Crônicas da vida privada 15

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A vida é matéria-prima para quem se arrisca no universo da crônica. É um simples guarda-chuva, um pernilongo, ou mesmo um tema tão complexo como a morte. Pode ser algo tangível, concreto, mensurável ou mesmo, difuso, utópico, quimérico. A crônica é assim, fruto de um observar constante de tudo o que nos faz seres vivos e complexos, tão iguais e simultaneamente tão diferentes.

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São Paulo 2015

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Capa Nome do Capista

Diagramação Jacilene Moraes

Revisão Ingrid Oliveira

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TRAIÇÃO

Depois de tanto tempo convivendo juntos, não ima-ginava que aconteceria. Afinal, sempre fomos tão próxi-mos. Ela nunca saiu da minha cabeça e é responsável por muitas lembranças inesquecíveis.

O primeiro encontro, o primeiro beijo, o casamen-to, as viagens...

Como isto pode ocorrer? Eu sempre confiei nela.

Irão dizer para tentar me consolar: “olha, acontece com todo mundo e mais cedo ou mais tarde iria aconte-cer com você”. Sei que é verdade.

Mas, qual o motivo?

Será que é o fato de já não ser mais tão jovem?

Será que não cuidei dela como deveria?

Perguntaram-me se continuaremos a viver juntos.

E vou fazer o quê, se ela faz parte de mim.

Sem ela, não sei quem sou, nem o que fiz.

Vamos continuar vivendo juntos, mesmo tendo a cer-teza que, a qualquer momento, poderá ocorrer novamente.

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Se isto aconteceu uma vez, não tenho dúvida que a situação poderá piorar ainda mais com o passar do tempo.

Qual o remédio?

Sinceramente não sei.

Talvez eu vá procurar um médico, ou, quem sabe, amanhã já terei esquecido...

O fato é: o que fazer quando somos traídos pela memória?

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VIROSES

Se você é da época que quando ficava com defluxo, ou seja, gripado, bastava um chazinho, ou uma bebera-gem preparado por sua mãe, ou sua avó, sinto em lhe dizer que as doenças mudaram muito.

Por exemplo, essa gripe que engripou o mundo glo-bal. Quando ela atinge as classes sociais mais influentes, é chamada de influenza A, ou seja, gripe para pessoas in-fluentes da classe A. Em outras palavras, uma gripe com grife. Mas, se você for de classe social com menor poder aquisitivo, que é como os ricos chamam os pobres, aí, não tem jeito, é gripe suína mesmo. É uma gripe tão refinada que exige luva e máscara para ser evitada. Aliás, supera até os doutores da igreja. Em alguns templos, foi solicitado aos fiéis que eles se cumprimentassem apenas com um aceno de mão ou de cabeça, para evitar o contato físico. Ou seja, confie em Deus, mas desconfie da gripe. Quer outro exemplo? Antigamente quando uma pes-soa se sentia cansada demais, com “excesso de costu-ra”, quer dizer de trabalho, dizia-se que ela estava com estafa. Qualquer coisa, ela tinha um chilique, quer dizer, uma crise nervosa. Nos dias atuais, o mesmo

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sintoma ganhou uma palavra mais nobre: estresse. Se preferir diga stress, fica très chic. Mas tome cuidado, o stress pode provocar queda na imunidade e você po-derá contrair a influenza A. Em outras palavras, a es-tafa pode deixar você fraco para pegar a gripe suína. Outra moda de hoje é a tal da virose. Ela pode ser atri-buída a qualquer doença quando não se descobre a causa. O médico virou você de bruços, virou você de lado, virou você de frente e não descobriu a doença? Nem bem você virou as costas e ele lhe dá o diagnóstico: “Você está com virose!”.

O mundo das doenças está cada vez mais difícil de ser traduzido. Por tudo e em caso de dúvidas, o Minis-tério da Saúde, adverte: não desaparecendo os sintomas, procure um médico, acompanhado de um dicionário.

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EM NOME DOS FILHOS

Existem assuntos muito sérios que todo mundo acha graça. Um deles: nomes estranhos. Tudo bem. Quem é que não sorri quando fica sabendo que um me-nino tem o nome de Hericlapiton – homenagem dos pais ao guitarrista britânico Eric Clapton. Ou que uma mulher ganhou o nome de Jafa Lei, pois, ao que consta, a pessoa do cartório perguntou qual o nome da filha e a mãe respondeu: “Já falei!”.

A lista é imensa: Welison Isnaipi (Wesley Snypes), Suasneguer (Schwarzenegger), Tospericagerja (em ho-menagem à seleção do tri: Tostão, Pelé, Rivelino, Car-los Alberto, Gerson e Jairzinho), Ava Gina (em home-nagem a Ava Gardner e Gina Lolobrigida), Madenusa (Made in USA)... Uma piada diz que índio, por exem-plo, dá nome aos filhos pela primeira coisa que a mãe vê quando acaba de dar à luz. Assim, Lua Brilhante, Águia Dourada e Burro Cagando. 

Embora seja cômico, o assunto é extremamente sé-rio, pois os pais geralmente não pensam no preço que os filhos irão pagar ao longo da existência por terem nomes, no mínimo, diferentes. 

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Muitos alegam que isso acontece geralmente com as pessoas mais simples que buscam homenagear seus ídolos, através dos filhos. Pode ser. Mas, artistas de renome tam-bém fazem isto. A cantora Baby do Brasil (Baby Consuelo) consultou os “astros” para dar nomes aos filhos e Rá!: Sa-rah Sheeva, Zabelê, Nana Shara, Kriptus Rá Baby, Krish-na Babye e Pedro Baby. Vale lembrar também de nomes reais para duplas sertanejas: Atleta e Treinador, Domyngo e Feriado, Conde e Drácula, Bátima e Robson...

“Ustrudia” convidei um amigo para formarmos uma dupla sertaneja. A novidade era que faríamos ape-nas um som instrumental. Em virtude desta proposta, sugeri o nome: Estrume e Ental. Não deu certo porque ele queria ser o Ental.

Se pessoas mais simples homenageiam seus ídolos com nomes complicados para seus filhos, o que acon-tece atualmente com as pessoas, digamos, de classe so-cialmente privilegiada? Aí o problema é outro. Busca-se a simplicidade, porém, com algum diferencial, ou seja, simples, porém, complicado e igual, porém, diferente. É um acento a mais, uma letra a mais. Assim, Ana, ga-nha um “ene” a mais: Anna, ou mesmo, Anne. Maria, recebe um “y”: Marya.

Há que se refletir ainda que, atualmente, o nome tem uma referência direta com o mundo digital. O e--mail passou a ser o endereço das pessoas. Daí, a dificul-dade passa a ser real no mundo virtual. Um “l” a mais, um “t” a mais, isto sem comentar os nomes “gozados”, passam a ser um problema no universo cibernético.

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E quem é que sofre as consequências das inconsequências dos pais? Os filhos. São eles que serão ridicularizados em sala de aula, em entrevistas de emprego, em qualquer situação que tiverem que pronunciar seus nomes. Sentirão vergonha e terão que explicar várias vezes a grafia ou mesmo, a pronúncia correta. Geralmente, para disfarçar, optarão pelo apelido ou por reduzirem o nome, como Bucetildes, chamada, pelos familiares, de Dona Tide. Então, senhores pais, pensem muito ao legarem aos filhos nomes que julgam ser interessantes. Lembrem-se: todo mundo poderá achar graça, menos seu próprio filho.

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VOTO VENCIDO

O Brasil é um país fantástico e de muitos contrastes. Somos, por exemplo, referência internacional em sistema eleitoral, principalmente em razão das nossas urnas ele-trônicas. Aqui, até a boca de urna já vem equipada com aparelho ortodôntico. Por isto, me espantei, como todo mundo, ao receber tempos atrás a notícia de que o título de eleitor não seria aceito para votar, porque não tinha foto. Pensei como todos: “Mas, se não é para isto, pra que serve o título?”. E se foto realmente é tão importante as-sim, modelo fotográfico tem prioridade na hora do voto. É só levar o book. Candidato também não precisa levar documento. É só apresentar o santinho. Concluí: A zona eleitoral ganhou mais justificativas.

Bem, mas lei é lei. Cumpra-se. E lá fui eu votar, e no caminho, e para rimar, raciocinando: “Qual documento apresentar?” A carteira de identidade tinha minha foto, mas nela, estou mais feio que candidato de ficha suja. A carteira profissional também, porém, o emprego dela para votar não seria ético, já que o desemprego tem se revelado alto no país. Entre estas minhas dúvidas existen-ciais, sobrou apenas a carteira de habilitação. 

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Então, imaginei a cena. Eu entrando no local de vo-tação e o mesário perguntando: “O senhor está habilitado para votar?”. “Claro, eis aqui minha carteira de habilita-ção”. E não é que tinha tudo a ver? A partir daí, ampliei a reflexão. Por que não realizar uma campanha publicitária incentivando a apresentação da carteira de motorista na hora do voto? Poderiam ser criados alguns slogans. “Co-loque o país na direção certa. Para votar, apresente sua carteira de habilitação”. Ou então: “Não seja um ponto morto. Com sua carteira de habilitação, o Brasil vai pe-gar a marcha do crescimento. Vote”. Para quem gosta de rima, vai lá: “Para votar em um país de primeira, apresen-te a sua carteira”. E outro: ”Na eleição, não vote na contra mão. Apresente sua carteira de habilitação”.

Outro ponto positivo veio ao encontro da minha ideia. A carteira de habilitação seria ainda mais perfeita para o voto em trânsito. Sensacional! Depois dessas diva-gações, estacionei o carro em vaga próxima à minha seção eleitoral e lá fui eu, caminhando contra o vento, sem len-ço e com documento, como um candidato já eleito. Che-guei para o mesário e todo cheio de si em mim mesmo, apresentei minha carteira de habilitação. Já estava quase entrando na cabine, quando o mesário disse: “O senhor não poderá votar”. Surpreso, perguntei: “Mas, como? Não tem que apresentar um documento com foto? Taí minha carteira de habilitação com a minha foto. Sou eu mesmo.” Ao que o mesário retrucou. “Eu sei senhor. Po-rém, sua carteira está vencida”. Fui voto vencido.

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A.I./D.I

Existem descobertas que provocaram grandes revo-luções no mundo, como a televisão, o telefone, o auto-móvel, o clipe, o palito de dente e o bidê (hein?). Segun-do cientistas, excetuando-se a escrita, a maior invenção de todos os tempos, a roda, surgiu há 5.500 anos. Sem ela não teríamos muitas outras invenções derivativas e, claro, não haveria a roda de amigos, a brincadeira de roda, a roda de samba etc. Mas, chega de rodeios.

Na roda vida da história, até os dias atuais, somen-te outro invento, tem tanta ou mais importância para o mundo: o computador. Após muitos anos de aperfeiçoa-mento, o computador, tal como o conhecemos hoje, foi desenvolvido pela Marinha dos Estados Unidos, durante a Segunda Guerra Mundial. (Interessante, irônico, ou to-talmente desnecessário, refletir que hoje falamos em “na-vegar”, o que tem tudo a ver com a Marinha, pescou?). Como um cérebro eletrônico composto por software (programa) e hardware (componentes físicos), a invenção criou também duas classes universais: a dos excluídos e a dos incluídos digitais.

Hoje, quem quer estar no top, deve possuir necessa-riamente e no mínimo, um laptop ou um palmtop. Apro-

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veitando o filão (e põe fila nisto), milhões de incluídos ganharam e ganham bilhões com a venda de computa-dores e programas. Quer dizer, nem todos. Um amigo tentou aproveitar a onda da revolução digital e começou vendendo hardware. Boiou. Tentou de novo, comer-cializando software. Naufragou. Atualmente, ele é um bem sucedido vendedor de tupperware – outra criação americana de grande sucesso mundial que foi idealiza-da no mesmo período dos computadores. Mas, além do computador e até como subproduto deste, outra criação humana revolucionou todo o comportamento, a cultura, os relacionamentos pessoais e profissionais: a quitinete, perdão, a internet. Uma rede mundial, que tem como um dos seus idealizadores de destaque, o engenheiro bri-tânico Tim Berners-Lee, a quem é creditada a criação da Word Wide Web (WWW), nos anos 90. Convenhamos que ele poderia ter facilitado para nós brasileiros, criando uma sigla mais fácil, pois quem é que não se enrola ao usar o lábio para falar dáblio, dáblio, dáblio?

Dos anos 90 para cá, o mundo virtual se apoderou do mundo real. Uniões e separações conjugais acontecem na e em razão da Web. Facebook, Twitter e Orkut, apenas para citar três portais de relacionamento, se tornaram o ponto de encontro (e desencontro) de bilhões de pessoas no mundo. Vendas, contratos bilionários, dissoluções e associações de empresas, seguem o mesmo destino.

A internet se tornou imprescindível no cotidiano das empresas e das pessoas. Já não somos cidadãos, so-mos internautas. Não caminhamos mais pelas ruas. Na-