CRÓNICAS 15 6 de Setembro de...

8
CRÓNICAS 15 Domingo 6 de Setembro de 2020 SEGUIR EM FRENTE COM A VIDA O novo normal e o “guerreiro ninja” O tempo urge e a vida exige acção: o “guerreiro ninja” não pode ficar parado e vai se infiltrando no novo normal para poder suprir as necessidades básicas, mentais e afectivas Tânia J. A Costa |* Saímos de casa, subimos para o carro ou candongueiro e vamos para o nosso novo normal, incorporados como guerreiros ninja e prontos para a batalha assustadora contra o invisível. O guerreiro ninja sai todos os dias equipado com o seu kit de guerra: álcool-gel, máscara, luvas, incertezas e ansiedades. O novo normal veio para ficar, e o guerreiro ninja é obri- gado a adaptar-se e a reinventar- se nesse novo normal onde a era digital tornou-se omnipresente e as emoções apoquentadas pelas ro- tinas diárias totalmente modificadas. Sejamos claros: é preciso en- tender o novo normal para poder atendê-lo, e seguir em frente com a vida equipados com um kit de guerra. Lentamente, com alguma resistência, o guerreiro ninja vai se acostumando com o kit de guer- ra, não por ser agradável, mas por oferecer a segurança de não ser apanhado desprevenido nesta guer- ra quotidiana contra o invisível. O kit de guerra do novo normal é o padrão que garanta a sobrevivência e passa a ser assimilado de forma indolor pelo ninja guerreiro. O padrão da normalidade passa a ser a segurança e a sobrevivência: as pessoas não querem parar de crescer e as sociedades negam-se a deixar de produzir. No entanto, enquanto uns dormem e se aco- modam na vitimização, pensando que tudo vai passar, os ninjas guer- reiros que estão vigilantes entendem a gravidade e começam a agir sa- bendo que nada será como o velho normal. “O velho ficou no velho”. Ou seja, dito de outra maneira, co- mo afirma Alvim Toffler: “o anal- fabeto do século XXI não será aquele que não consegue ler e escrever, mas aquele que não consegue de- saprender e reaprender”. Vamos aprender a reinventar com um modelo arquitectado e fundamentado pela necessidade de segurança e sobrevivência, desse modo começaremos a lidar com menos ansiedade do novo, aprendendo a gerir o estresse e a fortalecer a estrutura emocional. O tempo urge e a vida exige acção: o guerreiro ninja não pode ficar parado e vai se infiltrando no novo normal para poder suprir as necessidades básicas, mentais e afectivas. O momento que vivenciamos nos obriga a sermos exploradores de novos palcos, novas maneiras de pensar, agir e reagir. O guerreiro escolhe viver o agora, encarando a realidade, pois só assim ele acre- dita fazer parte da nação que produz e está em constante busca de uma solução para o Novo nessa era da transformação digital. Abrace o novo normal, aceite a realidade: seja um ninja guerreiro com o kit de sobrevivência e voe para viver a vida com o invisível. *Consultora de carreira e negócios O antro da Infelicidade Pedro Kamorroto |* Todos os santos ou diabos dias, espólios de paraíso me sucumbem, a reputada coroa da infâmia tol- da-me a mente como se de uma queimada com proporções ama- zónicas se tratasse. As palavras continuam silentes ou no pior dos cenários, mudas, e as premonições que deviam servir de referencial como estrelas no firmamento, parece que dei- xaram de ser aquecidas pela ter- modinâmica do temporal, parece que deixaram de ser a devassa areia na ampulheta. Já não procuro no palheiro da vida a melhor versão de mim mesmo e que a deficitária leitura de mim não me impeça de ler os outros. Dói-me concluir que há uma estridente falta de leitura (gene- ralizada) de nós mesmos. De chofre, ao cirandar sem pres- sa no imo da noite escura, vi a partir da minha limitada cosmo- visão, que tudo me é forasteiro nesta gleba que é fértil em manias de grandeza, fértil em tudo, menos em desenvolvimento sustentável. Do cavalo dos sonhos caio vezes sem fim, não adiei os sonhos, os sonhos assustadores é que me adia- ram, reduziram-me ao pó do nada até ao ponto de me transfigurarem em carne viva do descaso. Quem eu sou no plano concreto? Uma carapaça de metal ou uma enxertia a paliar metamorfose antes da meta (a)mor fosse quem fosse? De tudo que não fui, hoje sinto falta. Percepções equivocadas di- laceram a minha já funesta e ca- lejada (pouca) libido de viver. Nunca foi minha intenção ao dar forma, sopro de vida, ao ajustar as (minhas) necessidades aos meus interesses, ofender deuses. Não sei lidar comigo mesmo, com os meus demónios internos quanto mais com o próximo mais próximo? Estou nem aí para a ener- gia da dopamina vinda das in- fluências exógenas. Mestre na arte de assassinar euforias cavalares disfarçadas de expectativas, náuseas colectivas sustentadas pelo pêndulo de cer- tas convenções. Onde estará a infelicidade? Quem a vir por aí, ainda que for no sanatório da amargura, tragam-na até mim. Onde estará a adiposa infelici- dade? Já que a felicidade e a au- to-estima (com ou sem fantasias) andam por aí a desfilar nos out- doors publicitários, têm tempo de antena na rádio, na TV e nas revistas cor-de-rosa, aparecem disfarçadamente em workshops, palestras, coachings, nos cosmé- ticos e nas fórmulas milagrosas de uma feição física ideal. Quem ousar ser mercador da infelicidade, ainda que for neófito, apresente-se. Estou disposto a pagar pelo preço justo. Não vivo numa redoma, mas às vezes custa-me sair de mim para abraçar e deitar-me com o mundo. É assaz perigoso. O terror dos tempos actuais não é um doido varrido armado que atira para os seus alvos alea- tórios ou pré-definidos sem dó nem piedade, mas sim o internauta solitário e frustrado, numa rede prenhe de amigos oriundos de todo canto do vasto universo, vê os seus intentos gorados até ao ponto de sentir um vazio existen- cial, de desenvolver depressão, ansiedade crónica não (psic)ana- lisada no divã de Freud. Dói-me ver um simples mortal como eu a viver somente sob os desígnios ditatoriais desses algo- ritmos suportados por uma inte- ligência dita artificial. O antro que habito precisa de uma tocha mais humanista. Luanda, Golfe 1, aos 9.2.2020 | EDIÇÕES NOVEMBRO “QUEM EU SOU?”

Transcript of CRÓNICAS 15 6 de Setembro de...

Page 1: CRÓNICAS 15 6 de Setembro de 2020imgs.sapo.pt/jornaldeangola/img/1088141187_fim-de-semana_06.09.… · Em 2016 o trabalho de Filipe Candondo na Rádio Viana ganhou notoriedade, tendo

CRÓNICAS 15Domingo6 de Setembro de 2020

SEGUIR EM FRENTE COM A VIDA

O novo normal e o “guerreiro ninja”O tempo urge e a vida exige acção: o “guerreiro ninja” não pode ficar parado e vai se infiltrando no novo normal

para poder suprir as necessidades básicas, mentais e afectivas

Tânia J. A Costa |*

Saímos de casa, subimos para o carroou candongueiro e vamos para o nossonovo normal, incorporados comoguerreiros ninja e prontos para a batalhaassustadora contra o invisível.

O guerreiro ninja sai todos os diasequipado com o seu kit de guerra:álcool-gel, máscara, luvas, incertezase ansiedades. O novo normal veiopara ficar, e o guerreiro ninja é obri-gado a adaptar-se e a reinventar-se nesse novo normal onde a eradigital tornou-se omnipresente eas emoções apoquentadas pelas ro-

tinas diárias totalmente modificadas. Sejamos claros: é preciso en-

tender o novo normal para poderatendê-lo, e seguir em frente coma vida equipados com um kit deguerra. Lentamente, com algumaresistência, o guerreiro ninja vaise acostumando com o kit de guer-ra, não por ser agradável, mas poroferecer a segurança de não serapanhado desprevenido nesta guer-ra quotidiana contra o invisível. Okit de guerra do novo normal é opadrão que garanta a sobrevivênciae passa a ser assimilado de formaindolor pelo ninja guerreiro.

O padrão da normalidade passaa ser a segurança e a sobrevivência:as pessoas não querem parar decrescer e as sociedades negam-sea deixar de produzir. No entanto,enquanto uns dormem e se aco-modam na vitimização, pensandoque tudo vai passar, os ninjas guer-reiros que estão vigilantes entendema gravidade e começam a agir sa-bendo que nada será como o velhonormal. “O velho ficou no velho”.Ou seja, dito de outra maneira, co-mo afirma Alvim Toffler: “o anal-fabeto do século XXI não será aqueleque não consegue ler e escrever,

mas aquele que não consegue de-saprender e reaprender”.

Vamos aprender a reinventarcom um modelo arquitectado efundamentado pela necessidadede segurança e sobrevivência,desse modo começaremos a lidarcom menos ansiedade do novo,aprendendo a gerir o estresse ea fortalecer a estrutura emocional.O tempo urge e a vida exige acção:o guerreiro ninja não pode ficarparado e vai se infiltrando nonovo normal para poder supriras necessidades básicas, mentaise afectivas.

O momento que vivenciamosnos obriga a sermos exploradoresde novos palcos, novas maneirasde pensar, agir e reagir. O guerreiroescolhe viver o agora, encarandoa realidade, pois só assim ele acre-dita fazer parte da nação que produze está em constante busca de umasolução para o Novo nessa era datransformação digital.

Abrace o novo normal, aceite arealidade: seja um ninja guerreirocom o kit de sobrevivência e voepara viver a vida com o invisível.

*Consultora de carreira e negócios

O antro da Infelicidade Pedro Kamorroto |*

Todos os santos ou diabos dias,espólios de paraíso me sucumbem,a reputada coroa da infâmia tol-da-me a mente como se de umaqueimada com proporções ama-zónicas se tratasse.

As palavras continuam silentesou no pior dos cenários, mudas,e as premonições que deviamservir de referencial como estrelasno firmamento, parece que dei-xaram de ser aquecidas pela ter-modinâmica do temporal, pareceque deixaram de ser a devassaareia na ampulheta.

Já não procuro no palheiro davida a melhor versão de mim mesmoe que a deficitária leitura de mim

não me impeça de ler os outros. Dói-me concluir que há uma

estridente falta de leitura (gene-ralizada) de nós mesmos.

De chofre, ao cirandar sem pres-sa no imo da noite escura, vi apartir da minha limitada cosmo-visão, que tudo me é forasteironesta gleba que é fértil em maniasde grandeza, fértil em tudo, menosem desenvolvimento sustentável.

Do cavalo dos sonhos caio vezessem fim, não adiei os sonhos, ossonhos assustadores é que me adia-ram, reduziram-me ao pó do nadaaté ao ponto de me transfiguraremem carne viva do descaso.

Quem eu sou no plano concreto?Uma carapaça de metal ou uma

enxertia a paliar metamorfose antesda meta (a)mor fosse quem fosse?

De tudo que não fui, hoje sintofalta. Percepções equivocadas di-laceram a minha já funesta e ca-lejada (pouca) libido de viver.

Nunca foi minha intenção aodar forma, sopro de vida, ao ajustaras (minhas) necessidades aosmeus interesses, ofender deuses.

Não sei lidar comigo mesmo,com os meus demónios internosquanto mais com o próximo maispróximo? Estou nem aí para a ener-gia da dopamina vinda das in-fluências exógenas.

Mestre na arte de assassinareuforias cavalares disfarçadas deexpectativas, náuseas colectivassustentadas pelo pêndulo de cer-tas convenções.

Onde estará a infelicidade? Quema vir por aí, ainda que for no sanatório

da amargura, tragam-na até mim. Onde estará a adiposa infelici-

dade? Já que a felicidade e a au-to-estima (com ou sem fantasias)andam por aí a desfilar nos out-doors publicitários, têm tempode antena na rádio, na TV e nasrevistas cor-de-rosa, aparecemdisfarçadamente em workshops,palestras, coachings, nos cosmé-ticos e nas fórmulas milagrosasde uma feição física ideal.

Quem ousar ser mercador dainfelicidade, ainda que for neófito,apresente-se. Estou disposto apagar pelo preço justo.

Não vivo numa redoma, mas àsvezes custa-me sair de mim paraabraçar e deitar-me com o mundo.É assaz perigoso.

O terror dos tempos actuais

não é um doido varrido armadoque atira para os seus alvos alea-tórios ou pré-definidos sem dónem piedade, mas sim o internautasolitário e frustrado, numa redeprenhe de amigos oriundos detodo canto do vasto universo, vêos seus intentos gorados até aoponto de sentir um vazio existen-cial, de desenvolver depressão,ansiedade crónica não (psic)ana-lisada no divã de Freud.

Dói-me ver um simples mortalcomo eu a viver somente sob osdesígnios ditatoriais desses algo-ritmos suportados por uma inte-ligência dita artificial.

O antro que habito precisa deuma tocha mais humanista.

Luanda, Golfe 1, aos 9.2.2020

| EDIÇÕES NOVEMBRO

“QUEM EU SOU?”

Page 2: CRÓNICAS 15 6 de Setembro de 2020imgs.sapo.pt/jornaldeangola/img/1088141187_fim-de-semana_06.09.… · Em 2016 o trabalho de Filipe Candondo na Rádio Viana ganhou notoriedade, tendo

VIDA16 Domingo6 de Setembro de 2020

“A rádio na minha vida”

Acontecimento

A paixão pela rádio sur-giu-lhe há uma década,precisamente em 2010.Na época, ainda estudantedo ensino médio, Filipesocorria-se dos programasde entretenimento parapassar o tempo, sobretudoquando fazia pequenosbiscates. Foi num momen-to inusitado, numa tarde,que se viu estimulado atentar a sorte. “Estava aajudar o meu irmão a cons-truir um quarto no quintalde casa, quando ouvi a pu-blicidade de um concursode imitação”.

Sem experiência, Filipeparticipou no concurso esaiu vencedor, superandoa concorrência de 29 outrosfinalistas. Como prémiofoi contemplado com umcurso prático de locuçãoe um estágio na Rádio Via-na, onde depois passou acolaborador do programa“Rompimento FM”, espe-cializado em música Ku-duro. Pouco tempo depois,foi promovido a apresen-tador. Apostou tambémna carreira de mestre decerimónia e em cursos in-tensivos de jornalismo elocução. “Tenho o LuísCandeias Magalhães comomeu mentor, porquantoo que sei de jornalismo foipago e passado por ele”.

Em 2016 o trabalho deFilipe Candondo na RádioViana ganhou notoriedade,tendo sido solicitado a apre-sentar vários outros pro-gramas, nomeadamente“Hora de Relaxe”, de segun-da a sexta-feira, “Mizangala”(sextas-feiras), “Está a Bater”e “Viana Cultural” (aos sá-bados) e “Rompimento FM”(aos domingos).

Fundou, ainda, a rubrica“Mais Quente”, de repor-tagens em festas. A rubricaviria a ser abortada peladirecção da Rádio, quandoo repórter sofreu váriasameaças de organizadoresde eventos.

“Cheguei a ser amadoe odiado pelo meu traba-lho. Tive problemas commuitos organizadores deeventos em Viana. A rubricaabordava tudo o que sepassava no interior dasfestas e a publicidade en-ganosa era veementemen-te denunciada. Os cantorespassaram também a mever como inimigo, porqueera a mim que pesava aresponsabilidade de filtraras músicas com qualidadepara passar no programaRompimento FM”.

O vínculo que ligava Fi-lipe Candondo à Rádio Via-na quebrou-se em 2018,após cessação do contratocom os quadros que tra-balhavam em regime decolaboração. “No final domeu vínculo era remune-rado à expensas do própriodirector, em gratidão pelomeu esforço”. Apesar detudo, Candondo tem gran-de consideração pela RádioViana, “por ter-me abertoas portas e ensinado quasetudo o que sei sobre rádio”.

Aos 29 anos, Filipe Candondo é o mais novo apresentador do programa “Estrada da Música”,da Rádio LAC. O radialista começou a carreira aos microfones da Rádio Viana, onde chegou a

apresentar cinco programas ao mesmo tempo

Roque Silva

Em Setembro do ano pas-sado, a vida de Filipe Can-dondo d eu um sa l t osignificativo. Até então, asua história resumia-se aquedas, oportunidades per-didas e interrupções nos pro-jectos. Mas um convite portelefone mudou o rumo dasua vida. Desempregado, Fi-lipe Candondo estava em casaquando recebeu da RádioLuanda Antena Comercial umconvite para a condução doprograma “Estrada da Música”.Com 16 anos de existência,este programa vai ao ar todosos domingos, entre as 16 e as17 horas, com entrevistas, no-tícias e outras rubricas.

O jovem aceitou o desafioproposto pelo realizador ZitoCândido e interrompeu o pe-ríodo de má memória, mar-cado pelo desemprego.“Apanhei tantas quedas... Porisso, pensei que fosse brin-cadeira ou uma ligação co-mum. Mas era a oportunidadeque há muito esperava”.

Actualmente com 29 anosde idade, Filipe Candondoé o mais novo apresentadordo programa de entreteni-mento cujo propósito é a pro-moção da música angolanae dos seus protagonistas.“Aprovei no grande teste quefoi a primeira emissão doprograma conduzido pormim. Encaro essa tarefa com

muito profissionalismo. Pe-lo programa passaram pro-fissionais que hoje sãoreferências do entreteni-mento radiofónico, comosão os casos de Moisés Luíse Gabriel Niva”.

Filipe Candondo diz querecebe mensagens de feli-citações e críticas de todosos cantos do mundo. “Fiqueiemocionado quando umamigo de longa data escreveude Bruxelas, dizendo quechorou depois de ter escutadoa minha voz. Mas prefiro ascríticas, porque me tornamum vencedor”.

Amante do entretenimen-to e da leitura, Candondo al-meja chegar um dia aosprogramas de informação.

Criança sóFilipe Candondo nasceu em1991, na província do Huam-bo. Na infância não teve ami-gos. A sua vida era lavra casae vice-versa. “A vida naCaála era razoável, mas asfamílias receavam que aguerra se estendesse, de talmodo que a minha infânciafoi muito fechada. Quasenão brinquei. Sempre andeisozinho, sem pessoas daminha idade à volta”.

Quando completou seisanos a rotina se alterou, coma sua inclusão no sistemade ensino.

Aos oito anos, na com-panhia do pai, Filipe Can-dondo u l t rapa s s ou a s

fronteiras do Huambo, fu-gindo à guerra a bordo deum avião cargueiro. O pai,militar das FAPLA, perderauma perna na guerra e re-ceava o agravamento e a ex-tensão do conflito armadopara o município da Caála,onde residiam. O voo foitranquilo. Filipe Candondochegou a Luanda como re-fugiado, com uma única mu-da de roupa. Para trás ficaramoutros sete irmãos e a mãe,por falta de espaço no avião.

“Viajámos como carga,por cima uns dos outros. Omeu pai temia pela nossasegurança, acreditava queéramos alvos a abater, poisele pertencera ao braço ar-mado do Governo”.

Viver na EstalagemO primeiro destino de FilipeCandondo em Luanda foi aresidência de um tio no MorroBento, onde Filipe viveu pordois anos. Desse tempo, pou-co fala, pois não tem grandesrecordações. A família voltoua reunir-se em 2001, após achegada da mãe e dos irmãosa Luanda.

O reencontro foi uma se-gunda oportunidade paraa família voltar a viver comotal, numa casa arrendadano bairro da Estalagem, on-de permanece até hoje.“É na Estalagem onde co-meçou, de facto, a minhavida e construí a minhapersonalidade”.

Nos primeiros anos, a vi-vência no também chamadoKm 12, em Viana, não foi fá-cil. A azáfama da capital as-sustava a família provinciana.A vida era muito cara e todostinham dificuldades de adap-tação. A família sobreviviacom os lucros do negócioque a mãe desenvolvia nu-ma pequena bancada mon-tada num mercado informaldo bairro e do pouco que opai enviava do Huambo. Osproventos chegavam apenaspara comer. Filipe, aindapequeno, mas já destemido,passou a ajudante de pe-dreiro. “Também queriaajudar com o pouco que ga-nhava”, disse.

O regresso ao sistema deensino foi adiado por váriosanos, por falta de condiçõesfinanceiras. A cada ano, umúnico membro da famíliaera matriculado. João Vic-torino, o mais velho, foi oprimeiro. Os outros recebiamexplicações debaixo de umembondeiro. Sentavam-seem latas. A vez de Filipe co-meçar a estudar foi marcadapor anulações de matrículas,face às dívidas acumuladas.“Só estudámos em colégios,por causa dos negócios àvolta dos processos de ma-trícula nas escolas do Estado.As dificuldades em pagarpropinas fizeram-me viajarpor vários cursos, até o deCiências Económicas e Ju-rídicas, concluído em 2012”.

Luz no fundo do túnelAjudar a família e custear asua própria formação supe-rior eram os principais de-sígnios de Candondo, masnão tinha onde “tirar” parao efeito. Até que, em 2014,ingressou no quadro de co-laboradores da Multiparques,uma empresa de gestão determinais portuários. “Co-mecei na limpeza e atingi aárea administrativa, concre-tamente o departamento definanças”, conta.

Mas três anos depois, viucancelado o seu contrato,devido à crise económicamundial que acabou porafectar o país, e consequen-temente, as empresas.

A situação adiou aindamais o seu sonho da forma-ção superior. Foi restituídoaos pequenos negócios derua. “No ano passado, as dí-vidas acumuladas levaram-me a anular a matrícula noInstituto Superior Técnicode Angola (ISTA), onde souestudante do 2º ano de Con-tabilidade Financeira”.

Filipe afirma que dá tudopela família. Homenageiasempre a mãe, Avelina Kas-si, o irmão mais velho - efonte de inspiração - JoãoAvelino, e a esposa JandiraCristina Correia da Silva,esta “por ter sido a respon-sável” pelo actual estadoem que se encontra. “Elame afastou do álcool e daspéssimas companhias”.

FILIPE CANDONDO

Da infância na Caála ao sucesso como radialista

DR

Page 3: CRÓNICAS 15 6 de Setembro de 2020imgs.sapo.pt/jornaldeangola/img/1088141187_fim-de-semana_06.09.… · Em 2016 o trabalho de Filipe Candondo na Rádio Viana ganhou notoriedade, tendo

MÚSICA 17

SHOW DO MÊS CHEIO DE EVOCAÇÕES

Viagem pelos sucessos dos “Irmãos Almeida”

Os angolanos foram levados a uma viagem dos primórdios ao momento actual da Kizomba, com a mais recenteedição do Show do Mês Live, em que foram recordados os sucessos dos Irmãos Almeida, nas vozes de Moniz deAlmeida e Jojó Gouveia. Foi ainda notável a presença de Chico Madne, um nome muitas vezes omitido, mas que é

uma das referências obrigatórias da história da Kizomba

Moniz de Almeidasaiu doCuando Cubango paraLuanda. Na capital daquelaprovíncia, Menongue, erao papão dos concursosmusicais. “Tio Zé” foi oseu primeiro sucesso à es-cala nacional. O irmão,Beto, veio a Luanda oriun-do do Lubango, onde eraconhecido como Beto Vio-la. Com o tema “Paciên-cia”, Beto de Almeidaconquistou imensos ad-miradores. Depois de umperíodo com as carreirasseparadas, os irmãos cria-ram a dupla e gravaram osseguintes discos: “Kim-banda”, “Almeisy”, “Pico”,“Nha Vitória”, “Ao vivono Brasil”, “Correction” e“Best of +5”.

Obreiros da Kizomba Chico Madne, produtorfundamental na fase ini-cial da carreira de Beto deAlmeida, ajudou a com-preender a trajectória do

artista e da música ango-lana. Madne e o colegaEduardo Paim, ambos daex-Banda SOS e ex-co-laboradores da Rádio Na-cional, gravaram muitostemas da fase inicial domovimento que culminoucom a Kizomba, que teveo Kassenda como sua ca-pital. A presença de ChicoMadne, nome incontor-nável da produção musicalnacional, foi aproveitadapela produção do concertoe pelos intérpretes, queforam exaltando outrosprodutores, como Lan-terna, Beto Max, RucaVan-Dúnem, Eduardo eNelo Paim, que foram de-terminantes na produçãodos sucessos apresentadosdurante o live.

Flay, o convidadoO cantor Flay, que cons-truiu uma enorme cum-plicidade com os IrmãosAlmeida, representou a

importância do contributodos artistas não luanden-ses para a música ango-lana e, em especial, aKizomba. O agora senhorda Catumbela recordou“Mistério”, “Doçura” e“Sassa Mutema”, sucessosgravados por Chico Mad-ne. Flay também partilhouo palco com Moniz de Al-meida, encarnado porJojó Gouveia, em “Va-mue”, outro tema quemarca os tempos difíceisda guerra civil.

A produção do Showdo Mês fez uma singelahomenagem aos artistasWaldemar Bastos e CarlosBurity, falecidos poucosdias antes. Gelson Castro“El Maravilhoso” foi cha-mado para interpretar“Mungueno”, e, para can-tar “Malalanza” foi cha-mado Mister Kim, o artistaque quando canta temasde Burity, poucos encon-tram defeitos.

Analtino Santos

A TPA, no quadro da par-ceria com a Nova Energia,transmitiu o Show do Mêsprotagonizado por Monizde Almeida e Jojó Gouveia,este a interpretar Beto deAlmeida. Os internautasacompanharam, e aindapodem acompanhar, o li-vestream nas plataformasdigitais do Show do Mêse do seu parceiro AngolaTelecom, que agora apostaem iniciativas culturais.A transmissão foi feita aovivo igualmente pelas an-tenas da Rádio FM Stéreo,do grupo RNA.

Diferente da actuação deAgosto do ano passado, comsala cheia nas duas noitesde concerto no Royal Plaza,Moniz de Almeida e JojóGouveia, desta feita, subiramao palco para actuar paraum público que assistia emcasa. Não se tratou apenasde um tributo à obra dos Ir-mãos Almeida, mas tam-bém o reconhecimento aosprodutores que, nos finaisdos anos 80 e princípios dos90 do século passado, muitocontribuíram para a evo-lução da música angolana.

Moniz de Almeida che-gou às lágrimas quandoJojó Gouveia interpretou“Minha Viola”. O tema,que no passado mobilizouos militares, é quase umhino para muitos que fo-ram para as frentes decombate. Do mesmo modoque chorou, o gigante Mo-niz de Almeida tambémsorriu, transportando ale-gria na viagem musical queterminou com “Morainha”.O artista, mais uma vez,demonstrou todo o seu po-tencial como showman.Jojó Gouveia trouxe ao es-pectáculo o timbre vocalde Beto de Almeida, ini-ciando a sua performancecom os temas “Vigarista”e “É duro”.

A dupla “passeou” pe-los sucessos “Paciência”,“Amor Melaço”, “Cara depau”, “Yara”, “Tio Zé”,“Guilhermina”, “Ngapa”,“Úria”, “Sofrimento”, “Fi-car com as Duas”, “Su-lemwe”, “Chefe é quemanda” e outros que, nopassado, os Irmãos Al-meida partilhavam coma Banda Zimbo. São temasque cantam o amor, a cer-teza em assumir a poli-gamia e os problemas

sociais que continuam osmesmos, como a agres-sividade da polícia, as be-bedeiras, o desemprego,o engarrafamento no trân-sito e a arrogância doschefes.

Jojó Gouveia interpre-tou também temas do seupróprio percurso artístico,que despontou com “Re-cado”, música que agoranão pode interpretar empalco. Jojó saiu da sombrade Beto de Almeida can-tando “Tenho medo” e aversão de “Carta pa bó”,dois temas que ajudarama consolidar o seu estatutocomo uma das grandesrevelações da Kizombados últimos tempos.

Moniz de Almeida, comesta edição do Show doMês, reapareceu depois decinco meses confinado emLisboa, onde estava em di-gressão, que foi interrom-pida pela pandemia daCovid-19. O artista reco-nheceu que voltou a ganhargosto pelos palcos depoisda passagem pelo Show doMês no ano passado, quemarcou o grande regressodos Irmãos Almeida, semo irmão Beto, Tchuma paraos amigos.

Lamartine é o próximo A produtora Nova Energia já está

a preparar o live com Carlos Lamartine,um artista que marcou a época deouro da canção revolucionária. A dis-cografia de Lamartine é compostapelas seguintes obras: “Ngola”, umsingle de 1970 onde constam as can-ções “Bazooka” e “Jesus dialá uá kidi”;em 1974 surge o LP “Angola nº 1”, gra-vado com o conjunto “Merengues”;“Memórias” (1997), “Histórias da CasaVelha” (2001),“Cidrália” (2001), “Frutosdo Chão São Coisas Nossas” (2005) e“Caminhos Longos” (2007).

Carlos Lamartine nasceu em Ben-guela a 29 de Março de 1943, mas foino Marçal, em Luanda, onde deu osprimeiros passos musicais. Lamartinefoi adido cultural na República Fede-rativa do Brasil e tem, no prelo, livrosque retratam os vários períodos damúsica angolana.

O artista, dentre várias distinções,ganhou o Prémio Nacional de Culturae Artes em 2017 e foi homenageadono Festival da Canção de Luanda, daLAC, em 2013, em que os concorrentesinterpretaram temas de sua autoria.

Das “províncias” para Luanda

| EDIÇÕES NOVEMBRO

Domingo6 de Setembro de 2020

Page 4: CRÓNICAS 15 6 de Setembro de 2020imgs.sapo.pt/jornaldeangola/img/1088141187_fim-de-semana_06.09.… · Em 2016 o trabalho de Filipe Candondo na Rádio Viana ganhou notoriedade, tendo

TURISMO18 Domingo6 de Setembro de 2020

Silvino Fortunato/Bungo

Quem parte do Negage comdestino à vila é levado con-fortavelmente por uma es-trada asfaltada, protegida porfrondosos eucaliptos perfi-lados lado a lado. Uma pai-sagem planáltica é visívelem ambos os lados da estrada,mostrando as casas aban-donadas que sustentavam aflorescente criação de gadonas fazendas coloniais, atéantes da independência na-cional. Algumas dessas casasconservam ainda as paredese os tectos, mas a maioriaestá reduzida a escombros,numa demonstração clarado abandono a que foramremetidas, apesar de teremsido repassadas a nacionaisapós a sua nacionalizaçãoem 1976.

A vila do Bungo tem asruas perpendiculares à es-trada nacional que vai até àfronteira com a RepúblicaDemocrática do Congo, pas-sando pela comuna do Tsosoe pelos municípios da Damba

e de Maquela do Zombo. As ruas da circunscrição

são de terra batida, comseparadores a sinalizar ossentidos ascendente e des-cendente. Nos separadoresmíngua alguma relva eplantas que clamam porágua, escassa em tempo decacimbo. Há no centro davila um enorme jardim, do-minado pela “planta de ou-ro”, com uma torre ao meioa dar as “Boas-vindas à vilado Bungo”.

A localidade é constituídapor uma maioria de casasque vêm desde a era colonialportuguesa, sendo elas ge-minadas. As residências estãoacopladas a lojas. Algumasconstruções novas, de baixaqualidade arquitectónica,foram sendo infiltradas entreas casas coloniais, ofuscando,em muitos casos, a belezadas edificações antigas.

Muitos ocupantes das ca-sas coloniais fizeram rec-tificações nas mesmas,substituindo quase sempreo tecto de telha ou de lusalitepor chapas chinesas.

A vila do Bungo apresentaum figurino pacato, com pou-ca gente a circular pelas ruas.São visíveis algumas pessoassentadas nas reduzidas es-cadas das residências e nosquintais delimitados por cha-pas de zinco, que substituíramos antigos muros de poucomenos de um metro.

A maioria das instituiçõespúblicas, como a esquadrada Polícia Nacional, o palácio,a emissora da Rádio Nacional,e outras, estão situadas emruas não asfaltadas. É notóriaa presença de bairros subur-banos, surgidos depois daindependência nacional, comcasas maioritariamente deadobe e chapas de zinco.

“As casas dos popularesestavam muito longe da vila.Os colonos viviam aqui so-zinhos. A gente só vinha paracomprar coisas nas lojas dosbrancos e assistir desportoou então quando te mandas-sem chamar para responderno posto administrativo”,explicou um idoso, na casados 70 anos.

Muito próximo do con-

vento dos missionários daIgreja Católica vê-se um edi-fício já vencido por muitosanos. Soubemos que se tratada primeira cadeia que oscolonos construíram quandose estabeleceram no Bungo.Idosos com quem falamossublinharam que o edifícioé de muito triste memória.

Ao lado da casa missio-nária está um outro edifício,o maior da vila. É a escolamissionária católica, bastanteenvelhecida, com os vidros,das inúmeras janelas e portas,quebrados. É de realçar aexistência de um pequenoaglomerado de eucaliptos,plantados com a pretensãode proteger a escola missio-nária dos ventos planálticosque, frequentemente, asso-lam o Bungo. O edifício, ape-sar do estado de aparenteabandono, continua a servirde lugar de ensino e apren-dizagem, desta feita paracrianças e jovens em idadeescolar fundamental. A pre-sença cristã secular é indicadaainda pelo edifício da igrejacatólica, muito separado dos

demais imóveis, que merecea vénia de quem quer quepasse pelo vilarejo.

Actividade mercantil Logo no princípio da vila,para quem chega do Negage,foi erguido, muito recente-mente, um estabelecimentocomercial que abastece osmoradores com peixe fresco,frango e os produtos da cestabásica. De vez em quando,a loja também vende carnede vaca abatida nalguma fa-zenda da circunscrição. Àtardinha os jovens se juntamno local para saborear as be-bidas disponíveis.

“Bebem mais o uísque empacote. Começam a beber omaruvo no bairro e vêm seaquecer aqui com o uísqueem pacote”, disse o empre-gado, 30 anos, que vive navila há um ano, quando ga-nhou o emprego na loja.

O jovem informou que oproduto com mais saída naloja é a lambula. Disse aindaque é no tempo das chuvasque as vendas atingem o auge,“porque no cacimbo a maio-

ria dos moradores da vila,que é camponesa, preferepassar mais tempo nas lavrasque ficam junto aos rios ondefazem a pesca”.

Os professores, os en-fermeiros, os polícias e osfuncionários da adminis-tração municipal, que sãoos que possuem maior poderde compra, preferem des-locar-se à cidade do Uíge,que dista apenas cerca de74 quilómetros, para faze-rem as suas compras. Se-gundo o lojista, é por issoque os principais clientesda loja são os moradoresdos bairros suburbanos.

No centro da vila, estãooutras lojas, mais concre-tamente cantinas, detidaspor muçulmanos, que vãocompetindo com as ven-dedoras ambulantes. A lo-calidade conta ainda comum mercado municipal,uma estrutura construídahá menos de oito anos, cujaserventia vai desde a dis-ponibilidade dos produtosda cesta básica aos agrícolasproduzidos localmente.

PROVÍNCIA DO UÍGE

Retrato da centenária vila do Bungo

A estrada número 140 divide ao meio a vila do Bungo, que é habitada, maioritariamente, por povos dasetnias Kiungu e Kitsotso. Fundada em 1916, Bungo tem uma população pacata, dedicada

fundamentalmente à agricultura. A localidade dispõe de lugares turísticos que ficam para sempre namemória dos visitantes

| EDIÇÕES NOVEMBRO

Page 5: CRÓNICAS 15 6 de Setembro de 2020imgs.sapo.pt/jornaldeangola/img/1088141187_fim-de-semana_06.09.… · Em 2016 o trabalho de Filipe Candondo na Rádio Viana ganhou notoriedade, tendo

TURISMO 19Domingo6 Setembro de 2020

A vila, apesar de diminuta,oferece lugares pitorescos,nomeadamente o bem ar-ranjado jardim, os edifíciosantigos que resistem ao tempoe a bela igreja católica. Osrepórteres do Jornal de Angolanão resistiram à tentação defotografar a igreja, mas foramterminantemente impedidospela voz de um sub-inspectorda Polícia Nacional, que, fur-tivamente, acompanhara osrepórteres desde a sua che-gada ao Bungo. O sub-ins-pector procurou saber se osjornalistas pertenciam a umainstituição do Estado e se ti-nham autorização para fo-tografar a vila.

Estupefactos, os repór-teres procuraram saber setirar fotografias a um jardim,a uma igreja ou às casas apartir da rua conformariaum crime contra a segurançado Estado. O polícia conti-

nuou a sua investida dizendoque “aqui no Bungo só épermitido tirar fotografiasmediante uma autorização”.Os repórteres retorquiramque o Estado de Direito eDemocrático lhes autorizavaa tirar fotografias. Perantea incapacidade do políciacontinuar a sustentar a suaordem de proibição, os re-pórteres continuaram a des-frutar da beleza da urbe.Seguiram para a saída davila, onde foram dar a umapicada que os conduziu aorio Longe, depois de ven-cerem cerca de três quiló-metros de um tortuosocaminho. É uma verdadeiraestância balnear, bastanteprocurada pelos jovens dalocalidade e dos municípiosdo Negage e do Uíge.

O rio tem ambas a mar-gens protegidas por árvoresde média altura, algumas

das quais deitadas, com osramos a beijarem as águaslímpidas. Os banhistas apro-veitam as areias ribeirinhaspara deitarem-se ao sol.

São visíveis os vestígiosde pequenas cozinhas sus-tentadas a carvão ou à lenha,utilizadas pelos excursio-nistas. Os estilhaços de loiça,os sacos e os copos de plás-tico abandonados e dispersossão indicadores de que o lu-gar é mesmo muito frequen-tado. Uma língua fina deágua se desprende de ummonte e corre solta por pou-co menos de cinquenta me-tros, antes de se transformarnum dos afluentes do rio.Os camponeses locais usamesse troço do rio para tam-bém se refrescarem com umbanho, antes de chegarema casa. Os homens usam aparte de cima e as mulheres,a de baixo.

“Aqui é proibido fotografar”

Da fundação aos tempos actuais

Os mais velhos do Bungosão unânimes em apontar omilitar português SargentoMelo como o primeiro habi-tante do lugar que foi trans-formado em vila no dia 6deAgosto de 1916. Conta a tra-dição oral que o portuguêsteria sido recebido por MeMbungu, a quem pediu umlugar para construir o seuacampamento militar, depoisde ter chegado de Mukaba.Segundo os mais velhos, obranco português fazia-seacompanhar de um seucompatriota, Santos Tenen-te, e de um séquito de car-regadores autóctones, entreos quais tradutores. Acom-panhados por Me Nfumu aKizumba, os portuguesesforam recebidos amistosa-

mente, beneficiando de alo-jamento condigno.

A comunidade dos sobasdo Bungo sempre delegou aAlfredo Mukita, regedor deMbanza Mbungu, a tarefa deretratar para os visitantes ahistória da circunscrição. Foio que aconteceu quando osrepórteres do Jornal de An-golase interessaram em sabera trajectória da localidade.

De acordo com AlfredoMukita, cumprida a praxeprotocolar e diplomática, foiconcedido ao Sargento Meloum lugar, próximo de um ma-tagal, para instalar uma po-sição militar, após o que eleregressou ao território deMufongo, actual municípiode Ambaca, no Cuanza-Norte.O seu retorno às terras de

Me Mbungu aconteceu mesesdepois. Agora fazia-se acom-panhar por um agrupamen-to mi l i ta r. Mas os seusinterlocutores locais deci-diram indicar-lhe um outrolugar para montar o seuacampamento, a 35 quiló-metros do lugar inicialmenteindicado, precisamente nasproximidades das terras deMfumu a Kizumba.

Alfredo Mukita disse queos líderes autóctones teriamchegado a conclusão quenão deveriam coabitar comum agrupamento militar.“Eles pensaram que, comoele dizia que traria militares,o bom mesmo era ele irficar sozinho, muito longe,para não trazer problemasao povo”.

Contrariado, o SargentoMelo disse aos soberanosque iria ver o lugar indicado,mas que, se não gostasse,regressaria e ocuparia o es-paço indicado inicialmente.“Assim, tirou uma moedametálica, uma cavilha e umatábua que pregou na árvorechamada mukia, sinalizandoa ocupação. Feito isso, seguiupara a direcção indicada”.

O lugar era vasto e davavista a toda a cercania. Nãoexistia, nas proximidades,floresta alguma. Havia algunsrios que facilitariam a obten-ção da água para o consumoda tropa e para irrigação. OSargento Melo mandou cons-truir casas de pau-a-pique,em voga naquela época, edeu ao lugar o nome de Mbun-

gu, supostamente em home-nagem aos povos de MeMbungu. O militar portuguêsacabaria por casar-se comuma negra de nome NgendaKabangu. Posteriormente, oSargento Melo viria a con-frontar-se com Me Kabangu,que rejeitava, terminante-mente, a presença portugue-sa nas suas proximidades.

“As histórias que nos con-taram os mais velhos nãodizem quem perdeu nestaluta, quem mais homensperdeu”, disse o regedor deMbanza Mbungu.

Seguiu-se um período emque a coabitação entre osautóctones e os colonos foipacífica, até que eclodiramos acontecimentos de 1961,que “levaram muita gente”,

de acordo com Alfredo Mukita.Com “levaram muita gente”,quis ele dizer que causarama morte de muita gente.

O regedor Pedro NunesKamalandena é uma das mui-tas autoridades tradicionaisque pereceram.

O município do Bungo éactualmente composto por60 aldeias e 12 regedoriascuja população se dedica,essencialmente, à agriculturade subsistência. Durante aépoca colonial, o territóriopossuía grandes manadasde bovinos, controladas emvárias fazendas.

“Hoje, as fazendas estãoabandonadas e as manadashá muito desapareceram”,disse em tom de lamento ovelho Nkoxi a Kizuanga.

EDIÇÕES NOVEMBRO

EDIÇÕES NOVEMBRO

Page 6: CRÓNICAS 15 6 de Setembro de 2020imgs.sapo.pt/jornaldeangola/img/1088141187_fim-de-semana_06.09.… · Em 2016 o trabalho de Filipe Candondo na Rádio Viana ganhou notoriedade, tendo

LITERATURA20 Domingo6 de Setembro de 2020

Luís Kandjimbo |*

A filosofia nacionalista-ideológica, tal como a definiuo falecido filósofo quenianoOdera Oruka, é uma correnteque, na história da filosofiaafricana do século XX, temo seu objecto constituído pormanifestos, panfletos e obraspolíticas produzidas duranteas lutas anti-coloniais e aslutas de libertação africanas,formando aquilo a que o fi-lósofo eritreu Tsenay Sere-queberhan designa por“discurso filosófico africanosobre a política”. Mas essepensamento político contaainda com imensos obstá-culos de que emana a amplaexclusão da produção inte-lectual e filosófica dos cincopaíses africanos que têm oportuguês como língua ofi-cial, os “Cinco”. São essesobstáculos que, configurandocasos de injustiça herme-nêutica, fundada na geopo-lítica linguística global e naglossobalcanização conti-nental, deixam “a impressãode que há pouco a dizer sobrea filosofia na África de línguaportuguesa”, no dizer da in-vestigadora alemã Anke Gra-ness. O filósofo camaronêsHubert Mono Ndjana lamentaa falta de conhecimento sobreo pensamento filosófico nos“Cinco”, considerando quea longa guerra civil em An-gola e a novidade das insti-

tuições universitárias dessespaíses são razões para ex-plicar a falta de um verda-deiro pensamento filosófico.A entrada sobre “filosofia lu-sófona” na “Oxford Encyclo-paedia of African Thought”,editada por Abiola Irele e Bio-dun Jeyifo, pouca informaçãofornece acerca dessa pro-dução filosófica anti-colonialdos cinco países africanosque têm o português comolíngua oficial. Para Anke Graness, os de-

bates filosóficos contempo-râneos nos “Cinco” revelamtendências e tópicos inte-ressantes, incidindo parti-cu l a rmen te s ob re o scontextos históricos, polí-tico-económicos, linguísticose culturais específicos. Porconseguinte, destaca a “fi-losofia política dedicada aquestões que envolvem li-berdade e responsabilidadeem um ambiente pós-colo-nial, pós-marxista e pós-ci-vil, a situação de guerra”,bem como a tematização dolegado teórico e moral dosmovimentos de libertação,o conceito de liberdade, oconceito de modernidade,a tarefa, função e identidadeda filosofia, a relação da fi-losofia e da educação. MasAnke Graness perde de vistaa tematização de domíniosrelevantes como a cultura ea literatura.O filósofo queniano Dis-

mas A. Masolo reconhece

igualmente a ausência dos“Cinco” da narrativa sobreos debates filosóficos no con-tinente, ao abordar a históriada filosofia como um pro-blema no quarto capítulo dolivro editado por Edwin E.Etieyibo, “Method, Subs-tance, and the Future of Afri-can Philosophy” (Método,Substância e o Futuro da Fi-losofia Africana”. No entender do ganense

Kwame Anthony Appiah, apresumível marginalidadeda prática filosófica nos “Cin-co” tem a sua excepção emAmílcar Cabral, tal como re-fere no seu verbete publicadona “Routledge Encyclopediaof Philosophy”. Este registo

discursivo é retomado peloeritreu Tsenay Serequebe-rhan e o etíope Teodoros Ki-ros, nos respectivos capítulospublicados em “A Compa-nion to African Philosophy”(Compêndio de FilosofiaAfricana), editado por KwasiWiredu em 2004, designa-damente “Theory and theActuality of Existence: Fanonand Cabral” (Teoria e Ac-tualidade da Existência: Fa-non e Cabral) e “Franz Fanon(1925–1961)”.

Filosofia políticapós-independência Num dos capítulos da jámencionada obra de refe-rência, Olúfémi Táíwò de-

dica a sua atenção aos es-tudos da filosofia políticado pós-independência emÁfrica. Para o efeito, elegetrês gerações de líderes po-líticos que desenvolvem ochamado “socialismo afri-cano” e suas variantes. Entreos primeiros ,destaca Oba-femi Awolowo (1909–1987)e Kwame Nkrumah (1909–1972). Segue-se o grupo in-tegrado por Julius Nyerere(1922–1999) da Tanzânia eTom Mboya (1930–1969) doQuénia. O terceiro grupo éformado por Eduardo Mon-dlane (1920–1969) de Mo-çambique, Agostinho Neto(1922–1979) de Angola,Mehdi Ben Barka (1920–1965) de Marrocos, AmílcarCabral (1924-1973) da GuinéBissau, e Samora Machel(1933–1986) de Moçambi-que. Este texto de OlúfémiTáíwò permitiu desenvol-ver um outro, “AmilcarCabral: A PhilosophicalProfile”, que é o capítulopublicado em “Fanon andthe Decolonization of Phi-losophy”, (Fanon e a Des-colonização da Filosofia),volume editado por Eliza-beth A. Hoppe and TraceyNicholls, em 2010.Na verdade, pode dizer-

se que a filosofia política éhoje um dos domínios maisimportantes da filosofiaafricana. Apesar da deplo-rável situação de margina-lização a que é votada a

prática filosófica nos “Cin-co”, Anke Graness acabapor ser vítima da mesmaarmadilha que critica por-que, além de Moçambique,não parece ter conheci-mento profundo da reali-dade dos restantes países.Quando situa o momentogenético da reflexão filo-sófica moderna nos “Cinco”,nas décadas de 40 e 50, su-blinha a existência de su-j e i to s d e um d i s cu rs oanti-colonial. Mas o seucampo é de igual modo res-trito, ao reduzi-lo a três no-mes apenas, Amílcar Cabral,por considerar que o seupensamento é o mais bemdocumentado, EduardoMondlane (1920–1969) eSamora Machel ( 1933–1986). E, no que diz respeitoà filosofia contemporâneados “Cinco”, destaca apenasdois filósofos moçambica-nos, Severino Ngoenha eJosé Castiano.Por sua vez, Olúfémi Táí-

wò reconhece as limitaçõesde uma abordagem genera-lizadora, quando se tematizao colonialismo e a moder-nidade em África. Ele con-sidera que o modelo teóricoadequado à determinaçãodas similaridades e diferen-ças no plano da agentividadeafricana requer análises es-pecíficas do trabalho de in-vestigação realizado porespecialistas de outras regiõesdo continente.

BALCANIZAÇÃO LINGUÍSTICA E INJUSTIÇA EPISTÉMICA

Agostinho Neto e a filosofia nacionalista-ideológica africana

DR

DR

Page 7: CRÓNICAS 15 6 de Setembro de 2020imgs.sapo.pt/jornaldeangola/img/1088141187_fim-de-semana_06.09.… · Em 2016 o trabalho de Filipe Candondo na Rádio Viana ganhou notoriedade, tendo

LITERATURA 21Domingo6 de Setembro de 2020

Injustiça hermenêutica

Ora, é necessário definirsinteticamente as duas di-mensões em que se analisaa injustiça epistémica, – in-justiça hermenêutica e in-justiça testemunhal – deacordo com a proposta dafilósofa inglesa MirandaFricker. A injustiça herme-nêutica assenta na ignorân-cia a respeito de um sujeitosobre o qual não se tem su-ficiente conhecimento.

A injustiça testemunhalexprime-se através do pre-conceito de desqualificaçãodo que o referido sujeito diz.Articulado ao conhecimentoda ignorância racional e suasformas hegemónicas, o con-ceito de injustiça hermenêu-tica é um tipo de injustiçadistributiva em relação a de-terminados bens epistémicos.O caso de Agostinho Netoenquadra-se na categoria deinjustiça hermenêutica, namedida em que se revela co-mo consequência de um com-portamento negligente dedeterminadas comunidadesinterpretativas, em matériade conhecimento sobre asexperiências sociais, políticas,morais e culturais endógenasangolanas.Esse comporta-mento é observável em sec-tores académicos de algunspaíses europeus, entre osquais Portugal.

No entanto, o peso desi-gual da língua portuguesano contexto da geopolíticalinguística global, perante oprestígio de que gozam outraslínguas europeias, dá lugara uma injustiça hermenêuticacom dupla causalidade: 1)de-sequilíbrio na geopolíticadeindicadores bibliométricose 2) balcanização linguística,devido ao fraco “soft power”competitivo dos “Cinco”, emÁfrica. Apesar disso, regis-tam-se casos de injustiça

hermenêutica negativa.Istoé, que representam a possi-bilidade de justiça epistémica.

Ao nível continental, porexemplo, as manifestaçõesda justiça epistémica her-menêutica podem ser iden-tificadas no modo como seaborda a obra literária e opensamento político de Agos-tinho Neto. Para compreendero sentido desta proposição,será necessário avaliar, emtermos relativos, o volumee o tipo de interpretaçõesproduzidas por proeminentesintelectuais e académicos,oriundos de países africanosque têm o inglês e francêscomo línguas oficiais, quandose tem em conta as circuns-tâncias que mobilizam refle-x õ e s s o b r e a c o n d i ç ã oafricana. As alusões à obra,pensamento e acção de Agos-tinho Neto ocorrem numaconexão necessária que seestabelece entre a literaturae a política.

Em 1960, falando da si-tuação do escritor africanona Conferência Afro-escan-dinava de Escritores, em Es-tocolmo, Wole Soyinka tomacomo exemplo o escritor an-golano, quando se refere aocontexto desumanizante vi-vido no século XX. No seuhorizonte estão certamenteas experiências de luta an-ti-colonial e a obra poéticade Agostinho Neto cuja pri-são suscitou na época umacampanha internacionalapoiada por intelectuais dediversas origens.

Agostinho Neto e odiscurso sobre a políticaEm 1963, o escritor e políticoLéopold Senghor, então Pre-sidente do Senegal, mani-festou o seu apreço pelo poetae político angolano AgostinhoNeto, Presidente do Movi-

mento Popular para Liber-tação de Angola (MPLA), porocasião da reunião do Con-selho de Ministros da Orga-nização da Unidade Africana(OUA), realizada em Dakar,de 2 a 11 de Agosto de 1963,quando o convocou para umencontro informal no Palácioda Presidência da República,tratando-o com a deferênciaque se devia a um poeta no-tável. A reunião ministerialda OUA concentrava em Da-kar representantes de trintae dois Estados-membros.

A agenda política inscreviatrês problemas principais: oestabelecimento das insti-tuições dos Estados Unidosde África, o problema dosagrupamentos regionais, oproblema do apoio aos mo-vimentos de libertação na-cional. Na época, o Comitéde Libertação da OUA tinhadecidido apoiar o Governoda República de Angola noExílio (GRAE), dirigido porHolden Roberto.

Por sua vez, Ngũgĩ waThiong’o, em 1973, na V Con-ferência dos Escritores Afro-Asiáticos, realizada na cidadede Alma Ata, capital do Ka-zaquistão, congratulava-secom o facto de merecer a dis-tinção do Prémio Lotus deLiteratura que, em 1970, játinha sido atribuído a Agos-tinho Neto, entre outros es-critores africanos. Já emOutubro de 1975, na confe-rência que proferiu no De-partamento de Literaturasda Universidade de Nairobi,considerou que AgostinhoNeto era um “outstandingpoet and politician”, (exce-lente poeta e político). Eacrescentava: “For him thegun, the pen and the platformhave served the same ends:the total liberation of Angola”,(Para ele a arma, a caneta e

a tribuna serviram para osmesmos fins: a libertação to-tal de Angola).

Em 1981, a revista Okike(An African Journal of NewWriting), publicada em Nsuk-ka, Anambra State, sudoesteda Nigéria, sob a direcçãoeditorial de Chinua Achebe,presta uma homenagem aAgostinho Neto, dedicando-lhe inteiramente o seu nú-mero 18, em que se destacao poema escrito pelo emi-nente escritor nigeriano.Quando em 1990, estive naUniversidade de Nsukka, par-ticipando nas celebraçõesdo sexagésimo aniversário

do escritor nigeriano, esseprestígio de Angola foi evi-dente.Achebe manifestou-ocom um caloroso aperto demão, ao saber que estava láum jovem angolano em com-panhia de um funcionárioda missão diplomática.

A colectânea de cinco vo-lumes de textos doutrináriosdos movimentos de libertaçãonacional dos “Cinco”,“TheAfrican Liberation Reader”,organizada e publicada em1982 por Aquino de Bragançae Immanuel Wallerstein, éuma prova da fecunda pro-dução reflexiva das elites in-telectuais dos cinco paísesafricanos que têm o portu-guês como língua oficial, en-gajadas na luta contra ocolonialismo.Trata-se de umaobra relevante para os estu-dos do “discurso filosóficoafricano sobre a política”.

Num texto consagrado àdescolonização da teoria eda crítica africana, publicadoem 1990, na revista norte-americana “Research in Afri-can Literatures”, o professornigeriano Biodun Jeyifo con-siderava que as reflexões deAgostinho Neto sobre a cul-tura nacional e a literaturaintegravam-se na categoriado “discurso literário nacio-nalista”. Trata-se de textosde discursos proferidos numcontexto institucional, porocasião da tomada de possedos órgãos directivos daUnião dos Escritores Ango-lanos, em 1979. O texto deAgostinho Neto sobre “CulturaNacional”, traduzido em in-glês, integra uma obra de re-ferência no domínio da teoriae da crítica literária africana,“African Literature. Anthologyof Criticism and Theory”, (Li-teraturas Africanas. Antologiade Crítica e Teoria, 2007), or-ganizada e publicada por

dois professores africanos,nomeadamente, o malogradoTejumola Olaniyan,que é ni-geriano, e o gananese AtoQuayson. Esse texto faz parteda secção temática reser-vada ao discurso marxistaem que figura igualmenteAmílcar Cabral.

Agostinho Neto e o “soft power”Ora, à luz do seu duplo fun-damento, a injustiça herme-nêutica negativa tem aquiuma latitude transnacionalà escala dos “Cinco”.Por isso,os factos enunciados permi-tem compreender os elemen-tos de um campo da históriaintelectual cuja narrativa de-nuncia a ausência de justiçaepistémica.

Portanto, percebe-se quea obra literária e o pensa-mento político de AgostinhoNeto são bens epistémicosque suscitam estudos de na-tureza filosófica. Mas, apesarda balcanização linguísticae de eventuais controvérsiasargumentativas a que dá ori-gem, essa fortuna crítica eteórica sobre a obra de Agos-tinho Neto, ao nível nacional,não se estriba em qualquervigilância epistemológica-robusta. É que uma actividadeacadémica sistemática comsuporte institucional, inscritano âmbito dos estudos globais,deve visar a formação de um“smart power” cujas travesmestras sejam a filosofia dacultura angolana e o vectorhistórico-cultural da soberania,tal como subjaz no últimolivro do general Miguel Júnior,“Génese do Pensamento Es-tratégico Angolano”.

Ensaísta e professoruniversitário.

M.Phil.(Filosofia),Ph.D.(Estudos Literários)

DR

DR

Page 8: CRÓNICAS 15 6 de Setembro de 2020imgs.sapo.pt/jornaldeangola/img/1088141187_fim-de-semana_06.09.… · Em 2016 o trabalho de Filipe Candondo na Rádio Viana ganhou notoriedade, tendo

DANÇA22 Domingo6 de Setembro de 2020

| EDIÇÕES NOVEMBRO

Arão Martins | Lubango

O director municipal da Cul-tura, Turismo, Tempos Livrese Juventude e Desportos,Austino Muanpatche, queprestou a informação ao Jor-nal de Angola, disse queexistem grupos nas comunasda Palanca, Caholo, Nevese na sede do município,cujamaior preocupação, actual-mente, é a falta de indu-mentária e adornos.

Na Humpata, referiu o res-ponsável, têm estado a surgirgrupos de dança tradicional,alguns antigos e outros novose as missangas começam aescassear. As missangas queaparecem no mercado têmcustos elevados.

O pano de samakaka, queconstitui a indumentária ori-ginal dos grupos de dançadas comunidades locais, tam-bém escasseia e o que apareceno mercado é muito caro.

“Temos grupos de dançatradicional em diversas lo-calidades. Apesar da falta deindumentária e adornos, fun-damentalmente as missan-gas, os grupos empreendem

com o que têm”, informou.AustinoMuanpatche ex-

plicou que a missanga é umadorno que vem de uma ge-ração para outra. “Os gruposjá encontraram esse tipo deadorno e ao usá-lo só estãoa dar sequência”, disse. In-formou que, anteriormente,existiam indumentária e ador-nos em quase todas as lojasdo município da Humpata ena cidade do Lubango.

“Antigamente, havia muitasmissangas, que vinham davizinha República da Namíbia.Com a situação da Covid-19,estamos com dificuldades deencontrar a fonte de abaste-cimento de missangas naprovíncia”, disse, acrescen-tando que quando o materialaparece no mercado, o preçoé elevado.

Apesar dos constrangi-mentos, salientou, “os gruposde dança tradicional estão afazer alguma coisa, com oapoio da Administração Mu-nicipal da Humpata na aqui-sição de indumentária,fundamentalmente panos,para dar o devido colorido”.

O director municipal da

Grupos clamam porsamakaka e missangas

Cultura, Turismo, TemposLivres e Juventude e Des-portos da Humpata adiantouque o surgimento de novosgrupos de dança tradicionalno município é uma cons-tante, daí que a carência deindumentária e adornos sejauma grande preocupação.

Criar associação“Para que o surgimento denovos grupos seja sustentávelé preciso criar uma asso-ciação de grupos de dançatradicional, para beneficia-rem de apoio de forma con-trolada e continuada”, disseAustino Muanpatche.

O responsável esclareceuque têm aparecido pessoassingulares e empresárioscom a intenção de apoiaros grupos, mas, “por faltade uma estrutura associa-tiva, tal desiderato temsido gorado”.

“Queremos contar compessoas que dominam as leispara a criação de um estatutoassociativo dos grupos dedança tradicional”,disse Aus-tino Muanpatche, referindoque, independentemente dadança ser tradicional ou não,

DANÇA TRADICIONAL NA HUMPATA

A escassez de missangas e panos de samakaka no mercado local, derivada da Covid-19, preocupa osgrupos de dança tradicional do município da Humpata, província da Huíla

“Estamos nummundo moderno,

tambémprecisamos de

modernizar.Independentemente

de ser tradição,precisamos de uma

estruturaorganizativa quecorresponda àsexigências do

momento”

é preciso que os grupos te-nham uma estrutura orga-nizativa moderna. “Estamosnum mundo moderno, tam-bém precisamos de moder-nizar. Independentementede ser tradição, precisamosde uma estrutura organizativaque corresponda às exigên-cias do momento”.