Cottet, Serge - O Psicanalista Objeto A

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8/11/2019 Cottet, Serge - O Psicanalista Objeto A http://slidepdf.com/reader/full/cottet-serge-o-psicanalista-objeto-a 1/7 O PSICANALISTA OBJETO a Serge Cottet Publicado originalmente em: Cottet, Serge. Estudos Clínicos . Salvador: Fator, 1988, p. 69-80. Falarei hoje sobre o objeto a, mais precisamente sobre o que quer dizer o analista neste lugar de objeto a. Esta é uma formulação que pertence a um período do ensino de Lacan que podemos chamar de último, o dos anos 70. Tratar-se-á de saber a que tipo de problemas isto responde, pois, colocar o analista no lugar de objeto é um paradoxo. Estávamos, até então, habituados a algo absolutamente distinto, isto é, a que o analista opere de um outro lugar, de um lugar simbólico, do lugar do Outro, do A, e grande parte do ensino de Lacan consiste justamente em distinguir o Outro do outro. Poder-se-ia, portanto, pensar que é exatamente deste lugar simbólico que o analista exerce a função de sujeito suposto saber e que faz a estrutura do desejo funcionar como desejo do Outro, isto é, que ele detém sua verdade a partir deste outro lugar simbólico. É preciso dizer que com a estrutura do discurso do Psicanalista, ele se encontra no lugar de um objeto real, como resto de uma operação simbólica e que ele mesmo não é simbólico, sendo definido como um mais-de-gozar. Houve, portanto, uma mudança. Evidentemente pode-se também pensar que isso concerne a uma fase na análise, isto é, que há um momento em que se deve chegar a uma queda da função em questão, dita do sujeito suposto saber, e que é no próprio trabalho do analisando, no fim da análise, que há uma dedução do analista a este objeto. É preciso dizer, aliás, que se distinguimos por uma questão de comodidade, duas fases, elas correspondem bastante bem ao próprio ensino de Lacan, isto é, que seu ensino doa anos 70 coincide com a análise das dificuldades do fim da cura. Quais são as dificuldades? Elas consistem em saber como terminar a transferência. Como se passar de um trabalho de transferência a outro? Vocês sabem que há uma dificuldade na obra de Freud a respeito disso. Suposição e posição do analista Freud, funcionando justamente no lugar simbólico do Outro, encolhe os ombros diante de dois escolhos, o da castração e o da transferência interminável, do amor de transferência interminável. Pois bem, Lacan procura distinguir totalmente o indivíduo psicanalista, que se considera como psicanalista sabe Deus por que e as razões que resultam da transferência, dessa transferência do S2, do saber inconsciente ao Outro. Isso deixa, então, o significante do psicanalista sempre à discrição do analisando. Por isso o sujeito psicanalista é sempre uma suposição e não um real. Será que podemos dizer o mesmo do desejo do psicanalista, dizer que o desejo do psicanalista seria no fundo uma suposição? Cumpre dizer que Lacan admitiu que se possa construir a função do desejo do psicanalista sobre a base do desejo neurótico. Isto não prova que o desejo real do psicanalista deva ser excluído. Porém, será que ele está no bom lugar? Por exemplo, querer o bem do paciente é um desejo e, afinal de contas, talvez seja melhor em certas situações terapêuticas do que querer o contrário. Não discuto isso. Mas é preciso observar que o sujeito em análise supõe um desejo no Outro. Por um lado, os sonhos ditos de transferência mostram muito bem isso, quando vemos o psicanalista sair de seu papel e deixar sua poltrona para passear com seu analisando ou algo assim. Isto, contudo, faz funcionar bem o célebre par – o desejo é o desejo do Outro. Conseqüentemente, podemos chamar também a função desejo do psicanalista de sujeito suposto desejo. Inclusive é exatamente isso que Lacan diz, ainda nos anos

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O PSICANALISTA OBJETO a 

Serge Cottet

Publicado originalmente em:

Cottet, Serge. Estudos Clínicos. Salvador: Fator, 1988, p. 69-80.

Falarei hoje sobre o objeto a, mais precisamente sobre o que quer dizer o analistaneste lugar de objeto a. Esta é uma formulação que pertence a um período doensino de Lacan que podemos chamar de último, o dos anos 70. Tratar-se-á desaber a que tipo de problemas isto responde, pois, colocar o analista no lugar deobjeto é um paradoxo. Estávamos, até então, habituados a algo absolutamentedistinto, isto é, a que o analista opere de um outro lugar, de um lugar simbólico, dolugar do Outro, do A, e grande parte do ensino de Lacan consiste justamente emdistinguir o Outro do outro. Poder-se-ia, portanto, pensar que é exatamente destelugar simbólico que o analista exerce a função de sujeito suposto saber e que faz a

estrutura do desejo funcionar como desejo do Outro, isto é, que ele detém suaverdade a partir deste outro lugar simbólico. É preciso dizer que com a estrutura dodiscurso do Psicanalista, ele se encontra no lugar de um objeto real, como resto deuma operação simbólica e que ele mesmo não é simbólico, sendo definido como ummais-de-gozar. Houve, portanto, uma mudança.

Evidentemente pode-se também pensar que isso concerne a uma fase na análise,isto é, que há um momento em que se deve chegar a uma queda da função emquestão, dita do sujeito suposto saber, e que é no próprio trabalho do analisando,no fim da análise, que há uma dedução do analista a este objeto. É preciso dizer,aliás, que se distinguimos por uma questão de comodidade, duas fases, elascorrespondem bastante bem ao próprio ensino de Lacan, isto é, que seu ensino doaanos 70 coincide com a análise das dificuldades do fim da cura. Quais são as

dificuldades? Elas consistem em saber como terminar a transferência. Como sepassar de um trabalho de transferência a outro? Vocês sabem que há umadificuldade na obra de Freud a respeito disso.

Suposição e posição do analista

Freud, funcionando justamente no lugar simbólico do Outro, encolhe os ombrosdiante de dois escolhos, o da castração e o da transferência interminável, do amorde transferência interminável. Pois bem, Lacan procura distinguir totalmente oindivíduo psicanalista, que se considera como psicanalista sabe Deus por que e asrazões que resultam da transferência, dessa transferência do S2, do saberinconsciente ao Outro. Isso deixa, então, o significante do psicanalista sempre àdiscrição do analisando. Por isso o sujeito psicanalista é sempre uma suposição enão um real.Será que podemos dizer o mesmo do desejo do psicanalista, dizer que o desejo dopsicanalista seria no fundo uma suposição? Cumpre dizer que Lacan admitiu que sepossa construir a função do desejo do psicanalista sobre a base do desejoneurótico. Isto não prova que o desejo real do psicanalista deva ser excluído.Porém, será que ele está no bom lugar? Por exemplo, querer o bem do paciente éum desejo e, afinal de contas, talvez seja melhor em certas situações terapêuticasdo que querer o contrário. Não discuto isso. Mas é preciso observar que o sujeitoem análise supõe um desejo no Outro. Por um lado, os sonhos ditos detransferência mostram muito bem isso, quando vemos o psicanalista sair de seupapel e deixar sua poltrona para passear com seu analisando ou algo assim. Isto,contudo, faz funcionar bem o célebre par – o desejo é o desejo do Outro.Conseqüentemente, podemos chamar também a função desejo do psicanalista desujeito suposto desejo. Inclusive é exatamente isso que Lacan diz, ainda nos anos

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70 num texto intitulado “Discurso à E.F.P”, à Escola Freudiana de Paris, ou seja,que é preciso deduzir esse desejo do psicanalista da demanda do neurótico.

A neurose supõe, portanto, o Outro desejante. É por isso que o analista suporta afunção do desejo do Outro. Em toda essa história sé se lida com um sujeito. É claroque há dois indivíduos, um no divã e outro na poltrona. Como pessoas, há duas,porém, como sujeito, efeito de significante, só há um. Há o sujeito com seu desejo,o sujeito dividido, que por si só engendra esse efeito de sujeito chamado sujeitosuposto saber.

Toda a questão agora é de saber se o analista objeto a  exercendo a função deobjeto, é uma invenção do analisando. No entanto, isso é um pouco mais difícil.Seria, contudo, contraditório fazer do analista, no lugar do objeto real, uma puracriação significante cujo estofo seria apenas constituído pelos significantes dosujeito. E a respeito disso Lacan tem esta fórmula: “o psicanalista faz-se de objetoa partir do objeto a. Faço alusão aqui ao Seminário O Ato Psicanalítico. de 1967-68,tal como foi resumido por Lacan nas resenhas de ensino publicadas em Ornicar ? n.29: “O psicanalista faz-se de objeto a, leia-se “faz-se produzir” como objeto a, emoutros termos, como matéria-prima. Fazer-se produzir implica justamente ser

produzido pelo analisando, e pode-se pensar que a matéria em questão é a matériade sua fantasia. Será preciso pensar numa conexão entre esta matéria, que éobjeto a na fantasia, e o psicanalista que vai fazer semblante¹ deste objeto.

Fantasia e posição do analista

Temos uma indicação dessa passagem que resulta de um procedimento deescritura muito simples. Talvez vocês já tenham notado que essa fórmula (a→$) émuito próxima da escritura da fantasia ($◊a). O discurso analítico e a escritura dafantasia contêm exatamente os mesmos termos. O que deve, portanto, serinterrogado é o valor da punção (◊) e, conseqüentemente, o lugar do objeto nafantasia em relação ao sujeito dividido, e qual o sentido da flecha que instala oobjeto a neste lugar da causa. Enfim, vemos funcionar o estruturalismo lacanianoque utiliza uma vez mais, termos semelhantes com funções diferentes. Isso indica apossibilidade de construir o fim da análise em relação a certo destino da fantasia.Para ser mais preciso, Lacan, há muito tempo renunciara, como eu disse, à idéia deque o psicanalista viria ocupar este lugar na fantasia, introduzir-se na fantasia.Todavia, o encontramos, mesmo assim, operando sobre a subjetividade por meiodesse semblante. Passamos de S◊a à a→S.

Creio que temos no Seminário O ato psicanalítico  uma indicação da solução quedeve ser dada ao problema da passagem da fantasia ao analista objeto a. Lacanintroduz a questão do ato como uma nova função do psicanalista. Ele escreve: “Opsicanalista na análise não é sujeito, e ao situar seu ato na topologia ideal doobjeto a deduz-se que é, não pensando que ele opera”. Não se trata de um conviteà debilidade mental. O “não penso” do psicanalista é freqüentemente encarnadopela imbecilidade, como a literatura psicanalítica em geral o prova. Lacan utilizaaqui, mas uma vez, o cogito cartesiano a seu modo, opondo o “não penso” ao “nãosou”, ou seja, o “não penso” do psicanalista é correlativo ao “sou” que oinconsciente justamente não pode dizer. O inconsciente é um “penso”. Ele não podeconcluir como um “sou”. Lembre-se do que eu dizia ontem a respeito da neuroseobsessiva, esta espécie de des-ser do psicanalista atrapalhado em seu pensamento.Contrariamente, o psicanalista realiza, no caso, o que Lacan chamava, num dadomomento de seu ensino, de a presença do psicanalista. Daí a fórmula mais tardia –

 “fazer de conta” do mais-de-gozar. Nesse lugar, ele deve operar efetivamente umefeito especial sobre a fantasia, efeito que Lacan chama de destituição subjetiva, ouseja, que há uma distorção entre a falta-a-ser do neurótico e essa função dopsicanalista de objeto a.

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A destituição subjetiva

O fim da cura deve chegar a um reviramento destes termos. Isso quer dizer que nafantasia o neurótico tampona sua falta-a-ser por meio de uma identificação aoobjeto. Num certo sentido, ele é este objeto que vem tamponar a castração doOutro. A destituição subjetiva, contrariamente, é a travessia da fantasia, ou seja,um esvaziamento de gozo que se realiza por meio de um trabalho com osignificante, com palavras. Ou seja, essa travessia da fantasia deve permitir aosujeito situar exatamente este objeto de gozo que é um vazio, como os doisobjetos lacanianos, particularmente, o olhar e a voz, podem atestar: o olho comocego e a voz como áfona, a voz de lugar nenhum, não localizada. São esses objetosque, segundo Lacan, fazem o mais-de-gozar funcionar. E a fantasia confere a estesobjetos uma substância imaginária e uma roupagem narcísica. A travessia dessafantasia, contrariamente, corresponde à emergência da estrutura desse objeto que,diz Lacan, é topológico, isto é, não é um objeto nem exterior nem interior, mas umobjeto que quebra essa ilusão do interno e do externo.

É preciso, portanto, considerar que essa destituição subjetiva deve chegar, depreferência, a uma densidade de ser do sujeito. Entendo por densidade de ser a

produção do sujeito como desejante, no lugar dessa inércia de gozo à qual oneurótico obsessivo eventualmente está identificado, e que torna seu desejoimpossível. Pois bem, aprende-se que essa desidealização da falta-a-ser serepercute sobre o psicanalista se ele está nesse lugar, e que ele é, em suma, oforro do sujeito, no sentido de um forro de casaco. É uma metáfora utilizada porLacan para designar o objeto a, na medida em que é o ser do sujeito e até mesmosua carcaça, o que há de dejeto no sujeito. Isto tem, portanto, como conseqüência,esse esvaziamento do objeto do gozo, um des-ser do psicanalista. Insisto nesteponto porque já houve contra-senso a respeito disso. O des-ser é o do psicanalistano fim da análise e é absolutamente correlativo dessa redução do objeto mais-de-gozar ao vazio que é seu centro. Podemos então, apreender aqui uma correlaçãocom o fim do sujeito suposto saber no próprio fato dessa redução que Lacannomeia com um termo que não deixa de evocar, aliás, Melanie Klein, que é o lutodo objeto a.Apreende-se que para este novo lugar do objeto que acentua o fendimento³ dosujeito, se tenha uma nova definição do desejo, a produção de um desejo novo,causado pela falta e que é um desejo para além da fantasia. Daí o problema, se apsicanálise visa produzir um sujeito desejante para além da fantasia, será que seconsegue isso? Para sabê-lo é preciso um novo dispositivo, o que Lacan chamou opasse, onde se deve fornecer os meios de avaliar, pelo menos, a causa daemergência deste novo desejo num fato, afinal de contas, empírico – fato de que,no fim da análise, o sujeito quer tornar-se analista. Qual é a lógica desse fatomaciço, empírico? Digo a lógica, pois, evidentemente, há razões imaginárias e ummonte de razões para tornar-se analista que não têm nada a ver com a destituiçãosubjetiva nem com a travessia da fantasia. Há, até mesmo, alguns que pensam queisto vai alimentar sua fantasia de onipotência. O problema é que não se tem outromeio de saber o que pode ser um desejo para além da fantasia, sem analisar

 justamente, o desejo do psicanalista. É preciso passar por isso, saber o que ocorrena cabeça de alguém. Justamente, no momento dessa destituição subjetiva, o queocorre em sua cabeça para querer ocupar este novo lugar onde,conseqüentemente, o gozo deve fazer funcionar um novo sujeito? Trata-se de umnovo desejo na história, o de tomar o lugar do que Lacan, às vezes, chama dodejeto e que permite a analogia com o santo e de dar um passo a mais, passandode um analista objeto de amor que tende a manter ou perpetuar o efeito detransferência, a um analista causa do desejo. Isto implica justamente umamudança de lugar. Ao mesmo tempo, pode-se dizer que a análise do inconscienteimplica, seguramente, que o analista esteja nesse lugar simbólico, nesse sentido o

analista continua o sintoma, ele mesmo se torna o sentido do sintoma, visto que osintoma adquire forma pelo próprio fato da transferência.

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Introjeção imaginária e simbólica

Encontramos a questão que se coloca no nível da fantasia. Será que se pode dizerque o analista continua a fantasia e, que, até mesmo, dá forma à fantasia, ou, parairmos mais longe, que faça parte da fantasia? É preciso dizer claramente que não.

Lacan, bem cedo, criticou esta posição, a do analista objeto na fantasia.Particularmente ele tomou posição quanto à relação de objeto a respeito de MelanieKlein e de Bouvet. Esta tendência da Psicanálise, para Lacan, conduz a uma ficçãoimaginária, ou seja, de que o fim da cura consistiria na introjeção do psicanalista. Éuma concepção antropofágica da psicanálise. Engoliu-se o psicanalista durante umcerto tempo e depois ele foi cuspido. Na melhor das hipóteses nos identificamoscom ele, no entanto a concepção do psicanalista objeto parcial e funcionando aonível de uma fantasia oral, isto é historinha para criança. Ou os analistasenlouqueceram para inventar semelhante ficção ou,m então isso tem, como diria ooutro, um núcleo racional. Lacan, porque era muito gentil, salvou as aparências,pensando que, afinal, havia algo a ser procurado na introjeção, com a condição dedizer que a introjeção era um processo simbólico, e que, o que era introjetado era

um significante. Se não fizermos esta distinção entre o status imaginário e osimbólico da introjeção, inscrever-nos-emos numa concepção como a de Bouvet,segundo a qual o analista se oferece como hóstia imaginária, que faz prosperarcomo ele diz, um desejo embrutecido, ou seja, é uma posição abjeta. Isto, aliás, écurioso, pois a própria palavra evoca duas coisas, isto é, a abjeção, no sentido éticodo termo e ocorre a Lacan, mais tarde, escrevê-la em duas palavras: ab-jeto. E épreciso dizer claramente que há aí uma pequena operação delicada a fazer, isto éque nesta abjeção, ele discerne, no fim de seu ensino, funções do psicanalista – eleé dejeto de uma operação de simbolização. Evidentemente, é preciso pensar estadiferença entre os próprios teóricos do analista com objeto parcial. Para MelanieKlein, no começo de sua obra, ele está do lado do conteúdo, e depois, no final, estáde preferência do lado do continente. Mas, enfim, continua-se no registro do objetoimaginário.

OS 4 DISCURSOS 

OS LUGARES  OS TERMOS 

S1 - o significante mestre 

o agente o outro S2 - o saber

a verdade a produção $ - o sujeito

a  - o objeto mais-de-gozar

Foi para criticar uma psicanálise baseada no Imaginário que Lacan incriminou essadoutrina do analista objeto parcial. Em seguida, ele fez um longo rodeio pela funçãoque suporta o psicanalista, a do sujeito suposto saber, para voltar, num terceiro

tempo, à promoção de um novo objeto. Creio que, para melhor descrevê-lo eprecisar a função que Lacan lhe faz desempenhar, é preciso evocar a distinção dotermo e do lugar nos discursos que são quatro, onde, conseqüentemente, há quatrolugares. Os termos giram e conforme o lugar que ocupam numa rotação de umquarto de giro, há mudança de discurso. O lugar não muda. É preciso, então, dizerque em cima, à esquerda, temos o lugar do mestre, do senhor, que ele chama delugar do agente. Este lugar do mestre pode ser ocupado pelo próprio sujeito, comoé o caso do discurso da histérica: a histérica opera com sua divisão e domina omestre devido ao próprio fato de sua divisão.

$ →  S1  S2 →  a 

a  S2  S1 $

(discurso da histérica) (discurso da universidade)

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Cumpre dizer que o significante, sendo o termo que melhor convém a este lugar, éo próprio significante mestre. Quando o significante mestre está no lugar domestre, não se está em terra desconhecida, porque o lugar e o termo estãoacasalados. É por essa razão que o discurso do mestre é efetivamente o discursomestre. O estranho é que nesse mesmo lugar há significantes que não eramesperados vir aí se alojar. Por exemplo, o S2, significante do saber, no discurso da

universidade. A universidade, com o saber, quer barrar esse objeto de gozo que fazobjeção ao fato de que, afinal de contas, o estudante, seja um sujeito digno destenome. E no entanto, um sujeito digno deste nome deve ser produzido. É precisoproduzir um sujeito dividido pelo fato de ele ter aprendido algo e isto não se reduza uma plena totalidade de gozo. Estou imaginando um pouco a coisa para tornareste esquema mais expressivo. Evidentemente, a verdade da operação aqui é queeste saber, S2, é totalmente arbitrário e se reduz ao autor em posição de verdade.

Até agora tudo bem, mas o que se torna absolutamente original é que, no lugardominante, na estrutura subjetiva, venha o objeto mais-de-gozar. Essa é umanovidade inventada por Freud. Uma nova posição subjetiva que é datada na históriada subjetividade: faz-se a suposição de que não somente não se trata de eliminar afantasia, que é a função do discurso do mestre, como, pelo contrário, é preciso

fazê-la falar, é preciso lhe dar o lugar eminente, e ao se instalar o gozo nesse lugaro sujeito vai ser fendido.

a  →  $ a  →  $

S2 S1

(discurso do analista)

Estou comentando a fórmula a →$. Foi Freud, evidentemente, quem inventou odispositivo, porém isto implica numa pequena retificação de Freud, ou seja, o quequeremos colocar no lugar do Outro é o desejo do sujeito na medida em que ele édividido, e dividido pelo gozo. Isto exige que a operação psicanalítica não seja umareconciliação do sujeito consigo mesmo. É preciso saber o que se pretende; secolocamos esse mais-de-gozo no lugar dominante, em vez de esmagá-lo com o pé,

não devemos esperar que o sujeito entretenha relações de pacificação com ele, queentre em harmonia com ele. E diria mais – o sujeito não entra forçosamente emharmonia com o inconsciente tanto mais porque esse objeto é real. O Real, naúltima concepção de Lacan, é o Real que escapa à simbolização, que não ésimbolizável e que, portanto, faz objeção ao inconsciente.

Gostaria de assinalar, ao escrever o discurso do mestre, que, em 1964, Lacan tinhaaproximadamente a mesma escritura para falar do inconsciente. O inconscientecomo alienação, Lacan o escreve assim.

S1 →  S2 S1 S2

$ a  (desenho de 1964

(discurso do mestre) (Sem. 11.p. 187)

x$ São, contudo, essas as preliminares da escritura do discurso do mestre. Devemosnos surpreender com o fato de que quatro anos depois dos Quatro conceitosfundamentais da Psicanálise, vemos surgir os quatro discursos. O que falta nestadata, aliás, coloco-o entre parênteses, é o objeto a. Ele chega, então, ao fim doseminário com um pequeno efeito de surpresa e trata-se verdadeiramente doobjeto que não se esperava, pelo menos não se esperava o psicanalista neste lugar,vindo perturbar o equilíbrio inconsciente. Em outros termos, há uma homologiamuito grande entre a escritura do inconsciente e a do discurso do mestre. E oobjeto é o que permite transtornar essa homologia.

Se tudo isso é verdadeiro e se há esta parte não simbolizável nessa redução dopsicanalista ao objeto que faz resistência ao jogo de significantes, tiramos dissouma outra conseqüência, ou seja, que isso instaura uma profunda dissimetria entreo analisando e o analista. Isso recoloca totalmente em causa as leis da

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intersubjetividade. Digamos com uma palavra o que aparece muito claramente no “grafo” a→$: o psicanalista não opera com sua divisão, o psicanalista não operacom seu inconsciente. Sobre isso, Lacan varria com uma tacada toda essa orgia deopiniões e de teorias acerca da contratransferência – a contratransferênciaentendida como o esfrega-esfrega de dois sujeitos divididos: eu te entendo, vocême entende, a gente se entende. Estou exagerando, mas, no entanto, é essa a

propensão à compreensão, à empatia que alguns analistas anglo-saxões seguiram,como, por exemplo, Winnicott que diz que é preciso acompanhar o paciente em suaregressão e isso implica efetivamente que o compreendamos.

Todo problema está aí – se na análise o psicanalista não é sujeito, não há tantaescolha, ele é objeto, porém um objeto especial que não deve, segundo Lacan,permanecer como um objeto de amor. Ele deve, portanto, ocupar um lugar que nãoé totalmente previsto, que tampouco tem equivalente na história da psicanálise.

Já que estava falando da contratransferência, diria que essa propensão asimetrização entre o analista e o paciente também produz seu próprio reviramentoquando é o próprio paciente que se torna o objeto. Obtém-se esse reviramentomáximo, por exemplo, com Searles, psicanalista americano, especializado em

psicose. Ele, ingenuamente, sem dúvida, revela o segredo, ou seja, que comoanalista detesta ser tomado por um outro. Ele não suporta que haja erro quanto àpessoa, não suporta ser tomado por um significante. Ele prefere ser tomado por umdoente. Donde sua célebre tese: o analisando, terapeuta de seu analista. Isto é omesmo que dizer que o analisando se torna o objeto a de seu analista, aquele quevai ser precisamente a causa do “endireitamento” subjetivo, da mutação subjetivado psicanalista que, segundo Searles, justamente, por ter uma tendência um tantodemasiada de se tornar por um outro, deve tornar-se ele mesmo. Vemos muitobem que para além das concepções da contratransferência, não há mil maneiras defazer. Basta um pequeno deslocamento que rompa a bela simetria para que um dosdois protagonistas ocupe o lugar da causa – da causa de um desejo novo. Porém,para Searles, é o paciente que está nesse lugar da causa. Creio tratar-se de umaindicação, evidentemente, do que não se deve fazer, porque isso é absolutamenteantinômico com esta escritura (a→$). O psicanalista é reputado ter resolvido essascoisinhas subjetivas que concernem estados d’alma em outro canto.

Na minha opinião todo o problema é o seguinte: o psicanalista como real é aantinomia de uma definição do psicanalista como significante, como sujeitosuposto. A releitura da obra de Freud, sempre trouxe, no fundo, uma suspeiçãoacerca do psicanalista como simbólico de algo. Ele seria representante do pai, paraFreud, ou, para Lacan, sujeito suposto saber. Estou insistindo aqui na suposição. Oque isso quer dizer? Que é o analisando que supõe o analista, que faz opsicanalista. Isso abala consideravelmente a solidez do psicanalista como sujeito.Abala a intersubjetividade. A partir do momento em que se considera que atransferência é o sujeito suposto saber, que ele a determina, então, é preciso dar-se conta de que a transferência faz objeção à intersubjetividade. É outra maneirade dizer isso, porém, com isso voltamos a dizer que o psicanalista é, num certosentido, uma invenção do sujeito neurótico, pois o significante do psicanalista criaproblemas. Isso quer dizer que se colocarmos, ingenuamente, a questão dosignificado ou do referente deste significante, é possível que não haja. Não é por secolocar uma placa na porta – Sr. Fulano de tal, psicanalista – que se é psicanalista.É preciso ainda que alguém venha tocar a campainha e colocar-se num certo lugarsimbólico, ou seja, que lhe empreste um saber ou, pelo menos, a possibilidade defazer funcionar um saber suscetível de lhe revelar o sentido do sintoma que oatravanca. Deste modo, com esse saber inconsciente transferido ao analista,obtém-se efetivamente um novo sujeito, um efeito do sujeito.

Esse efeito de sujeito é, portanto, produzido pelo lugar que ocupa o objeto no

discurso, e não pelas propriedades intrínsecas do objeto. É por essa razão quepodemos dizer que o objeto a, nesse discurso, está no lugar do semblante. Em

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nenhuma outra parte senão nesse dispositivo manifesta-se a consistência desseobjeto que não é nem empírico nem ontológico. É lógico.

Em todos os outros discursos o lugar do semblante é ocupado por um significante.É isso que confere ao significante sua potência ou sua dominância: o fato defuncionar como semblante. Se o psicanalista ocupa este lugar, por sua vez, ele fazvaler a função do objeto como desarmado da significação que o analisando, noentanto, lhe confere em sua fantasia.

Há, portanto, razão para distinguir como faz Lacan no capítulo VIII do SeminárioMais, ainda, o lugar do semblante, o psicanalista, o objeto Lacan precisa:

 “ocasionalmente como psicanalista, somos o que pode ocupar o lugar do semblantee fazer reinar aí o objeto a”. O que quer dizer que o analista nem é semblante nemmesmo semblante do objeto, porém, mais precisamente, que ele faz reinar o objetocomo semblante; o objeto como nada ou como furo.

É verdade que para conseguir isto é preciso encarnar esse objeto, e o psicanalista éo agente dessa encarnação, o que o separa de outras funções. A emergência dissoé uma certa desqualificação da verdade assim como da categoria de significação.Com o objeto a no lugar do semblante, o analista está na posição mais conveniente

para “interrogar como saber aquilo de que se trata na verdade” e não o inverso,isto é, tomar a verdade como medida do saber, o que geralmente é a posição doneurótico.

Notas da tradução:

1.  Faire semblant . Convém observar que o termo semblante tem a acepção deaparência presente no termo francês. Não contém, no entanto, de formaexplícita a acepção de simulacro tão importante na teorização de Lacan.Conservamos, porém, o termo semblante apoiando-se na etimologia: vem doantigo provençal semblar derivado do latim similar.

2.  Refente. Operação pela qual serra-se ou fende-se a madeira no sentido do

comprimento. Optou-se por fendimento ao invés de serração para se manter oradical latino comum.