Crime e Loucura
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CRIME E LOUCURA: CONTRADIÇÕES E SENSO COMUM
A repercussão nacional da transferência de um paciente em medida de
segurança para Goiânia, para ser tratado sob a supervisão do Programa de Atenção Integral
ao Louco Infrator (PAILI), trouxe à tona o paradoxo de duas abordagens terapêuticas
absolutamente distintas para o atendimento à pessoa com transtorno mental em conflito
com a lei.
De um lado, o manicômio judiciário, instituição onde homens e mulheres com
transtornos mentais são recolhidos e mantidos enquanto não cessar a sua periculosidade.
Como na maioria dos casos o transtorno é crônico, essas pessoas acabam por permanecer
por anos a fio, quando não por toda a vida, internados nesses espaços que de terapêuticos
pouco ou nada têm. O jovem paciente em questão estava numa instituição assim, no Estado
do Paraná.
De outro lado, o tratamento focado na reinserção social do paciente, onde a
internação é exceção à regra, sendo a liberdade, aliás, importante instrumento terapêutico
para a obtenção da inclusão do paciente à família e à sociedade. Assim funciona o PAILI,
na Capital goiana.
Entretanto, há no senso comum a idéia de que o louco infrator deve “pagar
pelo que fez”, preferencialmente excluído do convívio social pelo resto da vida, no
manicômio judiciário, que seria o seu lugar. Tal pensamento parte da idéia de que houve
uma condenação a ser cumprida no manicômio. Ledo, porém fundamental, engano.
O louco infrator não é um condenado, como o são aquelas pessoas que
cumprem suas penas nas penitenciárias. Pelo contrário, a sentença do juiz é de absolvição.
Sim, o juiz declara inocente o louco justamente por conta da sua incapacidade de
compreender a ilicitude da própria conduta.
Acontece que quando era tida como legal e normal a internação em
manicômios, a absolvição se convertia, na prática, em indefinida ou eterna privação da
liberdade. Prisão perpétua para uma pessoa declarada inocente. Daí o entendimento hoje
cristalizado no senso comum de que o louco infrator deve expiar um castigo e cumprir uma
sanção penal.
Essa prática da internação em manicômio, todavia, tornou-se ilegal com a
edição da Lei n° 10.216/2001, não sem razão conhecida como Lei Antimanicomial , que
passou a proibir a internação em unidades com características asilares, dentre outras
disposições que vieram humanizar a atenção em saúde mental no Brasil.
Desde então, pois, a prática costumeira de prender os loucos em manicômios
judiciários não mais tem sustentação jurídica. A internação deixa de ter a periculosidade
como fundamento, podendo ser utilizada, sim, mas apenas quando houver a indicação
clínica dessa medida e quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes,
dando-se prioridade para o atendimento em serviços comunitários de saúde mental , como
diz a Lei.
O PAILI nasceu em 2006 com essa nova perspectiva e a experiência tem
mostrado, em resultados quantitativos e qualitativos, o acerto da mudança legislativa de
2001. Em seis anos de funcionamento, mais de 300 pacientes judiciários acompanhados,
com inúmeros casos de restauração de vidas e de famílias, e com baixíssimos índices de
reincidência, sem nenhum caso de novo homicídio praticado por paciente ligado ao
Programa no período, muito embora essa possibilidade esteja sempre presente.
Se os defensores do manicômio temem a periculosidade da pessoa com
transtorno mental, os usuários do PAILI demonstram que vale a pena correr o risco de se
apostar na liberdade como um excelente recurso terapêutico.
Haroldo Caetano da Silva
Promotor de Justiça em Goiânia – Goiás
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