Crak e Cocaína

download Crak e Cocaína

of 16

Transcript of Crak e Cocaína

  • 7/21/2019 Crak e Cocana

    1/161

    Dependncia Qumica

    CONCEITOS BSICOS

    Unidade 1:

    Mdulo 4:Cocana e Crack

  • 7/21/2019 Crak e Cocana

    2/16

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHOReitorNatalino Salgado Filho

    Vice-ReitorAntonio Jos Silva Oliveira

    Pr-Reitoria de Pesquisa e Ps-Graduao Fernando de Carvalho Silva

    CENTRO DE CINCIAS BIOLGICAS E DA SADE - UFMADiretora Nair Portela Silva Coutinho

    COMIT GESTOR - UNASUS/UFMACOORDENADORA GERAL

    Ana Emlia de Figueiredo Olivera

    COORDENADOR ADJUNTO

    Eurides Florindo Castro Jr.

    COORDENADORA DO CURSO

    Christiana Leal Salgado

    COORDENADOR DE COMUNICAO

    Joo Carlos Raposo Moreira

    COORDENADOR DE DESIGN

    Hudson Francisco de A. C. Santos

    COORDENAO DE TECNOLOGIAS E HIPERMDIAS

    Rmulo Martins

    COORDENADORA PEDAGGICA

    Patrcia Maria Abreu Machado

    COORDENADORA TUTORIA

    Maiara Marques

    COORDENADORA EXECUTIVAFtima Gatinho

    PRODUOREVISO ORTOGRFICA

    Joo Carlos Raposo Moreira

    REVISO TCNICA

    Christiana Leal Salgado

    Patrcia Maria Abreu Machado

    DESIGN INSTRUCIONAL

    Luan Passos CardosoDESIGN GRFICO

    Douglas Brando Frana Junior

    ORGANIZADORES

    Ana Emlia Figueiredo de Oliveira

    Christiana Leal Salgado

    Hermano Tavares

    Patrcia Maria Abreu Machado

    Rodrigo da Silva Dias

  • 7/21/2019 Crak e Cocana

    3/16So Lus - MA / 2013

    ANDR BROOKING NEGRO

  • 7/21/2019 Crak e Cocana

    4/16

    Copyright @ UFMA/UNASUS, 2013TODOS OS DIREITOS RESERVADOS UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHO.

    Universidade Federal do Maranho - UFMA

    Universidade Aberta do SUS - UNASUSPraa Gonalves Dias No 21, 1 andar, Prdio de Medicina (ILA)da Universidade Federal do Maranho UFMA

    Site: www.unasus.ufma.br

    Adaptao:Patrcia Maria Abreu Machado

    Normalizao:Bibliotecria Eudes Garcez de Souza Silva. CRB 13 Regio N Registro 453.

    Universidade Federal do Maranho. UNASUS/UFMA

    Cocana e crack: mdulo 4/Andr Brooking Negro (Org.). - SoLus, 2013.

    17f. : il.

    1. Drogas. 2. Cocana. 3. Crack. 4. Drogas efeitos. 5. UNASUS/UFMA. I. Oliveira, Ana Emlia Figueiredo de. II. Salgado, ChristianaLeal. III. Tavares Hermano. IV. Machado, Patrcia Maria Abreu. V. Dias,Rodrigo da Silva. VI. Ttulo.

    CDU 613.83

  • 7/21/2019 Crak e Cocana

    5/16

    Andr Brooking NegroMdico psiquiatra pelo Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina da Universidade

    de So Paulo (HC-FMUSP). Doutorando do Departamento de Psiquiatria da FMUSP. Pesquisador

    do Programa de Gentica e Farmacogentica do Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP

    Autor

  • 7/21/2019 Crak e Cocana

    6/16

    Apresentao

    A Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS) um programa desenvolvido pela Secretaria

    de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade (SGTES), do Ministrio da Sade (MS), que cria

    condies para o funcionamento de uma rede colaborativa de instituies acadmicas e servios desade e gesto do SUS, destinada a atender as necessidades de formao e educao permanente

    do Sistema nico de Sade seguindo um modelo de programa interfederativo. A Universidade

    Federal do Maranho UFMA, por meio da UNA-SUS, e em parceria com o Instituto de Psiquiatria

    da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo (IPq-FMUSP), esto associando as

    tecnologias educacionais interativas e os recursos humanos necessrios para disponibilizar a este

    curso ferramentas educacionais de alta qualidade, que auxiliem e enriqueam o dinamismo do

    ensino e da aprendizagem.

    Este livro faz parte do Curso de Capacitao em Dependncia Qumica, disponibilizadono modelo Ensino a Distncia (EaD), destinado aos profissionais de sade que atuam no CAPS,

    PSF, NASF e nos demais dispositivos da Rede de Assistncia a Sade Mental do SUS. uma

    iniciativa pioneira que abrange diversas reas da Sade Mental, utiliza tecnologias educacionais

    como ferramentas de aprendizado para disponibilizar um programa de qualificao profissional,

    contribuindo, no exerccio de sua prtica, novas habilidades e competncias adequadas as novas

    demandas profissionais.

    A rede colaborativa, proposta pela UNA-SUS, uma rede compartilhada de apoio

    presencial e a distncia, responsvel pelo processo de aprendizagem em servio e intercmbio

    de informaes acadmicas que objetiva a certificao educacional compartilhada. Dessa forma,

    possvel levar a cada profissional de sade oportunidades de novos aprendizados com a

    utilizao de material auto-instrucional, cursos livres e de atualizao, cursos de aperfeioamento,

    especializao e at mesmo mestrados profissionais. Esperamos que voc, leitor, aprecie este

    material que foi elaborado visando, especialmente, o seu aperfeioamento profissional. Vamos

    juntos construir uma nova era de Sade Mental.

    Seja bem-vindo a este curso!

    Ana Emlia Figueiredo de Oliveira, Ph.D.

    Coordenadora Geral UNA-SUS/UFMA

    Christiana Leal Salgado, MSc

    Coordenadora dos Cursos- Sade Mental UNA-SUS/UFMA

  • 7/21/2019 Crak e Cocana

    7/16

    SUMRIO

    ADE 1

    UNIDADE 1

    1 CONCEITOS BSICOS ................................................................................................................................................9

    2 COCANA E CRACK .....................................................................................................................................................10

    2.1 Formas de uso .............................................................................................................................................................10

    2.2 Farmacocintica e farmacodinmica ..................................................................................................................10

    2.3 Fatores de risco ...........................................................................................................................................................11

    3 Correlao da Neurobiologia com a clnica do dependente de cocana...............................................11

    3.1 Dependncia de cocana ........................................................................................................................................12

    3.2 Padro de uso................................................................................... ...........................................................................12

    3.3 Doena crnica................................................................................. ..........................................................................13

    3.3.1 Dficits neurocognitivos. ........................................................................................................................................13

    REFERNCIAS ...............................................................................................................................................................14

  • 7/21/2019 Crak e Cocana

    8/169

    UNIDADE 1

    1 CONCEITOS BSICOS

    No mundo, considera-

    se que de 0,3% a 0,4%

    da populao adulta

    faa uso de cocana e

    parece haver uma ten-

    dncia de queda no

    nmero de usurios,

    relacionada a uma

    diminuio do consumo na Amrica do Norte.

    Apesar de ser um mercado em declnio, os EUA

    representam 36% do consumo mundial de coca-

    na. No Brasil, cerca de 3% da populao j fez uso

    de cocana e 0,7% referiram o uso de crack. O uso

    est concentrado na populao do sexo masculi-

    no, na faixa etria dos 25-34 anos. Houve um au-

    mento no consumo de cocana, comparando-se

    2001 a 2005, com frequncia de uso de 2,3% no

    levantamento anterior.

    O I Levantamento Nacional sobre o uso de lcool,

    Tabaco e outras Drogas entre Universitrios das27 capitais brasileiras mostrou maior frequncia

    de uso de cocana nessa populao, quando com-

    parada populao geral, com 7,7% para cocana

    e 1,2% para o crack. O uso nos ltimos 12 meses

    foi de 3% para cocana e de 0,2% para o crack e o

    uso nos ltimos 30 dias, de 1,8% para a cocana

    e de 0,2% para o crack. A identificao dos pri-

    meiros casos de uso de crack, a forma fumada do

    hidrocloreto de cocana, remonta aos estudos doperfil de dependentes qumicos acompanhados

    em ambulatrios especializados em instituies

    de ensino (DUNN et al., 1996; PECHANSKY et al.,

    2000).

    O perfil deste usurio era de um homem adulto,

    muitas vezes desempregado, vivendo na casa

    dos pais, que migrou do uso injetvel da cocana,

    por conta do medo da epidemia da Sndrome da

    Imunodeficincia Adquirida (AIDS), para a forma

    fumada.

    Deste momento em diante, o uso da cocana disse-

    minou-se para alm das capitais e atingiu os extre-

    mos dos estratos sociais, como mostram os levan-

    tamentos epidemiolgicos em cidades brasileiras

    com mais de 200 mil habitantes quando as preva-

    lncias do uso de crack/cocana subiram, respecti-

    vamente, de 0,4%/2,3% em 2001 para 0,7%/2,9%

    em 2005

    (GALDUROZ et al., 2005; FONSECA et al.,2010). Paralelamente, observou-se um crescimen-

    to no nmero de servios especializados e de pu-

    blicaes especficas(FERREIRA FILHO et al., 2003;

    GUINDALINI et al., 2006b; GUIMARAES et al., 2008).

    Os prejuzos associados ao uso de crack e cocana

    tambm foram foco de estudos no nosso meio em

    pacientes ambulatoriais. Usurios de cocana em

    tratamento nas regies Sul e Sudeste tiveram uma

    maior expresso de comportamentos impulsivos,como envolvimento com o crime e taxas de soro-

    positividade para o vrus da imunodeficincia hu-

    mana e da hepatite C, quando comparados com a

    populao geral (FERREIRA FILHO et al., 2003; VON

    DIEMEN et al., 2009; PECHANSKY et al., 2003).

    A presena de cocana em amostras de cabelo de

    adolescentes grvidas e a deteco de cocana no

    mecnio pontuam o risco do uso da cocana para

    alm daqueles achados iniciais no final dos anos

    1990 (Cunha et al., 2001; MITSUHIRO et al., 2007).

  • 7/21/2019 Crak e Cocana

    9/1610

    COCANA E CRACK

    Finalmente, numa amostra de seguimento por cin-

    co anos de usurios de cocana na cidade de So

    Paulo, a taxa de mortalidade observada foi sete ve-

    zes mais alta do que aquela registrada na popula-

    o geral ajustada para idade e sexo (RIBEIRO et al.,

    2004).O panorama atual do problema dos usurios de

    crack e cocana no nosso pas a soma do conheci-

    mento crescente a partir das publicaes cientficas

    e o reconhecimento pela sociedade civil da gravi-

    dade dos prejuzos associados (DUAILIBI et al., 2008;

    CONFEDERAO NACIONAL DOS MUNICPIOS,

    2010). O resultado deste panorama uma postura

    mais efetiva do poder pblico em prol da melho-

    ria de vida dos dependentes qumicos, atravs da

    capacitao dos profissionais da sade e de aes

    em mbito nacional. So exemplos desta postura

    a criao do Instituto Nacional de Polticas Pblicas

    do lcool e Drogas e a incorporao do tema dasdependncias qumicas ao currculo da Universida-

    de Aberta do SUS (LARANJEIRA; MITSUHIRO, 2011).

    Uma vez que a forma inalada da cocana e do crack

    so substncias qumicas com o mesmo princpio

    ativo, o termo cocana ser usado no texto para de-

    signar as duas formas de uso.

    2 COCANA/CRACK

    A cocana, derivada da

    planta Erythroxylum

    coca, foi usada por

    centenas de anos em

    comunidades nos An-

    des como estimulante,

    ou seja, um psicofr-

    maco com proprieda-

    des de aliviar a fadiga

    e manter o alerta e o

    desempenho. At hoje seu uso na forma de

    folhas mascadas feito livremente por popula-

    es residentes nos Andes com esta finalidade.

    Desde o final do sculo XIX, ela era vendida na

    forma de tnicos ou usada na Medicina por

    suas propriedades como anestsico local. No

    incio do sculo XX, ela passa a ter sua venda e

    consumo restritos e penalizados pelos gover-

    nos, embora no fosse tida como um problema

    de sade.

    s nos anos 1980, nos EUA, que a cocana

    reconhecida como um problema de sade

    pblica, por conta dos problemas mdicos de-

    correntes de intoxicaes agudas e da consta-

    tao de que ela era uma substncia com altopoder de dependncia (PETERSEN, 1977).

    2.1 Formas de uso

    O hidrocloreto de cocana a apresentao em

    p que aspirada e absorvida pela superfcie

    da mucosa nasal. A administrao endovenosa

    feita pela diluio do hidrocloreto de cocana.

    A forma mais barata e potente feita a partir da

    mistura do hidrocloreto de cocana com bicarbo-

    nato de sdio e gua. Esta soluo aquecida at

    que se forme uma pedra, que tem as proprieda-

    des qumicas de uma base, cujos fragmentos so

    fumados em pequenos cachimbos, o crack. Outra

    forma de base, a merla, tambm pode ser fuma-

    da (ASSOCIAO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA,

    2002).

    O impacto do crack se deve ao fato de ele ser

    fumado, o que faz com que a superfcie de ab-

    soro da cocana passe a ser o territrio alveo-

    lar pulmonar, fazendo com que os efeitos sobre

    o sistema nervoso sejam praticamente imediatos

    e to intensos como os da cocana endovenosa

    (HATSUKAMI; FISCHMAN, 1996).

    2.2 Farmacocintica e farmacodinmica

    Farmacocintica

    Uma vez absorvida, a cocana rapidamente trans-formada em dois metablitos principais: a benzoi-

    lecgonina (BE), principal metablito da degradao

    Fonte: www.altoona.psu.edu.

  • 7/21/2019 Crak e Cocana

    10/1611

    da cocana e o cocaetileno. O usurio de cocana

    frequentemente faz uso de lcool e, do ponto de

    vista das aes farmacolgicas da cocana, isto tem

    importncia na medida em que o etanol aumenta

    e prolonga o efeito da cocana. Isto se d por um

    aumento das concentraes da cocana, pela redu-o nas concentraes de BE e pela produo de

    um metablito ativo, o cocaetileno, de eliminao

    mais lenta que a cocana (PARKER; LAIZURE, 2010).

    A cocana permanece presente na urina por um pe-

    rodo de 24 a 72 horas depois do uso e pode ser de-

    tectada por meio de testes rpidos no consultrio

    (PRESTON et al., 1997).

    Farmacodinmica

    No que diz respeito farmacodinmica, a coca-na liga-se aos transportadores de noradrenalina,

    dopamina e serotonina, elevando a quantidade

    disponvel destes neurotransmissores na fenda

    sinptica no SNC (GLOWINSKI; AXELROD, 1965).

    Os efeitos agudos do uso de cocana refletem seu

    mecanismo de ao, uma descarga adrenrgica

    intensa, acompanhada de euforia, bem-estar,

    aumento da autoestima, tremor leve e dilatao

    pupilar.

    Em doses maiores, podem ocorrer: bruxismo,

    comportamento violento, arritmias, acidose me-

    tablica, rabdomilise, convulses, infarto agu-

    do do miocrdio, acidentes vasculares cerebrais

    e agitao psicomotora. So frequentes tambm

    nas intoxicaes agudas, os ataques de pnico e

    quadros psicticos (LEITE; ANDRADE, 1998).

    2.3 Fatores de riscoApenas uma parcela das pessoas que iniciam o

    uso de uma substncia ir progredir para um uso

    frequente ou, num grau mais intenso, para uma

    dependncia qumica (FALCK et al., 2008). Rea-

    lizado entre 1990 e 1992, um estudo de levan-

    tamento comunitrio mostrou que, nas cidades

    americanas, a taxa

    de transio do uso

    inicial para a depen-

    dncia de cocana

    foi de 17%, ou seja,

    de cada seis pessoasque usaram cocana

    uma vez na vida,

    uma delas progre-

    diu para a depen-

    dncia no intervalo

    de dois anos (AN-

    THONY et al., 1994). O mesmo grupo de pesquisa

    mostrou, numa amostra maior, de quase 90 mil

    sujeitos entrevistados entre 1995 e 1998, que 927sujeitos fizeram uso pela primeira vez de cocana

    e/ou crack por 12 meses antes do estudo. O risco

    individual de pertencer a um modelo revelado

    pela anlise de classes latentes compatvel com

    os critrios de dependncia qumica variou de

    6% a 9%, sendo que o modelo mais parcimonio-

    so oriundo da anlise revelou um risco prximo a

    6% em 24 meses(REBOUSSIN; ANTHONY, 2006).

    Ainda neste estudo, o fato de iniciar o uso de co-

    cana na forma de crack aumentou o risco para a

    transio da dependncia. Uma estimativa para

    alm de dois anos a partir do incio do uso reve-

    la que, em dez anos do incio do uso de cocana,

    16% dos participantes de outra amostra comuni-

    tria fizeram a transio para a dependncia de

    cocana (WAGNER; ANTHONY, 2002). No temos

    estudos comunitrios no nosso meio sobre a

    questo da transio do uso para a dependncia

    de cocana. Destes estudos, pode ser inferido que

    fatores de risco que vo alm da neurobiologia

    da cocana contribuem para a susceptibilidade

    sua dependncia.

    3 CORRELAO DA NEUROBIOLOGIA COM A CLNICA DO DEPENDENTE DE COCANA

    Do ponto de vista experimental, o paradigma da

    auto estimulao pode ser representado como um

    dos comportamentos verificados no dependente

    qumico, ou seja, a perda de controle sobre o uso.

  • 7/21/2019 Crak e Cocana

    11/1612

    COCANA E CRACK

    Aps a administrao aguda de cocana, as concen-

    traes do neurotransmissor dopamina aumentam

    rapidamente, coincidindo com os estados de hu-

    mor do usurio, de intensa euforia ou de reforo

    recompensa. Ou seja, a ao sobre os receptores

    dopaminrgicos na regio mesolmbica cerebral o efeito farmacolgico responsvel pelo efeito esti-

    mulante e reforador da cocana (DACKIS; OBRIEN,

    2001). Postula-se que, no curso da doena, ocorram

    alteraes neuroadaptativas abrangentes, que iro

    perpetuar tanto os mecanismos de recompensa,

    como o estado motivacional do indivduo, mesmo

    aps perodos longos de interrupo do uso, man-

    tendo a condio de abuso e dependncia (KOOB

    et al., 1998). Esta neuroplasticidade o embasa-

    mento neurobiolgico que explica as recadas.

    Alguns autores postulam tambm que a depen-

    dncia instalada um ponto novo de ajuste da

    homeostasia associada a estados motivacionais e

    controle do estresse do indivduo. No curso da de-

    pendncia, o paciente migra seu uso da substncia

    pelos seus efeitos eufricos para um uso que visa

    reequilibrar seu psiquismo para desempenhar tare-

    fas corriqueiras e evitar os sintomas de abstinncia

    ou fissura (KOOB; LE, 1997).

    3.1 Dependncia de Cocana

    A dependncia qumica um evento distinto que

    marca a transio do uso ocasional ou limitado

    para o uso compulsivo e repetitivo. Diferentemente

    do uso no problemtico, a adio a drogas ca-

    racterizada por:Diferentemente do que ocorre em outras reas na

    Medicina, no h exames laboratoriais para auxiliar

    o diagnstico da dependncia qumica. Existem es-

    calas, como a Escala de Gravidade de Dependncia,

    que podem auxiliar na quantificao da gravidade

    dos prejuzos associados dependncia e, desta

    forma, ser teis no planejamento da abordagem

    teraputica(McLELLAN et al., 1980; KESSLER et al.,

    2010; DUNN; LARANJEIRA, 2000).

    1) compulso na procura e uso da droga;

    2) perda do controle aps o uso;

    3) aparecimento de estados emocionais negati-

    vos ( disforia, ansiedade, irritabilidade) quando o

    acesso droga impedido. Os critrios diagns-

    ticos para a dependncia qumica so os desdo-

    bramentos comportamentais ao longo do tem-

    po dos ajustes neuroadaptativos sobre o siste-

    ma de recompensa e outros sistemas cerebrais.

    3.2 Padro de uso

    Grosso modo, pode-se dizer que cada droga de

    abuso tem seu ritmo, seu padro de uso. A pessoa

    dependente de cocana no mantm um padro

    de uso dirio como visto na dependncia do l-cool. O padro mais comum de dias consecutivos

    de uso, denominados binges, seguidos de para-

    das breves que antecipam uma nova sequncia

    de dias de uso intenso. A cada dose administrada,

    segue-se uma euforia intensa, seguida em minutos

    por um desejo incontrolvel por mais uma dose, a

    fissura, at que a quantidade adquirida para aquele

    momento se acabe. Horas depois, h uma disforia

    grande acompanhada de nova fissura e procura

    por mais cocana. Este ciclo se repete at a exaus-

    to fsica do indivduo, que pode ficar por alguns

    dias sem fazer uso, dormindo horas seguidas, ali-

    mentando-se em excesso, sem disposio alguma

    (anedonia), at que a vontade de resgatar o efeito

    da euforia retorna e inicia-se um novo perodo de

    busca e uso ou binge (GAWIN; KLEBER, 1986).

    Como j foi dito, comum o uso associado de l-

    cool e cocana, sendo que, muitas vezes, os usu-

    rios de cocana procuram atenuar os sintomas de

    hiperatividade durante o efeito agudo, ou mesmo

    os sintomas de disforia, com o lcool. De modo se-

    melhante, o usurio de cocana faz uso frequente

    de maconha, sendo que h relatos de que o efeito

    da maconha tornaria mais suportveis os momen-

    tos de fissura pela cocana, embora no exista com-

    provao desta relao (RIBEIRO et al., 2010; GUIN-DALINI et al., 2006b).

  • 7/21/2019 Crak e Cocana

    12/1613

    3.3 Doena crnica

    Em nosso meio, observaram-se dficits cogniti-

    vos, particularmente na funo executiva, em

    usurios de crack e cocana, internados num pro-

    grama de desintoxicao. Os dficits persistiram

    aps duas semanas de abstinncia, ainda duran-te a internao. Discute-se o quanto os dficits

    so primrios ou secundrios ao uso crnico da

    cocana. O fato que, diante da frequncia com

    que eles esto presentes, so importantes tanto

    uma avaliao formal como uma ateno aos

    graus de comprometimento cognitivo (CUNHA

    et al., 2011).

    O tempo necessrio para o desenvolvimento da

    dependncia qumica e os primeiros problemas

    associados ao uso de aproximadamente cinco

    anos para a forma inalada da cocana, trs anos

    para a forma fumada, sendo que estes perodos

    so menores do que o tempo entre o incio do

    uso de lcool at o seu uso problemtico, entre

    oito a dez anos (GORELICK, 1992).

    3.3.1 Dficits neurocognitivosOs dficits neurocognitivos so, cada vez mais, mo-

    tivos de investigao em pacientes dependentes

    qumicos. Isso se deve ao fato de que as dificulda-

    des cognitivas, tanto nos perodos de uso quanto

    na fase de abstinncia, so comuns, atingido 70%

    de uma amostra de usurios de cocana e herona

    (FERNANDEZ-SERRANO et al., 2010; CUNHA et al.,

    2011). A importncia de ordem prtica desses d-

    ficits cognitivos se d na hora de instituir as estra-

    tgias de tratamento, ou seja, bom saber quais e

    quanto esto preservadas ou no as funes cog-

    nitivas, por exemplo, ao se pensar em fazer racio-

    cnios abstratos ou propor tarefas que demandem

    uma funo executiva intacta (SEVERTSON et al.,2010).

    Finalmente, pode ser til demonstrar ao usurio de

    cocana as deficincias cognitivas que ele apresen-

    ta atravs de exemplos do dia a dia ou mesmo com

    suporte do resultado de testes neurocognitivos.

    Isto muitas vezes serve como um ndice de com-

    prometimento pelo uso da droga e pode ajudar no

    reconhecimento, por parte do paciente, da presen-

    a de fato e da extenso da sua doena.

    Em nosso meio, observaram-se

    dcits cognitivos, particularmentena funo executiva, em usurios

    de crack e cocana, internados

    num programa de desintoxicao.Os dcits persistiram aps duas

    semanas de abstinncia, ainda

    durante a internao. Discute-seo quanto os dcits so primrios

    ou secundrios ao uso crnico

    da cocana. O fato que, dianteda frequncia com que eles esto

    presentes, so importantestanto uma avaliao formal

    como uma ateno aos graus

    de comprometimento cognitivo

    (CUNHA et al., 2011).

  • 7/21/2019 Crak e Cocana

    13/1614

    COCANA E CRACK

    REFERNCIAS

    ANTHONY, J.C.; WARNER, L.A. KESSLER, R.C. Comparative epidemiology of dependence on Tobacco, Alcohol,

    controlled substances and Inhalants: basic findings from the national comorbidity survey. Experimentaland Clinical Psychopharmacology, v.2, p.244-68, 1994.

    ASSOCIAO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA. Abuso e dependncia de cocana. In: ASSOCIAO MDICA

    BRASILEIRA. Conselho Federal de Medicina. Projeto Diretrizes. 2002. p.1-15. Disponvel em: http://www.

    projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/005.pdf.Acesso em: 18 nov. 2013.

    CONFEDERAO NACIONAL DOS MUNICPIOS. Pesquisa sobre a situao do crack nos municpios bra-

    sileiros. Braslia, 2010. Disponvel em: http://portal.cnm.org.br//sites/9700/9797/Geografia/Atualizado_

    MapeamentodoCracknosmunicipiosbrasilv4.pdf. Acesso em: 18 nov. 2013.

    CUNHA, G.B. et al. Prevalence of prenatal exposure to cocaine in a sample of newborns from a university

    teaching hospital. J.Pediatr., v.77, p.369-73, 2001.

    CUNHA, P.J. et al. Decision-making deficits linked to real-life social dysfunction in crack cocaine-dependent

    individuals. Am J Addict., v.20, p.78-86, 2011.

    DACKIS, C.A.; OBRIEN, C.P. Cocaine dependence: a disease of the brains reward centers. J Subst Abuse

    Treat., v.21, p.111-7, 2001.

    DUAILIBI, L.B.; RIBEIRO, M.; LARANJEIRA, R. Profile of cocaine and crack users in Brazil. Cad Saude Publica,

    v.24, supl. 4, p.s545-s57, 2008.

    DUNN, J. et al. Crack cocaine: an increase in use among patients attending clinics in Sao Paulo: 1990-1993.

    Subst.Use.Misuse, v.31, p.519-27, 1996.

    _____; LARANJEIRA, R.R. Desenvolvimento de entrevista estruturada para avaliar consumo de cocana e

    comportamentos de risco. Rev Bras Psiquiatria, v.22, p.11-6, 2000.

    _____; _____. Transitions in the route of cocaine administration--characteristics, direction and associated

    variables. Addiction, v.94, p.813-24, 1999.

    FALCK, R.S.; WANG, J.; CARLSON, R.G. Among long-term crack smokers, who avoids and who succumbs to

    cocaine addiction? Drug Alcohol Depend., v.98, p.24-9, 2008.

    FERNANDEZ-SERRANO, M.J. et al.Prevalence of executive dysfunction in cocaine, heroin and alcohol users

    enrolled in therapeutic communities. Eur J Pharmacol., v.626, p.104-12, 2010.

    _____; PEREZ-GARCIA, M.; VERDEJO-GARCIA, A. What are the specific vs. generalized effects of drugs of

    http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/005.pdfhttp://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/005.pdfhttp://portal.cnm.org.br//sites/9700/9797/Geografia/Atualizado_MapeamentodoCracknosmunicipiosbrasilv4.pdfhttp://portal.cnm.org.br//sites/9700/9797/Geografia/Atualizado_MapeamentodoCracknosmunicipiosbrasilv4.pdfhttp://portal.cnm.org.br//sites/9700/9797/Geografia/Atualizado_MapeamentodoCracknosmunicipiosbrasilv4.pdfhttp://portal.cnm.org.br//sites/9700/9797/Geografia/Atualizado_MapeamentodoCracknosmunicipiosbrasilv4.pdfhttp://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/005.pdfhttp://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/005.pdf
  • 7/21/2019 Crak e Cocana

    14/1615

    abuse on neuropsychological performance? Neurosci Biobehav Rev., v.35, p.377-406, 2011.

    FERREIRA FILHO, O.F. et al. Epidemiological profile of cocaine users on treatment in psychiatrics hospitals,

    Brazil. Rev Saude Publica, v.37, p.751-9, 2003.

    FONSECA, A.M. et al. Comparison between two household surveys on psychotropic drug use in Brazil: 2001and 2004. Cien Saude Colet., v.15, p.663-70, 2010.

    GALDUROZ, JC. et al. Use of psychotropic drugs in Brazil: household survey in the 107 biggest Brazilian

    cities--2001. Rev Lat Am Enfermagem, n.888-95, 2005.

    GAWIN, F.H.; KLEBER, H.D. Abstinence symptomatology and psychiatric diagnosis in cocaine abusers. Clini-

    cal observations. Arch Gen Psychiatry, v.43, p.107-13, 1986.

    GLOWINSKI, J.; AXELROD, J. Effect of drugs on the uptake, release, and metabolism of H3-norepinephrine inthe rat brain. J Pharmacol Exp Ther., v.149, p.43-9, 1965.

    GORELICK, D.A. Progression of dependence in male cocaine addicts. Am J Drug Alcohol Abuse, v.18, p.13-

    9, 1992.

    GUIMARAES, C.F. et al. Perfil do usrio de crack e fatores relacionados criminalidade em unidade de in-

    ternao para desintoxicao no Hospital Psiquitrico So Pedro de Porto Alegre (RS). Rev Psiquiatria Rio

    Gde Sulv.30, p.101-8, 2008.

    GUINDALINI, C. et al. Concurrent crack and powder cocaine users from Sao Paulo: do they represent a diffe-

    rent group? BMC.Public Health, v.6, p.10, 2006.

    HATSUKAMI, D.K.; FISCHMAN, M.W. Crack cocaine and cocaine hydrochloride. Are the differences myth or

    reality? JAMA, v.276, n.1580-8, 1996.

    KESSLER, F. et al. Avaliao multidimensional do usurio de drogas e a Escala de Gravidade de Dependn-

    cia. Rev Psiquiatria Rio Gde Sul, v.32, p.48-56, 2010.

    KOOB, G.F.; Le MOAL, M. Drug abuse: hedonic homeostatic dysregulation. Science, v.278, p.52-8, 1997.

    _____; SANNA, P.P.; BLOOM, F.E. Neuroscience of addiction. Neuron., v.21, p.467-76, 1998.

    LARANJEIRA, R.; MITSUHIRO, S.S. Addiction Research Centres and the Nurturing of Creativity. National Ins-

    titute on Alcohol and Drugs Policies, Brazil. Addiction, mar. 2011.

    LEITE, M.C.; ANDRADE, A.G. Cocana e crack dos fundamentos ao tratamento. Porto Alegre: Artes Mdi-cas, 1998.

  • 7/21/2019 Crak e Cocana

    15/1616

    COCANA E CRACK

    McLELLAN, A.T. et al. An improved diagnostic evaluation instrument for substance abuse patients: the ad-

    diction severity index. J Nerv Ment Dis., v.168, p.26-33, 1980.

    _____. Drug dependence, a chronic medical illness: implications for treatment, insurance, and outcomes

    evaluation. JAMA, v.284, p.1689-95, 2000.

    MEYER, R.E. The disease called addiction: emerging evidence in a 200-year debate. Lancet, v.347, p.162-6,

    1996.

    MITSUHIRO, S.S. et al. Prevalence of cocaine and marijuana use in the last trimester of adolescent pregnan-

    cy: socio-demographic, psychosocial and behavioral characteristics. Addict Behav., v.32, p.392-7, 2007.

    PARKER, R.B.; LAIZURE, S.C. The effect of ethanol on oral cocaine pharmacokinetics reveals an unrecognized

    class of ethanol-mediated drug interactions. Drug Metab Dispos., v.38, p.317-22, 2010.

    PECHANSKY, F. et al. Estudo sobre as caractersticas de usurios de drogas injetveis que buscam atendi-

    mento em Porto Alegre, RS. Rev Bras Psiquiatria, v.22, p.164-71, 2000.

    _____. Preliminary estimates of human immunodeficiency virus prevalence and incidence among cocaine

    abusers of Porto Alegre, Brazil. J Urban Health, v.80, p.115-26, 2003.

    PETERSEN, R.C. History of Cocaine. In: _____; STILLMAN, R. C. (Ed.) Cocaine. Washington, DC: Government

    Priming Office, 1977. p. 1734. (NIDA Research Monograph, N. 13).

    PRESTON, K.L. et al. Assessment of cocaine use with quantitative urinalysis and estimation of new uses.

    Addiction, v.92, p.717-27, 1997.

    REBOUSSIN, B.A.; ANTHONY, J.C. Is there epidemiological evidence to support the idea that a cocaine de-

    pendence syndrome emerges soon after onset of cocaine use? Neuropsychopharmacology, v.31, p.2055-

    64, 2006.

    RIBEIRO, L.A.; SANCHEZ, Z.M.; NAPPO, S.A. Surviving crack: a qualitative study of the strategies and tactics

    developed by Brazilian users to deal with the risks associated with the drug. BMC.Public Health, v.10,

    p.671, 2010.

    RIBEIRO, M. et al. High mortality among young crack cocaine users in Brazil: a 5-year follow-up study. Ad-

    diction, v.99, p.1133-5, 2004.

    RITZ, M.C. et al. Cocaine receptors on dopamine transporters are related to self-administration of cocaine.

    Science, v.237, p.1219-23, 1987.

    SEVERTSON, S.G. et al. The association between executive functioning and motivation to enter treatmentamong regular users of heroin and/or cocaine in Baltimore, MD. Addict Behav., v.35, p.717-20, 2010.

  • 7/21/2019 Crak e Cocana

    16/16

    UCHA, M.A. Crack: o caminho das pedras. So Paulo: tica, 1996.

    VON DIEMEN, L. et al. Risk behaviors for HCV- and HIV-seroprevalence among female crack users in Porto

    Alegre, Brazil. Arch Womens Ment Health, v.13, n.3, p.185-91, 2010.

    WAGNER, F.A.; ANTHONY, J.C. From first drug use to drug dependence; developmental periods of risk fordependence upon marijuana, cocaine and alcohol. Neuropsychopharmacology, v.26, p.479-88, 2002.