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7º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política 4 a 7/08/2010, Recife-PE Área Temática: Instituições Políticas Título do Trabalho: Corrupção e instituições políticas: uma análise conceitual e empírica Autor: Rogério B. Arantes (Departamento de Ciência Política - USP) “But the great security against a gradual concentration of the several powers in the same department, consists in giving to those who administer each department, the necessary constitutional means, and personal motives, to resist encroachments of the others. The provision for defence must in this, as in all other cases, be made commensurate to the danger of attack. Ambition must be made to counteract ambition. The interest of the man must be connected with the constitutional rights of the place. It may be a reflection on human nature, that such devices should be necessary to control the abuses of government. But what is the government itself but the greatest of all reflections on human nature? If men were angels, no government would be necessary. If angels were to govern men, neither external nor internal controuls on government would be necessary. In framing a government which is to be administered by men over men, the great difficulty lies: you must first enable the government to controul the governed, and in the next place, oblige it to controul itself. A dependence on the people is no doubt the primary controul on the government; but experience has taught making the necessity of auxiliary precautions.(James Madison, 51st Federalist Paper, 1788) I. Introdução Com base no exame das operações conduzidas por organismos federais de combate à corrupção e ao crime organizado no Brasil, o presente paper desenvolve análise em torno de dois objetivos principais. Em primeiro lugar, o trabalho oferece um mapeamento empírico da corrupção política, redefinindo-a conceitualmente. Tal mapeamento resulta numa nova tipologia empírica das atividades estatais e governamentais mais sujeitas à corrupção política no Brasil, e a sua conceituação mais precisa nos permite redefinir o termo como apropriação direta e desvio de recursos públicos ou fraude organizada e reiterada de atividades estatais de autorização, concessão e/ou fiscalização relativas a interesses, bens e atividades econômicas, por parte de agentes públicos ou privados, mas com a necessária participação dos primeiros.” Em segundo lugar, mas não menos importante, analisa três deslocamentos no interior do sistema institucional que congrega ações de combate à corrupção no Brasil: 1) Da esfera cível para a esfera criminal, 2) Da esfera estadual para a esfera federal e 3) Da desarticulação a um maior adensamento das relações no interior da web of accountability institutions (resultando em aumento relativo da eficácia de suas ações). A hipótese que orienta o exame desses deslocamentos é de dupla natureza, institucional e organizacional: de um lado, tais mudanças podem ser explicadas pelo desenho institucional capaz de propiciar resultados mais efetivos nas esferas criminal e

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7º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política 4 a 7/08/2010, Recife-PE

Área Temática: Instituições Políticas

Título do Trabalho: Corrupção e instituições políticas: uma análise conceitual e empírica

Autor: Rogério B. Arantes (Departamento de Ciência Política - USP)

“But the great security against a gradual concentration of the several powers in the same department, consists in giving to those who administer each department, the necessary constitutional means, and personal motives, to resist encroachments of the others. The provision for defence must in this, as in all other cases, be made commensurate to the danger of attack. Ambition must be made to counteract ambition. The interest of the man must be connected with the constitutional rights of the place. It may be a reflection on human nature, that such devices should be necessary to control the abuses of government. But what is the government itself but the greatest of all reflections on human nature? If men were angels, no government would be necessary. If angels were to govern men, neither external nor internal controuls on government would be necessary. In framing a government which is to be administered by men over men, the great difficulty lies: you must first enable the government to controul the governed, and in the next place, oblige it to controul itself. A dependence on the people is no doubt the primary controul on the government; but experience has taught making the necessity of auxiliary precautions.” (James Madison, 51st Federalist Paper, 1788)

I. Introdução

Com base no exame das operações conduzidas por organismos federais de combate à corrupção e ao crime organizado no Brasil, o presente paper desenvolve análise em torno de dois objetivos principais.

Em primeiro lugar, o trabalho oferece um mapeamento empírico da corrupção política, redefinindo-a conceitualmente. Tal mapeamento resulta numa nova tipologia empírica das atividades estatais e governamentais mais sujeitas à corrupção política no Brasil, e a sua conceituação mais precisa nos permite redefinir o termo como “apropriação direta e desvio de recursos públicos ou fraude organizada e reiterada de atividades estatais de autorização, concessão e/ou fiscalização relativas a interesses, bens e atividades econômicas, por parte de agentes públicos ou privados, mas com a necessária participação dos primeiros.”

Em segundo lugar, mas não menos importante, analisa três deslocamentos no interior do sistema institucional que congrega ações de combate à corrupção no Brasil: 1) Da esfera cível para a esfera criminal, 2) Da esfera estadual para a esfera federal e 3) Da desarticulação a um maior adensamento das relações no interior da web of accountability institutions (resultando em aumento relativo da eficácia de suas ações). A hipótese que orienta o exame desses deslocamentos é de dupla natureza, institucional e organizacional: de um lado, tais mudanças podem ser explicadas pelo desenho institucional capaz de propiciar resultados mais efetivos nas esferas criminal e

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federal; de outro, a maior efetividade depende também da motivação endógena e do empenho das organizações no aumento da eficácia de suas ações e no adensamento das suas relações recíprocas, no interior da web of accountability, com vistas a superar o isolamento e a imprimir maior conseqüência às atividades de combate à corrupção.

A conjugação dessas duas dimensões remonta às lições de Madison no Federalista 51, quando afirma que a grande meta de um processo de construção institucional reside em dar aos que administram cada departamento do governo os meios constitucionais necessários e os motivos pessoais para resistir às invasões dos outros. Os mecanismos de defesa devem ser proporcionais aos de ataque, prossegue Madison, e a obtenção dessa proporcionalidade, pode-se dizer, é a chave do sucesso de um arranjo institucional destinado a funcionar de modo sistêmico e equilibrado. Veremos aqui como os descolamentos produzidos no interior do sistema de combate à corrupção e ajustes nos procedimentos que regulam ações nessa área refletem aquele desideratum da proporcionalidade. Outra conhecida lição de Madison diz respeito aos papéis que a ambição e o interesse cumprem no interior das organizações políticas. Da mesma forma, é possível verificar, na atuação dos órgãos de accountability no Brasil, que a ambição de uns deve poder contra-atacar a ambição de outros e que o interesse do homem deve estar associado aos direitos constitucionais do cargo. A dimensão organizacional das instituições, o empenho por obter sempre mais recursos, garantias e prerrogativas de ação, a tendência ao protagonismo e à exposição midiática e, por fim, os conflitos entre atores que exercem responsabilidades distintas e concorrentes são elementos que só se tornam compreensíveis à luz da máxima madisoniana.

Em termos gerais, a abordagem adotada no presente trabalho busca combinar elementos da ciência política interessada na explicação de processos e instituições e elementos da vertente analítica identificada com a “qualidade da democracia”. A vasta literatura existente sobre a trajetória dos países da terceira onda de democratização (Huntington 1991) tem destacado os problemas que afetam o funcionamento de novas poliarquias e as promessas não cumpridas de nossos regimes democráticos (Bobbio 1986). Passada a primeira fase da democratização, o reencontro das análises com um conceito mais amplo de democracia tem propiciado uma vasta e crítica literatura. Trata-se de uma miríade de estudos que seria impossível sintetizar aqui. De comum, penso que eles têm desempenhado o papel de trazer de volta uma série de questões sobre o ideal democrático que a definição minimalista de democracia adotada inicialmente acabou por desidratar. Alguns falam explicitamente em termos normativos e recolocam antigas exigências. Outros falam em termos analíticos e buscam demonstrar que a consolidação definitiva da democracia depende de avanços para além da simples competição política e da alternância no poder.1

1 Essa miríade de estudos levou Collier & Levitsky (1997) a afirmarem que vivemos numa

época de “democracias adjetivadas” (e vale consultar a sistematização dos diferentes adjetivos feita pelos autores). Na esteira de “delegative democracy” (O´Donnell 1994) muitos outros se seguiram e deram corpo à literatura identificada com a “qualidade da democracia”. Ver, por

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Por outro lado, penso que os temas da accountability e do combate à corrupção não podem ser tratados apenas nos marcos dessa perspectiva normativa da democracia. Para uma adequada compreensão do problema, nossas análises devem recorrer igualmente a uma segunda perspectiva, àquela que se convencionou chamar de teoria positiva ou “explanatória” (Shapiro 2002), que se empenha pela explicação de processos e instituições, a partir de premissas realistas sobre o comportamento humano e mediante recursos e técnicas de pesquisa e validação de resultados endereçados à busca de generalização. Sob essa definição mais ampla, creio poder situar desde os modelos de análise e de explicação baseados na escolha racional até as diversas vertentes do neoinstitucionalismo. Não cabe nos limites deste paper examinar as significativas diferenças entre essas escolas e vertentes. Interessa-me o que há de comum entre elas, para contrastar com a perspectiva da “qualidade da democracia.” Enquanto a perspectiva normativa tem buscado demonstrar a incompletude dos novos experimentos democráticos e recomendar os aperfeiçoamentos necessários, a segunda é mais analítica e está interessada na explicação do comportamento dos atores e no efeito das instituições, chegando a rejeitar o caráter normativo da primeira.

Considerando então essas duas perspectivas teóricas, a normativa e a explanatória (seja na vertente racionalista, seja na vertente institucionalista), penso que podemos superar essa dicotomia e buscar uma conjugação de esforços que seja útil à análise das instituições responsáveis por combater corrupção e promover accountability.

Ferejohn & Pasquino (2001) nos oferecem um bom ponto de partida para realizar essa conjugação. Dizem eles que vivemos uma situação duplamente irônica hoje: ninguém acha realmente que os homens se comportam exatamente como estabelecem as teorias da escolha racional e, por este ângulo, a primeira ironia estaria no fato de que tais teorias deveriam ser consideradas normativas. A segunda ironia estaria em não reconhecer que a teoria normativa também supõe a existência de sujeitos racionais ou inteligíveis e que, portanto, seu viés valorativo ou reformista não pode prescindir de um conceito de racionalidade que seja minimamente realista. Ferejohn e Pasquino (2001) destacam que “quem prescreve uma ação deve ser capaz de antecipar suas conseqüências relevantes em termos normativos. Em termos de definição, isso se aplica a teorias conseqüencialistas, mas nós acreditamos que teorias não-conseqüencialistas também precisam fazer cálculos dessa natureza, de forma a construir justificativas para o seu conteúdo moral.”

Pensando nos problemas da corrupção e da accountability, propostas de reforma institucional que tenham em mente aperfeiçoar mecanismos nessa área devem estar apoiadas em criteriosa análise sobre as relações entre atores interessados e instituições e, para tanto, modelos analíticos com alguma capacidade preditiva serão muito bem-vindos. Especialmente no caso dos mecanismos de accountability, pensados para obrigar governos a controlarem-se a si mesmos, deve-se considerar que o interesse do homem deve estar

exemplo, Karl (1995), Diamond (1996, 2002), Merkel & Croissant (2000), Holston (2007), Diamond e Morlino (2005).

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vinculado aos direitos constitucionais do cargo, como nos ensinou Madison, e a ambição de uns deve ser o combustível para combater a ambição de outros. Nesse sentido, o entendimento das questões institucionais na democracia deve passar necessariamente pela verificação deste jogo de interesses e ambições e a teoria normativa não pode fechar os olhos a essa dimensão. Ferejohn & Pasquino (2001) asseveram acertadamente que

“qualquer teoria normativa requer uma teoria positiva que permita desenvolver os cálculos apropriados das ações. Além disso, para que uma teoria normativa seja atrativa, ela deve ser ao menos um pouco plausível, assim como atrativa, à luz da teoria positiva. Ela deve conseguir acertar (ao menos na maior parte das vezes), caso contrário qual seria a atração das prescrições normativas que se apóiam nela?”

Os estudos sobre corrupção e accountability podem se beneficiar enormemente dessa convergência a que fazem referência Ferejohn & Pasquino e suas prescrições poderão se tornar atraentes desde que lastreadas por explicações consistentes da interação dos atores em determinados contextos institucionais. A distinção operada por O´Donnell entre “accountability vertical” e “accountability horizontal” (1999a) abriu caminho a um vasto campo de estudos de ciência política sobre atores e instituições até então pouco examinados pela disciplina: agências de controle, tribunais e órgãos de fiscalização dos gastos públicos, ombudsman, Ministério Público, comissões parlamentares de inquérito, poder Judiciário, dentre outros. Se a preocupação com a “accountability horizontal” teve origem normativa – O´Donnell abre seu artigo afirmando que “my interest in what I labeled ´horizontal accountability´stems from its absence” - o fato é que a incorporação de tais atores e instituições tem desafiado a própria ciência política a ampliar seu repertório conceitual e sua agenda de pesquisa.

À incorporação de novos atores e instituições ao campo da análise política segue-se o desafio de prover, por meio das teorias positivas da escolha racional ou do institucionalismo, elementos úteis à perspectiva normativa. Embora a tentação de adjetivar democracias seja grande, qualquer conclusão a respeito da incompletude ou das mazelas que eventualmente caracterizem tais regimes deve ser precedida por análises criteriosas sobre o funcionamento de suas instituições. Teorias positivas podem desafiar teorias normativas e estas, para se manterem acesas, devem enfrentar e absorver as descobertas das primeiras, se quiserem seguir na defesa de mudanças institucionais. No terreno dos estudos sobre mecanismos de controle do poder político, o primeiro passo nessa direção deve ser o de realizar um criterioso mapeamento das instituições e atores que promovem accountability, seus interesses e as interfaces que mantém no interior do sistema mais amplo (Isunza Vera e Gurza Lavalle, 2010).

Por essas razões, prefiro pensar na relação entre essas perspectivas na forma de uma espiral, pela qual a cada movimento de ampliação do conhecimento sobre a ação dos atores e os efeitos das instituições, logramos a possibilidade de reposicionar a perspectiva de reformas sobre essas mesmas

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instituições. Em suma, mais vale apostar na convergência entre ambas as perspectivas do que na esterilização de uma pela outra.

A análise das instituições de accountability, especialmente as destinadas ao combate da corrupção, pode se beneficiar dessa convergência. No caso brasileiro, conhecer as causas da corrupção e como operam os órgãos destinados ao seu combate é algo que requer uma compreensão desde os microfundamentos da ação racional, passando pelo peso do patrimonialismo em nossa formação histórica até os efeitos do desenho institucional e das organizações sobre o comportamento dos atores, e tudo isso não apenas à luz de uma teoria positiva, mas igualmente inspirados pelas promessas democráticas a realizar.

II. Corrupção: mapeamento empírico e redefinição conceitual.

Num país de formação patrimonialista (Faoro 1996), no qual a

modernização econômica e do Estado não foi precedida nem mesmo acompanhada por novas relações de poder baseadas no principio liberal do contrato, o arcaico convive com o moderno naquilo que Schwartzman (1988) definiu, inspirado em Weber, como neopatrimonialismo ou patrimonialismo burocrático. Na verdade, como desenvolveu Nunes (1997), a modernização brasileira incompleta e contraditória teria nos legado um conjunto de quatro “gramáticas” que organizam as relações entre Estado e sociedade: conviveriam lado a lado o clientelismo, o corporativismo, o insulamento burocrático e o universalismo de procedimentos. Num país formado historicamente dessa maneira, a corrupção política não poderia deixar de ser endêmica e de se fazer presente nas mais diversas instâncias de poder e de representação. E do outro lado da moeda patrimonialista, encontramos um setor privado fortemente dependente do Estado e sem muitas peias culturais ou morais diante de oportunidades abertas a comportamentos de rent-seeking.

Do ponto de vista da economia política (Silva, 1996) o caso brasileiro reúne os elementos mais propícios à prática da corrupção: o patrimonialismo não impediu que entre nós as forças modernizadoras construíssem um Estado forte, grande e de extensa base econômica e territorial. Mais do que isso, o patrimonialismo seguiu influenciando a dinâmica estatal, cuja expansão e fortalecimento não foram capazes de redefinir os padrões históricos de precária separação entre público e privado e de desvio de bens e recursos públicos. Assim, este Estado movimenta volumosos recursos e suas atividades acabam por envolver direta ou indiretamente uma imensa gama de agentes econômicos particulares, despertando nestes o interesse por capturar rendas. Um Estado de origem histórica patrimonialista também se caracteriza por ser excessivamente centralizado e regulamentado, sem que isso implique capacidade de controle por parte da sociedade. Na verdade, tais elementos dão força à burocracia estatal e aos agentes políticos que controlam e tomam decisões sobre recursos. Neste cenário, em que agentes privados buscam capturar renda e políticos e burocratas controlam volumosos recursos e promovem sua alocação longe dos olhos da sociedade, está dada a oportunidade para a prática da corrupção. É notável como no caso brasileiro

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fraudes em licitações públicas e desvio de verbas são práticas imemoriais e sobrevivem a mudanças de regime, a inovações institucionais e a novas tecnologias de controle: democracia, instituições de accountability nos âmbitos administrativo e judicial e mecanismos de governo eletrônico não têm sido suficientes para eliminar tais práticas.

Não faremos aqui uma análise das causas históricas do problema da corrupção, mas tendemos a concordar com Taylor (2009) de que fatores institucionais seguem sendo tão importantes quanto aqueles enraizados na história e na cultura. O autor destaca particularmente os custos diretos e indiretos de funcionamento do sistema político, tais como as caríssimas campanhas eleitorais e os recursos empregados na montagem de coalizões partidárias para assegurar a governabilidade; a insuficiência da “accountability social” ou seus efeitos limitados, mesmo quando realizada intensa e extensamente pela mídia; a morosidade do Judiciário e outras dificuldades no campo da justiça, responsáveis por um elevado grau de impunidade e, finalmente, o mal funcionamento da teia de instituições de accountability intra-estatal, incapazes de promover “mordidas eficazes” em função de uma “ortodontia imperfeita”(Taylor, 2009).

Apesar dessas dificuldades, devemos reconhecer que desde a redemocratização do país nos anos 1980 o problema da corrupção tem ocupado lugar central no debate público, tem envolvido as instituições representativas (principalmente quando grandes escândalos eclodem, envolvendo seus membros), tem sido permanentemente alimentado pela mídia, ocupado a atenção da opinião publica em épocas eleitorais e também fora delas, tem mobilizado atores da sociedade civil e mesmo de organismos internacionais em missão no Brasil, levando o país a promover mudanças legislativas e a firmar tratados internacionais nos quais se reconhece a necessidade de combater a corrupção.

Da mesma forma, é crescente o interesse pela web of accountability institutions (Mainwaring & Welna 2003), responsável pelo monitoramento, investigação, persecução civil e criminal e a punição de atos de corrupção e de improbidade administrativa. Coletânea organizada por Speck (2002) não deixou de apresentar os avanços obtidos por algumas instituições de accountability responsáveis pelo enfrentamento da corrupção. O trabalho fora orientado pelo conceito de “sistema nacional de integridade”, adotado pela Transparência Internacional como forma de designar, de modo holístico, o conjunto dos atores públicos e privados envolvidos no controle da corrupção. Embora o estudo tenha concluído que a simples proliferação de instituições de controle não é garantia suficiente para a formação de um eficaz “sistema nacional de integridade”2, o quadro resultante das análises mostrou-se bastante promissor (o estudo avaliou que houve avanços concretos no enfrentamento de

2 Foram examinados os controles internos ou administrativos, as ouvidorias (especialmente sua

expansão após a Constituição de 1988), os controles legislativos (com ênfase nas Comissões Parlamentares de Inquérito), os Tribunais de Contas (que têm sido alvos de tentativas de aperfeiçoamento), os controles exercidos pelo Judiciário e pelo Ministério Público, além do papel de atores não estatais como a Mídia e organizações da sociedade civil, tudo isso nos três níveis da Federação e incidindo sobre três poderes de Estado (Speck, 2002).

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problemas como fraudes em licitações, nepotismo no serviço público, crimes eleitorais, crimes contra a ordem econômica e a previdência social). De qualquer modo, assumimos aqui a recomendação final do trabalho de que não basta examinar individualmente tais instituições, mas é necessário avaliar o grau de cooperação e de integração entre elas.

A experiência de atuação do Ministério Público Federal e da Policia Federal no Brasil dos últimos anos constitui um ótimo exemplo das possibilidades e limites de cooperação e integração de instituições de accountability no combate à corrupção e ao crime organizado no país.3

Embora a prática de dar nomes próprios às operações que conduz tenha origem remota, foi a partir de 2003 que a PF passou a fazer uso desse expediente de maneira sistemática, ocupando-se inclusive de publicar breves resumos das ações, a partir dos quais montamos nosso banco de dados.4 O Gráfico 1 apresenta a evolução crescente do número de operações entre 2003 e 2009.

Do total de operações realizadas, contabilizamos e analisamos 600 delas, ocorridas entre 2003 e julho de 2008, todas dotadas de nomes próprios. Na maioria dos casos, o que a PF chama de “operação” é a execução de mandados de prisão ou de busca e apreensão, expedidos pela Justiça, após um período de investigação que pode durar semanas ou meses e que quase sempre conta com a participação do Ministério Público ou de outros órgãos como a Receita Federal, Ministério da Previdência Social, Polícias estaduais, fiscais e funcionários de outros órgãos controladores

3 Versão modificada do estudo que se segue está para ser publicada em Corruption and

Democracy in Brazil: The Struggle for Accountability. Timothy Power & Matthew Taylor (Eds.). Notre Dame University Press (forthcoming). 4 Os resumos estão disponíveis em http://www.dpf.gov.br/DCS/. Complementamos diversas

lacunas e solucionamos incongruências por meio de extensa pesquisa em outros sites institucionais relacionados à PF (por exemplo, o da Associação dos Delegados de Polícia Federal, http://www.adpf.org.br/) e principalmente da imprensa.

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Operações da Polícia Federal (2003-2009)

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e de agências reguladoras. Nesse aspecto, embora a fase policial das operações seja a de maior viabilidade, muitas decorrem da articulação e do trabalho prévio de uma web of accountability institutions (examinaremos melhor essa dimensão na próxima seção).

As operações podem ter caráter repressivo, mas na maioria das vezes constituem uma etapa do processo de investigação na qual o levantamento de indícios já se mostrou suficiente para deslanchar prisões temporárias e apreensão de bens, recursos e documentos em poder dos investigados. Em geral, têm inicio às 6h da manhã e envolvem grandes efetivos, muitas vezes deslocados de avião de diversos estados para o local onde se dará a operação. Deve-se registrar, por outro lado, que algumas têm caráter permanente - como certas operações de combate ao tráfico de drogas ou a crimes ambientais - assegurando assim certa continuidade no tempo.

Dentre os 600 casos analisados, encontramos apenas 19 nomes repetidos, resultado que não daria à PF exatamente o direito de concorrer ao Prêmio Nobel de Literatura, mas certamente reflete a criatividade da corporação na arte de nomear suas operações. Na verdade, o aspecto simbólico de dar nomes às operações não deve ser menosprezado. Em tempos de “democratie du public” (Manin, 1995), na qual a mídia assume um papel crucial na (in)formação da opinião pública, ou em tempos em que os escândalos políticos ganham centralidade e passam a afetar a dinâmica da própria democracia (Thompson, 2000; Chaia e Teixeira, 2001; Porto, no prelo), a identificação das operações por meio de nomes específicos e chamativos tem efeitos importantes.5

Muitos nomes são retirados da Bíblia ou da mitologia grega, outros são provenientes de línguas indígenas ou do folclore local, e muitos são trocadilhos criativos pensados a partir do crime desvendado. A operação “Ajuste Fiscal” logrou fazer grande economia do dinheiro público ao combater uma quadrilha que fraudou a Previdência Social em algo em torno de R$ 1 bilhão; a operação “Carta Marcada” se deu contra fraudes em editais de licitações públicas; as operações “Ctrl+Alt+Del”, “Pen Drive” e “Cavalo de Troia” prenderam cybercriminosos que furtavam contas bancárias pela Internet; a operação “Firula” prendeu empresários acusados de transação financeira ilícita na venda de jogadores de futebol a clubes estrangeiros; a operação “Freud” descobriu esquema de elaboração fraudulenta de laudos para a concessão de

5 Denominações singulares causam impacto na opinião pública e mobilizam a atenção da mídia

que se apressa por realizar a cobertura (há casos em que as TVs são informadas antecipadamente e tornam-se coadjuvantes das operações. Filmam prisões e apreensões de documentos, levando mais tarde as imagens aos horários nobres de audiência). O significado expresso por nome próprio também sinaliza o sentido da operação e por vezes antecipa a provável culpa dos envolvidos. Após o impacto inicial, tais nomes promovem uma espécie de economia da informação junto à mídia e à opinião pública. Organiza a transferência de informações entre a PF e a mídia e permite aos órgãos de imprensa realizarem um acompanhamento mais sistemático e permanente do seu desenrolar. O nome próprio, por assim dizer, funciona como um bom marcador para todos os interessados em acompanhar a atividade policial e seus desdobramentos dias, semanas ou meses depois. Para a imprensa, facilita a montagem de bancos de dados e de TAGs, permitindo a rápida recuperação de informações a cada momento em que fatos novos ocorrem e sua cobertura requer a apresentação de uma breve “memória” ao leitor. E de modo inverso, esse marcador permite à própria PF monitorar o grau de sua exposição na mídia.

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aposentadoria por incapacidade psicológica; as operações “Afrodite”, “Bye bye Brazil”, “Sodoma” e “Êxodo” desbarataram quadrilhas especializadas em tráfico internacional de pessoas, principalmente de mulheres para prostituição em outros países; a operação “Praga do Egito”, também apelidada de “Gafanhoto”, desbaratou a existência de funcionários fantasmas que devoravam a folha de pagamento do estado de Roraima; a operação “Suíça” se deu contra lavagem de dinheiro; a operação “Pinóquio” prendeu funcionários públicos do IBAMA acusados de facilitar a exploração ilegal de madeira em áreas de preservação ambiental; a “Pleno-emprego” desarticulou grupo que fraudava seguro-desemprego numa cidade de Minas Gerais; a operação “Sanguessuga” revelou o envolvimento de políticos e agentes públicos na venda irregular de ambulâncias em 11 estados brasileiros e a operação “Vampiro” revelou fraudes em processo de licitação de homoderivados do Ministério da Saúde. Estes são apenas alguns exemplos ilustrativos.

Que tipos de crimes têm sido desvendados por essas operações? A análise das 600 ações revelou nada menos do que 50 tipos de crimes, com um razoável grau de dispersão entre eles, como se vê pela tabela 1.

Tabela 1. Tipos de crimes (principais) e número de estados atingidos por operação (2003/2008)

Tipos de crimes N % 1 estado

% 2 estados

% 3 ou +

estados %

Corrupção pública 136 22,7 67,6 11,8 20,6

Tráfico de drogas 91 15,2 54,9 14,3 30,8

Contrabando e descaminho 59 9,8 57,6 15,3 27,1

Crime ambiental 34 5,7 58,8 8,8 32,4

Crime contra o sistema financeiro nacional e lavagem de dinheiro 29 4,8 51,7 13,8 34,5

Fraudes e estelionato 28 4,7 53,6 17,9 28,5

Jogo ilegal 24 4 87,5 0 12,5

Furto de contas bancárias - clonagem de cartões e Internet Banking 23 3,8 26,1 17,4 56,5

Aliciamento para tráfico internacional e emigração ilegal de pessoas 22 3,7 54,5 13,6 31,9

Crime contra a fé pública - falsificação de moeda ou documentos 17 2,8 47,1 17,6 35,3

Falsificação, adulteração, produção e comércio ilegal de combustíveis, alimentos e medicamentos 16 2,7 50 25 25

Organização criminosa (vários crimes) 16 2,7 56,3 6,3 37,4

Roubo 16 2,7 50 12,5 37,5

Exploração clandestina de serviço de telecomunicação (rádio, TV e internet) 16 2,7 100 0 0

Sonegação fiscal 11 1,8 45,5 9,1 45,4

Pirataria 7 1,2 71,4 0 28,6

Outros 55 9,1 72 11 17

Total 600 100,0 60,5 12,3 27,2 Fonte: Arantes (no prelo)

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Em muitos casos, os envolvidos nas operações praticaram mais de um tipo de crime, mas a tabela 1 se restringe a contabilizar o crime que consideramos principal em nossa classificação. Assim, a prática criminosa mais combatida pela PF foi a corrupção pública, mas a uma taxa de 22,7% do total de casos. Mediante autorizações judiciais e sob fiscalização ou participação ativa do Ministério Público, a PF já desencadeou operações contra políticos corruptos em todos os níveis da federação e em todos os ramos de governo. Também já atingiu juízes e policiais de todas as corporações existentes no Brasil, inclusive ela própria. De funcionários da Previdência Social ao Instituto do Meio Ambiente, do Tribunal de Contas da União a Departamentos Estaduais de Trânsito, operações atingiram servidores públicos corruptos nos mais diversos pontos da administração pública. “Zaqueu”, o fiscal corrupto da Bíblia, deu nome a mais de uma operação de prisão de fiscais corruptos, ao lado de “Iscariotes” – que levou à prisão de funcionários que desviavam o dinheiro do ingresso cobrado à visitação do Cristo Redentor no Rio de Janeiro -, ou “Hiena” (predador concorrente do Leão, este símbolo da Receita Federal) que prendeu funcionários acusados de facilitar crimes de sonegação fiscal.

Na esfera privada, de organizações criminosas a simples cidadãos, passando por empresários, comerciantes e profissionais liberais foram presos e acusados dos mais diversos tipos de crimes: da lavagem de dinheiro ao tráfico de drogas, do contrabando de mercadorias ao aliciamento de mulheres para prostituição no exterior, de conflitos por posse de terra indígena à pedofilia, da falsificação de remédios e combustíveis à pesca predatória da lagosta, de desmatamento irregular à extração ilegal de fósseis, de rádios clandestinas à falsificação de leite em pó, de fraudes em vestibulares a furtos de contas bancárias pela Internet, de grupos de extermínio e milícias armadas ao jogo ilegal, de crimes eleitorais à exploração sexual infantil, da pirataria ao roubo de cargas, do tráfico de animais silvestres ao crime perfeito: presos do presídio do Serrotão, em Campina Grande (PB), administravam o tráfico de drogas, negociavam armas e realizavam assaltos a partir da própria cadeia. Mediante a corrupção de policiais militares e agentes penitenciários estaduais, os presos construíram casas dentro do próprio presídio, onde mantinham residência e seu escritório aparelhado com frigobar, TVs de plasma, equipamentos de ginástica e outros gadgets. O crime era perfeito porque, aprisionados em regime semi-aberto, os presos pagavam propina aos policiais para estender o tempo livre fora do presídio, quando aproveitavam para praticar os crimes. Desse modo, mantinham o álibi perfeito e não podiam ser presos porque já estavam presos. Por fim, as altas cúpulas da República também entraram na mira e nas escutas da polícia: o presidente Lula teve seu irmão envolvido na operação “xeque-mate”; ministros de Estado caíram por operações da PF; juízes do STF tiveram conversas telefônicas grampeadas; senadores e deputados viram-se enredados por diversas ações e até a própria Polícia Federal teve seu segundo homem na hierarquia preso na operação “Toque de Midas” e, mais recentemente, o Secretário Nacional de Justiça e presidente do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP) foi obrigado a afastar-se do cargo por denúncia de envolvimento com a máfia chinesa (dedicada principalmente à pirataria), no âmbito da operação “Wei Jin”.

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Ao lado de referências a crimes específicos como tráfico de drogas, contrabando e descaminho – casos que de fato aparecem entre os primeiros lugares na tabela 1 – a Constituição confere mandato à PF para agir nos crimes de repercussão interestadual ou internacional. Ou seja, o caráter transfronteiriço do crime é condição de atuação da PF, pois é isso que justifica a intervenção policial da União sobre a autonomia dos estados, que dispõem de organizações policiais e judiciais próprias para combater infrações penais comuns. Desse ponto de vista, a tabela 1 revela uma grande surpresa: considerando o total de operações da PF, nada menos do que 60,5% delas deixam de ocorrer em mais de um estado o que, de certo modo, contraria a expectativa constitucional da repercussão interestadual. É fato que uma parte dessas operações contempla a segunda dimensão da referida cláusula constitucional: a prática criminosa não é interestadual, mas tem repercussão internacional. Embora não tenha sido possível quantificar com precisão essa dimensão nos crimes desvelados pelas operações, é razoável assumir que boa parte deles não atende ao critério constitucional da repercussão internacional.6 Assim, não parece exagero afirmar que a PF, de federal está se tornando uma verdadeira Força Nacional, com capacidade de agir nos estados, mesmo quando os crimes não apresentam as características exigidas pela Constituição. Do total de 600 operações examinadas, apenas 12,3% ocorreram em pelo menos dois estados e 27,2% ocorreram em três ou mais estados.

É fato que os presos de Serrotão, na operação “Albergue”, haviam corrompido as instituições locais e apenas uma intervenção da União foi capaz de quebrar aquele crime perfeito. É fato que a Policia Federal requisitou o Ginásio Municipal de esportes de Mossoró (RN) para reunir ali os presos da operação “Via Salária”, funcionários municipais que fraudavam a folha salarial do município sob os olhos das autoridades locais. É fato que a operação “Taturana” indiciou 110 devoradores da folha salarial do Legislativo de Alagoas, pessoas que desviaram recursos da ordem de R$300 milhões dos cofres da Assembléia Legislativa do estado. Foram levados à Justiça 15 dos 27 deputados estaduais em exercício, mas também membros do Tribunal de Contas do Estado, prefeitos e ex-ocupantes de cargos públicos. A taturana que se alimentava da máquina pública estadual era tão grande que 4 dos 11 membros do Tribunal de Justiça do Estado declaram-se impedidos de julgar o caso, por manterem relações próximas com os acusados. Parece claro, portanto, que em situações como essas somente a intervenção de uma força externa, de âmbito nacional, pode realmente quebrar os esquemas de corrupção, mas o risco de ultrapassar a todo o instante as fronteiras da autonomia estadual pode reacender o debate sobre competências e limites dos entes federativos. Note-se pela tabela 1, por exemplo, que o crime de corrupção – que não compõe exatamente o portfólio constitucional de crimes a combater pela PF nem atende comumente o critério de repercussão internacional – é um dos que apresenta maior porcentagem de operações em estados tomados individualmente: 67,6%. Operações que tiveram por escopo 6 Somente foi possível identificar a dimensão internacional em 11% dos casos e em apenas

5,2% das operações a PF contou com a colaboração de organismos policiais e de investigação estrangeiros, principalmente no combate ao tráfico de drogas e ao aliciamento para tráfico internacional e emigração ilegal de pessoas. Esses percentuais podem ser maiores, a depender do exame de vários casos sobre os quais ainda não dispomos de informação completa sobre este aspecto.

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mais de um estado só ocorreram em maior número em dois tipos de crimes: sonegação fiscal e o crime desterritorializado de furtos de contas bancárias pela Internet.

Considerando os estados individualmente, São Paulo se destaca por ter sido palco de 182 operações da PF entre 2003 e junho de 2008, praticamente o dobro do estado do Rio de Janeiro, que aparece em segundo lugar, seguido de perto por outros estados da região sul e sudeste (Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, nessa ordem). No ranking de estados, Alagoas, Amapá e Sergipe – três pequenos estados das regiões norte e nordeste – foram os menos visitados pela PF, com apenas 12 operações. Na verdade, análise estatística de regressão linear encontrou forte relação entre PIB estadual e número de operações da PF: a variação do PIB explica 88,3% da variação do número de operações, num grau de significância de 0,00. Em outras palavras, se tomarmos as ações policiais como espelho de crimes, estes tendem a ocorrer em número bem maior nos estados mais ricos, comparativamente aos mais pobres. Guardadas certas especificidades, também a variedade de crimes tende a ser maior nos primeiros em comparação com os segundos: em São Paulo e no Rio de Janeiro encontramos 71,4% dos tipos de crimes investigados, enquanto em Alagoas e Amapá essa variedade reduziu-se a 14,3%. Em suma, se considerarmos o grau de desenvolvimento e o tamanho dos estados, é possível distinguir três conjuntos no gráfico 2. O primeiro, no qual houve o maior número de operações da PF, reúne os estados mais desenvolvidos das regiões sudeste e

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Gráfico 2. Número de operações por Estado (2003-2008)

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sul do Brasil. No segundo, encontramos os grandes estados – em território e população – do centro-oeste, nordeste e norte do país, nos quais houve em média 40 operações. Por fim, o terceiro conjunto de estados é formado pelas pequenas unidades federativas do norte e nordeste, nas quais ocorreram cerca de 20 operações em média. Outros fatores específicos poderiam ser destacados, tais como a importância da fronteira internacional para estados como Paraná e Rio Grande do Sul, nos quais o contrabando e o tráfico de drogas lideram, respectivamente, o ranking de crimes, ou ainda o peso da riqueza em estados conhecidos por suas instituições políticas mais débeis, situados em regiões menos desenvolvidas, mas que por razões especiais gozam de um PIB muito acima da média regional – como Amazonas e Pará – nos quais a corrupção lidera o ranking de crimes.

Se, de um lado, as operações tendem a ocorrer no interior das fronteiras de um único estado, por outro o contingente de policiais federais que realiza as ações é muitas vezes recrutado em mais de um deles. Especialmente nas grandes operações, não é o crime que transcende as fronteiras estaduais, mas sim os policiais é que são deslocados de diferentes pontos do país para participarem das ações localizadas. Em parte isso se deve à estratégia dissuasória de demonstrar grande força perante o alvo investigado, mas não podemos nos esquecer que muitas operações visaram desbaratar quadrilhas integradas pelos próprios policiais federais locais e daí a necessidade de trabalhar com membros da corporação situados em diferentes estados. A média de policiais recrutados a cada operação é de 70, mas este número esconde uma enorme variação entre os 600 casos: o menor efetivo policial foi o da operação “Pedreira III”, que contou com 6 policiais no combate à exploração ilegal de minério, e os maiores contingentes mobilizados chegaram a 1000 policiais federais em duas ocasiões: na operação “João-de-Barro”, que combateu fraude em licitação pública para construção de casas populares em sete estados, e a “Dilúvio” que combateu fraudes em comércio exterior em 8 estados, implicando também a prisão de servidores públicos cooptados pelo crime.

Na busca de maior efetividade no combate à corrupção e ao crime organizado, Ministério Público e Polícia Federal têm lançado mão de dois expedientes muito eficazes: a escuta telefônica (os famosos “grampos”) e os mandados de prisão (preventiva ou temporária). O uso da escuta telefônica tem permitido a obtenção de provas contundentes e eficazes, especialmente nos casos de corrupção e de crime organizado. Dada a dificuldade de apuração desses crimes, este recurso propicia o mapeamento da rede criminosa e o registro de declarações de seus integrantes que serão levadas a juízo. Tamanha eficácia tem gerado também controvérsia nos últimos anos, pois além de uma certa banalização, a quantidade de grampos ilegais tem crescido significativamente. Acusa-se a própria PF de recorrer a interceptações “preliminares”, ou seja, ilegais, e após a descoberta de indícios significativos é que a escuta legal seria solicitada ao Judiciário. O mercado privado e clandestino de grampos é outro problema. De acordo com “teste” realizado pelo jornal Folha de S.Paulo, o extrato de ligações telefônicas de autoridades públicas pode ser comprado em Brasília por menos de R$ 1 mil, numa rede ilegal que envolve arapongas, detetives particulares e, claro, funcionários das

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companhias telefônicas.7 O uso da escuta telefônica disseminou-se de tal maneira que a Câmara dos Deputados instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito para examinar o assunto em 2008. Uma de suas mais estarrecedoras revelações veio poucos meses depois: convocadas a fornecer dados sobre a questão, as operadoras de telefonia informaram que no ano de 2007 foram feitas nada menos do que 375.633 escutas telefônicas em todo o país, solicitadas pela polícia e pelo Ministério Público e autorizadas judicialmente. A CPI obteve informações sobre a unidade federativa na qual pouco mais de 85 mil dessas escutas foram executadas e nós cruzamos os dados com as operações realizadas pela PF em 2007 e 2008. O resultado não surpreendeu: análise de regressão linear mostrou que a variação das escutas telefônicas por estado explica 72,6% da variação das operações da PF por estado, com grau de significância de 0,00.

No que diz respeito a prisões preventivas e/ou temporárias realizadas nas 600 operações, o total de pessoas presas chegou a 9.255. Destas, 14,5% eram agentes públicos e 67,7% agentes privados (não foi possível obter informação sobre 17,8% dos casos). O número de prisões veio se duplicando ano a ano entre 2003 e 2006. Nos anos seguintes o ritmo anual de crescimento diminuiu um pouco, mas o número de prisões permaneceu bastante elevado. Na média de 2007, oito pessoas foram presas por dia. Em se tratando de operações especiais, dirigidas principalmente ao combate à corrupção e ao crime organizado, tais números são bastante expressivos.

Embora a maior parte dos presos seja liberada poucos dias depois, por decurso de prazo ou por concessão de habeas-corpus por instâncias superiores da própria justiça, tais prisões têm efeitos nada desprezíveis: quebram por algum tempo a rede organizada para a prática do crime, ganham maior expressão na mídia e expõem seus integrantes à exacreção pública, com custos mais do que reputacionais. Embora tais prisões também venham causando controvérsia, especialmente entre juristas e políticos que acusam a ocorrência de abuso de poder e de autoridade, levando a própria PF a editar um “manual de boas maneiras” para a execução das operações, o fato é que tais prisões só ocorrem mediante mandado judicial e na maioria das vezes também recebem o acompanhamento do Ministério Público. Voltaremos a este ponto na próxima seção do paper.

Em termos percentuais, a tabela 1 mostrou que 22,7% das ações visaram combater a corrupção política como crime principal. Essa definição mais restrita das operações não incluiu os casos em que a corrupção de funcionários públicos aparece como dimensão secundária de um crime principal desbaratado pela operação. A título de exemplo, uma ação de combate ao contrabando na fronteira, visando desarticular quadrilha de comerciantes, mas que porventura também tenha levado à prisão um policial rodoviário federal que recebia propina do esquema, foi classificada como “contrabando e descaminho” por ser este ato ilícito o foco principal da operação.8 Não deixamos de registrar, é claro, estes casos de crimes

7 Folha de S. Paulo, 14/09/2008, pg. A-4.

8 Normalmente, as definições de corrupção pública não distinguem o principal – a apropriação

ou desvio de dinheiro público – do secundário – apropriação de dinheiro na forma de propina,

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secundários de corrupção: assim, além das 136 operações que combateram especificamente corrupção pública, outras 97 flagraram os mais diversos tipos de agentes públicos, burocratas e políticos, recebendo propina em esquemas criminosos praticados por agentes privados.

Embora não tenha sido possível distinguir com precisão as categorias às quais pertenciam os agentes públicos presos, logramos identificar quais tipos são citados em 238 operações (ver tabela 2). Em primeiro lugar, aparecem os servidores públicos federais. Cerca de 1/3 das ações policiais levou esse tipo de funcionário à cadeia, principalmente entre funcionários do Instituto Nacional de Seguridade Social (acusados de fraudes na concessão de aposentadorias), ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (acusados de envolvimento com crimes ambientais) e fiscais de órgãos federais como Receita Federal, Ministério do Trabalho e outros, acusados de práticas diversas de corrupção.

Tabela 2. Número de operações que levaram agentes públicos à prisão.

Agentes públicos presos Operações %

Servidor público federal 81 34,0%

Policiais civil e militar, delegado e escrivão de policia civil 53 22,3%

Servidor público estadual 30 12,6%

Agente ou delegado da Polícia Federal 21 8,8%

Outros 13 5,5%

Prefeito 9 3,8%

Vereador 8 3,4%

Servidor público municipal 6 2,5%

Deputado Estadual 4 1,7%

Servidor público (sem especificação de nível) 3 1,3%

Juiz estadual 3 1,3%

Senador 2 0,8%

Juiz Federal 2 0,8%

Deputado Federal 1 0,4%

Integrante do Ministério Público 1 0,4%

Procurador Federal (Poder Executivo) 1 0,4%

Total de operações 238 100,0% Fonte: elaborado pelo autor

Em segundo lugar, os dados revelam que policiais foram presos por policiais em larga escala: 22,3% das operações atingiram policiais civis ou militares estaduais e policiais rodoviários, e 8,8% cortaram na carne da própria Polícia Federal, levando membros da orporação à prisão. No total, fala-se em 60 policiais federais presos por corrupção e envolvimento com organizações criminosas. De fato, como assinala Mingardi (1996), o crime organizado não pode existir em larga escala sem algum tipo de acordo ou envolvimento de setores do próprio Estado, especialmente as polícias. A corrupção não é um fato isolado que envolve apenas alguns maus policiais. “O que eles (os fatos) demonstram é que a corrupção faz parte das normas da organização, que socializa seus membros para agirem dentro de determinados ´padrões de corruptbilidade´”(Mingardi 1996, 63). Há diversos padrões de relação entre polícia e crime, dos mais brandos aos mais graves, mas todos envolvem algum

por parte de agentes públicos. Para uma discussão das abordagens sobre o problema da corrupção ver Silva (1996, 78-79)

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grau de corrupção do agente público. De fato, nossas operações flagraram desde suborno de policiais para fazerem “vistas grossas” a atividades de contrabando, pirataria e jogo ilegal, passando por participações em crimes ambientais e em esquemas de desvio de dinheiro público, até a associação com agentes privados para a prática de crimes como tráfico de drogas e grupos de extermínio.

Outro dado importante é que 32,4% das 238 operações que levaram políticos e servidores públicos à prisão atingiram ocupantes de cargos em estados e municípios – funcionários, prefeitos, vereadores, deputados, juízes e integrantes do Ministério Público – o que reforça nossa descoberta de que a PF tem agido como força nacional de intervenção nas unidades federativas.

Somando-se corrupção como crime principal e corrupção como crime secundário, o percentual inicial de 22,7% da tabela 1 eleva-se para 38,8% das operações realizadas pela PF. A tabela 3 apresenta os resultados específicos para as duas formas de enquadramento da corrupção.

Segundo Speck (2000b), as tentativas de mensuração da corrupção têm recorrido comumente a três tipos de indicadores: os casos relatados na mídia, as condenações produzidas pelo sistema penal e os dados obtidos por meio de surveys com cidadãos. Nossa pesquisa sobre as operações da PF se enquadra no segundo tipo, embora mantenha alguma interface com o primeiro, uma vez que a repercussão midiática parece ser um dos elementos constitutivos dessas mesmas operações. Nesse aspecto, tomar os casos de corrupção revelados por estas operações, como fazemos na tabela 3 – seja quando a corrupção é o crime principal, seja quando a corrupção é o crime secundário, tal como definimos acima – permite-nos elaborar uma tipologia empírica inédita das atividades estatais e governamentais mais sujeitas à corrupção política no Brasil.9

Tabela 3. Corrupção como crime principal e como crime secundário nas operações da PF (2003-2008)

Corrupção como crime principal Freq % Corrupção como crime secundário Freq %

Fraude no INSS 45 33,1 Contrabando e descaminho 17 17,5

Corrupção em concessões, autorizações e fornecimento de documentos públicos

26 19,1 Crime ambiental 14 14,4

Fraude em licitações 25 18,4 Organização criminosa (vários crimes) 11 11,3

Desvio de dinheiro e recursos públicos

21 15,4 Tráfico de drogas 8 8,2

Corrupção na polícia 11 8,1 Falsificação, adulteração, produção e comércio ilegal de combustíveis, alimentos e medicamentos

6 6,2

Fraude em fiscalizações 8 5,9 Fraudes e estelionato 6 6,2

Outros 35 36,1

Total 136 100 Total 97 100 Fonte: Arantes (no prelo)

9 Respeitada a observação de Speck de que os dados talvez revelem “mais sobre as

características do sistema de aplicação do código penal do que sobre o crime em questão” (Speck 2000b, 11).

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Assim, o primeiro destaque a fazer diz respeito à extensão do combate a fraudes no Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), responsável por quase 1/3 das operações de combate à corrupção como crime principal (tabela 3). Se a regra geral é a de que corrupção e volume de dinheiro público disponível caminham juntos, não é de se espantar que fraudes no INSS liderem o ranking de crimes na tabela 3: os benefícios previdenciários constituem a maior despesa do orçamento público federal do país, tendo chegado em 2007 a algo em torno de 197 bilhões de reais. Esse volume extraordinário de recursos é movimentando nacionalmente pelo INSS, por meio de seus 70 mil servidores espalhados por todo o país, e distribuído a cerca de 26 milhões de cidadãos que se tornaram incapacitados para o trabalho - seja pela idade, por motivos de doença, invalidez, desemprego involuntário ou mesmo a maternidade – ou que se encontram sob outras formas de proteção praticadas pela assistência social no Brasil. Os indícios de corrupção no sistema de concessões sempre foram muito numerosos, mas quando recentemente o problema do déficit previdenciário passou a ameaçar o próprio modelo de previdência social no Brasil, o cerco contra fraudes foi intensificado como forma de combater desvios e equilibrar as contas. A novidade nos últimos anos foi a formação de uma task-force permanente, composta pela Polícia Federal, pelo Ministério Público Federal e pelo próprio Ministério da Previdência Social (MPAS), e que tem atuado em todos os estados brasileiros, atacando os focos de corrupção no INSS. A adoção do modelo da task-force visa promover uma maior articulação entre essas instituições, aumentando assim a eficácia da investigação, de denúncia criminal e da punição dos crimes de corrupção e fraude na concessão dos benefícios previdenciários. Os números fornecidos pelo MPAS são ainda mais abrangentes do que os obtidos pela listagem oficial da PF, na qual nossos dados estão baseados: entre 2004 e agosto de 2008, nada menos do que 171 operações foram realizadas, com um saldo de 1072 pessoas presas, sendo 262 servidores do próprio INSS e 810 particulares envolvidos nos mais diversos tipos de fraudes à previdência social. Considerando apenas 20 operações realizadas pela task-force em 2008, nas quais foi possível estimar valores, os prejuízos causados aos cofres públicos chegariam a R$ 120 milhões10.

Governos concedem direitos especiais de atividade econômica, tais como exploração de madeira, minérios e pedras preciosas, autorizam o funcionamento de entidades especiais como as de assistência social, concedem benefícios fiscais ou incentivos tributários não apenas a setores específicos como a áreas geográficas delimitadas, e no limite são os responsáveis por permitir e regular o direito de ir e vir por meio de documentos públicos como passaportes e carteiras de habilitação de trânsito. Tais atividades no Brasil são alvo constante de caçadores de renda dispostos a fraudá-las e muitas vezes eles se instalam no aparelho do Estado, mediante a corrupção dos funcionários responsáveis. Reunidos sob a rubrica “corrupção em concessões, autorizações e fornecimento de documentos públicos” na tabela 3, os crimes cometidos nessa área ocupam o segundo lugar no ranking das operações da PF. Exemplar nessa categoria têm sido as operações conduzidas em parceria pela PF e IBAMA no combate à exploração e comercialização ilegal de madeira, especialmente nos estados da região norte:

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http://www.mpas.gov.br Consultado em 20/10/08.

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pelo menos 8 grandes operações foram realizadas levando à prisão mais de 200 pessoas, dentre elas funcionários do próprio IBAMA.11

Em terceiro lugar na tabela 3 aparece um dos crimes de corrupção mais conhecidos na história brasileira: fraudes em licitações públicas. Nas 25 operações que tiveram este crime como alvo principal, servidores públicos estaduais e federais, policiais, vereadores, prefeitos, parlamentares estaduais e federais foram presos ou investigados. Uma das operações mais ruidosas foi a “Sanguessuga”: um suposto esquema de fraude em licitação para venda de ambulâncias em mais de 100 cidades espalhadas em pelo menos 11 estados brasileiros e que envolveu os nomes de 63 deputados federais e um senador.

O desvio de dinheiro e de recursos públicos aparece em 4o lugar na lista de crimes apurados pela PF, com 15,4% das operações. Há casos circunscritos a estados como as já citadas operações “Praga do Egito (gafanhoto)” e “Taturana” – que desbarataram quadrilhas instaladas nas assembléias legislativas de Roraima e Alagoas, respectivamente - ou a operação “Dominó”, que teve como foco inicial o desvio de dinheiro na Assembléia Legislativa de Rondônia - mas na medida em que as investigações avançaram descobriu-se, por efeito dominó, que membros do Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas estavam igualmente envolvidos. E como era de se esperar, houve casos de desvio de dinheiro público dos grandes fundos e programas federais, tais como FUNDEF - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (operação “Porto”), o PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (operação “Lavrador”), Fundo de Participação dos Municípios (operações “Pasargada”12 e “De volta para Pasargada”) e até mesmo o maior programa de investimentos em desenvolvimento de infra-estrutura do governo Lula, o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento (operação “João de Barro”).

Governos policiam e fiscalizam, e no desempenho dessas atividades também estão bastante sujeitos à corrupção. Dez operações da PF atacaram especificamente a corrupção policial, principalmente na Polícia Rodoviária Federal, um conhecido foco do problema, mas também atingiram policiais civis, militares e federais. Já vimos os casos das operações conduzidas no Rio de Janeiro, mas outras tiveram igual impacto em outros estados: a operação “Trânsito Livre” tirou de circulação 50% dos policiais rodoviários federais da região de Foz do Iguaçu - região de fronteira conhecida por ser rota do contrabando – e a operação “Mercúrio” afastou 1/3 dos policiais rodoviários do estado do Amazonas, acusados de formação de quadrilha e recebimento de propina. A operação “Sucuri”, junto ao posto policial da Ponte da Amizade, na fronteira do Brasil com Paraguai, levou à prisão 23 policiais federais, 3 agentes

11

http://www.ibama.gov.br 12

Na operação “Pasargada”, 17 prefeitos de vários estados e um Juiz Federal foram presos. No total, estima-se que o esquema desviou cerca de R$200 milhões do FPM. Na casa do prefeito de Juiz de Fora (MG), a PF aprendeu armas de uso exclusivo das Forças Armadas, R$ 1,120 milhão em dinheiro e DVDs com gravações de imagens do próprio prefeito recebendo e repassando o dinheiro arrecadado. Um dos vídeos está disponível no site da Revista Época: http://revistaepoca.globo.com . O prefeito obteve habeas corpus para responder ao processo em liberdade mas a PF voltou a prende-lo mais tarde, na operação “De volta para Pasargada”.

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da Receita Federal, 2 policiais rodoviários federais e 8 contrabandistas.13 Quanto às atividades de fiscalização, auditores e fiscais da receita federal - responsáveis por evitar e combater a sonegação fiscal - e fiscais do trabalho – responsáveis por fiscalizar as relações de trabalho – foram apanhados em pelo menos 8 operações da PF pela prática de corrupção.

Conforme mostra a segunda coluna da tabela 3, a corrupção como crime secundário também tende a estar associada a estas atividades de fiscalização e policiamento e por isso se relaciona especialmente ao contrabando e descaminho, ao crime ambiental, ao crime organizado e tráfico de drogas, à falsificação, fraudes e estelionato e outros tipos de crimes que podem depender da corrupção de agentes públicos individuais para se realizarem. Nestes casos, o agente corrupto não forma quadrilha nem lidera o crime, mas atua como facilitador ao suspender a fiscalização ou o policiamento, em troca de propina.

A partir dessa tipologia empírica, podemos propor finalmente uma nova definição de corrupção pública, que poderá guiar investigações futuras: corrupção pública é apropriação direta e desvio de recursos públicos ou fraude organizada e reiterada de atividades estatais de autorização, concessão e/ou fiscalização relativas a interesses, bens e atividades econômicas, por parte de agentes públicos ou privados, mas com a necessária participação dos primeiros.

O quadro geral que se obtém sobre a corrupção pública no Brasil, a partir das operações analisadas nesta seção, é revelador das atividades estatais mais sujeitas a este tipo de crime, seja quando praticado por grupos organizados seja por agentes individuais do Estado. Se considerarmos que as operações nos dão a conhecer apenas os casos em que as ações da Polícia e do Ministério Público obtiveram algum efeito, existe ainda todo um outro mundo a ser desvendado. Todavia, sob o ângulo da novidade representada por essas operações, a busca de maior efetividade no combate à corrupção e ao crime organizado pela ação concertada de policiais, procuradores e juízes deve ser igualmente destacada. A mudança de ênfase no tratamento da corrupção - de ato de improbidade administrativa para crime comum -, o deslocamento do plano estadual para o federal e a maior articulação no interior da web of accountability institutions têm produzido efeitos importantes nas áreas previdenciária, ambiental, de controle do uso de recursos públicos e inclusive no interior da própria instituição policial. Este é o assunto da próxima seção.

III. Deslocamentos na web of accountability institutions: organizações e desenho institucional.

Essa seção analisa três deslocamentos importantes no que diz respeito às ações de combate à corrupção no Brasil recente: 1) Da esfera cível para a esfera criminal, 2) Da esfera estadual para a esfera federal e 3) Da

13

Internamente, Relatório da PF de 2006 apontou que no período de 2003 a 2006 foram instaurados 719 processos disciplinares e 2.139 sindicâncias contra membros da própria corporação. No mesmo período, 186 agentes foram suspensos pela Corregedoria-Geral. Ver Departamento de Policia Federal. Relatório Anual 2006. www.dpf.gov.br

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desarticulação a um maior adensamento das relações no interior da web of accountability institutions (resultando em aumento relativo da eficácia de suas ações). A hipótese que orienta o exame desses deslocamentos é de dupla natureza, institucional e organizacional: de um lado, tais mudanças podem ser explicadas pelo desenho institucional capaz de propiciar resultados mais efetivos nas esferas criminal e federal; de outro, a maior efetividade depende também da motivação endógena e do empenho das organizações no aumento da eficácia de suas ações e no adensamento das suas relações recíprocas, no interior da web of accountability, com vistas a superar o isolamento e a imprimir maior conseqüência às atividades de combate à corrupção. Começaremos pela dimensão organizacional.

Ministério Público e Polícia Federal são instituições que assumiram um novo protagonismo na cena política brasileira recente, o primeiro antes que o segundo. Particularmente no que diz respeito ao combate à corrupção política, desde a promulgação da Constituição de 1988 e especialmente após a edição da Lei de Improbidade Administrativa em 1992, membros do Ministério Público têm se destacado na perseguição de políticos e agentes públicos envolvidos no desvio de recursos públicos. Examinei o processo de reconstrução institucional do MP e seu papel no sistema político brasileiro em outros trabalhos (Arantes, 2002, 2007, no prelo). A seguir, descreverei brevemente o mesmo processo no que diz respeito à PF, organização que veio se juntar mais recentemente aos promotores de justiça nessa tarefa.

A Polícia Federal

Comparativamente a outros órgãos públicos, pode-se dizer que a Polícia Federal (PF) tem constituição histórica recente. No entendimento da própria corporação14, sua origem mais remota encontra-se no Departamento Federal de Segurança Pública (DFPS), criado pelo presidente Getulio Vargas em 1944, já no final do período do Estado Novo. O “federal” no nome não significava, entretanto, que este Departamento exercia uma jurisdição nacional, mas dizia respeito apenas a funções que eram desempenhadas no âmbito do Distrito Federal. Com a redemocratização do país em 1945, o então DFSP chegou a ganhar atribuições de âmbito nacional - especialmente o combate ao tráfico de drogas e a crimes contra a fé pública, envolvendo a Fazenda Nacional - mas a Constituição promulgada em 1946 adotou um federalismo com forte orientação estadualista, o que conflitava com a existência de um organismo policial de tipo nacional. Por esta razão, a carta de 1946 não incorporou o DFSP como órgão de polícia federal e as atividades policiais civis e militares permaneceram submetidas ao comando dos governadores de estado. E com a mudança da capital federal para Brasília em 1960, o DFSP quase desapareceu, uma vez que boa parte de seus funcionários pôde optar por permanecer na cidade do Rio de Janeiro (Rocha 2004). É importante ressaltar esse ponto: ao longo da história política brasileira, a organização das forças armadas e policiais sempre constituiu ponto nevrálgico no equilíbrio federativo entre União e Estados. A definição da distribuição dessas forças e

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http://www.dpf.gov.br/

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de suas competências sempre colocou em oposição o governo central e os governos subnacionais, e as soluções desse impasse variaram de acordo com o caráter oligárquico, autoritário ou democrático dos regimes pelos quais passou o país. No sistema federativo brasileiro, a idéia de uma força policial civil, com jurisdição nacional e atribuição para agir em todos os estados sempre foi vista com ressalvas pela elite política e a atuação da PF nos últimos anos, tal como descreveremos adiante, marca de fato uma grande novidade em relação a esta tradição.

Após o golpe de 1964, os militares decidiram nacionalizar a jurisdição da PF, por meio da Lei 4483. Embora isso não tenha significado, segundo Rocha (2004), aportes de pessoal e de estrutura operacional, o dia de edição dessa lei (16/11/1964) foi adotado pela própria corporação como sua data de nascimento. A atribuição de jurisdição nacional a um Departamento que exercia suas funções apenas na capital federal ajuda a entender o motivo da escolha dessa data comemorativa pelos seus próprios membros. Em 1967, no bojo das reformas do aparato de segurança do Estado realizadas pelos militares, o DFSP recebe finalmente a denominação de Departamento de Polícia Federal, tal como a PF é designada até hoje. Todavia, como demonstra Rocha (2004), o investimento militar em polícia política, segurança pública e segurança nacional direcionou-se muito mais para a unificação e fortalecimento das polícias militares estaduais, sob o comando do próprio Exército, fazendo com que a PF permanecesse num plano secundário. Nas palavras do mesmo autor, durante o regime militar a “PF operava pouco e não era protagonista”, com exceção apenas de sua presença mais destacada nas operações de censura junto a jornais e ao meio artístico em geral (Rocha 2004, 91 e ss). Para fins de repressão política, o regime contou muito mais com os Destacamentos de Operações de Informações – DOIs- braços operacionais do Serviço Nacional de Informação (SNI) e, nos estados, com os Departamentos de Ordem Política e Social (DOPS) ligados às polícias civis estaduais. Essa condição secundária da PF sob o regime autoritário teria legado à instituição uma situação ambígua no momento em que o país iniciou sua trajetória de redemocratização: uma imagem comparativamente menos negativa do que os demais organismos de segurança do Estado, mas uma estrutura organizacional e operacional bem mais precária também.

A Constituição de 1988 foi redigida ainda sob forte influência dos militares, que reclamaram para si um título inteiro na nova Carta. Ironicamente denominado de “Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”, o título V da nova Constituição foi reservado para os dispositivos relativos às Forças Armadas, à Segurança Pública e às definições de estado de Defesa e estado de Sítio. Foi nesse título que a Policia Federal recebeu pela primeira vez uma definição constitucional, por meio do art. 144, bem como suas principais atribuições. Subordinada ao Poder Executivo Federal, por meio do seu Ministério da Justiça, e colocada ao lado das polícias civis e militares estaduais, e das polícias rodoviária e ferroviária federais, a Polícia Federal foi contemplada com dois elementos fundamentais à sua institucionalização: o caráter de órgão permanente e a estruturação em carreira. No primeiro caso, significa dizer que a organização, mesmo subordinada ao Executivo, não pode ser dissolvida pelo governo. No segundo caso, “carreira” quer dizer que haverá regras para acesso e preenchimento dos cargos, provável hierarquia entre

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eles, previsão de critérios de ascensão e existência de faixas salariais, subdivisões organizacionais internas e fixação de competências entre seus membros. Nada disso estava constitucionalmente garantido antes de 1988.

No que diz respeito às atribuições, a Constituição estabeleceu funções gerais e específicas para a PF. Dentre as primeiras, é interessante notar que cabe à PF agir nos casos de crimes contra a “ordem política e social” – um resquício dos tempos da ditadura – e também proteger os bens, serviços e interesses da União, função para a qual não encontramos similar nas polícias estaduais. Em outras palavras, a PF pode ser considerada uma polícia patrimonial do governo da União. Dentre as funções específicas, a Constituição estabeleceu que cabe à PF realizar ações de prevenção e de repressão ao tráfico de drogas e ao contrabando, atribuições que remontam à sua criação como Departamento em 1944.

Cabe destacar que o nome “federal” encontrou finalmente seu sentido etimológico: cabe à PF apurar as infrações que tenham repercussão interestadual e exijam repressão uniforme nos estados envolvidos. À luz da precária condição institucional da PF até 1988 - relacionada às históricas dificuldades de formar um corpo policial com jurisdição nacional sobre um regime federativo – essa definição constitucional significou um avanço importante, pois autorizou o Executivo Federal a dispor de uma força capaz de atuar, sob seu comando, junto às unidades subnacionais. E ultrapassando os planos federativo e nacional, crimes de dimensão internacional também estão reservados à PF, que se encarrega igualmente de exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras.

A PF é responsável pela investigação criminal, por meio do inquérito policial, nos casos de sua competência. Quando a Constituição menciona, no mesmo art. 144, a função de “policia judiciária”, ela não está criando um outro corpo policial, mas está definindo que a PF auxiliará a Justiça Federal e o Ministério Público Federal no cumprimento de mandados e requisições e na realização das diligências necessárias ao andamento da investigação criminal e dos processos judiciais. O fato de auxiliar aquelas instituições não significa dizer que a PF esteja sob sua direção. No sistema brasileiro, nem o Judiciário nem o Ministério Público dirigem a policia ou a investigação (Santin 2007). As três instituições guardam independência entre si e o processo criminal transcorre de modo triangular entre elas. Por outro lado, apenas o juiz de direito e os tribunais podem autorizar a realização de escutas telefônicas, a quebra dos sigilos bancário ou telefônico, a prisão temporária e a prisão preventiva de pessoas sob investigação, a pedido do Ministério Público ou da Polícia. É importante destacar este aspecto, do ponto de vista do sistema judicial de accountability que temos no Brasil: se, de um lado, a PF está subordinada ao Poder Executivo e sua atividade pode ser de fato orientada pelo Ministério da Justiça, de outro suas principais ações de investigação e de repressão ao crime necessitam do aval de juízes independentes e podem ser fiscalizadas por membros do Ministério Público. A PF tem autonomia para investigar, mas não tem autoridade para adotar medidas extremas contra seus investigados.

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Ao que tudo indica, a experiência recente de maior protagonismo da PF não se explica, como se deu com o Ministério Público, pelo desenvolvimento de uma ideologia do “voluntarismo político” (Arantes 2002, 2007), capaz de socializar a todos na missão de exercer um papel especial frente a um Estado supostamente corrompido e a uma sociedade supostamente incapaz de se organizar. Embora a corporação disponha de um esprit de corp, ele não se assemelha ao que se passa com promotores de justiça que amalgamam interesses corporativos a valores de protagonismo social e político. Comparativamente ao Ministério Público e ao Judiciário, o grau de institucionalização das Polícias no Brasil é relativamente baixo e isto se deve a vários fatores, desde a relação de subordinação ao Executivo até ao fato de, dentre as três carreiras jurídicas, a de delegado de polícia ser a menos prestigiada desde os bancos escolares. Historicamente, as polícias têm sido mais afetadas do que as demais instituições do campo judicial pelos problemas da corrupção e do abuso de poder. Perante a população, sua imagem é ambígua, quando não puramente negativa. Notícias de violências e torturas praticadas por policiais, envolvimento com o crime organizado e práticas corruptas são extremamente freqüentes e ajudam a construir essa imagem. Se tomarmos a “confiança nas instituições” aferida pelos surveys do IBOPE nos últimos anos, veremos que as pessoas situam a Polícia num nível intermediário, um pouco acima das muito mal avaliadas instituições políticas – Senado, Câmara dos Deputados e Partidos Políticos – e abaixo das instituições judiciais – Judiciário e Ministério Público – que gozam de um pouco mais de prestígio junto à opinião pública.

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O protagonismo recente assumido pela PF no combate à corrupção e ao crime organizado marca uma novidade institucional tão significativa quanto aquele desempenhado pelo Ministério Público em anos anteriores, mas parece ter outras causas. Ao que tudo indica, o novo patamar de atuação da PF não tem causa majoritariamente endógena como se deu com o MP, mas é decorrência de estímulos externos e de uma nova política adotada pelo Ministério da Justiça, ao final do governo FHC (1995-2002) e principalmente sob o governo Lula (2003-2010). É fato que os reforços constitucionais dados à PF em 1988 ajudam a explicar esse novo protagonismo e é provável que o interesse corporativo de afirmar-se como organização perante os demais atores do sistema de justiça e mesmo diante da sociedade tenha cumprido papel relevante nesse processo, mas tais elementos já estavam presentes desde 1988 e só mais de uma década depois é que a PF passou a concretiza-los. Para tanto, foi necessário que o Poder Executivo, por meio de seu Ministério da Justiça, desencadeasse um processo de renovação dos quadros da PF, de aparelhamento material e de recursos humanos da corporação. E os resultados do seu maior ativismo não poderiam ter sido melhores, pelo menos em termos de opinião pública: pesquisa nacional patrocinada pela Associação dos Magistrados Brasileiros, realizada em junho de 2008, revelou que a Polícia Federal gozava da confiança de 70% dos entrevistados, percentual superior ao Ministério Público (60%) e ao Judiciário (56%) e bastante próximo das instituições mais confiáveis aos olhos dos brasileiros – Igreja Católica (72%) e Forças Armadas (79%). Para uma organização pouco conhecida, não menos

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Ver www.ibope.com.br

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marcada pela imagem negativa que em geral caracteriza as policias brasileiras, trata-se de um resultado extraordinário.

Organizada a partir de um departamento central, sediado em Brasília, comandado por um Diretor Geral nomeado pelo ministro da Justiça e amparada por diversos órgãos técnicos e de assessoria, a PF conta com Superintendências em todos os estados e no Distrito Federal. Apesar de estar presente em todas as unidades federativas e de contar com Delegacias do Oiapoque (AP) ao Chuí (RS), a rede local de escritórios da PF é ainda bastante limitada. Em três estados (Alagoas, Roraima e Sergipe) a estrutura se resume a uma delegacia na capital e não há nenhuma representação no interior. Mesmo em estados de grande extensão territorial como Amazonas, Tocantins, Ceará e Maranhão, a PF conta com apenas duas delegacias, uma na capital e outra em algum município do interior. Na média do país, desconsideradas as capitais, existem 3,6 delegacias por unidade federativa. É fato que o desvio padrão é relativamente alto, pois enquanto há estados com apenas um escritório na capital, há outros como Rio Grande do Sul e São Paulo que contam, respectivamente, com 13 e 15 delegacias em cidades do interior.16 De qualquer forma, tais números são muito pequenos diante de uma malha nacional formada por 5.564 municípios.

Desconsiderado o pessoal administrativo, a PF dispõe hoje de 11.022 membros em atividade, dentre Delegados, Peritos, Agentes, Escrivães e Papiloscopistas. Desse total, pelo menos 1/3 ingressou na corporação entre 2001 e 2008. A média de idade dos ingressantes desde 2002 pode ser considerada bastante baixa: 31,6 anos. Em termos comparativos, os policiais federais estão recebendo hoje os maiores salários dentre as carreiras civis do Poder Executivo Federal. Delegados e Peritos recebem o salário mais alto dentre os servidores civis do governo federal: R$ 12.992,70 no início da carreira, podendo chegar a R$ 19.053,57 ao final dela. Para se ter uma comparação, este salário é superior ao recebido pelos advogados da União, defensores públicos federais e docentes de universidades públicas federais.17

Embora a estrutura operacional da PF não disponha de uma rede muito capilarizada de delegacias, o orçamento da corporação e o contingente de policiais federais e demais funcionários cresceram significativamente nos últimos anos. Em 2002, no primeiro ano do Governo Lula, o orçamento da PF era de R$ 1,848 bilhão. Desde então, cresceu a cada ano até praticamente duplicar de valor, atingindo a cifra de R$ 3,446 bilhões em 2008. Quanto ao efetivo de policiais federais, a organização conheceu um profundo processo de renovação de seus quadros, dobrando de tamanho desde 2001, graças a uma série de concursos públicos realizados para os diversos cargos que compõem a PF (ver tabela 4). No total, foram abertas nada menos do que 7.841 novas vagas e 5.260 foram preenchidas nos últimos anos. Em 2001 e 2004, 1.102 vagas foram abertas para o topo da carreira – o cargo de Delegado de Polícia Federal – e quase a metade delas já foi efetivamente preenchida. Para este

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http://www.dpf.gov.br/, consultado em setembro de 2008. 17

Informações do Boletim Estatístico de Pessoal, vol 145, maio de 2008,do Ministério do Planejamento. Brasília, DF. http://www.servidor.gov.br/publicacao/boletim_estatistico/bol_estatistico_08/Bol145_mai2008.pdf

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cargo, é indispensável que o candidato seja bacharel em Direito. Em seguida, na hierarquia da PF, vem o cargo de Perito Criminal, função para a qual foram abertas 666 vagas e 365 tinham sido preenchidas até 2008. Para este cargo, na verdade, as vagas foram abertas para quase 20 tipos de categorias profissionais, tais como Engenheiros, Contadores, Economistas, Médicos, Analistas de Sistemas, Odontólogos, Farmacêuticos, Geólogos e até Físicos. Em terceiro lugar na hierarquia temos o Agente Federal, cargo para o qual foram abertas 2.757 vagas, das quais 60% foram preenchidas até 2008. Para ser Agente Federal, é necessário ter curso superior, mas o edital não faz exigência de profissões específicas como no caso dos Peritos Criminais. Os Escrivães de Polícia aparecem em quarto lugar na hierarquia e 669 ingressaram na organização no período pós-2001, depois que os editais abriram 1.341 vagas para este cargo. Também aqui há exigência de curso superior, mas não se especifica a formação profissional. Por fim, foram abertas 337 vagas para Papiloscopistas18 e preenchidas 280 delas até 2008.

Tabela 4. Vagas oferecidas (Editais 2001 a 2004) e efetivamente preenchidas por Concurso Público na Polícia Federal.

CARGOS

Edital 45/2001

Edital 24/2004

Edital 25/2004

(Regional)

Edital 1/2004

Edital 2/2004

(Regional)

Edital 7/2004

Total de vagas

Ingressos efetivos

Delegado de Polícia Federal 495 418 189 1102 492

Perito Criminal 160 394 112 666 365 Agente de Polícia Federal 891 1194 672 2757 1664 Escrivão de Polícia Federal 636 486 219 1341 669 Papiloscopista 253 84 337 280

Administrativo de Nível Superior 205

205 211

Administrativo de Nível Médio 1433 1433 1579

Total 2182 2492 1192 253 84 1638 7841 5260 Fonte: Arantes (no prelo). Elaborado pelo autor, com base nos Editais disponíveis em

http://www.dpf.gov.br/. Para o número de ingressos efetivos entre 2001 e 2008, ver Ministério do Planejamento, Boletim Estatístico de Pessoal, vol 12, n. 141, Janeiro 2008

Dois outros aspectos da tabela 4 merecem destaque. Primeiro, o governo lançou editais regionais em 2004 para contratar novos policiais federais para atuarem em 10 estados das regiões norte e nordeste nos quais a estrutura da PF, como vimos, é bem mais reduzida e onde há notícias de intensa prática de corrupção e de crime organizado. O segundo aspecto que indica um fortalecimento da organização nos últimos anos é que até 2004 a PF não dispunha de quadro administrativo próprio. Em 2004, 1.638 vagas foram abertas para compor esse quadro administrativo e diversos tipos de profissionais foram contratados, desde administradores a assistentes sociais, passando por contadores, engenheiros, médicos, psicólogos, jornalistas, pedagogos, até filósofos e cientistas sociais.

O resultado final deste processo é que hoje dispomos de uma PF bastante renovada e aparelhada como nunca antes esteve. A situação é bem diferente daquela descrita por Mingardi (1996) não faz muito tempo, quando a corporação dispunha de “apenas 16 agentes para cuidar das questões de

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Aquele que trabalha na identificação de pessoas, em geral por meio de impressões digitais.

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tráfico em toda a Grande São Paulo” ou quando “a PF de São Paulo esteve em vias de ser despejada, por falta de pagamento dos alugueis atrasados” ou como ela ficou vários anos “sem realizar concursos para preenchimento das vagas”, acarretando problemas de especialização e fazendo com que o mesmo policial que atuava no combate ao tráfico de drogas tivesse que ser deslocado para resolver problema em uma reserva indígena (Mingardi 1996, 182, exemplos do autor). Não cabe dúvida de que o fortalecimento recente da organização está na raiz do seu maior ativismo nos últimos anos, mas dado o baixo grau de institucionalização prévio da PF, tais avanços só podem ser creditados à decisão política do Poder Executivo de realizar este investimento. Um dos principais responsáveis por essa nova política em relação à PF foi o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que esteve à frente do Ministério entre os anos 2003 e 2007. Embora longo, vale a pena reproduzir um trecho de entrevista concedida pelo ex-ministro logo após ter deixado o comando do Ministério (com grifos nossos):

“Eu tinha uma função mais específica que era reconstruir as instituições republicanas no Brasil (...) A PF que encontrei era uma instituição que já merecia o respeito do povo brasileiro. Mas estava desequipada, com déficit enorme de pessoal, de equipamento e não usava as técnicas modernas de investigação que vieram a se configurar nessas operações da Polícia Federal. Foram feitas em quatro anos quase 400 operações, onde o crime organizado foi combatido em todos os Estados. E como se fez isso? Equipando a polícia, mantendo reuniões sistemáticas entre o diretor geral, um exemplo de servidor público, que é o Paulo Lacerda, e o ministro da Justiça. Eram reuniões diárias nestes quatro anos. Meu primeiro despacho, às 8h30min, era com o doutor Paulo Lacerda. E o uso de técnicas modernas, como monitoramento telefônico, uso intensivo de inteligência, planejamento estratégico, prisão temporária. Enfim, métodos de investigação que são usados no mundo inteiro, mas, aqui, eram usadas com muito cuidado, ao ponto de todas estas operações terem sido consumadas sem ter sido disparado um único tiro. Nunca a Polícia Federal deu um tiro, por que havia um trabalho prévio de inteligência e um planejamento estratégico rigoroso. (...) Eu acho que conseguimos, a partir de um ponto de partida forte, com uma Polícia Federal existente, fazer concursos, valorizar a academia e fazer uma Polícia Federal nova em cima daquela que já existia. Fiz uma imagem no discurso de posse do Paulo Lacerda, dizendo que a tarefa dele era construir o FBI brasileiro e eu acho que está sendo conseguido.”19

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http://iddd.org.br/imprensa/show/84 Instituto de Defesa do Direito de Defesa, consultado em 02/05/08.

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Desenho institucional e deslocamentos do combate à corrupção política no Brasil.

O quadro institucional no qual Ministério Público e Polícia Federal atuam para combater a corrupção é bastante complexo. Já nos referimos à triangulação que estes atores mantém com o Judiciário ao longo do processo de investigação, indiciamento, ação penal e sentenciamento de supostos criminosos. No sistema brasileiro, o juiz permanece inerte até ser provocado pelo Ministério Público ou por advogados nomeados pela parte interessada. No caso da ação penal pública, cuja proposição é monopólio do MP, este depende do trabalho de investigação que será desenvolvido pela Polícia, que por sua vez depende de autorização judicial para lançar mão de medidas mais contundentes contra os investigados na fase de apuração de supostos crimes. Como o país é federativo e o Judiciário se organiza em três ou quatro níveis, tais medidas podem ser revistas e suspensas por tribunais estaduais ou federais – dependendo do caso – o mesmo acontecendo com os processos criminais inaugurados pelo Ministério Público e sentenciados pela Justiça de primeiro grau.

Em termos gerais, a evolução desse sistema a partir de 1988 se pautou por uma crescente independência e fortalecimento organizacional dos agentes que o compõem – Judiciário, Ministério Público, Polícias, corpo de advogados – mas a integração entre eles sempre foi um problema, afetando o grau de eficiência sistêmica. O grau de ativismo dessas instituições e a quantidade de denúncias e processos iniciados são tão vertiginosamente grandes quanto o número de casos que se arrastam pela Justiça há anos, sem respostas definitivas, e a sensação de impunidade reinante na sociedade.

Coletânea organizada por Speck (2002) não deixou de apresentar os avanços obtidos por algumas instituições de accountability responsáveis pelo enfrentamento da corrupção. O trabalho fora orientado pelo conceito de “sistema nacional de integridade”, adotado pela Transparência Internacional como forma de designar, de modo holístico, o conjunto dos atores públicos e privados envolvidos no controle da corrupção. Embora o estudo tenha concluído que a simples proliferação de instituições de controle não é garantia suficiente para a formação de um eficaz “sistema nacional de integridade”20, o quadro resultante das análises mostrou-se bastante promissor (o estudo avaliou que houve avanços concretos no enfrentamento de problemas como fraudes em licitações, nepotismo no serviço público, crimes eleitorais, crimes contra a ordem econômica e a previdência social). De qualquer modo, assumimos aqui a recomendação final do trabalho de que não basta examinar individualmente tais instituições, mas é necessário avaliar o grau de cooperação e de integração entre elas.

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Foram examinados os controles internos ou administrativos, as ouvidorias (especialmente sua expansão após a Constituição de 1988), os controles legislativos (com ênfase nas Comissões Parlamentares de Inquérito), os Tribunais de Contas (que têm sido alvos de tentativas de aperfeiçoamento), os controles exercidos pelo Judiciário e pelo Ministério Público, além do papel de atores não estatais como a Mídia e organizações da sociedade civil, tudo isso nos três níveis da Federação e incidindo sobre três poderes de Estado (Speck, 2002).

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A impressão geral que se tem é que avançou-se muito nos últimos anos em termos de aperfeiçoamentos na legislação e no desempenho individual das instituições de accountability, mas os resultados finais e gerais permaneciam precários. Esse paradoxo foi particularmente acentuado nos casos de corrupção política. Taylor & Buranelli (2007), decompondo o processo de accountability em monitoramento, investigação e sanção, argumentam que a existência de instituições razoavelmente independentes e bem aparelhadas não tem se mostrado condição suficiente para que todas essas etapas sejam congruentes e que os resultados finais e gerais sejam realmente positivos. O lugar comum de que “tudo acaba em pizza” reflete um problema de natureza sistêmica, isto é, de interação entre as instituições de accountability. Não podemos sequer descartar a hipótese de que a ineficiência sistêmica esteja na raiz do maior ativismo individual da Polícia e do Ministério Público, pois como demonstram os mesmos autores, tais organizações se empenham – e até concorrem entre si – pela investigação e desbaratamento de esquemas organizados de corrupção, mas têm menos condições ou mesmo interesse de atuarem nas demais etapas do processo de accountability (Taylor & Buranelli, 2007).

De fato, inovação legislativa e aperfeiçoamento institucional com vistas ao combate à corrupção política houve nos últimos tempos, mas a maneira como os agentes vinham fazendo uso deles demonstrava que o ativismo pode ser considerado o outro lado da baixa efetividade sistêmica. Uma abordagem mais global poderia levar em consideração não só o sistema judicial de accountability, mas os avanços e “resistências” que têm marcado igualmente os órgãos auxiliares do Executivo e do Legislativo, tais como os Tribunais de Contas (Speck 2000a; Teixeira 2004; Arantes et.al. 2005) ou a Controladoria Geral da União (Olivieri, 2006). Todavia, concentraremos nossa análise nos processos recentes de combate à corrupção política envolvendo os organismos judiciais e policiais.

Conforme mostra o quadro I, atos de corrupção praticados por agentes políticos do Poder Executivo podem receber três tratamentos distintos, a partir de três definições jurídicas diferentes.

O tratamento político considera o ato de corrupção como crime de responsabilidade, ensejando o processo de impeachment, que pode levar à perda do cargo e à suspensão dos direitos políticos. Apesar de os processos de impeachment de prefeitos, governadores e presidente ocorrerem no âmbito dos respectivos legislativos e, nesse sentido, dependerem essencialmente da correlação de forças políticas existente, os procedimentos são revestidos de caráter judicial (com regras e garantias de plena defesa) e os parlamentos quase se assemelham a tribunais, para evitar o facciosismo ou a tirania do legislativo contra o executivo. Como nos alertava Madison, as medidas de defesa devem ser proporcionais às medidas de ataque.

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Quadro I. Formas de tipificação e tratamento da corrupção praticada no Brasil

por ocupantes de cargos no Executivo.

Tratamento político Tratamento judicial

Definição Crime de

Responsabilidade Crime de

Corrupção Ato de Improbidade

Administrativa

Instância de julgamento

Legislativo (respectivo)

Justiça Criminal (com foro privilegiado)

Justiça Cível

(sem foro privilegiado)

Atores envolvidos no processo

Políticos Polícia;

Ministério Público; Judiciário*

Ministério Público

Penas em caso de condenação

Impeachment e suspensão de direitos políticos

1 a 8 anos de prisão, multa e perda do mandato

- perda dos bens/valores apropriados. - ressarcimento dos prejuízos. - perda do mandato. suspensão dos direitos políticos, por 8 a 10 anos. - proibição de contratar com o poder público, por 10 anos.

Custos extra-processuais

Custos de reputação Custos de reputação; Prisão preventiva ou temporária; Apreensão de documentos e invasão de privacidade; Abalos na organização criminosa; Bloqueio de recursos financeiros.

Custos de reputação Ajustamento de conduta

* O Judiciário pode participar dessa fase, concedendo à Polícia mandados de busca e apreensão ou autorização para escutas telefônicas e prisões preventiva ou temporária.

Fonte: Arantes (no prelo)

Pela via judicial, dispomos no Brasil de dois tratamentos possíveis: o

enquadramento do ato de corrupção como crime comum ou como ato de improbidade administrativa. No primeiro caso, o ato de corrupção está tipificado no código penal e a condenação do réu pode levá-lo à reclusão de 1 a 8 anos, além da perda do mandato e do pagamento de multa. Da mesma forma que o impeachment, o julgamento da corrupção como crime comum – até pela gravidade da pena – reveste-se de garantias especiais: o acusado não é julgado pela primeira instância da justiça e goza da prerrogativa de foro especial, isto é, de ser julgado por um tribunal de segundo grau ou superior, dependendo de sua posição na hierarquia federativa (se ocupante de cargo pertencente à União, Estados ou Municípios). Nestes casos, a acusação também ficará concentrada nas mãos do Procurador-Geral de Justiça dos Estados ou do Procurador Geral da República no plano federal, dependendo do caso. O principio do foro especial visa impedir que a justiça de primeira instância, monocrática, seja utilizada como instrumento de guerra política entre facções. Todavia, a grande inovação brasileira na área de combate à corrupção foi a criação de uma terceira forma de tratamento da corrupção, qualificada como ato de improbidade administrativa. Essa nova forma, prevista pela Constituição de 1988 e criada por Lei em 1992, busca ter o mesmo impacto dos processos político e judicial comum, sem depender das contingências do

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primeiro (correlação de forças no legislativo) nem tão limitado por prerrogativas legais do cargo como o segundo. Enquadrando o caso como improbidade administrativa, promotores de justiça de primeira instância podem processar qualquer autoridade política em qualquer ponto da hierarquia governamental. Se condenado em Ação Civil Pública por improbidade administrativa, o acusado perde o mandato e tem seus direitos políticos suspensos por 8 a 10 anos, além de ser obrigado a ressarcir os cofres públicos. Por não qualificar a corrupção como crime, essa terceira hipótese permite que ocupantes de cargos executivos – de prefeito a presidente da República - sejam julgados na primeira instância da justiça, sem o privilégio do foro especial em tribunais superiores.21 Por outro lado, por se tratar de processo cível, acusados de improbidade administrativa não podem ser presos preventivamente nem as sentenças judiciais finais implicam perda de liberdade. Também a Polícia e o Judiciário não se envolvem na etapa inicial de investigação, que fica restrita ao promotor ou procurador de justiça, pois estão em jogo apenas os aspectos cíveis e não criminais da improbidade cometida.

De fato, a inovação brasileira de criar uma terceira forma de combate à corrupção é algo que nos distingue na comparação com outras democracias constitucionais. A lei da improbidade administrativa foi programada pela própria Constituição de 1988 e representou uma resposta à sucessão de escândalos de corrupção política que marcaram a década de 1980 e início dos anos 1990, tendo sido aprovada em 03/06/1992, poucos meses antes do impeachment do presidente Collor (29/07/1992). Ao lado de ampliar significativamente o potencial de atuação do Ministério Público como órgão de accountability horizontal no sistema político brasileiro, a lei tinha a intenção de promover um caminho mais rápido de combate à corrupção. Segundo dados recentes apresentados pelo próprio MP, em 14 dos 27 estados brasileiros, somavam-se mais de 4 mil ações civis de improbidade administrativa tramitando na justiça contra ocupantes de cargos públicos. Essa avalanche de processos é resultado do ativismo de promotores de justiça espalhados por estes vários estados, que

21

A questão do foro especial tornou-se bastante controversa, especialmente depois que em dezembro de 2002, no final do governo de Fernando Henrique Cardoso e a pedido deste, o Congresso Nacional aprovou mudança legislativa (Lei 10.628) estendendo o foro especial dos crimes comuns para os atos de improbidade administrativa praticados por ocupantes de cargos públicos. Tal mudança produziu efeito devastador sobre o Ministério Público, na medida em que retirava de um exército de milhares de promotores a possibilidade de usar a ação de improbidade administrativa contra prefeitos, governadores e outras autoridades, que passariam a ser processadas exclusivamente pelos 27 Procuradores Gerais de cada Estado e pelo Procurador Geral da República. Além disso, as mais de 4 mil ações que tramitavam na justiça poderiam sofrer grave retrocesso, pois, segundo a nova lei, teriam que ser remetidas aos tribunais superiores para apreciação e aguardar julgamento em longa fila de espera. Outro risco maior seria a simples extinção em massa dessas ações, uma vez que foram propostas em foro inadequado, segundo essa nova interpretação. Por meio de sua confederação nacional, a CONAMP, o MP ingressou no Supremo Tribunal Federal com Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Lei 10.628, no que foi acompanhado também pela Associação dos Magistrados Brasileiros. Passados quase três anos da mudança legislativa que estendeu o foro privilegiado a ações de improbidade administrativa, o STF decidiu favoravelmente à CONAMP e à AMB e declarou a inconstitucionalidade da Lei 10.628. A decisão do STF não encerrou, entretanto, a questão, que permanece na agenda do Tribunal por conta de outros processos. As idas e vindas que têm caracterizado o debate político e as decisões do STF sobre o tema introduziram uma forte instabilidade jurídica e institucional nesse campo das ações judiciais, afetando principalmente a atuação do Ministério Público.

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elegeram a ação civil pública como instrumento de accountability dos ocupantes de cargos públicos, na crença de que se tratava de uma forma mais rápida e eficaz de combater a corrupção, comparativamente aos tratamentos político e judicial de crime comum.

Entretanto, um balanço de quase 20 anos de experiência com esse tipo de ação é capaz de demonstrar os parcos resultados obtidos e o baixo grau de efetividade processual, seja pela lentidão dos processos na Justiça, seja pela infinidade de recursos protelatórios por parte dos acusados, seja pela postura mais restritiva dos juízes acerca das competências do MP para atuar nessa área, muitas vezes não reconhecendo a legitimidade jurídica das ações e dos procedimentos adotados durante a investigação. Para se ter uma idéia, das 572 ações promovidas pela Promotoria da Cidadania da capital desde 1992, menos de 10 haviam transitado em julgado quinze anos depois e menor ainda havia sido o número de condenações dos políticos processados. O caso de Paulo Maluf, ex-governador de São Paulo e ex-prefeito da capital é exemplar. Pesam contra ele inúmeras ações civis públicas e ações criminais que já o levaram inclusive a passar alguns dias na prisão. Com base em recursos aos tribunais superiores, o político não só vem escapando das condenações como hoje exerce o mandato de Deputado Federal pelo mesmo estado. A única condenação definitiva a que foi submetido até agora – mas que ainda não foi executada - diz respeito ao uso indevido de recursos públicos para prospectar petróleo em São Paulo durante sua gestão como governador (1979-1982), por meio do consórcio Paulipetro. Pois já se passaram tantos anos desde o início da ação que até petróleo de fato já foi encontrado no litoral do estado, desta vez pela Petrobrás, em 2007.

Essa baixa efetividade processual tem levado muitas vezes o MP a privilegiar procedimentos pré-judiciais, como o inquérito civil, como forma de solucionar casos sem levá-los à apreciação do judiciário, pela via do Termo de Ajustamento de Conduta com políticos e administradores, e de impor-lhes custos “reputacionais”, utilizando-se da mídia para atingir a sua imagem. Também é a busca pela redução da impunidade e pela obtenção de resultados mais rápidos que parece estar na origem da retomada do tratamento da corrupção como crime comum, por parte do MP e da Polícia, nos últimos anos. Nossa hipótese sobre o crescimento do número de operações policiais - com a participação de promotores de justiça e aval de magistrados - no combate à corrupção política e ao crime organizado nos últimos anos é que ele reflete uma mudança de estratégia diante dos parcos resultados obtidos pela via dos processos de improbidade administrativa. Nossa hipótese se baseia no fato de que o que parecia ser uma vantagem dessa ultima forma converteu-se em sua fragilidade: ações de improbidade dispensam envolvimento da polícia e escapam ao foro privilegiado e aos rigores do código penal, mas o excessivo formalismo da justiça brasileira, a inúmera quantidade de recursos protelatórios e os vários graus de jurisdição têm propiciado aos advogados de defesa explorarem ao máximo as oportunidades de retardamento de sentenças condenatórias quando não de sua inviabilização. Não que o retorno ao tratamento do problema como crime comum escape a essas mesmas condições, mas a diferença é que as investigações podem envolver mecanismos mais eficazes de obtenção de provas e de imposição de custos,

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tais como escutas telefônicas, mandados de busca e apreensão, prisões preventivas ou temporárias.

Nesse sentido, se considerarmos que em ambas as vias judiciais de tratamento do problema os resultados serão igualmente pífios ao final, quais procedimentos iniciais podem impor maiores sanções extra-processuais aos supostos criminosos? Pela via cível da improbidade administrativa, como mostra o quadro 1, pode-se dizer que os acusados arcarão com custos reputacionais e talvez ajustem suas condutas – nos casos em que isso é possível – mediante acordos firmados com a promotoria. Pela via criminal do processo penal, as escutas telefônicas têm se mostrado não só um meio de prova importante, mas uma condenação antecipada pela opinião pública quando os diálogos gravados são expostos pela imprensa; medidas de busca e apreensão de documentos, prisão preventiva ou prisão temporária acarretam não só os mesmos custos reputacionais perante a opinião pública, mas podem abalar efetivamente o funcionamento do esquema criminoso. Se as provas recolhidas por estes meios forem fortes, promotores podem solicitar e juízes podem conceder o bloqueio dos bens dos envolvidos, mesmo antes de sentenças condenatórias.

Como vimos, uma outra diferença significativa entre as rotas civil e criminal de enfrentamento do problema da corrupção é que no caso da primeira o Ministério Público não necessita das investigações da Polícia nem da autorização da Justiça para conduzir o inquérito civil e reunir os elementos necessários à proposição da Ação Civil Pública. No caso da segunda via, a investigação e a acusação do crime de corrupção desafiam a triangulação entre delegados de polícia, promotores/procuradores e juízes no que diz respeito à solicitação, concessão e execução de diversos procedimentos. Se o combate à corrupção e ao crime organizado conheceu significativo crescimento nos últimos anos, por meio das operações da Polícia Federal, é porque não só as instituições envolvidas estão mais ativas como a articulação triangular entre elas foi intensificada. Esta talvez seja a principal mudança no âmbito do sistema judicial de accountability no Brasil recente.

Como vimos, uma das grandes novidades representadas pelas operações diz respeito à superação das históricas dificuldades de triangulação entre juízes, promotores e policiais, no tratamento criminal comum da corrupção. Além disso, mais do que as autorizações judiciais e a presença fiscalizadora do MP, deve-se destacar que em pelo menos 43% das operações, a PF não estava sozinha no momento da execução. Membros dos ministérios público federal e estadual, policiais civis e militares, fiscais da Receita Federal, agentes do Banco Central, da Previdência Social, do Ministério do Meio Ambiente e de outros órgãos públicos participam muitas vezes da investigação que precede a operação e muitas vezes acompanham in locu a sua execução. Essa atuação em conjunto guarda relação com a natureza do crime que se está investigando, mas corresponde também à difusão do conceito de Task-Force como forma mais adequada de combate a organizações criminosas (Arantes 2000, 165).

As informações disponíveis sobre as 600 operações não nos permitem avaliar com precisão ou mesmo antever seus resultados finais. Convertidas em

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processos judiciais, a maioria está tramitando na justiça, cuja morosidade é conhecida. Enquanto esperamos as decisões finais, o que se pode destacar são os custos extra-processuais impostos aos acusados – conforme vimos no quadro 1 - e estes têm ocorrido em abundância. Por outro lado, a transformação das operações em espetáculos de mídia tem despertado igualmente a reação de políticos e também de juízes e advogados. Estes têm acusado excessos da polícia na condução de diversas operações. De fato, prisões autorizadas em caráter preventivo ou temporário, sob as lentes da TV, ganham aspecto de prisão em flagrante, antecipando assim a culpa dos acusados. De pessoas comuns a grandes empresários e figuras públicas têm sido levados em camburões, portando algemas, sob a mira de armas e câmeras. As imagens são veiculadas em escala nacional e, de fato, emprestam apoio às ações policiais e geram, mesmo que pelos efêmeros instantes do tempo midiático, a sensação de que algo tem sido feito contra a impunidade de corruptos e criminosos.

Outra observação importante sobre esse processo que poderia ser denominado de (re)criminalização da corrupção política é também sua tendência à federalização, entendida como centralização na União. Houve um deslocamento do combate à corrupção do plano estadual, nos quais os promotores eram protagonistas por meio de ações civis públicas, para o plano federal, capitaneado agora pela PF e por essas ações criminais que superaram em boa medida as dificuldades processuais do processo penal. É interessante notar como arrefeceu a discussão sobre os poderes de investigação que o Ministério Público vinha se arvorando a obter, justamente por conta do fortalecimento da capacidade de investigação da PF no plano nacional e que tem influenciado, mesmo que vagarosamente, as polícias estaduais. Um dado surpreendente, à luz da história das relações entre União e estados nessa matéria, é que em 17 unidades federativas hoje o secretário de segurança pública é um delegado federal. As indicações para estes cargos foram feitas diretamente pela direção geral da PF e pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, a pedido dos governadores. Em 2007, o então secretário nacional de Segurança Pública e hoje diretor geral da PF afirmou que essa prática estava se tornando comum porque "É como uma terceira onda: depois dos generais e dos políticos, agora vivemos uma espécie de onda federal".

Em resumo, o deslocamento das ações de combate à corrupção da esfera estadual para a esfera federal está diretamente associado ao deslocamento da esfera cível para a esfera criminal e ambos estão associados à maior articulação entre as instituições de accountability. Os custos envolvidos no tratamento penal do crime de corrupção estão sendo superados por uma articulação inédita das três instituições responsáveis por conduzir a investigação e o processo por essa via: polícia, ministério público e juízes de primeira instância. Essa sintonia mais fina de propósitos é a grande novidade da experiência brasileira recente de promoção da responsabilização da classe política. As operações da PF ilustram bem este ponto: elas são mais contundentes do que uma ação civil publica de um promotor estadual contra um político que pode ganhar a mídia num dia, mas cairá no esquecimento pouco depois e a morosidade da justiça se encarregará de jogá-lo para as calendas. As operações prendem pessoas, e para isso superam os obstáculos do processo penal, pois são solicitadas por procuradores federais e autorizadas

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por juízes. O desfecho final do processo não é menos incerto do que nos outros casos, mas pelo menos sua eficácia inicial parece bem maior do que a atingida pela outra via.

Por outro lado, também a concertação de juízes, procuradores e policiais têm sido criticada. Segundo o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, “policiais, procuradores e juízes não podem fazer o trabalho a seis mãos”, sob o risco de comprometer a imparcialidade das funções. Mendes - que se notabilizou por ser o grande crítico das operações da PF neste período - chegou a afirmar que agindo assim eles se tornavam verdadeiras “milícias”, no que foi repreendido por juízes das instâncias inferiores e suas associações profissionais.22

Se de um lado as ações conduzidas pelas instituições de accountability têm sido contundentes, de outro o Supremo Tribunal Federal - especialmente por meio de seu presidente – não deixou de colocar freios à ação dos policiais federais, procuradores e juízes responsáveis pela condução das investigações. Se a ambição deve contra atacar a ambição, certas ações policiais constituem exemplos de como, na ausência de instituições fortes e capazes de equilibrar combate ao crime e prevalência do rule of law, as motivações pessoais vinculadas ao cargo podem levar aos excessos de alguns ou não serem suficientes para levar outros a agirem conforme o esperado. Em sua decisão de pôr em liberdade um banqueiro preso pela PF na operação Satiagraha, o então presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, afirmou que o respeito ao devido processo legal é o que permitiria distinguir o Estado de Direito de um Estado Policial. Desde então, essa tem sido a tônica do debate que opõe os que dizem combater a impunidade de grandes criminosos e os que defendem intransigentemente os princípios jurídicos do rule of law.

Enquanto a revelação dos bastidores de muitas operações deixaria Madison ruborizado pelos elementos de ambição, traição, desconfiança e desejo de vingança presentes entre os envolvidos 23, ajustes institucionais têm sido feitos de modo a assegurar a proporcionalidade entre os meios de ataque e os de defesa. Nesse sentido, cabe destacar que o Conselho Nacional de Justiça estabeleceu em outubro de 2008 regras mais rigorosas para autorização de escutas telefônicas e de quebra de sigilo de meios eletrônicos de comunicação por parte dos juízes. Além disso, o CNJ estabeleceu a necessidade de abertura de investigação sempre que houver vazamento das informações. Em agosto de 2008, o STF já havia estabelecido regras também para o uso de algemas nas operações de prisão, fixando que só poderão ser utilizadas em situações nas quais houver risco de fuga ou para a segurança alheia. Sequer o efeito simbólico de dar nomes às operações passou desapercebido pelo CNJ, que determinou recentemente que juízes não mais

22

Jornal O Estado S. Paulo, 10/09/2008, pg. A3. 23

Um bom exemplo foi a reunião realizada pela PF para discutir problemas e irregularidades que marcaram a operação Satiagraha. O encontro, que culminou com a decisão de afastamento do delegado que comandou as investigações, foi gravado por um dos participantes. O áudio de 3 horas de duração acabou vazando para a imprensa e hoje está disponível a qualquer interessado, por meio da Internet. http://media.folha.uol.com.br/brasil/2008/11/18/reuniao_policia_federal.mp3. Consultado em 10/5/2010.

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façam uso deles em suas decisões judiciais. Mais uma vez segundo o ex-presidente do STF e do CNJ, ministro Gilmar Mendes, "é preciso encerrar essa fase de marketing policial às custas do Poder Judiciário."

A decisão do CNJ não impediu a PF de seguir exercitando sua veia literária, mas colocada ao lado das demais medidas de contenção, tais decisões marcam uma tentativa de reequilibrar os meios de ataque e de defesa nas operações de combate à corrupção e ao crime organizado. Nesse aspecto, estamos diante de um processo de acomodação institucional, no qual o jogo entre os atores vai redefinindo as próprias regras. Pensando em termos de “qualidade da democracia”, parece evidente que uma análise das motivações individuais dos atores e dos efeitos produzidos pelas instituições é a melhor forma de compreender e prever a direção que a accountability e o combate à corrupção pública podem tomar no regime democrático brasileiro.

Se ainda é cedo para afirmar a efetividade das operações conduzidas pela PF, em grande medida apoiadas por uma web of accountability institutions, certamente conhecemos hoje um pouco mais daquilo que Bobbio (1986) chamava de o “poder invisível” e quiçá estejamos um pouco mais próximos de uma das promessas ainda não cumpridas da democracia.

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