; MURDOCK, Graham. Culture, communications an political economy. In: News: a reader . Great Britain: Oxford Press, 2002. p.154-155. Texto traduzido pela profª Drª Maria das Graças Pinto Coelho, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em 2004. email [email protected]

economia em geral e as estruturas mais amplas que essa dinâmica sustenta. De fato, a corrente crítica se interessa, principalmente, como a distribuição desigual de recursos materiais e simbólicos estrutura a atividade comunicacional.

O desenvolvimento analítico, nessa linha de pensamento, significa evitar duas tentações gêmeas: resvalar no instrumentalismo ou no estruturalismo. Os instrumentalistas enfocam a maneira como os capitalistas usam seu poder econômico dentro do sistema de mercado comercial para assegurar que o fluxo de informação pública está afinado com seus interesses. Eles encaram a mídia privada como instrumento da dominação de classe. Este pensamento é vigorosamente defendido no livro Consenso Manufaturado: a Economia Política dos Meio – Edward S Herman e Noam Chomsky (1988). Eles desenvolvem uma idéia chamada de `Modelo de Propaganda` dos meios norte-americanos, argumentando que “os poderosos podem fixar as premissas dos discursos, decidir o que o público em geral é permitido ver, ouvir e pensar, e ´manipular´ a opinião pública através de sistemáticas campanhas de propaganda” (1988: xi). Em parte, eles têm razão. Elites governamentais e empresariais realmente têm acesso privilegiado às notícias. Os grandes anunciantes de fato operam como uma autoridade de concessão, apoiando seletivamente alguns jornais e programas televisivos e não outros; e os donos da mídia podem determinar a linha editorial e a postura cultural do jornalismo impresso e das redes de televisão e rádio que lhes pertence. Mas ao enfocar este tipo de intervenção estratégica, os autores citados perdem de vista as contradições internas do sistema. Donos da mídia, anunciantes e o pessoal chave da política nem sempre podem fazer o que querem. Eles operam dentro de estruturas que amarram e diminuem seu campo de ação, tanto quanto facilitam suas atuações, impõem limites da mesma maneira que oferecem oportunidades. Analisar a natureza e fontes destes limites é uma tarefa chave para Economia Política crítica da cultura.

Ao mesmo tempo, é essencial evitar tipos de estruturalismos que conservam as estruturas como construções de edifícios, sólidos, permanentes e imóveis. Ao invés disso, nós precisamos observar as estruturas como formações dinâmicas, que são constantemente reproduzidas e alteradas através da prática. Embora alguns estudos se limitem ao nível estrutural da análise, está é apenas uma parte da história que deveremos contar. É igualmente essencial, na perspectiva que estamos propondo, analisar o modo como o significado é feito e refeito através das atividades concretas de produtores e consumidores. O objetivo é “explicar como as estruturas são construídas através da ação, e reciprocamente como a ação é construída estruturalmente” ( GIDDENS 1976, p. 161).

Por sua vez, isto requer que a gente pense o determinismo econômico de uma maneira mais flexível. Ao invés de mantermos a noção marxista de determinismo até o final, com a implicação de que tudo eventualmente pode estar relacionado diretamente ás forças econômicas, nós podemos seguir Stuart Hall e ver a determinação como se esta estivesse operando em uma primeira circunstância (HALL, 1983, p. 84). Isso quer dizer que nós podemos pensar na dinâmica econômica definindo as características chaves do ambiente geral no qual acontece a atividade comunicacional, mas não como uma explicação completa da natureza dessa atividade.

A Economia Política crítica é também necessariamente histórica, mas dentro de um princípio historicizado. Nos termos criados pelo grande historiador francês Fernand Braudel, a Economia Política crítica se interessa em como “o movimento rápido do tempo dos acontecimentos, o conteúdo das narrativas históricas tradicionais” se relacionam com “ os ritmos vagarosos, mas perceptíveis” que caracterizam a arrastada história das formações econômicas e sistemas de poder (BURKE, 1980, p. 94). Quatro processos históricos são particularmente centrais a Economia Política crítica da cultura: o crescimento da mídia; a extensão alcançada pelas grandes corporações; a transformação de bens simbólicos em mercadorias; a mudança no papel da intervenção estatal e governamental.

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O que Thompson descreve como “o processo geral pelo qual a transmissão de formas simbólicas se torna cada vez mais mediado pelos aparatos técnicos e institucionais da indústria midiática” (THOMPSON, 1990, p. 3 - 4) faz com que esta indústria ocupe um lugar lógico no começo de uma análise da cultural contemporânea.

Por outro lado, a produção midiática tem crescido sob o comando de grandes corporações e tem sido moldado para seus interesses e estratégias. Faz algum tempo que constatamos esta premissa, porém o alcance da racionalidade empresarial tem sido grande, e extendido nos anos recentes pelo avanço da privatização e do declínio da vitalidade de instituições culturais públicas. Grupos privados dominam o cenário cultural de duas maneiras. Primeiro, existe um aumento na proporção da produção cultural criada por grandes conglomerados com interesses em uma variedade de setores, desde jornais e revistas, até televisão, filmes, música e parques temáticos. Segundo, empresas que não estão diretamente envolvidas com a industria cultural como produtores, podem exercer considerável controle sobre o direcionamento das atividades culturais através do seu papel como anunciantes e patrocinadores. A viabilidade financeira da radiodifusão comercial, junto a uma grande parte da imprensa, depende diretamente dos recursos de propaganda. Enquanto isso, cada vez mais dos “lugares onde se mostram trabalhos criativos”, tais como museus, galerias e teatros, “ têm sido capturados por patrocinadores empresariais” , engajados nas suas campanhas de relações públicas (SCHILLER, 1989, p. 4).

A extensão do alcance empresarial reforça um terceiro processo importante – a transformação da vida cultural em mercadoria. A mercadoria é um bem que é produzido para ser trocado a um preço. Grupos comerciais de comunicação sempre produziram mercadorias. No início, somente produziam bens simbólicos que podiam ser consumidos diretamente, tais como romances, jornais e peças teatrais. Mais tarde, com a expansão das novas tecnologias domésticas, tais como vitrola, telefone e aparelhos de rádio, o consumo cultural requeria que os consumidores comprassem a máquina apropriada (ou hardware) como condição de acesso. Isso aumentou o efeito já considerável das desigualdades de renda entre os consumidores, e a atividade comunicacional se tornou mais dependente da capacidade de pagar de cada consumidor. Antes de poder fazer uma ligação telefônica ou escutar o último sucesso musical na sua casa, os consumidores precisavam comprar o “hardware” apropriado. Quanto maior a renda familiar é maior a probabilidade da família possuir equipamentos chaves – telefones, videocassete, computadores – e assim são maiores as chances de escolhas de meios.

A primeira vista, o sistema de transmissão apoiado pela propaganda parece ser uma exceção a essa tendência, desde que qualquer pessoa que tenha o aparelho receptor tenha acesso a toda a programação.Consumidores não têm que pagar novamente. Porém, essa análise ignora dois importantes pontos. Primeiro, os ouvintes contribuem sim com os custos da programação na forma do aumento do preço de varejo para mercadorias que se utilizam de muita propaganda. Segundo, dentro desse sistema a própria audiência é o primeiro commodity. A economia da mídia de transmissão gira em volta do câmbio de audiência por faturamento de propaganda. O preço que os anunciantes pagam pelo minuto de propaganda em certos programas é determinado pelo tamanho e composição da audiência que atrai. E no horário nobre os maiores preços são comandados por programas que podem atrair e segurar o maior número de telespectadores e promover um envolvimento simbiótico em harmonia com as práticas de consumo. Essas necessidades inevitavelmente fazem com que a programação percorra caminhos já bem conhecidos e testados evitando assim qualquer risco e inovação, e ancora a programação no senso comum em vez de pontos de vista alternativos ou pluralistas. Dessa forma a posição da audiência como commodity serve para reduzir a diversidade da programação e assegurar as normas e presunções estabelecidas com muito mais freqüência do que desafiá-las.

O maior contrapeso institucional para mercantilização da atividade comunicativa veio das instituições públicas orientadas para fornecer recursos culturais para o pleno exercício da cidadania. As mais importantes e duradouras têm sido as redes públicas de rádio e televisão tipificadas pelo British Broadcasting Corporation – BBC, que tem se distanciado da dinâmica de mercantilização da audiência porque não apresenta propaganda e porque oferece todo um leque de programação para qualquer pessoa que pague a taxa básica anual de licença televisiva. (Na Inglaterra existe um imposto sobre a ligação televisiva). Como falou o presidente da BBC, John Reith, a transmissão pública < pode ser compartilhada igualmente por todos, pelo mesmo preço, e na mesma abrangência... Não é necessário haver primeira e terceira classe> ( REITH, 1924, p. 217-8). Esse ideal foi bastante minado na última década porque a BBC tem respondido a queda do valor real do imposto com a expansão das suas atividades comerciais num esforço para levantar fundos. Desviando-se de seu compromisso histórico de transmissão universal e igualitária, os planos da BBC incluem o lançamento de canais de assinatura para diferentes grupos de interesse.

Ao mesmo tempo, a BBC também foi vítima de intensas pressões políticas, especialmente nas áreas de produção de notícias e jornalismo do cotidiano. A sua independência do governo, sempre frágil, foi desafiada por uma série de movidas que vão desde o bem disseminado ataque sobre a imparcialidade do seu noticiário à apreensão de filmes, e o banimento governamental de entrevistas ao vivo com membros de várias organizações políticas da Irlanda do Norte, incluindo o partido político legal, Sinn Fein.

Estas tentativas de estreitar o campo dos discursos e das representações públicas são parte de um processo histórico mais abrangente pelo qual o Estado nas sociedades capitalistas tem assumido um papel mais importante no gerenciamento das atividades comunicativas. Desde que foi concebida, a economia política esteve interessada sobretudo em determinar a abrangência apropriada da intervenção pública. Por isso é inevitavelmente envolvida na avaliação das normas de competição de mercado. Está preocupada em mudar o mundo tanto quanto analisá-lo. Os economistas políticos clássicos e seus seguidores atuais presumem desde o início que a intervenção pública deve ser minimizada e as forças o mercado devem atuar com total liberdade operacional. Os economistas políticos críticos, do outro lado, apontam as distorções e desigualdades do capitalismo de mercado e argumentam que essas deficiências só podem ser retificadas pela intervenção pública, apesar de descordarem em relação as formas como isso deve ser implementado.

As discussões na economia política sobre o peso apropriado das empresas públicas e privadas nunca são simplesmente técnicas. No fundo, as visões sobre o que constitui o bem estar público são diferentes. Adam Smith terminou sua carreira como professor de filosofia moral e viu os mercados não simplesmente como mais eficientes, mas como moralmente superiores porque eles davam ao consumidor a livre escolha entre mercadorias rivais; somente aqueles bens que traziam satisfação iriam sobreviver. Ao mesmo tempo, ele viu claramente o bem estar público não era simplesmente a soma de escolhas individuais, e que as empresas privadas não forneceriam tudo que a sociedade precisa. Ele viu específicos problemas na esfera cultural e recomendou várias intervenções públicas para aumentar o nível do conhecimento público e fornecer diversão sadia. A economia política crítica amplia essa linha de raciocínio, ligando a constituição de uma boa sociedade á extensão dos direitos de cidadania.

A história atual dos meios de comunicação não é somente uma história econômica de crescente interface com o sistema econômico capitalista, mas também a história política da crescente importância da mídia no exercício da cidadania plena. E no sentido mais geral a cidadania se relaciona < com as condições que permitam que as pessoas se tornam membros plenos da sociedade em todos os níveis> (MURDOCK AND GOLDING 1989, p. 182). Em uma situação ideal o sistema comunicacional contribuiria para estas condições em duas importantes vertentes: primeiro, deveria prover acesso a informação,

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conselhos e análises para que o público conhecesse seus direitos e os perseguisse efetivamente. Segundo, deveria fornecer o mais amplo leque de informações, interpretação e debates nas áreas que envolvem as escolhas políticas, tornando possível o registro de dissidência e a proposta de alternativas. Esse argumento foi elaborado pelo teórico alemão Jurguen Habermas na sua concepção altamente influente da esfera pública.

A Produção de Significados como Exercício de Poder – Uma questão central da economia política dos meios é a investigação de como as mudanças nas várias forças que exercem controle sobre a produção e distribuição dos bens culturais limitam ou liberam a esfera pública. Na prática, isso foca a atenção em duas questões chaves. A primeira é o padrão de propriedade dessas instituições e as conseqüências desse padrão para o controle das suas atividades. O segundo é a natureza da relação entre a regulamentação do Estado e as instituições de comunicação. Nós podemos rapidamente rever cada um desses pontos.

A quantidade cada vez mais crescente dos produtos culturais produzidos por grandes corporações tem sido, há muito tempo, uma fonte de preocupação dos teóricos da democracia. Eles vêm uma contradição fundamental entre o ideal de que a mídia pública deveria operar como uma esfera pública e a realidade de uma propriedade privada bastante concentrada em poucos donos. Eles temiam que os donos usariam os direitos de propriedade para restringir o fluxo de informações e o debate aberto que é a principal fonte de vitalidade da democracia. Estas preocupações foram alimentadas pelo surgimento dos grandes barões da imprensa em virada do século passado. Grandes proprietários nos Estados Unidos e no Reino Unido eram donos de cadeias ou de jornais de grande circulação e claramente não sentiam vergonha de usá-los em benefício das suas causas políticas ou para denegrir posições e pessoas dos quais descordavam.

Essas preocupações que vêm de longa data foram reforçadas nos anos atuais pelo surgimento dos conglomerados de multimídias com grande peso em setores centrais das comunicações.

O surgimento dos conglomerados de comunicação é um novo elemento no velho debate sobre os potenciais abusos do poder de propriedade concentrada. Esse não é mais um caso simples de proprietários intervindo nas decisões editoriais ou demitindo profissionais chaves que não concordam com a sua filosofia política. A produção de bens culturais é também extremamente influenciada estratégias comerciais construídas em torno de <sinergias> que exploram as sobreposições entre os diferentes interesses na mídia da empresa. Os jornais da empresa podem oferecer publicidade grátis para os seus canais de televisão ou os departamentos de discos e livros podem lançar produtos relacionados a novos filmes produzidos pela produtora de cinema da empresa. O efeito disso é reduzir a diversidade de bens culturais em circulação. Apesar de haver um aumento em termos quantitativas dos produtos em circulação, é mais provável que sejam variantes dos mesmos temas e imagens básicos.

Além do poder que exercem diretamente sobre suas empresas os maiores magnatas da mídia também um considerável poder indireto sobre as pequenas empresas que operam em seus mercados ou que estão tentando entrar neles.Eles estabelecem as regras do jogo competitivo. Eles podem usar seus grandes poderes financeiros para expulsar novatos do mercado, lançando caras campanhas promocionais, oferecendo descontos na publicidade ou empregando os melhores profissionais de criação do mercado. Empresas que conseguem sobreviver competem por um pedaço do mercado oferecendo produtos similares das grandes empresas e empregam políticas editoriais bem testados pelos grandes.

Historicamente, as principais interrupções nesse processo vêm das intervenções estatais e têm acontecido através de duas maneiras principais: primeiro, foram regulamentadas as empresas comercias para o benefício público, objetivando a manutenção da diversidade da produção cultural, incluindo as formas simbólicas que não tinham muitas chances para sobreviver em condições de mercado puro. Por exemplo, é requerido das empresas inglesas de telecomunicações a inclusão de um leque de programas de interesse das minorias – mulheres, emigrantes, negros, idosos, etc... -, mesmo que não sejam lucrativos. Em segundo lugar, o Estado oferece muitos subsídios para manter a diversidade cultural.

Nas últimas duas décadas, porém este sistema foi substancialmente alterado por políticas de privatização. Grandes empresas de bens culturais públicas, tal como a rede de televisão francesa TF1, foram vendidas a grupos privados. A política de liberalização introduziu operadores privados nos mercados que antigamente estavam fechados para a competição, como os sistemas das redes de televisão de alguns países europeus. E os regimes regulatórios foram alterados a favor da liberdade de operação para os donos e anunciantes. O efeito líquido dessas mudanças foi o aumento em potencial de alcance e poder das maiores empresas de comunicação e o reforço do perigo da cultura pública ser comandada por interesses privados. Mapear essas mudanças do peso das empresas comerciais e públicas e traçar o impacto na diversidade cultural é uma tarefa chave para a economia política crítica.

Há diversas dimensões nesse processo. Primeiro, agências estatais como o exército e a polícia se tornaram grandes consumidores das tecnologias comunicacionais tanto para vigilância como para os seus próprios esquemas de comando e controle. Segundo, governos e ministérios se tornaram produtores importantes de informações públicas das mais variadas formas, desde estatísticas oficiais e coletivas diárias para a imprensa, até campanhas públicas de publicidade. Terceiro, os governos aumentaram suas funções regulatórias tanto quanto na estrutura da mídia (com restrições para impedir grandes conglomerados) , como para regular expressões públicas aceitáveis ( intervêm no uso de expressões obscenas , de incentivo a ódio racial e para manter a valores que protejam a segurança nacional). Por último e mais importante, os governos de democracia liberal tem aumentado a abrangência das atividades culturais que eles subsidiam com recursos públicos, ou indiretamente, com as leis de incentivo a cultura – que não cobram impostos dos jornais, ou diretamente através de vários tipos de doações. Tais doações englobam recursos para bibliotecas, museus e teatros até a taxa anual de televisão que financia a BBC inglesa, por exemplo.

A contribuição da economia política a esse debate é para analisar como e através de que formas a relação entre a mídia e o Estado têm conseqüências para a abrangência de expressões e idéias na arena pública. Por exemplo, quais as conseqüências do desentrosamento efetivo da BBC na economia de mercado.

Porém, o Estado não é somente um regulador das instituições comunicacionais. O próprio Estado é um comunicador de enorme poder. Como esse poder é exercido é de grande interesse para a economia política da cultura. Governos são extremamente ansiosos para promoverem seus próprios pontos de vista sobre o desenvolvimento de políticas e para assegurar que as iniciativas legislativas são corretamente entendidas e apoiadas.

A produção de informações, porém, não é um reflexo simples dos interesses daqueles que são os donos ou controlam o capital na forma de estúdios e equipamento que são os meios pelos quais os bens culturais são feitos e distribuídos. Dentro da mídia há homens e mulheres trabalhando sob normas e ideologias profissionais, e eles têm uma série de aspirações pessoais e sociais. Estas ambições podem ser idealizadas: uma grande parte da produção cultural é rotineira, mundana e altamente previsível. Mas a autonomia daqueles que trabalham na mídia é um assunto de grande interesse para os economistas

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políticos. Eles objetivam descobrir até que ponto essa autonomia pode ser exercida, dada as conseqüências da ampla estrutura econômica que descrevemos acima, e até que ponto a estrutura econômica da mídia inibe algumas formas de expressão para se encontrar uma disseminação efetivamente popular e uma audiência.

A economia política dos produtos culturais, assim, se preocupa com as conseqüências concretas para o trabalho e a natureza da produção de bens midiáticos de amplos padrões de poder e propriedade que são o seu pano de fundo.

Economia política e análise de textos – a pesquisa em Estudos Culturais tem se preocupado especialmente com a análise da estrutura de textos midiáticos e tem traçado o seu papel na manutenção de sistemas de dominação. Na medida que foi se desenvolvendo esse trabalho de análise rejeitou a idéia de que os meios de comunicação de massa funcionam como uma esteira de transmissão para a ideologia dominante, e foi desenvolvido um modelo do sistema de comunicação como um campo ou espaço, no qual discursos rivais oferecem maneiras diferentes de ver e falar, completam a visibilidade e legitimidade. Mas com a exceção de discursos políticos televisivos os discursos raramente são apresentados para o consumo público no seu estado <cru>. Eles são reorganizados e recontextualizados para se encaixar na forma de expressão para a qual vão ser utilizadas. Discursos sobre AIDS, por exemplo, podem muito bem ser incluídos em uma variedade de programas de televisão: publicidade de saúde pública, notas no noticiário, documentários investigativos, programas de auditório, episódios de novelas ou seriados policiais. Cada uma dessas formas causa um grande impacto sobre o que pode ser dito e mostrado, por quem, e desde qual ponto de vista. Em resumo, formas culturais são mecanismos para regular o discurso público. Nós podemos distinguir duas dimensões nesse processo: o primeiro tem a ver com um leque de discursos que as diferentes formas permitem utilizar, sejam elas organizados exclusivamente em torno do discurso público, ou sejam elas promotoras de espaços para a articulação de discursos contrários. O segundo ponto tem a ver com a maneira em que os discursos disponíveis são tratados dentro do texto, se são expostos em uma hierarquia claramente definida de credibilidade que incentiva a audiência a preferir um discurso mais do que outros ou se são tratados de uma maneira mais igualitária e indeterminada, que deixa uma escolha mais aberta para o público.

Se os Estudos Culturais estão basicamente interessados nas maneiras como esses mecanismos funcionam dentro de um texto particular de mídia ou em uma série de textos, a economia política crítica se preocupa em explicar como as dinâmicas econômicas da produção estruturam o discurso público pela promoção de determinadas formas culturais ao invés de outras. Olhe, por exemplo, a dependência cada vez maior nos acordos internacionais de co-produção de dramas televisivos – estes arranjos impõem uma série de constrangimentos sobre a forma enquanto os sócios buscam o tema e um estilo narrativo que podem vender nos seus próprios mercados. A barganha que resulta desse processo pode produzir um produto americanizado com ação rápido e caracterizações simples, obras com formato de ação bem testado, oferecendo um final ambíguo. Ou a barganha pode resultar em uma variante de turismo televisado que utiliza vistas familiares do patrimônio cultural nacional ( MURDOCK 1989 a ) . As duas estratégias representam um campo reduzido de discurso e inibem um engajamento pleno com as complexidades e ambigüidades da condição nacional. O primeiro item resume as formas transatlânticas dominantes de narrar histórias com as fronteiras claramente e hierarquias de discursos claramente demarcadas. O segundo reproduze uma ideologia de “inglezidade” que exclui ou marginaliza toda uma série de discursos subordinados.

Essa perspectiva geral, com sua ênfase no papel mediador crucial das formas simbólicas, tem duas grandes vantagens: primeiro, nos permite traçar conexões detalhadas entre o financiamento e organização dos produtos cultuais e mudanças no campo do discurso e representação públicos de uma

maneira irredutível, que respeita as necessidades para plenas anãlises da organização textual. Na verdade, longe de ser secundária tal naálise é central para o pleno desenvolvimento do argumento. Segundo, enfatizando o fato de que os textos midiáticos variam consideravelmente no grau de abertura discursiva, oferecem uma abordagem a atividade da audiência que focaliza variações estruturadas nas respostas. Porém, em contraste com os trabalhos recentes sobre atividades da audiência produzidos dentro de Estudos Culturais, que concentram nas negociações de interpretações textuais e o uso da mídia em ambientes sociais imediatos, a economia política crítica procura relatar as variações das respostas das pessoas dentro da sua localização no sistema econômico ( MURDOCK, 1989 b). Claro que isto não pode explicar tudo o que precisamos saber sobre a dinâmica da resposta, mas é um ponto de partido necessário.

Consumo – soberania ou luta - Para os proponentes políticos de uma filosofia de mercado livre os bens simbólicos são como qualquer outro bem. Visto que a melhor maneira de assegurar a produção dos bens gerais que as pessoas querem é através do mercado, então, segundo esse ponto de vista também é verdade para os bens culturais. Esta é a verdade ou a mentira dessa proposta que fornece algo analítico para a economia política do consumo cultural.

Curiosamente, uma influente versão dessa filosofia de livre mercado foi usado largamente em muitos Estudos Culturais recentes na tentativa de contestar o aparente determinismo simplista de um ponto de vista que vê as audiências como idiotas passivos nas mãos da toda poderosa mídia, alguns pensadores afirmaram a soberania dos expectadores e leitores para impor seu próprio significado e suas próprias interpretações no material que é polissêmico – isto é capaz de gerar uma variedade de significados. Essa análise tentou pensadores dos mais diversos pressupostos políticos e sociais. Para os pluralistas liberais foi rejuvenescido o ponto de vista de que os pesos da demanda e da procura culturais, apesar de obviamente desiguais ainda funcionam. O consumidor, apesar de maltratado, ainda é soberano no final. Para pensadores com instintos mais críticos ou radicais, este ponto de vista tem criado um romance populista no qual as vítimas são caracterizadas por deterministas econômicos brutos, mas agora são revelados como lutadores de uma resistência heróica numa guerra contra a decepção cultural.

A soberania do consumidor em amplo sentido é claramente impossível – ninguém tem acesso a um leque completo de bens culturais da forma e na hora que quer, sem restrições. A tarefa da economia política assim, é examinar as barreiras que limitam tal liberdade. Ela vê tais barreiras como sendo de duas naturezas: material e cultural.

Quando os bens culturais somente são disponíveis por um determinado preço, haverá uma capacidade finita para o seu acesso, limitado pela disponibilidade econômica dos indivíduos e das famílias. Na medida em que a série de equipamentos necessários para tais atividades cresce, porém também cresce a demanda por recursos privados necessários para participar deles.

O poder de compra disponível de diferentes grupos populacionais é significada mente polarizado, tais bens requerem renovações e trocas constantes, colocando em desvantagem os grupos com poder de compra limitados e em vantagem os mais ricos. Ser dono dos hardware - equipamentos – requer gastos em software, ser proprietário de um telefone, significa gastar dinheiro na sua utilização. Assim, o poder de compra limitado não só limita a compra inicial mas também seu uso regular.

Porém, nem todos os gasto com bens culturais envolvem a aquisição de equipamentos caros. Se pode ver programas de televisão através dos aparelhos disponíveis, como a maioria da população tem, e muitos materiais culturais são bem públicos: eles são pagos através dos impostos para ser um recurso

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comum – livros da biblioteca pública, por exemplo. Essa não é uma situação estática, todavia. Para os economistas políticos, uma mudança e na produção e distribuição de bens culturais dos serviços públicos para as mercadorias privadas sinaliza uma mudança substancial na oportunidade para diferentes grupos da população acessá-los. Se os canais de tv, ou programas individuais, são acessíveis por um preço, então o consumo de programas de tv será governado pela distribuição de renda das famílias. Considerações semelhantes entrariam no jogo, por exemplo, se as bibliotecas públicas utilizassem mais os poderes de mudança pela imposição da disciplina dos preço nos bens culturais eles adquirem uma raridade artificial que lhes fazem parecer outros bens mais escassos. Por essa razão a economia política do consumo cultural deve ser preocupar especialmente as desigualdades financeiras.

A economia política crítica não se preocupa somente com as barreiras materiais do consumo cultural, porém. Também se interessa nas maneiras pelo qual o sujeito se encaixa na sociedade e como isso regula seu acesso ‘as competências culturais necessárias para interpretar e utilizar a mídia de maneiras específicas. Uma das mais fortes tradições empíricas nos Estudos Culturais – desde os estudos das subculturas dos jovens até a pesquisa sobre leituras diferenciais dos textos televisivos – se preocupou em saber o status fornece acesso a repertórios culturais e recursos simbólicos que sustentem diferenças na interpretação e expressão (MORLEY, 1983). Essa ênfase da experiência social como um recurso cultural é importante, mas pode ser utilizado em demasia. As práticas de consumo claramente não são completamente manipuladas pelas estratégias da indústria cultural, mas elas são também, claramente, não completamente independente delas. Em vez disso precisamos ver os bens culturais como um lugar de luta contínua sobre usos e significados entre os produtores e receptores e entre diferentes grupos de consumidores.

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