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1 COSTURANDO RETALHOS: HISTÓRIA DA SUINOCULTURA EM ITAPIRANGA 1 Leandro Hahn 2 Seno Leopoldo Anton 3 RESUMO Resgatar e descrever os principais elementos que caracterizaram a história da suinocultura em Itapiranga é o objetivo central deste trabalho. Para isso, foi consultado o pouco da memória registrada em livros e informações obtidas de entrevistas de agricultores e técnicos envolvidos com o setor. Através desta pesquisa, três fases puderam ser identificadas. Inicialmente uma fase predominada pela suinocultura extensiva, com a criação de animais chamados crioulos, totalmente soltos e, cuja finalidade era produzir banha para a comercialização e subsistência das famílias. Uma segunda fase foi marcada pela criação das agroindústrias de integração e intervenção da Associação de Crédito e Assistência Rural de Santa Catarina (ACARESC). Uma terceira fase foi marcada pelo término da intervenção da ACARESC no setor suinícola, sendo este papel assumido totalmente pelas agroindústrias de integração, através dos seus contratos de parceria. Um novo modelo de suinocultura começou a preponderar desde então, concentrando os animais em poucas propriedades e a maior parte das tomadas de decisão nas mãos das agroindústrias. Palavras-chave: História, Suinocultura, Poluição ambiental, Agroindústria ABSTRACT To rescue and to describe the main elements that characterized the history of the swine breeding in Itapiranga is the central objective of this work. For that, the little of the memory registered in books was consulted and obtained information on the interviews by farmers and technicians involved with the section. Through this research, three phases could be identified. Initially a prevailed phase by extensive swine breeding, with the creation of animals called “Creoles”, totally loosened and, whose purpose was to produce fat for the commercialization 1 Pesquisa realizada na disciplina de Origens da Agricultura do Curso de Pós-Graduação (Mestrado) em Agroecossistemas/UFSC. 2 Coordenador e Professor Curso de Agronomia FAI – Faculdade. Mestre em Agroecossistemas ([email protected] ) 3 Professor de Ciências Agrícolas e Naturais, Mestre em Agroecossistemas, Atua como Diretor da Escola Básica Municipal Peperi-Guaçu de Linha Aparecida, Itapiranga-SC. E-mail: [email protected] Fone 49- 36773099

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COSTURANDO RETALHOS: HISTÓRIA DA SUINOCULTURA EM ITAPIRANGA1

Leandro Hahn2

Seno Leopoldo Anton3

RESUMO

Resgatar e descrever os principais elementos que caracterizaram a história da suinocultura em

Itapiranga é o objetivo central deste trabalho. Para isso, foi consultado o pouco da memória

registrada em livros e informações obtidas de entrevistas de agricultores e técnicos envolvidos

com o setor. Através desta pesquisa, três fases puderam ser identificadas. Inicialmente uma

fase predominada pela suinocultura extensiva, com a criação de animais chamados crioulos,

totalmente soltos e, cuja finalidade era produzir banha para a comercialização e subsistência

das famílias. Uma segunda fase foi marcada pela criação das agroindústrias de integração e

intervenção da Associação de Crédito e Assistência Rural de Santa Catarina (ACARESC).

Uma terceira fase foi marcada pelo término da intervenção da ACARESC no setor suinícola,

sendo este papel assumido totalmente pelas agroindústrias de integração, através dos seus

contratos de parceria. Um novo modelo de suinocultura começou a preponderar desde então,

concentrando os animais em poucas propriedades e a maior parte das tomadas de decisão nas

mãos das agroindústrias.

Palavras-chave: História, Suinocultura, Poluição ambiental, Agroindústria

ABSTRACT

To rescue and to describe the main elements that characterized the history of the swine

breeding in Itapiranga is the central objective of this work. For that, the little of the memory

registered in books was consulted and obtained information on the interviews by farmers and

technicians involved with the section. Through this research, three phases could be identified.

Initially a prevailed phase by extensive swine breeding, with the creation of animals called

“Creoles”, totally loosened and, whose purpose was to produce fat for the commercialization

1 Pesquisa realizada na disciplina de Origens da Agricultura do Curso de Pós-Graduação (Mestrado) em Agroecossistemas/UFSC. 2 Coordenador e Professor Curso de Agronomia FAI – Faculdade. Mestre em Agroecossistemas ([email protected]) 3 Professor de Ciências Agrícolas e Naturais, Mestre em Agroecossistemas, Atua como Diretor da Escola Básica Municipal Peperi-Guaçu de Linha Aparecida, Itapiranga-SC. E-mail: [email protected] Fone 49-36773099

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and subsistence of the families. A second phase was marked by the creation of the integration

agribusinesses and intervention of the Association of Credit and Rural Attendance of Santa

Catarina (ACARESC). A third phase was marked by the end of the intervention of

ACARESC in the swine production, being this paper totally assumed by the integration

agribusinesses, through their partnership contracts. A new swine breeding model began to

prevail ever since; concentrating the animals in few properties and most of the taking of

decision stayed the hands of the agribusinesses.

Key-words. (History, swine breeding, Porto Novo, Environment pollution, Agribusiness.

INTRODUÇÃO

A suinocultura em Itapiranga4 sofreu inúmeras transformações desde que os primeiros

animais foram introduzidos pelos colonizadores alemães. Após um modelo inicial de

produção em que os suínos eram produzidos com recursos gerados exclusivamente dentro da

propriedade, a atividade passou a ser desenvolvida num modelo em que todos os insumos são

produzidos e trazidos de fora da propriedade agrícola e, na maioria das vezes, à distâncias e

custos muito altos, sendo que o agricultor participa apenas com a mão-de-obra. O agricultor

perdeu toda a ingerência na atividade.

Quem não quis ou não teve recursos financeiros para converter seus sistemas

tradicionais de criação ao novo sistema, não mais conseguiu comercializar seus animais e teve

que abandonar a atividade. Além da eliminação da grande maioria dos produtores, verificou-

se uma grande concentração de animais em poucas propriedades e o conseqüente grande

acúmulo de dejetos, provocando inúmeros problemas ambientais. Atualmente, de acordo com

dados levantados pela SECRETARIA DE ESTADO DO DESENVOLVIMENTO RURAL E

DA AGRICULTURA – SDA (2002), esta região figura entre as mais problemáticas do ponto

de vista ambiental do estado de Santa Catarina.

Descrever a trajetória da suinocultura em Itapiranga é o que tentaremos fazer neste

trabalho. As poucas informações registradas que encontramos para auxiliar-nos nesta tarefa

demonstra já haver uma significativa perda da memória histórica, o que vem a ressaltar a

importância deste trabalho.

Para ajudar-nos a contar esta história, utilizamos algumas publicações, principalmente

JUNGBLUT (2000) e informações obtidas através de entrevistas a técnicos e suinocultores da

região.

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PRIMEIRA FASE: COLONIZAÇÃO DE PORTO NOVO E O INÍCIO DA

SUINOCULTURA

Os suínos foram os primeiros animais domésticos criados para fins comerciais pelos

colonizadores descendentes de alemães em Itapiranga. Os primeiros exemplares vieram de

lancha de Nonoai/RS, em 1928, dois anos após a vinda das primeiras famílias, junto com

alguns bovinos e galinhas. Estes colonizadores já tinham algum conhecimento sobre sua

criação, já que eram comuns criações de porcos nas colônias velhas.

Em Santa Cruz do Sul criávamos os porcos em currais bem grandes e tinham grama

para pastar. Dávamos mandioca, milho em espigas, batata-doce, abóbora, serralha e

estas coisas trazidas da roça. Levava-se muito tempo até atingir 100 kg. Para

engordar os bichos, a gente os separava, geralmente numa baia no chão e tratava

lavagem com minerais feitos de enxofre, farinha de osso, torresmo e sal comum. A

água da pia também era dada para os porcos (Agricultor de Itapiranga).

Os porcos tinham a finalidade de fornecer carne para as famílias e a banha era

utilizada para conservar a carne e o excedente comercializado. A carne era salgada, fritada,

mergulhada em banha dentro de latas de 20 Kg ou em tambores de ferro e ali podia se

conservar até um ano. Conforme Strieder (2000), produzir excedentes para o mercado, além

de ser uma necessidade para que pudessem comprar aquilo que não podiam ou mesmo não

queriam produzir na propriedade, é também uma necessidade de externar um valor cultural

de praxe nas “colônias velhas” do Rio Grande do Sul, trazido pelos imigrantes alemães e

italianos de seus países de origem.

A banha foi depois da extração e venda da madeira, o produto que nas primeiras três

décadas mais renda trouxe às famílias itapiranguenses. Quem intermediava a venda da banha

dos agricultores para mercados mais distantes eram os comerciantes. Estes compravam o

produto e o vendiam para Santa Bárbara e Santo Ângelo no Rio Grande do Sul, arcando com

o frete. Mais tarde, o produto foi levado a Ijuí/RS e ao frigorífico Pagnocelli de Joaçaba/SC.

Os comerciantes eram elementos chaves nesta primeira fase da suinocultura. Eles eram

uma espécie de conselheiro dentro da comunidade, prestando assistência financeira e técnica

aos moradores, (Strieder, 2000). Desta forma, através de atos em prol das pessoas e das

comunidades, sua influência foi se tornando cada vez mais importante e mais requisitada.

Estabelecia-se assim uma relação de dependência do agricultor com o comerciante, em nome

da confiança e da amizade. Esta dependência era tão forte que dificilmente os agricultores

4 Neste trabalho, Itapiranga compreende o atual município de Itapiranga, São João do Oeste e Tunápolis.

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participavam da fixação de preços dos animais que comercializavam, assim como de outros

produtos postos à venda e das mercadorias que compravam para o consumo. A herança

histórica de não participação das decisões comerciais da produção de suínos continuará a se

refletir mais tarde, quando o comerciante é substituído pelas grandes agroindústrias

integradoras.

Até 1957, os comerciantes ainda compravam a banha em quaisquer quantidade e

qualidade. Por volta de 1955, deixou de ser rentável produzir banha, e os porcos passaram a

ser vendidos inteiros. Uma estimativa de 1949 avalia que neste ano Porto Novo produziu

400.000 Kg da banha (RHODE, 1951 apud JUNGBLUT, 2000).

Os animais criados eram de raças crioulas, sem melhoramento genético, com baixa

precocidade e produtividade, mas que apresentavam uma rusticidade muito grande, com baixa

propensão a doenças e parasitas.

Doenças tinham algumas. Morriam porcos até por causas desconhecidas. Muitas das

doenças atuais já existiam. Quando tinha produtos na venda, a gente comprava e

aplicava. Para suínos ressequidos fazia-se um preparado com banha e sabão e se

aplicava no reto do animal. Era solto no barro onde pudesse fuçar. Contra os vermes

nós fazíamos alguns tratamentos com injeções ou colocávamos um produto na água.

Quando não tinha medicamentos tratava-se alho (Agricultor de Itapiranga).

Os porcos eram criados soltos, junto com os bovinos ou em áreas separadas. A

engorda geralmente era feita em chiqueiros rudimentares. O esterco caía pelo piso e escorria

por baixo e ao redor dos chiqueiros, sem muita preocupação com a poluição do ambiente e a

sua utilização como fertilizante. Era comum em dias de chuva o esterco ser carreado até os

riachos próximos.

Ninguém usava ração comprada, esta nem era disponível na região. Os suínos

recebiam como alimentação complementar um ensopado preparado com abóboras, melões,

melancias, mandioca, soja, sal e água. Este ensopado era preparado em panelões ou em

tachos. A água usada para lavar louça na cozinha também era tratada aos porcos. A água era

carregada com baldes e derramada em cochos de madeira, sendo comum a sua falta, além da

má qualidade da mesma (não havia água encanada). Era costume tratar os suínos por volta dos

2 anos, quando estavam tão gordos que apresentavam até dificuldade para se locomoverem.

As condições higiênico-sanitárias das famílias nos primeiros anos também eram

bastante precárias. As defecações geralmente eram feitas em latrinas, ou casinhas, como

alguns as conheciam. As famílias que não possuíam esta construção faziam suas defecações a

céu aberto, de maneira que os animais acabavam entrando em contato com estes resíduos.

Assim os porcos eram fonte potencial de inúmeros parasitas ao homem, como as lombrigas e

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a Tenia solium. Pelo consumo de carne suína mal processada, o homem acabava se

recontaminando.

Neste primeiro período, podemos perceber que a criação de suínos nas propriedades

apresentava um papel preponderante, tanto como fonte de alimento e de renda, assim como o

suíno representava um elemento que reciclava inúmeros resíduos dentro da propriedade e os

transformava em carne e banha. O custo de produção dos animais nesta época era

praticamente nulo, pois todo o alimento complementar da dieta dos suínos era produzido

dentro da propriedade. A prática da policultura

milho/abóbora/melão/melancia/batata/mandioca permitia um rendimento de alimentos

bastante elevado.

A partir da década de 60 é que a atividade começou a se modificar mais

significativamente. Dois fatos vieram a ser um verdadeiro “divisor de águas” dentro da

suinocultura itapiranguense: a implantação da Sociedade Anônima Frigorífico Itapiranga

(SAFRITA) em 1962, e de um escritório local da Associação de Crédito e Assistência Rural

de Santa Catarina (ACARESC), em 1965.

SEGUNDA FASE: A IMPLANTAÇÃO DO FRIGORÍFICO E A ATUAÇÃO DA

ACARESC

A idéia de construir um frigorífico em Itapiranga nasceu de um levantamento sócio-

econômico encomendado pela prefeitura municipal. Este levantamento, aliás, o primeiro feito

no município, foi realizado de 1961 a 1962 por uma empresa paulista e tinha como objetivo

fazer um diagnóstico da realidade agrícola em Itapiranga. A partir dos dados de produção e

produtividade das principais atividades agrícolas desenvolvidas e de uma demanda de

mercado, alguns empreendimentos foram sugeridos. Com relação à suinocultura, os dados

obtidos, somados ao conhecimento de haver uma grande produção de suínos em todo Oeste

Catarinense e de uma grande demanda nacional por carne suína, viabilizariam a construção de

um frigorífico.

Neste levantamento foram identificados 44.000 suínos, quase todos do tipo banha, o

que permitiria o abate diário de 110 porcos. Os municípios vizinhos forneceriam mais 30.000

suínos permitindo um abate de 250 suínos/dia. Ainda de acordo com este levantamento, a

participação da suinocultura em Itapiranga representava 73% da renda familiar. Cerca de

2.200 propriedades agrícolas tinham suínos, com uma média de 20 porcos de 120

Kg/propriedade/ano.

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O frigorífico foi dimensionado para abater até 400 suínos/dia. Ainda em 1962, foi

formada uma comissão para dirigir os trabalhos do frigorífico. A equipe formada tomou o

nome de COMUDE – Comissão Municipal de Desenvolvimento. Dela participavam

agricultores que tinham ações na empresa

Como o mercado consumidor na época já exigia uma carne suína mais magra e a

banha também não tinha mais uma grande aceitação pelo consumidor devido à uma grande

propaganda contra este produto, e ao mesmo tempo a favor do consumo de óleo de soja, a

nova empresa começou a incentivar a substituição das raças crioulas do tipo banha por raças

do tipo carne. Estas deveriam ser mais precoces e as matrizes teriam que criar mais leitões,

favorecidas por reprodutores bem selecionados, um melhor manejo e o uso de uma ração

balanceada na dieta.

O Pe. Oscar Puhl foi quem trouxe as primeiras raças melhoradas para Itapiranga.

Fundou um posto de suinocultura no atual Colégio Agrícola São José, no interior de

Itapiranga, e trouxe reprodutores Duroc-jersei, de pêlo vermelho, Berkshire, de pelagem

branca e preta, Landrace, e mais tarde Largewhite, ambas de pelagem branca. Ele vendeu

vários animais aos produtores. O povo falava em “Paterpuhlschwein” - porcos do Pe. Puhl.

Toda a assistência técnica aos produtores era pública. Por isso, papel preponderante na

modernização da suinocultura em Itapiranga deve ser atribuído a ACARESC. A instalação da

ACARESC possibilitou a vinda de um engenheiro agrônomo e a introdução de novas técnicas

de produção. Os técnicos recebiam treinamentos fornecidos pela própria empresa para

implementar a transição da suinocultura nos municípios para os quais eram designados. Em

Itapiranga, a suinocultura foi um das atividades que mais destaque recebeu do primeiro

Engenheiro Agrônomo que atuou pela ACARESC na região - Francisco Lucas, em 1965.

Inúmeras inovações foram introduzidas.

A ACARESC prestava orientação técnica para todos os suinocultores da região. Ela

insistia na substituição dos chiqueiros arcaicos por modelos tecnicamente projetados e das

raças crioulas pelas modernas. Estes foram construídos tendo uma parte sob o telhado e outra

exposta ao sol. Além disso, as matrizes dispunham uma área com acesso à pastagem e

casinhas parideiras separadas do galpão de engorda. Neste modelo de chiqueiro foram

introduzidas a água encanada e a ração balanceada. A partir destas inovações e de uma maior

atenção dispensada aos animais, o tempo de engorda diminuiu de 14 para 7 a 8 meses.

Ainda nos anos 60, os frigoríficos começaram a pagar menos pelos animais com peso

acima de 160 Kg por excesso de gordura. Os porcos brancos começaram a valer mais do que

os mistos e vermelhos, e estes mais do que os pretos. Mesmo o preço pago aos agricultores

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sendo 30 a 40% inferior ao preço pago pelo porco branco, os agricultores continuavam

insistindo em produzir o porco preto. Isto pode ser confirmado pelo depoimento abaixo:

Nós fazíamos experimentos criando o porco preto no modo antigo e o branco

conforme os técnicos ensinavam, mas no final ainda tínhamos um lucro maior com o

porco preto (Agricultor de Itapiranga).

Os agricultores reclamavam prevendo o fim do porco comum, o que se confirmou em

poucos anos quando as empresas pararam totalmente de comprar estes animais. Para

aproveitar o potencial produtivo máximo do porco branco, era recomendado pelos técnicos

que a base da alimentação dos animais fosse a ração balanceada elaborada a partir de milho,

soja torrada, suplemento mineral e sal comum. Exemplos de formulações de rações a partir

das necessidades dos animais e destes ingredientes foram formuladas e repassadas aos

agricultores. Apesar da base da alimentação dos animais ser o milho e a soja, a assistência

técnica recomendava ainda a utilização de diversos alimentos produzidos na propriedade,

como abóbora, mandioca, cana-de-açúcar e pasto verde.

Assim como nos primeiros anos, o uso de diversos alimentos produzidos na

propriedade, como abóbora, mandioca, cana de açúcar e pasto verde continuou a ser usado

pelos agricultores e estimulado pela assistência técnica. Os próprios agricultores relutavam

em substituir os alimentos tradicionais pelo milho e soja, mesmo porque estes possuíam um

valor de venda elevado, o que aumentava o custo de produção.

Outro aspecto que foi bastante incentivado pelo técnico foi a melhoria no tratamento

sanitário dos suínos. Eram realizados diversos dias de campo onde práticas de desverminação

eram demonstradas e vantagens das criações em áreas cercadas eram apresentadas aos

agricultores. Estas demonstrações eram geralmente precedidas de uma autópsia de um animal

para mostrar os níveis de contaminação que ocorriam quando os animais eram criados soltos e

entravam em contato com fezes humanas (FIGURA 1).

A grande maioria dos novos chiqueiros que iam sendo construídos através do

incentivo da ACARESC era financiada pelos bancos. A ACARESC era quem fazia os

projetos e não permitia que o agricultor tivesse uma produção de suínos maior do que a

capacidade da propriedade em produzir alimentos para seu plantel. Um hectare de terra para o

plantio de grãos era suficiente para manter uma porca e sua prole até o abate. Desta maneira

evitava-se que o agricultor precisasse comprar de fora algum ingrediente da ração dos

animais. Previa-se também o retorno do esterco produzido pelos animais às lavouras, o que

anteriormente não acontecia.

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FIGURA 1: Dia de campo onde o técnico da ACARESC mostra a quantidade de

lombrigas existentes em um suíno. Foto gentileza de Francisco Lucas.

“Se o agricultor quisesse expandir sua produção além dos limites estabelecidos pela

ACARESC, nós não fazíamos o projeto para ele e assim ele não conseguia

financiamento. A viabilidade econômica da atividade deveria passar

necessariamente pela produção dos alimentos dentro da propriedade agrícola”

(Engenheiro Agrônomo da EPAGRI).

Nos anos 70 foi estimulada também a implantação de biodigestores para a produção de

gás. Apesar de vários terem sido implantados, aos poucos foram abandonados pela pouca

eficiência demonstrada.

A grande dificuldade dos agricultores era, porém, o suprimento de proteína aos

animais. Pensando nisso, a SAFRITA assim que iniciou o abate de suínos, começou a venda

de farinha de carne aos produtores. A farinha de carne foi o primeiro ingrediente das rações

que os suinocultores adquiriram dos frigoríficos. Entre 1967 e 1970, variedades de soja

melhoradas para uma alta produtividade de grãos são introduzidas e amplamente plantadas

pelos agricultores de Itapiranga.

Como a soja apresentava fatores anti-nutricionais aos suínos quando tratada de forma

in natura, foram desenvolvidos diversos tostadores, tanto artesanais quanto modelos mais

modernos.

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A combinação de soja e milho, aliada a diversas outras fontes complementares de

alimentos produzidos na propriedade, garantiam uma elevada rentabilidade econômica da

suinocultura. O fato de no município haver um abatedouro, também foi um fator que

potencializou sobremaneira a atividade Assim o número de animais mais do que dobrou em

poucos anos à medida que estas inovações foram introduzidas (TABELA 1). Data também

dessa época a introdução e adoção de sementes de milho híbrido.

Apesar de continuar sendo usadas, as fontes complementares da alimentação dos

suínos foram aos poucos sendo abandonadas pelos agricultores. Eles viram que a elaboração

da ração formulada a partir do milho, soja, suplemento mineral e sal comum concentrado era

mais rápida e mais fácil do que produzir e tratar o ensopado, as raízes e o pasto verde.

A peste suína surgida entre 1976 e 1979, abalou profundamente a suinocultura do

oeste catarinense. Em Itapiranga ela também teve reflexos. Vários agricultores tiveram que

eliminar parte de seus plantéis como medida para desacelerar a disseminação da epidemia.

Este fato se refletiu significativamente nos frigoríficos. A SAFRITA, aliada também a

problemas de administração, apresentava seguidos déficits de balanço. Em 1981 a SAFRITA,

mergulhada em dívidas, foi vendida a CEVAL, do grupo HERING. Os acionistas que

fundaram a SAFRITA, entre eles, inúmeros agricultores, praticamente perderam todo o

dinheiro que investiram.

Uma nova relação se estabelece entre a integradora e integrados no momento em que

novas pessoas assumem a direção da empresa itapiranguense. O estabelecimento dessas novas

relações é apontado aqui como o início da terceira fase da suinocultura em Itapiranga.

TERCEIRA FASE: A PERDA FINAL DA AUTONOMIA DO PRODUTOR

A lógica da nova direção do frigorífico de Itapiranga era bastante diferente da visão

das pessoas que o fundaram. Anteriormente a instituição pública de assistência técnica e a

SAFRITA trabalhavam juntas. Quando a CEVAL começa a comandar a atividade em

Itapiranga, não mais interessava a ela o tipo de intervenção que a ACARESC vinha fazendo.

Para a nova empresa, o faturamento maior seria conseguido quando ela pudesse também

comercializar a ração aos agricultores, fornecer os animais e a assistência técnica que a ela

interessava e pudesse aumentar a concentração de animais em poucas propriedades para

diminuir os custos de frete. Todos as demais empresas do setor adotavam uma política de

atuação semelhante à CEVAL.

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“Quando eram pessoas daqui (Itapiranga) que mandavam na SAFRITA, tudo ia

muito bem. Sempre no final do ano era feita uma grande festa com os integrados...”.

“Nós sempre ficávamos sabendo do peso dos animais. Depois que a CEVAL

assumiu, a maioria dos agricultores não estava mais satisfeito” (Agricultor de

Itapiranga).

Uma última intervenção da ACARESC no setor, no começo da década de 80, foi o

estímulo dado aos agricultores para a construção de um armazém que permitia o uso do milho

durante várias épocas do ano. Este galpão, devido à origem da idéia ter sido no município de

Chapecó, foi chamado de "Galpão Modelo Chapecó". Sua grande vantagem era sua eficiência

no controle das pragas do milho armazenado, principalmente de ratos e do gorgulho do milho.

Apesar de muitos agricultores terem feito financiamentos e construído estes galpões, poucos

puderam fazer uso, pois seguidos poucos anos, toda a ração consumida pelos animais somente

poderia ser fornecida pela agroindústria integradora. Os agricultores perderam totalmente a

autonomia na fabricação da ração tratada aos animais.

Para se ter uma idéia do absurdo que se chegou, citarei um exemplo. O maior

produtor de milho e de soja de Itapiranga é provavelmente também o maior produtor

de suínos. Nenhum grão por ele produzido é transformado em ração para alimentar

seus animais. Primeiro ele vende toda a safra e depois precisa comprar a ração para

os seus animais. (Engenheiro Agrônomo da Epagri).

Ao mesmo tempo, os chiqueiros modelos da ACARESC foram abandonados e

construções totalmente cobertas, com todas as fases confinadas foram introduzidas. Com

exigências cada vez maiores de melhores instalações e um melhor manejo para a criação dos

suínos, nem todos os pequenos agricultores conseguiram satisfazer tais exigências do setor

agroindustrial e abandonaram a atividade. A TABELA 1 mostra que até os dias atuais não

mais que 20% dos agricultores mantiveram a suinocultura em suas propriedades. Ao mesmo

tempo, o número de animais praticamente não aumentou, demonstrando ter havido uma alta

concentração de animais em poucas propriedades.

Dentro da política das empresas, o agricultor que não cumpria com as metas

estabelecidas era excluído da integração. Para tal, as empresas utilizavam vários artifícios, que

iam desde a não prestação de assistência técnica, passando pela não aprovação de projetos de

ampliação, até pela não aquisição dos suínos.

TABELA 1: Evolução do número de suínos e no número de propriedades

com suinocultura em Itapiranga de 1962 a 2003.

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Ano Número de suínos Número de criadores

1962 44.000 2.200

1968 90.000 -

1970 84.000 -

1978 93.000 -

1980 83.522 2.200

2003 111.128 400

Fonte: EPAGRI (2003) e JUNGBLUT (2000).

Ainda na década de 1980, as indústrias passaram a dividir a produção de suínos entre

seus integrados. Estes passaram a se especializar ou na produção e criação de leitões ou na

engorda final.

O manejo introduzido pelas agroindústrias e a alta concentração de animais criaram

um dos mais graves problemas ambientais atualmente verificados em Santa Catarina. Esta

região é tida como uma das mais preocupantes do ponto de vista ambiental do estado. Num

diagnóstico realizado pela SDA (2002) revela que, depois de Pinheiro Preto, os municípios de

São João do Oeste e Itapiranga representam atualmente os municípios mais prioritários do

ponto de vista ambiental. A concentração de suínos nesta região (395 suínos/Km2) foi o

critério determinante para colocar esta região num destaque bastante negativo.

As constantes crises do setor, geradas pelos altos custos de ingredientes da ração, pelo

excesso de produção e pela incidência de algumas doenças que comprometeram as

exportações, contribuíram para aumentar ainda mais a concentração dos animais em poucas

propriedades, pois em condições de grande instabilidade no setor, praticamente os únicos que

conseguiam sobreviver eram os suinocultores com uma produção em grande escala ou que

possuíam outras atividades paralelas para manter os animais nas épocas de crise. Com o

estreitamento cada vez maior da margem de lucro, exige-se que o volume produzido por

propriedade aumente cada vez mais para que o produtor mantenha uma renda viável. Com

isso as propriedades vão se comprometendo sempre mais, nos aspectos ambiental e

econômico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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O que podemos verificar após fazermos um levante histórico de algumas informações

sobre a suinocultura em Itapiranga, é que a atividade sempre representou uma importante

fonte de renda para os agricultores itapiranguenses. Porém, cada vez mais o número de

produtores que conseguem auferir lucros e com isso manter-se na atividade é menor. Além

dessa característica, a atividade deixou de ser gerida pelos agricultores e passou a ser decidida

por interesses em que os agricultores são os últimos a serem contemplados. As decisões são

tomadas sem a intervenção dos agricultores e os órgãos públicos locais ligados à agricultura

também não são consultados. A grande maioria dos acontecimentos que desencadearam na

perda da autonomia dos agricultores na atividade, tanto dentro de suas propriedades agrícolas

quanto do frigorífico ao qual muitos tinham ações e a grande maioria comercializava seus

animais, não foram percebidos, ou se foram, não possuíam mais forças para suplantar o poder

das agroindústrias.

Da maneira como a cadeia produtiva da suinocultura está estruturada atualmente, o

produtor é o elo mais frágil e praticamente não tem mais condições de intervir nas decisões.

Diante de uma crise, ele tem sido o elemento responsável por arcar com os maiores prejuízos.

Esta realidade não é constatada só em Itapiranga, mas em todas as regiões que foram

implantadas relações agricultor/agroindústria semelhantes.

Quem defende o atual sistema de produção de suínos geralmente o faz alegando ter

havido um grande aumento da produção, e que isto teria sido necessário para suprir todo o

mercado. Através do trabalho que desenvolvemos, podemos perceber que o número de

animais produzidos dentro de Itapiranga pouco aumentou após a conversão dos sistemas

tradicionais pelo sistema introduzido pelas grandes empresas integradoras. Se este sistema

tivesse sido mantido, teria tido condições inclusive de se expandir. Já o sistema atual já

ultrapassou seu limite de expansão há muito tempo.

REFERÊNCIAS

EPAGRI. Dados levantados pela Empresa de Pesquisa e Extensão Agrícola da Santa

Catarina em Itapiranga, São João do Oeste e Tunápolis. 2003.

JUNGBLUT, Roque. Documentário Histórico de Porto Novo. São Miguel do Oeste/SC:

Arco Íris Editora. 2000, 630p.

Page 13: costurando retalhos - historia da suinocultura em Itapiranga · COSTURANDO RETALHOS: HISTÓRIA DA SUINOCULTURA EM ITAPIRANGA 1 Leandro Hahn 2 Seno Leopoldo Anton 3 RESUMO Resgatar

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SECRETARIA DE ESTADO DO DESENVOLVIMENTO RURAL E DA AGRICULTURA.

Manual Operativo – Programa de Recuperação Ambiental e de Apoio ao Pequeno

Produtor Rural. PRAPEM/MICROBACIAS II/SDA. 2002, 282p.

STRIEDER, Roque. Produção Agrícola integrada:a emergência humana do trabalhador

agrícola. São Miguel do Oeste/SC: UNOESC, 2000. 171p.