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Criminologia noBrasil

História eaplicações clínicase sociológicas

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Alvino Augusto deSÁ

Davi de Paiva CostaTangerino

Sérgio SalomãoShecaira

(COORDENADORES)

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Bruno Shimizu

Danilo Cymrot

Fernando José daCosta

Hugo Leonardo

Jovacy Peter Filho

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Marianna MouraGonçalves

Rafael Mafei RabeloQueiroz

Thaís Dumêt Faria

Vivian SchorscherFechamento desta edição: 29 deoutubro de 2010

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Sumário

Capa

Folha de rosto

Cadastro

Copyright

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Os autores

1. Exclusão moderna e prisão antiga

1.1 A Exclusão Moderna

1.2 A Prisão Antiga

1.3 Considerações Finais

1.4 Referências Bibliográficas

2. Tobias Barreto: polêmicas edireitos da mulher

2.1 Quem Foi Tobias Barreto

2.2 O Polêmico Tobias Barreto

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2.3 O Estudioso E Culto Tobias Barreto

2.4 A Filosofia E A Poesia De TobiasBarreto

2.5 Tobias Barreto E Seus Demônios

2.6 Tobias Barreto E Castro Alves

2.7 Tobias Barreto E Os Direitos DaMulher

2.8 Considerações Finais

2.9 Referências Bibliográficas

3. As origens da pena privativa deliberdade e o seu significado naestrutura social brasileira

3.1 Introdução: A Economia Política Da

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Pena

3.2 Cárcere E Disciplina Do Trabalho

3.3 A Pena Privativa De Liberdade NoImpério: O Impossível Panóptico-Tropical Escravista

3.4 A Pena Privativa De Liberdade NaRepública E O Nascimento DoProletariado Nacional

3.5 A Sociedade Do Controle

3.6 O Perfil Atual Da PopulaçãoCarcerária Brasileira

3.7 Considerações Finais

3.8 Referências Bibliográficas

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4. Oxalá, conhecêssemos NinaRodrigues!

4.1 Nina Rodrigues, Uma História(Quase) Perdida Para O DireitoBrasileiro

4.2 Obras E Vida (Quase Esquecidas)De Raimundo Nina Rodrigues

4.3 As Raças Humanas E A “Ilusão DeLiberdade”

4.4 Nina Rodrigues: O Autor Maldito!

4.5 Nós Pensamos!

4.6 Referências Bibliográficas

5. Recontando a história racial no

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Brasil: o pensamento criminológicopositivista na visão de CandidoMotta e a sua realocação políticacomo pressuposto histórico deanálise

5.1 Introdução

5.2 Contextualização Histórica Do FinalDa Escravidão: Visão Institucional EPrática

5.3 A Criminologia Positivista No Brasil:As Faculdades De Direito De Recife ESão Paulo

5.4 Apontamentos Biográficos DeCandido Motta

5.5 A Produção Intelectual De CandidoMotta

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5.6 A Questão Racial No Brasil

5.7 Considerações Finais

5.8 Referências Bibliográficas

6. Que havia de novo nas novidadesdo positivismo penal? Uma análisecontinuísta de EsmeraldinoBandeira

6.1 Esmeraldino Bandeira Dentro DoPositivismo

6.2 A “Orientação Social” DoPositivismo De Esmeraldino Bandeira

6.3 O Positivismo De Bandeira VoltadoÀ Prática: A Implementação Do SursisNo Brasil

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6.4 “Condenação Condicional“: UmaNova Orientação Para O Direito Penal?

6.5 Considerações Finais

6.6 Referências Bibliográficas

7. Aplicações ecológicas à São Paulono final do século XIX

7.1 Notas Quanto À Ecologia Humana

7.2 Aplicações Ecológicas AoSurgimento Da Cidade De São Paulo

7.3 As Primeiras Áreas Naturais DeSão Paulo

7.4 A Escola Criminológica De Chicago

7.5 Aplicações Ecológicas À São Paulo

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Do Século XIX

7.6 Referências Bibliográficas

1. Do viés médico-psicológico aoviés crítico da Criminologia Clínica:mudanças no enfoqueinterpretativo dos fatoresapontados nos examescriminológicos

1.1 Considerações Iniciais

1.2 A Questão Do Viés Na CriminologiaClínica

1.3 Os Fatores CriminológicosConsiderados Relevantes Ao LongoDas Práticas Penitenciárias

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1.4 Mudanças Nos EnfoquesInterpretativos

1.5 Considerações Finais

1.6 Referências Bibliográficas

2. Um panorama crítico sobre opensamento criminológico clínicono Brasil

2.1 Criminologia Clínica: Objeto EDefinições

2.2 A Recepção Da CriminologiaClínica No Brasil E Seus PrincipaisAutores

2.3 Multiplicidade De TeoriasSobrepostas

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2.4 Fervor Classificatório

2.5 Medicalização Do Crime

2.6 Considerações Finais –Abordagem Crítica

2.7 Referências Bibliográficas

3. Coculpabilidade evulnerabilidade: considerações apartir de um realismo jurídico-penal

3.1 Introdução

3.2 Algumas Considerações Sobre ATeoria Da Coculpabilidade

3.3 Considerações Finais

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3.4 Referências Bibliográficas

4. Os conselhos penitenciários, osconselhos da comunidade e agestão democrática dos presídios

4.1 Introdução

4.2 A Natureza Jurídica Da ExecuçãoPenal

4.3 A Natureza Jurídica Da ExecuçãoPenal No Ordenamento JurídicoBrasileiro

4.4 Os Conselhos Penitenciários E OsConselhos Da Comunidade

4.5 Os Conselhos Penitenciários

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4.6 As Atribuições Dos ConselhosPenitenciários E O ComponenteDemocrático Da Gestão Dos Presídios

4.7 O Desempenho Dos ConselhosPenitenciários No SistemaPenitenciário Nacional E A EmergênciaDos Conselhos Da Comunidade

4.8 A Origem Dos Conselhos DaComunidade No Ordenamento JurídicoBrasileiro

4.9 Os Conselhos Da Comunidade NaDisciplina Da Lei No 7.210, De11/07/1984

4.10 As Atribuições Dos Conselhos DaComunidade Na Lei No 7.210,11/07/1984, E A Contribuição DessesÓrgãos Para A Gestão Democrática Da

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Execução Penal

4.11 Propostas Para Ampliar A AtuaçãoDos Conselhos Da Comunidade

4.12 Considerações Finais

Apêndice – Histórico Do ConselhoPenitenciário De São Paulo

4.13 Referências Bibliográficas

5. As Apacs (Associações deproteção e assistência aoscondenados) e os CRs (Centros deressocialização): sua história e suasideias

5.1 Introdução

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5.2 Evolução Histórica De Apacs ECRs

5.3 Descrição De Apacs E CRs

5.4 Comparação Crítica Dos ModelosE Das Práticas

5.5 Considerações Finais

5.6 Referências Bibliográficas

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Cadastro

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Os autores

Alvino Augusto de Sá, Professor deCriminologia (clínica) da Faculdade deDireito da USP.

Davi de Paiva CostaTangerino, Doutor e mestre em DireitoPenal e Criminologia (USP). Professor daFaculdade Nacional de Direito(Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Sérgio Salomão Shecaira, ProfessorTitular da USP e ex-presidente do

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IBCCRIM.

Bruno Shimizu, Defensor Público doEstado de São Paulo. Mestrando emCriminologia pela USP.

Danilo Cymrot, Mestrando emDireito Penal pela Faculdade de Direito daUniversidade de São Paulo.

Fernando José da Costa, Advogadocriminalista, mestre em Direito Penal(USP) e doutorando (USP e Universidadede Sassari – Itália).

Hugo Leonardo, Advogadocriminalista, graduando na Faculdade deHistória da Universidade de São Paulo,diretor do Instituto de Defesa do Direitode Defesa (IDDD).

Jovacy Peter Filho, Mestrando em

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Direito penal (USP) e Vice-Presidente daAcademia Brasileira de Direitos Humanos(ABDH). Advogado.

Marianna MouraGonçalves, Mestranda em DireitoProcessual Penal (USP). Pós-graduaçãolato sensu em Direito Penal Econômico eEuropeu pelo Instituto de Direito PenalEconômico e Europeu da Faculdade deDireito da Universidade de Coimbra emparceria com o Instituto Brasileiro deCiências Criminais. Advogada.

Rafael Mafei RabeloQueiroz, Doutor em Direito pela USP.Coordenador de pesquisas da Escola deDireito de São Paulo da Fundação GetúlioVargas (Direito GV) e professor daFaculdade de Direito da Universidade SãoJudas Tadeu.

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Thaís Dumêt Faria, Advogada,mestre em Direito pela UnB e doutorandaem Direito pela UnB.

Vivian Schorscher, Doutoranda emDireito Penal (USP), pesquisadora naForschungsstelle für Strafrechtstheorieund Strafrechtsethik (Instituto de DireitoPenal da Universidade deFrankfurt/Alemanha), especialista emDireito Penal Econômico Internacional(IDPEE/IBCCRIM), bacharel em Direitopela Faculdade de Direito da USP.

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1

Exclusãomoderna e prisãoantigaSérgio Salomão Shecaira*

SUMÁRIO

1.1 A exclusão moderna.

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1.2 A prisão antiga.1.3 Considerações finais.1.4 Referências bibliográficas.

1.1 A exclusãomodernaA sociedade burguesa moderna,resultante do fim do períodomedieval, nada fez senão substituiros antagonismos de classe.Senhores feudais opressores foramsubstituídos por burgueses queinstauraram novas condições de

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opressão.1 Da mesma forma quenos albores do Capitalismo, osindesejados eram mandados àprisão, e contemporaneamente omesmo se faz, ainda que com outrafinalidade. O surgimento da prisãoenquanto pena explica-se menospela existência de um propósitohumanitário e idealista dereabilitação do delinquente, e maispela necessidade emergente de seter um instrumento disciplinadorda mão de obra, tão necessária nosprimórdios do regime capitalista.

Durante séculos, a Europa, emprocesso modernizador, despejavasua mão de obra excedente em

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outros continentes ou utilizavaformas punitivas para dar umautilidade ao trabalho. Até meadosdo século XVIII, era comum que oscondenados fossem vendidos paraas potências marítimasmediterrâneas a fim de quetrabalhassem nas galés. Pessoaseram tratadas como lixo humano. Oepisódio histórico conhecido comoA grande fome, ocorrido na Irlandaem pleno século XIX, mostra comoas condenações em massa, bemcomo expulsões para outroscontinentes, foram duas soluçõesconvergentes – ainda que distintas– encontradas pelos governos para

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se livrarem de pessoasdescartáveis.2

Enquanto a produção do “lixohumano”3 prossegue inabalada nospaíses centrais, seja na Europa, sejana América do Norte, com oaumento das taxas deencarceramento, os países doTerceiro Mundo, além deamontoarem o seu próprio “lixohumano” em favelas, tambémoptam por caminhosencarceradores. Utilizando umadefinição conservadora do que sejafavela, cerca de 1 bilhão de pessoasviviam nesse tipo de habitação aoredor do mundo no ano de 2005,

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segundo dados da ONU. E 99,4%dos etíopes, 92,1% dos tanzanianos,85,7% dos sudaneses, 55,5% dosindianos e 36,6% dos brasileirosvivem em casas de madeira oupapelão com inadequado acesso aágua potável e condições sanitáriasprecárias.4

Os índices de encarceramentotambém sobem assustadoramente,quer nas potências centrais, quernos países periféricos. Em 1994, deacordo com o primeiro censopenitenciário, o Brasil tinha 129.169pessoas encarceradas. Issosignificava um índice de 88 presospor 100.000 habitantes. Em julho de

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2007, segundo dados doDepartamento PenitenciárioNacional (Depen), estavam emcárceres brasileiros 419.551 pessoas,para um índice de 227 presos por100.000 habitantes.5 Em meados de2009, dados apontam para cerca de460.000 presos no Brasil.

A irrevogabilidade da exclusão,segundo Bauman, é consequênciadireta da decomposição do EstadoSocial. O definhamento, o declínioe a ruptura do projeto social fazemdesaparecer as oportunidades deredenção e a eliminação do direitode apelar por esperança. Em vez dacondição de desemprego – termo

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que indica uma aflição temporáriaque pode ser curada –, não teremprego é cada vez mais percebidocomo um estado de redundância.Não ter emprego implica serdescartável, talvez para sempre, porser rotulado como supérfluo, inútil,não empregado e destinado a vivercomo economicamente inativo.6 Nacaracterização de Agambem, omodelo ideal-típico de pessoaexcluída é oferecido pelo homo sacer,categoria do direito romanoestabelecida fora da jurisdiçãohumana sem ser trazida para odomínio da lei divina. A vida de umhomo sacer é desprovida de valor,

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seja terrenamente, seja em termosdivinos.7

O paradoxo da pós-modernidadese traduz por uma equaçãotemporal. Enquanto as pessoaslivres estão constantementeocupadas e sem tempo para suasatividades pessoais, vivendo em umpresente perpétuo, isolados dopassado e também do futuro,condenam-se alguns à perda daliberdade, ilhando-os em ummundo oposto: redundante e inútil.Estas pessoas são esfaceladas ediluídas em um mundo em quenada acontece. Elas não maiscontrolam o tempo, bem como não

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são controladas por ele, como osancestrais do mundo fabril,governadas que eram pelo relógio.Elas só podem matar o tempo,enquanto, ao poucos, o tempo asmata.8

A ideia pode ser posta nosseguintes termos: na modernidadehavia as instituições e seus muros;na pós-modernidade, esses murosnão deixam de existir, masacompanha-se um movimentocontínuo em que a vigilância seespraia por toda a sociedade. Ocontrole extrapola os muros e sedistribui em uma rede social emque se alcança toda a subjetividade.

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A sociedade disciplinar passa a sersubstituída pela sociedade decontrole, permanentementemarcada pela interpenetração deespaços, por uma suposta ausênciade limites e pela instauração de umtempo contínuo no qual osindivíduos não conseguemterminar coisa alguma. Todos seenredam em uma prisão contínua,de dívida impagável, prisioneirosem céu aberto.9

Se na sociedade disciplinar doséculo XIX interna-se o anormal,por ter praticado atos contra anatureza, na pós-modernidade asconformações políticas estendem a

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dominação às comunidades comoum todo. Na disciplina identificadapor Foucault do século XIX, asociedade da repressão forma umarquipélago de manicômios,prisões e asilos em que osperigosos e doentes são recolhidos.De outro lado, constrói-se umimenso continente de conservação,contendo escolas, seminários,indústrias, universidades, bancos,hospitais etc.10

A despeito da liquefação daprisão, com o multifacetadocontrole existente sobre todos oscidadãos, sobrevive entre nós aprisão de Pelican Bay como ideia de

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segurança máxima. O importantedesse tipo de modelo prisional éque os internos fiquem ali. Omodelo de supermax state prison foiprojetado como fábrica de exclusãoe de pessoas habituadas à suacondição de excluídas. Sua marca,na era da compressão espaço-temporal, está na imobilidade e nasua invisibilidade social.11 Não poroutra razão, nasce um mecanismolegal para acolhê-la: o regimedisciplinar diferenciado.

A passagem da sociedadedisciplinar para a sociedade decontrole não determina, no entanto,a supressão de uma em detrimento

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da outra. Existe uma metamorfosedo espaço prisional definido para oespaço indeterminado. “Docontrole de superfície eprofundidade da sociedadedisciplinar, investindo no corpo útile dócil da população, passamospara o controle a céu aberto.Importa para o Estado quem é vivo,estar vivo e não mais fazer viver.”12

Se os antagonismos de classeforam substituídos por outros, maisfluidos, persistiu o confinamentoespacial, ainda que com outrascaracterísticas. A separação dosespaços comuns, que produz umconfinamento forçado, tem sido, ao

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longo dos anos, transcendente aosregimes e aos modos de produção,tornando uma forma quase viscerale instintiva de reagir a todadiferença e particularmente àdiferença que não podia seracomodada no seio das relaçõessociais. No Brasil, o instituto daprisão tinha uma contradição aindamaior. Se for verdade que algunsescravos eram confinados emsenzalas, não é menos verdade queas penitenciárias também osencarceravam ao lado de homenslivres. A contradição existentecontemporaneamente entre prisões“ultramodernas”, no sistema

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Pelican Bay, com verdadeirasmasmorras medievais –identificadas com o PresídioCentral de Porto Alegre, Casa deCustódia de Viana, nas cercanias deVitória, ou Presídio Aníbal Bruno,no Recife –, está a exigir umadigressão histórica para análise dosurgimento desse paradoxo.

1.2 A prisão antigaO Brasil do descobrimentoconviveu um largo período com asOrdenações do Reino. AsOrdenações Afonsinas, publicadasem nome de D. Afonso V, em 1446,

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eram o principal diploma punitivoquando do descobrimento. Nãotiveram efetiva vigência no Brasil,por ter a colonização brasileiratardado cerca de 30 anos.Sucederam-na as OrdenaçõesManuelinas, de 1521, publicadas emnome de D. Manuel. A prisão comopena era rara, servindo na maioriadas vezes como expedientenecessário à execução da pena demorte. Por fim, as OrdenaçõesFilipinas, publicadas em nome deD. Felipe II, em 1603, vigeram noBrasil até o advento do CódigoCriminal de 1830. Esse período foimarcado pela dominância da pena

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de morte e pelas penas vis (açoite,corte de membro, galés e outras),continuando a existir a prisão nãocomo fim, mas sim como meionecessário à execução das penascorporais e capital.

A vinda da família real em 1808marca o início de algumasmudanças que só se acentuarãocom a independência conquistadaem 1822, a Constituição de 1824 e oCódigo Criminal de 1830. Aprimeira Constituição brasileiraprevia expressamente o fim dossuplícios e das penas infamantes. Oart. 179, XIX, estabelecia: “Desde jáficam abolidos os açoites, a tortura,

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a marca de ferro quente e todas aspenas cruéis”. Proibiam-se,ademais, o confisco, a declaração deinfâmia sobre os parentes do réu,além de estabelecer que a pena nãopassaria da pessoa do condenado edeveria ser cumprida em cadeiaslimpas, seguras e arejadas (art. 179,XX e XXI). O texto constitucionalapontava para a criação de umCódigo Criminal “fundado nassólidas bases de justiça eequidade.”

As cadeias, não obstante oprojeto de se tornarem limpas,seguras e arejadas, continuaram anão cumprir o vaticínio

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constitucional por muitos anos.Para a estruturação de qualquervila, era necessária a construção de“casas de câmara e cadeia”, comoeram chamadas as nossascarceragens. Antes daIndependência, eram construídasanexas às casas de câmara ounessas casas, destinadas aolegislativo, sendo reservada umasala ou um quarto que serviria deprisão. Normalmente, ficavam noporão das casas de câmara, o que,para a época, não era estranho,visto que as Câmaras aindapossuíam responsabilidadejurisdicional.13

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Um sistema penitenciáriosimplesmente inexistia. Auguste deSaint-Hilaire, ao conhecer o interiorbrasileiro em viagem exploradora,no período em que os sistemaspenitenciários americanos e,posteriormente, europeus eramconcebidos, faz descrição doscárceres que encontrou:

[…] existe uma prisão em cadavila ou sede de termo. O andartérreo das casas da câmara são,em todas as localidades,reservados aos presos, e são vistosàs grades, solicitando a piedadedos transeuntes ou conversando

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com eles. É necessário, aliás, queos encarcerados estejam, tantoquanto possível, em contato comos cidadãos, pois estes últimos éque os alimentam com suasesmolas.14

O Código Imperial de 1830reduziu o número de delitospunidos com a morte de 70 para 3(insurreição de escravos, homicídiocom agravantes e latrocínio). O casoMotta Coqueiro, réu executado noano de 1855, tem sido consideradoo último grande caso de pena demorte no Brasil. Descoberto o errojudiciário, o Imperador ficou muito

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chocado, tendo comutadosistematicamente todas as decisõesposteriores que chegaram a seuconhecimento. É verdade, também,que o escravo Pilar teria sidoexecutado no Estado de Alagoas em1876, o que bem mostra asdualidades, desde sempreexistentes no Império. Além damorte, galés, prisão com trabalho eprisão simples, desterro, multa.

O Código Criminal do Impériodeveria, ademais, ser umalegislação fundada nas bases daequidade e da justiça,contemplando o fim das penas deaçoites e de todas as demais penas

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cruéis. No entanto, os escravoscontinuavam a ser açoitados, nassenzalas e nas prisões. Em outubrode 1831, em arroubo humanitário,Feijó ordenou que o chicoteamentode escravos não excedesse o total deduzentos açoites por crime e,conforme especificado no Códigode 1830, não superasse o total decinquenta por dia. Em sua vigorosajustificativa mencionava-se que “osescravos são homens, e as leis oscompreendem”.15

As penas no período anterior aoCódigo Criminal de 1830continuavam a ser aplicadas semobediência aos princípios

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humanitários e restritivosdecorrentes da febre liberalinspirada pela Revolução Francesa.Muitas vezes conviviam com o novoordenamento imperial. Eramcomuns penas de trabalhoscumpridas em navios, naus e galés.Muitas punições eram cumpridasem navios de guerra: as chamadaspresigangas. A nau Príncipe Real,inutilizada para o serviço decombate, foi usada entre 1808 e1831 para prisão de condenados. Arigor,

[…] a presiganga não era, em simesma, uma pena ou um castigo,

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mas um local de passagem paracentenas de pessoas deslocadas,um local temporário, para estadascurtas: os presos não eram“condenados à presiganga”, masnela depositados por condenaçãoou imposição ao trabalho forçado,por recrutamento forçado ou parareceber castigo corporal. Portanto,esta prisão, em definitivo, não eracomo a prisão moderna, ou seja,um local de reclusão de indivíduoscondenados à pena privativa deliberdade.16

Na realidade, os presídiosconstituíam um ponto

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intermediário entre a aplicação dapena de degredo, desterro oumesmo outras mais graves, e a suaexecução. O presídio, comoinstituição, situava-se entre umaampla rede judicial metropolitana euma extensa administraçãocolonial, cabendo-lhe o papel deencaminhar pessoas consideradascriminosas para seus destinos. Era,pois, não mais do que um lugar depassagem, um local temporárioparas as pessoas que cumpririamoutras penas em rincões maislongínquos.17 Como bem observaFernando Salla, não há, para oscrimes previstos nas Ordenações,

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nenhuma pena que correspondasomente à prisão, no sentido deressocialização, pois esta não erauma concepção de punição para aépoca das Ordenações,18 assimcomo não o foi nos primeiros anosde aplicação da privação deliberdade no Império.

No período compreendido entrea vinda da Família Real até aprimeira década do SegundoReinado, ser prisioneiro no Brasilera estar confinado nas piorescondições e nas mais miseráveismasmorras. Os cárceres da capitalbrasileira não passavam deenxovias e depósitos nos quais as

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pessoas eram trancadas,permanecendo o prazo fixado pelasautoridades, e, às vezes, esquecidospor período maior de tempo do queaquele autorizado em decisãojudicial. A Casa de Correção do Riofoi inaugurada somente em 1850,tendo, nesse período, oencarceramento se desdobrado emdois distintos estabelecimentos: ocalabouço e o aljube.

O calabouço – cárcere construídopara escravos detidos por puniçãodisciplinar e/ou fugitivos – eradestinado exclusivamente paracontrole daqueles que não eramlivres, embora não fosse o único

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presídio designado aos escravos. Amaioria dos presos lá estava parareceber castigos disciplinares,tendo sido enviados pelosrespectivos senhores. Asautoridades recebiam 160 réis porcentena de chicotadas, mais 40 réis,por dia, para as despesas desubsistência do condenadoenquanto permanecesse docalabouço.19 Os homens quemanejavam o chicote também eramprisioneiros, no mais das vezescondenados por sentenças decrimes comuns. Ser humano noBrasil do século XIX não se opunhaa ser comprado vendido, amarrado,

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agrilhoado, açoitado ou atirado nasmasmorras fétidas, com ferrosgrampeando pescoço e pernas.20

O Estado, com sua estruturaburocrática, era simplesmenteutilizado para a correção dascondutas dos escravos pertencentesa particulares. Os mecanismospunitivos, em alguns lugaresrealizados nas senzalas, tambémusavam prisões governamentaispara a punição corporal derevoltosos, sendo estes devolvidosaos seus senhores em seguida. Asduas hierarquias de poder doImpério – tradicional e privado, deum lado, e “moderno” e público, de

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outro – faziam-se complementares,reforçando-se mutuamente. Taismundos contrastantes, um delespessoal e patriarcal e outro,impessoal e burocrático, eramgovernados por hierarquiasautoritárias que se combinavampara estabelecer mecanismoslimitativos da liberdade daspessoas.

Os métodos e estatísticas deperseguição policial e detençõesem áreas de produção de café eaçúcar, por exemplo, refletiam anecessidade de garantir a força detrabalho e o controle social sobre

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as populações negras escravas elivres. As prisões e o castigoforam usados, neste contexto,fundamentalmente para promovera continuação do trabalho escravoorientado à economia deexportação. Um reformador dasprisões culpou a “escravocracia”pela lentidão no processo dereforma carcerária, onde acorreção privada imposta aosescravos e outros trabalhadorescontinuava sendo a formapunitiva preferida tanto porautoridades como pelosproprietários de escravos.21

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A vinda da família real para oBrasil em 1808 determinou muitasmudanças no Rio de Janeiro. ACadeia da Relação foi transformadaem local para alojamentotemporário para os membros dacomitiva real, de modo que eranecessária a alocação doscriminosos comuns em outrasvagas prisionais. O Governo, então,requisitou junto à Igreja o uso docárcere eclesiástico, conhecidocomo aljube. Este foi cedido àCoroa, tendo funcionado até 1856.Era o principal destino da maioriados presos comuns, desde o garotoacusado de surrupiar uma fruta na

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venda até o mais violento doscriminosos. A prisão tinhacapacidade para umas 20 pessoas econtinha, em 1830, nada menos de390. Segundo o relatório decomissão que a visitou nesseperíodo,

[…] esta prisão, encostada aomorro da Conceição, é subterrâneade um lado, e do outro faz frente arua do mesmo nome; é por istodefeituosíssima, porque acomunicação imediata com a rua atorna pouco segura, e não permiteque se estabeleça no seu interior, adisciplina conveniente para a

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reforma dos pesos; pela suasituação já se vê que ela deve serúmida, insalubre, inabitável,sobretudo do lado da montanha.22

Pondere-se que o período, noâmbito do direito penal juvenil,ficou conhecido como etapa penalindiferenciada. Esta fase dopensamento caracteriza-se porconsiderar os menores de idadepraticamente da mesma forma queos adultos, fixando penasatenuadas e misturando adultos eadolescentes, quando não crianças,na mais absoluta promiscuidade.23

O Código Criminal do Império

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também inovou ao estabelecer aidade para a responsabilidadepenal, dizendo no § 1° de seu art. 10que não se julgarão criminosos osmenores de quatorze anos. Emborafossem considerados inimputáveis,os seus bens eram utilizados parareparação do mal causado (art. 11).No entanto, caso se demonstrasseque os menores agiram comdiscernimento, deveriam serrecolhidos às casas de correção,pelo tempo que ao juiz parecesserazoável, sem, contudo, exceder aidade de dezessete anos (art. 13).24

Por esse critério – o discernimento– podia-se justificar a punição de

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uma criança de oito anos, o que foiobjeto de inúmeras críticas.25 Sendoo réu menor de dezessete anos,porém maior de quatorze, podia ojuiz, se lhe parecesse justo, imporao autor do delito as penas decumplicidade. Na prática, issotraduzia uma significativaatenuação da pena, permitindo asubstituição da pena de morte porpena de galés, consistente emtrabalhos forçados a ferros.26

Embora o Código Criminal de 1830tenha atravessado fronteiras,servindo de inspiração para oCódigo espanhol de 1848, além dediversos outros latino-americanos,

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o governo brasileiro não oimplementou a contento. Já sedesrespeitava o direito dosadolescentes infratores, por não secumprir o que o próprio CódigoCriminal previa, que era orecolhimento dos menores às casasde correção, porquanto não foramconstruídas. É daí que os menores,na falta da instituição derecolhimento prevista em lei, eramlançados na mesma prisão que osadultos, em deplorávelpromiscuidade.27

Nunca é demais falar queconviveu com todo esse processopunitivo a chamada roda dos

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expostos, um dispositivo comorigem medieval. Inicialmenteutilizada para manter o máximo deisolamento dos monges reclusos, éposteriormente adotada tambémpara preservar o anonimato, masagora daqueles que depositam nelabebês enjeitados. No Brasil, oacolhimento de órfãos por meio daroda se estabelece no século XVIII,provavelmente antes de 1700, emSalvador, e em 1738, no Rio deJaneiro.28 Na província do RioGrande do Sul, as primeiras rodassão instaladas já em 1838, seguindoa tradição ibérica, segundo a qualcaberia a Santa Casa de

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Misericórdia o monopólio daassistência à infância abandonadacontando, todavia, com o auxílio efiscalização da respectiva CâmaraMunicipal.29 Em 1828, promulgou-se uma lei que repassava para asSantas Casas de Misericórdia aobrigação com os cuidados dosexpostos, colocandoas oficialmentea serviço do Estado. Foi um passoimportante na passagem da atençãoprivada à pública para com ainfância, pois, mesmo quando deresponsabilidade das CâmarasMunicipais, na realidade todo otrabalho e o custo ficavam a cargodas instituições de caridade, sem o

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reconhecimento público oficial.30

Essa instituição só deixou de existirno nosso meio em 1950. Uma vezrecebida pela Misericórdia, acriança seria criada por uma ama deleite geralmente até os três anos.As amas, mulheres pobres e namaioria sem nenhuma instrução,recebiam um pagamento pelosserviços prestados. Além disso,essa situação dava margem adiversos tipos de fraudes, comomães que abandonavam seus bebêse logo em seguida se ofereciamcomo amas de seus próprios filhos.O índice de mortalidade eraaltíssimo e nasce daí um processo

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de abandono que terá grandeimportância na formação daidentidade criminosa.

Antes da consolidação das leissobre amparo e proteção àinfância, a Matrícula dosExpostos era equivalente ao que éhoje o processo de abandono. Nelaeram registrados todos os dadosreferentes às condições deabandono da criança, as indicaçõesfornecidas através de “bilhetes”deixados por quem asabandonava, a ama de leite aquem era encaminhada e o destinodado a ela depois da “fase de

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criação”.31

Como é de imaginar, pela própriamistura de adultos, adolescentes ecrianças nesses cárceres, a tônicaera a superpopulação prisional. Asolução foi empregar o Exércitocomo uma instituição penal. Osquartéis acabaram se convertendoem instrumento punitivo, já nasegunda metade do século XIX.Muitos suspeitos de delitos de ruaforam utilizados como conscritos,sendo recrutados à força para serviro Exército, numa verdadeira“doação patriótica” na defesa dapátria.

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Enquanto, em seu momento demáxima capacidade, o sistemacarcerário como um todo alojavacerca de 10 mil indivíduos, oExército recrutava entre 8 mil e12 mil homens e adolescentesconsiderados delinquentes. Logo, oExército tinha a seu cargo aomenos tantos delinquentes quantoo sistema penal brasileiro. Não éde se surpreender. Por isto, aselites e as autoridades estataisbrasileiras mostravam tão poucoentusiasmo por reformar sua redede instituições carcerárias.32

Os índices de encarceramento no

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período não eram significativos,porquanto faltava à Coroa apossibilidade objetiva deconcretização das sentençascriminais. Assim, não obstante origor da legislação, visava-se àprodução de efeitos ideológicosinibitórios, muito mais que umaefetividade punitiva.33 As penasmais graves (morte, por exemplo)eram pouco aplicadas (e acabaramcaindo em desuso após o casoMotta Coqueiro, em 1850),enquanto a pena prisional foiparcialmente absorvida pelo serviçomilitar. Na prática, pois, o sistemapunitivo calcava-se muito mais em

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seu efeito simbólico do que em suaefetividade.

1.3 ConsideraçõesfinaisA sociedade globalizada dos diasque correm usa o encarceramentode forma totalmente distinta doque aquela utilizada no passado.Assim, por paradoxal que possaparecer, excluir faz parte dessareordenação imposta pelasociedade global. Diferentementede uma sociedade inclusiva, aglobalização afirma o fenômeno da

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sociedade excludente.

Se é mais barato excluir eencarcerar os consumidores falhospara evitar-lhes o mal, isso épreferível ao restabelecimento deseu status de consumidoresatravés de uma previdentepolítica de emprego conjugadacom provisões ramificadas deprevidência.34

Em outras palavras, é maisbarato excluir e encarcerar aspessoas do que incluílas noprocesso produtivo, transformá-las em ativas consumidoras,mediante a provisão de trabalho e

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permitir-lhes uma qualidade devida que cumpra a condição dedignidade constitucionalmenteprevista.35

As concepções de prisãosofreram variações ao longo dahistória. No Brasil im perialescravista foi um valor do mundopré-industrial que conviveu comvalores liber tários da RevoluçãoFrancesa e os valoresindividualistas do mundo moderno.A con cepção de que a liberdade é ooposto da prisão não condiz com omomento da nossa Independência,porquanto prisão, escravidão e

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liberdade formavam um triânguloes tranho se olharmos para asnossas leis, de carátersupostamente humanista. Entrenós, o instituto da prisão recebeuum contorno típico de sociedadeescravista, ao contrário da prisãomoderna situada em um mundoque valoriza a liberdade. O ideárioReformador Iluminista, a rigor, nãochega com a Independência, mascom as transformações industriaiscaracterísticas do final do séculoXIX e princípio do século XX. Aadoção do ideário positivista trouxenão só um pensamento ditocientífico da realidade, como criou

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a necessidade de modificação daspráticas punitivas.36

As prisões são muitas coisas aomesmo tempo. Ao longo do séculoXX o totalitarismo restringiu aliberdade dos indivíduos (China,Alemanha, União Soviética, entretantos exemplos) submetendomuitos de seus cidadãos atrabalhos forçados, a castigoscorporais e à pena de morte, semque tivessem passado por umdevido processo legal e semcometimento de delitos previstosem lei. O campo de concentração deGuantánamo está a denunciar quepessoas ainda são encarceradas por

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tempo indeterminado semacusação formal até que confessemo delito que supostamentecometeram, ou que deviam tercometido.

As prisões representam aomesmo tempo o poder e aautoridade do Estado. Não poroutra razão só existia a Vila ondehouvesse Casa de Câmara e Cadeia,da mesma forma que só há Ordeme Segurança quando a pós-modernidade encarcera aosborbotões. São, no dizer de CarlosAguirre,

[…] arenas de conflito, negociação

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e resistência, espaços para acriação de formas subalternas desocialização e cultura; poderosossímbolos de modernidade (ou aausência dela); artefatos culturaisque representam as contradições etensões que afetam as sociedades;empresas econômicas que buscammanufaturar tanto bens deconsumo como eficientestrabalhadores; centros para aprodução de distintos tipos deconhecimentos sobre as classespopulares.37

No entanto, as prisões sãotambém locais em que se testam

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novos e caros instrumentos dasultratecnológicas prisões privadasvivendo em territórios tão próximosde masmorras medievais.38 Elas nãosão apenas excessivas, masredundantes. Cada vez mais sãomão de via única, liquefazendo-se ovelho e surrado discurso daressocialização.

A indústria do controle do crime,em rápido processo de crescimento,é parte da lucrativa forma de fazerdinheiro, não importando os custosdisso. Campos de detençãoforçados e transporte são criados naEuropa para devolver para oTerceiro Mundo cidadãos

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indesejados. São eufemisticamentedesignados de “Centros deProcessamento de Trânsito”.39

Entretanto, novas prisões, quecontinuam a explorar o trabalhohumano, são vendidas como asolução. Cria-se a demanda do“serviço público”, isto é, a prisão, eocupa-se o “serviço” com seusdestinatários de sempre.

1.4 ReferênciasBibliográficas

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15. MARX, Karl. Manifesto doPartido Comunista. SãoPaulo: Alfa-Omega, [s.d.], p.22.

16. MASSA, Patrícia Helena.Menoridade penal no

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direito brasileiro. RBCCrim.n. 4, out.-dez., 1993.

17. Moraes Evaristo de. Prisões einstituições penitenciárias noBrazil Rio de Janeiro:Livraria Cons. Cândido deOliveira; 1923.

18. Neder Gizlene. Sentimentos eideias jurídicas no Brasil:pena de morte e degredo emdois tempos. História dasprisões no Brasil. 1 Rio deJaneiro: Rocco; 2009.

19. Passeti Edson. Anarquismos esociedade de controle SãoPaulo: Cortez; 2003.

20. Paula Paulo Afonso Garrido

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de. Direito da criança e doadolescente e tutelajurisdicional dieferenciadaSão Paulo: Revista dosTribunais; 2002.

21. Saint-Hilaire Auguste de.1779-1853: viagens pelasprovíncias do Rio de Janeiro eMinas Gerais Itatiaia: BeloHorizonte; 2000.

22. Salla Fernando. As prisões emSão Paulo: 1822–1940 2 SãoPaulo: Annablume; Fapesp;2006.

23. Saraiva João Batista Costa.Compêndio de direito penaljuvenil: adolescente e ato

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infracional 3 Porto Alegre:Livraria do Advogado; 2006.

24. Schecaira Sérgio Salomão.Pena e política criminal: aexperiência brasileira. In: SáAlvino Augusto, SchecairaSérgio Salomão, eds.Criminologia e os problemasda atualidade. São Paulo:Atlas; 2008.

25. Silva Roberto da. Os filhos dogoverno: a formação daidentidade criminosa emcrianças órfãs e abandonadasSão Paulo: Ática; 1997.

26. Sposato Karyna Batista.Direito penal juvenil São

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Paulo: Revista dosTribunais; 2006.

*Professor Titular da USP e ex-presidentedo IBCCRIM.1Marx, Karl. Manifesto do Partido Comunista.p. 22.2Donnelly Jr., James S. Mass eviction andthe great famine. p. 155.3Bauman, Zygmunt. Europa. p. 103.4Davis, Mike. Planeta favela. p. 33-34.5Shecaira, Sérgio Salomão. Pena e políticacriminal: a experiência brasileira. p. 321.6Bauman, Zygmunt. Ibidem, p. 102.7Agambem, Giorgio. Homo Sacer: o podersoberano e a vida nua. p. 82.

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8Bauman, Zygmunt. Globalização: asconsequências humanas. p. 96.9Costa, Rogério da. Sociedade de controle.p. 161.10Passeti, Edson. Anarquismos e sociedade decontrole. p. 240.11Bauman, Zygmunt. Globalização: asconsequências humanas. p. 121.12Passeti, Edson. Ibidem, p. 251.13Ferreira, Carlos Lélio Lauria; Valois, LuisCarlos. Sistema penitenciário do Amazonas:história, evolução, contexto atual. p. 41.14Saint-Hilaire, Auguste de. 1779-1853:viagens pelas províncias do Rio de Janeiroe Minas Gerais. p. 159.15Holloway, Thomas. O calabouço e oaljube do Rio de Janeiro no século XIX. p.

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258.16Fonseca, Paloma. A presigança real (1808-1831): trabalho forçado e punição corporalna marinha. p. 110.17Op. cit., p. 112.18Salla, Fernando. As prisões em São Paulo:1822-1940. passim.19Holloway, Thomas. Idem, p. 255.20Op. cit., p. 258.21Aguirre, Carlos. Cárcere e sociedade naAmérica Latina. p. 49.22Moraes, Evaristo de. Prisões e instituiçõespenitenciárias no Brazil. p. 8.23Saraiva, João Batista Costa. Compêndio dedireito penal juvenil: adolescente e atoinfracional. p. 19.

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24Campos, Nuno. Menores infratores. p. 92.25Massa, Patrícia Helena. Menoridadepenal no direito brasileiro. p. 128.26Paula, Paulo Afonso Garrido de. Direitoda criança e do adolescente e tutelajurisdicional diferenciada. p. 84.27Carvalho, Francisco Pereira de Bulhões.Menores e adultos desajustados e em perigo:direito recuperativo e preventivo do menore do adulto. p. 28.28Sposato, Karyna Batista. Direito penaljuvenil. p. 27.29Segundo o Livro I, Título 88, dasOrdenações Filipinas, a responsabilidadepela criação dos órfãos era das CâmarasMunicipais. No entanto, em 1775, o Alvarádo Ministro Sebastião José de Carvalho eMello atribuía a responsabilidade pela

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assistência aos expostos apenas à SantaCasa.30Fajardo, Sinara Porto. Retórica e realidadedos direitos da criança e do adolescente noBrasil: uma análise sociojurídica da LeiFederal n° 8069, de 13 de julho de 1990.Trabalho de doutorado inédito. Zaragoza,2003, p. 68.31Silva, Roberto da. Os filhos do governo: aformação da identidade criminosa emcrianças órfãs e abandonadas. p. 68.32Aguirre, Carlos. Cárcere e sociedade naAmérica Latina. p. 49-50; no mesmosentido: Holloway, Thomas. O calabouço eo aljube do Rio de Janeiro no século XIX. p.264.33Neder, Gizlene. Sentimentos e ideiasjurídicas no Brasil: pena de morte edegredo em dois tempos. p. 49-50.

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34Idem, p. 25.35Não se está, aqui, a cometer o equívocode deixar a impressão de estarmosjustificando toda a criminalidade noâmbito do processo de desigualdade eexclusão social, algo que só seriaconcebível dentro da perspectiva de umavisão erroneamente economicista edeterminista. Não. Cremos, contudo, queequívoco maior seria ignorar e nãodestacar a existência da produção dadelinquência nos guetos de misériagerados pela sociedade globalizada e pós-moderna. Já se disse alhures que o “custoBrasil”, com encargos sociais altíssimosque se impõem aos empregadores, chega adobrar – para o empregador – aquilo que oassalariado irá receber. Se isso é verdade,o que gasta um empresário com uma mãode obra semiqualificada não será muito

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distante do que o Estado gasta com umencarceramento desse mesmotrabalhador.36A modificação dos padrões de“modernidade” na persecução penal sóserá aperfeiçoada em meados do séculoXX. É nesse período que os métodoscientíficos do positivismo italiano,associado às novas técnicas processuais,são trazidos para os inquéritos policiais. Oarsenal aplicado para inquirição detestemunhas e acusados incluía tanto oteste de Rorschacch quanto o de Jung-Bleuler, conforme bem o narra BorisFausto em seu livro O crime do restaurantechinês: carnaval, futebol e justiça na SãoPaulo dos anos 30, principalmente, p. 87 etseq. Da mesma forma, os estudosantropológicocriminais já têm odesenvolvimento das técnicas da escola

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antropológica italiana implementadas nasinstituições que tratavam de suadisseminação, como a Sociedade deMedicina Legal e Criminologia, criada em1921, ou mesmo a Faculdade de Medicinade São Paulo (criada em 1918), que recebea contribuição decisiva de Oscar Freire àfrente da cadeira de medicina legal.37Aguirre, Carlos. Cárcere e sociedade naAmérica Latina. p. 35.38Vide, especialmente, o relatório doCNPCP (www.mj.gov.br/cnpcp), quemostra, que no Complexo de Viana duasultramodernas prisões convivem com oquase escombro de uma casa de detenção(a chamada Cascuvi), onde pessoas seamontoam, e mortes sucessivaschamaram a atenção das autoridadesnacionais e internacionais. Pessoas queestão presas tornaram-se escravas de

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organizações criminosas.39Bauman, Zygmunt. Europa. p. 106.

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2

Tobias Barreto:polêmicas edireitos damulherFernando José da Costa*

SUMÁRIO:

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2.1 Quem foi Tobias Barreto.2.2 O polêmico TobiasBarreto.2.3 O estudioso e culto TobiasBarreto.2.4 A filosofia e a poesia deTobias Barreto.2.5 Tobias Barreto e seusdemônios.2.6 Tobias Barreto e CastroAlves.2.7 Tobias Barreto e osdireitos da mulher.2.8 Considerações finais.

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2.9 Referências bibliográficas.

2.1 Quem foi TobiasBarretoEsta notável e particular pessoanasceu em Campos, no Estado deSergipe, no dia sete de junho de1839. Estudou latim após terminaros estudos primários para, já aosquinze anos de idade, receber otítulo de professor daquela matéria.

Morou na Bahia e emPernambuco, onde, neste último, seformou em Direito em 1869. Em

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1882 iniciou sua fase em Recife como concurso para lente da Faculdadede Direito desta província.

Advogou, mesmo a contragosto.Não gostava da advocacia. Mais queisso, não colocava crédito na justiça,inclusive chegou a chamá-la deprostituta em certa ocasião em queviu desmedida crueldadeimpingida a um escravo, e não maislhe fornecia recursos o direito parafazer cessar aquela situação.

Como ato de protesto, alforriouos seus escravos, mas não semantes dirigir ao direito a afirmaçãode que não sabe onde mora ajustiça, mas, se soubesse, não a

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visitaria, pois não é de bomcomento que um homem entre emcasa de prostituta durante o dia.

Trabalhou, ainda, em umapequena tipografia de suapropriedade, na qual rodava jornaise folhetins. Desta tipografia nosconta uma cômica passagem ahistória.1

Pobre, sem recursos para seupróprio sustento, chegando a serauxiliado por amigos, faleceu no diavinte e seis do mês de junho do anode 1889. Em 1893 foi publicado seuúnico livro de poemas, escrito aindana mocidade, Dias e noites.

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2.2 O polêmicoTobias BarretoComo falar de Tobias Barreto semfalar de suas polêmicas? Falar sobreas polêmicas de Tobias Barreto, poroutro lado, é ser redundante,porquanto, se direito a alcunhá-lotivéssemos, outro não seria seupseudónimo senão “O polêmico”.

Não houve um assunto debatidoà sua época do qual não tenhaparticipado,dado seu ponto de vistasempre explicitado, custasse aquem custasse. Isto porque era estehomem polêmico detentor degrande cultura. Era um estudante

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compulsivo. Cultuara artes, versara-se em direito, filosofia, literaturanacional e estrangeira,política,enfim, querendo, sobrequalquer assunto Tobias poderiafalar com maestria.

Não fazia muita questão de seramigo de todos, menos ainda separa isso tivesseque reprimir suasfilosofias, seu pensar. Não aceitavaignorãncias. Acreditava que muitose deixou de por aqui se produzirpor falta de qualificação dosformadores de opinião. Sabia-semais inteligente e melhorpreparado, mais culto que a nata dasociedade pernambucana, razão

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pela qual não se conformava comopiniões descabidas acerca dequalquer assunto, tampoucoadmitia críticas à sua pessoa,viessem elas de quem quer quefosse.

Tanto assim que mesmo comSylvio Romero, gigantepersonalidade com quem guardouprofunda amizade ecompanheirismo, Tobias Barretoteve desavenças por com ele nãoconcordar em muitas coisas. SylvioRomero, por exemplo, entendia queo estudo e a interpretação dascoisas que com o homem ou com avida humana se relacionava e o

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método de investigaçãoidentificador e explicador dasregularidades sociais constituíamverdadeira ciência, aliás,entendimento hoje incontestável.

Tobias Barreto, por sua vez,criticou por toda a sua vida estaciência denominada“antropologia”, pois entendia quenão tinha valor científico tal estudo.

Mesma posição tomava TobiasBarreto em relação às ciênciassociais, folclore e poesia popular,das quais Sylvio Romero era árduodefensor.

Não desacreditava de taisciências de forma desarrazoada,

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porém, inegavelmente, de formaequivocada se pensada em nossosdias. Pois bem. Se assim era emrelação a postulados e dogmaslegítimos, qual sua atitude no quetange às áreas em que era dotadode razão e acerto?

2.3 O estudioso eculto Tobias BarretoEmbora suas obras tenham sidopublicadas por força de um Decretodo Estado de Sergipe em 1923 sob oargumento de que

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a administração não póde serindifferente, á memoria dos queglorificaram a Patria. Zelar-lhespela permanente e viva lembrançaJ das ideias grandiosas ou dosfeitos varonis é dever mesmoprecipuo dos governos, como umestimulo moral ás geraçõesfuturas,2

Tobias Barreto é pouco lido pelaclasse de leitores modernos e,quando lido, lembrado mesmo porsuas polêmicas como apontamos jáde agora, início deste estudo, comose estas fossem tudo o que tivesseproduzido.

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Poucos conseguem ver além dasquerelas em que se envolveuTobias. Fossem suas polêmicas suaúnica marca, por só seriamerecedor de nossa atenção, poisdelas são extraídos verdadeirosexemplos de ideias concatenadas,argumentação apurada e de justiça.

Tobias Barreto, mesmo quandodesprovido de razão, trazia-nosargumentos de tal grandezaconvincentes que arrancava credodos mais céticos, pois tinha culturabastante para convencer seusouvintes, seja pelo conhecimentoda literatura nacional, seja pelascitações que fazia de autores

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estrangeiros. Cumpre salientar quea literatura estrangeira era, ao seutempo, tida como verdadeiroargumento de autoridade, eis queem uma sociedade de identidaderarefeita o belo é o estranho.

Mas, como ponderado, Tobiasnão foi apenas um homempolêmico. Foi antes de tudo umgênio. Um gênio da estirpe quepoucos puderam suceder-lhe emnosso meio. Graça Aranha assim odisse.

Um visionário amante deliteratura, nacional e estrangeira, e,dentre estas últimas, merecedoresde destaque, os escritos

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germãnicos. Conhecia, e bem, alíngua tedesca. Davam-lhe nosnervos as traduções mal feitas desteidioma, igual ojeriza causavam-lheas citações de filósofos alemães,pois tinha para si que taisinvocações apenas por elepoderiam ser feitas.

Tinha os alemães como raçasuperior. Venerava-lhes. JoséHigino, do muito que foiamaldiçoado por Tobias, boa parteé devido às citações que fazia deGnest, bem como às traduçõesequivocadas que fazia em suascitações. Isso o próprio Tobiasconfidenciou ao seu amigo Romero.

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Era Tobias uma pessoaindependente e original em umaépoca em que o próprio governoprocurava ser uma réplica domodelo inglês de governar, comoele próprio chegou a afirmar; porisso mesmo, taxado mais uma vezde polêmico.

2.4 A filosofia e apoesia de TobiasBarretoSe sua passagem foi contrastadapor suas polémicas e por suagenialidade, é-nos dado nesta

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oportunidade discorrer sobre umade suas polémicas.

Podemos dividir a literatura deTobias Barreto em duas partes: afilosófica, incluindo nesta ajurídica, seus discursos; e a poética,representada em seu único livro dogénero, publicado postumamente,frise-se, sob o título Dias e noites.

Seus estudos filosóficos tiveramsim uma influéncia estrangeira,mormente alemã, razão pela qualfoi severamente criticado, sob oargumento de que copiava tudo oque se produzia em Alemanha,nada fazia de original – como seseus críticos estivessem a esquecer

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que por meio da literatura alemãTobias criou, ao mesmo tempo emque criticava seus mais queridosautores germânicos, uma novafeição à literatura brasileira, àépoca, fortemente influenciada pelaFrança.

Não poupava farpas a autoresalemães. Tinha em seuentendimento que opiniõesdivergentes das suas, o pensamentoque com o seu não estivessealinhado, deveria sim ser criticado.

Não isentou os alemães, mas ébem verdade que estes parecemnão ter pecado tanto em seusescritos como pecaram alguns

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escritores brasileiros, por exemplo,José Higino...

Quanto à sua poesia, nela seencontra aquilo que de melhor seproduziu em defesa da mulher, sejaà mulher como um ente, seja a umadelas especificamente, eis quetemos suas poesias como manifestaextrapolação dos seus sentimentosreprimidos.

2.5 Tobias Barreto eseus demôniosPor ter nascido em família pobre,por ter passado dificuldades

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financeiras, seja na infãncia, seja namocidade, e por ser mestiço emuma sociedade racista, Tobiassempre teve senão uma espécie decomplexo de inferioridade, aomenos certo medo do alheio,mormente nos relacionamentos, aomesmo tempo que se sabiasuperior intelectualmente.

Perfeitamente identificável, comose vé, um paradoxo no que dizrespeito à autoestima de TobiasBarreto. Ao mesmo tempo em quese sentia diminuído perante asociedade pelo fato de ser oriundode família pobre, Tobias colocava-seacima de qualquer pensador do seu

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tempo, pois sabia que, se houvesseuma fronteira ainda não transpostapor ele, esta seria certa eexclusivamente a barreirafinanceira.

Assim foi que Tobias sofreudesamores com o sexo oposto, semembargos de ter sido umnamorador e grande amante.

Apaixonara-se Tobias porLeocádia Cavalcante, da alta classepernambucana, durante as visitasque fazia à sua casa para ministraraulas a seu irmão. Com ela nãopôde casar-se todavia, pois, emborapoeta e culto, também pobre emestiço.

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É certo que a impossibilidade decom Leocádia manter umrelacionamento frustrouo, mas nãomenos verdadeiro é que Tobiastinha facilidade em se refazer.Rapidamente se recompunha dasdesilusões, dos seus amores.Buscava em seus livros, mormentenos alemães, o aconchego da terracom que sonhava. De mais a mais,mulher não lhe faltava.

Aliás, não há exagero em afirmarque de sua paixão por Leocádiamais lhe machucou o motivo peloqual não pôde desposá-la do que ofato propriamente dito de não terpodido desposá-la. Não lhe

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importava o fim como lheimportava o meio, o motivo.

Tobias Barreto, em verso, muitodeixa transparecer seussentimentos e consciéncia de que arazão da impossibilidade do seurelacionamento com Leocádia outranão era senão a diversidade social:

Mas tu foges de mim!... ouve,espera:

Se procuras saber quem eu sou,

Diga o anjo que sempre comigo

Minhas mágoas sentiu e chorou.

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Diga a lua a quem conto os meussonhos.

A quem dou para ver e guardar

Meu tesouro de lágrimas puras

Que as angústias me queremroubar.3

Tobias já era complexado por sisó. Embora soubesse superior à boaparte da sociedade pernambucana,que estava acima da média literáriainclusive, o fato de ter nascidopobre e mestiço tirava-lhe oconforto.

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2.6 Tobias Barreto eCastro AlvesCastro Alves, ao lado dos amores edesamores de Tobias, muitocontribuiu para seus escritos e paraseus complexos.

Se por um lado contribuía comseus complexos por se afigurar bemapessoado, de família nobre e porisso mesmo detentor de capital quefinanciava seus estudos, por outroCastro Alves inspirou TobiasBarreto, uma vez que este se sentiamotivado a estudar, escrever,superar-se para sempre ser melhorque Castro Alves.

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Não se trata apenas de uma rixapessoal. Tobias não aceitava ser tidopor menos culto que alguém. Dasáreas às quais se dedicou, sealguém pudesse desbancá-lo, quefosse um alemão!

De família abastada, mais novoque Tobias e poético de arrastaradoradores, Castro Alves foilegítimo amigo de Tobias, noentanto, após uma desavença quese iniciou por meio de versos,tornaram-se verdadeiros inimigos,apenas não alimentada a querelapor conta da limitação que a classesocial e a educação de Castro Alveslhe impingiam.

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Castro Alves foi desafiado àsclaras por Tobias para um embatefilosófico, literário,mas não eradado a exibicionismo.

Tobias, mais estudioso epreparado que Castro, certa vez noteatro, assistindo a uma peça a qualCastro Alves também prestigiava,proclamou em voz alta a seguintepoesia, improvisada emhomenagem a uma das artistas empalco, Eugênia Cãmara:

Sou grego pequeno e forte

Da força do coração,

Vi de Sócrates a morte,

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E conversei com Platão;

Sou grego; gosto das flores,

Dos perfumes, dos rumores;

Mas minh’alma inda tem fé;

Meus instintos não esmago,

Não sonho, não me embriago

Nos banquetes de friné…

Castro Alves, sabendo casadaAdelaide Amaral, outra das artistasem palco, não ficando atrás,imediatamente levantou-se e

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proferiu seguintes palavras, emmanifesta provocação a Tobias:

Sou hebreu, não beijo as plantas

Da mulher de Putifar4

Outra ocasião Castro Alves pediuque Tobias se desculpasse por umescrito que lhe ofendia. Tobias, pelocontrário, chamou-o para a peleja, oque não foi aceito por Castro,provavelmente por conta da suaclasse social que não permitiatamanha exposição, pelo menos nãonesta situação, como já se disse.

Talvez tenham superado emquantidade os versos de embate

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contra Castro Alves, apenas os queescrevera para Leocádia.

Veríssimo, sobre sua poesia disseque esta, “no que tem de melhor éem suma da mesma espécie docomum lirismo brasileiro, amorosoou antes enamorado, sensual,dolente, abundante emvoluptuosidades ardentes equeixumes melancólicos”.5

2.7 Tobias Barreto eos direitos damulherNo que tange à atividade jurídico-

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filosófica acerca da mulher, grandefoi a participação de Tobias para asua efetivação de seus direitos.

Não foi muito o que se registrousobre a relação Tobias Barreto e amulher. Aponta-se apenas queTobias, além de ter sido um árduodefensor do direito das mulheres,foi um grande namorador – ou estasua característica seja mesmo ajustificativa daquela.

Narra a história que TobiasBarreto, grande admirador do sexofeminino, o qual eracorriqueiramente denominado porele como o “belo sexo”,sensibilizado com a situação de

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duas moças que queriam estudarmedicina no exterior, mas nãoconseguiam bolsa do governobrasileiro, por falta de previsãolegal, propôs perante a Assembleiade Pernambuco um projeto de leique permitisse a mulher estudar.

Nesta época, a mulher, quandomuito, era alfabetizada. Não podiagalgar outro grau qualquer decultura que lhe desse azo além daleitura e da escrita.

Pretendeu Tobias que a mulherpudesse estudar em igualdade dedireitos se comparada aos homens.Pois que mal haveria em permitirque a mulher deixasse de ser uma

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mera dona de casa e, sem deixar decuidar do lar, pudesse também tercultura para conversar com omarido?

Seu pleito foi resistido pelasociedade machista de sua época.Tobias foi tido mesmo por umsubversor da ordem. Atribuía-se aimaginada subversão à sua“patológica” paixão pelos escritosde outros países, nos quaismulheres, já “alforriadas”, gozavamde direitos que aqui no Brasilsequer podiam supor um diapoderem pleitear.

No Brasil, se o pensamentoestrangeiro era belo, não o era

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porque moderno, mas porqueestrangeiro. No entanto, entender amulher por aqui como uma pessoadetentora de direitos como ohomem aproximava-se de umaheresia. Não tinha apoio da igreja.Esta pregava a submissão damulher ao seu marido.

A natureza, no entendimento dasociedade do século XIX, teria feitoa mulher frágil e dependente dohomem, e, se direito lhe reservasse,este seria o direito/dever deprocriar, de forma que uma mulhersolteira e sem filhos era ao mesmotempo uma inútil e uma aberraçãonatural, pois que saída do plano

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natural.Tobias viu mais na mulher.

Enxergou uma capacidade dedesenvolvimento que não condiziacom o argumento de que a mulhertinha o cérebro atrofiado e, postoque fosse, não haveria de seratrofiado de maneira tal que oexercício não pudesse darconta desuprir-lhe a inferioridadedecorrente da atrofia e, quiçá,reverter seu processo.

Neste mister, oportuno trazer alume o discurso sobre a “Educaçãoda mulher” ocorrido naAssembleia Provincial dePernambuco no ano de 1879. Este

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discurso,como se verá no escritoque o registrou – com o qualguardamos a fidelidade gráfica –, éde elegãncia e rompimento própriode um Tobias Barreto que não podeser esquecido.

Trazemos seu discurso, e nãosabemos ao certo se com o intuitode facilitar o entendimento desteestudo ou de solver uma dívidacultural, consistente em trazer àleitura de quantos vierem estesescritos consultar – não que dissoseja digno o presente – parte dasmais belas obras já produzidas emnosso país, como foi esta que tevepor palco a terra Pernambucana:

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Os termos do problema

Sr. Presidente, a questão que seventila tem duas faces: uma faceparticular, a que nos diz respeito,no caso determinado, e, em facegeral, aquela que se refere asgrandes ideias do século, que seprende ao movimento do mundo,civilizado. Aquí falou-se daemancipação da mulher, com opropósito consciente de prejudicara peticionaria…

O Sr. Barão de Nazaré – Apoiado.

O Sr. Tobias – … Mas essa mesmaquestão da emancipação da

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mulher não é uma cousaextravagante; é o nome dado a umdos mais sérios assuntos da época,em toda sua complexidade. Elaoferece três pontos-de-vistadistintos: o ponto de vistapolítico, civil e social. Quantoao primeiro, a emancipaçãopolítica da mulher, confesso queainda não a julgo precisa, eu nãoa quero por ora.

Sou relativista: atendo muito àscondições de tempo e de lugar. Nãohavemos mister, ao menos nonosso estado atual, de fazerdeputadas ou presidentas de

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província.

Um Sr. Deputado – V. Ex. éoportunista.

O Sr. Tobias – Pelo que toca,porem, ao ponto de vista civil, nãohá dúvida que se faz necessárioemancipar a mulher do jugo develhos prejuízos, legalmenteconsagrados. Entre nós, nasrelações de família, aindaprevalece o princípio bíblico dasujeição feminina. A mulherainda vive sob o poder absoluto dohomem. Ela não tem, comodeveria ter, um direito igual ao domarido, por exemplo, na educação

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dos filhos; curva-se, como escrava,à soberana vontade marital. Essasrelações, digo eu, deveriam serreguladas por um modo maissuave, mais adequado àcivilização.

O Sr. Clodoaldo – Com igualdadeabsoluta de direitos é impossível afamília.

O Sr. Tobias – Igualdadeabsoluta! São termos que serepelem, pois igualdade é umarelação.

O Sr. Clodoaldo – O que querodizer é que não compreendo a

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sociedade conjugal sem umaautoridade.

O Sr. Tobias – Essa autoridadeestaria na lei. O que eu desejava,pois era que a lei regulasse asrelações da família de tal maneiraque não pudesse aparecer nem aanarquia nem o despotismo.

O Sr. Clodoaldo – E é o que temos.

O Sr. Tobias – Perdão! Nós temoso despotismo na família.

O Sr. Clodoaldo – Não apoiado.

O Sr. Tobias – Se, por um lado,

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podemos apresentar exemplos,somente devidos a uma boaíndole, de maridos que seguem osconselhos de suas mulheres, quecondescendem com a vontadedelas, por outro lado,encontramos muitas vezesverdadeiros déspotas, similhantesaos reis do Oriente, para quem avida claustral é a missão supremada mulher e que, fazendo todo ouso de seu direito, querem porquequerem, mandam porque podem…et terra siluit in conspectu ejus.

Mas vamos ao lado social daquestão. Aí é que está

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compreendidaa emancipaçãocientífica e literária da mulher,emancipação queconsiste em abrirao seu espírito os mesmoscaminhos que se abremao espíritodo homem; e a este lado é que seprende o nosso assunto. Se poisnão se trata de fazer umaconcessão de tal natureza,quevenhamos daquí a anos teruma deputada ou aspirante àpresidência da república; se nãose trata mesmo de conceder àmulheresta ou aquela liberdadeno domínio do direito civilprópriamente dito; se éunicamente um passo dado para a

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emancipação social, no sentido emque falei; se é este o primeiroexemplo que vamos dar, aprimeiraporta que vamos abrir, umincentivo que vamos criar paraJ obelo sexo em geral; porque nãofazer essa concessão, quando ela étão pequena; quando é um favortão simples, que quase nada custaà província?6

Diante dos deputados, ao proporo projeto de lei, Tobias citavaFrederico Diesterwegargumentando que a liberdade e afelicidade do povo, para seremalcançadas por meio da cultura,

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precisariam ser ministradas aambos os sexos. Jamais poderiamser obtidas com a parcial instrução.

Já houve quem dissesse que oapelo de Tobias à Assembleiaacerca do direito da mulher tinhapor alvo fazer gosto de mulherdeterminada. Não é com o queconcordamos.

Ora, o assunto objeto do discursoque tomamos a liberdade detranscrever deita raízes empensamento de Tobias Barreto pelomenos cinco anos mais moço;porquanto em escritos publicadosem 1874, o gênio sergipano já traziaa problemática em torno do direito

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da mulher.Em julho deste ano, 1874,

portanto cinco anos antes dodebate acima transcrito, TobiasBarreto publicou artigo em umjornal, intitulado A alma da mulher,no qual chama a atenção para otema até então novo para asociedade em que inserido, masque em seus devaneios jámedravam.

Embora não seja adepto nestaépoca de equiparação de direitosentre homens e mulheres,questiona as relações existentesentre estes, bem como odesconhecimento dos direitos da

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mulher e seu vilipêndio. Lia TobiasBarreto, a essa época, fartaliteratura alemã, merecendodestaque as obras da judia FannyLewald, pessoa que sobre eleexerceu influência, colocando-o àfrente da vanguarda brasileira noque diz respeito aos direitos damulher.

Ainda neste artigo, invoca opioneirismo de Jellinek no estudoda função feminina no decorrer dahistória e da mitologia, sem,contudo, deixar de atirar-lhe suasfarpas características, não operdoando por apresentar, deforma atropelada, para usar as

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palavras de Tobias, o conceitopsicológico de Eva.

Entendia que os defensores daalforria feminina, ilustrada napersonalidade de Eva,despontavam-se como os mais bemarrazoados.

Os alemães tinham de fato certavisão que lhe era mais prazerosa,porquanto se não alteravam arealidade, ao menos nãomantinham a intuição judaico-cristã de que a mulher era inferiore, por isso mesmo, eternamentedependente do homem, sob oargumento de que a bíblia cristãassim a colocou, ou que a natureza

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assim a resolveu manter, para obem e perpetuação da própriaespécie humana.

Não contestou o acerto de AdolfoJellinek em apreciar a conformaçãoao fim, mas o criticou severamenteporque a escola que a ele, Jellinek,filiou-se valorava o fato, não o fim.Ou Jellinek valorava o elementoerrado, ou a escola que nele seinspirou não soube dar seguimentoao que ele sustentou.

Acerto, todavia, não havia quefalar sobre o fetichismo factual emque se envolveram seus seguidores.

O fetichismo evidente em tornoda submissão da mulher como

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fundamento da manutenção daespécie humana inquietava-lhe oespírito. A mulher aprender a lerseria o bastante para garantir aextinção da espécie? O exercíciocerebral não podia ter influênciasobre a geração da prole.

Outro modo seria possível degarantir a sobrevivência que não ocaminho da discriminação.Caminhos menos pedregososhaveriam de existir, nos quaiscaminhariam lado a lado homem emulher, em igualdade de direitos emais especificamente de dignidade.

Como aceitar que a mulher,perfeita que lhe era aos olhos,

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tivesse que ser ignorante por toda avida porque esta foi a única formaque a natureza encontrou degarantir o mandamento bíblico damultiplicação. Precisava mostrar atodos que o injusto reinava nasociedade.

Parecia-lhe descabida a pretensãode ler na massa cerebral da mulhero seu predestino, os limites da suainteligência.

O princípio bíblico da sujeiçãofeminina já não mais lhe justificavaa limitação que se colocava dianteda mulher. Se a questão era natural,por que deveria então estarcontrolada na bíblia? Ademais,

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donde a conclusão de que omandamento de sujeição temreflexo na capacidade de aprender ese educar?

Pode um homem se sujeitar aoutro porque este tem sobre siautoridade, mas nem por issoprecisa ser analfabeto. Mais queisso. Um filho pode superar seu paiem cultura, sem embargos de a elese sujeitar para o resto de sua vida,como também ordena o LivroSagrado.

Sujeição tem por aliado orespeito, não a ignorância.

Mais parecia que tentava toda asociedade justificar a limitação da

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mulher, ora pela bíblia, ora pelaciência, para então torná-la legal.Para Tobias tais argumentos nãoeram plausíveis, de forma que ele,como representante popular, nãopoderia se coadunar com o que searrastava melancolicamente pordentre as leis.

Se invencível foi Tobias, nãomenos forte foi a criatividadeargumentativa que se levantavacontra suas pretensões. Afirmaram-lhe descabida a pretensão femininaem galgar espaço, pois, se estapoderia ser ótima administradorados afazeres domésticos, mas nãoteria igual sucesso em relações

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extradomésticas, porquanto em suacasa a mulher pode tomar decisãomotivada apenas pela emoção, oumesmo sem motivação, mas nãofora dela.

A mulher não poderia governarrelações externas dada a suasentimentalidade.Apenas oshomens têm a frieza e o cálculonecessário para decidir da melhorforma, ainda que pressionado.

A natureza teria feito a mulherdepositando nela generosas dosesde sentimentalidade, porquantonão precisaria de raciocínio parafazer comércio, mas precisaria daemoção para bem criar seus filhos.

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Contra tal argumento Tobias deforma direta respondia que asentimentalidade corriqueira nasmulheres não lhe era imposta porcaracterística natural, mas sim setratava de efeito da educação.

Como não se chegar a semelhanteresultado, como não dar-se namulher essa preponderância dosentimento sobre a razão, se atéhoje sua educação tem sidopreponderantemente sentimental?Começa pela educação religiosaque é toda de sentimento; vem emseguida a educação moral, queainda é de preferência dirigida à

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sensibilidade, e afinal completa-sea obra com o despertar dosentimento estético – é o piano, é ocanto, é a música em geral. Istopor anos, através de muitasgerações, não podia deixar deproduzir as consequências que aívemos.7

Neste mister, cessando-se aforma educacional, cessados ou aomenos diminuídos estariam osexcessos de sentimentos, pois écientífico o dogma de que cessadacausa, cessa-se o efeito.

De mais a mais, pouco importavaque houvesse no universo feminino

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um predomínio dasentimentalidade. Não há razãopara acreditar que o sentimentonão possa coabitar a casa em quevive a razão fria e vice-versa.

Mulheres havia que, não obstantetivessem sido submetidas àtradicional educação que se dá aseu sexo, surpreenderam em áreasextradomésticas.

Tal se dava porque lhepermitiram voar. Não seria sequernecessária uma educaçãodiferenciada, bastava às mulheresfosse dado o direito de conduzir-se.

Ilustrava citando que no mundocivilizado já ocorria o movimento

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de emancipação feminina. Dizianomes de mulheres que brilhavamem todas as profissões, inclusive namedicina.

Apenas em países menosesclarecidos a mulher era aomesmo tempo a senhora de seumarido e sua escrava. Era a rainhado lar, mas não se diferenciaria deuma súdita, pois senhora ouescrava, rainha ou súdita, apenaspoderiam ser nomes desprovidosde qualquer caráter, pois nemmesmo caráter era dado àsmulheres. Com isso Tobias nãoconcordava.

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Eu não contesto que nas actuaesrelações de subordinação edependência da mulher para como homem há uma espécie deconformação ao fim, para queambos existem. Mas justamenteno modo de pareciar este facto éque reside o erro da escola, em quese filia Adolpho Jellinek. Além deque as cousas regulares ouirregulares são como as boas oumás, das quaes diz Shakespeareque não o são por si mesmas, queé o pensamento quem as tornataes, accresce que a sociedade, bemcomo a natureza, sem serdominada por um princípio de

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finalidade, pode chegar aresultados de caracter finalistico.E se é possível, por meio daseleção natural ou artística,interromper a série evolutiva dephenomenos que já attingiramesse grau de regularidade, e porum processo de differenciação dara uma classe de seres qualidadesnovas, nenhuma razão militacontra a possibilidade de abrirnovos caminhos aodesenvolvimento feminino, deapagar pela instrucção, quetambém é um meio de selecção, ainferioridade actual da mulher ecollocal-a dignamente ao lado do

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homem.8

Afirmava que, se a mulher tivessepor destino apenas ser esposa emãe, a mulher que não se casasseseria um ente espectral. Isto nãoraro acontece, pois no grande bailesocial muitas mulheres ficam semseu cavalheiro.

Questionava se a mulher que nãose casa é, por conseguinte, um serinútil. Respondia negativamente aprópria pergunta aduzindo que avocação natural é, portanto, o piordos argumentos que se podeinvocar.

Dizia não defender a mudança

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radical, porquanto odioso seriaamanhecer em uma sociedade emque uma mulher acordasse políticana manhã seguinte à noite em quedormiu com o dedal, no entanto lheinquietava a sorte por ela vivida.

Que impossibilidade há emconjugar a mulher e a cultura com omais nobre dom da procriação?Será por vontade natural que ohomem casado não tenha umamulher com quem possa conversare por quem possa ser entendido?

O discurso em província dePernambuco, o qual transcrevemosacima, teve porpano de fundo apretensão de duas belas moças,

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para manter a definição de Tobias,deestudar medicina no estrangeiro.Mas seria simplista afirmar que alei ou mesmo seusideais tivessempor fim o benefício de certa pessoa.

Seu objetivo era agraciar toda aclasse feminina com o direito deestudar. Não aguentava, disse aosdemais deputados, ouvir comoresposta de uma moça, e isto eracomum em todas as mulheres, o“não seio” ao pedido de tocardeterminada música ao piano. Tudoporque a elas não era dado o direitode estudar e aprender a conjugar overbo saber.

Mais que direito ao estudo,

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deveria a mulher ter direito à suaevolução, tolhida pelo homem. Ohomem reprimia-lhe os direitos deforma que qualquer pretensão nosentido de conferir direitos àsmulheres seria, em verdade,devolver-lhes direitos, deixar quedeles usufruíssem.

Dizia, sem exagero, que, se éverdade que o alimento do espíritoé a instrução, alimentavam-se asmulheres das migalhas que caíamda mesa da cultura masculina.

Terminou um discursoarrematando: “Todo homem temsua mania; e é infeliz aquele quenão a tem: a minha mania,

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senhores, é pensar que grandeparte, senão a maior parte dosnossos males vem exatamente dafalta de cultura intelectual do sexofeminino”.9

2.8 ConsideraçõesfinaisVê-se do exposto que Tobias Barretonão foi apenas um homem ou umhomem polêmico. Polêmicosempre, mas, acima de tudo, umgênio, um visionário.

Conhecer Tobias Barreto é, antesde tudo, um dever cultural, uma

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homenagem à inteligência, umaprazerosa leitura e passeio pelasparticularidades desta ímparcriatura.

Não se pode concordar com apouca divulgação e muitas vezesesquecimento deste importantepersonagem dos registroshistóricos de nossa Nação, tanto nagraduação quanto na pós. Nãofosse disciplina de pós-graduaçãoministrada pelos diletosprofessores Sérgio SalomãoShecaira e Alvino Augusto de Sá, aquem deixo registrado meuagradecimento, certamente nãoteria me aprofundado em Tobias

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Barreto.

2.9 ReferênciasBibliográficas

1. Barreto Tobias. Estudos dedireito III Rio de Janeiro:Record; 1991.

2. Barreto Tobias. Estudos dedireito Campinas:Bookseller; 2000.

3. Barreto Tobias. Estudos deFilosofia: edição comemorativa3 Rio de Janeiro: Record;1990.

4. Barreto Tobias. Obras

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completas VIII Estudosallemães Edição do Estadode Sergipe 1926.

5. Barreto Tobias. Opensamento vivo de TobiasBarreto São Paulo: LivrariaMartins Editora; 1942.

6. Dantas Paulo. Tobias BarretoSão Paulo: Melhoramentos;1952.

7. Lima Hermes. TobiasBarreto: a época e o homemSão Paulo: CompanhiaEditora Nacional; 1939.

8. Pereira Virgilio de Sá. TobiasBarreto Rio de Janeiro:Revista dos Tribunais; 1917.

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*Advogado criminalista, mestre em DireitoPenal (USP) e doutorando (USP eUniversidade deSassari – Itália).1Dizem seus estudiosos que, certa feita,foram lançadas em seu jornal algumaspalavras ofensivas a determinado sujeito,razão pela qual prenderam seu ajudanteda tipografia. Tobias, inconformado com aprisão em desfavor de seu auxiliar,conclamou que se soltasse o rapaz, pois,se culpado houvesse,este era ele, Tobias.Como não era de bons amigos, tanto o juizquanto Tobias, este anunciou aos quatroventos dizendo que no dia da audiêncialevaria uma arma e desferiria tiros contrao juiz.Chegado o dia da audiência,curiosos se acotovelavam para ver odesfecho de tal intriga. Tobias chegou aofórum portando certo volume por baixo desua roupa. Instado pelo juiz a apresentar a

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sua arma ao miliciano e com ele deixá-la,Tobias colocou sua mão por sobre o ditovolume e de lá tirou uma bananaexclamando: “Tome, Senhor Juiz!”.2Mensagem do então Presidente deSergipe, Graccho Cardoso, em 1923, aodecretar a publicação das obras de TobiasBarreto.3Lima, Hermes. Tobias Barreto: a época e ohomem. p. 14.4Dias e Noites. In: Lima, Hermes. TobiasBarreto: a época e o homem. p. 12.5Veríssimo, José. História da literaturabrasileira, p. 329 apud Lima, Hermes.Tobias Barreto: a época e o homem. p. 246.6Barreto, Tobias. O pensamento vivo deTobias Barreto. p. 50–52.7Lima, Hermes. Tobias Barreto: a –poca e o

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homem. p. 270.8Barreto, Tobias. Obras completas VIII.Estudos Allemães. p. 8.9Lima, Hermes. Tobias Barreto: a época e ohomem. p. 271.

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3

As origens dapena privativa deliberdade e o seusignificado naestrutura socialbrasileira*

Danilo Cymrot**

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SUMÁRIO:

3.1 Introdução: a economiapolítica da pena.3.2 Cárcere e disciplina dotrabalho.3.3 A pena privativa deliberdade no Império: oimpossível panóptico-tropicalescravista.3.4 A pena privativa deliberdade na República e onascimento do proletariadonacional.3.5 A sociedade do controle.

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3.6 O perfil atual dapopulação carceráriabrasileira.3.7 Considerações finais.3.8 Referências bibliográficas.

3.1 Introdução: aeconomia política dapenaA instituição carcerária está tãofortemente presente no imagináriopopular que em alguns momentosparece que sempre foi e sempre

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será a forma de punição central dasociedade. No entanto, a prisão,assim como todo o direito penal,deve ser compreendida inserida emum contexto histórico-espacial.Antes dela, outras formas depunição foram postas em prática.Uma teoria idealista explica essasucessão das formas de punir comoum sinal do progresso cultural eintelectual de uma sociedade, queaos poucos tomaria consciência desuas “selvagerias” para entãosubstituí-las por práticascivilizadas.

Georg Rusche e OttoKirchheimer, representantes da

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teoria materialista da pena,afirmam, por outro lado, que todosistema de produção tem umatendência a descobrir sistemaspunitivos que correspondam àspróprias relações de produção.1 Notrabalho pioneiro dos autores daEscola de Frankfurt, evidenciou-seque a história da pena é a históriadas relações entre as duas naçõesque compõem a população, os ricose os pobres, ou seja, a história daluta de classes.

As transformações na forma depunir não representariam,portanto, o resultado do progressohumanitário da sociedade, mas a

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evolução das estratégias com asquais a primeira das “duas nações”sempre impôs sua própria ordemsocial à segunda. As modalidadescom as quais se concretiza oobjetivo da prevenção variariamhistoricamente em relação aouniverso da economia,principalmente à situação domercado de trabalho.2 A prisão e oque ocorre dentro dela estão, pois,intimamente relacionados com oque acontece no sistema socialcomo um todo.

Foucault, por outro lado, maiscomplementando a análise deRusche e Kirchheimer do que a

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contradizendo, afirma que devemosconsiderar as práticas penaismenos como consequência dasteorias jurídicas e mais como umcapítulo da anatomia política, ouseja, do conjunto dos elementosmateriais e das técnicas que servemde armas, de reforço, de vias decomunicação e de pontos de apoiopara as relações de poder e de saberque investem os corpos humanos eos submetem fazendo deles objetosde saber.3

David Garland aponta o equívocode se adotar uma abordagemunilateral no estudo da punição,critica o simplismo e o

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determinismo económico dasanálises marxistas, que enxergam apunição como um meroinstrumento de controle dascamadas subalternas da população,manejado de forma articulada eracional pelas elites políticas eeconómicas, conforme seusinteresses. O autor ressalta, assim,a importância de se consideraremoutros fatores na análise dapunição, tais como a emoção, oimprevisível, a contradição dasinstituições envolvidas, amoralidade e as sensibilidades, edestaca as interpretações relativasao assunto propostas por autores

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que poderiam ser taxados deidealistas, como Emile Durkheim eNorbert Elias.4 A despeito dessasconsiderações, adotar-se-á nesteartigo, para fins metodológicos,uma abordagem identificada com ateoria materialista da pena, queaproxime as formas punitivas dasdinâmicas no mercado de trabalhobrasileiro.

3.2 Cárcere edisciplina dotrabalhoEm seu livro Punição e estrutura

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social, Georg Rusche e OttoKirchheimer mostram que a penaprivativa de liberdade tem comoantecedente as casas de correção ese consolidam justamente nomomento de ascensão da sociedadecapitalista europeia. No fim doséculo XVI, em virtude da Guerrados Trinta Anos, do crescimentodas forças armadas, da emigração,dos impostos excessivos, doaumento do preço dos alimentos edo cercamento dos campos, ocrescimento demográfico nãoacompanhou no mesmo nível aspossibilidades de empregodecorrentes do desenvolvimento

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econômico, causado pelos setoresurbanos, a estabilidade dademanda, o crescimento do sistemafinanceiro, a extensão dosmercados, os metais preciosos e aconquista de colônias.

Em um momento de escassez demão de obra, não era maisfuncional sacrificar criminosos compenas de morte ou corporais,restringindo assim ainda mais omercado de trabalho eaumentando, consequentemente, ocusto da mão de obra, de acordocom a lei da oferta e da procura.5

Por outro lado, a campesinato,recém-expulso dos campos, ainda

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se mostrava resistente às novasformas de exploração e precisavaser disciplinado para o trabalhopenoso das manufaturas. Nestecontexto, mendigos, prostitutas,órfãos e pobres em geral,criminosos ou não, passaram a serrecolhidos nas casas de correção.Estas instituições, que poderiam atéser lucrativas, além dedesempenharem a funçãoprioritária de disciplinar osinternos para o trabalho, aindadiminuíam o preço da mão de obrano mercado de trabalho eintimidavam os pobres que nãoestavam internados a trabalhar.6

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No final do século XVIII, porém,com o crescimento populacionaleuropeu, o cercamento dos campos,as grandes propriedades eprincipalmente a introdução demáquinas a vapor e tearesmecânicos, a lei da oferta e daprocura passou a trabalhar emfavor dos empregadores, e otrabalho das casas de correçãotornou-se obsoleto.7 Nos cárceres,que sucederam essas instituições, otrabalho produtivo foi abandonadoem nome de um trabalho punitivo,de acordo com o princípio da lesseligibility, segundo o qual, para quea prisão mantivesse seu efeito

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intimidante, as condições de vidado preso deveriam ser inferiores àscondições de vida do mais pobreassalariado.8

A pena de morte e penascorporais voltaram a ser utilizadascom generosidade, porém não deforma suficiente para tirar da penaprivativa de liberdade o posto depunição por excelência. Aconsolidação da pena privativa deliberdade, em um momento no qualseu fundamento econômico haviadesaparecido, é mais bemcompreendida recorrendo-se aautores como Norbert Elias, MichelFoucault, Dario Delossi e Massimo

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Pavarini.Elias assinala que a prisão é fruto

do processo civilizador. As antigasformas de punição passaram a feriras sensibilidades e a ser vistascomo selvagens e inadmissíveis. Naprisão, a violência, explícita emoutras práticas punitivas, estámascarada e, assim, a consciênciade quem pune é aliviada.9 JáFoucault, além de salientar o menorcusto político na aplicação da penaprivativa de liberdade, que geramenos tumultos entre a populaçãodo que a prática do suplício empraça pública,10 assevera que aprisão moderna é filha da

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sociedade disciplinar, que emergecom a sociedade capitalista.11

Diante das novas formas deriqueza produzidas, era preciso umcontrole maior sobre a populaçãoque poderia atacá-las. Asilegalidades deveriam serseparadas entre funcionais edisfuncionais, o que estaria por trásda criação do princípio datipicidade. As populações deveriamser fixadas, classificadas, vigiadaspor meio de uma rede capilar depoder-saber com pretensão de tercobertura social completa. Acerteza da punição e sua eficiênciapassam a ter mais importância do

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que o rigor das penas, o queforneceu sustentação política para aafirmação dos princípios burguesesda legalidade das penas. Aeficiência na apuração dos crimes,indispensável para a separaçãoclara do criminoso e do nãocriminoso, implica a vedação datortura como meio de prova econsagra o princípio dapublicidade. Já o princípio daproporcionalidade é o corolário dabusca por uma função preventivada pena mais efetiva.12

O trabalho fabril exigia, para aextração máxima da mais-valia, umadistribuição funcional dos

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proletários na fábrica e umadisciplina que comandasse cadapequeno movimento do corpo doproletário, de maneira que fosse omais eficiente no menor espaço detempo possível.13 Aproximando asanálises de Foucault e de Rusche eKirchheimer, Melossi e Pavarinisustentam a importância da prisãocomo a mais severa das instituiçõessubalternas à fábrica, cuja funçãoera garantir a produção, educação ereprodução da força de trabalho deque necessitava o capital.14

O projeto hegemônico burguêsreduz o não proprietário acriminoso, o criminoso a preso, o

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preso a conceito abstrato, purosujeito de necessidade, eposteriormente o reconstrói comoproletário, figura socioeconômicareal. Isso quer dizer que o nãoproprietário deve existir apenascomo proletário, que deve sereducado para o trabalhoassalariado como único meio parasobreviver, enfim, para aceitar nãoser proprietário.15

O cárcere tem, portanto, umpapel ideológico e utópicofundamental, pois reproduz ahegemonia da ordem socialburguesa, é o símbolo institucionalda nova anatomia do poder

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burguês, o modelo de sociedadeburguesa ideal. Passa-se daeliminação física do transgressormediante o terror à sua integraçãoao tecido social, transformando-ona imagem burguesa de como deveser o não proprietário, isto é, oproletário. A comunidade silenciosae laboriosa do cárcere, o temporepartido entre trabalho e oração, oisolamento absoluto de cada preso-trabalhador, a impossibilidade dequalquer forma de associação entreos operários internos e a disciplinado trabalho como disciplina “total”são exatamente os termosparadigmáticos daquilo que deveria

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ser a sociedade dita livre.16

3.3 A pena privativade liberdade noImpério: oimpossívelpanóptico-tropicalescravistaNão se devem tirar conclusõesprecipitadas nem generalizantesquanto ao papel exercido pelaprisão na sociedade capitalista. Ométodo do materialismo histórico

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exige uma contextualização espaço-temporal para analisar osfenómenos. A França do séculoXVIII não pode ser confundida como Brasil do século XIX. Ao nosdepararmos com o contextobrasileiro da implementação dapena privativa de liberdade,portanto, devemos tomar algunscuidados para acentuar suasespecificidades.

Em 1769, a Carta Régia do Brasildeterminou a construção no Rio deJaneiro da Casa de Detenção, aprimeira prisão brasileira. Nestaprisão não havia separação depresos por tipo de crime. Ficavam

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juntos primários e reincidentes, osque praticaram crimes “leves” e oscriminosos mais perigosos.Somente em 1824, a Constituiçãodeterminou que os apenadosfossem separados por tipo de crimeou pena e que as cadeias fossemadaptadas para que os detentospudessem trabalhar. Adeterminação foi cumprida, maspor pouco tempo, já que no iníciodo século XIX as cadeias do Rio deJaneiro já sofriam com o graveproblema da superlotação.

De acordo com Andrei Koerner,na sociedade fundada no latifúndioescravista, subordinada a relações

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internacionais capitalistas, o pactopolítico era limitado, dado que ossenhores guardavam parte de seusdireitos naturais, o domínioabsoluto da propriedade, o poderpatriarcal sobre a família ampliadae os escravos.17 A privação daliberdade tinha uma função penalcomplementar e acessória. Ocontrole social penal se exerciapredominantemente por meio dapena de morte, das penas corporais,como o açoite, e de medidas quereproduziam a condição socialescrava, como as galés e a prisãocom trabalho.

O escravo que não fosse

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condenado à morte ou às galés eranecessariamente condenado à penade açoites e imposições de ferros,conforme o disposto no art. 60 doCódigo Criminal do Império. Destaforma, se preservava suaprodutividade em favor doproprietário e se estabelecia umaligação explícita entre o poderpenal público e o privado, visto quecabia ao senhor trazer o escravo“com um ferro pelo tempo emaneira que o juiz designar”. Osenhor tanto podia executar a penasentenciada pelo órgão públicoquanto podia, mediantepagamento, encarregá-lo de aplicar

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castigos por ele determinados,revestindo-os de cunho oficial.18

No panóptico original, adisciplina age nos corposprodutivos por meio doadestramento, da repetição, e anorma social se inscreve naconsciência dos indivíduos comopadrão de comportamento de umindivíduo médio abstrato. Já nasociedade escravista a generalidadeda lei do soberano não atingia atotalidade dos indivíduos noterritório, o indivíduo abstrato nãoexiste, pois os indivíduos sãodiferenciados segundo a suacondição social, o poder é exercido

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mediante a violência privada, aprodução de dependência pessoalse dá em esquemas de dominaçãopessoal em um contínuo deviolência-benevolência, a regra é avontade momentânea do senhor e oobjetivo da punição é a reafirmaçãoda ordem social hierarquizada.19

É compreensível, portanto, omotivo pelo qual no Brasil opanóptico foi um sonho impossívele contraditório. O Código Criminalde 1830, imitando os europeus,previa que a função do modelopenitenciário era a regeneração doindivíduo pelo silêncio, solidão,reeducação moral, trabalho e

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treinamento profissional. Noentanto, a construção depenitenciárias panópticas esbarravaem problemas orçamentários, demodo que as prisões brasileirasencontravam-se em péssimascondições de higiene e segurança,sofrendo com a superlotação,doenças e mortes.

Andrei Koerner reforça, todavia,que, antes de considerá-las umatraso, uma deformação, uma cópiamalfeita das instituições europeias,deve-se atentar para as relaçõesentre as práticas punitivas estatais ea estrutura da sociedade escravistabrasileira do século XIX. Ademais,

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cabe notar que as particularidadespunitivas de uma sociedadecapitalista periférica sãocontraditoriamente articuladas comas das sociedades centrais. Assimcomo o sistema de plantation eraum devorador de terras e homens, aprisão causava uma altamortalidade de escravos. Assimcomo na sociedade brasileira opoder soberano não estáconcentrado em um único ponto e ocontrole social está disseminadonas relações pessoais, na vigilânciaexercida direta e difusamente poruma parte da população sobre aoutra, desaparece na prisão o

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espaço homogeneizado dopanóptico, com suas divisões clarasentre vigilantes e vigiados e ocontrole simbolizado em umainstância central.20

A individualização doscriminosos na execução não seguiao conhecimento produzido por umsaber do tipo das ciências humanas,mas a hierarquia social. Se o sabermédico era utilizado, o era em favordo suplício, para determinar onúmero máximo de açoites que oescravo poderia suportar. Oobjetivo declarado de correção pormeio do trabalho era contraditóriocom a estrutura de uma sociedade

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baseada na escravidão e nadegradação do trabalho.21 Para osescravos, portanto, a pena tinhaainda o caráter de vingança, deexemplo público, de suplício, deritual, e não de regeneração.

3.4 A pena privativade liberdade naRepública e onascimento doproletariadonacional

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Nilo Batista, examinando o cenárioapós a abolição da escravatura e aProclamação da República,esclarece que, ainda que a penaprivativa de liberdade tenha sidoconsolidada no art. 43 do CódigoPenal de 1890, o tradicional sistemapenal de penas corporais, queprevia o uso nas cadeias públicasdo açoite, do tronco e dapalmatória, deixou vestígios por serfuncional a uma formação socialautoritária e estamental como abrasileira.

Começavam a surgir as indústriaspara substituírem as importações, ea ideologia positivista característica

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de uma república militar autoritáriaimpunha uma atuação rigorosa dosistema penal. A perspectiva dacrítica penitenciária não existia,uma vez que a perspectiva“indulgencial” era incompatívelcom a etapa histórica e osinteresses das classeshegemônicas.22 A burguesiaindustrial estava interessada naexploração de mão de obra decrianças no Brasil do final do séculoXIX e apoiou uma legislação severaque garantisse a mão de obrabarata. O Decreto no 1.313, de17/01/1891, por exemplo, proibiaterminantemente o trabalho nas

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fábricas a menores de 12 anos,“salvo a título de aprendizado”,desde que fosse em fábricas detecido e restrito a maiores de oitoanos.

Como as crianças trabalhadoraspoderiam furtar coisas da fábrica, oart. 27, §§ 1o e 2o, do CP de 1890prescreveu que a maioridade penalcomeçava aos nove anos de idade,desde que se verificasse que o réutivesse “discernimento”, e aos 14anos em diante sem qualquerverificação. O art. 30 do CP de 1890,por sua vez, previa a pena detrabalhos forçados em fábricas-prisões até os 17 anos de idade para

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pequenos delinquentes. A greve foicriminalizada pelo art. 206 do CP de1890, assim como a vadiagem, peloart. 399, e a capoeiragem, pelo art.402. Conforme dispôs o art. 400 doCP de 1890, quando o réu do crimede vadiagem quebrava o termo detomar ocupação em 15 dias, deviaser recolhido a “colônias penais quese fundarem em ilhas marítimas ounas fronteiras do territórionacional”. Os maiores de 14 anoseram recolhidos a estabelecimentosdisciplinares industriais, ondepoderiam ser conservados até aidade de 21 anos, segundo o art.399, § 2o.23

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A política criminal brasileira sóse altera com as tensões sociaispresenciadas em decorrência donascimento de uma classeproletária organizada. Isso ficaclaro com o início da utilização demecanismos mitigadores da penaprivativa de liberdade, como olivramento condicional e asuspensão condicional da pena. NoCódigo Penal de 1890, o livramentocondicional era previsto nos arts. 50a 52, porém não foi de imediatoaplicado porque se entendeu queele dependia de regulamentação, aqual só veio 34 anos depois, com oDecreto no 16.665/1924, no mesmo

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momento em que é instituída noBrasil a suspensão condicional dapena.

Após os movimentos sociaistomarem corpo, com grevesanarquistas que chegaram a tomara cidade de São Paulo, e com oavanço das organizações sindicais ea criação do Partido Comunista doBrasil em 1922, a sursis e olivramento condicional foramfundamentais parainstrumentalizar os liberadoscontra os movimentos sociais queavançavam, isto é, engrossar oexército industrial de reserva contragrevistas, diminuindo seu poder de

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barganha nas reivindicações sociaise trabalhistas.24

A Revolução de 30 deu início auma nova era de integração, na qualGetúlio Vargas fez esforços paraabafar o conflito social por meio deuma legislação trabalhista e social.Com a queda do Estado Novo, aConstituição de 1946 reconheceu odireito de greve, “cujo exercício alei regulará”. Após o Golpe Militarde 1964, a Lei no 4.330/1964 regulouo exercício de greve, criando novoscrimes (art. 29) e, segundo NiloBatista, um procedimento tãobacharelesco e rococó que, naprática, uma greve legal tornou-se

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algo inalcançável, ou seja, o efeitoda regulamentação durante aditadura foi tornar a greve sempreilegal.

Na ditadura militar, se, em certosentido, os vadios eram funcionaispara o regime, enquantocompunham o exército de reservada mão de obra mais barata domundo, os grevistas, paralisando aprodução, representavam umaameaça muito maior. Dessa forma,a constituição da ditadura proibiu,em seu art. 162, a greve nos serviçospúblicos e atividades essenciais,definidas em lei. Finalmente, agreve foi criminalizada pela

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legislação de segurança nacional(arts. 32, 33, V, e 34 do Decreto-lei no

314/1967 e Decreto-lei no 510/1969).O art. 38 do Decreto-lei no 898/1969prescreveu a pena de reclusão dequatro a dez anos pelo crime degreve em serviços públicos ouatividades essenciais, a mesmapena do roubo. Já o art. 39, V, domesmo dispositivo prevê a pena dereclusão de dez a vinte anos paraquem incitar a paralisação deserviços públicos ou atividadesessenciais.

De acordo com Nilo Batista, apunição sofrida cotidianamentepela maioria da população

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brasileira permeia principalmente ouso estrutural do sistema penalpara garantir a equação econômica.“Ou os brasileiros pobres sãopresos por vadiagem ou arranjemrápido um emprego e desfrutem dosalário mínimo (punidos ou malpagos). Depois que já estãotrabalhando, nada de greves paradiscutir o salário, porque a políciaprende e arrebenta (punidos e malpagos)”.25

3.5 A sociedade docontrole

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Os países centrais do capitalismoapresentaram no pós-2a GuerraMundial taxas relativamente baixase estáveis de encarceramento atéque, a partir do começo da décadade 70, verificou-se um incrementosignificativo e inesperado dessastaxas, que pode ser compreendidoanalisando-se as transformaçõesque se deram nessa época nomercado de trabalho e no própriomodelo de Estado. A era do Estadode Bem-Estar Social coincidiu comuma era de expansão econômica ecarência de mão de obra, na qual osempregos vinham acompanhadosde diversos direitos trabalhistas,

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que geravam segurança econômicapara a classe trabalhadora. Aspessoas que por uma razão ououtra não estavam empregadaseram geridas por toda uma rede deassistência social. No campopunitivo, o discurso hegemônicoera o da integração, o darecuperação do preso.

Este quadro, todavia, começa a sealterar diante da automação daprodução, que tornou grandesparcelas do proletariadosimplesmente descartáveis. A forçada classe trabalhadora e de seussindicatos se deteriorou ainda maiscom a derrocada dos Estados

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socialistas, que se mantinham comopermanentes ameaças aos Estadoscapitalistas e os obrigavam a aliviaras tensões sociais. As políticasneoliberais de terceirização,privatização e flexibilização dedireitos trabalhistas e sociais,inauguradas por Margaret Thatcherna Inglaterra e Ronald Reagan nosEUA, por fim, diminuíram aindamais o poder de barganha dostrabalhadores.26

Loïc Wacquat observa, nessesentido, que a expansão do DireitoPenal, evidente no aumento dastaxas de encarceramento, das penase de leis repressivas em geral, é a

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consequência necessária dodesmantelamento dos direitostrabalhistas e sociais, uma vez que,segundo Alessandro De Giorgi, odireito penal passa a exercer opapel de gestor de uma populaçãosupérflua que antes cabia aosoutros ramos do Direito exercer. Odesemprego estrutural enfraqueceo discurso da reabilitação doscriminosos e a lógica disciplinar ésubstituída por uma lógica decontrole, de armazenamento, deneutralização pura e simples dospresos. Estes sofrem uma pioraconsiderável em suas condições devida, de acordo com o princípio da

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less eligibility.27

As tendências verificadas nospaíses centrais do capitalismoforam reproduzidas no Brasil,obviamente adaptadas à nossaestrutura social. Na realidade,parece haver ocorrido muito maisuma importação do discursoneorretributivista, uma vez que alógica do controle sempre foi a queprevaleceu no Brasil, emdetrimento da lógica disciplinar. Namedida em que cresciam odesemprego e o subempregoinformal e precário, mais e mais opopulismo penal ganhava terreno,resultando em uma legislação penal

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de emergência extremamenterepressiva e desproporcional, quese apresentava como a panaceia dosgraves problemas sociais.28

O Movimento de Lei e Ordemencontrou eco principalmente naLei de Crimes Hediondos e doRegime Disciplinar Diferenciado,que lotaram e agravaram ascondições de vida nas prisõesbrasileiras. Entre outras medidasrepressivas, a Lei de CrimesHediondos estabeleceu que oscrimes etiquetados comohediondos e os a eles equiparadosseriam insuscetíveis de anistia,graça e indulto, fiança e liberdade

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provisória, e que a pena seriacumprida integralmente em regimefechado; aumentou o prazo daprisão temporária; previu aconstrução de estabelecimentospenais de segurança máxima;aumentou o tempo necessário parase conceder livramento condicional,bem como a pena mínima emáxima de diversos crimes.

O resultado referente à RegiãoMetropolitana da Grande SãoPaulo: a incidência dos principaiscrimes taxados como hediondosaumentou ou permaneceu estável,29

enquanto a taxa de encarceramentoapresentou um crescimento

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sistemático, sem que osequipamentos prisionais tivessemcondições de absorvê-lo.30 O boomcarcerário, todavia, tem um altocusto econômico, e para equacioná-lo, seguindo a cartilha neo-liberaldo corte de gastos públicos e dacrença na maior eficiência do setorprivado, é frequentementedefendida a ideia da privatização depresídios. O debate sobre aviabilidade da privatização depresídios chegou ao Brasil ancoradona experiência estrangeira e naortodoxia ideológica neoliberal,31

porém, conforme alerta LaurindoDias Minhoto, antes de reduzir o

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projeto privatizante brasileiro àmera cópia do estrangeiro, deve-severificar de que maneira o contextoperiférico se articula ao central,pois, ao operarem em estruturassociais diferentes, instituiçõesjurídicas similares ganham umadinâmica de funcionamentodiferenciada.32

De acordo com Roberto Schwarz,no Brasil, a importação acrítica desoluções institucionaissupostamente modernas acaba,paradoxalmente, repondo,expandindo e reforçando traçosautoritários característicos doperíodo colonial. Por outro lado, os

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traços “antigos” tendem aconstituir a face “moderna” que aperiferia assume no âmbito dodesenvolvimento “desigual ecombinado” do sistema capitalistacontemporâneo.33 Conformediscorrido acima, a sociedadebrasileira sempre se caracterizoupela ausência de uma norma geralabstrata e impessoal imposta atodos, de uma efetivaburocratização do poder público eda distinção clara entre o público eo privado. As relações sociais epolíticas foram tradicionalmentedefinidas pelo poder doméstico,laços afetivos, a cultura do favor, do

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“jeitinho”, o personalismo,paternalismo e patrimonialismo.

Segundo Laurindo Dias Minhoto,a privatização de presídios no Brasilé funcional a um continuum depráticas formais e informaisexplicitamente autoritárias,violentas e privadas de gestão dasclasses subalternas, do problemada violência e do crime. Oautoritarismo está disseminadopelo corpo social e atravessa tantoas práticas das agênciasencarregadas do controleinstitucional da violência quanto ospadrões sociais de conduta voltadosà composição dos conflitos

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interpessoais.No “Código do sertão”, a

violência entranha-se na realidadesocial e constitui as relaçõesintersubjetivas, o modelo deconduta, subtraindo a eficácia doDireito estatal. Em um mundoatravessado por uma grandeconflituosidade social, a maiorcapacidade de violência dossujeitos é decisiva, e as regrasimpessoais do direito cedem lugarrecorrentemente aos princípios daautoridade do passado, em que osusos e costumes acabam reforçandoa apropriação privada dasprerrogativas policiais e judiciárias.

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Minhoto chama a atenção para ofato de que o baixo grau deconfiabilidade dos brasileiros naJustiça explica, por um lado, aatuação de pistoleiros e, por outro,a permanência da “justiça com aspróprias mãos” e uma rede paralelade controle social, a “privatizaçãopossessiva da justiça”, constituídapor chacinas, linchamentos,execuções extrajudiciais, justiceirose “polícias mineiras”.34

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3.6 O perfil atual dapopulaçãocarcerária brasileiraEm 2008, o sistema prisionalbrasileiro era o quarto do mundoem número de pessoas, ficandoatrás apenas dos Estados Unidos(2,2 milhões de presos), China (1,5milhão de presos) e Rússia (870 milpresos). De acordo com oDepartamento PenitenciárioNacional, em dezembro de 2003 apopulação carcerária brasileira nossistemas penitenciários estaduaisera de 308.304 presos, enquanto em

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dezembro de 2007 foi de 422.373, oque representou um crescimentoreal de 37,00% ou uma taxa médiade crescimento anual deaproximadamente 8,19%. Emdezembro de 2007, o déficit devagas do sistema penitenciário erade 147.179, o que representou umaqueda de 7,40% em relação ao anoanterior.

Em dezembro de 2007, oshomens encarceradosrepresentavam 93,88% dapopulação total de presos no Brasil.Entre 2004 e 2007, a taxa decrescimento real da populaçãocarcerária masculina foi de 24,87%,

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enquanto a feminina foi de 37,47%.Entre 2003 e 2007 pôde serconstatado um crescimento real dapopulação carcerária emcumprimento de regime fechado de13,05%. A população carcerária emregime semiaberto aumentou89,75% no mesmo período e a emregime aberto aumentou 143,20%entre 2005 e 2007. A população emcumprimento de medida desegurança aumentou 40,93% entre2003 e 2007 e o número de presosprovisórios em 88,84%; de modoque, em dezembro de 2007, onúmero de presos provisórios eraequivalente a 30,19% da população

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carcerária do País. Por outro lado,no mesmo período se verificou umaredução real da população depresos custodiados pela polícia de17,75%.35

Em junho de 2007, o mesmoDepartamento PenitenciárioNacional realizou pesquisa junto a1.117 estabelecimentos cadastradosa respeito da quantidade e perfil dapopulação carcerária brasileira. Osdados são incompletos, visto que onúmero de estabelecimentoscadastrados que informaramvalores variou conforme o indicadorpesquisado, e não se têminformações se os estabelecimentos

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cadastrados que deixaram deinformar valores possuemcaracterísticas peculiares quepossam viciar a pesquisa. Todavia,tendo em vista a porcentagemrelativamente alta deestabelecimentos cadastrados queinformaram valores e aconsequente cobertura de umuniverso prisional representativopela pesquisa, pode-se ter pelomenos uma estimativa dos diversosindicadores pesquisados, ainda quenão uma quantificação real.

Sendo assim, segundo osestabelecimentos cadastrados queinformaram valores

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(aproximadamente 93%), de umtotal de 358.904 presos/internados,46,24% estavam em regime fechado;14,78% em regime semiaberto;5,85% em regime aberto; 0,60% emmedida de segurança-internação;0,13% em medida de segurança-tratamento am-bulatorial e 32,40%eram presos provisórios. Por outrolado, de acordo com osestabelecimentos cadastrados queinformaram valores(aproximadamente 83%), dos 14.308presos/internados provenientes daPolícia/Justiça Federal, 26,56% sãopresos provisórios; 47,97% estão emregime fechado; 18,77% em regime

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semiaberto; 5,54% em regimeaberto; 1,13% em medida desegurança-internação e 0,03% emmedida de segurança-tratamentoambulatorial.

Já no universo dosaproximadamente 78% deestabelecimentos cadastrados, queinformaram valores, de 328.108presos/internados, 6,96% sãoanalfabetos; 17,40% sãoalfabetizados; 44,94% possuemEnsino Fundamental incompleto;12,45% Ensino Fundamentalcompleto; 9,48% Ensino Médioincompleto; 6,40% Ensino Médiocompleto; 0,97% Ensino Superior

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incompleto; 0,45% Ensino Superiorcompleto; 0,02% formação acima doEnsino Superior completo e 0,95%dos presos não informou seu graude instrução.

De 192.042 presos/internados,22,29% foram condenados a até 4anos de pena; 29,04% entre 4 e 8anos; 23,36% entre 8 e 15 anos;11,41% entre 15 e 20 anos; 8,84%entre 20 e 30 anos; 3,75% entre 30 e50 anos; 1,09% entre 50 e 100 anos e0,21% a mais de 100 anos. De303.540 presos, 32,85% têm entre 18e 24 anos de idade; 26,71% entre 25e 29 anos; 17,37% entre 30 e 34 anos;15,48% entre 35 e 45 anos; 6,21%

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entre 46 e 60 anos; 1,02% mais de 60anos e 0,34% dos presos nãoinformou sua idade. De 306.326presos, 41,79% são brancos; 17,15%são negros; 39,46% são pardos;0,60% é amarelo; 0,17% é indígena e0,83% declararou pertencer a outra“raça”. Não há dados indicativos doperfil carcerário brasileiro no quetange à renda, à estrutura familiar,à religião e ao tempo deencarceramento do presoprovisório.

Segundo os estabelecimentoscadastrados que informaramvalores (aproximadamente 81%),dos 422.633 crimes

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tentados/consumados pelospresos/internados, 19,89% foram deroubo qualificado; 14,24% de tráficode entorpecentes; 8,24% de roubosimples; 7,10% de furto qualificado;6,99% de homicídio qualificado;6,38% de furto simples; 4,35% decrimes previstos no Estatuto doDesarmamento; 4,00% dehomicídio simples; 2,99% delatrocínio; 2,48% de receptação;2,25% de estupro; 1,90% deatentado violento ao pudor; 1,75%de quadrilha ou bando; 0,50% deextorsão; 0,43% de extorsãomediante sequestro na formaqualificada; 0,37% de extorsão

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mediante sequestro; 0,29% desequestro; 0,10% de extorsãoqualificada pela morte e 15,75% deoutros crimes.

Nos estabelecimentoscadastrados que informaramvalores (69%), dos 221.550presos/internados, 37,63% sãoprimários com uma condenação;19,86% são primários com mais deuma condenação e 42,51% sãoreincidentes. De acordo com osestabelecimentos cadastrados queinformaram valores(aproximadamente 87%), dos 20.330presos que participam de programade laborterapia fora do

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estabelecimento penal, 51,93%estão em programas comandadospor empresas privadas; 17,58% pelaAdministração direta; 9,44% pelaAdministração indireta e 21,06%por outros. Dos 66.584 presos queparticipam de programa delaborterapia interno, 19,15%trabalham com artesanato; 48,27%no apoio ao estabelecimento penal;5,33% com atividade rural e 27,26%com outras atividades.36

3.7 Consideraçõesfinais

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Ao longo deste artigo, pudemosperceber que as formas punitivasde uma sociedade estãointimamente ligadas à suaestrutura económica. A prisão,como prática punitiva, exerceu emsua origem um papel económico aodisciplinar uma mão de obra feudalainda relutante com as novasformas de exploração capitalista. Aobtenção do lucro e a utilização damão de obra encarcerada paraabaixar os níveis salariais foramsecundárias nas casas de correçãoem face da necessidade prioritáriade disciplinar o proletariadonascente e, principalmente, impor

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mediante a ameaça penal aideologia do trabalho.

Em épocas de excesso de mão deobra, a prisão serviu não só comoparadigma puramente ideológicode como deveria ser a sociedadecapitalista, mas como a forma maiseficaz de controle de umapopulação supérflua perigosa.Conforme a necessidade de mão deobra era maior ou menor, a vidahumana ganhava mais ou menosvalor e as condições deencarceramento melhoravam oupioravam, respectivamente. Assim,após o ciclo de fortedesenvolvimento económico do

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Estado de Bem-Estar Social, no quala prisão reassume o ideal inclusivoe reabilitativo, adentra-se na eraneoliberal, em que o trabalhohumano passa a ser cada vez maissupérfluo e a prisão retoma comforça sua função de controlarestratos marginalizados dapopulação. Na medida em quedireitos sociais e económicos sãoretirados da população, o Estadopenal cresce, como consequêncianecessária da política neoliberal degestão da pobreza. As elevadastaxas de encarceramento, que nãorefletem necessariamente elevadastaxas de criminalidade, bem como a

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ideologia da mercantilização dasrelações sociais, são o substratopara a reafirmação da privatizaçãode presídios.

No Brasil, as teorias penais epenitenciárias modernas,formuladas sobre infra-estruturaseconómicas de outros países, nãoencontram lugar ou são adaptadas,reformuladas e reinterpretadaspara a nossa realidade. O atraso dasinstituições e práticas penais noBrasil não é explicado por umasuposta má execução dos projetos,mas por uma estrutura social quecombina atraso e modernidade emuma relação de reforço recíproco.

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Assim, a escravidão brasileira,símbolo do atraso, se chocava como ideal de uma sociedadedisciplinar e sustentava uma sériede punições corporais truculentasque deixaram vestígios até hoje,porém tinha o seu papel na divisãointernacional do trabalho moderna.Por outro lado, a modernidadevislumbrada na privatização depresídios toma corpo em umasociedade como a nossa justamentepor ser compatível com várias desuas características arcaicas, taiscomo a descentralização do poderem oligarquias, a ambiguidadeentre o público e o privado e o

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patrimonialismo.Examinando-se o perfil da

população carcerária brasileiraatual, nota-se que o alvopreferencial do sistema punitivosegue sendo homens jovens, negrose pardos, com baixa escolaridade,condenados por crimespatrimoniais e tráfico deentorpecentes. A permanênciadesse perfil de presos ao longo daHistória brasileira e o fato deapenas uma minoria delesparticipar de programas dereintegração social indicamclaramente o papel que a prisãodesempenha em uma sociedade

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autoritária e desigual como a nossa,marcada profundamente pelaescravidão e pela ausência deprogramas sociais dignos de umEstado de Bem-Estar Social: areafirmação da hierarquia social e ocontrole de estratos marginalizadoseconómica e socialmente.

3.8 ReferênciasBibliográficas

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*O presente trabalho foi realizado com oapoio do Conselho Nacional de

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Desenvolvimento Científico e Tecnológico(CNPq-Brasil).**Mestrando em Direito Penal pelaFaculdade de Direito da Universidade deSão Paulo.1Rusche, Georg; Kirchheimer, Otto. Puniçãoe estrutura social, p. 20.2De Giorgi, Alessandro. A misériagovernada através do sistema penal, p. 37–39.Ver também Shecaira, Sérgio Salomão;Corrêa Júnior, Alceu. Pena e Constituição:aspectos relevantes para sua aplicação eexecução, p. 58–59; Bitencourt, CezarRoberto. Falência da pena de prisão: causas ealternativas, p. 22, 27, 31.3Foucault, Michel. Vigiar e punir, p. 27–28.4Garland, David. Punishment and modernsociety, p. 157 et seq.

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5A estratégia militar e os métodos derecrutamento e de manutenção dadisciplina eram determinados pelaescassez de homens. O exército, sofrendo aconcorrência dos empregadores, erareforçado com mercenários e criminosos,inclusive estrangeiros, o que indica que ocritério de qualificação era físico e nãomoral. Os soldados já treinados eramtratados com leniência, pois eraconsiderado impróprio executá-los(Rusche, Georg; Kirchheimer, Otto. Puniçãoe estrutura social, p. 47 et seq.). Séculosmais tarde, no Brasil, ex-escravos, homensbrancos pobres e toda uma massamarginalizada considerada perigosa edesordeira foram recrutados à força peloExército brasileiro para lutar na Guerra doParaguai. Qualquer motivo era suficientepara a prisão e a transformação doindivíduo em “Voluntário da Pátria”, de

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modo que tanto os pequenos delitosquanto os crimes mais graves colocavam oacusado a caminho do front (Frade,Everaldo Pereira. Os (in)voluntários dapátria: recrutamento e controle do espaçourbano no Rio de Janeiro no período daGuerra do Paraguai. Discursos Sediciosos:Crime, Direito e Sociedade, v. 2, n. 4, p. 206et seq.).6Rusche, Georg; Kirchheimer, Otto. Op.cit., p. 69. Ver também Neder, Gizlene.Absolutismo e punição. DiscursosSediciosos: Crime, Direito e Sociedade, v. 1,p. 198–199; Bitencourt, Cezar Roberto.Falência da pena de prisão: causas ealternativas, p. 16.7Rusche, Georg; Kirchheimer, Otto. Op.cit., p. 123–125.8Rusche, Georg; Kirchheimer, Otto. Op.

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cit., p. 120, 138–139, 152 et seq.9Apud Garland, David. Punishment andmodern society, p. 234 et seq.10Foucault, Michel. Vigiar e punir, p. 49 etseq.11Id. A verdade e as formas jurídicas, p. 123 etseq.12Id. Vigiar e punir, p. 64 et seq.13Foucault, Michel. Vigiar e punir, p. 128 etseq.14Melossi, Dario; Pavarini, Massimo.Cárcere e fábrica, p. 47–48, 77–78.15Ibid., p. 232–233.16Ibid., p. 216–217. No grande panoptismosocial cuja função é precisamente atransformação da vida dos homens emforça produtiva, a prisão exerce uma

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função muito mais simbólica e exemplardo que realmente econômica, penal oucorretiva. A prisão é a imagem dasociedade e a imagem invertida dasociedade, imagem transformada emameaça (Foucault, Michel. A verdade e asformas jurídicas. p. 123). SegundoBitencourt, a alternância de funções daprisão é clara: formação de mão de obrabarata quando há trabalho e salários altose, em períodos de desemprego, reabsorçãodos ociosos e proteção social contra aagitação e os motins (Bitencourt, CezarRoberto. Falência da pena de prisão: causas ealternativas, p. 30).17Koerner, Andrei. O impossível“panóptico tropical-escravista“: práticasprisionais, política e sociedade no Brasildo século XIX. Revista do IBCCrim, n. 35, p.220.

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18Batista, Nilo, Punidos e mal pagos, p. 124.Nilo Batista lembra que a tortura sempreesteve entranhada na história brasileira.Apesar de ser regulamentada nasOrdenações e estudada em Coimbra, nãohavia qualquer regra quando o castigo eraaplicado nos escravos negros, no âmbitoda disciplina privada, havendo umaunidade essencial da intervençãodisciplinar (privada) e penal (pública)(Ibid., p. 111). Embora formalmenteestivessem vigorando ao tempo dascapitanias hereditárias, as OrdenaçõesManuelinas não constituíam a fonte deDireito aplicável no Brasil, pois o arbítriodos donatários, na prática, é que impunhaas regras jurídicas (Dotti, René Ariel. Basese alternativas para o sistema de penas, p. 19).Já a instituição policial brasileirafuncionava como uma espécie desuplemento à coerção exercida pelo senhor

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de escravos e, portanto, só poderia nascertruculenta e eminentemente repressoradas classes subalternas (Minhoto,Laurindo Dias. Privatização de presídios ecriminalidade: a gestão da violência nocapitalismo global, p. 179). As elitesusaram os policiais historicamente,enquanto funcionários do Estado, para osserviços mais brutais (Batista, Nilo.Punidos e mal pagos, p. 170). Observou-se aquestão social sendo tratada como caso depolícia, a repressão violenta aosmovimentos grevistas, a deportação deimigrantes subversivos em verdadeirasreedições dos navios negreiros, arepressão ilegal da mendicância e dadesocupação nas zonas urbanas, aporosidade das fronteiras entre arepressão política e o combate ao crimecomum, bem como a militarização e oabuso da polícia (Minhoto, Laurindo Dias.

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Op. cit., p. 174–176; Batista, Nilo. Aviolência do estado e os aparelhospoliciais. Discursos Sediciosos: Crime,Direito, Sociedade, v. 2, n. 4, p. 146, 151). Atransição democrática não foi suficientepara submeter as agências encarregadasde repressão ao crime ao império da lei(Minhoto, Laurindo Dias. Op. cit., p. 185).O sistema penal não renunciou àintervenção física corporal, presente nosmaus-tratos aos suspeitos recrutados emáreas faveladas, operações de repressão àdesobediência civil de grupos excluídos,tortura de suspeitos e grupos deextermínio, disfarçados em autos deresistência e premiados por “bravura”(Batista, Nilo. A violência do estado e osaparelhos policiais. Discursos Sediciosos:Crime, Direito, Sociedade, v. 2, n. 4, p. 150).19O respeito ao direito de propriedade

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confundia-se com o respeito ao domíniodo proprietário, pois não ocorrerammudanças significativas na circulação dosindivíduos e na forma de riquezaproduzida pela sociedade brasileiradurante o século XIX (Koerner, Andrei. Oimpossível “panóptico tropical-escravista“: práticas prisionais, política esociedade no Brasil do século XIX. Revistado IBCCrim, n. 35, p. 215 et seq.). O direitoburguês, fruto da Revolução Francesa, e aordem mercantil foram adaptados àordem senhorial escravocrata. O senhorpodia usar, gozar e abusar de seusescravos, obtidos no mercado, e aprodução de suas terras também eramercantilizada. A fazenda é o símbolo daambiguidade da condição de senhor eburguês, pois é ao mesmo tempo lar eempresa, mescla produção mercantil eprodução dos meios de vida (Minhoto,

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Laurindo Dias. A privatização de presídios: agestão da violência no capitalismo global,p. 179, 189). O direito burguês é invocadopara conservar a ordem escravocrata.Dessa forma, por exemplo, só caberia aosenhor o direito de queixar-se pelos crimescometidos contra seus escravos. O castigofísico era considerado exercício regular deum direito e apenas em casosespecificados em lei, como quando haviaabuso do poder dominical, o MinistérioPúblico poderia fazer a queixa. Mesmonesse caso, o interesse a se proteger emjuízo não era o do escravo, mas o daordem económica e social. O promotor nãoestaria representando o escravo em juízo,pois não há delito sem a violação de umdireito e os escravos não tinham direitoscivis. No caso de estupro, a escrava, pornão ser sujeito jurídico, e sim propriedade,não poderia ser considerada judicialmente

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miserável e, portanto, nem queixar-se,nem testemunhar ,tampouco serrepresentada em juízo pelo MinistérioPúblico (Nequete, Lenine. Defloramentode escrava pelo senhor. p. 61–77).20Koerner, Andrei. O impossível“panóptico tropical-escravista“: práticasprisionais, política e sociedade no Brasildo século XIX. p. 212 et seq. A escravidãobrasileira não é, dessa forma, sinal deatraso, pois é a própria expansãointernacional do modo de produçãocapitalista que assinala o término doinstituto da escravidão no centro esimultaneamente a sua reemergência“moderna” na periferia do sistema,devidamente redefinido a partir da lógicae dos móveis mais amplos da lucra-tividade (Minhoto, Laurindo Dias. Aprivatização de presídios: a gestão da

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violência no capitalismo global, p. 190–191). Gizlene Neder, por sua vez,argumenta que persistimos no Brasil,como uma herança do absolutismoportuguês, com a fantasia absolutista docontrole social (policial) absoluto sobre oespaço urbano, ao contrário de adotar apolítica liberal de dividir a cidade emzonas da “ordem” e zonas da “desordem”(op. cit., p. 205). Vale lembrar, todavia, quesociedade disciplinar não correspondenecessariamente à sociedade disciplinada.21O trabalho prisional era o mesmo que opraticado na sociedade, ou seja, manual,desqualificado e, portanto, não era postocomo aprendizado de um ofício, mas comopunição (Koerner, Andrei. Op. cit., p. 212et seq.).22Batista, Nilo. Punidos e mal pagos, p. 125–126. Para Gizlene Neder, desde a Abolição

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da Escravidão a exemplaridade dapunição foi privilegiada e a questão docontrole e disciplinamento da massa deex-escravos delimitou a extensão e a formada reforma republicana no Brasil(Absolutismo e punição. DiscursosSediciosos: Crime, Direito e Sociedade, v. 1,p. 200).23Batista, Nilo. Punidos e mal pagos, p. 39 etseq.24Shecaira, Sérgio Salomão; Corrêa Júnior,Alceu. Pena e Constituição: aspectosrelevantes para sua aplicação e execução,p. 349. As reformas das práticas punitivassó foram adotadas na década de 20 doséculo XX em vista da valorização dotrabalhador nacional, das novasnecessidades de mão de obra e daagudização dos conflitos sociais com ostrabalhadores estrangeiros (Koerner,

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Andrei. O impossível “panóptico tropical-escravista“: práticas prisionais, política esociedade no Brasil do século XIX. Revistado IBCCrim, n. 35, p. 212 et seq.). NiloBatista, por sua vez, sustenta que aintrodução do sursis no Brasil se dá muitomais por efeito da mimese jurídica queparece ser um legado do colonialismo doque como decorrência de conscientecomprovação dos malefícios acarretadospela execução das penas curtas (Punidos emal pagos, p. 126).25Batista, Nilo. Punidos e mal pagos, p. 36 etseq.26Ver Bauman, Zygmunt. O mal-estar dapós-modernidade, p. 50; Thompson,Augusto. A era do fim do trabalho e seusefeitos criminógenos. Discursos Sediciosos:Crime, Direito e Sociedade, v. 2, n. 4, p.244–245, ; De Giorgi, Alessandro. A miséria

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governada através do sistema penal, p. 17, 67et seq.; Faria, José Eduardo. Astransformações do direito. RevistaBrasileira de Ciências Criminais, n. 22, p.237–238.27Wacquant, Loïc. Punir os pobres: a novagestão da miséria nos Estados Unidos, p.21, 82; Wacquant, Loíc. As prisões damiséria, p. 151. Ver também Bauman,Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade, p.25; Faria José Eduardo. As transformaçõesdo direito. Revista Brasileira de CiênciasCriminais, n. 22, p. 239; Baratta,Alessandro. Criminologia crítica e crítica dodireito penal: introdução à sociologia dodireito penal, p. 195–196; De Giorgi,Alessandro. A miséria governada através dosistema penal, p. 15–16, 51, 58.28Shecaira, Sérgio Salomão. Tolerância zero.

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29Foram examinadas por Alberto SilvaFranco as ocorrências policiais dos anos1991 a 1998 em relação aos maisexpressivos delitos rotulados comohediondos. As fontes consultadas foram aSecretaria de Segurança Pública (SSP), aDelegacia-Geral de Polícia (DGP), oDepartamento de Planejamento e Controleda Polícia Civil (Deplan), o Centro deAnálise de Dados (CAD) e a FundaçãoSeade. O crime de homicídio doloso,considerado hediondo a partir da Lei no

8.930/1994, aumentou significativamentesua incidência entre os anos de 1994 e1998, revelando um acréscimo percentualde 31,72%; o crime de tráfico ilícito deentorpecentes, entre os anos de 1991 e1998, também cresceu de formarepresentativa, em um percentual emtorno de 101,78%; e os crimes delatrocínio, extorsão, extorsão mediante

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sequestro, estupro e atentado violento aopudor demonstraram uma quaseestabilidade estatística, revelando, a cadaano, entre 1991 e 1998, alguns porcen-tuais mínimos de aumento ou dediminuição de incidência. Tal estabilidade,todavia, não pode ser creditada à Lei dosCrimes Hediondos, visto que, quando seexaminam as estatísticas colhidas noAnuário Estatístico do Estado de SãoPaulo de 1991, correspondentes aos anosde 1986 a 1990, que antecederam areferida lei, a conclusão é de que aestabilidade já era um fato comprovado(Franco, Alberto Silva. Crimes hediondos, p.493–494).30Entre os anos de 1998 e 1999, a clientelado sistema prisional subiu cerca de16,24%, o que representa, em um só ano, oacréscimo de 11.393 presos. A conclusão a

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que chega Alberto Silva Franco é,portanto, a de que a Lei de CrimesHediondos cumpriu exatamente o papelque lhe foi reservado pelos meios decomunicação social, controlados pelossegmentos econômicos e políticoshegemôni-cos, ou seja, o de dar àpopulação a falsa ideia de que, por meiode uma lei extremamente repressiva,reencontraria a almejada segurança(Franco, Alberto Silva. Crimes hediondos, p.499 et seq.).31Minhoto, Laurindo Dias. A privatizaçãode presídios: a gestão da violência nocapitalismo global, p. 192.32Ibid., p. 40–41.33Ibid., p. 190–191.34Minhoto, Laurindo Dias. Privatização depresídios e criminalidade: a gestão da

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violência no capitalismo global. p. 185 etseq. Segundo Antonio Candido, aviolência no Brasil se faz sentir onde aordem privada desempenha funções queem princípio caberiam ao poder público(Ibid., p. 161). No mesmo sentido, Batista,Nilo. Punidos e mal pagos, p. 150–151.35Departamento Penitenciário Nacional.População carcerária brasileira- evoluçãoe prognósticos (Quinquênio 2003–2007).Disponível em<http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJE7CD13B5ITE-MID2FEEC93DDE6345B4B1E45071A0091908PTBRIE.htm.Acesso em: 15/08/2008.36Departamento Penitenciário Nacional.Sistema prisional. Disponível em<http://www.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownload.EZTSvc.asp?DocumentID={1F644536-6947-42A4-BC0C-51DCC4D7A369}&ServiceInstUID={4AB01622-7C49-420B-9F76-

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15A4137F1CCD}.> Acesso em: 28/09/2007.

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4

Oxalá,conhecêssemosNina Rodrigues!Thaís Dumêt Faria*

SUMÁRIO

4.1 Nina Rodrigues, uma

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história (quase) perdida parao Direito brasileiro.4.2 Obras e vida (quaseesquecidas) de RaimundoNina Rodrigues.4.3 As raças humanas e a“ilusão de liberdade”.4.4 Nina Rodrigues: o autormaldito!4.5 Nós pensamos!4.6 Referências bibliográficas.

As medidas severas tomadas pelogoverno, entre as quaes figura a

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deportação para a Africa de todosos malês libertos, a repressãomuitas vezes cruel e deshumaa, dasautoridades provinciaes, não sóreduziram a um minimoinsignificante o numero dos negrosmahometanos, como tornaramainda mais reservadas as suaspraticas religiosas. Deixaramapenas, me dizia um velho malê,aquillo em que ninguém pódetocar, a fé que está nocoração1(grifo nosso).

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4.1 Nina Rodrigues,uma história (quase)perdida para oDireito brasileiroEscrever sobre Nina Rodrigues éuma grande responsabilidade,talvez a maior que enfrentei atéagora, tamanha é a minhaadmiração e reconhecimento pelosnossos precursores brasileiros.Lamento, a cada pesquisa em umabiblioteca, encontrar a histórianacional perdida em prateleirassem nenhum cuidado, livros compáginas se quebrando, pedaços de

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vidas e histórias sendo desfeitos aoprimeiro toque. Nada é maisexcitante e desolador que encontraruma obra perdida. Por isso, estetexto representa um grande desafio.Com o convite de escrever sobreNina Rodrigues, tenho aoportunidade de tentar instigarpessoas que não conheciam essaparte da nossa história, queestudaram a criminologia pela óticae história dos autores estrangeiros.No Direito, pouco se lê, pouco sefala sobre os teóricos nacionais noséculo XIX e início do XX. Possocontar um episódio que retrata essaausência de conhecimento. Um dia

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estava falando sobre a minhapesquisa e mencionei que precisavaencontrar um material maior sobreNina Rodrigues. Ao finalizar afrase, ouvi de uma aluna da pós-graduação: quem é essa mulher?Depois dessa pergunta, restou claraa necessidade de conhecer e revelarainda mais o que a nossa históriatem de especial e relevante.

Nina Rodrigues é um dosprincipais teóricos brasileiro. Talvezo primeiro a trabalhar o que hoje sedenomina “questão racial”. Porisso, seria impensável estudar oracismo e outras questões oriundasda herança preconceituosa no Brasil

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sem conhecer o trabalho de NinaRodrigues. No entanto, os escritosdesse médico estão,surpreendentemente, fora doalcance da maior parte dosestudiosos no tema.

Segundo Corrêa:

Temos aqui, então, um raro casode um autor famoso com a obraquase inacessível ao público, o quenão só deixa a tarefa de leituracrítica de sua obra nas mãos depoucos especialistas, que o leemem cópia xérox, como tambémcontribui para a divulgação de umperfil monolítico de um autor tão

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multifacetado.2

É certo que temos autoresbrilhantes que nos presenteiamcom livros e artigos que contam eanalisam as nossas teorias e quenos fazem entender o processo deconstrução da nossa sociedade.Nessa direção, temos Lyra, Corrêa,Schwarcz e outros e outras, na suagrande maioria na área daantropologia e sociologia. Lyra(1902–1982) foi um dos juristas quemais buscou fortalecer opensamento e a história dosteóricos brasileiros, com o objetivode demonstrar a qualidade da

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produção nacional e incentivar avalorização dos nossos pensadores.Dizia ele:

[…] se o homem não pode maisser lobo do homem passa a serraposa; há ódio de classe e invejade classe – um estudanteperguntou-me: Quem disse isso,professor? Respondi – Eu! Talveznão acreditasse que seu patríciotambém pudesse pensar.3

Com sua ironia e brilhantismo,Lyra instigou os estudantes apensar a partir de referenciaisnacionais. Infelizmente, o próprioRoberto Lyra é pouco conhecido e

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lido, assim como seu filho RobertoLyra Filho, autor de obras quequestionam o Direito tradicional.

Permito-me mencionar duasgrandes pesquisadoras, MarizaCôrrea e Lilan Moritz Schwarcz: aprimeira publicou sua tese dedoutorado com o título As ilusões deLiberdade, a escola Nina Rodrigues e aantropologia no Brasil, e seguiu comdiversas obras que analisam ahistória da antropologia brasileira,assim como Schwarcz, quepublicou, entre outras obras, Oespetáculo das raças: cientistas,instituições e a questão racial noBrasil – 1870–1930, um grande guia

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para o estudo desse período dahistória do País que revela umavisão mais real das construçõessociais e da formação da nossajustiça criminal.

O período de produção de NinaRodrigues coincide com ummomento de recepção dacriminologia no Brasil e com ofortalecimento da ciência naesperança da “sonhada”modernidade.

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De acordo com Costa eSchwarcz,4 “conhecido como a ‘erada sciencia’, o final do século XIXrepresenta o momento do triunfo

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de uma certa modernidade que nãopodia esperar”. Apesar daprodução criminológica no Brasil eAmérica Latina, o referencialteórico comumente utilizado sobreo final do século XIX e início doséculo XX é o dos autoreseuropeus.5 Segundo Del Olmo,6

“chega-se inclusive a afirmar que abibliografia é praticamente nula eque os latino-americanos, quandofalam como ‘especialistas’ darealidade criminológica, o fazemmais por intuição que porconhecimento”. A mesma autora foiresponsável por discutir as teoriascriminológicas desenvolvidas na

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América Latina e demonstrou que aausência de dados bibliográficos ede citações não revela a inexistênciade criminologia latino-americana,mas, talvez, um descrédito do quefoi produzido no Brasil e nos paísesvizinhos.

Foi em 1870 que muitas ideiaschegaram ao Brasil e foramdiscutidas, adaptadas e aplicadaspelos teóricos locais. As novasideias jurídicas, encabeçadasprincipalmente por Lombroso,Ferri e Garofalo, foram importantespara a formação jurídica nacional eelaboração das leis penais no finaldo século XIX. Viveiros de Castro é

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considerado um dos responsáveispor influenciar os teóricosbrasileiros a conhecer e discutir asteorias europeias ao analisá-las epublicá-las, em 1893, no seu livro Anova Escola Penal.7 Ao ler a maioriados textos sobre criminologia nesseperíodo, parece que a AméricaLatina não produziu uma teoria dequalidade e minimamente original.Alguns autores afirmam que noBrasil não existiam estudos sérios ecríticos,8 afinal, nesse paísencontrava-se a mistura das raçasconsideradas mais inferiores naescala da Escola Positivista: o negroe o índio.

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Na realidade, houve uma vastaprodução intelectual na AméricaLatina e no Brasil, por meio daatividade intensa de muitosteóricos que faziam parte dasdiscussões internacionais eproduziam conhecimentodirecionado à realidade do Brasil,inclusive criticando, por vezes, asteorias Europeias. No entanto, defato há escassez de materiais parapesquisa e análise da criminologiabrasileira, principalmente no quediz respeito às teorias produzidaspor juristas e não por médicos. Deacordo com Cancelli,9“os bacharéisdo Direito tiveram seus discursos

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desconsiderados pelahistoriografia, apesar da sua grandeimportância para a produção deconhecimento no Brasil”. Por todoesse contexto histórico, torna-seainda mais necessária areconstrução dos nossos passos,incluindo as áreas médica ejurídica, para um melhorentendimento da criminologiabrasileira.

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4.2 Obras e vida(quase esquecidas)de Raimundo NinaRodriguesFalar em teorias criminológicasbrasileiras é falar em NinaRodrigues (18621906), que foi,definitivamente, um dos maioresresponsáveis pelo desenvolvimentodessa área no País. Fruto da suaatuação foi, no final do século XIX,considerado por Lombrosoapóstolo da Antropologia Criminalna América do Sul.10

Raimundo Nina Rodrigues,

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maranhense, nascido em04/12/1862, na cidade de VárzeaGrande, foi para a Bahia em 1882,quando iniciou o curso de medicinana Faculdade de Medicina da Bahia,finalizado em 1886 na Faculdade doRio de Janeiro em 1888, com a teseDas amiotrofias de origem periférica.11

Nesse ano, retornou à Bahia, ondelecionou na Faculdade de Medicina,substituindo Virgílio Damásio, umdos grandes pioneiros na MedicinaLegal no Brasil. A relevância deNina pode ser percebida nadimensão da sua obra e nointeresse em diversas revistas eperiódicos nacionais e

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internacionais12 nos seus textos. Defato, foi ele quem ajudou a conferiraos discursos nacionaiscredibilidade externa. Morreu às 7horas do dia 17/07/1906, em seuquarto de hotel em Paris, ondetentava “uma cura para suaenfermidade”.13 Nina estavaacompanhado da sua filha de 12anos, Alice Nina Rodrigues, e desua mulher, Maria Amélia CoutoNina Rodrigues, responsável, apóso falecimento do marido, por umaluta incansável pela publicação dasobras e preservação da memória deRaimundo Nina Rodrigues.

Nina iniciou-se na pesquisa

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científica no ano de 1887. Quandoainda aluno do quinto ano demedicina publicou uma memóriasobre A Morfea em Anajatuba, arespeito da endemia da lepra.14 Oprimeiro livro publicado, noentanto, foi As raças humanas e aresponsabilidade penal no Brasil,editado em 1894, em Salvador, e quemarca o seu início na antropologiacriminal, colocando-o dentre osmestres da medicina legalinternacional.15 O livro foi reeditadotrês vezes, sendo a última ediçãoem 1957. Em 1896, colabora naRevista Brasileira, publicando umestudo denominado L’Animisme

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fetichiste des negres de Bahia, que,em 1900, foi editado em Salvadorcomo livro. A segunda edição, emportuguês, é de 1935. Em 1897,publica A ilusão da catequese noBrasil. Ainda na Revista Brasileira,surge o artigo A loucura epidêmicae Canudos, historiando os fatoressociológicos, étnicos e psicológicosresponsáveis pela revoluçãosertaneja.16

Em 1901, Nina publicou doislivros, Manual de autópsia médico-legal e O alienado no direito civilbrasileiro. Em 1905, compilouartigos e publicou A medicina legalno Brasil. Nina Rodrigues encerrou

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a sua carreira com o livro Aassistência médico-legal aos alienadosno estado da Bahia, um ano antes desua morte.

O livro mais conhecido, noentanto, foi publicadopostumamente, em 1933, Osafricanos no Brasil. Esse é de fato oúnico livro de Nina acessível,publicado em 2004 pela editora daUnB (Universidade de Brasília).Outros materiais foram aindaconhecidos após sua morte e algunsainda permanecem apenas emfrancês, restando a pesquisadores oesforço da tradução e busca pelapreservação da história das teorias

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brasileiras. Outra obra de granderelevância, mas com publicação demais de 70 anos (1939), éCollectividades Anormaes, idealizadopor Nina, e, no entanto, publicadoapenas após seu falecimento porArtur Ramos.

Percebe-se que as obras de NinaRodrigues estão hojeabsolutamente inacessíveis.Algumas ausentes até das maioresbibliotecas do País, outras perdidasem sebos e deteriorando-se aolongo do tempo pela total ausênciade importância à história dasciências sociais no Brasil. Em umartigo sobre a bibliografia de Nina

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Rodrigues, Mariza Corrêa conclui,afirmando:

Não creio que seja necessárioesboçar aqui uma conclusão, mascreio que é importante observarque tratei, de maneira breve, deum escândalo epistemológico degrandes proporções na históriadas ciências sociais no Brasil: umdos autores obrigatoriamentecitado quando se trata de analisaras chamadas relações afro-brasileiras no país, é também oestranho caso de um pensadorfamoso cuja obra é praticamentedesconhecida de grande parte dos

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pesquisadores brasileiros, e quaseinacessíveis a eles, não só aos quese interessam pela história dosanitarismo, da saúde pública, doscódigos civil e penal, ou pelahistória da loucura no nosso país.Um autor famoso com um únicolivro nas nossas estantes.17

Um dos livros mais importantesde Nina Rodrigues, quando se falaem Direito Penal e Criminologia,foi As raças humanas e aresponsabilidade penal do Brasil, emque o médico e etnográficodemonstra toda a sua participaçãona construção da Justiça Penal no

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Brasil, ao fazer considerações ecríticas a respeito do Código Penal(1894) que acabara de entrar emvigor.

4.3 As raçashumanas e a “ilusãode liberdade”Dentre mais de 60 obras, incluindolivros e textos, As raças humanas e aresponsabilidade penal do Brasil, coma primeira edição publicada em1894, é uma das que mais se destacacomo contribuição à teoriacriminológica brasileira e que mais

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influenciou outros teóricos,provocando discussões entrecorrentes opostas, uma delasrepresentada por um dos expoentesna cultura jurídica no País, TobiasBarreto. Nina dedicou seu livro aCesare Lombroso (Turim), EnricoFerri (Pisa), R. Garofalo (Nápoles),Alexandre Lacassagne (Lyon) eCorre (Brest), ou seja, às correntesitaliana e francesa, que possuíam,entre si, muitas divergênciasteóricas, o que já demonstra queNina não seguia uma únicacorrente criminológica. O médicoadotou a teoria do darwinismosocial, negando o modelo

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evolucionista social, e recebeu ateoria italiana de Lombroso comoexemplo de análise, apesar de nãopoder ser considerado um seguidorfiel do médico italiano, vide muitascríticas empreendidas contra asteorias lombrosianas.

As raças humanas e aresponsabilidade penal foi uma obracom o intuito direto de criticar oCódigo Penal de 1894. Alertou paraa necessidade de adequação dalegislação ao que consideravarealidade científica do País, qualseja a existência de raças humanasem estágios diferenciados dedesenvolvimento. Segundo

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Schwartcz:

O alvo, explícito, a partir deentão, é o código penal brasileiroque teria tomado (seja no novocódigo da República, seja noantigo código do Império) opressuposto espiritualista dolivre-arbítrio como critério deresponsabilidade penal. Diz eleque, seguindo tal procedimento,estariam os juristas apenascopiando modelos dos “povoscivilizados à europeia” e nãoatentando para as especificidadeslocais.18

Neste ponto do texto, gostaria

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fazer uma pausa e dar ênfase aomomento histórico em que estamostrabalhando. As teorias da viradado século XIX para o XX devem servistas e interpretadas de acordocom o seu tempo, pois apenasdessa forma podem ter a relevânciaadequada como parte importanteda nossa história e fundamentaispara compreendermos o presente.Não podemos desconsiderar queNina Rodrigues viveu na transiçãoda escravidão para a abolição,período em que os negros eramvistos e tratados como mercadorias,e não como seres humanos, e foinesse marco histórico que as teorias

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da escola positivista estavam sendodiscutidas na Europa e emváriosoutros países. Oentendimento e as críticas àsteorias de Nina não podem serdescontextualizadas do seu períodohistórico. Segundo Schwartcz,19

A referência, portanto, não é umahistória da ciência que cobra dopassado as certezas do presente,mas, sim, aquela que permiteretornar ao passado com suaslentes próprias. Nina Rodriguesfoi, nesse sentido, um grandeleitor e tradutor do seu tempo.

Após essa ênfase necessária,

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discutiremos algumas questõesfundamentais do pensamento einfluência de Raimundo NinaRodrigues.

Nina Rodrigues trabalhou aquestão da raça como determinantepara a responsabilidade penal.Entendia que as “raças inferiores”possuíam uma incapacidadeorgânica e cerebral paraassimilarem a cultura civilizada,necessitavam de um tempo paraque a hereditariedade evoluísse asraças. Portanto, não se podiaatribuir uma mesma lei, que é frutoda cultura de um povo, a grupos tãodistintos. Nina entende que a

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definição de crime é fruto de umaconstrução social e se relaciona coma cultura e princípios de um povo.Como, para o médico, no Brasilhavia raças diversas comdesenvolvimento e culturaspróprias, seria inviável uma leipenal para pessoas que não têm omesmo grau de desenvolvimento.Concluiu Rodrigues:20

Que a cada phase da evoluçãosocial de um povo, e ainda melhor,a cada phase da evolução dahumanidade, se se comparamraças anthropologicamentedistinctas, corresponde uma

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criminalidade própria, emharmonia e de accordo com o gráode seu desenvolvimentointellectual e moral.

A responsabilidade penal, paraNina, deveria ser atribuída a todosos cidadãos, com exceção apenasdos doentes, que teriam umtratamento especial. Pode-seperceber que o discípulo deLombroso não considerava todocriminoso um doente, tal qual acorrente da Escola Positivista, mastambém não admitia a adoção dolivrearbítrio como critério únicopara a criminalização, ponto em

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que é frontalmente contrário aTobias Barreto21 (1839–1889),importante jurista brasileiro. Ninaafirmava que o livrearbítrio eraapenas uma “ilusão de liberdade”,porque todas as escolhas eramfeitas de forma viciada pela“natureza” humana. Não haviaescolha efetivamente livre. Ninaressaltou que, se fôssemos utilizaros critérios da evolução das raças eda inferioridade de outras paradefinirmos a responsabilidadepenal, quase todos os criminososseriam considerados inimputáveis.Dessa forma, propôs sacrificar oprincípio do livrearbítrio para não

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prejudicar a proteção social efomentar a inimputabilidade,dando a solução de que no Brasil seconstitua um Direito Penalespecífico para cada grupo racial,oferecendo a cada realidade socialas punições adequadas. TobiasBarreto, por sua vez, consideravatodos os seres humanos iguais ecom vontade livre, exceto osdoentes.

Nina analisou o Brasil diante dasua diversidade racial e concluiuque não se podiam tratarigualmente pessoas tão diferentes ecom diversos níveis de evolução.Dizia que a lei considerava as

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diferenças de idade, sanidademental, mas deveria também levarem conta as diferenças de cultura,condição econômica e racial.Afirmava ele:

Tão absurdo e iníquo, do ponto devista da vontade livre, é tornar osbárbaros e selvagens responsáveispor não possuir ainda essaconsciência, como seria iníquo epueril punir os menores antes damaturidade mental por já nãoserem adultos, ou os loucos pornão serem sãos de espírito.22

Nesse ponto fez uma crítica aLombroso, que pretendeu analisar

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o “selvagem”, utilizando comoreferência a conduta criminosatipificada pelo “civilizado”. Peladiscussão de Nina Rodrigues, issoseria ineficiente, uma vez que ocrime e a justiça deveriam serconsiderados de acordo com asrealidades culturais particulares.

Na análise do povo brasileiro, omédico concordou com SylvioRomero quando afirmou: “todobrazileiro é mestiço, se não nosangue, pelo menos nas ideias”,23

discordando, no entanto, com a tesedo “embranquecimento dapopulação” pregada por Romero.Defendia que, em virtude da

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grande mistura de raças existentesno Brasil, não só a mestiçagembiológica era relevante, mas ocompartilhamento de diversasculturas formando um povo únicotambém passava a ter altarelevância para o estudo dapopulação no Brasil. Para o estudodas raças, dividiu-as em puras emestiças. As raças puras eram:branca, negra e vermelha; e amestiça: mulatos, mamelucos oucaboclos, curibocas ou cafuzos e ospardos. Para ele, essa grandemistura iria permanecer no Brasil,razão pela qual se fazia necessárioum tratamento diferenciado para as

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diversas regiões do País. Segundo oautor:

Não acredito na unidade ou quasiunidade ethnica, presente oufutura, da população brazileira,admittida pelo Dr. SylvioRomero: não acredito na futuraextensão do mestiço luso-africanoa todo o território do paiz:considero pouco provável que araça branca consiga fazerpredominar o seu typo em toda apopulação brazileira.24

O país então permaneceria sendoformado por regiões diferentes compovos distintos, inclusive pela

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influência do clima. Segundoafirmava, as regiões mais quenteseram mais facilmente ocupadaspelas populações negras e mestiças.Os brancos, para viverem nesseslocais, precisariam da mestiçagemcom a população negra, o que nãoaconteceria no sul do País, onde oclima era mais ameno. Diante detamanha diversidade, NinaRodrigues era contrário a que oBrasil “copiasse” o modelo deCódigo Penal da Itália, pois,segundo ele, já estava em uma fasede desenvolvimento mais avançada.

A população do Brasil eradiferenciada, com diversos graus e

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capacidades de evolução. ParaNina, o destino dos índios era aextinção, em virtude da suaincapacidade de assimilar a cultura“civilizada”. E os negros, por suavez, poderiam “evoluir”, masdeveriam ser cuidados de formaespecial, respeitando a sua“inferioridade”. Segundo ele, “onegro crioulo conservou vivaz osinstinctos brutaes do africano: érixoso, violento nas suas impulsõessexuaes, muito dado á embriagueze esse fundo de caracter imprime oseu cunho na criminalidadecolonial actual”.25

A teoria de Nina era a de que o

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Código Penal não podia ser único,uma vez que a população não o era.A noção de igualdade pregada pelaEscola Clássica não era capaz delidar com as profundas diferençasentre as pessoas existentes noBrasil. Concluiu Rodrigues:26

Eu não pretendo seguramente quecada estado brazileiro deva ter oseu código penal á parte. Nem hanecessidade disso. Queria que,desde que se lhes concede quetenham organisação judiciáriaprópria, fossem igualmentehabilitados a possuir a codificaçãocriminal que mais de accordo

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estivesse com as suas condiçõesethnicas e climatológicas. Nessascondições, diversos estados, osmais affins, poderiam adoptar omesmo código e as differenças sefariam sentir apenas naquellesem que a divergência dascondições mesologicas fosse maisacentuada.

Muitos autores se basearam nasteorias de Nina Rodrigues, e,mesmo quando não havia umaconcordância, as obras desse autoreram instrumentos quepotencializavam e enriqueciam osdebates criminológicos no Brasil.

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Nina Rodrigues teve granderelevância no País, e suasatividades, fortemente ligadas àquestão racial, foram cercadas delendas. A sua própria morte foiatribuída à vingança dos deusesnegros pela profanação de seussegredos.27 A vida de Nina semprefoi rodeada de superstições. Naadvertência do livro inacabado, Osafricanos no Brasil, Homero Piresescreveu: “Este livro é como otesouro dos Wiebelungen,guardado por Fafnir: trazia adesgraça àquele que consigo oretivesse”.28 “Uma sucessão demortes ocorreu aos proprietários

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dos originais de Os africanos noBrasil.”29

4.4 Nina Rodrigues:o autor maldito!O desconhecimento da obra deNina Rodrigues e a suainterpretação desconectada do seucontexto histórico levam a umadefinição limitada da suaparticipação como teórico,sobretudo nos temas relacionados àquestão racial. SegundoSchwartcz:30

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Nina Rodrigues legou umaimagem paradoxal. A despeito deser considerado – a partir dapublicação de obras comoAfricanos no Brasil e AnimismoFetichista – como o primeiroantropólogo brasileiro a tratar detemas, hoje conhecidos, como“raciais”, ele é tambémconsiderado um autor maldito:reconhecido como aquele quetratou de defender – e teorizar –as diferenças ontológicasexistentes entre as diversas raçasno Brasil, e em especial porconsiderar a mestiçagem comosinal de degenerescência.

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Nina Rodrigues ficou conhecidocomo um autor maldito por terutilizado seu conhecimento parafortalecer a tese da inferioridaderacial. Em realidade, um dos temasprincipais desse autor faziareferência à nossa definição comopovo e a do Brasil na qualidade denação. Para isso, necessitava pautara questão racial tanto do ponto devista teórico e académico quantopolítico.31 Vale ressaltar que, nesseperíodo, diversos teóricosdiscutiam a questão racial do país eformas de viabilizar odesenvolvimento da nação pormeio, entre algumas alternativas,

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da eugenia.32 Sylvio Romero (1851–1914),33 por exemplo, tratou dedesenvolver uma tese sobre obranqueamento da populaçãobrasileira, ou seja, o tema damiscigenação racial no Brasil eraprioridade e ocupava as páginas dejornais e as pautas de congressos ediscussões no final do século XX.Nina Rodrigues, que ainda éacusado de preconceituoso, oferece,por meio do estudo da sua obra, apossibilidade de ampliar osconhecimentos sobre uma épocatão rica na produção intelectualbrasileira. Segundo Corrêa,34 “aoprocurar o racista em Nina

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Rodrigues, encontrei um intelectualgenuinamente preocupado com ascontradições em que o colocavamsuas informações teóricas quandocomparadas com suas observaçõesempíricas”. Ele era um pesquisadorque buscava conhecer as diferentesrealidades e fazer um trabalho deobservação empírica em várioscontextos sociais e culturais.

O que pretendo chamar atençãonesse ponto do texto não é sobre atese de inferioridade racialdesenvolvida e defendida por NinaRodrigues e muitos outros teóricosda época, mas sobre o importantetrabalho de pesquisa feito por Nina

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a respeito da cultura e costumesafricanos. Foram revelados dados,informações e fotos de extremarelevância para o estudo da históriados africanos no Brasil. Esse legadode Nina Rodrigues acaba por semanter obscurecido peladeslegitimação da sua obra quetrata de “comprovar” ainferioridade racial. Por essemotivo, o destaque aqui será dadoaos trabalhos que fizeram de NinaRodrigues um dos precursores daantropologia criminal no Brasil.Segundo Cunha, Nunes e Sandes,35

[…] reconhecer o racismo do autor

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não pode impedir de igualmentereconhecer seu pionerismo e suacontribuição ao estudo do negro ede sua arte, mas trata-se dealargar diálogos, considerando ascondições envolventes de sua épocade forma desapaixonada.

O seu trabalho etnográfico foi tãoimportante e relevante na suatrajetória intelectual que acabou,muitas vezes, por contradizer a suaprópria teoria do determinismobiológico.36

Uma das grandes contribuiçõesde Nina foi o seu trabalho sobre areligião dos africanos, revelando

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um mundo até então desconhecidoe que, graças ao seu trabalho, podeser recuperado, pelo menos emparte, pelos atuais pesquisadores.Suas pesquisas estão distribuídasem diversos trabalhos, mas um quemerece destaque é o livro Oanimismo fetichista dos negrosbaianos, em que o autor faz umaetnografia da religião afro-brasileira em todos os seusdetalhes. Segundo Maggie e Fry:37

NR fez muito mais do quedescrever os candomblés da Bahiade sua época: estabeleceu formasde compreender esse fenômeno que

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permeou a escrita de todos que oseguiam. Estabeleceu os temas eas questões que fascinamestudiosos até hoje. São três ostemas fundamentais: a distinçãoentre africanos “sudaneses” e“bantos”, que se manifestará naexaltação dos terreirosconsiderados autenticamenteioruba, ou nagô; o sincretismoreligioso; e a constatação dageneralização das crençasafricanas na sociedade baiana,inclusive na sua “elite”.

A influência da religião africanana vida de Nina Rodrigues é algo

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que se revela presente a cadaleitura de suas obras e na biografiada sua vida, sempre repleta deexperiências nos candomblés e noconvívio frequente com osfetichistas.38 Nina conhecia a fundoas práticas religiosas ligadas aosafricanos e analisava como essaspráticas influenciavam a sociedadebaiana na época. Apesar de seconsiderar ateu, insistia em utilizaras figuras e deuses do candombléem muitos dos seus textos e dassuas falas.

Muitos orixás desfilam naspáginas do livro de Nina

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Rodrigues, cada qual com seussignificados e entre eles o Ifá, Exue Elegba. Dada, a deusa ou orixádos vegetais, Xangô, deus dotrovão, Ogum, o deus do ferro e daguerra, Olokum, deus do mar,Orun, o sol; Ochú, a lua.39

Os orixás e a sua influência nasociedade baiana era um tema quefascinava Nina Rodrigues e que fezdele um grande conhecedor dareligião africana e da sua influência,sobretudo na sociedade da Bahia.Nina tinha uma discussãoconcernente à impossibilidade dacatequização dos negros no Brasil

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diante da força da religião africana.Para ele:

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A convicção de que a conversãoreligiosa é uma simples questãode boa vontade, e de que nadaseria mais fácil do que cancellaras crenças do negro à força decastigos para substituilas pelascrenças do branco, vinha talhadade molde a satisfazer os interessesdo senhor, justificando comoverdadeira acção meritória todasas violências empregadas paraconvertel-os á fé christan. Bemdifferente do ardor da cathecheseeram, todavia, as causas queinstigavam mais de perto asviolências dos senhores ou seusprepostos contra as praticas

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fetichistas do negro escravo.40

Nas suas pesquisas, Ninapermanecia em candomblés emantinha contato com pessoasrelacionadas a essa religião, o quedava a ele a permissão de fotografarmomentos íntimos e sagrados,assim como obras de arte ligadas àpopulação negra. Foi ele queminiciou os estudos sobre o quedenominou de arte negra, a partirdo seu artigo As belas artes noscolonos pretos do Brasil, em 1904,sendo que esse tema só foi postoem pauta nas discussões teóricas apartir da década de 50 com Arthur

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Ramos. Nesse ponto, vale ressaltaroutra posição de vanguarda deNina; ele considerava as peçasreligiosas como obras de arte,contrariando a visão apenasetnográfica que era atribuída aesses objetos.41

Outra obra relevante nos estudossobre a etnografia das religiõesafricanas foi Os africanos no Brasil,livro que foi deixado por Nina nagráfica na ocasião da sua viagempara a França em 1906 (quando veioa falecer) e só foi publicado 30 anosapós, fato que Arthur Ramosdenominou de conspiração dosilêncio contra Nina

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Rodrigues.42Nessa obra, Ninadiscute a questão racial e os“problemas” que a presença dosmestiços e negros causa aodesenvolvimento nacional.Segundo ele:

A raça negra no Brasil, pormaiores que tenham sido os seusincontestáveis serviços à nossacivilização, por mais justificadasque sejam as simpatias de que acercou o revoltante abuso eescravidão, por maiores que serevelem os generosos exageros dosseus turiferários, há de construirsempre um dos fatores da nossa

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inferioridade como povo. Natrilogia do clima intertropicalinóspito aos brancos, que flagelagrande extensão do país; do negroque quase não se civiliza; doportuguês rotineiro eimprogressista, duascircunstâncias conferem aosegundo saliente preeminência: amão forte contra o branco, que lheempresta o clima tropical, asvastas proporções domestiçamento que, entregando opaís aos mestiços, acabaráprivando-o, por largo prazo, pelomenos, da direção suprema daraça branca. E esta foi a garantia

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da civilização nos EstadosUnidos.43

Questões como essa tambémforam discutidas na obra Oproblema da raça negra na Americaportuguesa (1905). No entanto, amaior parte do conteúdo das duasobras é voltada para a etnografiadas religiões africanas, com estudodos seus rituais, cânticos, idiomas,festas populares, folclore e obras dearte, oferecendo um conteúdo rico edetalhado sobre tais representaçõesbrasileiras. Os estudos de NinaRodrigues como antropólogocriminal são os que, infelizmente,

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menos se conhecem e talvez osmais ricos registros da época sobrea cultura nacional.

4.5 Nós pensamos!Os trabalhos de Nina Rodriguesencontram-se quase todos perdidose inacessíveis à maior parte daspessoas e, assim como esses,muitos outros materiais quecontam a nossa história e que nospodem revelar um pouco da nossaconstrução social vêm sedestruindo com o passar do temposem que se dê a real importância eutilização. Pensar por que um autor

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de tamanha importância foipraticamente esquecido é pensar adificuldade que temos em perceberos nossos autores como capazes deuma produção de qualidade teórica.É pensar por que ainda preferimosbuscar nossas respostas nas teoriasestrangeiras, preterindo a produçãode âmbito nacional. Como épossível pensarmos em soluçõespara problemas atuais, se nãocompreendemos o nosso processode construção social? Certamente,autores como Nina Rodrigues, oumelhor, Raimundo Nina Rodrigues,para que não pensem que foi umamulher (poderia ter sido, mas

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infelizmente a historiografia nãorevela muito das mulheres nesseperíodo), deram uma contribuiçãofundamental para o registro danossa formação enquantosociedade, da nossa herançapreconceituosa, da nossacriminologia, enfim dos nossoscostumes, liturgias e religiões.

Estudar Nina Rodrigues é ter aoportunidade de ver o Brasil apartir das nossas lentes e, com isso,compreender e reconstruir algunsdos nossos caminhos. Oxaláconhecêssemos Nina Rodrigues,oxalá valorizaríamos a nossahistória.

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4.6 ReferênciasBibliográficas

1. Alves Henrique L. NinaRodrigues e o negro no BrasilSão Paulo: AssociaçãoCultural do Negro; 1965;(Série Cultura Negra – 5).

2. Andrade Vera Regina. Ailusão de segurança jurídica:do controle da violência àviolência do controle penalPorto Alegre: Livraria doAdvogado; 2003a.

3. Andrade Vera Regina.Sistema penal máximo Xcidadania mínima: códigos da

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violência na era daglobalização Porto Alegre:Livraria do Advogado;2003b.

4. Baratta, Alessandro.Criminologia crítica ecrítica do direito penal:introdução à sociologia dodireito penal. Trad. JuarezCirino dos Santos. Rio deJaneiro: Revan: InstitutoCarioca de Criminologia,2002.

5. Cancelli Elizabeth. A culturado crime e da lei: 1889–1930Brasília: Universidade deBrasília; 2001.

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6. Correa Mariza. As ilusões daliberdade: a escola de NinaRodrigues e a antropologia noBrasil Bragança Paulista:Universidade de SãoFrancisco; 2001.

7. Correa Mariza. Os livrosesquecidos de Nina Rodrigues.Gazeta Médica da BahiaSalvador: UFBA; 2006; ano140, v. 76, supl. 2, dez.

8. Costa Ângela Marques da,Schwarcz Lilia Moritz. 1890–1914: no tempo das certezasSão Paulo: Companhia dasLetras; 2000.

9. Cunha Marcelo, Nunes

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Eliane, Sandes Juipurema.Nina Rodrigues e aconstituição do campo dahistória da arte negra noBrasil. Gazeta Médica daBahia Salvador: UFBA; 2006;ano 140, v. 76, supl. 2, dez.

10. Del olmo, Rosa. A AméricaLatina e sua criminologia.Francisco EduardoPizzolantee SylviaMoretzsohn (trad.). Rio deJaneiro: Revan, 2004.

11. Ferreti Sergio. NinaRodrigues e a religião dosorixás. Gazeta Médica daBahia Salvador: UFBA; 2006;

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ano 140, v. 76, supl. 2, dez.12. Lyra Roberto. Criminologia

Rio de Janeiro: Forense;1964.

13. Lyra Roberto. Direito penalcientífico Rio de Janeiro: JoséKonfino; 1977.

14. Lombroso, César. O homemdeliquente. Trad. MaristelaBleggi Tomasini e OscarAntonio. Porto Alegre:Ricardo Lenz, 2001.

15. Maggie Yvonne, Fry Peter.Apresentação. O animismofetichista dos negros baianosRio de Janeiro: UFRJ; 2006.

16. Nina Rodrigues Raimundo.

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As raças humanas e aresponsabilidade penal noBrasil Rio de Janeiro:Nacional; 1938.

17. As collectividades anormaes. Riode Janeiro: CivilizaçãoBrasileira; 1939.

18. Nina Rodrigues Raimundo.O animismo fetichista dosnegros baianos Rio deJaneiro: UFRJ; 2006.

19. Nina Rodrigues Raimundo.Os africanos no BrasilBrasília: Editora UnB; 2004.

20. PABLOS DE MOLINA,Antônio Garcia.Criminologia. Trad. Luis

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Flávio Gomes. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1992.

21. Peixoto Afrânio, RodriguesNina. As raças humanas e aresponsabilidade penal noBrasil Rio de Janeiro:Nacional; 1938.

22. Pires Homero, AlvesHenrique L. Nina Rodriguese o negro no Brasil São Paulo:Associação Cultural doNegro; 1965; incompleto(série Cultura negra – 5).

23. Rauter Cristina. Criminologiae subjetividade no Brasil Riode Janeiro: Revan; 2003.

24. Schwarcz Lilia Katri Moritz.

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Quando a desigualdade édiferença: reflexões sobreantropologia criminal emestiçagem na obra de NinaRodrigues. Gazeta Médica daBahia Salvador: UFBA; 2006;ano 140, v. 76, supl. 2, dez.

25. Stepan Nancy Leys. “A horada Eugenia”: raça, gênero enação na América Latina.Trad Paulo M Garchet Rio deJaneiro: Fiocruz; 2005.

*Advogada, mestre em Direito pela UnB.1Rodrigues, Nina. As collectividadesanormaes. p. 9.2Côrrea, Mariza. Os livros esquecidos de

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Nina Rodrigues. p. 61.3Lyra, Roberto. Direito penal científico. p.21.4Costa, Ângela Marques da; Schwarcz,Lilia Moritz. 1890–1914: no tempo dascertezas. p. 9.5A respeito da Escola Positivista verAndrade (2003a, 2003b), Del Olmo (2004),Lyra (1977), Pablos de Molina (1992),Rauter (2003), Baratta (2002) e Lombroso(2001).6Del Olmo, Rosa. A América Latina e suacriminologia. p. 17.7Corrêa, Mariza. As ilusões da liberdade: aEscola Nina Rodrigues e a antropologia noBrasil. p. 68.8A palavra crítico não é utilizada comouma alusão à criminologia crítica, mas

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como teorias que questionavam ospressupostos da Escola Positivista.9Cancelli, Elizabeth. A cultura do crime e dalei: 1889–1930. p. 16.10Peixoto. In: Rodrigues, Nina. As raçashumanas e a responsabilidade penal no Brasil.p. 13.11Alves, Henrique L. Nina Rodrigues e onegro no Brasil. São Paulo, p. 15.12Nina redigiu para a Gazeta Médica daBahia, fundou e manteve a Revista MédicoLegal, colaborou para o Brasil Médico, naRevista Médica de São Paulo, nosArquivos de Criminologia de Inginierosem Buenos Aires, nos Annales d’hygiénepublique et de médicine légale, deBrouardel, nos Annales médico-psychologiques, de Ritti, em Paris, nosAnnales d’anthropologie criminelle, de

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Lacassagne, em Lyon, no Arquivio depsichiatria e antropologia criminale, deLombroso, em Turim, entre outras.13Nina Rodrigues chamou a sua doença de“insidioso mal”, que, pelo que pudepesquisar, recebeu diversos diagnósticosem Paris, tais como dilatação do coração eda aorta, tuberculose do pericárdio,abscesso aureolar do fígado, tuberculosedas serosas (pleura, pericárdio ediafragma).14Idem, p. 15.15Idem, p. 15.16Idem, p.17.17Côrrea, Mariza. Os livros esquecidos deNina Rodrigues. p. 62.18Schwatcz, Lilia Katri Moritz. Quando adesigualdade é diferença: reflexões sobre

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antropologia criminal e mestiçagem naobra de Nina Rodrigues. p. 49.19Idem, p. 48.20Nina Rodrigues, Raimundo. As raçashumanas e a responsabilidade penal no Brasil.p. 70.21Alguns autores, tais quais Lyra (1977) eRomero (1951), atribuem a Tobias Barretoa responsabilidade não só pelopioneirismo relativamente aos saberes daNova Escola (por meio do seu livroMenores e loucos, de 1884), como pelaorganização da Escola Brasileira emDireito Penal Científico.22Idem, p. 112.23Idem, p. 117.24Idem, p. 126.

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25Idem, p. 161.26Idem, p. 226.27Lyra, Roberto. Criminologia. p. 127.28In: Alves, Henrique L. Nina Rodrigues e onegro no Brasil. São Paulo: AssociaçãoCultural do Negro, 1965. p. 14. (SérieCultura negra – 5.)29Idem, p. 14.30Schwatcz, Lilia Katri Moritz. Quando adesigualdade é diferença: reflexões sobreantropologia criminal e mestiçagem naobra de Nina Rodrigues. p. 47.31Corrêa, Mariza. As ilusões da liberdade: aEscola Nina Rodrigues e a antropologia noBrasil. p. 30.32Eugenia vem do grego eugen-s, bemnascido e representa as possíveis

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aplicações sociais do conhecimento dahereditariedade para obter uma desejada“melhor reprodução”. “Como ciência, aeugenia se baseou nos entendimentossupostamente novos das leis dahereditariedade humana. Comomovimento social, envolveu propostas quepermitiram à sociedade assegurar aconstante melhoria de sua composiçãohereditária encorajando indivíduos egrupos “adequados” a se reproduzirem e,talvez mais importante, desencorajandoou evitando que os “inadequados”transmitissem suas inadequações àsgerações futuras” (Stepan, 2005, p. 9).33Sylvio Romero (1851–1914), já na suadefesa de tese na Faculdade de Direito doRecife, foi acusadode crime de injúria porter chamado sua banca, que não aceitavaque a metafísica havia “morrido”, de

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“corja de ignorantes que não sabemnada”. Romero tinha uma atençãoespecial para a questão racial e históricano Brasil e como esses processosinfluenciavam na criminalidade queacreditava ser um fator mais social quebiológico (Lyra, 1964). Sylvio Romeroiniciou sua vida intelectual sendo acusadode crime e terminou atacado, como o foitoda a vida, por suas ideias de críticassociais defendidas com ênfase.34Idem, p. 59.35Cunha, Marcelo; Nunes, Eliane; Sandes,Juipurema. Nina Rodrigues e aconstituição do campo da história da artenegra no Brasil. p. 23.36Maggie, Yvonne; Fry, Peter. Apresentação.O animismo fetichista dos negros baianos. p. 9.37Idem, p. 11.

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38“Animismo Fetichista é a expressão, hojepreconceituosa, pela qual no século XIX,eram conhecidas as religiões doschamados povos primitivos, hojesuperada, juntamente com outrosconceitos como o de totemismo” (Ferretti,2006, p. 55).39Alves, Henrique L. Op. cit., p. 21.40Nina Rodrigues, Raimundo. O animismofetichista dos negros baianos. p. 29.41Cunha, Marcelo; Nunes, Eliane; Sandes,Juipurema. Op. cit., p. 24.42Ferretti, Sergio. Nina Rodrigues e areligião dos orixás. p. 55.43Nina Rodrigues, Raimundo. Os africanosno Brasil. p. 21.

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Recontando ahistória racial noBrasil: opensamentocriminológicopositivista navisão de CandidoMotta e a sua

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realocaçãopolítica comopressupostohistórico deanálise*

Hugo Leonardo**

SUMÁRIO

5.1 Introdução.

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5.2 Contextualização históricado final da escravidão: visãoinstitucional e prática.5.3 A criminologia positivistano Brasil: as faculdades deDireito de Recife e São Paulo.

5.3.1 Faculdade de Recife.5.3.2 Faculdade de SãoPaulo.

5.4 Apontamentos biográficosde Candido Motta.5.5 A produção intelectual deCandido Motta.

5.5.1 Os menoresdelinquentes e o seutratamento no Estado de

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São Paulo.5.5.2 A classificação doscriminosos.

5.6 A questão racial no Brasil.5.7 Considerações finais.5.8 Referências bibliográficas.

5.1 IntroduçãoA borboleta, depois de esvoaçarmuito em torno de mim,pousoume na testa. Sacudi-a, elafoi pousar na vidraça; e, porque eua sacudisse de novo, saiu dali e

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veio parar em cima de um velhoretrato de meu pai. Era negracomo a noite. O gesto brando comque, uma vez posta, começou amover as asas, tinha um certo arescarninho, que me aborreceumuito. Dei de ombros, saí doquarto; mas tornando lá, minutosdepois, e achando-a ainda nomesmo lugar, senti um repelãodos nervos, lancei mão de umatoalha, batilhe e ela caiu.

Não caiu morta; ainda torcia ocorpo e movia as farpinhas dacabeça. Apiedei-me; tomei-a napalma da mão e fui depô-la no

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peitoril da janela. Era tarde; ainfeliz expirou dentro de algunssegundos. Fiquei um poucoaborrecido, incomodado.

– Também por que diabo não elaera azul?

Machado de Assis

O presente estudo tem porobjetivo situar a criminologiapositivista no Brasil nas entãorecém-criadas Faculdades deDireito de Recife e São Paulo,desembocando na obra de CandidoMotta, professor da academiapaulista. Será ressaltada nesse

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contexto a importante missãocivilizatória atribuída a esses cursossuperiores em relação à autonomiae ao desenvolvimento da nação.

Pretende-se demonstrar ainfluência do pensamento europeu,bem como a missão dos novosbacharéis que romperiam com olegado científico da históriacolonial ao produzir ciência eaplicá-la em território nacional.Esse contexto de autoafirmação dacultura intelectual brasileira émarcado também por umasingularidade socialpósescravocrata, que será o objetode estudo dos intelectuais do

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Direito, pois eles detinham amissão de pensar a estrutura da“nova” sociedade e redefinir ospapéis de cada um nesse contexto.

A partir dessa proposta, opensamento de Candido Motta seráexaminado por meio de suasprincipais obras: Os menoresdelinquentes e o seu tratamento noestado de São Paulo e A classificaçãodos criminosos. Com o exame dessestrabalhos, será possível vislumbrara ausência de autonomia científicados pensadores brasileiros,especial-mente de Motta, além dapouca observância aos critérioscientíficos com tanta ênfase

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enaltecidos por esses acadêmicos.A míope produção intelectual,

entretanto, será devidamenteexplicada por meio da verificação edo diagnóstico dos reais interessesda elite nacional, cuja missão erahierarquizar uma sociedade hápouco saída de um projeto políticoescravista.

A questão racial, muito antes doque qualquer ideal científico, seriautilizada como meio legitimador eimplementador da regulação eestratificação socioeconômicaimposta a uma parcela dapopulação composta por negros,índios e mestiços. Era necessário

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determinar o locus a ser habitadopor essa massa de indivíduos quehavia recebido o direito àcidadania. O discurso científico foimanejado de forma eficiente paraprevenir, reprimir e tratar o objetode estudo da nova escolacriminológica, o homemdelinquente, delineando, com isso,a devida hierarquia socioeconômicaa ser imposta.

A conclusão surge a partir dopanorama analisado. A questãoracial será o mecanismo de grandevalia na formação histórica doBrasil. A cada momento ela serárealocada com novas faces e

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diferentes interesses, sendo talvezo mais duradouro deles aimposição da condição racial comoentrave emancipatório do homem.

5.2 Contextualizaçãohistórica do final daescravidão: visãoinstitucional epráticaA escravidão dos negros trazidos daÁfrica esteve presente em todo omomento da colonização

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portuguesa nas atuais terrasbrasileiras. No entanto, no início doséculo XIX, essa prática já nãointeressava economicamente àInglaterra em face de um projetopolítico-econômico que nãodesprezava as massas de possíveismercados consumidores. A partirdesse momento, crescia a pressãointernacional pela extinção dotráfico e do trabalho escravo. Noesteio dessa política, em 25/03/1807,o tráfico foi considerado ilegal naInglaterra e, em 1o/03/1808, crimecontra a humanidade.

Logo após a independência doBrasil, mais especificamente em

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07/11/1831, foi aprovada a primeiralei brasileira contra a escravidãodenominada Diogo Feijó. Omencionado texto legal trazia anormatização de que todos osescravos que ingressassem emterritório brasileiro seriamconsiderados livres. Entretanto, areferida lei não inibiu o tráfico e amanutenção do trabalho escravo,tendo sido cunhada posterior-mente como “lei para inglês ver”.Em 04/09/1850, é aprovada a leiconhecida como Eusébio deQueiroz. Esse texto conferia amplospoderes para a apreensão dequaisquer embarcações brasileiras

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ou estrangeiras que estivessemsendo utilizadas pelo tráficonegreiro. Mas esse texto tambémnão foi suficiente para rechaçar aprática ilegal.

Com a manutenção dessecomércio ilícito e do trabalhoescravo no Brasil, uma nova lei foiaprovada, em 05/06/1854,ampliando os poderes do Estadopara combatêlos.Aproximadamente um ano após aentrada em vigor dessa novaregulação, o tráfico finda no Brasil,pois o último desembarque deescravos de que se tem notícia édatado de 13/10/1855.1

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Em 28/09/1871, é aprovada a Leido Ventre Livre, cujo textodeclarava livre o filho de mulherescrava nascido no Brasil. Essemomento é considerado crucialpara Lilia Schwarcz na medida emque tal década “é entendida comoum marco para a história das ideiasno Brasil, uma vez que representa omomento de entrada de um novoideário positivo-evolucionista emque os modelos raciais de análisecumprem um papel fundamental”.2

Nesse momento, já se nota umaantecipação do que viria aconstituir a cultura institucional-racial no Brasil.

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Dando sequência à políticaabolicionista, em 28/09/1885, éaprovada a Lei dos Sexagenários,segundo a qual havia a previsão delibertação dos escravos apóssessenta anos de idade. Por fim, em13/05/1888, é aprovada a Lei Áurea,dando cabo da escravidão em terrasbrasileiras.

Essa cronologia é importantepara se compreender asedimentação da cultura escravistana sociedade do século XIX e asignificação desse ideário particularnas instituições e na prática social.Nota-se essa influência, porexemplo, no Código Penal

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Republicano de 1890, no qual aindase podiam verificar rançosdiscriminatórios, por exemplo, oart. 402, que punia com penas deprisão aqueles que praticassem“exercícios de agilidade e destrezacorporal conhecidos peladenominação de capoeiragem”.3

Isso, contudo, é apenas o indicadorinicial do que viria a ser umaprática estratificadora de cunhoracial.

A primeira Constituição daRepública, datada de 24/02/1891,impõe em termos legais aigualdade entre negros e brancos,sendo que essa equiparação formal

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marca o início de umainstitucionalização de igualdadeentre os cidadãos e, emcontraponto, a práticaabsolutamente discriminatória porcritérios econômicos e raciais quemarcaria a história do País.

Celso Coracini explica esse marcolegislativo:

Pode-se, pois, dizer que esses seres– desprezíveis e dignos de umtratamento cruel –, com a aboliçãoda escravatura, instituição sobre aqual, de alguma forma, repousavao Império no Brasil, e com oadvento da República,

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encontraramse defronte a umasociedade que declarava aigualdade de todos os homens,mas apenas perante a lei, poucotendo feito para inserirsocialmente aquele contingente deantigos escravos […]. Seguirameles a compor os extratos sociaisinferiores e ocupar as vagas detrabalho mais manuais emecânicas.4

Essa igualdade instituía o desejoda nação de que todos deveriam sercidadãos e conviverharmonicamente, mas cada qual nolugar social que lhe cabia. A

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sedimentação da disparidade entrenegros e brancos seria herdeira dareferida política legislativa. Seriaela também o início da assimdenominada democracia racial,termo cunhado por Gilberto Freyreno intuito de compreender asuposta amabilidade na relaçãosocial entre negros e brancos nessasociedade excludente e violenta. Amaior importância de todo esseideário reside no fato de que asuperioridade da raça branca já eraentendida de forma determinista,apontada e defendida em políticaspúblicas, bem como em discursossociais.5

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Em suma, a República erainstaurada em meio ao ideal liberalde igualdade com a conquista decidadania por parte de ex-escravos eíndios. Com essa situação o“discurso científico procurará darconta também da condição negra, jáque a partir desse momento esseelemento será, na visão da época,antes de tudo ‘um objeto deciência’”. O estigma deixava deresidir na condição de escravo parasituar-se na cor da pele.6

Essa periodização institucional-legistativa tem por finalidadeapontar que a pedra angular dopensamento de Candido Motta

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residia na necessidade de o Brasilcuidar de uma demanda criadanaquele momento com oreconhecimento da cidadania alémdo homem branco. O Direito emgeral e o direito penal emparticular, que nesse estudo serádemonstrado no âmbito da criaçãointelectual de Motta, servirão comoinstrumento de alocação social eestratificação da população desseBrasil recém-constituído nosmoldes do novo paradigma decivilidade.

É a partir dessa ideia que sepoderá alcançar a ligação realizadaneste trabalho, entre a realidade

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racial do País e a política criminalinstituída, a partir do pensamentodeterminista da escolacriminológica positivista, quedetinha como mister resolver oproblema da criminalidade.

5.3 A criminologiapositivista no Brasil:as faculdades deDireito de Recife eSão PauloCandido Motta é um dos

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pensadores positivistas que terácomo palco de atuação a Faculdadede Direito de São Paulo. Sendoexpoente dessa escolacriminológica, acompanhará a regrabrasileira, na qual a miscigenaçãoserá o objeto de análise, dada amarcante formação étnica híbridado País, acompanhada da brutaldisparidade econômico-socialdecorrente do fator racial. LiliaSchwarcz destaca importantepassagem de Sílvio Romero ademonstrar essas características:“Formamos um paiz mestiço…somos mestiços se não no sangueao menos na alma”.7

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O Brasil era composto por umapopulação advinda do resultado decruzamentos entre as raças.8 Noentanto, a sua constituição estariaem formação, e, após um processode seleção natural, muitospensadores acreditavam que o Paísseria formado fundamentalmentepor brancos. Esse seria oprognóstico de um Paísabsolutamente tomado pelamiscigenação racial.9

5.3.1 Faculdade De RecifeA Faculdade de Direito dePernambuco, em um primeiromomento instalada em Olinda

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(1828), durante décadas não sedestacou na produção intelectual,apenas reverberando teoriaseuropeias. A sua transferência deOlinda para Recife em 1854 marca“uma guinada tanto geográficaquanto intelectual. É só a partir deentão que se pode pensar em umaprodução original e na existência deum verdadeiro centro criador deideias e aglutinador de intelectuaisengajados”.10

No ano de 1870, Sylvio Romeroprefacia uma obra de TobiasBarreto e ali expõe as diretrizes donovo pensamento, além de sepultaralguns de seus principais inimigos,

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os quais seriam o catolicismo, amonarquia e o romantismo:

O decênio que vai de 1868 a 78 é omais notável de quantos no séculoXIX constituiriam nossa vidaespiritual… De repente aimutabilidade das coisas semostrou… Um bando de ideiasnovas esvoaçou sobre nós de todosos pontos do horizonte…Positivismo, evolucionismo,darwinismo, crítica religiosa,naturalismo, cientificismo napoesia e no romance, novosprocessos de crítica e histórialiterária, transformação da

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instrução do Direito e da política,tudo então se agitou e o brado dealarma partiu da Escola deRecife.11

O momento político e o embateintelectual entre os adeptos daescola clássica e aqueles ligados aonovo, ao positivismo que invadia oBrasil, era realmente acirrado.12Oradicalismo da escola de Recife eraelevado a tal ponto quetransbordava para a literatura. Aarte deveria voltar-se para a ciência.Sylvio Romero sentencia que a

[…] lei que rege a literatura […]é a mesma que dirige a história

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em geral: a evoluçãotransformista… Se ao poeta nãocumpre fazer sciencia, deve aomenos apoderar-se dela para ter anota de seu tempo… O poeta deveda sciencia ter suas conclusões e osfins para não escrever tolices.13

Mas o furor científico dessaescola, sem dúvida alguma, estavamais ligado ao combate ao crime.Essa repressão discutida comociência encontrava-se na pauta dodia. A preocupação seria catalogar eentender o outro, aqueleconsiderado diferente. No contextobrasileiro, a representação dessa

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alteridade residia no negro e nomestiço.14

A escola de Recife resume-se, emsíntese, à disseminação dos ideaiscriminológicos positivistas comênfase no determinismo racial cujométodo científico de estudo temsido bastante questionado.

5.3.2 Faculdade De SãoPauloA Faculdade de Direito de SãoPaulo também surge comodecorrência da Independência doBrasil. A sua inauguração ocorreconcomitante a de Pernambuco, em

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1928. No entanto, a academiapaulista, já se contrapondo àpernambucana, será marcada portraços singulares voltados acaracterísticas muito mais políticasdo que acadêmicas, embora suaprincipal função também fossepossibilitar a criação de uma eliteintelectual capaz de propiciar umprojeto para o País.

O ecletismo marcaria a escolapaulista definitivamente. Além damilitância política, a Faculdadereuniria o jornalismo e a literatura.Seus integrantes teriam tambémimportante papel na atuação nosgabinetes.15

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No final do século XIX e início doXX, iniciava-se um declínioeconômico e político emPernambuco em contraposição àascensão que ocorria em SãoPaulo.16Com isso, a atuação políticae a disseminação de ideias naacademia paulista ganhavamimportante destaque. Vale registrarque professores utilizavam aproximidade da Faculdade com oscentros de decisão do País como“um trampolim para os postospolíticos republicanos”.17 O Direitosurge nesse momento parapossibilitar uma guinada do Brasilrumo à civilização. Esse status

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somente seria alcançado com aajuda dessa nova ciência, agora comenorme vigor. Com a tarefa deretirar o País da barbárie, osprofissionais da área jurídicagozavam de profundo respeito.Schwarcz cita importante passagemde Rui Barbosa em relação a essacondição:

Esse paiz, viverá se crer naJustiça, no Direito e os santificar.Si não rapidamente passará dadesordem à anarchia, da anarchiaao cháos, do cháos à barbárie adelinquência… uma raça perdida.Não há alternativa. Ou justiça,

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paz, prosperidade. Ou ditadura. AAmérica do Norte e a Europa nosfitam. Não declamo, formuloprognóstico. Vejo.18

A política e a academia estavam,portanto, imbricadas de formaindissociável na escola paulista.

A Faculdade de São Paulopossuía, entretanto, parcimoniosarecepção dos ideais racistas edeterministas entre os seusintelectuais. O discurso eraequilibrado. Não se aceitavapacificamente tal radicalismo. Noentanto, quando se tratava de agir,de programar políticas públicas, o

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ideal que vigorava era odeterminista racial. Dessa forma, ospensadores italianos eramadmirados, reverberados eexerciam bastante influên cia nopensamento em voga.19

Uma peculiaridade importanteentre os intelectuais dessa escola,entretanto, é a aceitação dainterferência médico-sanitarista –típica das escolas baiana e carioca,respectivamente – de forma maismarcante do que a academia deRecife, mas, tal como emPernambuco, sempre entendiam oDireito como ciência principal emrelação às demais.

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A elite intelectual de São Paulo,do ponto de vista político-ideológico, parecia alinhar-se muitomais aos ideais liberais do quepropriamente aos racistas-deterministas. Mas, em que peseessa característica, quandocolocavam em prática os seusposicionamentos, faziam-no deforma bastante conservadora.Schwarcz documenta essaincongruência:

Reconhece-se no modelo paulista“um liberalismo conservador”[…] mais próximo da reaçãoposterior à Revolução Francesa,

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em que o conceito de liberdadeaparecia condicionado à noção deordem. Além do mais, comoafirma Raimundo Faoro, apesarda influência anglo-saxônica, oliberalismo chega ao País“respirando bolor bragantino”[…], o que lhe conferiu umaimagem não só conservadora,como elitista e antipopular.Assim, assimilados com certasadaptações que o fariam convivercom a escravidão e o latifúndiodurante o Império, e com ahipertrofia estatal e oautoritarismo políticorepublicano, o liberalismo

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revelava claramente seu ladoantidemocrático, no Brasil.20

É nesse contexto em que se insereCandido Motta, intelectual quemarcará profundamente opensamento criminológico paulista,dada a sua produção acadêmica eatuação política.

5.4 Apontamentosbiográficos deCandido MottaCandido Nazianzeno Nogueira daMotta nasceu em Porto Feliz,

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Estado de São Paulo, no ano de1870.

Com dezoito anos de idadematriculou-se na Faculdade deDireito de São Paulo, recebendo ograu de bacharel em 1891. No anoseguinte, foi nomeado promotorpúblico em Amparo e, no mesmoano, foi transferido para a segundapromotoria pública da capital,criada pelo governo Bernardino deCampos.

Já durante o governo CamposSales, em 1896, tendo como chefede polícia José Xavier de Toledo,Candido Motta é nomeado osegundo delegado da capital,

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permanecendo nesse cargo por dezmeses.

Posteriormente, Candido Motta éeleito deputado estadual. Comomembro da comissão de instruçãopública, cargo ocupado em seguida,promoveu a Fundação do InstitutoDisciplinar. Foi reeleito deputado eapresentou projetos referentes àreforma judiciária e ao patronatoagrícola. Em 1905, foi eleitovereador para a Câmara Municipalda Capital.

Em decreto de 21/05/1908, foinomeado lente catedrático daprimeira cadeira de direito criminalda Faculdade de Direito de São

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Paulo. Foi deputado federal esenador da República, tendo,inclusive, ocupado o cargo de vice-presidente do Senado até 1930.

Candido Motta também presidiuo Conselho Penitenciário doEstado.21

Como se percebe, Mottadestacou-se em produçõesacadêmicas e em atuação políticaativa, influenciando aimplementação de políticascriminais que marcariam a históriado País.

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5.5 A produçãointelectual deCandido MottaEntre as obras de Candido Motta,duas se destacam. São elas: Osmenores delinquentes e o seutratamento no estado de São Paulo e Aclassificação dos criminosos.

A primeira foi apresentada no 4o

Congresso Científico, em Santiagodo Chile, tendo sido publicada em1909. Nela havia o projeto quecriaria o denominado InstitutoEducativo Paulista cuja propostaseria regulamentar o tratamento de

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crianças e adolescentes infratores.No projeto, de modo precursor,Motta previa medidas diferenciadasao lidar com jovens em conflitocom a lei e a sua respectivainternação no Instituto.

Na segunda obra, Candido Mottadesenvolve um trabalho maisacadêmico, procurando disseminartoda a influência recebida dosautores italianos, sobretudo deEnrico Ferri. Por meio da análisedessa obra, notam-se algumaspreocupações centrais do autor, taiscomo a necessidade de classificaçãodos indivíduos e a grande ideologiaracial determinista que marcaria o

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seu legado científico.Candido Motta utilizará,

portanto, a criminologia positivistapara expor as suas ideias e produziruma política criminal alinhada aosinteresses do poder estatal, aliás,papel fundamental dessacriminologia e da escola paulista,em especial.22

5.5.1 Os MenoresDelinquentes E O SeuTratamento No Estado DeSão PauloCandido Motta já inicia o seutrabalho justificando a importância

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de se criar um estabelecimentopara o recolhimento de menoresmoralmente abandonados ecriminosos. O autor ressalta anecessidade de o Estado “prover aodesenvolvimento de medidascapazes de prevenir a erosão dacriminalidade na infanciadesprotegida, e reprimir, semaggravar, acção malefica do terrivelmorbus social”.23 A própriainiciativa de ter como foco arepressão dos denominadosmenores moralmente abandonadose criminosos identifica o ideal deprevenção marcante em seupensamento. Essa característica

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será a pedra de toque em suaatuação penal institucional.

Aqui já cabe notar que opropósito da prevenção e o critériode entendê-la como substitutivopenal decorrem de herança dopensamento de Ferri.Paralelamente a essas políticas, oautor menciona que os fatoresexógenos para a delinquência e oseu tratamento podem serindispensáveis como prevençõessanitárias.24 Candido Motta acreditaque a prevenção seja fundamentalpara evitar a criminalidade, pois

[…] hoje em dia, ninguem mais

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sabera constestar que, como diz H.Joly, haja mal moral e malphisico. As tenras creanças quenão são tratadas com o conforto ehygiene inidispensaveis, tornam-se rachiticas, escrupulosas,tuberculosas mesmo, e este factodetermina a necessidade deestabelecimentos especiais para oseu tratamento. Mas, si aocontrario, são tratadasconvenientemente desde oprincipio, por mais debeis quesejam, não tendo defeito organico,si são cercadas de todas ascondições hygienicas, tratadascom zelo e carinho, desenvolvem-

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se, crescem, tornam-se homensfortes, robustos, capazes.25

Assim, desde que ausente o malorgânico, a boa sociabilidade e otratamento poderiam ser a grandesolução para se combater o crime. Aprevenção é um ideal, antes detudo, utilitarista, na medida emque, na opinião de Motta, não seentende “por que seja menos útil asua intervenção, quando se trata depreservar do que quando se trata dereformar, principalmente quando oobjecto da sua preoccupação é ummenor”.26 Essa ideia demonstra deforma inequívoca que a ontologia

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delinquente era, principalmente,afeta à constituição do indivíduo, eque o tratamento preventivoevitaria, quando possível, aocorrência de delitos futuros. Emoutras palavras, uma vez que osmenores eram ou poderiam tornar-se, pela herança genética ou pelainterferência do meio, infratores, eque, portanto, quando infratores oEstado deveria reprimi-los, por quenão fazê-lo preventivamente? Esseraciocínio utilitarista era perigoso,senão pelo determinismo emrelação ao objeto da repressãoestatal – os menores moralmenteabandonados e criminosos –, era,

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ao menos, pela certeza da crença dacorreção.

O pensamento voltado àprevenção, principalmente nessaobra, é marcante, assim como a suaatenção ao tratamento. Essesinteresses, ao lado da necessidadede um estabelecimento adequado ehigiênico estão registrados noprojeto de lei em que o autorapresenta para a criação doInstituto Educacional Paulista.27

Nesse projeto, Motta consignou aquem se destinaria a repressãotravestida de tratamento estatal jáem seu artigo primeiro: aosmoralmente abandonados, ou seja,

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os menores de 9 a 21 anos, aosfilhos de condenados, que nãotiveram recursos necessários paraproverem a sua educação moral,intelectual e profissional, e, porfim, aos vagabundos.

Para alinhavar todo o percurso darepressão estatal, após a exposiçãoda necessidade da prevenção, Mottademonstra a indispensabilidade daavaliação tendo como pressuposto oideal determinista. O projeto previaque, antes de ingressarem noestabelecimento, os indivíduosseriam “photographados,examinados pelos médicos esujeitos ás medidas

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anthropometricas e vestidos com ouniforme particular á classe em quederam entrada”. E o juiz, aoproferir a sentença condenatória,deveria enviar “uma noticia sobre anatureza do crime e suascircumstancias, antecedentes dodelito e dos seus parentes”. Essedossiê seria registrado em livros,possibilitando amealhar “umadiagnose completa da condiçãophysica, intellectual e moral dorecolhido e sua família”.28

A crença na característicadeterminista antropométrica éexpressa, além da importância dosdados familiares pregressos para se

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diagnosticar o quanto determinadoindivíduo seria criminoso a partirda herança genética e histórico-social daquele núcleo familiar.

Portanto, algumas premissas dopensamento de Candido Mottaestavam lançadas: a necessidade deprevenção e tratamento dosmenores infratores; a importânciada higiene para a correção daquelesque não possuíssem o malorgânico; e a necessidade dediagnosticar o germe dacriminalidade por meio dasmedidas antropométricas e daherança familiar. Com o higienismoatrelado às políticas de prevenção e

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repressão na obra de Motta, épossível verificar precisamente operfil da escola paulista de nãoadotar apenas critérios eugênicos,pois aceitavam outras influênciasque poderiam ser utilizadas paraviabilizar os projetos estatais. Essaera uma postura transigente com asinterferências de outras áreas, porexemplo, o sanitarismo.

Outra característica defundamental importância nopensamento de Motta refere-se àclassificação dos indivíduos. Para oautor, os menores deveriam ser“distribuídos por classes eapproveitados nos trabalhos

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conforme a sua edade, robustezphsica e aptidão”. Era preciso

[…] classificar os menores, nãosob o ponto de vista legal, porquepóde-se ver um mendigo maisdegenerado que tal assassino; épreciso classifical-os no ponto devista psychologico, ou melhoranthropopsychologico, é precisoclassifical-os no ponto de vista doseu gráu de degenerescencia.29

Uma crítica a ser feita refere-se àvassalagem da produção intelectualbrasileira em relação aopensamento europeu, uma vez queMotta se valia de critérios de

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classificação, por exemplo,herdados de Ferri, sem quenenhuma mediação fosse feita paraadaptá-la à realidade nacional.30 Ouso dessa classificação, sobretudonesse momento, possibilitava aimplantação de certo higienismo noestabelecimento de correção. Essa éa razão de o autor justificar anecessidade de se ter umainstituição com arquitetura diversadas penitenciárias, também é ofundamento para separação entreos adolescentes de idades diversas.Para tanto sugere, ainda, que o“typo de um estabelecimento dessanatureza deveria ser o Hospício de

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Juquery31”. Para Motta, mais umavez ancorado no pensamento deFerri, a “agglomeração de homens esobretudo de homens destacathegoria psychologica, não pódeproduzir sinão uma fermentaçãoque, por sua vez, não póde geraroutra cousa que a putrefacção”.32

O projeto apresentado por Mottafoi logo aprovado, tendo a aceitaçãona Câmara e algumas pequenasalterações no Senado,transformando-se em lei em 1902.As mudanças consistiram emverdadeiras simplificações dosdetalhes esmiuçados pelo autor,porém nada que tenha exaurido o

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seu pilar ideológico, alterado apolítica repressiva proposta ouaniquilado algumas garantias àscrianças e aos adolescentes emconflito com a lei.

É importante destacar que apreocupação de Candido Motta, noque se refere à criação doestabelecimento diferenciado àscrianças e aos jovens, merece muitocrédito. A explicação é simples.Embora o Código Penal de 1890 jáconsignasse, em seu art. 49, que osmenores de 18 anos quecometessem delitos não poderiamser encaminhados às Casas deCorreção, devendo permanecer em

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“estabelecimentos industriaisespeciais” dirigidos ao “ensino”profissional, acabavam por serenviados às detenções comuns,contrariando a lei por não existiremestabelecimentos voltados aoacolhimento das crianças e dosadolescentes.33 A previsão deinstituição desses estabelecimentosapenas seria criada em 1902 com aaprovação do projeto de CandidoMotta. Após esse projeto, a próximalegislação que corroboraria essapreocupação seria o Decreto n°5.083, de 1°/12/1926, que deuexistência ao Código de Menores,conhecido também por Código

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Mello Mattos.O Código Mello Mattos possuía,

no Capítulo III, a previsão doAbrigo de Menores, que estavasubordinado ao Juiz de Menores eque receberia provisoriamente, atéque tivessem destino definitivo, osmenores abandonados edelinquentes. O abrigo eracomposto por duas divisões, umamasculina e outra feminina, eambas se subdividiam em seçõesde abandonados e delinquentes,sendo distribuídos, ainda, emturmas, respeitando o motivo dorecolhimento, idade e grau deperversão. No abrigo, o menor seria

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educado e acompanhado pordiversos assistentes para essafinalidade.

O Código de Menores tambémcriou os Institutos Disciplinaresque nada mais eram do que escolasdestinadas à “educação física,moral, profissional e literária” demenores do sexo feminino,havendo, por outro turno, Escola deReforma “destinada a receber, pararegenerar pelo trabalho, educação einstrução, os menores do sexomasculino, de mais de 14 anos emenos de 18, que forem julgadospelo juiz de menores e por êstemandados a internar”. Essa escola

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era constituída de pavilhõespróximos e independentes,abrigando, cada uma, três turmasde internados no número máximode 20 e uma lotação máxima de 200internados.34 Registre-se que onúmero máximo de 200 já é trazidopor Candido Motta como ideal paracada estabelecimento no projetoque virara lei.35

Candido Motta foi precursor emcuidar da separação das crianças edos adolescentes emestabelecimentos próprios já em1902. Mas não é possível aferir se, equanto, Mello Mattos foiinfluenciado por Motta, em seu

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Código de Menores, muito emboraMotta já tenha tido diversaspreocupações 24 anos antes.

O tratamento jurídicodispensado às crianças e aosadolescentes já existia no CódigoCriminal do Império (1830), sendosucedido, com algumastransformações, pelo Código Penalde 1890,36 mas ambos não cuidavamde separar fisicamente as crianças eadolescentes dos demais detentos,como fez Candido Motta ao criar oInstituto Disciplinar.

Apesar do avanço acima exposto,quanto à garantia de cuidadosespeciais para a internação de

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crianças e adolescentes, não sepode perder de vista a ampla teiaideológica de Candido Motta, aoreverberar um discursocriminológico positivistaconservador, tendo como pedraangular a questão racial. Mottadefende expressamente ahereditariedade como uma dashipóteses centrais de seupensamento. Para ele, apossibilidade de um indivíduocometer um delito seria transmitidapela hereditariedade. Esse seria umdos principais fatores dereprodução da criminalidade.37

Com isso o cerco estava fechado. O

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Brasil havia acabado de abandonaro sistema escravista e há poucoreconhecido a igualdade formalentre os cidadãos. A desigualdadesocioeconômica dos negros saídosde uma relação de subjugodecorrente da escravidão expunhaessa parcela da população àsmalhas do sistema penal, pois,afinal de contas, os filhos dessapopulação, por exemplo, se nãoapenas possuíam, na visão do autor,o germe da criminalidade, a própriaconvivência com os pais expô-los-iaà possibilidade do crime. Essa era arazão pela qual se justificava aantecipação da punição travestida

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de tratamento, no intuito de evitara precipitação do vício.

Em menos de quinze anos emque o País havia deixado aescravidão, o projeto de lei quecriava o Instituto EducacionalPaulista, nos moldes acimaexpostos, havia sido aprovado eestava em vigor. A geração deescravos, agora libertos, deixava deser coisa para gozar do status decidadão. A criminalização dascondutas de costumes dos negros,por exemplo, a prática decapoeiragem, aliada à completavulnerabilidade dessa parcela dapopulação em relação ao sistema

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penal, por fatores econômicos eculturais, tornavam-lhes vítimasdessa repressão estatal.

Boris Fausto, ao estudar asituação de negros, também chegouà comprovação da estigmatizaçãoem razão da cor da pele decorrenteda condição social do negro e dotratamento dispensado pelo Estadoa essa parcela da população:

Não há nada de surpreendente nofato de que os negros e mulatoscontribuam com um maior pesoproporcional de detenções quandose têm em conta, de um lado, ocaráter contravencional da

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maioria destas e, de outro, asituação de marginalidade ousubemprego a que foi confinada apopulação negra – sobretudo amasculina – após a Abolição. Porsua vez, não há dúvida de queuma discriminação avassaladorafoi também responsável por essesnúmeros.38

É nesse contexto, portanto, que sedeve analisar a aplicabilidade dasclassificações de Candido Motta, noque diz respeito ao biotipo dosindivíduos. Não havia nada deconcreto quanto à demonstração deque determinadas características

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individuais acarretavam apossibilidade da prática criminosa.O que havia era a estruturação doraciocínio da necessidade declassificação. A partir disso, tinha-se a hereditariedade e aconvivência com as más influênciasdos pais, por exemplo, como fatorde transmissão das potencialidadescriminógenas. Isso era tudo o quebastava para o preenchimentodessa fórmula. Os negros eramvulneráveis e objeto de controle doEstado, logo essas – a dos negros –eram as características perseguidaspara se identificar um criminoso.

A questão racial determinista em

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Candido Motta é de tal formaimperiosa que, apesar de pertencerà escola paulista e possuir marcantemilitância política, fato que otornaria, em tese, mais liberal doponto de vista ideológico, cabe aquisentenciar: quando se tratava decolocar em prática o discursoliberal, os paulistas mostravam-severdadeiros conservadores. Maispareciam herdeiros do pensamentogermânico, das teorias raciaispuras. Um pequeno trecho de suaobra corrobora a afirmação acimatecida: “Há pouco tempo foirecolhido ao Instituto Disciplinarum menor com a edade de 16

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annos, preso conjunctamente comum irmão de 15 annos, assassinod’um agente de policia, que osperseguia como vadios. E’ umcriminoso de raça”.39

Os ideais de Candido Mottaapresentados tanto no projeto delei como os defendidos em sua obrarelativa às crianças e adolescentespodem se resumir da seguinteforma: na necessidade deprevenção em forma desubstitutivo penal; a imperiosidadede repressão daqueles jáconsiderados delinquentes, bemcomo aos que herdaremcaracterísticas dessa natureza; e,

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por fim, a classificação dosinfratores para o adequadotratamento, fazendo-se, também,uso dos meios higiênicos esanitários para evitar a propagaçãode enfermidades. Esse instrumentalaqui mencionado servia parajustificar a atuação estatal diante deum problema que existia e nãopoderia ser ignorado: a questãoracial. Candido Motta desenvolveumétodos de repressão àcriminalidade, sem, no entanto,perder de vista uma situaçãoindissolúvel, ainda que nãohouvesse uma fórmula de rechaçaro mau definitivamente.

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O critério racial, como fim últimodo ideário de Candido Motta, semdúvida alguma é o traço maismarcante de sua obra. Entretanto,essa característica será mais bemdefinida na classificação doscriminosos, a ser analisada nopróximo capítulo.

5.5.2 A Classificação DosCriminososCandido Motta introduz a obra, Aclassificação dos criminosos, como adissertação em que teria seapresentado “perante a Faculdadede Direito de S. Paulo, disputando o

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logar de substituto da cadeira deDireito Penal”. Informa, ainda, querealizava seus estudos sob forteinfluência da escola criminológicaitaliana (vide prefácio). Nessa obra,Motta já consignava os postuladosideológicos que marcaram o seupensamento e a sua atuaçãopolítica.

O primeiro deles refere-se aométodo experimental adotado,característica presente nacriminologia positivista. Oempirismo é em todo momentoreverberado pelo autor: “emsciencias positivas só há umprincipio absoluto e é que nada há

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de absoluto”.40 Além do métodoempírico, a classificação ocupalugar de destaque, pois já naepígrafe da obra é possível verificarque, para lidar com o problema dacriminalidade, a pré-condição é quese faça uma seleção dos diversostipos de infratores.41

Motta, ao iniciar o seu trabalho,parte do pressuposto de que o“crime é um fenômenonecessário”.42 Essa necessidade éextraída do pensamento de Ferri,segundo o qual o crime é algoinevitável. Entretanto, ainevitabilidade não pode serentendida no sentido dado por

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Durkheim, para quem o delito nãoé somente normal, como útil àdinâmica social. Mas sim porque odelito ocorre em qualquersociedade sem que se possa extirpá-lo. Sendo o delito inerente àsrelações sociais, cuidaria o autor decriar mecanismos, após entenderesse fenômeno, de banir a suaocorrência o quanto fosse possível.

Candido Motta reconhece agrande polêmica causada com adefinição de criminosos natosdefendida por Lombroso, masainda assim é fervoroso defensor danova escola. A ideia de nascercriminoso e não possuir o que os

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estudiosos denominavam de livre-arbítrio foi o foco principal dessaefervescência. Esse citadopressuposto da escola clássica seráum dos pontos a ser atacado por semostrar obsoleto, na visão do autor,para entender a criminalidade. Emcontrapartida à abstração do livre-arbítrio surge o método empíricode verificação, acompanhado doideal de verdade, de sabercientífico, que esse instrumentaloferecia aos criminólogos dopositivismo. A noção de livre-arbítrio seria tida como rançofilosófico que estaria restrito aocampo da especulação, jamais da

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verdade.43

A partir do instrumentalcientífico da nova escola, o direitopenal seria o meio adequado parapossibilitar a convivência comrelativa paz. É nesse contexto queMotta classifica a pena como defesasocial, pois, na medida em que nãoé o livre-arbítrio aquilo que impeleo indivíduo ao cometimento docrime, e sem perder de vista ser odelito um fenômeno necessário, oEstado deve se valer do Direito paracontrolar essas ocorrências, evitar aperturbação da ordem jurídica,combatendo justamente não ocrime, mas o indivíduo. Desloca-se

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a atenção da infração, voltando-a aoinfrator. Essa seria a legítima defesasocial, nas palavras de Motta: “Ocrime é uma entidade abstracta;para o seu agente, o homem que opratica é que devem convergir asvistas da sociedade collocada emattitude de legítima defeza”.44

A pena é uma forma therapeuticapara se lidar com os delinquentes,afirmara Candido Motta. Eradicalizava ao sustentar queembora diversas formas dessaterapia fossem utilizadas, acriminalidade só aumentaria, poisos delitos somente deixarão deexistir “quando desapparecer para

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sempre o homem em quemgerminou, propagandose pelahereditariedade e influênciasmesologicas”.45 Essa passagem éparadigmática, pois concentra aessência do pensamento deCandido Motta. Nota-se que odireito penal, como todas as outrasformas de evitar e controlar ocometimento de crimes, seria umpaliativo, na medida em que apenasse extirparia esse mau, combatendoaquele indivíduo, no qual acriminalidade foi germinada. Aindividualização desse homem seráo marco representativo do critérioracial da teoria de Candido Motta.

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Entretanto, é fundamentalconsignar que os aspectosmesológicos não são deixados delado, fornecendo substrato para seaferir o quanto o autor aproxima-seda obra de Ferri, que relativizavarazoavelmente o determinismoracial, cedendo espaço àsinfluências do meio.

Registradas essas assertivas comopremissa instrumental paraentender a aplicação do direitopenal, surge, então, a questão racialcomo substantiva na obra deCandido Motta. O critério racial é abase de toda a construçãoideológica cuja influên cia marcou

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diretamente os postuladosintelectuais do autor. O Estado, pormeio do direito penal, precisariaconter a criminalidade, embora jáse soubesse que os delitos nãoseriam extintos, enquanto não secolocasse fim aos indivíduos quepossuíam o seu germe e quepropagavam esse mal na sociedade.

A partir dessas convicções,aliadas ao fato de o negro, segundoele, pertencer a um plano racialinferior, já se sabe onde desaguaráa sua teoria. Candido Mottaassentia que “o prognatismo nobranco é evidentemente umestigma de regressão ao typo

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ancestral; entretanto, elle faz parteda constituição phisica do negro,cuja raça é inferior por terconservado estacionaria”.46 Alémdisso, outros aspectos marcantesseriam observados, como as“synosteses prematuras, prova dafalta de desenvolvimento, que seencontram com frequencia nonegro, não se encontram, comoafirma Gratiolet, no branco”.

E todas essas “differenças deorganização phisica implicamnecessariamente uma diversidadede caracter”.47 Não há dúvida naconvicção de inferioridade do negrona obra de Candido Motta. Em

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todos os aspectos, o negro era vistocomo ser inferior, portador dasmazelas do homem e dasociedade.48 Essa era adegenerescência de que o direitopenal deveria se ocupar para aaplicação da pena.

Candido Motta desenvolve a suateoria apontando o método de secombater a criminalidade. Emseguida, passa a demonstrar deforma expressa quem era o objetodessa ciência. Os negros são vistoscomo indivíduos degenerados pornatureza e, portanto,ontologicamente portadores dogene do mal. A crença na

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degeneração, aliada aodeterminismo, evidenciam que,antes de tudo, o que havia era umproblema a ser pensado e tratado(ou neutralizado), o negro. A raça,portanto, era o critério definitivo deanálise.

As conclusões raciais de CandidoMotta ajudam a compreender omomento político por que passavao Brasil na virada do século XIX aoXX. Esclarece a institucionalizaçãoque deveria se criar para alocar onegro em sua condição social.Demonstra em que estratopermaneceria, em uma sociedadede classes recém-instaurada. No

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entanto, Motta não ignorou o fatode os acadêmicos brasileiros, aodefenderem as classificações e asformas deterministas raciais, nãopossuírem em mãos dadosquantitativos, qualitativos eteóricos. Apontava-se, então, para adificuldade do estudo dacriminologia, segundo os seuscritérios, em decorrência do carátermultirracial que compõe obrasileiro:

As dificuldades do estudo destamateria são entre nós quaseinsuperaveis, attendendo a que,no Brasil, não temos, devido aos

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continuos cruzamentos, um typopuramente nacional, sendo que áenorme extensão do nossoterritorio corresponde uma visiveldiversidade ethnologica.49

Muito embora houvesse aalocação do mal no negro, o Brasilnão se preocuparia apenas com onegro, mas também com o mestiço,dado o contínuo intercruzamentodas supostas raças. Dessa forma, atarefa dos ideólogos seriajustamente a de dar conta domestiço, enquadrá-lo, classificá-lo ecaracterizá-lo. E Candido Mottacumpre o seu mister: “quando as

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raças se misturam, a que é muitoinferior muitas vezes passa a outrasó os seus vicios, muito mais emharmonia com as suas propriastendencias que as qualidades”. Osaber científico, embora copiado erealocado, é sempre utilizado emlarga escala para legitimar as suasverdades:

Darwin já demonstrou que noscruzamentos mui pronunciados éa lei de regressão que predomina,de modo a fazer surgir á tona ostraços inferiores desapparecidos deremotas gerações. Os arabesdizem: Deus creou o branco, Deus

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creou o negro, o diabo creou omestiço.50

Candido Motta não poderia servisto como um liberal, ao contrário,estava imbuído de um ideal racialdeterminista.51 Além disso, nãopossuía criação intelectual genuína,apenas reverberava o que existia noexterior. As ideias que importavanão eram executáveis no Brasil,dada a sua flagrante diversidadeem relação a esse País, cujasingularidade era o traço marcanteem sua formação etnográfica ecultural.

A elite intelectual brasileira

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precisava dar conta de uma parcelada população formada por negros,índios e mestiços em geral, quepassava a gozar do status decidadão a partir da Constituição daRepública datada de 1891. Essa é atarefa dos juristas e políticos dofinal do século XIX e início do XX.As teorias raciais importadas daEuropa seriam de grande valia paraconseguir justificar a diferençaentre as supostas raças e com issomanter grande parte da populaçãoalijada dessa cidadania efetiva.Estava posta a missão da novaescola criminológica. Tratar deforma diferente os desiguais.

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Atacar o indivíduo delinquente enão o delito propriamente dito. Aobra de Candido Motta estáinserida nesse contexto histórico e éutilizada para atender a essesinteresses.

O critério de classificação, parapossibilitar o tratamento, é partefundamental dessa tarefa. Aclientela do direito penal a sersubmetida ao pensamentocriminológico já estava desenhadano substrato que preencheria osdados da classificação. A partirdele, outros saberes entravam emcena, o dos juristas, com a verdadecientífica típica da nova

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criminologia, para melhor prevenirou reprimir os infratores, visandoalcançar um número de ocorrênciascriminais tolerável, uma vez que,relembrando o autor, o crimesomente deixaria de existir quandose exterminassem aquelesindivíduos que possuíam o seugerme.

5.6 A questão racialno BrasilA criminologia positivista,especialmente na América Latina,foi utilizada para subjugar setores

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da sociedade com base em critériosraciais deterministas. Essa é aassertiva propagada por LolaAniyar de Castro:

No caso da América Latina, umpositivismo spenceriano e,portanto, racista, serviu parasubjugar minorias étnicas etambém para justificar as relaçõesde exploração Norte-Sul, aoestabelecer um suposto vínculoentre subdesenvolvimento, meiogeográfico e delinquência.52

A obra de Candido Motta éexemplar dessa apropriação. Suateoria propaga a transmissão de

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genes da criminalidade de formadeterminista, conferindo ao Estadoa legitimidade para reprimir essaparcela da população em nome dasuposta defesa social. Quando sefala em genes, o que se tem é afigura do negro e, maisespecificamente, do mestiço comoobjeto da ação estatal. A questãoracial no Brasil por vezes tem sidovista de tal forma associada aopositivismo criminológico quepouco é estudada em si mesma,pois os trabalhos acerca dessaescola tratam do aspectocriminológico apenas como nuancedo pensamento racial.53 Essa é

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justamente a importância de seapontar para o critério objetivo enorteador do pensamentocriminológico positivista, que era odeterminismo racial e aconsequente aplicação da puniçãode forma dirigida a essa parcela dapopulação.

A produção intelectual deCandido Motta demonstra que opreconceito racial tem vida própriana história do Brasil e na novacriminologia. A denominadaquestão racial tem papelfundamental para as justificativassociais e econômicas de interesseda elite nacional do início do século

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XX. O tratamento desigual que aescola criminológica positivistapropunha, ganhou eco no Brasil ena intelectualidade então emformação, na medida em queserviria para fundamentar umasituação absolutamente peculiaracarretada com o fim da escravidão.

Para demonstrar que opreconceito racial estava muitomais para o Brasil do quepropriamente a perspectivacriminológica positivista, bastaobservar a quantidade dereverberação das desigualdadesentre as raças levantadas pelosautores europeus e a ausência do

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tão propagado método empírico naprodução acadêmica dospensadores brasileiros. Partia-se, noBrasil, de conclusões teóricas semque aquelas verdades tivessem sidoconfirmadas entre os brasileiros.As pesquisas e as classificaçõesforam simplesmente herdadas eaplicadas. Ignorou-se asingularidade da população. Essarealidade apenas foi pensada paracriar subteorias raciais incluindo omestiço nessa observação. Amiscigenação passou a ser pensadae, com certa maturação, foiassociada à própria identidadebrasileira. Havia a remota hipótese

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em resolver o problema racial: omestiço seria um processonecessário de branqueamento dobrasileiro.

O fato é que a elite intelectualnão estava preocupada se o estudodo indivíduo em si acarretaria, doponto de vista científico, umaevolução em relação ao delito.Tanto assim que pouco foiproduzido em termos científico-filosóficos no âmbito dacriminologia positivista, acorroborar, por exemplo, o fim ou asuperação da escola clássica entreos brasileiros. Esse parece ser umviés bastante interessante para

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pensar se de fato defendia-se umacriminologia nova, cientificamenteformulada, ou se essa teoriaabarcava uma resposta necessáriapara a questão racial no Brasil. Nãoresta, pois, muita dúvida quanto àausência de legitimidade doprocesso de transmissão das teoriasestrangeiras, uma vez que se nota acompleta ausência de cientificismonesse percurso de importação paraa situação do País.

Observe-se, inclusive, que aadequação das teorias raciais emlocais diversos daqueles em queeram produzidas foi uma práticabastante recorrente no

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imperialismo europeu, pois adefesa da supremacia dos maishumanos, das metrópoles, seria apeça-chave para o processo dedominação.54 O branco europeu,afinal de contas, era o resultado deum processo civilizatório quedeveria ser transmitido aos povosprimitivos. No entanto, em relaçãoao Brasil, essas teorias eramadotadas para justificar umasegregação institucional interna. Aelite branca valia-se desse discursopara alijar de uma efetivacidadania, no próprio territórionacional, os indivíduos inferiores.Até nesse ponto, a singularidade da

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evocação e aplicação dopensamento criminológicopositivista se mostram peculiares.

O uso e a legitimação do discursocientífico serviram comoinstrumento político esterilizadordaqueles indivíduos indesejados deforma bastante eficiente. Issoporque a elite política brasileira, emsuma, seria a encarregada de darum destino ao País, mas, acontrapelo, não era essa elite, porexemplo, quem afirmava adegenerescência de algumas raças,mas a própria ciência. Portanto,com a necessária separação do idealcriminológico positivista da teoria

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racial propriamente dita, é possívelentender que o termo

“raça, antes de aparecer como umconceito fechado, fixo e natural, éentendido como um objeto deconhecimento, cujo significadoestará sendo constantementerenegociado e experimentado nessecontexto histórico específico, quetanto investiu em modelosbiológicos de análise”.55

Essa é a história que deve sercontada e analisada ao se passarpelos marcos criminológicos, pois,como a própria metodologia danova escola apregoava: dever-se-ia

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estudar o indivíduo de formaempírica. Então, como abdicar dereconhecer a efetiva situação dobrasileiro mestiço, negro ou índio,objeto de estudo, em suasverdadeiras condições pessoais?

A tarefa que resta é buscardelinear o que efetivamenteconcorreu para o desenvolvimentodo pensamento criminológico, semque interferências ideológicas econcepções pré-constituídasinfluenciassem nesse diagnóstico.Ao realizar esse trabalho, estar-se-ácontribuindo para o descobrimentoda real história da nação.

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5.7 ConsideraçõesfinaisNo presente estudo procurou-serecortar o período histórico em quese extinguia a escravidãoinstitucionalmente e de fato parapoder compreender o fluxo decidadãos que passariam, ou aomenos deveriam, a partir daquelemomento, ser reconhecidos comotais. Com isso, foi possível verificarque a mencionada periodizaçãodialogava com a grandedisseminação do pensamentocientífico das escolascriminológicas na Europa e a sua

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consequente importação para oBrasil.

A criminologia positivistabrasileira foi explorada de modomacro nas academias paulista epernambucana, porém o trabalhose deteve no pensamento deCandido Motta, um dos principaisexpoentes e articuladores políticosda Faculdade de Direito de SãoPaulo. Duas de suas principaisobras foram analisadas de modo ase verificar a forma pela qual opositivismo criminológico eraapreendido e disseminado. A pedrade toque para essa análise foiseparar o que havia de criminologia

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do que era a denominada questãoracial. Ficaram evidentes, portanto,a ausência de cientificismo e a merareprodução dos ideais europeus, e,por mais paradoxal que possaparecer, a metodologia empírica tãofortemente propagada sequer seriautilizada para corroborar osestudos estrangeiros no Brasil.Nada se criou nem se confirmou.

Dessa forma, a questão racialaflorou. O que se tinha agora erauma ciência que ignorava o conceitojurídico de delito e passaria aestudar o delinquente. Mas não sepesquisou, e a teoria não foi testadaem terras tupiniquins. Houve sim a

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apropriação do saber científico paraclassificar os indivíduos, prevenirdelitos e reprimir determinadossetores da população, tudo baseadona cor da pele. Tudo isso com opano de fundo racial determinista,no qual se exprimiam ideais quecapturavam indivíduos e osvitimavam utilizando-se darepressão estatal por supostamentepertencerem a uma raça inferior.

O exercício da puniçãoinstitucional, portanto, estavaassociado ao preconceito racial. Enão era só. O racismo foi utilizadopara justificar a estratificaçãosocioeconômica de um grupo que

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seria vítima dos ideais de uma eliteintelectual branca.

Retomando mais uma vez opensamento de Lilia Schwarcz, o“termo raça, antes de aparecercomo um conceito fechado, fixo enatural, é entendido como umobjeto de conhecimento, cujosignificado estará sendoconstantemente renegociado eexperimentado nesse contextohistórico específico, que tantoinvestiu em modelos biológicos deanálise”.

Resta, por fim, esperar que cadavez mais a história seja recontada,sempre com novas hipóteses a

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revolver esse passado, extraindo oque há de discurso e mantendo oque há de realidade social.

5.8 ReferênciasBibliográficas

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2. Baratta Alessandro.Criminologia crítica e críticado direito penal. Introdução à

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sociologia do direito penal 3Rio de Janeiro: Revan; 2002;Tradução e prefácio: JuarezCirino dos Santos.

3. Beccaria Cesare. In: CretellaJúnior J, Cretella Agnes,eds. Dos delitos e das penas. 2São Paulo: Revista dosTribunais; 1999; rev.

4. Caldas Gilberto. NovoCódigo de Menores anotado 2São Paulo: Ed. Universitáriade Direito; 1980.

5. Carvalho Francisco Pereirade Bulhões. Direito do menorRio de Janeiro: Forense;1977.

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6. Castro Lola Aniyar de. In:Sylvia Moretzsohn, ed.Criminologia da libertação.Rio de Janeiro: Revan; 2005;(Coleção Pensamentocriminológico.), InstitutoCarioca de Criminologia.

7. Coracini Celso EduardoFaria. A antropologiacriminal no Brasil nas obrasde Candido Nogueira daMotta e Raimundo NinaRodrigues São Paulo: Revistados Tribunais; 2003; RevistaBrasileira de CiênciasCriminais, publicação oficialdo Instituto Brasileiro de

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Ciências Criminais, ano 11,n. 41, jan.-mar.

8. Dias Jorge Figueiredo,Andrade Manuel da Costa.Criminologia. O homemdelinquente e a sociedadecriminógena Coimbra: Ed.Coimbra; 1997; 2a

reimpressão.9. Fausto Boris. Crime e

cotidiano. A criminalidade emSão Paulo (1880–1924) 2 SãoPaulo: Edusp; 2001.

10. Lyra Roberto. As novíssimasescolas penais Rio de Janeiro:Borsoi; 1956.

11. MORELLI, Ailton José. A

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inimputabilidade e aimpunidade em São Paulo.Revista Brasileira de História,São Paulo, v. 19, n. 37, set.1999.

12. Motta Candido. Classificaçãodos criminosos. Introdução aoestudo do direito penal SãoPaulo: J. Rossetti; 1925.

13. Motta Candido. Os menoresdelinquentes e o seutratamento no estado de SãoPaulo São Paulo: Ed.Typographia do DiárioOfficial; 1909.

14. Schwarcz Lilia Moritz. Oespetáculo das raças.

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Cientistas, instituições equestão racial no Brasil 1870–1930 São Paulo: Companhiadas Letras; 1993; 7a

reimpressão.15. Shecaira Sérgio Salomão

Racismo. Escritos emhomenagem a Alberto SilvaFranco São Paulo: Revistados Tribunais; 2003.

Legislação1. Código De Menores.

Organização, índices e notasde Fernando H Mendes deAlmeida São Paulo: Saraiva;1960.

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2. Códigos Penais do Brasil.Evolução históricaCoordenação de José HenriquePierangeli São Paulo: Ed.Jalovi; 1980.

*Trabalho apresentado como conclusão docurso da disciplina PerspectivasSociológicas e Clínica da Criminologia naLegislação Penal, ministrada pelosProfessores Sérgio Salomão Shecaira eAlvino Augusto de Sá, no curso de pós-graduação stricto sensu da Faculdade deDireito da Universidade de São Paulo.**Advogado criminalista, graduando naFaculdade de História da Universidade deSão Paulo, dire-tor do Instituto de Defesado Direito de Defesa (IDDD).1Shecaira, Sérgio Salomão. Racismo.

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Escritos em homenagem a Alberto SilvaFranco. p. 408.2Schwarcz, Lilia Moritz. O espetáculo dasraças. p. 11.3Shecaira, Sérgio Salomão. Op. cit., p. 410–411.4Coracini, Celso Eduardo Faria. Aantropologia criminal no Brasil nas obrasde Candido Nogueira da Motta eRaimundo Nina Rodrigues. p. 182.5Ibid., p. 182.6Ibid., p. 183.7Schwarcz, Lilia Moritz. O espetáculo dasraças. Cientistas, instituições e questãoracial no Brasil 1870–1930, p. 11.8O termo “raça” será mencionado nopresente estudo em negrito, dada a sua

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impropriedade como conceito. Emborarelevante, deixar-se-á de abordar essaproblemática para não estender o presentetrabalho, bem como para atender a opçãodo recorte.9Ibid., p. 12.10Ibid., p. 146.11Ibid., p. 148.12Para exemplificar esse contexto, LiliaSchwarcz cita paradigmático confrontoocorrido em 1875, na Faculdade de Direitode Recife, entre Sylvio Romero, quedefendia a sua tese de doutoramento, e oProfessor Doutor Coelho Rodrigues,membro da banca examinadora: “Oestopim do ríspido debate se deu quandoo arguente reclamou da oposição que faziaSylvio Romero à metafísica, que destamaneira respondeu: – Nisto não há

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metafísica, há lógica/ – A lógica não excluia metafísica, replicou o arguente/ – Ametafísica não existe mais; se não sabia,saiba-o, treplicou o doutorando/ – Nãosabia, retruca esse/ – Pois vá estudar eapreender para saber que a metafísicaestá morta/ – Foi o senhor quem a matou?,perguntou-lhe então o professor./ – ‘Foi oprogresso, a civilização’ respondeu obacharel Sylvio Romero que ato contínuose levantou, tomou os livros que estavamsobre a mesa e disse com ar triunfante:‘Não estou para aturar esta corja deignorantes que não sabem de nada’”.Ibid., p. 148.13Ibid., p. 152.14Para demonstrar essa preocupação daescola criminológica positivista, éimportante registrar a referência de LiliaSchwarcz à passagem na qual Laurindo

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Leão, professor da então disciplina dedireito criminal, reúne uma curiosa listaenvolvendo loucos, semiloucos, e aaproximação entendida entre a loucura, agenialidade e a própria noção decriminalidade: “São semiloucos: JulioCesar, Napoleão, Flaubert, Richelieu,Dostoiewsky, Byron, Pascal, Mozart eWagner. São loucos (ao menos no fim davida) Comte, Newton, Nietsche, Moliere.São maniacos perseguidos: Rosseau,Haller. São maniacos de grandeza Balzac,Swift. São neurasthenicos Voltaire,Chateaubriand, Zola, Chopin e sobretudoPasteur. Além de outras formas demaniacos: original, Tolstoi; esquecido,Diderot; decadente, Wagner; surdo,Bethoven; sonnambulo, Goethe; egoista,Victor Hugo… O que preocupa é menos ainsanidade manifesta e mais aproximidade existente entre a

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degeneração, a loucura e a criminalidade”.Ibid., p. 167.15Ibid., p. 174.16Ibid., p. 174.17Ibid., p. 176.18Ibid., p. 178.19Destaque-se a visita de Enrico Ferri àFaculdade de Direito de São Paulo.Schwarcz cita o registro extraído daRevista da Faculdade de Direito de SãoPaulo, com essa passagem, e já apontapara o paradoxo existente entre o ideal e aprática: “Enrico Ferri, por exemplo,professor da escola italiana de direitopenal, que visitou a faculdade em 14 denovembro de 1908, foi recebido, segundorelato da revista com entusiasmo dosalunos ‘que com euforia atiraram-lhe

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flores e estrepitosos aplausos’ […] Nota-se, no entanto, certo distanciamentosobretudo quando a teoria é pensada emsua viabilidade local. Condena-se, nessecaso, o determinismo racial da escolapenal italiana, considerando-a naspalavras de Pedro Lessa, ‘o resultado deum movimento reacionário contra astheorias humanitárias… Não hádesenvolvimento moral e racial sem certascondições de bem estar social’”.Ibid., p. 179.20Ibid., p. 181.21Alvarez, Marcos César. Bacharéis,criminologistas e juristas: saber jurídico enova escola penal no Brasil (1889–1930). p.107–108.22Castro, Lola Aniyar de. Criminologia dalibertação. p. 21.

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23Motta, Candido. Os menoresdelinquentes e o seu tratamento no estadode São Paulo. p. 6.24“Nunca será demais relembrar aseloquentes palavras do illustre professoritaliano [Ferri]: ‘A protecção da infanciaabandonada e maltratada é fundamentalentre os substitutivos penaes, porque ellatem uma applicação sobre milhares deindividuos predipostos ou impellidos aocrime. Ela equivale na prevenção sanitariaao uso de beber agua fervida, durante asepidemias de cholera ou do typho,esterelisando os germens pathogenicos”.Ibid., p. 6–7.25Ibid., p. 9–10.26Ibid., p. 28.27“Em 1893, relatando as occurrencias do2° districto criminal da Capital de S.

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Paulo, impressionados com aagglomeração de menores em francapromiscuidade com adultos na cadeiapublica, fizemos ver ao Procurador Geraldo Estado a necessidade urgente dacreação de um estabelecimento especialpara menores […] Na sessão legislativa de9 de Maio de 1900 procuramos tornar umarealidade aquillo pelo que tantopugnamos quando mero representante doministerio publico”.Ibid., p. 10 e12.28Ibid., p. 16.29Ibid., p. 70–71.30A classificação de Ferri em relação aosjovens também está presente nessa obra:“A classificação dos menores não póde serfeita á priori, e se quizermos attenderunicamente ao caracter e tendencias de

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cada um, as classes serão innumeras. Aedade tambem só poderá servir comocriterio de uma divisão material, mas, porisso mesmo, não resolve o problema, quetorna-se cada vez mais difficilsolução.Ferri dizia: ‘Mas para obter estaregeneração é preciso atravessar duasoutras reformas. A primeira é aclassificação”.Ibid., p. 70–71.31Ibid., p. 53.32Ibid., p. 55.33Morelli, Ailton José. A inimputabilidadee a impunidade em São Paulo.34Código de Menores. Organização,índices e notas de Fernando H. Mendes deAlmeida. São Paulo: Saraiva, 1960. p. 104–107.

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35“No nosso projecto adoptamos omaximo de 200 menores; mas essalimitação a despeito da bri lhante defezado saudoso senador Paulo Egydio, foiregeitada pelo Senado. Entendeu este queo quantum dos effectivos era matériaregulamentar e que, portanto, o poderexecutivo é que cabia fixal-o, sem attenderque essa questão é fundamental nosystema, e que, portanto devia ser prefixada na lei, justamente para evitar quepudesse ser desnaturada por umaintervenção toda arbitrária do executivo,cujos representantes nem sempre podemser especialistas.” Ibid., p. 56–57.36“O Código Penal de 1830 (Império) e oCódigo Penal de 1890, ambos trataram dematéria relativa aos menores, quandoabordaram a questão da responsabilidadepenal, e adotando o princípio do

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’discernimento’. […]Todavia o dispositivo basilar e hábil àmatéria seria o Decreto n° 17.943-A, de12/10/1927. Era o nosso primeiro Códigode Menor, e teve como principal mentor ojurista emérito, Mello Mattos.Veio consolidar toda a legislação anteriorsobre a matéria.” Caldas, Gilberto. NovoCódigo de Me nores anotado. p. 23.Tem-se ainda o registro de FranciscoPereira de Bulhões Carvalho acerca doCódigo Criminal do Império e do CódigoPenal de 1890: “O nosso Código Criminalde 1830 distinguia os menores em quatroclasses, quanto à responsabilidadecriminal: a) os menores de 14 anos seriampresumidamente irresponsáveis, salvo sese provassem terem agido comdiscernimento; b) os menores de 14 anosque tivessem agido com discernimentoseriam recolhidos a casas de correção pelo

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tempo que ao juiz parecesse, contanto queo recolhimento não excedesse a idade de17 anos; c) os maiores de 14 anos emenores de 17 anos estariam sujeitos àspenas de cumplicidade (isto é dois terçosda que caberia ao adulto) se ao juizparecesse justo; d) o maior de 17 e menorde 21 anos gozaria da atenuante damenoridade” (p. 31). […] “O Código Penalde 1890 fez pequenas modificações aosistema do Código anterior: a) declarouirresponsáveis de pleno direito os menoresde 9 anos; b) ordenou que os menoresentre 9 e 14 anos que agissem comdiscernimento fossem recolhidos aestabelecimento disciplinar pelo tempoque ao juiz parecesse, contanto que orecolhimento não excedesse a idade de 17anos; c) tornou obrigatório e não apenasfacultativo que se impusessem ao maiorde 14 de e menor de 17 anos as penas de

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cumplicidade; d) manteve a atenuante damenoridade. Sobre o tal ‘estabelecimentodisciplinar industrial’ a que se aludia oCódigo Penal de 1890, pode repetir-seomesmo que dissemos sobre as ‘casas decorreção’ do Código de 1830: jamais foramcriadas, salvo raras exceções” (p. 32). […]“Somente em 1921, a Lei n. 4.242, de 5 dejaneiro de 1921, regulamentada peloDecreto n. 16.273, de 20 de dezembro de1923 e completada pelo DecretoLegislativo número 5.083 de 1° dedezembro de 1926 e Código de Menores de12 de outubro de 1927 modificaramcompletamente a situação relativa aosmenores abandonados e delinquentes. Areforma acolheu os mais importantesprincípios, já então adotados pelaslegislações mais adiantadas e hojeconsagradas universalmente,especialmente: 1) institui um Juízo

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Privativo de Menores; 2) elevou a idade dairresponsabilidade criminal do menor a 14anos; 3) instituiu processo especial paraos menores infratores de 14 a 18 anos; 4)estendeu a competência do Juiz deMenores à matéria civil e administrativa;6) autorizou a intervenção do Juiz deMenores para suspender, inibir ourestringir o pátrio poder, com imposiçãode normas e condições aos pais e tutores;7) regulou o trabalho dos menores; 8)criou um Centro de Observação dosMenores; 9) criou um esboço de PolíciaEspecial de Menores dentro dacompetência dos comissários devigilância; 10) procurou criar um grandecorpo de assistentes sociais sob adenominação de ’delegados de assistênciae proteção’ aos menores, com aparticipação popular, como comissáriosvoluntários e como membros do Conselho

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de Assistência e Proteção ao Menores; 11)deu estrutura racional aos internatos doJuizado de Menores” (Carvalho, FranciscoPereira de Bulhões. Direito do menor. p. 32–33).37“As razões desse internamento forampor nós sobejamente explicadas naCamara dos Deputados: ‘Todos os collegasconhecem os ensinamentos da scienciamoderna, que confirmam de modoirrecusavel as leis da hereditariedade. Ofilho do criminoso está mais arriscado acahir na senda do crime do que o filho dequalquer outro, não só pelo exemplo deseus paes, mas tambem pelo germenhereditario; e, si não houver quem porelles se interesse, quem procure evitar asua precipitação no vicio, hade fatalmentetornar-se um homem prejudicial ásociedade’.” Ibid., p. 79.

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38Fausto, Boris. Crime e cotidiano. Acriminalidade em São Paulo (1880–1924).p. 66.39Ibid., p. 86.40Motta, Candido. Classificação doscriminosos. Introdução ao estudo dodireito penal. p. 74.41Na epígrafe da obra já consta essareferência: “A prevenção individualvariando naturalmente com as categoriasde indivíduos, si se quiser discernir eestudar com methodo os differentesprocessos por meio dos quaes se podeoperar essa prevenção, é preciso dar comofundamento a semelhante estudo umaclassificação dos delinquentes. Estaclassificação é da mais alta importância;ella é o ponto de partida de toda obrapenitenciária”. Prossegue e, ainda na

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epígrafe, ratifica o posicionamento jáapresentado: “A classificação dosdelinquentes é um dos capítulos maisimportantes da criminologia, pelas suasconsequencias praticas, devendo-seapplicar um diverso tratamento aosindividuos, segundo a categoria a quepertencem”.42Ibid., p. 9.43Em resposta à afirmação dos defensoresda escola clássica, Motta, citando Herzen,afirma que: “elles esquecem: 1° que asciencia nada tem que ver com asconsequencias sociaes, juridicas, moraesou religiosas de suas conclusões; 2° quequaesquer que possam ser estascosequencias, ellas não podem de modoalgum infirmar as provas experimentaesou logicas de uma conclusãoscientificamente estabelecida; 3° si estas

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provas existem e são sufficientes, somosforçados, sob pena de abdicaçãointellectual, a admitir o que ellasdemonstram, quaesquer que possam seras suas consequencias”. Em face dessasdiferentes sustentações em favor dacriminologia positivista, e contrapondo-seà teoria da escola clássica, Motta sustentaque “o livre arbitrio não passa de umailusão subjectiva, desmentida pela phisio-psychologia positiva”.Ibid., p. 56.44Ibid., p. 29.45Ibid., p. 16.46Ibid., p. 31.47Ibid., p. 33.48Candido Motta descreve ocomportamento do negro com uma

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autoridade científica que então a escolacriminológica positivista se autoatribuía.Dizia ele que “os traços dominantes docaracter do negro são a sensualidade, atendencia á imitação servil, a falta deiniciativa, o horror da solidão, amobilidade, o amor desordenado do cantoe da dança, o gosto invencivel dosornamentos e enfeites. E’ indiscreto,imprevidente e preguiçoso. Emcompensação, tem qualidades apreciaveis:é sensível aos bons tratos, suceptivel deuma grande dedicação, sem prejuizo dacapacidade para o odio e para asvinganças crueis. Enfim, tem asqualidades e defeitos do homem primitivo,mais ou menos alterados pelo meio,circumstancias, tradições e costumes.Corre diz: o negro não é de máo caracter,mas somente de caracter instavel como acriança; mas com esta differença que esse

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tem já a madureza de seudesenvolvimento phisiologico, e por isso asua instabilidade é a consequencia de umacerebração incompleta. Em um ambientede avançada civilização, onde possuainteira liberdade, não se adapta, como nospaizes da Europa, aqquelas naturezasretardatarias, que dão maior contingenciaá criminalidade”. Ibid., p. 33–34.49Ibid., p. 34.50Ibid., p. 39.51O determinismo biológico em Mottachega a ser de tal forma marcante que, nopresente estudo, algumas passagensparadigmáticas foram selecionadas. Parademonstrar o panorama intelectual noqual o autor estava imerso, traz-se umadescrição de um caso de um condenadoanarquista que após a descrição vem

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acompanhado do diagnóstico que, por sisó, é capaz de sintetizar a obra de Motta.Diz ele acerca da classificação docriminoso nato defendida por Lombroso:“A confirmação deste asserto obtivemoscom a comparação das photografias deRavachol, o celebre anarchista, eSant’Anna-Leão, terrivel assassino.Ravachol, além dos attentados peladynamite, no boulevard Saint Germain erua Clichy, em Paris, respondeu por cincoassassinatos […]. Ravachol, diz Lombroso,apresenta o typo mais completo docriminoso-nato não só na face, mastambem no habito do crime, no prazer domal, na ausencia completa do sensoethico, no odio que ostenta pela familia, naindifferença pela vida humana. A primeiracousa que chama a attenção aocontemplarmos a phisionomia deRavachol é a brutalidade. A face, que

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apresenta uma asymetriapronunciadissima, distingue-se por umaenorme stenocrotopia e exaggero dasarcadas superciliares, pelo nariz muitodesviado para a direita, orelhas em aza eimplantadas em nivel differente, emfim,pela mandibula inferior enorme, quadradae saliente, completando nesta cabeça oscaracteres typicos do delinquente-nato”.Ibid., p. 101.52Ibid., p. 74.53Schwarcz, Lilia Moritz. O espetáculo dasraças. Cientistas, instituições e questãoracial no Brasil 1870–1930, p. 15.54Ibid., p. 15.55Ibid., p. 17.

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Que havia denovo nasnovidades dopositivismopenal? Umaanálisecontinuísta deEsmeraldino

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Bandeira*

Rafael Mafei Rabelo Queiroz**

SUMÁRIO

6.1 Esmeraldino Bandeiradentro do positivismo.6.2 A “orientação social” dopositivismo de EsmeraldinoBandeira.6.3 O positivismo de Bandeiravoltado à prática: a

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implementação do sursis noBrasil.6.4 “Condenação condicional“:uma nova orientação para odireito penal?6.5 Considerações finais.6.6 Referências bibliográficas.

6.1 EsmeraldinoBandeira dentro dopositivismoEsmeraldino Bandeira, formado em

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1889 pela Faculdade de Direito doRecife, foi professor de DireitoCriminal da Faculdade Livre deDireito do Rio de Janeiro e um dosmais conhecidos advogadoscriminais da Capital Federaldurante a Primeira República.Seguiu carreira política, tornando-se Deputado Federal porPernambuco na primeira década doséculo XX. Foi durante seu mandatode deputado que apresentou, em18/07/1906, a primeira proposta deinstituição do sursis no Brasil,1 queterminou por não ser aprovada. Foitambém Ministro da Justiça e dosNegócios Interiores no biênio 1909–

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1910. Como notável do foro cariocaque era, publicou muitos artigosem revistas e jornais. O seu maisconhecido livro foi Estudos depolítica criminal (1912). É a partirdesse livro, somado a alguns outrosartigos, que se construiu seu retratointelectual neste artigo.

Bandeira é considerado umpositivista, e não há muitas dúvidasde que, se alguém merece esterótulo, esse alguém é ele. Isso sedeve, em linhas muito gerais, aosataques por ele proferidos aoclassicismo naquilo que via comoseus princípios cardeais, bem comoà particular orientação

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metodológica das investigaçõescientíficas por ele empreendidas,voltadas não às “abstrações degabinete” típicas da metafísica,como ele dizia, mas sim à realidadeempírica do indivíduo criminoso.Sendo assim, pareceme que apergunta proveitosa que se podefazer em torno de sua obra – e, emum certo sentido, em torno docombate intelectual dos positivistasbrasileiros ao idealismo que osantecedeu – éa seguinte: aorientação intelectual deEsmeraldino Bandeira e osresultados práticos de suamilitância – notadamente o sursis –

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trouxeram um novo sentido para aspráticas punitivas oficiais? Ou, aocontrário, teriam as práticasinstitucionais à época vigentes“capturado” as novas propostas eas amoldado à sua velha forma deoperar?

Para responder à questão, esteartigo está dividido, daqui emdiante, em três partes: na primeira,mostram-se os principais traços dopositivismo criminal deEsmeraldino Bandeira; na segunda,a análise específica de uma dasconcretizações institucionais dessadoutrina, o sursis; e na terceira, umaanálise do funcionamento concreto

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dessa instituição visando àsmudanças ou continuidadestrazidas por ela na prática. Ao final,breves considerações finais sãooferecidas.

6.2 A “orientaçãosocial” dopositivismo deEsmeraldinoBandeiraEm linhas gerais, pode-se dizer queos textos de Bandeira mostram

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claramente sua pertença às escolaspositivistas, e, por conseguinte, suaoposição aos princípios do direitopenal clássico .

Em primeiro lugar, Bandeira eracrítico em relação ao princípio daigualdade em abstrato entre oshomens. Ao que tudo indica, eraleitor de Ferri: defendia medidas depolítica criminal pautadas naclassificação dos criminososproposta pelo italiano. No mesmosentido, bateu-se muito pelaimplementação da individualizaçãoda pena no Brasil, quesito em quenão se distanciavasubstancialmente de outros autores

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de seu tempo.2 Era também umcrítico da aplicação indiscriminadada pena de prisão, em consonânciacom outros positivistascontemporâneos e anteriores:

Coloco-me entre aqueles que,aceitando os ensinamentos daescola fundada por Lombroso,Garofalo, Ferri, Fioretti,Zerboglio e outros pensadores,não acreditam na eficácia da penacomo remédio contra acriminalidade, reputando-a umapanaceia fácil e impotente paradebelar a reincidência.3

Particular em seu pensamento

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era apenas a grande importânciadada aos fatores socioeconômicoscomo critérios de individualização.Para ele, deveria haver dois critériospreponderantes da determinaçãoda espécie de “tratamento” penal aser ministrado ao condenado: emprimeiro lugar, os motivosdeterminantes do crime; emsegundo lugar, a classificação docriminoso, na qual desempenhariaum grande papel a suaproveniência social. Assim, nãopoderiam receber o mesmotratamento o criminoso que agiraimpulsionado por um “motivorespeitável” (segundo Bandeira, o

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duelo em defesa da honra seria umexemplo) daquele que ousava sujarseu bom nome por um benefício vilcomo “de pequena importânciamaterial”.

Por conseguinte, Bandeira eratambém crítico daproporcionalidade em abstratoentre crime e pena. Para ele, adeterminação da pena só se poderiafazer em concreto, sempreatentando aos motivos do crime e àclassificação do criminoso. Atentoaos “perigos criminógenos dapobreza”, o autor sustentava umacuriosa forma de proporcionalidadeinvertida, que vale destacar:

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O indivíduo que não trepida emarriscar a sua reputação e sualiberdade na prática de um roubode pequeno valor, por certo quenão vacilará em arriscá-los para aexecução de um roubo ou um furtode valor maior. Apropriou-se depouco porque não se podeapropriar de muito. Maisintrinsecamente criminoso é ohomem que delinque por ummotivo de pequena importânciamaterial do que aquele outro quesó a perspectiva de uma grandefortuna o fará delinquir. Emhipóteses semelhantes, averdadeira proporção a observar

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entre o crime e a pena é aproporção inversa: quanto menora gravidade material do delito,tanto maior a gravidade legal dapena.4

Para se entender o perfilintelectual de Bandeira, essapassagem é útil de duas maneirasdiferentes: em primeiro lugar,mostra o quanto ele buscava seapartar dos postulados penaisclássicos;5 ademais, revela tambémo quanto o “cientificismo” dospositivistas poderia justificarintelectualmente certas estratégiasde controle social das massas, o

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que, hoje as pesquisas mostram, foiuma constante do pensamentopenal positivista no Brasil.6

Atento às “diferenças” entrecriminosos “respeitáveis” e “nãorespeitáveis”, Bandeira defendia aorganização de duas escalas depenas diferentes, segundo anatureza e o regime. Tratava-se de“uma espécie de individualizaçãoda pena sob o ponto de vista de suanatureza”, que incorporava7 a ideiade que deveria haver penasdesonrosas ao lado de penas nãodesonrosas. A determinação danatureza de pena a ser cumpridadar-se-ia pela constatação da

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presença (ou falta) de perversidadeno condenado.

Os crimes ou delitos8 que, emregra, devem ser punidos compenas não desonrosas, […] são: oscrimes políticos e, entre os crimesde direito comum, os crimespassionais, o duelo, os decorrentesda culpa [… ] e as contravenções.

Em um autor cujo pensamentodava grande importância à origemsocial como elemento diferenciadordos “criminosos”, não surpreendeque os crimes “desonrosos” fossemos mais recorrentes à parcelamenos favorecida da população:

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Não é possível confundir namesma reprovação e na mesmarepulsa o indivíduo que matanum duelo leal o adversário que oinfamou e o que mata deemboscada um transeunteinofensivo; o que, para salvar ahonra de uma pessoa cara,parente próximo ou afim, rouba,por exemplo, uns documentos quelhe são comprometedores e o querouba por amor ao luxo pessoal oupor invencível repugnância aotrabalho; o que, por afeição oupiedade, favorece a fuga do pai oudo filho criminoso e o que, porpaixão do lucro material, facilita

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a evasão de um delinquenteestranho9 (1912, 81).

Por isso, fazia-se necessária,segundo Bandeira, a instituição depenas distintas para “diferentescategorias de criminosos”.10 É porisso que ele não era entusiasta dapena de prisão tradicional (bem àmoda positivista, aliás): uma boaindividualização da penadependeria de um leque variado dereações penais à disposição do juiz.Para ele, a prisão fora uma etapa daevolução do sistema repressivo e opositivismo vinha trazer os“sucedâneos da prisão” clássica. As

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críticas de Bandeira sãoessencialmente as mesmas feitaspor outros autores brasileiros damesma época e linhagemintelectual, diga-se de passagem.11

6.3 O positivismo deBandeira voltado àprática: aimplementação dosursis no BrasilVistos os traços predominantes dopositivismo de Esmeraldino

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Bandeira, co-mentar-se-á agora oseu principal legado para a históriado direito penal brasileiroenquantojurista prático: sua luta pelaimplementação do sursis no Brasildurante aPrimeira República.

Bandeira foi deputado federalpor Pernambuco na legislatura de1906–1908. Então, apresentou àCâmara dos Deputados, em18/07/1906, um projeto de lei para aregulamentação do sursis no Brasil.Tratava-se, segundo o próprio autor,“da tradução do texto da leiBerenger, também conhecida comolei do sursis”.12 Em relação ao textooriginal, a única modificação feita

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por Bandeira foi a inclusão de umrequisito de ordem subjetiva para aconcessão da suspensão da pena,que mandava considerar os motivosdeterminantes e as circunstânciasdo delito na avaliação do cabimentodo sursis.

Na primeira tentativa deBandeira, o projeto não vingou. Osursis, à época também chamado de“condenação condicional”, só seriaimplementado no Brasil por meiodo Decreto no 16.588, de 06/09/1924.Entretanto, o texto legal de 1924guardou estreitas semelhanças coma lei Berenger e, consequentemente,com o projeto de Bandeira de duas

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décadas antes. O jurista carioca,ademais, não saiu de cena entreosanos de sua atuação parlamentare a positivação do sursis no Brasil.Bem ao contrário: a segunda décadado século passado foi seu períodode mais intensa militância prática eprofissional. Pode-se dizer queEsmeraldino Bandeira fez daimplementação do sursis um deseus grandes objetivos. Durante asegunda década do século XX,publicou diversos artigosdefendendo o instituto;13 e, noinício da década de 1920, foichamado para compor a comissãolegislativa que redigiu o projeto que

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acabaria por se tornar o Decreto no

16.588/1924. Por isso, não espantaque a redação final do decreto sejamuito parecida com a de seuprojeto de 1906.

O projeto original14 de Bandeira,de 1906, admitia o sursis (i) no casode condenação a uma pena demulta, reclusão, prisão comtrabalho ou prisão celular; (ii) nãosendo a pena superior a cinco anos;(iii) sendo o condenado primárioem crime comum15; e (iv) se as“circunstâncias e móveis do delitonão revelassem perversidade oucorrupção de caráter por parte dodelinquente”. Concedida a

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suspensão, esta duraria por cincoanos e, não sendo revogada nesseperíodo, considerava-se extinta apena. Sendo, ao contrário, revogadaa suspensão no período de prova,executar-se-ia a condenação,somada à eventual condenação pornovo crime. A suspensão nãoisentaria o réu do pagamento demulta e do adimplemento dasobrigações decorrentes do delito,nem compreenderia as penasacessórias e incapacidadesresultantes da condenação;tampouco impediria que seconsiderasse reincidente o réu emcaso de condenação posterior.

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As razões pelas quais o projetonão foi aprovado sãodesconhecidas. Em pesquisaanterior que realizei sobre ahistória da implementação do sursisno Brasil,16 não foram encontradasrespostas definitivas para estapergunta, de forma que ashipóteses nesse sentido sãoespeculações não comprováveis, adespeito de não serem infundadas.Analisando estritamente o méritodo projeto de Bandeira, pode-sedizer que, para um país aindaimpregnado de cultura clássica – aPrimeira República é a “repúblicados bacharéis”, lembremo-nos –, o

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projeto poderá ter enfrentadoresistência por conta do amplocabimento que conferia ao sursis –condenações de até cinco anos, nosmoldes das leis francesa e belga –em detrimento da pena de prisão,com a qual todos já estavamacostumados. Seja como for, é fatoque os anais do CongressoNacional não registram posterioresdiscussões a seu respeito.

Essa hipótese é sugerida pelofato de que muitos dos requisitosestipulados pelo projeto original deBandeira foram mantidos noDecreto de 1924, ou apenasligeiramente modificados, mas com

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cabimento muito reduzido emrelação à Lei Berenger e ao projetode 1906. Entre as semelhanças, asprincipais foram: (i) a condenaçãodeveria ser a pena de multaconversível em prisão ou de prisãode qualquer natureza; (ii) o acusadonão poderia ter revelado, pelosmóveis e circunstâncias do crime,“caráter perverso ou corrompido“;(iii) não poderia ser o condenadoreincidente, i salvo se a primeiracondenação fosse por contravençãoque não revelasse “vício ou máíndole“; (iv) a suspensão nãocompreendia as penas acessóriasou as obrigações de indenizar

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decorrentes do delito. Entretanto, oprazo máximo de condenação foidiminuído de cinco anos para umano. O período de prova foitambém modificado: se se tratassede suspensão de pena porcondenação por crime, este seria dedois a quatro anos; porcontravenção, de um a dois anos.Passado o período de prova semrevogação da suspensão, a penaseria considerada extinta; se, aocontrário, a suspensão fosserevogada, executar-se-ia acondenação imediatamente, “deforma a não se confundir com asegunda condenação”. O decreto

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também estabelecia que nem todosos crimes poderiam sercontemplados com o sursis: oscrimes contra a honra e boa fama econtra a segurança da honra ehonestidade das famílias nãopoderiam ter suas condenaçõessuspensas.17.

Para os fins deste artigo,entretanto, vale destacar oacentuado viés “subjetivis-ta” doinstituto da “condenaçãocondicional”. De acordo comBandeira, a concepçãopositivistadas respostas penais – e o sursis eraparte do sistema de respostaspenais –deveria levar em conta

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menos o crime em sua objetivaçãojurídica e mais o criminosoem suaconstituição psicofísica,consideradas “sua individualidadee …seus anteceden-tes”. Oresultado disso seria a adoção deuma orientação mais “humana ecientífica”,abraçada pela LeiBerenger na concepção do sursis econfessadamente copiadaporBandeira. Mas, afinal, em quesentido a orientação positivistalevava a um sistema de respostaspenais mais humano? Permaneçosustentando que humano não erapregado por ele, e por muitosoutros positivistas, no sentido que

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hoje damos à palavra(ou seja,piedoso, não cruel etc.); humano, emais ainda humano e científico,comoele dizia, opunha-se não acruel, mas sim a abstrato, ideal: apena deveria adequar-senão aocrime (ente jurídico abstrato), massim ao criminoso (ente humano).No mes-mo sentido, científicoopunha-se a metafísico: o direitopenal deveria fundar-se nãoemabstrações filosóficas, mas sim emfatos empíricos e cientificamenteapreciáveis. Humano e científicosignificava, portanto, de acordocom os fatoscientificamenteobserváveis –

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psicofísicos, biológicos, médicos,sociais etc. – de um serhumanoespecífico (o criminoso).Entre estes, é claro, a proveniênciasocial desempenhavaum papelimportante, como já visto.

Nesse sentido, um aspecto daregulamentação do sursis queserviu bem a essa “humanização”do direito penal positivista foi ainclusão explícita de requisitossubjetivos (motivos ecircunstâncias do crime que nãorevelassem perversidade do agente)para a concessão da suspensão dapena. Essa era a ideia por trás doart. 5o do primeiro projeto de sursis,

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que rezava: “Não será concedida asuspensão da pena no caso em queas circunstâncias materiais ou osmotivos morais do delito revelaremperversidade ou corrupção decaráter por parte do delinquente”, eque foi incorporada no Decreto no

5.588/1924, cujo art. 1o estabeleceuque só seria cabível a suspensão“tratando-se de acusado que nãotenha revelado caráter perverso oucorrompido”, consideradas para talavaliação “suas condiçõesindividuais, os motivos quedeterminaram o crime e ascircunstâncias que cercaram ainfração penal”.

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A orientação científica e anti-idealista prevalecente nessas ideiasparece, à primeira vista, muitooriginal em relação à mentalidadeclássica que a antecedeu. Contudo,uma questão diferente, mas nãomenos relevante, está em saber quedinâmica isso tudo ganhou naprática do controle social penalexecutado a partir de um quadropositivista de respostas penais. Édisso que se cuidará no itemseguinte, mantendo-se o foco noinstituto do sursis.

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6.4 “Condenaçãocondicional“: umanova orientaçãopara o direito penal?Um estudo histórico que não tenhapor propósito a mera erudição temde mostrar alguma utilidade dosconhecimentos que produz. Nestaquarta e última parte, formulam-serespostas para a pergunta com aqual este texto se abriu: aorientação intelectual deEsmeraldino Bandeira e osresultados práticos de suamilitância – notadamente o sursis –

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trouxeram um novo sentido para aspráticas punitivas oficiais? Ou, aocontrário, teria a lógicaprevalecente da seletividadeentrado pela porta dos fundos donovo instituto e o “capturado” paradentro da velha racionalidade penalaté então prevalecente?

Em um sentido importante,penso que se pode dizer que ageração de Bandeira trouxe, sim,inovação: os positivistas fizeram acomunidade jurídica reconhecer ovalor de críticas formuladas a partirde reflexões cientificamente (poroposição a metafisi-camente)compromissadas. Que os

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compromissos inicialmentefirmados não tenham sido os maisacertados, isso é secundário: pois,mesmo que relativizemos asconclusões das pesquisas sociaispara a dogmática penal, o fato éque, ainda hoje, são as ciênciassociais que, mais do que qualqueroutro ramo, têm constantementeformulado as críticas acadêmicasmais consistentes e apuradas aosalicerces da dogmática penal. Nãohá dúvidas, portanto, de que pensara realidade jurídico-penal a partirde métodos científicos (e nãoapenas dogmáticos ou filosóficos) éalgo válido e importante, como a

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criminologia tem mostrado hámuito tempo.

No que diz respeito ao sentidodas práticas punitivas penais,entretanto, os resultados forammenos inovadores. É por isso que, ameu ver, as inovações positivistasno direito penal brasileiro podemser adequadamente retratadascomo “modernizaçõesconservadoras“: um novo conjuntode princípios e métodoscientificamente orientados para areprodução de um sistema punitivocom o mesmo viés de antes.

Para encurtar uma longa história,pode-se dizer que, quase

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instantaneamente, o requisitosubjetivo da “perversidade”assimilou-se ao já conhecido rótulodos “homens maus” (que seoporiam, é claro, aos “homensbons“). Nas discussõesparlamentares em torno daampliação do sursis aos crimes deinjúria, por exemplo, houveconcordância entre todos osdebatedores que a suspensão seriacabível apenas para os “homensbons”. Nesse sentido, são asmanifestações dos SenadoresBenjamin Barroso e Adol-phoGordo (este último, lembremos, fezde tudo para combater os “perigos

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sociais” advindos da imigração deeuropeus pobres para o Brasil), que,a despeito de rivalizarem notocante à extensão ou não do sursisaos homens de imprensa,concordaram pacificamente nesteoutro ponto:

“Benjamin Barroso – […] o sursistem por fim evitar que umindivíduo bom que cometeu umcrime vá para a cadeia, onde estãoos indivíduos maus, para que nãose contamine com os vícios dessagente, e depois, voltando àsociedade, com espírito e o caráterpervertidos, possa contaminar os

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seus parentes, conhecidos eamigos, enfim, as pessoas daesfera social com que ele convive.Assim, todos compreendem que osursis é a suspensão da pena a quefoi condenado um homem bom.

Adolpho Gordo – Nem eu disseoutra coisa18 (destaques meus).

Duas décadas antes, no discursode apresentação do primeiroprojeto de sursis à Câmara dosDeputados, em 18/07/1906,Esmeraldino Bandeira já haviadeixado claras as vantagenscompetitivas do instituto no tocantea sua seletividade:

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O alcance real [do sursis] consisteem não confundir os verdadeiroscriminosos, temíveis einadaptáveis, com aquelesindivíduos que um deslizemomentâneo de paixões ou excessode sentimento, até às vezesaltruístas, arrastaram à práticade um crime; indivíduos cujaconduta anterior os classificavacom justiça entre os homensmoralizados e normais19

(destaques meus).

Essa “subjetivação”, como não édifícil supor, acabou por levar águapara o moinho das diferenças

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sociais, dando nova sustentaçãoteórica às velhas orientaçõespunitivas já observadas. Vale a penarelembrar que, para Bandeiraespecificamente, tal classificação sedaria, além de por fatores médicos,também e principalmente porcritérios de proveniência social.Nesse sentido, há, em seus Estudosde política criminal, uma passagempor demais esclarecedora:

Nada há de mais profundamentedesigual do que a igualdade detratamento entre indivíduosdiferentes. É tanto mais violenta etirânica a desigualdade que

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decorre desse tratamento quantomais diferentes são os indivíduosem suas qualidades pessoais,origem, educação, categoria[social], conduta e condições devida. Podem jamais sentir, atuar ereagir de modo idêntico umhomem de graduação e umdesclassificado social? Um altomagistrado e um vagabundo? Ummilionário e um farroupilha? Umcriminoso por motivo respeitável eoutro por motivo desprezível, ousem motivo algum? Umdelinquente primário e umreincidente incorrigível? Umhabituado à penitenciária e outro

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que nela ingressa pela primeiravez?20

Não se quer com isso dizer, deforma excessivamente simplista,que os beneficiários do sursisseriam ricos e os não beneficiários,pobres. No entanto, parece haverestreita relação entre aproveniência social do indivíduo e ocomportamento social que dele seesperava (do ponto de vista da elitejurídica), o que influíapesadamente nesse juízo debondade/maldade do qual falavamBenjamin Barroso e AdolphoGordo. Assim – e isso se enquadra

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perfeitamente no raciocíniojurídico-penal positivista –, umaconduta criminosa não seria em siboa ou má;21 ao contrário, seria boaou má considerada “quem” acometeu e “como” foi cometida; etanto o “quem” quanto o “como”deveriam ser avaliados, paraBandeira e boa parte dos quedebateram o sursis, com especialatenção a elementossocioeconómicos pertinentes,ligados à situação presente oupassada do condenado. A descriçãodo Senador Benjamin Barroso deum hipotético sujeito mau –bêbado, jogador, arruaceiro e

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violento – dificilmente pode seramoldada ao proceder público dealguém pertencente às castassuperiores da Belle Époque carioca:

Imaginemos que um homem mau,conhecido como perverso, queesbordoa a família, que maltrataos filhos, que bebe, joga e vive noslupanares, mas não tem entradanas prisões, comete um crime deinjúria; e que outro homem, bom,que tem demonstrado bonsinstintos, comete o mesmo crime.Qual deve ser o critério do juiz?Deve cobrir com o manto caridosodo sursis esse que é ruim mas que

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cometeu o mesmo crime do outro,sem perversidade? Está claro quenão!22

Deve-se registrar que ahistoriografia atual mostra que, nasprimeiras décadas do século XX, aselites tinham a percepção de quecomportamentos tipicamenteassociados às parcelas menosfavorecidas da população eramdiretamente relacionados com oaumento da criminalidade daépoca. Bom exemplo disso foi aforte repressão aos que seapresentavam em públicoinconvenientemente embriagados –

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os “bêbados de rua”, por assimdizer. “São frequentes na imprensa[da Primeira República] os aplausosà perseguição policial aos bêbadose ao alcoolismo em geral, tido comofator notável de insegurançasocial.”23 O mesmo valia para outrasmanifestações aparentes de“desclassificação social“: segundoSevcenko, até mesmo o simplesstatus de desempregado implicavaproblemas com as autoridades, sobacusação de vadiagem.24

Por isso, não espanta que oMinistro do Supremo TribunalFederal Firmino Whi-takerrelacionasse tão diretamente

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algumas marcas aparentes depobreza com a falta de condiçõespara a concessão do sursis:

O critério deve ser colhido noexame das condições da pessoa,dascausas do delito e dascircunstâncias que o cercaram. Ojuiz deve:examinar a idade e aeducação do réu, o meio em queele secriou ou viveu, a naturezado trabalho a que se entregava,seushábitos, temperamento,antecedentes de conduta, suasaúde e ados progenitores;verificar se houve motivo ou nãopara o crime,se havia ódio,

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prevenção, amizade,ressentimento entre o réu eavítima; refletir sobre ascondições de miséria, sugestão,emulaçã exageros de pundonor oubrio, sobre o clima e as tendênciasde imitação, etc. Só depois desseestudo feito com critério e calma, éque deve dar sua decisão25

(destaques meus).

O que se viu, portanto, foi arecepção do sursis pela elite políticada época como uma espécie decorretivo das respostas penais:quando eventualmente umindivíduo bom fosse capturado

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pelas instâncias penais de controlesocial – que se voltavamexclusivamente para os maus,lembremo-nos –, o sursis deveriaser concedido para que ele, mesmocondenado, não viesse a padecerdos males que só os mausmereciam. As fontes da época26

mostram, outrossim, que esse juízode bondade/maldade era muitasvezes pautado por critériossocioeconómicos, a pretexto deserem esses os melhoresindicadores da personalidade e daíndole do réu – e, portanto, daprobabilidade de ele voltar ou não adelinquir. Por conseguinte, o sujeito

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que tivesse ocupação lícita e seconduzisse publicamente de acordocom o esperado de sua posiçãosocial era em princípio bom; aqueleque, ao contrário, ostentasse umaorigem social em que predominassefalta de educação, más condições detrabalho, miséria, vícios, situaçãodesfavorável dos progenitores etc.(palavras de Whitaker) seriapotencialmente perverso e, porconseguinte, mau em princípio.

6.5 Consideraçõesfinais

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Ao fim e ao cabo, deve-sereconhecer que a oposição entreclassicismo e positivismo, tãocantada em muitos livros de direitopenal, terá a sua intensidadedosada segundo o ponto de vistapelo qual seja contemplada. Nonível dos discursos, da metodologiae da consequente construção deobjetos teóricos há, de fato, grandeoposição entre um e outro, em quepese a racionalidade penalcompartilhada por ambos.27

Entretanto, o funcionamentoprático das novidades positivistasrevela grande continuísmo emrelação§ à orientação do controle

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social penal anteriormenteexistente, como se vê pelo exemploconcreto da “condenaçãocondicional“: revoluções de métodoe discurso não foram capazes deensejar mudanças igualmente tãosignificativas no nível das práticaspunitivas.

6.6 ReferênciasBibliográficas

1. Alvarez Marcos César. Acriminologia no Brasil oucomo tratar desigualmente osdesiguais. Revista de Ciências

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Sociais São Paulo 2002; n. 45,p. 677.

2. Alvarez Marcos César.Bacharéis, criminologistas ejuristas: saber jurídico e novaescola penal no Brasil (1889–1930) São Paulo: IBCCrim;2003.

3. Bandeira Esmeraldino.Estudos de política criminalRio de Janeiro: Leuzinger;1912.

4. Debuyst Christian,Digneffe François, PiresÁlvaro P. Histoire des savoirssur le crime & la peine 2 Larationalité pénale et la

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naissance de la criminologieBruxelas: DeBoeckUniversité; 1998.

5. Queiroz Rafael MafeiRabelo. A modernização dodireito penal brasileiro: sursis.livramento condicional eoutras reformas do sistema depenas clássico no Brasil,1924–1940 São Paulo:Quartier Latin; 2006.

6. Queiroz Rafael MafeiRabelo. A teoria penal de P. J.A. Feuerbach e os juristasbrasileiros do século XIX: aconstrução do direito penalcontemporâneo na obra de P J

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A Feuerbach e suaconsolidação entre ospenalistas do Brasil SãoPaulo 2009; Tese(Doutorado) – Faculdade deDireito/USP.

7. Sevcenko, Nicolau.Literatura como missão:tensões sociais e criaçãocultural na PrimeiraRepública. 2. ed., São Paulo:Companhia das Letras.

8. Viana Paulo Domingues.Direito criminal segundo aspreleções professadas pelo DrLima Drummond naFaculdade Livre de Ciências

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Jurídicas e Sociais do Rio deJaneiro 4 Rio de Janeiro: F.Briguiet e Cia; 1930.

9. Whitaker Firmino Antônioda Silva. Condenaçãocondicional (sursis) Rio deJaneiro: Freitas Bastos;1930.

*Este texto é uma versão atualizada eparcialmente modificada de textosanteriores meus, com especial destaquepara minha dissertação de mestrado de2005 e do livro dela resultante, Amodernização do direito penal brasileiro (SãoPaulo: Quartier Latin, 2006). Em relação àsminhas ideias expressas naqueles textos,as principais modificações estão no item5.1 e nas considerações finais, e

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principalmente de uma melhor leitura dostrabalhos de Álvaro P. Pires.**Doutor em Direito pela USPCoordenador de pesquisas da Escola deDireito de São Paulo da Fundação GetúlioVargas (Direito GV) e professor daFaculdade de Direito da Universidade SãoJudas Tadeu.1A suspensão condicional da pena, ousursis, é hoje prevista no art. 77 da ParteGeral de 1984 do Código Penal brasileiro.2Para um panorama intelectual dopensamento jurídico-penal positivista naPrimeira República, v. Alvarez, Bacharéis,criminologistas e juristas: saber jurídico enova escola penal no Brasil (1889–1930), eQueiroz, A modernização do direito penalbrasileiro: sursis, livramento condicional eoutras reformas do sistema de penas

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clássico no Brasil, 1924–1940.3Diário do Congresso Nacional,19/07/1996, p. 847.4Bandeira, Estudos de política criminal, p.60.5Ainda que, nesse caso, esta separaçãoseja apenas parcial: a proporcionalidade -cavalo de batalha do direito penal clássico- permanece, mudando apenas o critério apartir do qual ela é aferida: menosidealista e mais empírico.6Nesse sentido, confira-se Alvarez, Acriminologia no Brasil ou como tratardesigualmente os desiguais.7Segundo o autor, as penas paralelas eramdefendidas desde a última década doséculo XIX por Bruck, Geyer, Waglterg eSchutze.

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8A época, era grande a discussão entre adivisão bipartida ou tripartida dasinfrações penais: havia aqueles que,seguindo o modelo do Código Penalnapoleónico (1810), dividiam as infraçõespenais em crimes, delitos e contravenções;havia, ao contrário, os que seguiam omodelo da legislação italiana e asdividiam apenas em crimes econtravenções, sendo “delito“ sinónimode “crime“. O autor parece filiar-se àsegunda corrente, como era da tradiçãolegislativa brasileira desde o CódigoCriminal de 1830.99 Vale registrar que é durante aprevalência do positivismo criminal quesurge a preocupação de estudo de crimesmenos associados à pobreza, como oscrimes políticos, os crimes de imprensaetc. Tais delitos impunham uma barreira

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que os positivistas tinham dificuldade emtranspor: se o criminoso era sempre umdiferente, como explicar esse crimes, queeram cometidos por iguais (aos “aos nãodelinquentes”)? Não espanta que, após opositivismo, tenham surgido teoriascriminoló-gicas especificamentedestinadas a dar conta desses crimescometidos por “iguais” (Sutherland e owhite-collar crime theory), ou mesmo querompiam com a ideia de que o crime eraassociado a uma patologia individual ousocial (Durkheim e o funcionalismo) ou,ainda, que negavam explicaçõesgeneralizantes para o fenómeno dacriminalidade (Cohen e as subculturascriminais).1010 Bandeira, Estudos de política criminal.p. 83.1111 Entre eles, podem-se citar Astolpho

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Rezende, Cândido Mendes (filho), JoãoLuiz Alves, e mesmo os dois principaisresponsáveis pelo Código de 1940, NelsonHungria e Alcântara Machado. Paramaiores detalhes, v. Queiroz, Amodernização do direito penal brasileiro:sursis, livramento condicional e outrasreformas do sistema de penas clássico noBrasil, 1924–1940, especialmente o Cap. 3.12Diário do Congresso Nacional,19/07/1906, p. 84713Os artigos de Bandeira eram publicadosprincipalmente no Jornal do Comércio.Todos eles foram reunidos em um volumeúnico, Estudos de política criminal,publicado em 1912 no Rio de Janeiro. Entreseus artigos que defendem aimplementação do sursis estão O homemcriminoso e a penitenciária,Individualização da pena e Sucedâneos da

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prisão.14Para a íntegra do projeto de lei, confira-se a apresentação do projeto por Bandeirano plenário da Câmara dos Deputados noDiário do Congresso Nacional (cit. nota11).15A época, “crimes comuns“ eram os nãopolíticos: “Os crimes são comuns oupolíticos. O crime político é o que atentacontra a ordem política do Estado, querinterna, quer externamente“ (Vian-na,Direito criminal... p. 55). Trata-se de umaconcepção pós-iluminista de “crimespolíticos“. No pensamento jurídico-penalclássico (século XVIII), “crimes políticos“eram aqueles criados por uma decisãopolítica do Estado, por oposição aoscrimes naturais - aqueles cuja injustiçaera evidente à própria razão humana. Aesse respeito, v. Queiroz, A teoria penal de

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P. J. A. Fenerbach e os juristas brasileirosdo século XIX: a construção do direitopenal contemporâneo na obra de P. J. A.Fenerbach e sua consolidação entre ospenalistas do Brasil.16V. Queiroz, A modernização do direitopenal brasileiro: sursis, livramentocondicional e outras reformas do sistemade penas clássico no Brasil, 1924–1940.17Não muito tempo depois, o Decreto de1924 passou por uma mudançaimportante: de um lado, proibiu-se asuspensão da execução da pena noscrimes de estelionato; de outro, foiestendido o cabimento de sursis aoscrimes de injúria, visando a beneficiar oshomens de imprensa18Anais do Senado Federal, 04/11/1925, p.64–65.

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19Idem, p. 847.20Bandeira, Estudos de política criminal.p. 57.21Nesse sentido o discurso de Bandeiraperante a Câmara dos Deputados quandoapresentou o primeiro projeto do sursis:“O crime em sua objetivação e estrutura éum fato que pode ser diversamenteconsiderado pela lei penal. Um homicídio,por exemplo, pode ser um fato casual, umcrime culposo, doloso e preterintencional;e, ainda, um dever, um direito e até um atonecessário”.22Anais do Senado, 04/11/1925, p. 69–70.23Sevcenko, Literatura como missão:tensões sociais e criação cultural naPrimeira República. p. 86.24Idem, p. 88.

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25Whitaker, Condenação condicional(sursis). p. 33.26Uma descrição detalhada dessas fontese seu conteúdo está em Queiroz, Amodernização…, Cap. 4.27Sobre a racionalidade penal moderna e apertença do utilitarismo clássico e dopositivismo criminoló-gico a ela, v. ostextos de Álvaro I? Pires em Debuyst et.al., Histoire des savoirs sur le crime & lapeine.

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Aplicaçõesecológicas à SãoPaulo no final doséculo XIXDavi de Paiva Costa Tangerino*

SUMÁRIO:

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7.1 Notas quanto à ecologiahumana.7.2 Aplicações ecológicas aosurgimento da cidade de SãoPaulo.7.3 As primeiras áreasnaturais de São Paulo.7.4 A Escola Criminológica deChicago.7.5 Aplicações ecológicas àSão Paulo do século XIX.7.6 Referências bibliográficas.

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7.1 Notas quanto àecologia humana1

O termo ecologia foi criado em 1869por Haeckel e tem sua origem napalavra oikos, que significa casa,moradia, habitação. Esse conceito,porém, encerra não apenas o localfísico da casa, como também seushabitantes e as atividadescotidianas. Assim, “ecologia é oestudo dos seres vivos, não comoindivíduos, mas como membros deuma complexa rede de organismosconexos”,2 e pode ser dividida emvegetal, animal e, de acordo com ossociólogos de Chicago, humana.

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Robert Park foi o primeiro a dartratamento sistemático à ecologiahumana em seu artigo The City, de1915, em que sustentou serem doisos princípios ecológicos centrais:dominância e sucessão. No reinovegetal, pode-se perceber adominância na disputa das plantaspela luz: aquelas mais altas, cujasfolhas se projetam sobre as demaissão as plantas dominantes de umaregião. No reino humano, porassim dizer, a dominância estápresente em vários campos sociais,como fruto dos processos decompetição, “o processo pelo qual aorganização distributiva e ecológica

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da cidade é criada […] e quedetermina a posição do indivíduona comunidade”.3 Fruto direto doprocesso de competição será osurgimento das comunidades,assim classificadas em trêscategorias: cultural, política eecológica, esta última entendidacomo “a comunidade vista quaseexclusivamente em termos delocalização e de movimento”, querevela a “organizaçãoaparentemente ‘natural’ dacomunidade humana, tãosemelhante em sua formação àscomunidades vegetais e animais”.4

O segundo princípio é o da

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sucessão,

[…] termo usado pelos ecólogospara descrever e designar asequência ordenada de mudançasatravés das quais umacomunidade biótica passa, nocurso de seu desenvolvimento, deum estádio primário erelativamente instável, a umestádio relativamente permanenteou de clímax.

No campo da ecologia humana, asucessão pode ser ilustrada

[…] pelos processos dedeterioração física dos prédios que

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levam a uma modificação do tipode povoamento, que produz, porsua vez, uma tendência dediminuição dos alugueres,selecionando níveis de populaçãode rendimento cada vez maisbaixo, até que um novo ciclo sejainiciado, quer como mudança deresidência para negócio, ou pormeio de um novo desenvolvimentodo uso antigo, como, por exemplo,a mudança de apartamentos parahotéis.5

A ecologia humana diferesubstancialmente daquelas vegetale animal, sendo a discrepância mais

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importante aquela atinente àexistência de outros âmbitos vitais.Nos reinos vegetal e animal, todosos âmbitos são regidos pelas leisecológicas. O mesmo não acontececom as sociedades humanas. Parkpondera que, quanto mais o serhumano aperfeiçoa a divisão socialdo trabalho, tanto menor é suadependência de seu hábitat. Assim,nos dizeres de Pierson,

[…] no nível ecológico da vidahumana, atua um processoespontâneo, não intencional,contínuo, que leva os sereshumanos a desenvolverem

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inconscientemente umaorganização bióticainterdependente, e a sedistribuírem juntamente com suasinstituições, ordenadamente, emespaço.6

Outras duas diferenças centraisse fazem sentir: os seres animais evegetais organizam-se emcomunidades apenas, vale dizer, emorganizações simbióticas decompetição. Os seres humanos,porém, superam a comunidadeorganizando-se em sociedades emque, embora existente o aspectosimbiótico, surge outra organização

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mais refinada, baseada nacomunicação e no consenso, asociedade cultural. Comodecorrência mesma dessadiferença, apontamos a últimadiferença central da ecologiahumana para com os demais ramosda ecologia: o controle. “Asociedade é, em toda parte, umaorganização de controle. Sua funçãoé organizar, integrar e dirigir asenergias existentes nos indivíduosque a compõem”.7

A comunidade, conformada pelasforças ecológicas, culturais epolíticas, assumirá os contornos deárea natural. Dentre as inúmeras

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possibilidades de área natural, ointeresse central da Criminologiaserão as áreas criminais, um dosprincipais objetos da EscolaCriminológica de Chicago.

7.2 Aplicaçõesecológicas aosurgimento dacidade de São PauloCaio Prado Júnior, ao historiar osprimeiros desenvolvimentos dacidade de São Paulo, aponta comoelemento primordial da escolha do

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local de sua fixação, e posteriordesenvolvimento, a suaproximidade do local daaglomeração populacional maisimportante da época na capitania, asaber, São Vicente. Com efeito, “naaltura de São Vicente e Santos, omar não dista da base da serrasenão 15 quilômetros”.8 Apremência de adentrar opouquíssimo conhecido interiorbrasileiro, somada com a suaconfortável localização, na entradano planalto, são fatores queinfluirão no primeiro adensamentopopulacional nessa região.

O caminho Serra do Mar acima

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foi aproveitado, pelos europeus,pelo traçado já utilizado haviamuito pelos índios. Também aosíndios se deve a “descoberta” dosCampos de Piratininga, “umaimensa clareira natural na florestaque revestia o território paulista”,9região que concentrava numerosastribos. A influência ecológica, maisdo que apontar os Campos dePiratininga como lócusespecialmente interessante para aocupação humana, se fez sentirinclusive quando da determinaçãoda fixação de São Paulo dentro dosCampos. É que, antes mesmo dafamosa expedição de Martim

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Afonso, marco inicial dacolonização propriamente dita doterritório paulista, já havia fixaçãohumana no “ponto em que oCaminho do Mar desemboca nocampo, isto é, na altura da atualVila de Santo André”.10

A referida Vila, porém, sucumbiuao desenvolvimento de São Paulo,“cuja superioridade do sítio […] éincontestável”, pelos seguintesmotivos, na lição de Caio PradoJúnior: (i) a aldeia jesuítica ocupavao alto de uma colina (“onde hojeestá o centro da cidade,precisamente o Largo do Palácio ouPátio do Colégio”), “um sítio

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naturalmente defendido porescarpas abruptas e acessível porum lado apenas”,11 o que o tornavaespecialmente protegido dosataques do gentio; (ii) era, ademais,próximo de um rio, elementoausente em Santo André, o que“impedia que os moradores sesocorressem do peixe para suaalimentação e dificultava a criaçãode gado”;12 (iii) o Rio Tietê mostrou-se, ainda, útil para a navegação,elemento decisivo para as grandesexpedições de reconhecimento eexploração do interior, as entradas ebandeiras, mas também, […] para ointercâmbio das populações que se

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estabelecessem no planalto”;13 e (iv)São Paulo, do ponto de vistageográfico, é uma confluências depassagens topograficamente fáceis:“estas três grandes passagens –para NE, pelo Vale do Paraíba; parao N por Campinas e Moji Mirim,em direção a Minas e Goiás; para oW e S, por Sorocaba e Itapetininga,em direção às capitaniasmeridionais da colônia”14 – não poracaso as principais rodovias eferrovias percorrerão precisamenteesses traçados.

Essas, portanto, as causasdefinidoras da primeira manchaurbana de São Paulo, cuja situação

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permanece pouco alterada até pelomenos fins do século XVIII,período em que São Paulo seespraiava por uma área triangularcompreendida pelos cursos de águados rios Tamanduateí e de seuafluente Anhangabaú,15 maisespecificamente pelas ruas Quinzede Novembro, São Bento e Direita.16

Em que pese, em 1817, teralcançado população dez vezesmaior do que há um século, 23.760moradores, é descrita pelo PadreManuel Aires de Casal como

[…] uma cidade medíocre, cujadescrição permite identificar

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algumas de suas característicascomo a presença de veios hídricos(daí a necessidade de pontes), ouso da taipa nas construções, bemcomo a surpreendente existênciade três hospitais.17

Bem verdade que, além das trêsfreguesias que constituíam o termoda cidade, em 1836, Sé, SantaIfigênia e Brás, havia sete outrasmais distantes do sítio urbano, asaber, Guarulhos, Nossa Senhorado Ó, Cotia, Nossa Senhora daPenha, São Bernardo, Juqueri eM’Boi, segundo recenseamentolevado a cabo pelo Marechal Daniel

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Pedro Muller.18 Embora nãomerecessem o estatuto defreguesia, já em 1673 os jesuítashaviam adquirido a FazendaSantana, que daria nome a bairrohomônimo; já as origens do bairrode Pinheiros “remontam ao séculoXVI, quando os índios Guaianásdeixaram a vila de São Paulo e aliergueram uma nova aldeia, sob asvistas vigilantes do Padre José deAnchieta. Sobre o terraço que seergue a cavaleiro do rio, na cota de731 metros (atual Largo dePinheiros), ergueu-se a primitivaigreja de Nossa Senhora do MonteSerrate, consolidando o núcleo

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nascente e atraindo povoadoresbrancos”.19

O deslocamento do elementoeconômico central do escravo paraa terra, agora entendida comomercadoria, trouxe impactosdecisivos na cidade, a exemplo danova organização a partir de lote ede loteamento, muito auxiliadapelas possibilidades surgidas pelouso da perspectiva nageometrização do espaço, como já oapontava David Harvey.20 Comefeito, na segunda metade doséculo XIX, o centro de São Paulosofre importantes alterações. A ruaBrigadeiro Tobias (antiga rua

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Alegre), antigamente desprovida decalçadas e constituída por casastérreas e simples, vê, em 1887, osurgimento de novas edificações,bem como a implementação decalçadas. Já em 1914 “parece que,não só trocou de nome, mas, é umaoutra rua, em que predominam asedificações de dois níveis, com umacerta uniformidade arquitetônica,calçadas, energia elétrica e obonde”.21

Decisivo, porém, no que toca aosaspectos ecológicos da conformaçãoda cidade de São Paulo, é o sentidode seu crescimento:

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[…] quem observa a cartapaulista, verificará desde logo queo po voamento, e como ele todos osfatos que acompanham o estabelecimento humano(aparelhamento econômico eurbano, vias de comunicação etc.)aparece nela nitidamentecompartimentado. O território deSão Paulo se povoou, e a suaestrutura geo-humana aindareflete muito bem um tal fato, emfaixas radiantes.22

Caio Prado Júnior prossegueafirmando haver um padrãoinvariável (ao menos até aquele

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momento histórico): “umaprogressão, a partir do centro, que éjusta-mente a região ocupada pelacapital, por linhas que penetram ointerior em várias direções”.23

No âmbito interno da cidade,localizou três principais vertentesde seus primeiros crescimentos: “aprimeira toma o divisor entre oTamanduateí e o Anhangabaú – e éhoje representada pela Rua daLiberdade, que continua pela RuaVergueiro até a estrada de mesmonome”; “a outra, começando nofundo do Vale do Anhangabaú, noponto em que este recebe o seuafluente Saracura (hoje esse ponto

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é o Largo da Memória) procura odivisor destes riachos, e é nos diasque correm a Rua Santo Amaro,prolongada pela AvenidaBrigadeiro Luis Antônio […]”;finalmente, a que, dentre as que“seguem para o sul é a quedemanda as aldeias e povoaçõesque se formaram nas margens dorio Pinheiros e seus afluentes(Pinheiros – hoje bairro dessemesmo nome – Mbói, Itapecerica,Ibirapuera, o nosso Santo Amaro)”,isto é, o “espigão que separa oAnhangabaú do Pacaembu,seguindo por ele; e é hojereproduzido pela Rua da

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Consolação”.24

O crescimento urbano assumecontornos mais definitivos quando,ao lado das vias de trânsito, vão seconsolidando os caminhos férreos,ao longo de cujo traçado

[…] fixam-se as indústrias queprocuram, como é natural, suasproximidades. Assim se formamestes setores recentes, hoje densamente povoados, que envolvemas estradas de ferro e bordam,como uma auréola, as faces sul eleste do maciço paulistano:Ipiranga, Cambuci, Mooca, Brás,Pari, Luz, Bom Retiro, Barra

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Funda, Água Branca, Lapa.25

Hão que acrescentar a essecenário outras variáveis quecontribuíram para a formação dacidade. Eurípedes Simões de Paula(1936) aponta a importância do anode 1872, verdadeira “refundação dacidade”, na medida em que nesseano se deu a inauguração daestrada de ferro Jundiaí-Campinas,o início do funcionamento dosserviços de infraestrutura(iluminação a gás, bondes a burrosetc.) e o início do governo daProvíncia por Theodoro Xavier deMattos (1828–1878), a quem reputa

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a abertura de novas ruas,prolongamento de velhas estradas,alargamento de largos, retificaçãoda várzea do Carmo, reforma ecriação de jardins etc., tudo com ointuito de atrair fazendeiros ecapitalistas do interior:

[…] a capital, engrandecida,circumdada de attractivos e gosos,chamará a si os grandesproprietarios e capitalistas daProvíncia, que nella formarãoseus domicílios, ou temporárias eperiódicas residências. Ocommercio lucrará, ampliando seuconsumo. As emprezas se

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fundarão com os recursos vastos eaccumulados de seus novoshabitantes.26

7.3 As primeirasáreas naturais deSão PauloO crescimento, como sói acontecernos processos sujeitos às leisecológicas, gera, paulatinamente,especialização. Caio Prado Júniornarra a conformação de setoresespecializados no seio da cidade: ocentro comercial

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[…] ficou na colina […], maisespremido no espaço acanhado quelhe reservaram os barrancos que ocercam de três lados, vai-sealargando pelas elevaçõesfronteiras, do outro lado daquelesbarrancos, graças à facilidade deacesso que lhe proporcionaram osviadutos já referidos – o primeirodos quais, o do Chá, foiinaugurado em 1892.27

As residências burguesas oumédias, até então mescladas com asunidades comerciais, deixam de sercomportadas no centro, fazendocom que, “lá por 1880”, se

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formassem “os primeiros bairrospropriamente residenciais”. Valenotar, prossegue, que, “ao contráriodos bairros operários, que seestabelecem nos terrenos maisingratos das baixadas do Tietê e doTamanduateí, as residênciasburguesas se fixam nas alturas domaciço”.28

Também além rios as mudançasse faziam sentir. A região chamadade além-Tamanduateí, ao longo doséculo XIX, compunha o “cinturãode chácaras”.29 O primeiro marcode alteração da situação urbanadessa região foi a chegada daferrovia à cidade. Com efeito, “a

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São Paulo Railway contava com umaestação no Brás, quandoinaugurada em 1867. Dez anosdepois, a antiga Estrada de Ferro doNorte tinha no Brás sua estaçãoinicial em São Paulo”.30 Em 1887,verifica-se um segundo evento, aconstrução da Nova Hospedaria deImigrantes, “com capacidade paraabrigar cerca de 3 mil imigrantes,embora esse número tenhachegado, em ocasiões especiais, a 8mil”.31

O segundo, em verdade, decorre,em parte do primeiro, eis que aconstrução da hospedaria conviriase dar próxima à estação de trem.

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Todavia, “respondeu também aestratégia da elite de segregar osimigrantes, de afastá-los dosbairros ditos burgueses”.32 Exemploclaro disso foi o preterimento doterreno no bairro da Luz,originalmente reservado a esse fim.O então Presidente da Provínciaafirmou claramente que “própriopara um alojamento de imigranteso bairro [da Luz] que mais se prestaa ser formoseado, e que vaimerecendo a preferência dapopulação abastada para aíconstruir prédios vastos eelegantes”.33

Para além dos processos

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econômicos, também asintervenções públicas marcam odestino dessa região. Vide aconstrução da avenida AlcântaraMachado, mais conhecida comoRadial Leste, uma freeway, que, paraser aberta, exigiu a demolição devários quarteirões na fronteiraentre o Brás e a Mooca no início dadécada de 1950”. Mencione-se,ainda, a transformação do ParqueDom Pedro II em terminal deônibus, a construção por cima delede um complexo de viadutos e ademolição de cerca de mil imóveispara a construção da linha leste dometrô.34

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Com efeito, o crescimento dasregiões nobres, ao menos ao longoda primeira metade do século XX,observou movimento contrário:subiu

[…] pelo flanco o maciço, subindo-lhe as encostas à procura deterrenos mais altos e saudáveis; éa vez de Higienópolis, que será obairro da aristocracia paulista dasfortunas saídas do café. E subindosempre, as residências alcançam oalto do espigão, onde instala,acompanhando-o fielmente, aAvenida Paulista.

Já no século XX desce-se o maciço

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rumo à várzea do Pinheiros,inaugurandose “tal ocupação poresta obra-prima de urbanismo queé o Jardim América, iniciado em1910. A designação ficará, e osbairros da várzea do Pinheirosserão todos jardins: JardimPaulista, Jardim Europa”.35

Caio Prado Júnior prossegueapontando que “encravado nestesbairros aristocráticos ficou a velhapovoação de Pinheiros, antes tãolonge da cidade, e que, alcançada eenglobada por ela, se transformouem simples bairro”. Seria, emprincípio, uma exceção à regra, namedida em que se tratava de bairro

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operário. Consagrando, porém, osprimados ecológicos, o próprioautor explica a razão da exceção queo bairro representa: “a proximidademaior do rio Pinheiros, cujasmargens são um foco permanentede mosquitos, fazia-o menosatraente. Deixou-se por isso obairro às categorias mais modestasda população”.36

Às “categorias modestas dapopulação” eram reservadasregiões bastantes degradas dacidade. Fonte do próprio século XIXassim descrevia a região hojecompreendida pelo bairro daMooca:

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[…] a leste um outro bairro,povoado sobretudo por italianos,estende-se ao longe na planíciebaixa e contrasta por suasfábricas, suas ruas sujas, seusesgotos lodosos, com asconstruções elegantes e as casasdos bairros ocidentais. Seriaurgente drenar o solo e arranjarvastos espaços em parques ejardins; mas as construçõesinvadem incessantemente asterras pantanosas e apodrecidasde imundícies, onde os córregos sejuntam para se lançar ao norte dorio Tietê.37

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Jacob Penteado “conta que nosanos de 1910 viviam negros noBelenzinho, em ‘ajuntamentos’ decasebres em um terreno aos fundosde uma chácara da Rua ConselheiroCotejipe”.38 Caio Prado Júnioroferece a seguinte descrição(referindo-se, inicialmente, à ZonaNorte de São Paulo):

[…] a população destes bairros é amesma da parte ocupada dabaixada: operários que se fixaramaí (embora longe das indústrias,que se conservaram nas margensdas estradas de ferro) paraaproveitarem terrenos baratos,

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comprados a prestações, ondepodem construir suas casinhas,comumente isoladas, mesmo nocentro de um minúsculo terrenolivre, que muitas vezes é horta oujardim. Constitui mesmo oaspecto característico da maioriadaqueles bairros enumerados(como se dá aliás com o doscitados mais acima, queprolongam a cidade peloTamanduateí para suleste), estede casinholas, verdadeiras caixasde fósforos, espalhadas por morrose colinas.39

E prossegue:

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[…] e com o cada qual cuidavanaturalmente apenas do seu,permanecendo os poderes públicosnuma indiferença completa,aconteceu o que era fatal: bairrosdesarticulados edesordenadamente distribuídos,que mesmo quando traçadosinternamente com algum critério– o que aliás raramente foi o caso– não se ligam entre si, não fazemao menos corpo com a cidadedentro de um sistema lógico e deconjunto.40

Narra, ainda, Maria de Andradeque,

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[…] ao iniciar-se o século XX,Brás, Mooca e Belenzinho eram amaior concentração de fábricas eoperários da cidade de São Paulo.Daí em diante, fábricas e oficinasmultiplicam-se, a indústriapassando a ser o elementofundamental de integração dessesbairros à cidade. E, ao mesmotempo em que em alguns bairrosse efetiva o projeto das elites de“embelezamento” da cidade, deoutro lado do Tamanduateí, entreoutras porções da cidade,multiplicavam-se os cortiços,havia falta de água e de esgoto, asruas eram escuras e enlameadas,

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o lixo acumulava-se na Várzea doCarmo.41

Com efeito, com a já mencionadainauguração da Estação do Norte,“intensifica significativamente otrânsito de carros e carroças pelavárzea, que agora conta tambémcom linha de bondes a burro apercorrer o aterrado do Gasômetro,situado ao norte do aterrado doBrás […]”.42 A respeito dessepedaço da cidade, colha-se excertodo Correio Paulistano:

Crescem na cidade os casos de tifoe febres semelhantes […]. De ondevem isso, bem se sabe, não é de

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nosso belo clima, é dasimmundicies que infectam acidade até nas ruas principaes, eprincipalmente nas várzeas doTamanduateí e Anhanagbaú, quepor consentimento tácito dacamara, na policia e da higiene,estão constituídas emesterquilínios, aonde se faz noitepor noite o despejo na cidade,quando não é nas proprias boccasde lobo e sargetas das ruas.43

Pode-se, portanto, afirmar que, jáno final do século XIX, São Pauloconhecia áreas naturais agrupáveissob quatro critérios: (i) freguesias

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afastadas da cidade propriamenteditas, ainda com características detransição do rural para o urbano;(ii) regiões residenciais de classealta, ao longo do aclive da Rua daConsolação, e nos Jardins; (iii) umaregião comercial central,coincidente, em grande medidacom a primeira mancha urbana; (iv)regiões de transição, mistas entreindustriais e residenciais, porémcom moradores de baixa renda oumesmo desocupados,ecologicamente desfavorecidas.

No que interessa à presenteanálise, a distribuição dapopulação, em São Paulo,

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corresponderá às leis ecológicasobservadas pelos estudiosos deChicago. Aos imigrantes, namaioria estrangeiros, e aos negros,serão reservadas as regiões maisdegradadas da cidade:

[…] se reunirmos os negros aospardos, teremos que, no núcleomais adensado, havia umpredomínio de negros e pardos,globalizando 55,45% dapopulação total. Uma parcelaextremamente significativa dapopulação total da parcela maisadensada do aglomerado,revelando que a escravidão negra

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colocou-se como um marco nadinâmica econômica, sobretudo,como fundamento da riqueza e dareprodução das relações sociais.44

Com efeito, a população do Brásquintuplicou entre 1886 e 1893(saltando de 6 mil para 32 milhabitantes), ao passo que apopulação da cidade multiplicoupor seis vezes, entre 1886 a 1900,“ano em que cerca de 55% dapopulação (que atingia 240 milhabitantes) era formada deestrangeiros, em sua maioriaitalianos”.45 O influxo deviase, emparte, ao estabelecimento na capital

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de grandes proprietários ecapitalistas da Província, mas“decorria principalmente da vindade imigrantes estrangeiros –italianos principalmente, mastambém espanhóis eportugueses”.46

A segregação urbana dessaspopulações engendra, porconsequência, uma determinadarelação de competição social. Mariade Andrade descreve o processo deocupação, do Brás por comunidadesnegras, a reação gerada pelos entãomoradores, que

[…] “aguardavam com justificado

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aborrecimento” a comemoração daAbolição, no dia 13 de maio.Desde a véspera, “começavam achegar negros que nem formiga”.A festa varava a noite, eraanimada pelo samba de roda “sobo som infernal dos instrumentosde percussão” e acabava empromiscuidade. Diz ainda quemoleques do bairro uniam-se emcoro para ridicularizar o chefe dosnegros – Barnabé – que “de gêniomanso, olhava a criançada esorria bonachão”.47

Ela também aponta , emdiscursos oficiais, uma

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determinada visão da populaçãoque compunha as áreasdegradadas:

[…] a população corria granderisco, porque esses milhares deindivíduos que ficavam por longotempo nesta capital, pouco afeitosao nosso meio social, espalhadospela rua em plena vadiagem, e –diga-se mesmo – poucoescrupulosos como o são em geral,constituíam uma ameaça perene àordem pública.48

A reunião, nas áreas degradas, dedeterminados sujeitos, perdedoresdos processos ecológicos,

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notadamente no tocante ao dacompetição, fará das mesmas áreasnaturais criminógenas, cujocomponente central, como se verá,é a desorganização social, causa porexcelência da criminalidade nopensamento da Escola de Chicago.

7.4 A EscolaCriminológica deChicago49

A obra fundamental para acompreensão da distribuiçãoecológica do crime da cidade deChicago é Delinquency Areas, de

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Clifford Shaw, datada de 1929.Nessa obra, Shaw sistematizoudados oficiais concernentes àdelinquência juvenil em Chicagopor décadas. Seu objetivo primeiroera observar o locus, ou melhor, osloci urbanos onde grassava acriminalidade ao longo dos anos, demodo a verificar se se poderia falarem áreas criminais. O primeiropasso foi a coleta de dados,agrupados de acordo comdeterminados períodos históricosou conforme o estatuto jurídicodaqueles que compunham oamostral, variando de gazeteiros acriminosos adultos.50 De posse

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dessa miríade de dados, Shawmarcou com um ponto, em ummapa, a residência de cada umadessas pessoas. Com isso, obteve odesenho de Chicago salpicado depontos, de tal sorte que pôdeobservar áreas onde a proximidadedas marcas formava verdadeiramancha e áreas em que imperava ovazio. A repetição dessa técnicapara cada amostral permitiriaconcluir se essas regiões eram dealgum modo coincidentes entre si.A técnica denomina-se plotagem.

O terceiro passo metodológicoconsistia na construção de umíndice que permitia uma

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comparação numérica entre asregiões da cidade. Assim, Chicagofoi dividida de acordo com asunidades utilizadas pelo censo(census tracks), num total de 431 em1910 e 499 em 1920. O cálculo doíndice de criminalidade para cadauma dessas áreas era simples: parauma dada região A, dividia-se ototal de pessoas analisadas (p. ex.truants entre 8 a 16 anos) residentesna região A pelo total de pessoasresidentes nessa região com omesmo perfil (no exemplosugerido, total de jovens entre 8 e16 anos), multiplicando-se onúmero obtido, ao final, por 100.

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Quanto menor o índice, menor arelação entre criminosos e nãocriminosos em uma dada região; oinverso é verdadeiro.

Finalmente, como havia umahipótese geral da ecologia humanade que a cidade cresce do centropara a periferia, gerando zonas detransição, instáveis edesorganizadas, é de supor que osíndices criminais decresceriam docentro para a periferia. Assim, paraque isso pudesse ser observado,oito radiais foram construídas.Essas radiais eram linhasimaginárias que acompanhavamaproximadamente o traçado de

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grandes vias de transporte emChicago e que atravessam,somadas, quase todas as regiões deChicago. Esse instrumentopermitiria visualizar como secomportavam os índices na medidaem que se distanciava do centro dacidade.

Traçadas as consideraçõesmetodológicas acima, pode-seanalisar, com maior clareza, cadauma das séries indicadas, na buscade verificar a existência ou não deáreas criminais em Chicago. A SérieI,51 exemplificativamente, écomposta de 5.159 truants, ou seja,garotos que fugiam das escolas

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para atividades consideradasindevidas – e, por vezescriminosas,52 no períodocompreendido entre 1917 e 1923,levados perante Corte em razão detruancy. A aparente irrelevânciajurídica do fato, haja vista quetruancy não pode sequer serconsiderado ato infracional, não seconfirmava do ponto de vistafenomenológico: cerca de 56,4%reapareceriam nas estatísticas comodelinquentes. Desse último grupo,52,7% reapareceriam duas ou maisvezes. A plotagem da residênciadesses garotos resultou no Mapa 1.Como se pode observar, a região

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central concentra uma grandequantidade de pontos, bem comoisoladas regiões da cidade. Emcontraste, a maioria das regiõesperiféricas possui pontos esparsos,predominando a cor branca. Parauma leitura mais segura dos dados,mister a busca da relação entretruants pelo total de jovens em cadaárea, ou seja, o índice criminal. AFigura 3 é construída justamente apartir dos índices criminais de cadauma das unidades censitárias deChicago. Os números confirmam aimpressão visual da distribuição depontos: os índices chegam a 15,4 naregião imediatamente adjacente ao

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Loop; em contraste, no extremoOeste da cidade, próxima à AvenidaMadison, o índice é de 0,1. No quetange ao recurso das radiais, esteconfirma, em parte, a hipótese deBurgess: em algumas radiais, osíndices começam decrescendo, massofrem uma abrupta inflexão,tornando a decrescerposteriormente.

Se percorrermos as radiaisapontadas na Figura 1, veremos,logo no início da radial II, umaregião cujo índice é de 15,4, o maisalto da cidade. Trata-se da primeiramilha quadrada após o Loop. Essaregião era conhecida como Litlle

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Italy, “que se distribui ao norte eleste as propriedades industriaisque acompanham o braço norte dorio Chicago. É tipicamente umaárea de mudança rápida edeterioração com concomitantedesorganização social”.53 Na obraThe Gang de Frederic Thrasher,temos uma descrição dessa região:

No horror monótono dos slums,apesar de um êxodo contínuo paradistritos mais desejáveis, pessoasestão amontoadas na razão demais de 50.000 por milhaquadrada. A vida estáemaranhada em uma rede de

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trilhos, canais e diques,indústrias e cervejarias, armazénse madeireiras. Não há nada frescopara acariciar a vista; por todos oslados estão prédios periclitantes,não pintados, enegrecidos emanchados com a fumaça daindústria.54

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FIGURA 1 Distribuição de 5.159truants por região ao longo deradiais (1917–1923)58Mapa 1:Local de residência de 5.159truants (1917–1923)57

Nas duas milhas quadradassubsequentes, com índices de 8,0 e3,0, fixaram-se as populaçõespolonesas, áreas de marcadaconcentração populacional. Nesseponto, Shaw considera que asorganizações comunitáriasespontâneas e de autoapoiointeressadas em desenvolverprogramas comunitários sãovirtualmente inexistentes nos

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slums. “Tais organizações parecemdesempenhar um papel maisrelevante na vida das comunidadesmais afastadas onde os objetivossociais e os desejos pessoaistendem a tornarem-seintegrados.”55

Dignas de nota as duas primeirasunidades de área da radial VI, comíndices de criminalidade de 14,5 e10,9, respectivamente, que incluemboa parte do chamado BloodyTwentieth Ward, regiãohistoricamente conhecida emChicago em razão dos crimescruentos. Mais uma vez, têm-seáreas adjacentes ao Loop, cuja

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população é bastante heterogênea,com preponderância de italianos ejudeus. O fato interessante daradial VI é que na quinta unidadede área o índice volta a se elevaratingindo 9,8. Embora distante doLoop, essa região reproduz aquelasjá descritas exaustivamente nestecapítulo: a diferença é que adegradação e a desorganizaçãosocial são geradas pelo estreitoconvívio com as regiões deindústrias pesadas. A radial VIIInos traz um exemplo muito claro deexceção ao decréscimo linearcentro-periferia: suas três primeirasunidades apresentam índices altos

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de criminalidade (8,9; 11,0 e 11,9).Já as quatro unidades subsequentestêm índices médios ou baixos (3,9;0,9; 0,4 e 0,5). Contrariando atendência, os índices tornam acrescer nas três últimas unidades,atingindo o número de 5,5. Aexplicação dessa exceção se deve aofato de essa radial atravessar umaenorme comunidade negra próximado Loop, correspondendo,aproximadamente, às quatroprimeiras milhas, decrescendo emseguida e voltando a crescerjustamente nas regiões desiderurgia e do distrito industrialdo Lago Calumet.56

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A explicação para a concentraçãoda criminalidade, nessas áreas,estava no conceito dedesorganização social,complexamente desenvolvido porWilliam Thomas e FlorianZnaniecki no célebre The polishpeasant in Europe and in America. Dema neira muito sintética,59 osautores localizam os valorescentrais das relações sociais doscamponeses poloneses da Polônia,cenário considerado de organizaçãosocial, a crise desses valores quandoda migração (especialmente para asegunda geração), a desorganização

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social e a refundação dessesvalores, na nova cultura, areorganização social.

A desorganização é, assim,resumida como “um decréscimo dainfluência de regras sociais decomportamento existentes sobre osmembros individuais do grupo”.60

Feliz, também, a definição deWagner Cinelli de Paula, para quem

[…] mais genericamente, adesorganização social se refere auma situação em que há pouco ounenhum sentimento decomunidade, relações sãotransitórias, níveis de vigilância

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da comunidade são baixos,instituições de controle informalsão fracas e as organizaçõessociais ineficazes. Diversamentede uma comunidade organizada,onde a solidariedade social, acooperação entre vizinhos e a açãoharmoniosa se juntam pararesolver problemas comuns,61

áreas socialmente desorganizadastêm muitos valores morais emcompetição e conflito.62

Embora conceitualmentediversos, a desorganização socialestá profundamente imbricada noconceito de controle social, de sorte

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que a existência da primeiraacarreta falência do segundo, comobem o pondera Joseph Roucek:

Quando as agências de controlesocial perdem o poder, ocomportamento do grupo torna-seinstável e imprevisível. Se asociedade está em mudança, afalta de padrões de conduta podeser o resultado do conflito entre asnovas e as recém-desenvolvidasregras de conduta. Esse conflito depadrões leva à desorganizaçãosocial.63

Uma definição de controle social,segundo Shecaira, pode ser “o

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conjunto de mecanismos e sançõessociais que pretende submeter oindivíduo aos modelos e normascomunitários”.64 La Piere, citadopor Bergalli, resume o controlesocial como “funcionando paraobrigar o indivíduo que emqualquer forma se desvia dasnormas prescritas a conformar-seabertamente a elas”.65 Subdivide-seem controle social formal, quandorealizado por meio da força doEstado (polícia, judiciário,legislação etc.) e informal, que, naspalavras de Ana Lúcia Sabadell:

[…] é, ao contrário, difuso,

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mutável e espontâneo e realiza-seatravés da dinâmica que sedesenvolve no âmbito de pequenosgrupos sociais. Os meios decontrole informal são próprios desociedades pequenas e homogêneas(aldeias, tribos), onde não hánecessidade de criar instituiçõesespecíficas para o controle dosseus membros. Porém, o controleinformal também se manifestanas sociedades modernas. Nestecontexto, este é exercido atravésda família, amigos, colegas detrabalho, entre fiéis da mesmareligião etc., que reprovamdeterminados comportamentos e

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fazem recomendações.66

Em regiões de marcadadesorganização social, em que ocontrole social está, portanto,profundamente prejudicado, acriminalidade há de ser maior queno restante da cidade: “emcomunidades onde os controlesconvencionais são enfraquecidospor tradições divergentes e pormudança social, as taxas dedelinquência são altas”.67

Esse diagnóstico, aliás, atestaFaris, já era sugerido por Burgessque enfatizava que o crescimentorápido e a redistribuição

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populacional afetam os índices decriminalidade porque minam asinstituições locais e seuscontroles.68 De fato, Shaw e McKayinferem de suas análises que “altosíndices de criminalidade, […], estãoassociados com a diminuídacapacidade de instituições locais eorganizações em controlar ocomportamento dos residentes”,69

condição chamada dedesorganização social. Nos dizeresde Reiss Junior,

a conclusão deles foi que asdiferenças em valores sociais comunitários e organização eram

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responsáveis pelas diferenças nosín dices de delinquência. Emcomunidades que sãocaracterizadas por divergentessistemas de valores, os índices dedelinquência são exacerbadosporque a divergência enfraquece ocontrole conven cional.70

Essa hipótese, aliás, é confirmadapor um estudo de Angell,independente da Universidade deChicago, do mesmo ano de JuvenileDelinquency and Urban Áreas, 1942.A partir do documento TheCommunity Welfare Picture asReflected in Health and Welfare

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Statistics in 29 Urban Areas(Children’s Bureau of the UnitedStates Department of Labor),Angell buscou verificar a validadedo índice “do esforço dacomunidade para o bem comum”(Community Welfare Effort –CWE), construído na pesquisacomo um índice positivo deintegração social. Para tanto,contrastou os índices de CWE comos criminais, uma vez que o crime“é geralmente encarado como umdos melhores indicadores dedesorganização social”. Assim,esperava-se que as cidades comaltos índices criminais tivessem

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baixos WCE, o que foirazoavelmente confirmado porAngell. Assim, o autor concluiu,entre outros, que a integração socialde uma cidade tende a ser tãomaior quanto (i) tiverem as escolas,bibliotecas e serviços recreacionaissido apoiados no passado e (ii)menor for a disparidade de rendaentre as várias classes sociais.71

Em síntese, tem-se que a taxacriminal é, assim, um reflexo donível de desorganização dosmecanismos de controle em umasociedade,72 na medida em que araiz ecológica da criminalidadeencontra-se (i) na capacidade de um

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grupo social de impor condutas emconformidade com as normas, ouainda, (ii) na intensidade deorganização social de um grupo, ou,finalmente, (iii) na capacidade dogrupo de exercer o controle socialinformal correspondente.

Inegável, porém, que acriminalidade acaba também areforçar a condição dedesorganização social de uma dadaregião, na exata medida em quetambém é um problema social queafrouxa os laços sociais e fragmentaainda mais a dimensãocomunitária. Ao contrário, o rótuloque se impõe ao criminoso – objeto

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central de estudos posteriores aosde Chicago – reforçará a bipartiçãocomunitária entre os que obedecemà lei e os criminosos, solapandoainda mais as forças sociaisautóctones. Na ponderação deShecaira:

A pena, da forma como ainda éaplicada no Brasil, atua comogeradora de desigualdades. Elacria uma reação dos círculosfamiliares, de amigos, deconhecidos, que acaba por geraruma marginalização no âmbito domercado de trabalho e escolar.Levar uma conduta desviada para

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o âmbito da reprovaçãoestigmatizante tem uma funçãoreprodutora de controle social.73

7.5 Aplicaçõesecológicas à SãoPaulo do século XIXNão se tem notícia de que se tenhafeito estudo semelhante na cidadede São Paulo na mesma época emque os estudos foram conduzidosnos Estados Unidos. Há, todavia, aomenos um estudo baseado eminquéritos policiais e em açõespenais em curso, levada a cabo por

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Boris Fausto, compreendendo osanos de 1890 a 1924.

No tocante aos homicídios, doisdados chamam a atenção: 67,5%deles se de-ram entre membros namesma nacionalidade e 22% deles,no bairro do Brás. O primeiro dadosugere que a fonte precípua dessaforma extrema de violência não eraa xenofobia, cenário que porianacionalidades diversas nos polosdo delito. Ao revés, dentre oshomicídios cujas “motivações”foram qualificadas, mais da metadedeles cor-responde à defesa dahonra e da afetividade (26,8%),jogo, aposto ou troça (14,5%) e

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disputas por interesses materiais(12,2%), a exemplo dos negócios edas dívidas. Na rubrica “choqueétnico-cultural” constam meros4,1% dos homicídios.

Deixa maior espaço, portanto,para a leitura do segundo dado:22% dos homicídios se deram, entre1880 e 1924, no bairro do Brás,região degradada de São Paulo. Éseguido pelo centro da cidade, com12%. Boris Fausto afirma quealgumas ruas do Brás

[…] são conhecidas comoparticularmente criminógenas: aCaetano Pinto, a Carneiro Leão

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dos calabreses de “sanguequente”, padrão negativo decomportamento, invocadoironicamente pelos adultos dosbairros altos quando suascrianças fugiam ao código dasboas maneiras.74

Interessantemente, relata que,em 1894,

[…] os moradores da rua Éboli,no Brás, queixavam-se de que aausência de iluminação deixava-os constantemente sujeitos aassaltos e emboscadas. […]Naquele mesmo ano, o DiárioPopular reclamava da falta de luz

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e de policiamento na zonaintermediária entre a rua 25 demarço e o Brás […]. A propósitode um crime ocorrido no Belém,em 1905, A Plateia assinalavaque o bairro permanecia àsescuras, à exceção da avenida daIntendência (atual Celso Garcia),e sem ronda, apesar de serhabitado por quase dez milpessoas.75

Bem certo que os temas da honra,dos jogos e das disputas comerciaisperpassam todas as classes sociais,com os inevitáveis matizes que cadagrupo social imporá a esses

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mesmos temas. Não há, assim,nenhuma explicação nasmotivações em si dos homicídios aapontar sua especial concentraçãono Brás.

Há, porém, indícios de que essaregião fosse especialmentedesprovida de instrumentos sociaisde composição e regulação deconflitos, a exemplo das alusões aosangue quente dos calabreses. Comefeito, Fausto localizou ao menosseis episódios, entre 1894 e 1907, debrigas sanguinárias entre famíliasinteiras, cujas

[…] cenas mais frequentes

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passam-se em cortiços, ruas ouvendas do Bexiga e do Brás.Famílias ligadas por laços deamizade, companheiros de tocatastornam-se inimigos furiosos […]São verdadeiras guerrasfamiliares, acompanhadas deagressões verbais.

É o caso do embate entre osMaluf e os Mathias (1907) e entre osDel Izola e dos Imbelloni (1902).76

Nesse sentido, curioso o registroda assim denominada “explosãosúbita”, responsável por 57homicídios, “uma forma de ‘brigasúbita’ que, em rápida escalada,

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desemboca no desfecho fatal”.77 Decausa difusa, têm como

[…] espaço privilegiado (60% doscasos) […] o lugar público onde seserve bebida e comida, sobretudoas vendas e botequins dos bairrospopulares, com suas mesas toscas,mercadorias penduradas sobre osbalcões, abrindo-se nos fundos,por um corredor estreito, para ocortiço onde moram o vendeiro edezenas de pessoas.78

Um desses delitos ocorrera em1911, no largo da Concórdia, noBrás; outro, em 1908, na rua 25 demarço, no centro de São Paulo.

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Também os delitos patrimoniaisguardam relação com as áreasdegradadas. Naturalmente o maiorlocal de incidência de furtos eroubos era o centro de São Paulo,concentrando 36% dos eventos. Arazão mais elementar é a reuniãodos bancos e do comércio. Umaanálise de seus autores, porém, émais reveladora da questãoecológica. Boris Fausto conclui que,em sua esmagadora maioria, eramestrangeiros recém-chegados nacidade,79 “gente de condiçãodiversa: profissionais que circulampelo mundo como ‘golondrinas’ damarginalidade, aventureiros que se

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lançam à terra, gente maisassentada cujo deslocamentoprovoca situações de privaçãomaterial ou problemaspsicológicos”.80

É o caso dos recém-chegadosfiorentinos Júlio Manetti e Elias DelSole que, em 1913, roubam e matama prostituta Madame Emma.Ambos tinham farto históricocriminal, com mudança de países econstante envolvimento comatividades ilícitas. Comporiam ogrupo dos que “circulam pelomundo como golondrinas damarginalidade”. Como aventureiro,cite-se Max Pollow, americano, que

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desembarca em Santos, em 1889 e,desempregado após quatro mesesde ocupação na indústria têxtil,tenta assaltar uma residência naVila Mariana. No terceiro grupo, osprivados, que tende a ser o maissignificativo, ilustre-se com ahistória do mecânico milanês AtilioBeretta, de então 28 anos, que,desempregado, é preso por furtaruma bicicleta de um soldado daForça Pública, em 1914. Todos eleseram recém-chegados ao Brasil.81

Em todos esses gruposreconhecem-se traços dedesorganização social, a que BorisFausto descreve como

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[…] condições de vulnerabilidade[…]. A situação de desemprego, aausência de residência fixa sãoressaltadas pela polícia como fortes indícios de responsabilidadecriminal. Os indiciados não têmlaços na cidade que possam vir aseu socorro, e os laços de alémmar são distantes ouinconfessáveis […].82

Os dados revelam, ainda, quemais de 80% dos presos haviamcometido contravenções ou foramdetidos para averiguação; dentre ascontravenções, a mais popular,entre 1890 e 1904, era a de

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“gatunagem”. Já em 1905, há fortedeclínio dessa categoria, com ocontemporâneo crescimento dospresos a título de averiguação oupor vadiagem. “Pareceria poisconsistente a hipótese de quegrande número dos ‘gatunos’ dosprimeiros tempos seriam naverdade pessoas que, em anosposteriores, apareceriam rotuladascomo ‘vadios’ ou ’suspeitos’.”83

Há, no agir policial, umaacentuada preocupação com aordem pública, na lição de BorisFausto. Assim, para evitar odesconfortável encarceramento pormendicância, prendia-se sob o

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rótulo da vadiagem, que“representa o receptáculo maior,onde se enquadra o ‘viveiro naturalda delinquência’ na linguagem dosrelatórios policiais”.84

As outras contravenções queensejavam grande número dedetenção eram a embriaguez e adesordem, cuja incidência, porém,varia ao longo de período: entre1892 e 1916, a embriaguez ocupavao primeiro posto, com 42,5%,seguida pela desordem (39,2%) epela vadiagem (18,3%); no períodoespecífico entre 1912 e 1916, aembriaguez permanece emprimeiro lugar (40,7%), sucedida

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agora pelas desordens (32,6%) e emterceiro lugar tem-se a vadiagem(26,7%).

Boris Fausto também apresentauma interpretação para essesdados:

[…] é razoável supor que asdesordens são predominantes noperíodo da imigração em massa,quando há um grande e ativocontingente de população recém-chegado à cidade, submetido amuitas tensões. […] Há boasrazões para se acreditar que estasbrigas coletivas, envolvendogrupos familiares, grupos de

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vizinhos, fossem mais frequentesnos anos em que imigrantes dedata recente tendiam a manterredes de solidariedade comoinstrumento de proteção eascensão social na nova terra. Asdesordens tenderiam a cair aolongo dos anos, crescendo emcontrapartida a embriaguez comoexpressão de frustraçãoacumulada, de condutasindividuais e com maior cargaautodestrutiva.85

A hipótese formulada por BorisFausto, assumidamente focada nocontrole social, contém inequívoco

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conteúdo ecológico. Em que pesehaver uma dimensão mais ampla,do aparato estatal, na busca pelaordem, o próprio historiadorreconhece que “seria errôneodeduzir do número de prisões aimportância atribuída pela elitegovernante a cada uma dascontravenções”,86 de sorte que ocontrole social formal não seriasuficiente para diagnosticar ofenômeno.

A alternância das contravençõesde embriaguez e desordens, porém,guarda profunda semelhança com oprocesso de desorganização,organização e reorganização social

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de William Thomas, um dosconteúdos centrais da EscolaCriminológica de Chicago.

Com efeito, Boris Faustovislumbra duas fontes depopulações delinquentes noperíodo em análise, os advindo dalibertação dos escravos (negroslibertos) e “o enorme fluxo decrescimento da cidade, através doafluxo maciço de imigrantespobres. No contexto brasileiro, enão apenas nele, a plebe urbana”era “formada por desocupados,subempregados, pequenosdelinquentes, aventureiros”. Areforçar a afirmação, o dado de que

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52,8% dos presos por embriaguezeram estrangeiros, bem como 60%daqueles detidos por desordens.87

De maneira sintética e tantoquanto os dados permitem concluir,pode-se asseverar que acriminalidade na São Paulo do finaldo século XIX ratifica o diagnósticoda Escola de Chicago. O bairro doBrás, especificamente, ilustra essaafirmação. É uma nítida área detransição, originalmente pensadapara ficar fora dos limites dacidade, tanto assim que ali seinstalou o gasômetro, tornando-seuma região de atração populacionalem razão da Estação Norte, da

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Hospedaria dos Imigrantes e daforça expelidora dos moradores dasregiões mais centrais, em crescentevalorização. Era, sem dúvida, umaárea de transição e de degradação.Seus moradores não a escolheram;foram para ali dragados, na medidaem que era a única região da cidadeem que conseguiriam se estabelecer(ou então em outros bairros nasmesmas condições degradantes).Nesses espaços, a marcadadesorganização social e osubsequente controle socialcriavam espaço para soluçõesviolentas e grupais, conforme asnarradas por Boris Fausto,

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epifenômeno do desequilíbrioecológico que perpassa todo ocenário descrito.

Essa desorganização, por fim, éum microcosmo de um processomais amplo. Frehse afirma que,

[…] ao mesmo tempo em queocorreria a “desintegração” de“muitos dos antigosdeterminantes de classe” (velhasdistâncias sociais vigentes nomundo escravista), faltaria àsociedade “uma ‘perspectivaurbana’ singular e integrada aque se referissem para censura oupara aprovação dos padrões de

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comportamento, morais ouimorais”. Isso por menos que sejapossível falar de “iniquidade dacidade moderna”.

Citando Allen Tate, conclui:“’testemunhamos em suma atransição de uma sociedaderegional com certas consonânciasuniversais, para uma sociedadecosmopolita de consonânciainteiramente provinciana’”.88

7.6 ReferênciasBibliográficas

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ecologia humana. São Paulo:Martins; 1970;339–349.Capítulo XXI.

*Doutor e mestre em Direito Penal eCriminologia (USP). Professor daFaculdade Nacional de Direito(Universidade Federal do Rio de Janeiro).1Esse tópico foi tratado de maneira maisaprofundada em Tangerino, Davi de PaivaCosta. Crime e cidade: violência urbana eEscola de Chicago. p. 14 et seq.2Hollingshead, A. B. Noções básicas daecologia humana. p. 53.3Park, Robert E.; Burgess, Ernest W.Introduction to the science of sociology. p. 508e 574.4Burgess, E. Can neighborhood work have a

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scientific basis? Proceedings of the NationalConference of Social Work. Chicago: TheUniversity of Chicago, 1924. p. 144, apudEufrásio, Mário Antônio. Estrutura urbana eecologia humana: a escola sociológica deChicago (1915–1940). p. 111.5Mckenzie, Roderick. Matéria objeto daecologia humana. p. 51–52.6Pierson, Donald. Estudos de ecologiahumana. p. 13.7Park, Robert Ezra. Ecologia humana. p.35.8Prado Júnior, Caio. A cidade de São Paulo:geografia e história. p. 9.9Idem, p. 13.10Daí a denominação que recebeu, aindaem 1535, por Tomé de Sousa, a saber,Santo André da Borda do Campo.

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11Prado Júnior, Caio. A cidade de São Paulo:geografia e história. p. 16.12Idem, p. 17.13Idem, p. 21. A saber, “Nossa Senhora daExpectação do Ó (hoje Freguesia do Ó) eParnaíba, que em 1625 é constituída emvila. E pelas variantes no Pinheiros, seuafluente Jeribatiba (Rio Gran de), do Cotiae afluente Mbói-Mirim (Embu), inúmeraspovoações e aldeias de índios fundadas oudirigidas pelos jesuítas: Pinheiros,Itapecerica, Ibirapuera (hoje SantoAmaro)”.14Prado Júnior, Caio. A cidade de São Paulo:geografia e história. p. 25.15Suzuki, Júlio César. Metamorfoses daexpansão urbana na gênese da modernacidade de São Paulo. p. 132.

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16Prado Júnior, Caio. Op. cit., p. 65.17Suzuki, Júlio César. Op. cit., p. 133.18Idem, ibidem.19Idem, p. 315.20Apud Suzuki, Júlio César. Op. cit., p. 147.21Idem, p. 150.22Prado Júnior, Caio. Op. cit., p. 42.23Idem, ibidem.24Idem, p. 66–67.25Idem, p. 68.26Relatório apresentado à AssembléaLegislativa Provincial pelo Presidente daProvíncia, o Exmo. Sr. João TheodoroXavier de Mattos em 14 de fevereiro de1875 apud Frehse, Fraya. O tempo das ruasna São Paulo de fins do Império. p. 53.

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27Prado Júnior, Caio. Op. cit., p. 68.28Idem, p. 69.29Andrade, Margarida M. Metamorfosesda expansão urbana na gênese damoderna cidade de São Paulo. p. 172.30Idem, p. 173.31Idem, ibidem.32Idem, ibidem.33Relatório do Presidente da ProvínciaJoão Alfredo C. de Oliveira à AssembleiaLegislativa Provincial – 1886. São Paulo:Typ. Jorge Seckler & Cia. apud Andrade,Margarida M. Op. cit., p. 173.34Martin, André Roberto. A permanênciada deterioração urbana como processo: ocaso do bairro do Brás. p. 203. Não seconclua, porém, que apenas essas regiões

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receberam as camadas menos favorecidasda população. Caio Prado Júnior narra queo mesmo processo pode ser encontrado anorte, “invadindo as baixadas do Tietê”.Veja-se, por exemplo, a linha de bairrosque acompanha o antigo arraial de NossaSenhora da Expectação do Ó, “integradona cidade com o nome de Freguesia do Ó:Casa Verde, Chora-Menino, Mandaqui,Santana, Vila Guilherme, Vila Maria etc. Avárzea é apenas ocupada em estreitasfaixas que a atravessamperpendicularmente, acompanhando asvias de comunicação, artificialmenteelevadas por aterros acima do nível dasenchentes, e que ligam o corpo da cidadeàqueles bairros afastados: Avenida SantaMarina, Estrada do Limão, Avenida Rudge,Rua Voluntários da Pátria, AvenidaGuilherme Cotching e umas poucasoutras”. Prado Júnior, Caio. A cidade de São

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Paulo: geografia e história. p. 72–73.35Prado Júnior, Caio. Op. cit., p. 70.36Idem, p. 71.37Réclus, 1894 apud Andrade, MargaridaM. Op. cit., p. 172.38Idem, p. 178.39Prado Júnior, Caio. Op. cit., p. 74.40Idem, p. 75.41Andrade, Margarida M. Op. cit., p. 179.42Frehse, Fraya. O tempo das ruas na SãoPaulo de fins do Império. p. 102.4318 de maio de 1970 apud Frehse, Fraya.Op. cit., p. 102–103.44Suzuki, Júlio César. Metamorfoses daexpansão urbana na gênese da modernacidade de São Paulo. p. 134.

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45Andrade, Margarida M. Op. cit., p. 174.46Idem, p. 175.47Penteado, s.d.: 172; 215–218 apudAndrade, Margarida M. p. 178.48Discurso do Deputado Carlos Vilalva.Câmara dos Deputados do Estado de SãoPaulo. Annaes da Sessão Ordinária de1895, 81a Sessão Ordinária, 16/8/1895apud Andrade, Margarida M. p. 179.49Esse trecho foi tratado, de maneiraaprofundada, em Tangerino, Davi de P. C.Crime e cidade: violência urbana e Escola deChicago. p. 37 e ss.50Assim, a Série I continha 5.159 meninostruants, de 8 a 16 anos, levados à Corteentre os anos de 1971 a 1927; a Série IIcontinha 9.423 meninos a quem seimputava alguma espécie de infração

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penal, com idade variando entre 10 a 16anos, no ano de 1926; a Série III continha8.591 meninos com o mesmo perfil dasérie precedente, mas referente ao ano de1927; a Série IV incluía 8.141 meninos comidades entre 10 e 16 anos, para o períodode 1917 a 1923, que se envolveram com osprobation officers; a Série V inclui 8.056meninos com o mesmo perfil da sérieprecedente, para o período de 1900 a 1906;a Série VI, utilizada como comparação, écomposta de 6.398 jovens adultos levadosà Boy’s Court of Chicago (estruturaintermediária entre a justiça para criançase adolescentes e a justiça criminalpropriamente dita), com idade entre 17 e20 anos, entre os anos de 1924 a 1926; aSérie VII inclui 7541 adultos criminososlevados à prisão do Condado de Cook em1926; finalmente, a Série VIII contém as2.869 meninas de 19 a 17 anos levadas à

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Corte entre os anos de 1917 a 1923.51Shaw, Clifford. Delinquency Areas. p. 33–52.52Não há tradução precisa, mas seaproxima do termo vagabundo; tratando-se de meninos quiçá fosse maisapropriado o vocábulo gazeteiro.Preferiremos, porém, o vocábulo noidioma original.53Shaw, Clifford. Op. cit., p. 45.54Apud Idem, p. 47.55Idem, p. 48.56Idem, p. 49.57Shaw, Clifford. Delinquency Areas. p. 36–37.58Shaw, Clifford. Op. cit., p. 46.

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59Esse trecho foi tratado, de maneiraaprofundada, em Tangerino, Davi de P. C.Crime e cidade: vio lência urbana e Escolade Chicago. p. 77 e seq.60Thomas, William; Znaniecki, Florian. ThePolish Peasant in Europe and America. p. 191.61Nesse ponto a lição de Merton e deNisbet: “Nas áreas rurais, as ofensasmenos graves tendem a ser resolvidas forada corte, por parentes, vizinhos, ministros[religiosos] e outros. Nas áreas urbanas,onde os recursos oficiais estão maiscompletamente desenvolvidos e aspessoas confiam mais nos controleslegais, ofensas similares estão maissujeitas e encontrar suas soluções nascortes”. Merton, Robert K.; Nisbet, Robert.Contemporary social problems. p. 64. Nomesmo sentido, Roucek, Joseph S. SocialControl. p. 71: “[…] é precisamente o poder

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da cidade em ‘atingir mudançasfundamentais na ordem existente’ que põea perigo e enfraquece as medidas decontrole social na sociedade urbana; […];então, medidas não legais de controle sãosubstituídas por agências de controleformais e legalmente organizadas”. Notado autor, não integrando a citação.62Freitas, Wagner Cinelli de Paula. Espaçourbano e criminalidade: lições da Escola deChicago. p. 77.63Roucek, Joseph S. Social Control.64Shecaira, Sérgio S. Crimonologia. p. 56.65Bergalli, Roberto. La ideología del controlsocial tradicional. Doctrina Penal: teoría ypráctica en las ciencias penales. p. 805.66Sabadell, Ana Lucia. Manual de sociologiajurídica: introdução a uma leitura externa

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do direito. p. 133.67Shaw, Clifford; McKay, Henry.Delinquency Areas. p. xv.68Reiss Jr., Albert. Why are communitiesimportant in understanding crime? p. 05.69Idem, Ibidem, p. 5.70Idem, Ibidem, p. 18.71Angell, Robert. The social integration ofselected American Cities. p. 575–592.72Faris, Robert. E. L. Social disorganization.p. 194.73Shecaira, Sérgio Salomão. Controlesocial punitivo e a experiência brasileira.p. 405.74Fausto, Boris. Crime e cotidiano. p. 113.75Fausto, Boris. Crime e cotidiano. p. 187.

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76Idem, Ibidem, p. 122.77Idem, Ibidem, p. 135.78Idem, Ibidem, p. 136.79Fausto, Boris. Crime e cotidiano. p. 174.80Idem, Ibidem, p. 175.81Idem, Ibidem, p. 176.82Idem, Ibidem, p. 177.83Fausto, Boris. Controle social ecriminalidade em São Paulo: umapanhado geral (1890–1924). p. 198.84Idem, Ibidem, p. 199.85Idem, Ibidem, p. 202.86Idem, Ibidem, p. 202.87Idem, p. 206.88Frehse, Fraya. O tempo das ruas na São

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Paulo de fins do Império. p. 64.

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1

Do viés médico-psicológico aoviés crítico daCriminologiaClínica:mudanças noenfoqueinterpretativo dos

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fatores apontadosnos examescriminológicosAlvino Augusto de Sá*

SUMÁRIO:

1.1 Considerações iniciais.1.2 A questão do viés1 naCriminologia Clínica.1.3 Os fatores criminológicos

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considerados relevantes aolongo das práticaspenitenciárias.

1.3.1 A tabela de índices deÓdon Ramos Maranhão.1.3.2 O I Encontro doCentro de ObservaçãoCriminológica.1.3.3 Levantamento defatores a partir da análisede exames criminológicosrealizados.1.3.4 O Seminário sobre asFunções das ComissõesTécnicas de Classificação.1.3.5 Análises comparativasentre as listas de fatores,

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quanto aos fatores que ascompõem.

1.4 Mudanças nos enfoquesinterpretativos.

1.4.1 Primeiro grupo:fatores relacionados com ahistória de vulnerabilidadepsíquica.1.4.2 Segundo grupo:busca do próprio espaçosocial e processo deetiquetamento.1.4.3 Terceiro grupo:história de marginalizaçãoprimária e devulnerabilidade social.1.4.4 Quarto grupo: história

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de marginalizaçãosecundária e deprisionização.1.4.5 Quinto grupo: formade ajustamento (quasenecessário) à “vida nocrime”.

1.5 Considerações finais.1.6 Referências bibliográficas.

1.1 ConsideraçõesiniciaisO autor deste texto atuou como

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psicólogo do sistema penitenciáriopaulista (atualmente, Secretaria deAdministração Penitenciária —SAP) por mais de 30 anos.Trabalhou inicialmente no Institutode Biotipologia Criminal,realizando exames psicológicos nospresos, bem como elaboroupareceres do mesmo Instituto parafins de instrução de pedidos debenefícios legais. Extinto oInstituto, passou a integrar aEquipe de Perícias Criminológicas(EPC) da Casa de Detenção, sempreprocedendo a períciascriminológicas. Extinta a EPC,passou a integrar, a partir de 1984,

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as equipes técnicas do Centro deObservação Criminológica (COC),onde eram centralizados naquelaépoca os exames criminológicos detodo o Estado de São Paulo.

Mudanças importantesocorreram no sistema penitenciárioem nível institucional. A partir de1984, entrou em vigor a Lei deExecução Penal (LEP), que trouxediretrizes para modificaçõessignificativas na execução penal,extensivas ao trabalho técnico,particularmente às avaliaçõestécnicas. A LEP antes de suareforma de 2003, previa o examecriminológico de entrada, o exame

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criminológico feito para fins deinstrução dos benefícios, o parecerda Comissão Técnica deClassificação (CTC) e o exame depersonalidade. No COC, valorizou-se muito o trabalho interdisciplinar.Com isso, a par de certo desencantocrescente dos psiquiatras por essetipo de serviço,2 os outros técnicos,psicólogos e assistentes sociais,começaram a ter um papel maisdestacado nas perícias. Além disso,os técnicos dos outros presídios(especialmente os psicólogos eassistentes sociais), passaram adesenvolver projetos de trabalhoem outras frentes, envolvendo-se

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mais diretamente com a dinâmicaprisional e com programas dachamada ressocialização, seja comomembros das CTCs, seja comomembros dos Grupos deReabilitação (GRs). Os própriosassistentes sociais conquistaramaos poucos uma identidade epresença mais marcantes nosistema prisional.

Com essas mudanças, aos poucosmigrava-se de uma compreensãomais estritamente biologicista,psicologicista da conduta criminosae do homem criminoso, para umacompreensão pluridimensional,psicossocial, crítica e até mais

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humana, não só do homemcriminoso, como também dohomem preso. O examecriminológico, como avaliaçãotécnica centralizada no COC,deixava, dia a dia, de ser a grande eúnica avaliação técnica. Outrasavaliações passaram a serrealizadas, sobretudo no âmbitodos Grupos de Reabilitação. Mesmoporque, a partir da reforma da LEPde 2003, não mais havia previsãolegal das avaliações técnicas feitaspara fins de concessão dosbenefícios legais. Essa alteraçãolegislativa liberou grande parte dotempo dos técnicos e oportunizou

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que seu trabalho se ampliasse paraatividades de promoção dosinternos e de sua reinserção social,sempre a favor da conscientizaçãode novos paradigmas na forma decompreender o fenómeno do crimee do homem criminoso.

As mudanças teóricas ocorridas,desde um viés médico-psicológico,3

para um viés psicossocial e tambémcrítico, tiveram e vêm tendoreflexos gradativos nas práticaspenitenciárias dos técnicos, deforma diferenciada, dependendo dotécnico e do presídio. Esses reflexosàs vezes são explicitamenteassumidos no discurso e na prática,

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outras vezes são admitidos nodiscurso, mas não muito na prática,outras vezes se fazem sentir em umprocesso de questionamentos e dedúvidas.

Como um dos resultadosimportantes de mudança de“mentalidade” sobre o homempreso pode-se considerar a criação,na SAP do Departamento deReintegração Social, órgãoencarregado das políticas e dodesenvolvimento dos trabalhostécnicos. Tal Departamento, comoprova da força e da importância quevem tendo esse redirecionamentoteórico, acaba de ser alçado à

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condição de Coordenadoria deReintegração Social e Cidadania.

Igualmente, foi graças a todoesse processo de migrações teóricase também de práticas que se abriuespaço para que, nos anos de 2004 e2005, se desenvolvesse em todo osistema penitenciário paulista umprograma de discussão,desenvolvimento e supervisão deprojetos de reintegração social,supervisionado pelo autor dopresente texto. Essencialmente,discutiu-se o conceito dereintegração social, proposto porAlessandro Baratta (1990), emcontraposição ao tradicional

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conceito de ressocialização. Odesenvolvimento desses projetossupõe uma revisão de paradigma,pois se passa de uma visão dohomem preso como mero “objeto”passivo de assistência para umreconhecimento desse homemcomo sujeito ativo de diálogo. Ohomem preso não é maisconsiderado em primeiro planocomo criminoso, mas como pessoa,não se perdendo de vista suacondição de preso, da qual resultammuitas de suas características atéentão tidas como criminógenas.4

Há que mencionar também,como fator relevante nesse processo

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de mudança de paradigmas, arealização, em outubro e novembrode 2008, do Seminário sobre asFunções das Comissões Técnicas deClassificação. O evento foiorganizado pela Escola deAdministração Penitenciária, daSAP, com o apoio e parceria doentão Departamento deReintegração Social. A coordenaçãotécnica ficou a cargo do autor dopresente texto e dele participarammais de 400 técnicos (psicólogos eassistentes sociais) da SAP, mais 11técnicos representantes de outrosEstados, além de alguns advogados,enfermeiros, pedagogos e agentes

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penitenciários. No seminário,foram discutidos os modelosmédico-psicológico, psicossocial ecrítico de Criminologia Clínica esuas respectivas implicações naspráticas penitenciárias, incluídas aías de avaliação (com uma ampladiscussão sobre o examecriminológico e o parecer dasCTCs) e as de reintegração social.

Essas migrações, todas ocorridasem nível institucional, e, sobretudo,as migrações teóricas, aos poucosvêm criando seus tentáculos naspráticas profissionais. Se seusreflexos se fizessem sentir noenfoque interpretativo dado pelos

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técnicos aos fatorescriminológicos,5 por certo ter-se-iauma visão bem diferente sobre ohomem preso e sua condutacriminosa. Faz-se referência aquiespecialmente a uma mudança deenfoque interpretativo que migrado viés médico-psicológico para oviés psicossocial e, principalmente,para o viés crítico.

Daí, pois, o objetivo destetrabalho: fazer um apanhado dosfatores criminológicos, ou, dosaspectos historicamenteconsiderados relevantes nasperícias criminológicas, maisespecificamente no sistema

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penitenciário paulista, para, aseguir, discutir um contrapontoentre o enfoque interpretativo maistradicional, de viés médico-psicológico, acerca desses fatores, eum enfoque interpretativo de viéspsicossocial e crítico.

Com este trabalho, pretende-seoferecer subsídios para os técnicosque trabalham na elaboração deavaliações técnicas, no âmbito daexecução penal, a fim de que, quemsabe, possam verificar que existeoutra forma de interpretar osmesmos dados, sob um enfoquediferente, que provavelmentelevaria a conclusões distintas. É

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possível que o trabalho seja útilpara promotores, juízes eadvogados que militam nas varasde execução. Sem que o autorqueira ser pretensioso, entende-seainda que poderão ser oferecidossubsídios para a avaliação dascircunstâncias judiciais previstas noart. 59 do Código Penal,particularmente a depersonalidade.

Inicialmente, far-se-á umasucinta apresentação dos trêsmodelos de Criminologia Clínica, omédico-psicológico, o psicossocial eo crítico. A seguir, no segundo item,será realizado um rastreamento

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histórico dos fatores (ou dosaspectos) comumente analisadosnas perícias criminológicas, maisespecificamente no âmbito dosistema penitenciário paulista. Talrastreamento far-se-á com base: a)na tabela de índices de Ódon R.Maranhão; b) em um documentoteórico-prático gerado no IEncontro do Centro de ObservaçãoCriminológica, ocorrido em 1987; c)na análise de uma amostragem deexames criminológicos realizadosentre os anos de 1998 e 2001; d) nasrespostas dos participantes doSeminário sobre as Funções daComissão Técnica de Classificação

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à questão da terceira oficinatécnica, que versava sobre oconteúdo do exame criminológico,tendo-se como fonte de consulta orelatório final do seminário. Paraconcluir o segundo item, far-se-áuma análise comparativa entre aslistas de fa-tores criminológicosapresentadas até então, quanto aosfatores que as compõem. Por fim,no terceiro item, discutir-se-áacerca de diferentes visões que sepoderão ter do homem criminoso ede sua conduta criminosa, a partirdo contraponto entre enfoquesinterpretativos diversos,dependendo do viés teórico da

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Criminologia Clínica.

1.2 A questão doviés6 naCriminologia ClínicaRealizando uma abordagembastante sucinta sobre o assunto,pode-se distinguir, na CriminologiaClínica, um modelo médico-psicológico, um modelopsicossocial e um modelo crítico.7

No modelo médico-psicológico, apreocupação principal é explicar ascausas do comportamentocriminoso, e, no estudo dessas

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causas, a ênfase recaiprincipalmente sobre o psiquismo,a personalidade, o corpo e, a seguir,sobre o histórico familiar e socialdo agente. O histórico familiar esocial (não sociológico) sãovalorizados, porém enquantocentrados na individualidade doagente. Diríamos que o epicentrodo comportamento delinquenteestá na realidade biopsíquica doindivíduo. Há uma tendência deestabelecer quase que uma relaçãode causa e efeito entre as condiçõesbiopsicológicas e a condutacriminosa, e a se pender para umaconcepção algo predeterminista da

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mesma. No modelo psicossocial, apreocupação ainda é por seconhecerem os múltiplos fatoresassociados à conduta delinquente.Valorizam-se, todavia, muito maisos fatores sociais e sociológicos,comparativamente com o anterior.O foco não prioriza as condiçõesbiopsicológicas. No viés crítico daCriminologia Clínica, apreocupação não é (ou não deveriaser) mais a de estudar causas daconduta criminosa ou múltiplosfatores a ela associados, mas osmúltiplos fatores pelos quais oindivíduo se tornou frágil evulnerável perante o sistema

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punitivo e foi criminalizado porele.8

1.3 Os fatorescriminológicosconsideradosrelevantes ao longodas práticaspenitenciárias1.3.1 A Tabela DeÍndices De Ódon RamosMaranhão

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As chamadas tabelas de índices (depericulosidade, de prognóstico dereincidência) foram muitoestudadas e pesquisadas naprimeira metade do século XX,principalmente nos Estados Unidose Alemanha. Com elas, seusautores pretendiam oferecer umsistema preditivo da conduta futurado infrator, quando, por exemplo,da decisão sobre a concessão debenefícios de liberdade. No Brasil,a tabela pesquisada foi a de ÓdonRamos Maranhão, autor este que setornou um dos expoentes daCriminologia Clínica em nossopaís.

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Maranhão (1963), após umapesquisa feita em 150 sentenciados,propós uma tabela de vinte índicesindicadores de prognóstico dereincidência criminal (ou depericulosidade, nos termos entãoutilizados). Desses vinte índices osque têm sido mais comumenteconsiderados nas períciascriminológicas são os seguintes:

1. Doenças infanto-juvenis degrave repercussão nodesenvolvimentosomatopsíquico.

2. Família desagregada.3. Ausência ou interrupção do

aprendizado escolar e

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profissional.4. Início precoce de

automanutenção.5. Instabilidade profissional

e/ou empregatícia.6. Internação em orfanatos,

abrigos e similares.7. Fugas de casa ou de

instituições escolares,assistenciais etc.

8. Integração de grupos sematividade construtiva.

9. Início precoce dacriminalidade antes dosdezoito anos de idade.

10. Natureza jurídica do delito(património — costume —

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pessoa).11. Inadaptabilidade ao convívio

e à disciplina penitenciárias.12. Precário ou nulo ajuste ao

trabalho interno.13. Reincidência rápida.14. Criminalidade interlocal.15. Delitos praticados em bandos

ou com agravantes legais.16. Deficiente aproveitamento

escolar e profissional nopresídio.

17. Distúrbios precoces deconduta.

18. Perturbações psíquicas dequalquer natureza.

19. Número elevado de

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incidentes judiciários epoliciais.

20. Permanência nos estágiosiniciais da execução da pena.

Dos índices da tabela deMaranhão, “início precoce deautomanutenção” praticamente foisubstituído ao longo das práticaspenitenciárias por “início precoceno trabalho”, e, no lugar de“reincidência rápida”, considerasesimplesmente “reincidência”. Osdois seguintes não têm sidoreputados nas períciascriminológicas: “criminalidadeinterlocal” e “permanência nosestágios iniciais da execução da

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pena”.Vale observar que Maranhão não

prevê em sua tabela fatores depersonalidade, característicaspsicológicas do periciando, queintegram outras tabelas e que têmsido muito frequentementebastante valorizados e nãoraramente têm apresentado umaimportância decisiva para asconclusões das avaliações técnicas.Igualmente não prevê o fator“atitude em relação ao crimepraticado”, presente em outrastabelas, e que tem sido analisado naquase totalidade dos examescriminológicos, sob denominações

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como: autocrítica (acerca do crimepraticado), capacidade crítica,capacidade reflexiva. Também estáassociado a essa “atitude emrelação ao crime praticado” o fator“desenvolvimento dos valores ético-morais”, cuja aferição épreocupação constante na grandemaioria das avaliações técnicas. Taisfatores não são incluídos pelo fatode que a tabela de Maranhão, comomuitas outras, não pretendeoferecer um diagnóstico clínico.Seu objetivo é disponibilizar umroteiro de fatores mais objetivos,inclusive com tratamento e critériosestatísticos de decisão, sem que se

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descarte a importância dos fatoresque dependem muito mais de umaavaliação clínica.

De frisar, entretanto, que a tabelade Maranhão (1963), até mesmopela autoridade que representa seuautor, teve sua influência nasperícias criminológicas, não comotabela, evidentemente, mas comofonte de informações sobreaspectos relevantes a seremavaliados criminologicamente.Ódon Ramos Maranhão, mesmoenquanto era professor de MedicinaForense e de Criminologia naFaculdade de Direito da USP,chegou a ser Coordenador da

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Equipe de Perícias Criminológicasna Casa de Detenção, na segundametade da década de 70 (séculoXX).

1.3.2 O I Encontro DoCentro De ObservaçãoCriminológicaO COC, da então Secretaria deJustiça do Estado de São Paulo,realizou o I Encontro deObservação Criminológica noperíodo de 09 a 17/02/1987, sob aCoordenação Geral de SuraiaDaher, então Diretora da referidaunidade. Desse encontro resultou

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um documento de 120 páginas,elaborado por diversoscolaboradores, também sob aCoordenação Geral de SuraiaDaher, intitulado I Encontro deObservação Criminológica.9 Umdocumento valioso, seja por seuconteúdo, seja por suarepresentatividade histórica, no quese refere ao pensamentocriminológico clínico no contextodo sistema penitenciário paulista.Ele reflete o pensamento clínico-criminológico da época, de viésmédico-psicológico. Essepensamento perdurou de formaexplícita, a saber, estampado nas

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perícias criminológicas, ao menosaté a reforma da Lei de ExecuçãoPenal de 2003, por força da qual nãoeram mais previstas as avaliaçõestécnicas feitas para fins deconcessão dos benefícios legais. Elenão deixa, porém, de registrar oslampejos de um pensamento maiscrítico, visto que, dos textos quecompõem o documento, constacuidadosa exposição sobre acriminologia crítica e radical, o quetraduz uma preocupação, já àquelaépoca, pelos questionamentosdessa criminologia. Outro aspecto aser realçado nesse documento é aimportância dada aos fatores

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sociais e ao Serviço Social nospresídios. Tal importância foiatribuída muito em função dabemsucedida experiênciadesenvolvida pela equipe técnica daPenitenciária Feminina da Capital,quando Suraia Daher era Diretoradesta. Os membros desse grupointegraram a equipe decolaboradores do documento, umavez que passaram a fazer parte daequipe técnica e administrativa doCOC.

O autor do presente trabalhocolaborou no referido documentocom um texto sobre AntropologiaCriminal e Criminologia Clínica.

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Nele são apontados “fatores” queforam objetos de aferição nosexames criminológicos,considerando as práticas entãodesenvolvidas, sendo classificadosem quatro grupos, a saber: jurídico-penais, médicopsiquiátricos,psicológicos e sociais, em umarelação que aqui passa se a chamarde relação 1. Dos fatores médico-psiquiátricos nenhum em particularé mencionado; citase unicamente ogrupo e se faz alusão à suanatureza. A par disso, ao final dodocumento, quando cada áreatécnica apresenta sua contribuiçãoseparadamente, os psicólogos,

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como equipe, elencam os aspectosque entendem devam ser por elesavaliados nas perícias (questão essanão abordada pelas outras áreas),em uma relação que aqui passa se achamar de relação 2. Ela reflete avisão de toda uma equipe depsicólogos na época acerca dosfatores psicológicos a seremvalorizados nos examescriminológicos, e coincide em suagrande parte com os índices daavaliação psicológica da relação 1.Daí a importância de se retomaremos fatores criminológicos entãoapontados pelo autor destetrabalho (relação 1), na forma como

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foram classificados, esclarecendo-se, no entanto, que o grupo dosfatores psicológicos é constituídopelos que integram a relações 1 e 2,com algumas adaptações,mudanças de redação em um ououtro, para melhor integração dasduas relações.

Segue, pois, a lista de “fatores”criminológicos tirada dodocumento que resultou do IEncontro do Centro de ObservaçãoCriminológico, realizado emfevereiro de 1987, a qual passa a sechamar aqui de primeira lista defatores criminológicos. Atente-separa essa importante observação: a

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denominação “fator criminológico”está sendo usada neste texto nãoem seu sentido, tal como foidefinido acima (vd. nota 5), mas emum sentido mais amplo, pois, arigor, a primeira relação (relações 1e 2) não é composta de fatorescriminológicos propriamente, masde dados, de informações, decaracterísticas que devem serobjeto de aferição. Voltar-se-á a estaquestão logo mais adiante.

Primeira lista de fatorescriminológicos (COC)

Fatores jurídico-penais (relação1):

1. reincidente ou primário.

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2. conduta carcerária.3. histórico das entradas

anteriores.4. morfologia do(s) delitos(s).5. número de delitos

praticados.6. total de pena, cumprida e a

cumprir.Fatores médico-psiquiátricos

(relação 1): dados relativos à clínicamédica, à neurologia eeletroencefalografia e às funçõespsíquicas básicas.

Fatores psicológicos (relações 1 e2):

7. agressividade: auto eheteroagressividade,

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intensidade, formas deexpressão.

8. maturidade emocional eestabilidade emocional.

9. mecanismos contensores esua eficácia.

10. capacidade de tolerarfrustrações.

11. interação social: liderança,influenciabilidade.

12. capacidade de adaptação:quantidade e qualidade dosvínculos afetivosestabelecidos.

13. nível intelectual.14. capacidade de elaboração e

de crítica (inclusive sobre o

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delito).15. valores culturais, morais e

éticos, de acordo com ocontexto social deprocedência e atual.

16. vida criminal: antecedentespessoais e familiares.

17. delito: formas, frequência,progressão (do menos gravepara o mais grave).

18. estruturação na vida docrime.

19. desenvolvimentopsicossexual.

20. integração do ego.21. prospecção de futuro.Fatores sociofamiliares (relação

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1):22. histórico de vida.23. histórico familiar

(constituição, harmonia dolar, valores, formas deeducação).

24. condições económicas esociais.

25. mudanças de residência.26. profissionalização.27. experiências na adolescência

e juventude.28. vida social, amizades.29. início da vida delinquencial.Fazendo-se uma rápida

comparação entre a tabela deMaranhão (1963) e a listagem

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acima, ressalta-se de imediato amaior objetividade, ou melhor, amaior precisão dos índices daprimeira, como um pressupostobásico, aliás, de qualquer tabela. Defato, as tabelas de índicespretendem oferecer a vantagem depossibilitar maior precisão naavaliação e até mesmo um suporteestatístico. Pode-se verificar que,em sua grande maioria, os índicesde Maranhão podem estarcontemplados, de uma forma ou deoutra, na listagem do COC. Os itensdessa listagem são em geral amplose pouco precisos, principalmente ossociofamiliares. Como exemplo,

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histórico de vida inclui, emprincípio, tudo o que diz respeito àvida do indivíduo. Históricofamiliar compreende tudo o que dizrespeito à sua família. O mesmo sediga de condições económicas esociais, profissionalização etc.Poder-se-ia dizer que a listagem doCOC (relações 1 e 2) constituiriaantes uma espécie de sugestão deroteiro de avaliação, e não umarelação de fatores criminológicos.Isso tem a vantagem de direcionarmenos o profissional para ocomportamento criminoso em si efacilitar que ele tenha uma visãomais ampla da pessoa, na linha do

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que seria o exame depersonalidade. Por outro lado, tema desvantagem de poder tornar oexame criminológico menospreciso.

Outra diferença importante é queos índices que compõem a tabela deMaranhão são todos negativos, ouseja, são de fato fatorescriminológicos. Por sua vez, os itensda listagem do COC, em suas duasrelações, são redigidos, em suamaioria, na forma neutra, na linhamesma do que seria antes umroteiro de exame. Poder-se-ia dizerque os itens da primeira lista sãofatores, mas não fatores

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criminológicos. Por exemplo, o item9, “maturidade emocional eestabilidade emocional”, passaria aser fator criminológico se fosse“imaturidade e instabilidadeemocionais“; o item 10 deveria ser“falta de mecanismos contensores“;o item 11, “incapacidade de tolerarfrustrações”. E assim por diante.

Em todo caso, com uma listaunicamente de fatores (jurídico-penais, sociais, psiquiátrico,psicológicos), e não de fatorescriminológicos, é menor o risco dese ter uma predisposição negativana avaliação.

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1.3.3 Levantamento DeFatores A Partir DaAnálise De ExamesCriminológicosRealizadosConstituiu-se uma amostra de 80exames criminológicos comconclusão contrária à concessão dobenefício pleiteado pelosentenciado, dos quais cinco foramrealizados em 1998, e todos osdemais em 1999, 2000 e 2001, e emum só presídio. Os técnicos quesubscrevem não são os mesmos emtodos os exames. Todos os examescontêm as seguintes partes:

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finalidade, solicitante, estudojurídico-penal (do qual constam aavaliação da conduta e outrosinformes sobre a vida carcerária),estudo social, exame psicológico,exame psiquiátrico, discussão econclusão. Não consta aidentificação do examinando.Quanto à finalidade, a maioria dospedidos é de progressão pararegime semiaberto, regime aberto(PAD) e livramento condicional. Emsete exames criminológicos, falta aavaliação psiquiátrica. Nadiscussão, os técnicos sintetizam osdados (fatores criminológicos) queeles entendem ser mais

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importantes no caso em apreçopara a conclusão a que vão chegar.Na conclusão, a equipe semanifesta favorável oucontrariamente à concessão dobenefício pleiteado. No caso daamostra utilizada, todas asconclusões são contrárias. Às vezes,a equipe unicamente manifesta suaconclusão contrária, “diante dosdados acima”. Outras vezes, aequipe acrescenta algumaspalavras, explicitando qual é anecessidade a que o peticionáriodeve atender ou a que se deveatender relativamente a ele, antesde se lhe conceder o benefício em

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questão.Em todos os 80 exames analisou-

se o item DISCUSSÃO. A análiseconsistiu no levantamento defatores mencionados pelos técnicosnesse item e, por conseguinte,supostamente tidos comorelevantes para justificar aconclusão contrária. Os fatoreslevantados constituem uma listaque aqui passa a se chamarsegunda lista de fatorescriminológicos. Diferentemente dasdemais listas, estes, sim, são fatorescriminológi-cos. Eles sãoenumerados a seguir, com suasfrequências e respectivas

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porcentagens em relação ao total(80) de exames criminológicosanalisados.

Segunda lista de fatorescriminológicos (Análise amostral)

Dados sociofamiliares1. Não participação de

atividade laborterápica ou deestudo: 3 (4%).

2. Relações familiaresconflituosas na infância eadolescência: 11 (14%).

3. Família desestruturada,desorganizada, ausência deum dos pais: 26 (32%).

4. Envolvimento de familiarescom o crime: 8 (10%).

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5. Uso de álcool (5) e de drogasilícitas: 44 (55%).

6. Trabalho precoce: 28 (35%).7. Participação de grupos com

atividades antissociais epráticas de atos antissociaisna infância e/ouadolescência, passagens pelaFebem: 10 (12%).

8. Descompromisso com otrabalho (relacionamentoinstável com o trabalho): 4(5%).

9. Descompromisso com aescola, dificuldades,repetências, interrupção,ausência: 24 (30%).

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Dado jurídico-penal10. Reincidência: 28 (35%).Características psicológicas (com

dados referentes à postura e à falado examinando)

11. Falta de perspectivas defuturo, perspectivas nãocondizentes com a realidadedo preso etc.: 23 (29%).

12. Discurso estereotipado: 2(2%).

13. Primitivismo (instintivo): 10(12%).

14. Imaturidade (infantilidade,puerilidade): 47 (59%).

15. Insegurança: 3 (4%).16. Influenciabilidade

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(sugestionabilidade,vulnerabilidade, fragilidade):25 (31%).

17. Imediatismo na busca desuas satisfações (baixaresistência às frustrações): 37(46%).

18. Ambição: 3 (4%).19. Agressividade: 17 (21%).20. Impulsividade: 23 (29%).21. Formação ético-moral

insatisfatória: 33 (41%).22. Deficiência intelectual: 12

(15%).23. Perturbações psíquicas: 2

(2%).24. Baixo autocontrole

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(prevalência dos impulsos):47 (59%).

25. Dificuldades afetivas(afetividade pueril): 19(24%).

26. Atitude fria e calculista: 2(2%).

27. Autocrítica insatisfatória(baixa capacidade deintrospecção, elaboração, dereflexão): 66 (82%).

28. Falta de arrependimento: 17(21%).

29. Dissimulação: 13 (16%).Os fatores de frequência mais

elevada, na ordem decrescente, econsiderando somente os que se

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apresentam no mínimo em 25% dosexames (20 exames, uma quartaparte),10 são os seguintes:

1. Autocrítica insatisfatória(baixa capacidade deintrospecção, elaboração, dereflexão): 66 (82%).

2. Imaturidade (infantilidade,puerilidade): 47 (59%).

3. Baixo autocontrole(prevalência dos impulsos):47 (59%).

4. Uso de álcool (5) e de drogasilícitas: 44 (55%).

5. Imediatismo na busca desuas satisfações (baixaresistência às frustrações): 37

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(46%).6. Formação ético-moral

insatisfatória: 33 (41%).7. Reincidência: 28 (35%).8. Trabalho precoce: 28 (35%).9. Família desestruturada,

desorganizada, ausência deum dos pais: 26 (32%).

10. Influenciabilidade(sugestionabilidade,vulnerabilidade, fragilidade):25 (31%).

11. Descompromisso com aescola, dificuldades,repetências, interrupção,ausência: 24 (30%).

12. Falta de perspectivas de

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futuro, perspectivas nãocondizentes etc.: 23 (29%).

13. Impulsividade: 23 (29%).Desses 13 fatores um pertence ao

grupo dos jurídico-penais(reincidência), quatro concernem àavaliação social (uso de álcool e dedrogas ilícitas, trabalho precoce,família desestruturada,descompromisso com a escola),enquanto todos os oito restantesfazem parte do grupo dascaracterísticas psicológicas. Emboraesses oito fatores tenham sidomuito valorizados nos examescriminológicos analisados, nenhumdeles consta da tabela de

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Maranhão, dado que ela não prevêfatores dessa natureza. Os outroscinco, por seu turno, constam dessatabela, ainda que com redaçãodiferente.

Em vários exames, como já foidito acima, os técnicos, aoconcluírem contrariamente àconcessão do benefício, alegaramalgumas necessidades quedeveriam ser satisfeitas, emproveito do peticionário. São elas:

1. Necessidade de aprimorar areflexão, a autorreflexão,inclusive sobre a condutadelitiva pregressa.

2. Necessidade de tratamento

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psiquiátrico.3. Necessidade de desenvolver

melhor adequação aosvalores sociais.

4. Necessidade de apoio(psicossocial) para sedesenvolver melhor.

5. Necessidade de melhoramadurecimento.

6. Necessidade de ser melhorestimulado à reabilitação.

7. Necessidade de apoio parareestruturação dos vínculosfamiliares.

8. Necessidade de auxílioexterno para melhorobservação de suas

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tendências e características.

1.3.4 O Seminário SobreAs Funções DasComissões Técnicas DeClassificaçãoPor fim, nesta breve exposiçãosobre os fatores criminológicostidos como relevantes ao longo daspráticas penitenciárias,particularmente no Estado de SãoPaulo, não se poderia deixar deincluir o recente posicionamentodos técnicos sobre essa questão nojá mencionado Seminário sobre asFunções das Comissões Técnicas de

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Classificação. O seminário realizou-se em outubro e novembro de 2008,em quatro edições, com a presençade 110 a 120 participantes em cadauma. Todas as edições tiveramexatamente a mesma programação,em dois dias de duração cada:quatro palestras, quatro oficinas(trabalhos em grupos de oito a dozepessoas) e quatro painéis. O autordeste trabalho, na condição deCoordenador Técnico do Seminário,fez o relatório parcial de cadaedição e o relatório final de todo oevento.11 O relatório contém, entreoutras coisas, as súmulas dasrespostas dos grupos às questões

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das quatro oficinas.A terceira oficina técnica

trabalhou sobre a seguinte questão(em todas as quatro edições):apontar sugestões de composição ede aspectos relativos ao conteúdodo exame criminológico e doparecer de CTC. Não se poderiadeixar de transcrever nestaexposição o entendimento que maisde 400 técnicos (psicólogos eassistentes sociais e também algunsadvogados), do Estado de SãoPaulo, ou seja, a quase totalidadedeles, têm sobre qual deva ser oconteúdo do exame criminológico.Além desses mais de 400 técnicos,

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há de se lembrar a presença demais 11 técnicos representantes deoutros Estados. Trata-se deprodução recente, que retrata avisão atual dos técnicos sobre aquestão dos aspectos a seremavaliados nos examescriminológicos.

Segue, pois, in verbis, a súmuladas respostas de todos osparticipantes das quatro edições doreferido evento à terceira oficinatécnica, na parte relativaunicamente ao examecriminológico, conforme consta dorelatório final do Seminário sobreas Funções das Comissões Técnicas

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de Classificação. As respostas dosgrupos foram redigidas não emforma de fatores, mas de categoriasamplas, muitas delas até bemamplas. Entretanto, essa relação decategorias passa a se chamar aquide terceira lista de fa-torescriminológicos (ainda que, frise-sebem, não se trate de fatorescriminológicos, propriamente).

Súmula das respostas à questãoda terceira oficina técnica: apontarsugestões de composição e deaspectos relativos ao conteúdo doexame criminológico...

O Exame Criminológico deveapresentar dados informativos

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acerca de aspectos relevantes davida do indivíduo em relação com ocrime cometido e de seus traços depersonalidade. Informaçõesrelevantes a serem dadas no examecriminológico (que passam aconstituir a terceira lista de fatorescriminológicos, conforme segue):

Terceira lista de fatorescriminológicos (Seminário)

1. Qualificação individual(pessoal) do preso, seu nívelsocioeconómico, religião,dados jurídicos e informesgerais colhidos na Entrevistade Inclusão.

2. Estrutura do contexto e

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histórico familiar e suadinâmica (origem econstituição da família econvalidação de vínculos),situação socioeconómica dafamília e aspectosrelacionados com a reação dafamília diante do crimepraticado, bem comorelacionamentossignificativos,namoro/filhos/qualidade devínculos e constituiçãofamiliar atual.

3. Contexto e histórico social esua dinâmica relacional,vivências e experiências

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significativas de infância,adolescência e vida adulta,preservação dos núcleosfamiliares ou não, desde ainfância, adolescência, até avida adulta, intercursosnegativos na infância eadolescência (uso de álcool edrogas, cometimento de atosinfracionais).

4. Histórico da vida escolar,acesso ao lazer, esporte ecultura, trajeto educacional,idade/estímulos/dificuldadesde aprendizagem, evasãoescolar, cursosprofissionalizantes, vocação.

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5. Contexto profissional (vidaprodutiva lícita — trabalho)como forma de preservação eautossustento.

6. Passagens por instituiçõescorrecionais (Albergues,Casa de Abrigo, Fundaçõesetc).

7. Histórico de saúde,dependência química,avaliação médica (doenças deinfância/mentais), bem comoas condições atuais de saúdefísica e mental (traçospsicopatológicos), presençaou não de patologias, graude preservação das

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funçõespsíquicas ecognitivas.

8. Histórico da vida delitiva, ascircunstâncias do delito(nexo causal), bem como amotivação para o crime,evolução delitiva, elaboraçãointrapsíquica, crítica emrelação ao ato praticado; tipode delito/primário oureincidente/tempo de pena/motivo alegado para ocometimento do delito.

9. Contato durante a entrevista.10. Postura atual (no momento

da entrevista), seu estadopsicológico, avaliação das

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respostas, bem como suacapacidade de comunicação,a coerência de discurso(clareza, capacidade deestabelecer relações deespaço-tempo, consistênciaetc.), além de dados sobreintrojeção de valores éticos emorais.

11. Capacidade de mantervínculos afetivos.

12. Capacidade de comunicaçãoverbal e não verbal (posturacorporal, identificação), nívelde inteligência, cognição eaprendizagem raciocíniológico/abstrato/curso do

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pensamento.13. Capacidade criativa.14. Agressividade, violência

doméstica, impulsividade.15. Sentimento de culpa

(presente ou não).16. Viabilidade de planos futuros

e projetos de vidacondizentes com suarealidade ou não, apoio esuporte familiar,determinação nospropósitos.

17. Autoestima.18. Maturidade emocional.19. Nível de resistência às

frustrações e às adversidades

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do dia a dia.20. Interações pessoais

(relacionamentos, reações,transferências).

21. Vida prisional: relaçãointerpessoal com osfuncionários da prisão ecompanheiros de cárcere.

22. Participação das atividadesprogramadas nas unidadesprisionais/laborterapia/educação/projetosde reintegração.

23. Capacidade de adaptação àvida carcerária.

Observa-se que, tal como nodocumento gerado no I Encontrodo Centro de Observação

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Criminológica, a lista é compostapor categorias amplas, formuladasnão na forma negativa, ou seja, nãona forma de fatores criminológicos,mas na forma neutra ou atépositiva. Entretanto, trata-se deuma listagem bem mais complexa,mesmo porque reflete opensamento dos técnicos depraticamente todo o sistemapenitenciário paulista. Igualmenteaqui o conjunto de itens, ainda quepermeado por categorias relativas aum diagnóstico criminológico, seaproxima bastante também dochamado exame de personalidade,previsto no art. 9o da Lei de

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Execução Penal, e diferenciado doexame criminológico nos termos daExposição de Motivos dessa lei, emseu item no 34.12 As categorias sãocomplexas e refletem umapreocupação que não se restringeao diagnóstico e prognósticocriminológicos, ainda que oobjetivo explícito seja esse. Elasexprimem uma preocupaçãovoltada não para o criminoso e suaconduta criminosa, ao menosexclusivamente, mas para o homempreso e sua pessoa. Provavelmente,esse viés se deve à própriaexperiência profissional dostécnicos, que, consoante já foi dito

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acima, vêm se envolvendo mais emais com a dinâmica prisional ecom a complexa questão dareintegração social dos presos.

Uma listagem de categorias comoessa, se aplicada na prática, tem avantagem de oferecer uma visãobem mais completa do examinandoe de sua pessoa. Por outro lado,tratando-se de examecriminológico, em seu sentido maisestrito, ela oferece o risco de perderum pouco a objetividade e precisãodo diagnóstico e do prognósticocriminológicos, propriamente ditos.Isso, bem entendido, se secontinuar defendendo a realização

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do exame criminológico.

1.3.5 AnálisesComparativas Entre AsListas De Fatores, QuantoAos Fatores Que AsCompõemAlém da Tabela de Índices deMaranhão (1963), têm-se, até omomento, três listas de fatorescriminológicos: a do COC (primeiralista), a da análise amostral(segunda lista) e a do Seminário(terceira lista). Surge de imediatouma questão bastante pertinente:

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haveria alguma integração entreessas listas? Ou, em outros termos,os fatores tendem a se repetir ousão muito diferentes de uma paraoutra? Quais os fatores que semostram constantes em todas? Paraenfrentar essas questões, segue-seuma análise comparativa entre aslistas de fatores. A análise começapela comparação entre as duasprimeiras listas, para chegar àterceira e, por fim, os dados serãocotejados com a tabela deMaranhão.

Tomando-se por base a primeiralista de fatores (COC), nacomparação com a segunda lista

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(análise amostral), verifica-se que,dos seus 29 “fatores”, nove nãoconstam da segunda lista. São eles:delito (formas, frequência,progressão), estruturação na vidado crime, desenvolvimentopsicossexual, integração do ego,condições económicas e sociais,mudanças de residência,profissionalização, vida social(amizades) e início da vidadelinquencial. Existem outros cincofatores que não estão incluídos nasegunda lista, mas que, narealidade, foram considerados naquase totalidade dos examescriminológicos analisados.13 São

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eles: conduta carcerária, históricodas entradas anteriores, morfologiado(s) delito(s), número de delitospraticados e total de pena cumpridae a cumprir. Quanto à condutacarcerária, ela consta em todos osexames como boa ou excelente, nãosendo, pois, um fator negativo, peloque não foi considerada nolevantamento. Os outros quatrofatores estão presentes nadiscussão (ou, às vezes, somente nocorpo do exame), mas, como elesvêm somente citados,14 não se tinhacerteza quanto ao seu grau devalorização pelos técnicos e à suareal influência sobre a conclusão.

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Tomando-se agora por base asegunda lista (análise amostral),constata-se que 14 de seus 29fatores não estão incluídos entre os29 fatores da primeira lista.15 Sãoeles: não participação de atividadelaborterápica ou de estudo (4%),uso de álcool e de drogas ilícitas(55%), trabalho precoce (35%),descompromisso com o trabalho(relacionamento instável com otrabalho) (5%), descompromissocom a escola, dificuldades,repetências, interrupção, ausência(30%), insegurança (4%), ambição(4%), primitivismo (12%), discursoestereotipado (2%), impulsividade

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(29%), perturbações psíquicas (2%),atitude fria e calculista (2%), faltade arrependimento (21%) edissimulação (16%).

Desses 14 fatores acima, quatrotêm sido mais comumenteavaliados no exame psiquiátrico:dissimulação, atitude fria ecalculista, perturbações psíquicas ediscurso estereotipado. Ocorre queos fatores avaliados no examepsiquiátrico não foram explicitadosna primeira lista (COC). Verifica-se,além disso, que, desses quatrofatores, três tiveram a frequênciamuito baixa, de 2%: discursoestereotipado, atitude fria e

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calculista e perturbações psíquicas.Dissimulação teve 16%.

Também vale observar que osfatores “não participação deatividade laborterápica ou deestudo”, “descompromisso com otrabalho (relacionamento instávelcom o trabalho)” e“descompromisso com a escola,dificuldades, repetências,interrupção, ausência” nãoaparecem nas relações do COC(primeira lista) nesses mesmostermos, mas pode-se supor que elesestão aí previstos na categoria“conduta carcerária” (primeirofator) e em outras categorias mais

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amplas, como histórico de vida ehistórico familiar. O mesmoraciocínio se aplica àscaracterísticas psicológicasprimitivismo, insegurança eimpulsividade, que não estão nasrelações do COC, mas que, dealguma forma, estão aí previstaspor meio de outras categoriaspsicológicas.

Pelas análises comparativasacima, conclui-se que a linha básicade avaliação e valoração dos fatorescriminológicos essencialmente nãomudou desde o I Encontro deObservação Criminológica(primeira lista de fatores), em 1987,

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até o início do presente século(segunda lista de fatores).

Considerando-se os fatores que,de fato, se sobrepõem em ambas aslistas, poder-se-ia constituir umalista de fatores que integram aprimeira e a segunda, com osdevidos ajustes de redação, a qualpassa a se chamar aqui de quartalista de fatores criminológicos (listade integração). Atente-se para ofato de que se trata de lista defatores criminológicos, isto é, decaracterísticas negativas, de dadosnegativos que são avaliados nosexames criminológicos para fins dediagnóstico e de prognóstico

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criminológicos.16 Em função disso,o fator “conduta carcerária”, dalista 1 , que foi levado em conta nosexames criminológicos analisados,passa a integrar a quarta lista comoo fator criminológico “má condutacarcerária”. Os fatores “entradasanteriores”, “número de delitos” e“total da pena” passam a constar daquarta lista como “estruturação navida do crime”. O fator “morfologiado delito” passa a ser “delitopraticado com requintes decrueldade e/ou com cuidadosoplanejamento”. Segue-se a quartalista.

Quarta lista de fatores

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criminológicos (lista de integração)Fatores sociofamiliares

1. Relações familiaresconflituosas na infância eadolescência.

2. Família desestruturada,desorganizada, ausência deum dos pais.

3. Envolvimento de familiarescom o crime.

4. Uso de álcool (5) e de drogasilícitas.

5. Trabalho precoce.6. Participação de grupos com

atividades antissociais epráticas de atos antissociaisna infância e/ou

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adolescência, passagens pelaFebem.

Fatores jurídico-penais7. Reincidência.8. Má conduta carcerária.9. Estruturação da vida no

crime.10. Delito praticado com

requintes de crueldade e/oucom cuidadosoplanejamento.

Fatores psicológicos11. Falta de perspectivas de

futuro, perspectivas nãocondizentes com a realidadedo preso etc.

12. Imaturidade (infantilidade,

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puerilidade).13. Labilidade emocional.14. Influenciabilidade

(sugestionabilidade,vulnerabilidade, fragilidade).

15. Imediatismo na busca desuas satisfações (baixaresistência às frustrações).

16. Forte agressividade (auto eheteroagressividade).

17. Formação ético-moralinsatisfatória.

18. Deficiência intelectual.19. Baixo autocontrole, fracos

mecanismos contensores(prevalência dos impulsos).

20. Dificuldades afetivas

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(afetividade pueril,dificuldade de estabelecervínculos afetivos).

21. Autocrítica insatisfatória(baixa capacidade deintrospecção, elaboração, dereflexão, inclusive sobre odelito praticado).

Passa-se agora a algumas análisescomparativas entre as duasprimeiras listas, de um lado (COC eanálise amostral), e, de outro, aterceira lista de fatorescriminológicos (Seminário). Há querealçar na terceira lista duascaracterísticas reconhecidamentemuito importantes: sua atualidade

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e sua representatividade. Ela foielaborada muito recentemente, nofim de 2008, e dessa elaboraçãoparticiparam mais de 400 técnicos,pode-se dizer, a grande maioria dostécnicos, psicólogos e assistentessociais, do Estado de São Paulo,além de 11 técnicos representantesde outros Estados. Estascaracterísticas lhe dão grandecredibilidade em termos deespelhamento atual do pensamentodos técnicos acerca do conteúdo doexame criminológico.

Por outro lado, conforme já foisobejamente esclarecido acima, nãose trata de uma lista de fatores

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criminológicos, no sentido estritodo termo. Cuida-se, antes, de umroteiro de aspectos muitocomplexos a serem analisados. Oroteiro é rico de dados, sem dúvidaalguma. Por conta da complexidadee também da generalidade dessesaspectos, praticamente todos osfatores das duas primeiras listasestão ali previstos. Para não dizertodos, talvez três fatores dasegunda lista (análise amostral), arigor, não estariam. São eles:discurso estereotipado (2%),atitude fria e calculista (2%) edissimulação (16%). Todos os trêssão mais comumente levantados na

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avaliação psiquiátrica.Observe-se ainda que a terceira

lista não só abrange quase quetodos os fatores das duas primeiras,como também inclui “fatores” quenão estão previstos nestas. São eles:aspectos relacionados com a reaçãoda família diante do crimepraticado, a motivação para o crime,evolução delitiva, capacidadecriativa, capacidade decomunicação, a coerência dediscurso, apoio e suporte familiar,determinação nos propósitos,autoestima.

Um roteiro como esse, comotambém foi mencionado

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anteriormente, tem a vantagem denão criar uma predisposiçãonegativa em relação ao examinando,assim como abre um leque bemamplo de avaliação. Eleprovavelmente está refletindo umavisão bem menos predeterminista emais humanista dos técnicos acercado homem criminoso e de suaconduta desviante. Emcontrapartida, porém, oferece orisco de desviar o técnico doobjetivo específico do examecriminológico, que é o de avaliar adinâmica (motivações) do atocriminoso (diagnósticocriminológico), para, daí, oferecer

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um prognóstico criminológico. Issopode dificultar um pouco aconsistência e a sistematização dosexames criminológicos. Retomandoo início da parte acima transcrita dasúmula das respostas à questão daterceira oficina técnica, constata-seque os próprios participantes doSeminário reconhecem, in verbis, “OExame Criminológico deveapresentar dados informativosacerca de aspectos relevantes davida do indivíduo em relação com ocrime cometido (grifo do autor) ede seus traços de personalidade”.

Finalmente, nessas análisescomparativas entre as listas de

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fatores, cumpre fazer rápidasconsiderações sobre a tabela deíndices de Ódon Ramos Maranhão(1963). No item 3.1 já foram feitasanálises comparativas entre ela e asavaliações técnicas em geral, naforma como têm sido realizadas.Vale lembrar, contudo, que, excetoos dois fatores já mencionados, a“criminalidade interlocal” e“permanência nos estágios iniciaisda execução da pena”, que não vêmsendo objeto de aferição pericial,todos os demais estão previstos nastrês listas de fatores criminológicos(COC, análise amostral eSeminário), alguns de forma direta,

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outros de forma mais indireta. Issomostra a influência do pensamentodo citado autor no trabalho técnicode avaliação criminológica, bemcomo a influência das própriastabelas de índices, ainda que, comotais, elas nunca tenham sidoutilizadas aqui no Brasil.

1.4 Mudanças nosenfoquesinterpretativosPor fim, após esse apanhadohistórico sobre os fatores que têmsido objeto de aferição nas perícias

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criminológicas, busca-se fazer umcontraponto entre a interpretaçãoestritamente criminológica dosfatores que compõem as listas, deviés predominantemente médico-psicológico, e uma interpretação deviés crítico ou humanista. A saber,um contraponto entre ainterpretação dos fatores enquanto“explicativos” da conduta criminale uma interpretação pautada emargumentos alinhados com opensamento crítico da criminologia,ou, no mínimo, com umpensamento mais humanistacentrado no preso vistoprioritariamente como pessoa, e

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não como criminoso. Ainterpretação de viés médico-psicológico tem duas característicasbásicas:

1a) Preocupa-se por “explicar” aconduta criminosa, ou seja, porbuscar as suas “causas”, deacordo, pois, com umaconcepção etiológica dela. Oconceito de causa pressupõeuma relação direta e quase quepredeterminante com o seuefeito, decorrendo daí umaconcepção criminologicamentepredeterminista docomportamento criminoso. Porisso, coloca-se aqui entre aspas a

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palavra “causa”, com o intuitode dar a entender que nemsempre ou nem todos os fatoressão interpretados por todos ostécnicos, nos examescriminológicos, como se fossemverdadeiras causas docomportamento criminoso.Enfim, resumindo, apreocupação básica aqui ébuscar entender o “porquê” daconduta criminosa.

2a) Ao buscar estas “causas”, ainterpretação de viés médico-psicológico centra sua atençãona realidade orgânica e psíquicado indivíduo, em seu corpo e em

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seu psiquismo. Obviamente, osfatores sociais e familiares sãoimportantíssimos, mas ostécnicos tendem a considerá-losde acordo com esse viés médico-psicológico, isto é,predominantemente comofatores internalizados e quepassaram a fazer parte darealidade biopsicológica doindivíduo.

Já o viés crítico não vai centrarseu foco de análise nocomportamento criminoso, mas nahistória de fragilização doindivíduo, sobretudo perante osistema punitivo, que é

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seletivamente punitivo, ou atémesmo fragilização comodecorrência da intervenção penal.

Para se fazer o contrapontointerpretativo, recorrer-se-á àanálise não de todos os fatoreslistados até agora, mas unicamentede alguns que se mostram maiselucidativos para esse fim e quetambém têm sido recorrentes nosexames criminológicos. Como osíndices da tabela de Ódon R.Maranhão (1963) estãopraticamente todos presentes nasoutras listas, e como na terceiralista (Seminário) quase não seencontram fatores criminológicos,

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os fatores aqui discutidos foramtirados da primeira e segunda listas(COC e análise amostral). Foramselecionados 12 fatores, podendo-sedizer que todos eles estão previstosna terceira lista (Seminário). Dos 12fatores selecionados, somente dois,“descompromisso com o trabalho”e “descompromisso com aescola...”, pertencem unicamente àsegunda lista (análise amostral);todos os outros dez pertencem aambas, ou seja, são fatores quecompõem a lista de integração(quarta lista de fatorescriminológicos). Oito fatorestiveram frequência considerada

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como elevada. Os fatoresselecionados são bastanteconhecidos nas práticas deavaliações técnicas. Além disso,muitos deles, sendo doconhecimento do juiz da sentença,são muito provavelmente levadosem conta quando este avaliar ascircunstâncias judiciais previstas noart. 59 do Código Penal,particularmente as relativas aosantecedentes (em umainterpretação não restrita deantecedentes), à conduta social e,de modo especial, à personalidade.

São os seguintes os 12 fatoressobre os quais se buscará discutir

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um contraponto quanto aosenfoques interpretativos, seguidosde suas respectivas frequências naanálise amostral (conforme constada segunda lista de fatorescriminológicos):

1. Relações familiaresconflituosas na infância eadolescência (14%).

2. Família desestruturada,desorganizada, ausência deum dos pais (32%).

3. Envolvimento de familiarescom o crime (10%).

4. Uso de álcool (5) e de drogasilícitas (55%).

5. Participação de grupos com

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atividades antissociais epráticas de atos antissociaisna infância e/ouadolescência, passagens pelaFebem (12%).

6. Descompromisso com otrabalho (relacionamentoinstável com o trabalho): 4(5%) (somente na segundalista).

7. Descompromisso com aescola, dificuldades,repetências, interrupção,ausência: 24 (30%) (somentena segunda lista).

8. Falta de perspectivas defuturo, perspectivas não

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condizentes com a realidadedo preso etc. (29%).

9. Imaturidade (infantilidade,puerilidade) (59%).

10. Influenciabilidade(sugestionabilidade,vulnerabilidade, fragilidade)(31%).

11. Formação ético-moralinsatisfatória (41%).

12. Autocrítica insatisfatória(baixa capacidade deintrospecção, elaboração, dereflexão, inclusive sobre odelito praticado) (82%).

Os fatores serão analisados emgrupos, tendo sido classificados em

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cinco grupos, de acordo com aproximidade deles quanto aoenfoque interpretativo, sobretudono viés crítico. Seguem-se osgrupos e suas respectivas análises econtrapontos interpre-tativos.17

1.4.1 Primeiro Grupo:Fatores RelacionadosCom A História DeVulnerabilidade PsíquicaOs fatores que compõem estegrupo (e suas respectivasfrequências na análise amostral)são:• Relações familiares conflituosas

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na infância e adolescência(14%).

• Família desestruturada,desorganizada, ausência de umdos pais (32%).

• Envolvimento de familiares como crime (10%).

Todos eles dizem respeito aproblemas da família de origem dopreso. Entretanto, além de já oterem tornado vítima, em seupassado, de uma história na qualele não teve responsabilidadealguma e que, não raras vezes, até oprecedeu, agora são “debitados”em sua conta e lhe são imputadoscomo marcas desfavoráveis e

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criminógenas de sua pessoa. ACriminologia Clínica, por seu viésmédico-psicológico, interpretaesses dados sociofamiliares comoexperiências negativas que teriamsido internalizadas pelo indivíduo eteriam favorecido nele odesenvolvimento de sua condutacriminosa. Ou, pior ainda, elas oteriam predisposto a tal conduta.Nessa ótica, o detento ou o réu comum histórico conturbado de famíliaé tido pela Criminologia Clínica epelo poder punitivo como alguémque traz internalizada em si amarca familiar do confronto com asnormas e valores.

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Na verdade, porém, ele é, antesde tudo, uma grande vítima dessehistórico conturbado, como suaprópria família provavelmente o foi.O que ele internalizou certamenteforam amargas experiências deprivação emocional, experiências deum lar pouco estável, poucoacolhedor e pouco confiável.18 Háque lembrar aqui o sentidowinnicottiano da palavra“confiabilidade” do lar. Larconfiável é aquele que aceita eacolhe a criança primeiramentecomo ela é, reassegura-a em seusconflitos e ansiedades, de maneiraa lhe propiciar condições favoráveis

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para o desenvolvimento daautoconfiança e segurançasaudáveis. A mãe é a organizadorada mente da criança, nosprimórdios de seudesenvolvimento, no dizer deWinnicott. No caso de umindivíduo cuja família de origemteve um histórico de relaçõesconturbadas, é possível que seuspais não tenham tido clima nemcondições emocionais e de culturapara se preocuparem com ele naforma como deveriam. Criam-sefatores propícios para que se instalena criança um estado devulnerabilidade psíquica (Zaffaroni,

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1998).Atente-se para a seguinte

observação, óbvia, masimportantíssima: não se trata denenhum predeterminismopsíquico. Mesmo porque outrasexperiências positivas, de igual oumaior intensidade, poderão ocorrerconcomitantemente na vida dacriança. A vida é como um cursod’água: as águas podem se espraiarou mudar de curso por conta deuma brecha que se abra nasmargens que as contêm. O estadode vulnerabilidade psíquica nãonecessariamente irá ocorrer.Todavia, ocorrendo, é possível que a

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criança, ou o futuro adolescente, ouo futuro adulto não venha a dispordas forças de resistêncianecessárias diante das adversidadese dificuldades. De modo especial, épossível que não venha a dispor deforças para se fazer valer diante dasopressões que o ambiente lheimpuser, pelos mais diversos meiose instrumentos de poder. Bementendido, a probabilidade dissoacontecer vai depender de a criança,de o futuro adolescente ou de ofuturo adulto não dispor de outrosrecursos compensatórios.

Uma das “mil e uma”decorrências possíveis desse estado

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de privações e de vulnerabilidadepsíquica poderá ser a condutaconsiderada como socialmentedesviante, ou, em outros termos, aconduta de afronta às normaspenais. Atente-se para o “detalhe”(detalhe?): uma das “mil e uma”decorrências possíveis. Sim,porque, na grande maioria doscasos de desdobramentosdesfavoráveis, a decorrência maisfrequente e mais natural, semexclusão das demais, será umasequência de novas privações e decarências de recursos internosdiante das demandas da vida, dasociedade e do ambiente em geral.

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Entretanto, há o outro “lado damoeda”, que a Criminologia Clínicade viés médico-psicológico e opoder punitivo não têm em contaem suas análises e decisões: oestado de vulnerabilidade psíquicado indivíduo torna-o frágil, poucoresistente e, portanto, presa fácildiante do sistema penal. Uma outrapessoa, que tivesse tido outrohistórico familiar, que tivessedesenvolvido sua autoconfiança,sua segurança e autoa-firmaçãodiante do ambiente e de suasopressões e que,consequentemente, conseguisseostentar seus valores, ou, ao menos,

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aqueles valores que a sociedade e opoder punitivo apreciam,provavelmente não seria capturadapor esse mesmo poder, ao menoscom a mesma facilidade. Eis,portanto, a grande questão: oestado de vulnerabilidade,decorrente de uma história familiarconturbada e de privações seria a“explicação” da conduta criminosa,ou, no reverso da moeda, seria a“explicação” do processo de seleçãoe de criminalização do indivíduopor parte do sistema punitivo?

Há que se atentar ainda paraoutro aspecto muito inquietante. ACriminologia Clínica, em seu viés

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mais estritamente médico-psicológico, e o poder punitivo, aose debruçarem sobre a condutacriminosa de um indivíduo que temesse histórico familiar, não têm umolhar compreensivo para essehistórico de relações e experiênciasfamiliares conturbadas e geradorasde sofrimentos e devulnerabilidade psíquica. Não têmum olhar compreensivo que lhespermita enxergar, para além docrime, a pessoa de quem o praticou,que lhes permita divisar suascapacidades, suas potencialidades.Não têm um olhar compreensivoque lhes permita ver “menos

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crime”, “menos dolo”, “menosantissocialidade”, na medida emque lhes permite entender o caráterprofundamente humano daconduta socialmente desviante.Pelo contrário, a CriminologiaClínica e o poder punitivo, peranteum indivíduo com esse históricoconturbado, tendem a ver nele“mais crime”, “mais dolo”, “maisantissociabilidade”. Ou, dito emoutros termos, tendem a ver nele atendência imanente para o crime.

A Criminologia Clínica vê nesseindivíduo, por conta do histórico desua família, um conjunto de fatorescriminológicos por ela bastante

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valorizados tradicionalmente paraque se firme um diagnóstico docomportamento criminoso e,consequentemente, um prognósticode reincidência. Observe-se, à guisade ilustração, que o fator “famíliadesestruturada, desorganizada,ausência de um dos pais” foi citadoem 32% dos 80 examescriminológicos analisados, comouma das justificativas para aconclusão contrária à concessão dobenefício.19

Que contraste inacreditável!Aqueles fatos que vitimizaramprofundamente essa pessoa desdeos primórdios de sua existência

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convertem-se agora em “causasexplicativas” de seucomportamento criminoso e sãotidos como indicadores de umatendência dela de cometer novosdelitos. As consequências de talconcepção se fazem sentirdiretamente no sistema penal, emsede de execução, quando, porconta do tal prognóstico dereincidência, se negam aovitimizado os benefícios legais aque almeja.

1.4.2 Segundo Grupo:Busca Do Próprio Espaço

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Social E Processo DeEtiquetamentoOs fatores que compõem estegrupo (e suas respectivasfrequências na análise amostral)são:

• Uso de álcool e de drogas ilícitas(55%).

• Participação de grupos comatividades antissociais e práticasde atos antissociais na infânciae/ou adolescência, passagenspela Febem (12%).

Os fatores deste grupo referem-se aos atos infracionais e/ou derebeldia cometidos peloencarcerado (ou pelo réu) em sua

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adolescência, sobretudo quando desua adesão a grupos que cultivavamesse mesmo estilo de conduta. Aquiestão os famigerados antecedentes,em seu sentido amplo, aos quais sesomam os antecedentes penais,propriamente, em seu sentidoestrito. Tudo isto criando sobre odetento (e sobre o réu) um estigma.O preso (ou réu) que usou álcool edrogas ilícitas no passado,participou de grupos comatividades antissociais e tevepassagens pela Fundação Casa évisto pelo viés médico-psicológicoda Criminologia e pelo sistemapunitivo como alguém que oferece

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risco à sociedade e que está“predisposto” (!) a cometer (novos)delitos. Tal concepção tem seureflexo direto no sistema penal,tanto em sede de execução,tratando-se de condenado, comoem sede de julgamento econdenação, cuidando-se de réu.Em sede de execução, dificultará aconcessão dos benefícios legais aoencarcerado, por conta do alegadorisco à sociedade que, em termos deprognóstico, se entende que eleoferece. Em sede de julgamento, ojuiz levará em conta esses fatoresna avaliação das circunstânciasjudiciais previstas no art. 59,

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particularmente dos antecedentes.Ocorre que a Criminologia e o

sistema penal não estão atentandopara outro tipo de leitura que sepode ter, ou, mais do isso, que sedeveria ter desses tais“antecedentes”. Quanto ao uso dedrogas, é oportuno lembrar apesquisa de Vera M. Batista (2003),em processos contra adolescentesdo Rio de Janeiro envolvidos comdrogas, de 1968 a 1988. A autoraconstatou que, nos casos de uso dedrogas por adolescentes brancos eprovenientes de bairros de classessociais mais ricas, se aplicava o“estereótipo médico”, em função

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dos atestados médicosapresentados pela família, e osadolescentes eram confiados àfamília. Já quando se tratava deadolescentes provenientes dasclasses pobres, envolvidosexatamente com o mesmoproblema, aplicava-se o“estereótipo criminal”, e eles eraminternados. Será que hoje seriadiferente? Será que hoje aCriminologia Clínica e o sistemapenal, diante de um adolescentepobre usuário de drogas (ou diantede um detento pobre, que foiusuário de drogas na adolescência)fariam de sua conduta a mesma

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“leitura” que fariam da mesmaconduta por parte de umadolescente rico?

Diante dessa questão, haverá porcerto quem contra-argumente,dizendo que, no caso dos fatorescriminológicos, não se trata desimples usuário de drogas. Trata-sede alguém que, tendo sido usuáriode drogas, não raras vezesparticipou de grupos com práticasde atos antissociais na infância e/ouadolescência, teve passagens pelaFundação Casa e, por fim, quandoadulto, veio a envolver-se com ocrime, sendo hoje um encarcerado(ou réu em processo criminal). Sem

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dúvida, trata-se de alguém com umpassado nada “abonador”, na linhade um julgamento valorativo de suaconduta. Tra-ta-se de um passadonada “abonador”, porém na visãode quem o avalia “de fora”, sob aótica de uma concepção etiológicado crime, cuja preocupação básica é“explicar” o crime, a condutaantissocial, centrando a busca desuas causas na pessoa daquele que,antecipadamente, é tido como“rebelde”.

Ocorre que existem outrasformas de ler e de avaliar essepassado que não seja a dojulgamento valorativo, que não seja

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a da concepção etiológica. Não setem a pretensão de dizer que sãoleituras mais verdadeiras. Trata-se,isto sim, de alertar os técnicos dosistema penitenciário e osoperadores do Direito que esse talpassado pouco “abonador” podeser entendido de outra forma, soboutra ótica. Sobre qual leitura sejamais verdadeira, mais adequada,isso vai depender de cada caso. Omais importante é que osprofissionais se desprendam dasestereotipias, dos julgamentosantecipados, baseados emestigmas. O importante é que elesabram sua mente para uma

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interpretação mais humanista, istoé, uma interpretação que leve emconta a realidade humana dapessoa que está sendo objeto deavaliação. Uma interpretação queconsidere o drama humano de suahistória e toda a trama de privações,frustrações e de exclusão social deque foi vítima.

De fato, sabe-se que o apelo paraas drogas, em si mesmo, não énenhuma expressão demalandragem ou de mau caráter.Ele costuma corresponder, emgeral, à busca de uma “solução”para algumas necessidadeshumanas, ou carências e

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frustrações igualmente humanas.Entre elas estão a privaçãoemocional, o sentimento de solidão,a frustração de sonhos e anseios, anecessidade de pertença social, deser aceito e valorizado pelo grupo.O fato de a solução não seradequada não justifica a atribuição,ao usuário, de características comomalandragem, mau caráter,propensão à prática de atos derebeldia e de delitos, entre outras.

De outra parte, tem-se aparticipação de grupos comatividades antissociais e práticas deatos antissociais na infância e/ouadolescência, seguida de passagens

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pela Fundação Casa. Tal como oapelo para as drogas, e não rarasvezes em sequência ouconcomitantemente a esse apelo,esse fator também não expressa,necessariamente, nenhumapropensão natural, psicológica,para o crime, nenhum traço depersonalidade voltado para o crime.Pode representar uma condutaprofundamente humana (isto é, nãodelinquente em si mesma), debusca de participação social, vistoque este é um anseio genuinamentehumano, de busca de pertençasocial, de aceitação, de valorização,de autoafirmação, até mesmo de

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um papel, de uma identidadesocial. Os atos antissociais chegama ser, sem dúvida, ingredientesimportantes e até mesmoidentificadores desses grupos.Todavia, isto não deveria justificarque pensadores e profissionais oschamem simplesmente de gruposcom atividades antissociais epráticas de atos antissociais, ou, emuma expressão tradicional, “gruposcom atividades predatórias”, comose isso bastasse para caracterizá-los, defini-los e explicá-los. Hánecessidade de perguntar o porquêde sua formação, onde estão asbases de suas motivações, ou, quais

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são suas primeiras e autênticasmotivações. Provavelmente,respeitadas as variantes individuais(que são profundas e irredutíveisentre si), encontrar-se-ãomotivações relacionadas com anecessidade de sobrevivência, nãosó física e individual, como tambémsocial. Sobrevivência essa,entretanto, que deverá se sustentarperante uma sociedade nãoraramente vivida e sentida pelosmembros do grupo, cada um à suamaneira, como excludente (já pelopróprio fato de serem usuários dedrogas, sabendo eles que membrosdas camadas mais privilegiadas da

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sociedade também o são).Sociedade não raramente vivida esentida por eles como hostil, quenão os têm como membros seus,mas vê neles uma ameaça à sua paze ao seu equilíbrio. Prova disso éque foram parar na Febem, ouFundação Casa, e, quando adultos,foram condenados e presos. Provadisso é que, agora, quando elesestão diante das barras do tribunal,o juiz, ao avaliar as circunstânciasjudiciais previstas no art. 59,retoma seu passado e agrava-lhes apena-base, sempre em nome dasegurança da sociedade. Provadessa sociedade hostil e excludente

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é que, agora, quando pleiteiam osbenefícios legais, essa mesmasociedade, representada pelosprofissionais por ele legitimados eassegurada por sua ciência,negalhes esses benefícios, apelandopara seu passado, passado esse que,obviamente, jamais poderá serdeletado de seu histórico, para seupróprio infortúnio.

Portanto, as raízes, as motivaçõesda formação desses grupos e deseus atos antissociais não estão,como se entende de forma muitosimplista, na “mente”, napersonalidade de seus membros,mas sim no próprio antagonismo

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que se instalou entre a sociedade eeles. Estabeleceu-se uma relaçãoantagónica, cuja iniciativa nãopartiu deles, mas da sociedade.

1.4.3 Terceiro Grupo:História DeMarginalização PrimáriaE De VulnerabilidadeSocialOs fatores que compõem estegrupo (e suas respectivasfrequências na análise amostral)são:

• Descompromisso com o trabalho

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(relacionamento instável com otrabalho): (5%) (somente nasegunda lista — análiseamostral).

• Descompromisso com a escola,dificuldades, repetências,interrupção, ausência: (30%)(somente na segunda lista —análise amostral).

Os dois fatores do presentegrupo falam de “descompromisso”,no passado, com dois valoressociais centrais: o trabalho e aescola. Na verdade, não se trataprimariamente de descompromissocom esses valores, mas dedificuldades em atendê-los e em

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satisfazer suas exigências erequisitos disciplinares por elessupostos. A “leitura” criminológicaque comumente se faz é a seguinte:os condenados (ou réus) em cujohistórico estão presentes essesfatores são indivíduos que não seadaptam às exigências da vida, nãosão capazes de investir em tarefasque exigem esforço, disciplina,persistência, dedicação, entreoutras coisas. São pessoas quequerem unicamente o “dinheirofácil”. Daí sua propensão a executaros crimes que cometeram e areincidirem. Este é o entendimentotradicional da Criminologia Clínica,

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de viés mais estritamente médico-psicológico, que, evidentemente,tem seus reflexos no sistema penal.Quando do julgamento econdenação, se esses fatores foremdo conhecimento do juiz, eleprovavelmente os levará em contana avaliação das circunstânciasjudiciais previstas no art. 59,particularmente da conduta social,por certo. Em sede de execuçãopenal, tais fatores vão contribuirpara se concluir pelo prognósticode reincidência e,consequentemente, para oindeferimento, por parte domagistrado, dos pedidos de

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benefícios legais feitos pelo preso.Igualmente aqui é mister que se

tenha um outro enfoqueinterpretativo, que o profissionalseja acessível20 a uma outra formade compreensão e de interpretaçãodesses fatores. Esses tais“descompromissos” com o trabalhoe escola, ou dificuldades em relaçãoa eles, podem muito bem estarassociados a um processo demarginalização primária (Baratta,1990) de que teriam sido vítimas osdetentos nos quais se observamesses fatores. Trata-se da exclusãosocial sofrida desde a infância, sejaquanto à não satisfação de

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necessidades básicas, comomoradia, saúde, seja quanto à faltade acesso aos bens de consumo,seja às vezes exclusão socialconcretizada até mesmo em termosde espaço geográfico. Por contadessa exclusão e marginalizaçãosociais, torna-se bastante provável acriação de um estado devulnerabilidade social (de quetambém fala Zaffaroni, 1998), oqual, muito frequentemente, viriasomar-se ao quadro devulnerabilidade psíquica, a que jáse fez referência acima. Nessecontexto todo, é de compreenderque a criança ou adolescente não

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estarão muito motivados a aderiraos valores da sociedade, tais comoo trabalho e a escola (e outrosmais). O motivo não é muito difícilpara entender. E que eles não têmgrandes expectativas de seremrecompensados por toda essadisciplina e esforço em que devemse empenhar. De quem lhes faztodas essas exigências (de bomcomportamento, disciplina, esforço,obediência, trabalho, estudo,higiene, educação, bons hábitosetc.), isto é, a sociedade, eles nadatêm a esperar como recompensa,eis que, até o momento, pouco ounada dela receberam. O que de

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“bom” receberam foi muitas vezesgraças às suas “indisciplinas”.

Na contra-argumentação ante oque vem acima exposto, talvezalguém diga que o que se estáfazendo é tentar justificar aconduta dos rebeldes à escola e aotrabalho, ou acatar a suajustificativa. Não se trata nem deuma coisa nem de outra. Cuida-se,isto sim, de procurar entrar nomundo interno dessas pessoas,para tentar entender o que se passaem suas mentes. Tudo isso à guisade hipóteses gerais, evidentemente,pois, para cada caso particular,existe sua dinâmica própria. Se

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queremos desenvolver um trabalhoconstrutivo em relação a essaspessoas, conhecer suas “verdades”e lhes fazer justiça, cabe-nos partirdaquilo que se passa em suasmentes, em suas vivências, em suavisão de mundo, e não partir do quese passa em nossas mentes ou denossa visão de mundo.

1.4.4 Quarto Grupo:História DeMarginalizaçãoSecundária E DePrisionização

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Os fatores que compõem estegrupo (e suas respectivasfrequências na análise amostral)são:• Falta de perspectivas de futuro,

perspectivas não condizentescom a realidade do preso (29%).

• Imaturidade (infantilidade,puerilidade) (59%).

• Influenciabilidade(sugestionabilidade,vulnerabilidade, fragilidade)(31%).

• Autocrítica insatisfatória (baixacapacidade de elaboração, decrítica, inclusive sobre o delitopraticado) (82%).

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Os fatores que compõem oquarto grupo são muito valorizadospelos técnicos, particularmente“falta de perspectivas de futuro” e“autocrítica insatisfatória”, de talsorte que a constatação de suapresença tem tido um peso muitogrande para que a conclusão sejacontrária. Em contrapartida, caso seconstate que o examinando temperspectivas bem definidas,consistentes e adequadas de futuro,e que apresenta uma críticamadura, bem elaborada sobre suaconduta criminosa e sobre seupassado em geral, isso vaicontribuir e muito para que a

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conclusão seja favorável.Buscando agora o reverso da

medalha, em um outro enfoqueinterpretativo, é de se perguntar:após cumprir dois, três, cinco oudez anos de prisão, que condiçõestem um detento de saberexatamente, com consistência e deforma realista, o que pretende fazerno futuro? Até mesmo umuniversitário, no seu terceiro,quarto ano de Faculdade, fazendo,portanto, um curso superior jádefinido, raramente sabe comprecisão o que vai fazer depois deformado. Que condições tem umdetento, após anos de prisão, de

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ostentar um grau satisfatório dematuridade, segurança,autoconfiança e autocrítica? Aliteratura acerca das mazelas docárcere, acerca de seus efeitosdeletérios sobre a mente do preso,enfim, acerca da prisionização, falarepetidamente dos efeitos docárcere, os quais ocasionam napessoa do preso um processoregressivo, de infantilização e detudo o mais que daí decorre.

Por conseguinte, não parece justoque o preso, quando do pedido dosbenefícios legais, tenha mais umavez que arcar com as consequênciasdos efeitos deletérios do cárcere

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dos quais ele é vítima.

1.4.5 Quinto Grupo:Forma De Ajustamento(Quase Necessário) À“Vida No Crime“O único fator que compõe estegrupo (e sua respectiva frequênciana análise amostral) é “formaçãoético-moral insatisfatória” (41%).

A análise desse fator também épreocupação dos técnicos em todosos exames criminológicos. O que sedisse sobre os itens do quartogrupo aplica-se igualmente a este,em termos de seu peso na

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conclusão do exame, contrária oufavorável. Este fator também seajustaria ao quarto grupo, namedida em que pode serinterpretado como decorrente dosefeitos deletérios da vida carcerária,da convivência contínua eprolongada com outras pessoasenvolvidas com o crime e com ajustiça. Mais do que isso, arelativização da formação ético-moral e seus “descaminhos”relativamente à moral e éticadefendidas pela sociedade tornam-se desdobramentos perfeitamentecompreensíveis diante dasimoralidades, da desumanidade,

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das injustiças e da verdadeira faltade ética do próprio cárcere. Maisuma vez, não se trata de justificar avisão ético-moral do preso, nãocondizente com os preceitos tidoscomo válidos pela sociedade, e dedizer que ela está “certa”. Trata-se,isso sim, de buscar sobre ela umaoutra interpretação, que não aquelatradicional, estereotipada esimplista de que é própria de um“ser inferior”, não ajustadosocialmente, que já tem umapropensão a afrontar os preceitosmorais e éticos.

Ademais, o “descaminho” morale ético do preso pode ser entendido

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também como uma decorrência desua “vida no crime”, como umaforma defensiva que ele encontra edesenvolve para justificar,sobretudo para si mesmo, para seujuiz interior, a sua conduta. Trata-seaté mesmo, diríamos, de umacondição de sobrevivênciapsicológica, de preservação de suasaúde mental. Tendo sofrido amarginalização primária, tendoentrado na “vida do crime”, tendosofrido a marginalizaçãosecundária, torna-se difícil ocaminho de retorno. Assim, ao réue ao preso, não raras vezes, nãoresta alternativa senão aderir a uma

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nova visão do que seja certo ouerrado, para se manter “vivo”, nãosó no sentido figurado, mas atémesmo no sentido estrito dapalavra.

Finalizando este grupo, fica umasugestão para os técnicos,advogados, promotores emagistrados (na aferição dascircunstâncias judiciais do art. 59 eem sede de execução penal): queeles atentem para o fato de que otal “desvio” éticomoral, e também aimaturidade, falta de perspectivasconsistentes, autocríticainsatisfatória não se situam, muitasvezes, entre as supostas “causas”

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da conduta delinquente, mas, pelocontrário, são antes uma das gravesdecorrências da mesma e da“obrigatória” vida no crime.

1.5 ConsideraçõesfinaisSobre muitos outros fatores sepoderia aqui discutir e refletir, nabusca de alternativas deinterpretação. No entanto, entende-se que, a partir dos que integram oscinco grupos acima discutidos, épossível oferecer uma pequenacontribuição para os técnicos e

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operadores do Direito, isto é,juízes, promotores e advogados.Uma contribuição no sentido deque eles possam visualizarmaneiras deferentes decompreender a história ecaracterísticas do réu e do preso,talvez muito diversas daquelasformas tradicionais deinterpretação. Na medida em que oprofissional esteja aberto a essasalternativas de enfoqueinterpretativo, ele vai se dispor asuspender um pouco a “leitura”que vinha fazendo sobre outrosaspectos, não discutidos aqui, queenvolvem a história e a pessoa do

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réu e do encarcerado e seperguntar, ele mesmo, se nãohaveria outra maneira decompreendê-los.

Uma observação importante seimpõe, nestas considerações finais,que não deixa de ser especialmenteinquietante. As alternativas deinterpretação aqui propostas,principalmente dentro do viéscrítico, praticamente desconstroemos fatores criminológicos, enquantocriminológicos. em outros termos,desconstroem o próprio examecriminoló-gico. Ou seja, a partirdessa migração de enfoque,inviabiliza-se teórica e

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tecnicamente o examecriminológico. O examecriminológico centra-se na avaliaçãopericial das “causas” docomportamento criminoso,enquanto o enfoque interpretativoproposto centra-se na análisecompreensiva das condiçõeshumanas da trajetória de quem foicapturado pelo sistema penal,particularmente nos aspectos quesão valorados por esse sistema.

Qual seria então a saída diante darequisição de avaliação técnica? Asaída seria a valorização e apriorização do parecer dasComissões Técnicas de

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Classificação (CTC), o qual setornaria mais substancioso se ascomissões contassem com o examede personalidade, feitoanteriormente, quando da entradado preso.21 O exame depersonalidade é uma avaliaçãocompreensiva da pessoa do preso,em sua integralidade e suatrajetória. O parecer de CTC é umaavaliação do preso em sua trajetóriadentro da prisão, em suascondições humanas e de acordocom seus recursos, focando aatenção para as suas conquistas, apartir de um olhar humanamenteinteressado daqueles que o vêm

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apoiando e acompanhando.Não há negar a existência de

crimes particularmente violentos,de crimes praticados até comrequintes de crueldade, de crimesque, enfim, inegavelmente estão asugerir sérios distúrbios deconduta.22 Os autores de tais crimesconstituem uma minoria napopulação carcerária, há quereconhecer. Em relação a casoscomo esses, o ideal seria realizar oexame criminológico, por meio deequipe de técnicos nãopertencentes ao presídio doexaminando, e, a seguir, que a CTC,de posse desse exame, fizesse o

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parecer.Para aqueles que estão

familiarizados com o pensamentocrítico da criminologia e com umpensamento mais humanista, oúltimo item do texto por certo nãotraz nada de novo, em termosteóricos. E possível que suacontribuição se dê no sentido delevar para a prática profissionalesse tipo de reflexão e buscar naprática suas implicações,decorrências e compromissos.

1.6 ReferênciasBibliográficas

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1. Baratta A. Por un conceptocrítico de reintegraciónsocial del condenado. In:Oliveira E, ed. Criminologiacrítica (Fórum Internacionalde Criminologia Crítica).Belém: Cejup; 1990;141–157.

2. Batista Vera M. Difíceisganhos fáceis: drogas ejuventude pobre no Rio deJaneiro 2 Rio de Janeiro:Revan; Instituto Carioca deCriminologia; 2003.

3. Daher, Suraia. I Encontro doCentro de ObservaçãoCriminológica. São Paulo,1987. Texto não publicado.

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4. Maranhão Ódon R.Elementos para a períciamédico-letal na avaliação dapericulosidade São Paulo:Faculdade de Direito daUniversidade de São Paulo;1963; Tese (Livre-docênciade Medicina Legal).

5. Maranhão Ódon R.Psicologia do crime 2 SãoPaulo: Malheiros; 1993;modificada.

6. Sá, Alvino A. de. Sugestãode um esboço de basesconceituais para umsistema penitenciário. In:Secretaria de

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AdministraçãoPenitenciária/Departamentode Reintegração Social.Manual de Projetos deReintegração Social, 2005, p.13–21.

7. Sá Alvino A de.Criminologia clínica epsicologia criminal SãoPaulo: Revista dosTribunais; 2007.

8. Winnicott DD. Privação edelinquência. Tradução deÁlvaro Cabral São Paulo:Martins Fontes; 1987.

9. Winnicott DD. Adelinquência como sinal de

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esperança (1967), Vivendo demodo criativo (1970). Tudocomeça em casa 2 São Paulo:Martins Fontes; 1996;Tradução de Paulo Sandler.

10. Zaffaroni E Raúl.Criminología: aproximacióndesde un margen Santa Fe deBogotá (Colombia): Temis;1998.

*Professor de Criminologia (clínica) daFaculdade de Direito da USP.1Tome-se aqui viés, não no sentido dedistorção, mas no sentido de enfoqueteórico.2Os psiquiatras foram reconhecidamenteos pioneiros da Criminologia Clínica no

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Brasil e, consequentemente, os primeiros ase frustrarem com ela diante daslimitações do sistema penitenciário.3É importante lembrar que, quando se falano presente texto de “viés médico-psicológico”, não se pretende fazernenhuma crítica destrutiva. O viésmédico-psicológico foi a origem dodesenvolvimento da Criminologia Clínica,foi e é um importante marco históricodesta e ainda hoje tem seus reflexosinegavelmente positivos. Ainda nopresente, para alguns casos emblemáticos,esse viés deve ser a principal referênciateórica central de análise e compreensão.4Sobre esse programa, vd. Secretaria deAdministraçãoPenitenciária/Departamento deReintegração Social, Manual de Projetos deReintegração Social, 2005.

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5Entende-se como fator criminológico tododado da pessoa do preso, referente ao seucorpo, à sua personalidade, ao seuhistórico social e familiar, criminal eprisional, que tem sido ou é consideradorelevante para se compreender suaconduta criminosa (diagnósticocriminológico) e se presumir sobre seuspossíveis desdobramentos (prognósticocriminológico), visando à sugestão sobre aconduta a ser tomada em relação a ele.6Tome-se aqui viés não no sentido dedistorção, mas no sentido de enfoqueteórico.7Para uma exposição um pouco maisdetalhada sobre esses modelos, ver textodo mesmo autor no Manual de Projetos deReintegração Social (Sá, 2005).8Ver sobre esse viés crítico Zaffaroni

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(1998) e Baratta (1990).9Documento não publicado.10Trata-se de um critérioreconhecidamente empírico de definiçãode limite.11Os relatórios foram feitos com a valiosacontribuição de Sandra de SouzaMeneghetti, advogada, aposentada nocargo de Executivo Público, por elaexercido na Escola de AdministraçãoPenitenciária do Estado de São Paulo.12Vd. Sá, 2007, cap. 8.13Importante é lembrar que a segundalista compõe-se realmente de fatorescriminológicos, isto é, de dados ecaracterísticas negativos. Portanto, tododado que não foi explicitamente valoradopelos técnicos, em termos negativos, não

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foi nela incluído.14Assim, a forma como o crime foipraticado sempre vem descrita no estudojurídico (a não ser que a equipe nãodispusesse da informação); as entradasanteriores vêm unicamente informadasem seu número, o mesmo ocorrendo notocante ao número de delitos praticados eao total de pena. Em outros termos, essesdados vêm relatados, mas nãoexplicitamente, como “fatorescriminológicos”.15A igualdade quanto ao número defatores de ambas as listas é meracoincidência.16Para facilitar a leitura, repete-se aqui anota 4: entende-se como fatorcriminológico todo dado da pessoa dopreso, referente ao seu corpo, à sua

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personalidade, ao seu histórico social efamiliar, criminal e prisional, que tem sidoou é considerado relevante para secompreender sua conduta criminosa(diagnóstico criminológico) e se presumirsobre seus possíveis desdobramentos(prognóstico criminológico), visando àconclusão sobre o mérito do pedido.17Para o enfoque interpretativo de acordocom o viés médico-psicológico, verMaranhão (1993).18Sobre privação emocional e suasconsequências, ver Winnicott (1987 e1996) e Sá (2007).19É bom deixar bem claro que não se trataaqui de nenhuma crítica aos subscritoresdos referidos exames. O próprio autor dopresente texto, quando realizava examescriminológicos, atribuía um peso muito

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grande aos fatores associados ao talhistórico de relações familiaresconturbadas, para justificar sua conclusãocontrária.20O termo “acessível” está sendo utilizadoaqui para significar que a dificuldade deentender um outro enfoque interpretativonão é de natureza cognitiva, conceitual,mas tem a ver com questões decompatibilidade ideológica, e não deixa deter um substrato de ordem afetiva. Trata-se não de dificuldade, mas de resistência.O apelo, portanto, é para que osprofissionais “baixem sua guarda”, suasresistências, e tentem ver com outrosolhos esses mesmos fatos que, às vezes,têm sido avaliados por eles de uma formaaté agora padrão e inquestionável. Apadronização e aparente “inques-tionabilidade”, irrefutabilidade e certeza

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naquilo que se diz dão “segurança” aodiscurso, segurança essa que tem a vermuito mais com comodismo e autodefesadiante dos questionamentos e posiçõescontrárias do que com a verdade e ajustiça.21Maior detalhamento sobre o exame depersonalidade e o parecer de CTC e suadiferenciação em relação ao examecriminológico, ver Sá (2007, cap. 8).22Por isso mesmo já se disse antes, na nota4, que o viés médico-psicológico pode ser areferância teórica principal de análise emdeterminados casos.

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Um panoramacrítico sobre opensamentocriminológicoclínico no BrasilBruno Shimizu*

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SUMÁRIO

2.1 Criminologia clínica:objeto e definições.2.2 A recepção dacriminologia clínica no Brasil eseus principais autores.2.3 Multiplicidade de teoriassobrepostas.2.4 Fervor classificatório.2.5 Medicalização do crime.2.6 Considerações finais –abordagem crítica.2.7 Referências bibliográficas.

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2.1 Criminologiaclínica: objeto edefiniçõesAo delimitar o objeto de estudo dacriminologia, A. García-Pablos deMolina e L. F. Gomes afirmam queessa ciência versa sobre o crime, oinfrator, a vítima e o controle social.A criminologia diferencia-se dodireito penal, com o qual possuivários pontos de intersecção emrelação ao objeto, em virtude daadoção de um método empírico-indutivo e da abrangênciainterdisciplinar.1

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Sendo a interdisciplinaridadeelemento estrutural do sabercriminológico, é natural que acriminologia contenha em seu bojovários ramos de saber especializados, todos voltados à compreensãode um mesmo fenômeno a partir deparadigmas diversos. Nessesentido, é bastante comum que seapregoe, de forma generalista, umadicotomia no seio da criminologia,identificando-se nela uma vertentesociológica e uma vertente clínica.

A vertente clínica dacriminologia, objeto do presenteestudo, é o saber que visa àintervenção no curso da execução

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penal, sobre a pessoa do infratorindividualmente considerada. Emanálise profunda da matéria, A. A.Sá2 identifica três possíveisconceituações da criminologiaclínica: uma tradicional, umamoderna e uma crítica.

De acordo com uma conceituaçãotradicional, a criminologia clínica éum saber médico-psicológico,voltado à busca da causa do crime,o que se dá desde uma concepçãopredeterminista ou etiológica dofenômeno criminal. Nessediapasão, a intervençãocriminológica segue o paradigmado tratamento penitenciário, em

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evidente analogia à intervençãomédica sobre as disfunçõesorgânicas.

Uma concepção moderna decriminologia tende a abrir-se paraoutros ramos do conhecimento,pregando ser o crime um fenômenocondicionado a uma multiplicidadede fatores endógenos eprovenientes do meio social.Abandona-se a crença herdada daantropologia criminal italianasegundo a qual a condição decriminoso seria algo imanente àpersonalidade do agente. Aconcepção multifatorial demotivação criminal permite o

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desenvolvimento do discurso daressocialização, que se deve buscarem várias frentes de atuação.

Por fim, o paradigma crítico dacriminologia clínica, assentadosobre a concepção de “clínica davulnerabilidade”, desenvolvida porE. R. Zaffaroni,3 inverte a questãofundamental que move o sabercriminológico. Partindo-se dopressuposto segundo o qual ocrime não possui uma realidadeontológica, mas tão somentedefinitorial, não faz sentido que sepergunte quais são os fatores – depersonalidade ou do meio – quelevam o agente ao crime. A

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generalidade da pergunta não secoaduna com a multiplicidade ecom a heterogeneidade dascondutas que o legislador definecomo ilícitos penais. A constataçãoda seletividade da violência penalimplica a preocupação com ainvestigação dos fatores defragilização da personalidade daspessoas que acabam por serescolhidas pelo sistema. Dessemodo, passam a ser o papel deintervenção da criminologia ofortalecimento psíquico e ofomento à cidadania do selecionadopelo sistema penal.

Cabe ao estudioso da

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criminologia clínica a tomada deposição quanto a qual dos conceitosadotar, sendo que tal decisão –eminentemente ideológica – será ofundamento sobre o qual haverá dese construir uma determinadateoria. Conforme será analisadoadiante, a criminologia clínica noBrasil encontra-se em um estágiode transição entre a primeiraconcepção – tradicional efundamentalmente médico-psicológica – e a concepçãomoderna, calcada no paradigmamultifatorial da motivação criminal.Alguns autores, todavia, ainda deforma incipiente, começam a

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absorver elementos da crítica naelaboração de sua produçãocriminológica.4

2.2 A recepção dacriminologia clínicano Brasil e seusprincipais autoresDe acordo com M. C. Alvarez, oinício do estudo da criminologia noBrasil se deu no final do século XIX,com a recepção das ideias dosautores da antropologia criminalitaliana – especialmente Cesare

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Lombroso – pelos pesquisadorespátrios.5 As ideias criminológicaspenetraram o País por meio dachamada geração de 1870 daFaculdade de Direito do Recife.6

Conforme adverte o autor, naépoca, “as ideias discutidas nodebate nacional eram quase semprevulgarizações das discussões emcurso, sobretudo na Europa”.7 Da-tam desse primeiro período, entrevários outros, os escritos de JoãoVieira de Araújo, Tobias Barreto eSylvio Romero.

A par da Escola de Recife, não sepode olvidar o papel centraldesempenhado pela Faculdade de

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Medicina da Bahia no que tange aessa primeira introdução do sabercriminológico em solo brasileiro. Aescola preconizada por RaimundoNina Rodrigues, absorvendo eadaptando as teses da escolapositiva europeia à realidade pátria,teve grande impacto ao relacionarmestiçagem e degenerescência,cientificizando o racismo.8

Após a primeira recepção dacriminologia, difundiu-se essapretensa ciência ao longo daPrimeira República, de modo quevários juristas de renome no Brasil– como Clóvis Bevilácqua, JoséHigino, Evaristo de Moraes e

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Raimundo Pontes de Miranda –dedicaram-se ao estudo damatéria.9

A ideia da existência de umacriminologia clínica propriamentedita, contudo, apenas passa a fazersentido a partir do advento dasteorias sociológicas, momento emque surge a percepção de que acriminologia não seria uma ciênciauna, mas sim a junção de váriossaberes conjugados no sentido deobservação e explicação dofenômeno criminal.

Dessa maneira, a criminologia,saber de caráter precipuamentemédico em suas origens, passa a

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aceitar a colaboração de outrasformas de conhecimento naformulação de seus postulados.Considera-se criminologia clínica,para os fins do presente estudo, osaber criminológico que, mesmoapós o advento das escolassociológicas, ateve-se ao viésmédico e psicológico deinvestigação do fenômeno criminal.

Segundo S. S. Shecaira, acriminologia dita sociológica surgecom a Escola Ecológica de Chicago,que abandona os postuladossemicientíficos lombrosianos edebruça-se sobre a investigação nãodogmática da criminalidade de

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acordo com um métodoverdadeiramente científico.10

Desse modo, a criminologiaestritamente clínica no Brasil passaa desenvolverse a partir de meadosdo século XX, época em que arecepção das teorias sociológicascria a dicotomia entre “as duascriminologias” em solo nacional.Por certo, esse corte temporal, maisou menos arbitrário, presta-semuito mais à delimitação do objetode investigação do presentetrabalho do que ao estabelecimentode um marco acurado deinauguração de uma ciência.

De qualquer forma, não seria

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leviano que se considerasse ametade do século XX comoimportante marco do estudo dacriminologia clínica no Brasil, emvista da considerável produçãocientífica na área. Entre osprincipais autores – e sobre osquais versará este estudo –, podemser citados: Hilário Veiga deCarvalho, Ayush Morad Amar,Álvaro Mayrink da Costa, CíceroChristiano de Souza e Ódon RamosMaranhão.

Da análise da obra desses autoreschega-se à conclusão de que acriminologia clínica no Brasil exibe,como características mais

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marcantes, a multiplicidade deteorias sobrepostas, o fervorclassificatório em relação aoscriminosos e a tentativa demedicalização do crime. Sobreessas características da clínica noBrasil vai-se discorrer ao longodeste artigo.

2.3 Multiplicidade deteorias sobrepostasOs compêndios de criminologiapublicados por autores pátrios têm,em sua imensa maioria, aparticularidade de exporem

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diversas teorias de cunhobiopsicológico na tentativa deexplicação dos fatores de motivaçãocriminal. Nesse sentido, é notória aobra de A. Mayrink da Costa, quelista cerca de vinte teorias quetentam dar suporte à expressãobiopsicológica da criminologia.11

Apenas a título de exemplo, passa-se a discorrer brevemente arespeito de algumas das muitasteorias médico-psicológicas sobreas quais se debruça o autor.

A teoria holista e dinâmicaconstitui uma adaptação à esfera dacriminologia da doutrinapsicológica de A. Maslow. Segundo

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essa teoria, a homem “pode tornar-se antissocial somente quando asociedade lhe nega a satisfação desuas necessidades inatas”.12 Deacordo com A. Maslow, todamotivação humana seria decorrenteda busca pela satisfação denecessidades básicas e inatas,hierarquicamente dispostas deacordo com sua urgência e força.13

Pode-se citar, também, apsicologia constitucional,preconizada por W. H. Sheldon,teoria que, aplicada à criminologia,se aproxima da investigaçãolombrosiana no que tange à buscapor vestígios corporais de

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inclinações criminosas. Segundo W.H. Sheldon, a tendência àapresentação de respostasantissociais a estímulos exterioresseria de origem orgânica, de modoque “um indivíduo dotado dedeterminado físico tenderá a darcertos tipos de respostasparticularmente efetivas, enquantoque outro, com tipo diverso defísico, sentirá necessidade deadotar outros tipos de resposta”.14

A. Mayrink da Costa tambémexpõe a teoria organísmica de K.Goldstein, segundo a qual oindivíduo seria motivado por umúnico impulso constitucional

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dominante – e não por umavariedade de impulsosindependentes –, sendo a respostaque o indivíduo dá ao meio umaluta contínua para a realização desuas potencialidades inerentes.15

O autor ainda expõe, de formasucinta, as teorias fatoriais,preconizadas por R. B. Cattell, asteorias psicanalíticas, neoanalíticase a teoria lacaniana, todas nosentido de, na visão do autor,vincularem de forma estrita amotivação criminal e apersonalidade do agente criminoso.

A. Mayrink da Costa dá, contudo,especial atenção às teorias

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psicanalíticas, desenvolvidas apartir do pensamento de S. Freud etransportadas à esfera dacriminologia, sobretudo pelostrabalhos de T. Reik, F. Alexander eH. Staub.16

De acordo com as teoriaspsicanalíticas da criminologia,afirma o autor, em relação aosdelinquentes neuróticos, quecomporiam grande parte docontingente de delinquentes, o atoantissocial é o resultado de umconflito psíquico, que tem comoorigem um traumatismo psíquicoque se produz na primeira infância,ocasião em que “os instintos

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primordiais infantis vêm a colidircom a censura familiar”.17

A. Mayrink da Costa sustentaque, para os autores da escolafreudiana, o ato antissocial seriafruto de uma encarnação imperfeitado superego.18 No “homemnormal” a formação da instânciapsíquica censora na solução dopacto edípico seria saudável, aopasso que o homem delinquente“fracassa no processo de adaptaçãomais ou menos intenso,transformando em ações seusimpulsos naturais inadaptados”.19

Tais impulsos antissociais, emoutros casos, seriam sublimados ou

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reprimidos pelo ego diante daimposição de um superego bemconstituído.

Por certo, tal aproximaçãopretensamente psicanalítica perfazinterpretação bastante reducionistada teoria preconizada por S. Freud.Não se pode relacionar de plano,por mais tentador que pareça, umasuposta predisposição criminal aum superego deficitário.

A instância censora, denominadasuperego, é consequência daresolução do pacto edípico, ocasiãoem que a criança, confrontando-secom a repressão à sua primeirafocalização da libido – que

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geralmente tem como alvoprincipal o genitor de sexo oposto–, toma a imagem do genitor domesmo sexo como ideal do próprioego (superego), passando esse ideala constituir a instância psíquicaresponsável pela censura. Nestesentido, afirma S. Freud que “oideal do ego tem a missão dereprimir o complexo de Édipo”.20

Desse modo, as demais proibiçõesque serão internalizadas peloindivíduo terão como modelo essaprimeira proibição, relacionada aoincesto, tornando-se o superego asede da moralidade e da ética,essenciais à convivência social.

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O quadro de neurose, contudo,surge na hipótese em que ainstância administradora da psique– o ego – não consegue elaboraruma resposta adequada àsdemandas opostas da instânciaprimitiva (à qual S. Freud dá onome de id) e do superego. Nessesentido, a neurose é fruto darepressão e do recalque,consequências de um superegoferrenho. Por esse motivo, trata-sede contrassenso afirmar que adelinquência neurótica estariarelacionada a um caráter deficitáriodo superego, visto que a análise dateoria psicanalítica nos leva à

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conclusão contrária.De acordo com T. Reik, conforme

explicitado por A. Baratta, adelinquência neurótica seriaimpulsionada por um implacávelsentimento de culpa, servindo asanção penal “à satisfação danecessidade inconsciente depunição que impele a uma açãoproibida”.21

Além do mais, não se podeolvidar que a delinquêncianeurótica, apesar do que afirmou A.Mayrink da Costa22, não pode sertomada como forma genérica decriminalidade, mas sim comoexceção. É inegável que a maioria

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dos crimes, especialmentepatrimoniais, não remontaprecipuamente a conflitosintrapsíquicos derivados de umasolução inadequada do conflitoedípico primordial, mas sim deconflitos sociais, gerados pelaprecariedade da sociedade emsatisfazer necessidades materiais epsíquicas realísticas de grandescontingentes de pessoas.23

O que parece mais marcante,contudo, nesse afã da criminologiaclínica de expor um sem-número deteorias que busquem a explicaçãobiopsicológica do fenômenocriminal, é a quase total ausência de

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diálogo entre as diferentes teorias.É difícil encontrar, entre a

doutrina especializada, algumatentativa de harmonização dasdiversas teorias clínicas, queacabam por quedar-sesimplesmente sobrepostas naspáginas dos compêndios. Asmúltiplas teorias clínicas damotivação criminal não dialogamentre si, não havendo tentativa deconsenso.24

A variação de teorias permite aoaplicador do direito a escolhadaquela que melhor se ajuste aocaso em tela, ou seja, daquela quemelhor sirva aos propósitos

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políticos e ideológicos do que sepretende decidir.25 Desse modo, asobreposição de doutrinas acabapor confirmar o caráter dacriminologia como “um saberdestinado ao poder”, na dicção deD. Garland.26 A existência de teoriassobrepostas, que não dialogamentre si, é perfeita à dinâmica dopoder, no sentido de que coloca àdisposição do dominador umagama vasta de ferramentas com quepossa moldar a verdade e legitimaras relações de dominação.

Nesses termos, a criminologiaclínica tradicional confirma suafama de ser uma pretensa ciência

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meramente instrumental, a serviçode uma estrutura de poder exercidopelo sistema penal. O paralelismodas teorias clínicas múltiplasdemonstra a preocupação maior dacriminologia em proteger por todosos lados a coerção penal,oferecendo-lhe legitimidadecientífica seja qual for o caso, emdetrimento de uma busca pelapretensa verdade científica.

2.4 FervorclassificatórioCertamente, a característica mais

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marcante da produção doutrináriasobre criminologia clínica no Brasilé o fervor classificatório de que sãoimbuídos os autores doscompêndios e manuais.

Em um afã positivista notório,estuda-se o homem delinquentecomo o botânico estuda as plantasou como o zoólogo, os animais. Aherança da escola positiva dacriminologia, nesse aspecto, aliás,torna-se clara quando se recordaque o capítulo introdutório dagrande obra de C. Lombrosodedica-se aos “delitos” no reinoanimal e vegetal.27

Certamente, no âmbito da

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produção científica brasileira, aobra de H. Veiga de Carvalho éonde esse fervor classificatóriomais salta aos olhos. O autorcataloga sessenta e oito critérios declassificação dos criminosos,coletados na literatura do mundointeiro.28

No que tange à profusão declassificações levantadas por H.Veiga de Carvalho, podem-se citaralgumas apenas a título deexemplo. G. Tarde separou osdelinquentes em dois grupos: oshomicidas e os ladrões. Cada umdesses grupos é subdividido emduas categorias: os urbanos e os

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rurais. Wahlberg dividiu oscriminosos entre ocasionais ehabituais. Abrahamsen os dividiuentre agudos e crônicos. Para Jolly,os criminosos poderiam ser inertes,coléricos, viciosos ou calculadores.Segundo Aschaffenburg, osdelinquentes poderiam serpassionais, ocasionais,premeditados, reincidentes,habituais ou profissionais. Para F. J.Gall, os criminosos seriam movidospor paixão ou por instintos inatos.Na clássica tipologia quíntupla deE. Ferri, os criminosos poderiam sernatos, loucos, passionais,ocasionais ou por hábito adquirido.

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De acordo com Parmelee, as classesseriam: dementes ou débeismentais, psicopáticos, profissionaise evolutivos (políticos). Segundo F.von Liszt, os criminosos podem serdivididos em dois grupos: os emestado agudo e os em estadocrônico. Os últimos se subdividemem criminosos por índole e pornatureza.

Como se vê, as classificações,ainda que fundadas em pesquisassérias, são bastante arbitrárias.29 Ainsubsistência de todas essasclassificações, aliás, é apontadapelo próprio H. Veiga de Carvalho:

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Desde logo ressalta, na crítica,um elemento a elas desfavorável:tantas são as classificações enenhuma, dentre todas, conseguiuse impor, às vezes, nem mesmo aospróprios autores que, em mais deuma eventualidade, se volverampara uma nova fórmula. Issosignificará que nenhuma dasclassificações apresentadascontinha a dose de justeza quebastasse para se impor.30

Em que pese a notóriamultiplicidade de classificações queexplicita, por não reputarsatisfatória qualquer dentre elas, H.

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Veiga de Carvalho propõe seupróprio critério, ao qual atribui onome de “classificação etiológicados delinquentes”,31 assimdenominada por ter seu fulcro noprocesso gerador da açãocriminosa. Tal classificação, deacordo com seu formulador, teriacomo principal vantagem suanotória simplicidade.

O referido critério toma comobase os vetores criminógenos queimpulsionam a condutapenalmente ilícita, dividindo osdelinquentes de acordo com aprocedência interna ou externadesses vetores. Parte-se do

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princípio de que o crime, comoevento impulsionado por umamultiplicidade de fatores, aceitacomo suas bases motrizes tantofatores endógenos do agentequanto fatores do meio. Nessesentido, serão qualitativamentediferentes os criminososimpulsionados pelo meio e porsuas próprias disposições físicas epsíquicas.

Nesse diapasão, H. Veiga deCarvalho divide os criminosos emduas categorias puras e em trêscategorias híbridas intermediárias,a saber: os mesocriminosos puros,os mesocriminosos

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preponderantes, osmesobiocriminosos, osbiocriminosos preponderantes e osbiocriminosos puros.

Dá-se o nome de mesocriminosopuro ao agente estimulado ao crimeunicamente por forças provenientesdo meio em que vive, não havendoqualquer condição endógena nessesentido.

A contrario sensu, o biocriminosopuro tem seu ato ilícito motivadotão so-mente por circunstânciasinternas à sua psique e à suaconstituição física, tal comodistúrbios mentais ou transtornosde personalidade.

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O autor chega à conclusão,contudo, de que os tipos puros decriminosos não encontram respaldono mundo fático, visto quecircunstâncias internas e externassempre se unem na motivação doato antissocial. Desse modo, ostipos puros aproximam-se de tiposideais, a partir dos quais se podemextrair os tipos intermediários,muito mais comumenteencontrados na prática.

O mesobiocriminoso atende afatores motivacionais equanimenteadvindos do meio externo e de suaspróprias disposições. Nomesocriminoso preponderante,

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sobressaem-se os fatores exógenos,ao passo que, no biocriminosopreponderante, têm maior peso nadeterminação criminógena osfatores endógenos.

Com efeito, a classificaçãoetiológica dos delinquentes atendeao quesito da simplicidade,apregoada por seu próprioformulador. Note-se, ainda, queessa forma de classificação daspulsões motivacionais pode serutilizada tomando-se por contextoabsolutamente qualquer tipo deconduta humana, criminosa ou não.Tudo o que a pessoa faz se deve afatores motivacionais internos ou

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externos, sendo possível que amboscoexistam na razão de ser de umamesma conduta. Esse fato talveztenha representado um avanço nosentido de evitar que se veja aconduta criminosa como um atoontologicamente diverso dascondutas lícitas. Por certo, se ocrime não é uma entidade quepossui uma realidade ontológica,mas simplesmente definitorial,32

não se pode pensar em umaclassificação dos fatores demotivação criminal que tambémnão se aplique aos fatores demotivação de atos lícitos.

Tomando por base a classificação

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etiológica dos delinquentes, C.Christiano de Souza desenvolveu achamada “classificação natural”,33

que foi aprimorada e externada,principalmente, na obra de O. R.Maranhão,34 passando a gozar degrande aceitação em meio àcomunidade científica.

A classificação natural parte doprincípio de que “o processogerador da ação é idêntico nasatuações ajustadas, criminosas e atémesmo inimputáveis”,35 calcando-se no concurso de duas ordens decondições: as ambientais e asrelacionadas à personalidade doagente. Como se vê, portanto, a

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base da classificação naturalencontra-se na classificaçãoetiológica. Aquela, contudo,pretende ir além, aplicando-se deforma mais específica aosfenômenos estritamente criminais.

Segundo a classificação natural,os delinquentes poderiam serdivididos em três grandes tipos: oocasional, o sintomático e ocaracterológico. A diferença entreesses tipos reside, justamente, nosfatores de motivação criminal queincidem sobre o indivíduocriminoso.

O delinquente ocasional é o“agente até então socialmente

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ajustado, obediente à lei e que sóchegou à ação antissocialrespondendo a uma fortesolicitação externa”.36Dessarte,cuida-se de pessoa sem qualquer“anormalidade” em suapersonalidade que, submetida a umexpressivo fator desencadeante,pratica o ato antissocial, rompendoapenas transitoriamente suasinstâncias internas censoras dosimpulsos. Trata-se, na classificaçãoetiológica, da figura domesocriminoso puro oupreponderante.

O delinquente sintomático, porsua vez, comete a ação antissocial

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impelido, primordialmente, poruma solicitação interna ouendógena. Seu delito consiste emuma espécie de exteriorização deuma perturbação de ordem médico-psicológica, transitória oupermanente, de caráter adquiridoou congênito.

O. R. Maranhão faz a ressalva deque não haverá delinquênciasintomática se a prática criminalconsiderada não for decorrente doconjunto mórbido que atinge oagente. Desse modo, nem todocrime praticado por pessoas queostentem psicopatologias será daordem da delinquência sintomática,

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mas tão somente aqueles queconstituam verdadeiros sintomasdo quadro patológico.37

Inserida na categoria dadelinquência sintomática poder-se-á encontrar a delinquência advindade quadros de oligofrenia oufrenastenia, ou seja, dedesenvolvimento mentalincompleto. Poder-se-á, ainda,encontrar a delinquência psicótica,a delinquência neurótica e aquelaadvinda de quadros de demência.38

Por fim, a classificação naturaltraz o delinquente caracterológico,consistente no agente que comete ocrime por defeito constitucional ou

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desvio formativo de caráter. Tal tipode delinquente moveimpulsionado, precipuamente, pelaprópria natureza de seu caráter, nãose falando, aqui, de quadromórbido patológico, mas de traçoconstitutivo da personalidade doagente.

Entre os delinquentescaracterológicos, O. R. Maranhãocoloca os portadores de transtornoantissocial de personalidade e osportadores de personalidadedissocial. No primeiro caso, está-sediante da figura do psicopata,pessoa portadora de defeitoheredoconstitucional de caráter que

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lhe dificulta o desenvolvimento defreios inibitórios e a consequentesocialização. No segundo caso, está-se diante de desvio formativo decaráter, sendo o dissocial umapessoa “que não se adapta àsociedade geral, mas forma o seugrupo particular em relação ao qualdesenvolve inibições, pelo que é umpseudosocializado”.39

Algo que chama a atenção naclassificação natural doscriminosos, que ainda hojeencontra grande aceitação no seioda criminologia clínica pátria, é seuquase perfeito paralelismo com oque se convencionou chamar de

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“tríptico lombrosiano”.De acordo com a concepção

lombrosiana da causalidade docrime, três grandes fatores seriamos responsáveis pelo fenômenocriminal: a regressão atávica, astaras degenerativas e o ambiente,sendo este último, certamente, ofator de menor peso na equaçãocriminal. O criminoso nato,entendido como aquele que possuipredisposições básicas ao delito,seria submetido à regressão atávica,vítima de “epilepsia larvar”,“loucura moral” ou psicosescriminais inatas. Outras pessoas,desprovidas de predisposições

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básicas criminógenas, poderiam serlevadas ao delito por anomaliasorgânicas adquiridas, contraídas nocurso da existência, como ameningite crônica, a decrepitudesenil, a sífilis ou a tuberculose. Porfim, a antropologia criminal italianaainda relegava certo mérito àscausas exógenas e sociais do crime,vislumbrando um tipo decriminalidade decorrente de causasexternas ao organismo, como é ocaso dos alcoólatras, das vítimas dasociedade e dos delinquentespolíticos.40

Não há como não vislumbrar oparalelismo entre a tipologia

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lombrosiana e a classificaçãonatural de C. Christiano de Souza.Há, em ambas, a figura dodelinquente ocasional,impulsionado por circunstâncias domeio, do delinquente sintomático,vítima de quadro patológico a queC. Lombroso nomeia “tarasdegenerativas” e, por fim, dodelinquente portador de defeito decaráter, que carrega umapredisposição básica que opredetermina ao cometimento deatos antissociais.

Ainda que a classificaçãoexternada pela criminologia clínicamoderna seja mais refinada e, por

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certo, bem menos fantástica que aproposição da antropológicacriminal, o paralelismo entre asideias não deixa de causar asensação de que pouco se evoluiuno estudo desse ramo dacriminologia.

Os discursos classificatórios, emum afã positivista, tomam comomodelo as ciências naturais aotentarem explicar o crime, umfenômeno que evidentemente não énatural. Crime é o ato definido emlei como tal, não havendo qualquerliame ontológico entre as condutasque o legislador alça à categoria deilícitos penais. Inaplicável ao

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estudo do crime, portanto, o fervorclassificatório emprestado dametodologia da botânica ou dazoologia.

Diante disso, não chega a causarperplexidade a estranheza dosdiscursos classificatórios, queparecem não se amoldar bem aoobjeto de estudo, de modo a serperceptível a insuficiência daabordagem estritamente médico-psicológica.

Nesse sentido e especificamentesobre a frustração da tentativa de seestudar criminologia como umaciência natural, é contundente aconclusão de A. Thompson: Creio

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que se me permitirá repetir, a essaaltura, o antes afirmado:

o pretenso fundamento científicoda criminologia amesquinha-se auma arenga empolada, quegravita em torno de um núcleocuja essência se compõe de merosenso comum.41

Esse tipo de declaração, tendentea desqualificar por completo osaber criminológico tradicional,parece exagerado na medida emque deixa de considerar a seriedadedas pesquisas que embasaram oconhecimento criminológico. Poroutro lado, não deixa de traduzir

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uma reação veemente ao fracassodas teorias tradicionais naexplicação do fenômeno criminal,dada a insuficiência dos discursosde linhagem etiológica.

A. Thompson, aliás, postulaserem tão somente duas as causasdo crime, a saber: a próprialegislação e a atividade domecanismo de repressão penal.42

Com efeito, nesse caso, aplica-se demaneira inconteste o brocardosublata causa tollitur effectus.43

2.5 Medicalizaçãodo crime

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A tentativa de medicalização docrime é, certamente, ainconsistência mais criticada quereside no cerne do sabercriminológico desde seunascimento. A antropologiacriminal italiana colocou amedicina no centro do fenômenocriminal, dando ao crime umarealidade ontológica de caráterbiológico. A medicalização docrime transporta um conceitoabstrato – a infração penal – paradentro do corpo e da psique doagente.

No Brasil, é geralmente apontadocomo marco da introdução do saber

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médico nas práticas jurídico-penaiso caso de Febrônio Índio do Brasil,primeira vez em que, em solopátrio, alguém foi absolvido emvirtude de insanidade mental einternado em manicômio.44 Aabsolvição teve base no célebrelaudo de Heitor Carrilho, queatestou para a “loucura moral” deque era acometido Febrônio. Desdeesse caso, cujo julgamento data de1929, já era possível perceber que, apartir de então, o âmbito do estudodo crime passaria a sofrer umainfluência cada vez maior dasciências médicas.

A óptica médica sobre o crime

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parte, necessariamente, de doispressupostos equivocados, sobre osquais não se atentava até o adventoda escola crítica: i) todo crimeimplica uma ação antissocial; ii)toda ação antissocial relaciona-se auma anormalidade, sendo asociabilidade intrínseca à naturezado ser humano normal.

Ainda assim, a perspectivamédica da criminologia, herdada daescola positiva do final do séculoXIX, foi absorvida quase semreservas pelos autores dacriminologia clínica brasileira doséculo XX.

P. Darmon atenta para o fato de

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que a criminologia sempre foimarcada pela disputa entre ossaberes médico-antropológico ejurídico, que buscavam suahegemonia sobre a questão daaplicação da lei penal, contrapondoas noções de responsabilidade e detratamento dos delinquentes. Oautor expõe a situação dos juristasclássicos da Belle Époque, quetentavam blindar as instituiçõesjudiciárias contra a hegemoniapretensamente científica dosmédicos, que avocavam para si osaber criminológico munidos dasnovas ferramentas científicas doestudo do criminoso, como a

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frenologia, a craniometria e abiotipologia.45

Ainda que, no Brasil, acriminologia tenha sido – e aindaseja – um campo de coexistênciados saberes médico e jurídico, nãoé verificável, ao menos de plano, oembate entre os saberesidentificado por P. Darmon. Aocontrário, o que se observa naprodução científica é uma espéciede simbiose entre os saberes,46 demodo que médicos e juristasparecem convergir em suasopiniões e fundamentações daresponsabilidade penal.47

Entre os autores pátrios da

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criminologia clínica do século XX, aperspectiva médica é uma tônicadominante. A obra de A. MoradAmar, por exemplo, é emblemáticadessa fusão entre o crime e adoença.

Consigne-se que, nas primeiraspáginas de seu manual decriminologia, o autor faz expressamenção ao fato de que enfermidadee crime não se confundem, motivopelo qual rejeita a nomenclatura“criminologia clínica”.48 Nãoobstante, o restante de sua obraparece incorrer justamente nessaconfusão.

A obra de A. Morad Amar é

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marcada por um sólidoembasamento científicoexperimental de suas conclusões,aliado à profusão de termosmédicos técnicos, ainda que paradesignar eventos absolutamentealheios à seara da medicina. Atítulo de exemplo, vale transcrevero que o autor expõe sobre a supostaescalada da violência namodernidade:

Assim, a conduta da guerramoderna está se tornando cadavez mais privada de emoção.Nessas circunstâncias, o cérebroanimal humano vai clamar pelo

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limite da destruição total daespécie, através do neocórtex, masas complexidades do bem-estar moderno não dão lugar a nenhumaespécie de feedback emocionalnegativo.49

Toda essa preocupaçãocientificista, contudo, não impedeque, por diversas vezes, o autordeixe transparecer conclusõespessoais extraídas diretamente dosenso comum. Nesse sentido, porexemplo, o autor avalia os papéis dohomem e da mulher na sociedade:

A mulher, assim, paracorresponder à imagem que por

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percepção dos outros e porautopercepção, se formou dafeminilidade, assume uma posiçãode passividade em relação aomundo exterior, agindo demaneira reflexa para com ointerior. O homem, ao contrário,vive a sua parte, projetando parao exterior, sentindo-se obrigado aresolver no plano da ação social osproblemas de competição com osindivíduos e com o grupo.50

Esse tipo de abordagem, quemistura termos técnicos eresultados experimentais com omais rasteiro senso comum, parece

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até justificar, em certa medida, acrítica contundente de A.Thompson, à qual já se reportou, dopretenso fundamento científico dosaber criminológico.51

Algo que também chama aatenção na obra de A. Morad Amaré o fato de que ele externa algumasconclusões que se atêm de formaíntima aos postulados daantropologia criminal italiana. Ocaráter herdado da predisposiçãocriminosa, por exemplo, estápresente em diversas passagens,como quando o autor analisaestudos de gêmeos, reconhecendo a“existência de fatores individuais

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que determinam, parcialmente, aprobabilidade de uma pessoatornar-se criminosa”.52

Também nesse sentidotranscreve-se trecho em que o autorune a herança da predisposiçãocriminal ao conceito dedegenerescência, de B. Morel, baseda escola positiva da criminologia:“Interessante e comprovada é,ainda, a correlação entre alcoolismoe criminalidade através de ummecanismo de transmissão, por viahereditária, de caracteresdegenerativos”.53

Ainda nessa esteira, é possívelencontrar um paralelo, traçado pelo

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autor, entre crime e epilepsia, o quenos remete às conclusõeslombroseanas quanto à influênciada epilepsia larvar nadegenerescência geradora de umadas formas de criminalidade nata.Segundo A. Morad Amar, haveria“certo relacionamento entre aepilepsia do lobo temporal e ocomportamento violentoocasional”.54

A tentativa de medicalização docrime também fica bastantetransparente na obra de H. Veiga deCarvalho. O autor, ao tratar dasforças criminógenas exógenas aoagente, dá-lhes o nome de

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patologias sociais,55 em evidentealusão à nomenclatura médica.Note-se que não justifica o autor oporquê de tal analogia. A saber, aspatologias sociais seriam amalvivência, a prostituição, oalcoolismo e as toxicomanias.

Uma implicação prática queevidencia de forma bastante clara ainfluência das teorias médicas dacriminologia na aplicação da leipenal é o fetichismo do examecriminológico.56

O art. 34, caput, do Código Penalbrasileiro prevê a obrigatoriedadede realização do examecriminológico, no início da

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execução, sobre todos oscondenados à pena privativa deliberdade em regime inicialfechado. Como é cediço, esse examecriminológico inicial declassificação não é realizado sob opretexto de carência de recursos eprofissionais, sendo normalmentesubstituído por meros informes.57

De qualquer modo, é fato que aliteralidade do texto legal considerao exame criminológico comoinstrumento hábil a garantir oadequado cumprimento do direitoconstitucional à individualização dapena.

Igualmente, a Lei de Execução

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Penal estabelece, em seu art. 8.o,que o condenado à pena privativade liberdade será submetido aexame criminológico “para aobtenção de elementos necessáriosa uma adequada classificação e comvistas à individualização daexecução”. O parágrafo único desseartigo estende a possibilidade derea lização do exame sobre oscondenados a cumprimento depena em regime semiaberto.

Também o art. 112 da Lei deExecução Penal previa a realizaçãodo exame criminológico, quandonecessário, previamente à decisãojudicial sobre progressão de

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regime, o que foi alterado pela Leino 10.792/2003, que aboliu essaprevisão. Isso não impediu, noentanto, que os juízescontinuassem sistematicamentedeterminando a realização doexame a fim de decidir sobre aprogressão.58 A possibilidade dedeterminação judicial da feitura doexame criminológico para efeitos deprogressão de regime decumprimento de pena, aliás, passoua constar expressamente da SúmulaVinculante no 26,59 aprovada peloSTF em 16/12/2009.

O fetichismo do examecriminológico, que é tomado pela

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lei e pelo Judiciário como principalinstrumento de classificação doscriminosos e de individualização dapena, é decorrência natural dofenômeno da medicalização docrime.60

Conforme bem assevera A. A. Sá,o exame criminológico é umaperícia que se debruça sobre oestudo da dinâmica do atocriminoso isoladamenteconsiderado, buscando oferecer umdiagnóstico criminológico e umconsequente prognóstico dereincidência.61 O examecriminológico atém-se ao atocriminoso como uma

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desfuncionalidade a ser atacadapelo tratamento penitenciário,relegando ao segundo plano aconsideração do preso como serhumano total. Como perícia, oexame criminológico ainda implicauma ruptura de diálogo entre ocorpo técnico e os encarcerados,exigida pela “relação hipócrita deneutralidade”62 a que está obrigadoo perito.

Pela preponderância do examecriminológico, que tende aapresentar ao juízo respostas fáceise conclusões reducionistas, poucose comenta sobre outras formas deavaliação técnica dos encarcerados.

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A par do exame criminológico, a Leide Execução Penal ainda instituiu,em seu art. 9o, o exame depersonalidade, que não se vinculaao binômio delito-delinquente,consistindo no “inquérito sobre oagente para além do crimecometido”.63 A Lei de ExecuçãoPenal ainda previa a elaboração depareceres das Comissões Técnicasde Classificação, extintos pela Leino 10.792/2003. Esses últimos, nadicção de A. A. Sá, consistiam naavaliação interdisciplinar de dadoscoletados sobre a pessoa total dopreso, visando à elaboração deestratégias de acompanhamento da

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execução e à promoção de umaefetiva reintegração social.64

Diante dessas considerações, ficaclaro o caráter bastantequestionável da afirmação feita porde A. Mayrink da Costa em suaobra sobre o exame criminológico:“o exame criminológico dodelinquente permite oconhecimento integral dohomem”.65Essa concepção, segundoa qual uma perícia teria o condãode trazer à luz a pessoa total dopreso, apenas se justifica seassumirmos que a postura dacriminologia clínica tradicional temse baseado na redução da pessoa do

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encarcerado ao ato criminoso.Ademais, teríamos de assumir queesse ato criminoso é passível de tersua essência capturada pela lenteexclusiva dos preceitosbiopsicológicos.

A partir dessas colocações, poder-se-ia tentar uma abordagem críticada medicalização do crime,comentando a falácia de identificarcrime e doença, mormente diantedo caráter seletivo e discriminatóriodo sistema penal. Poder-se-ia,ainda, criticar a estigmatização docondenado, que vê suapersonalidade reduzida a umdelito, em lesão patente ao

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fundamento constitucional dadignidade da pessoa humana.

No entanto, mais contundenteparece ser demonstrar de formamais singela o perigo querepresentam as doutrinas quebuscam na desfuncionalidade docorpo a causa do delito, dando-lheuma realidade ontológica artificial.Para tanto, transcreve-se um trechoda obra do eminente criminólogo V.P. Castelo Branco, em que eleconsidera aceitável a técnica dalobotomia visando à prevenção docrime. O autor, ao debruçar-sesobre as modernas contribuições dapsiconeurocirurgia à criminologia,

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expõe, em sua obra editada em1980, a seguinte técnica – a seu verbastante moderna – de profilaxiacriminal:

Outra técnica, também usada, é adestruição das amígdalascerebrais, que fazem parte dosistema límbico, compreendendoos lobos temporais, cada um delescom sua “amígdala” própria. Aexplicação desta última técnica é ade que estas amígdalas sãoresquícios do homem primitivo,ainda em formação antropológica,antes de alcançar a forma bípede.Restos, enfim, daquele instinto de

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agressividade que caracterizavame ainda caracterizam os animaisferozes, onde a função cerebraldominante é sempre a ferocidade.66

Por certo, o autor reconhece asimplicações éticas de se permitiresse tipo de lobotomia, afirmandoque, para sua efetividade, a ciênciaainda teria de evoluir para que nãohouvesse abusos no emprego dessatécnica.67

É impossível negar, no entanto,que esse exemplo basta para que sedemonstre a gravidade dos efeitosdeletérios a que almeja, de formamais ou menos deliberada, o

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movimento de medicalização dodelito.

2.6 Consideraçõesfinais – abordagemcríticaNo ano letivo de 1975, M. Foucaultdedicou seu curso, no Collège deFrance, ao estudo de pessoas tidascomo anormais. Sua primeira aulainiciou-se com a leitura de doisrelatórios de exames psiquiátricosem matéria penal,68 utilizados paraexemplificar sua conclusão quantoà natureza da aplicação do saber

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médico às instituições judiciárias:

[…] no ponto em que seencontram o tribunal e o cientista,onde se cruzam a instituiçãojudiciária e o saber médico oucientífico em geral, nesse pontosão formulados enunciados quepossuem o estatuto de discursosverdadeiros, que detêm efeitosjudiciários consideráveis e quetêm, no entanto, a curiosapropriedade de ser alheios a todasas regras, mesmo as maiselementares, de formação de umdiscurso científico.69

A partir dessa consideração, M.

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Foucault passa a tentar desvendar arazão pela qual o saber médicoaplicado ao direito – especialmenteo saber psiquiátrico – apresentadiferença tão gritante, em termosde rigor científico, em relação aosaber médico genericamenteconsiderado.

A resposta encontrada apontapara o binômio saber-poder. Não háuma verdadeira dicotomia entre osdiscursos e as práticas. Osdiscursos são práticas na medidaem que produzem a verdade. Averdade, em outros termos, poderiaser definida como um discursoimbuído de poder. O discurso

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científico é, por certo, o ambienteem que essa relação entre saber epoder é mais clara, desde que oapregoado método científico tem ocondão de desqualificar porcompleto, como vulgares, osdiscursos advindos de outrasformas de saber, tidas como nãocientíficas.

A análise foucaultiana tem porobjetivo desnudar as relações depoder estabelecidas pelosdiscursos, especialmentecientíficos, fazendo surgir à vista adominação produzida pelainvenção da verdade.

No âmbito da justiça penal e,

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especificamente, da criminologiaclínica, essa relação faz-seespecialmente evidente.

Em Vigiar e punir, M. Foucaultdedicou-se a demonstrar como osistema penal, corporificado nainstituição da prisão, exerce o poderdisciplinar sobre o corpo e a mentedo condenado, construindo assim afigura do delinquente.70 A prisãotransforma infratores emdelinquentes na medida em quepromove a introjeção dos valores eda disciplina do cárcere noscondenados. O delinquente,portanto, não é aquele que infringiuum tipo penal, mas, sim, aquele que

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foi selecionado pelo sistema penal eintrojetou em sua personalidade,por força das instituições do poderdisciplinar, determinado papelsocial já bem categorizado. Nadicção de M. Foucault, o papel dodelinquente ocupa posição deespecial utilidade na economia dopoder, na medida em querepresenta figura “rebelde e dócilao mesmo tempo”,71 ou seja, odelinquente não atenta contra osistema de poder, visto que nãoelabora respostas coletivas eracionais à opressão, esimultaneamente legitima, pela suaprópria existência, a hipertrofia do

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sistema penal de coação dosdireitos fundamentais.

Bastante próxima a essa ideia deconstrução da delinquência dócilestá a ideia do fenômeno dainstitucionalização, nome que se dáà deterioração da personalidade doindivíduo submetido à disciplinade uma instituição total. De acordocom E. Goffman, a instituição totaltem o condão de promover amortificação do eu sobre a pessoado internado.72 Diante do exposto,fica bastante claro o papelestigmatizante73do sistema penal,algo que pode ser percebidoempiricamente, sem qualquer

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esforço científico.Tais teorias, aqui tão somente

mencionadas, trazem à luz asfunções ocultas do sistema penal nalógica da economia do poder. Nessaesteira, a criminologia clínica nãopoderia deixar de desempenharpapel relevante nesse complexoinstitucional perverso.

Nesse sentido, responde-se apergunta formulada por M.Foucault: por que o discurso dacriminologia clínica, pretensamentecientífico, afasta-se tanto dospostulados do discurso científicogenericamente considerado?

O saber criminológico tradicional

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coloca-se em posição de vassalagemem relação ao sistema de poderpenal, o que significa que, na lógicado binômio saber-poder, àcriminologia incumbe a legitimaçãoda violência penal sob o manto dodiscurso científico. Nesse diapasão,não causa surpresa o fato de que odiscurso da criminologia,especialmente da clínica, não tenhaprimado pelo rigor científico. Essenão é o principal objetivo dessapretensa ciência. O métodocientífico, aliás, é distorcido, casonecessário, com a finalidade delegitimar o poder.

A breve exposição relativa às

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principais características dopensamento criminológico clínicono Brasil permite chegarperfeitamente à conclusãoexternada. As três característicasapontadas neste trabalho comocentrais ao pensamentocriminológico clínico pátrio – amultiplicidade de teoriassobrepostas, o fervor classificatórioe a medicalização do crime –funcionaram harmonicamente nosentido de legitimação da violênciapenal.

O pensamento criminológico dematriz primordialmentebiopsicológica tem o condão de

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tornar a figura do delinquenteartificialmente diferente da figurado cidadão, criando o antagonismosocial sobre o qual repousa alegitimidade do sistema penal. Essaé uma função oculta bastantepalpável desempenhada commaestria pela criminologia clínica,especialmente no que concerne àmedicalização do crime, ou seja, àcriação da diferença pela falsapatologização daquele que infringiuuma norma penal.

O movimento de medicalizaçãodo crime atenta contra a dignidadehumana porque duplica o efeitoestigmatizante do sistema penal. A

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prisão transforma o infrator emdelinquente, ao passo que acriminologia clínica transforma odelinquente em doente mental. Éde pasmar que todo esse trabalhode estigmatização seja feito sob aégide do discurso daressocialização, cuja falsidade éverificável pela observaçãoperfunctória da realidade social. Aduplicação do estigma, na medidaem que cria a diferençaartificialmente e promove oantagonismo, trabalha de modofrontalmente contrário ao discursolegitimador do sistema penal,produzindo a dessocialização.

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O fervor classificatório, por seuturno, atua no sentido de aproximara criminologia das ciênciasnaturais, dando um aspecto deseriedade a ideias extraídas do maistacanho senso comum. Tenta-se,assim, dar a natureza de verdade aum saber estranho, sem um objetoclaro, que tenta estudar um ente deexistência meramente normativacomo se fosse uma realidade social.Assim, as categorizações científicasnão ajudam a entender a pessoa docriminoso, mas promovem aontologização do crime, que passade ente com realidade meramentedefinitorial (legislativa) para ente

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com realidade sociológica ebiológica artificial, emprestada dasciências naturais.

Por fim, a multiplicidade deteorias sobrepostas põe àdisposição do aplicador daviolência penal uma gamainfindável de discursos assépticosde legitimação do sofrimentodesumano que inflige a camadassignificativas da população.Importa pouco que essas teoriasnão dialoguem e que sejam, em boaparte, excludentes entre si.

Das considerações expostasdecorre a importância da absorçãodas teorias críticas pela doutrina

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criminológica pátria. A implosãodos preceitos criminológicos ten-dentes a legitimar a violência aqualquer custo e a adoção de focona vulnerabilidade da pessoasubmetida ao sistema penal éponto essencial na construção deuma nova verdade; de uma verdadeadequada aos ideais de liberdade ede respeito irrestrito aos direitosfundamentais da pessoa. Só assim acriminologia deixará de ocupar seuhumilhante posto de “ciênciaauxiliar do direito penal” e passaráa exercer um papel transformadorna dinâmica social.

Como se vê, um novo modelo de

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intervenção da criminologia nocárcere extra-vasa muito aconcepção etiológica tradicional,voltada exclusivamente para ainvestigação das causas do crime nocorpo e na mente do criminoso. Anova criminologia clínica devepreocupar-se com políticasinclusivas, desempenhando suasfunções em consonância com osdireitos humanos e objetivando areintegração social. Para tanto,deve-se compreender que,conforme coloca A. Baratta,74

qualquer intervenção criminológicaque se pretenda consonante com adignidade humana – e não

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meramente legitimadora daviolência estatal – deve dar-seapesar do cárcere e da pena (e nãopor meio deles), tendo comoobjetivo o fortalecimento da pessoado condenado e o desenvolvimentode sua autonomia ética.

2.7 ReferênciasBibliográficas

1. Alvarez Marcos César.Apontamentos para umahistória da criminologia noBrasil. In: Koerner Andrei,ed. História da justiça penal

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7. Castelo Branco VitorinoPrata. Criminologia:biológica, sociológica,mesológica São Paulo:Sugestões Literárias; 1980.

8. Corrêa Mariza. As ilusões da

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10. Foucault Michel. Osanormais: curso no Collège deFrance. Tradução portuguesade Eduardo Brandão SãoPaulo: Martins Fontes; 2002.

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punir 28 Vozes: Petrópolis;2004; Tradução portuguesade Raquel Ramalhete.

12. Foucault Michel, DeleuzeGilles. Os intelectuais e opoder. In: Foucault Michel,ed. Microfísica do poder. 21São Paulo: Graal; 2005;69–78. Tradução portuguesa deRoberto Machado.

13. Franco Alberto Silva. Regrasdo regime fechado. In:Franco Alberto Silva, StocoRui, eds. Código Penal e suainterpretação: doutrina ejurisprudência. 8 São Paulo:RT; 2007;251–253.

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14. Freud Sigmund. Traduçãoportuguesa de José Octávio deAguiar Abreu Rio de Janeiro:Imago; 1997; O ego e o id.

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17. García-Pablos De MolinaAntonio, Gomes LuizFlávio. Criminologia 2 SãoPaulo: RT; 2002.

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19. Goffman Erving. Ascaracterísticas das instituiçõestotais. Manicômios, prisões econventos 7 São Paulo:

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20. Goffman, ErvingEstigma:notas sobre a manipulaçãoda identidade deteriorada.Tradução portuguesa deMárcia Bandeira de MelloLeite Nunes. 4. ed., Rio deJaneiro: LTC, [s.d.].

21. Lombroso Cesare. O homemdelinquente. Traduçãoportuguesa de Sebastião JoséRoque São Paulo: Ícone;2007.

22. Maranhão Odon Ramos.Curso básico de medicina legal

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3 São Paulo: RT; 1985.23. Maranhão Odon Ramos.

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28. Sá Alvino Augusto.Avaliações técnicas dosencarcerados. Criminologiaclínica e psicologia criminalSão Paulo: RT; 2007; p. 188–208.

29. Sá Alvino Augusto.Concepção de crime comoexpressão de uma história deconflitos: implicações nareintegração social doscondenados à pena privativade liberdade. Criminologiaclínica e psicologia criminalSão Paulo: RT; 2007; p. 55–66.

30. Mayrink da Costa. Sugestão

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de um esboço de basesconceituais para umsistema penitenciário.Manual de projetos dereintegração social. Secretariade AdministraçãoPenitenciária/Departamentode Reintegração Social doEstado de São Paulo, 2005,p. 13–21.

31. Schritzmeyer Ana LúciaPastore. Sortilégio de saberes:curandeiros e juízes nostribunais brasileiros (1900–1990) São Paulo: IBCcrim;2004.

32. Schwarcz Lilia Moritz. O

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espetáculo das raças:cientistas, instituições equestão racial no Brasil(1870–1930) São Paulo:Companhia das Letras;1993.

33. Shecaira Sérgio Salomão.Criminologia São Paulo: RT;2004.

34. Shecaira Sérgio Salomão. Oexame criminológico e aexecução de pena. Cadernos deAdvocacia Criminal. 1 PortoAlegre 1988; n. 2, p. 36–41.

35. Thompson Augusto. Quemsão os criminosos? O crime e ocriminoso: entes políticos 2

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36. Veiga De Carvalho Hilário.Compêndio de criminologiaSão Paulo: Bushatsky; 1973.

37. Veiga De Carvalho Hilário.Manual de introdução aoestudo da criminologia 2 SãoPaulo: Escola de Polícia de;1961.

38. Velo Joe Tennyson.Criminologia analítica:conceitos de psicologiaanalítica para uma hipóteseetiológica em criminologiaSão Paulo: IBCcrim; 1998.

39. Zaffaroni Eugenio Raúl.

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Criminología: aproximacióndesde un margen Santa Fé deBogota: Temis; 1998; p. 1–30.

40. Zaffaroni Eugenio Raúl,Pierangeli José Henrique.Manual de direito penalbrasileiro: parte geral 2 SãoPaulo: RT; 2004.

*Defensor Público do Estado de São Paulo.Mestrando em Criminologia pela USP.1.A. García-Pablos de Molina e L. F. Gomes.Criminologia. p. 37–146. Também nessesentido, S.S. Shecaira. Criminologia. p. 31–71.2.A. A. Sá. Sugestão de um esboço debases conceituais para um sistemapenitenciário. p. 13–21.

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3.E. R. Zaffaroni. Criminología:aproximación desde un margen. p. 1–30.4.Entre os poucos autores brasileiros quefazem uma abordagem crítica dacriminologia clínica, pode ríamos citarAlvino Augusto de Sá e Joe Tennyson Velo.5.Alvarez, M. C. Apontamentos para umahistória da criminologia no Brasil. p. 129–151.6.Sobre a doutrina criminológica da Escolade Recife, centrada na ideia de raça, cf.Schwarcz, L. M. O espetáculo das raças:cientistas, instituições e questão racial noBrasil (1870–1930). p. 143–172.7.Idem, Ibidem, p. 131.8.Sobre a escola Nina Rodrigues, cf.Corrêa, M. As ilusões da liberdade: a escolaNina Rodrigues e a antropologia no Brasil.

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1983. Tese de (Doutoramento) – USP, SãoPaulo.9.Alvarez, M. C. Op. cit., p. 138.10.Shecaira, S. Op. cit., p. 139–186.11.Mayrink da Costa, A. Criminologia. p.299–385.12.Idem, Ibidem, p. 308.13.A. Maslow elaborou um esquema noqual as necessidades vitais humanas sãohierarquicamente dispostas, de modo quea satisfação de uma necessidade maisbásica permite a busca pela satisfação deuma necessidade posterior. São, emordem, listadas por A. Maslow: asnecessidades fisiológicas, a necessidadede segurança, a necessidade afetiva, anecessidade de estima e, por fim, anecessidade de realização pessoal.

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14.Mayrink da Costa, A. Op. cit., p. 311.15.Idem, Ibidem, p. 306.16.Para uma visão geral sobre as teoriaspsicanalíticas da criminalidade, cf.Baratta, A. Criminologia crítica e crítica dodireito penal: introdução à sociologia dodireito penal. p. 49–58.17.Mayrink da Costa, A. Op. cit., p. 339.18.Idem, p. 299.19.Idem, ibidem.20.S. Freud. O ego e o id. p. 36.21.Baratta, A. Op. cit., p. 51. A relação entredelinquência neurótica e sentimento deculpa, aliás, já constava da obra de S.Freud: “Constituiu uma surpresadescobrir que um aumento nessesentimento de culpa Ics. [inconsciente]

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pode transformar pessoas em criminosos.Mas isso indubitavelmente é um fato. Emmuitos criminosos, especialmente nosprincipiantes, é possível detectar umsentimento de culpa muito poderoso, queexistia antes do crime, e, portanto, não éseu resultado, mas sim o seu motivo. Écomo se fosse um alívio poder ligar essesentimento inconsciente de culpa a algoreal e imediato”. Freud, S. O ego e o id. p.57.22.Mayrink da Costa, A. Op. cit., p. 339.23.Sobre a compreensão da condutacriminosa como expressão de conflitosinterindividuais e intraindividuais, cf. Sá,A. A. Concepção de crime como expressãode uma história de conflitos: implicaçõesna reintegração social dos condenados àpena privativa de liberdade. Criminologiaclínica e psicologia criminal. p. 55–66.

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24.Por certo, essa constatação não serestringe à criminologia clínica. Aausência de diálogo entre os saberes éapontada como efeito do excesso deespecialização positivista, que impõebarreiras metodológicas à interação entreas diversas áreas de conhecimento.25.Nesse sentido, parece ideal a metáforaconstruída por G. Deleuze, ao tratar dobinômio saber-po der: “Uma teoria é comouma caixa de ferramentas. Nada tem a vercom o significante… É preciso que sirva, épreciso que funcione. E não para simesma” (M. Foucault e G. Deleuze. Osintelectuais e o poder. In: Foucault, M.Microfísica do poder. p. 69–78).26.Garland, D. As condições da “sociedadepunitiva”: o caso britânico. p. 59–80.27.Lombroso, C. O homem delinquente. p.

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21–27.28.Veiga de Carvalho, H. Compêndio decriminologia. p. 97–135.29.Certamente, quem melhor ironizou oscritérios mais ou menos arbitrários comque o discurso pretensamente científicoelabora suas tipologias e classificações foiJ. L. Borges. O autor faz referência a umaexótica classificação dos animais que,supostamente, constaria de uma antigaenciclopédia chinesa: “Tomeiconhecimento de certa enciclopédiachinesa que se intitula Empório Celestial deConhecimentos Benévolos, nas suasremotíssimas páginas está escrito que osanimais se dividem em: a) pertencentes aoimperador, b) embalsamados, c)amestrados, d) leitões, e) sereias, f)fabulosos, g) cães vadios, h) incluídosnesta classificação, i) que se agitam como

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loucos, j) incontáveis, k) desenhados comum pincel finíssimo de pêlo de camelo, l)et cetera, m) que acabam de quebrar ojarrão, n) que ao longe parecem moscas”.Obras completas. p. 83.30.Idem, Ibidem, p. 136.31.Idem, Ibidem, p. 140–174.32.A percepção de que o crime é umaentidade meramente jurídica, e nãomédica ou sociológica, é a base a partir deonde se desenvolvem as teorias críticas dacriminológica. Nesse sentido, afirmam E.R. Zaffaroni e J. H. Pierangeli que o delitonão existe sociologicamente: “Narealidade social existem condutas, ações,comportamentos que significam conflitosque se resolvem de um modo comuminstitucionalizado, mas isoladamenteconsiderados possuem significados

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sociais completamente diferentes”(Manual de direito penal brasileiro: partegeral. p. 57).33.Souza, C. Christiano de. Fundamentosda classificação natural dos delinquentes.p. 21–38.34.Maranhão, O. R. Psicologia do crime. p.23–27.35.Idem, Ibidem, p. 35.36.Idem, Ibidem, p. 39.37.Maranhão, O. R. Op. cit., p. 49.38.Sobre as oligofrenias, psicoses,demências e neuroses desde a óptica damedicina legal, cf. Maranhão, O. R. Cursobásico de medicina legal. p. 294–331.39.Maranhão, O. R. Op. cit., p. 128.40.Sobre as causas do crime segundo a

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doutrina lombrosiana, cf. Darmon, P.Médicos e assassinos na Belle Époque: amedicalização do crime. p. 55–59.41.Thompson, A. Quem são os criminosos?O crime e o criminoso: entes políticos. p. 41.42.Thompson, A. Op. cit., p. 42.43.“Removida a causa, desaparece oefeito.”44.Sobre o caso Febrônio Índio do Brasil,versando sobre suas implicaçõesantropológicas, cf. dois artigos de P. Fry:Direito positivo versus direito clássico: apsicologização do crime no Brasil nopensamento de Heitor Carrilho. p. 116–141, e Febrônio Índio do Brasil: ondecruzam a psiquiatria, a profecia, ahomossexualidade e a lei. p. 65–80.Também sobre o caso Febrônio, cf. Casoy,I. Serial killers made in Brazil. p. 40–75.

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45.A essa conjuntura de embate entre ossaberes Darmon, P. deu o nome de“batalha do tribunal”. Op. cit., p. 115–204.46.O caráter meramente aparente dadisputa entre os saberes médico e jurídicono Brasil é identificado por Schritzmeyer,A. L. P. que aponta para a convergênciados saberes científicos no sentido deexpurgação dos saberes vulgares, tidoscomo contrários ao progresso e à ordembuscados pelos homens da ciência doinício do século: “Como em um jogo,juristas e médicos se opunham, masrespeitavam as mesmas regras científicase reconheciam-se como parceiroslegítimos – doutores –, unindo-se contraquaisquer intrusos que, de algum modo,questionassem a validade do querealizavam”. Sortilégio de saberes:curandeiros e juízes nos tribunais

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brasileiros (1900–1990). p. 73.47.No Brasil, a medicalização da searacriminal foi estudada por Carrara, S., quetoma como ponto de partida a criação dosmanicômios judiciários nacionais. Crime eloucura: o aparecimento do manicômiojudiciário na passagem do século.48.A. Morad Amar, Criminologia. p. 4.49.Morad Amar, A. Op. cit., p. 179.50.Idem, Ibidem, p. 401–402.51.Thompson, A. Op. cit., p. 41.52.Morad Amar, A. Op. cit., p. 315.53.Morad Amar, A. Op. cit., p. 199.54.Idem, Ibidem, p. 190.55.Veiga de Carvalho, H. Manual deintrodução ao estudo da criminologia. p. 193–

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217.56.A palavra fetichismo, aqui, é utilizadapara designar um apego exagerado.57.A. S. Franco. Regras do regime fechado.p. 252.58.Mirabete, J. F. Execução penal. p. 58–59.59.Transcreve-se o texto da Súmulavinculante no 26: “Para efeito deprogressão de regime no cumprimento depena por crime hediondo, ou equiparado,o juízo da execução observará ainconstitucionalidade do art. 2o da Lei no

8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízode avaliar se o condenado preenche, ounão, os requisitos objetivos e subjetivos dobenefício, podendo determinar, para talfim, de modo fundamentado, a realizaçãode exame criminológico”. O STJ, por outro

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lado, editou a Súmula no 439, publicadaem 13/05/2010, que estabelece: “admite-seo exame criminológico pelaspeculiaridades do caso, desde que emdecisão motivada”. Assim, ainda que osTribunais Superiores aceitem o examecriminológico como instrumento a instruirpedidos de progressão de regime, adeterminação de sua elaboração deve serdevidamente fundamentada pelo juízo,com base no caso concreto, e não na meraconvicção quanto à validade ouimportância da perícia.60.Para uma visão crítica quanto ao examecriminológico, cf. Shecaira, SérgioSalomão O exame criminológico e aexecução de pena. p. 36–41.61.Sá, A. A. Avaliações técnicas dosencarcerados. p.188–208.

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62.Idem, Ibidem, p. 207.63.Item 34 da Exposição de Motivos da Leide Execução Penal.64.Sá, A. A. Avaliações técnicas dosencarcerados, p. 198.65.Mayrink da Costa, A. Examecriminológico. p. 21.66.Castelo Branco, V. P. Criminologia:biológica, sociológica, mesológica. p. 168.67.Castelo Branco, V. P. Op. cit., p. 169.68.Foucault, M. Os anormais: curso noCollège de France. p. 3–37.69.Idem, Ibidem, p. 14.70.Foucault, M. Vigiar e punir. p. 215–242.71.Idem, Ibidem, p. 230.72.Goffman, E. As características das

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instituições totais. p. 13–108.73.De acordo com E. Goffman, um estigmaé “uma discrepância específica entre aidentidade social virtual e a identidadesocial real” (Estigma: notas sobre amanipulação da identidade deteriorada. p.12). Desse modo, o estigma é a diferençaentre o caráter que imputamos aoindivíduo e os atri butos que ele provapossuir na realidade.74.Baratta, A. Por un concepto critico dereintegración social del condenado. p.141–157.

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3

Coculpabilidadeevulnerabilidade:considerações apartir de umrealismojurídico-penal

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Jovacy Peter Filho*

SUMÁRIO:

3.1 Introdução.3.2 Algumas consideraçõessobre a teoria dacoculpabilidade.

3.2.1 Considerações quantoaos fundamentos: de ondeveio e para onde vai ateoria?3.2.2 Consideração quantoao conteúdo: dacoculpabilidade para a

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culpabilidade porvulnerabilidade.3.2.3 Considerações quantoa localização sistemática:em qual “culpabilidade” estáa culpabilidade porvulnerabilidade.3.2.4 Considerações quantoaos limites de aplicação.

3.3 Considerações finais.3.4 Referências bibliográficas.

3.1 IntroduçãoNão são poucos os autores que

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consideram a culpabilidade o temamais intrigante e controvertido detoda a teoria do delito.1 A disciplinaé, sem dúvida, tema de grandecizânia na doutrina penal, havendoquem dela se utilize para expressardiferentes significados.2 Nestesentido, Cezar Roberto Bitencourt3

vislumbra uma tripla perspectivapara a culpabilidade: fundamentoda pena; limite da pena e, por fim,sinônimo de responsabilidadesubjetiva. Segundo Paulo de SouzaQueiroz,4 os sentidos possíveis dapalavra culpabilidade seriam:princípio da culpabilidade;princípio de não culpabilidade;

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crime culposo; culpabilidade comocircunstância judicial;culpabilidade como elemento doconceito analítico de crime; e, maisrecentemente, coculpabilidade. Jácom Paz M. de la Cuesta Aguado5 aculpabilidade, tomada em seusentido principiológico geral,converge os princípios daresponsabilidade subjetiva, daculpabilidade stricto sensu, daresponsabilidade pelo fato e daproporcionalidade das penas.

O certo é que a culpabilidade, emvirtude da indeterminação de seuslimites conceituais, representa umamatéria em franca evolução, sendo

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possível apenas situála quanto aoseu ponto de partida, visto que oseu destino acompanha as nuancesda evolução social e, nesse sentido,é sempre cambiante e de projeçõesideais. É o que pensa Carlos Parma,6quando escreve que, tratando-se deculpabilidade, as ideias deestabilidade nunca foram boasconselheiras, pois nunca se chegoua um conceito final, mas, quandomuito, a um saber penúltimo. Porisso, considera que as melhoresideias acerca da culpabilidade nãosão as do presente, mas as queainda estão por vir.

É neste horizonte que se buscará

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compreender os espaços da teoriada coculpabilidade. Qual o seuconteúdo? Será ela integrante dateoria do crime ou, do contrário,estará situada na culpabilidadeenquanto elemento de valoraçãojudicial? Quais os limites de suaaplicação? Pode ela acarretar aexculpação do crime ou cinge-se auma somenos reprovabilidade daconduta? Como a Justiça tem seposicionado sobre o assunto? Essasquestões ainda carecem de ummelhor refinamento esistematização. Talvez isso expliqueo atual desinteresse da doutrina, deum lado, e a timidez

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jurisprudencial, de outro.No momento em que as relações

de foro econômico-social vãoassumindo pautas cada vez maisprioritárias, seja em decorrênciadas relações impostas pelaglobalização, seja pelasconsequências (no campo dacriminalidade) da desigual partilhade haveres, cabe ao direito penalestabelecer uma interface com essarealidade. O homem responde àsdeterminações sociais, assim comoo direito deve responder eacompanhar as vicissitudes dohomem. Todavia, o discursojurídico não raramente tem optado

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pela eleição de elementosapartados do cotidiano.7

As tensões sociais, quando nãomediadas de maneira responsávelpelo Estado, acabam produzindonovas crises, a ponto de ThomasSkidmore8 considerar que acriminalidade patrimonial nãodeixa de ser “uma pequenadistribuição de renda por meiosnão econômicos, isto é, coercitivos”.A ausência reguladora do Estadoacaba propiciando as condiçõesadequadas para a ocorrência depráticas sociais à margem dasociabilidade, nascidas de umprocesso comunitário de

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desvalorização do homem pelopróprio homem.9

As mudanças sociais partemdessa compreensão relacional entreo direito e a sociedade. Ambosestabelecem entre si um conjuntode forças equilibradas. Nem asociedade determina por completoa produção e a aplicação do direito(visão realista), nem o direitocondiciona integralmente o fluxosocial (visão idealista).10 O direitobrasileiro, fundado em basesdemocráticas, tem no povo suafonte de existência, mas igualmentelabora de maneira autônoma, tendopor finalidade a maior

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concretização possível do princípiofundamental da dignidade dapessoa humana (art. 1o, inciso III,da Constituição Federal).

Nesta relação mutualista, asociedade labora para a formaçãode um direito justo, e o direito, comseus mecanismos internos defuncionamento, garante àsociedade a concretização do idealque o dirigiu. Assim, o direitoexerce um “duplo papel dentro dasociedade: ativo e passivo”.11

Portanto, da tese construtivista queafirma ser o direito uminstrumento de alterações sociaisna medida em que influencia o

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comportamento das pessoas épreciso situar a posição do direitopenal.

Como bem ressaltado por NiloBatista,12 o direito penal, comoqualquer outro ramo do direito,existe em prol de certas finalidades(legítimas ou ilegítimas), e “nãopara a simples celebração devalores eternos ou glorificação deparadigmas morais”. Se esse direitopenal não é o melhor instrumentode que dispomos para proteger osbens jurídicos de maior relevo parao corpo social, é, por outro lado, aúnica invenção de que a sociedadedispõe para tanto. É possível que,

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um dia, o ideal abolicionista seconcretize,13 e a sociedade consigaviver de forma minimamente sadiasem o direito penal. Enquanto issonão ocorre, devemos pugnar pelamáxima humanização possível,fazendo do direito penal nãoapenas um mandatário das normasconstitucionais, mas, sempre quepossível, um instrumento dereiteração da dignidade humana.Para tanto, de nada vale um direitopenal de gabinete, mas se faznecessário um direito penalrealista, marginal, que olhe para opovo e busca compreendê-lo emsua particularidade.

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3.2 Algumasconsideraçõessobre a teoria dacoculpabilidadeAs pesquisas acerca dacoculpabilidade demonstraram sereste, ainda hoje, um tema tabu nocampo da dogmática penal. Agrande maioria dos materiais queversa sobre a questão sinaliza parauma leitura criminológica dofenômeno, como não poderia deixarde ser, uma vez que trabalhadiretamente com dados empíricos.O problema é que, quando a

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dogmática não se apropria deassunto tão importante, deixa claroestar divorciada não somente dacriminologia, como ciência, mas daprópria realidade que ela estuda.Nesse sentido, a tese de Zaffaroni14

é de que a crítica da criminologiadirecionada ao sistema penalacabou favorecendo esse cenário dedesconforto para a dogmática.

As considerações anotadasabaixo possuem esse interesse embuscar reconciliar, no tema dacoculpabilidade, a dogmática com acriminologia (e também com apolítica criminal), a fim de que ateoria receba dos juristas

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brasileiros – cuja formaçãodogmática é marcante, eigualmente da jurisprudência – oreconhecimento que merece, anobreza de seus fundamentos e apertinência com a realidade socialbrasileira.

3.2.1 ConsideraçõesQuanto AosFundamentos: De OndeVeio E Para Onde Vai ATeoria?Em O mal-estar da civilização, Freudapresenta as ambivalências que

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encerram a civilização. Ensina o paida psicanálise que aquilo que sedenomina de civilização, que se crêseja um espaço de segurança paraos homens, é, em grande medida, oresponsável pelas desgraças que lheacometem.15 Assim, a civilizaçãopara Freud não é mais do que “asoma integral de realizações eregulamentos que distinguemnossas vidas das de nossosantepassados animais, e que serve adois intuitos, a saber: o de protegeros homens contra a natureza e o deajustar os seus relacionamentosmútuos”.16

A civilização para Freud encontra

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nas atividades intelectuais (ciência,artes, filosofia e os “ideais”) dohomem a sua característica maisacentuada.17 Todavia, este processocivilizatório requer um consideráveldeslocamento do fluxo de energialibidinal do indivíduo, ou seja, ohomem está constantementeabdicando de suas satisfações emprol da manutenção no gruposocial. Nesse sentido, “asublimação do instinto constituium aspecto particularmenteevidente do desenvolvimentocultural […]”.18

Ocorre que a capacidade parasublimar os instintos reprimidos

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não ocorre sem esforços, e muitomenos de forma singular ehomogênea, pois somente algunspossuem acesso àqueles benstípicos e característicos dacivilização, para os quais gozá-losameniza o esforço de ceder àsforças exteriores em detrimento dasenergias internas.19

Essa visão psicanalítica é apenasuma, entre tantas outras, queapresentam explicações para asdesiguais relações sociais, que nãoatingem apenas o campoeconômico e social, apesar deencontrarem neles fortesreguladores do nível de tensão

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existente em uma dada sociedade.A leitura feita anteriormente

pode conduzir à conclusão de que

[…] a sociedade pode serentendida como umempreendimento co-operativo doshomens, mediado por regrasobservadas geralmente, em buscade melhores possibilidades deexistência. Apesar de não haveroutra forma de legitimar aorganização social, a realidade semostra completamente diversa,com a apropriação do produto dacooperação social por poucos,enquanto ao menos nos países

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subdesenvolvidos ou emdesenvolvimento, a grandemaioria da população padece aprivação dos bens existenciaismais básicos (moradia,alimentação, vestuário, educação,saúde). Dada a anormalidade dascircunstâncias, é possível quecomportamentos ilícitos sejamadotados como meio de fazerfrente a carências materiaispermanentes ou momentâneas.Nesses casos, é importante que sepossa dispor de uma categoriajurídico-penal que permitadelimitar, na prática judicial,onde termina a responsabilidade

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pessoal do agente e inicia a dasociedade, pela irresistibilidade daprivação.20

Foi levando em conta asdiferenças estruturais de umasociedade e reconhecendo o fato deque a distribuição de ganhos ecustos sociais ocorre de formairregular, que se criou a teoria dacoculpabilidade.21 A teoria foiconcebida para ser aplicada nasocasiões em que a desorganizaçãoda estrutura estatal, a carente ofertade condições de existência dignaaos seus cidadãos e a discriminaçãodecorrente da aviltante distribuição

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de rendas contribuem,verdadeiramente, para a expansãoda criminalidade entre aqueles quepadecem com o alheamento social.Nessas hipóteses, a sociedadehaveria de atuar na qualidade decorresponsável pela ocorrência dedelitos.22

A sociedade, representada peloEstado, tem a obrigação de buscarsoluções para o problema dacriminalidade, especialmentequando ela se desenvolve nasranhuras da (des)organizaçãosocial. A delinquência que colheseus fatores desencadeantes nessascircunstâncias necessita de uma

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compreensão integrada ao contextosocial que as torna possível.23

Outrossim, se o Estado assumiu atarefa de ordenar a sociedade,fornecendo os meios para o plenodesenvolvimento de seushabitantes, deve arcar com o ônusde sua ingerência, na exata medidaem que tenham contribuído para aocorrência de certos delitos. E nãose vê nesta proposta nada deabsurdo, mas o que se extrai é umatentativa de aprumar as tensõessociais, distribuindo os dissaboresdaqueles que somente provaram doamargor da sociabilidade.

Em suma, a coculpabilidade se

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fundamenta na desorganizaçãosocial. É um conceito de matrizsociológica, mas com afetaçãodireta na formação da estruturapsíquica dos indivíduos, pois todosse inserem no corpo social e dacoletividade absorvem as condiçõesde possibilidade para odesenvolvimento pessoal. Comolembram Zaffaroni e Pierangeli,24

todo ser humano, consideradoconcretamente, atua em âmbitos deautodeterminação limitados. Asociedade, por mais organizada quevenha ser, nunca ofertará a todos asmesmas condições eoportunidades. Nesses casos, a

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insuficiência de acesso igual aosfrutos da civilização acarreta umaredução dos recintos interiores deautodeterminação, e tal situação,caso venha a contribuir na condutacriminosa, deverá ter areprovabilidade da condutarepartida entre o agente quecomete o fato e a sociedade queofertou ao agente uma vida deprivações adicionais àquelas de queele já dispensa para civilizar-se.

Sob esta perspectiva seapresentam as orientaçõesjurisprudenciais abaixotranscritas:25

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Roubo. Concurso. Corrupção demenores. Coculpabilidade. Se agrave ameaça emerge unicamenteem razão da superioridadenumérica dos agentes, não sesustenta a majorante do concurso,pena de bis in idem. Inepta é ainicial do delito de corrupção demenores (Lei no 2.252/54) que nãodescreve o antecedente (menoresnão corrompidos) e o consequente(efetiva corrupção pela prática dedelito), amparado em dadosseguros coletados na faseinquisitorial.

O princípio da coculpabilidade faz

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a sociedade também responderpelas possibilidades sonegadas aocidadão-réu. […] (TJRS – 5a

Câmara Criminal; ApelaçãoCriminal no 70002250371; Rel.Des. Amilton Bueno Carvalhido;j. 21/03/2001).

Apelação-crime. Apropriaçãoindébita. Apelo ministerial.

Não se olvida do moderno conceitode coculpabilidade, segundo oqual, na reprimenda, dever-se-iareconhecer um ônus da sociedade,porque há sujeitos que têm menorpoder de autodeterminação,condicionado por causas sociais.

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Contudo, também não se podedeixar de considerar que aexigibilidade de conduta diversa,no caso em tela, em que o réu seapropriou de coisa alheia, não sealtera, ante a presença fatoressociais, como a baixa escolaridade(TJRS – Apelação Crime no

70009255696; 8a CâmaraCriminal; Rel. Elaine MariaCanto da Fonseca; j. 23/03/2005).

3.2.2 ConsideraçãoQuanto Ao Conteúdo: DaCoculpabilidade Para ACulpabilidade Por

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VulnerabilidadeA coculpabilidade, como expostoacima, preconiza que o juízo dereprovabilidade do agenteconsidere a experiência concretados autores, as oportunidades quelhes foram ofertadas e,casuisticamente, compartilhar aresponsabilidade pessoal com aresponsabilidade geral dasociedade que pretende impor apena. Isso representa, nas palavrasde Nilo Batista,26 que acoculpabilidade “faz sentar nobanco dos réus, ao lado dosmesmos réus, a sociedade que osproduziu […]”.

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É certo que a teoria dacoculpabilidade, assim comoqualquer outra, não possuiaceitação e aplicabilidadehomogêneas. Quanto maiores osproblemas estruturais do Estado e,em consequência, mais acentuado odesnível social entre os cidadãos eos problemas decorrentes dessefato, tão maior será a validade deque o juízo de culpabilidade pelaprática de certos delitos deve serconsorciado com a sociedade,acarretando uma menor reprovaçãoindividual. Dessa forma, a aplicaçãoda teoria fica na dependência deque o delito tenha sido fruto dos

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desarranjos socioeconômicos que,em última análise, mitigam aautodeterminação individual ecolocam a ingerência ou omissão doEstado na origem da cadeia causaldo crime.

É certo que a disciplina marca uminstrumento típico, mas nãoexclusivo, de sociedadesheterogêneas, cuja característica é aextrema desigualdadesocioeconômica, marcada peloelevado contingente populacionalalijado dos mais elementares benspara a manutenção de uma vidadigna.27 Contudo, é equivocada aafirmação de que se trata de uma

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teoria exclusivamente periférica, namedida em que os países centraisnão estão completamente isentosde assimetrias sociais internas, talcomo se dá com a situação dosimigrantes, dos negros e dosmuçulmanos, por exemplo.

Ocorre que uma nova fronteirapara esse campo de estudo temsido proposta por Eugenio RaúlZaffaroni,28 e pode ser denominadade culpabilidade porvulnerabilidade. Enquanto nacoculpabilidade se pugna para umreconhecimento das diversidadessocioeconômicas, na culpabilidadepor vulnerabilidade haverá menor

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reprovação penal sempre que o atoestiver orientado por um estadoqualquer de fragilidade, seja ele denatureza econômica, social, familiarou psíquica.

Como se nota, este últimoconceito amplia consideravelmentea possibilidade de hipótesespossíveis de receberem umareprovação adequada. E esseentendimento, além de mais atual esintonizado com a complexidadesocial pós-moderna, é igualmentemais favorável ao homem, àsdiversidades que tanto marcam acivilização e que alguns, em virtudede inúmeras circunstâncias, podem

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ser alijados. A bem da verdade, aculpabilidade por vulnerabilidadenão veio para amesquinhar osespaços de aplicação dacoculpabilidade, senão paracomplementá-la.

A “vulnerabilidade” já se faziapresente na coculpabilidade,todavia em sua acepção dedanosidade socioeconômica,fragilidade decorrente damarginalização social e da exclusãona distribuição dos bens dacivilização. Tratava-se de umavulnerabilidade social. Agora,porém, é possível falar emvulnerabilidade psíquica,

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vulnerabilidade penal (decorrenteda seletividade do sistema),vulnerabilidade cultural29

(comunidades indígenas,quilombolas, imigrantes) evulnerabilidade social.30

No exemplo de Zaffaroni,31

[…] una persona cuyascaracterísticas personalescoinciden con las del estereotipocriminal, basta con que incurra enun injusto leve para que seavulnerable. Por regla general, lavulnerabilidad alcanzada conpoco esfuerzo concede a la agenciajudicial un espacio de poder muy

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considerable para imponer penasmínimas o muy leves, sin que lasrestantes agencias de poderpunitivo tengan-argumentos oelementos para criticarla ydesprestigiarla.

Portanto, pugna-se para que adoutrina e a jurisprudênciabrasileira possam fornecer o espaçoque merece a teoria daculpabilidade por vulnerabilidade,32

pois, se o objetivo é que o direitopenal reconheça a diversidade, esseé o instrumento adequado paratanto. Frise-se que não se trata denegar vigência à coculpabilidade,

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mas, pelo contrário, de reconhecera sua importância dentro de umaesfera maior de possibilidades que,na origem, vieram beber em suafonte.

3.2.3 ConsideraçõesQuanto A LocalizaçãoSistemática: Em Qual“Culpabilidade” Está ACulpabilidade PorVulnerabilidadeO tema que se desenvolverá nãoestá imune a discussões, apesar depoucos serem os autores que,

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escrevendo sobre ele, seposicionam com clareza acerca dolugar reservado à coculpabilidadedentro do direito penal. Em umacoisa há consenso: acoculpabilidade é uma realidadeque vem sendo reconhecida porlegislações penais de vários países,de maneira explícita ou implícita33 –o que ocorre por meio de cláusulasgerais de atenuação de pena.

Em sua mais recente expressão, aculpabilidade (sob o prismadogmático) pode ser compreendidacomo um juízo de reprovaçãosubjetiva que recai sobre o agentedo crime, que podendo atuar

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conforme a prescrição legal acabapor assumir comportamentodiverso.34 Sinteticamente, é areprovabilidade do autor em facedo injusto praticado.35 Estaperspectiva da culpabilidadeenquanto valoração, tambémdenominada de culpabilidadenormativa pura, formou-se a partirde um processo iniciado no séculoXIX, quando a culpabilidade aindaera um fenômeno estritamentepsicológico para, em momentoposterior, iniciar sua abertura àsestruturas normativo-abstratas.

Foi com o sistema causal-naturalista da ação, cuja

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paternidade é dividida entre Franzvon Liszt e Ernst von Beling (daí sedenominar de modelo Liszt-Beling),36 que surgiu a primeiraformulação teórica da culpabilidadeno campo penal, conhecida comoteoria psicológica da culpabilidade.Para esta perspectiva, aculpabilidade representaria umliame entre o agente e o fato,preenchido pelo dolo ou pela culpa.

O movimento neokantista37 doinício do século XX questionou aculpabilidade puramentepsicológica e, a partir de ReinhartFrank, em 1907, passou a conceberum novo elemento na

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culpabilidade: a exigibilidade deconduta diversa.38 Nascia a teoriapsicológico-normativa daculpabilidade39, cujo interesseestava mais afinado em aprimorar ateoria anterior do que em refutá-la.40 A culpabilidade, neste sentido,passaria a emergir como sinônimode reprovabilidade.

O estágio seguinte de evoluçãoconceitual da culpabilidadeencontrou na teoria finalista daação, proposta por Hans Welzel, omote para a efetiva superação dabase psicológica ancorada no dolo ena culpa.41 Ao transportar esteselementos para a tipicidade, o

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finalismo propôs umaculpabilidade estritamentenormativa, procedendo desseprojeto a teoria normativa pura daculpabilidade.42 Com a adesãomajoritária da doutrina aofinalismo welseliano, aculpabilidade passou a serconcebida em sua face normativa, ecom isso ganhou relevo aquilo queFrancisco Muñoz Conde43

denominou de “função motivadorada norma penal”. Era precisomotivar-se conforme a norma penale atuar, desde que possível, nessadireção.

Ocorre que a evolução da

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culpabilidade, especialmente napassagem do paradigmapsicológico para o normativo,44

trouxe ao centro das atenções umassunto tão antigo quantopolêmico, e do qual grandesestudiosos travaram belíssimasdiscussões sem que ainda houvesseuma orientação pacífica. Trata-se dafigura do livre-arbítrio,45 outroraabraçada pela Escola Clássica, cujafórmula do “poder agirdiversamente”46 cuidou de reavivar.

Tanto é assim que as discussõesem torno do livre-arbítrio47

continuam, ainda hoje, semrespostas seguras fornecidas pelas

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ciências psicológicas e sociológicas.O homem, nas palavras de Jorge deFigueiredo Dias, não comporta umacompreensão circunscrita a uma ououtra ciência, mas somente quandoconcebido como ser histórico,plural, e as respostas a taisinquietações emergem com maiorsubstância. Nesse sentido, é nocampo da antropologia filosóficaque melhor se extraem oscontornos para uma culpabilidadematerial, eis que ali se fornecem osconhecimentos para uma liberdadedo ser completo, e não apenas davontade do ato.48

No tema da liberdade, em sede

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de culpabilidade,49 em geral sedebruça sobre um dogma daculpabilidade da vontade, nascendoum labirinto ao redor da doutrina.A única saída encontrada, até então,é a afirmação da inconclusividadeacerca do conteúdo desse “poderagir diversamente” quando, naverdade, a materialidade daculpabilidade50 não deveria estarsedimentada sobre a vontade,senão que no ser total que a orienta.

Ao olhar para o homem real econcreto,51 a culpabilidade(compreendida no seu aspectodogmático-material)52 abre asportas para a entrada da

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coculpabilidade. Portanto, eestando inserida dentro doselementos do crime, acoculpabilidade não é somentemero pressuposto de aplicação dapena, valorada no momento dadosimetria, mas deve orientar ojulgador já na definição do grau dereprovabilidade que irá, emmomento posterior, subsidiar aaplicação da pena. Ao se assimconsiderar, a teoria ganha o espaçoque lhe cabe, proporcional aospréstimos que oferta ao direito eaos indivíduos.53

O conceito de culpabilidade porvulnerabilidade (e,

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consequentemente, acoculpabilidade) é dogmático,54 e seencontra na própria sistemática daculpabilidade individual, enquantoatributo de reprovação de umaconduta considerada penalmenteinjusta. O habitat dacoculpabilidade é, sem dúvida, oespaço de liberdade típico doprocesso de reprovabilidade, masnão uma qualquer liberdade, não aliberdade do homem ideal, masaquela que representa a

[…] nuestra humana manera de“ser en el mundo” nos impone loslímites de lo concreto,

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circunstancia témporo-especial enque nos desenvolvemos; y es poreso que sólo cuadra referirse agrados de autodeterminación. […]esa relativización de nuestraautonomía en el obrar dista detransformarnos en entesdeterminados, de los que quepaprecidir una mayor o menordisposición interna antisocial,para decidir sobre su segregación oeliminación.55

Assim, no juízo de reprovaçãodevem ser consideradas asoportunidades ofertadas ao autorreal, levando em conta sua

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formação, profissão, educação,posição econômica, situaçãofamiliar, carência de meios,desemprego, emigração, falta deintegração social, frustraçãofamiliar, abandono juvenil,deficiências educativas,inadaptação, marginalização eoutros mais que, conglobados,formam o núcleo dacorresponsabilidade social pelodelito ocorrido.56

Na legislação brasileira, porém, épossível encontrar instrumentosque alocam a teoria em questãotanto como elemento do crimequanto circunstância judicial. Até a

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Lei no 10.792/2003 não havia nalegislação brasileira nenhumadisposição clara que permitisseaplicar a teoria na descaracterizaçãodo crime ou no momento daaplicação da pena. Os defensoresda teoria então baseavam suaaplicabilidade no art. 66 do CP,quando este mencionava apossibilidade de atenuaçãogenérica da pena em virtude decircunstância relevante(interpretada no seu aspectosocioeconômico). Foi essa aprimeira porta aberta do legisladorà teoria.

Todavia, a Lei no 10.792/200357

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conferiu importante destaque aointerrogatório do réu. Com arevogação do art. 188 do DiplomaProcessual Penal, que tratava dosquestionamentos a serem colhidosdo réu no curso do interrogatóriojudicial, o legislador emplacou onovel art. 187, que preconizava aobrigatoriedade de o magistradoperscrutar dados da vida social doréu, instruindo desde já o seuconvencimento acerca daculpabilidade (qual ou quantum) aser atribuída ao indivíduo.58

Em síntese, a legislação brasileiraadmite situar a culpabilidade porvulnerabilidade tanto no conceito

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dogmático do crime, visto que o art.187 do CPP demonstra ser estaconsideração fundamental para aformação do juízo dogmático deculpa do magistrado, ou, comopermite o art. 66 do CP, naqualidade de circunstânciaatenuante genérica.

3.2.4 ConsideraçõesQuanto Aos Limites DeAplicaçãoNesse ponto, duas questõesmerecem ser reconhecidas: (i) oslimites da redução dareprovabilidade; e (ii) quais as

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hipóteses de aplicação concreta.A tese de que o reconhecimento

da vulnerabilidade conduziria auma exclusão da própriaculpabilidade representa umaaplicação extremada e desarrazoadada teoria. Estar-se-ia advogando aexculpação unicamente em virtudeda precariedade econômica, social,cultural e psíquica do réu, não lhereconhecendo a capacidade deconduzir (se bem que de formalimitada, como exposto) suasdecisões. Salvo nos casos em que aintensidade da suscetibilidadeimpede a formação da vontadeautônoma (e estas hipóteses já são

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validamente reconhecidas pelascausas de exclusão daculpabilidade, como naimputabilidade, no poder agirdiverso e no conhecimentopotencial do injusto), não haveriaque falar em exculpação.

Na verdade, essa proposta sereveste de um elevado grau defatalismo, pois que asuscetibilidade do réu surgiriacomo algo intransponível e,ademais, condicionante da práticade crimes, reforçando ao avesso aperigosa ideia de criminalização dapobreza, da cultura e dasvicissitudes interiores (não

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patológicas), uma vez que todapessoa em condições sociaisfragilizadas seria considerada comocriminosa em potencial.Paradoxalmente, uma teoriafundada na busca pela igualdadeseria mais um instrumento dedesigualdade desproporcional.

Portanto, com razão está ManoelRolim Campbell Penna59 quandoassevera:

[…] em qualquer caso, portanto,não se cogita de exclusão daculpabilidade – e, portanto, docrime – pela possível aplicação dateoria da coculpabilidade, mas tão

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somente de uma atenuação dapena que deve ser aplicada aodelinquente em virtude dascondições (econômicas, familiares,educacionais, etc.) adversas,decorrentes da falta deoportunidades sociais, pelas quaisele tenha passado no curso de suavida, que por isso possam tercontribuído para uma máformação de sua personalidadee/ou para conduzi-lo à prática dodelito.

Por outro lado, grande parte dosautores restringe o espectro deaplicação da teoria aos crimes

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patrimoniais. Esta secção não erarazoável nem mesmo no seio dacoculpabilidade (vulnerabilidadede caráter social), e com a propostade ampliação do conteúdo dateoria, menos compreensível restatal limitação. No sentido em que sedefende, a teoria da culpabilidadepor vulnerabilidade foi aplicada aocaso concreto descrito abaixo,mesmo tendo o julgador se validodas premissas da coculpabilidade:

Embargos infringentes.Tentativa de estupro. Fixaçãoda pena. O agente que vive debiscates, solteiro, com dificuldades

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para satisfazer a concupiscência,altamente vulnerável à prática dedelitos ocasionais. Maior avulnerabilidade social, menor aculpabilidade. Teoria dacoculpabilidade (Zaffaroni).Prevalência do voto vencido, nafixação da pena mínima. Regimecarcerário inicial. Embargosacolhidos por maioria (TJRS – 4o

Grupo de Câmaras Criminais;Embargos Infringentes no

70000792358; Rel. Des.Tupinambá Pinto de Azevedo;maioria; j. 28/04/2000).

Esse julgado, todavia, não reflete

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a interpretação majoritária dajurisprudência pátria que, quandoinstada, ou desconhece daaplicabilidade do tema, ou, o que épior, negligencia a realidade paraaplicar um direito penal degabinete. Nesse sentido, foi aorientação dos julgados abaixo:

Penal. Furto. Princípio dainsignificância. Crimeprivilegiado. Impossibilidade.Coculpabilidade da sociedade.O valor do bem subtraído não é oúnico e exclusivo parâmetro paraaplicação do princípio dainsignificância, bem como para

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reconhecimento de furtoprivilegiado. Se assim fosse,poder-se-ia incentivar condutasque atentam contra a ordemsocial, mas que, toleradas peloEstado, colocariam em risco asegurança da coletividade. Há quese investigar o grau deofensividade da conduta frente aobem jurídico tutelado, o desvalorsocial da ação e a intensidade desua culpabilidade. A omissãoestatal em assegurar todos osdireitos fundamentais, não podeser utilizada como escusa para aprática de crimes. Caso contrário,conduzirá à dupla punição da

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sociedade, já vítima constante dacriminalidade e, ao mesmo tempo,responsabilizando-a pela condutados que fazem da criminalidadeum modo de vida. Recursodesprovido (TJDF – 1a TurmaCriminal; Apelação criminal no

20030610104865; Rel. Des. MarioMachado; j. 15/02/2005).Destaque do autor.

Apelação crime. Crimes contrao patrimônio. Roubo majorado.Materialidade e autoriacomprovadas. A materialidadedo deli-to está comprovadaatravés da comunicação de

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ocorrência, bem como pelos autosde apreensão e de avaliaçãoindireta, bem como pela provaoral. A autoria também encontraprova segura nos autos. O réu, emseu interrogatório admite terparticipado dos fatos, afirmando,todavia que somente aceitouacompanhar outros indivíduospara dirigir um veículo, nãosabendo que eles pretendiamrealizar um assalto. A vítimaconfirma que o ora apelanteparticipou do crime e o policialmilitar Joel Fabiano da CostaPereira testemunhou que prendeuo mesmo em flagrante delito, na

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condução do carro roubado. Nãohá falar em participação de menorimportância do recorrente, poisaceitou dirigir o veículo a serroubado, atuação sem a qual odelito não se consumaria. Inviávelconsiderar a situação econômica ecultural do réu como fatorrelevante a atenuar a pena, nostermos do art. 66 do CódigoPenal, conforme requer a defesaem sustentação fundada na teoriada coculpabilidade do Estado. Nãopossui o citado dispositivo legal oalcance pretendido, devendo serreservado a circunstânciaspeculiares e efetivamente

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relevantes que atenuem a práticadelitiva. Apelo desprovido (TJRS– Apelação Crime no

70020466629; 7a CâmaraCriminal; Rel. Naele OchoaPiazzeta; j. 13/03/2008).Destaque do autor.

Já em linhas finais deste estudouma mensagem de esperança podeser registrada, e, para felicidadeainda maior, partiu dessa mesmamagistratura que, ora tãohermética, ainda é vívida e seoxigena por vozes como esta quevem transcrita abaixo, externadaspela Des. Federal Maria Helena

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Cisne, do TRF da 2a Região, aojulgar apelação nos autos da AçãoPenal de no 200150010122308:

São fortes os argumentos deambos os lados [DefensoriaPública e Ministério Público]. Defato, não se pode afirmar que acarência de ordem material ousocial condicione o sujeito àprática de crimes, assim como aabundância de bens e recursosnunca foi garantia de condutailibada. A pergunta que se impõe éa seguinte: poderiam as carênciasdiminuir o âmbito deautodeterminação daqueles aos

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quais subjugam?

Tenho que sim. O que se vê naprática é uma sociedade alienada,que enxerga mas não vê. Umasociedade que se omite, fazendovistas grossas à miséria que arodeia, como se isso não lhedissesse respeito. As pessoasdeparam-se, a toda hora, comlevas de crianças mendigando nossinais – menores desassistidos aquem tudo é negado: carinho,educação, saúde, conselhos,orientação. Essas crianças sãoignoradas. Não são “vistas”porque incomodam a sensibilidade

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na medida em quesilenciosamente desnudam anegligência. Essas crianças só sãovistas no momento em queempunham um punhal ou umrevolver e agridem. Nessemomento, aquela sociedade dantes“cega” abre os olhos e clama porjustiça. Qual justiça? Asegregação daqueles jovens que,até então, “não enxergaram”.Exigem justiça, a ser realizadacom a colocação desses jovensatrás das grades, num sistemapenal que também descumpre umpreceito constitucional (art. 5o,XLVI, e), que proíbe penas cruéis.

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Quando penso na iniquidade dosistema penal brasileiro e nanegligência com a infância ejuventude carente, vem-me àlembrança o depoimento de umadaquelas tristes crianças, vítimasfatais de suas próprias condiçõesde vulnerabilidade conjuntural,retratadas no documentário‘Falcão – Meninos do Tráfico’,dirigido pelo rapper MV Bill e porCelso Athayde: ‘Se eu morrer,nasce um outro que nem eu, piorou melhor. Se eu morrer, voudescansar, é muito esculacho nessavida’.

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[…]

Todavia, a verdadeiracoculpabilidade que entendoagregar à teoria dogmática daculpabilidade não se refere tão sóao fato de o Estado e a sociedadecivil serem responsáveis pelaprodução de cidadãos pobres commais carências a propendê-los àcriminalidade, mas sim o fato deque os cidadãos carentes sãomuito mais vulneráveis àseletividade criminalizante(Culpabilidade porvulnerabilidade. In DiscursosSediciosos. Crime, Direito e

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Sociedade, ano 9, no 14, Rio deJaneiro: Revan, 2004, p. 37).

É de se ver que a moeda tem duasfaces. “Daquele a quem muito foidado, muito será exigido”, jádiziam as Escrituras. Isto implicaem reconhecer que a teoria dacoculpabilidade também significadizer que a conduta típica eantijurídica praticada por umagente privilegiado econômica esocialmente merece maiorreprovação, dentro de um contextodemocrático, do que a mesmaconduta praticada por um agenteque se encontra vulnerável por

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condições materiais e sociaisadversas.

3.3 ConsideraçõesfinaisDentro do sistema do fato punível,a culpabilidade assume a relevantetarefa de limitar a intervençãopunitiva estatal, buscandosalvaguardar o agente do fato detodo e qualquer excesso que possaser empreendido pelo Estado.60 Emsuma, a culpabilidade guarda umaverdadeira função de garantia nasistemática do Estado Democrático

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de Direito e, nesse sentido, sereveste no instituto jurídico-penalresponsável por assegurar adignidade da pessoa humana doagente do fato.

Apenas com uma aproximaçãomultidisciplinar, cultural, é possívelapreender a complexidade daculpabilidade em sua inteireza.Não se trata, porém, de situar adiversidade cultural no centro dainvestigação, senão que tambémcom ela refletir acerca dos limitesque a teoria da coculpabilidadetratou de gravar no estudo da teoriado delito, mais precisamente daculpabilidade.

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Um conceito de culpabilidadeque não admita o temperamentosugerido pela coculpabilidade, ecujo pressuposto esteja na normalfuncionalidade de uma sociedadeabstratamente considerada, tende ase transformar em instrumento dedominação (nas mãos dos maisabastados) e opressão (dos maisfragilizados).

3.4 ReferênciasBibliográficas

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*Mestrando em Direito penal (USP) e Vice-Presidente da Academia Brasileira deDireitos Humanos (ABDH). Advogado.1Neste sentido, Zaffaroni e Pierangeli

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elegem a culpabilidade como o “conceitomais debatido da teoria do delito”(Zaffaroni, Eugenio Raul; Pierangeli, JoséHenrique. Manual de direito penal – partegeral. p. 601); também Marcelo FortesBarbosa, para quem “a culpabilidade é otema mais tormentoso do direito penaldesde os primórdios” (Barbosa, MarceloFortes. A face oculta dos direitosfundamentais: os deveres e o custo dosdireitos. p. 137.). Na lapidar lição de LuisFernan do Niño: “Con razón se haafirmado que el problema de laculpabilidad es aquel a cuyo respectoexiste menor consenso doctrinario, en elmarco de los diversos nivelescomponentes de la teoria del delito”(Niño, Luis Fernando. Ubicacionsistemática de la co-culpabilidad. p. 187.).Eugenio Raúl Zaffaroni, em obra singular,deixa importante lição em tom de crítica:

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“No cabe duda de que la culpabilidad es elcapítulo donde la doctrina contemporaneademuestra mayor desconcierto, cree quehace grandes invenciones y, en definitiva,revulve viejos argumentos en medio de lamayor desorientación ética yantropológica” (Zaffaroni, Eugenio Raúl.En busca de las penas perdidas:deslegitimación y dogmática jurídico-penal. p. 213).2Na polissemia do termo já é possívelantever os meandros de seu estudo. Estasituação foi assinalada por Paz M. de laCusta Aguado: “Esta carencia dedefinición incluso en el lenguaje coloquialnos indica, ya, las dificultades queprevisiblemente nos encontraremos paraintentar definir el concepto deculpabilidad” (Aguado, Paz M. de laCuesta. Culpabilidad: exigibilidad e

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razones para la exculpación. p. 13).3Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado dedireito penal – parte geral. p. 330-331.4Queiroz, Paulo de Souza. Coculpabilidade.Disponível em: <http://pauloqueiroz.net/co-culpabilidade/>.Acesso em: 10/06/2009.5Aguado, Paz M. de la Cuesta. Op. cit, p.54.6Apud Gomes, Luiz Flávio; Molina,Antonio García-Pablos de. Direito penal –parte geral. p. 543 (nota de rodapé no 4).7De acordo com Zaffaroni, “[…] lasciencias sociales nos están demonstrandoque el discurso jurídico-penal se elaborasobre ilusiones y alucinaciones, que estasciencias desmienten rontundamente. Estosignifica que las discusiones jurídico-

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penales se desarrollan sobre la base deargumentos que en el plano de la realidadsocial son falsos. Algunos – la mayoría –parecen preterir ignorar directamente losdatos de la realidad, en tanto que otros –pocos – parecen desconcertados y enbúsqueda de alguna explicación”(Zaffaroni, Eugenio Raúl. La culpabilidaden el siglo XXI. p. 57.).8Apud Heringer Júnior, Bruno.Coculpabilidade: a responsabilidade dasociedade pelo injusto. p. 48.9Interessante é a leitura realizada porEnrique García Vitor acerca da falência domodelo contratualista em que vem sebaseando a ordem social: “En indudableque en las actualesdemocraciasmateriales, no formales –,caracterizadas por el privilegio alprincipio de igualdad – entendido como

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trato desigual a los desiguales –, el que seconsustancia con el respeto a ladiversidad, se impone unredimencionamiento de la teoría delcontrato para adecuarlo a los mismos”(Vitor, Enrique García. Diversidad culturaly derecho penal: aproximación al tema. p.24).10Sabadell, Ana Lucia. Manual de sociologiajurídica. p. 102.11Idem, ibidem.12Batista, Nilo. Introdução crítica ao direitopenal brasileiro. p. 120.13Seguimos a linha de Eugenio RaúlZaffaroni, para quem o direito penal devecaminhar para a sua futura abolição, mas,nesse intervalo, é necessário repensá-lo ereadequá-lo para que se possa extrair oque há de melhor. Trata-se de conduzi-lo a

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um processo de humanização sistemáticoe constante. Nas palavras do juristaargentino: “[…] procuramos la renovaciónde la dogmática penal desde ladeslegitimación del sistema penal,orientada instrumentalmente hacia lalimitación y reducción de su ámbito yviolencia, en camino a una utopía (porlejana y no realizada, pero no porirrealizable) abolicionista del sistemapenal Su resultado más cercano es unarenovación más limitativa del derechopenal de garantías, con base realista y sinapelar a la ficción del contrato ni a susreformulaciones” (Zaffaroni, EugenioRaúl. Hacia un realismo jurídico penalmarginal. p. 15).14Idem, ibidem.15Freud, Sigmund. O futuro de uma ilusão, omal-estar da civilização e outros trabalhos

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(1927-1931). p. 93.16Idem, ibidem, p. 96.17Idem, p. 100-101.18Idem, p. 103.19“A civilização, em princípio, exigerenúncia da parte de todos, a todos elaimpõe formas reguladoras e restritivas desatisfação do prazer. Mas vem então agrande pergunta: e quais os benefícios queela oferece, como recompensa? A quem elaos garante? Aqui está a marca dadiferença, uma diferença fundamental,que implica uma grande injustiça: só umaminoria, constituída pelos ricos eopressores, por alguns abençoados pelasorte é que tem a ganhar com as perdassofridas, pois só eles compartilham dosbenefícios, benefícios da terra e todo oinstrumental necessário para cultivá-la,

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do dinheiro, do trabalho digno e saláriojusto, benefícios da cultura, doconhecimento, da ciência, da filosofia, daarte, do lazer e muitos outros” (Sá, AlvinoAugusto de. Criminologia clínica e psicologiacriminal. p. 149).20Heringer Júnior, Bruno. Op. cit., p. 51-52.21A coculpabilidade está intimamenterelacionada com um modelo socialista dedireito penal, especialmente nas ideias deJean Paul Marat, para quem a penatalional seria a mais justa dasmodalidades de pena, mas somentepoderia ser aplicada no momento em quea sociedade alcançasse uma condição deigualdade entre seus membros, o que jáera tido como utópico para aquele tempo(Rodrigues, Cristiano. Teorias daculpabilidade. p. 34). De acordo com LuizFlávio Gomes, a teoria da coculpabilidade

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foi muito bem recepcionada nos países deregime comunista (Op. cit., p. 572).Refutamos esta afirmação por três razões:(i) a primeira é historiográfica, uma veznão se tem na história mundial um únicoexemplo de país que tenha experimentadoo regime comunista (no sentido originaldo termo), ou seja, que tenha alcançadoum estágio de socialismo real; (ii) emsegundo lugar, ainda que existisse umexemplo de país comunista, isto é, cujaconformação socialista já tivesseorganização suficiente para abrir mão doEstado, não mais existiria Estado e sequero direito da forma como se concebe. Nonúcleo de um direito penal profano, isto é,não estatal, toda culpabilidade seriasocial, direta ou indiretamente, na medidaem que a prática de crimes denunciarianão a reprovabilidade do indivíduo, emregra, mas sim da própria ordem social

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comum que haveria falhado nadistribuição igual de direitos e deveres;(iii) o reconhecimento da parcela deresponsabilidade social pela prática decrimes é muito mais afeito a sociedadesdemocráticas, em que o Estado reconhecea diversidade social e se esmera emdirimi-la.22Cf. Moura, Grégore. Do princípio dacoculpabilidade.23López, Fernando A. Barrita. Derechoshumanos e culpabilidad. p. 207. Earremata o autor: “[…] en una sociedadque fomente valores eminentementeutilitarios, como puede ser la acumulaciónde riqueza sin que en forma congruenteposibilite su adquisición legítima,producirá de esa manera la conductadesviada en gran escala, pero sóloestigmatizará en función del estrato social

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al que pertenezca el transgresor, así comoen función del delito cometido […]”.24Zaffaroni e Pierangeli. Op. cit., p. 610-611.25Neste particular, muito valiosa foi apesquisa de julgados realizada por ManoelRolim Campbell Penna que, após vastainvestigação, atesta ter encontrado poucomenos de cinco julgados que sefundamentam na teoria dacoculpabilidade. (Penna, Manoel RolimCampbell. A teoria da coculpabilidade esua aplicabilidade no direito penalbrasileiro).26Batista, Nilo. Op. cit., p. 105.27“El análisis de casos concretos bienpuede llevarnos a concluir que el autor delinjusto no ha acanzado el suficientedesarrollo de sus facultades psíquicas

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como consecuencia de la avitaminosis uotras carencias alimentarias debidas a lamiseria de su grupo social primero y a lausencia de asistencia social supletoria detales carencias” (Niño, Luis Fernando. Op.cit., p. 193).28Cf. Zaffaroni. En busca de las penasperdidas: deslegitimación y dogmáticajurídico-penal, p. 217-229; Zaffaroni. Haciaun realismo jurídico penal marginal, p. 110-112; Zaffaroni. La culpabilidad en el sigloXXI, p.; Zaffaroni. Criminología, p. 20-30;Zaffaroni. Culpabilidad porvulnerabilidad. Discurso de RaúlZaffaroni en la aceptación del DoctoradoHonoris Causa otorgado por laUniversidad de Macerata (Italia), 2002.Disponível em:<www.homenajeazaffaroni.com.ar/zaffamacerata.htmAcesso em: 10/06/2009.

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29Para um estudo mais profundo sobre opapel da diversidade cultural na formaçãodo juízo de reprovabilidade: Cf. Vitor,Enrique García. Diversidad cultural yderecho penal (aproximación al tema), cit.30Discordamos de Luiz Flávio Gomes (Op.cit., p. 573) quando afirma que os maisvulneráveis devem ter menor reprimendapenal, ao passo que os menos vulneráveis(“quem conta com status, boa reputação,diploma, etc.”) teriam uma culpabilidadeintensificada. Este tipo de entendimento,antes de fornecer espaços de equilíbrionas relações sociais, apenas inverte apolaridade da criminalização, que passa adesconhecer não mais o indivíduo carentee fragilizado, mas, por outro lado, o maisfortalecido. Este fenômeno é denominadopor alguns autores de “movimento daesquerda punitiva”.

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31Zaffaroni, Hacia un realismo… cit., p. 111.32Mais uma vez nos valemos dasponderações de Zaffaroni, que de tãopertinentes ao tema merecem sertranscritas: “Esta comprobación enmuchos criminalizados latinoamericanosde las clases subalternas o sumergidaseconómicamente, lejos de demostrar queesas características son ‘causas’ del delito,están demostrando que son ‘causa’ de lacriminalización en el caso individual y queel propio sistema penal se encarga deacentuarlas, cuando no de crearlas. […].Nada de extrño hay en la desnutrición dela madre durante la gestación, lasubalimentación en los primeros años, elhacinamiento habitacional con todas sussecuelas, las infecciones, la deficiente oinexistente asistencia sanitaria, lasintoxicaciones precoces del medio

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ambiente envenenado de los suburbios enla concentración urbana gigantesca, laescolaridad incompleta o inexistente, lainadaptación escolar, el padecimiento dela violencia y la necesidad prematura de laviolencia o la astucia como únicomecanismo de supervivencia, lainstitucionalización prematura, elabandono en sentido psicológico con susecuela de inseguridad, la discriminaciónlaboral e escolar, el estigma de lasprimeras criminalizaciones oinstitucionalizaciones sin motivo real, laacción despersonalizantes de lasinstituciones totales, la lesión a laautoestima provocada por vejámenes ytorturas, configuren un quadro que, condemasiada frecuencia, nos presenta a unapersona necesitada, carenciada, que, noobstante, suele dramatizar susnecesidades como medio de obtener

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mejoras circunstaciales, pero que no tieneuna real comprensión de las mismas,siendo este fenómeno más frecuente yagudo cuando mayor es el deteriorosufrido” (Zaffaroni, Eugenio Raúl.Criminologia: aproximación desde unmargen. p. 25).33O Código Penal da RepúblicaDemocrática da Alemanha de 1968 deixouconsignada a orientação a favor dacoculpabilidade, ao dispor no art. 5o,inciso I, que: “[…] uma ação é cometida deforma reprovável quando seu autor, nãoobstante as possibilidades de umaconduta socialmente adaptada que lhetenham sido oferecidas, realiza, por atosirresponsáveis, os elementos legalmenteconstitutivos de um delito ou de umcrime” (Batista, Nilo. Op. cit., p. 105). OCódigo Penal argentino também traz

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mostras da teoria da coculpabilidade emseu escopo, como se pode extrair do art.41, 2o, que obriga o juiz a inquirir o réusobre a miséria ou a dificuldade de obtersustento próprio ou de terceiros deledependentes. O Código Penal colombiano,em seu art. 33, considera inimputávelquem, em virtude das diversidadessocioculturais, não possuir capacidade decompreender o caráter ilícito.34Idem, ibidem.35Zaffaroni e Pierangeli. Op. cit., p. 601.36Como ressalta Juarez Tavares, “[…]embora se descubra essa concepçãopsicológica também fora do sistema Liszt-Beling, por exemplo, em Binding, pode-seconsiderá-lo como consequência lógicadesse sistema, pois nele é que ela iráencontrar sua verdadeira razão de ser

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sistemática” (Tavares, Juarez EstevamXavier. Teorias do delito: variações etendências. p. 32).37“Outra forma de superação donaturalismo e do formalismo kelsenianofoi o surgimento de uma nova fase dasistemática do direito penal, sob ainfluência da Escola Sudocidental Alemã,de origem kantiana. O formalismo seimpôs pela recusa de qualquer postuladometafísico, afastando do direitoconsiderações filosóficas, políticas oureligiosas e, através da jurisprudência dosinteresses, procurou negar à causalidadeconceitos causais em relação ao resultado.Toda solução jurídica deveria serencontrada nos limites do jus positum. Areação neokantiana adota um logicismoaxiológico e aplica uma teoria dos valorespara elaborar a teoria jurídica. A

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dogmática e a sistemática estabelecemcritérios de valor para uma decisãoespecificamente jurídica” Cf. Camargo,Antonio Luis Chaves. Bases do direitopenal no Estado democrático de direito.Disponível em:<www.unimep.br/phpg/editora/revistaspdf/imp20art08.pdfAcesso em: 10/07/2009.38“Essa configuração tornou-se maispatente com as contribuições deGoldschmidt e Freudenthal (sendo certoque este último passou a admitir aexigibilidade de conduta diversa comocausa supra-legal de exclusão daculpabilidade)” Cf. Gomes, Luiz Flávio.Op. cit., p. 549.39Como observou Miguel Reale Júnior: “Aculpabilidade psicológica não respondiaao imperativo de individualização eeticização da responsabilidade. A teoria

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normativa visou estabelecer um juízo dereprovação, referindo a vontade do agenteà vontade da lei, valorando ocomportamento concretamenteindividualizado e situado. A essa luz épossível graduar a pena, determinando acensurabilidade e exigibilidade do ato,compreendido este no contexto de suarealização” (Reale Júnior, Miguel.Instituições de direito penal – parte geral. p.66).40Com a construção dos elementossubjetivos do injusto, feito atribuído aMax Ernest Mayer e cujas colaborações deHegler e, posteriormente, de EdmundMezger foram determinantes, tinhaorigem a teoria teleológica do delito. Essadescoberta já se encontrava à disposiçãodos precursores do normativismoaxiológico na culpabilidade que, todavia,

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optaram por manter os pilares da teoriapsicológica, dado que a sua simplicidadedidática e as alterações empreendidasteriam suficiente valia àquele tempo. Cf.Juarez Tavares. Op. cit., p. 37.41Para um estudo mais detido acerca daevolução doutrinária no campo daculpabilidade: Cf. Silva, Ângelo RobertoIlha da. A culpabilidade como requisito docrime, a dignidade da pessoa humana e osdireitos fundamentais. p. 50-56.42Este estudo se deterá nessas três fasesde evolução da culpabilidade sem,contudo, desconsiderar outrasimportantes e mais recentes contribuiçõesao tema, como as observações de ClausRoxin acerca da interface entreculpabilidade e política criminal, ocasiãoem que propõe a inclusão das figuras daresponsabilidade e da necessidade de

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pena no estudo da culpabilidade. Cf.Roxin, Claus. Problemas básicos del derechopenal. p. 200-226.43Apud Heringer Júnior, Bruno. Op. cit., p.49.44É importante ressaltar que a construçãooriginal de Frank se deu sobre a hipótesede que a reprovação somente seria válida,isto é, exigível, em circunstâncias fáticasnormais. Ou seja, a capacidade do direitode exigir um dado comportamento estariacondicionada à normalidade (física epsíquica) do mundo do agente. Quando,porém, Frank foi objetado pelo fato de talnormalidade se tratar de um elementoexterior ao agente, tratou de rever suateoria e substituir este paradigma poroutro: a normalidade da motivação. (Cf. RealeJúnior, Miguel. Op. cit., p. 180-181).

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45O tema do indeterminismo da vontadetem origem na filosofia cristã de SantoAgostinho, tendo depois recebidoimportantes contribuições de SantoTomás de Aquino. Etimologicamente, otermo livre-arbítrio se origina do latimliberum arbitrium. Ora interpretado comolivre escolha, livre decisão, livre vontadeou mesmo como decisão autoritária econsciente, o importante está naconsideração de sua essência: trata-se deuma vontade ou de um querer incoercível,não alicerçado nas necessidades eapetites, mas que conta exclusivamentecom as luzes da razão (Cf. SantoAgostinho. O livre-arbítrio. p. 247). Para osdeterministas, ao contrário, a vontade nãoseria espontânea nem aleatória, eis quesua escolha representaria apenas umaopção determinada por eventos que lheforam anteriores. Para a concepção

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determinista de liberdade, cada estado decoisas restaria inteiramente necessitado e,por conseguinte, estabelecido por umencadeamento dos estados de coisasprecedentes. Exatamente sobre essefundamento, por exemplo, é que apsicanálise repousa o seu arcabouçocientífico (Cf. Freud, Sigmund. Cinco liçõesde psicanálise – Lição V). Há, porém, umavisão intermediária. Segundo essaconcepção compatibilista, o livre-arbítrioemerge em um universo sem incertezasmetafísicas, o que adviria de um conjuntopossível e provável de causas finitas. Essacorrente também ficou conhecida por softdeterminism, expressão cunhada porWilliam James. James foi um dos maisconhecidos teóricos compatibilistas erenomado filósofo e psicólogo norte-americano do início do século XX. Nafilosofia, James ficou conhecido como um

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dos fundadores do pragmatismo. Nocampo da psicologia, fundou ofuncionalismo e apresentou a primeirasistematização genuinamente americanada ciência psi. Para essa escola, altamentepragmática (tal qual o sistema norte-americano da época), importavaresponder “o que faziam os homens” e“por que o faziam”. Para responder a isso,elegiam a consciência como centro de suaspreocupações, buscando a compreensãode seu funcionamento. Cf. Bock, AnaMercês Maria et al. Psicologias: umaintrodução ao estudo da psicologia. p. 27.46Figueiredo Dias propõe, desde já,abandonar a ideia de dever agir diverso,sem que com isso se perca a legitimidadeética tão cara à culpabilidade. Sugere,então, a superação da liberdadeindeterminista, aportando no campo da

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liberdade pessoal, cuja característicafundante, citando Karl Rahner, é a do “ser-total-que-age”. Esse giro exige,necessariamente, um novo modelo dehomem cujo novo aspecto de sualiberdade passa a ser digno de valoraçãopenal. Esse homem, nos dizeres deFigueiredo Dias, não é “o indivíduoabstrato e isolado, ‘cidadão de doismundos’, mas Pessoa concreta e situada,Homem socializado, no sentido de quevive em um mundo e de que é, assim,aquilo que através da ação objetiva nomundo e que o mundo subjetiva nele”(Dias, Jorge de Figueiredo. Questõesfundamentais de direito penal revisitadas. p.237).47Há quem, no estudo do livre-arbítrio,diferencie voluntariedade eespontaneidade: “[…] a primeira é a

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vontade desprovida de conteúdo ético,dirigida a um fim ou não, mas sem escolhapor parte do agente; e a segunda é amanifestação de vontade impregnada dosentido ético-espiritual, característica dolivre-arbítrio” (Cf. Barbosa, MarceloFortes. Op. cit., p. 140).48Dias, Jorge de Figueiredo. Op. cit., p. 232.49Assim, “afirma-se a culpabilidade dealguém quando ele, podendo escolherentre várias ações possíveis, não seabstém de realizar a tipificada comocrime. É a motivação – a capacidade parareagir frente às exigências normativas –que permite a atribuição de uma ação aum sujeito. Qualquer alteração importantedesta faculdade de motivação – da origemque seja – determina a exclusão ou, nomínimo, a atenuação da culpabilidade”(Heringer Júnior, Bruno. Op. cit., p. 49).

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50Três ideias fundamentais – liberdade,solidariedade e igualdade – gravitam emtorno das formulações a respeito doconteúdo material de culpabilidade e suafunção de garantia e proteção dadignidade da pessoa humana. Destas, nãoresta dúvida de que a primeira delas, aliberdade, assume relação mais direta eintensa com a culpabilidade, pois é pelassuas mãos que a culpabilidade setransforma em censura ético-social (Dias,Jorge de Figueiredo. Op. cit., p. 231-232).51O oposto da moeda se deu com aconstrução da figura do “homem médio”,e sobre isso pontuou Reale Jr. (Op. cit., p.182): “O homem médio é um homemimpossível, formado por qualidades edefeitos desconexos, distante da situaçãoconcreta na qual se realizou a ação que sejulga. O juiz deveria sair de si mesmo para

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construir um homem médio, colocá-lo nasituação concreta e julgar,paradoxalmente, à luz desse critério, qualo poder de um ente ideal, a fim deestabelecer a exigibilidade ou não do agirconcreto do agente. Tal operaçãoresultaria em um abstracionismo,passando por várias etapas, o queinevitavelmente desfiguraria o real”.52Conceituando a culpabilidade sob oaspecto material, afirma o autor que é elauma “particular perspectiva daculpabilidade ético-existencial e participadiretamente da temática geral daculpabilidade” (Dias, Jorge de Figueiredo.Op. cit., p. 232). Para Guilherme Nucci, “aculpabilidade material é a censurarealizada concretamente […]” (Nucci,Guilherme de Souza. Código Penalcomentado. p. 216). Em outras palavras, a

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culpabilidade material olha para o autor,para o homem real, e não para o homemmédio “ideal”. Nesse sentido que algunsdoutrinadores, como Raúl Zaffaroni (Laculpabilidad en siglo XXI, p. 67-68), LuizFlávio Gomes (Direito penal, p. 546,passim) e Figueiredo Dias (Questõesfundamentais, p. 237) reconhecem naculpabilidade do autor um instrumentoimportante de humanização do direitopenal, sem que isso signifique abrir mãodas garantias históricas conquistadaspelo modelo liberal de culpabilidade dofato. Haveria, isso sim, um híbrido em quefato e autor se alternariam em graus deimportância no bojo da teoria do delito.53Em sentido diverso: Paulo de SouzaQueiroz (Disponível em:<http://pauloqueiroz.net/co-culpabilidade/>. Acesso em: 10/06/2009),

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para quem a coculpabilidade é umacircunstância supralegal de atenuação depena e, nesse sentido, seria um “nomenovo para designar coisa velha”. TambémGuilherme Nucci (Op. cit., p. 217), queconsidera a coculpabilidade uma espéciede atenuante.54Plauto Faraco de Azevedo (Apud Batista,Nilo. Op. cit., p. 122) adverte que adogmática precisa estar próxima darealidade, acompanhando as mutaçõessociais e com elas interagindo, nãodeixando perder a visão histórica e críticaque lhe orienta. Do contrário, a dogmáticanão passará de um instrumento defalseamento da realidade, eis que alheia edistante dela.55Niño, Luis Fernando. Op. cit., p. 189-190.56Heringer Júnior, Bruno. Op. cit., p. 50.

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57É certo que a Lei no 10.792/2003 deixouaberta a possibilidade de aplicação dateoria da coculpabi lidade, ainda que estanão tenha sido a intenção do legislador.Ocorre que toda teoria, por melhor queseja, necessita do gênio humano para sefazer verdadeira e factível. Cabe aomagistrado realizar de forma maiscompleta possível as indagações acerca davida social do réu para, após a instruçãodo feito, ter em mãos as informaçõesnecessárias a subsidiar a aplicação dacoculpabilidade. Todavia, o volume deprocessos a que são diariamentesubmetidos os magistrados e, não raro, oautomatismo e o descompromisso.58Penna, Manoel Rolim Campbell. Op. cit.,p. 124-127.59Penna, Manoel. Op. cit., p. 126.

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60Dias, Jorge de Figueiredo. Questõesfundamentais de direito penal revisitadas. p.228.

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Os conselhospenitenciários, osconselhos dacomunidade e agestãodemocrática dospresídios

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Marianna Moura Gonçalves*

SUMÁRIO

4.1 Introdução.4.2 A natureza jurídica daexecução penal.4.3 A natureza jurídica daexecução penal noordenamento jurídicobrasileiro.4.4 Os ConselhosPenitenciários e os Conselhosda Comunidade.

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4.5 Os ConselhosPenitenciários.

4.5.1 A regulamentação dolivramento condicional noordenamento jurídicobrasileiro e a origem dosConselhos Penitenciários.4.5.2 O advento dosConselhos Penitenciários ea integração entre asesferas administrativa ejurisdicional em sede deexecução penal.4.5.3 A composição e asatribuições do ConselhoPenitenciário, conforme oDecreto no 16.665, de

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06/11/1924, e segundo ocaráter administrativista daexecução penal.4.5.4 OS ConselhosPenitenciários nos diplomaslegislativos que se seguirame a gradualjurisdicionalização daexecução penal.4.5.5 Os ConselhosPenitenciários na disciplinada Lei no 7.210, de11/07/1984.

4.6 As atribuições dosConselhos Penitenciários e ocomponente democrático dagestão dos presídios.

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4.7 O desempenho dosConselhos Penitenciários nosistema penitenciário nacionale a emergência dosConselhos da Comunidade.4.8 A origem dos Conselhosda Comunidade noordenamento jurídicobrasileiro.4.9 Os Conselhos daComunidade na disciplina daLei no 7.210, de 11/07/1984.4.10 As atribuições dosConselhos da Comunidade naLei no 7.210, 11/07/1984, e acontribuição desses órgãos

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para a gestão democrática daexecução penal.4.11 Propostas para ampliar aatuação dos Conselhos daComunidade.4.12 Considerações finais.Apêndice: Histórico doConselho Penitenciário deSão Paulo.4.13 Referênciasbibliográficas.

4.1 IntroduçãoA execução é o momento

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culminante e mais crítico do DireitoPenal, em que o imaginário e oabstrato do sistema normativo seassumem em realidade.1 Acompreensão do momentoexecutivo da sanção penal retoma,obrigatoriamente, a ciência e osprincípios da dogmática penal,impondo, dessa forma, umainvestigação dos fundamentos dodireito de punir e umenfrentamento dos parâmetros queconformam o atual modelo deexecução penal.2

A pena privativa de liberdaderepresentou o mecanismo depunição eleito para conduzir o

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movimento de humanização dassanções criminais. Com efeito, aprivação de liberdade, até o final doséculo XVIII, limitava-se a uminstrumento de custódia e deretenção do acusado, com oobjetivo exclusivo de preservá-lo,fisicamente, até o momento de seujulgamento ou de sua execução.Durante esse período, asverdadeiras sanções penaisconsistiam na pena de morte, asanção penal por excelência, naspenas corporais e nas penasinfamantes. Como aponta CezarRoberto Bitencourt, “a prisão serviude depósito – contenção e custódia

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– da pessoa física do réu, queesperava, geralmente, em condiçõessub-humanas a celebração de suaexecução”.3

Além de um ambiente decustódia e de guarda, a prisão eraum verdadeiro espaço de torturainstitucionalizada e de reiteradaviolação à integridade física dosacusados. O emprego da torturaencontrava respaldo em um sistemade persecução penal orientado pelaincessante busca pela “verdadereal”, e pela consecução dosobjetivos da Justiça a qualquerpreço. Nesse sentido, os processosde execução criminal

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transformavam-se em verdadeirosespetáculos públicos de horror e deatrocidades, com um reveladointuito de intimidação e deexemplaridade aos demaisintegrantes do corpo social.

Justamente, esse cenário deatrocidades e de completodesrespeito à dignidade da pessoahumana incitou a própriacomunidade a reivindicar umcaráter mais humano na aplicaçãodas penas, compadecendo-se daarbitrariedade e da violência naexecução das sanções penais.Ademais, a pobreza e a onda decriminalidade que se alastravam

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pelos principais centrospopulacionais da Europa, nosséculos XVI e XVII, demandavamnovos mecanismos de punição,mais adequados ao enfretamentodas milhares de pessoas que seentregavam à mendicância e àociosidade, subsistindo de esmolas,roubos e homicídios.4,5

A imposição de um sistema penalracional era uma necessidadeevidente, desmistificando aexecução da pena comomanifestação de vingança coletiva.A reforma do sistema punitivoimpulsionava a produção cientificada época, destacando-se o

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pensamento de Beccaria, JohnHoward e Jeremias Bentham.2

Nesse contexto, a privação deliberdade representou omecanismo de punição adequadoàs novas exigências sociais,caracterizadas pelo crescimentoexcessivo da delinquência e pelascondições de pobreza extrema emque se encontrava a maior parte dapopulação, impondo-se a todosaqueles que infringissem a normapenal como verdadeira punição.

Sem dúvida, as vantagens daprivação de liberdade eramnotórias, atendendo, a um sótempo, às principais reivindicações

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dos organismos sociais nos séculosXVI e XVII. A imposição do cárcerecomo sanção penal apresentou-secomo o legítimo instrumento decombate à injustiça, àarbitrariedade e à crueldade naaplicação das penas. Ademais, aprisão resvalava um bem jurídicode primordial importância ao serhumano, a liberdade, que pertenciaa todos, de modo indistinto,revelando-se, portanto, deindiscutível valia para um sistemanormativo que pregava a igualdadede todos perante a Lei.

Ademais, a estruturação dosprimeiros estabelecimentos

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prisionais obedecia a um carátercorrecional evidente, pregando adisciplina estrita e o trabalhoconstante como métodoindiscutível de reforma dosreclusos. O sistema prisional servia,portanto, aos propósitos de umanascente economia capitalista, aopasso que desestimulava aociosidade dos membros do corposocial, cumprindo, assim, nítidosobjetivos de prevenção geral.7

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4.2 A naturezajurídica da execuçãopenalCertamente, o reconhecimento daprivação de liberdade comomecanismo de punição conduz aum novo patamar as preocupaçõesdos juristas e dos estudiosos daépoca. A prisão, em momentoanterior, desempenhava, única eexclusivamente, a função deretenção e de custódia, sendo, poresta razão, provisória a estada dosacusados no cárcere. Estacircunstância, aliada ao evidente

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descaso com a dignidade do serhumano e à crueldade das sançõespenais impostas, justificava aausência de um debate em tornodas condições do cárcere e de suaadministração.

Com efeito, não havia umapreocupação sequer com o local decumprimento dessa custódia,sendo, na maioria das vezes,empregados os “piores lugares […]:utilizavam horrendos calabouços,aposentos frequentemente emruínas ou insalubres de castelos,torres, conventos abandonados,palácios e outros edifícios”.8 Asprimeiras prisões que despontaram

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na Europa, no início do séculoXVIII, segundo relato de JohnHoward, em sua obra publicada em1775:

[…] eram verdadeiros calabouços,que ficavam 11 pés abaixo daterra, em que os presos ficammisturados, sem a mínimacondição de higiene. Não haviaenfermarias e os carcereiros nãorecebiam salários, mas erampagos pelo presos. Isso significavadizer que, muitas vezes, a pessoaera absolvida no processo, mascontinuava presa porque nãotinha dinheiro para pagar por sua

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liberdade.9

A transformação do caráter daprisão – de um mero instrumentode custódia em verdadeira forma depunição – inaugura o debate emtorno de sua administração e dascondições oferecidas pelosestabelecimentos prisionais.10 Emum primeiro momento, auniformidade das regras vigentesem cada estabelecimento penalrevelava-se algo distante,imperando a relatividade e aarbitrariedade na condução daexecução penal no interior dessesestabelecimentos. Esse período

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caracteriza-se pela discrepânciaentre os regramentos em vigor nasdiversas instituições prisionais,sujeitando-se a disciplina interna,única e exclusivamente, ao alvedriode cada administrador.

No entanto, a consolidação dapena privativa de liberdade como omecanismo de punição porexcelência, amplamente empregadonos mais diversos ordenamentosjurídicos, conduz a uma crescenteingerência estatal na forma de suaexecução, com propósitos evidentesno sentido de uniformizar essaetapa.11 A administração dosestabelecimentos prisionais

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permanece, não obstante, alheia aocontrole jurisdicional do Estado,havendo uma clássica distinçãoentre a atividade judiciária e aatividade administrativa, a quem ostribunais transferiam verdadeiras“penas em branco”.12 O condenado,que transitava entre esses doisuniversos, passava da certeza e dasgarantias de uma atividadejurisdicional ao cotidiano daadministração penitenciária, “ondedificilmente convivia a ideia deregulação (e proteção) jurídica”.13

Certamente, o reconhecimentocrescente de direitos fundamentaisdos reclusos e o controle da

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legalidade da execução das sançõespenais tornaram inevitável ocaminho em busca dajurisdicionalização da execuçãopenal. A intervenção da autoridadejurisdicional no âmbito de execuçãodas respostas punitivas representouum inegável avanço nos sistemasnormativos, além de substituir ocaráter administrativopredominante até então.

Sem dúvida, a ingerência, cadavez mais intensa, da autoridadejurisdicional no cotidiano documprimento das penas e dasmedidas de segurança amenizava oarbítrio e os possíveis abusos

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levados a cabo pela administraçãopenitenciária. A permanentevigilância do órgão jurisdicionalatendia não somente ao propósitode controle das entidades querealizavam materialmente ocomando condenatório, mastambém direcionava o sistemapunitivo aos princípios norteadoresde um Estado Democrático deDireito.

A jurisdicionalização da execuçãopenal importa para a efetivação dosdireitos fundamentais,notadamente para oreconhecimento do preso ou dointernado como titular de direitos

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públicos subjetivos em relação aoEstado, e não mais como simplesobjeto da atividade executiva daautoridade estatal. Sem dúvida, oreconhecimento do recluso comotitular de situações processuais devantagem coloca como essencial ainstituição de um órgãojurisdicional a quem aquele possarecorrer para a tutela de seusinteresses, e que possa acompanhareventuais limitações a essesdireitos no decorrer da execuçãopenal.

Não obstante, o tradicionalgerenciamento da execução penalpor meio da administração

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penitenciária justifica oentendimento, ainda corrente, danatureza complexa da atividadeexecutiva, que se desenvolve, demodo entrosado, entre os planosjurisdicional e administrativo.14

Com efeito, há uma parte daatividade executiva que se refere,com exclusividade, a providênciasadministrativas, de que sãoincumbidas as autoridadespenitenciárias, desenvolvendo-seem paralelo à atuação do juízo daexecução, sem, no entanto, subtrair-se a um controle efetivo por partedeste.15

Na realidade, pode-se afirmar

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que predominam, atualmente, trêsentendimentos doutrinários acercada natureza jurídica da execuçãopenal, destacando-se, cada umdeles, pela prevalência do caráterora jurisdicional, oraadministrativo, ora híbrido daatividade executiva penal, comexcepcionais interferências daatividade jurisdicional.16 Opredominante caráteradministrativo da atividadeexecutiva do Estado, com algunsepisódios marcados por umaatuação jurisdicional, justifica-sepelo aspecto forçado e cogente daexecução penal, que se implementa

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independentemente do concurso davontade do condenado. Nessecenário, a atividade autoritária daexecução penal reserva osincidentes de execução para aintervenção jurisdicional, sem queesta atuação seja preponderantepara reverter o caráteradministrativo que aquela encerra.17

A opção pela jurisdicionalizaçãoda execução penal revela-se umaquestão notoriamente política. Noentanto, o reconhecimento docaráter jurisdicional da execuçãopenal pelos sistemas normativosnacionais não se apresentadeterminante para a submissão

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desta atividade executiva ao sistemageral de legalidade. Com efeito,afirmar a sua posturaadministrativa não importanecessariamente em subtraí-la dequalquer controle ou dos ditamesda legalidade, em especial quandose opera sob o crivo de um Estadode Direito.18

Os contornos ainda pouco nítidosdeste debate assumem relevânciaem um estudo voltado à realidadeda execução penal brasileira,justificando uma revisão dosdiplomas normativos nacionais,que permitem entrever a evoluçãodo sistema nacional em caminho à

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jurisdicionalização da execuçãopenal.

4.3 A naturezajurídica da execuçãopenal noordenamentojurídico brasileiroUma leitura dos dispositivos da Leide Execução Penal brasileirapermite concluir, sem grandesdificuldades, que o legisladornacional inclinou-se para a

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jurisdicionalidade da execuçãopenal, fortalecendo a atuação daautoridade jurisdicional naatividade executiva. Com efeito, oart. 2o, caput, da Lei no 7.210/1984,denuncia, claramente, esse objetivoda lei, ao referir-se à “jurisdiçãopenal dos juízes e tribunais” a serexercida no “processo de execução”,como anota Julio FabbriniMirabete.19,20

O caráter eminentementejurisdicional, que se manifestou nodiploma normativo de 1984, se fezproduto de uma evoluçãolegislativa e da reformulação dospapéis desempenhados por

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diversos órgãos no curso daexecução das penas e das medidasde segurança. Sem dúvida, nosperíodos que antecederam ainovação legislativa acimademarcada, o sistema normativonacional reservava uma atuaçãodemasiadamente tímida para aautoridade jurisdicional, sendodesconhecidas as reivindicaçõespelo controle da legalidade emtorno do modo como se conduzia aexecução da pena.21

A intervenção do juiz de execuçãopenal se apresentava reduzida nadisciplina do Código de ProcessoPenal de 1941, sendo predominante

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a influência do caráteradministrativista no delineamentodas atribuições e das competênciasdos órgãos encarregados daexecução. A atividade de expiaçãodas penas e das medidas desegurança subordinava-se aosditames exclusivos daadministração penitenciária,encerrando-se a participaçãojurisdicional do Estado com opronunciamento da sentença penalcondenatória.

Assim, pode-se notar que, nosistema do Código de ProcessoPenal brasileiro de 1941:

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[…] embora fosse proclamado quea atuação do juiz devia estendersea todo campo da execução penal,na prática esta intervenção estavalimitada às decisões sobre oschamados ‘incidentes da execução’(sursis e livramento condicional),dentre os quais apenas o últimoensejava, com maior frequência,um verdadeiro julgamento comatuação do título executivo.22

Nessa esteira, a participação deórgãos nitidamenteadministrativos, tais como osConselhos Penitenciários, eraobjeto de destaque no

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processamento dos aludidosincidentes, não permitindo sequer aatuação isolada da autoridadejurisdicional.

Os inconvenientes do sistemaexecutivo consagrado em nossoordenamento positivo eramevidentes, além de distanciarem olegislador ordinário doscompromissos assumidos em nívelconstitucional. Nesse sentido, porum extenso período, fizeram-seconstantes as reivindicações emtorno de uma disciplina nacional daexecução penal, que se fizesseacompanhar por instrumentos epor garantias necessárias para

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suplantar a arbitrariedade e osdesvios tão recorrentes no cursodaquela.23

O advento da Lei de ExecuçãoPenal, a Lei no 7.210, de 11/07/1984,representou uma verdadeiraguinada no panorama da execuçãopenal brasileira, consagrando afigura da autoridade jurisdicionalcomo o eixo em torno do qual sedesenvolve a execução das penas edas medidas de segurança.24 Asatribuições do juiz da execuçãopenal, disciplinadas no art. 66 daLei no 7.210, de 11/07/1984, reúnemsob a sua competência hipóteses deintervenção jurisdicional e casos de

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nítido caráter administrativo,concentrando na autoridadejurisdicional a fiscalização depraticamente todos os momentosda execução penal.25

O sistema normativo inauguradopela Lei de Execução Penal,ademais, pretendia aperfeiçoar ointercâmbio entre os órgãosencarregados da execução,sistematizando a sua composição eas suas atribuições. De acordo como art. 61 da Lei no 7.210, de11/07/1984, são eles: I – o ConselhoNacional de Política Criminal ePenitenciária; II – o juízo daexecução; III – o Ministério Público;

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IV – o Conselho Penitenciário; V –os Departamentos Penitenciários;VI – o Patronato; VII – o Conselhoda Comunidade.

A contar pelos ditamesamplamente enunciados naExposição de Motivos da Lei deExecução Penal de 1984, o legisladorordinário postulava por umaatuação conjunta e harmônica entreos aludidos órgãos, semdesconhecer os inúmerosobstáculos advindos da distintanatureza jurídica contemplada poraqueles.26 Sem dúvida, a constantepreocupação em torno do controleda legalidade e da permanente

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tutela jurisdicional do processoexecutório em nada restava abaladacom a previsão de um mecanismomais democrático de gestãodaquele, que se alcançava aocongregar os órgãosadministrativos e o órgãojurisdicional na solução deinúmeros incidentes processuais.27

Não obstante, as condiçõespeculiares do sistema carcerárionacional colaboraram paraconstruir o contexto propício a umamaior concentração de atribuiçõesna figura do juiz da execução penal.Com efeito, a superlotação dosestabelecimentos penais e a

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demanda por uma prestaçãojurisdicional célere e eficiente nãose adequavam à sistemáticaempregada pela lei, tendoimpulsionado, gradativamente, asupressão do mencionadointercâmbio.28

Não se recusa a conclusão de quea participação do órgãojurisdicional na execução das penasrepresentou um inegável avançopara os sistemas normativos,contribuindo para a afirmação epara a tutela dos direitos dospresos, bem como para asubmissão da execução penal aosditames da legalidade. No entanto,

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o progressivo fortalecimento daautoridade jurisdicional, em sedede execução penal, contribuiu pararedução do âmbito de atuação dosdemais órgãos da execução, o quefez com que as decisões, em sedede execução penal, perdessem o seucomponente democrático, que emmuito colaborava para a sualegitimidade.

Sob o manto dajurisdicionalização da execuçãopenal, com as inegáveis vantagenspara o fortalecimento dos direitosfundamentais e para o controle dalegalidade na execução penal, osistema brasileiro experimenta uma

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inestimável perda no caráterdemocrático de sua gestão. Apossibilidade de participaçãoconjunta dos órgãos da execuçãoem diversos momentos do processoexecutório era relevante não só paraa fiscalização mútua destasentidades, mas também porpossibilitar a intervenção e aparticipação da comunidade naexecução penal.

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4.4 Os ConselhosPenitenciários e osConselhos daComunidadeEm face das considerações acimaapresentadas, é natural concluirque a dinâmica entre os órgãos daexecução teve que sernecessariamente revista diante dastransformações do sistemanormativo brasileiro. Os primeirosdelineamentos do processoexecutório apresentavam umpredominante caráteradministrativo e asseguravam a

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intervenção constante de órgãos daexecução intimamente conectadoscom a administração penitenciária.Sem dúvida, os reflexos destaconcepção administrativista aindase fizeram sentir na legislaçãoprocessual de 1984, justificando amanutenção de colegiados deíndole predominantementeexecutiva, tais como os ConselhosPenitenciários, que representavam averdadeira “ponte entre a esferaadministrativa e jurisdicional”.29

Em contrapartida ao excessivopredomínio dos órgãosadministrativos, os delineamentosmais atuais do processo penal

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executório comprometem-se comuma incessante busca pelajurisdicionalização de todos osmomentos da execução penal,diminuindo os espaços decontribuição dos aludidos órgãos.Com efeito, as inovaçõeslegislativas que se seguiramdedicaram-se a imunizar a gestãodas penas e das medidas desegurança de ingerênciasburocráticas e políticas, tãocombatidas nas primeirasexperiências do cárcere comomecanismo de punição.

Os resultados dessas posturaslegislativas são ressaltados por

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meio da análise dodesenvolvimento dos ConselhosPenitenciários e dos Conselhos daComunidade no sistema normativobrasileiro. De fato, os modernoscontornos da execução penal sãointerpretados de modo mais nítido,quando se assumem as experiênciasconcretas desses órgãos daexecução no sistema penitenciárionacional.

4.5 Os ConselhosPenitenciários4.5.1 A Regulamentação

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Do LivramentoCondicional NoOrdenamento JurídicoBrasileiro E A OrigemDos ConselhosPenitenciáriosO Conselho Penitenciário foiinstituído no sistema penitenciárionacional pelo Decreto no 16.665, de06/11/1924, e desde a sua origemencontra-se vinculado ao institutodo livramento condicional, havendoaté quem os denomine de“instituições irmãs”.30,31 Com efeito,não obstante os primeiros incursos

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do livramento condicional noordenamento jurídico brasileirotenham se verificado no CódigoPenal de 1890 (arts. 50 a 52),32 a suaregulamentação efetiva somenteveio a se consolidar com o aludidodecreto, editado durante o governode Arthur da Silva Bernardes.

Os preceitos normativosapresentados no diploma penal de1890 encontravamse em sintoniacom as experiências verificadas emordenamentos jurídicosestrangeiros. Contudo, aregulamentação incipiente dosistema normativo brasileirotornava impraticável a concessão

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efetiva do livramento condicionalaos condenados à pena privativa deliberdade. Não por outra razão, ascríticas dos estudiosos da época aosdispositivos legais eram inúmeras,um dos motivos pelos quais aquelesnão economizaram esforços em verimplementada esta “importanteprovidência de políticacriminal”.33,34

As providências relacionadas àefetivação do livramentocondicional continua riam semmaior destaque até a designação daComissão Organizadora do Códigode Processo Penal para o DistritoFederal, presidida pelo Professor

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Cândido Mendes de Almeida, daqual resultaram instrumentosnormativos de extrema relevânciapara o ordenamento jurídiconacional. Como resultado dostrabalhos da mencionada comissão,merecem destaque o Decreto no

15.888, de 06/09/1924, que instituiuo sursis, e o Decreto no 16.665, de06/11/1924, que regulamentou olivramento condicional.

Como se pode concluir, nãoobstante as previsões legislativasexpressas, um longo períododecorreu sem que as intençõesmanifestadas pelo legisladorordinário fossem acatadas pelo

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poder estatal, remanescendo olivramento condicional como umaprevisão normativa desprovida dequalquer atuação prática. Emverdade, as primeiras motivaçõesorientadas ao desdobramento doinstituto inserem-se em umcontexto social e econômico maisdinâmico, correspondente aosprimeiros momentos de crise dogoverno republicano.35

Ademais, os instrumentosnormativos comprometidos com adisciplina con-creta e eficiente dolivramento condicional e do sursisencontram seus fundamentos nasinvestigações científicas então

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predominantes no campo penal.36

Muito embora pudessemrepresentar uma sensíveldiminuição da intensidade dasrespostas penais, os mencionadosinstitutos não cumpriam objetivosde benignidade do legislador. Narealidade, a liberação antecipada econdicional dos condenados apenas privativas de liberdade, bemcomo a suspensão condicional dapena, assumia um notório papel devigilância sobre pequenos desviosde conduta, assim como de controlesobre determinados estratos dapopulação.37,38

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4.5.2 O Advento DosConselhos PenitenciáriosE A Integração Entre AsEsferas Administrativa EJurisdicional Em Sede DeExecução PenalComo destaca Cândido Mendes deAlmeida, a regulamentação dolivramento condicional noordenamento brasileiro “adotoudiretrizes completamente novascom a criação dos ConselhosPenitenciários”, afastando-se dosmétodos empregados nos demaissistemas nacionais.39,40

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Com efeito, o predominantecaráter administrativista daexecução penal, em vigor, nomomento de implantação dolivramento condicional nosordenamentos jurídicos nacionaisreservava aos diretores dosestabelecimentos penais e ao PoderExecutivo local a possibilidade deapreciação e de deferimento doinstituto, sem qualquerparticipação dos órgãosjurisdicionais.

Em suas primeiras referênciasnormativas no sistema jurídicobrasileiro, apresentadas pelodiploma penal de 1890, o

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livramento condicional eraconcedido mediante ato do PoderExecutivo Federal ou do PoderExecutivo dos Estados, de acordocom a competência respectiva.Seguindo essa linha de raciocínio,que desconhecia a intervençãojurisdicional no curso da execuçãodas penas, a proposta dolivramento condicional incumbia aochefe do estabelecimento prisional,apresentando a conveniência daconcessão em minucioso relatóriodo condenado a ser contempladocom o livramento.

Como se pode notar, adificuldade de utilização do

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instituto restava evidente, quer pelaimpossibilidade prática de o chefedo estabelecimento prisionalprovidenciar relatórios minuciososde todos os detentos, em virtude dotempo consumido pela tarefa e daausência de qualificação técnica,quer pela inexistência de um órgãoa fiscalizar o cumprimento desseslivramentos e acompanhar osliberados em seu retorno aoconvívio social.41

O Decreto no 16.665, de06/11/1924, representou umaassociação importante entre asesferas administrativa ejurisdicional, subtraindo aos

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diretores dos estabelecimentosprisionais a possibilidade devotarem pela concessão doinstituto. As inovações do aludidoinstrumento vão além, consignandoa competência jurisdicional paraapreciação do incidente e ainstituição de um colegiado técnicopara avaliar a sua conveniência,bem como acompanhar o seucumprimento em meio social.

A sistemática empregada noinstrumento normativo revela aopção do legislador nacional, nosentido de promover a integraçãoentre as esferas jurisdicionais eadministrativas por meio de um

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órgão singular e genuíno. Nessaesteira, a apreciação jurisdicionaldo pedido de livramentocondicional seria precedida por umminucioso relatório deresponsabilidade do ConselhoPenitenciário, em que seriamanalisadas as condições legaisestatuídas para a concessão dobenefício e a conveniência de suaoutorga ao condenado.42

Os caracteres administrativistasdo processo executório brasileirofaziam-se presentes, notadamenteem virtude do condicionamento daatuação jurisdicional. Sendo assim,muito embora as manifestações

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técnicas dos ConselhosPenitenciários assumissem umcaráter meramente opinativo, asprescrições dos colegiadosapresentavam-se comodeterminantes para a concessão dolivramento condicional na prática.43

Os Conselhos Penitenciáriosrevelaram-se instrumentosessenciais ao êxito do livramentocondicional no ordenamentojurídico brasileiro. Em suasdiversas atribuições, os colegiadoscolaboraram para oacompanhamento e para aassistência dos liberadoscondicionais, comprometendo-se

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com o harmonioso retornodaqueles ao convívio social.Ademais, a estruturação de umcolegiado altamente qualificadorepresentou um intercâmbioinédito entre o campoadministrativo e o campojurisdicional, imprimindo àsdecisões em sede de livramentocondicional e de indulto umevidente caráter democrático.44,45

4.5.3 A Composição E AsAtribuições Do ConselhoPenitenciário, ConformeO Decreto No 16.665, De

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06/11/1924, E Segundo OCaráter AdministrativistaDa Execução PenalA estruturação e o delineamentodas atribuições do ConselhoPenitenciário encontram-seintimamente vinculados aoinstituto do livramento condicional,revelando-se essa conexão primáriade extrema importância paracompreender o caráter democráticoque o advento desse colegiadoproporcionou ao quadro nacional.Uma leitura dos regramentoscontidos no Decreto no 16.665, de06/11/1924, evidencia a proximidade

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dos mencionados institutos.46

O art. 2o do mencionado decretoexpressamente consignava comomembros do ConselhoPenitenciário um Procurador daRepública, um representante doMinistério Público local, além decinco pessoas gradas, isto é,notáveis, de livre nomeação pelochefe do Poder Executivo, devendoser selecionados,preferencialmente, três professoresde Direito ou juristas em atividadeforense e dois professores deMedicina ou clínicos profissionais.

O Conselho Penitenciáriopromovia um encontro

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interdisciplinar, possibilitando acontribuição de diversos ramos doconhecimento para a investigaçãoacerca das finalidades da penaprivativa de liberdade e dosresultados obtidos com oencarceramento dos condenados.Sem dúvida, a necessária mençãoaos profissionais da área médicacorrespondia às concepções entãopredominantes da Escola Positivistae o entendimento corrente dautilização da pena como um“tratamento médico” para arecuperação moral do criminoso.

Ademais, o Decreto no 16.665, de06/11/1924, estabelecia como

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atribuições originárias do ConselhoPenitenciário: 1o) verificar aconveniência da concessão dolivramento condicional e deindulto, a fim de serem promovidasas necessárias providências,mediante requerimento do preso,representação do diretor doestabelecimento penal ou poriniciativa do próprio Conselho; 2o)visitar, pelo menos uma vez pormês, os estabelecimentos penais dazona de sua jurisdição, verificandoa boa execução do regimepenitenciário legal e representandoao governo respectivo, sempre queen-tender conveniente qualquer

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providência; 3o) verificar aregularidade da execução dascondições impostas aos liberadoscondicionais e aos egressoslocalizados em colônias detrabalhadores livres ou em serviçosexternos; 4o) apresentar,anualmente, o relatório dostrabalhos realizados.

A concessão do livramentocondicional a ser determinada pelaautoridade judicial dependia deuma criteriosa avaliação dosrequisitos subjetivos e objetivosestabelecidos no mencionadodecreto, o que caracterizava afunção consultiva do Conselho

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Penitenciário. Ainda sob essavertente consultiva, o legisladorincumbia aos colegiados acompetência para examinar ocabimento do indulto.47 Por sua vez,a verificação do regularcumprimento das condiçõesconsignadas para o liberado e oacompanhamento dos egressos dosistema prisional apontavam ocaráter fiscalizador e, em grandemedida, assistencial do órgão.48

A instituição dos ConselhosPenitenciários imprimiu um caráternotadamente democrático àsdecisões em sede de execução penale, em consequência, inaugurou uma

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nova abordagem dos problemas docárcere no País. Isto porque asdecisões acerca dos pedidos delivramento condicional e de indultonão se concentravam somente naesfera administrativa, nemrepresentavam uma competênciaexclusivamente jurisdicional.49

Sem dúvida, o instituto dolivramento condicional demandavauma cooperação das esferasadministrativa e jurisdicional queatuavam na execução penal, pois adecisão de antecipar o convíviosocial e familiar ao indivíduoencarcerado exigia umconhecimento detalhado dos

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resultados da privação da liberdadeem seu comportamento,permitindo um prognóstico doêxito da medida, bem como umacompanhamento do condenadoem meio livre, uma vez que a sualiberação era feita sob a tutela doEstado.

Os Conselhos Penitenciáriostornaram possível a efetivação dolivramento condicional, poispermitiram a reunião deprofissionais qualificados para aapreciação dos aspectos subjetivose objetivos indicados no decreto,em um órgão de evidente caráteradministrativo. Ademais, os

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Conselhos Penitenciáriosencontravam-se em constanteintercâmbio com a administraçãodos estabelecimentos prisionais,possibilitando o acesso a subsídiosde inestimável valia para o bomdesempenho de suasatribuições.50,51

Em suma, a relevância daatribuição confiada aos ConselhosPenitenciários encontrava-sedestacada no art. 6o do Decreto no

16.665, de 06/11/1924, que,expressamente, consignava:

Art. 6o O Conselho Penitenciário,ao verificar as condições de cada

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preso, deverá ter em vista que olivramento condicional se destinaa estimular o condenado a viverhonestamente em liberdade,reintegrando-se pouco a pouco nasociedade dos homens livres,mantido, porém, o temor de suanova reclusão, caso não procedasatisfatoriamente (Brasil, 1924).

O instituto do livramentocondicional apresentava uma cargaemotiva evidente por antecipar aliberdade àquele condenado que semostrou digno da confiança estatal.A cerimônia do livramentocondicional, orientada pelo

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presidente do ConselhoPenitenciário, denotava asolenidade desse momento e aimportância do cumprimento dascondições impostas ao liberado.

Cândido Mendes de Almeidabem retrata essa ocasião:

Mas, uma das mais belascaracterísticas do livramentocondicional no Brasil é asolenidade de sua cerimônia deexecução perante os sentenciadosdo presídio. Cada uma dessassolenes sessões do ConselhoPenitenciário, todo ele presenteincorporado, iniciando-se pela

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alocução do Presidente, seguida daleitura da sentença que concedeu obenefício legal, a palavra dehonra dada comovidamente peloliberado não só de que há decumprir as condições livrementeaceitas, mas também de que nuncamais há de praticar outros crimes,a assinatura do termo delivramento, verdadeiro contratosoleníssimo com a sociedade, efinalmente a entrega da cadernetae as admoestações paternas dodiretor do presídio, abraços epalmas da assistência, tudo issoconcorre para estimular os queficam e para despertar, no coração

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do que sai, sentimentos dehonestidade e de gratidão.52

4.5.4 OS ConselhosPenitenciários NosDiplomas LegislativosQue Se Seguiram E AGradualJurisdicionalização DaExecução PenalA estrutura orgânica e asatribuições atuais dos ConselhosPenitenciários resultam de umaevolução legislativa que encontraseu termo inicial no Decreto no

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16.665, de 06/11/1924, e alcançainúmeros diplomas normativos denotável relevância para o sistemade execução penal no Brasil.

Sem dúvida, em meio a diversospreceitos normativos, o CódigoPenal (Decreto-lei no 2.848, de07/12/1940) e o Código de ProcessoPenal (Decreto-lei no 3.689, de03/12/1941) representaram ummarco legislativo importante para aconsolidação dos ConselhosPenitenciários e ampliaram, demodo significativo, as atribuições aeles reservadas.

Como destaca Joel José Cândido,os aludidos diplomas

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expressamente subordinaram aconcessão do livramentocondicional a parecer prévio dosConselhos Penitenciários,consagrando a atribuição origináriaque impulsionou o surgimentodesses órgãos colegiados. Nessepasso, tratamento semelhante foireservado aos institutos da graça,da anistia e do indulto, ampliando acompetência e a relevância dosConselhos Penitenciários entrenós.53

O Código Penal, em seus arts. 60a 66, apresentava a disciplinanormativa do livramentocondicional e expressamente

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subordinava a sua concessão aoparecer prévio do ConselhoPenitenciário, consagrando, assim,a sua atribuição consultiva. Por suavez, o legislador não descuidou danecessária vigilância do liberado,incumbindo o seu exercício aospatronatos oficiais, entidadessubordinadas aos ConselhosPenitenciários. Como se nota, ocaráter fiscalizador dos aludidosórgãos, que deviam zelar pelo bomcumprimento das condiçõesimpostas aos liberadoscondicionais, manifestou-setambém na disciplina do CódigoPenal e vem se estender aos

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dispositivos atuais da Lei deExecução Penal de 1984.

O Código de Processo Penal, porsua vez, trouxe referênciasexpressas aos ConselhosPenitenciários em diversosdispositivos, notadamente naquelesdestinados ao tratamento jurídicodo livramento condicional.54 Nãoobstante, as atribuições dosConselhos Penitenciários, noaludido diploma legal, não serestringiam apenas e tão somente àaplicação do mencionado instituto.Com efeito, as inúmeras funçõesdos colegiados estendiam-se aoutras etapas da execução das

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penas, tais como inspeção dePatronatos e ConselhosComunitários (art. 689, § 4o);revisão e correção de cartas de guiae seus aditamentos (art. 677);fiscalização do bom cumprimentodas condições da suspensãocondicional da pena (art. 712);participação nos procedimentos deconcessão de graça e de indulto.

Não obstante a contínuareferência do legislador nacionalaos Conselhos Penitenciários, ajurisdicionalização cada vez maiscrescente da execução penal, bemcomoo fortalecimento daautoridade jurisdicional em sua

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atuação nos incidentes processuais,importou o sepultamento doConselho Penitenciário como órgãodinâmico e determinante para asdecisões em sede de execuçãopenal.

O advento da Lei de ExecuçãoPenal, a Lei no 7.210, de 11/07/1984,representou o reconhecimento doConselho Penitenciário como umórgão consultivo e fiscalizador daexecução penal, mas de atuaçãotímida e necessariamentesubordinada ao entendimento,sempre prevalente, do juízo deexecução criminal. Assim, odinamismo dos Conselhos

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Penitenciários, que, aos poucos,vinha cedendo em face daampliação da competência dosjuízos de execução criminal, vem asucumbir, de modo definitivo, coma alteração procedida pela Lei no

10.792, de 1o/12/2003, que suprimiua sua principal atribuição:manifestar-se nos pedidos delivramento condicional.

Assim, o progressivofortalecimento da autoridadejurisdicional e de seu controle emsede de execução penal, aliado aopropósito, cada vez mais presente,de varrer os resquíciosadministrativistas de nosso sistema

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normativo, acarretou a diminuiçãoda presença de um órgão quecolaborava, de modo inegável, parauma gestão democrática daexecução penal.

4.5.5 Os ConselhosPenitenciários NaDisciplina Da Lei No 7.210,De 11/07/1984Em que pesem as restriçõesimpostas à atuação dos ConselhosPenitenciários pela Lei de ExecuçãoPenal, é importante destacar ospreceitos normativos que olegislador ordinário reservou para

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os colegiados em questão. A Lei no

7.210, de 11/07/1984, no Título III,reservado aos órgãos da execuçãopenal, expressamente consignou osarts. 69 e 70 para traçar oslineamentos gerais dos ConselhosPenitenciários, descrevendo,sumariamente, a sua composição eas suas atribuições e delegandopara a legislação federal e estaduala regulamentação de seufuncionamento, em atenção àsdiversidades regionais em sede deexecução penal.55

Como se pode observar pelasdisposições da Lei no 7.210, de11/07/1984, o Conselho

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Penitenciário desponta como umórgão consultivo e fiscalizador documprimento das penas em todasas suas modalidades,acompanhando a execução docomando condenatório emergenteda sentença penal e zelando pelacorreta observância dos postuladosda legislação penitenciárianacional. Assim, ao ConselhoPenitenciário incumbe não somentecontrolar o correto cumprimentodas decisões criminais, mastambém resguardar os interesses eos direitos dos presos, dosliberados e dos egressos.56

Relativamente à composição do

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órgão, o art. 69, § 1o, do diplomalegal em tela determina que:

Art. 69, § 1o: O ConselhoPenitenciário será integrado pormembros nomeados peloGovernador do Estado, do DistritoFederal e dos Territórios, dentreprofessores e profissionais da áreade Direito Penal, Processo Penal,Penitenciário e ciências correlatas,bem como por representantes dacomunidade (Brasil, 1984).

Como se pode notar, acomposição do ConselhoPenitenciário encontra, na novaregulamentação legal, um caráter

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nitidamente interdisciplinar, poiscontempla a possibilidade departicipação de profissionais daárea do direito e de ciênciascorrelatas. Assim, o legisladorordinário não mais restringiu aintegração deste órgão porprofissionais das áreas de direitoou de medicina e em númerodeterminado, atendendo àsdiversas críticas direcionadas peladoutrina à disciplina pretérita.57

A previsão normativa daparticipação de profissionais dediversas ciências, que agregam osmais variados pontos de vista dosconhecimentos jurídicos, médicos,

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sociais e criminológicos, possibilitauma abordagem conjunta e, decerta forma, mais completa doperfil dos condenados e dosproblemas encontrados no curso daexecução penal.

No entanto, não há dúvida deque a mais relevante característicados Conselhos Penitenciários estápor conta da previsão expressa derepresentantes da comunidadecomo membros do aludido órgão,ressaltando o seu componentedemocrático. A participação dacomunidade na execução penal e oseu encontro com o cárcerepropiciado por meio de órgãos, tais

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como os Conselhos Penitenciários,revelam-se, hoje, de indiscutívelutilidade para ultimar areintegração social doscondenados.58

O mandato dos membros doConselho Penitenciário terá aduração de quatro anos, e não seencontra vedada a recondução.59 Aprevisão legal de mandato comprazo determinado assegura aosconselheiros a necessáriaestabilidade e a independência parabem desempenharem suasatribuições, somente admitindo aexoneração por ocasião docometimento de infrações penais

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ou administrativas, devidamenteapuradas em processosdisciplinares.

Ademais, é importantemencionar que a subordinação doConselho Penitenciário àssecretarias estaduais é meramenteadministrativa. O ConselhoPenitenciário goza de autonomia ede independência no exercício desuas atribuições, sendo soberanoem suas deliberações e podendoopinar livremente sobre os pedidosa ele encaminhados para análise.60

Relativamente às atribuições doConselho Penitenciário, nos termosdo art. 70 da Lei no 7.210, de

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11/07/1984, tem-se que:

Art. 70. Incumbe ao ConselhoPenitenciário: I – emitir parecersobre indulto e comutação depena, excetuada a hipótese depedido de indulto com base noestado de saúde do preso; II –inspecionar os estabelecimentos eserviços penais; III – apresentar,no primeiro trimestre de cada ano,ao Conselho Nacional de PolíticaCriminal e Penitenciária,relatório dos trabalhos efetuadosno exercício anterior; IV –supervisionar os patronatos, bemcomo a assistência aos egressos

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(Brasil, 1984).

Não obstante a descrição sumáriadas atribuições do ConselhoPenitenciário no dispositivo ora emcomento, o caráter consultivo e ocaráter fiscalizador da pena,expressamente reconhecidos aoaludido órgão, colocam-no comoinstrumento fundamental paraassegurar a efetividade e o corretocumprimento das disposições daLei de Execução Penal.

Sem dúvida, este foi o objetivomaior do legislador nacional aoesboçar os diversos órgãos daexecução penal, entre os quais se

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situam os Conselhos Penitenciários,prevendo um eficiente sistema degarantias para controlar arealização dos dispositivos da Leide Execução Penal, bem como dosdeveres estatais atinentes àexecução penal.61

A abrangência da atuação doConselho Penitenciário permiteconcebê-lo não somente como umórgão consultivo e de “fiscalizaçãoindividualizada da execução dasdecisões criminais”, mas comoverdadeiro mecanismo de controledo “próprio Estado enquantoresponsável pela execução”.62

Ademais, deve-se ressaltar que o

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sistema de execução penalcompreende direitos doscondenados e deveres dasautoridades estatais que remetem adeterminações prescritas na ordemconstitucional e em documentosinternacionais incorporados aoordenamento jurídico nacional.63

Novamente, despontam ocomponente democrático, que aatuação desse órgão proporciona, ea possibilidade de vislumbrá-locomo um eficiente veículo adenunciar toda e qualquer“hipertrofia da punição”, quecomprometa os direitos doscondenados não alcançados pela

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sentença condenatória.64

Com efeito, em que pese ter sidoinicialmente concebida com opropósito evidente de conferirefetividade ao instituto dolivramento condicional, essa criaçãogenuína do legislador brasileironão poderia permanecer restrita auma atividade burocrática e decaráter individualizado.65

Justamente por esse motivo, aalteração promovida pela Lei no

10.792, de 1o/12/2003, que suprimiua manifestação dos ConselhosPenitenciários nos pedidos delivramento condicional, importouuma severa redução do âmbito de

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atuação dos Conselhos, o quejustifica uma busca, ainda maisintensa, por ampliar a participaçãodesses órgãos por meio de suasoutras atribuições.

Assim é que, desde osprimórdios de sua regulamentação,é possível enxergar nos ConselhosPenitenciários um ambientepropício ao encontrointerdisciplinar de ciênciasdispostas a enfrentar os problemascorrentes nos estabelecimentosprisionais. Atualmente, essesórgãos colegiados são novamenteredesenhados e reinterpretados àluz dos preceitos democráticos de

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nossa ordem constitucional ediante do necessário compromissosocial na reintegração doscondenados ao convívio emsociedade.

Neste sentido, é inevitávelconcluir que a enumeração do art.70 da Lei no 7.210, de 11/07/1984, émeramente exemplificativa,encontrando-se em outrosdispositivos da lei diversasatividades reconhecidas aosConselhos Penitenciários.66 Dessaforma, o atual delineamento dosaludidos órgãos vem apresentá-loscomo legítimos “órgãos deacompanhamento contínuo” e

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permanente da execução penal.67

4.6 As atribuiçõesdos ConselhosPenitenciários e ocomponentedemocrático dagestão dospresídiosEm consideração a todo o exposto,não há dúvida de que os ConselhosPenitenciários desempenham um

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papel fundamental no que concerneà gestão democrática da execuçãopenal, além de colaborar com atarefa de convergir as atençõessociais para as inúmerasdeficiências do sistemapenitenciário nacional.

Assim, as atribuições dosConselhos Penitenciários, aindaque arroladas de modo meramenteexemplificativo e indicativo de todaa potencialidade desses órgãos,permitem articular os debates emtorno dos problemas relacionados àexecução das penas e fornecemsubsídios para orientar asintervenções sociais de assistência

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aos presos e aos egressos. Nasequência, serão estudadas asatribuições constantes do art. 70 daLei no 7.210, de 11/07/1984.

A. Em observância ao caráterconsultivo do ConselhoPenitenciário, o legisladornacional atribui ao aludidoórgão a elaboração deparecer sobre indulto ecomutação de pena,excetuada a hipótese depedido de indulto com baseno estado de saúde do preso(art. 70, inciso I, da Lei no

7.210, de 11/07/1984).Como se pode notar, o legislador

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nacional não mencionou, de modoexpresso, a manifestação dosConselhos Penitenciários nospedidos de livramento condicional.Na realidade, a atual redação doart. 70 da Lei no 7.210, de 11/07/1984,resulta da alteração promovida pelaLei no 10.792, de 1o/12/2003, quesuprimiu a emissão de pareceresdos Conselhos Penitenciáriosrelativamente aos pedidos delivramento condicional.

A modificação procedida pelolegislador nacional em muitosurpreende, tendo em vista que acriação dos ConselhosPenitenciários foi motivada,

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justamente, pela finalidade detornar efetivo o instituto dolivramento condicional entre nós.Como já destacado, a atitude dolegislador ordinário revelou-se oápice de um sistema normativo quepersegue as garantias dajurisdicionalização da execuçãopenal, mas com notóriasdesvantagens a uma gestão maisdemocrática dos diversosmomentos da execução penal.

Sem dúvida, a concepçãocorrente da centralização dosincidentes processuais naautoridade jurisdicional reforçava oentendimento de que a oitiva prévia

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dos Conselhos Penitenciários, alémde conservar os resquícios docaráter administrativo da execuçãopenal, representava, na maioria doscasos, entraves para a célereprestação jurisdicional.68

Os partidários de uma atuaçãojurisdicional desvinculada dosresquícios administrativistas naexecução penal não atentaram, noentanto, para o indiscutívelcomponente democrático que aatuação dos ConselhosPenitenciários propiciava para asdecisões em execução penal. Avivência de uma equipemultidisciplinar e a composição

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colegiada dos aludidos órgãosforneciam subsídios inestimáveispara a orientação dos magistrados,além de assegurar umcumprimento mais fiel ao princípioda individualização da pena,amplamente proclamado em nossaordem constitucional (art. 5o, incisoXLVI, da Constituição Federal de1988).

Sem dúvida, a intermediação dosincidentes de execução penalrealizada pelos ConselhosPenitenciários, em um primeiromomento, poderia representarobstáculos para o dinamismo dosincidentes, notadamente em face da

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superlotação dos presídiosbrasileiros. No entanto, um examemais atento revelava que ocompartilhamento das decisõespermitia uma proximidade de seusrepresentantes do cotidiano dosestabelecimentos prisionais, comindiscutíveis vantagens para umafiscalização contínua dodesempenho estatal na execuçãodas penas e do resguardo aosdireitos fundamentais dosreclusos.69

Não obstante a redação precisado dispositivo em comento, aexclusão dos pareceres dosConselhos Penitenciários,

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relativamente aos pedidos delivramento condicional, temdividido a doutrina quanto aos seusefeitos práticos. Enquanto paraalguns a medida tem por objetivoreduzir o número de processosjudiciais remetidos aos ConselhosPenitenciários, possibilitando aestes órgãos concentrar-se nas“reais necessidades do sistemapenitenciário”,70 para outros, apretendida inovação legislativa emnada alterou as atribuições dosConselhos Penitenciários,remanescendo a incumbência deacompanhar a boa execução dessesinstitutos.71,72

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Na prática, no entanto, oConselho Penitenciário de SãoPaulo, por exemplo, tem semanifestado nos pedidos deconcessão de livramentocondicional apenas quandoprovocado por iniciativajurisdicional. Ademais, o órgãocontinua acompanhando a execuçãodo benefício e representa para a suarevogação, para a modificação desuas condições, para a suasuspensão, ou, ainda, na hipótesede declaração de extinção da penaprivativa de liberdade pelo decursodo prazo de livramento sem quetenha ocorrido causa de

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revogação.73

Ademais, como órgãopermanente da execução penal, aosConselhos Penitenciários incumbea responsabilidade de zelar pelaobservância dos preceitos legais epela integridade dos direitosindividuais dos condenados.Assim, as manifestações dosConselhos Penitenciários, em quepese não serem vinculantes para aautoridade jurisdicional, fornecemsubsídios valiosos para a apreciaçãodos pedidos de livramentocondicional, indulto e comutaçãoda pena.

Os pareceres dos aludidos órgãos

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resultam de uma atuação conjuntade profissionais de diversas áreasdo conhecimento, que convergemseus esforços no intuito de melhorapreender a experiência individualde cada condenado. Portanto, aindaque as autoridades jurisdicionaisnão se encontrem adstritas àmanifestação dos ConselhosPenitenciários, nem a concessãodos mencionados institutos estejasubordinada a sua opiniãofavorável, é inevitável concluir pelaimportância de sua atuação.74

Uma das principais missões dosConselhos Penitenciários, tal comodemonstrado pelo histórico de sua

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criação, consiste em aproximar asesferas jurisdicional eadministrativa, colaborando parauma maior efetividade das decisõesjudiciais em sede de execução penale para que a prestação jurisdicionalrealmente atenda às necessidadesda população carcerária.

O livramento condicional, oindulto e a comutação de pena,mais do que incidentesprocedimentais da execução penal,revelam-se como institutos quemarcam o retorno antecipado doscondenados ao convívio social.Assim, para bem assegurar o êxitodesse processo, as decisões

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judiciais devem vir lastreadas emuma minuciosa investigação acercados aspectos subjetivos daquelecondenado, de sua experiência nosistema carcerário e dos reaisbenefícios que o seu retorno àcomunidade, naquele estágio daexecução da pena, vai agregar aoseu processo de reintegração sociale à estabilidade daquele corposocial.

Ora, os Conselhos Penitenciáriosrevelam-se como os órgãos maisindicados para auxiliar os juízes deexecução nessa tarefa, pois seencontram próximos do cotidianodos estabelecimentos prisionais,

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em razão do seu dever deinspecioná-los periodicamente.Ademais, a formaçãointerdisciplinar dos ConselhosPenitenciários e a representação demembros da comunidade resgatamo real drama humano por detrás daexecução da pena, não se limitandoa uma análise meramente jurídicada questão.

A atividade dos ConselhosPenitenciários deve pautar-se porassegurar a integridade dos demaisdireitos dos condenados nãoalcançados pela decisãocondenatória e por resguardar ahumanidade na execução da pena.

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Nesse sentido, é de extremaimportância que os conselheirosestejam cientes de que a suaatuação não consiste em um filtrode defesa social, mas em ummecanismo de controle dodesempenho estatal e comunitáriona execução penal.

Nesse ponto, a função consultivae a função fiscalizadora dosConselhos Penitenciários acabampor se encontrar, pois a emissãodos pareceres nas hipótesesarroladas é uma oportunidade decontrolar a legalidade da execuçãopenal, de denunciar todo equalquer desvio ou excesso na

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punição e de aferir os reaisproblemas dos estabelecimentosprisionais.75

B. Em atenção ao caráterfiscalizador do ConselhoPenitenciário, o legisladornacional incumbe ao aludidoórgão a tarefa de inspecionaros estabelecimentos e osserviços penais (art. 70,inciso II, da Lei no 7.210, de11/07/1984).

Sem dúvida, a atribuição dosConselhos Penitenciários de visitaros estabelecimentos prisionais,fiscalizando a regularidade e ahumanidade da execução penal,

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encontra-se em consonância com ocomponente democrático que aatuação desses órgãos proporcionaà execução penal, bem como com opotencial de utilizá-lo como veículode acesso da comunidade aocárcere.

Os estabelecimentos prisionais eo tratamento penitenciáriodestinado aos condenadosapresentam inúmeras deficiênciasque reclamam uma permanenteatenção das autoridades estatais eda sociedade. As visitas regularesaos estabelecimentos prisionais eas entrevistas com os presos porpessoas dispostas a ouvir as suas

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reivindicações são elementosessenciais para o sucesso dareintegração social tão proclamadae para a efetividade de qualquerdecisão jurisdicional no curso daexecução da pena.

Não se ignoram os inúmerosproblemas enfrentados pelosistema penitenciário: asuperlotação dos estabelecimentospenais; a escassez de recursosmateriais; a ausência de pessoaltécnico e vocacionado, que seencontre disposto a assumir aresponsabilidade em acompanhar oprocesso de reintegração social erealmente colaborar para que este

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seja efetivo; o caráter totalitário dainstituição, que acarreta osurgimento de um sistema socialinterno nas prisões, em totaldescompasso com os valoresvigentes na sociedade“extramuros”; a separação brusca eo abandono dos familiares emrelação aos detentos.76

No entanto, a atuação dosConselhos Penitenciários,notadamente em seu caráterfiscalizador, em muito vem acolaborar na superação dessequadro, desde que desempenhadade modo efetivo e com a seriedadeque se espera desses órgãos. Assim

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é que o constante acompanhamentodos estabelecimentos penais, bemcomo do desempenho do pessoaladministrativo e técnico que nelesatua, pode vir a denunciar violaçõesaos direitos dos condenados e ospontos em que a assistência aospresos se mostra mais precária.

A resolução das inúmerasdeficiências materiais enfrentadaspelo sistema penitenciário nacionaldemanda, sem sombra de dúvida,uma atuação estatal direcionada e oaumento e o melhor gerenciamentodos recursos públicos destinados asolucionar esses problemas.Certamente, o êxito dessas

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propostas demanda o acesso adados concretos acerca dainfraestrutura e dos serviçosprestados nos estabelecimentosprisionais, revelando-se oacompanhamento periódico dosConselhos Penitenciários umimportante recurso nessa tarefa.77

Em contrapartida, os ConselhosPenitenciários devem acompanharos programas e os projetos públicosa serem implantados nosestabelecimentos prisionais, comoexigência de sua atividade defiscalização. O desempenho dessaatribuição sugere o necessáriointercâmbio que deve ocorrer entre

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as autoridades públicas e os órgãosda execução penal.

Relativamente ao fenômeno daprisionização e ao contraditóriomecanismo de buscar areintegração de um indivíduo àcomunidade por meio de seucompleto isolamento do convíviosocial, os Conselhos Penitenciáriosdesempenham um indiscutívelpapel na tentativa de amenizar esseantagonismo. Como órgãosintegrados por membros dacomunidade, os ConselhosPenitenciários representam umcanal para a participação efetiva dasociedade na execução das penas e

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as visitas aos estabelecimentospenais permitem aproximar, aomenos os conselheiros, dosindivíduos recolhidos ao cárcere.

Ademais, a atividadefiscalizadora dos ConselhosPenitenciários propicia uma maiorvisibilidade do cotidiano internodas prisões e o acesso público aomodo como as autoridades estataisconduzem a execução das penas,em geral, levada a cabo no interiorde instituições austeras e ocultadasdos olhares da sociedade por seusmuros altos e arquitetura peculiar.Se executada de modo satisfatório,essa fiscalização coloca-se como um

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dos únicos instrumentos realmenteeficientes para combater asviolações recorrentes aos direitoshumanos no interior dos presídios.

C. Em conformidade com ocaráter consultivo efiscalizador dos ConselhosPenitenciários, a Lei deExecução Penal atribui aosaludidos órgãos aincumbência de apresentarrelatório periódico dostrabalhos desempenhados aoConselho Nacional dePolítica Criminal ePenitenciária (art. 70, incisoIII, da Lei no 7.210, de

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11/07/1984).Os relatórios em questão devem

retratar as observações obtidas pormeio das inspeções nosestabelecimentos penais, bemcomo as informações advindas doexame dos processos executivos porocasião dos pedidos de livramentocondicional e outros institutos.Como destaca Julio FabbriniMirabete, é notória a utilidadedesse relatório conclusivo paraorientar a formulação da políticacriminal nacional, para aperfeiçoara administração da justiça criminal,bem como para embasar aspesquisas criminólogicas.78

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Nesse ponto, é evidente oobjetivo do legislador brasileiro emarticular os diversos órgãos daexecução penal, no sentido deconstruir uma política criminal epenitenciária eficiente e realista,que adote por fundamentoavaliações periódicas do sistemaprisional.

Portanto, os ConselhosPenitenciários, como estão sediadosem cada unidade da federação,poderão auxiliar o ConselhoNacional de Política Criminal ePenitenciária no desempenho desuas atribuições, notadamenteaquela voltada à proposição de

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diretrizes de política criminal epenitenciária, que deve observar aspeculiaridades regionais.

D. Como já destacado, osConselhos Penitenciáriostambém se revelam comoveículos de aproximaçãoentre a comunidade e ocárcere. Nessa esteira, a Leide Execução Penal atribuiuaos Conselhos Penitenciáriosa incumbência desupervisionar os patronatos,bem como a assistência aosegressos, reforçando ocomprometimento dessescolegiados com a

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reintegração social dosapenados e o ideal de umaatuação conjunta entre osórgãos da execução penal(art. 70, inciso IV, da Lei no

7.210, de 11/07/1984).Com efeito, a interação entre os

Conselhos Penitenciários e osPatronatos decorre não somente dasupervisão que aqueles devemexercer sobre o desempenho destes,mas também da atribuiçãocompartilhada por esses órgãos notocante à fiscalização documprimento das condições dolivramento condicional e dasuspensão condicional da pena.79

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Ademais, o compromisso socialassumido pelos ConselhosPenitenciários não se exaure com aextinção da pena privativa deliberdade. Assim, os ConselhosPenitenciários desempenham umaimportante atuação no momento deregresso dos presos à comunidade,devendo zelar para que esseprocesso se dê em termos pacíficose de harmonia. A assistência aosegressos é fundamental,principalmente quando se tem emvista que muitos não mantêmcontato com a família e, em geral,não apresentam recursos para a suasubsistência imediata.

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Novamente, a assistênciaprestada aos egressos demandauma colaboração mútua dosdiversos órgãos da execução penal,em especial dos Patronatos e dosConselhos Penitenciários. OsPatronatos são órgãos da execuçãodestinados a prestar assistência aosalbergados e aos egressos, comatribuições sumariamenteindicadas no art. 79 da Lei no 7.210,de 11/07/1984. Em linhas gerais, osPatronatos receberam do legisladorbrasileiro a pesada incumbência deacompanhar aqueles que, aospoucos, retornam ao convívio emsociedade ou que já alcançaram o

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ápice do processo de reintegraçãosocial (ao menos, em teoria).

Sem dúvida, em termos de defesasocial e acompanhando osargumentos daqueles que prezampor medidas que somente visam àmanutenção da segurança pública,as atribuições dos Patronatos sãorelevantes, pois estes órgãos seapresentam como verdadeiros“vigilantes dos beneficiados poressas concessões da prisão-albergue e trabalho externo” einstrumentos de grande utilidadena prevenção à reincidência.80

Ocorre que, em face de umaconcepção mais abrangente e

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consciente da responsabilidade dacomunidade no processo dereintegração social dos apenados, éevidente que a existência dosPatronatos não pode ser resumida ainterpretações parciais, que osencarem exclusivamente sob aóptica de defesa social. Os objetivosdesses órgãos de execução penalsão notadamente relevantes, emespecial quando se tem em vista afinalidade de reintegração social aque a pena privativa de liberdade sepropõe.

Nessa esteira, os Patronatos,juntamente aos ConselhosPenitenciários, despontam como

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estruturas assistenciais aosegressos e às suas famílias,proporcionando àqueles vestuário,assistência moral, assistênciamédica, alojamento, indicação detrabalho, em suma, os meiosnecessários para a sua subsistênciano momento imediato à sualiberação.

É importante ressalvar que essacoincidência de objetivos nãoacarreta um conflito de atribuiçõesentre os aludidos órgãos, como àprimeira vista poderia sugerir. Aocontrário, o legislador brasileirodedicou especial atenção ao traçar aestrutura orgânica e ao delinear as

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funções pertinentes a cada órgão,de sorte que a incumbênciareservada a ambos os órgãosmencionados indica, na verdade, oideal de uma atuação conjunta e aconveniência de unir esforços parauma melhor assistência aosegressos.81

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4.7 O desempenhodos ConselhosPenitenciários nosistemapenitenciárionacional e aemergência dosConselhos daComunidadeA investigação dos contornoshistóricos que impulsionaram o

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surgimento dos ConselhosPenitenciários e a apresentação desuas atribuições inseridas nalegislação nacional cumprirampropósitos evidentes nestetrabalho. Os ConselhosPenitenciários atravessaramdiversos momentos do sistemapenitenciário nacional, de sorte queacompanhar o seu desenvolvimentoconsiste em acompanhar os rumosda execução penal no Brasil.

Atualmente, o desempenho dosConselhos Penitenciários mereceser revisto, em especial em face dosfundamentos e dos objetivoscontidos na Constituição Federal de

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1988 (arts. 3o e 4o).82 Os propósitosdo legislador constituintedemandam uma colaboraçãoconstante dos cidadãos e dasautoridades estatais para aconcretização de uma sociedadedemocrática, estendendo-se essaconsideração ao momento deexecução das penas e das medidasde segurança.

Os objetivos de uma “gestãopública comprometida com asideias de participação e dedescentralização do poder públicoincorporadas pela ConstituiçãoFederal de 1988”83 comprometem osintérpretes a encontrar novas

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propostas e alternativas ao sistemanormativo brasileiro, de modo apromover uma maiordemocratização do processo penalexecutório e, igualmente, aassegurar um permanente controleda responsabilidade estatal nessaetapa.

O sistema normativo inauguradopela Lei de Execução Penal de 1984,em que pese editado em momentoanterior ao advento da ConstituiçãoFederal de 1988, não se mostrouindiferente à participação dacomunidade na execução penal.Orientandose por uma investigaçãosociológica do crime e consciente

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da contribuição necessária dacomunidade para promover areintegração social dos apenados, oordenamento jurídico brasileiroalcançou um novo patamar nacompreensão do comportamentodelitivo e na disciplina da execuçãopenal.84,85

O comprometimento social nasdiversas fases da execução daspenas e das medidas de segurançapermeou as previsões normativasdo diploma em estudo, observandoas recomendações contidas nasRegras Mínimas da ONU para otratamento dos presos erecomendações pertinentes,

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adotadas pelo Primeiro Congressodas Nações Unidas sobre aprevenção do crime e o tratamentodo delinquente (Genebra, 1955).86,87

Como se pode notar, os objetivosreconhecidos em nosso sistemanormativo são evidentes: construirum sistema penitenciário maisdemocrático e incorporar aparticipação da comunidade nessaempreitada. Em atenção a todos osargumentos já apresentados ecompulsando os órgãos daexecução apresentados pelolegislador nacional, os Conselhosda Comunidade despontam como amais próxima expectativa de

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retomar o caráter democrático daexecução penal e de permitir umareal fiscalização da execução daspenas.

Justamente por esse motivo,segue-se uma análise dosConselhos da Comunidade noordenamento jurídico brasileiro.

4.8 A origem dosConselhos daComunidade noordenamentojurídico brasileiro

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O Conselho da Comunidade é umórgão de indiscutível caráterdemocrático, no sentido decongregar a participação dacomunidade na execução penal,além de claramente comprometidocom as finalidades colimadas pelapena privativa de liberdade. Olegislador nacional, com aincumbência de integrar osConselhos da Comunidade aoprocesso de execução penal,disciplinou sumariamente suaestrutura orgânica e as suasatribuições, como se nota dodisposto nos arts. 80 e 81 da Lei no

7.210, de 11/07/1984.

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Ao contrário dos ConselhosPenitenciários, que foram criaçõesgenuinamente brasileiras, osConselhos da Comunidaderepresentam um histórico departicipação da comunidade naexecução penal.88 A previsão dosConselhos da Comunidade, comoórgãos da execução penal, despontaem meio a um projeto legislativoconvicto da necessidade dacolaboração da comunidade nareintegração social dos presos.89

Os Conselhos da Comunidadeforam, inicialmente, contempladosna Lei no 6.416, de 24/05/1977, quese limitou a uma disciplina esparsa

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das principais atribuições dosaludidos órgãos.90 Na sequência, aLei no 7.210, de 11/07/1984, em seuart. 80, apresentou os Conselhos daComunidade como órgãos daexecução penal, incumbidos datarefa de acompanhar a execuçãodas penas e de zelar pelaassistência aos presos e aosinternados.

Neste ponto, é importantedestacar que a disciplina atual dosConselhos da Comunidadedistancia-se, em certa medida, deexperiências pretéritas no sistemabrasileiro, consistentes ementidades da comunidade que

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prestavam assistência aos presos ecolaboravam com a AdministraçãoPenitenciária e demais autoridadesestatais, independentemente deuma exigência legal.91

Como apontado, a experiência decooperação de membros dacomunidade na assistência materiale moral dos reclusos e dos egressosnão se mostra tão inédita, vindo olegislador brasileiro aregulamentar, na verdade, umaprática recorrente em diversosorganismos sociais. Justamente emrazão dessa particularidade, háautores que sustentam ainadequação de uma previsão legal

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dos Conselhos da Comunidade e adificuldade de organismospreexistentes de se conformarem àdisciplina legal.92

Sem dúvida, o êxito desemelhante proposta – aproximarsociedade e cárcere – reside naespontaneidade e na livre iniciativadas forças sociais em organizaremseus esforços em prol dareintegração dos apenados. Nessesentido, resta evidente que aregulamentação sumária procedidapela Lei no 7.210, de 11/07/1984, nãoretrata qualquer imposição estatalaos membros da coletividade quepudesse vir a anular o caráter

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democrático da participação dosConselhos da Comunidade naexecução penal ou a comprometer aeficiência desses organismos.

4.9 Os Conselhos daComunidade nadisciplina da Lei no

7.210, de 11/07/1984Relativamente à composição doórgão, o art. 80 da Lei no 7.210, de11/07/1984, determina que oConselho da Comunidade sejaintegrado por “um representante

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de associação comercial ouindustrial, um advogado indicadopela seção da Ordem dosAdvogados do Brasil e umassistente social escolhido pelaDelegacia Seccional do ConselhoNacional de Assistentes Sociais”,sendo esta a composição mínimado aludido órgão. Na ausência darepresentação prevista em lei, olegislador faculta ao juiz daexecução a escolha dos integrantesdo Conselho da Comunidade (art.80, parágrafo único, da Lei no 7.210,de 11/07/1984).

Como se pode notar, acomposição do Conselho da

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Comunidade encontra, em suadisciplina legal, um caráternitidamente democrático, poiscontempla a possibilidade departicipação de representantes dasociedade civil e de profissionaisinteressados e atuan tes naexecução das penas. Sem dúvida, osrepresentantes da Ordem dosAdvogados do Brasil e do ConselhoNacional de Assistentes Sociaisingressam na composição dosConselhos sob uma duplaperspectiva, como cidadãos e comoespecialistas, mas com um únicoobjetivo, qual seja: o de promover areintegração social dos apenados.

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Nessa esteira, a participaçãodessas entidades nos aludidosConselhos imprime um carátertécnico em suas manifestações, oque, sem dúvida, contribui com asua comunicação com os demaisórgãos da execução penal, bemcomo no momento de identificar osprincipais problemas do sistemapenitenciário. Por sua vez, arepresentação das associaçõescomerciais e industriais revela-sede grande utilidade, tendo em vistaa necessidade de inserir os egressosno mercado de trabalho e depromover a sua reabilitaçãoprofissional.93

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Por outro lado, em conformidadecom o objetivo proclamado pelolegislador ordinário de convocar acooperação da comunidade naexecução das penas, é evidente queo número mínimo de trêsconselheiros determinado em leinão impede que o órgão sejaintegrado por outras pessoas oupor outras entidades diversasdaquelas apontadas nodispositivo.94,95

Com efeito, o legisladorbrasileiro apenas delineou aestrutura mínima que julgouindispensável para atender àsatribuições reservadas ao aludido

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órgão. Nesse sentido, osmagistrados, em cada comarca, emobservância à eventual normacomplementar local, poderãoestender a composição dosConselhos da Comunidade a outrossegmentos interessados naassistência dispensada aoscondenados, seja no curso daexecução da pena, seja no processode seu retorno ao convívio social.

Assim, em que pese o legisladorordinário não ter feito mençãoexpressa a determinadosprofissionais, é indiscutível acontribuição de psicólogos esociólogos nos Conselhos da

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Comunidade, não havendo motivopara restringir a sua participação.Por outro lado, a habilitaçãoprofissional não constitui umrequisito para contribuir com osConselhos da Comunidade,estando esses órgãos abertos àcooperação de outros segmentos dasociedade, como participantes declubes de servir, entidadesreligiosas, ONGs, Apac (Associaçãode Proteção e de AssistênciaCarcerária), entre outros.96,97

Ademais, o exercício da funçãode membro do Conselho daComunidade, em decorrência dopróprio caráter assistencial do

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órgão, é gratuito e consideradoserviço público relevante. Aausência de retribuição pecuniáriaassegura a participação de pessoascomprometidas com a reintegraçãosocial dos condenados e com aassistência aos presos einternados.98

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4.10 As atribuiçõesdos Conselhos daComunidade na Leino 7.210, 11/07/1984,e a contribuiçãodesses órgãos paraa gestãodemocrática daexecução penalAs atribuições dos Conselhos daComunidade encontram-se em

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conformidade com o seu caráterdemocrático, as quais se inserementre os mecanismos dedescentralização contemplados naordem constitucional.99 OsConselhos da Comunidade“possuem uma função dearticulação dos recursos, defiscalização, de luta pelapreservação de direitos e derepresentação das comunidades naexecução da política penal epenitenciária”.100

Com efeito, ao analisar asatribuições dos Conselhos daComunidade, tais como descritasna Lei de Execução Penal, é preciso

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estar atento ao papel derepresentação da comunidade e àforça política dos aludidos órgãos,que devem articular as forças locaise colaborar na implementação daspolíticas penitenciárias no âmbitode sua atuação.101 Nesse sentido:

[…] Os conselhos devem estararticulados com outras áreas deintervenção, que, em âmbito local,são responsáveis pela gestão daspolíticas sociais. Áreas comosaúde, trabalho, educação,assistência destinada à populaçãodevem dirigir-se igualmente paraa população encarcerada.102

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A. Em conformidade com o quedispõe o art. 81 da Lei no

7.210, de 11/07/1984, incumbeaos Conselhos daComunidade visitar, pelomenos mensalmente, osestabelecimentos penaisexistentes na Comarca (art.81, inciso I, da Lei no 7.210,de 11/07/1984).

A atribuição reservada aosConselhos da Comunidade devisitar, periodicamente, osestabelecimentos penais daComarca em que atuam ressalta ocaráter fiscalizador dos órgãos eaproxima a comunidade da

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realidade interna dos cárceres.Os Conselhos da Comunidade

são os legítimos representantes dasociedade na execução das penas eatuam como órgãos permanentesincumbidos da aferição daregularidade e da humanidade daexecução penal. Sem dúvida, parabem desempenharem essa tarefa,resulta evidente a sua constantepresença nos estabelecimentospenitenciários e em maiorfrequência do que a determinadano dispositivo, se necessário.103

É corrente o entendimento deque o sistema social da prisãoapresenta aos apenados valores

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próprios e distantes daquelesvigentes na sociedade extramuro eacabam por forçá-los a umaconstante prisionização, que ampliapaulatinamente o abismo social emque já estavam inseridos.104 Apresença de representantes dacomunidade no interior dosestabelecimentos prisionais,principalmente naquelesdestinados aos condenados aregime fechado, é um indiscutívelinstrumento para reverter ofenômeno da prisionização eamenizar o sentimentogeneralizado de alienação social ede esquecimento.

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Em uma outra perspectiva, aatribuição reservada aos Conselhosda Comunidade de visitar,periodicamente, osestabelecimentos penais aproximaesses colegiados dos ConselhosPenitenciários e dos demais órgãosda execução penal, possibilitando aesses uma atuação conjunta talcomo idealizada pelo legisladorordinário.105

Com efeito, a inspeção levada acabo pelos Conselhos daComunidade nos estabelecimentosprisionais não poderá ter seusresultados restringidos à órbitadesses órgãos, sendo de

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indiscutível utilidade umintercâmbio entre os diversosórgãos da execução penal. Assim,os elementos selecionados pelosconselheiros em suas visitasperiódicas fornecem inestimáveissubsídios acerca da realidade dosistema penitenciário nacional edas principais objeções dos presos,colaborando com as atribuições dosConselhos Penitenciários e, emconsequência, com a implantaçãode uma política penitenciáriaeficiente.

B. Ademais, o legisladorbrasileiro prevê, no art. 81,inciso II, da Lei no 7.210, de

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11/07/1984, entre asatribuições dos Conselhos daComunidade, aobrigatoriedade de“entrevistar os presos”.Certo é que a medidaapresentada pelo legisladorbrasileiro de formaimperativa, na realidade,deveria emergir como umaatividade espontânea porparte dos conselheiros,denotando o compromisso eo interesse destes pelareintegração social dosapenados.

Com efeito, as entrevistas aos

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presos apresentam um indiscutível“caráter revelador”,106 queapresenta aos membros dosConselhos uma perspectivasubjetiva, mas legítima, darealidade carcerária. Ora, se aorganização dos Conselhos daComunidade orienta-se,justamente, por um dever deassistência moral e material aospresos e aos egressos, não hámelhores interlocutores do queestes para formularem suasreivindicações.

Por outro lado, as entrevistas comos presos podem fornecer aosconselheiros elementos preciosos

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para a avaliação do comportamentodos apenados, sendo dereconhecida utilidade parainstruírem os demais órgãos daexecução penal – notadamente osConselhos Penitenciários e osjuízes da execução – na decisãoacerca de benefícios e de incidentesprocedimentais. Por óbvio, odesenvolvimento desse intercâmbiocolabora, demasiadamente, paradevolver o caráter democrático àgestão dos incidentes da execuçãopenal, que restou abalado com asensível diminuição de atribuiçõesdo Conselho Penitenciário.

Ademais, as entrevistas

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realizadas com os presos, além deobrigarem a passagem dosconselheiros pelosestabelecimentos penais, alcança,como nenhum outro instrumento, apossibilidade de aproximá-los dosdetentos. Ora, os benefícios dessaempreitada são notórios, emespecial quando se tem em mente areintegração social como um dosobjetivos proclamados pela penaprivativa de liberdade.

Sem dúvida, o caráter informalda entrevista – em que pese aposterior avaliação técnica doselementos recolhidos – abre umcanal para que os conselheiros

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possam conhecer os presos, comopessoas em situação de graveconflito social e interno. Assim, apreocupação dos conselheiros, aose enveredarem nessa tarefa, deveser a de buscar conhecer o históricodaquela pessoa, alcançar a suavivência pessoal e social e enxergaro drama humano que se escondepor detrás do cumprimento de umapena.

É necessário explorar toda apotencialidade desse momento,bem como aproveitá-lo paraestender aos presos os valores daamizade, da solidariedade e dacompreensão. Essa atividade vai

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permitir, ao menos àquelesconselheiros enquantorepresentantes da sociedade, aferira parcela de responsabilidade docontrole social no fenômenodelitivo e na seleção daqueleindivíduo pelo sistema punitivo.

Ademais, a possibilidade detransição dos representantes doConselho da Comunidade nosestabelecimentos penais pode serutilizada no sentido de aproximaros familiares dos presos, mesmodurante o período deencarceramento, possibilitando amanutenção de seus vínculossociais, apesar do cumprimento da

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pena privativa de liberdade.107

Com efeito, um dos principaisproblemas do sistema carcerário, oqual se encontra intimamenterelacionado com a natureza da penaprivativa de liberdade, consiste naseparação abrupta e na segregaçãodo preso em relação à sua família eà sociedade.108 A possibilidade deaproximar os encarcerados de seusfamiliares e dos demais membrosda sociedade é uma importantealternativa para superar ofenômeno da prisionização e osseus efeitos deletérios.

C. Em observância ao propósitorevelado de uma atuação

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conjunta entre os diversosórgãos da execução penal,109

o legislador brasileiroincumbe aos Conselhos daComunidade a obrigação deapresentar relatóriosmensais ao juiz da execuçãoe ao Conselho Penitenciário(art. 81, inciso III, da Lei no

7.210, de 11/07/1984).Certamente, os Conselhos da

Comunidade poderão se valer doselementos recolhidos em suasvisitas mensais aosestabelecimentos penitenciários,bem como daqueles extraídos dasentrevistas com os presos.110 A

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importância de os Conselhos daComunidade reportarem-se aosdemais órgãos da execução penalnão se restringe a postulados deAdministração Pública, queprescreve um controle interno eexterno de seus órgãos, mastambém se justifica em face doobjetivo maior de construir umapolítica criminal e penitenciáriamais eficiente.

D. Ademais, o legisladorordinário atribui aosConselhos da Comunidade aincumbência de diligenciar aobtenção de recursosmateriais e humanos para

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melhor assistência ao presoou ao internado, emharmonia com a direção doestabelecimento (art. 81,inciso IV, da Lei no 7.210, de11/07/1984).

Sem dúvida, ao apresentar aosConselhos da Comunidade aimportante missão de angariarrecursos materiais para melhorassistência ao preso ou aointernado, o legislador brasileirodelineou a atribuição que, talvez,mais identifique os aludidosConselhos. Em que pese arelevância das demaiscompetências, notadamente em

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face de um compromisso em inserira comunidade na execução penal, écerto que a destinação de recursosmateriais e humanos consiste naatuação mais concreta daquelesórgãos e a de maior repercussãosocial.

Não obstante, é de reconhecerque a disciplina normativa no incisoIV em questão foi sumária, o que éalvo de crítica na doutrina.111

Ocorre que, tratandose de umdiploma normativo de âmbitonacional, o legislador brasileiro nãoestava incumbido de descer aminúcias, detalhando os recursos aserem selecionados pelos

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conselheiros.Por outro lado, não se encontra

qualquer restrição em que a aludidanorma venha a ser complementadapor uma regulamentação local ouestadual. Na verdade, a aberturadeixada pelo dispositivo emquestão favorece o sistemapenitenciário nacional,caracterizado por inúmerasdiversidades regionais.

Relativamente a essa questão, adisciplina da assistência a serprestada aos presos e aosinternados no curso da execuçãopenal, tal como indicada nos arts.10 a 24 da Lei no 7.210, de

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11/07/1984, fornece um norte para aatuação dos Conselhos daComunidade. É importantedestacar que a assistência aosreclusos prescrita pelo legisladornão se restringiu à assistênciamaterial e à assistência à saúde.Com efeito, sob a égide de umsistema normativo que busca areintegração social dos condenados,resta evidente que outras facetasdessa assistência devem se revelar,dando ênfase para um trabalho dosconselheiros que proporcionem aospresos e aos internados o acesso àassistência religiosa, educacional,social e jurídica.112

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4.11 Propostas paraampliar a atuaçãodos Conselhos daComunidadeEmbora a previsão normativa dosConselhos da Comunidade integreo ordenamento jurídico nacional hámais de vinte anos, os referidosórgãos ainda não estão tãopróximos da realidade brasileiracomo deveriam. A atitude deinércia e passividade que colaborapara esse quadro não pode seratribuída somente ao poder públicoe a insuficiências de recursos, mas,

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igualmente, a toda a sociedade, queparece ainda não ter seconscientizado de suacorresponsabilidade na execuçãopenal e de sua inestimávelcolaboração para a reintegraçãosocial dos apenados.

Não obstante, é necessárioreconhecer os esforços de órgãoscomo o Conselho Nacional dePolítica Criminal e Penitenciária, dejuízes de execução criminal dediversos Estados brasileiros e deoutros profissionais da área jurídicapara a efetiva instalação dosConselhos da Comunidade entrenós.113

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Nessa esteira, com o claropropósito de colaborar com aimplantação dos Conselhos daComunidade e de ampliar a suaatuação na execução penal, oMinistério da Justiça, no ano de2005, editou a “Cartilha dosConselhos da Comunidade”,elaborada pela Comissão para aImplementação eAcompanhamento dos Conselhosda Comunidade. A comissão foicriada por meio da Portaria doMinistério da Justiça no 2.710, de23/09/2004 e era presidida pelaentão Secretária Nacional deJustiça, Cláudia Maria de Freitas

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Chagas.Sem dúvida, a orientação

proporcionada pela cartilha é degrande valia para a instalação dosConselhos da Comunidade, sendoressaltadas a importância daparticipação da comunidade naexecução da penal, a falência dosistema penitenciário atual, aestrutura da Lei de Execução Penale dos Conselhos que estão nelaprevistos, além de orientação geralacerca das atribuições dosConselhos da Comunidade e decomo instalar estes órgãos naprática.

Os Conselhos da Comunidade

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receberam um novo incentivo paraa sua concretização com a edição daResolução no 47, de 18/12/2007, doConselho Nacional de Justiça, quereforçou a obrigatoriedade e anecessidade da implantação dosConselhos da Comunidade nasdiversas comarcas. A resolução, quedispõe sobre a inspeção nosestabelecimentos penais pelosjuízes de execução criminal, em seuart. 4o, determina que osmagistrados deverão compor einstalar, em suas respectivascomarcas, o Conselho daComunidade, na forma do art. 80 eseguintes da Lei no 7.210, de

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11/07/1984. Na realidade, aresolução vem apenas reforçar,como dito, o que já preconizava olegislador brasileiro desde a ediçãoda Lei no 7.210, de 11/07/1984.

Essa preocupação do ConselhoNacional de Justiça fazia-senecessária em virtu-de doincipiente funcionamento dosConselhos da Comunidade nosEstados brasileiros. Já emnovembro de 2004 o ConselhoNacional de Política Criminal ePenitenciária advertiu para aimportância dos Conselhos daComunidade e editou a Resoluçãono 10, de 08/11/2004, traçando as

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diretrizes básicas para viabilizar aimplementação desses órgãos daexecução penal.

A partir de considerações queremetem à “necessidade deefetivar-se a participação dasociedade na reinserção dodelinquente, assim como colaborarna fiscalização da execução dapena”, bem como a de que “umadas causas da reincidência é a faltade assistência adequada por parteda comunidade ao preso e aoegresso”, a resolução do ConselhoNacional de Política Criminal ePenitenciária em muito se aproximada disciplina legal da Lei no 7.210,

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de 11/07/1984.No entanto, a resolução vai além,

consagrando atribuições acessóriaspara os Conselhos da Comunidade,que reforçam a sua atuação comoórgão da execução penalresponsável pela fiscalização dobom cumprimento da execução daspenas e como articulador das forçassociais e dos recursos locais parauma melhor assistência aos presose aos egressos.114

Com efeito, como demonstrado,os Conselhos da Comunidaderevelam-se como um dos órgãos daexecução penal que mais aproximaa comunidade do cotidiano

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carcerário, desempenhando umpapel fundamental na reintegraçãosocial dos apenados, e, em certamedida, na própria prevenção aocometimento de novos delitos.Assim, a atuação dos Conselhos daComunidade pode e deve seestender além daquelas atribuiçõessumariamente descritas no art. 81da Lei no 7.210, de 11/07/1984, talcomo prescrito pelo ConselhoNacional de Política Criminal ePenitenciária.115

De fato, o legislador brasileiro, aoestruturar os Conselhos daComunidade, tal como previsto nosarts. 80 e 81 da Lei no 7.210, de

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11/07/1984, apresentou apenas umindicativo de toda a potencialidadedesses órgãos. Essa intenção dolegislador restou compreendidapelos juízos da execução criminal epor aqueles que atuam no sistemapenitenciário nacional, haja vistaque emergem, a todo momento,propostas que visam a ampliar asatribuições dos Conselhos daComunidade e integrá-los, cada vezmais, ao processo de execuçãopenal.

Ademais, retomando osargumentos já apresentados, oreconhecimento incisivo do caráterjurisdicional da execução penal

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resultou em uma limitação daatuação de órgãos da execução, quecontribuíam, de modo indiscutível,para uma gestão mais democráticada execução das penas e dasmedidas de segurança.

Em suma, como uma forma decombater os inconvenientes dessapostura legislativa, os Conselhos daComunidade devem buscar umaatuação cada vez mais presente nosdiversos momentos da execuçãopenal, possibilitando, ainda, umaabertura da comunidade para osproblemas internos das prisões.116

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4.12 ConsideraçõesfinaisO sistema normativo inauguradocom a Lei no 7.210, de 11/07/1984,consagrou o caráter jurisdicional daexecução penal brasileira, cominegáveis vantagens para apreservação dos direitosfundamentais dos presos e dosinternados, bem como para aobservância e o controle dalegalidade na execução penal.Nessa esteira, a atuação de órgãosda execução de índolepredominantemente administrativarestou marginalizada pelo

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legislador nacional, com evidentesprejuízos para uma gestãodemocrática da execução penal.

Imbuído do louvável propósitode assegurar um controlejurisdicional incisivo e constanteem todos os momentos da execuçãopenal, historicamente demarcadospor arbitrariedades e excessos, olegislador nacional acaboueliminando a profícua colaboraçãoentre as esferas administrativa ejurisdicional, tão recomendada pordocumentos internacionais.117

Nesta ordem de valores, osConselhos Penitenciáriosexperimentaram, ao longo de sua

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existência, os reflexos do atualdelineamento da execução penal. Ofortalecimento, cada vez maiscrescente, das atribuições dosórgãos jurisdicionais acarretou umadiminuição proporcional daimportância daqueles órgãoscolegiados nos diversos incidentesda execução penal, com um sensívelsacrifício do componentedemocrático que a sua participaçãoagregava às decisões em sede deexecução penal.

Atualmente, impõe-se umresgate dessa gestão democráticada execução das penas,notadamente em face dos preceitos

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consagrados em nossa ordemconstitucional, que traduzem asexigências de um Estado quepretenda ser democrático e de umaordem jurídica que procureconcretizar a igualdade. Comodemonstrado, essa proposta podedesenvolver-se em duas vertentes:quer ampliando a participação dosConselhos da Comunidade; querestendendo o caráter fiscalizadordos Conselhos Penitenciários,impulsionando a sua atuação pormeio de atribuições queprescrevem o acompanhamentoconstante da execução penal.

Em suma, qualquer que seja a via

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eleita, o importante é destacar ocaráter fundamental da atuação dosConselhos Penitenciários e dosConselhos da Comunidade, por serevelarem como órgãos quecongregam a participação dacomunidade na execução penal, oque se apresenta, atualmente, comoimprescindível para a reintegraçãosocial dos apenados.

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Apêndice – Históricodo ConselhoPenitenciário de SãoPaulo1 Um Breve HistóricoDo ConselhoPenitenciário Do EstadoDe São Paulo118

O Conselho Penitenciário do Estadode São Paulo completou, em23/05/2008, 80 anos de existência ede efetivo funcionamento. Nãoobstante o Conselho Penitenciário

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de São Paulo não se encontrar entreos primeiros conselhos estaduais aterem sido oficialmente instaladosno País, o aludido órgão pode serconsiderado, hoje, o de maioratuação no cenário nacional.119

Com efeito, a populaçãocarcerária de São Paulo encerra omaior contingente de todo o Estadobrasileiro – aproximadamente130.000 presos –, e, emconsequência, o ConselhoPenitenciário estadual encontra-seem intensa atividade. Comoressaltou o presidente do ConselhoPenitenciário, Umberto Luiz BorgesD’Urso, a quantidade de pedidos

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protocolados no órgão temaumentado, consideravelmente, acada mês, sendo que cadaconselheiro recebe, em média, vintee cinco processos por semana parasua análise e manifestação.120

Sem dúvida, o volume detrabalho nos ConselhosPenitenciários experimentou umasensível diminuição com amodificação legal promovida pelaLei no 10.792, de 1o/12/2003, queexcluiu a obrigatoriedade demanifestação dos ConselhosPenitenciários nos pedidos delivramento condicional. Nãoobstante, a edição anual do decreto

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de indulto natalino e de comutaçãode pena, bem como o aumentogradual da população carcerária,tem assegurado uma constanteremessa de processos penais para ocolegiado.

O Conselho Penitenciário doEstado de São Paulo foi instituídopela Lei Estadual no 2.168-A/26, de24/12/1926, tendo sido promulgadapelo então Presidente do Estado,Carlos de Campos. O aludidodiploma normativo colocava oConselho Penitenciário como órgãovinculado à Secretaria de Justiça eSegurança, na época administradapor seu secretário, Bento Bueno.

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Não obstante a edição da referidalei estadual em 1926, o DecretoEstadual no 4.365 somente veio aregulamentá-la em 31/01/1928,tendo sido o ConselhoPenitenciário oficialmente instaladoem 23/05/1928.121 Nesta época, oPresidente do Estado era JúlioPrestes de Albuquerque e oSecretário de Justiça, Salles Júnior.

O Conselho Penitenciário doEstado de São Paulo foi instalado,em um momento inicial, nasdependências da Penitenciária doEstado de São Paulo, tendo alteradoa sua localização por mais duasvezes até vir a se instalar em sua

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sede atual.Em momento posterior, o

Conselho Penitenciário do Estadode São Paulo foi objeto de umanova disciplina normativa, dessavez empreendida pela Lei Estadualno 3.121, de 26/08/1955, promulgadasob o governo de Jânio Quadros,sendo o Secretário de Justiça JoséAdriano Marrey Júnior.Relativamente a esse diplomanormativo, é importante destacarque alguns de seus dispositivosforam vetados, no todo ou emparte, pelo então governador doEstado. Em razão do veto, aAssembleia Legislativa do Estado

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viu-se obrigada a promulgar a Leino 3.165, de 28/09/1955,restabelecendo as disposiçõesalcançadas pelo veto.122

O Conselho Penitenciário doEstado de São Paulo experimentauma nova regulamentação com aedição do Decreto Estadual no

26.272, de 04/12/1986, editado nogoverno de André Franco Montoro,sendo o Secretário da SegurançaPública, igualmente responsávelpela Secretaria da Justiça, EduardoAugusto Muylaert Antunes. Com oadvento desta nova disciplina legal,indubitavelmente mais ampla, oConselho Penitenciário torna-se

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vinculado à Secretaria da Justiça.Na realidade, a vinculação docolegiado à Secretaria de Justiça jáhavia sido sinalizada pelo DecretoEstadual no 3.727, de 28/05/1974,mas acaba consolidada com aqueleprimeiro regulamento.

Outro diploma normativo quemerece destaque no que tange àdisciplina do ConselhoPenitenciário do Estado de SãoPaulo é o Decreto Estadual no

28.532, de 30/06/1988, que trazalgumas modificações naorganização do Conselho,notadamente em relação à suacomposição. Em seguida, a Lei

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Estadual no 9.202, de 08/12/1995,trouxe algumas modificaçõesquanto ao funcionamento e àcomposição do ConselhoPenitenciário, aperfeiçoando adisciplina normativa vigente.123

Relativamente à organização doConselho Penitenciário do Estadode São Paulo, vale destacar que esteórgão esteve originariamentevinculado à Secretaria de Justiça,como demonstrado. Não obstante,o Decreto Estadual no 33.134, de15/03/1991 transferiu o ConselhoPenitenciário do Estado para aSecretaria de Segurança Pública,assim como os demais órgãos

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relacionados com a execução penal.Por sua vez, com a criação daSecretaria de AdministraçãoPenitenciária, por meio da LeiEstadual no 8.209, de 04/01/1993, oConselho Penitenciário passa a seencontrar sob sua vinculação, e nãomais se subordinando à Secretariade Segurança Pública.

Atualmente, o ConselhoPenitenciário do Estado de SãoPaulo encontrase organizado peloDecreto no 26.372, de 04/12/1986 epelo Decreto no 28.532, de30/06/1988. O Regimento Interno doConselho Penitenciário do Estadode São Paulo foi aprovado em

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11/11/1955, havendo previsão deatualização desse regimento.124

A Composição DoConselho PenitenciárioDo Estado De São PauloO art. 12 da Lei estadual no 2.168-A/1926 determinava a criação doConselho Penitenciário do Estadode São Paulo, com sede na Capital.A composição do ConselhoPenitenciário encontrava-seindicada nesse dispositivo, sendointegrado por sete membros, dosquais: um procurador seccional daRepública; um chefe do Ministério

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Público do Estado; três professoresde Direito ou juristas em atividadeforense, nomeados pelo presidentedo Estado; dois professores deMedicina ou clínicos profissionais,nomeados pelo presidente doEstado.

Neste ponto, é interessante traçarum paralelo com a composiçãooriginária do ConselhoPenitenciário determinada noDecreto no 16.665/24, que criou oConselho Penitenciário. Conformeo art. 2o, o Conselho Penitenciárioseria constituído por umprocurador da República; umrepresentante do Ministério

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Público local e por cinco pessoasgradas, de livre nomeação pelopresidente da República no DistritoFederal e no então território doAcre e pelos presidentes ougovernadores nos Estados, devendoser escolhidos, de preferência, trêsmembros entre professores deDireito ou juristas em atividadeforense, e dois entre professores deMedicina ou clínicos profissionais.

Como se nota, o legisladorestadual não se afastou dacomposição determinada pelodecreto federal, atendendo,outrossim, às concepções dacriminologia positivista vigente na

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época, congregando médicos ejuristas em um único órgão.Ademais, o Decreto Estadual no

4.365/1928 determinava quedeveriam assistir às sessõesplenárias do ConselhoPenitenciário o médico-chefe e ochefe da secção penal daPenitenciária do Estado.

A composição do ConselhoPenitenciário do Estado de SãoPaulo na época de sua instalação,em 23/05/1928, era a seguinte:Cândido Nazianzeno NogueiraMotta, como Presidente doConselho e Professor Catedráticode Direito Penal da Faculdade de

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Direito do Largo de São Francisco;José de Alcântara Machado deOliveira; Flamínio Fávero ouHarmínio Fávero; Antônio CarlosPacheco e Silva; Francisco Glicériode Freitas; Fernando Maximiliano.Embora o legislador estadual tenhaconsignado a obrigatoriedade desete membros para a composiçãodo colegiado, nota-se que a suacomposição originária contava comsomente seis membros.125

O decreto estadual aindaestabelecia a gratuidade da funçãode conselheiro, sendo consideradao exercício de uma função públicarelevante. A gratuidade da função

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de membro do ConselhoPenitenciário assegurava aparticipação, neste órgão, deprofissionais comprometidos com oimportante desempenho social docolegiado e com a investigação dosproblemas do sistemapenitenciário.

Posteriormente, a Lei Estadual no

3.121/1955, responsável por umanova organização do ConselhoPenitenciário Estadual, editada sobo governo de Jânio Quadros,manteve a composição origináriado colegiado em sete membros,mas trouxe a previsão inédita detrês membros suplentes,

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obedecendo a seguintedistribuição: um procurador daRepública; um membro doMinistério Público do Estado,designado pelo procurador geral daJustiça (antes: chefe do MinistérioPúblico local); três diplomados emMedicina, professores, clínicos oumilitares. A novidade da leiestadual consistia na indicação detrês membros suplentes, queseriam dois juristas e um médico,“todos eles servindoindistintamente em relação àsprofissões dos efetivossubstituídos”.126

Como se pode notar, o legislador

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estadual cometeu alguns equívocosna redação do diploma normativo,tendo em vista que, provavelmente,ao abordar os três diplomados emMedicina, professores, clínicos oumilitares, o legislador queria termencionado “três diplomados emDireito, juristas, professores oumilitantes da área”. Um outroequívoco consiste na omissão emreferir-se aos outros dois membrosdo Conselho, que seriam osdiplomados em Medicina, osprofessores ou os clínicosprofissionais.127

O art. 6o da Lei Estadual no

3.121/55 determinava a instituição

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de membros informantes, queparticipariam das sessões plenáriasdo Conselho Penitenciário, massem o direito a voto, sendo eles: odiretor geral do entãoDepartamento de Presídios; odiretor do Instituto de BiotipologiaCriminal; o diretor penal daPenitenciária; o dire-tor da Casa deDetenção de São Paulo; o chefe daSeção Administrativa do Conselho.

Não obstante, é de recordar que oart. 6o da Lei Estadual no 3.121/1955,ora comentado, foi objeto de vetointegral por parte do governador doEstado. Não obstante, a AssembleiaLegislativa do Estado decretou a Lei

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Estadual no 3.165, em 28/09/1955,promulgada por seu Presidente, oDeputado André Franco Montoro,derrubando o veto do PoderExecutivo. Assim, a previsão dosmembros suplentes estavarestabelecida, tendo o legisladorestipulado a estes a metade dagratificação atribuída aosconselheiros por sessão a quecomparecessem.128

Ainda no tocante aos membrossuplentes do ConselhoPenitenciário, a Lei Estadual no

6.054/1961, com a redaçãodeterminada pela Lei Estadual no

6.059, de 17/04/1961, editadas sob o

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governo de Carvalho Pinto,estabeleceu nova composição parao colegiado, ampliando a previsãodos membros informantes. Assim,os membros informantes passariama ser: o diretor geral doDepartamento dos InstitutosPenais do Estado (DIPE); o diretorda Divisão Judiciária; o diretor doInstituto de Biotipologia deCriminal; o diretor penal daPenitenciária do Estado; o diretorda Casa de Detenção; o fiscal dosLiberados Condicionais; o chefe daSeção Administrativa do Conselho.Anota-se que permaneciam osmembros informantes sem direito a

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voto, não obstante fizessem jus àmetade da gratificação atribuídaaos conselheiros efetivos.129

Em sua segunda reformulaçãolegislativa desde a sua criação, oConselho Penitenciário do Estadode São Paulo foi alçado a órgãoconsultivo e fiscalizador daexecução penal, tendo sidoampliada, de modo significativo, asua composição. Com efeito, oDecreto Estadual no 26.272, de04/12/1986, estabeleceu o númerode 20 membros efetivos paraConselho Penitenciário,obedecendo a seguinte previsão:seis médicos psiquiatras, de livre

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escolha do governador; quatroprocuradores de Justiça, indicadospelo procurador geral de Justiça doEstado; dois procuradores daRepública, indicados peloprocurador geral da República;quatro advogados, indicados pelaOrdem dos Advogados do Brasil –seção de São Paulo, sendo doisdeles representantes dacomunidade; dois procuradores doEstado, da Procuradoria deAssistência Judiciária, indicadospelo procurador geral do Estado;dois psicólogos, de livre escolha dogovernador. O mandato dosconselheiros era de quatro anos,

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sendo permitida uma recondução.Os membros efetivos, designadospelo governador do Estado,deveriam contar com experiênciade, pelo menos, dez anos na área doDireito Penal, Direito ProcessualPenal, Penitenciário e Ciênciasafins.130

Relativamente aos membrosinformantes, cuja previsão legalpermanecia no ordenamento pátrio,eram os dirigentes de órgãosenvolvidos com a execução penal, asaber: da coordenadoria dosestabelecimentos penitenciários doestado (Coespe); dosestabelecimentos penais do Estado,

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tanto da capital como do interior;do Instituto de Medicina Social e deCriminologia de São Paulo (Imesc);da Fundação Estadual de Amparoao Trabalhador Preso (Funap); daSecretaria de Segurança Pública,representada por um delegado depolícia.131

Nessa esteira, com o advento doDecreto Estadual no 28.532/1988, acomposição do ConselhoPenitenciário paulista é,novamente, objeto de alteração.Com o novo regramento, ocolegiado é ampliado com ainstituição de dez conselheirossuplentes, designados pelo

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governador do Estado e em atençãoàs suas respectivas áreas deatuação. Os conselheiros suplenteseram indicados em simetria com osconselheiros efetivos, a saber: trêsmédicos psiquiatras; doisprocuradores de Justiça; umprocurador da República; doisadvogados; um procurador doEstado; um psicólogo. Ademais, omandato dos conselheiros, efetivose suplentes, era de quatro anos,sendo permitida a recondução.132

Por fim, resta consignar a ediçãoda Lei Estadual no 9.202, de08/12/1995, que autorizou oPresidente do Conselho

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Penitenciário a designar até quatroservidores como membrosinformantes, sem direito a voto,com a função de atuar junto àssessões de turmas, câmaras eplenário, acompanhando ojulgamento dos pedidos deconcessão de benefícios,informando e prestando assessoriaaos conselheiros, sem prejuízo dasatribuições normais de seuscargos.133

B Composição DoConselho PenitenciárioDo Estado De São Paulo

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AtualComo mencionado, o ConselhoPenitenciário do Estado de SãoPaulo é composto por trintamembros, sendo vinte membrostitulares e dez membros suplentes.Os membros suplentes participamdas sessões do colegiado como sefossem membros titulares, haja avista a grande remessa de pedidosde benefícios para apreciação doConselho.134

No momento de conclusão destapesquisa, em maio de 2008, acomposição do ConselhoPenitenciário de São Paulo era aseguinte:

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– Umberto Luiz Borges D’Urso(advogado, Presidente do ConselhoPenitenciário do Estado de SãoPaulo); Sérgio Paulo Rigonatti(psiquiatra, Vice-Presidente);Advogados: Adriana de MeloNunes Martorelli; FranciscoBustamante; Matheus GuimarãesCury; Valmir Alves Siqueira; VitorMonacelli Fachinetti Júnior;Defensores Públicos: Carmem Silvade Moraes Barros; Geraldo SanchesCarvalho; Gustavo Octaviano DinizJunqueira; Membros do MinistérioPúblico do Estado de São Paulo:Fernando Sérgio Barone Nucci;João Estevam da Silva; Luiz

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Antônio Cardoso; Pedro FalabellaTavares de Lima; Ruy Pires GalvãoFilho; Valderez Deusdedit Abbud;Membros do Ministério PúblicoFederal: Ryanna Pala Veras; SérgioGardenghi Suiama; Psiquiatras:Breno Montanari Ramos; DaniloAntônio Baltieri; Emílio José deAugustinis; Luiz Carlos Aiex Alves;Mauro Gomes Aranha de Lima;Priscila Teresa Peranovich Rocco;Psicólogos: Arlindo da SilvaLourenço; Fernanda Lou SansMagano; Maria Nilsa Alves Pereira.

C Atribuições DoConselho Penitenciário

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Do Estado De São PauloNo que concerne às atribuições doConselho Penitenciário do Estadode São Paulo, a Lei Estadual no

2.168-A/1926 determinava queincumbia ao colegiado “propor einformar sobra a concessão delivramento condicional, nos termose condições fixados no referidoDecreto 16.665, de 06 de novembrode 1924”.

Ademais, a Lei de Execução Penal(Lei no 7.210, de 11/07/1984) traz asatribuições dos ConselhosPenitenciários em diversosdispositivos, os quais já foramobjeto de análise em outro

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momento. Destaca-se, ainda, apossibilidade de os ConselhosPenitenciários elaborarem o seuRegimento Interno, contendonormas supletivas que especificamas atribuições previstas em normasgerais ou complementam-nas comatribuições acessórias, visando auma melhor adequação do órgão àspeculiaridades locais.135

D Presidentes DoConselho PenitenciárioDe São PauloAo longo de seus 80 anos deexistência, inúmeros profissionais

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da área jurídica e da área médicaexerceram a função de conselheiros.Destacam-se, no entanto, comopresidentes do órgão:

Professor Cândido NazanzianoNogueira Motta: (23/05/1928 a1942);

Professor Flamínio Fávero:(30/03/1942 a 20/03/1973);

Professor André Teixeira Lima:(27/03/1973 a 17/11/1987);

Professor Eubis do Amaral:(17/11/1987 a 11/05/1988);

Dr. José Sylvio Fonseca Tavares:(11/05/1988 a 29/02/1996);

Professor: Tarcizo Leonce PinheiroCintra: (18/03/1996 a 31/12/1996)

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Dra. Maria Elizabeth Schreppel:(1o/01/1997 a 1998);

Dr. José Parada Neto: (biênio1999/2000);

Dr. Emílio José de Augustinis:(biênio 2001/2002);

Dr. Umberto Luiz Borges D’Urso:(biênios 2003/2004; 2005/2006;2007/2008).

E Atuação Do ConselhoPenitenciário Do EstadoDe São PauloO Conselho Penitenciário do Estadode São Paulo tem se demonstradoatuante, o que se percebe a partir

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da análise dos documentosrecolhidos em visita ao aludidoórgão. Ademais, o ConselhoPenitenciário estadual tem sepreocupado em levar as discussõesrelativas à execução penal para asuniversidades, promovendopalestras e visitas monitoradas aoConselho Penitenciário. Osestudantes interessados podemassistir às sessões plenárias doConselho e acompanhar odesempenho dos conselheiros nasanálises de processos.

Pode-se notar, também, umacolaboração entre os ConselhosPenitenciários e os Conselhos da

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Comunidade, sendo que estesremetem, constantemente,relatórios das atividadesdesenvolvidas em suas comarcaspara o Conselho PenitenciárioEstadual.

No tocante aos pareceres dosconselheiros, o que se nota é que,em razão do volume de processosque são remetidos aos conselheirossemanalmente, as manifestaçõessão fundamentadas e sucintas,muitas vezes atendendo aosrequisitos objetivos do decreto deindulto, por exemplo, ou aosrequisitos exigidos pela Lei. Emgeral, a manifestação é objetiva,

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concentrando-se os conselheiros noexame da adequação do perfilobjetivo e subjetivo do apenado aospreceitos legais. O bomcomportamento carcerário éatestado com base no BI (boletiminformativo) expedido pelaadministração do presídio.

É interessante notar o teor dasmanifestações dos conselheiros eacompanhar a sua evolução aolongo dos 84 anos de existência dosConselhos Penitenciários. Comefeito, as primeiras manifestaçõesdos conselheiros encontravam-seimbuídas pelas teo riascriminológicas vigentes à época,

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notadamente influenciadas pelopensamento da Escola Positivista.Assim, a análise da conveniência dedeterminado benefício, procedidapelos conselheiros, remontava a umestudo não somente jurídico, mastambém médico e psicológico doapenado, que exercia umapreponderância marcante.

Neste sentido, apenas por uminteresse histórico, é relevantedestacar o parecer no 1 do ConselhoPenitenciário de São Paulo, cujorelator foi o Professor CândidoMotta. O caso levado à apreciaçãodo Conselho Penitenciário consistiaem um pedido de livramento

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condicional, nos termos do Decretono 16.665, de 1924, e do DecretoEstadual no 4.365, de 1928. Orequerente havia sido condenadopela prática da conduta tipificadacomo homicídio doloso, tendocumprido pena por 22 anos. Apósuma extensa recapitulação dosserviços prestados pelo condenadoao País, em razão do seu exercícioprofissional como sargento daForça Pública, os conselheirosdestacaram aspectos de suaconvivência interna noestabelecimento penal e dosmotivos que o levaram a cometer aconduta típica. Ao final, julgaram o

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indivíduo merecedor do livramentocondicional, opinando pelaconcessão do instituto. O parecerfoi proferido no dia 2/05/1928,estando presente à sessão osseguintes conselheiros: CandidoMotta; Alcântara Machado;Flamínio Fávero; A. C. Pacheco eSilva; Fernando Maximiliano e F.Glycério de Freitas.

4.13 ReferênciasBibliográficas

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Conselho Nacional de PolíticaCriminal e Penitenciária.2000;1(14):94–95 jul.-dez.

*Mestranda em Direito Processual Penal(USP). Pós-graduação lato sensu emDireito Penal Econômico e Europeu peloInstituto de Direito Penal Econômico eEuropeu da Faculdade de Direito daUniversidade de Coimbra em parceriacom o Instituto Brasileiro de CiênciasCriminais. Advogada.1Cf. Mañas, Carlos Vico et. al. Processo eprocedimento na execução penal. p. 55.2Idem, ibidem.33 Bitencourt, Cezar Roberto. Falência dapena de prisão: causas e alternativas. p. 14.4Idem, p. 23–24.

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5Como destacam Sérgio Salomão Shecairae Alceu Corrêa Júnior: “No entanto, seriaingenuidade acreditar que a pena deprisão surgiu apenas como uma forma desubstituir a pena capital. Na verdade, odesenvolvimento do capitalismo comoregime econômico contribui bastante paraa implantação da prisão, à medida queforam criadas, inicialmente na Inglaterrado século XVI e posteriormente de formamais desenvolvida entre os holandeses, ascasas de trabalho, que pretendiamaproveitar a mão de obra gratuita e aindamanter o controle sobre ela” (Teoria dapena. p. 34).2Cf. Bitencourt, Cezar Roberto. Falência dapena de prisão: causas e alternativas. p. 37.7Com efeito, a instituição dos primeirosestabelecimentos prisionais na Inglaterrae na Holanda cumpria exigências

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relacionadas com o desenvolvimento daeconomia capitalista, que se verificava apartir do século XVII na Europa. Nesseponto, é interessante a observação deCezar Roberto Bitencourt: “Os modelospunitivos não se diversificam por umpropósito idealista ou pelo afã demelhorar as condições da prisão, mas como fim de evitar que se desperdice a mão deobra e ao mesmo tempo para podercontrolá-la, regulando a sua utilização deacordo com as necessidades de valoraçãodo capital”. Logicamente, a relação que seapresenta entre a segregação concebidapela pena privativa de liberdade e adisciplina do mercado de trabalhoorientado por uma concepção capitalistacolabora para a explicação da revisão emtorno do caráter da prisão. No entanto,“não se deve aplicar uma perspectivaunilateral ao buscar encontrar uma

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explicação para a origem e função daprisão. É necessário levar em consideraçãooutros tipos de motivações que, emborapossam ser irracionais, tambémcontribuem, em maior ou menor grau,para explicar as causas que levam aosurgimento de uma resposta penalógicacomo a prisão, que ainda se mantémvigente, apesar de encontrar-se em crise”(Idem, p. 29–32).8Cf. Bitencourt, Cezar Roberto. Falência dapena de prisão: causas e alternativas. p. 16.9Cf. Mañas, Carlos Vico et al. Processo eprocedimento na execução penal. p. 56.10John Howard apresenta umapreocupação constante com as condiçõesdeletérias em que se en contravam asprisões na Inglaterra. Para Howard, omodelo penitenciário de Rasphius e

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Spinhius, desenvolvido em Amsterdã,representava o exemplo a ser seguido,ressaltando a “organização da prisão,onde havia enfermarias, alimentaçãoadequada, higiene, separação entrehomens e mulheres, trabalho e disciplinarígida que possibilitavam a reforma dospresos” (Cf. Mañas, Carlos Vico et al.Processo e procedimento na execuçãopenal. In: Franco, Alberto Silva; Stoco, Rui(Coord.). Código de Processo Penal e suainterpretação jurisprudencial. p. 56. Nestesentido, Bitencourt, Cezar Roberto.Falência da pena de prisão: causas ealternativas. p. 44–45.11Interessante notar que a conveniência dafiscalização da administraçãopenitenciária por autoridades estatais foiapontada, pela primeira vez, por Howard,que soube bem delinear “a importância do

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controle jurisdicional sobre os poderesoutorgados ao carcereiro”. Segundorelatos em sua obra, “a administração deuma prisão é coisa muito importante paraabandoná-la completamente aos cuidadosde um carcereiro. Em cada condado, emcada cidade, é preciso que um inspetoreleito por eles ou nomeado peloParlamento cuide da ordem das prisões”(Cf. Bitencourt, Cezar Roberto. Falência dapena de prisão: causas e alternativas. p. 48.12Cf. Rodrigues, Anabela Miranda. Novoolhar sobre a questão penitenciária. p. 130.13Idem, ibidem.14Cf. Grinover, Ada Pellegrini et. al. Aexigência de jurisdicionalização daexecução. p. 4.15Cf. Mirabete, Julio Fabbrini. Execuçãopenal. p. 20.

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16Cf. Mañas, Carlos Vico et al. Processo eprocedimento na execução penal. p. 31.17Cf. Mirabete, Julio Fabbrini. Execuçãopenal. p. 31.18Cf. Castilho, Ela Wiecko V. de. Controle dalegalidade na execução penal. p. 42.19Cf. Mirabete, Julio Fabbrini. Op. cit., p.31.20Como destaca Alexandre Wunderlich, aLei de Execução Penal representou “averdadeira evolução da retrógradaadministrativização para ajurisdicionalização”, o que constou dediversos itens da Exposição de Motivos daLei de Execução Penal, podendo-seapontar: “Item 10: vencida a crençahistórica de que o direito regulador daexecução penal é de índolepredominantemente administrativa, deve-

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se reconhecer, em nome de sua própriaautonomia, a impossibilidade de suainteira submissão aos domínios do DireitoPenal e do Direito Processual Penal. Item15: À autonomia do Direito da ExecuçãoPenal corresponde o exercício de umajurisdição especializada, razão pela qual,no art. 2o, se estabelece que “a jurisdiçãopenal dos juízes ou tribunais da justiçaordinária, em todo território nacional, seráexercida, no processo de execução, naconformidade desta lei e do Código deProcesso Penal”. O autor apresenta outrospontos da Exposição de Motivos da Lei deExecução Penal que justificam a eleição docaráter jurisdicional da execução penalpelo legislador brasileiro. Entre essespontos, situam-se o item 90 e o item 91,que abordam a questão da separação dasfunções do Estado; o item 93, que trata daespecialização do juízo da execução penal;

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o item 171, que destaca as distinções entrea execução civil e a execução penal: aquelaquase sempre atenta aos limites dasentença, “visto que se movimentarigorosamente pelos caminhos traçadospela lei”, ao passo que a execução penalencontra-se mais propícia a excessos edesvios, justificando o controlejurisdicional (Apresentação do parecersobre proposta de projeto para“administracionalizar os benefícios daexecução penal”, do movimento antiterror.Revista Brasileira de Ciências Criminais, p.350, nt 2).21Cf. Castilho, Ela Wiecko V. de. Controle dalegalidade na execução penal. p. 68.22Cf. Grinover, Ada Pellegrini et al. Aexigência de jurisdicionalização daexecução. p. 8.

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23Cf. Castilho, Ela Wiecko V. de. Controle dalegalidade na execução penal. p. 68–69.24“Indiscutivelmente, a Lei de ExecuçãoPenal (Lei no 7.210/84) foi um grito dealforria para os presos brasileiros, namedida em que foi o marco final de umperíodo de tratamento da execução penalcom índole predominantementeadministrativa” (Wunderlich, Alexandre.Apresentação do parecer sobre propostade projeto para “administracionalizar osbenefícios da execução penal”, domovimento antiterror. p. 349.25“A verdade é que a Lei de Execução Penaltrouxe um novo sistema de execução depenas, reorganizado sistematicamente apartir (e principalmente) da tutelajurisdicional. O juiz, enquanto executor dadecisão condenatória, tornou-se o garanteda legalidade, não podendo ser eliminado

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em hipótese alguma, sob pena desupressão da jurisdição. Em resumo: o juizfunciona como base fundamental dosistema processual de garantias em sedede execução penal. Não restam dúvidas deque a comissão redatora do anteprojeto delei que deu origem à Lei de Execução Penaltrabalhou com independência e visourestringir a atividade da administraçãopública, proporcionando ao apenado aapreciação de seus direitos pelo juiz.Normatizada, pois, a jurisdicionalizaçãoda execução da pena”. Idem, p. 349–350.26Conforme o item 88 da Exposição deMotivos da Lei no 7.210, de 11/07/1984:Item 88: As atribuições pertinentes a cadaum de tais órgãos foram estabelecidas deforma a evitar conflitos, realçando-se, aocontrário, a possibilidade de atuaçãoconjunta, destinada a superar os

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inconvenientes graves, resultantes doantigo e generalizado conceito de que aexecução das penas e medidas desegurança é assunto de naturezaeminentemente administrativa (Brasil,1984)27Nesse ponto, os seguintes incidentesprocessuais podem ser citados, comoexemplos: sursis (art. 158 da Lei no 7.210,de 11/07/1984); livramento condicional(arts. 131 a 146 da Lei no 7.210, de11/07/1984); indulto (arts. 188 a 193 da Leino 7.210, de 11/07/1984).28Cf. Prado, Fabiana Lemes Zamalloa do.Execução penal e garantismo: asalterações introduzidas na Lei deExecuções Penais sobre o examecriminológico. p. 6–8; Araújo, CláudioTheotonio Leotta; Menezes, MarcoAntônio. Em defesa do exame

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criminológico. p. 3.29Cf. Mirabete, Julio Fabbrini. Execuçãopenal. p. 233.30Cf. Faria, Thaís Dumêt. A festa dascadernetas: o Conselho Penitenciário daBahia e as teorias criminológicasbrasileiras no início do século XX. 2007. p.91.31O instituto do livramento condicionalencontra seus primeiros delineamentos naFrança, em 1832, sendo direcionado aosmenores detentos na prisão de PetiteRoquette, em Paris, estendendo-se, emmomento posterior, aos delinquentesadultos (Cf. Shecaira, Sérgio Salomão;Corrêa Júnior, Alceu. Teoria da pena. p. 348–349; Prado, Luiz Regis. Curso de direitopenal brasileiro. p. 566–567; Queiroz, RafaelMafei Rabelo. Sursis e livramento condicional

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– 1924–1940: a modernização do direitopenal brasileiro. 2005. p. 181–185). Nãoobstante a sua origem francesa, oreconhecimento definitivo do livramentocondicional e a sua consolidação comoinstituto da execução penal decorre de suaimplantação no sistema progressivoadotado na Inglaterra e na Irlanda, em1857 (Prado, Luiz Regis. Curso de direitopenal brasileiro. p. 566–567). Em seguida, oinstituto em tela acabou inserido nossistemas normativos dos demais paíseseuropeus e americanos, notadamente, emvirtude da recomendação de sua adoçãopelo Congresso de Estocolmo em 1871 (Cf.Shecaira, Sérgio Salomão; Corrêa Júnior,Alceu. Teoria da pena. p. 348–349).32O Código Penal de 1890 regulamentava oinstituto do livramento condicional nosseguintes termos: “Art. 50. O condennado

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à prisão celular por tempo excedente aseus annos e que houver cumprido metadeda pena, mostrando bom comportamento,poderá se transferido para algumapenitenciária agrícola, afim de ahicumprir o restante da pena […]. § 2o. Siperseverar no bom comportamento, demodo a fazer presumir a emenda, poderáobter o livramento condicional, comtantoque o restante da pena a cumprir nãoexceda de dois annos. Art. 51. Olivramento condicional será concedido poracto do Poder Federal, ou dos Estados,conforme a competência respectiva,mediante proposta do chefe doestabelecimento penitenciário, o qualjustificará a conveniência da concessãoem minucioso relatório. Parágrafo único.O condenado que obtiver livramentocondicional será obrigado a residir nolugar que for designado no acto da

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concessao e ficará sujeito à vigilância daPolicia. Art. 52. O livramento condicionalserá revogado, se o condenado cometeralgum crime que importe pena restrictivada liberdade ou não satisfizer a condiçãoimposta. Em tal caso, o tempo decorridodurante o livramento não se computará napena legal; decorrido, porém, todo otempo, sem que o livramento sejarevogado, a pena ficará cumprida” (Prado,Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro.p. 567–568, nt. 5).33Cf. Almeida, Cândido Mendes de.Discurso do Professor Cândido Mendes deAlmeida na reunião de 01 de dezembro de1934 do Conselho Penitenciário do DistritoFederal, em comemoração aos 10 anos deinstalação do Conselho Penitenciário noBrasil. p. 11.34Nesse sentido, a primeira tentativa em

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ver regulamentado o instituto dolivramento condicional decorreu dainiciativa do Professor Cândido Mendes deAlmeida, em 1921. O ilustre juristaapresentou uma proposta de emenda à leiorçamentária de 1922, autorizando ogoverno federal a realizar várias reformasno campo da execução penal, inclusive aregulamentar o instituto do livramentocondicional. A emenda à lei orçamentáriarestou acolhida pelo Senador do Estado deAlagoas, Mendonça Martins, tendo sido aautorização incluída no projeto de leiorçamentária para o ano de 1922. Nãoobstante, o Presidente Epitácio Pessoavetou integralmente o aludido projeto delei orçamentária, restando afetada aregulamentação do instituto dolivramento condicional. A matéria, noentanto, voltaria a ser objeto de destaquepor meio do projeto de lei apresentado

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pelo deputado Júlio Bueno Brandão, o qualrecebeu a “aprovação elogiosa” e célerenas duas casas legislativas, resultando emuma lei de caráter permanente, aocontrário do que seria a autorizaçãocontida na lei orçamentária, que recebeu ono 4.577, de 05/09/1922. O diplomalegislativo em tela, tendo sido referendadopelo Ministro da Justiça, Joaquim FerreiraChaves, autorizava o Poder Executivo, emseu art. 1o, a “rever e reformar osregulamentos das Casas de Detenção,correção, colônias e Escolas Correcionaisou Preventivas, bem como verificar asituação dos presos pelos juízes seccionaisdo Distrito Federal e dos Estados, nosentido de uniformizar e unificar a direçãodos estabelecimentos penais dependentesdo Governo Federal e de tornar efetivo olivramento condicional e o regimepenitenciário legal, modificando-o no que

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for necessário, de acordo com os ideaismodernos, tendentes à regeneração doscriminosos, e os relativos aosincorrigíveis, à criação de penitenciáriasagrícolas, suspensão da condenação(sursis), encurtamento da pena pelo bomcomportamento (lei americana dogoodtime), providenciando a respeito domodo mais conveniente” (Idem, ibidem.Grifo nosso).35Com efeito, como destacam SérgioSalomão Shecaira e Alceu Corrêa Júnior:“[…] por trinta e quatro anos não sepreocuparam os governos republicanosem inserir mecanismos mitigadores dapena privativa de liberdade, eis que desdeo Código Republicano o livramentocondicional já houvera sido previsto. Noentanto, após os movimentos sociaistomarem corpo, com greves anarquistas

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que chegaram a tomar a cidade de SãoPaulo, e com o avanço das organizaçõessindicais e especialmente após a criaçãodo Partido Comunista, em 1922, o governoresolve criar o instituto do sursis e regularo instituto do livramento condicional para,com isso, instrumentalizar os liberadoscontra os movimentos sociais queavançavam. Serviram, pois, de exército dereserva contra grevistas, diminuindo seupoder de barganha nessas reivindicaçõessociais e trabalhistas” (Teoria da pena. p.349, nt. 3).36Rafael Mafei Rabelo Queiroz coloca queas movimentações legislativas em tornodo livramento condicional e do sursisinserem-se no “projeto de modernizaçãoconservadora da elite jurídica penal daépoca”, modernização “porque ambosestavam em sintonia com os novos

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postulados das escolas penaispositivistas, visto como os únicoscientificamente aceitáveis à época”;conservadora “porque, não obstante essapretensa cientificidade, o sistema derespostas penais continuava aparelhadopara agir como instrumento de disciplinasobre os mesmos estratos da populaçãoaos quais historicamente sempre sevoltava” (Queiroz, Rafael Mafei Rabelo.Sursis e livramento condicional – 1924 –1940: a modernização do direito penalbrasileiro. p. 188–189).37Idem, ibidem.38Devidamente apresentados o contextohistórico e o cenário científico queimpulsionaram a regulamentação dolivramento condicional no sistemajurídico brasileiro, é certo que o aludidoinstituto cumpria, igualmente, outros

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propósitos. Com efeito, uma análise dolivramento condicional per-mite entreverque a liberação antecipada doscondenados a penas privativas deliberdade recebia influência dospostulados da Escola Positivista muito emvoga naquela época. Ademais, as medidasem discussão denotavam uma evidentepreocupação com um sistemapenitenciário mais humano e queassegurasse o progressivo retorno dosdelinquentes ocasionais ao convívio social(Cf. Faria, Thaís Dumêt. A festa dascadernetas: o Conselho Penitenciário daBahia e as teorias criminológicasbrasileiras no início do século XX. p. 91).39Discurso do Professor Cândido Mendesde Almeida na reunião de 01 de dezembrode 1934 do Conselho Penitenciário doDistrito Federal, em comemoração aos 10

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anos de instalação do ConselhoPenitenciário no Brasil. In: Rao, Vicente.Primeiro decennio do livramento condicionalno Brasil e do conselho penitenciário doDistricto Federal. p. 13.40De acordo com Armando Costa(Livramento condicional. p. 114): “A criaçãodos Conselhos Penitenciários foi inspiradanas leis de alguns Estados da UniãoAmericana e ainda nas leis uruguayas de 4de abril de 1891 e de 28 de abril de 1896,tem, porém, características próprias. NosEstados Unidos, funcionam em váriosEstados com a denominação de StatePrison Board, determinadas organizações,às quais se devem reformas de latarelevância em matéria penal epenitenciária. No Uruguay, de acordo coma forma política unitária adotada, oConselho Penitenciário tem caráter geral e

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exerce a Superintendência das prisões,nomeando mesmo diretores para presídio,com aprovação do Tribunal Superior deJustiça. Colocados nesses modelos, oDecreto n. 16.665 de 1924 lançou as basesde uma organização original e de altarelevância em matéria penal epenitenciária”. Segundo ArmidaBergamini Miotto, o ConselhoPenitenciário é um órgão técnicooriginalmente brasileiro, não seencontrando semelhante estrutura emordenamentos jurídicos estrangeiros. Comefeito, como prossegue a autora, osTribunais Penitenciários ou os Conselhosde Disciplina Penitenciária existentes emoutros ordenamentos jurídicos “sãoórgãos bem diversos do ConselhoPenitenciário Brasileiro, pois suasatribuições se restringem à disciplinapenitenciária, isto é, ao julgamento de

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faltas disciplinares cometidas por presos erespectiva aplicação de penalidade. O‘Giudice di Sorveglianza’ (isto é, ‘JuizSupervisor’ ou ‘Juiz Inspetor’) italiano,tem funções correspondentes a certasfunções do Conselho Penitenciáriobrasileiro, mas este tem, ademais (…),funções auxiliares do Juiz das ExecuçõesCriminais, no que concerne atosjurisdicionais” (Curso de DireitoPenitenciário. v. 2. São Paulo: Saraiva,1975, p. 756). Neste sentido, Faria, ThaísDumêt. A festa das cadernetas: o ConselhoPenitenciário da Bahia e as teoriascriminológicas brasileiras no início doséculo XX. p. 17.41Cf. Idem, p. 92.42Nesse sentido, a disciplina normativaem tela afastava a ingerência dos diretoresdos estabelecimentos penais na concessão

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do livramento, embora eles estivessemobrigados “a comparecer às sessõesdeliberativas desses Conselhos, quandoconvocados, para informar sobre ossentenciados,sob sua guarda, a respeitodos quais deveriam registrar, em livropróprio, as suas impressões sucessivassobre o procedimento do preso eprincipalmente sobre os índices de suaregeneração”.Como se pode concluir, asistemática inaugurada com o aludidodecreto colaborou para combater asarbitrariedades que imperavam em ummodelo executivo concentrado na óticaadministrativa, evitando “o perigo daproteção injustificada ou das perseguiçõessistemáticas” a detentos (Almeida,Cândido Mendes de. Discurso doProfessor Cândido Mendes de Almeida nareunião de 01 de dezembro de 1934 doConselho Penitenciário do Distrito

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Federal, em comemoração aos 10 anos deinstalação do Conselho Penitenciário noBrasil. In: Rao, Vicente. Primeiro decennio dolivramento condicional no Brasil e do conselhopenitenciário do Districto Federal. p. 13).43Embora a legislação apontasse para ocaráter meramente opinativo dospareceres dos Conselhos Penitenciários,na prática, as suas manifestaçõesrevestiam-se de caráter obrigatório para aautoridade jurisdicional. Como destacaArmando Costa: “a tradição de separaçãocompleta entre as funções executiva ouadministrativa e as judiciárias tenhainfluído no sentido de ser dado àsdeliberações do Conselho caráter apenasopinativo” (Livramento condicional. p. 115–116).44Com efeito, o caráter democrático dasdecisões acerca do livramento condicional

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e do indulto decorre do compartilhamentoda competência para apreciação e paradecisão dos institutos. A participação dosConselhos Penitenciários afastava o riscode arbitrariedades de uma decisãoexclusiva dos diretores dosestabelecimentos prisionais, ao passo quea atribuição dos órgãos jurisdicionaismarcava o início de uma fiscalização ecoordenação judicial da execução dapenas. Nesse sentido, Lineu EscorelBorges: “Cabia, pois, ao ConselhoPenitenciário colaborar com aAdministração da Justiça, no sentido deverificar o preenchimento pelos apenados,das condições para gozo do livramentocondicional, vale dizer, o juiz que fosseencarregado da pena, teria de ouvirpreviamente o Conselho Penitenciárioregional, o qual daria a última palavrasobre a conveniência de se conceder o

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benefício ao apenado. Estava aí tipificadaa principal função do órgão criado peloDecreto no 16.665 de 6.11.1924”(Atribuições do Conselho Penitenciário:passado, presente e futuro. p. 91).45O que é importante notar é que aregulamentação do instituto dolivramento condicional foi um prenúncioda jurisdicionalização da execução penal,ao atribuir ao juiz da execução criminal acompetência para a concessão dolivramento. Não obstante, a vertenteadministrativista ainda se faziapredominante no sistema normativonacional, razão pela qual a previsão dosConselhos Penitenciários adquireimportância singular no processo dedeferimento do instituto.46Nesse sentido, o art. 1o do Decreto no

16.665, de 06/11/1924, determina que: Art.

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1o Poderá ser concedido livramentocondicional a todos os condenados apenas restritivas da liberdade por temponão menor de quatro anos de prisão, dequalquer natureza, desde que severifiquem as condições seguintes: […](Brasil, 1924). Por sua vez, o art. 2o doDecreto no 16.665, de 06/11/1924,prescreve: Art. 2o As condições estatuídasno artigo anterior serão verificadas peloConselho Penitenciário, constituído peloprocurador da República, por umrepresentante do Ministério Público local epor cinco pessoas gradas de livrenomeação do Presidente da República noDistrito Federal e Território do Acre epelos Presidentes ou Governadores nosEstados, onde não houver penitenciáriafederal, escolhidos de preferência trêsmembros dentre professores de direito ou

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juristas em atividade forense, e doisdentre professores de medicina ou clínicosprofissionais (Brasil, 1924).47Cf. Borges, Lineu Escorel. Atribuições doConselho Penitenciário: passado, presentee futuro. p. 92.48Ibidem.49Nesse sentido, o art. 12 do Decreto no

16.665, de 06/11/1924, determinava, demodo expresso, que em caso algumpoderia “o livramento condicional serconcedido por ato de qualquer autoridadeadministrativa, nem sem a préviaaudiência do Conselho Penitenciário,sendo nula de pleno direito e inexequível aconcessão dada com preterição dessaformalidade” (Brasil, 1924), bem como asformalidades do art. 8o e seus parágrafos,que se referiam a aspectos procedimentais

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do pedido de livramento condicional.50O art. 4o do Decreto no 16.665, de06/11/1924, determinava aos diretores dosestabelecimentos penais queapresentassem ao Conselho Penitenciárioum relatório, para os efeitos da concessãodo benefício, que deveria versar sobre: art.4o 1) circunstâncias peculiares à infraçãoda lei penal que possam concorrer para aapreciação da índole do preso; 2) caráterdo liberando, revelado tanto nosantecedentes como na prática delituosa,que oriente sobre a natureza física eantropológica do preso (tendência para ocrime, instintos brutais, influência domeio, costumes, grau de emotividade,etc.); 3) procedimento do sentenciado naprisão, sua docilidade ou rebeldia em facedo regime, aptidão para o trabalho erelações com os companheiros e

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funcionários do estabelecimento; 4)relações afetivas do sentenciado (família,amigos etc.); 5) situação econômica,profissional e intelectual do preso; 6) seusprojetos para depois do livramento,especialmente futuro meio de vida.Parágrafo único. Em caso de iniciativa doConselho Penitenciário, o diretor doestabelecimento deverá igualmenteapresentar o competente relatório, dentrode um mês, e, não o fazendo, o Conselhodeliberará livremente (Brasil, 1924). Osaspectos a serem abordados nos relatóriosda administração dos estabelecimentospenais representavam uma nítidainfluência das vertentes da EscolaPositivista, com as suas pretensões acercada classificação dos criminosos e docaráter de “tratamento”, de que se deveriarevestir a pena privativa de liberdade.Assim, como destaca Thais Dumêt Faria, a

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seleção daqueles condenados quepoderiam retornar ao convívio social demodo antecipado seria precedida de umanecessária investigação a cargo de juristase de doutores, não se mostrando suficienteo entendimento jurídico para a análise decada um dos condenados (A festa dascadernetas: o Conselho Penitenciário daBahia e as teorias criminológicasbrasileiras no início do século XX. p. 94).51Por conseguinte, o ConselhoPenitenciário abriu suas portas para acolaboração entre juristas e profissionaisda área médica, dotados de capacidadetécnica para apreciação de componentessubjetivos, que levavam em conta apersonalidade e a periculosidade docondenado, tais como índole do preso,tendência para o crime, instintos brutais,grau de emotividade, e eram vistos como

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determinantes para “selecionar” aquelesque julgavam aptos a retornar ao convíviosocial.52Discurso do Professor Cândido Mendesde Almeida na reunião de 01 de dezembrode 1934 do Conselho Penitenciário doDistrito Federal, em comemoração aos 10anos de instalação do ConselhoPenitenciário no Brasil. In: Rao, Vicente.Primeiro decennio do livramento condicionalno Brasil e do conselho penitenciário doDistricto Federal. p. 14.53O Conselho Penitenciário no Rio Grandedo Sul: o início do direito penitenciário noEstado. p. 34.54Conforme Joel José Cândido: “[…]Legitimou o Conselho a requererlivramento condicional (art. 172, caput) esob a luz do trinômio ‘admissibilidade–

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conveniência–oportunidade’ lhe incumbiude verificar e opinar nesses pedidos (art.713). Obrigou a autoridade penitenciária aremeter ao Conselho minucioso relatóriosobre a vida carcerária do preso (art. 714);regulou o trâmite, inclusive estabelecendoprazo, do pedido do Conselho e suaremessa, com parecer, à autoridadejudiciária (art. 716). Concedido olivramento condicional, o Código deProcesso Penal atribuiu, ainda, aopresidente do Conselho Penitenciárioparticipar da cerimônia da concessãomaterial do livramento, após lhe serremetida a carta de guia (artigos 722 e723). Legitimou o Conselho a fiscalizar,pleitear alterações nas condições dolivramento condicional, requerer a suarevogação e a extinção da punibilidade,conforme os artigos 725, 730, 731, 732 e733” (O Conselho Penitenciário no Rio

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Grande do Sul: o início do direitopenitenciário no Estado. Justitia, ano 50, v.142, p. 34–35, abr.-jun. 1988).55Como destaca Julio Fabbrini Mirabete:“O número de seus membros, suaconstituição, seu funcionamento, asnormas para a indicação de nomes para anomeação etc. são determinados pela leisupletiva da União (para o Distrito Federale Territórios) a dos Estados-membros. Adiversidade de condições dos Estados,Territórios e Distrito Federal indica anecessidade de que seja conferida às leiscomplementares a regulamentaçãocompleta do órgão, obedecidas as regrasgerais sobre a composição e atribuições,com vista às particularidades regionais etemporárias” (Execução penal. p. 233).56Ibidem.

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57Cf. Miotto, Armida Bergamini. Curso dedireito penitenciário. p. 756–757.58Neste sentido, o art. 4o da Lei no 7.210,de 11/07/1984: Art. 4o O Estado deverárecorrer à cooperação da comunidade nasatividades de execução da pena e damedida de segurança (Brasil, 1984). Oitem 24 da Exposição de Motivos da Lei deExecução Penal, Lei no 7.210, de11/07/1984, dispõe que: item 24 Nenhumprograma destinado a enfrentar osproblemas referentes ao delito, aodelinquente e à pena se completaria sem oindispensável e contínuo apoiocomunitário (Brasil, 1984). Por sua vez, oitem 25 da Exposição de Motivos da Lei deExecução Penal, Lei no 7.210, de11/07/1984, preceitua que: item 25. Muitoalém da passividade ou da ausência dereação quanto às vítimas mortas ou

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traumatizadas, a comunidade participaativamente do procedimento da execução,quer através de um conselho, quer atravésdas pessoas jurídicas ou naturais, queassistem ou fiscalizam não somente asreações penais em meio fechado (penasprivativas de liberdade e medidas desegurança detentiva) como também emmeio livre (pena de multa e penasrestritivas de direito) (Brasil, 1984).59Art. 69, § 2o, da Lei no 7.210, de11/07/1984.60Cf. Cândido, Joel José. ConselhoPenitenciário do Rio Grande do Sul: oinício do direito penitenciário no Estado.p. 40.61Cf. Costa, Luiz Fernando Gaspar;Araújo, Márcio Schusterschitz da Silva.Conselho Penitenciário e Ação Civil

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Pública. p. 446.62Ibidem. Ainda, conforme os autores:“Cabe ao Conselho Penitenciário saber ebuscar saber se o que se passa nosestabelecimentos prisionais é o quedeveria ser pelos termos da LEP”. Daanálise do art. 70 da Lei de Execução Penalconcluem os autores: “Depreende-se que,excetuada a função relativa à suaparticipação no reconhecimento doindulto e da comutação da pena – decaráter individualizado –, as demaisatribuições demandam um atuar doConselho que extrapola os estreitoslimites de uma apreciação individual.Com efeito, não há como negar que ainspeção de estabelecimentos e serviçospenais e a própria supervisão dospatronatos são funções cuja razão de ser éviabilizar que o Conselho Penitenciário

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efetive uma atividade de controleevidentemente coletivo. […]” (Idem, p.446–447).63Nesse sentido, as Regras Mínimas daONU para tratamento dos presos erecomendações pertinentes (1955).64Com efeito, o art. 3o da Lei no 7.210, de11/07/1984, expressamente consigna que:Art. 3o Ao condenado e ao internado serãoassegurados todos os direitos nãoatingidos pela sentença ou pela Lei (Brasil,1984). Em consonância com essedispositivo, a Exposição de Motivos da Leide Execução Penal alerta para: Item 19. Oprincípio da legalidade domina o corpo e oespírito do Projeto, de forma a impedirtodo e qualquer excesso e desvio daexecução que comprometam a dignidade ea humanidade do Direito Penal. Ainda:Item 20. É comum, no cumprimento das

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penas privativas de liberdade, a privaçãoou a limitação de direitos inerentes aopatrimônio jurídico do homem e nãoalcançados pela sentença condenatória.Essa hipertrofia da punição não só violamedida da proporcionalidade, como setransforma em poderoso fator dereincidência, pela formação de focoscriminógenos que propicia (Brasil, 1984).Portanto, é notória a preocupação dolegislador em assegurar a integridade doscondenados e de seu patrimônio jurídiconão alcançado pela condenação penal.Sendo assim, os Conselhos Penitenciários,como órgãos permanentes da execuçãopenal, assumem a responsabilidade dedenunciar todo e qualquer desvio ouexcesso na execução penal, zelando pelocumprimento do compromisso firmadopelo legislador de 1984.

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65Com efeito, os Conselhos Penitenciáriosinicialmente surgiram para possibilitar aaplicação do livramento condicional, comodemonstrado. A emissão de pareceresrelativos ao instituto demandava umaanálise de condições subjetivas e objetivasde cada condenado, o que, sem dúvida,demarcava uma fiscalizaçãoindividualizada da execução penal. Noentanto, como visto, a evolução legislativa,em vez de consagrar os ConselhosPenitenciários como órgãos mais atuantese de presença marcante em todos osmomentos da execução penal, caminhouem sentido inverso, intensificando aatuação do juiz da execução criminal ereduzindo a profícua colaboração que osConselhos Penitenciários poderiamoferecer. Nessa esteira, caberá aosoperadores do Direito e, notadamente, aosconselheiros tornar mais dinâmica a

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atuação dos Conselhos Penitenciários pormeio de suas demais atribuições,notadamente as de caráter fiscalizador daexecução.66Assim, conforme destaca Julio FabbriniMirabete, incumbem ao órgão em tela:emitir parecer sobre livramentocondicional (art. 131); representar para arevogação do livramento condicional (art.143); representar para que sejammodificadas as condições estabelecidas noinstituto (art. 144); emitir parecer sobre asuspensão do curso do livramentocondicional (art. 145); representar para adeclaração da extinção da pena privativade liberdade ao transcorrer o prazo dolivramento condicional sem revogação(art. 146); propor a modificação dascondições da suspensão condicional dapena (art. 158, § 2o); inspecionar o

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cumprimento das condições da suspensãocondicional da pena (art. 158, § 3o);suscitar o incidente de excesso ou desvioda execução (art. 186, inciso II); propor aanistia (art. 187); provocar o indultoindividual (art. 188); e propor oprocedimento judicial correspondente àssituações previstas na Lei de ExecuçõesPenais (art. 195) (Execução penal. p. 235).67Cf. Costa, Luiz Fernando Gaspar;Araújo, Márcio Schusterschitz da Silva.Conselho Penitenciário e Ação CivilPública. p. 447.68Uma leitura das disposições da Lei no

10.792, de 1o/12/2003, permite concluir porum evidente propósito do legislador, nosentido de assegurar um maiordinamismo no curso da execução penal.Ademais, as intenções de suprimirquaisquer obstáculos para a consecução

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de medidas repressivas à criminalidaderestam nítidas. Nesse sentido, aparticipação dos Conselhos Penitenciáriosnos diversos momentos da execução penalnão se coadunava com esse novo modelode gestão do cumprimento das penas edas medidas de segurança, motivo peloqual a sua manifestação quanto aospedidos de livramento condicional acabouexcluída. Nessa esteira, a crítica deFabiana Lemes Zamalloa do Prado: “[…]Uma análise não muito acurada da Lei no

10.792/03 evidencia que ela objetivouatender aos reclamos de um sistemasaturado, consubstanciados nanecessidade de imprimir maior rigor notratamento penal à criminalidadeorganizada e de esvaziar, emcontrapartida, os presídios parapossibilitar o alcance desse objetivo. Aextinção do exame criminológico como

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condição para a obtenção de progressãode regime, livramento condicional eindulto foi o meio eleito para agilizar aliberação de condenados e possibilitar aexequibilidade das medidas de combate àcriminalidade organizada” (Execuçãopenal e garantismo: as alteraçõesintroduzidas na Lei de Execuções Penaissobre o exame criminológico. p. 6–8).69Como destacam Cláudio TheotonioLeotta Araújo e Marco Antônio Menezes,relativamente ao exame criminológico,mas que pode ser estendido àsmanifestações dos ConselhosPenitenciários: “[…] a equipemultidisciplinar elabora os examesatravés de anamneses, que são transcritascomo pareceres favoráveis, ou não, àprogressão de regime e ao livramento.Esses pareceres são enviados aos

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Conselhos Penitenciários Estaduais,órgãos colegiados, formados porrepresentantes da sociedade hauridos nascamadas envolvidas diretamente com amassa carcerária (Ministério Público,procuradores, advogados, etc.), aos quaiscabe opinar livremente sobre os pareceres.Por fim, esse material é enviado aos juízesda execução penal que, com base nele, vãodecidir sobre a progressão e o livramento,estando sua decisão sujeita, ainda, aoduplo grau de jurisdição. Portanto, sãotrês, no mínimo, os órgãos que decidemsobre o livramento e a progressão deregime (dois dos quais são colegiados,sem contar os tribunais de segundainstância), uma forma muito democráticade se decidir sobre o destino decondenados, muitos dos quais perigosos.Quer nos parecer, portanto, que o talcheque em branco não é tão fácil de ser

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descontado” (Em defesa do examecriminológico. p. 3).70Cf. Neves, Letícia Sinatora das. Asfunções dos Conselhos Penitenciários após aConstituição Federal de 1988. p. 48.71Cf. Costa, Luiz Fernando Gaspar;Araújo, Márcio Schusterschitz da Silva.Conselho Penitenciário e Ação CivilPública. p. 447; Mirabete, Julio Fabbrini.Execução penal . p. 234.72Conforme os autores que sustentam osegundo entendimento, a interpretaçãosistemática dos demais dispositivos da Leino 7.210, de 11/07/1984, permite inferir,com clareza, a participação dos ConselhosPenitenciários nos pedidos de livramentocondicional, seja no momento de suasolicitação, seja na fiscalização de seucumprimento. Com efeito, a participação

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dos Conselhos Penitenciários nos pedidosde livramento condicional vem indicadanos seguintes dispositivos da Lei no 7.210,de 11/07/1984: art. 131 (emitir parecer nospedidos de livramento condicional); art.137 (presidir a cerimônia de livramentocondicional); art. 139, parágrafo único (asentidades encarregadas da observaçãocautelar e da proteção dos liberadosdeverão se reportar aos ConselhosPenitenciários); art. 143 (representar pelarevogação do livramento condicional); art.144 (requerer a modificação das condiçõesdo livramento condicional); art. 145(emitir parecer sobre a suspensão dolivramento condicional na hipótese deprática de infração penal pelo liberado);art. 146 (representar pela extinção da penaprivativa de liberdade, quando expirado oprazo do livramento condicional semrevogação).

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73Relativamente a essa questão, a reuniãocomemorativa dos 80 anos da criação dosConselhos Penitenciários no Brasil,realizada pelo Conselho Nacional dePolítica Criminal e Penitenciária, emnovembro de 2004, em Brasília, trouxecomo pauta de discussão a reformaprocedida pelo legislador por meio da Leino 10.792, de 1o/12/2003, em especial asupressão dos pareceres prévios doConselho Penitenciário nos pedidos delivramento condicional. Nesse ponto, eraconsenso que o legislador brasileiro andoumal em retirar esta atribuição dosConselhos Penitenciários, tanto que, emalgumas unidades da federação, tais comonos conselhos do Rio Grande do Norte edo Distrito Federal, os aludidos órgãoscontinuam emitindo suas manifestações eacompanhando os liberados até adeclaração de extinção da pena privativa

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de liberdade (Ata da Reunião do ConselhoNacional de Política Criminal ePenitenciária, realizada em 08 e09/11/2004. Disponível em<http://www.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownload.EZTSvc.asp?DocumentID=%7B0DDDA2C8C193-4735-B8EB-8A8061248B49%7D&ServiceInstUID=%7B4AB01622-7C49-420B-9F76 15A4137F1CCD%7D>.Acesso em: abr. 2008).74Cf. Mirabete, Julio Fabbrini. Execuçãopenal. p. 234; Zippin Filho, Dálio.Atribuições do Conselho Penitenciário nopassado, presente e futuro. p. 94–95.75Nesse sentido, a observação de LineuEscorel Borges relativamente àsatribuições dos Conselhos Penitenciáriostrazidas pela Lei de Execução Penal:“Essas tarefas se enquadram em suasfunções consultivas, fiscalizadoras e

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assistenciais já presentes na legislaçãoanterior à vigência da LEP, e revelam opropósito claro do legislador de nãodispensar a participação dos ConselhosPenitenciários na prática de inúmeros atosda competência do Judiciário no âmbitodas execuções penais. Difícil é, porém,separar nitidamente o que seja funçãoconsultiva, da função fiscalizadora, poisambas se entremeiam. Por exemplo,quando se dá um parecer sobrelivramento condicional, está-se exercendouma função consultiva de auxílio ao Juizdas Execuções a qual entretanto não podeser exercida sem uma rigorosa fiscalizaçãoda situação fática e jurídico-penal dosentenciado” (Atribuições do ConselhoPenitenciário no passado, presente efuturo. p. 100–101).76Cf. Sá, Alvino Augusto de. Prisionização:

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um dilema para o cárcere e um desafiopara a comunida de. p. 117–119;Thompson, Augusto. A questãopenitenciária. p. 19–29.77Cf. Neves, Letícia Sinatora das. Asfunções dos Conselhos Penitenciários após aConstituição Federal de 1988. p. 80.78Mirabete, Julio Fabbrini. Execução penal.p. 23479Cf. art. 79, inciso III, da Lei no 7.210, de11/07/1984.80Cf. Rosa, Antônio José Miguel Feu.Execução penal. p. 200.81Cf. Item 88 da Exposição de Motivos daLei de Execução Penal: Item 88. Asatribuições pertinentes a cada um de taisórgãos foram estabelecidas de forma aevitar conflitos, realçando-se, ao contrário,

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a possibilidade de atuação conjunta,destinada a superar os inconvenientesgraves, resultantes do antigo egeneralizado conceito de que a execuçãodas penas e medidas de segurança éassunto de natureza eminentementeadministrativa (Brasil, 1984).82Cf. Neves, Letícia Sinatora das. Asfunções dos Conselhos Penitenciários após aConstituição Federal de 1988. p. 89.83Idem, p. 90.84Nesta esteira, os itens 24 e 25 daExposição de Motivos da Lei de ExecuçãoPenal aludem à cooperação dacomunidade nos seguintes termos: Item24. Nenhum programa destinado aenfrentar os problemas referentes aodelito, ao delinquente e à pena secompletaria sem o indispensável e

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contínuo apoio comunitário. Item 25.Muito além da passividade ou da ausênciade reação quanto às vítimas mortas outraumatizadas, a comunidade participaativamente do procedimento da execução,quer através de um conselho, quer atravésdas pessoas jurídicas ou naturais queassistem ou fiscalizam não somente asreações penais em meio fechado (penasprivativas de liberdade e medida desegurança detentiva) como também emmeio livre (pena de multa e penasrestritivas de direito) (Brasil, 1984).Também o art. 4o da Lei no 7.210, de11/07/1984: Art. 4o O Estado deverárecorrer à cooperação da comunidade nasatividades de execução da pena e damedida de segurança (Brasil, 1984).85Nesse sentido, destaca Jason Albergaria:“A Lei de Execução Penal em vários artigos

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considerou a comunidade comocorresponsável com o Estado notratamento reeducativo do delinquente,como no controle e prevenção dacriminalidade. Pode-se distinguir esseenfoque da Lei, não somente quanto àsmedidas alternativas à prisão, comorelativamente aos órgãos da execuçãopenal. As medidas alternativas não terãoaplicação sem o respaldo da comunidade.Os órgãos da execução, notadamente os dotratamento em meio livre, contarão com ainsuprimível colaboração da comunidade”(A comunidade em face da Lei deExecução Penal. Revista Jurídica doMinistério Público, p. 41).86Cf. Neves, Letícia Sinatora das. Asfunções dos Conselhos Penitenciários após aConstituição Federal de 1988. p. 70–71.87Cf. item 64 das Regras Mínimas da ONU

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para tratamento dos presos erecomendações pertinentes (1955). Item64. O dever da sociedade não termina coma libertação do recluso. Dever-se-ia, porconseguinte, dispor dos serviços deorganismos governamentais ou privadoscapazes de prestar ao recluso, emliberdade, uma ajuda pós-penitenciáriaeficaz, que procure diminuir os seusprejuízos e lhe permita readaptar-se àcomunidade. Os serviços de organismosoficiais ou não, que ajudam os reclusospostos em liberdade a reintegrarem-se nasociedade, proporcionarão aos liberados,na medida do possível, os documentos epapéis de identidade necessários,alojamento, trabalho, vestuárioconveniente e apropriado para o clima e aestação, assim como os meios necessáriospara que cheguem a seu destino e possamsubsistir durante o período que se segue

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imediatamente à sua libertação.88Como anota Antônio José Miguel FeuRosa: “A assistência aos presos, porcaridade, remonta aos primeiros séculosdo cristianismo. Registram oshistoriadores que no ano 325 DC, quandose reuniu o primeiro Concílio de Niceia, naTurquia, convocado pelo ImperadorConstantino I, foram designadossacerdotes e fiéis para visitarem os presos,atendê-los espiritualmente e levar-lhesroupas e alimentos. A partir de entãoapareceram na Europa, especialmente nascidades mais importantes, inúmerasconfrarias religiosas que se dedicavam àsvisitas periódicas aos presos, a fim deprestar-lhes socorro espiritual e material.[…] O Conselho da Comunidade é umacontinuação lógica, a nível de Estado,desta ideia secular. Pretende promover a

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integração da sociedade com os reclusos,dandolhes uma demonstração que nãoestão esquecidos, abandonados, para dar-lhes força, incentivo, apoio moral ematerial” (Execução penal. p. 203–204).89Cf. Item 24 da Exposição de Motivos daLei no 7.210, de 11/07/1984: Item 24.Nenhum programa destinado a enfrentaros problemas referentes ao delito, aodelinquente e à pena se completaria sem oindispensável e contínuo apoiocomunitário. Por sua vez, o item 25preceitua que: Item 25. Muito além dapassividade ou da ausência de reaçãoquanto às vítimas mortas outraumatizadas, a comunidade participaativamente do procedimento da execução,quer através de um conselho, quer atravésdas pessoas jurídicas ou naturais, queassistem ou fiscalizam não somente as

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reações penais em meio fechado (penasprivativas de liberdade e medidas desegurança detentiva) como também emmeio livre (pena de multa e penasrestritivas de direito) (Brasil, 1984).90A Lei no 6.416, de 25/05/1977, alteroudispositivos do Código Penal (Decreto-leino 2.848, de 07/12/1940), do Código deProcesso Penal (Decreto-lei no 3.689, de03/10/1941) e da Lei das ContravençõesPenais (Decreto-lei no 3.688, de03/10/1941). Por ocasião do advento da lei,o art. 63 do Código Penal, que tratava doinstituto do livramento condicional e, hoje,encontra-se revogado, passava a vigorarcom a seguinte redação: Art. 63. Oliberado fica sob observação cautelar eproteção de serviço social penitenciário,patronato, conselho de comunidade ouentidades similares de que trata o§ 4o do

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art. 698 do Código de Processo Penal(Brasil, 1940). O art. 698, § 4o, do Códigode Processo Penal, ainda em vigor, dispõeque: § 4o A fiscalização do cumprimentodas condições deverá ser regulada, nosEstados, Territórios e Distrito Federal, pornormas supletivas e atribuída a serviçosocial penitenciário, patronato, conselhode comunidade ou entidades similares,inspecionadas pelo ConselhoPenitenciário, pelo Ministério Público ouambos, devendo o juízo da execução nacomarca suprir, por ato, a falta dasnormas supletivas (Brasil, 1941). Por suavez, o art. 725 dispõe que: Art. 725. Aobservação cautelar e proteção realizadaspor serviço social penitenciário, patronato,conselho de comunidade ou entidadessimilares, terá a finalidade de: I – fazerobservar o cumprimento da penaacessória, bem como das condições

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especificadas na sentença concessiva dobenefício; II – proteger o beneficiário,orientando-o na execução de suasobrigações e auxiliando-o na obtenção deatividade labor ativa. Parágrafo único. Asentidades encarregadas de observaçãocautelar e proteção do liberadoapresentarão relatório ao ConselhoPenitenciário, para efeito da representaçãoprevista nos arts. 730 e 731 (Brasil, 1941).91Cf. Garcia, Consuelo da Rosa e.Conselho da Comunidade: apontamentossobre sociedade e execução penal. p. 203–204.92Cf. Garcia, Consuelo da Rosa e. Op. cit.,p. 211.93Cf. Garcia, Consuelo da Rosa e. Op. cit.,p. 208.94Cf. Mirabete, Julio Fabbrini. Execução

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penal . p. 247; Garcia, Consuelo da Rosa e.Op. cit., p. 206–207.95Em sentido contrário, Paulo LúcioNogueira, segundo o qual: “realmente, nãohá necessidade de mais elementos, poisquanto menor o número de participantes,melhor é para o funcionamento doconselho, visto que se necessita é depessoa disposta a trabalhar e não apenasaparecer” (Comentários à Lei de ExecuçãoPenal . p. 93).96Cf. Garcia, Consuelo da Rosa e. Op. cit.,p. 209-210; Nogueira, Paulo Lúcio.Comentários à Lei de Execução Penal . p. 93.97Segundo a Cartilha Conselhos daComunidade: Comissão para aImplementação e Acompanhamento dosConselhos da Comunidade, elaboradapelo Departamento Penitenciário

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Nacional, qualquer pessoa maior de 18(dezoito) anos pode integrar o Conselhoda Comunidade, desde que devidamentenomeada. “Há Conselhos que preveem apossibilidade de pessoas presas, seusfamiliares e egressos(as) virem a compor oconselho. Quanto maior for a participaçãopopular, mais força terá o conselho dacomunidade” (p. 20).98Relativamente à composição do conselhoda comunidade, a opinião predominanteentre os doutrinadores é no sentido de queo legislador indicou a representaçãomínima do conselho da comunidade,sendo de grande utilidade uma maiorrepresentação. Edna Del Pommo deAraújo apenas alerta para a circunstânciade que o conselho é da comunidade,devendo representar a comunidade.Assim, para assegurar a intenção do

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legislador, a autora recomenda que oConselho da Comunidade seja compostopor entidades civis organizadas, não seadmitindo, a princípio, a participação deentidades governamentais (Conselho daComunidade: a participação dacomunidade na execução da pena.Execução penal: estudos e pareceres. Riode Janeiro: Lumen Juris, 1995. Disponívelem:www.http://www.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownloadAcesso em: 4 abr. 2008).99Cf. Neves, Letícia Sinatora das. Asfunções dos Conselhos Penitenciários após aConstituição Federal de 1988. p. 30 e ss.100Cf. Manual de atuação dos Conselhosda Comunidade. Porto Alegre, 2004.Disponível em:<http://www.carceraria.org.br/?system=news&action=read&id=418&eid=68

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Acesso em: 08/05/2008.101Ibidem.102Ibidem.103Cf. Garcia, Consuelo da Rosa e. Op. cit.,p. 209-203-204.104Cf. Thompson, Augusto. A questãopenitenciária. p. 11–15.105Cf. Item 88 da Exposição de Motivos daLei de Execução Penal.106Cf. Garcia, Consuelo da Rosa e. Op. cit.,p. 209–212.107Cf. Araújo, Edna Del Pommo de.Conselho da Comunidade: a participaçãoda comunidade na execução da pena.Execução penal: estudos e pareceres.Disponível em:<www.http://www.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownload

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Acesso em: 04/04/2008.108Cf. Sá, Alvino Augusto de.Prisionização: um dilema para o cárcere eum desafio para a comunida de. p. 118–119.109Cf. Item 88 da Exposição de Motivos daLei de Execução Penal.110Cf. Garcia, Consuelo da Rosa e. Op. cit.,p. 209–212.111Cf. Garcia, Consuelo da Rosa e. Op. cit.,p. 209–213.112Sobre a importância da assistênciareligiosa, Lígia Mori Madeira destaca asimpressões práticas colhidas ao longo desua atuação na Fundação de Apoio aoEgresso do Sistema Penitenciário (Faesp),criada em 1997, em Porto Alegre – RS: “Daanálise sobre a religião, percebemos ser

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bastante significativa para a uma possívelressocialização, uma vez que, mesmoquantitativamente não tenhamosencontrado um alto número deevangélicos e, sendo a maioria doscatólicos, não praticantes, encontramosnessa pesquisa aquilo que Carvalho (apudRodrigues, 2002, p. 72) chama de distinçãoentre espiritualidade e religiosidade.Assim, se poucos egressos são religiosos,considerando-se como praticantes dealguma religião, a maioria deles remete-sea Deus, ao sentimento de redenção, aoarrependimento; todos esses parâmetrosbastante significativos para explicar umrompimento com o mundo do crime,relacionado também com a teoria doestigma de Goffman (1998)”. (A atua çãoda sociedade civil no apoio aos egressosdo sistema penitenciário. p. 298–299).

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113Nesse sentido, destacam-se: Araújo,Edna Del Pommo de. Conselho daComunidade: a participação dacomunidade na execução da pena.Execução penal: estudos e pareceres.Disponível em:<www.http://www.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownloadAcesso em: 04/04/2008; Garcia, Consueloda Rosa e. Conselho da Comunidade:apontamentos sobre sociedade e execuçãopenal. p. 213. Corregedoria-Geral daJustiça, Secretaria da Justiça e daSegurança, Conselho Penitenciário doEstado do Rio Grande do Sul, Manual doConselho da Comunidade, 2004.Disponível em:<http://www.tj.rs.gov.br/institu/correg/acoes/Manual_do_Conselho_da_Comunidade.pdfAcesso em: abr. 2008.114O Conselho Nacional de PolíticaCriminal e Penitenciária apresentou como

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atribuições dos Conselhos daComunidade: “I – visitar, pelo menosmensalmente, os estabelecimentos e osserviços penais existentes na Comarca,Circunscrição Judiciária ou SeçãoJudiciária, propondo à autoridadecompetente a adoção das medidasadequadas, na hipótese de eventuaisirregularidades; II – entrevistar presos; III– apresentar relatórios mensais ao Juízoda Execução e ao Conselho Penitenciário;IV – diligenciar a obtenção de recursosmateriais e humanos para melhorassistência ao preso ou internado, emharmonia com a direção doestabelecimento; V – colaborar com osórgãos encarregados da formulação dapolítica penitenciária e da execução dasatividades inerentes ao sistemapenitenciário; VI – realizar audiências coma participação de técnicos ou especialistas

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e representantes de entidades públicas eprivadas; VII – contribuir para afiscalização do cumprimento dascondições especificadas na sentençaconcessiva do livramento condicional;bem como no caso de suspensãocondicional da execução da pena e fixaçãode regime aberto; VIII – proteger, orientare auxiliar o beneficiário de livramentocondicional; IX – orientar e apoiar oegresso com o fim de reintegrá-lo à vidaem liberdade; X – fomentar a participaçãoda comunidade na execução das penas emedidas alternativas; XI – diligenciar aprestação de assistência material aoegresso, como alimentação e alojamento,se necessária; XII – representar àautoridade competente em caso deconstatação de violação das normasreferentes à execução penal e obstruçãodas atividades do Conselho (art. 5o da

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Resolução no 10, de 08/11/2004)”.115Edna Del Pommo de Araújo destaca apossibilidade de os Conselhos daComunidade atuarem na fiscalização e noacompanhamento das penas alternativas.Com efeito, em face da falência da penaprivativa de liberdade em promover areintegração social dos apenados e diantedos efeitos deletérios do sistema prisionalsobre os encarcerados, as penas restritivasde direito apresentam-se como umaalternativa a ser utilizada. No entanto,como aponta a autora, os magistradosrelutam em aplicálas em face do receio,com fundada razão em muitos casos, deuma impunidade em razão da ausência defiscalização. Assim, os Conselhos daComunidade, como representantes daprópria comunidade interessada em vercumpridas as suas decisões judiciais e em

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ver reparada a ordem jurídica violada como cometimento do delito, poderiam servirà fiscalização do cumprimento das penasrestritivas de direito, notadamente dapena de prestação de serviços àcomunidade (Conselho da Comunidade: aparticipação da comunidade na execuçãoda pena. Execução penal : estudos epareceres. Disponível em:<www.http://www.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownloadAcesso em: 04/04/2008).116Somente pode-se analisar a situaçãoconcreta dos conselhos da comunidadenos Estados brasileiros, investigando sehouve uma orientação no sentido deimplementar e dinamizar a atuação dessesrgãos da execução penal, se for possívelter acesso a dados de anos anteriores.Nesse sentido, o trabalho de Edna DelPommo de Araújo auxilia a construção de

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um panorama acerca do funcionamentodos Conselhos da Comunidade nosdiferentes Estados brasileiros na décadade 1990. Como retrata a autora, que atuoucomo conselheira do ConselhoPenitenciário do Estado do Rio de Janeiro,segundo dados coletados no primeirosemestre de 1991, por meio de ofíciosencaminhados aos ConselhosPenitenciários dos Estados brasileiros,existiam Conselhos da Comunidade nosseguinte Estados: São Paulo, Minas Gerais,Mato Grosso do Sul, Goiás, Amazonas, RioGrande do Sul, Bahia, Piauí, sendo queeste ainda se encontrava em fase deestudo e de implantação. Por ocasião deofícios expedidos pelo ConselhoPenitenciário do Estado do Rio de Janeiro,os Conselhos Penitenciários dos demaisEstados brasileiros encaminharaminformações acerca dos respectivos

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Conselhos da Comunidade, contendorelatórios e cópias dos respectivosregimentos internos, sendo o Conselho daComunidade de Salvador, na Bahia, o maisatuante de todos (Conselho daComunidade: a participação dacomunidade na execução da pena.Execução penal: estudos e pareceres.Disponível em:www.http://www.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownloadAcesso em: 04/04/2008). Segundo os dadoscoletados a partir da reuniãocomemorativa dos 80 anos de existênciados Conselhos Penitenciários no Brasil,realizada pelo Conselho Nacional dePolítica Criminal e Penitenciária em 2004,pode-se concluir que a situação dosConselhos da Comunidade nos Estadosbrasileiros, embora ainda se encontredistante de quadro ideal, experimentouuma sensível melhoria nestes últimos

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anos. Com efeito, como se pode apreenderda ata de deliberação da reuniãomencionada, o Distrito Federal, além dosEstados de Santa Catarina, Paraná, RioGrande do Sul, Paraíba, Pará, MinasGerais, Bahia, Alagoas, São Paulo,Amazonas, Piauí contavam comConselhos da Comunidade, emboraalguns destes não estivessem emfuncionamento. Ata da Reunião doConselho Nacional de Política Criminal ePenitenciária, realizada em 8 e 9/11/2004.Disponível em:<http://www.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownload.EZTSvc.asp?DocumentID=%7B0DDDA2C8-C193-4735-B8EB-8A8061248B49%7D&ServiceInstUID=%7B4AB01622-7C49-420B-9F76-15A4137F1CCD%7D>.Acesso em: abr. 2008.117Item 56.2 das Regras Mínimas da ONU

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para tratamento dos presos erecomendações pertinentes (1955).118Relativamente aos ConselhosPenitenciários de outros Estados,Armando Costa, em sua obra Livramentocondicional, Rio de Janeiro: Jacyntho, 1935,Coleção Jacyntho de direito penalbrasileiro, v. 8, apresenta informaçõesrelevantes sobre o advento dos órgãos emcada Estado e sobre a sua composiçãooriginária. Sem dúvida, essa obra revela-se a fonte da qual foi extraída a maiorparte dos decretos e da composição dosconselhos penitenciários estaduais, aseguir reproduzida. Além desse trabalho,outras fontes foram consultadas,destacando-se alguns estudos sobre osconselhos penitenciários, quais sejam:Revista do Conselho Penitenciário do DistritoFederal, ano I, n. 1, p. 20, jul.-set. 1963;

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Cândido, Joel José. O ConselhoPenitenciário no Rio Grande do Sul: oinício do direito penitenciário no Estado.Justitia, ano 50, v. 142, p. 27-49, abr.-jun.1988; D’Urso, Umberto Luiz Borges.Conselho Penitenciário e suas atribuições.Revista Síntese de Direito Penal e ProcessualPenal , ano IV, n. 22, p. 158-160, out.-nov.2003; Faria, Thaís Dumêt. A festa dascadernetas: o Conselho Penitenciário daBahia e as teorias criminológicasbrasileiras no início do século XX. 2007.Dissertação (Mestrado em Direito) –Faculdade de Direito da Universidade deBrasília, Brasília. Armando Costa ressaltaque “o regime federativo, com aautonomia dos Estados, pareceu impedir aorganização de um Conselho Penitenciáriogeral e com atribuição em todo o País,adotando-se, então, a fórmula deConselhos Penitenciários estaduais e

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locais do Distrito Federal e do Territóriodo Acre” (Livramento condicional. Rio deJaneiro: Jacyntho, 1935. (Coleção Jacynthode Direito Penal Brasileiro, 3.) A seguir,algumas notas sobre os conselhospenitenciários estaduais: ConselhoPenitenciário do Distrito Federal, sediadoem Brasília, foi instalado em 25/10/1963.Presidiu a sessão de instalação o Diretordo Departamento de Administração daSecretaria da Justiça e Negócios Interiores,Sr. Geraldo Mariano Menezes Autran. Opresidente do órgão era o Dr. Áttila Sayolde Sá Peixoto, membro do MinistérioPúblico da Justiça do Distrito Federal.Conselho Penitenciário do Estado do RioGrande do Sul: instituído pelo DecretoEstadual no 3.432, de 16/02/1925, einstalado em 09/05/1925. À época de suainstalação, era composto por:Desembargador Francisco Ribeiro Dantas,

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Presidente; Dr. Ariosto Pinto; Dr. FernandoAntunes, juristas; Dr. Jacinto GodoyGomes, Diretor do manicômio judiciário;Fábio de Barros, Professor da Faculdadede Medicina, médicos; Dr. FernandoMaximiliano Pereira dos Santos,Procurador Seccional da República; Dr.Oliveira de Deus Vieira Filho, 2o PromotorPúblico de Porto Alegre, Secretário; Dr.Plauto D’Azevedo, Administrador da Casade Correção de Porto Alegre. ConselhoPenitenciário do Estado do Rio de Janeiro:instituído pelo Decreto Estadual no 2.104,de 27/02/1925, e instalado em 19/05/1925.À época de sua instalação era compostopor: Dr. João Francisco Barcellos,Presidente. Com o seu falecimento em1928, foi nomeado o Dr. HenriqueCastrioto de Figueiredo Mello, Professorda Faculdade de Direito de Niterói; osdemais membros eram: Abel Magalhães;

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César da Fonseca; Severo Bonfim; José deMoura e Silva; Plínio de Freitas Travassos;Melchias Picanço. Conselho Penitenciáriodo Estado do Paraná: instalado em13/02/1925. À época de sua instalação eracomposto por: Euclydes Bevilaqua,presidente; João Pamphilio D’ Assumpção;Marcelino Nogueira Júnior; João CândidoFerreira; José Guilherme de Loyola; J. TúlioMarcondes da França; Luiz XavierSobrinho; Ascanio Ferreira de Abreu.Conselho Penitenciário do Estado daBahia: instituído pelo Decreto Estadual no

4.136, de 13/11/1925, e instalado em03/12/1925. À época de sua instalação, eracomposto por: Vital Henrique BaptistaSoares, Presidente; Alfredo Gonçalves deAmorim; Carlos Gonçalves FernandesRibeiro; Armando de Campos Pereira eMário Carvalho da Silva Leal. ConselhoPenitenciá rio do Estado do Pará:

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instituído pelo Decreto Estadual no 4.264,de 1o/02/1926. À época de sua instalação,era composto por: Augusto Borborema,Presidente; Samuel Mac Dowell; JoséCarneiro da Gama Malcher; CamiloSalgado e Izidoro de Azevedo Ribeiro.Conselho Penitenciário do Estado deAlagoas: instituído por ato do governoestadual em 06/02/1926 e instalado em11/03/1926. À época de sua instalação, eracomposto por: Demócrito BrandãoGracindo, Presidente, em seguidasubstituído por Carlos Cavalcanti deGusmão; José Quintella Cavalcanti;Hermínio de Paula Castro Barroca; Manoelde Sampaio Marques; Egas Carlos Duarte,em seguida substituído por José Carneirode Albuquerque; Tertuliano de MenezesMitchelli; Hermann Byron de AraújoSoares, em seguida substituído por OsórioCalheiros Gatto. Conselho Penitenciário

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do Estado do Mato Grosso: instituído peloDecreto Estadual no 725, de 09/03/1926.Conselho Penitenciário do Estado doCeará: o aludido órgão entrou emfuncionamento em 1926, muito embora asprimeiras manifestações desse colegiadodatem apenas de 1927. À época de suainstalação, era composto por: FranciscoGomes Parente, presidente; José F. Jorge deSouza; Edgard de Arruda; João OctavioLobo; Gustavo da Frota Braga; FranciscoMattos; Clodoaldo Pinto. ConselhoPenitenciário do Estado de Pernambuco:instituído pelo Ato do governo estadual no

486, de 21/06/1927, e instalado em maio de1928. À época de sua instalação, eracomposto por: Joaquim Ignacio deAlmeida Amazonas, Presidente; EdgardAltino Correia de Araújo; UlyssesPernambucano de Mello; Arthur Tavaresde Moura; Nylo Dornellas Câmara;

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Orlando Anselmo de Aguiar; EvandroMuniz Neto; Adaucto Maia. ConselhoPenitenciário do Território do Acre: oaludido órgão foi instalado em 25/07/1927.À época de sua instalação, era compostopor: Flaviano Flávio Baptista,presidente;Alberto José Leão Martim; JoséLopes de Aguiar; Amanajós de Araújo;Mário Alvarez; Márcio de Oliveira;Marcelo Bastos e Francisco da Silva.Conselho Penitenciário do Estado doAmazonas: o aludido órgão foi instalado ecomeçou a funcionar em 03/10/1927, nãoobstante a primeira manifestação em sedede pedido de livramento condicional tenhase verificado somente em 14/05/1928. Àépoca de sua instalação, era composto porArmando Madeira, Presidente; GilbertoRibeiro de Saboia; Ary Tapajós Cahn;Israel de Almeida; José Francisco deAraújo Lima; Raul Machado e Silva;

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Manoel Carpinteiro Peres Júnior. ConselhoPenitenciário do Estado de Minas Gerais:instituído por meio de decreto estadual em29/01/1927, tendo sido o regulamento doaludido órgão aprovado pelo DecretoEstadual no 7.660, de 28/05/1927. À épocade sua instalação, o seu presidente eraFrancisco Mendes Pimentel, em seguidasubstituído por Washington Pires.Conselho Penitenciário do Estado de SantaCatarina: o aludido órgão foi instalado em25/10/1928. À época de sua instalação, eracomposto por: Antônio Vicente BulcãoVianna, Presidente; José Arthur Boiteux;Carlos Motta Azevedo Corrêa; NereuRamos; Edmundo Accacio Moreira; HeitorBlum; José Accacio Soares Moreira Filho.Conselho Penitenciário do Estado do Piauí:instituído pelo Decreto Estadual no 1003,de 25/10/1928. À época de sua instalação,era composto por: João Ozório P. da Motta,

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Presidente; Mário José Baptista; AntônioAlbuquerque; Leônidas de Castro Mello;Lindolpho do Rego Monteiro; FranciscoPires de Castro; Manoel Castello Branco eMajor Cezar de Oliveira.119Cf. D’Urso, Umberto Luiz Borges.Conselho Penitenciário e suas atribuições.p. 159.120Cf. D’Urso, Umberto Luiz Borges.Conselho Penitenciário e suas atribuições.p. 159.121Como anota Tarcizo Leonce PinheiroCintra, o art. 15 da Lei no 2.168-A/1926dispunha: “O Poder Executivo expediráregulamento para a boa e fácil execuçãoda presente Lei nos termos do n. 2 do art.42 da Constituição Estadual,uniformizando todas as disposiçõesexistentes sobre o Conselho Penitenciário

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e o Patronato, dando-lhes regulamentosinternos, em que serão designadossecretários para cada um dos institutos,servindo no Conselho Penitenciário comoSecretário o Diretor da Penitenciária daCapital e no Conselho de Patronato quemfor designado pelo Presidente do Estado”.(Do Conselho Penitenciário do Estado de SãoPaulo. São Paulo: Acervo do ConselhoPenitenciário do Estado de São Paulo, p. 3,fev. 1997).122Como anota Tarcizo Leonce PinheiroCintra, o Governador do Estado de SãoPaulo vetou a parte final do art. 5o, bemcomo o art. 6o e o art. 8o de modo integral.O art. 5o tratava da gratificação outorgadaaos conselheiros. O art. 6o instituía afigura dos membros informantes noConselho Penitenciário, sem direito a votoe com percepção de metade da

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gratificação reservada aos conselheiros.Por sua vez, o art. 8o tratava da aberturade crédito suplementar para concorrercom as despesas de execução da aludidalei (Do Conselho Penitenciário do Estado deSão Paulo. São Paulo: Acervo do ConselhoPenitenciário do Estado de São Paulo, p. 5-6, fev. 1997).123A Lei Estadual no 9.202/1995 aumentouo limite de sessões mensais remuneradasdo Conselho Penitenciário para vinte eduas. Ademais, o presidente do Conselhopoderia indicar quatro servidores parafuncionarem como membros informantes,sem direito a voto. Os servidoresdesignados, sem prejuízo de suasatribuições, deveriam acompanhar asdeliberações do Conselho e auxiliar odesem penho dos membros efetivos (DoConselho Penitenciário do Estado de São Paulo.

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São Paulo: Acervo do ConselhoPenitenciário do Estado de São Paulo, p. 9-10, fev. 1997).124Conforme Tarcizo Leonce PinheiroCintra, em 2006, foi aprovada uma terceiracomissão para reformular o RegimentoInterno do Conselho Penitenciário (DoConselho Penitenciário do Estado de São Paulo.São Paulo: Acervo do ConselhoPenitenciário do Estado de São Paulo, p. 9-10, fev. 1997).125Estavam ainda presentes na sessão deinstalação do Conselho Penitenciário:Acácio Nogueira, em exercício na diretoriada Penitenciária do Estado, servindo comoSecretário; Leite Bastos, chefe da seção deMedicina e de Criminologia daPenitenciária do Estado; Francisco Fontesde Rezende, chefe da seção penal daPenitenciária; José Aboláfio, escriturário

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da Penitenciária.126Cf. Cintra, Tarcizio Leone Pinheiro. DoConselho Penitenciário do Estado de São Paulo.São Paulo: Acervo do ConselhoPenitenciário do Estado de São Paulo, p. 5,fev. 1997.127Idem, p. 4–5.128Ibidem.129Ibidem.130Idem, p. 6.131Ibidem.132Idem, p. 8.133Idem, p. 10.134Cf. D’Urso, Umberto Luiz Borges.Conselho Penitenciário e suas atribuições.p. 159.

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135Cf. Miotto, Armida Bergamini. Curso dedireito penitenciário. p. 753.

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5

As Apacs(Associações deproteção eassistência aoscondenados) e osCRs (Centros deressocialização):sua história e

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suas ideiasVivian Schorscher*

“The degree of civilization in asociety can be judged by enteringits prisons.”

(Fyodor Dostoyevsky)

SUMÁRIO

5.1 Introdução.

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5.2 Evolução histórica deApacs e CRs.

5.2.1 Formação das Apacs.5.2.2 Formação dos CRs.

5.3 Descrição de Apacs eCRs.

5.3.1 A organização emetodologia das Apacs.

5.3.1.1 A organizaçãodas Apacs.5.3.1.2 A metodologiadas Apacs.

5.3.2 A organização emetodologia dos CRs.

5.3.2.1 A organizaçãodos CRs.5.3.2.2 A metodologia

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dos CRs.5.4 Comparação crítica dosmodelos e das práticas.5.5 Considerações finais.5.6 Referências bibliográficas.

5.1 IntroduçãoEste trabalho objetiva apresentaruma análise e descriçãopormenorizada de dois modelos deprisões de segurança média e baixaque foram implementados no Brasilnas últimas décadas e que, apesarde ainda pouco conhecidos e

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estudados, têm apresentadoresultados únicos no que tange àreinserção social de ofensorescondenados a penas privativas deliberdade. Isso é refletidosobremaneira no baixo índice dereincidência dos sentenciados quecumprem suas penas emAssociações de Proteção eAssistência aos Condenados(doravante denominadas Apacs) ouem Centros de Ressocialização(doravante denominados CRs).

Inicia-se com uma breve evoluçãohistórica de Apacs e CRs, com focona formação da principal unidadede cada um dos modelos, assim

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como na institucionalização que seseguiu, já que ambos surgiram,inicialmente, no vácuo deixado peloEstado na execução penal.

Em seguida, passam-se a estudara estrutura organizacional e ametodologia de trabalho de Apacse CRs, após o que é delineada umacomparação crítica geral entreambos, chegando-se, finalmente, àsconclusões que resultaram desteestudo.

Desde já, destaca-se que, sempreque utilizada a denominação Apac,se estará fazendo referência aomodelo de orientação religiosa,dirigido pela Fraternidade

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Brasileira de Assistência aosCondenados (doravantedenominada FBAC), que prevaleceno Estado de Minas Gerais. Por suavez, o uso da abreviatura CRindicará tratar-se do modeloinstitucionalizado no Estado de SãoPaulo.

5.2 Evoluçãohistórica de Apacs eCRsHistoricamente, as penitenciáriasbrasileiras foram semprecontroladas e administradas pelo

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Estado. Atualmente, estas prisões,via de regra, não só se caracterizampela inimaginável superlotação einsalubridade, que permitem atransmissão de diversas doençasgraves entre os presos de mododescontrolado, mas também pelafalta de profissionais em númerosuficiente para a prestaçãoadequada das assistências previstasna Lei de Execução Penal(doravante denominada LEP).Nesse sentido, podem seridentificados, a princípio, doisgrupos de problemas carcerários:um, decorrente da má gestão dacoisa pública e da falta de vontade

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política, assim como da ausência deinfraestrutura mínima (material ehumana) para a execução da penaprivativa de liberdade dentro dosparâmetros positivados; o outro,advindo da própria natureza dapena privativa de liberdade e seusefeitos sobre o espírito da pessoaque se sujeita a ela.1

Essa crise atinge a todos osEstados e, em São Paulo, éparticularmente grave, visto queeste Estado, segundo estatísticas doDepartamento PenitenciárioNacional, concentra 32,97% dospresos no Brasil, com um númerode pessoas muito superior ao de

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vagas disponíveis (equivalente a32,1% maior do que a capacidadeinstalada). 2Registram-se inúmerasdenúncias de abusos físicos einfrações aos direitos fundamentaisdos presos, sendo possívelencontrar, nas instituiçõespenitenciárias brasileiras, grandenúmero das características típicasdas chamadas “instituições totais”,expressão cunhada por Goffmanpara designar qualquer instituiçãoque abrigue em um local grandenúmero de pessoas em situaçãosemelhante, que estejam apartadasdos demais membros da sociedadepor considerável lapso temporal e

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cujas vidas são formalmenteadministradas, no caso das prisões,pelo Estado. O seu caráter total érefletido tanto nas restrições ainterações com o universo externo àinstituição quanto nas regras deconduta e restrições impostasinternamente.3

Em vista dessas gravesdeficiências e do custo que cadaestabelecimento prisional acarretaao Estado, iniciou-se em algunsEstados brasileiros um movimentode “privatização” deles, no qualdeterminadas prestações e serviçossão realizados por empresasprivadas, contratadas pelo Estado

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por meio de editais e acordosespecíficos, com o objetivo dereduzir o custo de sustento porpreso, a exemplo do que ocorrenotadamente nos Estados Unidosda América e na França.Sucintamente, o que se verificanesses casos é que o Estado semantém responsável pelasegurança, fiscalização dadisciplina e pelo provimento deguardas prisionais, cabendo àempresa privada executar pelomenos parte dos serviços que, nosCRs, por exemplo, são realizadospelas ONGs. No entanto, aocontrário do que se constatou nos

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estabelecimentos prisionaisassumidos pelas ONGs (tanto nocaso de Apacs quanto de CRs), ocusto por preso não caiu com aterceirização, e, em alguns casos, aocontrário, hoje é ainda mais alto.4

Assim, segundo Macaulay,5apenas a lógica do mercado e danecessidade de lucro existente nosetor privado pode explicar o fatode que, enquanto em 2006 um presoem estabelecimento totalmentecontrolado pelo Estado custava emtorno de R$ 1.000,00, em umestabelecimento com terceirizaçõesesse custo variava entre R$ 1.800,00e R$ 2.000,00, ao passo que, no caso

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de parcerias com ONGs, chegava aser reduzido a R$ 600,00.6 Isso podeser explicado em virtude de ONGsreagirem a estímulos nãoeconômicos e se orgulharem emeconomizar e reinvestir todos osexcedentes para o fim social a quese propõem, além de teremliberdade para escolher o prestadorde serviço e fornecedor de produtosque ofereça o melhor custo-benefício, sem as restriçõessentidas pelo Estado, apesar deterem que justificar suacontabilidade rigorosa eperiodicamente.7

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5.2.1 Formação DasApacsEm vista do referido estadocalamitoso das penitenciárias, doaltíssimo nível de reincidência e dajá então sentida falta de capacidadedo sistema prisional parapromover, por meio da execução dapena, não apenas a punição docondenado, mas também a suareintegração na sociedade,possibilitando que, uma vezcumprida a pena, o cidadão retorneà sociedade que anteriormenteagredira, respeitando suas normasde convívio formais e sociais, e comchances de sobreviver dignamente

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em seu seio, um grupo devoluntários passou a visitarregularmente o presídio Humaitá,em São José dos Campos (SP), em1972.

Este grupo, liderado peloadvogado Mário Ottoboni, eformado por cristãos integrantes daPastoral Penitenciária, tinha comoobjetivo declarado “evangelizar edar apoio moral aos presos”.8 Suaspráticas não seguiam nenhummodelo anteriormente empregadoe eram fundamentalmente voltadaspara a resolução do problemaverificado no presídio local, ondefugas, rebeliões e atos de violência

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cometidos tanto pelas polícias epelos agentes penitenciários contraos presos quanto por estes contraas polícias e os agentespenitenciários, ou entre os própriospresos, eram frequentes, havendodiversos relatos de “execuções” depresos e brigas entre facçõesinternas da prisão.

No ano de 1974, a PastoralPenitenciária reconheceu quemuitos dos obstáculos e problemasenfrentados quotidianamente nasua atividade, sobretudo a plenaassistência ao preso, inclusivejurídica, poderiam ser mais bemsuperados mediante a criação de

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uma entidade jurídica: surge assima primeira Apac, sigla queinicialmente representava “Amandoo Próximo, Amarás a Cristo”,9 eapenas posteriormente passou aconstituir a abreviatura de“Associação de Proteção eAssistência aos Condenados”,entidade jurídica sem finslucrativos, em cujo atual estatuto-modelo se lê que ela

[…] se destina a auxiliar asautoridades dos Poderes Judiciárioe Executivo, em todas as tarefasligadas a readaptação dossentenciados e presidiários, sendo,

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também, parceira da Justiça naexecução da pena, exercendo suasatividades especialmente atravésda assistência à: a) família; b)educação; c) saúde; d) bem-estar;e) profissionalização; f)reintegração social; g) pesquisaspsicossociais; h) recreação; e i)espiritual.10

Portanto, pode-se afirmar que seaproxima da função social da pena.

Com a institucionalização daApac, esta passou a se preocuparcom a criação e implementaçãoefetiva de uma metodologiaconcreta a ser seguida no trabalho

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assumido para possibilitar “arecuperação do preso, a proteção dasociedade, o socorro às vítimas e apromoção da Justiça”.11 O seusucesso inicial na realização destesobjetivos, comprovadoessencialmente pelo reduzidíssimoíndice de reincidência, tornou aApac de São José dos Campos (SP)um modelo internacionalmenteconhecido e reconhecido.

Em 1986, a Apac de São José dosCampos filiou-se à organizaçãoconsultiva da ONU para assuntospenitenciários (“Prison FellowshipInternational“), o que gerou ampladivulgação de sua metodologia.

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Segundo informado pela FBAC,foram realizados congressos eseminários internacionais em maisde cem países e, até hoje, háconstantes visitas de delegações erepresentantes de todo o mundo àsApacs brasileiras, sobretudo àApac de Itaúna, consideradareferência nacional e internacionalna recuperação e ressocialização decondenados e modelo da aplicaçãoe eficácia da sua metodologia.

Em 09/07/1995, foi fundada aFBAC, sob a presidência de MárioOttoboni, também em São José dosCampos (SP), com o objetivo decentralizar a supervisão de todas as

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Apacs do Brasil, fiscalizando-as eorientando-as para garantir aunidade metodológica e depropósitos, assim como para proverorientação na aplicação dochamado “Método Apac” noexterior. A FBAC posteriormente foitransferida para Itaúna (MG) e hojeé de reconhecida utilidadepública.12

Após denúncias de corrupção,envolvendo desde a venda de vagasaté a transferência ilegal de presos,tráfico de drogas e concessãoirregular de benefícios, queculminaram no fechamento daApac de São José dos Campos por

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decisão do Conselho deMagistratura de São Paulo,13 aApac, conforme idealizada pelaPastoral Penitenciária, passou a tercomo área de atuação principal oEstado de Minas Gerais, e comounidade central, a Apac de Itaúna(MG). A FBAC foi transferida paraItaúna em 18/07/2004, onde possuisede própria, construída e equipadaa partir de doações. De fato, oEstado de Minas Gerais promulgouuma lei em 2004 permitindoexpressamente a formação deconvênios para a administração deentidades prisionais apenas comApacs filiadas à FBAC.14

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Existem 108 Apacs organizadasjuridicamente no Brasil, e 22 delasfuncionam em sede própria, semenvolvimento das polícias civil emilitar nem de agentespenitenciários, e 44 estão emconstrução. Ademais, o modelo foireproduzido em 18 outros países.15

Segundo o Tribunal de Justiça deMinas Gerais, a Apac atinge até90% da recuperação do condenado,ao passo que o sistemapenitenciário tradicional, gastandotrês vezes mais, apresenta umíndice de apenas 15% dereintegração do egresso,16 o que setraduz nas estatísticas encontradas

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no próprio endereço eletrónico daApac de Itaúna: egressos de Apacscontabilizam um índice dereincidência de 8%, e o custo damanutenção de um interno na Apacé de aproximadamente 1Vi saláriomínimo. Além disso, há baixonúmero de fugas, e muitos dos quefogem retornamespontaneamente,17 bem comoausência de rebeliões e atos deviolência. Isso permitiu que ométodo empregado pela Apacalcançasse ampla repercussão noBrasil e no exterior.18

Uma importante conquista dasApacs foi a substituição do

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Atestado de AntecedentesCriminais, antes fornecido peloEstado, pelo Atestado provido pelaApac, o que facilita a reinserção doegresso na sociedade e, sobretudo,no mercado de trabalho.19

Seu objetivo e filosofia podemser sintetizados da seguintemaneira: visa-se humanizar asprisões sem perda da finalidadepunitiva da pena, evitando areincidência criminosa eoferecendo alternativas derecuperação ao condenado – trata-se de “matar o criminoso e salvar ohomem”.20

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5.2.2 Formação Dos CRsA origem dos CRs, no Estado deSão Paulo, tem suas raízes naobservação do trabalhoinicialmente desenvolvido pelaApac de São José dos Campos. Emvirtude do sucesso dessa iniciativa,um grupo de pessoas de BragançaPaulista criou, em 1978, uma ONGtambém denominada Apac, com osmesmos objetivos. Esse primeiroimpulso, contudo, foi abandonadodiante da indiferença do juiz davara de execução penal local, queinviabilizou a realização do projeto,e de diversas outras dificuldades,típicas do sistema penitenciário

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brasileiro.21

Após mais de uma década, opresidente dessa ONG retomou ostrabalhos, buscando, em primeirolugar, convencer as autoridadesjudiciárias da necessidade de sereformar a penitenciária local, quese encontrava em estadoparticularmente nefasto. Essetrabalho de convencimento levouum juiz, Dr. Nagashi Furukawa, avisitar a penitenciária de São Josédos Campos, onde conheceu aprática da Apac daquela localidade.Isso resultou na formação de umaparceria entre a ONG de BragançaPaulista e o Estado, em 1993. A

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celebração desse acordo com oEstado de São Paulo permitiu que aONG instalasse um escritóriodentro da penitenciária e passasse areceber uma dotação financeira pordetento daquele presídio, voltadapara o custeio de sua alimentação.22

Após a sua aposentadoria,Nagashi Furukawa, que haviaassumido um papel central napromoção do CR de BragançaPaulista, passou a dirigir aSecretaria de AdministraçãoPenitenciária do Estado em 1999 evislumbrou, no exercício dessafunção, a possibilidade deimplantar o modelo criado em

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Bragança Paulistainstitucionalmente em todo oEstado. Assim, inicialmente,alcançou a transferência da CadeiaPública de Bragança Paulista àadministração da Secretaria deAdministração Penitenciária pormeio do Decreto Estadual no 45.174,de 06/09/2000, sendo a suadenominação alterada para “Centrode Ressocialização de BragançaPaulista” (art. 2o) e atribuindo-se-lhe a custódia de sentenciados apenas privativas de liberdade emregime fechado e semiaberto, assimcomo de presos provisórios (art. 3o).Esse Decreto descreve também a

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distribuição de competências.23 AComissão Técnica de Classificaçãofoi designada como responsávelpelo acompanhamento da execuçãodas penas, pela classificação dossentenciados no momento de seuingresso, pela elaboração,acompanhamento e avaliação dosprogramas de individualização daexecução da pena e pela inclusão eacompanhamento dos sentenciadosneles, assim como pela proposiçãode progressões e regressões deregime, entre outras atribuiçõesdentro desse escopo (art. 20).

Posteriormente, NagashiFurukawa logrou a conversão de

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diversas prisões em CRs, bem comoa construção específica deestabelecimentos prisionaisdestinados a esse fim. Assim,alcançou a criação de nove CRsjunto ao Governo do Estado de SãoPaulo, por meio da edição doDecreto estadual no 45.271, de05/10/2000, em relação aos quaisforam mantidas as mesmas regrasprevistas para o CR de BragançaPaulista.24

Em 2003, foi promulgado umnovo Decreto pelo Governo doEstado de São Paulo, no qual aSecretaria de AdministraçãoPenitenciária foi expressamente

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[… ] autorizada a, representandoo Estado, celebrar convênios comentidades privadas, sem finseconómicos, mediantetransferência de recursosfinanceiros, para cooperar naprestação de serviços inerentes àproteção e assistência doscondenados, internados ouegressos.25

O Decreto Estadual no 47.849, de29/05/2003, também fixou umTermo de Convênio Padrão a sercelebrado entre as entidadesprivadas e a Secretaria deAdministração Penitenciária.

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Segundo esse decreto, Estado eentidade privada devem cooperarna prestação das assistências,previstas na LEP, aos presos doestabelecimento prisional, emrelação ao qual é firmado oconvênio, na forma do art. 11 daLEP e conforme previamentedetalhado em Plano Anual deTrabalho da entidade. O Termo deConvênio Padrão também obriga asentidades privadas à prestação decontas mensal dos recursosrecebidos,26 assim como à descriçãominuciosa das atividadesdesenvolvidas, de acordo com oPlano Anual de Trabalho. Este, por

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sua vez, somente pode ser alteradomediante prévia autorização daSecretaria de AdministraçãoPenitenciária.

Como consequência desseDecreto, a Secretaria deAdministração Penitenciária editoua Resolução SAP no 59, de13/06/2003, na qual institui o Planode Trabalho Padrão, o qual impõedesde a redação do objeto social daentidade privada até os elementosque compõem as assistências aserem prestadas. Além disso,estabelece as regras concernentes àmanutenção e adaptação dosestabelecimentos e à aquisição de

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equipamentos. Tambémregulamenta como serão tratadasdoações que a entidade venha areceber, os objetivos e metas aserem atingidos.

A Resolução impõe também aapresentação de um Plano deAplicação de Recursos Financeiros,segundo o qual os recursos que aONG recebe para a realização doseu trabalho são depositadosmensalmente, excluindo-seexpressamente qualquerremuneração à entidade. O Estadoainda impõe à ONG parceira quepromova a aplicação dos valoresque não forem imediatamente

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gastos em sua atividade, de acordocom regras bastante específicas emuito restritas. Os recursosdeverão ser utilizados de acordocom uma tabela determinada peloEstado, somente podendo seralterada com a anuência prévia daSecretaria de AdministraçãoPenitenciária. Essa tabela constitui,propriamente, o “Plano deAplicação Financeira do Convênio”,prevendo os serviços a seremprestados, o número deprofissionais envolvidos e o valorda sua remuneração. A ONG éobrigada a apresentar, ademais,vários outros descritivos de

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despesas, cujo nível dedetalhamento exige cálculos emrelação ao número de presos emcustódia no mês em questão eatendimentos por dia (no caso dosserviços prestados por técnicos),assim como os funcionárioscontratados para as funções quenão incumbem ao voluntariado.27

Quanto aos objetivos e metasessenciais da parceria entre Estadoe entidades privadas, a Resoluçãoos definiu da seguinte maneira: (i)proporcionar o pleno cumprimentoda LEP, inclusive mediante aparticipação da comunidade nasatividades de execução, por meio do

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trabalho voluntário e de doações; e(ii) diminuir o nível deanalfabetismo, o número desentenciados com doençasinfectocontagiosas e a reincidênciacriminal, e aumentar o número depresos no ensino fundamental emédio e os postos de trabalho. Noentanto, a ONG parceira podepropor outras metas, que deverãoser traçadas após diagnósticoapresentado durante o primeiroperíodo de vigência do convênio enegociadas com a Secretaria deAdministração Penitenciária nomomento do aditamento doconvênio.

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Destaca-se, ademais, que asONGs que participam da gestãodos CRs recebem verbas do Estado,conforme estipulado no Decreto no

47.849, de 29/05/2003, e sãoresponsáveis pela compra demantimentos, manutenção doprédio, assistência médica(inclusive a compra demedicamentos) e psicológica aospresos, pagamento das contas deluz, água e telefone e da equipetécnica que venha a contratar,inclusive advogados. Nesse sentido,o Plano de Trabalho Padrão atribuiresponsabilidade exclusiva à ONGparceira pela implementação e

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execução perfeita de todas asassistências nele listadas, assimcomo pela realização dos objetivose metas mencionados. O Estado,por sua vez, fica incumbido damanutenção da segurança e dadisciplina na unidade.28

As ONGs que desejem se tornarparceiras do Estado na gestão deCRs são sele-cionadas por meio deum processo de credenciamento,previsto em Edital específico, de17/10/2006.29 Para estecredenciamento devem apresentaruma série de documentos ecomprovações, entre as quais a deexistirem há, pelo menos, um ano e

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de terem um património líquido de,no mínimo, R$ 80.000,00, assimcomo a Certificação de UtilidadePública Estadual e de EntidadeBeneficente de Assistência Socialou de Organização da SociedadeCivil de Interesse Público. Acomplexidade e o número deexigências colocados para ocadastramento das ONGs quequeiram ser parceiras do Estado, defato, acabou resultando emdiversos problemas para estas, oque levou à redução do número deONGs parceiras e aumentou onúmero de CRs administradosexclusivamente pelo Estado,

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afastando-os do modeloinicialmente idealizado. Segundoinformações obtidas junto apessoas diretamente envolvidas notrabalho das ONGs, a principaldificuldade encontrada por elas foio alto património líquido exigido,em contraste não somente com anatureza das ONGs, mas tambémcom a exigência estatal detransferência para o Estado dequaisquer doações recebidas.30

Atualmente, apenas 14 dos 22 CRscontinuam sendo coadministradosna parceria idealizada.31

De todo modo, o modelogerencial de prisões que assim foi

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estabelecido é inovador nãosomente em virtude da própriaexistência de parceria formal entreEstado e sociedade civil, mastambém pelas suas consequências.Assim, os CRs se mostram comoum modelo muito mais eficiente ede custo muito inferior às outrasalternativas de envolvimento dasociedade civil, especialmente a deterceirização de serviçosrelacionados ao sistemapenitenciário. Além disso,propiciam um nível deenvolvimento e contato entre acomunidade local e as pessoas quetrabalham e/ou que estão

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cumprindo pena noestabelecimento prisional, o quenão se verifica nas penitenciáriasadministradas exclusivamente peloEstado ou com parte de seusserviços terceirizados.

O Estado de São Paulo conta hojecom 22 CRs, sendo 18 masculinos equatro femininos,32 abrigando cercade 3% da população prisional doEstado. Há ainda um Centro deDetenção Provisória e um Centrode Progressão Penitenciária (queaplicam a metodologia dos CRs),mas, como destacadoanteriormente, apenas em 14 CRshá uma parceria entre ONGs e o

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Estado. Os índices de reincidênciados CRs, como um todo, sãoinferiores a 10%,33 e a média defuga dos CRs é de uma por ano.34

Destaca-se, finalmente, que oProjeto Cidadania no Cárcere,iniciado com a criação do primeiroCR em Bragança Paulista eposteriormente institucionalizadopelo Decreto Estadual no 45.174, de06/09/2000, galgou reconhecimentonacional e internacional, tendo sidoagraciado, em 2004, com o PrêmioGestão SP, e em 2005, com o Prêmiodas Nações Unidas para o ServiçoPúblico (The United Nations PublicService Award), promovido pelo

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United Nations Online Network inPublic Administration and Finance(Unpan).

5.3 Descrição deApacs e CRsApesar de o modelo dos CRs ternascido a partir da observação daexperiência da primeira Apac, e dofato de muitas das ONGs que sãoparceiras na administração esupervisão do cumprimento dapena no Estado de São Pauloadotarem o nome “Apac”, há váriasdiferenças entre os dois modelos.

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Assim, verifica-se que as Apacssubordinadas à FBAC hoje atuamprincipalmente no Estado de MinasGerais, ao passo que, em São Paulo,existem parcerias entre as ONGsindividuais e o Estado, merecendodestaque, como uma das principaisdistinções entre os modelos, a forteinclinação religiosa existente nomodelo dirigido pela FBAC, quenão é prevista no modeloinstitucionalizado no Estado de SãoPaulo.

5.3.1 A Organização EMetodologia Das Apacs

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A organização e a estrutura geraldas Apacs, sob a supervisão daFBAC, seguem padrões rigorososnão somente quanto à metodologiaaplicada, mas também quanto àforma que deverá ser seguida paraa criação e implementação de novasApacs.

5.3.1.1 A organização dasApacsA organização das Apacs écoordenada pela FBAC, em cujoendereço eletró-nico se lê, sob otítulo “Orientações da FBAC àsFiliadas“: “A Apac é obra de Deus e

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irá perdurar no tempo enquantonão tiver donos”.35 No mesmo textose verifica a consciência da FBACde que o seu método encontraresistência e que, portanto, devehaver um esforço coletivo para aconquista daqueles que se mostramcéticos.

O rigor para a criação de novasApacs é atestado não somente pelaminúcia das instruções oferecidaspela FBAC, mas também nadetalhada descrição de todos ospassos que devem ser seguidospara a criação de Apacs no Estadode Minas Gerais em cartilhapublicada pelo TJMG.36

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Segundo tal regramento, deve-seiniciar o projeto com a promoção deuma audiência pública na comarcaescolhida, que deve ser realizadapelo coordenador (ou por ummembro da equipe) do ProjetoNovos Rumos na Execução Penal,37

descrevendo o Método Apac. Todosos principais segmentos sociaisrepresentativos da comunidade,tais como Judiciário e MinistérioPúblico local, Executivo eLegislativo municipal, políciasmilitar e civil, clubes de serviço,associações comunitárias, ONGs,instituições religiosas eeducacionais, empresas privadas,

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entidades de classe etc., devem serconvidados para a audiência paraque sejam mobilizados esensibilizados para a necessidadede a sociedade civil se envolver na ese sentir corresponsável pelaexecução penal e ressocialização docondenado. Isso é consideradorelevante tanto para o recrutamentode voluntários quanto para aposterior formação de parcerias.

Em seguida, deve ser compostauma comissão responsável pelacriação da Apac, a qual visitará aApac de Itaúna (MG). Inicia-se,então, com apoio da FBAC e doProjeto Novos Rumos, a promoção

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de seminários e cursos sobre oMétodo Apac, assim como depalestras de motivação para acomunidade local, com o objetivode recrutar voluntários e criarequipes de trabalho. Os voluntáriosdevem ser divididos eespecializados nas diversasfunções, tais como a formaçãoeducacional (ensino fundamental esupletivo) e profissionalizante(oficinas de trabalho) e a captaçãode empregos para os recuperandosdo regime aberto, bem como para aassistência à saúde, espiritual ejurídica. Sempre que possível, asequipes deverão iniciar seus

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trabalhos na penitenciária localpara que possam treinar arealização prática de suas funções.Idealmente, a Apac deve ter umasede própria e a comunidade localdeve construir prisões específicas,os Centros de Reintegração Social(doravante CR Social), sempre com,no máximo, 200 vagas, abrangendoos três regimes de cumprimento depena, com áreas distintas para cadaum deles. Esse número de vagas foiestabelecido por ser baixo osuficiente para evitar a formação dequadrilhas, subjugação dos maisfracos, tráfico de drogas,indisciplina, violência e corrupção,

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entre outros males frequentespresentes nas penitenciárias doEstado.

A maior parte das pessoasenvolvidas no trabalho das Apacsdeve ser voluntária, e apenas sãocontratadas pessoas com aformação necessária para os cargosadministrativos, devendo oscandidatos ter conhecimento préviodo Método Apac e, sempre quepossível, já ter atuado comovoluntários.

Quando a inauguração do CRSocial estiver próxima, deverão serescolhidos dois a três sentenciadosda comarca (que manifestem

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liderança e tenham uma penarelativamente longa) para irem àApac de Itaúna, onde farão umestágio de dois a três meses paraaprenderem o Método e ofuncionamento diário da Apac. Osempregados contratados para otrabalho no setor administrativotambém deverão fazer um estágionessa Apac. Ao mesmo tempo,deverá ser iniciado um curso deformação de voluntários de quatromeses com material fornecido pelaFBAC.

Inaugurado o CR Social, ossentenciados que foram à Apac deItaúna retornam à sua comarca

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acompanhados de dois a trêsrecuperandos de lá, quepermanecerão na nova Apac por 15a 20 dias, colaborando naimplantação do método. Osrecuperandos da nova Apacdeverão ser transferidos para o CRSocial em grupos de sete, emintervalos de 10 a 15 dias.

Após o início do funcionamentoregular do CR Social, devem serdesenvolvidos, periodicamente e demodo sistemático, os chamadosCursos de Conhecimento sobre oMétodo Apac e as Jornadas deLibertação com Cristo pararecuperandos, com o auxílio da

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FBAC e da Apac de Itaúna. Alémdisso, os membros da nova Apacdevem participar dos eventosanuais realizados em parceria peloProjeto Novos Rumos do TJMG epela FBAC, em Itaúna, para aformação de multiplicadores.Também deve ser mantido contatopermanente entre a Apac e a FBACe a coordenação do Projeto NovosRumos para solicitar informações edivulgar atividades realizadas, como envio de relatórios anuaisbaseados em um questionáriocriado pela FBAC e pelo ProjetoNovos Rumos.

Grande parte dessas diretrizes é

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aplicável também às Apacs quevenham a ser criadas em outrosEstados, sobretudo a regra geralsegundo a qual, antes de qualquerApac assumir a administração deum CR Social, com exclusão daspolícias e agentes penitenciários,caberá à FBAC verificar se o projetoestá em plena conformidade com oMétodo Apac. Um aspecto central éo fato de que o Estado sempredeverá permanecer com aresponsabilidade pelas despesas demanutenção do estabelecimento,entre as quais se destacam osserviços de utilidade pública,alimentação e pagamento de

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funcionários. As Apacs se mantêmpor meio de contribuições de seussócios, promoções sociais, doaçõesde pessoas físicas, jurídicas eentidades religiosas, parcerias econvênios com Prefeituras eGovernos dos Estados, instituiçõeseducacionais e outras entidades,captação de recursos junto afundações, institutos eorganizações não governamentais.Nada é cobrado para receber eassistir aos condenados, sendotodos os serviços prestados emnome do amor ao próximo.38

Por fim, as “Orientações da FBACàs Filiadas” destacam que as Apacs

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devem manter a unidade efidelidade máxima à metodologia,assim como ao logotipo, cores,hinário, sigla etc.

As Apacs são divididas em cincogrupos (nos quais também podemser enquadradas as Apacsexistentes no exterior), conforme onível de preenchimento dosrequisitos ideais estipulados pelaFBAC.39

O Grupo I caracteriza-se pelaadministração privativa doestabelecimento prisional, sem oconcurso das polícias ou agentespenitenciários, em prédio próprio,da Municipalidade ou do Estado; o

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trabalho realizado nessas Apacs éfeito quase exclusivamente porrecuperandos e voluntários, comapenas alguns empregados(devidamente registrados). Nelassão aplicados os 12 elementosfundamentais do Método Apac.Apenas pessoas condenadas apenas privativas de liberdade sãorecebidas nos seus CR Sociais.40

As Apacs do Grupo IIdistinguem-se das do Grupo Iapenas pelo fato de não aplicaremintegralmente os 12 elementosfundamentais do Método Apac.41

O Grupo III caracteriza-se pelaadministração mista do CR Social e

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de pavilhões de penitenciárias, pormeio de um convênio firmado entreo Estado e a Apac.42 Há aplicaçãoparcial do Método Apac. Noentanto, para que uma Apac atueem estabelecimento administradopelo Estado, este deve cumprirrequisitos mínimos, entre os quaisse destaca a dotação doestabelecimento de (i) refeitório,que também será usado como salade recreação e laborterapia; (ii) salapolivalente, para atos religiosos epara atividades culturais edidáticas; e (iii) consultório médicoe gabinete odontológico. Alémdisso, deverá melhorar

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substancialmente a condição dascelas e dos leitos.

Nessa situação, as Apacs buscamsempre melhorar as condições devida dos presos, sobretudo porintermédio de melhorias noestabelecimento. Além disso,diferentemente do que ocorre comas Apacs dos Grupos I e II, épossível que haja presosprovisórios, e, para eles, as Apacsprocuram garantir dependênciasseparadas daquelas doscondenados. Quando uma Apac seresponsabiliza pela administraçãode um ou mais pavilhões, estes sãogeridos sem interferência de

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qualquer pessoa estranha aos seusquadros. Nos casos em que oconvênio não atribua pavilhõesespecíficos à administraçãoprivativa da Apac, há um acordorelativamente a quais funçõesincumbem a ela e quais aos agentesestatais e outros empregados.

As Apacs do Grupo IVcaracterizam-se pelo fato de que sevoltam apenas aos condenados queestejam cumprindo pena nosregimes semiaberto e/ou aberto. Háparcial aplicação do Método Apac,em prédio próprio independentedas polícias, e ênfase na fiscalizaçãodos benefícios penitenciários.

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As Apacs que aplicam o MétodoApac parcialmente empenitenciária administrada peloEstado, não apresentando ascaracterísticas dos outros grupos,enquadram-se no Grupo V,considerado como o grupo dasApacs em fase inicial ou deimplantação.

5.3.1.2 A metodologia dasApacsAs Apacs recebem todos oscondenados a penas privativas deliberdade, conforme determinadopelo juiz sentenciante,

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independentemente de seu credoreligioso, nacionalidade ou etnia,da infração cometida e do tempo deduração da pena aplicada. Suametodologia – o Método Apac – foidesenvolvida ao longo do tempo,com base nas experiências feitas epartindo do pressuposto de quetodos os elementos do MétodoApac devem ser fornecidos e/oudemandados pelo própriorecuperando.43

Assim, o Método Apac, baseadona valorização humana, hoje écomposto por 12 elementosfundamentais, voltados àrecuperação dos presos, que são

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denominados “recuperandos”, àproteção da sociedade e àpromoção da justiça.44 São eles:

1. A participação da comunidade:Cabe à comunidadeintroduzir o Método Apacnas prisões. A equipecomunitária é preparada emcursos específicos e deveconquistar espaços emigrejas, mídia etc., paradifundir o projeto e rompercom preconceitos sociais.

2. O recuperando ajudando orecuperando: Odesenvolvimento e estímuloda ajuda recíproca e

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colaboração entre osrecuperandos visaconscientizá-los dos valoresimanentes à vida emsociedade e é realizado pormeio de trabalhos dos recu-perandos na enfermaria, comos idosos, na copa, nacantina, na farmácia, nasecretaria etc. Visa-serestabelecer a autoconfiançado recuperando mediante acriação de um sentimento deutilidade e responsabilidadeem relação aos demais,ampliando-a pelademonstração de confiança

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por parte de pessoasexternas ao grupo derecuperandos decorrente daatribuição de tarefas dessetipo.

Também nesse contexto, foramcriados os chamados Conselhos deSinceridade e Solidariedade (CSS),compostos apenas porrecuperandos, com umrepresentante por cela e um CSSpor regime em cada Apac,45 pormeio dos quais se estabelecemfóruns para a cooperação dosrecuperandos entre si e para amelhoria da disciplina, dasegurança do presídio, bem como

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para a busca dos recuperandos porsoluções práticas, simples eeconómicas para os seus problemase anseios.

3. O trabalho: Visto comoapenas parte do Método, otrabalho não é tido comosuficiente para a recuperaçãodo interno, e a sua naturezae função no Método Apacvariam conforme o regime decumprimento de pena dorecuperando.

Sendo o regime fechadocompreendido como o tempo paraa recuperação, o trabalho é voltadopara este objetivo, devendo gerar

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no recuperando o desejo deretornar ao convívio social. Suasatividades devem estimular aimaginação e a criatividade,contribuindo para odesenvolvimento do senso estéticoe, paralelamente, a eliminação deestados psicológicos negativos (v.g.,angústias, conflitos, incertezas etristezas) dos recuperandos. Oobjetivo é possibilitar que seencontrem e valorizem comopessoas, resgatando vínculosfamiliares e afetivos, sendoincentivados a dar presentes eproduzir artefatos para seusfamiliares e amigos.46 Essas

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atividades são predominantementeartesanais (v.g., trabalhos emmadeira, pintura em cerâmica,fabricação de velas, tapeçaria ecrochê) e possibilitam que orecuperando deixe de associar todaocupação com a necessidade deauferir lucro dela. Em razão dessainterpretação da utilidade doregime fechado, a Apac é contráriaà realização de trabalhosprofissionalizantes nessa etapa documprimento da pena.47

Por seu turno, no regimesemiaberto, considerado omomento profissionalizante, o focodo trabalho do recuperando deve

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estar no aprimoramento ouespecialização de uma profissão,com intuito de criar um bom pontode partida para o momento daefetiva reinserção na sociedade,levando em conta asparticularidades de cada região.Assim, os trabalhosfrequentemente desenvolvidos são:pintura de faixas, horta,jardinagem, cozinha, computação etarefas administrativas no âmbitoda própria estrutura da Apac. Aprodução resultante écomercializada para a comunidadelocal.48

No regime aberto, fase reputada

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como de reinserção social, orecuperando deve estar empregado– o que geralmente ocorre junto auma empresa local –, cuidar de suafamília e cumprir o horário deentrada e saída do CR Social,fixados, respectivamente, às 6 e às19 horas.

Os presos em regime fechado esemiaberto recebem umaremuneração por suas atividades,que varia conforme o trabalhorealizado. Todos são incentivados ausar o dinheiro que recebem embenefício de suas famílias. Noentanto, cada um tem a liberdadede administrar o seu dinheiro como

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bem entender, com o que seobjetiva o desenvolvimento dehábitos saudáveis em relação aodinheiro (próprio e alheio).49

4. A religião e a importância daexperiência de Deus: Éreconhecido que apenas areligião não é suficiente parapreparar o recuperando paraa reinserção na sociedade.No entanto, no MétodoApac, a religião é elementofundamental para arecuperação, em virtude daatribuição que ela recebenesse método, de nortear avida e o comportamento das

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pessoas.50 Assim, suaimportância é exaltada aoargumento de que “aexperiência de amar e seramado desde que pautadapela ética, e dentro de umconjunto de propostas ondea reciclagem dos própriosvalores leve o recuperando aconcluir que Deus é o grandecompanheiro, o amigo quenão falha”,51faz com que“Deus surja como umanecessidade, que nasceespontaneamente no coraçãodo recuperando para queseja permanente e

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duradoura”.52

5. Assistência jurídica: Aosrecuperandoscomprovadamente pobres,que não dispõem de recursospara contratar um advogadona fase da execução penal, éprovida assistência jurídicanas Apacs, para que possamacompanhar seus pedidos,recursos etc.

6. Assistência à saúde (médica,odontológica, psicológica):Há assistência completa àsaúde do recuperando, poisentende-se que o nãoatendimento dessas

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necessidades gera um “climainsuportável e extremamenteagressivo e violento, focogerador de fugas, rebeliões emorte. Impossível falar doamor de Deus nesteambiente”.53

7. Valorização humana: OMétodo Apac volta-seintensamente à reformulaçãoda autoimagem dosrecuperandos. Para tanto,são chamados pelo nome,suas histórias sãoconhecidas, é demonstradointeresse em suas vidas eseus futuros, tudo por meio

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de cursos, palestras ereuniões em grupo com osreeducandos e com os seusfamiliares, estimulando aregeneração da autoestimade ambos os lados.54 Aeducação formal, compostapela alfabetização e,idealmente, pelo ensinofundamental e médio,também é empregada nesseprocesso. Os reeducandosque cumprem pena emregime aberto, quandopossível, frequentam escolase faculdades do municípioou da região.55

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8. A família: A família éextremamente valorizada,buscando-se impedir detodas as formas que os laçosfamiliares não se rompam eque, ao contrário, sefortaleçam. Assim, porexemplo, o recuperandopode telefonar uma vez pordia para os seus parentes,escrever cartas etc. Alémdisso, há eventos especiaisem datas comemorativas(v.g., dia dos pais, das mães,das crianças, Natal), sendopermitido aos familiaresparticiparem das

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comemorações dosrecuperandos. As famíliassão estimuladas a visitar osrecuperandos que cumprempena em regime fechado ousemiaberto uma vez porsemana e, no final documprimento da pena emregime semiaberto ouaberto, ele próprio pode sairpara visitar a sua família. Avisita íntima do cônjuge oucompanheiro estável épermitida quinzenalmente,desde que pré-agendada.Ademais, os visitantes, casosejam regulares e o preso

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tenha boa disciplina, não sãosubmetidos à revista. Por suavez, as famílias tambémrecebem auxílio das Apacsquando os voluntáriosverificam que elas estãoenfrentando dificuldades,sobretudo materiais e desaúde.56

O Método Apac tambémdesenvolveu os chamados “Casaispadrinhos”, pois, segundo os dadosda FBAC, 97% a 98% dosrecuperandos vêm de uma famíliadeses-truturada. Além disso, agrande maioria teria uma imagemnegativa do pai, da mãe ou de

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ambos, ou mesmo daqueles que ossubstituíram em seu papel. Logo,concluiu-se que na origem do crimesempre há uma experiência derejeição.57 Por essa razão, sãoprevistos os chamados casaispadrinhos, formados sempre porum homem e uma mulher, casadosou não, aos quais incumbe a tarefade acompanhar e orientar um oumais recuperandos por elesescolhidos, ajudando-os a resolverseus problemas e fazendo-ossentirem-se importantes por meiode atenção e carinho que de outromodo não receberiam em razão dafalta de uma família. Isso deve levar

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os recuperandos afiliados areformular essas “imagensnegativas do pai, da mãe ou deambos, com fortes projeções daimagem de Deus”,58 pois, “somentequando o recuperando estiver empaz com estas imagens, estará aptoe plenamente seguro para retornarao convívio da sociedade”.59

9. O voluntário e o curso para suaformação: As Apacs exigemdo voluntário que a sua vidaespiritual seja exemplar, e éseu dever desempenhar suasatribuições com fidelidade econvicção. Apenas aspessoas empregadas no setor

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administrativo sãoremuneradas. A preparaçãodo voluntário ocorre em umcurso de formaçãoespecífico, normalmentedesenvolvido em 42 aulas de90 minutos de duração cada,durante o qual é ensinada ametodologia e sãodesenvolvidas aptidões paraexercer seu trabalho comeficácia e sob observância deum forte espíritocomunitário.

10. Centros de Reintegração Social:Visando a realização plenada execução da pena, a Apac

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criou os CR Sociais, compavilhões específicos paracada regime decumprimento da pena. Comisso, os recuperandos têm aoportunidade de cumprirtoda a pena em proximidadee contato com a sua família eamigos, o que favorece areintegração social após ocumprimento da pena.

11. Mérito: O Método Apacdefine Mérito como oconjunto de todas as tarefasexercidas, bem como asadvertências, elogios, saídasetc. constantes da pasta

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prontuário do recuperando.Esse elemento passa a ser oreferencial, o pêndulo dohistórico da vida prisional.Assim, não é decisivo se ocondenado é “obediente” ou“ajustado” às normasdisciplinares, porque serásempre avaliado pelo Mérito.Da mesma forma, é essecritério que determina aprogressão de regime eestimula o recuperando amanter-se disciplinado.60

Nesse contexto, para osreeducandos que cumprempena em regime fechado, há

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uma condecoração, uma vezpor mês, mediante ofornecimento de umcertificado ao reeducandomodelo, em reconhecimentode seu mérito, sendohomenageados,eventualmente, tambémseus padrinhos ou umamigo. Além disso, éentregue um troféu à celamais limpa e um troféu“porquinho” à cela maissuja.61

Essa forma de avaliar arecuperação do condenado gerou anecessidade de uma Comissão

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Técnica de Classificação (CTC), queé composta por profissionaisligados ao Método Apac, cujaatribuição é classificar orecuperando quanto à necessidadede receber tratamentoindividualizado, assim comorecomendar, quando possível enecessário, os exames exigidos paraa progressão de regimes, inclusivequestões relativas à cessação depericulosidade e à insanidademental. Essa avaliação permiterealizar uma verdadeiraindividualização da pena na fase dasua execução, ao contrário do queocorre nas Penitenciárias Estatais

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comuns.12. Jornada de libertação com

Cristo: Esta atividade,segundo a FBAC, “constitui-se no ponto alto dametodologia”.62 Ela aconteceuma vez por ano e duraquatro dias,63sendo três “dereflexão e interiorização quese faz com osrecuperandos”.64 Foi criada apartir

[…] da necessidade de se provocaruma definição do recuperandoquanto à adoção de uma novafilosofia de vida, cuja elaboração

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definitiva demorou quinze anos deestudos. Tudo na Jornada foipensado e testado exaustivamente,e o roteiro, ajustadoincansavelmente até que seuspropósitos fossem atingidos.Devido a grande importância daJornada de Libertação com Cristono Método Apac, um livrocompleto, contendo os esquemas eo roteiro desse notável encontro,foi preparado exclusivamentepara este fim: Parceiros daRessurreição.65

5.3.2 A Organização EMetodologia Dos CRs

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Diferentemente do que se verificana realidade das Apacs, nos CRs háa possibilidade de maiordiversidade estrutural eorganizacional entre as ONGs quevencem os Editais para a parceriana administração deestabelecimentos prisionais, nãohavendo um órgão central queestabeleça um modelo obrigatório,ressalvadas as diretrizes instituídasno Plano de Trabalho Padrãopublicado por meio da ResoluçãoSAP no 59, de 13/06/2003, e no Editalpara credenciamento, de 17/10/2006.O mesmo ocorre no que tange àmetodologia aplicada. Ainda assim,

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há diversos elementos comuns,institucionalizados, hoje, tanto peloProjeto-Modelo de Centro deRessocialização (doravantedenominado Projeto-Modelo)quanto pelo Plano de TrabalhoPadrão.

O Projeto-Modelo foi lançado aoser institucionalizado o ProjetoCidadania no Cárcere, fruto dotrabalho conjunto dos PoderesExecutivo e Judiciário com intuitode dotar o Estado de São Paulo deprisões de segurança média debaixo custo, para obter melhoresresultados na ressocialização depresos. A filosofia comum é

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baseada na reintegração social, noretorno do condenado à sociedade,com as qualificações necessáriaspara que possa evitar areincidência, o que se esperaalcançar mediante a combinação daparticipação familiar e comunitária,da laborterapia, da educação e daassistência religiosa, jurídica emédica.66

Estes estabelecimentos prisionaisdevem, ainda segundo o Projeto-Modelo, ser geridos por meio deparcerias entre o Estado e ONGs,sem fins lucrativos, e que tenhamcomo objeto estatutário “auxiliar asautoridades judiciárias e policiais

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do município, em todas as tarefasligadas à readaptação dossentenciados, presidiários eegressos dos presídios”.67

5.3.2.1 A organização dosCRsDe acordo com o Projeto-Modelo,os CRs deveriam ter capacidadepara, no máximo, 220 sentenciados,com alojamentos pequenos e semgrades, sendo os banheiros de usocoletivo, mas preservadores daintimidade, o que permite que seestabeleçam relações defamiliaridade entre os

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reeducandos.68 Idealmente, asparedes não devem ter cantos,sendo curvas e pintadas com coresclaras, em tons de azul e branco, oque geraria uma sensação menor delimitação física.69 O ambiente quebuscam recriar é o doméstico,sendo as celas mantidas limpas earrumadas pelos própriosreeducandos, com leitos para todosos internos. As camas são de trêsníveis (treliches), e cadasentenciado tem o uso exclusivo deum armário.70

No caso do CR feminino de RioClaro, inaugurado em 2002, apopulação de reeducandas é ainda

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menor, nunca superior a 120mulheres, divididas em oitoalojamentos para 15, com cincotreliches.71

Hoje, contudo, já existem algunsCRs com população muito maior desentenciados, como é o caso doCDP III, de Hortolândia, onde sãocustodiadas 1.100 pessoas.72Sob umolhar mais crítico, contudo, não sepode afirmar que esses casosisolados constituem CRs, masapenas iniciativas isoladas doGoverno na busca de umaadministração mais eficiente de taisentidades, por meio docompartilhamento das

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responsabilidades com ONGs.São os próprios internos, ainda,

que lavam suas roupas e fazem acomida para o CR, a qual éconsiderada tão boa e servida comtamanha abundância que, nãoraramente, os reeducandospercebem que estão em umasituação melhor do que a suafamília. Isso frequentemente geraum sentimento de culpa,principalmente nos CRs femininos,quando a associação com ascondições de vida dos filhos queeventualmente tenham éinevitável.73

Arquitetonicamente, os CRs são

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desenhados em formato desemicírculo, de modo que, quandoum preso é transferido para o CR,cumprindo pena em regimefechado, ingressa em um extremodo prédio, mudando-se ao longo dotempo conforme a progressão deregime, o que permite querealmente sintam o seu progresso egraduação ao longo do tempo,auxiliando a manter seus objetivospara o tempo em que serão soltos.74

No centro da construção está opátio que, de acordo com o Projeto-Modelo, deveria ser dividido emduas partes, uma destinada àprática de esportes, atividades

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musicais e espetáculos, e outra,para visitas. Relativamente àsvisitas, merece destaque ainda aproposta do Projeto-Modelo, nosentido de que elas não devem serrevistadas, passando apenas porum detector de metais; são ossentenciados que receberam visitasque se submetem à revista apósestas irem embora. Entre os doispátios, o Projeto-Modelo previu ainstalação de um ponto deobservação para agentespenitenciários.75

Os CRs contam, ainda, comcozinha e lavanderia industrial,enfermaria, biblioteca e oficinas de

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trabalho, não somente adaptadas àspeculiaridades da região, mastambém ao gênero dosreeducandos. Assim, no CRfeminino de Rio Claro, as oficinassão de costura, bijuteria, adesivospara embalagem de xampu,prendedor, meias, cintos ecamisetas bordadas e tricô.76 Alémdisso, os CRs construídosespecificamente para esse fimcontam com alojamentos ebanheiros especiais para idosos edeficientes físicos, assim como comuma “sala de inclusão”, na qualpresos transferidos daspenitenciárias comuns se instalam

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até que estejam adaptados à rotinado CR.77

Há algumas salas específicas, deacordo com o Projeto-Modelo, entreas quais se destaca a sala doConselho da Comunidade, ondepodem ocorrer audiências,atendimentos de advogados,psicólogos, assistentes sociais e daárea da saúde. Ademais,idealmente, cada CR deveria contarcom quatro salas de convivência,cujo uso abrangeria desdeatividades educacionais atéreligiosas, assim como seis oficinasde trabalho.78

Destaca-se que a maior parte dos

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cargos de direção de CRs é ocupadapor mulheres, cuja formaçãoapenas raramente inclui a atuaçãocomo guardas no sistema prisionaltradicional, sendo normalmenteformadas como assistentes sociaisou psicólogas. Nesse contexto, écomum assumirem um papelmaternal, o que acaba constituindoum elemento importante do poderdisciplinador dos CRs.79 Asegurança nos CRs é garantidamuito mais pela coerção moral queneles se estabelece do que pormeios sofisticados tecnológicos oufísicos, ou pela atuação de guardasarmados. Nesse sentido, as torres

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de vigilância dos CRs, apesar deexistirem, não são utilizadas. Alémdisso, as celas não são fechadas noperíodo noturno, mas somente asalas, de modo que o acesso aosbanheiros é livre a qualquertempo.80

De qualquer forma, a existênciado sistema prisional comumtambém acaba funcionando comocoerção subterrânea aocumprimento da pena e bomcomportamento. Isso porque, dadauma captura em caso de fuga ou emcaso de tráfico de drogas, ocondenado perde sua vaga no CR epassa a cumprir sua pena nas

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penitenciárias comuns.81Nessescasos, costumam ser recebidos comreações de violência selvagem.82

O grau de interação entre CRs esociedade varia não só em funçãoda disposição da comunidade local,mas também conforme ascaracterísticas da ONG que tenhaassumido a parceria. Assim, ONGsligadas a setores profissionaisespecíficos e tradicionalmente maisestreitos tendem a ter menosinterfaces com a população do queONGs que possuem uma maisampla base social.83

5.3.2.2 A metodologia dos

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CRsEm razão da ausência de umaentidade central comparável àFBAC, as ONGs inicialmentetinham grande liberdade paradesenvolver suas atividades,inexistindo, portanto, algo que sepoderia denominar de “MétodoCR”. Desde 13/06/2003, contudo, seveem obrigadas a seguir o Plano deTrabalho Padrão, instituído naResolução SAP no 59, que define assuas funções e todas as assistênciasa serem prestadas com grandeminúcia, pautando-se claramentenas previsões da LEP.

Portanto, a assistência material

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diz respeito à alimentação depresos e funcionários, aoprovimento de roupas para ospresos pobres e à manutenção deinstalações hi-giênicas. Aassistência à saúde compreendedesde um exame médico eodontológico de todos osingressantes para identificardoenças tratáveis, controlar asdegenerativas, as infecçõesrespiratórias e especificamente ahanseníase, tuberculose e HIV, atéexames semestrais daqueles quenão apresentavam doenças quandode seu ingresso. A regulamentaçãoda assistência à educação

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determina que todos os presosanalfabetos devem seralfabetizados e cursar o ensinofundamental, no mínimo, três vezespor semana, devendo ser oferecida,quando possível, educação deensino médio e mantida umabiblioteca à disposição dos presos.Também deve ser oferecida aprofissionalização, em nívelmínimo de iniciação.

A assistência jurídica prevê adisponibilização de advogados eestagiários de direito, voluntáriosou contratados, para orientar osreeducandos. A assistência social,por sua vez, deve incluir desde o

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conhecimento dos resultados dosexames e diagnósticos dosreeducandos, o acompanhamentode suas dificuldades e as suasexperiências em saídas do CR, bemcomo a orientação dos reeducandospara facilitar a reinserção social, etambém deverá organizar arecreação, encontros familiares eorientação da família. A assistênciapsicológica, realizada porpsicólogos contratados ouvoluntários, deverá fornecerrelatórios escritos à autoridadecompetente, sugerindo tratamentosindividualizados e, bem assim,coordenar e supervisionar grupos

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terapêuticos.Também a assistência ao trabalho

é definida conforme os padrões daLEP, devendo ser observada, quantoà remuneração, uma proporção emrelação ao salário mínimo e,quando possível, seremassegurados ¾ de seu valor comoremuneração ao preso. À ONGparceira incumbe a aproximação àsempresas privadas fornecedoras deempregos ou comercializadoras dosartefatos artesanais produzidospelos presos.

A assistência religiosa, por suavez, é considerada importante, masapenas recebe parâmetros que

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buscam limitar a interferência dainclinação da ONG parceira, sendoestabelecida expressamente aobservância à liberdade de culto ecrença, à liberdade de participação(ou não) de eventos religiosos egarantida a possibilidade departicipação de todas as religiõesque desejem.

Genericamente, a doutrinareconhece quatro elementoscomuns nas metodologias dos CRsque têm o intuito de proporcionar areinserção dos condenados,chamados de “reeducandos”, nasociedade. Esses elementos visam àcriação de qualificações e de

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recursos afetivos, sociais emateriais para a vida futura dosreeducandos.84 São eles:

1. A criação de uma culturaprisional própria: O principalobjetivo desse aspecto é“subverter e inverter assubculturas e rituais,hierarquias e normas moraise de linguagem” queprevalecem no sistemaprisional, administradoexclusivamente pelo Estado.Assim, em contraposição aeste sistema, nos CRs ospresos não são chamados de“internos”, mas de

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“reeducandos”; não sãochamados por apelidos,números de prisão ouinsultos, mas pelos seusnomes. Também as gíriaspejorativas relativas aosutensílios, móveis e celas sãosubstituídas pelo seu nome,a fim de minimizar o choquecultural entre osreeducandos e suas famílias,depois de soltos.85

Outrossim, as relações entrereeducandos e funcionários dosCRs ou membros das ONGs nãoabrigam os usuais rituais dehumilhação, e violações a direitos

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humanos ou violência contra osreeducandos (ou entre eles) não sãoadmitidas, sendo investigadas epunidas conforme a lei. Destaca-setambém que é usual quereeducandos realizem tarefas deresponsabilidade nos CRs.Pretende-se, portanto, quebrar,ainda que em termos, a ideia daprisão como instituição totalconforme apregoado por Goffman,assim como suprimir o efeito daprisionização. Nesse contexto, éfrequente o trabalho de internos naadministração ou na segurança doestabelecimento, o que propicia eincentiva a existência de um

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espírito de cooperação.Também em combate à

subcultura prisional típica, a posse,uso e comércio de drogas sãoreputados como as mais gravesinfrações às regras, uma vez queimpedem que os programas detratamento do vício sejam eficazes,além de prejudicar as outrasatividades de reabilitação. Portanto,Nacif destaca que, no CR femininode Rio Claro, as própriasreeducandas avisam as mulheresrecém-transferidas sobre aproibição, repreendendo-as quandoinsistem no vício.86 Acima de tudo,o ingresso de drogas nos CRs é

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repelido uma vez que ele permitiriaa criação de um mercado informalcomo o que se conhece no sistemaprisional tradicional, onde éestabelecida uma hierarquia entreos presos e há dependência eviolência entre eles para amanutenção do “mercado”. Pelosmesmos motivos, bebidasalcoólicas são igualmente proibidase, segundo Macaulay, alguns CRstambém proibiram o fumo detabaco, tanto para impedir o vícioquanto para excluir acomercialização por trocas.Ademais, espera-se que osreeducan-dos lidem com e resolvam

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pequenas diferenças que surjamentre eles independentemente dainterferência do pessoal quetrabalha no CR, cabendo aorepresentante da cela levar asdecisões tomadas à reunião regulardo comitê de presos efuncionários.87

2. Envolvimento de família esociedade: Os CRs visam umengajamento real dosfamiliares e da comunidadepara os quais o condenadoprovavelmente irá regressarapós cumprir sua pena.Busca-se a desestigmatizaçãodos condenados; para isso,

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incentivam-se osreeducandos a encontraroutros papéis sociais quepossam desempenhar,sobretudo por meio docontato com pessoas que nãofazem parte do grupoestigmatizado. Assim,permitem uma“rerrotulação”, adotandopapéis alternativos, comopais, irmãos, companheirosetc. responsáveis, o quepermite a suadesestigmatização.88 Nessecontexto, os CRs estimulamo contato dos re-educandos

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não somente com as suasfamílias, mas também comas pessoas que trabalham noCR, com os operadores daJustiça e com a comunidadelocal. Na prática, isso se dá,entre outros, durante asrefeições, quando todos osque vivem ou trabalham nosCRs se alimentam emconjunto, assim como pelopartilhamen-to dos serviçosmédicos e das atividadesreligiosas e de lazer.89

Além disso, os CRs tambémprovêm as famílias dosreeducandos com apoio, que se

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inicia logo que o preso é transferidopara o CR, momento em que umassistente social da ONG visita afamília a fim de entrevistá-la pararealizar um levantamento históricodas relações familiares e constatar arealidade socioeconómica dosparentes mais próximos aoreeducando. O objetivo desseencontro envolve desde osuprimento de necessidadesimediatas da família até o auxíliono acesso a benefícios estataisdisponíveis. A partir daí, inicia-se otrabalho de encorajamento paraque a família visite o reeducandoregularmente, a fim de que se

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reconstruam laços eventualmenterompidos ou fragilizados.90 Visitasconjugais são possíveis e realizadaspor escala, sendo permitido o usode cortinas para a preservação daintimidade. Como regra, há doisdias em que os CRs são abertospara visitas por semana.91 Assim,no CR de Limeira, por exemplo, ossábados são reservados à visitaíntima e, os domingos, às visitas deparentes, limitando-se o número devisitantes por preso a quatropessoas.92 No caso do CR femininode Rio Claro, há apenas um diapara visitas por semana, odomingo, e os encontros podem se

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dar no pátio ou no refeitório.Destaca-se que nesse CR não hárevista vexatória dos visitantes.93

Segundo pesquisa realizada pelaSecretaria de AdministraçãoPenitenciária junto a familiares deofensores, aproximadamente 60%dos sentenciados que cumpremsuas penas em CRs recebem visitasuma vez por semana, o que equivalea quase o dobro do que ocorre comaqueles que cumprem pena nosistema penitenciário comum.94Opapel do envolvimento familiar nareeducação dos internos é muitorelevante no que diz respeito aocomprometimento dos próprios

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reeducandos. Nesse contexto,buscam empenhar-se no programaa fim de não desapontar osparentes, e há situações em que opapel disciplinador da família éainda mais drástico, quandodelatam pedidos por drogas outentativas de fuga (inclusivetrazendo os fugitivos de volta aoCR). Relativamente à presença decrianças nos CRs, a doutrina relatainexistir consenso entre osdirigentes dos estabelecimentos,em razão do receio tanto dainfluência do ambiente prisional(eventualmente negativo apesardos esforços dos CRs) quanto da

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possibilidade de associação daprisão com diversão.95 Esseproblema se coloca de modo aindamais preocupante nos CRsfemininos, dado o direito damulher e do bebê à amamentação.

Além da influência das famíliaspropriamente ditas, é comum quese estabeleçam relações deafinidade tanto entre os própriosreeducandos quanto entre parentesque visitam um deles e acabam seaproximando de outros que nãopossuam famílias ou que nãotenham recebido visitas naqueledia, no que também se distinguemradicalmente do sistema prisional

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comum, onde há uma vedação clarapara todos os presos de seaproximarem, de qualquer maneira,dos visitantes de outros presos.

A distância entre oestabelecimento prisional e seusintegrantes e a comunidade local,por sua vez, também é superadatanto mediante a mobilização derecursos da comunidade, sob aforma de doações em prol do CR edo trabalho de voluntários, quantopor meio da retribuição do CR àsociedade. Logo, comonormalmente os CRs produzemfrutas e vegetais em suas hortas efazem sua própria comida,

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incluindo pão, excedentescostumam ser doados a creches,escolas e hospitais locais, entreoutros.

3. Educação e trabalho: Os CRsoferecem oportunidade decomplementação daeducação e de formaçãoprofissional dos condenados,e todos têm oportunidade deestudar e de trabalhar, o queinclusive se espera deles,mesmo nos casos em que asentença os dispense dissoou de prisão provisória. Paratanto, todos os CRs oferecemcursos de ensino

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fundamental e, alguns,também de ensino médio,devendo ser destacado que,em diversos CRs,reeducandos com formaçãosuficiente podem trabalharcomo professores nessescursos.

As oportunidades de emprego eo estímulo para o trabalho sãograndes, resultando em um índicede emprego de 95%, recorde nosistema penitenciáriobrasileiro.96Assim, háoportunidades de trabalho tanto nopróprio CR, na sua administraçãoou nos serviços de manutenção,

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cozinha e limpeza, quanto paraempresas da iniciativa privada (oque é relevante, sobretudo paraaqueles presos que estejamcumprindo pena em regimesemiaberto). O tipo de trabalho queé oferecido aos reeducandos variaconforme as especificidades dacomunidade local. Deve-sedestacar, ainda, que os trabalhosartesanais produzidos por presossão vendidos no comércio local.97

Interessante notar que o CRfeminino de Rio Claro, por ter sidoadaptado a partir de uma cadeiaanteriormente existente, não possuigalpão próprio para a instalação

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das oficinas, e, apesar do poucoespaço, todas as reeducandastrabalham. Este CR registra,ademais, impressionantes índicesde emprego de egressas (48 entre as289 mulheres que foram libertadasdesde sua instalação já saíramempregadas do CR), assim comoirrisório índice de reincidência(apenas uma entre as 289 mulhereslibertadas reincidiu).98

Relativamente à remuneração dotrabalho dos reeducandos, há umsalário fixo para aqueles quetrabalham na iniciativa privada, e osalário daqueles que trabalham noCR é calculado sobre o valor do

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salário mínimo. Dos salários sãofeitas algumas deduções paraauxiliar na manutenção das ONGsque atuam nos CRs e em benefíciodos reeducandos que trabalham noCR ou que estejam estudando. Odinheiro que recebem é depositadoem contas-poupança, às quais eles esuas famílias têm acesso, o quepermite que se familiarizem com aadministração de seus bens,usando tais valores para pequenasdespesas extras que desejem fazerou para ajudar ou presentear suasfamílias.99

Ressalta-se que alguns CRsinstituíram regras de compensação

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de dias de trabalho em relação aosdias de pena que restam a seremcumpridos de acordo com anatureza do trabalho: o CR deLimeira, por exemplo, geralmente,abona apenas sete dias de penapara cada 30 trabalhados, exceçãofeita aos trabalhos na cozinha e nafaxina, em que 10 dias de pena sãoabonados para cada 30 dias detrabalho.100

Outro trabalho central dos CRsconsiste na assistência aosegressos, sobretudo na busca porum emprego, havendo menorpreocupação com a questão damoradia, visto que, em razão do

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contato e relacionamento mantidocom a família ao longo documprimento da pena, éimprovável que venham a se tornardesabrigados.

4. Apoio psicológico e assistênciamédica: Os condenados sãoamparados na reconstruçãode sua autoestima, nodesenvolvimento dehabilidades sociais e naidentificação de perspectivaspara o futuro. As atividadesde apoio psicológico incluema terapia comunitária, pormeio da qual se buscapromover a integração dos

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reedu-candos e dascomunidades para reduzir oseu sentimento de exclusão,assim como para propiciarque tomem contato com asquestões que outras pessoasse colocam e reflitam sobreelas, em um exercício decidadania. Saliente-se,contudo, que, apesar de osCRs oferecerem apoiopsicológico individual etrabalhos terapêuticos emgrupo, sua abordagem não émedicalizada nesse sentido.

Relativamente ao apoio religioso,por sua vez, embora quaisquer

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grupos religiosos tenham liberdadepara oferecer seu amparo aosreeducandos, os CRs não veem nareligião a chave para a reabilitaçãodos internos, diferentemente doque ocorre nas Apacs.

A assistência médica eodontológica é de alta qualidade eestá disponível tanto para osinternos quanto para as pessoasque trabalham nos CRs, o quetambém propicia a superação dadistância entre os grupos.

Em torno desses pilares,fortalecidos pela prática e pelotreinamento recebido tanto pelosfuncionários dos CRs quanto pelos

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membros das ONGs, no entanto,cada CR tem autonomia parainterpretar as normas aplicáveis,adaptando-as à realidade concretacom a qual lida, tanto em relaçãoaos condenados que recebe quantono que concerne à comunidade naqual está localizado. Isso se reflete,por exemplo, no fato de que osRegulamentos Internos variam,assim como o modo de suaelaboração. No entanto, porexemplo, Macaulay relata que “oregulamento interno da prisão deSumaré foi produzidoconjuntamente pelo pessoal do CRe pelos detentos e pode ser

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modificado após consulta aambos”.101

Um fator importante para o bomfuncionamento dos CRs é o métodode seleção dos detentos que serãoacolhidos. Diferentemente dasApacs, os CRs não recebem todo equalquer condenado a partir dedecisão judicial, mas realizam umatriagem própria, a qual se baseiaem dois critérios. Logo, pelo menosum familiar deve morar nacomunidade que integra o CR e semostrar disposto a apoiar o detentoe ao engajamento no programa doCR, por um lado, e, por outro, odetento em questão deve estar

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disposto a se envolver na propostae no regime de habilitação do CR.Há opiniões diferentes quanto a seum ofensor deve ser levado ao CRdesde o início de sua prisão, ou sedeve passar um período naspenitenciárias tradicionais. Issoporque, por um lado, pessoas quepassam pelo sistema penitenciáriotradicional trazem muito maisproblemas e são mais dificilmenteadaptáveis aos CRs, por outro, apopulação de reeducandos tende apensar que a vaga no CR deve ser“merecida”.102

A seleção dos presos quecumprirão sua pena em CRs

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geralmente é feita conjuntamentepor diretor e chefe de disciplina doCR em questão e pelos técnicos daONG parceira, e os técnicos queparticipam desse processocostumam ser psicólogos ouassistentes sociais.103 O grupo visitaas prisões da região e realizaentrevistas com os presos. Adecisão então feita, contudo, não éfundamentada exclusivamente nosrequisitos concretos mencionados,mas, sobretudo, em um“’sentimento’ sobre a receptividadedos indivíduos à proposta doCR”.104 Portanto, mais importantedo que a opinião dos técnicos ou a

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quantidade da pena, é ademonstração pelo sentenciado deuma vontade clara de deixar ocrime para trás definitivamente.Interessante notar que, apesar depouco conhecidos no País, areputação dos CRs é ampla entre osinfratores sentenciados quecumprem pena no sistemapenitenciário comum, de modoque, a fim de evitar que condenadosque não se enquadram na propostado CR, por exemplo, por não tereminteresse na própriaressocialização, busquem atransferência, os diretores dos CRstendem a ser refratários em relação

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a advogados que os procuram compedidos dessa natureza em nomede seus mandantes.105

Destaca-se que, em princípio, osCRs procuram abrigar somentepessoas já condenadas. Contudo,quando são a única penitenciária daregião, também recebem presosprovisórios, e apenas aquelesindivíduos considerados maisdisruptivos são encaminhados paraoutra localidade. Ademais, não háum filtro relativamente aos crimespelos quais se operou acondenação. No entanto, não sãoaceitas nos CRs pessoas“persistentemente violentas ou que

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se consideram criminosos decarreira”,106 pois se entende queesses detentos poderiam macular oambiente que se visa criar nos CRs,além de serem inclinados a fugir daprisão, o que, nos CRs, é bem maisfácil do que nas prisõestradicionais, dado que a segurançaé garantida sobretudo pela coerçãomoral. Adicionalmente, alguns CRsnão aceitam pessoas que tenhamsido condenadas por crimes contraos costumes.

Os CRs buscam criar umambiente pacífico, onde todosaprendam a se respeitarmutuamente e reflitam isso em

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suas posturas, tanto norelacionamento entre os reedu-candos quanto entre estes e aspessoas que trabalham nos CRs, oque explica o fato de que oshorários nos CRs não sãoestritamente impostos, como ocorrenas penitenciárias comuns, comexceção daqueles nos quais sãoservidas as refeições, o queestimula a adoção de uma posturaresponsável na organização docotidiano, aproximando-se darealidade que será encontrada apósa saída da prisão.107

Verifica-se, portanto, comodestaca Macaulay, que o sucesso

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dos CRs se explica por elesenfrentarem tanto fatorescriminogênicos (atitudes que levamao crime, associações comcriminosos de carreira, abuso dedrogas, traços de personalidadeantis-sociais, incapacidade deresolver problemas e dificuldadesemocionais) quanto fatores nãocriminogênicos (a posição social eeconómica dos internos e suasperspectivas para o futuro,educação formal, baixa autoestimae ruptura com a família e asociedade).108

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5.4 Comparaçãocrítica dos modelose das práticasDiversos são os ângulos pelos quaisas propostas e práticas das Apacs edos CRs podem ser confrontadas.Optou-se, aqui, pela análise de umaspecto formal, qual seja adenominação dada aos internos emcada um dos modelos abordados ecomo ela reflete as posturasmetodológicas adotadas, umaspecto ideológico, voltado àimportância atribuída àreligiosidade nos métodos de

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ressocialização, e alguns aspectosrelacionados às metodologiasimplantadas.

Quanto à denominação dada aosinternos, entende-se que a escolhafeita nos modelos analisados éilustrativa da forma pela qual osofensores são vistos pelasinstituições, assim como de suaspropostas metodológicas. Logo,enquanto as Apacs visam“recuperar”, os CRs objetivam“reeducar” os condenados, sendo oprimeiro termo pejorativo quandocomparado ao segundo, uma vezque a associação entre anecessidade de recuperação e a

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existência de uma doença ou dealgo que precisa ser reparado ouresgatado, inclusiveespiritualmente, é imediata.Percebe-se, portanto, que o termo“recuperando” reflete a filosofiadas Apacs na medida em que a suametodologia é bastantemedicalizada e intensamenterelacionada com a religiosidade dosinternos. Essa interpretaçãoencontra respaldo em afirmaçãofeita por um diretor da Apac deItaúna, segundo o qual “todohomem é recuperável, desde quehaja tratamento efetivo, adequado,que possibilite a recuperação. Não

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existe preso irrecuperável, o queexiste é tratamento inadequado”.109

A reeducação, por seu turno,sinaliza a necessidade de retomar,completar ou aprimorar a educaçãoe a qualificação dos internos, assimcomo de reeducá-los moralmentepara o convívio social. Ainda assim,esse termo também não é imune acontrovérsias, e existem amplascríticas ao conceito de reeducação,podendo-se dizer, como prefereBettiol, que essa escolhaterminológica reflete uma posturaautoritária do Estado, que entendepoder doutrinar aqueles querealizaram condutas desviantes,

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para quem “ninguém é autorizadoa penetrar no íntimo da consciênciahumana para procurar imprimiruma determinada orientação”,110 e“a educação coacta – como é a dadanos cárceres – não pode senãoacarretar uma ferida profunda àliberdade de orientação e deconsciência do detido”.111

Até mesmo o nome “Centro deRessocialização” não pode serinteiramente preservado de críticas,uma vez que indica que o Estadopoderá socializar uma pessoaconforme seus critérios deadequação e definiçõescomportamentais. Nesse contexto,

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também a ideia de socialização écontroversa na doutrina, conformedestaca Rodrigues, que asseveradever tal ideia traduzir-seexclusivamente na obrigação doEstado de prover o recluso com omáximo de condições para que nãomais pratique crimes, não podendoabranger “qualquer imposiçãocoactiva de valores, a dar coberturaa um modelo médico de tratamentoou à negação do direito àdiferença”.112

Tratando-se da aplicação da penaprivativa de liberdade sem oobjetivo de apartar o ofensor davida em sociedade definitivamente,

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talvez fosse mais adequada umadenominação que envolvesse otermo “integração” ou até mesmo“reintegração”, que permiteminferir que se visa devolver ocondenado à sociedade após ocumprimento de sua pena comoparte dela, e não como desajustadocorrigido.

No que concerne à relevânciaatribuída à religiosidade dosinternos, colocam-se críticas eponderações ainda mais sérias.Sendo o Brasil um Estado laico, quegarante a todos a liberdade de cultoe crença, nos termos daConstituição Federal,

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respectivamente, arts. 1o, V, e 5o, VI,a metodologia “apaquena” pareceexcessivamente impositiva quanto àadoção de uma religião cristã, sejapela forma como encara anecessidade de reformulação pelocondenado da imagem de seus pais,seja pela importância atribuída àproximidade a Deus, que culminana “Jornada de Libertação comCristo”. Portanto, por mais que, emtese, a FBAC afirme que háliberdade de religião, torna-sedificultoso imaginar a ausência depressões para a adoção da religiãoque é promovida nos diversoselementos do Método Apac. E,

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mesmo que se reconheça que areligião pode, muitas vezes, ser umapoio ao ser humano, sobretudo nareformulação de escolhascomportamentais, questiona-se seela deve ser empregada comoinstrumento central para ossentenciados orientarem suas vidasem conformidade à lei após ocumprimento da pena privativa deliberdade. Essa dúvida é reforçadapelo fato de que os CRs – por todasas estatísticas e informações àsquais se teve acesso – galgam osmesmos resultados que as Apacs,sem esse enviesamento.

Outra diferença que se nota na

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comparação dos modelos dizrespeito à forma como se dá aseleção dos sentenciados quecumprem pena nos CRs e nasApacs. Logo, enquanto adeterminação para o cumprimentoda pena em uma Apac é feita pelomagistrado, havendo, ainda,especificamente no Estado deMinas Gerais, um esforçoinstitucional para que haja Apacsem todas as comarcas, no Estado deSão Paulo a escolha daqueles queirão cumprir sua pena nos CRs érealizada pelos próprios CRs, e nãopelo juiz. No entanto, essadiferença quanto ao autor da

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escolha para o ingresso nessessistemas diferenciados não pareceinfluenciar os resultados obtidospelos métodos, especialmente ao seconsiderarem os índices dereincidência publicados, donde sepode concluir uma de duas coisas:ou os métodos, fundamentalmente,são viáveis para todos os infratores,não havendo, portanto, anecessidade da realização daseleção entre sentenciados, como éfeita pelos CRs, ou a decisãotomada pelos magistrados mineiroso é com base nos mesmos critériosque são seguidos pelas ONGs ediretores dos CRs quando de sua

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escolha. Infelizmente, a falta dedados sobre o tema impossibilitouque se verificassem essasconclusões na pesquisa realizada.

Quanto aos demais elementos deambas as metodologias, é seguroafirmar que eles concretizam osdispositivos da Lei de ExecuçãoPenal em uma extensão que nãopodia ser verificada em nenhumestabelecimento prisionalbrasileiro, antes de sua criação edesenvolvimento nos modelos aquiconfrontados, sendo certo que,relativamente a alguns pontos,ainda foi aperfeiçoado o sistemaidealizado pelo legislador de 1984.

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Nesse sentido, os sentenciadoscontrolam o seu património erendimentos auferidos com otrabalho ao longo de todo ocumprimento da pena,diferentemente do previsto na LEP,segundo a qual o dinheiroalcançado com o trabalho do presodeveria ser acumulado e entregue aele somente quando de suasoltura.113 Isso é altamente positivona medida em que a administraçãofinanceira da própria vida e da vidada família é central na vidacotidiana em sociedade, além depermitir ao infrator apoiar a suafamília, presenteá-la etc., dentro de

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padrões comparáveis aos danormalidade que encontrará apóscumprir sua pena.114

Por seu turno, ao contrário doprevisto na LEP, não há limitaçõesespecíficas à produção de“artesanato sem expressãoeconómica”, o que reforça ofundamento de ambos os métodosna autovalorização do sentenciado,permitindo que este desvinculeefetivamente a necessidade de lucrode todas as suas atividades.115

Finalmente, também deve serressaltado como um dos aspectospositivos centrais de ambos osmodelos o real incentivo e

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viabilização de trabalho e estudo,além da consolidação de laçosfamiliares abalados, tudo o quetambém constitui objetivoprimordial da LEP.

5.5 ConsideraçõesfinaisOs CRs e Apacs têm o mérito denão somente servirem como localmenos opressivo para ocumprimento da pena, mas deefetivamente requalificarem oscondenados para a vida emsociedade. Conforme destaca

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Macaulay, “enquanto o sistemafunciona como escola do crime, osCRs requalificam os presos comomembros da sociedaderespeitadores das leis”.116 Osinfratores que cumprem suas penasnas Apacs ou nos CRs vivem deacordo com as normas brasileiras einternacionais relativas à dignidadehumana e do preso, e são privadosunicamente da liberdade,diferentemente do que se verificano sistema prisional infelizmenteainda prevalecente no Brasil.

Deve ser salientado também que,embora quando se inicia umprojeto de construção de um novo

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CR ou Apac em umamunicipalidade, no primeiromomento, via de regra, a populaçãolocal se mostra contrária ao projeto,isso tende a mudar quando severifica que não serão levadas àcidade pessoas que não integravama comunidade anteriormente à suaprisão, de modo que não há uma“imigração” dos seus familiares. Amudança na mentalidade dacomunidade que abriga um CR ouuma Apac também se faz sentir notrabalho de voluntários no âmbitodas instituições. Assim, osvoluntários, genericamente, pelaprópria natureza do trabalho

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voluntário, são inspirados porideais humanitários e cidadãosmenos facilmente abaláveis do queaqueles que norteiam ofuncionalismo público brasileiro.Isso leva, pelo menos os voluntáriosque realizam o trabalho direto comos infratores, se não também acúpula das ONGs ou Apacs, a terum empenho maior em realizar ametodologia aplicável, assim comoos torna menos suscetíveis a cedera pressões de poder tanto entre osdirigentes oficiais dosestabelecimentos quanto entre osinternos.

Em pesquisa realizada pela

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Secretaria de AdministraçãoPenitenciária de São Paulo,117

verificou-se que, nas cidades ondehá presídios comuns e CRs ou ondehá apenas CRs, a população quereconhece a diferença entre osestabelecimentos tende a concordarcom as seguintes afirmativas: “Aressocialização do preso não é umamissão só do governo, da justiça, dapolícia: é de todos”; “O preso deveser tratado com humanidade”; “Aprisão não é o único caminhoquando se quer recuperar algunscriminosos”; “A sociedade trata oex-presidiário como se ele aindafosse presidiário”; “O preso não

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deveria trabalhar só para empresas,mas também para a comunidade”;“A punição tem que ser corretiva enão vingativa”. Contrariamente,onde há apenas presídios comuns,ou onde a população não distingueos estabelecimentos penitenciários,é maior a concordância dapopulação com: “O preso tem queser maltratado porque tambémmaltratou”. Os resultados destapesquisa levaram a Secretaria deAdministração Penitenciária aconcluir que, genericamente, apresença de um CR faz com que acomunidade lide com o tema dopreso de modo positivo.

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Portanto, fica clara aconscientização que ocorre entre oscidadãos quanto ao problemacarcerário quando estes sãoenvolvidos em sua solução. Estaaproximação da sociedade livre aocárcere também é fundamental nomomento de soltura dossentenciados, uma vez que, estandoa população local envolvida na suareintegração social ao longo dotempo de cumprimento da pena, oegresso enfrenta menorespreconceitos e um choque culturalmenos intenso, o que facilita amudança de uma rotinaestabelecida ao longo de anos de

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encarceramento.Nesse contexto, também se

destaca que todas as ONGs queadministram CRs são formadas porpessoas da comunidade local,sendo vedada a participação defuncionários do estabelecimentopenal e de pessoas com algumarelação com eles, fato que tambémincentiva o envolvimento dasociedade no atendimento aosproblemas da prisão. O trabalho éainda mais enriquecido pelo fato deque as equipes normalmenteincluem pessoas das mais variadascamadas e segmentos da sociedadelocal.

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Retomando-se o paralelo com as“instituições totais” definidas porGoffman, ve-rifica-se que tanto CRsquanto Apacs alcançaram, comsucesso, desmantelar a estruturatipicamente associada compresídios, de modo que secaracterizam pelo incentivo aocontato entre os internos e osdemais integrantes da sociedade,assim como pelo esforçoinstitucional voltado para amanutenção e fortalecimento doslaços familiares sadios dossentenciados. A ausência daruptura tipicamente verificadaentre os presos e a sociedade

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parece ser o lastro comum e a razãopara o êxito de ambas as iniciativas.

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14, ago.11. Ribeiro, Armando Lúcio.

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14. Silva Diana Mara da. Análisedo perfil de crimes praticadospelos presos que cumprempena na Apac – Associação deProteção e Assistência aosCondenados Belo Horizonte:Centro de Estudos deCriminalidade e SegurançaPública da UFMG; 2007.

15. São Paulo (Estado).Secretaria da Administração

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Penitenciária. Administraçãocompartilhada – ProgramaCidadania no Cárcere –Parceria com a iniciativaprivada – Centros deRessocialização – UnidadesConvencionais São Paulo:Assessoria de Imprensa daSecretaria daAdministraçãoPenitenciária; 2004; 18/10/.

16. São Paulo (Estado).Secretaria deAdministraçãoPenitenciária. Pesquisa comfamiliares e detentos do CR eCenso Penitenciário. [s.l.],

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[s.n.], 2002.17. São Paulo (Estado).

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18. São Paulo (Estado).Secretaria daAdministraçãoPenitenciária. Centro deRessocialização – A questãopenitenciária e a opiniãopública. [S.l.], [s.n.], 2002.

19. Valle Flávia Ottati.

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20. Vilhena Coord MarinaCarneiro de Rezende de.Cartilha Novos Rumos naExecução Penal TJMG 2007.

21. Redação. Parceria com oterceiro setor. Revista SP.gov,ano 1, n. 3, p. 5, dez. 2004.Disponível em:<http://www.revista.fundap.sp.gov.br/revista3/paginas/premio05.htm

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24. <http://www.mj.gov.br>.Acesso em: 30/04/2008.

25.<http://www.mj.gov.br/Depen/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE-94C6840068B1624D28407509CPTBRIE.htmAcesso em: 24/10/2008.

26.<http://www.tjmg.gov.br/infoAcesso em: 30/04/2008.

*Doutoranda em Direito Penal (USP),especialista em Direito Penal Econômico

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Internacional (IDPEE/ IBCCrim), bacharelem Direito pela Faculdade de Direito daUSP.1Ver Sá, Alvino Augusto de. Prisionização:um dilema para o cárcere e um desafiopara a comunidade. p. 118. Ver tambémCruz, Maria do Carmo Meirelles Toledo.Apac – Associação de Proteção e AssistênciaCarcerária. p. 3.2Ministério da Justiça, “InfoPen –Estatística”, “População Carcerária –Sintético”, 2008.Disponível em:<http://www.mj.gov.br/Depen/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE-94C6840068B1624D28407509CPTBRIE.htmAcesso em: 24/10/2008.3Além de prisões, o autor cita comoexemplos de “instituições totais”hospitais psiquiátricos, quartéis,monastérios e conventos, entre outros. Ver

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Goffman, Erving. Manicômios, prisões econventos. p. 11, 16 e 26-28.4Em sentido contrário, Ribeiro, ArmandoLúcio. Privatização (terceirização) dospresídios. Disponível em:<http://www.mp.rn.gov.br/antigo/caops/caopjp/teses/privatizacao_presidios.pdfAcesso em: 09/04/2009.5Macaulay, Fiona. Os centros deressocialização no Estado de São Paulo:Estado e sociedade civil em um novoparadigma de administração prisional ede reintegração de ofensores. p. 79-80.6No CR feminino de Rio Claro, o custo porreeducanda é de apenas R$ 330,00, poréma autora dotexto consultado afirma que aspenitenciárias comuns gastam entre R$700,00 e R$ 800,00 por mês com cadapresa mulher. Ver Nacif, Eleonora Rangel.Centro de ressocialização: uma boa

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iniciativa no universo do “malnecessário”. p. 13.7Segundo informações da Secretaria deAdministração Penitenciária de São Paulo,um preso em uma unidade convencionalcusta ao Estado R$ 671,70, ao passo que,nos CRs, o seu custo é inferior a 2/3 dessevalor. Ver São Paulo (Estado). Secretariada Administração Penitenciária.Administração compartilhada – ProgramaCidadania no Cárcere – Parceria com ainiciativa privada – Centros deRessocialização – Unidades Convencionais.Assessoria de Imprensa da Secretaria daAdministração Penitenciária: São Paulo,18/10/2004, p. 2.8Disponível em: <http://www.fbac.com.br>.Acesso em: 30/04/2008.9Cruz, Maria do Carmo Meirelles Toledo.

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Humanização da pena privativa deliberdade. Itaúna: [s.n.], [s.d.], p. 92.Disponível em:<http://www.fbac.com.br/fbac/index2.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=5&Itemid=67Acesso em: 30/04/2008.10Disponível em:<http://www.fbac.com.br>. Acesso em:30/04/2008.11Disponível em:<http://www.fbac.com.br>. Acesso em:30/04/2008.12Vilhena, Marina Carneiro de Rezende de(Coord.). Cartilha Novos Rumos na ExecuçãoPenal . p. 18.13Alcalde, Luísa. O fim da mamata – Apacde São José dos Campos não resiste àinvestigação e fecha. Isto É, n. 1568, 20 out.1999. Disponível em:

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<http://terra.com.br/Istoé/brasileiros/1999/10/15/001.htmAcesso em: 09/05/2008. Destaca-se que seobtiveram informações não oficiais juntoa integrantes da Secretaria deAdministração Penitenciária e pessoasenvolvidas com o trabalho das ONGs nosCRs que afirmam terem sido as denúnciase o consequente fechamento da Apacensejados por motivos políticos, e não porfatos realmente verificados ecomprovados. Ademais, não foi possívellocalizar um número maior de notícias arespeito desse acontecimento nem umprocesso no qual eventuaisresponsabilidades fossem apuradas.14Lei 15.299, de 09/08/2004, do Governo doEstado de Minas Gerais, que dispõe sobreo convênio entre o Estado e as Apacs. Ver,principalmente, arts. 3° e 4°.15Alemanha, Bulgária, Chile, Costa Rica,

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Equador, El Salvador, Eslováquia, EstadosUnidos da América,Honduras, Inglaterra,Letônia, Malawi, México, Moldávia,Namíbia, Noruega, Nova Zelândia eSingapura. Disponível em:<http://www.fbac.com.br>. Acesso em:30/04/2008.16Vilhena, Marina Carneiro de Rezende de(Coord.). Op. cit., p. 13.17Cruz, Maria do Carmo Meirelles Toledo.Humanização da pena privativa deliberdade, p. 103.18Disponível em:<http://www.apacitauna.com.br/pages/estatisticas.htmAcesso em: 30/04/2008.19D’Urso, Luiz Flávio Borges. Uma novafilosofia para tratamento do preso: Apac –Associação de Proteção e Assistência aosCondenados – Presídio Humaitá – p. 172.

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20Vilhena, Marina Carneiro de Rezende de(Coord.). Op. cit., p. 18.21Valle, Flávia Ottati. Ressocialização:limites e potencialidades. p. 12. Vertambém Macaulay, Fiona. Op. cit., p. 66.22Macaulay, Fiona. Op. cit., p. 66.23Criaram-se a Equipe de Controle deProntuários (art. 6°), o Núcleo deSegurança e Disciplina (art. 7°) e o NúcleoAdministrativo (art. 8°), assim como aComissão Técnica de Classificação (art.19).24Foram eles: (i) Centro de Ressocializaçãode Araçatuba, (ii) Centro deRessocialização de Araraquara,(iii) Centrode Ressocialização de Avaré, (iv) Centro deRessocialização de Itapetininga, (v) Centrode Ressocialização de Limeira, (vi) Centrode Ressocialização de Lins, (vii) Centro de

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Ressocialização de Marília, (viii) Centro deRessocialização de Mococa, e (ix) Centrode Ressocialização de Sumaré. Ver Decreton° 45.271, de 05/10/2000, art. 1°.25Preâmbulo e art. 1° do Decreto n° 47.849,de 29/05/2003. Sobre o primeiro convêniofirmado, em 1996, com o CR de BragançaPaulista, ver Valle, Flávia Ottati. Op. cit., p.44-51.26Também reiterada no “Anexo I –Características e Escopo” do Edital de17/10/2006.27Os relatórios previstos nessa Resoluçãosão: (i) Plano de Aplicação Financeira deConvênio, (ii) Cronograma de Desembolso– Geral, (iii) Cronograma de Desembolso –Recursos Humanos, (iv) Cronograma deDesembolso – Alimentação, (v)Cronograma de Desembolso –

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Equipamentos, (v) Cronograma deDesembolso – Pequenos Serviços, (vi)Cronograma de Desembolso – Material deConsumo, (vii) Cronograma deDesembolso – Utilidade Públcia, (viii)Cronograma de Desem bolso –Alimentação Funcionário, (ix)Cronograma/Relatório Físico-Financeiro,(x) Execução da Receita e Despesa, (xi)Relação de Pagamentos, (xii) Relação deBens e/ou Serviços, (xiii) ComposiçãoDiária das Refeições – ServidoresPúblicos, e (xiv) Tabela de Composição doCusto das Refeições – Servidor Público.28São Paulo (Estado). Secretaria daAdministração Penitenciária.Administração…, p. 1.29Processo SAP n° 1.305/2006.30Segundo as informações obtidas, o que

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realmente impediu a continuidade dotrabalho de grande número de ONGs foi afalta de vontade ou o desinteresse políticonesse trabalho, e, nas localidades ondeessa vontade política se faz presente, asONGs continuam seus trabalhos mesmoquando não preenchem todos osrequisitos do Edital referido.31Veja listagem em São Paulo (Estado).Secretaria de AdministraçãoPenitenciária. Unidades prisionais.Disponível em: <www.sap.sp.gov.br/>.Acesso em: 24/10/2008.32Veja listagem em São Paulo (Estado).Secretaria de AdministraçãoPenitenciária. Unidades….33Martins, Paula. Centro deressocialização: o outro lado do sistemaprisional. Disponível em:

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<http://www.defendebrasil.org.br/mat_imprimir.php?Codigo=606>. Acesso em 30/04/2008.Segundo Nacif, o índice de reincidência doCR feminino de Rio Claro é de 0,5%. VerNacif, Eleonora Rangel. Op. cit., p. 13.34Macaulay, Fiona. Op. cit., p. 68.35Disponível em:<http://www.fbac.com.br>. Acesso em:30/04/2008.36Vilhena, Marina Carneiro de Rezende de(Coord.). Op. cit., p. 30-34.37O TJMG lançou o Projeto Novos Rumosna Execução Penal em dezembro de 2001,oficialmente instituída apenas em28/04/2004, mediante a publicação daPortaria n° 433, expressamente paraincentivar a criação e expansão da Apac,tida como uma alternativa dehumanização do sistema prisional

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brasileiro. Ver Silva, Diana Mara da.Análise do perfil de crimes praticados pelospresos que cumprem pena na Apac –Associação de Proteção e Assistência aosCondenados. p. 55-57. Ver também Vilhena,Marina Carneiro de Rezende de (Coord.).Op. cit., p. 13 e 50-51.38Vilhena, Marina Carneiro de Rezende de(Coord.). Op. cit., p. 27.39Disponível em: <www.fbac.com.br>.Acesso em: 30/04/2008.<http://www.fbac.com.br<40Neste grupo destacam-se a Apacfeminina e a Apac masculina de Itaúna ede Nova Lima. Ver Apacs em MinasGerais. Disponível em:<http://www.tjmg.gov.br/terceiro_vice/novo_rumos_execucao_penal/apac_minas.html>. Acesso em:27/10/2008.

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41Incluem-se nesse grupo, entre outras, asApacs de Arcos, Alfenas, Campo Belo,Canápolis, Governador Valadares, Lagoada Prata, Leopoldina, Passos, Patrocínio,Perdões, Pouso Alegre, Santa Bárbara,Santa Luzia, Santa Maria do Suaçuí, SãoJoão Del Rei, Sete Lagoas, Teófilo Otoni,Três Corações, Uberlândia e Viçosa. VerApacs em Minas Gerais. Disponível em:<http://www.tjmg.gov. br/info>. Acesso em:27/10/2008.42Incluem-se nesse grupo, entre outras, asApacs de Águas Formosas, Araxá,Barbacena, Barroso,Bonfinópolis deMinas, Brasópolis, Camanducaia,Carangola, Caratinga, Carlos Chagas,Conceição do Rio Verde, ConselheiroLafayete, Conselheiro Pena, CoronelFabriciano, Curvelo, Diamantina,Divinópolis, Elói Mendes, Espera Feliz,

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Frutal, Inhapim, Ipanema, Ipatinga,Itabira, Itajubá, Itapagipe, Ituiutaba, Jacuí,Januária, João Pinheiro, Juiz de Fora,Lavras, Malacacheta, Manhuaçu,Manhumirim, Mantena, Mariana,Matozinhos, Muriaé, Mutum, Nanuque,Ouro Branco, Ouro Fino, Paracatu,Pirapora, Piumhi, Ribeirão das Neves, RioPiracicaba, Rio Preto, Sabará, Sacramento,Salinas, Santa Vitória, Santos Dumont,São Francisco, São João Nepomuceno, SãoSebastião do Paraíso, Timóteo, Ubá,Varginha, Várzea da Palma. Ver Apacs emMinas Gerais. Disponível em:<http://www.tjmg.gov.br/info>. Acesso em:27/10/2008.43Disponível em:<http://www.fbac.com.br>. Acesso em:30/04/2008.44Ferreira, Waldeci Antônio. Apac, uma

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alternativa à reclusão. p. 74.45Cruz, Maria do Carmo Meirelles Toledo.Humanização…, p. 95.46Ferreira, Waldeci Antônio. Apac, umaalternativa…, p. 74. Também, Cruz, Mariado Carmo Meirelles Toledo.Humanização…, p. 96.47Ferreira, Waldeci Antônio. Ibidem, p. 74.48Cruz, Maria do Carmo Meirelles Toledo.Humanização…, p. 96.49Idem, p. 97.50Ferreira, Waldeci Antônio. Apac, umaalternativa…, p. 71 e 75.51Disponível em:<http://www.fbac.com.br>. Acesso em:30/04/2008.52Disponível em:

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<http://www.fbac.com.br>. Acesso em:30/04/2008.53Disponível em:<http://www.fbac.com.br>. Acesso em:30/04/2008.54Cruz, Maria do Carmo Meirelles Toledo.Humanização…, p. 95.55No caso da Apac de Itaúna (MG), ospresos em regime aberto têm acesso àsescolas e faculdade locais. Além disso, oSenai de Itaúna ministra cursos deinformática básica, violão e artesanatonessa Apac. Cf. Cruz, Maria do CarmoMeirelles Toledo. Humanização…, p. 97.56Cruz, Maria do Carmo Meirelles Toledo.Humanização…, p. 99.57Disponível em:<http://www.fbac.com.br>. Acesso em:

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30/04/2008.58Disponível em:<http://www.fbac.com.br>. Acesso em:30/04/2008.59Disponível em:<http://www.fbac.com.br>. Acesso em:30/04/2008.60Silva, Diana Mara da. Op. cit., p. 47.61Cruz, Maria do Carmo Meirelles Toledo.Humanização…, p. 95-96.62Disponível em:<http://www.fbac.com.br>. Acesso em:30/04/2008.63Cruz, Maria do Carmo Meirelles Toledo.Humanização…, p. 95.64Disponível em:<http://www.fbac.com.br>. Acesso em:

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30/04/2008.65Disponível em:<http://www.fbac.com.br>. Acesso em:30/04/2008.66Ver São Paulo (Estado). Secretaria daAdministração Penitenciária. Centro deRessocialização – Projeto Modelo. TambémMacaulay, Fiona. Op. cit., p. 76.67Ver São Paulo (Estado). Secretaria daAdministração Penitenciária. Centro deRessocialização – Projeto….68É interessante notar, contudo, que,enquanto os Decretos que regulamentamos CRs não fazem referência ao número dereeducandos que estes podem custodiar,os parâmetros que determinam osrecursos humanos foram estabelecidoscom base em uma composição padrão de900 presos na Resolução da Secretaria de

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Administração Penitenciária.69Ver São Paulo (Estado). Secretaria daAdministração Penitenciária. Centro deRessocialização – Projeto….70Ibidem. Também Macaulay, Fiona. Op.cit., p. 73.71Nacif, Eleonora Rangel. Op. cit., p. 13.Segundo informações obtidas junto àSecretaria de Administração Penitenciáriade São Paulo, atualmente os alojamentossão trancados no CR feminino de RioClaro, e o seu pequeno tamanho se deve aofato de ter sido adaptado a partir de umpresídio convencional anteriormenteexistente no local.72São Paulo (Estado). Secretaria daAdministração Penitenciária.Administração…, p. 2.

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73Macaulay, Fiona. Op. cit., p. 74.74Idem, p. 76-77.75Ver São Paulo (Estado). Secretaria daAdministração Penitenciária. Centro deRessocialização – Projeto….76Nacif, Eleonora Rangel. Op. cit., p. 13.77Martins, Paula. Centro deressocialização….78Ver São Paulo (Estado). Secretaria daAdministração Penitenciária. Centro deRessocialização – Projeto….79Macaulay, Fiona. Op. cit., p. 73.80Segundo Goffman, a obrigatoriedadeque têm os internos de instituições totaisde pedir humildemente tudo o que possamprecisar – de água à utilização de telefonesou banheiros – é uma das tradicionais

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formas de humilhação encontradas no quedesigna de instituições totais. Goffman,Erving. Op. cit., p. 29-31.81Martins, Paula. Centro deressocialização….82Macaulay, Fiona. Op. cit., p. 77-78.83Idem, p. 71.84Macaulay, Fiona. Op. cit., p. 67 e 76.85São citados, como exemplos, asubstituição de “burra” ou “boi” por“sanitário”, de “cela” ou “buraco” por“convívio”. Macaulay, Fiona. Op. cit., p. 67,69 e 74.86Nacif, Eleonora Rangel. Op. cit., p. 13.87Macaulay, Fiona. Op. cit., p. 73.88Idem, pp. 69 e 72.

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89Idem, p. 70.90Valle, Flávia Ottati. Op. cit., p. 63-6591Macaulay, Fiona. Op. cit., p. 71.92Martins, Paula. Centro deressocialização….93Nacif, Eleonora Rangel. Op. cit., p. 13.94São Paulo (Estado). Secretaria deAdministração Penitenciária. Pesquisa comfamiliares e detentos do CR e CensoPenitenciário. [S.l.]: [s.n.], 2002.95Macaulay, Fiona. Op. cit., p. 72.96Segundo estatísticas de 2006 daSecretaria de AdministraçãoPenitenciária, no sistema prisional comoum todo, apenas 38,23% dos presostrabalham. Disponível em:<http://www.sap.gov.br>. Acesso em:

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30/04/2008.97Valle, Flávia Ottati. Op. cit., p. 65-66.98Nacif, Eleonora Rangel. Op. cit., p. 13.99Macaulay, Fiona. Op. cit., p. 75-76100Martins, Paula. Centro deressocialização…. Diferentemente, a Lei deExecução Penal prevê que o tempo deexecução da pena deverá sempre serremido à razão de um dia de pena por trêsdias de trabalho (Lei n° 7.210, de11/07/1984, art. 126, § 1°).101Macaulay, Fiona. Op. cit., p. 67 (vertambém NR 9).102Idem, p. 68 e 77.103Também destacada no “Anexo I –Características e Escopo” do Edital de17/10/2006.

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104Macaulay, Fiona. Op. cit., p. 68.105Idem, p. 68.106Dentre os últimos, incluem-se aspessoas que cometeram sequestro, tráficode drogas em grande escala e homicídiosdurante roubos. Verifica-se, portanto, quenão há um impedimento automático porter a pessoa sido condenada por crimehediondo. Ver Macaulay, Fiona. Op. cit., p.68.107Martins, Paula. Centro deressocialização….108Macaulay, Fiona. Op. cit., p. 76.109Ferreira, Waldeci Antônio. Op. cit., p.70.110Bettiol, Giuseppe. O mito dareeducação. p. 11(ver também p. 10, 12 e15).

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111Ibidem.112Rodrigues, Anabela Miranda. Novoolhar sobre a questão penitenciária – Estatutojurídico do recluso e socialização –Jurisdicionalização – Consensualismo eprisão. Coimbra: Ed. Coimbra, 2000. p. 37-39 (38).113Lei n° 7.210, de 11/07/1984, art. 29, § 2°.114O que, segundo Goffman, é típico nas“instituições totais”, onde o trabalho dosinternados não só é desvalorizadosocialmente, como tambémfinanceiramente, sendo a remuneraçãomuitas vezes feita sob a forma de objetos(cigarros, por exemplo) ou postergada. VerGoffman, Erving. Op. cit., p. 21-22.115Vide Exposição de Motivos à Lei deExecução Penal, item 61, e Lei n° 7.210, de11/07/1984, art. 32, § 1°.

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116Macaulay, Fiona. Op. cit., p. 74.117São Paulo (Estado). Secretaria daAdministração Penitenciária. Centro deRessocialização… .