Cuidados pré e pós-colheita na produção de morangos e sistema...

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Cuidados pré e pós-colheita na produção de morangos e sistema Appcc Fagoni Fayer Calegario 1 Cada vez mais o Brasil enfrenta pressões por parte do mercado externo, que exige evidências objetivas da qualidade e segurança dos produtos agrícolas que exportamos. A Comunidade Européia, nosso principal importador, tem apertado cada vez mais o cerco, exigindo análises de resíduos de pesticidas em todos os produtos, ameaçando embargar uma série deles. Em julho deste ano, jornais de todo país veicularam reportagens sobre as tentativas dos europeus em barrarem alimentos brasileiros. As mais poderosas associações de agricultores e de cooperativas agrícolas da Europa pedem que a Comissão Européia "proíba imediatamente" a importação de produtos alimentares brasileiros que não estejam dentro dos padrões de qualidade fitossanitária da Europa (Chade, 2006). Dentre as principais queixas dos europeus, figura a baixa efetividade do sistema de controle de resíduos de pesticidas em maçã e mamão (Chade, 2006). Não é de se admirar que se tratam de cadeias frutícolas de grande importância para o Brasil. As barreiras não tarifárias procuram atingir exatamente os produtos para os quais nosso país se mostra competitivo. Recebemos constantemente no Brasil uma série de missões européias, que alegam encontrar irregularidades desde o controle de resíduos de drogas veterinárias até sistemas inadequados de análises de pesticidas e falta de registros dos diversos procedimentos adotados. Para enfrentar essa forte pressão, é necessário que sejam implementados sistemas de gestão da segurança de alimentos, como é o caso do sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC) e sistemas de gestão da produção agropecuária, como o Sistema Agropecuário de Produção Integrada (SAPI). Somente a partir da adoção de tais sistemas, o país não só poderá reunir evidências para comprovar que adotamos os controles necessários, como também poderá cobrar os mesmos procedimentos de países dos quais importamos produtos alimentícios. Segurança do alimento, correspondente ao termo food safety em inglês, significa a garantia de inocuidade do alimento, ou seja, garantia de que os alimentos estejam livres de perigos de qualquer natureza, que possam colocar em risco a saúde ou a integridade do consumidor. Segurança do alimento mais do que um direito legítimo, previsto no Código de Defesa do Consumidor, passou a ser moeda de troca e ingresso para os mercados mais exigentes do mundo. 'Pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente, Cx. Postal 69, 13820-000, (19)3867-8700, Jaguariúna, SP. ([email protected]) Coordenadora do Projeto "Implementação da Produção Integrada de Morangos Semi-Hidropônicos", financiado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Processo: 48.0016/2004-6

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Cuidados pré e pós-colheita na produção de morangos e sistema Appcc

Fagoni Fayer Calegario1

Cada vez mais o Brasil enfrenta pressões por parte do mercado externo, que exige evidências objetivas da qualidade e segurança dos produtos agrícolas que exportam os.A Comunidade Européia, nosso principal im portador, tem apertado cada vez mais o cerco, exig indo análises de resíduos de pesticidas em todos os produtos, ameaçando embargar uma série deles. Em ju lho deste ano, jornais de todo país veicularam reportagens sobre as ten ta tivas dos europeus em barrarem a lim entos brasileiros. As mais poderosas associações de agricu lto res e de cooperativas agrícolas da Europa pedem que a Comissão Européia "proíba im edia tam ente" a im portação de produtos alimentares brasileiros que não estejam dentro dos padrões de qualidade fitossan itária da Europa (Chade, 2006 ). Dentre as principais queixas dos europeus, figura a baixa efetividade do sistema de contro le de resíduos de pesticidas em maçã e mamão (Chade, 2006). Não é de se adm irar que se tra tam de cadeias fru tíco las de grande im portância para o Brasil. As barreiras não ta rifá rias procuram atingir exatam ente os produtos para os quais nosso país se m ostra com petitivo .

Recebemos constantem ente no Brasil uma série de missões européias, que alegam encontrar irregularidades desde o contro le de resíduos de drogas veterinárias até sistemas inadequados de análises de pesticidas e fa lta de registros dos diversos proced im entos adotados.

Para enfrentar essa fo rte pressão, é necessário que sejam im plem entados sistemas de gestão da segurança de a lim entos, com o é o caso do sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC) e sistemas de gestão da produção agropecuária, como o Sistema Agropecuário de Produção Integrada (SAPI). Som ente a partir da adoção de tais sistemas, o país não só poderá reunir evidências para com provar que adotamos os contro les necessários, com o tam bém poderá cobrar os mesmos procedim entos de países dos quais im portam os produtos a lim entíc ios.

Segurança do alim ento, correspondente ao term o food sa fe ty em inglês, significa a garantia de inocuidade do a lim ento, ou seja, garantia de que os a lim entos estejam livres de perigos de qualquer natureza, que possam colocar em risco a saúde ou a integridade do consum idor. Segurança do a lim ento mais do que um d ire ito legítim o, previsto no Código de Defesa do Consum idor, passou a ser moeda de troca e ingresso para os mercados mais exigentes do m undo.

'Pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente, Cx. Postal 69, 13820-000,(19)3867-8700, Jaguariúna, SP. ([email protected])Coordenadora do Projeto "Implementação da Produção Integrada de Morangos Semi-Hidropônicos", financiado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Processo: 48.0016/2004-6

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III Simpósio nacional do morango II Encontro sobre pequenas frutas e frutas nativas do M ercosul - Palestras

Perigos são contam inações inaceitáveis de natureza bio lógica (coliform es fecais, Sa/mone/la, e tc.), quím ica (agrotóxicos, m ico toxinas, etc.) e física (pedras, cabelos, terra, etc.), que podem causar desde uma repugnância até a m orte do consum idor.

O mercado interno, se ainda não exige garantias de segurança do a lim ento, está em vias de começar a exig ir, conscientizando-se cada vez mais.

O consum idor brasileiro já tem se m ostrado preocupado com a presença de resíduos de agrotóxicos nas fru tas , preocupação estim ulada pela mídia, e que tem o morango como um dos principais focos (Holanda, 2004 ). A lém de problemas de resíduos quím icos, fa lta de higienização de luvas e bandejas na colheita e utilização de água im própria podem acarretar contam inações biológicas nos morangos (M attos & Cantillano, 2004).

Existem tecnologias disponíveis para enfrentar todas as pressões que as cadeias produtivas vêm sofrendo por parte de clientes e consum idores, governos, comércio nacional e in ternacional e mídia. Todos os agentes responsáveis pelas d iferentes etapas da produção, em balagem , industria lização, processam ento, transporte dos produtos agropecuários devem buscar e lançar mão dessas tecnologias para garantir o fornecim ento de a lim entos seguros - do cam po à mesa.

Organização e adoção de Boas Práticas Agrícolas (BPA), Boas Práticas de Fabricação (BPF), APPCC e SAPI são opções que o setor p rodutivo deve considerar para m anter um mercado cada vez mais exigente.

O sistema APPCC, conhecido m undia lm ente com o HACCP (Hazard Analysis and Criticai Control Points) objetiva a produção de alim entos seguros, tendo com o foco a saúde do consum idor. Suas bases datam dos anos 50, quando surgiram as primeiras usinas de energia nuclear. Nos anos 60 , quando a NASA planejava lançar as primeiras viagens espaciais tripu ladas, o sistem a fo i adaptado para garantir a produção de a lim entos que não apresentassem nenhum risco de causar doenças de fon tes alim entares aos astronautas.

No passado, existiam sistem as reativos de contro le da qualidade, onde no final do processo uma am ostra do lo te do produto pronto era retirada e avaliada. Se o resultado da análise fosse sa tis fa tó rio , aceitava-se o lote. Se as análises indicassem irregularidades, rejeitava-se o lo te, permanecendo a dúvida sobre onde o problema havia sido gerado.

Hoje os sistemas de gestão da qualidade e segurança operam de form a preventiva, realizando avaliações mais simples e até mais baratas ao longo de todas as etapas da produção. Desvios são im ediatam ente detectados e ações corre tivas tom adas. Dessa form a, a possibilidade de gerar um produto final com defe itos mínimos é ampliada. Dessa form a os sistem as APPCC e PIF procuram operar, cada qual com seu foco e sua abrangência.

Boas Práticas Agrícolas (BPA) e Boas Práticas de Fabricação (BPF) são ações e procedim entos h ig iên ico-san itários adotados no campo e nas em pacotadoras, respectivam ente, cons titu indo pré-requisitos básicos para a im plem entação dos sistemas APPCC e SAPI. A lém de d im inu ir o risco de in trodução e m ultip licação de perigos, as BPA e BPF fac ilitam a rastreabilidade.

Dentre os principais aspectos contem plados nos programas de Boas Práticas tem os:

■ Potabilidade da água (para preparo de caldas, pulverizações, lavagem de mãos e fru tas, etc.);

■ Higiene pessoal e saúde dos trabalhadores (colhedores, c lassificadores, e tc.);

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Palestras

' Identificação e estocagem adequadas de produtos tóx icos (agroquím icos, com bustíveis, produtos de limpeza, e tc.);

• Higiene da superfície de con ta to com os produtos (cestos de colheita, caixas, esteiras, bancadas, e tc.);

• Prevenção de contam inação cruzada (produtos sujos que vêm do campo em contato com produtos embalados, cuidado com o descarte de produtos podres, folhas doentes, arm azenam ento inadequado de embalagens, e tc .);

• Proteção contra contam inação do produto (material de embalagens, veículos limpos para transporte, e tc .);

• Controle integrado de pragas (agroquímicos registrados para a cu ltura , aplicados somente quando ju s tifica d o , m étodos a lternativos de contro le , contro le adequado de roedores e pássaros, e tc.).

Para avaliar a adoção de Boas Práticas Agrícolas, deve-se observar, com o auxílio de uma lista de verificação:

1. Higiene am biental

§ Uso prévio da área e dos arredores

§ Acesso de animais dom ésticos e selvagens

§ Potencial de contam inação da área de produção v

§ Potencial de contam inação do meio ambiente

2. Higiene na produção primária

§ Água

§ Esterco

§ Solo

§ Agrotóxicos

§ Agentes de con tro le b io lóg ico

3. Higiene, saúde pessoal e instalações sanitárias

§ Higiene pessoal

§ Instalações sanitárias

§ Condições de saúde dos trabalhadores

§ Com portam ento pessoal

4. Equipamentos usados no cu ltivo e na colheita

5. Programa de lim peza, sanificação e m anutenção das instalações e equipamentos usados na pré-colheita

6. Cuidados na co lheita

7. Conservação e transporte

Uma empresa que decide adotar o sistema APPCC, deve in icia lm ente garantir que o programa de pré-requisitos (BPA no campo e BPF na em pacotadora) esteja sendo

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seguido com rigor. A lém disso, alguns procedim entos prelim inares devem ser observados quando a empresa decide pela im plem entação do sistema APPCC:

1. Com prom etim ento da direção

2. Definição de um coordenador para o programa

3. Formação da equipe m u ltid isc ip lina r

4. Garantia de recursos e avaliação de demais necessidades

5. Treinamento da equipe

Uma vez tom adas as providências acima, parte-se para a elaboração do plano APPCC, reunindo as seguintes in form ações e procedim entos:

1. Definição dos objetivos

2. Identificação e organogram a da empresa

3. Avaliação de pré-requisitos

4. Realização de programa de capacitação técnica

5. Descrição do produto e uso esperado

6. Elaboração do fluxogram a de processo

7. Validação do fluxogram a de processo

No campo é um pouco mais d ifíc il a aplicação do sistema APPCC em comparação com o ambiente das indústrias ou em pacotadoras, uma vez que os contro les não podem ser tão eficientes ou aplicados tão rapidam ente. A lém disso, o tipo de ativ idade do campo d ificu lta que as ações corre tivas sejam tom adas im ediatam ente, com o ocorre em indústrias, onde as etapas do processo produtivo são mais contínuas, rápidas e un ifo rm es.

Calegario e Poletto (2005 ), usando os princípios do sistema APPCC, realizaram uma avaliação da segurança do a lim ento nas primeiras etapas de im plem entação da produção integrada de m orangos sem i-h idropônicos. Irrigação, preparo da solução nutritiva , armazenamento da solução nu tritiva e fertirrigação foram indicadas com o sendo as etapas que necessitam m aior contro les para garantir a segurança do alimento. O trabalho deverá ser ampliado para as etapas fina is onde a seleção e embalagem dos fru tos provavelm ente serão etapas que necessitarão de fo rtes contro les, garantidos pele tre inam ento dos trabalhadores, visando adotar um manuseio adequado do morango, sem introdução de perigos b io lóg icos.

Os produtores de m orangos devem procurar incorporar os princípios do sistem a APPCC para forta lecer ainda mais o program a de contro le de qualidade do produto dentro do sistema de Produção Integrada. A lém de BPA e BPF, devem aprove ita r alguns aspectos interessantes do sistema APPCC, com o seu caráter preventivo, os programas de tre inam entos, o registro de proced im entos, o dinam ism o do sistem a, que é periodicam ente reavaliado, a fo rm ação da equipe m u ltid isc ip lina r, o com prom etim ento de todos.

Toda ten ta tiva de organização do processo produtivo é válida e certam ente será útil para a manutenção da com petitiv idade do produto e conseqüente permanência da empresa no mercado. Para acom panhar a evolução do mundo e das novas exigências dos consum idores, o produtor se viu obrigado a disciplinar-se. Os técn icos, por sua vez, direcionaram suas pesquisas para chegar a recomendações viáveis (Calegario, 2004).

A associação dos princípios dos sistem as SAPI e APPCC torna ainda mais possível essa

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organização da produção e o consequente fornecim ento de alim entos seguros.

Em term os gerais, esse processo gera qualidade de vida. Todos nós, sem exceção alguma, seremos beneficiados. A fina l, somos todos consum idores e nos agrada saber que o a lim ento que consum im os fo i produzido com higiene, segurança e respeito ao ser humano e ao am biente (Calegario, 2004 ).

Referências bibliográficas

CALEGARIO, F.F.; POLETTO, K. Avaliação da segurança do a lim ento nas primeiras etapas de im plem entação da produção integrada de morangos sem i-h idropônicos. In: SEMINÁRIO BRASILEIRO DE PRODUÇÃO INTEGRADA, 7, 2 0 0 5 , Fortaleza. Anais... Fortaleza: Embrapa A gro indústria T rop ica l, 2 005 . p. 220. (Embrapa A groindústria Tropical. (Docum entos, 99).

CALEGARIO, F.F. O que tem a ver: PiF com APPCC?. Manejo da log ística , colheita e pós-colheita na produção integrada de fru tas , São Paulo, SP, Brasil, 2 00 4 . Disponível em: h ttp ://w w w .p if.p osco lh e ita .n o m .b r/a rtig o s /a p pccce a ge sp .pd f. Acesso em: 30 set. 2006.

CHADE, J. Europeus querem barrar a lim entos brasileiros. O Estado de São Paulo, São Paulo, 13 ju l. 2006 . p. B6.

HOLANDA, M. Frutas sem agro tóx icos. Veja, São Paulo, v. 37 , n. 18, p. 169, 05 maio 2004.

MATTOS, M .L .T .; CANTILLANO, R.F.F. Belos e contam inados. Cultivar HF, Pelotas, v. 25, p. 24 -25 , 2004 .