Crítica Espírita nº 1 Janeiro de 2015
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Jornal Crtica Esprita #01 Janeiro de 2015
1
ENTREVISTA
Se o espiritismo a cincia do
esprito, qualquer manifesta-
o moral no lhe estrutural,
e sim contingencial.
Entrevistamos o professor de direito
da USP Alysson Mascaro
Pgina 7
A Teoria e a
Prtica Esprita
o espiritismo no poderia deixar
de ser uma corrente progressista e
contestadora.
Pgina 3
COLUNA DA AJEES
AJE-ES Debate a personalida-
de jurdica das instituies es-
pritas.
Pgina 6
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Jornal Crtica Esprita #01 Janeiro de 2015
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EDITORIAL
Apresenta-
mos o Jornal
Crtica Esprita, iniciativa da Associao Jurdico
Esprita do Esprito Santo AJE/ES que quer atin-
gir dois objetivos. Primeiro, divulgar a AJE/ES e mos-
trar que h o interesse em aproximar o espiritismo do
conhecimento jurdico e social. Segundo, proporcionar
uma leitura crtica da sociedade e do pensamento hu-
mano, pelas lentes do espiritismo, e do prprio espiri-
tismo, pelas lentes da sociedade e do pensamento hu-
mano.
Acreditamos que num planeta de provas e expiaes,
onde aes individuais e coletivas so construdas sob
o orgulho e o egosmo, as relaes individuais e sociais
no permitem a emancipao, a liberdade e a fraterni-
dade num sentido pleno. Ao contrrio, na base delas
est o domnio, explcito ou no, de um sobre o outro.
Por isso, parecem-nos equivocados aqueles que vivem
bem nesse ambiente, que no sentem nenhuma ina-
dequao. Parecem-nos mesmo inquos o conformis-
mo e o comodismo com este mundo, absurdamente
violento e desigual, e isso precisa ser, no mnimo, de-
batido.
Este jornal mensal, ao trazer luz essas questes, ter,
basicamente, quatro sees. A primeira o Editorial,
objetivando expor a opinio dos editores sobre os as-
suntos tratados, alm de apresentar as opinies dos
leitores. A segunda a Matria da Capa, contendo
artigo opinativo sobre temas de espiritismo e direito,
filosofia, sociedade, movimento esprita e atualidades.
Nesta edio inaugural, Felipe Sellin, socilogo e
membro da AJE/ES, discorrer sobre uma tenso en-
tre teoria e prtica esprita. Para ele, se o espiritismo
se radica numa tradio filosfica que promove pro-
funda crtica social, o que h no movimento esprita ,
na prtica, um generalizado discurso de dominao e
de conservao das estruturas sociais injustas.
A terceira seo a Coluna da AJE/ES, e objetiva
prestar servios de orientao jurdica ao pblico ge-
ral, e ao movimento esprita em particular, que se ini-
ciar com a discusso sobre personalidade jurdica de
instituies espritas. A quarta a Entrevista, na
qual queremos dar visibilidade a pessoas que promo-
vam abordagens crticas cientfica e filosfica do
espiritismo, ou que realizem aes de transformao
social. De incio, o pblico conhecer Alysson Leandro
Mascaro, jurista, filsofo do direito e conferencista
esprita, que integra importante linha de pensamento
crtico-esprita atual.
Por fim, este jornal feito, principalmente, para aque-
les que sentem que este planeta deveria ser melhor, e
que suas estruturas precisam ser repensadas. Por isso,
leia, reflita, interaja, critique e apresente sua opinio,
pois temos uma certeza: ningum dono da verdade.
Afinal, o que a verdade?
Boa leitura!
Caras Leitoras e Caros Leitores,
Editor Raphael Fa Baptista Editorao: Felipe Sellin
Colaboram nessa Edio: Felipe Sellin Marco Antnio Lucindo Bolelli Filho Raphael Fa Baptista Roberto Airton Esteves de Oliveira Contato: [email protected]
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Jornal Crtica Esprita #01 Janeiro de 2015
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A Teoria e a Prtica Esprita O paradigma do esprito como uma via de emancipao
MATRIA DE CAPA
Em suA Critica da Razo Indolente o
filsofo portugus Boaventura de Souza
Santos(2002) apresenta uma tenso que
ele considera central na modernidade e
que atinge todo o conhecimento: a polari-
dade entre, por um lado, o conhecimento
emancipatrio, capaz de empreender a
livre ao dos sujeitos, levando a uma
sociedade sem as amarras da dominao
e, por outro, conhecimento regulatrio,
que implica diretamente na manuteno
da ordem que vem sendo adquirida. A
tenso abrange todas as reas do saber,
seja a cincia, o senso comum ou o direi-
to. Quando a fraternidade, como lema da
revoluo francesa, perdeu espao para a
propriedade os caminhos desta tenso j
comeavam a se traar. No por acaso as
constituies modernas tem como grande
tarefa a manuteno do patrimnio priva-
do. Essa ganha um valor maior que os
seres humanos e passa a justificar uma
srie de atividades do Estado objeto da
dominao legtima legal. Mas, se por um
lado a propriedade exerce sobre o direito
essa influncia predominante, por outro,
o direito orienta a formao do pensa-
mento racional regulatrio e legitimador
de uma ao estatal voltada para a manu-
teno da propriedade e do consequente-
mente status quo.
O que alguns autores chamam de livre
arbtrio determinista nada mais que a
traduo espirita desta tenso moderna
entre emancipao e regulao. Mas, as-
sim como o saber tem sido um ganho para
uma predominncia da regulao, o espi-
ritismo tambm vem recebendo influncia
desta viso de mundo colonizadora (que
Alice, personagem de Lewis Carrol, atravs do espelho
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Jornal Crtica Esprita #01 Janeiro de 2015
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no nos permite pensar por ns mesmos)
que vem levando a uma postura determi-
nista, e obviamente krmica e fatalista,
muito distante de sua origem.
O espiritismo aparece na Frana como
filiado ao pensamento filosfico mais pro-
gressista da poca. Como defende Dora
Incontri (2001), a tradio pedaggica de
Kardec est diretamente ligada a Pesta-
lozzi, numa corrente que passa por Rous-
seau at chegar a Comenius. Todos estes
percebiam a importncia da educao
para a completa emancipao do ser.
Diante a esta localizao intelectual de
Kardec, o espiritismo no poderia deixar
de ser uma corrente progressista e contes-
tadora. A meu ver a filosofia esprita re-
monta ao surgimento da filosofia moral
do cristianismo primitivo, ou libertador
como prefere Alysson Mascaro (2002).
Assim, como na origem do cristianismo,
h no espiritismo uma grande preocupa-
o com a questo social. Nele, por exem-
plo, as desigualdades sociais so frutos do
orgulho e egosmo dos seres humanos e
um dia tendem a acabar entre ns (LE
806).
Mas, por outro lado, o controle exercido
pelo conhecimento regulatrio tem sido a
postura no meio esprita. O que melhor
expressa a hegemonia do conhecimento
regulatrio sobre o movimento esprita
parte da cultura poltica esprita que
avessa ao conflito (a paz pela paz enco-
bre as contradies e redunda na repro-
duo das desigualdades pr-existentes).
Atingindo inclusive a um importante edu-
cador como Ney Lobo (1992), que dedica
uma obra completa para combater verten-
tes do espiritismo brasileiro e argentino
que, ao perceberem a ausncia de um
esprito libertador no movimento esprita,
resolvem dialogar com outras correntes
em busca de respostas a suas inquieta-
es, como os trabalhos de Manuel Por-
teiro e Humberto Mariotti.
Este sectarismo, que considero uma in-
compreenso quanto ao principal objetivo
da obra de Kardec, herdeiro do que vem
sendo chamado no meio esprita de
pureza doutrinaria. Na prtica, significa
uma recusa ao debate com a filosofia con-
tempornea travestido de integridade
e a fobia diferena e ao conflito traves-
tido de unidade. A viso purista repete os
erros de todo o positivismo que se acredi-
tava capaz de objetivismo, e imprime ao
estudo do espiritismo toda uma srie de
preconceitos e ideologias de nossa poca.
As ideologias so vises da realidade que
no conseguem explicar as contradies
existentes, mas que so muito eficientes
para a legitimao sociais da dominao.
Assim, a classe dominante (penso classe
dominante do ponto de vista cultural, ou
seja, estou falando do que comumente
tratado como classe mdia) constante-
mente busca justificar seus privilgios. A
condio de classe do movimento esprita
tem levado mesma postura. Inconscien-
temente, criamos nossa auto ideologia e
pagamos caro por qualquer pensamento
capaz de validar nossos preconceitos de
maneira cientfica e racional.
Como qualquer outra fonte de conheci-
mento, o espiritismo utilizado na tenta-
tiva de justificao das contradies soci-
ais que possam, em certa medida, confor-
tar nossa alma para dormirmos sem cul-
pa. Uma ilustrao deste uso aparece
quando Kardec afirma que s proprie-
dade legtima a que tenha sido adquirida
sem prejuzo para outrem (LE 884). a
justificativa que precisvamos: existe pro-
priedade legtima, logo a minha sempre
ser. Este pensamento desmerece a teoria
da mais valia (pela estreiteza de ser con-
cebida em meio ao materialismo). Mas
tambm toma a parte (cria a fantasia) e
as desigualdades so-
ciais so fruto do or-
gulho e egosmo dos
seres humanos e um
dia tende a acabar en-
tre ns
Il Quarto Stato do pintor italiano Pelizza da Volpedo
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Jornal Crtica Esprita #01 Janeiro de 2015
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desmerece outras importantes passagens
em que Kardec aponta para problemas
como o da herana (809), sua defesa da
propriedade social das riquezas (881) e
at mesmo quando aponta que a natureza
traa em ns o que necessrio, mas
constantemente exageramos e desrespei-
tamos o equilbrio natural, o que leva al-
guns possurem muito e outros viverem
apenas do mnimo para sobreviverem
(716). Isso sem contar na problemtica
sobre o que seja causar prejuzo.
Portanto, h no espiritismo uma preocu-
pao social e uma lgica progressista
condizente com a filiao intelectual de
Kardec. Mas, a dinmica da modernidade,
que tambm se reflete no Brasil, tem leva-
do a uma leitura e uma continuidade que
possui um vis ordenador e colonizante. A
tarefa posta nesse momento , como diz
Herculano Pires, retomar a essncia criti-
ca do espiritismo, pois a renovao do
homem implica a renovao social mas
desde que o homem renovado se empenhe
na transformao do meio em que vive,
sendo esta, alis, a sua indeclinvel obri-
gao(1950).
Felipe Sellin Bacharel em Cincias
Sociais e Mestre em Sociologia Poltica,
Scio Diretor da ETHNOS Consultoria e
Pesquisa social e professor universitrio.
Um dos idealizadores do Grupo de Estu-
dos Esprita Universitrio e Conselheiro
da Associao Jurdico Esprita da Espri-
to Santo.
Referncias
INCONTRI, Dora. (Tese de Doutorado) Pedagogia Esprita: um Projeto Bra-sileiro e suas Razes Histrico-Filosficas, Feusp, So Paulo, 2001. KARDEC, Allan. O Livro dos Espritos Filosofia Espiritualista (trad. Her-culano Pires). LAKE, So Paulo, 2002. LOBO, Ney. Estudos de Filosofia Soci-al Esprita. Ed. Federao Esprita do Brasil, Brasilia, 1992.
MASCARO, Alysson Leandro. Cristia-nismo Libertador. Ed. Comenius; So Paulo, 2002 PIRES, J. Herculano. Prefcio de: MARI-OTTI, Humberto. Dialtica e Metapsi-quica. Editora dipo, 1950. SANTOS, Boaventura de Souza. Para um novo senso comum: a cincia, o di-reito e a poltica na transio para-digmtica. Cortez: So Paulo, 2002.
Novas Estruturas Econmicas, Sociais e Educacionais
I Encontro Jurdico Esprita do Estado do Esprito Santo
10, 11 e 12 de Abril de 2015
Dora Incontri Cesar Reis Carlos Loffler
Dalva Silva Souza Roberto Airton Esteves Atitlio Provedel
Felipe Sellin Mauricio Abdalla
Realizao
Inscries: http://goo.gl/forms/RSJVzZpaII
Alysson Mascaro
Retirante de Candido Portinari
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Jornal Crtica Esprita #01 Janeiro de 2015
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Prezado leitor! Iniciaremos esta coluna
informando sobre a personalidade jurdi-
ca de Instituies Espritas, um assunto
de interesse pblico e, em especial, do
movimento esprita, mas que necessita de
qualificao tcnica para o seu entendi-
mento e encaminhamentos.
Assim, precisamos comear pela Consti-
tuio Federal, na qual o povo brasileiro,
em 1988, representado por uma Assem-
bleia Nacional Constituinte, instituiu um
Estado Democrtico, destinado a assegu-
rar o exerccio dos direitos sociais e indi-
viduais, a liberdade, a segurana, o bem-
estar, o desenvolvimento, a igualdade e a
justia como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem pre-
conceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, com a soluo pacfica
das controvrsias, estabelecendo como
Fundamentos a cidadania; a dignidade
da pessoa humana; os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa e como Ob-
jetivo, construir uma sociedade livre,
justa e solidria, promovendo o bem de
todos, sem preconceitos e quaisquer ou-
tras formas de discriminao.
J o Espiritismo, ou a filosofia espiritua-
lista, manifesta em O Livro dos Espri-
tos, contendo os princpios da Doutrina
Esprita, sobre a imortalidade da alma, a
natureza dos Espritos e suas relaes
com os homens, as leis morais, a vida
presente, a vida futura e o porvir, reco-
nhecido como importante instrumento
para o progresso da humanidade, pelo
exerccio da justia, do amor e da carida-
de. Com isso, a AJE/ES prope-se a cola-
borar com a constituio de pessoas jur-
dicas, organizaes da sociedade civil,
constitudas por uma associao de pesso-
as que se organizam, tendo como base o
primado do trabalho, e como objetivo o
bem-estar, a justia social e o desenvolvi-
mento espiritual. Vejamos, primeiramen-
te, alguns conceitos.
Personalidade jurdica: significa a
aptido genrica para adquirir direitos e
deveres no mundo jurdico. Com ela,
qualquer pessoa, fsica ou jurdica, pode
praticar atos da vida civil, como comprar
e vender, doar, alugar, herdar, e atos em
geral, como peticionar perante o Estado,
defender direitos, atuar na sociedade, etc.
Enquanto a personalidade jurdica da
pessoa fsica comea no nascimento com
vida, a personalidade das pessoas jurdi-
cas, comea com a inscrio do ato cons-
titutivo no respectivo registro, precedida,
quando necessrio, de autorizao ou
aprovao do Poder Executivo, averban-
do-se no registro todas as alteraes por
que passar o ato constitutivo. Frise-se
que o termo pessoa jurdica designa
uma coletividade, de pessoas fsicas ou
jurdicas, que unem os esforos num obje-
tivo comum (lucro econmico, promoo
social, etc.). Segundo o Cdigo Civil, no
art. 44, as pessoas jurdicas de direito
privado so: associaes, sociedades, fun-
daes, organizaes religiosas, partidos
polticos e empresas individuais de res-
ponsabilidade limitada. Por fim, a perso-
nalidade jurdica da pessoa fsica se extin-
gue com a morte, e das pessoas jurdicas
com sua dissoluo.
Instituies Espritas: grupos, centros
ou instituies espritas so pessoas jur-
dicas de direito privado, Organizaes da
Sociedade Civil, orientadas para o estudo,
a divulgao e a prtica dos princpios do
espiritismo, no plano individual ou coleti-
vo, e objetivam promover o bem-estar e a
justia sociais, e a educao, a formao e
o desenvolvimento do homem de bem.
() Prembulo e Art. 3 da Constituio
Federal
() Artigo 45 do Cdigo Civil
Personalidade Jurdica de Instituies Espritas - Parte 1
Coluna da AJE-ES
Programe-se e Participe
Reunies de Estudo doutrinrios AJE-ES 2015
Todas as quartas feiras a partir das 7:30 (da manh)
Local: Grupo Esprita Lamartine Palhano (GELP) - Goiabeiras
Tema: Leis Morais
Livro dos Espritos
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Jornal Crtica Esprita #01 Janeiro de 2015
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Crtica EspritaNarre sua trajet-
ria no espiritismo.
Alysson Leandro Mascaro Falarei
de minha formao. Nasci em uma fa-
mlia esprita, no interior de So Paulo;
cresci nesse ambiente. O contexto esp-
rita no qual me desenvolvi era bastante
contagiante em termos de horizonte
moral e, ao mesmo tempo, muito aberto
em termos principiolgicos. Hoje, fazen-
do uma classificao retrospectiva, diria
se tratar de uma espcie de comunidade
crist muito sincera, numa mistura ao
mesmo tempo conservadora nas prti-
cas e liberal em termos de viso de mun-
do, a meio caminho de um franciscanis-
mo ou de uma religio da libertao.
No era um espiritismo dos mais costu-
meiros. A instituio esprita, imensa, se
estabelecia ao lado de uma favela, com
um trabalho muito intenso junto a tal
comunidade. Cresci no trabalho assis-
tencial e vivendo a realidade de um
ambiente social extremamente sofrido.
Alm disso, quando adolescente, tive
contato muito prximo tambm com o
mais pobre asilo de velhos da regio.
Essa experincia dos meus anos de cri-
ana e adolescente me forjou. Quanto
ao plano intelectual, havia a idia de
que o Espiritismo devesse ser uma mo-
ral melhorada, o melhor cristianismo
em termos de valores de mundo, sem a
hipocrisia das religies. Alm disso, o
conhecimento que se apresentava se
pretendia cientfico e filosfico. Essa
base anunciava, para quem o quisesse, o
progresso do saber como uma diretriz.
Perdi a conta, nos meus anos de infncia
e adolescncia, de quantos livros li, na
casa das centenas. Assim cresci, ao lado
da pobreza e dos livros.
C.E.- Foi difcil para voc, vindo de uma
formao esprita, chegar ao materialis-
mo dialtico?
A.L.M. Sempre fui de esquerda. Desde
cedo tive sensibilidade extremada dor
da injustia social. Quando, de criana,
me engajei no ambiente caritativo, este
sentimento foi decisivo para depois ali-
cerar minha viso terica de mundo.
Deu-me solidamente o lado em que estou
e de onde concebo o mundo. Acumulei
tanto a experincia de estar ao lado dos
que nada tinham quanto, com o passar do
tempo, a compreenso poltica dos meca-
nismos que constituem a sociedade.
Quando ingressei na faculdade, j era
socialista.
No plano existencial e prtico, ser contra
as exploraes e a favor da transforma-
o social um dever do esprita. uma
aberrao um cristo ou um esprita que
defendam o capitalismo, a riqueza ou o
poder. No plano terico, se o espiritismo
uma cincia, ele deve abraar todo
progresso do saber. A psicanlise e o
marxismo, por exemplo, so-lhe campos
necessrios. Desde o sculo XIX, com o
marxismo, descobriu-se o grande conti-
nente da histria e da sociedade. por-
tanto imperioso estar a par e angariar o
melhor dos saberes.
C.E.Voc diz no seu livro "Cristianismo
libertador" que o espiritismo no cris-
to e que essa vinculao um acaso
histrico. Explique sua posio.
A.L.M. Se o espiritismo a cincia do
esprito, qualquer manifestao moral
no lhe estrutural, e sim contingencial.
ENTREVISTA
A religio natural
deve ser tomada
como uma experi-
ncia tpica do con-
texto iluminista,
melhor que o pas-
sado e aqum do
presente.
ALYSSON LEANDRO MASCARO
Alysson Mascaro um dos grandes
nomes da filosofia do direito no Bra-
sil, formando e liderando a sua mais
destacada escola de pensamento jur-
dico crtico.
Advogado e parecerista em So Paulo,
autor de mais de dez livros, com desta-
que para Cristianismo Libertador,
Estado e a Forma poltica, "Filosofia
do Direito" e Crtica da Legalidade e
do Direito Brasileiro".
Alysson gentilmente concedeu essa
entrevista Marco Antonio Bolelli,
advogado e conselheiro da AJE-ES.
Em abril Alysson estar no Esprito
Santo para o I Encontro jurdico Esp-
rita, onde debater com vrios pensa-
dores, entre eles a professora Dora
Incontri e o economista Cesar Reis.
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Jornal Crtica Esprita #01 Janeiro de 2015
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Assim, pelo acaso dos espritas serem
ocidentais, so eles cristos, ainda que de
um certo cristianismo ps-iluminista,
propondo nos meados do sculo XIX
uma religio natural. O espiritismo
cincia como a qumica. Se h qumico
cristo, a qumica no crist.
C.E.O que pensar ento da interpreta-
o do espiritismo como terceira revela-
o?
A.L.M. Uma cincia no trabalha com
revelao, mas sim com descoberta. As-
sim sendo, todo o linguajar do sculo XIX
deve ser lido nesse diapaso.
C.E.Voc tem constatado que o espiri-
tismo se apoiou na tradio da religio
natural. Ainda possvel partir desse
paradigma como base terica?
A.L.M. Propor uma religio natural foi
a tentativa do Iluminismo nos sculos
XVII e XVIII. Com isso, combatia-se a
revelao como fonte da moral e os ana-
cronismos irracionais e as guerras entre
religies proselitistas da advindas. Perto
do religiosismo que ainda grassa no mun-
do, a religio natural um belo paradig-
ma. Mas toda a evoluo do conhecimen-
to nos sculos XIX e XX pe o conheci-
mento sobre o ser humano, seu compor-
tamento, sua ao moral e suas prticas
em novos patamares. A religio natural
deve ser tomada como
uma experincia tpica do
contexto iluminista, me-
lhor que o passado e
aqum do presente.
C.E.Voc defende a
ideia que o ncleo do espi-
ritismo a cincia, e afir-
ma que se algum dia a
cincia demonstrar que
no existe o esprito, en-
to o espiritismo no tem
mais razo de ser. Bom,
nossa cultura cientfica
amplamente materialista
e j desacredita o esprito
e a dimenso espiritual. O
que pensar disso?
A.L.M. No h cincia
sem concretude e materialidade. Ela tra-
balha com factualidade, prova, causalida-
de. Neste sentido, pode-se ento falar da
cincia do esprito como campo de inves-
tigao, legitimado a partir de indcios e
sugestes. Quando houver, a prova do
esprito s poder ser cientfica e, portan-
to, material.
C.E.Existem vrias formas de ser esp-
rita?
A.L.M. Tantas quanto as formas de ser
mdico, qumico, matemtico, astrno-
mo, tcnico em eletrnica
etc.
C.E. Voc tem trabalha-
do com a ideia de que o
Estado e o Direito repre-
sentam o status quo da
sociedade. Qual o papel do
jurista face s injustias e
violncias dos nossos tem-
pos?
A.L.M. O papel do juris-
ta se engajar na transfor-
mao do mundo, no co-
mo jurista, mas sim como
batalhador das causas do
povo e da superao do
mundo capitalista.
C.E.- No uma contradi-
o ser jurista numa sociedade onde o
direito representa a garantia das violn-
cias?
A.L.M. Sim, e isso est no s no ju-
rista, mas em todas as profisses, prti-
cas e aes de nossa sociabilidade. O ca-
pitalismo planta, de ponta a ponta, a con-
tradio. O cortador de cana lavra a terra
para uma mercadoria cuja finalidade
pouco importa sociedade. A professora
educa para habilidades tcnicas. O jurista
age para a eterna circulao das merca-
dorias, dando a propriedade aos seus
donos. preciso escapar totalmente do
caleidoscpio da mercadoria.
C.E.Voc aceitou participar do EJE-
ES. Como o enxerga e qual
a importncia deste tipo de evento?
A.L.M. Em primeiro lugar, ser uma
alegria voltar mais uma vez ao Esprito
Santo e rever amigos fraternos e encon-
trar e falar aos novos companheiros.
Alm disso, fundamental abrir o espao
de encontro entre pessoas com o firme
propsito de avanar no conhecimento e
no transbordar de um slido saber em
favor da transformao social.
Acima: Alysson apresenta aula no IV Curso Livre Marx Engels, no lanamento de "Estado e forma poltica, abaixo: entrega en-to candidata a presidncia e orientanda Luciana Genro carta sobre o socialismo.