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Teoria da dependência – pressupostos e metodologia Segundo os autores, “o devir histórico só se explica por categorias que atribuam significação aos fatos e que, em consequência, sejam historicamente referidas. Dessa maneira, considera-se o desenvolvimento como resultado da interação de grupos e classes sociais que têm um modo de relação que lhes é próprio e, portanto, interesses materiais e valores distintos, cuja oposição, conciliação ou superação dá vida ao sistema socioeconômico. A estrutura social e política vai-se modificando â medida que diferentes classes e grupos conseguem impor seus interesses, sua força e sua dominação ao conjunto da sociedade”. (p. 34) Diferentes momentos e características estruturais do processo histórico, de natureza interna e externa, desde que significativos para o desenvolvimento. “De acordo com o enfoque até agora descrito, o problema teórico fundamental é constituído pela determinação dos modos que adotam a estrutura de dominação, porque é por seu intermédio que se compreende as relações de classe. Ademais, a configuração em um momento determinado dos aspectos políticos-institucionais pode ser compreendida senão em função das estruturas de domínio. Em consequência, também é por intermédio de sua análise que se pode captar o processo de transformação da ordem política institucional (...). É evidente que a explicação teórica das estruturas de dominação, no caso dos países latino-americanos, implica estabelecer as conexões que se dão entre os determinantes internos e externos, mas essas vinculações, em qualquer hipótese, não devem ser entendidas em termos de uma relação causal-analítica, nem muito menos em termos de uma determinação mecânica e imediata do interno pelo externo”. (p. 34-5) “Precisamente, o conceito de dependência, que mais adiante será examinado, pretende outorgar significado a uma série de fatos e situações que aparecem conjuntamente em um momento dado, e busca-se estabelecer, por seu intermédio, as relações que tornam inteligíveis as situações empíricas em função do modo de conexão entre os componentes estruturais internos e externos. Mas o externo, nessa perspectiva, expressa-se também como um modo particular de relação entre grupos e classes sociais no âmbito das nações subdesenvolvidas. É precisamente por isso que tem validez centrar a análise da dependência em sua manifestação

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Teoria da dependência – pressupostos e metodologia

Segundo os autores, “o devir histórico só se explica por categorias que atribuam significação aos fatos e que, em consequência, sejam historicamente referidas. Dessa maneira, considera-se o desenvolvimento como resultado da interação de grupos e classes sociais que têm um modo de relação que lhes é próprio e, portanto, interesses materiais e valores distintos, cuja oposição, conciliação ou superação dá vida ao sistema socioeconômico. A estrutura social e política vai-se modificando â medida que diferentes classes e grupos conseguem impor seus interesses, sua força e sua dominação ao conjunto da sociedade”. (p. 34)

Diferentes momentos e características estruturais do processo histórico, de natureza interna e externa, desde que significativos para o desenvolvimento. “De acordo com o enfoque até agora descrito, o problema teórico fundamental é constituído pela determinação dos modos que adotam a estrutura de dominação, porque é por seu intermédio que se compreende as relações de classe. Ademais, a configuração em um momento determinado dos aspectos políticos-institucionais pode ser compreendida senão em função das estruturas de domínio. Em consequência, também é por intermédio de sua análise que se pode captar o processo de transformação da ordem política institucional (...). É evidente que a explicação teórica das estruturas de dominação, no caso dos países latino-americanos, implica estabelecer as conexões que se dão entre os determinantes internos e externos, mas essas vinculações, em qualquer hipótese, não devem ser entendidas em termos de uma relação causal-analítica, nem muito menos em termos de uma determinação mecânica e imediata do interno pelo externo”. (p. 34-5)

“Precisamente, o conceito de dependência, que mais adiante será examinado, pretende outorgar significado a uma série de fatos e situações que aparecem conjuntamente em um momento dado, e busca-se estabelecer, por seu intermédio, as relações que tornam inteligíveis as situações empíricas em função do modo de conexão entre os componentes estruturais internos e externos. Mas o externo, nessa perspectiva, expressa-se também como um modo particular de relação entre grupos e classes sociais no âmbito das nações subdesenvolvidas. É precisamente por isso que tem validez centrar a análise da dependência em sua manifestação interna, posto que o conceito de dependência se utiliza como um tipo específico de conceito ‘causal-significante’ – implicações determinadas por um modo de relação historicamente dado – e não como conceito meramente ‘mecânico-causal’, que enfatiza a determinação externa, anterior, que posteriormente produziria ‘consequências’ internas”. (p. 34).

Processos econômicos como processos sociais: ponto de intersecção entre os dois - Poder econômico se expresse como dominação social, isto é, como política; “pois é através do processo político que uma classe ou grupo econômico tenta estabelecer um conjunto de relações sociais que lhe permita impor ao conjunto da sociedade um modo de produção próprio, ou pelo menos tenta estabelecer alianças ou subordinar os demais grupos ou classes com o fim de desenvolver uma forma econômica compatível com seus interesses e objetivos. Os modos de relação econômica, por sua vez, delimitam os marcos em que se dá a ação política” (p. 36).

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Independência

“a criação dos Estados nacionais e o controle das economias locais implicam que as associações de interesses das classes e dos grupos economicamente orientados estabeleçam formas de autoridade e de poder de tal modo que constituam uma ‘ordem legítima’ e que em torno dessa ordem legítima se obtenham o consentimento e a obediência das classes, grupos e comunidades excluídos do núcleo hegemônico formado pela ‘aliança de interesses’” (p. 55).

A segunda guerra de independência cubana, iniciada em fins do século XIX sob a liderança icônica de José Martí, é considerada como um ponto de inflexão na geopolítica mundial do período. Como desdobramento da política expansionista estadunidense, esboçada desde o governo de Thomas Jefferson, após quatro anos de conflito e inúmeras conspirações malogradas, os Estados Unidos enfim decidem intervir militarmente no conflito. Motivados pelo suposto ataque espanhol ao navio de guerra Maine, de Key West, e pelo “Destino Manifesto” de expandir seu território e civilizar a América, os Estados Unidos entram em guerra contra a Espanha, evento que ficou conhecido como “a guerra desnecessária”. Após somente dez dias, a Espanha é derrotada, acelerando a marcha já iniciada da derrocada do antigo império ultramarino. Como se verá a seguir, a ilha caribenha passa do subjugo hispânico para se tornar substrato direto do controle e interesses da nova potência mundial estadunidense.

À luz do pensamento de Cardoso e Faletto, pode-se inferir que as prévias medidas espanholas em resposta às distintas demandas anexionistas e anti-abolicionistas das elites criollas, às demandas de grupos mais radicais independentistas, defensores da autonomia e da “cubanidad”, e dos grupos moderados reformistas não foram capazes de apaziguar os acirrados ânimos dos diferentes setores e grupos sociais cubanos. Tampouco foram capazes de fomentar o desenho de uma “aliança de interesses” entre a elite escravagista, revolucionários, anexionistas liberais e cidadãos estadunidenses radicados em Cuba, de modo a garantir a hegemonia política e o controle interno do sistema agroexportador; isto é, de modo a permitir a construção de um Estado nacional relativamente independente, sem intervenção direta da “metrópole” – agora vestida nas roupagens do novo imperialismo norteamericano.

Após a definitiva derrota espanhola em Cuba e em Porto Rico, um armistício entre as nações beligerantes foi assinado em 12 de agosto de 1898, em Paris. Nesta primeira versão do tratado, a independência cubana fora reconhecida pela Espanha. Já em sua versão final, em meados de dezembro do mesmo ano, a Coroa espanhola finalmente aquiesceu à retirada de suas tropas do território cubano, bem como reconheceu como legítima a ocupação norteamericana da área, cedeu as Filipinas, a ilha de Guam, no Pacífico, e Porto Rico aos Estados Unidos. Ademais, em 1898, Washington impôs aos cubanos a famigerada Emenda Platt, segundo a qual era outorgado aos estadunidenses o direito de intervir militarmente e de estabelecer bases navais no território cubano (atualmente, a Emenda Platt ainda vigora na base de Guantánamo). Oficializam-se, portanto, três marcos, a saber: 1) o fim do Império Espanhol, 2) o surgimento da nova potência mundial estadunidense e 3) a formação, no recém-criado Estado Cubano, de uma economia de enclave, uma espécie de protetorado, à mercê dos interesses e da influência dos Estados Unidos.

Os EUA durante esse período se serviram das oligarquias locais anexionistas? Houve substituição de americanos pelas elites locais ou coexistência? Desenvolvimento independente

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dos grupos locais (FHC, p. 64). O fato de os EUA também serem produtores de produtos primários dificultou o desenvolvimento de ex-colônias a eles diretamente ligadas.

As inversões diretas estimularam outros setores da economia? Beneficiou, de algum modo, a diferenciação do sistema produtivo? A formação de um mercado interno?

Cuba pós-independência: sem poder de barganha? Sem fortalecimento interno? Não. Preços e demandas impostas pelos EUA.

Como ficou a reorientação interna, em função da nova orientação externa?

1. Weinberg, 1963, pp. 65 e 67.

O interesse dos Estados Unidos em adquirir domínio sobre Cuba começara muito antes de 1898. Após a Guerra dos Dez Anos (primeira tentativa de emancipação cubana), interesses americanos na produção de açúcar, núcleo do sistema produtivo da ilha, levaram à compra de grandes latifúndios. Mudanças na taxação de açúcar, favorecendo a cultura e o comércio norteamericano de beterraba-sacarina, contribuiu para reacender o fervor revolucionário cubano em 1895. Até este período, os Estados Unidos haviam investido mais de 50 milhões de dólares em Cuba e o balanço

U.S. interest in purchasing Cuba had begun long before 1898. Following the Ten Years War, American sugar interests bought up large tracts of land in Cuba. Alterations in the U.S. sugar tariff favoring home-grown beet sugar helped foment the rekindling of revolutionary fervor in 1895. By that time the U.S. had more than $50 million invested in Cuba and annual trade, mostly in sugar, was worth twice that much. Fervor for war had been growing in the United States, despite President Grover Cleveland's proclamation of neutrality on June 12, 1895. But sentiment to enter the conflict grew in the United States when General Valeriano Weyler began implementing a policy of Reconcentration that moved the population into central locations guarded by Spanish troops and placed the entire country under martial law in February 1896. By December 7, President Cleveland reversed himself declaring that the United States might intervene should Spain fail to end the crisis in Cuba. President William McKinley, inaugurated on March 4, 1897, was even more anxious to become involved, particularly after the New York Journal published a copy of a letter from Spanish Foreign Minister Enrique Dupuy de Lôme criticizing the American President on February 9, 1898. Events moved swiftly after the explosion aboard the U.S.S. Maine on February 15. On March 9, Congress passed a law allocating fifty million dollars to build up military strength. On March 28, the U.S. Naval Court of Inquiry finds that a mine blew up the Maine. On April 21 President McKinley orders a blockade of Cuba and four days later the U.S. declares war.

Ver como era o tipo de enclave cubano (1 ou 2). Ver bloco de notas (p. 67 do livro).

Crise do modelo de “expansão para fora” (circa 1930), isto é, voltado e dependente do mercado externo. Daí vem a nova demanda por reforma e depois a ditadura?

Ditadura Batista

Quando um grupo de homens, decididos a alcançar a reforma social e aindependência nacional, finalmente tomou o poder em Cuba, em setembrode 1933, o presidente Franklyn Delano Roosevelt, o autor da mal batizada“Política da Boa Vizinhança”, negou-se a reconhecer o novo governo einstou o exército cubano a tomar o poder. Assim foi feito, e a era de Batista começou.

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Somente com o triunfo da revolução, em 1959, Cuba conseguiu ser umanação verdadeiramente independente, apesar dos obstinados esforços dospresidentes Dwight Eisenhower e John Kennedy para impedi-lo. a invasão daBaia dos Porcos; a imposição do bloqueio; a manipulação descarada da servilOrganização dos Estados Americanos (OEA) contra Cuba; as tentativas de assassinar Fidel Castro.

(Moniz Bandeira p. 309) “Cuba, quando a luta armada, que Castro e seus companheiros desencadearam a partir de Sierra Maestra, espraiou-se e, a prejudicar as atividades produtivas e os interesses das companhias norte-americanas, sobretudo às vésperas da colheita da cana-de-açúcar, sustentáculo de toda a economia cubana, o Departamento de Estado retirou o suporte dado a Batista e pressionou-o para que ele, já socialmente isolado, abandonasse o governo e fugisse.

Revolução de 1959

(Moniz Bandeira, p. 202) A exigência de Fidel de que a missão militar estadunidense abandonasse o país, um dos primeiros atos do governo revolucionário, aumentou a inquietação da administração de Eisenhower. “Obviamente, não seria fácil manipular um homem que assim procedia. E uma potência como os Estados Unidos não se dispunha a tolerar um governo com ampla autonomia em um país situado a 90 milhas do seu litoral. Entrementes, os julgamentos e as execuções na fortaleza de La Cabaña, sob o comando de Che Guevara, de aproximadamente 550 militares e policiais, acusados de torturar, violar ou assassinar cerca de 20.000 pessoas, durante os últimos dois anos do governo Batista, começaram a provocar nos Estados Unidos fortes críticas, sobretudo à “forma sumária e escandalosa” com que se realizavam”.

A despeito da dependência da economia açucareira cubana com respeito aos Estados Unidos, os líderes revolucionários não esboçavam tendências de reformas moderadas, de maneira a manter a ordem de subordinação àquela potência. Contrariamente, Fidel e seus companheiros, com o objetivo de fazer frente ao “imperialismo yankee”, buscou a unidade revolucionária continental, impulsionando movimentos insurgentes em outros países latinoamericanos, tais como a República Dominicana, Haiti e Nicarágua, onde havia ditaduras.

Algumas medidas anotadas no bloquinho. Depois dissidências. setores moderados e anticomunistas começavam a reagir e a endurecer a oposição à ala esquerdista, com a qual Castro mais se identificava.

(Moniz Bandeira, p. 215) “Assim, ao mesmo tempo que as relações de Cuba com os Estados Unidos se encrespavam, suas contradições sociais e políticas internamente se aguçaram, na medida em que a revolução, da qual todos os segmentos sociais participaram, assumiu um caráter de classe, favorecendo apenas os interesses dos trabalhadores do campo e das cidades. Elementos do próprio governo cubano não mais escondiam sua insatisfação com os rumos que Castro imprimia à revolução e passaram a coadjuvar a denúncias, levantadas nos círculos mais conservadores dos Estados Unidos, de que os comunistas estavam a envolvê-lo”.

(Moniz Bandeira, p. 219-20) “[...] ele [Che Guevara] anunciou em 26 de outubro a criação das Milícias Nacionais Revolucionárias, o “povo armado”, conforme desejo de Che Guevara, inspirado no exemplo da Bolívia,70 e seus contingentes, que chegaram a somar cerca de 250.000, suplantaram os do Exército Rebelde. Este reordenamento das Forças Armadas obedeceu a motivos tanto militares quanto políticos. Castro sabia que Cuba não tinha condições de repelir um ataque direto dos Estados Unidos, mas com a formação das milícias populares podia torná-lo o

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mais caro possível, uma vez que a elas caberia preparar a resistência civil e os meios para continuar a luta através de guerrilhas. E mais: para combater e reprimir as ações contrarrevolucionárias, as milícias eram mais adequadas, posto que suas unidades, espalhadas por toda a ilha, podiam manter-se continuamente em estado de alerta. A transformar-se em força regular e permanente, o Exército Rebelde então ficaria como reserva móvel, a ser utilizado apenas quando e onde necessário se tornasse, e perderia a força política, uma vez que a existência das milícias o neutralizaria, afastando qualquer possibilidade de que algum comandante dissidente, a exemplo de Hubert Matos, tentasse um golpe de Estado. Desse modo, Castro contrabalançou os fatores de poder, sobre o quais assentou e robusteceu a organização do Estado cubano, cujos órgãos de segurança passariam ainda a contar com a eficaz colaboração dos Comitês de Defesa da Revolução (CDR), instalados nos bairros residenciais e locais de trabalho. O “pueblo”, segundo as próprias palavras de Castro, era “la garantia definitiva de la Revolución”.71 E o passo subsequente à oficialização das Milícias Nacionais Revolucionárias consistiu na reforma do gabinete. Os elementos mais moderados, remanescentes desde a queda de Urrutia, demitiram-se. Che Guevara substituiu Felipe Pazos na presidência do Banco Nacional de Cuba, e Osmani Cienfuegos, irmão de Camilo, ocupou o Ministério de Obras Públicas, no lugar de Manuel Ray, indicando nitidamente a radicalização do processo revolucionário”.

Ademais, Fidel orientou sua política exterior na busca de um entendimento com os países do Bloco Socialista e, em particular, a União Soviética, com a qual Cuba ainda não reatara as relações diplomáticas (rompidas por Batista em 1952). O reatamento de relações diplomáticas com a União Soviética e o reconhecimento da República Popular da China, a fim de viabilizar acordos de longo alcance com o Bloco Socialista, constituiriam as principais iniciativas de Cuba no curso de 1960.

(Moniz Bandeira, p. 232-233) “As exportações totais de Cuba, para as quais o açúcar contribuía com mais de 80%, representavam cerca de 30% do seu Produto Interno Bruto, o que era uma proporção bastante elevada, e o mercado norteamericano absorvera, antes da vitória da revolução, nada menos que 65,6% (1955), 62% (1956), 54,4% (1957) e 63,3% (1958).7 As importações oriundas dos Estados Unidos eram também elevadas e, no mesmo período, representaram 66,8% (1955), 68,3% (1956), 64,6% (1957) e 59,3% (1958).8 Assim, portanto, a economia de Cuba subordinava-se de tal sorte ao mercado norte-americano que desapareceria, reduzindo-se a zero e mesmo, se possível, a menos que zero a renda per capita do seu povo, da ordem de US$ 402 àquela época, se as exportações para os Estados Unidos cessassem inteiramente, sem compensações em outras áreas. Por outro lado, as relações comerciais de Cuba com a América Latina eram bastante inexpressivas. As vendas aos países da região constituíram apenas 3,4% (1955), 4,5% (1956), 4,6% (1957) e 4,6% (1958) do total de suas exportações, enquanto as importações foram ligeiramente superiores, da ordem de 9,2%, 8,9%, 8,3% e 12,5%, naqueles mesmos anos.9 Àquele tempo, embora numerosos países, sem incluir os da Europa Oriental, tivessem condições, isoladamente ou em grupo, de suprir os bens e serviços de que Cuba necessitava, poucos poderiam aumentar significativamente suas importações de açúcar, de modo a equilibrar a balança comercial”.

concluíram que nenhuma outra medida seria tão eficaz quanto o corte da cota de açúcar e o desestímulo ao turismo, já a evaporar-se.29 Ela seria o “major element” no programa para a sua derrubada, de acordo com as palavras de Bonsal.30 A imagem de país dependente, que os Estados Unidos tinham de Cuba, associada à de inimigo, após a reforma agrária e, sobretudo, o Acordo Roa-Mikoyan, modelou assim sua reação. Ao mesmo tempo, as sanções começaram, visando acentuar o enfraquecimento da estrutura econômica e social de Cuba e engendrar, internamente, o máximo de desconforto e descontentamento, de modo que a população responsabilizasse Castro pelo descalabro da situação. Com efeito, as sanções econômicas só poderiam produzir resultados opostos aos almejados pela

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administração Eisenhower. Elas alimentariam ainda mais os ressentimentos contra os Estados Unidos, fortaleceriam a autoridade moral e política de Castro não só ao nível doméstico como em toda a América Latina e empurrariam Cuba irreversivelmente para a vis atractiva da União Soviética. O súbito agravamento das tensões internacionais favoreceu esta aproximação.

(Moniz Bandeira, p. 242) “Seis dias após Eisenhower haver suspendido a importação das 700.000 toneladas restantes da sua cota de açúcar, atribuída a Cuba, ele [Kruchev] não só anunciou que a União Soviética as compraria como respaldou o governo revolucionário de Castro com todo o peso do seu poderio nuclear, contra qualquer intervenção armada dos Estados Unidos. Os Estados Unidos — advertiu — não deviam esquecer que já não estavam tão longe, como antes, a uma distância inacessível da União Soviética, cuja artilharia, “figurativamente falando”, poderia com mísseis balísticos apoiar o povo de Cuba, se necessário, caso as “forças agressivas” do Pentágono ousassem empreender qualquer ação militar contra aquele país”.59

(Moniz Bandeira, p. 304) No dia 16 de abril de 1961, após o bombardeio dos aeroportos de San Antonio de los Baños, Santiago e Havana pelos aviões da CIA, Fidel Castro, depois de compará-lo, com justo motivo, ao ataque pérfido e traiçoeiro do Japão a Pearl Harbor, em 1941, declarou que os Estados Unidos não perdoavam Cuba porque ela realizava diante de seu nariz uma revolução socialista. “Esta es la revolución socialista y democrática de los humildes, com los humildes y para los humildes”, acrescentou.1 Com efeito, Castro destruíra a iniciativa privada e a economia de mercado, bases do capitalismo, na medida em que estatizara, ao longo de apenas 18 meses de revolução, mais de 75% da indústria do país,2 inclusive a produção e o comércio do açúcar, os recursos minerais, o sistema bancário, o comércio interno e o comércio exterior, os meios de transporte e de comunicação, bem como os serviços públicos. Esse fato possibilitou que a Junta Central de Planejamento (JUCEPLAN), criada no segundo semestre de 1959 e subordinada ao Conselho de Ministros, passasse a controlar e a dirigir a economia de Cuba, centralizando as decisões, segundo o modelo stalinista de planificação econômica. Mas, ao proclamar, naquele dia, o caráter socialista da Revolução Cubana, o que até então publicamente não fizera, o intuito de Castro foi constranger a União Soviética a defendê-la contra a iminente invasão organizada pelos Estados Unidos [...]”.

(Moniz Bandeira, p. 306) “Che Guevara, ao assumir o Departamento de Indústria do INRA, anunciara, no primeiro ano da revolução, o propósito de fomentar a industrialização, com medidas aduaneiras, para proteger a produção nacional de manufaturas, e a expansão de um mercado interno, a ele incorporando as massas camponesas, os guajiros, mediante a elevação do seu poder aquisitivo.6 Na primeira etapa, a meta não era criar indústrias de exportação, mas substitutivos de importações, devendo Cuba, mesmo sem possuir jazidas de ferro, obter financiamento da União Soviética para aumentar sua produção de aço, da ordem de 70.000 toneladas em 1959, para 350.000 e, em fases sucessivas, para 500.000 e 1.500.000 toneladas, dentro de alguns anos.7 Guevara entendia que, sem uma poderosa indústria siderúrgica, não seria possível a emancipação econômica e chegou a predizer que, dentro de 10 anos, Cuba figuraria entre os 10 maiores produtores de aço da América Latina”.

(Moniz Bandeira, p. 307) “O governo revolucionário, no entanto, não podia erradicar (sem toda uma série de etapas intermediárias de desenvolvimento) os alicerces do capitalismo, ainda que promovesse radical redistribuição da propriedade territorial, favorecendo o campesinato. Com isto, sua economia assumiu um caráter misto, em forma híbrida de capitalismo de Estado, a partir do que Fidel Castro e Che Guevara trataram de impulsionar o processo autônomo de industrialização acelerada, com vistas à completa socialização de Cuba”.

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As condições por ele referidas eram aquelas em que, se as massas já não queriam a continuidade do status quo, as classes dominantes já não podiam sustentá-lo ao modo antigo. Esta situação realmente ocorrera em

Segundo (Moniz, p. 27)Desde 1960, quando os Estados Unidos lhe impuseram o bloqueio econômico, viveu em regime de racionamento, com o povo a sofrer grandes vicissitudes e carências, consumindo somente a quantidade que lhe outorgava a “libreta”. A situação se agravou profundamente desde o desmerengamiento da União Soviética e dos demais países do Bloco Socialista, o que provocou o desaparecimento do Conselho de Ajuda Econômica (COMECOM). O país sofreu uma diminuição de cerca de 60% de sua capacidade de importação. As prateleiras, diferentemente do que ocorria na extinta RDA, ficaram vazias. Não havia mercadorias e, em 1992, a escassez de combustível ameaçava paralisar o próprio Estado. No entanto, Cuba resistiu.

Isso significa que a Revolução Cubana, ainda que tivesse como vetor a politische Identítätsbildung (formação de identidade política), com os independentistas derrotando os anexionistas (favoráveis à anexação aos Estados Unidos).

a revolução, que mudou o modo de produção, não mudou também suas relações internacionais, pois apenas transferiu a dependência de Cuba, em face dos Estados Unidos, para a União Soviética.

ISOLAMENTO. A pressão dos Estados Unidos, a recusa dos estivadores de vários portos a trabalhar em navios que aportavam em Cuba e a quarentena, durante 30 dias, fizeram diminuir progressivamente a navegação e, causando enormes prejuízos ao seu comércio exterior, tornaram o país ainda mais dependente da ajuda soviética.6 Como consequência de tais pressões, eram cada vez mais escassos os navios de bandeira não comunista que chegavam a Cuba. O Japão, que adquiria tradicionalmente meio milhão de toneladas de açúcar e pagava em dólares, suspendeu suas compras, porque os importadores e armadores japoneses temiam represália dos Estados Unidos.7 Por motivos semelhantes, a Espanha suspendeu sua linha aérea e marítima para Cuba.8 As empresas de aviação Pan-American, KLM e Mexicana igualmente suspenderam seus voos desde outubro.

O incoercível antagonismo dos Estados Unidos, cujo propósito consistia em isolar Cuba do Ocidente e esperar que o peso das dificuldades internas, gerando descontentamento, terminasse por derrubar o regime revolucionário, não ofereceu a Castro, portanto, outra perspectiva senão recompor suas relações com Moscou, não obstante todos os ressentimentos e desconfianças.

(Moniz Bandeira, p. 499) “As decisões econômicas, entretanto, foram mais significativas para os destinos de Cuba e sua inserção no Bloco Soviético.60 Em consequência dos entendimentos com o governo soviético, para enfrentar as dificuldades econômicas com que Cuba se defrontava, Castro foi compelido a abandonar o projeto de rápida industrialização, acalentado por Guevara, e, reorientando suas diretrizes, voltar à ênfase na produção da cana-de-açúcar. Os técnicos soviéticos convenceram-no de que a concentração de esforços na agricultura (não apenas na cana-de-açúcar) permitiria elevar mais rapidamente o padrão de vida da população. A implementação desta política evidentemente induziria Cuba a estabelecer com a União Soviética um relacionamento econômico do mesmo tipo neocolonial mantido com os Estados Unidos até 1960, e possibilitaria pelo menos tornar mais efetiva a ajuda que a União Soviética lhe prestava, uma vez que condições de reduzi-la, em futuro imediato, não se vislumbravam. “O processo de russificação de Fidel Castro produziu extraordinário resultado”. (..500.) Em síntese, Kruchev traçara as perspectivas para o futuro de Cuba e indicara-lhe o lugar que ela deveria ocupar no mundo comunista, permanecendo como produtora de açúcar, o que fora até então como colônia

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informal dos Estados Unidos. Dentro deste contexto, Castro, incomodado com o fato de cair na dependência da União Soviética, tentou jogar a “carta americana”, o que a Kruchev também convinha e era consistente com a política de coexistência pacífica.

(Moniz Bandeira, 502-503) “O governo soviético queria, realmente, que Castro tanto normalizasse as relações de Cuba com os Estados Unidos quanto renunciasse ao projeto de industrialização, ao menos nos termos ambiciosos que ele e Che Guevara pretendiam, e resgatasse a produção da cana-de-açúcar, que decaíra de 6,7 milhões de toneladas métricas, em 1961, para 4,8, em 1962, e 3,8, em 1963,74 como força motriz do desenvolvimento. Os economistas soviéticos estavam assustados com o desperdício de recursos observado em Cuba, cujos gastos com a defesa e com a sustentação do movimento insurrecional em vários países da América Latina absorveram 13,3% do seu orçamento de 1962, enquanto seu déficit comercial acumulado de 1962-1963 superou o montante de 500 milhões de pesos (ao par com o dólar, àquela época), 92% dos quais com a União Soviética.75 Só em 1962, o déficit do balanço, que fora de US$ 14 milhões em 1961, saltara para US$ 172 milhões, revelando impiedosamente a inviabilidade do Plano Quadrienal (1962-1965), formulado pelo economista Regino Boti, presidente da JUCEPLAN, e que visava promover a rápida industrialização de Cuba, mediante a substituição de importações, inclusive nos setores de produtos químicos, metalúrgico e mesmo automobilístico.76 A normalização do relacionamento com os Estados Unidos e a retomada da produção de açúcar aproveitando os altos preços do mercado mundial, afiguravam-se, por conseguinte, a melhor forma de aliviar esse crescente déficit comercial que os países do Leste Europeu não tinham condições de suportar”.

A União Soviética e os demais membros do Bloco Socialista, deveras, não tinham capacidade de atender prontamente às demandas de Cuba, de sorte que o fornecimento de certas instalações industriais demoraria pelo menos alguns anos, o que, na realidade, acentuava ainda mais os efeitos do embargo norte-americano. Àquela época, Che Guevara começara a dar-se conta também do atraso tecnológico dos países socialistas. Os equipamentos que chegavam do Bloco Socialista eram realmente de má qualidade, as fábricas obsoletas, o que tornaria difícil a competição dos produtos cubanos no mercado internacional.80 Outros equipamentos solicitados não chegavam, ou porque a União Soviética não queria fornecê-los ou simplesmente porque ela não tinha condições de produzi-los. Mais um problema copiado do Leste comunista: a burocratização.

4. Explicar os fatores que levaram a população de Cuba a manter-se solidária com a revolução, apesar de todas as vicissitudes acarretadas pelo contínuo embargo econômico dos Estados Unidos e que se agravaram após o esbarrondamento do Bloco Socialista, com o qual ela passara a manter mais de 85% do seu comércio exterior (Moniz, p. 32).

devido ao golpe de Estado que em 1964 derrubou o governo Goulart, o Brasil rompeu relações diplomáticas com Cuba.

(Moniz, p. 41-2) Naquela época, embora ainda fossem um mercado de tipo colonial, o maior mercado de tipo colonial do mundo, isto é, um país que exportava matérias-primas e importava produtos manufaturados, os Estados Unidos cresciam com uma rapidez que parecia assombrosa (primeira metade séc XIX).

(Moniz, p. 42) Os Estados Unidos, por volta de 1850, já ocupavam o quinto lugar no mundo como potência manufatureira,7 o que lhes exacerbava o ímpeto da expansão, em busca tanto de mais terras quanto de mercados e fontes de matérias-primas. A tendência para o messianismo nacional, acentuada no seu povo pela crença de ser o eleito de Deus, gerou então a ideia segundo a qual o destino manifesto dos Estados Unidos consistia em expandir suas fronteiras (...).

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(Moniz, p. 42) Os hacendados continuavam, naturalmente, a temer que a Espanha, cedendo às pressões cada vez mais fortes da Grã- Bretanha, extinguisse a escravatura na ilha. E o desejo de remover as restrições comerciais, bem como de incrementar as relações econômicas com os Estados Unidos, concorreu para alimentar e robustecer neles a ideia de tornar Cuba independente e pedir sua anexação àquele país, que já era o principal mercado tanto para as exportações de açúcar e outros produtos quanto para as importações dos bens essenciais de que necessitavam.

(Moniz, p. 56-7) Àquele tempo, setores do empresariado norte-americano começaram voltar-se para outras regiões, em virtude da depressão de 1890-93, pois se lhes afigurava que somente mercados no exterior poderiam absorver os excedentes cada vez maiores da sua produção. Ademais, embora fossem um grande espaço econômico, suficiente até mesmo para a era do imperialismo, cujo sentido da expansão, aliás, estava geograficamente determinado, conforme Rudolph Hilferding51 observou, os Estados Unidos já se confrontavam com a perspectiva de closing frontier, i.e., de que a última fronteira livre no continente desaparecera e que não mais havia terra em abundância para atender à demanda de sua crescente população. Assim, conquanto o Congresso norte-americano, juntamente com a declaração de guerra, houvesse aprovado a Teller Amendment, pela qual os Estados Unidos renunciavam a qualquer intenção de exercer “soberania, jurisdição e controle” sobre Cuba, salvo para o fim de pacificá-la, o objetivo do governo McKinley consistiu em apoderar-se não só daquela ilha, mas de tudo que ainda restava do império espanhol, tanto no Caribe quanto no Pacífico. E alcançou-o, o que sem a guerra não seria possível. Ao firmar o Tratado de Paris, em 10 de dezembro de 1898, a Espanha, além de renunciar definitivamente à soberania sobre Cuba, cedeu aos Estados Unidos, na condição de colônias, tanto o restante das Índias Ocidentais, inclusive Porto Rico, no Caribe, quanto Guam e o arquipélago das Filipinas, no Oceano Pacífico, onde o governo McKinley, naquele mesmo ano, adquirira também o Havaí.

(Moniz, p. 57) Os Estados Unidos, ao assumirem o domínio sobre o espólio colonial de Espanha, revelaram o caráter imperialista de sua política, que se equiparou à de outras potências da Europa, àquela época, e assustou os povos da América Latina. Mesmo no Brasil, o único país do hemisfério onde eles contavam com alguma simpatia,53 houve críticas ao desfecho da intervenção em Cuba. Rui Barbosa, o notável jurista que fora o primeiro ministro da Fazenda após a proclamação da república, opôs-se à Doutrina Monroe, considerada por ele uma falácia, e previu que, com a vitória dos Estados Unidos sobre a Espanha, a diplomacia europeia teria de encontrar um modus vivendi “adaptável à política imperialista da Casa Branca”.

(Moniz, p. 57-8) [os eua] estabeleceram o protetorado sobre Cuba, ao término da ocupação militar, em 1902. Seu objetivo foi criar condições para que ela se dispusesse a aceitar, voluntariamente, a anexação, razão pela qual, inter alia, a administração de Theodore Roosevelt compeliu-a a incorporar à própria Constituição uma emenda, introduzida no Army Appropriation Act de 1901 e aprovada pelo Congresso norte-americano, limitando a sua soberania. Essa emenda, inspirada por Elihu Root, secretário da Guerra, cuja redação final coubera ao Comitê do senador Orville H. Platt, não só a impedia de celebrar com outras nações tratados ou pactos de qualquer natureza, lesivos à sua independência, e contrair dívidas públicas cujos juros e amortizações não pudessem ser pagos com a própria receita, como assegurava aos Estados Unidos direito não só de intervir nos seus assuntos internos, a pretexto de “proteger a vida, a propriedade e a liberdade individuais”, como também de comprar ou arrendar partes do seu território, para estabelecer bases navais ou depósitos de carvão.56 Essas disposições da Platt Amendment foram ratificadas pelo Tratado Permanente, que Tomás Estrada Palma, elevado em 1902 à presidência de Cuba, nominalmente independente, teve de firmar, concedendo aos Estados Unidos quatro portos para depósito de carvão e a base de Guantánamo.

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(Moniz, p. 66) “Como já ocorria em Cuba, onde no período da ocupação militar terras foram vendidas a empresas norte-americanas pelo preço de 10 cents a caballeria (13,5 hectares)”. Desocupação militar ocorreu em meados de 1908(?).

outra vez ocuparam Cuba em 1917

(Moniz, p. 74) Os Estados Unidos já haviam retirado, àquela época, as tropas de Cuba (1922), da República Dominicana (1924) e da Nicarágua (1925), em face da oposição interna e da impopularidade que as sucessivas intervenções militares em países do Caribe e da América Central lhes causaram. Mantiveram, entretanto, o Haiti ocupado, e, em 1927, voltaram a invadir a Nicarágua, a fim de sufocar uma insurreição contra o governo de Adolfo Diaz, deflagrada pelo ex-vice-presidente Juan Batista Secasa e pelo general José Maria Moncada, com suposto apoio do México.

(Moniz, p. 74) A profunda crise na economia mundial, a manifestar-se, em 1929, com o estrondoso colapso da bolsa de Nova York, submeteu os Estados Unidos a uma prolongada recessão e reagravou na América Latina as contradições sociais e políticas, bem como a competição entre os interesses capitalistas, nacionais e internacionais, o que o encadeamento de golpes de Estado e revoluções, no curso da década de 1930, refletiu.

(Moniz, 1980) A aplicar teoria de que o capitalismo entrara em seu terceiro período, o do

surto revolucionário imediato, a Internacional Comunista orientava suas

seções, os partidos comunistas a ela subordinados, no sentido de que

aproveitassem a crise econômica e a instabilidade política na América Latina

para instigar levantes ou cooperar com outras forças de oposição, a fim de

ganhar a hegemonia do movimento revolucionário, como acontecia em

Cuba. Lá, o governo do general Gerardo Machado, que, eleito em 1925,

conseguira em 1929 que o Congresso lhe prorrogasse o mandato por mais

seis anos, estava a enfrentar enorme resistência por parte da opinião pública,

sob o impacto da “terrível crise econômica, sem precedentes na história de

Cuba”.39 Já em 1930, vários motins e distúrbios, com perdas de vida,

ocorreram, e uma greve geral eclodira, atendendo a uma convocação da

Confederación Nacional Obrera de Cuba (CNOC), vinculada à Internacional

Sindical Vermelha. A oposição avolumara-se tanto que, em 1931, o ministro

do Brasil em Havana, Francisco Clark, observou que:

Não fora (...) a vigilância invisível, mas sempre presente, do Governo norte-americano (...) já

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há muito teria Cuba sido presa de fratricida luta intestina, na qual se esvaeceria o rótulomesmo de selfgovernment desta democracia de farsa, ora sob férula tirânica de um disfarçadoditador, paternalmente tolerado pelo seu grande protetor do Norte, por servir-lhe os interesses materiais e políticos, dando todo o apoio e prestígio aos capitalistas yankees, queaqui decidem, com perfeito desplante, da vida social, econômica, financeira e fiscal desta“colônia autônoma”.40

(Moniz, p. 81) Segundo ele previa, o presidente Gerardo Machado não chegaria ao fim deseu mandato, que terminaria em 20 de maio de 1935, pois não era deestranhar que um movimento revolucionário, cuja eclosão estava “incubada efacilitada pela terrível miséria reinante na ilha”, viesse a ocorrer, com o“inevitável cortejo de anarquia, caos administrativo e ruína econômica, oqual provocaria uma nova intervenção norte-americana”.41 Pouco tempodepois, houve algumas tentativas insurrecionais, e entre elas uma sublevação,sob o comando do general Mário G. Menocal e do coronel Carlos Mendieta,líder da Unión Nacionalista. Todas fracassaram e o governo do generalMachado, que gastava anualmente mais de US$ 10 milhões para mantermilícias mercenárias, enquanto despendia apenas US$ 700.000 com aagricultura,42 intensificou a repressão, fuzilando estudantes e outrosadversários, sem conseguir dominar a oposição e conter os atentados abomba, bem como outros atos de terror.43 Mas os Estados Unidos, onde oPartido Democrata, com a eleição de Franklin Delano Roosevelt parapresidente, voltara ao poder, em 1933, não se dispunham a uma intervençãoarmada, em conformidade com a Platt Amendment, e enviaram novo embaixador, Benjamin Sumner Welles , que seria, segundo a expressãoutilizada para seus antecessores pelo ministro brasileiro Francisco Clark, o“verdadeiro árbitro” da situação em Cuba.44 Sua missão consistia emencontrar amistosamente uma saída para o impasse político, mediando ummodus vivendi entre o presidente Machado e as forças de oposição. E eleobteve algum êxito até o momento em que uma greve geral dos transportes,a princípio parcial, generalizou-se e estendeu-se por todo o país, a ponto deassumir caráter revolucionário, embora o Partido Comunista, que aorganizara juntamente com a CNOC, retrocedesse e ordenasse, sem sucesso,a volta ao trabalho, por temer a intervenção armada dos Estados Unidos e após alcançar um entendimento com o presidente Machado.45 Este pacto,negociado pelo dirigente sindical Rubén Martinez Villena, desacreditou o Partido Comunista e não impediu que a posição de Machado se tornasseinsustentável, pois enquanto a polícia secreta, conhecida como Porra,reprimia o povo a metralha, o Exército e a Marinha, bem como o Corpo deAviação, rebelavam-se, impondo-lhe a renúncia, reclamada igualmente peloembaixador Sumner Welles , como única fórmula para a pacificação do país.Em tais circunstâncias, não restou a Machado, como alternativa, senãoabandonar o poder, que se lhe escapara das mãos, na verdade, quando nãomais contara com o apoio das Forças Armadas e o beneplácito dos EstadosUnidos. E Carlos Manuel de Céspedes y Quesada foi indicado para ocuparprovisoriamente a presidência de Cuba, devido à mediação de SumnerWelles, responsável também pela escolha de alguns dos seus ministros.“Como era de prever, fruto que foi da interferência estrangeira” — salientou

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o diplomata brasileiro Carlos Martins Ramos em memorando ao chefe dosServiços Políticos e Diplomáticos do Itamaraty —, “não se pôde manter ogoverno”.46 Com efeito, conforme o historiador Leland Hamilton Jenksreconheceu, Cuba, livre da influência da Espanha, havia alimentado seu zelopatriótico com o sentimento antinorte-americano e sua causa estava na atividade das grandes empresas,47 cujos investimentos, conquanto seconcentrassem nas terras e na indústria de açúcar, açambarcavam igualmenteos transportes, exploração de recursos naturais, comércio de utilidades esistema bancário.48 Assim, ao mesmo tempo que os comunistas intentavam aformação de soviets em Mabay, Jaroni, Senado e Santa Lúcia, levando ostrabalhadores a ocupar diversas usinas de açúcar de propriedade norteamericana,um “movimento uniforme e irresistível da opinião públicacubana”,49 conduzido pelo Directorio Estudiantil Universitario, ABC Radical,Ala Izquierda Estudiantil, APRA (fundada em Cuba também por influênciade Haya de la Torre) e outras organizações predominantemente estudantis ede classe média, cujas reivindicações estatizantes e nacionalistas, anti-EstadosUnidos, aparentavam-nas com o socialismo, pôs termo à presidência deCarlos Manuel de Céspedes. Em 4 de setembro de 1933, cerca de trêssemanas após a queda de Gerardo Machado, os escalões inferiores doExército e da Marinha insurgiram-se, liderados pelo sargento-estenógrafo Fulgencio Batista, que convidou os dirigentes do Directorio Estudiantil aoCampo Colúmbia e com eles decidiu formar uma Junta de Governo ouComissão Executiva, com cinco membros e por isto celebrizada comoPentarquia, à qual, à noite do mesmo dia, Céspedes entregou a presidênciada República.

(Moniz, p. 83-4) De fato, as perturbações não tardaram. Em 10 de setembro, a Pentarquianomeou o professor Ramón Grau San Martin presidente provisório deCuba, por indicação do Directorio Estudiantil Universitario, e dissolveu-se,porque entrara em crise, após um dos seus membros haver promovido, sem aaprovação dos demais, o sargento Fulgencio Batista ao posto de coronel, omais alto na hierarquia do Exército cubano, com a função de chefe doEstado-Maior. Esta medida desencadeou um motim de oficiais superiores,cerca de 300, que se recusaram a acatar as ordens para apresentação, dentrode 24 horas, sob pena de deserção, e refugiaram-se no Hotel Nacional, ondeSumner Welles estava hospedado. O objetivo, segundo o Directorio Estudiantil Universitario denunciou em telegrama ao presidente do Brasil,Getúlio Vargas, era perturbar a ordem e provocar o desembarque dosfuzileiros norte-americanos.52 Mas as condições internacionais, sobretudo,não permitiram que a intervenção militar dos Estados Unidos se efetivasse. Opresidente Roosevelt lançara a Good Neighbor Policy, visando melhorar orelacionamento dos Estados Unidos com os países do continente, e estescondenaram — mais enfaticamente ainda o México e a Argentina —qualquer intervenção estrangeira em Cuba.53 A própria ingerência “amistosa”de Sumner Welles para controlar a sucessão de Gerardo Machado fora inábile repercutira negativamente na América Latina, constituindo a deposição dogoverno Céspedes sério revés para a política de Roosevelt. Entrementes, opresidente Ramón Grau San Martin conseguira restabelecer a ordem, pelomenos precariamente, em todo o país, “diminuindo o temor públicoproduzido pela imensa ostentação naval yankee nos portos cubanos”,conforme as palavras do encarregado de Negócios do Brasil em Havana,Américo Galvão Bueno.54 Mesmo assim, Roosevelt continuou a não

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reconhecer o governo de Cuba. O propósito era não permitir sua consolidação. O não reconhecimento, naquelas circunstâncias, constituíauma forma de intervenção, na medida em que encorajava a rebeldia dosoficiais superiores, que conspiravam no Hotel Nacional com SumnerWelles,55 e concorria para a instabilidade política em Cuba.Esse não era, aliás, o único problema a aluir os sustentáculos de RamónGrau San Martin na presidência. Tendências antagônicas internas estavam aaprofundar-se e a cindir-lhe a administração. De um lado, Antonio Guiteras,no cargo de secretário de Governação, tomava medidas que feriam interessesnorte-americanos e alarmavam Roosevelt. Limitara a oito horas a jornada detrabalho e confiscara duas centrais de açúcar, por causa de questão com osoperários, da mesma forma que, ao reduzir em 45% as tarifas de energia,ordenara a ocupação temporária da Cuban Electric Company. Por outrolado, o sargento Batista, como coronel-chefe do Estado-Maior, impedia aefetivação do programa do Directorio Estudiantil Universitario, “de feiçãoradical-comunista”,56 como era percebido, e liquidava em todo o país as manifestações comunistas.

(Moniz, p. 85-7) Ramón Grau San Martin,no entanto, não se manteve por muito mais tempo na presidência.Convencido de que os Estados Unidos não lhe reconheceriam o governo, ocoronel Batista, que como chefe do Estado-Maior das Forças Armadasdetinha de fato o poder, forçou-o a renunciar em 14 de janeiro de 1934 ecolocou no cargo de presidente provisório de Cuba, ocupado durante doisdias pelo engenheiro Carlos Hevia, o coronel Carlos Mendieta, chefe daUnião Nacionalista. Em menos de uma semana, Roosevelt reconheceu-lhe ogoverno e com ele negociou não só um novo Tratado de Reciprocidade, como um novo Tratado de Relações, mediante o qual os Estados Unidosacordaram a ab-rogação da Platt Amendment, efetivando a doutrina de quenenhum Estado tinha o direito de intervir nos assuntos internos de outro,que a Conferência pan-americana de Montevidéu, em fins de 1933,estabelecera, ao aprovar a Convenção de Direitos e Deveres dos Estados.A Good Neighbor Policy de Roosevelt, propiciando a ab-rogação da PlattAmendment, não significou o fim da intromissão dos Estados Unidos nosassuntos internos de Cuba. Apesar de que as forças de Batista, em março de1935, reprimissem violentamente uma greve geral, organizada pela oposição,e assassinassem seu mais perigoso adversário, Antonio Guiteras, aos quais ostrotskistas se juntaram no movimento Joven Cuba, o governo do coronelMendieta não se consolidou. O diplomata brasileiro Edgard Fraga de Castro,após reportar que “a influência dos EUA provocou, facilitou ou amparou”,sucessivamente, a queda do presidente Gerardo Machado, a escolha doefêmero governo Céspedes e a derrubada do governo Grau San Martin, “oúnico de origem exclusivamente cubana e ao qual o Departamento deEstado, aconselhado por Sumner Welles , recusou o reconhecimento”,informou ao Itamaraty que o governo Mendieta, “impopular, conservador”,só se manteve graças ao apoio do coronel Batista, por “inspiração” doembaixador norte-americano Jefferson Caffery, até o dia em que a “mesmainspiração” o obrigou a entregar o poder a José A. Barnet, escolhido parareger as eleições presidenciais, em janeiro de 1936.60 E Caffery, naquelasituação, sentia-se ainda no “dever tutelar” de fazer declaração à imprensa“inconcebível de se conceber em um país soberano”,61 conforme Fraga deCastro observou, salientando que Cuba, um país pequeno, mas “imensa e

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absurdamente rico”, vivia “debaixo de um jugo econômico mais duro do queo jugo político”, submetido à “irrespondível ameaça de fechamento domercado norte-americano para o seu açúcar, o que significaria a miséria e ocaos”.62 “Excluídos os EUA”, Fraga de Castro aduziu, o “verdadeiro poder”em Cuba pertencia ao coronel Batista, que dispunha de 16.000 soldados, “oExército maior, mais bem pago de toda a história deste país”, e em cujosdiscursos era “difícil encontrar uma linha mestra, uma inclinação clara para adireita ou para a esquerda”, pois os conceitos emitidos poderiam sersubscritos por fascistas ou comunistas, quando não redundavam emgeneralidades demagógicas.63 Contudo, ele, o “Cônsul” Batista, na expressãodo diplomata brasileiro, jamais arriscaria “causar dano à República”, ou seja,aos Estados Unidos,64 e por esta razão, instalado na vila militar de Colúmbia,“uma das casernas mais luxuosas do mundo”,65 continuou a mandar edesmandar no país. Miguel Mariano Gomez foi eleito presidente em janeirode 1936 por três partidos, com seu apoio e o beneplácito de Caffery. Masnão conseguiu permanecer muito tempo no governo. Antes de completar umano de mandato, por contrariar interesses do Exército, teve de renunciar. Ovice-presidente Frederico Laredo Brú substituiu-o.