Cortella, Mário Sério - Mudando Velozmente
Transcript of Cortella, Mário Sério - Mudando Velozmente
Mudando velozmenteProfessor Mario Sergio Cortella diz que para sobreviver num mundo que muda em grande velocidade é preciso ser capaz de antecipar
A velocidade da mudança é anovidade do mundo contempo-râneo. Nunca, em toda a históriahumana, a sociedade mudoucom tanta velocidade. É precisoestar atento para não ser atrope-lado pela mudança nem ser pegopor suas armadilhas, como a ar-rogância e a acomodação. A únicamaneira de enfrentar isso é terhumildade para aprender, capaci-dade de perceber que não se po-de mais sobreviver do mesmomodo que se vivia, e que é preci-so antecipar-se à mudança.
Esta reflexão foi feita pelo filó-sofo e professor Mário Sérgio Cor-tella, ao falar sobre o tema Cená-rios turbulentos, mudanças velo-zes: acomodar é perecer, paraclientes e colaboradores do BancoRural, no dia 20 de agosto. A pales-tra fez parte do Rural Competên-cias, programa de desenvolvimen-to de executivos do Banco Rural.Cortella mostrou com exemplosdivertidos e surpreendentes comoo mundo mudou velozmente nasúltimas décadas, ressaltando quenão basta constatar as mudanças, épreciso compreendê-las.
“A velocidade da mudança étamanha, que cada dia você levan-ta mais cedo e vai deitar mais tar-de, sempre com a sensação deque está perdendo tempo”, disseCortella. Nem bem saímos de umfim de semana, outro já chegou, oNatal está próximo e o ano estáacabando. “Lembra, quando você
era criança, como as férias de finalde ano demoravam a passar?”
Hoje tudo é fast, ressaltou ofilósofo. O ritmo que essa veloci-dade imprime à nossa vida alterao nosso modo de ser, de conhe-cer e aprender. O horário das au-las foi ultrapassado pelas mudan-ças. Cortella explicou que o tem-po da aula tradicional – de cin-qüenta minutos durante o dia equarenta e cinco à noite – foi fi-xado no começo do século passa-do, depois que psicólogos cons-tataram ser este o tempo limiteno qual a criança e o jovem con-seguiam se manter atentos.
“Esta pesquisa foi refeita hádois anos e o tempo médio queuma criança ou um jovem hojepresta atenção em alguma coisa éde seis minutos”, revelou o filó-sofo. Isto porque as novas gera-ções cresceram assistindo a pro-gramas infantis de TV em que osblocos são de seis minutos.
Essa velocidade provocou ou-tra mudança: a distância entre asgerações diminuiu. “Choque degerações antigamente era choqueentre pais e filhos. Hoje, choquede geração é imediato; meu filhode vinte e seis anos é considera-do ultrapassado pela minha filhade vinte e quatro anos. Por suavez, o mais novo, de vinte e um,considera os dois mais velhos ul-trapassados. Eles não cortam ca-belo do mesmo jeito, não ouvemo mesmo tipo de música e não
usam o mesmo tipo de roupa”,disse Cortella.
Ele recorreu ao aniversário dedez anos da conquista do tetra-campeonato de futebol pelo Bra-sil para destacar as muitas mu-danças desse breve período. Coma ajuda da platéia, ele listou oseletroeletrônicos que não faziamparte da nossa vida há uma déca-da ou pouco mais: DVD, mi-croondas, câmara digital, celular,CD, TV a cabo. Também não ha-via internet, cartão de banco ecomputador pessoal eram recen-tes, mouse ainda não existia. Nes-se período quantos equipamen-tos ficaram obsoletos: máquinade escrever, fax, telefone com dis-co, vitrola, três-em-um, elepê, to-ca-fitas, telex, videocassete, bip,Pager, várias gerações de compu-tadores, Polaroid.
O videocassete ficou obsole-to sem que a maioria das pessoasmais idosas tenha aprendido aprogramá-lo; quando queremgravar um programa, elas recor-rem ao filho ou ao neto. “Sabecomo você sabe que a casa nãotem criança? O relógio do video-cassete fica piscando”, brincou.O sujeito então desliga o apare-lho. Este comportamento, segun-do Cortella, é grave, pois mostraque, em vez de tentar aprender onovo, o indivíduo quer recupe-rar o antigo, está desistindo, e éatropelado pela velocidade damudança.
P E S S O A S 9
INFORME ESPECIAL
w w w. r u r a l . c o m . b r
A velocidade trouxe prejuízos avalores importantes da vida humana,como a relação de confiança e a pa-ciência. “Como tudo é veloz, não dátempo de conhecer as pessoas”, ob-servou Mario Cortella. Ele lembrouque há vinte anos, fazíamos comprasem armazéns, empórios e mercea-rias; o funcionário anotava a lápis nu-ma caderneta, que ficava de posse docliente e era acertada no fim do mês.O dono sabia em quem podia con-fiar em que quem não podia.
A velocidade é ambígua e te-mos que ter cuidado com ela, aler-
ta o filósofo. Queremos velocidadena hora de ser atendidos por ummédico, mas não queremos veloci-dade na consulta. Queremos veloci-dade na hora de sentar num restau-rante para comer, mas não quere-mos ter de comer velozmente.Queremos ser atendidos com pres-teza pelo call center, mas quere-mos usar o tempo que for necessá-rio no atendimento.
“Algumas pessoas se subme-tem à velocidade como se ela fos-se uma ditadura, e isto acaba esti-lhaçando uma das coisas mais im-
portantes para a nossa capacidadede conviver, de aprender e de sa-ber, que é a paciência”, advertiuCortella. “A gente não tem maispaciência para cuidar, paciênciapara aprender. Se o seu computa-dor demora vinte segundos paraabrir um programa, você fica batu-cando no teclado”, disse.
Por falta de tempo, corremos orisco de perder, por exemplo, a ar-te de se tocar piano, pois se levamnove anos para aprender, pratican-do horas e horas por dia. E os jo-vens não têm tempo para isso.
É preciso não cair numa ar-madilha de confundir idosocom velho, advertiu Cortella.“Idoso é quem tem bastante ida-de, velho é o que acha que já sa-be, que já está pronto. Velho éarrogante. Idosa é uma pessoade sessenta anos, sessenta e cin-co, setenta; velho você pode seraos quinze anos de idade, aosvinte, trinta, quarenta, cinqüen-ta, sessenta”, explicou. Velhonão tem humildade, não apren-de; perece, porque é incapaz deacompanhar a mudança.
“Algumas empresas, há algunsanos, fizeram uma bobagem, emnome da reengenharia, manda-ram embora vários idosos e fica-ram com um bando de velhos.Agora, estão chamando os idososde volta, com o nome de consultor.Ao mandar o idoso embora, o queela mandou junto? A renovação.Gente idosa é cheia de vitalidade”,disse Cortella.
Essa vitalidade é a capacidadede antecipar, de ficar em estado deprontidão, não esperar as coisasacontecerem, ir atrás. A essa capa-
cidade, dá-se hoje o nome de pró-atividade. É diferente de reativida-de, que é aguardar para ver o queacontece. “O velho é reativo, o ido-so é pró-ativo”, definiu Cortella.
Um dos piores perigos é quan-do a gente se acomoda, porqueacomodar é perecer. “A satisfaçãoparalisa, amortece, faz com que agente se acomode. Guimarães Ro-sa diz isso num dos seus momen-tos mais geniais: o animal satisfei-to dorme”, citou Cortella. Por isso,segundo ele, a regra básica paranão perecer é não estar satisfeito.
Mario Sergio Cortella é fi-lósofo, com mestrado e douto-rado em Educação pela PUC-SP, na qual é professor Pós-Graduação em Educação e doDepartamento de Teologia eCiências da Religião, especia-
lista em geopolítica religiosa.É também professor convida-do da Fundação Dom Cabral,em Belo Horizonte, e consul-tor organizacional no campoda Ética, Educação e Gestãodo Conhecimento.
Velocidade acarreta perdas Idoso é diferente de velho
Quem é Mario Sergio Cortella
CONHECIMENTOO estoque de conhecimento está em todas as pessoas, mas corremos o risco de liquidá-lo com a arrogância, alerta o filósofo Mario Sergio Cortella
ACOMODAÇÃOA regra básica para não perecer é não ficar satisfeito, pois a satisfação leva à acomodação e acomodar é perecer
A arrogância é um perigo, poiscorremos o risco de liquidar omais poderoso estoque que te-mos, que é o estoque de conheci-mento. Este, segundo Mario Cor-tella, está não apenas nos livros,mas em todas as pessoas; cadauma tem um tipo de conhecimen-to. Ele contou duas histórias paraexemplificar a importância do es-toque de conhecimento.
Em 1994, quando chegou parapalestra numa fábrica em São Josédos Campos (SP), havia um palcofixo e vinte fileiras de vinte cadei-ras. Para aproximar as cadeiras dopalco, ele desceu e começou a pu-xar as cadeiras, uma por uma.Quando estava na quinta cadeira,alguns operários lhe ofereceramajuda. Perguntaram se podiam fa-
zer do jeito deles. Pegaram a últimafileira e a puseram na frente.
“O que eu estava fazendo erauma solução, mas não era a me-lhor, pois consumia mais trabalhoe mais tempo. A melhor soluçãoestava no estoque de conhecimen-to”, disse Cortella.
A outra história se passou no fi-nal dos anos 80, na fábrica paulistade uma das maiores multinacionaisdo planeta. Na esteira de aço, no finaldo processo, vez por outra, embala-va-se uma caixa vazia. Para resolver oproblema, dois engenheiros compós-doutorado, durante três mesesgastaram milhões e chegaram a umasolução genial: um programa decomputador acoplado a uma balançaultra-sensível acusava diferença depeso toda vez que passava uma caixa
vazia; o sistema travava, e um braçohidráulico rejeitava a embalagem.
Depois de cinco meses de fun-cionamento com sucesso, a empresadescobriu que o sistema tinha sidodesligado pelos operários havia trêsmeses. Eles explicaram que aquelesistema interrompia o trabalho delesa todo momento, por isso tinham re-solvido o problema do seu jeito. Fize-ram uma vaquinha, compraram umventilador e o colocaram junto à es-teira – quando passava uma caixinhavazia, o vento a empurrava para fora.
Mais uma vez, a melhor solu-ção estava no estoque de conheci-mento. “Seres humanos são anjosde uma asa só, para voar têm quegrudar no outro”, disse Cortella,citando o escritor italiano Lucianodi Crescenzo.
Anjos de uma asa só
O que é o Rural CompetênciasRural Competências é um programa de desenvolvimento de executivos do Banco Rural que promove regularmente pales-
tras de especialistas em gestão de pessoas, processos e negócios, liderança, finanças e economia. Por acreditar que o principalcapital do século XXI é o conhecimento, o Banco Rural, em parceria com o jornal Estado de Minas, compartilha com os leitoreso conteúdo das palestras.
O conteúdo das palestras está disponível pela internet no seguinte endereço: www.rural.com.br