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2 CURSO DE LICENCIATURA EM ENFERMAGEM

Enfermagem Histria e Epistemologia II

2 Momento de Avaliao Anlise reflexiva de um conceito

O Cuidar

A aluna: Guiomar Ribeiro

Lisboa, 1 de Julho de 2002

O Cuidar

Certa vez atravessando um rio, cuidado viu um pedao de terra argilosa: pensando, tomou um pedao e comeou a dar-lhe forma. Enquanto reflectia sobre o que criara, interveio Jpiter. Cuidado pediu-lhe que desse esprito forma de argila, o que ele fez de bom grado. Como cuidado quis ento dar o seu nome ao que tinha dado forma, Jpiter proibiu-o e exigiu que fosse dado o seu nome. Enquanto cuidado e Jpiter disputavam sobre o nome, surgiu tambm a terra (tellus) querendo dar o seu nome, uma vez que tinha fornecido um pedao do seu corpo. Os disputantes tomaram Saturno como rbitro. Saturno pronunciou a seguinte deciso, aparentemente equitativa: Tu, Jpiter, por teres dado o esprito, deves receber na morte o esprito e tu, terra, por teres dado o corpo, deves receber o corpo. Como, porm foi o cuidado quem primeiro o formou, ele deve pertencer ao cuidado enquanto viver. Como, no entanto, sobre o nome h disputa, ele deve chamar-se homo, pois foi feito de humus (terra).

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Adaptado da traduo de Mrcia de S Cavalcante de Ser e Tempo de Martin Heidegger

NDICE:

1. Introduo ............................................................................................................3 2. A arte de cuidar ....................................................................................................4 3. Cuidar uma abordagem histrica ......................................................................6 4. O cuidar em enfermagem .....................................................................................8 4.1. A relao de ajuda no cuidar em enfermagem ...........................................14 5. Concluso ............................................................................................................16 6. Referncias Bibliogrficas ..................................................................................17

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1. INTRODUO

De acordo com um Dicionrio da Lngua Portuguesa, cuidar origina-se do latim cogitre - pensar e definido como aplicar a ateno a, tratar, interessar-se por. Contudo, o cuidar tem um sentido muito mais lato, pelo que, na minha opinio, torna-se interessante aprofundar um pouco este conceito, tendo em considerao a sua importncia na prtica de enfermagem. Na verdade, o cuidar faz parte das necessidades bsicas para a sobrevivncia da vida humana: o cuidar de si, o cuidar do outro e ser cuidado. Cuidar, AJUDAR A VIVER (COLLIRE, 1999 p.227). O mundo que o homem construiu para si demanda cuidados: o fogo, as plantas, os instrumentos de trabalho, os animais domsticos, etc. (SILVA, 1993 p.303). O Homem simplesmente no sobrevive sem cuidados. Todos os atributos de cuidar/ cuidado (...) constituem uma condio de nossa humanidade (WALDOW, 1995 p.8). Segundo alguns tericos, o cuidar surge como uma caracterstica humana, componente primordial no ser humano, comum e inerente a todos os povos; como um imperativo moral, relativo dignidade e respeito pelo outro; como um afecto, sentimento de compaixo; ou como uma interaco interpessoal, na qual a comunicao, confiana, respeito e empenho esto subjacentes (MCKENNA, 1994). Neste sentido, o cuidar pode e deve ser implantado na prtica de enfermagem. neste mbito que surge a minha escolha: a anlise do conceito de cuidar, sendo um conceito que procuro encontrar, quer na minha vivncia pessoal com o outro, quer na prtica profissional de enfermagem.

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Primeiramente, irei fazer uma abordagem geral acerca do cuidar como prtica humana e no inserida numa actividade ou prtica profissional. Penso ser interessante encarar o cuidar como uma arte, pelo que irei analis-lo neste sentido. De seguida, farei uma breve abordagem histrica do cuidar, desde os primrdios da humanidade, visando a sobrevivncia, sua aplicao no exerccio profissional de enfermagem. Este aspecto ser, ento, focalizado e analisado mais profundamente, assim como o ponto especfico da relao de ajuda no cuidar em enfermagem. 2. A ARTE DE CUIDAR

A arte pode ser considerada primariamente um meio para o contacto de humano-para-humano, em que so transmitidos sentimentos. Logo, o cuidar pode ser encarado como uma forma de expresso artstica, uma arte, na medida em que, atravs desta prtica, o ser humano tem a capacidade de expressar claramente sentimentos pessoais vividos, que, por sua vez, so tambm experimentados pelo receptor da interaco do cuidar. A arte de cuidar surge, ento, como forma de comunicao e expresso de sentimentos humanos (WATSON, 2002).

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Esta forma de arte tem perdurado ao longo dos tempos, sendo indispensvel perenidade dos indivduos e grupos e inerente sobrevivncia de todos os seres vivos (COLLIRE, 1999). O cuidar pode tambm ser encarado como uma expresso da nossa humanidade, tornando-se fundamental para o nosso desenvolvimento e autorealizao enquanto pessoa, sendo atravs dele que os seres humanos vivem o significado das suas prprias vidas (WALDOW, 1995). Segundo Leininger (1991), citada por Waldow (1995 p.13), o cuidar genrico aquele tipo de cuidado que encontrado em todas as culturas no mundo e que compreende formas naturais, folclricas ou caseiras. O cuidar algo de universal e de todos os tempos, inerente s relaes humanas, tal como a relao me-filho. Em toda e qualquer cultura os humanos percebem e experienciam comportamentos de cuidar.

Griffin (1983), citado por McKenna (1994), numa perspectiva filosfica dos cuidados, identifica dois aspectos subjacentes ao conceito de cuidar: actividades, como assistir, ajudar e apoiar; atitudes e sentimentos implcitos na aco. O cuidar inclui aces e atitudes de assistir, apoiar, capacitar e facilitar (WALDOW, 1995, p.13). O cuidar implica tambm maturidade, na medida em que, a pessoa que cuida, precisa saber descentrar-se dela prpria para identificar e tomar conscincia das necessidades do outro. O respeito surge tambm como condio necessria no cuidar. Se os cuidados so um acto humano intencional, ento, o respeito pelas pessoas funcionar como o princpio subjacente a todas as trocas de cuidados (GAUT, 1986, citado por MCKENNA, 1994 p.33/4). O cuidar envolve uma filosofia de compromisso moral direccionado para a proteco da dignidade humana e preservao da humanidade (WATSON, 2002). Muitas vezes, o cuidar surge ligado preocupao, preocupar-se com o outro, contudo, Ungerson (1983), citado por McKenna (1994), refere que a preocupao denota sentimentos, enquanto o cuidar implica aco, algo a ser desempenhado.

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Independentemente da motivao para cuidar, Roach (1993), citado por Waldow (1995 p.17), defende que indivduos cuidam porque so seres humanos, estando a capacidade de cuidar enraizada na natureza humana. Desde sempre, o Homem age, cuidando e sendo cuidado. S assim tem sobrevivido ao longo dos tempos, uma vez que, existindo vida, existem indispensavelmente cuidados, porque preciso tomar conta da vida para que ela possa permanecer (COLLIRE, 1999 p.27). Assim, ao longo de milhares de anos o cuidar tem existido como forma de ajuda ao outro, visando ter o necessrio para continuar a vida, em relao com a vida do grupo. 3. CUIDAR UMA ABORDAGEM HISTRICA

A prtica de cuidados , sem dvida, a mais velha prtica da histria do mundo (COLLIRE, 1999 p.25). Primeiramente, o cuidar foi visto como forma

indispensvel de assegurar a continuidade da vida humana, individual e em grupo, fazendo recuar a morte. O cuidar envolvia, ento, actividades como cuidar do territrio, repelir o inimigo, proteco da famlia e pertences materiais, actividades estas mais ligadas ao homem. A mulher, por sua vez, cuidava das crianas, assegurando e mantendo a continuidade da vida humana (COLLIRE, 1999; SILVA, 1993). O papel de cuidar ligado imagem da mulher tem feito parte da existncia humana desde o incio dos tempos, imagem que foi desenvolvida a partir do desempenhar do papel de me. A maternidade, os cuidados aos recm-nascidos e crianas, deu relevo a esta relao entre a mulher e o cuidar. Isso evidente na utilizao em ingls do termo nurse para referir quer a mulher que amamenta, quer a pessoa que cuida os doentes. A mulher cuidava tambm da alimentao: refeies, plantas e suas propriedades medicinais (SILVA, 1993).

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Mais tarde, com o desenvolvimento do Cristianismo, o cuidar surge ligado ao papel feminino das irms de caridade, que prestavam cuidados a nvel espiritual e protegiam a integridade corporal por meio da castidade e pureza (SILVA, 1993). A prtica do cuidado, que nos remete a atitudes e sentimentos presentes numa relao interpessoal impregnada de responsabilidades, inquietao do esprito, desvelo por outrem, era comandada por representaes simblicas ligadas religio, principalmente at ao sc. XVII (ROSSI, 1991, citado por SILVA, 1993 p.304). As Ordens religiosas, tinham como misso acolher sem-abrigo, cuidar de rfos e pessoas doentes. Por conseguinte, irms de caridade cuidavam de doentes e feridos. As dimenses filantrpica e caritativa eram a tnica desse cuidar quase domstico (SILVA, 1993 p.304). As enfermeiras, mulheres consagradas, exerciam a sua prtica como um acto de caridade, dedicando totalmente as suas vidas a cuidar dos sofredores. ...as mulheres consagradas colocam, durante vrios sculos, as suas vidas ao servio dos doentes e dos indigentes... (COLLIRE, 1999 p. 69). Esta relao entre o cuidar e a mulher foi de tal modo marcante que Oakley (1984), citado por McKenna (1994 p.35), afirma que o desempenho de trabalho de cuidados no reconhecido social ou financeiramente e liga esse facto associao entre cuidados e feminilidade. O cuidar foi, muitas vezes, considerado como uma caracterstica pessoal intrnseca mulher. Posteriormente, a enfermagem torna-se uma profisso mais respeitvel e directamente ligada medicina e aos conhecimentos relativos a esta. A enfermeira passa, ento, a ser vista como auxiliar do mdico, executando tudo o que o mdico dizia ser necessrio para cuidar do doente, cumprindo prescries, rotinas estandardizadas e relacionadas com o diagnstico feito pelo mdico. Ehrenreich (1680), citado por Collire (1999, p 78) diz: As enfermeiras so uma verdadeira beno para estes doutores, solicitados por todos os lados.... Era, ento, valorizado o saber-fazer com o objectivo mximo de curar. Mais do que nunca, a prtica de enfermagem ter por objecto o tratamento da doena, considerada isoladamente. (COLLIRE, 1999 p. 95).

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As enfermeiras atiraram fora aspectos do seu papel e, em troca, assumiram tarefas de rotina que a profisso mdica abandonou (MCKENNA, 1994 p.36). A medicina assumiu, face sociedade, a responsabilidade pela sade, prestigiando o valor de curar, e a prtica de enfermagem tem sido directamente controlada por esta. Contudo, actualmente, os valores curar e cuidar tendem a assumir posies idnticas. A enfermagem est, cada vez mais, a assumir como valor prprio o cuidar, em que a pessoa vista como uma totalidade mente, esprito e corpo com autonomia e dignidade. Cada enfermeiro deve ser responsvel por cultivar uma imagem positiva atravs da sua conduta e prtica pessoais (BOLANDER, 1998 p.11).

4. O CUIDAR EM ENFERMAGEM

Mesmo que constitua um atributo para todos os seres humanos, na rea de sade e em especial na enfermagem, o cuidar/ cuidado genuno e peculiar e concordando com vrias estudiosas no assunto, a razo existencial da enfermagem (WALDOW, 1995 p.8). McKenna (1994 p.34) refere ainda que ponto pacfico que h uma relao interdependente entre a qualidade com que so desempenhadas as tarefas de enfermagem e uma atitude de cuidar. Segundo um estudo realizado (RODRIGUES, 1997), 78,44% dos enfermeiros inquiridos consideraram o cuidar como um conceito especfico da aco de enfermagem. No entanto, Brenner e Wrubel (1989), citados por McKenna (1994), referem que o cuidar no restrito a qualquer disciplina ou profisso. Hesbeen (2000, p.45) afirma tambm que a ateno prestada ao outro o cuidado diz respeito a todos (...) que, pela sua actividade profissional, esto em contacto directo e permanente com os beneficirios dos cuidados e com os seus familiares. Porm, se um grande nmero de enfermeiros demonstra a concepo descrita, poder-se- depreender que, na realidade, o cuidar se revela de grande importncia na prtica profissional de enfermagem. 9

O cuidar parece ser o ncleo central, ou a estrutura fundamental subjacente, para tudo o que enfermagem (MCKENNA, 1994 p.33). MacFarlane (1976), citada por McKenna (1994 p.33), refere tambm que a enfermagem , essencialmente, sinnimo de cuidados, pelo que me parece fundamental analisar o conceito de cuidar no mbito da enfermagem. O cuidar visto como o ideal moral da enfermagem, consistindo de esforos no sentido de proteger, promover e preservar, ajudando o outro a encontrar sentido na doena, sofrimento e dor, bem como na prpria existncia (WALDOW, 1995). Pratt (1980) e Chapman (1983), citados por McKenna (1994), defendem que o desejo de cuidar e ajudar o outro a motivao principal para a escolha da profisso de enfermagem. Alm disso, o ensino de comportamentos e atitudes do cuidar uma componente subjacente de grande importncia dos curricula de formao de enfermagem (MCKENNA, 1994 p.35). Mas, ento, como cuidar em enfermagem? Tem havido uma proliferao do curar como objectivo principal e uma adopo de tcnicas que visam a cura, sendo que o cuidar ao nvel do indivduo e do grupo tem recebido cada vez menos nfase do sistema, tornando-se cada vez mais difcil a enfermagem manter o seu ideal de cuidar na prtica (WATSON, 2002). O conceito da funo de cuidar do enfermeiro est ameaado pela evoluo tecnolgica que tem apelado valorizao da vertente tecnicista (WATSON, 2002; RIBEIRO, 1995). O excerto seguinte uma descrio feita por um doente de uma enfermaria, retirado do jornal Pblico (01/03/95), citado por Silva (1997 p.36), no qual o cuidar parece no estar presente: So sete da tarde no Hospital Central (Porto). No sei o dia da semana nem do ms, mas tambm pouco importa porque so todos iguais. Resumem-se a duas leituras de tenso e temperatura, uma de recolha de sangue e outra de urina, quatro distribuies de medicamentos, uma lavagem geral ao doente com mudana da roupa da cama e cinco refeies, para alm de diversos espectculos de introduo de tubos nas gargantas, narizes, pulsos, pulmes e outros stios bem piores, atendendo aos gritos dos doentes(...).

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notria a existncia de um ambiente de rotinas, fundamentalmente a nvel fsico e tratamentos decorrentes das prescries mdicas, visando despachar tarefas. Muitas vezes, os cuidados emocionais so prestados apenas quando h tempo, at porque actividades desenvolvidas para minimizar problemas a nvel emocional no so quantificveis e os resultados no so, na maior parte das vezes, imediatos. Alm disso, existem, por vezes, ms interpretaes mesmo por parte de colegas enfermeiros falar com os doentes no visto como um trabalho real (GNDARA; PEREIRA LOPES, 1994 p.42). O cuidar/ cuidado torna-se difcil e inadequado quando ocorre em situaes que caracterizam apenas o desempenho de uma tarefa (WALDOW, 1995 p.22). Apesar de, por vezes, a atitude descrita poder estar presente na prtica e na realidade do quotidiano da profisso, os enfermeiros tm, no geral, conscincia da importncia de outras vertentes do cuidar. Segundo vrios estudos realizados (MANGOLD, 1991; KOMORITA [et al.], 1991; MORRISON, 1991), citados por McKenna (1994), os enfermeiros inquiridos valorizavam comportamentos

expressivos como escutar, confortar, promover a expresso de sentimentos e sensibilidade, subvalorizando comportamentos a nvel instrumental. Contudo, o cuidar no pode estar inserido num destes extremos, surgindo como uma fuso de ambos. De acordo com vrios estudos, as aces de cuidar compreendem comportamentos expressivos, de orientao psicolgica, bem como instrumentais, dirigidos s necessidades fsicas dos doentes (WALDOW, 1995). A capacidade para desempenhar tarefas de enfermagem segura e competentemente essencial como enfermeira, mas so as atitudes e emoes que a acompanham que estabelecem a diferena entre o desempenho das tarefas da enfermagem e a prestao de cuidados de enfermagem integrais (MCKENNA, 1994 p.35). Na verdade, a prestao de cuidados fsicos e instrumentais fundamental para a recuperao e bem-estar dos doentes, porm, numa verdadeira perspectiva de cuidar, a aco de enfermagem no pode, de forma alguma resumir-se a este tipo de cuidados.

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A orientao para o cuidar uma orientao holstica (de holos = todo), pois, alm de atender cura, quando possvel, atende a pessoa na sua globalidade, tendo em considerao factores biolgicos, psicolgicos, sociais, culturais, espirituais, numa tentativa de compreenso da pessoa na sua plenitude, visando o seu bem-estar. Esta viso do ser humano, encara a pessoa como uma totalidade, mais do que a soma das suas partes. Este cuidar holstico promove humanismo, sade e qualidade de vida e uma abordagem individual, direccionada para a pessoa que integra todas as partes num todo unificado e significante (WALDOW, 1995; RIBEIRO, 1995; WATSON, 2002). O cuidar em enfermagem deve passar por ajudar a outra pessoa a cuidar de si prpria favorecendo sua potencialidade existencial de vir a ser este o cuidado autntico (WALDOW, 1995 p.21/2). Explica e providencia Conforto Relao de confiana Antecipa Controla e acompanha Ensina o doente a cuidar de si mesmo Sugere perguntas a fazer ao mdico Ouve o doente Toca no doente Pe o doente em primeiro lugar Apresenta alternativas razoveis Sabe quando o doente j est farto Prev as dificuldades da primeira vez Sabe como dar e administrar injeces IV Certifica-se de que os outros sabem cuidar do doente

Quadro 1: Escalas do CARE-Q e alguns itens comportamentais representativos do cuidar em enfermagem (Fonte: McKenna, 1994)

Os enfermeiros tm a possibilidade, mais do que outros profissionais, de, durante o internamento, estar ao longo do dia muito prximos das pessoas atravs de tudo o que constitui a enfermagem.

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Quando se atingem os limites de interveno dos outros prestadores de cuidados, as enfermeiras e os enfermeiros tero sempre a possibilidade de fazer mais alguma coisa por algum, de o ajudar, de contribuir para o seu bem-estar, para a sua serenidade, mesmo nas situaes mais desesperadas (HESBEEN, 2000 p.47). Contudo, isso s ser conseguido numa perspectiva de cuidar, na qual uma imensido de pequenas coisas do a possibilidade de manifestar uma grande ateno ao beneficirio de cuidados (HESBEEN, 2000 p.47). Estas pequenas coisas subjacentes ao cuidar em enfermagem so bastante bem perceptveis no exemplo citado por Hesbeen (2000 p.48). Um cirurgio refere: No imagina o sentimento de poder que eu experimento enquanto cirurgio quando um paciente entra no bloco com uma fractura e sai sem ela, quando um paciente entra no bloco com um tumor e sai sem ele.... Na verdade, este tipo de situao bastante reconhecido, at pelos resultados que so visveis de imediato. No entanto, o autor vai mais alm, dizendo: No pude impedir-me de pensar no bem-estar dado pela enfermeira que, talvez, simples e discretamente tinha dirigido um sorriso ao paciente ou lhe tinha tocado na mo no momento em que ele transpunha a porta do bloco operatrio....

Comportamentos mais pontuados em cuidar (Fonte: McKenna, 1994): Escuta atenta Confortar Honestidade Pacincia Responsabilidade Fornecer informaes que permitam que o doente tome decises informadas Toque Sensibilidade Respeito Chamar o doente pelo nome

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CATEGORIAS/ PROCESSOS Conhecimento Estando com (acompanhar) Fazendo por (substituir) Tornando apto (ajudar) Mantendo esperana/ confiana

CONTEDO Esforando-se por compreender o que se est a passar e o significado que tem na vida do outro. Estando emocionalmente presente para o outro. Fazendo pelo outro tal como ele faria se para isso tivesse todas as possibilidades. Facilitando a passagem dos outros ao longo da vida, nas transies e acontecimentos no familiares (difceis). Acreditando na capacidade dos outros para ultrapassarem as dificuldades em vista a um futuro com significado.

Quadro 2: Processos de cuidar segundo Sawson,1991 (Fonte: Ribeiro, 1995) As competncias para cuidar, quer relacionais, quer instrumentais, no so inatas, nem herdadas geneticamente, pelo que dever sempre haver um esforo e empenho da nossa parte neste sentido (GNDARA; PEREIRA LOPES, 1994). Mayerhoff (1971), citado por Watson (2002 p.55/6), refere: Ns, algumas vezes, falamos como se cuidar no requeresse conhecimentos, como se cuidar de algum, por exemplo, fosse simplesmente uma questo de boas intenes ou ateno calorosa... Para cuidar de algum, tenho que saber muitas coisas. Tenho que saber, por exemplo, quem o outro, quais os seus poderes e limitaes, quais as suas necessidades e o que que contribui para o seu crescimento; tenho que saber responder s suas necessidades e quais so os meus prprios poderes e limitaes. Assim, temos que impor, primeiro a ns prprios, a perspectiva e orientao para o cuidar. Temos que tratar de ns com gentileza e dignidade antes de podermos respeitar e cuidar dos outros com os mesmos princpios (WATSON, 2002 p.62). O cuidar requer envolvimento pessoal, social, moral e espiritual do enfermeiro e o comprometimento, primariamente, para com o prprio e para com os outros humanos (WATSON, 2002).

Em ltima instncia, o cuidar em enfermagem surge como uma ateno particular prestada pelos enfermeiros a uma pessoa e/ ou familiares , visando ajud-

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los em determinada situao, englobando tudo o que os profissionais fazem, dentro das suas competncias, para prestar cuidados s pessoas, contribuindo para o seu bem-estar, qualquer que seja o seu estado (HESBEEN, 2000). A aco interpessoal que decorre neste sentido, implica que seja estabelecida uma relao de ajuda, pelo que passarei a fazer uma abordagem sucinta acerca deste aspecto necessrio no cuidar em enfermagem.

4.1. A RELAO DE AJUDA NO CUIDAR EM ENFERMAGEM Tal como o cuidar, a relao de ajuda tambm no deve ser encarada como exclusiva de uma determinada profisso. Na verdade, em todas as profisses em que h prestao de servios, h interesse em estabelecer e manter uma relao de ajuda profissional - cliente. Irei, no entanto, focalizar a relao de ajuda no mbito da enfermagem. Adam (1994 p.93) defende que os cuidados de enfermagem deviam ser sempre prestados no quadro de uma relao de ajuda. Este quadro pode mesmo ser considerado condicionante para a prpria eficcia dos cuidados prestados. Enfermeiros inquiridos num estudo (RODRIGUES, 1997 p.47) referiram mesmo: Cuidar relao de ajuda. Este tipo de relao no pode ser visto como uma caracterstica dos cuidados, mas como algo intrnseco a estes. A relao no uma mera interveno, mas algo que existe sempre entre os enfermeiros e os doentes, de tal modo que fundamental que estes, atravs das suas atitudes e comportamentos, levem o paciente a qualificar a relao como sendo de ajuda (ADAM, 1994). Uma dessas atitudes, que visa esta qualificao, demonstrada no exemplo seguinte, baseado em Gndara e Pereira Lopes (1994): - Ento, sr. Joo est com dores nas costas? Tem de se controlar...no pode estar sempre a tomar comprimidos!

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Esta interaco demonstra uma atitude de fuga ao cuidar. A enfermeira no reconhece nem soluciona o problema, ignorando os sentimentos do doente. No h relao de ajuda, logo, no h acto de cuidar. - Ento, sr. Joo est com dores nas costas? Quer que o mude de posio? Nesta interaco verifica-se um acto de cuidar. H a constatao de um facto, aps a qual existe uma aco. Nota-se um momento de cuidar, de partilha e compreenso emptica do outro. Na verdade, a relao est sempre presente, no entanto, a aprendizagem de tcnicas de relao de ajuda poder revelar-se de extrema importncia, para uma verdadeira assuno do papel de cuidar por parte dos enfermeiros, centrando a sua comunicao interpessoal no utente. A relao de ajuda pessoal, centrada na pessoa e dirigida para a realizao de determinados objectivos mtuos. Est direccionada para os sentimentos, pensamentos e valores do utente e os enfermeiros devero sempre transmitir mensagens de ajuda, na base do respeito, compreenso, escuta activa e empatia (ADAM, 1994). Na realidade, at mesmo durante procedimentos tcnicos bastante invasivos, que causam desconforto, poder ser mantida esta relao de ajuda se estas mensagens forem transmitidas. As actividades de enfermagem do ajuda ou assistncia, com a inteno de promover e aumentar as capacidades de autocuidado do indivduo ou da comunidade (MCFARLANE, 1988 p.19) Esta relao que estabelecida, de ajuda, dever ser uma relao recproca, na qual a pessoa cuidada tem o direito de contribuir para a tomada de deciso. Segundo Travelbee (1978), citada por Berger (1995 p.23), A relao de ajuda representa uma experincia ou uma srie de experincias de aprendizagem entre uma enfermeira e um cliente, com vista a satisfazer as necessidades deste ltimo. Assim, s considerando o outro como uma pessoa autnoma e com direitos, que ser estabelecida progressivamente uma relao de ajuda, fundamental no cuidar com toda a sua autenticidade. A azfama e os rituais do nosso dia-a-dia no devem impedir momentos de reflexo, apoio e partilha dos sentimentos vividos na relao com os doentes (GNDARA e LOPES, 1994 p.46). necessrio, em primeiro lugar, haver uma tomada de conscincia, um despertar para ns prprios. Cada um dever conhecer-se, compreender-se e aceitarse tal como , a fim de poder agir com eficcia. essencial tambm criar um clima de 16

confiana e respeito mtuos, estabelecendo em conjunto objectivos que visem satisfazer as necessidades da pessoa ajudada. Para isso, o ajudador precisa desenvolver a capacidade de escuta, empatia, respeito, sensibilidade e congruncia (BERGER, 1995).

No esqueamos, ento, que A relao a cincia do cuidar. (GONALVES, 2002 p.39) 5. CONCLUSO Na verdade, a profisso de enfermagem e a prpria sociedade deviam promover de forma mais activa e recompensadora o cuidar, sem, no entanto, desvalorizar a percia tcnica e o conhecimento racional e cientfico, caracterstico da prtica profissional. Benner e Wrubel (1988), citados por McKenna (1994 p.35/6), defendem que a bem da prtica de enfermagem, a cincia e a tecnologia so apenas as ferramentas do cuidar. Assim, o fundamento desta prtica dever ser o cuidar, visando um maior reconhecimento e distino do papel especfico da enfermagem, ao mesmo tempo que proporciona uma prtica de cuidados de qualidade. O cuidar deve ser considerado um fim em si prprio e no um meio para atingir a cura, pois a o cuidar deixa de ter significado, quando a cura no possvel. A anlise deste conceito, o cuidar, permitiu-me esclarecer determinados aspectos relativos a este, ao mesmo tempo que me proporcionou momentos de aprendizagem, na medida em que apreendi novas perspectivas e vises do que cuidar, na sua essncia, e ser cuidado. Alm disso, foi como que um incentivo para a procura desta forma de arte e, acima de tudo, uma resoluo de desenvolver este valor o cuidar na prtica de enfermagem.

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Cuidar de e para doentes deve ser valorizado e tornado uma parte mais visvel daquilo que as enfermeiras tm para oferecer. McKenna (1994 p.36) E isso depende de ns... 6. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS: ADAM, Evelyn Ser enfermeira. Lisboa: Instituto Piaget, 1994. ISBN 972-929586-7; BERGER, L.; MAILLOUX-POIRIER, D. Pessoas idosas: uma abordagem global. Lisboa: Lusodidacta, 1995. ISBN 972-95399-8-7; BOLANDER, Verolyn Rae Enfermagem Fundamental: Abordagem

Psicofisiolgica. Lisboa: Lusodidacta, 1998. ISBN 972-96610-6-5; COLLIRE, Marie-Franoise - Promover a vida: da prtica das mulheres de virtude aos cuidados de enfermagem. Lisboa: Lidel, 1999. ISBN 972-757-109-3; COSTA, J. Almeida; MELO, A. Sampaio Dicionrio da Lngua Portuguesa. 6 ed. Porto: Porto Editora, 1985; HESBEEN, Walter Cuidar no Hospital: enquadrar os cuidados de enfermagem numa perspectiva de cuidar. Loures: Lusocincia, 2000. ISBN 972-8383-11-8;

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LEININGER, Madeleine M. [et al.] Care: the essence of nursing and health. Detroit, Michigan: Wayne State University Press, 1988. ISBN 0-8143-1995-5; MCFARLANE, J.; CASTLEDINE, G. Guia para a Prtica da Enfermagem: O Processo de Enfermagem. Lisboa: [s.n.] (Printer Portuguesa), 1988; RIBEIRO, Lisete Fradique - Cuidar e tratar: formao em enfermagem e desenvolvimento socio-moral. Lisboa: EDUCA e SEP, 1995. ISBN 972-8036-11-6; WALDOW, V.; LOPES, M.; MEYER, D. Maneiras de cuidar, maneiras de ensinar: a enfermagem entre a escola e a prtica profissional. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1995. ISBN 85-7307-060-9; WATSON, Jean Enfermagem: cincia humana e cuidar uma teoria de enfermagem. Loures: Lusocincia, 2002. ISBN 972-8383-33-9 .

GNDARA, M. N.; PEREIRA LOPES, M. A. Cuidar em Enfermagem. Enfermagem em foco. ISSN 0371-8008. n. 16 (1994), p. 40-46; GONALVES, Maria L. F. [et al.] Cuidar da pessoa com ferida cirrgica. Sinais Vitais. ISSN 0872-8844. n. 40 (2002), p. 39-41; MCKENNA, Gilean Cuidar a essncia da prtica da enfermagem. Nursing. ISSN 0871-6196. n. 80 (1994), p. 33-36; RODRIGUES, Manuel; AMARAL, Fernando Sondagem sobre o significado de tratar e cuidar. Sinais Vitais. ISSN 0872-8844. n. 12 (1997), p. 46/47; SILVA, Antnio Manuel O risco da Hospitalizao. Sinais Vitais. ISSN 08728844. n. 12 (1997), p. 35-42;

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SILVA, Eliete Maria [et al.] A arte de curar e a arte de cuidar: a medicalizao do hospital e a institucionalizao da enfermagem. Revista Brasileira de Enfermagem. ISSN 0034-7167. Vol. 46. n. , (1993), p. 301-308.

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