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    Cultura e economia

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    Paul Tolila

    CULTURA E ECONOMIA

    Problemas, hipteses, pistas

    Traduo

    Celso M. Paciornik

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    Copyright 2007Ita Cultural

    Copyright 2007 desta edioEditora Iluminuras Ltda.

    CapaMichaella Pivetti

    Reviso tcnica: Teixeira Coelho

    Reviso:Lucia Brando

    DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAO NA PUBLICAO (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Tolila PaulCultura e economia : problemas, hipteses,

    pistas / Paul Tolila ; traduo Celso M. Pacionik. So Paulo : Iluminuras : Ita Cultural, 2007.

    Ttulo original: Economie et politiqueISBN 978-85-7321-273-0 (Iluminuras)ISBN 978-85-85291-65-5 (Ita Cultural)

    1. Cultura 2. Economia I. Ttulo07-4436 CDD-306.3

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Cultura e economia : Sociologia 306.3

    2007EDITORA ILUMINURAS LTDA.

    Rua Incio Pereira da Rocha, 389 - 05432-011 - So Paulo - SP - BrasilTel: (11)3031-6161 / Fax: (11)3031-4989

    [email protected]

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    AGRADECIMENTOS ................................................................................................................................... 9

    PREFCIO EDIO BRASILEIRA .................................................................................................... 11

    INTRODUO ......................................................................................................................................... 15

    PRIMEIRA PARTECOMO A ECONOMIA CHEGA CULTURA:AS PRINCIPAIS QUESTES ............................................................................................................... 23

    SEGUNDA PARTECULTURA E DESENVOLVIMENTO:COMO A CULTURA CONTRIBUI PARA A ECONIMIA ...................................................... 69

    TERCEIRA PARTEOBSERVAO DA ECONOMIA CULTURAL:UM DESAFIO PARA A AO ........................................................................................................ 103

    BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................................ 139

    SOBRE O AUTOR .................................................................................................................................. 141

    SUMRIO

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    Meus agradecimentos vo para Patrcia Pernas Guarneros e Raoul Zorilla Aredondo que, no Mxico, foram os primeiros a encorajar este enfoque

    econmico dos fenmenos culturais e me permitiram vislumbrar acomposio desta obra. Para esta edio brasileira, agradeo s equipes doItau Cultural, em especial a Selma Cristina Silva e Luis Matos Fo, que semantiveram em constante contato comigo e me ajudaram a facilitar todasas complicaes de um projeto editorial.

    Meu vivo reconhecimento vai para Teixeira Coelho que, com amizade erigor, favoreceu a publicao deste livro e se disps a reler a traduo dotexto para o pblico brasileiro.

    Exprimo, enfim, toda minha gratido a Eduardo Saron, superintendentede atividades culturais do Ita Cultural, cuja ao e reflexo aprendi aapreciar. antes de tudo graas a ele que esta edio se tornou possvel.

    AGRADECIMENTOS

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    Na origem, este livro nasceu de um dilogo com as autoridades pblicasmexicanas encarregadas do setor cultural. Sua publicao no Mxico aparece

    no mesmo momento em que, graas aos esforos do Ita Cultural, ele colocado disposio do pblico brasileiro.Brasil, Mxico: duas publicaes simultneas de uma obra escrita por um

    europeu em dois grandes pases do continente latino-americano. Por qu?Se a um autor se pode permitir a formulao de um parecer sobre seu prprio

    projeto, eu diria que, ao escrever este livro depois de muitos anos de trabalho na Amrica Latina, minha inteno no foi tanto visar a um pas em particularquanto tentar, modestamente, esclarecer as grandes questes econmicas quehoje se colocam para o setor cultural em seu conjunto e seus atores, quer sejam elestomadores de decises, profissionais ou simples cidados. Isso porque estou

    persuadido de que o enfoque econmico equilibrado no um inimigo da cultura:

    ao contrrio, ele pode servir para defend-la e tornar sua importncia tangvel.Hoje, mais do que nunca, a evoluo do setor cultural e as perspectivas de

    seu desenvolvimento impem pensar as realidades nacionais em relao stransformaes internacionais e s relaes de fora que a se formam.

    Com efeito, desde meados dos anos 1990, os produtos culturais ocuparamo primeiro lugar nas exportaes dos Estados Unidos, muito frente de avies,carros, agricultura ou armamentos. Essa posio dominante explica, em grande

    parte, a atitude desse pas com respeito s negociaes sobre diversidade culturale deveria estimular a maioria dos outros governos a refletir sobre os desafioscolocados pelo desenvolvimento cultural. Isso porque est claro que os EstadosUnidos assentaram grande parte da sua influncia na capacidade de atrao

    do modelo cultural que eles souberam desenvolver com investimentos massivos.Em diversos pases da Amrica Latina, Europa e alhures, o desejo de cultura

    dos cidados h muito foi deixado de lado pelas polticas pblicas e o setorcultural considerado mais ou menos, na pior hiptese, desprezvel, na melhor,um setor de gastos improdutivos a se limitar ao mximo.

    PREFCIO EDIO BRASILEIRA

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    Quando se lana um olhar sobre os ltimos trinta anos, percebe-se que essesanos, que marcam uma evoluo muito vigorosa dos intercmbiosinternacionais, constituem tambm um perodo de instabilidade crnica, dedesastres econmicos nacionais, de grandes disparidades de desenvolvimento.Na maioria dos pases, o setor cultural sofreu o impacto direto dessas evoluesassim como as transformaes relacionadas s mudanas profundas datecnologia digital. Esse contexto conduziu a uma grande perda de referncias e,tambm, s vezes, tentao de cruzar os braos.

    Ora, a globalizao um fenmeno contraditrio que, pela competioque pressupe e amplia, contribui para revitalizar a reflexo sobre a cultura decada pas como fenmeno simblico distinto num universo de mercadorias

    padronizadas. O surgimento do Brasil no concerto das grandes potncias

    mundiais apenas confirma essa regra, e sua vontade de crescimento s a tornarainda mais explcita. Quanto mais aumentar o desenvolvimento de um pas e desuas elites, de sua educao e de suas foras produtivas, mais ele integrar ascapacidades de inovao na sua realizao econmica, mais ele refinar suas

    produes e suas estratgias, e mais ele redescobrir o setor cultural como umdesafio moderno crucial.

    a esse novo desafio que se consagra este livro.Ele no um livro para especialistas da economia, no um livro tcnico.Ele pretende, antes de tudo, contribuir para esclarecer como as anlises

    econmicas permitem compreender melhor os fenmenos culturais e explicarsua evoluo. Por que se pode dizer que os bens culturais no so mercadorias

    como as outras? Onde reside a distino entre a economia das atividadesclssicas (teatro, dana, msica, patrimnio histrico, etc.) e a das indstriasculturais (cinema, edio, livros, DVD, CD, etc.) hoje atravessadas pelas tecnologiasdigitais? Qual o sentido e o desafio econmico dos debates sobre a propriedadeintelectual e sobre o confronto dos modelos de copyright e de direito autoral?

    Mais amplamente, como pensar a contribuio econmica do setor cultural para o desenvolvimento global de um pas? Se os impactos clssicos no sodesprezveis (no setor turstico, por exemplo), no ser preciso tambm consideraras novas pistas abertas pelos modelos da economia do conhecimento (opostass teorias padro do mercado puro e perfeito) que colocam a cultura, ao tantoquanto a educao e a pesquisa, entre os novos fatores decisivos do

    desenvolvimento pela inovao? E a evoluo industrial global no est sereciclando num modelo cultural no qual o prottipo e sua socializao setornaram preponderantes em termos de criao de valor? O debate est aberto.

    Seja qual for, porm, a posio que se adote, ser possvel discorrer sobre aeconomia cultural e a cultura pura e simples sem uma observao digna desse

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    nome? Esse um problema importante. Nenhum debate pblico e cidado srio poder ocorrer sem os dados estruturais que permitam fundament-lo demaneira confivel, autorizando simultaneamente a pluralidade dasinterpretaes. O que poderia ser um programa de observao cultural para um

    pas? Quais so os grandes setores a observar? O que um indicador e para queele serve? Como um esforo de observao pode favorecer parcerias pblico-

    privadas teis para o conjunto do desenvolvimento cultural no Brasil?Grandes conceitos da economia cultural, contribuio direta da cultura

    para o desenvolvimento econmico, lugar da cultura nas novas economias doconhecimento, desafios da observao cultural: eis os temas principais e semfronteiras desta obra. Seu ponto de partida econmico, mas seu horizonte estratgico.

    Se ela contribuir para tornar mais claro o que estava obscuro, se permitiruma melhor difuso do debate econmico sobre o desenvolvimento cultural, sepuder ilustrar e permitir a compreenso de por que fundamental para o Brasilinvestir hoje na cultura, ela ter atingido seu fim.

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    INTRODUO

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    Como pensar a economia do que chamamos, por comodismo, de setorcultural? E, para comear, qual a utilidade de uma reflexo econmica nesse

    campo? A resposta no fcil nem tampouco imediata. Ela se torna alisparticularmente difcil se no penetrarmos mais fundo no grande nmero deoutras questes que preciso resolver antes de se obter alguma resposta.Alguns exemplos podem ajudar a ilustrar esse propsito.

    A primeira interrogao abarca o carter histrico das perguntas que nosfazemos. Estudar a economia da cultura (ou, mais precisamente, do setorcultural, porque esta denominao nos permite definir melhor nosso objetono plano socioeconmico como uma conveno moderna e suscetvel devariaes em nossas sociedades, distanciando-nos de uma definiopuramente antropolgica da cultura) um movimento recente em nossassociedades, um movimento que no tem mais de cinqenta anos. Encontram-

    se reflexes sobre a arte dispersas nas obras de Smith, Ricardo, Marx ou mesmoPareto, com certeza, mas na maioria das vezes elas so recursos de cartermetafrico ou ento indicaes que salientam ora o lado enigmtico ouexorbitante dos fenmenos naturais luz da racionalidade econmica, oraseu valor futuro num mundo livre das sujeies da fome, do capital e dotrabalho assalariado.

    Para os pais da cincia econmica, afora certas imagens ou certasintuies, a cultura e as artes se situam, em geral, no lado do irracional ou dautopia.

    Essa atitude, que melhor se poderia chamar de cultura no-econmicados fenmenos culturais afirmada pelos economistas, no deixou de agir sobre

    os atores do prprio setor cultural. Como se sabe, a economia, seus clculos eestatsticas, seus modelos e leis no tm boa fama nos meios culturais, quepreferem opor ao mundo frio da rentabilidade, das limitaes financeiras e daconcorrncia dos mercados, o mundo clido da paixo, da criao livre e dovalor universal dos atos culturais. Ao desinteresse dos economistas pela cultura

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    respondeu, pois, em grande medida, o desinteresse dos atores culturais pelaeconomia, suas ferramentas e seus debates.

    Em geral e em qualquer pas que se considere, habituamo-nos ao seguintedilogo: na maior parte do tempo, em nome dos grandes ideais muitohumanistas e muito qualificativos, o setor cultural demanda cada vez maismeios dos tomadores de decises, que devem arbitrar as alocaes de recursosde maneira racional e quantificada para justificar democraticamente suasescolhas perante os cidados. Num perodo de expanso econmica geral, ascoisas andam muito bem. Num perodo de crise ou de instabilidadeeconmicas, a histria outra. Isso porque nesses momentos difceis querealmente nos damos conta de que nos faltam instrumentos de dilogo e deconvico.

    Ora, desde o comeo dos anos 1970 o mundo conheceu uma srie deconvulses econmicas ilustrada pelo desemprego em massa jamais resolvido,ondas de recesso, repetidas crises financeiras, instabilidades monetriascrnicas. So raros os pases que conseguiram ser poupados desses acessosde fraqueza e no prprio continente latino-americano extensa a lista dospases que, do Mxico Argentina, passando pelo Brasil, viram seus processosde desenvolvimento freados e at brutalmente interrompidos durante esseperodo.

    Por outro lado, depois de permanecer fora dos clculos, eis que aeconomia do setor cultural no s est posta no centro dos debates nacionaispor todas as partes do mundo, mas tambm objeto de rspidas negociaes

    internacionais como to bem ilustram tanto os embates na OrganizaoMundial de Comrcio (OMC), como as lutas pelo reconhecimento daDiversidade Cultural cujo teatro foi e continuar sendo a Unesco1 . A dimensoeconmica do setor cultural se sobressaiu cada vez mais e fortaleceram-se osdebates apaixonados (e apaixonantes) que a tomam por objeto. Nessecontexto, o slogan segundo o qual os bens culturais no so mercadoriascomo as outras surge como uma posio de princpio bastante defensiva efraca, muito distante de uma argumentao econmica slida e convincente.

    Sem a menor dvida, como salientam numerosos tericos da histriaeconmica (Wallerstein, Braudel), a globalizao no data de ontem nemmesmo de trinta anos atrs, mas desde o fim da guerra fria e da queda do

    bloco comunista ela tomou um rumo cada vez mais inquietante, sobretudoquando emprega doutrinas muito agressivas no campo do comrciointernacional, que parecem ter herdado o esprito belicoso anterior e do lugar

    1 Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura.

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    a prticas de ameaas ou agresses muito distantes da teoria da concorrnciapura e perfeita.

    Mesmo alguns economistas liberais e adeptos do livre mercado, como P.Krugman (2005), por exemplo, se preocupam com isso e apontam os desviosameaadores de uma concepo do comrcio internacional em que a noode vantagem comparativa para os pases pura e simplesmente substitudapela noo de vantagem competitiva normalmente utilizada pelas empresas,e que tende a impregnar as mentes com a idia de que as naes enfrentamhoje uma luta semelhante de empresas concorrentes no mercado; uma lutaem que (quase) todos os golpes seriam permitidos. O mais incmodo, claro, ver que essas doutrinas contam com o favor de certos governos, entre outroso dos Estados Unidos.

    sob a presso desses dois fatores (debates democrticos internos sobrea alocao dos recursos, impulso agressivo da concorrncia internacionalsobre os mercados de bens e servios culturais) que se desenvolve hoje anecessidade de pensar a economia do setor cultural, de estud-la nosseus grandes componentes e de examinar as principais questes que elaencerra. O fato novo , de agora em diante, no considerar essa condutacomo um grilho para a cultura, destinado a aprision-la a lgicasestrangeiras, mas a possibilidade de dispor de ferramentas e conceitossuscetveis de ajudar no desenvolvimento do setor cultural em seuconjunto e permitir aos que o defendem apoiar-se em argumentos eproblemticas convincentes.

    De um certo ponto de vista, as dificuldades atuais so uma oportunidadeque se deve aproveitar: durante muito tempo censurou-se ao setor cultural es administraes encarregadas de sua regulamentao seu amadorismoeconmico, na verdade, sua despreocupao diante dos problemasfinanceiros ou da organizao.

    Pensar hoje a economia do setor cultural no constitui de modo algumuma derrota dos argumentos humanistas a respeito da cultura que todosconhecemos e defendemos. No significa um abandono do terreno naluta pela defesa de um desenvolvimento cultural; significa, ao contrrio, aocupao de um terreno suplementar do qual o setor cultural e seusprincipais atores h muito desertaram deixando o campo livre para as presses

    negativas.Pensar a economia do setor cultural uma arma para a cultura.

    Uma arma de que o setor cultural deve se apossar para melhorar sua prpriaviso das coisas, defender suas escolhas e sua existncia, participar de maneiraativa do seu desenvolvimento futuro.

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    Este livro no uma obra concebida por especialistas da economia,no uma obra tcnica . A problemtica que nos ocupa aqui decorre deuma proposta simples, mas que define essencialmente o enfoque das cinciassociais e humanas: o problema principal de todo processo vlido reside novalor das perguntas colocadas, das hipteses propostas e dos modelos quefinalmente se constroem. Perguntas, hipteses e modelos nos permitem, commuita humildade, abordar a diversidade do real, orientar em meio multidode fenmenos e pensar racionalmente as aes possveis. So ferramentassimples, s vezes simplistas, mas teis, a despeito de seus limites, porquepermitem a reflexo, o repensar das suposies a priori, o debate claro e apreparao das etapas seguintes da investigao.

    A inteno deste livro no , portanto, responder a todas as interrogaes

    que se possam colocar em tal ou qual ponto determinado, em tal ou qualparte especializada do setor cultural: ele visa a um enfoque estratgicodas grandes questes econmicas que se colocam para o setor em seuconjunto e que esse setor, seus atores e seus tomadores de decises, mastambm os cidados, deveriam levar em considerao para uma melhorcompreenso dos processos econmicos da cultura, um melhor debatepblico e, se possvel, melhores decises.

    Nessa perspectiva, necessrio precisar a partir de qual ponto de vista aelaborao desta obra foi concebida, isto , a partir de quais objetivosdesenvolveu-se a estrutura das questes que ns nos fazemos e de nossashipteses, bem como as implicaes de aes que evocamos para fazer do

    enfoque econmico do setor cultural uma ferramenta crvel e eficaz a serviodo desenvolvimento cultural.Guiaram-nos trs objetivos que so tambm trs horizontes de reflexo

    para instrumentar conhecimentos e debates sobre a economia cultural: ofortalecimento das polticas pblicas culturais, as relaes entredesenvolvimento cultural e desenvolvimento geral, e as implicaesque a globalizao atual dos intercmbios e seus desequilbrios tmpara o desenvolvimento e a diversidade cultural. em funo desses trshorizontes que as grandes questes internas da economia cultural soabordadas aqui, quer se trate das indstrias culturais, dos direitos autorais, dasnovas tecnologias ou ainda da situao dos aspectos clssicos da cultura

    (patrimnio, espetculo ao vivo, etc.).Na primeira parte, tentaremos definir as grandes questes econmicas

    que se colocam para um setor cultural j dividido em dois continentes, asatividades ditas clssicas e o campo das indstrias culturais que sustenta hojeo essencial dos empreendimentos (novas tecnologias, direitos autorais, etc.)

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    colocados pela globalizao dos intercmbios. Tentaremos compreendertambm por que a natureza dos produtos culturais coloca alguns problemaspara os processos da economia clssica.

    Na segunda parte, examinaremos as contribuies econmicas do setorcultural para o desenvolvimento econmico geral em dois planos principais:primeiro, a determinao do impacto do setor cultural sobre a atividadeeconmica enquanto tal, depois a contribuio do setor cultural para arenovao do prprio pensamento econmico e para os novos enfoques dodesenvolvimento no quadro do que se comea a chamar de a economia doconhecimento, orientada para um enfoque muito crtico das teorias-padrodo livre comrcio e da deciso estratgica.

    Por fim, na terceira parte, tentaremos extrair as linhas de ao para

    organizar a observao econmica permanente do setor cultural que permitems polticas pblicas da cultura, aos tomadores de decises e aos cidados,dispor dos instrumentos e dos conhecimentos necessrios deciso, informao dos atores, conduo das aes, antecipao e ampliao dodebate pblico sobre as implicaes e a importncia do setor cultural. apartir disso, tambm, que poderemos abordar de maneira concreta todo ointeresse que pode representar para os pases ibero-americanos umacooperao internacional na explorao das grandes questes econmicasdo setor cultural.

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    PRIMEIRA PARTE

    COMO A ECONOMIA CHEGA CULTURA:AS PRINCIPAIS QUESTES

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    1. A economia do setor cultural: enfoques recentes, caractersticasatpicas para a economia clssica

    Como se salientou na introduo, a reflexo econmica s se preocupoumuito tardiamente com o setor cultural, depois de cerca de cinqenta anos, o queexplica a confuso de alguns debates, a escassez de economistas que declaramexplicitamente estudar a cultura, a falta de dados e interpretaes confiveis quese verificam em diversos temas em quase todos os pases. A economia do setorcultural (entenda-se por isso os resultados de estudos econmicos, a capacidadede produzir snteses teis e comparaes confiveis) se caracteriza por uma grandedisperso, escassez e ausncia de dados atualizados e uma grande dificuldade deamarrar os nveis da microeconomia e da macroeconomia.

    Essa situao produz uma grande frustrao, hesitao e amargura em

    todos que desejam trabalhar no sentido de um fortalecimento dodesenvolvimento cultural, sejam eles tomadores de decises, atores do setorcultural (artistas, profissionais diversos) ou simples cidados.

    De fato, durante muito tempo o setor cultural foi ignorado pela teoriaeconmica que o considerava atpico em relao s leis fundamentais queela produzia e que regem o modo de produo e de consumo capitalista. Paraos pais fundadores da economia poltica, Smith e Ricardo, os gastos nas artesabarcam apenas os lazeres e no poderiam contribuir para a riqueza das naes;para os economistas respeitveis, portanto, eles no mereceriam um dispndiode energia intelectual.

    Ricardo afirma muito claramente que as obras de arte, cujo valor varia de

    acordo com a sua raridade, so excees ao princpio do valor-trabalhoaplicvel ao conjunto das outras mercadorias. Mais tarde, Walras e Paretomantero a mesma linha de pensamento.

    Entretanto, quando os fenmenos culturais foram evocados em pesquisassrias sobre a riqueza da terra (fisiocratas do sculo XVIII), a produo de valor

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    pela indstria, as questes do trabalho e da moeda (no sculo XIX, em J.B. Say,por exemplo), foi sempre para serem definidos na categoria pouco econmicado luxo. Ora, o luxo, para os economistas clssicos, nada tem de funcional, elepertence esfera do capricho, de um desejo individual fora da norma e poucopreocupado com a verdadeira produo de riquezas, ele constitui umaderivao no desejvel do capital, investido improdutivamente emfantasmas. Como no so funcionais, os gastos na arte e na cultura (no luxo)so prontamente declarados irracionais no pensamento econmico clssico.

    Como se v, tratados por um lado como uma exceo (Ricardo) e poroutro como uma irracionalidade (Say), os fenmenos culturais no poderiamencontrar um grande espao nas idias e nas preocupaes dos economistasclssicos porque a prpria estrutura da doutrina econmica, a arquitetura de

    seus conceitos e seus pressupostos, exclua a cultura do campo da observaotil e legtima em economia.Um dos problemas internos do processo econmico, isso sabido e vrios

    economistas o reconhecem (Schumpeter, Polanyi, Keynes, entre outros), suatendncia a ignorar deliberadamente a histria e seus desenvolvimentos. Os paisda economia clssica s tinham diante de si uma cultura associada aos reis, scortes principescas, ou ento a uma elite muito pequena de aristocratas ou dedinastias burguesas muito ricas. Portanto, como bons economistas que eram,eles teorizaram esse presente para torn-lo teoricamente eterno e, a partir dessemomento, a prpria economia que se tornava cega para a cultura.

    Com efeito, foi preciso esperar transformaes sociolgicas massivas

    (aumento do tempo livre e do lazer, crescimentos dos gastos consagrados cultura pelos diferentes atores econmicos) por volta do fim do sculo XIX e,sobretudo, no sculo XX, para que a cultura, entrando nas normas de consumoscorrentes, merecesse a ateno dos economistas. preciso notar tambmque essa atitude dos economistas no foi espontnea.

    Ainda na metade do sculo XX, numa intuio de gnio, J.M. Keynestraava um futuro brilhante para a cultura, mas enviava essa importncia parao sculo seguinte. Numa conferncia pronunciada em 1928 e intituladaPerspectivas econmicas para nossos netos , ele escreveu:

    Suponhamos para fins de argumentao que daqui a cem anos

    estaremos todos, em mdia, em condies de vida, economicamentefalando, oito vezes superiores s que conhecemos hoje. No h nisso,seguramente, nada que deva nos surpreender.

    Ora, verdade que as necessidades dos seres humanos podem parecerinsaciveis. Mas elas entram em duas categorias: as necessidades que

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    tm um carter absoluto , nesse sentido em que ns as sentimos sejaqual for a situao de nossos semelhantes, e as que tm um carterrelativo , porque ns s as sentimos se a sua satisfao nos alar acimade nossos semelhantes, nos der o sentimento de lhes sermos superiores. Asnecessidades que entram na segunda categoria, as que respondem

    ao desejo de superioridade, podem com efeito ser insaciveis; porque

    quanto mais se eleva o nvel geral, mas elas continuam a crescer.Mas isso bem menos verdadeiro para as necessidades que tm um

    carter absoluto: podemos atingir rapidamente, talvez mais rapidamentedo que tenhamos conscincia disso, um ponto em que essas necessidadessero satisfeitas, no sentido de que preferiremos consagrar nossas energiasnovas a fins no econmicos. Quem, segundo Keynes, sero os

    ganhadores dessa era em que, livres das preocupaes econmicas,os homens devero sobretudo se ocupar de seus lazeres, viver sabiamente,agradavelmente e bem?Sero as pessoas que sabero preservar a arte deviver e de cultivar at a perfeio, e que (...) sero capazes de gozar daabundncia quando ela se apresentar. O que no um pequenoproblema, porque durante muito tempo ns fomos educados para sofrere no para gozar.

    Esse texto notvel por mais de uma razo. Antes de tudo, porque colocao desfrute e o prazer no centro das capacidades que os homens e mulheres dofuturo devero desenvolver para ser felizes e estruturar objetivamente seu

    tempo (e o prazer est no corao da atrao cultural), mas, alm disso, porqueao designar as atividades visadas por esse prazer, ele as designa comonecessidades relativas destinadas a uma expanso infinita vinculada aosfenmenos da comparao social dos homens entre si, dos grupos humanosentre si, isto , em relao com aquele tipo de valor simblico que os fenmenosculturais contm e com aquela emulao geral que constatamos hoje emquase todas as sociedades para ter um maior acesso cultura, da mais simples mais refinada.

    De fato, no s Keynes rene aqui as anlises que os maiores socilogosda cultura (N. Elias, P. Bourdieu) desenvolvero alguns anos ou dcadas maistarde sobre os valores simblicos de distino dos fenmenos culturais e sobre

    a evoluo cultural como um dos resultados da competio simblica entreos grupos sociais, mas traa tambm, implicitamente, uma crtica da economiaclssica ao evocar um novo continente da atividade e do prazer humanosonde os critrios habituais da economia (trabalho, corrida pelo lucro, util idadeimediata, juro financeiro) devero ser revistos, um mundo em suma onde a

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    modelao do homem como homo economicus, central para os pais daeconomia, ser necessariamente recolocada em questo. Um programa etanto!

    E precisamente sob o impulso das evolues sociolgicas que aeconomia chegou cultura. De fato, antes de tudo graas forte demandados profissionais do setor cultural ameaados por restries oramentriasnum contexto de restries de intervenes pblicas, que surgiu o estudopioneiro de W. Baumol e W. Bowen (1966) sobre o espetculo ao vivo ao qual sereferem todos os trabalhos de economia da cultura.

    Ao colocar nfase tanto nas especificidades do setor como no papel dospoderes pblicos, esse primeiro exerccio abriu caminho para os trabalhos sobreeconomia da cultura que se multiplicaram nos anos 1970. Podem-se citar aqui

    os enfoques de microeconomia, inspirados nos trabalhos de K. Lancaster, G.Becker e G. Stigler, que procuraram prestar contas das condutas em matria degastos culturais (gostos, manias, etc.) que durante muito tempo haviam sidodeixados de lado pela teoria tradicional da demanda.

    De maneira geral, vai se perceber que a teoria econmica padro, focadadesde a origem na anlise dos bens homogneos em situao de informaoperfeita, tenta progressivamente integrar o estudo de produtos diferenciadosem situao de incerteza, incorporando assim preocupaes centrais do setorcultural.

    O conjunto desses enfoques e desses confrontos num mbito notradicional para as cincias econmicas permitiu lentamente traar

    caractersticas particulares para os bens e servios culturais.

    2. As principais caractersticas dos bens e servios culturais

    A cincia econmica define tradicionalmente a noo de mercadoria pormeio de quatro critrios (Debreu, Lancaster) num universo certo (semincertezas): as propriedades fsicas do bem, a data e o lugar em que ele estdisponvel, os acontecimentos que condicionam sua entrega. Aspropriedadesfsicas (ou propriedades objetivas) correspondem ao que chamamos dequalidade do bem. A qualidade de um bem, supe-se, decomponvel em

    elementos que podem ser submetidos a medies objetivas. Classicamente,nesse sentido, a qualidade de um bem constitui um duplo indicador: umindicador que permite diferenciar um bem x` defeituoso de um bem x damesma natureza, mas sem defeito dentro de uma escala de qualidade, e umindicador que permite distinguir um bemxde um bemyde natureza diferente.

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    Para que a qualidade do bem possa servir de referncia, precisonecessariamente que suas caractersticas sejam objeto de um reconhecimentogeral por parte dos indivduos e, portanto, que elas sejam mensurveis ehierarquizveis. De acordo com a economia clssica, desde que umacaracterstica seja mensurvel ela preenche as condies para seruniversalmente reconhecida por todos.

    Os economistas perceberam, com justa razo, que os bens culturais eartsticos escapam, em grande parte, desse modelo da mercadoria-tipo,porque o que constitui sua definio, a qualidade artstica, responde auma avaliao subjetiva e no a uma medida cuja universalidadepoderia ser consensual.

    O contedo artstico de um bem em relao a outro no pode ser

    objeto de uma classificao objetiva nem de uma hierarquizaouniversal.Alm disso, os bens culturais, tanto os que so oferecidos pelas polticas

    pblicas ao consumo cidado (museus nacionais, monumentospatrimoniais, espetculos ao vivo, etc.) como os que so produzidos pelasindstrias culturais nos diferentes campos (msica, cinema, livros,videogames, produtos multimdia), possuem uma caracterstica estranhaem relao s mercadorias definidas pela economia padro: sua compra eseu consumo no destroem nenhuma de suas propriedades e no fazemdesaparecer a possibilidade de um consumo mais amplo ou posterior.Examinemos isso mais atentamente.

    Na teoria padro e no modelo clssico de mercado, toda mercadoria real declarada um bem privado, caracterizado pelo fato de ser exclusivo e rivalno consumo. O que isso quer dizer? Tomemos alguns exemplos para ilustrarnosso propsito: um caf, um sanduche, uma camisa, um par de sapatos,uma cadeira, etc., so bens exclusivos porque possvel impedir-me de obt-los (por exemplo, se eu no pagar); por outro lado, cada um desses bens deconsumo exclusivo porque no momento em que o aproveito, nenhuma outrapessoa pode usufru-lo. Aqui se reconhecer a maioria dos bens queconsumimos e para os quais somente o roubo ou a doao podem impedir ofuncionamento dessas caractersticas. Os bens culturais no parecemclassificveis nesse modelo.

    De fato, a maioria dos bens e servios que classificamos sob a rubricacultural se comporta sempre, no todo ou em parte, como bens noexclusivos e no rivais no consumo.Tambm aqui alguns exemplos tornaroas coisas mais tangveis. Todos sabem que podem assistir a um espetculo derua sem pagar por isso e que seria difcil impedi-los. Da mesma maneira, podem

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    escutar uma escola de samba numa quadra ou numa praa da Cidade do Riode Janeiro, desfrutando-as sem que isso seja um roubo de um ambiente culturalpara o qual no contriburam financeiramente; todos sabem tambm que sepode ainda admirar, sem pagar, um edifcio classificado como monumentohistrico na rua.

    Um bom nmero de bens e servios culturais no espetculo ao vivo e nopatrimnio contm assim essa caracterstica de no ser de consumo exclusivo.Por outro lado, eles tampouco so rivais porque o prazer (o benefcio) que seretira deles no diminui em nada o dos outros consumidores que o escutamou assistem. Em Paris, a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo: difcil impedir algumde observ-los e todos o podem fazer plenamente.

    Existem outras configuraes de bens culturais com base em graus, mas

    essas duas caractersticas nunca se destroem completamente. Eu pago pelocinema, o museu, o teatro, a pera, etc., mas meu consumo no rivaliza com odos outros (eu visito ou desfruto de um espetculo junto com centenas depessoas), eu pago para comprar um DVD ou um CD, mas posso escut-los ouv-los com amigos que, com freqncia, aumentam, alis, o benefcio de prazerque eles me proporcionam.

    Eu no considero que minha famlia ou os amigos que convidei para umafesta ou para assistir a um DVD sejam ladres dos bens que comprei; emcompensao, para eles o fato de no terem pago torna seu consumo parecidocom o de um bem no exclusivo. A chegada das tecnologias digitais e asoportunidades que elas propiciam, embora coloque um certo nmero de

    problemas novos, em especial sobre a questo dos direitos autorais, apenassalienta e talvez esclarea melhor essas caractersticas muito particulares dosbens e servios culturais. Ora, essas particularidades so prprias dos chamadosbens coletivos, facilmente reconhecidos na vida cotidiana quando se pensaem setores to diversos como sade, educao, pesquisas, as grandes infra-estruturas, etc.

    O surgimento recente das polticas pblicas culturais, os debatesinternacionais sobre os direitos e a diversidade cultural constituram revelaesformidveis dessa particularidade da cultura como bem coletivo. Compreende-se melhor agora o sentido das lutas de influncias que hoje se travam tanto nosetor cultural como nos outros setores de bens coletivos, dado que o ideal

    neoliberal tende sua privatizao generalizada em detrimento mesmo desua natureza econmica. Nesse sentido, pode-se dizer que essas doutrinasno so efetivamente enfoques econmicos no sentido estrito, mas posiespartidrias e ideolgicas que absolutizam apenas uma parte do econmicosem levar em conta sua complexidade.

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    Isso porque a complexidade cultural em termos econmicos bem maisdifcil do que pensam os adeptos de uma mercantilizao absoluta. Voltemosum instante questo da qualidade dos bens. Conforme j se disse, asdefinies padro de qualidade de um bem so, em grande parte,inoperantes quando se trata de apreender a qualidade artstica. Uma cpiaruim de Em busca do ouro no destruir o prazer que tenho ao ver esse filme deCarlitos, e uma poltrona confortvel no cinema no me consolar por umespetculo nulo; enfim, o contedo artstico de um bem em relao a outrono pode ser objeto de hierarquizao, nem de classificao objetiva. Diantedisso, como conceber a formao da qualidade artstica e a sua colocaoem jogo no universo das trocas comerciais tais como as vemos operar na arte(quadros, por exemplo) ou nas indstrias culturais?

    Alguns economistas (Sagot-Duvauroux, Mac Cain, Moureau, etc.) sedebruaram, nos anos 1990, sobre a questo dos procedimentos deobjetivao da qualidade artstica. Sua principal concluso que a qualidadeartstica depende de convenes scio-histricas, e que, desde fins do sculoXIX e incios do sculo XX, as sociedades ocidentais e as que se alinharam a seumodelo desenvolveram uma conveno de originalidade que embasa aavaliao da qualidade artstica dos bens culturais. Essa conveno articulade maneira espantosa a norma e a variedade e produz uma situao muitodiferente daquela dos sculos passados em que a norma convencional eraantes a da encomenda aos artistas, isto , uma situao em que o artista nose preocupa mais com a aceitao pblica e, de certa maneira, precede a

    demanda por suas obras.Quando a originalidade se torna a norma de conveno, fica evidente queas instncias de legitimao da qualidade (o Estado, os circuitos comerciaisdominantes, as prticas das elites, etc.) vo desempenhar um grande papelem sua objetivao.

    A conveno de originalidade que hoje se encontra no conjunto dosmercados culturais pode definir-se com base em trs critrios principais: aautenticidade (um objeto de arte autntico quando provm do trabalhode artistas e exclui ao mximo a diviso do trabalho tal como era praticada nasescolas de pintura na Itlia do sculo XV, por exemplo), a unicidade (umobjeto de arte deve ser nico ou, no mnimo, raro) e a novidade (a histria da

    arte torna-se aqui uma pedra angular indispensvel para saber julgar em termosde inovaes reais).

    Uma conseqncia necessria dessa conveno que embora naproduo industrial de objetos padronizados a singularidade s possa existiracidentalmente, a produo cultural e artstica busca voluntariamente

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    promover e amplificar essa singularidade (o artista, o escritor, o diretor de cinema,o ator...). O estilo e a assinatura so caractersticas essenciais.

    Da em diante, o ponto de partida da relao produto/pblico o criadorque, como produtor, obedece a uma lgica interior inversa do engenheiroque vai desenvolver seus produtos segundo especificaes e depois deestudos de marketing. Com isso, a economia toda do setor cultural se define,portanto, pelo predomnio de uma lgica da oferta, ao contrrio das lgicastradicionais da demanda. Essa lgica da oferta caracteriza bem, entre outras, aao das polticas pblicas em termos de investimento, de ajuda e desustentao das diferentes atividades culturais, do patrimnio ao espetculoao vivo, e em termos de incentivos s prticas culturais.

    ltima grande caracterstica dos bens e da economia do setor cultural o

    contexto de incerteza.No mbito cultural, de fato, a avaliao convencional da qualidade artsticados produtos e das obras pelas diferentes instncias socioeconmicas delegitimao mergulha tanto o produtor como o consumidor na incertezaporque impossvel ter medidas objetivas e universais dessa qualidade. Essaincerteza sobre a qualidade dos bens de troca explica a incerteza dos resultadosque pesa sobre os produtores e os coloca numa posio bem mais frgil porqueos custos de produo podem ser muito altos como, por exemplo, no caso docinema.

    O problema que custos altos no significam automaticamente umagrande qualidade artstica e que, ao contrrio de outros setores clssicos, esses

    custos no podem ser compensados por um aumento automtico dos preose das vendas. Produzir um filme muito caro no s no garante um grandesucesso de pblico como, alm disso, os bens e servios culturais so marcadospor uma relativa desconexo entre seus custos de produo e seus preosde venda em razo de sua raridade (mercado de arte), da existncia desubvenes pblicas (espetculo ao vivo) ou ainda de lgicas diversificadasde amortizao em diversos suportes (filmes, msica). Salvo algumas variaesmenores, o preo de uma entrada de cinema ser o mesmo tenha o filmecustado 20 milhes de dlares ou 100 milhes de dlares.

    A conveno de qualidade artstica, fundada na originalidade e navariedade, posiciona o bem cultural como um prottipo nico.

    Com cada prottipo imprevisvel, o controle da incerteza ligado comercializao do produto sempre imperfeito. Ele induz, contudo, a umaespcie de corrida pelo controle da informao por parte dos produtores. Paraos mais poderosos deles, causa aumentos drsticos em termos de oramentosde marketing e publicitrios, o uso dos meios de comunicao de massa

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    (rdios, televises) como intermedirios, ou ainda a vontade de dominar oscircuitos de difuso e explorao para diminuir os riscos.

    A necessidade de vender cada prottipo a milhares ou milhes deconsumidores conduz a numerosos fracassos. Uma das caractersticas do setorcultural o papel, muito mais importante que em vrios outros setores, dasconsideraes especulativas e, portanto, do valor da informao, a capacidadede interpret-lo, o controle de seus circuitos.

    Os produtores de filmes, de discos, os editores de livros, sabem que lanamnos mercados uma grande quantidade de produtos que lhes rendero menosque seu custo, o que explica a impresso de inflao que se pode ter em cadatemporada literria ou quando se pergunta: Mas por que o cinema produztanto lixo?

    A resposta se encontra na conjuno entre uma economia de oferta deprottipos e a incerteza da informao. P. Flichy (1980) tentou sintetizar essasituao declarando: Iro nos objetar que a valorizao de todo bem colocadono mercado aleatria. (...) Entretanto, no existe outro bem de consumo decuja demanda os produtores tenham tal desconhecimento que sejamobrigados a fazer dez ou quinze testes antes de ter sucesso.

    Compreende-se melhor por que, alm dos trabalhos necessrios sobre oestudo do consumo, desenvolve-se cada vez mais uma sociologia da recepoque procura determinar mais precisamente o sentido da prtica e do consumoculturais.

    Por outro lado, para se orientarem dentro da singularidade e diversidade

    dos bens culturais, os consumidores vo se tornar particularmente sensveis informao que podero recolher para avaliar a qualidade dos produtos quelhes sero oferecidos. conhecido o papel que pode representar a a publicidadee seu poder de difuso, as opinies de especialistas, a imprensa especializadae os artigos de jornais, as entrevistas com artistas, a promoo people, asconversas entre amigos e, mais amplamente, todos os debates que surgem apropsito do artista, da pea de teatro ou do filme.

    Tambm se percebe o papel fundamental que a educao cultural eartstica pode desempenhar em uma populao para criar, difundir e melhorarum quadro de conhecimentos que permita melhor apreciar o valor do conjuntodas informaes recebidas (ou sofridas) e coloc-las em perspectiva. Incerteza,

    informao e conhecimento formam, pois, para todos os atores do setorcultural, uma trilogia fundamental que eles devem tentar compreender edominar para agir da melhor forma, conservando cada um o seu lugar.Voltaremos a essas questes essenciais na segunda parte desta obra.

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    3. O surgimento das indstrias culturais: novas questes, novos

    modelos

    Os primeiros trabalhos de economia da cultura, em particular os de Baumolsobre o espetculo ao vivo (a famosa lei de Baumol), haviam estabelecido aimpossibilidade de obter ganhos de produtividade em todas as atividadesfundadas no corpo e na presena do artista, no s pela impossibilidade dareproduo ao infinito do espetculo (desgaste objetivo dos artistas, fadigahumana), mas tambm da falta de rentabilidade de certos gastos em sriesexcessivamente curtas (cenrios, salrios de estrelas, por exemplo) e daimpossibilidade de praticar uma poltica de preos cada vez mais altos.

    A longo prazo, todo o setor do espetculo ao vivo gera, infalivelmente,

    um dficit crnico que explica tanto a necessria interveno pblica parasustentar a perpetuao da criao, como as polticas tributrias adaptadas aprticas culturais que vo alm do crculo exclusivo das elites.

    O surgimento e desenvolvimento das indstrias culturais (livro, msica efilme) faz surgir uma nova lgica que consiste fundamentalmente na aplicaodos processos industriais aos prottipos da criao artstica e cultural. Essaevoluo que fora pressentida por W. Benjamin desde 1935 (com uma opinionegativa) e depois estudada sob um ngulo ideolgico e filosfico pelostericos da escola de Frankfurt (Adorno, Horkheimer) constitui desde entoum fenmeno de importncia crucial pelos desafios econmicos querepresenta e pelas questes que coloca tanto para os meios culturais da criao

    (os artistas) como para as polticas pblicas da cultura.Embora a lgica industrial dos produtos culturais se oponha em grandeparte lgica artesanal das atividades culturais clssicas, em especial noespetculo ao vivo, ela , apesar de tudo, obrigada a se desenrolar a partir dosprottipos de qualidade artstica, e recoloca de maneira ainda mais aguda aquesto dos direitos autorais sobre a propriedade artstica e intelectual.

    O debate sobre direitos autorais/copyrightdeve se compreendido, de fato,nesse novo contexto; um contexto em que o surgimento e desenvolvimentode mercados de massa provoca uma luta pela repartio e a distribuio dovalor agregado entre as partes no interior do processo industrial. precisodescrever e compreender tambm o modelo econmico da organizao desse

    processo para visualizar quais so as aes razoavelmente possveis para aspolticas pblicas da cultura.

    Antes de abordar essas questes, porm, importante fornecer ao leitorelementos gerais de enquadramento.

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    A. Elementos gerais de enquadramento das indstrias culturais

    Pode-se dizer que durante as duas ltimas dcadas, os fluxos internacionaisde produtos culturais conheceram um crescimento que a maioria dos setoreseconmicos poderia invejar: entre 1980 e 1998, eles quadruplicaram. De acordocom algumas cifras de nosso conhecimento, a maioria dos especialistas parececoncordar em que o ritmo e os volumes desses fluxos se aceleraram durante altima dcada.

    O ltimo relatrio da Unesco sobre essas questes (Study on InternationalFlows of Cultural Goods, 2000) mostra um salto dos intercmbios de 95,340bilhes de dlares a 387,927 bilhes de dlares. preciso ter cuidado comessas cifras porque, embora o estudo abarque os produtos culturais stricto

    sensu (livros, discos, filmes, programas audiovisuais...), ele contabiliza tambmem suas avaliaes os artigos esportivos que no nos interessam neste caso,mas que sabidamente dependem de um setor que conheceu um crescimentomuito forte em todo o mundo. Embora mascarada por esse vis nodesprezvel, a tendncia ao aumento acentuado dos produtos culturaiscontinua facilmente perceptvel por algumas cifras setoriais mais ou menosconfiveis em nosso poder.

    Um exemplo, entre outros, nos fornecido pela indstria fonogrfica. Deacordo com as cifras fornecidas pela Federao Internacional da IndstriaFonogrfica (IFPI, na sigla em ingls), baseada em Londres, uma observaode 70 pases permite estabelecer a cifra de intercmbios, somente neste setor,

    em 27 bilhes de dlares em 1990 e 38,7 bilhes de dlares oito anos maistarde, um avano estimado de cerca de 40%.Essas cifras e relaes parecem coerentes com a evoluo das estruturas

    de consumo que analisaremos mais adiante neste documento. Elas socoerentes tambm com a tendncia ao crescimento exponencial observadono campo do desenvolvimento em informtica, dos jogos multimdia, dosDVDs, etc.

    A importncia macroeconmica desses fluxos j uma realidadetangvel, massiva e mensurvel nas contas nacionais. Ela explica, emgrande parte, o nvel dos desafios relacionados s negociaesinternacionais. Um exemplo: a partir de 1996, as vendas internacionais

    de produtos culturais (filmes, livros, msicas, programas de televiso esoftware) representaram o primeiro setor de exportao dos EstadosUnidos, com um volume superior a 60 bilhes de dlares, claramenteacima dos setores tradicionais de agricultura, automotivo, aeroespacialou de defesa.

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    Semelhante peso no seguramente o menor dos fatores deexplicao da intransigncia americana nas suas vigorosascondenaes s ajudas pblicas dos outros pases a suas prpriasindstrias culturais. Um relatrio realizado em 1998 pela InternationalIntellectual Property Alliance (IIPA), associao americana dos direitosautorais, indica que, segundo suas observaes, as indstrias culturaisbaseadas no direito autoral evoluram entre 1977 e 1996 nos EstadosUnidos a uma taxa de crescimento trs vezes mais rpida que a taxaanual mdia da economia nacional.

    A Gr-Bretanha, muito ligada aos Estados Unidos em seus fluxoseconmicos, parece experimentar um fenmeno similar: em 2000, a cifra dasexportaes ligadas ao que neste pas chamam de indstrias criativas

    alcanava mais de 14 bilhes de dlares.Por outro lado, pode-se notar que, desde o incio dos anos 1980, o setordas indstrias culturais foi marcado por fortes transformaes relacionadastanto a seu campo como a suas estruturas e lgicas de funcionamento.

    1) Em relao ao seu campo, pode-se dizer que ele engrossou e se polarizou.Engrossou, em primeiro lugar, porque ao lado das indstrias culturais antigas(livro, imprensa, cinema), o setor fonogrfico adquiriu um lugar crescente emrazo de um forte desenvolvimento geral das prticas musicais. Depoissurgiram o vdeo nos anos 1980, o CD-ROM e a multimdia nos anos 1990. Omotor das transformaes desse campo , evidentemente, a inovaotecnolgica na passagem ao CD de udio, do difcil surgimento de um padro

    de vdeo e, posteriormente, do crescimento do poder das tecnologias digitaise do uso da Internet.Polarizado tambm pela presena crescente e sistemtica do audiovisual

    e da televiso, esse fenmeno se fortaleceu constantemente em torno de doiseixos: de um lado, a promoo em rdio e televiso, de outro, as possibilidadesque oferece a revalorizao audiovisual das produes de outras indstriasculturais. A transformao semntica em torno da noo de audiovisual atestaessa complexidade, pois esse termo veio a designar, com ampla aceitao,todo o setor de imagem animada (cinema, vdeo, televiso).

    incerteza e dissabores da problemtica sinergia das mltiplasmdias no interior de grupos de comunicao constitudos

    freqentemente em forma de conglomerados que marcaram os anos1980, sucedeu-se a evidncia da valorizao cruzada e a multiplicaodos produtos derivados em todas as formas (livros, filmes, objetos,etc.). Esse movimento de rentabilizao por variantes extrapola o marcoestrito das indstrias culturais, mas perfeitamente generalizado em todas

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    elas e chegou mesmo aos mbitos culturais mais tradicionais (museus,bibliotecas, stios patrimoniais, etc.).

    2) Em relao s transformaes estruturais, as principais transformaesque afetaram os diferentes ramos foram a concentrao num modooligopolista em geral (pela preferncia marcada pelo crescimento externo, oefeito promissor do crescimento rpido de volumes e a penetrao facilitadanos mercados), o desenvolvimento de uma comercializao sofisticada dosprodutos que vale para uma parte dos livros e dos discos, mas tambm para amaioria dos longas-metragens e os pblicos de rdio e televiso, e os leitoresda imprensa vendidos aos anunciantes.

    Por fim, algumas atividades como a edio de vdeos e a produo deprogramas audiovisuais se estabeleceram como verdadeiros ramos e

    constituram de fato suas estruturas industriais e profissionais durante essesanos.3) No campo das lgicas de funcionamento detectam-se vrias

    tendncias estruturantes: a importncia crescente da comercializaoacelerada do recurso raro dos catlogos e dos direitos na perspectiva dedesenvolvimento de novos canais de difuso (cabo nos anos 1980, depoissatlite, autopistas da informao at 1995 e, hoje, sistema digital pormicroondas). As indstrias culturais se tornaram, assim como os ramos deatividades tradicionais, orientadas ou guiadas pelo mercado.

    4) Essa transformao, relacionada ao surgimento de mercados dedimenso continental, planetrio at, impe a construo de verdadeiras infra-

    estruturas de difuso s possveis com a interveno massiva do capitalfinanceiro. Esses dois elementos setores arrastados pelo mercado de massae intensidade do capital sero, sem dvida, essenciais nas transformaesfuturas.

    Observa-se enfim, depois da internacionalizao dos mercados, umainternacionalizao de estratgias que j impe a integrao dos objetivosnacionais no interior de conjuntos mais amplos, continentais ou regionais,para melhor realizar as condies de uma concorrncia eficaz e pesar no cenriodas negociaes na escala hoje exigida. Essa integrao no nem naturalnem tampouco fcil; ela supe grandes esforos de convencimento e, svezes, longos debates (pode-se pensar aqui no exemplo do preo nico do

    livro na Europa) para encontrar as solues de consenso aceitveis entre pasesque no tm nem as mesmas capacidades industriais, nem tampouco asmesmas tradies de Estado, nem ainda as mesmas vises das polticasculturais (nesses pontos, por exemplo, no apenas o Canal que separa aFrana e a Gr-Bretanha).

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    5) O mercado das indstrias culturais tambm se caracteriza no nvelinternacional pelos mesmos tipos de desequilbrios que se detectam nos setoresindustriais clssicos. A concentrao dos atores uma de suas caractersticasfundamentais: j na metade dos anos 1990, Estados Unidos, Alemanha, Gr-Bretanha e Japo totalizavam quase 60% das exportaes de bens culturaisno mundo e, incluindo a Frana, representavam mais de 50% das importaes(dados da Unesco). O surgimento da China nesse setor no mudouprofundamente essa situao.

    A esse clube exclusivo de atores estatais corresponde um clube tambmcada vez mais reduzido de enormes atores econmicos, to enormes que seuadvento, em fins dos anos 1990, provoca temores de estar se constituindo umnovo oligoplio mundial, comparvel, segundo alguns analistas, indstria

    automobilstica no incio do sculo.Essa evoluo das dimenses e dos mercados cobertos muito rpida:em 1993, as 50 maiores companhias audiovisuais vendiam 120 bilhes dedlares; cinco anos mais tarde, os 7 maiores grupos de mdia superam essacifra. Em 1993, a base de origem das principais empresas ainda era divididamais ou menos por igual entre os Estados Unidos (36%), a Unio Europia(33%) e o Japo (26%); no fim da dcada de 1990, mais de 50% das companhiasestavam nos Estados Unidos (a estratgia do Grupo Vivendi, emborafracassada, exemplar desse fenmeno de aspirao para o continente norte-americano nesse campo).

    B. Indstrias culturais: ramos de produo e concentrao

    O que um ramo de produo? Ele pode ser representado como umaseqncia de operaes que se sucedem desde o tratamento das matrias-primas at a elaborao do produto final. Os ramos podem ser decompostos,portanto, em grandes fases sucessivas e, no que trata das indstrias culturais,classicamente se pensa em cinco delas que permitem uma abordagemcomparativa simplificada mas sugestiva.

    Fase 1: o incio do processo, a fase de criao, de concepo doprottipo. Aparece como uma etapa preliminar durante a qual um autor

    elabora um projeto original sem mobilizar imediatamente recursosfinanceiros considerveis. a redao de um romance, por exemplo, acomposio de uma msica, o cenrio de um filme, e, hoje, fala-se at docdigo-fonte de um software. Essa primeira fase o feito dos autores, doscompositores e dos que interpretam suas obras; de sua importncia que

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    decorre a especificidade das indstrias culturais com as caractersticas quedescrevemos anteriormente.

    Fase 2 : a fase de edio e produo . De um ponto de vistaeconmico, trata-se da fase-chave das indstrias culturais. Ela consisteem assegurar a coordenao da fase inicial com o conjunto das fasesseguintes para fazer a criao de um artista alcanar um status de bemcultural oferecido (e, se possvel, vendido) num mercado. Essa fase tambm aquela em que o risco mximo no processo porque ela necessitade fortes investimentos financeiros comparveis aos das indstriastradicionais. Os atores econmicos so empresas cujo porte e integraoso muito variveis: encontram-se aqui os grandes especialistas e gruposmuito grandes que possuem toda a gama de produtos culturais assim

    como casas independentes.Fase 3: a fase de fabricao. Ela corresponde materializao de umaidia criadora num produto fsico passvel de reproduo em trs grandessries (impresso de um livro, prensagem e acondicionamento de um CDmusical, de um DVD, servios tcnicos para o cinema). Essas atividades defabricao, duplicao industrial, reproduo, so, na maioria das vezes,atividades subcontratadas administradas pelo editor-produtor da fase 2. Afase de fabricao sofreu um forte impacto, desde o incio dos anos 1980, dasinovaes tecnolgicas (tecnologias digitais, especialmente) e disso resultouuma forte corrida para a produtividade, fenmenos crescentes de concorrnciae fortes baixas de preos.

    Fase 4: a fase da distribuio (tambm chamada difuso) em queo produto colocado disposio das redes de vendas. As atividades dedistribuio-difuso variam de acordo com os grandes ramos das indstriasculturais: assegurar a promoo de um catlogo de obras e as relaescomerciais junto aos vendedores assim como toda a gesto dos fluxosfsicos e financeiros com esses ltimos (logstica, cobranas, etc.), no ramodo livro; encarregar-se alm de tudo isso dos custos de comunicao ede publicidade no ramo musical; ser, alm disso, um verdadeiro agenteda organizao financeira do cinema (na Frana, por exemplo) pelo sistemade adiantamento da receita gerada pelos filmes, de cuja distribuio seencarrega, no ramo da tela grande.

    Fase 5: a fase da comercializao pblica . Em relao aos setoresculturais, encontram-se aqui mltiplas estruturas: tanto varejistas (livrarias elojas de discos, mas estas ltimas em grande parte desapareceram), megalojasespecializadas em produtos culturais (Fnac, Virgin) ou hipermercados (LojasAmericanas); acham-se aqui tambm as empresas exibidoras de cinema.

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    Embora seja recente a evoluo do comrcio eletrnico (ligado Internet, aosequipamentos domsticos e s questes de pagamento on-line), tambmaqui que se devem classificar os sites de vendas on-line, tanto os independentes(Amazon.com) como os vinculados a megalojas especializadas (Fnac.com,Virgin.com), ou ainda a redes de varejo, que melhoram assim a relao com aclientela.

    Na vida econmica concreta do conjunto dos atores envolvidos nessasdiferentes fases, ocorrem combinaes variveis de suas relaes. A fase 1 uma fase parte, o que determina um certo nmero de desafios econmicos,como se ver, na questo dos direitos de propriedade intelectual e artstica. Aterceirizao da fase 3 continua, mas com a baixa dos custos de produo e apadronizao dos processos industriais induzidos pela automao e a

    robotizao ela no apresenta um grande interesse em termos de valoragregado; ao contrrio, a competio pode ser muito feroz e centrar-se apenasem nichos muito especializados que permitem os pequenos fabricantesviverem num mundo em que a corrida aos preos baixos deixa lugar apenasaos industriais capazes de acompanhar o mercado em termos de produtividade,reatividade e tamanho crtico. Alguns grandes, alis, se concentram em dominarcompletamente essa fase de maneira interna por razes estratgicas deconduta oligopolista.

    As relaes entre os atores das fases 2, 4 e 5 so mais complexas. Dentrodos agentes da fase 2 (edio e produo), o crescimento dos investimentospara assegurar uma variedade suficiente de produtos originais destinados a

    mercados internacionais provoca constantes fenmenos de concentraoque se explicam, em grande parte, pela intensidade capitalista hoje requeridanesses setores e pela necessidade de dispor de um catlogo muito diversificado(veja-se a recente fuso de Sony e BMG, por exemplo). A fase 4 tambm asede de uma concentrao muito intensa porque representa o meio porexcelncia de acesso aos mercados e uma forte ferramenta de presso.

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    TABELA DE RECAPITULAO DOS AGENTES DE CADA RAMO

    Teoricamente, a doutrina econmica padro interliga a estrutura vertical

    das empresas dimenso do mercado: quando surge uma indstria, adimenso do mercado em geral fraca demais para suportar empresasespecializadas em cada fase do ramo (Stigler, 1951); quando as oportunidadesde mercado se desenvolvem, a existncia de empresas especializadas torna-se possvel graas lgica das especializaes de funes e de sua viabilidadee se produzem fenmenos de desintegrao vertical no ramo considerado.

    As indstrias culturais no so exceo a essa regra, mas ainternacionalizao dos mercados e os desequilbrios internos no setor (nosnveis nacional e internacional), e as mudanas induzidas pelo consumo demassa provocam tambm movimentos inversos de integrao vertical ligandodiretamente os atores da fase 2 com os da fase 5 (no cinema, por exemplo, em

    que a posse direta de uma rede de salas pode se tornar uma garantia de receitas),ou ainda ligando os atores da fase 2 com os da fase 4 (no setor do livro, porexemplo, mas tambm no cinema e na msica: a distribuio pode tornar-seento uma ferramenta excludente, um gargalo de estrangulamento a serviodos grandes grupos). Por outro lado, os grandes atores da fase 5 desenvolvem,

    Criao

    Edio/Produo

    Fabricao

    Distribuio

    Comercializao

    CINEMA

    Roteiristas, diretores,intrpretes

    Produtor

    Indstrias tcnicas, fabri-caes de filmes virgens

    Distribuidor

    Exibidores

    MSICA

    Compositores (palavrase/ou msica)

    Editor, produtor

    Prensagem e acondicio-namento de CD

    Logstica, promoo egesto de catlogos

    Lojas de discos, megalojasespecializadas, hiper-mercados

    LIVRO

    Autor de manuscrito

    Editor

    Impressor

    Difusor (promoo doscatlogos nos pontos devenda), distribuidor (logs-tica de entrega e de gestofsica e financeira das

    obras)

    Livrarias, megalojas espe-cializadas, hipermercados

    (Segundo J. Farchy, 2002) Para comodidade de leitura dos trs principais ramos, os DVDs foram

    voluntariamente excludos da tabela. Est claro que, tanto quanto os produtos digitais, eles so semelhantes

    aos CDs musicais em termos de fabricao (prensagem a partir de um master), quanto em termos de

    distribuio e logstica e de comercializao [lojas especializadas, megalojas de produtos culturais,

    hipermercados]. Por comodidade, tambm, a venda on-line (Internet) no figura nessa tabela.)

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    em geral, estratgias de implantao nacionais e internacionais (Fnac, LojasAmericanas, Virgin) que lhes proporcionam um poder muito grande deprescrio e de negociao sobre muitas empresas (em particular, as empresasou grupos de mdio porte) da fase 2 graas a suas capacidades de intervenonos mercados culturais.

    A causa fundamental de todos esses movimentos reside na necessidadede recuperar ao mximo o valor agregado nas diferentes fases em que elese criou e conservar ou aumentar suas capacidades competitivas ou suasposies, sobretudo quando elas so dominantes. Como as indstrias culturaisse converteram num setor muito competitivo em que no se pode diminuirmuito a incerteza, a competio pelo valor agregado tornou-se a regra.

    nesse quadro em que as estratgias das grandes empresas ou as de um

    pas como os Estados Unidos tornam-se compreensveis. nesse quadrotambm que se pode compreender melhor os debates atuais sobrealternativa de direitos autorais/copyright, porque aqui se trata tambm deuma luta nova, mas desta vez entre os atores da fase 2 e os da fase 1, pelasriquezas que a propriedade intelectual e artstica geram no quadro dosmercados globalizados.

    Sejam quais forem as distines que se possam fazer segundo os pasesou as reas continentais, est claro que o perodo atual se caracteriza por umaacelerao dos fenmenos de concentrao, tanto verticais como horizontais,nas indstrias culturais. Um indicador desse fenmeno o nmero e o valordas fuses e aquisies entre grupos. Em 20 anos, o fenmeno se desenvolveu

    extraordinariamente tanto em ritmo como na importncia dos interessesfinanceiros em jogo. Considerando o perodo 1980-2001, percebe-se que ele sedecompe em duas fases. Na primeira fase (1980-1991) ocorreu apenas umadezena de fuses e aquisies entre empresas importantes com operaesinternacionais, colocando em jogo uma quantia total de cerca de 45 bilhesde dlares. Na segunda fase (1992-2001), registram-se pelo menos 36megafuses para um total superior a 480 bilhes de dlares (Peltier, Moreau,Coutinet, 2002).

    Os economistas consideram que a maioria desses movimentos visa excluira concorrncia, reforar as posies dominantes em certos segmentos oucompletar uma gama de ofertas pela aquisio de catlogos. Nota-se que, por

    um lado, os grandes grupos no hesitaram em estabelecer alianas entre si(alianas visando tambm intimidar possveis concorrentes novos), alianasde produo nos setores dos pacotes digitais de televiso, alianas para ofornecimento de contedos nos canais de televiso, alianas financeiras, svezes nos setores da distribuio digital.

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    Essas alianas esto orientadas sobretudo para a penetrao nosmercados estrangeiros, mas tambm podem abranger estratgias de conluiocom o objetivo de fechar mercados (a Comunidade Europia moveurecentemente uma ao contra a indstria fonogrfica suspeita de montaresse tipo de entendimento) ou ainda de correr o menor risco possvel naexplorao das plataformas de vendas on-line na Web.

    O fato de essas fuses e aquisies conseguirem reforar a diversidadecultural outra histria. A lgica dos grandes grupos internacionais, tanto nasindstrias culturais como em outras , sabidamente, uma lgica financeiravisando antes de tudo remunerar melhor seus acionistas. A qualidade artsticaganha ou perde com isso?

    A resposta no fcil e no certo que teremos elementos para responder

    a essa pergunta to cedo. As compras de empresas e de catlogos trazem,com freqncia, uma espcie de contrapeso uniformizao que se presta sestratgias fundadas no marketing e nos mercados de massa. Os temores queos fenmenos avanados de concentrao despertam, no sentido deformarem um big brother da cultura, se relativizam quando se examina maisde perto o modelo econmico que se constitui sob nossos olhos e que oseconomistas qualificaram com o nome estranho de oligoplio de franja.

    C. O modelo em ao: o oligoplio de franja

    Devemos essa curiosa denominao ao economista americano GeorgesStigler. O que ela abrange? Ela significa simplesmente que o setor das indstriasculturais se estruturou sobre o domnio das grandes empresas (as majors) emtorno das quais vivem e atuam, contudo, uma mirade de empresas pequenas,algumas muito pequenas at.

    Em cada indstria se formaram grupos muito poderosos cujas atividadese dimenso lhes permitem jogar no campo das grandes nos planos regional e,muitas vezes, mundial (os grupos americanos, em especial, mas alguns gruposeuropeus no esto parados e podem-se citar aqui Bertelsmann ou Hachette,ou ainda, Vivendi-Universal).

    O tipo de concorrncia provocada pela existncia de oligoplios pode

    tomar trs formas principais: o oligoplio homogneo em que os produtoresoferecem produtos similares quanto s gamas, com o que a vantagem docusto absolutamente determinante para cada empresa ( o caso do setorautomobilstico); o oligoplio diferenciado que joga na diferenciao dosprodutos ( o caso dos cosmticos e dos detergentes, por exemplo); e o

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    oligoplio de franja em que o centro oligopolstico coexiste com uma franjaconcorrencial que age em nichos de mercado e capaz de responder sdemandas especficas dos consumidores.

    O oligoplio de franja a estrutura dominante nas indstriasculturais em que a estrutura oligopolstica acompanhada por umamultido de empresas independentes . Esse modelo constitui umapoderosa ferramenta para se compreender os fenmenos em ao no setor euma base slida de compreenso das empresas que a atuam.

    A franja concorrencial (as pequenas empresas) se caracteriza pela fraquezade suas participaes no mercado, pela fragilidade das empresas que acompem e pela liberdade de entrar no ramo constituindo a juventude dessasempresas um bom indicador dessa liberdade de entrada. O essencial da franja

    constitudo por empresas que operam na fase 2 dos ramos: edio e produo(assim, na Frana, ao lado dos grupos europeus e americanos muito grandesque dominam, podiam-se recensear, em 2001, 1500 sociedades de produode longas metragens, 4000 de curtas metragens, 1800 selos independentes deproduo musical, um pouco mais de 1200 editoras de livros independentes).Contudo, a se encontram tambm empresas de franja que operam na pontafinal do processo (pequenas impressoras especializadas, pequenosdistribuidores, salas de arte e de ensaio independentes, lojas de discos e livrariasespecializadas), mas em menor quantidade.

    De fato, a liberdade de entrada nos setores exercidamajoritariamente nas fases em que a dominao das majors no pode

    se desenvolver de maneira absoluta. As majors dominam os setorescontrolando os estgios de reproduo industrial e difuso dos produtos, queso as funes mais homogneas do processo global de produo. Areproduo industrial e a difuso so as mais propcias para uma concentraobaseada nos critrios tecnolgicos clssicos de custos, mais que a edio e aproduo, para a qual a variedade de produtos, por um lado, a desconexodos custos de produo e do sucesso potencial das obras, de outro, favorecema possibilidade de uma atomizao maior das empresas.

    A concentrao que se desenrola na distribuio um elemento-chavepara compreender a estrutura e o funcionamento atual das indstrias culturais.O captulo seguinte apresentar explicaes suplementares desse fenmeno

    referentes aos comportamentos oligopolsticos ligados ao advento dastecnologias digitais que visam essencialmente dominar os mercados com omximo de rentabilidade e a controlar as concorrncias potenciais. Nosmercados culturais, e isso se torna ainda mais verdadeiro com as possibilidadesde difuso oferecidas pela tecnologia digital e a Internet em especial, evidente

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    que quem detm um forte poder de distribuio poder no s vender melhorseus prprios produtos, como tambm sujeitar melhor seus competidores eanalisar melhor e mais rpido as evolues dos mercados. Posio de fora eantecipao se aliam aqui para dar s empresas em causa uma verdadeiravantagem competitiva.

    O domnio da distribuio permite a algumas empresas dominar, com otempo, dois efeitos particulares detectados pelos economistas no setor dasindstrias culturais: o efeito de moda e o efeito de reserva.

    O efeito de moda consiste na busca especulativa de talentos visando elaborao de produtos rapidamente obsoletos e rapidamente esquecidospelos consumidores. Esse efeito particularmente importante nos ramosmusical (com exceo da msica clssica) em que 80% das vendas de um

    produto so realizadas no primeiro ms de seu lanamento e de cinema emque 90% das receitas so obtidas nos quatro meses seguintes entrada emcartaz de um filme. Essa lgica tende a se estender tambm ao livro e naEuropa se nota, por exemplo, devolues cada vez mais rpidas de livros seditoras quando as vendas se comportaram mal nos trs primeiros meses.

    O efeito reserva est ligado ao fato de que nas indstrias culturais asempresas conservam, durante um longo perodo, os direitos sobre as obras epodero tirar partido deles em mercados secundrios (produtos derivados dapublicidade, televises, etc.) ou reeditar aproveitando retornos moda ouento fenmenos de consumo tardio ligados ao xito das vanguardas. Paraelas, os rendimentos podem, portanto, se estender por um longo perodo e,

    nesse mbito, as grandes empresas detentoras de um vasto catlogo e capazesde dominar ou orientar a distribuio possuiro uma vantagem muito claraporque podero pesar diretamente nas reedies e nos remakes.

    Com o modelo de oligoplio de franja, indispensvel compreender oslaos que unem as estratgias das majors e as dos independentes paraapreender a estrutura dos mercados.

    Nos mercados oligopolsticos, a existncia de empresas de pequeno portese explica pela satisfao de demandas especficas que permitem a criao denichos. Essas demandas e esses nichos no interessam, em geral, s empresasmuito grandes por questes de custos de produo, em especial.

    Assim, pela diferenciao caracterstica dos produtos culturais, a pequena

    empresa encontra uma vantagem concorrencial que no teria numa lgicaeconmica dominada apenas pelos custos. Essa estratgia s pode ser eficazno incio da cadeia de produo do ramo (fase 2, edio e produo) porque asindependentes tm muita dificuldade de enfrentar as majors na distribuio,em que os problemas de custos so determinantes.

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    A franja concorrencial do oligoplio corresponde, como j se disse, a umconjunto heterogneo de pequenas e mdias empresas caracterizadas porsua fragilidade financeira e que portanto assumem riscos em cada projeto.Dvidas com fornecedores e contas bancrias a descoberto so freqentes eelas tm muita dificuldade de recorrer a emprstimos. Essa fragilidade e a faltade reservas as impedem de superar as conseqncias dos fracassos semprepossveis (incerteza). Tudo isso explica a curta durao da vida dessas empresase a rotatividade constatada em toda sua populao. Na sua demografia, amorte precoce.

    Em compensao, elas desempenham um papel essencial na renovaoda criatividade artstica. Investindo em setores em que a rentabilidade no garantida e assumindo os riscos que as grandes empresas se recusam a assumir,

    elas ocupam um lugar dinmico para a inovao e desempenham um papelde laboratrios da pesquisa artstica.As majors sabem disso e esto atentas s descobertas potenciais dessas

    empresas, com as quais podero colocar em ao seus processos comerciaissem o risco nem a pesquisa do primeiro produto. Controlar a distribuio lhesserve, nesse caso, de maneira muito especial, pois as grandes empresas so asprimeiras a se inteirar das evolues das modas e dos gostos.

    Como acontece na indstria cinematogrfica americana, elas podemmanejar assim os produtos de uma multido de produtores independentes emaximizar seus lucros. Podem tambm praticar a subtrao de artistas; suacapacidade financeira lhes permite, de fato, enriquecer-se extremamente com

    os contratos firmados entre alguns artistas e as empresas independentes (v-se isso todos os dias nos setores de msica ou do livro). Em poucas palavras,os descobridores fazem o trabalho, as majors extraem a renda ao selecionaros talentos e desenvolver as carreiras mais interessantes e se tornam essaswinners-take-alldescritas em R.H. Frank e P.J. Cook (1995).

    Elas tambm podem desenvolver um comportamento mimtico emface do sucesso e da rentabilidade das correntes lanadas porindependentes, promovendo grupos musicais, livros ou filmes quedesenvolvam um estilo comparvel aos que tiveram sucesso. Pode-se pensaraqui no reggae, no rap, ou ainda em certos filmes cujos ingredientes dramticosso copiados e colados. Esse comportamento de seguidor pouco glorioso

    no plano da inovao artstica, mas extremamente rentvel em termosfinanceiros; o mimetismo, por outro lado, uma regra que as majorsaplicaram fartamente nas estratgias de seqncias que permitemexplorar files rentveis (no cinema, por exemplo, Alien, Alien 2,Alien 3 , ouento Rocky, 1, 2, 3, 4...).

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    Elas podem, enfim, praticar a aquisio de empresas independentes, oque parece espantoso porque elas assumem assim por sua conta os riscoscorridos; no entanto, essa atitude compreensvel em termos estratgicosem contextos de desaquecimento dos mercados ou de risco de alianas dasindependentes entre si: em vez de deixarem os pequenos tomos se ligaremuns aos outros para se tornarem grandes molculas capazes, por exemplo, deentrar na distribuio ou na comercializao, as majors preferem compr-lospara evitar novos concorrentes e preservar ou aumentar sua fatia de mercado.

    Como se pode ver, o modelo de oligoplio de franja permite explicar vriosfenmenos observveis no setor das indstrias culturais, em especial os doestrelato e da estrelificao, o dos contratos maravilhosos firmados com algunsartistas, o dos contratos rompidos por falta de resultados financeiros,a

    massificao das difuses, a precariedade das empresas da franja, a sadefinanceira das majors. Coloca tambm, diretamente, a questo da criaoartstica em seus novos aspectos questionando os modos de interveno daspolticas pblicas (quando e como intervir no setor das indstrias culturais?).

    4. Os motores da evoluo: prticas, consumo de massa e evoluestecnolgicas

    A situao que prevalece no campo das indstrias culturais no planomundial claramente o de uma dominao por vezes absolutamente

    exclusiva, freqentemente muito importante e sempre muito dinmica dasindstrias de origem norte-americanas. Todos os dados numricos quepossumos, seja qual for a sua fonte, confirmam essa vantagem patente.

    Comparado ao dos Estados Unidos, o peso do conjunto europeu, pormais ampliado que se possa conceber, no chega a um tero, na melhorhiptese metade das atividades consideradas. E se deixarmos a escala dosconjuntos regionais para comparar pas com pas, as relaes de fora parecemliteralmente a relao de um gigante com anes. Tomemos um ltimo exemplo,o do cinema, uma das velhas indstrias culturais.

    As vendas do cinema americano em 2000 so dez vezes maiores que as daAlemanha, da Gr-Bretanha ou da Frana, quinze vezes maiores que as da

    Itlia ou da Espanha, isso para falar apenas dos maiores pases europeus. Essacomparao bruta das vendas seria imprpria se no fosse completada poruma avaliao das fatias de mercado detidas em cada indstria nacional noprprio territrio: a Itlia satisfaz as necessidades de 17,5% do seu mercadonacional, a Espanha apenas 10%, a Alemanha 12,5% e a Frana, a mais dinmica

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    de todas, 28,2%. Os Estados Unidos abastecem 92,5% de seu mercadodomstico, o que significa que o saturam, e conseguiram penetraesarrasadoras em todos os mercados externos.

    Segundo os estudos da Unesco, 85% dos filmes difundidos em salas portodo o mundo so produzidos hoje em Hollywood, que retirava apenas 30%de suas receitas dos mercados externos nos anos 1980 e hoje retira mais de55%. Em todo o mundo, os dficits comerciais so em favor dos Estados Unidos,sem falar da Amrica Latina, onde a penetrao das produes europias nopassa de 10% enquanto as produes norte-americanas ocupam, s vezes,at 95% dos mercados internos (Chile, Costa Rica).

    Para todos os lados que se olhe, a posio dos Estados Unidos , portanto,esmagadora. Algumas razes explicam essa situao histrica.

    A posse de um enorme mercado interno uma das primeiras: aspossibilidades de retorno sobre investimentos nas indstrias que visam a umapopulao de 250 milhes de habitantes como primeiro alvo permitem aosprodutos culturais americanos expectativas de rentabilidade considerveis elhes conferem pontos de apoio sem paralelo (em termos de solvncia) noenfoque dos mercados externos. Essa questo de um grande mercado internoconstitui, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, uma das causas poderosasda tendncia constituio de conjuntos regionais poderosos, integradoseconomicamente e, se possvel, politicamente, capazes de rivalizar de fatocom o poderio americano.

    A segunda razo tem a ver com a histria econmica desse pas em

    que a conscincia por necessidade da importncia crucial das infra-estruturas para o desenvolvimento e a distribuio dos produtos semprefoi muito forte e aliada a uma capacidade muito grande de aproveitar asoportunidades resultantes das inovaes tecnolgicas (automvel,telecomunicaes, informtica, etc.). Essa conscincia levantou muitocedo as inibies e barreiras entre capital industrial e capital financeiro,abrindo o caminho mais diretamente a projetos de grande porte em que adimenso internacional era um dos aspectos da rentabilidade e, agora, oaspecto central da rentabilidade.

    A terceira razo tem a ver com a relao muito especfica que os EstadosUnidos mantm com o universo da cultura. As palavras, como de hbito, so

    importantes aqui; enquanto na Europa se fala das indstrias culturais (e, muitasvezes, a contragosto), os americanos empregam o termo entretenimentoque, longe de remeter a qualquer reverncia pelo patrimnio ou por umaproduo do esprito estimvel por seu aspecto criador, corresponde ao camposemntico da distrao, da diverso e do lazer.

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    Quando os europeus ou os latino-americanos vivem simbolicamente oenfoque da cultura como um meio de elevao, isto , de distino (social ououtra), e como um meio de abertura para o mundo, eles produzem um sistema depensamento voltado para o ato criador e os artistas como fontes e origem devalores culturais. Quando os americanos falam do entretenimento, eles descrevemum sistema voltado para o alvo comprador que deseja o relaxamento e a distrao: a satisfao desse alvo que ento muito seriamente industrializada, nos serviose nos bens, do turismo de massa aos produtos culturais. No natural nosparadigmas europeu e latino-americano viver a cultura como uma matria-primasuscetvel de transformaes normalizadas e pacotes em srie.

    Dimenso dos mercados, viso internacional, esprito empresarial,enfoque financeiro totalmente descomplexado caracterizam o esforo

    americano. sobre essas bases que os Estados Unidos adquiriram a posiodominante e dominadora que hoje ocupam. sobre essas bases que secriaram no mundo uma situao desfavorvel para o desenvolvimentoequilibrado das culturas, um contexto de verdadeiro imprio cultural(duplicando ele mesmo outros desgnios imperiais), uma conjuntura emque o peso das ameaas se tornou suficientemente determinante e sufocantepara autorizar uma resistncia e a pesquisa ativa de novas relaes.

    preciso ainda examinar as modificaes sociais que permitiram estratgia e ao paradigma americano coincidir com nossa poca e definir amedida das aes a se empreender para tentar reequilibrar uma hegemoniaque, com certeza, no se deixar facilmente desfazer e que exigir tempo e

    muita obstinao e convico para reduzir.

    A. As prticas culturais

    No fundo, se considerarmos que o comportamento dos mercados umreflexo econmico e no um compl elaborado por algumas multinacionaisem busca da maximizao dos lucros (que sua vocao como empresas),mas de evolues sociais que preciso compreender antes de julgar, duasdimenses dos comportamentos culturais devem prender, sobretudo, a nossaateno: a evoluo das prticas culturais e a do consumo.

    J dissemos que as prticas culturais so, na maioria dos pasesdesenvolvidos, indicadores de ascenso social e de distino.

    Ir ao teatro ou escutarjazzem um clube no guardam como ao socialde valor o mesmo significado que ir pera. De acordo com os pases, aevoluo histrica produziu hierarquias diferentes. Desde o comeo, o cinema

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    adquiriu um valor prtico popular, enquanto a pera na Frana continua marcadapor um trao aristocrtico que ela no tem na Itlia. O circo, domnio aristocrticonas suas origens (as escolas de equitao), depois se tornou uma prtica popular.

    Todas essas transformaes e suas diversas normas nos indicam que emvez de nos prendermos a uma definio da cultura em termos de valor legtimoao qual so conferidos coeficientes de belo, denobre, etc., devemos nosinteressar pelas prticas concretas e por suas evolues negligenciando, numprimeiro momento, a maneira como os indivduos as representam ou serepresentam nelas. Todos os estudos sociolgicos indicam que, nos pasesdesenvolvidos, os principais praticantes culturais pertencem s camadas dapopulao dotadas de melhores capitais sociais, em termos de formao,disponibilidade financeira e de perspectivas positivas em evoluo de emprego.

    A correlao entre o nvel de diploma e as prticas mais cultas (teatro, msicaclssica, pera, etc.) extremamente forte. Teoricamente, os indivduos dessetipo so tambm aqueles que dispem do maior capital tempo para se cultivar.

    Ora, se essas camadas viram seus efetivos incharem, permitindo a certossocilogos afirmar que as sociedades desenvolvidas so hoje constitudas poruma imensa camada mdia (Mendras), alguns estudos permitem afirmartambm que essa melhora global do nvel geral de vida acompanhada poruma despossesso do tempo. A tendncia queda do tempo de trabalho sedesacelerou, depois se inverteu nos ltimos 15 anos, em especial para os executivose profisses intelectuais superiores que so precisamente os grandes pilares doconsumo cultural, aqueles cuja intensidade persistente de consumo constitui o

    grosso da freqncia da cultura culta, mas tambm a desesperana dosempregados nos indicadores de democratizao cultural. (P.-M. Menger, 2002).Todas as anlises sobre os pases desenvolvidos (Gershuny, 2000; Robinson eTobey sobre os Estados Unidos, 1992, 1997; Chenu e Herpin, para a Frana,2002) colocam a questo de uma pausa na marcha para a civilizao do lazer.

    No interior da queda secular do horrio de trabalho, se produziria entoum movimento contracclico referente s categorias mais praticantes,movimento vinculado a transformaes na prpria economia presso sobreos executivos e os trabalhadores mais qualificados conduzindo a decisescada vez mais difceis sobre o uso do tempo.

    Essa presso sobre o tempo, essa impresso de que ele falta cada vez

    mais, pode explicar nos praticantes de alto nvel uma espcie de avidezobservada no favorecimento dos festivais (ocasio de prtica ao mximo nummnimo de tempo) e uma compensao na compra de cada vez mais produtosculturais de alto valor (CD, DVD, etc.) associados tambm a valores educativos.Essas camadas se acostumam a ver pouco a televiso.

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    Ao contrrio, para as categorias que se elevaram em termos de poderaquisitivo mas que, dispondo de mais tempo livre, ainda no puderamcapitalizar um enfoque culto da cultura, a prtica da televiso cresce de maneiradesmedida, s vezes com muitos aparelhos na mesma casa, e o consumo deprodutos culturais se faz sobre as bases-padro da promoo publicitria,veiculadas principalmente pelos meios audiovisuais. Em poucas palavras, pode-se levantar a hiptese de que o rpido crescimento das indstrias culturais e osucesso de modelos que se podem, segundo a prpria opinio, julgarculturalmente degradados e uniformizantes se baseiam nas transformaesno seio dos comportamentos sociais, transformaes massivas elas prpriasconsecutivas a transformaes econmicas.

    Essas transformaes econmicas afetam, antes de tudo, as sociedades

    desenvolvidas e, no quadro de uma economia mundial que se tornouextremamente concorrencial, cristalizam-se na busca de uma competitividadesem limites. Sobre esse ponto, vrios economistas (Stiglitz, Cohen, 2001, eoutros) emitem a hiptese de que o achado mais genial do sistema capitalistasobre esse tema supera de longe todas as receitas antigas conhecidas (prmios,aumentos de salrios, organizao clara, etc.).

    Esse achado a dedicao psquica dos indivduos e o funcionamentoem rede que responsabiliza os agentes produtivos e os coloca no centro deum conjunto incrivelmente vasto de interdependncias que ele deve gerircom toda autonomia, mas, claro, com o mximo de rendimento e de eficciaoperacional. No h limite para uma produtividade fundada no desejo e na

    realizao pessoal, salvo, evidentemente, a fadiga psquica e o desgaste (donde,alis, nas sociedades desenvolvidas, a freqncia agora patente dos problemasmentais e, em especial, das patologias resultantes das presses do stress).

    Essa anlise se junta, por outro lado, constatao de socilogos comoP.-M. Menger que constata o que chama de uma troca de atributos entre otrabalho e as prticas culturais por essas populaes com excesso deocupaes, mas s quais f