Correspondência Internacional nº30 - Traduzido para portugês(BR)

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Nº 30 • Maio • Agosto 2011 • UIT-CI VI Congresso do PC ratifica a restauracão capitalista Cuba A revolucão árabe sacode o mundo Fora a intervenção imperialista na Líbia! Armas ao povo rebelde para derrotar a Kadafi

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Nº 30 • Maio • Agosto 2011 • UIT-CI

VI Congresso do PC ratifica a restauracão capitalistaCuba

A revolucão árabe sacode

o mundo

Fora a intervenção imperialista na Líbia!

Armas ao povorebelde para

derrotar a Kadafi

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Sumário

SedesCoordenação Internacional

Hipólito Yrigoyen 1115-1117Buenos Aires

Argentina

Telefones: 00 54 11 – 4383-7733 00 54 11 – 4383-4047

Internetwww.uit-ci.org

DiagramacãoIsabel Sánchez

CorreçãoJuan Rivera

Contribuição:Argentina: $ 15

Brasil: R$ 5 Resto da América Latina: uS$ 2

Estados unidos: uS$ 5

Os artigos assinados não expressam necessariamente a posição da direção da uIT-CI,

mas a de seus autores.

Nº 30 • Maio - Agosto 2011

Revista da uIT-CIunidade Internacional dos

Trabalhadores- Quarta Internacional

A revolução árabe sacode o mundo 2

BolíviaMobilizacões e greves contra Evo Morales 33Carlos Rojas: “Os professores foram brutalmente golpeados e agora os criminalizam” 34

Líbia

O VI Congresso do PC ratificou a restauração capitalista 35Acabaram com a Carteira de Alimentos 36Cuba, simplesmente (de Havana) 38

VenezuelaSobre as falsas “expropriações” de Chávez 40Fora a intervenção imperialista!

A OTAN e Kadaficontra o povo líbio 6Por que Chávez e Fidel apoiam Kadafi? 9Por que devemos exigir armas para o pueblo rebelde 12

EgitoOs desafios de uma revolução triunfante. Por José Castillo: enviado especial ao Cairo 13Un gigante se põe em marcha 17Ativistas fundam novos sindicatos 19“Vamos atrás de tudo que Mubarak nos tirou” 21A esquerda na revolução 22

TunísiaTunísia, o estopim da revolução 23O governo operário da uGTT em Redeyef 24Da independência à semicolonização 27

SíriaChamado da unidade Internacional dos Trabalhadores 28

JapãoO desastre nuclear e a catástrofe capitalista 30Ferroviários japoneses denunciam 31Solidaridade de Orlando Chirino 32

Estados unidosA rebelião sindical em Wisconsin 42

Cuba

Vida do movimentoAlemanha: “Por que decidimos nos incorporar à uIT-CI” 44

Brasil: Vitorioso Seminário Internacional 46

Noticiário 48

Europa: € 5Resto do mundo: uS$ 3

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Ao fechamento desta edição em português, o processo revolucionário árabe continua se aprofundando. No

Egito o povo saiu às ruas enfrentando o débil regime militar que substituiu Mubarak exigindo salários, trabalho, castigo aos repressores do regime. Na Síria a mobilização continua com centenas de milhares de pessoas nas ruas, continua a feroz repressão do governo, e chegam notícias de deserção de soldados e polícias que se unem aos manifestantes.

Mas agora é a classe trabalhadora e a juventude européia que estão na vanguarda na luta contra o ajuste capitalista, seguindo o exemplo dos povos árabes. Na Grécia, o go-verno do PASOK (social democracia) já esteve à beira da cair, e ainda que conseguisse se manter com o apoio da direita e aprovar o ajuste, as greves gerais se repetem agora com milhares de jovens “indignados” nas ruas enfrentando à polícia. Na Espanha os “indignados” reclamam greve geral. Na Grã Bretanha houve a maior greve em 80 anos e médio milhão de pessoas foram para as ruas. Na Itália, o governo direitista de Berlusconi sofreu uma tremenda derrota num referendo e os trabalhadores desde as bases exigem uma greve geral.

A imensa classe trabalhadora da China começou a lutar e está conquistando de fato aumentos salariais e algumas liberdades políticas e sindicais contra a ditadura capitalista, utilizando em alguns casos métodos insurrecionais.

Além disso, cada semana se incorporam novos países em todos os continentes ao ascenso mundial das lutas operárias, juvenis e populares.

Na América Latina acorda um gigante: os trabalhadores brasileiros vêm protagonizando centenas de greves. No Peru os indígenas aimarás do sul impuseram a retirada das conces-sões às transnacionais mineiras. Na Venezuela há lutas operá-rias e de todos os setores populares. Na Bolívia o governo de

Evo perde popularidade aceleradamente após a luta contra o “gasolinazo” e a greve geral de 10 dias.

A vanguarda latino americana agora está no Chile onde centenas de milhares de estudantes secundaristas adolescen-tes não somente questionam, nas ruas e ocupando colégios, o modelo educativo exigindo gratuidade, como enfrentam com decisão e coragem à polícia (carabineiros) que mantém as normas ditatoriais de Pinochet proibindo manifestações e se unem aos trabalhadores do cobre em greve exigindo a estatização do cobre. O Presidente Pinheiro que encabeça o suposto “modelo de maior êxito” elogiado pelo imperialismo viu cair sua popularidade para 36%.

Talvez nunca como agora tem se evidenciado a debilidade política e a crise do imperialismo norte-americano. Já ninguém se lembra do assassinato de Bin Laden apresentado como um “grande trunfo” por Obama. No Afeganistão devem nego-ciar com a resistência a data da retirada das tropas. Israel, o principal gendarme imperialista no Oriente Médio, está a cada dia mais isolado e assediado pela revolução árabe. A criminosa intervenção da OTAN na Líbia foi parte da crise e os EUA tratam de se envolver o menos possível.

A crise econômica golpeia os Estados Unidos como nunca na história. Aplicam um ajuste neoliberal ortodoxo como antes só reservavam aos países submetidos da Ásia, África e América Latina, com demissões de milhares de professores, trabalhadores da saúde, e até a venda de pré-dios públicos. Mas os trabalhadores deste país também começaram a se mobilizar.

Este gigantesco ascenso de lutas mundiais coloca na or-dem do dia o internacionalismo dos trabalhadores e palavras de ordem muito similares em todos os idiomas. Abaixo as ditaduras capitalistas! Abaixo os governos antipopulares! Que os capitalistas paguem pela crise!

Contatos:Argentina: Izquierda Socialista: [email protected] - Bolívia: [email protected] - Brasil: Corriente Socialista de los Trabajadores: [email protected] - Colômbia: Unidad Obrera y Socialista: [email protected] • Alternativa Socialista: [email protected] - Espanha: Izquierda Solidaridad (IS): [email protected] • izquierdasolidaridadyacció[email protected] - Estados Unidos: Núcleo Socialista: [email protected] - Panamá: Propuesta Socialista: [email protected] - Perú: Unios en la lucha: [email protected] - Venezuela: [email protected]

Sites Recomendados : www.uit-ci.org / www.izquierdasocialista.org.ar • / www.nahuelmoreno.org / www.cstpsol.com (Brasil) / www.unios.tk (Perú) / www.movimientoalsocialismo.com.mx (POS México) / www.laclase.info / www.socialistcore.org

Apresentação

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Revolucão áRabe

Miguel Sorans

Encabeçados pela pequena Tuní-sia e logo pelo poderoso Egito, os povos árabes colocaram em

marcha um processo revolucionário em todo o mundo árabe.

A revolução esta em curso, com distintas expressões. Onde houve triunfos como na Tunísia e no Egito, ela continua porque os povos não vêm cumpridas suas aspirações so-

ciais e políticas. E estas revoluções, objetivamente anticapitalistas, se combinam com novas revoluções anti-ditatoriais em curso, como na Líbia, Síria, Iêmen e no resto do mundo árabe.

A revolução árabe marcará um divisor de águas na situação mundial. Em primeiro lugar, nos países árabes e no conflituoso Oriente Médio. Nada será igual. O imperialismo e Israel saem debilitados e as massas árabes e do mundo fortalecidas.

A revolução árabe no marco da derrota militar do imperialismo no Iraque e a crise econômica capitalista

A revolução não se deu como um raio em um céu sereno. Seu estouro se

A revolução árabe sacode o mundo

A revolução árabe se iniciou

na Tunísia. Foi a faísca que

fez explodir o resto. Deu um

salto com a colossal revolução

egípcia que derrubou Mubarak.

O imperialismo ianque perdeu

seu aliado fundamental e

aprofundou a sua crise de

dominação. O assassinato

de Bin Laden é uma jogada

desesperada de Obama que não

muda o fracasso imperialista.

A rebelião árabe produz

um impacto favorável para

as massas do mundo. Qual

é o caráter das revoluções

triunfantes? Quais são as tarefas

da revolução árabe?

Marruecos

ArgeliaLibia

Egipto

Yemen

Baahrein

Siria

Jord

ania

Tune

z

AFRICA

EUROPA

Mar Mediterráneo

Océ

ano

Atlá

ntic

o

Arabia Saudita

IrakIsraelPalestina

Libano Irán

Turquía

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Revolucão áRabe

explica pela combinação de dois fato-res chaves: a derrota do imperialismo no Iraque e a crise econômica mundial e seus efeitos nos povos.

O fator mais importante é a con-seqüência que teve nos povos árabes a derrota militar do imperialismo ianque no Iraque. Este é um ponto chave da situação mundial. Nossa corrente foi uma das primeiras a assinalar que o Ira-que era o novo Vietnam dos Estados Unidos. Depois das Torres Gêmeas o imperialismo lançou uma contra ofen-siva militar invadindo o Afeganistão em 2001 e em seguida o Iraque, para da uma mostra de seu poderio perante os povos do mundo. Mas este plano fracassou completamente. No Iraque foram derrotados, mesmo que ainda permaneçam algumas tropas. Logo Israel foi derrotado em sua invasão ao Líbano, e no Afeganistão é evidente o pântano em que estão.

A derrota no Iraque, que é um país árabe, não fez mais do que entusiasmar os povos árabes que foram os que se mobilizaram massivamente para repu-diar a invasão. No Egito, por exemplo, desde anos atrás a juventude e o povo canalizaram seu a ódio a Mubarak, mobilizando-se em apoio ao povo palestino e ianque. Enquanto Mubarak seguia sustentando o seu pacto com Israel e EUA. Ou seja, as massas árabes vieram lutando há muito tempo antes.

A nova derrota militar ianque se combinou, desde 2007, com a crise econômica capitalista mundial. A com-binação destas duas questões derivou aquilo que definimos como uma crise de dominação política, econômica e militar do imperialismo ianque. Esta crise é a que expressa o estouro da revolução árabe. O que levou também a que o imperialismo fosse pego de surpresa, sem poder atuar para salvar seus aliados. O que favoreceu o triunfo das massas na Tunísia e Egito.

O outro fator, que incentivou a mobilização dos povos árabes, tem sido a conseqüência da crise econô-mica mundial no Norte da áfrica e no Magreb. As massas árabes se rebelaram contra a miséria crescente,contra o desemprego, a tremenda desigualdade social, a corrupção

(se calcula em milhares de milhões de dólares as fortunas de Mubarak e Kadafi) e as ditaduras que vieram apli-cando estes planos de ajustes a serviço das multinacionais.

As massas árabes se levantaram contra as ditaduras, com grande peso nas reivindicações sociais por salário e contra o desemprego. Isto, por sua vez, explicaria porque não tiveram maior presença as consignas religiosas islâmicas.

O impacto mundialda revolução árabe

Milhões no mundo seguiram, por televisão e pela internet, o desenrolar da revolução egípcia, como se fosse uma final de copa do mundo.

As massas egípcias demonstraram aos povos do mundo o poder da mobi-lização revolucionária. Mostraram que as massas mobilizadas possuem um poderio capaz de conquistar vitórias que dias atrás pareceriam impossíveis.Conseguiram com sua insurreição,por exemplo, derrotar a polícia e paralisar um dos exércitos mais poderosos do mundo. E terminar com um regime ditatorial que parecia eterno.Todos os governos do mundo tremeram frente ao que se passou, temerosos de que este exemplo se espalhe, frente aos efeitos que provocam os seus planos de ajustes.

O medo de todos os governos do mundo ao efeito contágio da revolução, fez com que não se pronunciassem nem apoiassem abertamente a mobilização do povo egípcio. Os supostos governos “antiimperialistas” como Chávez,Evo Morales, os Castros, o governo do Irã ou a OLP,todos se calaram.Até o Ha-mas proibiu as marchas dos palestinos da Faixa de Gaza, em solidariedade ao povo egípcio.Logo depois da queda de Mubarak, estes governos e dirigentes saíram a “saudar” o povo egípcio.

De fato a revolução árabe se pro-duz em meio a uma sustentação da crise econômica capitalista mundial (estouro da crise na Irlanda e Portugal, por exemplo) e do crescimento das gre-ves de trabalhadores contra os ajustes capitalistas na Europa, América Latina e em todo o mundo.

As conseqüências políticas, econô-micas e sociais da revolução árabe, que ainda segue em marcha, estão afetando o imperialismo (caem e se põe em cheque regimes políticos agentes dire-tos de sua política na região) e seguira afetando de acordo com os resultados dos próximos capítulos de processo revolucionário.

O que é seguro, é que a revolução árabe tonifica as lutas dos povos do mundo para seguir no combate contra os ajustes capitalistas e seus governos.

Se aprofunda a crise de dominação do imperialismo

A perda de aliados como Mubarak ou Bem Alí (Tunísia), significou um novo golpe político para Obama e que agrava a sua crise de dominação mundial. O golpe mais duro foi a que-da de Mubarak, que era peça chave no Oriente Médio, em seu pacto histórico com Israel. Há que se levar em conta que Egito é o maior país árabe, com 80 milhões de habitantes.Junto com Jordânia, são os únicos países que reconhecem a Israel.

É evidente que o imperialismo trata de aproveitar a guerra civil na Líbia para intervir militarmente para ver se recupera algo do terreno perdido. Coisa que até agora não conseguiram porque o conflito ainda não se definiu a favor dos rebeldes que, heroicamente, seguem combatendo Kadafi.

Mas até neste terreno se reflete a sua crise. Os ianques não se animaram a intervir diretamente. “Nos EUA, onde o desemprego não larga os se-tores da classe média e média baixa, Barack Obama começa a desenhar o caminho para tentar a sua reeleição em novembro de 2012 e sabe que isso o obriga a reduzir lastro. Uma enquete de terça-feira passada detectou um cresci-mento do rechaço à intervenção norte americana neste conflito” (Clarín, Argentina, 9 de abril). EUA somente deu apoio à OTAN, que tampouco pôde lançar, por enquanto, forças terrestres.

O assassinato de Bin Laden é uma jogada desesperada de Obama para mostrar uma “vitória” em meio à co-lossal surra que esta recebendo com a rebelião árabe.

Os triunfos revolucionários e a extensão da revolução à Síria, Iêmen, Barein, e a transformação da revolução líbia em guerra civil, não faz mais do que aprofundar a crise do imperialismo e perda de terreno firme na região. En-quanto Israel fica cada vez mais isolado e o povo palestino mais fortalecido. A unidade de OLP-Hamas é outra expres-são das mudanças políticas que trouxe o processo revolucionário árabe.

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Revolucão áRabe

triunfaram imensas revoluções de-mocráticas. Mas discordamos de que estas revoluções sejam somente democráticas e que, portanto, suas tarefas sejam somente democráticas. Para o caso do Egito apontávamos que: “Triunfou uma poderosa revo-lução que em seus primeiros momen-tos logrou conquistas democráticas fundamentais, como a liquidação de Mubarak e seu regime ditatorial, e a liberdade de mobilização e de organi-zação. No entanto, a revolução segue aberta e as massas aspiram mais, como empregos massivos, salários dignos, maiores liberdades políticas e sindicais, a soberania nacional e etc. Na qual entra em contradição com a política imperialista, com a cúpula do exército e as direções opositoras burguesas e islâmicas, que sonham e fazem os maiores esforços para que a revolução não transcenda as reivindicações democráticas e não avancem claramente em uma pers-pectiva dos trabalhadores e socialista (...) Que dizer, é necessário tomar medidas anticapitalistas e socialistas

O caráter das revoluções em curso

O triunfo da revolução na Tunísia e Egito abriu uma polemica na esquerda sobre o caráter destas revoluções e as tarefas que estão colocadas a partir da queda dos ditadores. Distintos setores sustentam que somente se trata de revoluções democráticas e que a tarefa central é a “Democracia Radical” e conquistar uma Assembléia Consti-tuinte. Uma das correntes do PSOL do Brasil, o MES, sintetiza claramente esta postura em um texto de Israel Dutra e Pedro Fuentes. Para eles as revoluções árabes são revoluções que só podem chegar a “Democracia Ra-dical com componentes nacionalistas e pan-arábes. Para isso uma assembléia constituinte é o caminho”.Segundo eles, “sendo revoluções democráticas, aqueles que levantam a bandeira do socialismo estão absolutamente fora de contexto” (ver página da internet do PSOL- Secretaria de Relações In-ternacionais).

Nossa corrente, a UIT-QI, coin-cide com que na Tunísia e no Egito

para poder cumprir as reivindicações de justiça social. Para os socialistas revolucionários, o processo revolu-cionário deve continuar porque agora, mais do que nunca, está colocado que as tarefas pendentes democráticas, antiimperialistas e anticapitalistas só podem chegar até o final com um governo dos trabalhadores e do povo, o Movimento 6 de abril, os sindicatos e as organizações populares dos que se jogaram para derrubar Mubarak”. (As novas tarefas da revolução. De-claração da UIT, 18/3).

Neste sentido não estão “fora de contexto” as tarefas socialistas. Desde já, que as revoluções não se fazem por consignas socialistas, mas a solução para as reivindicações das massas só podem se resolver com um programa de transição que aplique um poder popular e dos trabalhadores. A revo-lução russa de 17 se fez com Pão, Paz e Terra, mas somente com o triunfo da revolução socialista as massas avança-ram em suas conquistas. Rechaçamos a visão etapista, como a do MES (Mo-vimento de Esquerda Socialista) do

Nas multitudinárias manifestações o pão era o símbolo dos trabalhadores tunisianos

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Revolucão áRabe

PSOL, que relembra no século XXI, a concepção da revolução por etapas do stalinismo. As revoluções justamente se limitam as democráticas pelo papel nefasto das direções burguesas, refor-mistas e nacionalistas burguesas que as freiam para que se mantenham nos marcos do capitalismo.

As revoluções na etapa do impe-rialismo são objetivamente anticapita-listas, pelo inimigo que enfrentam que são regimes contra-revolucionários capitalistas, não feudais, e pelas forças sociais que fazem a revolução, que não são os burgueses, mas sim, as massas populares, os trabalhadores, a juventude e setores da classe media empobrecida.

Por isso a nova tarefa não é so-mente uma Assembléia Constituinte, mas sim chamar a mobilização por um programa que inclua, para dar salário, trabalho, saúde e educação para todos, medidas de expropriação das multina-cionais e dos bens dos ex-governantes, os militares e suas famílias, que repre-sentam a maior parte da burguesia local, na perspectiva de um novo poder dos trabalhadores e do povo.

O papel dos trabalhadores e da juventude

A realidade é que foi demons-trando que a revolução não se deteve aonde triunfou. Pelo contrario, as massas tunisianas e egípcias seguem mobilizadas. Na Tunísia, por exem-plo, derrubaram com mobilizações e greves a dois governos que surgiram com a revolução. No Egito cresceram as greves sindicais pelas suas reivin-dicações. No dia 9 de abril milhares de pessoas voltaram a mobilizar-se na Praça Tahrir para exigir a renuncia de Hussein Tantwi, o chefe da Junta Mi-litar que antes, na queda de Mubarak, era aplaudido. No Cairo os estudantes saíram a exigir reformas no sistema educativo.

Os protagonistas da revolução árabe foram os jovens, os setores populares e também os trabalha-dores. É evidente o caráter popular da revolução árabe. Em especial, a juventude jogou um papel de primeira magnitude no Egito (o Movimento 6 de Abril), apoiada nas redes sociais. Mas é claro que, tanto na Tunísia como no Egito foi crescendo o papel da classe trabalhadora em ambas as revoluções.As greves operárias con-tribuíram com a queda das ditaduras. No caso da Tunísia, o movimento operário, organizado na UGTT, foi acumulando experiência de luta nos últimos dez anos. Não foi casual que, por exemplo, na cidade de Redeyef, a sede da UGTT local passa ser o palácio do governo.

Logo depois do triunfo se pro-duziu uma ascensão sindical com o crescimento das greves e com a formação de novos sindicatos in-dependentes. No Egito se produziu com a queda de Mubarak uma reação em cadeia de greves e ocupações de lugares de trabalho em setores e até greves e marchas de policiais por salário e liberdade sindical.

Este é um ponto de apoio chave para o desenvolvimento e o triunfo do processo revolucionário.

As tarefas da revolução árabe

A revolução árabe segue laten-te, nela se combinam distintas re-voluções. Na Líbia, Síria, Iêmen, Bahrein, Marrocos e etc. Segue a luta para derrubar os ditadores do

momento. No Egito e Tunísia os trabalhadores e o povo enfrentam a novos governos capitalistas que querem congelar o processo revolu-cionário.

Justamente o fator positivo da revolução é o poderio de mobi-lização das massas e sua contun-dência e firmeza para sustentar a mobilização permanente. No caso da Líbia o povo chegou a pegar em armas para enfrentar o assassino Kadafi. O grave problema são as direções contra-revolucionárias e a ausência de uma direção revolu-cionaria. Desde o imperialismo, os governos capitalistas até os chama-dos “progressistas” ou “antiimpe-rialistas”, como Chávez, Ortega, Castro, Morales ou Ahmadinejad, através de distintas posturas, não querem que as massas árabes triun-fem. No caso da Líbia diretamente há uma aliança de fato para deixar morrer, sem armas, os combatentes rebeldes líbios. Por isso uma das grandes tarefas, junto ao impulso e apoio as mobilizações dos povos, é a luta para construir uma direção socialista e dos trabalhadores.

A mobilização revolucionaria das massas, é a que contribui para criar melhores condições para superar a crise de direção. Por isso uma das tarefas centrais é fortalecer e desen-volver os novos organismos de luta que estão surgindo com a revolução. Desenvolver todas as formas de auto-organização como os comitês revolucionários e as milícias popu-lares da Líbia; os novos sindicatos independentes como no Egito e na Tunísia, os comitês de Defesa da Re-volução na Tunísia ou o Movimento 6 de Abril, da juventude do Egito. O fortalecimento destes organismos são chaves para o triunfo e avanço do processo revolucionário na pers-pectiva de um poder popular e dos trabalhadores.

Neste caminho, os socialistas revolucionários seguiram chamando os trabalhadores e o povo no mun-do, a solidarizar-se com a revolução árabe. Em especial, a mobilizar-se contra a intervenção imperialista na Líbia, pelo fora Kadafi, em apoio ao heróico povo rebelde líbio e em apoio aos povos da Síria, Iêmen e demais povos em luta para acabar com suas ditaduras genocidas.

“A grave contradição que se produz depois do triunfo democrático é que se trata de um triunfo revolucionário popular e dos trabalhadores que é monopolizado a nível de governo pela burguesia e pela pequena burguesia, que consideram, por outra parte, que com sua subida ao governo se terminou o processo revolucionário. Para nós é o oposto. O processo revolucionário se amplia, já que esta contradição básica se transforma em motor de gravíssimos conflitos que não tem solução na etapa aberta pelo triunfo revolucionário, senão somente se a classe trabalhadora tomar o poder.A revolução democrática argentina demonstra que esta analise que é da revolução permanente, é real, concreta.” (Nahuel Moreno, 1983, Coleção Inéditas, sobre a revolução na Argentina, pag. 173)

Revolução democráticae revolução

socialista

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Líbia

Para bombardear a Líbia, a OTAN se apóia numa reso-lução do conselho de Segurança

da ONU e no mandato que a autoriza a “proteger a população civil” atacando as tropas de Kadafi. Para tanto, contou com o pedido do Conselho Nacional de Transição, que governa a zona sublevada, e com o consentimento da Liga Árabe. Com estes três elementos políticos a favor da intervenção conse-guiram certo apoio popular na Europa e Estados Unidos, e também na Líbia e países árabes, aproveitando-se da le-gítima indignação de setores populares contra a ditadura de Kadafi. Inclusive personalidades da esquerda, como Gilbert Achcar, prestigiado intelectual libanês e professor em Londres, pro-nunciaram-se a favor da intervenção, vista por muitos como “a única forma de evitar um massacre”.

Mas a experiência histórica tem mostrado que o imperialismo nunca intervém para defender os povos e, menos ainda, para defender uma insu-rreição popular. Seu objetivo sempre foi e continua sendo instalar governos submissos. O objetivo da intervenção militar é impedir o triunfo das milícias e comitês revolucionários populares. É por isto que bombardeiam a Líbia e não fazem nada no Iêmen, na Síria e em Bahrein. Neste último, deixam inteira liberdade para a intervenção militar da Arábia Saudita, que enviou tropas para ajudar a monarquia a re-primir o povo. No caso da Líbia, logo mostraram suas verdadeiras intenções: no dia 5 de abril o chefe militar rebel-de, General Abdel Fatá Yunes, acusava a OTAN de deixar morrer a população de Misurata, assediada pelos merce-nários da ditadura de Kadafi. “Que

A OTAN e Kadafi contra o povo líbio

Os bombardeios da OTAN na Líbia sob

pretexto de “defender a população

civil” constituem uma tentativa de

frear a revolução, impedindo que o

povo líbio derrote a ditadura e que os

comitês populares revolucionários e

a milícia rebelde tome o governo. A

OTAN busca converter-se em árbitro

para levar a uma saída pactuada

e instalar um governo que não

ameace os interesses imperialistas e,

sobretudo, a entrega do petróleo líbio

às multinacionais.

Fora intervenção imperialista

Miguel Lamas • [email protected]

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Líbia

faz a OTAN? Bombardeia aqui e ali... [enquanto] os habitantes de Misurata estão ameaçados de extermínio. Se a OTAN quisesse romper o cerco a Misurata já o teria feito há muitos dias”.

Os aviões da OTAN atacaram as forças rebeldes em pelo menos três ocasiões. “Os bombardeios aéreos da OTAN causaram a morte de cerca de 50 rebeldes líbios nas proximidades da cidade de Brega, a leste de Trípoli, segundo informou a rede de televisão Al Arabiya”. No dia 6 de abril, depois do terceiro ataque contra os rebeldes, a OTAN não se desculpou nem de-clarou que se tratava de um “erro”, mas afirmou num comunicado que “continuaria cumprindo o mandato da ONU” e “atacando as forças que pos-sam causar dano à população civil da Líbia”, dando a entender que a milícia rebelde poderia novamente cair sob a mira de seus aviões. Os próprios che-fes militares ianques reconhecem que não apóiam os rebeldes e desconfiam da insurreição armada. “Discursando para as tropas dos Estados Unidos no Iraque, o almirante Mike Mullen disse que grupos radicais poderiam tentar aproveitar-se da sublevação na Líbia” (BBC de Londres, 22/04/11).

Em fins de abril começam a falar

do envio de “assessores militares” com o claro propósito de controlar as forças rebeldes, e tornar-se cada vez mais evidente que a manobra da OTAN é impedir a vitória militar da milícia e dos comitês populares. Trata-se de negociar uma saída pactuada que seja uma garantia para seus negócios e os interesses das multinacionais do

petróleo na Líbia. O chanceler fran-cês Alain Juppé reconheceu que seu governo busca “uma saída política” para o conflito.

A rebelião popular

A insurreição popular teve início em fevereiro passado, após a repressão

Em 27 de fevereiro, Marcelo Cantelmi, correspondente de El Clarín de Buenos Aires, informa desde Tobruk, no leste da Líbia:

Na entrada da cidade há retenção por parte dos comitês revolucionários, encarregados de organizar a segurança e a distribuição de suprimentos e me-dicamentos que entram pela fronteira egípcia. Independentemente de visto, os periodistas são recebidos pelos rebeldes com grande alegria. Querem que seja conhecida à história dessa batalha.

O esquema de aprovisionamento e organização montado em poucos dias, a partir do desencadeamento da crise, é tão eficiente que o enviado especial da organização Human Rights Watch, Peter

Bouckaert, declarou ao jornal espanhol El País nunca ter visto algo semelhante em toda a sua carreira.

“Num esforço extremo de organi-zação, os revolucionários conseguiram fazer com que os bancos voltassem a funcionar com certa periodicidade desde quarta-feira, entregando a cada pessoa a quantia de 200 dinares (cerca de US$ 180), para permitir o sustento básico. Certa solidariedade, numa con-juntura tão especial, também impede que os preços subam impulsionados pela crise. Como costumava ocorrer nas antigas municipalidades abertas, é na praça central da cidade que se acha ins-talado o principal comitê civil de Tobruk e é por aí que passa a política”...

Os comitês revolucionários

Líbia: 1.760.000km2 de superfície total.

6.500.000 habitantes, dos quais um milhão e meio de trabalhadores estrangeiros, a maioria proveniente dos países árabes e africanos.

Principal produto: petróleo. Antes da guerra, 1.700.000 barris diários, produção quase igual à da Venezuela.

Líbia

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Líbia

armada aos protestos pacíficos em que o povo reclamava contra a corrupção e o desemprego, exigindo liberdades políticas e a saída de Kadafi. O povo rebelado, tomando quartéis e delega-cias de polícia, ocupa várias cidades, entre as quais Benghazi, a segunda do país, e Misurata, centro econômico e a terceira em importância. Também é ocupada a cidade de Al-Sauhiya, a 50km de Trípoli, e se formam comitês revolucionários para dirigir as cidades ocupadas.

Na Líbia, diferentemente do que ocorre no Egito e Tunísia, grande parte da mão de obra empregada na indústria do petróleo é estrangeira, representando quase um milhão e meio de pessoas, principalmente egípcios e tunisianos, muitos dos quais buscaram as fronteiras ao romper o conflito para retornar a seus países de origem. Por isto é que o eixo da rebelião está na população jovem e na estrutura tribal, já que as tribos têm um grande peso na estru-turação da sociedade líbia e se distan-ciavam progressivamente de Kadafi.

primeiro lugar, do próprio Kadafi e seus filhos.

Contra-ataque de Kadafi e intervenção da OTAN

Diante da insurreição popular, o imperialismo pediu a renúncia de Ka-dafi e tentou influenciar a formação do futuro governo, ao perceber que a permanência do ditador já não co-rrespondia aos seus interesses. Com a participação de personalidades que acabavam de romper com o regime que se formava na zona rebelada o Conselho Nacional de Transição (CNT), que também incluía intelec-tuais e elementos da burguesia, alguns dos quais vinculados ao imperialismo, além de alguns representantes dos Co-mitês revolucionários. Aproveitando a falta de centralização dos comitês revolucionários locais, o CNT se co-locou acima deles e, em vez de apelar para a solidariedade popular do Egito e demais países árabes, que poderia facilitar a remessa de armas e voluntá-rios, orientou sua estratégia no apelo à ajuda imperialista e prometeu “respei-tar os investimentos”. O imperialismo apóia-se precisamente num setor majoritário do Conselho Nacional de Transição para dar cobertura política à sua intervenção e deter o processo de armamento popular. Ao mesmo tempo, Kadafi contrata milhares de mercenários estrangeiros, muitos deles através da empresa Global CST, diretamente ligada ao Estado de Is-rael (ver a página Voltairenet). Estes mercenários, munidos de apetrechos bélicos, entram no país passando pela Síria e a vizinha Argélia.

Uma nota de C. J. Chivers, corres-pondente do jornal New York Times, descreve o que é a milícia popular:

Com seus gritos roucos e as armas que conquistaram, os rebeldes se concentram diariamente para esperar a luta, ao longo da principal rodovia litorânea da Líbia. Muitos são valentes e mesmo extraordinariamente corajo-sos. Na sua generosidade, alguns são arrastados e se sentem irmanados pelo sentimento de trabalharem para a causa comum da sua revolução. Acompanhado pela invocação da ajuda divina – “Allah é grande!” – seu grito de liberdade revela o anseio de derrotar o ditador.

Com poucas semanas de experiên-cia de luta, não possuem os conheci-mentos básicos de combate e de como organizar o apoio de fogo, disparando de forma precipitada e às vezes aciden-talmente. A maioria deles ainda não aprendeu a se defender, correndo em

ziguezague, dos ataques de mísseis e morteiros no campo de batalha.

“Sobre o número de combatentes, os oficiais do governo de transição têm dado informações imprecisas”. Dizem ter sob suas ordens cerca de 10.000 homens armados, mas alguns deles são vistos sem armas, ou com armas velhas e sem munição.

“As fileiras de combatentes constam de três elementos: as chamadas “forças especiais”, constituídas por antigos sol-dados e oficiais de polícia; uma coluna principal, organizada em células auto-comandadas de combatentes com algumas armas e tanques conquistados ao inimigo; e uma espécie de guarda doméstica encarregada do treinamento rápido para os postos de controle e da defesa civil. Há também o “shabab”, grupos de jovens que se apresentam diariamente para dar uma ajuda sem muita idéia de como fazê-lo. Oficial-mente não tomam parte na luta”.

Está na origem da explosão popular o desemprego entre os jovens, os aumentos de preços, o agravamento das condições de vida em razão das privatizações dos últimos anos e da supressão de subsídios a alguns ali-mentos, além da revolta contra uma ditadura que impedia toda forma de oposição e da corrupção generali-zada dos hierarcas do regime e, em

A milícia popular

Rebeldes defendendo os territórios conquistados

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Líbia

Não é possível compreender como um pequeno comer-ciante desesperado que se

imolou na Tunísia se converteu no estopim da atual situação, senão con-sideramos um marco histórico que inclui a espetacular derrota imperialista pela resistência do Iraque, o fracasso

da invasão sionista ao Líbano e Gaza em 2006 e 2009 e o fracasso militar do imperialismo em Afeganistão. Neste quadro, que revela a decadência da do-minação imperialista e um crescimento das lutas dos povos árabes, se incorpo-rou uma crise econômica mundial com planos de arrocho, aumentos de preços dos alimentos e taxas de desemprego desesperadoras nas massas árabes. Os massivos protestos saharaui no Sáhara ocupado pela monarquia marroquina, em dezembro de 2010, apesar de ser brutalmente esmagada pelos abusos de Mohamed VI com o apoio político do sub-imperialismo espanhol, também foi um anuncio do atual processo revolu-cionário árabe.

Entretanto a socialdemocracia agrupada na Internacional Socialista amparava as ditaduras de Tunísia e

Por que Chávez e Fidel apoiam Kadafi?

Desde o começo deste ano, uma poderosa onda revolucionária estremeceu praticamente todas as ditaduras do Mahgreb e o Meio Oriente, corroendo os cimentos da dominação iaque e europeia sobre o mundo árabe. A explosão deste processo de mobilização revolucionária foi tão importante que sua onda expansiva atingiu o prestigio de dirigentes

Simón Rodríguez (Unidad Socialista de Izquierda)

Assim, outra evidência da dupli-cidade das manobras imperialistas é que a França, supostamente a potência que mais “ajuda” os rebeldes, silenciou sobre o envio de mercenários e armas a Kadafi por parte da Argélia, sua anti-ga colônia e país mais dependente do Norte de África, com o qual mantém excelentes relações.

Com tais reforços e uma enorme superioridade de armamento sobre as mal equipadas milícias rebeldes, Kadafi contra-atacou e conseguiu, em março, recuperar algumas cidades. Em 19 de março ocorreu o ataque aero-naval da França, Inglaterra e Estados Unidos contra as instalações militares de Kadafi. Mas foi a heróica resistência do povo líbio que permitiu, em abril e maio, a retomada de cidades como Brega e o domínio dos postos fron-teiriços, garantindo ao mesmo tempo o controle de Misurata, numa batalha que ainda não terminou. O heroísmo

dos milicianos faz com que se sustente e se prolongue a guerra civil, mas só um melhor armamento, a adesão de mais combatentes e uma rebelião po-pular em Trípoli poderão contribuir decisivamente para a derrota política e militar de Kadafi.

¡Fora a OTAN! Armas para os rebeldes líbios!

Qatar, un país del golfo arábigo, dijO Qatar, país do Golfo, anunciou que enviaria armas para os rebeldes líbios, mas o que fez foi colocar seus aviões à disposição da OTAN. Tam-bém proclamou apoio aos rebeldes líbios o Hizbollah, partido político-militar islâmico da resistência libanesa contra Israel.

A UIT-CI faz um chamado à luta pela retirada imediata dos aviões da OTAN e para exigir que os países árabes reconheçam os rebeldes como

força beligerante, de acordo com a Convenção de Genebra, e que lhes sejam entregues armas e voluntários para que derrotem Kadafi, como aconteceu na Nicarágua (1979) e em El Salvador (19) com a FSLN e a FMLN. Esta tem que ser uma campanha internacional, mostrando, na Europa e nos Estados Unidos, o papel nefasto da OTAN e chaman-do os trabalhadores e a juventude a se solidarizarem com os rebeldes, exigindo também aos governos dos países árabes, especialmente aqueles onde triunfaram revoluções demo-cráticas, como o Egito e a Tunísia, que entreguem armas ao povo líbio e permitam a passagem de voluntários para ajudar na sua luta. É preciso re-dobrar a mobilização mundial contra a intervenção imperialista e em apoio ao povo combatente líbio, para que ponha fim a Kadafi e à sua ditadura assassina.

latino-americanos que se reivindicam revolucionários e anti-imperialistas, a exemplo de Hugo Chávez, Evo Morales e o próprio Fidel Castro, que deram às costas aos povos árabes que lutam.

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Líbia

Egito filiando os partidos de Mubarak e Bem Alí, não era segredo que eram regímenes ditatoriais com mais de duas décadas ao serviço do imperialismo e o sionismo.

O absurdo oportunismo social-democrata não deveria surpreender a ninguém. Mas surpreendeu o silêncio dos governos de Cuba, Venezuela, Bolívia e Equador frente as revoluções do Egito e a Tunísia. A jornalista Alma Allende, cujos relatos sobre a revolução tunisiana constituem teste-munhos de muita importância, destaca em seus trabalhos a ingenuidade da esquerda tunisiana frente ao silencio do presidente venezuelano e seu pos-terior alinhamento com os ditadores. Efetivamente frente ao triunfo da revolução tunisiana e a consolidação da Praça Tahrir como bastião do povo revolucionário egípcio, a reação de Chávez foi comunicar-se telefonica-mente com Muammar Kadafi da Líbia e Bashir Al Assad da Síria. A posição de Kadafi foi de apoio incondicional ao ditador tunisiano Bem Alí, a quem ofereceu refugio quando foi deposto, e condenou o movimento popular egípcio. Quando cresceu a repressão contra os manifestantes na Praça Tahrir, no início do mês de fevereiro, Chávez chamou a resolver o conflito “no marco das leis” egípcias, brindan-do apoio à institucionalidade ditatorial de Mubarak.

Na segunda semana de fevereiro já tinha sido derrubada a ditadura egíp-cia, num processo no qual se destacou uma onda de greves e ocupações de fábricas por parte dos trabalhadores.

O debilitado governo interino tunisia-no que sucedeu a Bem Alí mudava de ministros e repetia consignas a favor do retorno à ordem, entretanto as ruas continuavam nas mãos dos comitês re-volucionários. Explodiam Iêmen, Argé-lia, Líbia, Jordânia, Marrocos, Bahrein e Síria. Não houve nem uma palavra de solidariedade para os povos árabes mobilizados e suas reivindicações de-mocráticas por parte do reformismo latino-americano.

Frente à guerra civil da Líbia, Chávez e Fidel optaram por colocar-se abertamente contra a revolução árabe. O prestigio de Chávez frente às massas árabes adquirido pela ruptura de relações com Israel, no marco da invasão a Gaza, foi colocado ao serviço da contrarrevolução.

Kadafi e Chávez

Há vários anos Chávez é um alia-do de Kadafi. Em 2009 o condecorou e lhe deu de presente uma réplica da espada do Libertador, comparando o ditador líbio com Bolívar. Chávez teve a distinção de doutor honoris causa em Trípoli e aproveitou a ocasião para derreter-se em elogios ao reformista do “Livro Verde”, admitindo que se trata de uma fonte de inspiração para suas próprias for-mulações. A aliança não é estranha para Chávez, quem conta entre seus aliados mais próximos os estalinistas burgueses chinos, a Lukashenko de Bielorrusia, a ditadura teocrática do Irã e a um Daniel Ortega que gover-na junto com os chefes da Contra

nicaraguense. Recentemente pactuou uma aliança com o ultradireitista presidente colombiano, Juan Manuel Santos, a quem considera “seu novo melhor amigo”.

A revolta popular na Líbia foi reprimida de forma tão selvagem que provocou um conflito arma-do, a divisão das forças armadas e a deserção de vários ministros e diplomatas. Os governos de Cuba e Venezuela assumiram uma defesa diplomática frenética pelas barba-ridades cometidas pela ditadura da Líbia (Chávez afirmou que não havia provas para responsabilizar Kadafi pelos massacres), ao mesmo tempo em que o ditador invocava o apoio imperialista, alegando que estava se enfrentando a jovens drogados e armados por Al Qaeda. Entretanto a tentativa de esmagar a revolta com métodos de guerra civil fracassava e as forças rebeldes avançavam ocupando a maioria das cidades da Líbia, o ditador lamentava ter sido abandonado pelos governos dos Estados Unidos e de Europa e lembrando-lhes o papel cumprido pela Líbia como cadeia de imigran-tes africanos, ameaçando abrir seus portões e “inundar” a Europa com imigrantes ilegais. Chávez propunha uma mediação “de paz”, para ser encabeçada pelo Jimmy Carter. É im-portante contrapor estes chamados à intervenção imperialista por parte de Chávez e Kadafi, quando a situação se tornava mais desesperada para o déspota líbio, com suas atuais posses imperialistas.

Kadafi junto a Fidel Castro Kadafi com Chávez

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Líbia

A intervenção imperialista

Fidel Castro em sua coluna “re-flexões” do dia 4 de março, explica que as relações entre Kadafi e o impe-rialismo eram “excelentes” antes das revoluções do Egito e da Tunísia.

Castro explica que o regime líbio tinha privatizado o petróleo e várias empresas públicas importantes e que seu governo cooperava estreitamente com a OTAN. Esta realidade recon-hecida pelo Fidel Castro joga por terra os argumentos patéticos de Chávez quando afirma que o imperialismo intervém para “se apoderar do pe-tróleo líbio”.

Há anos as transnacionais impe-rialistas se apropriaram do negócio petroleiro líbio.

O reformismo latino-americano se nega apoiar o processo revolucio-nário árabe e afirma que se trata de um movimento em grande medida patrocinado pelo imperialismo para reforçar seu domínio na região (tal qual afirma o Partido Comunista da Venezuela em seu Projeto de Linha Política para o XIV Congresso). Os fatos demonstraram que se trata de um processo que derrubou os aliados do imperialismo.

Fidel contradiz Chávez no que se refere ao negócio do petróleo como impulsionador da intervenção da OTAN. Então, o que procura a intervenção imperialista, autorizada pela resolução 1973 do Conselho de Segurança da ONU?

A política imperialista em relação à Líbia não pode ser examinada unicamente a partir do início dos bombardeios. Desde que Kadafi tenta esmagar a revolta popular através de uma sangrenta contrarrevolução e se produz o enfrentamento armado, o imperialismo tem procurado evitar um triunfo da insurreição. Aplicou um embargo das armas que preju-dicou principalmente os rebeldes, entretanto as forças de Kadafi se encontram fortemente apetrechadas com armamento sofisticado submi-nistrado pelos sócios europeus. Atra-vés de Israel e outros países aliados da região a ditadura recebeu milhares de mercenários que se converteram em sua principal força. Os petrodólares imperialistas fluíram constantemente aos cofres do regime, enquanto se desenvolviam os mais alucinantes

massacres e o próprio Kadafi ameaça-va que liquidaria seus opositores caçando-os de “casa em casa”.

Contando com este apoio a di-tadura pode reverter a maresia da guerra contra as forças inexperientes e mal dotadas da revolução da Líbia. Os capitalistas respiram com maior tranquilidade ao afastar-se a possibi-lidade de uma revolução triunfante cuja direção tinha proclamado que nacionalizaria o petróleo. Não obs-tante, ficava claro que Kadafi tinha deixado de ser garantia de gover-nabilidade burguesa e de segurança dos negócios imperialistas no país. Na perspectiva de um conflito pro-longado, o Conselho de Segurança da ONU vota um plano militar sob a consigna cínica de “proteger aos civis”, mas cujo verdadeiro propó-sito é forçar uma saída negociada ao conflito que garanta os interesses do imperialismo na Líbia, e ao mesmo tempo condenar o conjunto dos povos árabes que se revoltam contra seus governos autoritários e co-rruptos. Os bombardeios contra as forças rebeldes por parte da OTAN, os esforços da ONU para forçar os rebeldes a fazer propostas de diálo-gos ao Kadafi e as declarações dos responsáveis da intervenção, nas quais sentenciam que a única saída ao conflito é a negociação, confirmam o papel reacionário da intervenção ian-que e europeia. A intervenção tenta também dirigir-se à direção rebelde mais retrasada, sendo que um setor já declarou sua disposição de respeitar os acordos internacionais subscri-tos pelo Kadafi, em outras palavras manter as concessões petroleiras em mãos das multinacionais.

Nós, os revolucionários conde-namos os bombardeios da OTAN, pois formam parte de uma política que tem o objetivo de encurralar a revolução da Líbia e liquida-la na mesa de negociações. Junto com a invasão do Bahrein acionada pelas forças da monarquia saudita, forma parte da tentativa de colocar um freio aos povos árabes insurretos. A única forma de derrotar a ditadura e aca-bar com a intervenção é através da solidariedade internacionalista dos povos árabes, especialmente os de Egito e da Tunísia, que devem pro-porcionar armamento e voluntários às forças rebeldes.

Por que Chávez e Fidel não apoiam aos povos árabes?

Para muitos resulta inexplicável que Chávez e Fidel apoiem a um san-guinário contrarrevolucionário como Kadafi, que abandonou o nacionalismo burguês de inspiração nasserista de seus primeiros anos para converter-se em uma aliado incondicional dos Estados Unidos e Europa.

A chave dessa orientação está na política interna. Entretanto Cuba tem avançado nas últimas duas décadas em desmontar as conquistas sociais da revo-lução e retrocedeu para uma economia de empresas mistas com investimentos europeus, canadenses, israelenses. Ve-nezuela, por outra parte, tem entregado seus poços de petróleo a Chevron, Total, Eni, Reposol e outras multinacionais pela via das empresas mistas. Para estes governos que aplicam duros planos de ajuste para jogar nas costas do povo os efeitos da crise econômica mundial, resulta perigoso o exemplo das revoltas dos povos árabes demandando direitos democráticos e reivindicações sociais como o congelamento dos preços dos alimentos, aumentos salariais e fim do desemprego.

América Latina não escapa desta crise. Na Bolívia os trabalhadores também se levantaram fazendo greves e mobilizações exigindo aumentos salariais e a resposta de Evo Morales foi utilizar as forças policiais e pedir aos trabalhadores “pensar na Pátria e não em seus próprios interesses”. Em Cuba o Congresso do Partido Comu-nista aprovou a eliminação paulatina da carteira de consumo de alimentos, pri-vando à população de um importante subsídio e começou a executar a demis-são de um milhão de trabalhadores do setor público. Na Venezuela a inflação e uma desvalorização monetária dos 100% nos últimos dois anos atingem os salários e condenam à miséria a milhões de pessoas; os trabalhadores, camponeses e indígenas que lutam, por seus direitos são criminalizados. Chávez, Fidel e Evo estão em contra da revolução árabe porque estão contra a revolução em seus próprios países, apoiam regímenes capitalistas autori-tários porque estes são o espelho onde aspiram verem-se refletidos.

Tanto no mundo árabe quanto na América Latina, a última palavra será dos povos.

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Líbia

Diferentes polêmicas surgiram na es-querda mundial em relação ao processo revolucionário da Líbia.

O apoio de Raúl, Fidel Castro e Chávez ao ditador Kadafi foi um fato escandaloso. Em uma visão aparente-mente oposta, surpreende a posição adotada pelo Partido dos Trabalhadores Socialista (PTS) da Argentina, corrente que se reivindica trotskista.

O PTS, em nota publicada no jornal La Verdad Nº 420, acusa à UIT-CI de ficar “objetivamente diluídos na defesa do bloco imperialista” por exigir “armas para os rebeldes” líbios. Segundo eles, não “nos diferenciamos” do Conselho Nacional Transitório da Líbia (CNTL), que é a direção política do setor rebelde.

Em primeiro lugar, esta afirmação de não diferenciação da UIT-CI é falsa. Não é a primeira vez que o PTS tergi-versa ou diretamente distorce as posições de quem pretende criticar. Na declaração da UIT-CI do dia 13 de março, na qual exigimos armas aos combatentes e que os rebeldes líbios sejam reconhecidos como força beligerante, dissemos que: “Nós, os socialistas revolucionários, não chamamos a apoiar politicamente o go-verno transitório instalado em Bengazi e integrado, entre outros, por ex-ministros de Kadafi”.

Chamamos a apoiar a justa causa do povo líbio rebelde e a mais ampla unida-de de ação e solidariedade internacional para derrotar o ditador Kadafi. (ler completa em WWW.uit-ci.org).

Mas o que chama à atenção na po-sição do PTS é o fato deles nunca, nem antes nem depois de e diferenciar-se do CNTL, reivindicarem armas para o povo líbio. Para o PTS as consignas são: “Fora o imperialismo” e “Fora Kadafi” e a denuncia do papel da CNTL, na perspectiva de lutar por um governo operário e popular”. Simples assim. Nos fatos, enquanto a UIT-CI se diferencia da direção, a única crítica do PTS que surge

Líbia e o debate na esquerda

Por que devemos exigir armas para o povo rebelde

Miguel Sorans

é que a UIT-CI reivindica armas para os rebeldes líbios.

Este é o verdadeiro debate. O PTS não propõe armas para o povo líbio. Explica-se dizendo que isso é um “pro-blema militar”. Mas numa guerra civil o problema “militar” é um dos problemas políticos fundamentais. Justamente, no conflito da Líbia é o principal problema político, já que nenhum governo do mundo quer dar armas aos rebeldes. Começando pelo imperialismo e conti-nuando pela Liga Árabe. Este é um dos fatores com o qual querem esmagar a revolução líbia. Por isso é necessário diferenciar-se do CNTL que não recla-ma armas aos países árabes e confia na intervenção imperialista.

O PTS é uma dessas organizações, que por sua visão sectária e propagandis-ta da luta de classes, caem reiteradamen-te, como no caso da Líbia, no abandono das posturas principistas do marxismo revolucionário. Na situação de uma gue-rra civil, a primeira questão é definir qual a causa justa e em qual trincheira devem estar os revolucionários. Em segundo lugar, para elaborar uma política revolu-cionária, há que saber distinguir o movi-mento progressivo (as milícias populares líbias) de sua direção (o CNTL). Esta é a única forma de lutar corretamente

pela derrota militar e política de Kadafi, contra seus cúmplices Castro e Chávez, e contra a intervenção imperialista, na perspectiva de um governo operário e popular na Líbia.

Esta foi, por exemplo, a postura de León Trotsky na Guerra Civil Espanhola nos anos 30. Trotsky e os socialistas revolucionários se dife-renciaram politicamente da direção burguesa e reformista republicana, mas não tinham dúvidas de estar no campo militar republicano, exigindo armas e denunciando os estalinistas por retirar as brigadas internacionais e reter o envio de armamento. Trotsky sempre denunciou a “não intervenção” funcio-nal ao franquismo, em primeiro lugar da França de León Blum. Para Trotsky, esta questão não era apenas militar, mas essencialmente política.

Na guerra civil da Líbia, não ter definição em favor do campo militar dos rebeldes e não exigir armas para os combatentes, diferenciando-se de sua di-reção, é objetivamente – com desculpas aos companheiros do PTS – funcional à política imperialista, a Kadafi e aos crimes que cometem todos os governos burgueses do mundo, especialmente os árabes. Chamamos os companheiros do PTS à reflexão.

Rebeldes recebendo treinamento militar no deserto

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Uma impressionante revolução derrubou a ditadura proimperialista de Mubarak. A burguesia local, as grandes transnacionais e o imperialismo ianque buscam “normalizar” a situação e canalizá-la pela via eleitoral. Mas a classe trabalhadora e os estudantes continuam mobilizados, lutando por suas reivindicações e criando novos organismos de massas.

Os desafios de uma

(Enviado especial ao Cairo) José Castillo • [email protected]

no hall de saída, oferecendo táxi para o centro. “Há toque de recolher, vão nos parar várias vezes no caminho”, avisa o taxista com seu precário inglês. Vindo da América Latina, é impossível não recordar as épocas de ditadura. Há algo desses tempos: grandes ope-rativos do exército param os carros e pedem documentos. Mas, trata-se de um “toque de recolher” muito estran-ho: “teoricamente” ninguém deveria estar na rua, mas estas se encontram cheias de gente. Respira-se um “ar” de liberdade que contrasta com os carros militares que detêm os veículos. É esta a nossa primeira sensação: os militares

Egipto

Desembarcar de madrugada no aeroporto do Cairo, em mea-dos de março, a exatamente

um mês da queda de Mubarak, implica começar a “sentir” que se está entran-do em um mundo convulsionado. O que em épocas normais é a entrada de milhares de turistas que chegam para conhecer as pirâmides e realizar cru-zeiros pelo Nilo, é agora um terminal aeroportuário com pouca gente, aonde praticamente só chegam egípcios. “Sa-bem que aqui houve uma revolução, não?”, nos pergunta assombrada por nossa presença, uma das poucas pes-soas que mantêm um guichê aberto

revolução triunfante

Praça Tahrir

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Egito

“governam” formalmente, mas o regi-me ditatorial caiu.

Madid Tahrir

Madid Tahrir quer dizer em árabe “Praça da Libertação”. Ganhou esse nome na revolução de 1952, quando o nasserismo ascendeu ao poder, derro-tando a monarquia. É o centro político do país. Localizada do lado “oeste” do Nilo, daí saem várias diagonais e é o marco do começo das zonas mais popu-lares do Cairo. É zona administrativa, de comércio, caótica, de passagens e casas velhíssimas e mal conservadas. Não se vê ricos por aqui: vivem em Zamalek, na área exclusiva localizada em uma ilha no meio do Nilo. Da Praça Tahrir pode-se ver os grandes edifícios da administração pública, a joia turística chamada “Museu Egípcio”, o edifício da Liga Árabe com suas bandeiras de todos os países e um imenso edifício incendiado, semi-destruído. Quando nos aproximamos, observamos assombrados que aí ainda há restos de carros queimados e barracas destruídas. “Era a sede central do parti-do de Mubarak”, nos explicam.

Aqui, nestes duzentos metros da Praça e seus arredores, viveu-se o princi-pal capítulo da revolução. Basta sentar-se em algum dos velhos bares que dão para a Praça, para que egípcios se aproximem, entusiasmados, para contar “sua” revo-lução (assim a chamam).

Inspirados pela fenomenal insu-rreição tunisiana, que dias antes havia derrubado o ditador Ben Ali, mas com uma história particular de lutas contra a ditadura que vinha crescendo desde 2006 (ver cronologia), em 25 de janeiro começou a ocupação da Praça Tahrir. Mobilizações permanentes, todos os dias, com picos nas famosas “sextas-feiras de ira”, ao final da oração do meio-dia, aonde chegaram a concentrar-se mais de 500 mil pessoas.

Mas o determinante é que se foi criando mais ou menos rapidamente, com o correr dos dias, um verdadeiro “acampamento” na Praça, com dezenas de milhares de pessoas que se instala-ram aí e mostraram a determinação de não sair até derrubar Mubarak. Esses dias, os que vão de 25 de janeiro a 11 de fevereiro, passarão para a história como o momento “épico” da revolução. A crônica nos conta que as massas da Praça Tahrir derrotaram primeiro a po-lícia, que reprimiu, mas não conseguiu

do exterior El Baradei, figura prestigiada no Egito por haver denunciado, em 2003, que não havia armas de destruição massiva no Iraque – no momento em que Bush lançava a invasão, buscando localizar-se como uma figura de “re-câmbio” bem vista pela Europa e pelos Estados Unidos. Também era notória a presença da esquerda.

A Praça funcionou nesses dias como uma gigantesca assembleia, um grande catalisador de demandas e mobilizações. As marchas operárias e estudantis termi-navam aí e muitas pessoas se aproxima-vam trazendo víveres. É certo que nesses dias surgiram centenas de páginas webs e blogs. E que o Facebook, o Twitter e as cadeias de mensagens por celular aju-daram muito na mobilização. Mas não há que superestimar, como fizeram inten-cionalmente alguns meios de comuni-cação internacionais. Os jovens usaram essas ferramentas porque as tinham, mas isso não substituiu a organização e mobilização física na Praça; mais ainda, quando Mubarak, num esforço deses-perado, bloqueou a Internet e as redes de telefonia móvel, a revolução seguiu adiante com os métodos clássicos.

Nos dias anteriores à queda de Mubarak, parecia que se havia chegado a uma situação de impasse: fracassavam todas as manobras do governo para des-armar a mobilização (oferta de Mubarak de não candidatar-se à reeleição, renúncia de ministros, inclusive oferta de renúncia do presidente e ascenso de Suleimán, seu vice; odiado por ser chefe dos serviços secretos). Mas, Mubarak não caía.

O que definiu foi a entrada em cena, contudo, do movimento operário. Das fábricas da Alexandria e da área do Delta do Nilo, passando pela zona de Suez (in-cluindo a Companhia do Canal) e depois se alastrando ao próprio Cairo, cresceu

desalojá-los. Em seguida paralisaram o exército que, chamado por Mubarak, se mobilizou até o centro do Cairo, mas depois “permaneceu imóvel” sem atuar, inclusive estabelecendo uma espécie de barreira na própria Praça Tahrir, onde começam a dar-se, cada vez mais, cenas de confraternidade com os manifes-tantes. E, por último, no que passou à história como “a batalha dos camelos”, as massas derrotaram fisicamente uma imensa turba de partidários pagos por Mubarak. Vários milhares deles, que em caminhonetas, cavalos e camelos lançaram-se com paus e espadas (no melhor estilo medieval) contra a mul-tidão, sendo repelidos por esta em um verdadeiro combate, que durou várias horas. A partir daí (em 3 de fevereiro), ficou claro que os manifestantes eram os donos da Praça e que não sairiam até que o ditador caísse.

Quem eram esses manifestantes? Jovens, em sua imensa maioria, trabalha-dores e estudantes. Não havia separação entre laicos e religiosos, ou ocidentaliza-dos e islâmicos. Podiam ver-se rapazes e moças vestidos com jeans e camisetas de conjuntos de rock, junto com mulheres com a cabeça tapada ao estilo muçulma-no, inclusive muitas vestidas totalmente de preto e com véu no rosto, e homens com a clássica “túnica” dos religiosos. Todos juntos compartilhavam a Praça, debatiam, criavam comissões (de auto-defesa, organização, limpeza, imprensa, grupos de estudo). A imensa maioria es-tava realizando sua primeira experiência política; alguns tinham como referência o Movimento 6 de Abril.

Após uma “ausência” nos primeiros dias, também se fez presente, instalando sua barraca na Praça, o principal partido de oposição tradicional, a Irmandade Muçulmana. Um tempo depois, chegou

Uma multidão aguarda a queda de Mubarak na Praça Tahrir em 11/2

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Egito

um movimento grevista que paralisou o país (ver nota “o movimento operário entrou em cena”). Com a revolução “estendida” geograficamente, com a economia paralisada, com as fábricas tomadas; chegou o momento do triunfo. Uma imensa alegria percorreu todo o Egito, ainda que as câmeras do mundo tenham posto seus olhos na Praça Ta-hrir, na noite de 11 de fevereiro Mubarak havia renunciado. Terminava um regime infame que vinha desde 1981.

Quem perdeu?

Tratou-se de uma dura derrota (mais uma) do imperialismo ianque na região. Não é um dado menor, de Camp David para cá, o Egito havia participado como sócio dos ianques em todas as suas in-tervenções na região. Era o que garantia o efetivo bloqueio da Faixa de Gaza fe-chando de ponta a ponta a passagem da fronteira de Rafah e, o mais importante, contava com o exército mais vinculado com os Estados Unidos do mundo, depois do de Israel. Um bilhão e meio de dólares iam todos os anos para equi-pamentos do exército egípcio, enquanto milhares de oficiais se formavam cotidia-namente nas academias ianques.

Daqui por diante, como veremos a seguir, os Estados Unidos tratarão de manobrar, de minimizar sua derrota, de buscar “saídas democráticas”, de garantir que os acordos centrais se mantenham (como Camp David). Mas, não devemos nos confundir: o homem dos ianques no país mais importante da região era Mubarak, e já não está mais. Trata-se de uma “peça” do tabuleiro de xadrez da região. Os Estados Unidos tiveram que entregar os anéis para não entregar os dedos.

Depois de 11 de fevereiro

Assumiu um “governo de tran-sição”, sustentado nos que saíram mais inteiros do temporal (o que não quer dizer sem danos): o exército. Imedia-tamente se põe em marcha a “santa aliança” para que a derrota do regime político não leve ao abismo o próprio capitalismo egípcio. O governo de Obama, as transnacionais que operam no Egito, a burguesia local e, também o principal partido de oposição, a Irmandade Muçulmana - com fortes laços com setores dessa burguesia -, todos juntos lançaram em coro uma

mensagem idêntica: “a revolução já terminou. Caiu Mubarak (que agora é o bode expiatório de todos os males). Tudo se resolverá com a democracia. Resta voltar a trabalhar para “recons-truir o Egito”.

Uma de nossas grandes perguntas o que significaria exatamente esta ideia. Certamente, o Egito vive uma verdadei-ra “ressaca democrática”. Com o bom e o mau disso. “Antes não se podia falar e agora todos discutem, todos reclamam”, nos diziam a cada instante. Todo mundo reclama “seu” direito de participar. Milhares descobrem “a política” pela primeira vez e querem saber e discutir tudo. Todos se definem “revolucionários” e querem aprender sobre as experiências de outros países. Mas, por sua vez, muitos têm expecta-tivas de que com a “democracia” vão se resolver todos os problemas: “há fome, estamos mal economicamente, há muitos privilégios, há desemprego, mas agora que virá a democracia; tudo estará melhor”.

Também nos perguntávamos até onde colava essa frase: “há que se normalizar o país, todos ao trabalho”. É evidente que esta exigência tem uma base social, sobretudo em um setor da pequena burguesia, ligada ao comércio e ao turismo, que vê desesperada estar perdendo todos os seus lucros desta temporada. Mas, na extensa massa de ativistas, em enormes faixas da classe trabalhadora e na maioria da estudan-tada, ninguém pensa em parar de recla-mar, protestar e mobilizar-se.

A primeira tentativa de “normali-zação” do governo provisório foi tratar de levantar o acampamento da Praça Tahrir. Demoraram mais de um mês para conseguir. Durante todo o mês de fevereiro, um núcleo de ativistas resistiu e cada sexta-feira houve uma mobili-zação massiva que o revigorava.

Nas primeiras semanas, alguns ministros do novo governo foram repudiados como “continuístas”. Tive-ram que renunciar, na Praça. E outros buscaram sua legitimidade falando da tribuna da mesma Praça. Mas é certo que o movimento da Praça Tahrir foi debilitando-se semana a semana e o acampamento foi finalmente “desaloja-do” por bate-paus, em 9 de março. Daí em diante, ainda que tenham continua-do existindo as mobilizações de todas as sextas-feiras, houve ainda a tentativa de um pequeno grupo de “voltar a

acampar”, no princípio de abril (o que, diga-se de passagem, foi ferozmente reprimido pelo exército, com o saldo de dois mortos). A realidade é que esse espaço, que inclusive pode ser pensado como um embrião de “duplo poder” nos momentos culminantes, foi-se esgotando.

Mas seria um erro deduzir disso que, dessa forma, o governo e o im-perialismo lograram “normalizar” a situação. A partir do mesmíssimo 11 de fevereiro irromperam todas as de-mandas que, mais ou menos latente, enfrentavam na ditadura. O movimento operário saiu à batalha por salários, condições de trabalho e, nas empresas do estado, pela destituição dos velhos diretores ligados a Mubarak. Tudo isto, ao mesmo tempo em que começou um aceleradíssimo processo de organização de novos sindicatos antiburocráticos (ver nota “movimento operário entrou em cena”). Todos os dias eram monta-dos grupos de trabalhadores em greve, ocupando estabelecimentos e marchas que percorriam o centro da cidade. O mesmo se sucedia com os estudantes (ver nota “o renascer do movimento estudantil egípcio”), que se mobilizam e organizam não só na Universidade do Cairo, mas também na Universidade Islâmica Al Azhar e inclusive na elitista e supostamente “pró-ianque” Univer-sidade Americana do Cairo. Outro movimento que nasce e se estende é o dos militantes de direitos humanos que, ao melhor estilo latinoamericano, exige “julgamento e castigo” a todos os culpados dos crimes da ditadura, não se conformando com que só se condene Mubarak. Consignas e mobilizações que vão de cabeça contra a estabilização do regime, já que são inumeráveis as ramificações no aparato governamen-tal, no exército e na própria burguesia, das causas que estão se abrindo contra a repressão.

Aonde vai o Egito?

Surgem novos organismos operá-rios e estudantis. Aparecem dezenas de milhares de novos ativistas. A esquerda, e dentro dela o trotskismo, tem uma força visível e influente (se bem que não majoritária nem decisiva. Ver nota “a esquerda no Egito”). De tudo isto sur-gem confusa, mas quase naturalmente, as consignas de um “programa para a revolução egípcia”: salários e condições

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Egito

N a década de cinqüenta do sé-culo passado se desenvolveu vigorosamente o nacionalis-

mo burguês encabeçado pelo presidente egípcio Gamal Abdel Nasser. Em 1948 os povos árabes haviam sofrido uma grande derrota, com a instalação do enclave¹ sionista de Israel na Palestina. Mas dentro dos países da região co-meçou a gestar-se uma reação contra Israel e suas constantes agressões às al-deias árabes, e contra os velhos regimes, vários monárquicos, que à repressão somavam a submissão à presença de tro-pas imperialistas francesas e inglesas em seus territórios. Setores burgueses, da classe média e dos setores mais plebeus do funcionalismo derrotados em 1948 começaram a levantar a cabeça.

O nacionalismo burguês

No Egito, o maior país árabe, um golpe de Estado liderado pelo general Nasser derrubou o rei Faruk, em 1952. O novo governo militar foi capaz de chegar a um acordo sobre a retirada das tropas britânicas, e começou uma reforma agrária e um processo de in-dustrialização, impulsionado pelo exér-cito, e a criação de novas organizações sindicais relacionados. Nasser procurou o apoio dos EUA para a “modernização do país”.

Em 1956 veio a nacionalização do Canal de Suez, a tentativa de recuperação militar por parte da Inglaterra e França, com os israelenses como tropas de choque, e sua derrota. A burocracia da União Soviética e os imperialistas ian-ques apoiaram o Egito, e os imperialistas franceses e ingleses começaram a perder sua histórica influência na zona.

A nacionalização do Suez e a de-rrota das tropas européias e israelenses, provocou uma enorme onda de entu-siasmo nacionalista e antiimperialista entre os povos árabes. Com Nasser como líder indiscutível, havia novos regimes independentes do imperialismo no Iraque, Síria, Iêmen do Norte e o Egito. Em 1962 a Argélia foi libertada da dominação francesa. Em 1964, to-dos os governos árabes impulsionam a fundação da OLP (Organização para a Libertação da Palestina).

Em fevereiro de 1958 foi realizado na Síria, um plebiscito que aprovou por esmagadora maioria a fusão com o Egito. Dia 21 do mesmo mês foi procla-mada a RAU, (República Árabe Unida) sob a presidência de Nasser. Seu pana-rabismo definia o mundo árabe como uma grande nação desmembrada pelo imperialismo, que deveria se reunificar. Rapidamente se demonstraria que essa tarefa não poderia ser bem sucedida sen-do conduzida por militares e patrões.

Praticamente desde o seu nascimen-to, a RAU esteve sacudida pelos choques interburgueses. Em 1961 os nasseristas na Síria foram violentamente reprimidos e acabou a efêmera RAU.

A derrota dos exércitos árabes na Guerra dos Seis Dias de 1967 marcou o grande triunfo de Israel e o declínio definitivo do nacionalismo Nasserista. A Síria perdeu as Colinas de Golã e o Egito, os territórios de Gaza e do Sinai.

O giro pró-imperialista: Sadat e Mubarak

Em 1970, Nasser morre, e seu sucessor, Anwar El Sadat, inicia um acelerado processo de aproximação com os Estados Unidos. O Egito foi um balão de ensaio dos primeiros

Do Nasserismo a Mubarak

Gamal Abdel Nasse

Hosni Mubarak

de trabalho dignas, trabalho e moradia para todos, reestatização das empresas privatizadas por Mubarak; plenas liber-dades democráticas, fora os envolvidos em crimes da ditadura da direção de empresas e universidades. Além disso, o movimento se sente parte e segue com paixão o que passa com os outros levan-tes revolucionários da região, na Líbia, na Síria, no Iêmen. É profundamente antiimperialista e antisionista.

Entretanto, duas questões centrais ficam por resolver: como dar conta das imensas expectativas na democracia e da armação que o governo e o impe-rialismo montam com ela. Pudemos

assistir a um plebiscito para “referen-dar” uma emenda constitucional de apenas 9 artigos, feito por um comitê de “especialistas”. O governo, os res-tos do velho partido de Mubarak e os Irmãos Muçulmanos chamaram a votar pelo SIM. A imensa massa de ativistas operários e estudantes se mobilizaram pelo NÃO, colocando que havia que mudar toda a constituição e que devia fazê-lo por meio de membros eleitos (sem usar esse termo reclamavam uma “assembleia constituinte”). Mas ter-minou ganhando o “SIM” à reforma, que habilitava a passagem às eleições presidenciais no fim do ano. Tratou-se

de uma manobra, um capítulo ganho por aqueles “pró-estabilização”.

Mas, na realidade da vida da re-volução egípcia, as mobilizações, as reivindicações, o surgimento de novos organismos de massas continuaram. O futuro da revolução egípcia depende de que um setor destes ativistas seja capaz de agrupar-se atrás de uma nova tarefa: o governo dos trabalhadores, a batalha para derrubar o capitalismo no Egito.

1. A UIT-CI enviou dois companheiros para terem contato com a revolução egípcia: José Castillo, diri-gente de Izquierda Socialista e o companheiro Kosaro, membro da UIT-CI e do Komitee Für Rätedemokratie (KRD), da Alemanha.

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Egito

O fim da carreira de Mubarak se decidiu quando os batalhões da classe operária egípcia disseram “Presente” ao chamado da Revolução. Os trabalhado-res do Vale do Nilo, do cordão industrial de Alexandria, segunda cidade do país, e da zona do Canal de Suez, acompanha-dos pelos trabalhadores dos estratégicos

setores mineiro e petroleiro, todos arras-taram e deram força aos assalariados do Cairo, que se contam por centenas de milhares e incluem bancários, servidores públicos, trabalhadores do metrô e das empresas de ônibus e trens urbanos, transporte aéreo, telecomunicações e serviços de saúde. Uma virtual greve

geral, marcada por centenas de mani-festações e ocupações de estabeleci-mentos, paralisou o país no início de fevereiro e deu o golpe de misericórdia na ditadura.

O chamado unânime da burguesia egípcia, do imperialismo e de todos os partidos patronais para retornar ao

A classe operária egípcia

Um gigante se põe em marcha

planos de ajuste do FMI no mundo e a partir disso as nacionalizações nasse-ristas começaram a ser desmanteladas. Em 1978, Sadat negociou o primeiro reconhecimento de um estado árabe a Israel, com a assinatura do pacto de Camp David. Isso lhe valeu em 1981 ser executado como traidor.

Será sucedido por Hosni Mubarak, que irá aprofundar o iniciado por Sadat. Desenvolve-se a fundo uma política de privatização e flexibilização salarial, transformando o Egito em um dos países mais desiguais do mundo. A aliança estratégica com osEstados Unidos e Israel também se fortalece:

o Egito participará ativamente ao lado dos ianques em todas as guerras que eles fizessem na região, ao mesmo tempo que se transforma num suporte fundamental do Estado Sionista de Israel, fornecendo desde dados da inteligência, até a repressão concreta contra os lutadores palestinos. Nos últimos anos tem sido quem garantiu o bloqueio israelense à Faixa de Gaza, fechando a fronteira de Rafah, que liga Gaza com o Egito.

Mubarak pensava que poderia derrotar a revolução que emergiu dia 25 de janeiro aplicando as brutais po-líticas repressivas a que estava acostu-

mado. Estava convencido, além disso, que o imperialismo ianque nunca lhe largaria de mão uma vez que se havia convertido em seu aliado estratégico no mundo árabe. Evidentemente menosprezava a imensa força da re-volução e esse foi seu final. Com ele terminava todo um ciclo, o do nacio-nalismo árabe que havia nascido com as imensas expectativas que gerou o nasserismo e cairia como marionete do imperialismo pouco mais de meio século depois. A astúcia da história nos oferece uma nova demonstração de como terminam os movimentos nacio-nalistas dirigidos pela burguesia.

Trabalhadores petroleiros do Canal de Suez

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Egito

trabalho e “reconstruir o Egito” após a queda de Mubarak, com o argumento de que “a democracia dará solução às reivindicações”, foi maciçamente ignorado por este gigante que se pôs de pé. Multiplicam-se as reivindicações e assembléias de operários. Os tra-balhadores se organizam e nomeiam seus delegados, as empresas em luta se articulam entre si regionalmente ou por sindicatos, varrendo do cenário a uma velocidade astronômica a velha burocracia associada ao regime depos-to. Os trabalhadores optam por tomar o velho sindicato burocrático das mãos dos mubarakistas e reconstruí-lo ou, as mais das vezes, criam um sindicato independente, esvaziando o oficial. Avançam também rapidamente as articulações para a criação de uma nova Federação.

A históriaTodo este movimento se conso-

lidou e se tornou um movimento de massas a partir da revolução de 25 de janeiro deste ano, mas não é difícil identificar seus antecedentes. Num país onde a menor greve era proibida e se castigavam severamente os seus organizadores com licenciamentos e outras formas de repressão, um pri-meiro sinal de luta já havia partido dos operários da gigantesca empresa têxtil de Mahallah Al-Koubra em dezembro de 2006. Nessa ocasião, uma greve decidida sem nenhuma autorização e contra a direção sindical, para exigir o pagamento do abono de fim de ano, alcança tal nível de combatividade e uma adesão tão maciça que acaba triunfando. Esta vitória, que está na origem da formação da primeira safra de novos ativistas, potencializa o mo-vimento operário da região do Vale do Nilo e acarreta um forte incremento do número de greves já em 2007, que se caracterizam pelo surgimento, depois de muitos anos, de jovens delegados de fato, não reconhecidos, em muitas fábricas, pela burocracia sindical.

É na mesma fábrica de Mahallah Al-Koubra que terá lugar o próximo salto qualitativo, com a impressionante greve de 6 de abril de 2008. Foi este o momento mais alto do que se cha-mou “a rebelião do pão”, uma onda de greves, mobilizações e levantamentos

populares que se seguiu ao aumento astronômico do preço deste alimento básico para os egípcios. É nessa ocasião que, pela primeira vez, as lutas operá-rias se encontram com o movimento estudantil, o que levará à criação do Movimento 6 de Abril e à união soli-dária dessas lutas.

Os trabalhadores se recusam a voltar para suas casas

No dia que se seguiu à queda de Mubarak, apesar do chamado à “nor-malização das atividades”, começou a atual onda de reivindicações. Essas reivindicações não cessam, como se de repente se abrisse um dique repre-sando durante anos. Os trabalhadores exigem tudo, desde aumento dos salários, que em alguns casos não passam de míseros 30 dólares mensais, até a realização de acordos coletivos, inexistentes em muitas atividades, e a efetivação no emprego para acabar com a enorme precariedade, passan-do pela realização de obras sociais e a criação de seguro contra acidentes do trabalho. Mas querem também a reestatização de muitas empresas privatizadas na era Mubarak, além da renúncia das direções encasteladas nas empresas públicas e na adminis-tração, acusadas de cumplicidade com a ditadura.

É impossível fazer uma lista de to-das as lutas em curso. Nos dias em que visitamos o Egito, o cenário cotidiano era de várias manifestações pelas ruas centrais do Cairo, mas também em Suez e Alexandria. Se repetiam as no-tícias de novas ocupações de prédios públicos ou das empresas. Em outros, onde a atividade se desenvolvia “nor-malmente”, o que se via nas janelas e fachadas eram faixas com as reivindi-cações dos trabalhadores.

É obviamente incompleta esta crônica dos conflitos que presencia-mos durante a nossa visita ao Egito na segunda quinzena de março. Funcio-nários dos Correios exigiam abonos e aumento salarial, os trabalhadores do metrô do Cairo lutavam pela efetivação e o fim dos contratos temporários, os mineiros do oásis Baharia reivindica-vam aumento e melhores condições de trabalho, os empregados do Ahli United Bank querem aumento e um

melhor seguro de saúde, trabalha-dores da aviação e do Ministério das Minas pedindo a renúncia do ministro, milhares de policiais em greve contra os salários de fome, trabalhadores das telecomunicações ocupando a TV es-tatal e exigindo a renúncia do diretor próximo de Mubarak... Poderíamos continuar indefinidamente: os confli-tos se sucedem no Cairo, implicando dezenas de milhares de trabalhadores em setores como a administração pública, bancos, transporte e turismo; em Alexandria, com as greves dos tra-balhadores têxteis e metalúrgicos; em Suez, nas gigantescas empresas vincu-ladas à exploração do Canal; nas mine-radoras dispersas pelos oásis do Saara e em qualquer cidade, por pequena que seja, onde se concentrem trabalhado-res. Um ativista sindical, descrevendo a situação, afirma que “agora a revolução chegou às empresas”.

Os patrões e o governo provisório sabem que não podem reprimir em massa e, de um modo ou de outro, a maioria dessas lutas tem sido vitorio-sa. Os acontecimentos não se dão de forma linear. No dia em que reabriu a Bolsa do Cairo, depois de dois meses sem funcionar, o governo publicou um decreto que, na prática, proibia greves e manifestações num conjunto de atividades declaradas “essenciais” a fim de “tranquilizar os mercados”. A resposta foi a continuação das lutas, com a tradicional mobilização das sextas-feiras servindo para denunciar o decreto. No Primeiro de Maio, depois de muitíssimos anos se realizou uma grande manifestação na Praça Tahrir. Entre bandeiras dos sindicatos inde-pendentes recentemente criados, con-signas contra o FMI e o Banco Mundial, outras de repúdio aos burocratas da era Mubarak e de apoio às revoluções dos povos irmãos nos outros países árabes, foi lida uma proclamação exigindo um salário mínimo mensal de 1200 libras egípcias (cerca de 150 euros), jornadas de trabalho dignas e a nacionalização das empresas privatizadas durante a ditadura. Pela primeira vez soaram, em árabe, as notas da Internacional na Praça Tahrir. É a classe operária egípcia, a maior do mundo árabe, que levanta a voz para afirmar que está presente nesta imensa revolução.

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Egito

O antigo prédio do Sindicato dos Jornalistas no centro do Cairo

é de uma arquitetura impressionante. Com apenas uma olhada, da-se conta que foi erguido por uma burocracia es-treitamente vinculada e financiada pelo Estado. Mas este sindicato foi um dos reconquistados pelo novo ativismo. Ao chegar, a primeira coisa que nos chama a atenção são os resquícios da batalha que houve, em semanas anteriores, para expulsar os burocratas: vidros quebra-dos pelo chão contrastam no exterior com as imponentes colunas. A enorme porta que coroa a escadaria de mármore está fechada: esse verdadeiro palácio hoje é acessado por uma pequena porta lateral, onde jovens ativistas controlam o fluxo de pessoas para que nenhum provocador mubarakista se infiltre.

Fomos convidados a participar da fundação do novo sindicato inde-pendente dos motoristas de ônibus no Cairo. No hall de entrada, vemos mesas onde partidos de esquerda oferecem suas publicações, enquanto dezenas de ativistas tomam café e discutem sobre os desafios do novo sindicalismo. Entramos em um gran-

de anfiteatro com capacidade para 500 pessoas. No palco,uma bandeira com o símbolo do novo sindicato e uma pequena mesa de condução, que coordena uma assembléia onde os motoristas, que quase encheram a sala, discutem sobre o programa fun-dacional e as características da nova organização. Enquanto um ativista marroquino nos traduzia ao espanhol o que se ia discutindo, vemos que ao mesmo tempo, circulam as fichas de filiação. Tudo acontece muito rápido e com forte participação da base, fa-zendo objeções e adições aos textos apresentados. Em menos de uma hora, vota-se a constituição da nova organização, todos aplaudem e assim termina. Nenhuma grande cerimônia, “é que todos são proletários que vivem na periferia da cidade, alguns gastam duas horas de viagem para suas casas, fizeram um grande esforço para vir aqui para fundar o sindicato após sua longa jornada de trabalho.”

Nós certamente ficamos impac-tados por essa verdadeira aula de democracia operária que havíamos visto. Mas ainda faltava mais. Quando

saímos do anfiteatro, um dos ativistas que tínhamos contatado insistiu para que não saíssemos, que “em apenas meia hora“ na mesma sala, se fundaria outro sindicato.

Realmente foi assim. Apareceram nova bandeiras sobre o palco e, rapi-damente, começaram a chegar e mais uma vez lotaram o auditório, agora com a fundação do sindicato independente dos trabalhadores da saúde: médicos e enfermeiros compartilhavam o novo sindicato. Misturam-se profissionais com as suas roupas evidentemente mais caras, com as enfermeiras plebéias, com seus filhos a tiracolo. De um lado do anfiteatro, nos chamava a atenção um importante grupo de mulheres vestidas com roupas islâmicas mais ortodoxas, de preto, todas cobertas, inclusive o rosto com o véu e as mãos com as luvas, ‘são enfermeiras dos hospitais islâmicos”, nos explicam.

A reunião foi muito parecida à dos motoristas. Uma mesa organizadora provisória que lê um documento de fundação. E logo após sobem ao palco os delegados dos distintos hospitais e sanatórios para fazer suas observações

Ativistas fundam novos sindicatos

Assembleia de fundação do Sindicato Independente dos trabalhadores da Saúde. Cairo (foto UIT-CI)

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Egito

Não foi fácil arranjar uma entrevista com Mahmoud. Dirigente sindical de uma empresa localizada no coração in-dustrial egípcio, no Delta do Nilo, “vai e vem toda hora”, como ele mesmo se desculpa, entre Alexandria, as fábricas do Delta e o Cairo, em meio à fervura da fundação de novos sindicatos in-dependentes e os esforços de coorde-nação em uma federação nacional.

As mobilizações operárias anteriores a 2011 começaram no Delta do Nilo, justamente nas grandes indústrias do setor têxtil. Por que e como foi esse processo?

É verdade. Na verdade, o mo-vimento juvenil 6 de abril leva esse nome porque ele nasceu em soli-dariedade com a greve de 2008 em Mahalla Al -Koubra. É que a indústria têxtil egípcia é muito importante. Juntamente com os países do Sudeste Asiático, o Egito é o outro grande produtor mundial de roupas feitas com baixíssimos salários mínimos, em condições de quase semi- escravidão. É por isso que no mundo pode-se ver roupa de marca com a etiqueta “Made in Egypt”. As empresas têxteis egíp-cias têm décadas de funcionamento.

reprimir. Tiveram que nos reconhecer. É que já havia acontecido a onda de greves em 2008.

Mas agora seguirão…

Claro, com a revolução é outra coisa. Agora conseguimos reverter 85 demissões, mas não para por aí. Quando vencemos, imediatamente pedimos aumentos e que nos devolvam as condições de trabalho anteriores a 2007. E, também, começou a luta pela reestatização. Os companheiros até jo-garam fora o cartaz da porta da fábrica, que dizia Indorama Shebin e colocaram em seu lugar o nome de quando era do estado “Masr Shebin”. Não vamos parar até que saiam os indonésios e a empresa volte ao Estado.

Vocês criaram um novo sindicato? O que aconteceu com a direção burocrática?

Os Mubarakistas nunca estiveram na fábrica. Mais que sindicalistas eram funcionários policiais do Estado, que assinavam documentos com os que aparecia a polícia para dizer que a “gre-ve estava proibida”, porque o sindicato não a autorizava. Como em todo o

Muitas, como a que eu trabalho, foram empresas estatais criadas pelo Nasserismo. A onda de privatizações da década de 90 tirou todos os di-reitos dos trabalhadores, e caiu na super-exploração.

Por isso começaram as lutas?

Não foi fácil. No Egito, é “teori-camente”, garantido o direito de gre-ve, mas para que seja legal, deve ser declarada pela Federação Nacional, que estava nas mãos dos burocra-tas Mubarakistas. Obviamente, eles nunca autorizaram nenhuma greve. Então, todo aquele que protestava era imediatamente demitido e, pior ainda, preso pelo regime. Nossa empresa, quando privatizada em 2007, foi comprada por um grupo da Indonésia, que inclusive mudou o nome, passando a se chamar Indora-ma Shebin. Trata-se de uma grande transnacional, que produz para Nike, Adidas, e tem inclusive denúncias de ter utilizado mão de obra escrava em outros lugares do mundo. Fizemos uma primeira greve em 2009, e di-gamos que “empatamos”, porque apesar de não obter tudo o que que-ríamos, não puderam nos expulsar ou

e discursos. As vezes, alguém sem sair do seu lugar no público interrompe e questiona ao orador. O mais impac-tante foi quando subiu a delegada dos hospitais islâmicos, que descrevemos anteriormente. Fez um discurso muito radicalizado, despertando aplausos e consignas no público e terminou

pedindo um minuto de silêncio pe-los mortos. Aprendemos aí que o novo ativismo operário egípcio não se encontra dividido entre religiosos e laicos, e que a radicalização toma conta de todos. Novamente, em ape-nas uma hora, o novo sindicato estava fundado.

Saímos, muito impressionados com o que havíamos visto. „Isso ocorre todos os dias“ nos explicava, entusiasmado um dos dirigentes. Havíamos assistido a uma pequena mostra de como o gigante operário do mundo árabe começa a se reorganizar desde as bases.

“Vamos atrás de tudo que Mubarak nos tirou”Reportagem com Mahmoud Abou

Adel, delegado sindical da empresa

têxtil Masr Shebin José Castillo e Abou Adel.

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Egito

Riham Abdel Salam é jovem, tem apenas 22 anos. Estudante da Universidade do Cairo, enquanto marchamos para uma manifestação em frente ao Edifício ocupado da TV estatal se desculpa por “não saber muito de política, não con-hecer os programas, não saber a história de outras revoluções”. Mas, diz, que lê desesperadamente para aprender, “antes tudo era proibido”. “Conta-me do teu partido”, me diz, “talvez eu faça parte dele”. Estamos falando com uma ativista, uma diri-gente como muitas que apareceram nestes dois meses e se “instalaram” na Praça Tahrir, só saindo dela para ir aos campi universitários para convocar os seus companheiros para somar-se a ficar. Assim, se en-contraram dirigindo, rapidamente, a milhares. Não é um caso isolado, há uma centena de novos dirigentes estudantis e juvenis que poderiam repetir este relato.

Fale-nos o que está se passando nas universidades, como repercutiu a revolução?

Os jovens, em particular os estu-dantes, estão todos com a revolução. É que nos impactou muito o que ocorreu na Tunísia, com o jovem que se incendiou. Ele estudou, mas não tinha oportunidades, vendia frutas num carro. Muitos de nós nos vimos

refletidos nele. Não temos futuro, vamos acabar assim. Nós começamos a encontrar na Praza Tahrir, gente que nos conhecia da universidade. Como havia muita repressão e censura não se falava nada de política. A maioria ia estudar, não opinava. Assim nos surpreendíamos: “você está aqui? O que está fazendo?” Assim, na Praça, dávamos conta que muitos que nem pensávamos estavam contra a ditadu-ra. Depois voltávamos todos juntos ao campus e falávamos nos pátios, nos cursos, nas bibliotecas, somando gente.

Mas você estava desde antes no movimento estudantil. Como era?

Sim, havia um pequeno movi-mento estudantil. Eu ingressei em 2008, quando surgiu o Movimento 6 de Abril. Aí houve mobilizações nos campus em apoio às greves, inclusive saímos ao centro do Cairo. Mas éra-mos muitíssimos menos que agora. Os mais velhos me contavam que a origem do movimento estudantil atual foi em 2003, quando houve grandes marchas e protestos em so-lidariedade com a Intifada, e contra

Egito, aqui temos agora representantes nas fábricas, em seguida, juntamos os delegados de todas as têxteis do Delta e criamos o sindicato independente. Nós estamos nos organizando na-cionalmente, com os de Alexandria e Suez. Como há muito movimento se criam coisas todos os dias e as vezes se sobrepõem. Uma fábrica aparece numa coordenação e no dia seguinte se cria outra, não para competir, mas sim porque os companheiros descon-

hecem o que se fundou no dia anterior. Temos muito trabalho para organizar tudo isso.

Estão levando toda esta luta sindical para o terreno político?

Sim, mas não há muito tempo. O governo, os partidários de Mubarak e a Irmandade Muçulmana são os únicos organizados para aproveitar as eleições, que são em dezembro. Alguns sindicalis-

tas estão em vários partidos de esquerda. Há muitos independentes. Estamos tentando construir um “novo Partido Democrático Trabalhista, mas desde as bases, não por acordo de cúpulas. Para que todo este movimento tenha expres-são política. Mas, como acontece com os jovens estudantes, todo o movimento é muito jovem, com pouco conhecimento da política, e parte da luta é para conven-cer aos companheiros que não basta a organização sindical.

Renasce o movimento estudantil

“Aparecem ativistas por todas as partes”

Riham Abdel Salam (esq.) junto a José Castillo e outro ativista universitário

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Egito

Um dos questionamentos que mais nos interessava saber ao ter contato com a revolução egípcia era sobre o papel da esquerda. Grata foi a nossa surpresa ao descobrir que existia essa presença e, sem ser majoritária, ocupa-va um lugar importante e prestigioso na vanguarda dos novos militantes.

A esquerda egípcia em décadas anteriores tinha se enfraquecido seguindo os caminhos da submis-são do stalinismo ao nacionalismo Nasserista. O mais irônico era que Nasser, enquanto flertava com a União Soviética e recebia 20 mil consultores desse país, reprimia e colocava na ilegalidade o Partido Comunista. A partir da década de 70, a esquerda egípcia se referenciou centralmente no Tagammu, força política que, diante do giro de Sadat para estreitar os laços com os EUA e Israel, se define como do “socialismo” Nasserista. Esta força política, o maior em números

da esquerda egípcia, foi enfraquecida ao colocar a ênfase de sua crítica nos políticos islâmicos. Sob o pretexto de lutar do lado do laicismo, lançava ata-ques contra a Irmandade Muçulmana, colocando-se de fato ao lado do go-verno de Mubarak, que os mantinha na ilegalidade e os perseguia.

Entre a nova geração de ativistas de esquerda têm presença o Socialis-mo Revolucionário, uma organização trotskista, pertencente à Tendência Socialista Internacional - ligada ao Partido Socialista Operário britânico de Tony Cliff. Muitas vezes, fazendo frente única com a juventude islâmica em sua luta contra o governo, alcança-do um certo desenvolvimento, tanto no movimento estudantil como no movimento operário surgido após a ascensão de 2008.

A partir de 25 de janeiro, tiveram uma presença significativa na Praça Tahrir. Uma das referências mais popu-

lares “da juventude revolucionária” é Gigi Ibrahim, uma jovem estudante do Socialismo Revolucionário, que inclu-sive apareceu muitas vezes como uma porta-voz do movimento da praça. Também um dos blogueiros mais po-pulares entre as centenas de sites que surgiram com a revolução, Hossam El-Hamalawy, tem referência nesta força política. Nos dias após a queda de Mubarak, esta organização tem sido muito ativa, tanto no processo de criação de sindicatos independen-tes, como na organização de setores populares que lançaram uma onda de ocupações de terras para construir casas na periferia do Cairo. Participa-ram ativamente nas manifestações chamando a votar “Não” no plebiscito de março e atualmente, apóiam a formação de um “novo Partido De-mocrático Trabalhista”, chamando a aderir a ele o novo ativismo sindical independente.

a guerra do Iraque. Pela primeira vez, as manifestações, que se faziam mar-chando dentro do campus, cruzaram as portas, caminharam até o centro e chegaram à Praça Tahrir.

Como é especificamente agora a luta estudantil?

Depois da queda de Mubarak, começou a organização forte do movi-mento estudantil. Há três lutas. Uma já ganhamos: há plena liberdade política na universidade, pode-se fazer conversas, debates, pode-se pregar propagandas nas paredes. A segunda é recuperar os sindicatos estudantis, que até agora são “escritórios” de gente pró-Mubarak, e não representantes nossos. Havia eleições, mas quem se apresentava tinha que ser previamente “aprovado” pelo decano de cada faculdade; terminavam sendo eleições de chapa única, onde não votava ninguém. Queremos que os re-presentantes sejam nossos. E o terceiro, queremos que sejam expulsas as autori-dades envolvidas com a ditadura.

Justamente em relação a isso, o que aconteceu na Faculdade de Comunicação?

Aí se deu o movimento mais forte. Milhares de estudantes, quase todos, fizeram um protesto para exigir a renúncia do reitor. E per-maneceram “ocupando” o pátio, vários dias, como na Praça Tahrir. Começou a ser um centro organiza-dor, com solidariedade que chegava de outros cursos da faculdade. Mas a polícia entrou e reprimiu. Foi uma das primeiras repressões abertas do novo governo e gerou muito impacto e denúncias.

O que ocorre em outras Universidades, além da pública?

O movimento mais forte está aqui, na Universidade do Cairo, a maior do país. Mas o movimento está se estendendo também para outros lados. Na Univers idade Americana do Cairo, privada, onde

teoricamente se formava “a elite”, também começou o ativismo, com reivindicações pela redução das mensalidades, pela exigência de li-berdade de expressão, com muitos ativistas surgindo aí. E também ocorre o mesmo na Universidade Al Azhar, que é a universidade islâmi-ca, tradicional, criada no ano 900. Também surge e se desenvolve aí o movimento estudantil.

Quais correntes políticas influenciam?

A maioria é independente. Muitos têm referencia no Movimento 6 de Abril, mas é um movimento amplo. Todos estão procurando onde mi-litar, há um despertar dos partidos políticos, e todos se interessam. O movimento político mais organizado, que inclusive ganhou alguns centros estudantis em votações recentes, imediatamente depois da queda de Mubarak, é a juventude da Irmandade Mulçumana.

A esquerda na Revolução

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Tunísia

No dia 17 de dezembro de 2010, um jovem e 26 anos, Mohamed Buazizi, vendedor

ambulante de verduras, acendeu o estopim ao colocar fogo no corpo, no meio da rua, para protestar contra o confisco policial de sua barraca de fru-tas que servia para trabalhar e manter seus pais e irmãos. O fato aconteceu em uma pequena cidade esquecida da Tunísia chamada Sidi Buzid.

A indignação tomou conta da cidade que saiu inteira para protestar. A revolta foi reprimida com grande

Tunísia, o estopim da

O ano 2011 iniciou-se com uma revolução popular na Tunísia que obrigou o ditador, Zine El Abidine Ben Ali, que governou o país durante 23 anos, a fugir com sua família para Arábia Saudita levando uma tonelada de ouro roubado dos cofres públicos do país.Logo depois, a mobilização

derrubou mais dois governos formados por personagens ligados à ditadura. Um governo burguês fraco de “tecnocratas”, acompanhado por uma assembleia que reúne quase todos os partidos, convocou a eleições para Assembleia Constituinte para o dia 24 de julho de 2011.

revolução

A revolução tunisiana se estendeu rapidamente para outros países

Miguel Lamas

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Tunísia

violência com o resultado de mortos e feridos. Os protestos se estenderam como uma mancha de óleo para Menzel Buzaiene, Thala, Kaserine, Bizerta e outras cidades do interior até chegarem a alguns bairros da Tunísia.

A indignação contra a repressão, que continuava matando e ferindo manifestantes, foi o combustível para provocar o incêndio que continuava a crescer. Milhares saíram às ruas para reivindicarem trabalho e liberdade.

As primeiras reivindicações es-pontâneas, centradas no desemprego, evoluíram rapidamente para outras mais políticas: “o trabalho é um direito, “bando de ladrões”, “abaixo os carras-cos do povo”, “trabalho, liberdade e justiça social”, “não aos ladrões do dinheiro público”, gritavam nas mobi-lizações de rua. E a palavra de ordem “Fora Ben Ali” foi se impondo.

O movimento começou a estrutu-rar-se. As delegacias locais da UGTT,

União Geral de Trabalhadores da Tuní-sia, protagonizaram um papel decisivo em diversas cidades. Os operários das fábricas, em sua maioria jovens com salários miseráveis, se uniram à revol-ta. A UGTT, que conta com 500.000 filiados, estava dominada na cúpula por agentes do regime. Mas tinham surgido em muitos locais novas direções. Junto ao sindicato se mobilizou o colégio de advogados, os estudantes e os profes-sores, cumprindo um papel importante na organização e orientação política no processo que já tinha se convertido em revolução.

A polícia foi enfrentada diversas vezes. Milhares atacaram residências e propriedades da família Trabelsi (da esposa do ditador), e delegacias foram incendiadas. As mobilizações enfrentaram as balas da polícia com punhos e pedras. E venceram! O regime ficou sem ar. O exército não interveio, provavelmente sabendo que corria o risco de desintegrar-se. Nas pequenas cidades e bairros da capital, se formaram comitês de Defesa da Revolução que ficaram encarregados da segurança, da alimentação, da limpeza e de muitas outras atividades, além de centralizar as convocatórias para as mobilizações.

As promessas do ditador, democra-tizar o regime e criar 300.000 postos de trabalho, não conseguiram deter as

mobilizações. A repressão instaurada só fez aumentar os protestos que exigiam sua saída imediata. Milhares de policiais uniram-se aos manifestantes.

A greve geral foi deflagrada, in-dependentemente da condução geral da UGTT, que perdeu o controle dos acontecimentos. Este foi o golpe defi-nitivo no regime. No dia 14 de janeiro, Ben Alí fugiu para Arábia Saudita.

A economia “exitosa” de Ben Ali

A ditadura era parabenizada todos os anos pelo FMI e pelo Banco Mun-dial por seus “êxitos” econômicos em “atrair investimentos” e conseguir que o Produto Interno crescesse em 5% ao ano. Ben Ali privatizou 204 empresas públicas criadas pelo seu antecessor, Habib Bourguiba. Diminuiu ao máxi-mo os impostos e facilitou a exportação de lucros para que a Europa instalasse suas fábricas “deslocalizadas”, princi-palmente as 1.250 empresas francesas e as 250 alemãs, e aproveitasse a mão de obra barata.

A Agência de Comércio Exterior alemã, Germany Trade and Invest, explicava explicitamente na web, em 2008, a causa da preferência dos diretores empresariais alemães pela Tunísia: “o custo salarial na Tunísia se encontra nos últimos lugares da listagem em uma classificação inter-

Os trabalhadores recuperaram seus sindicatos locais, a UGTT (União Geral dos Trabalhadores da Tunísia). Redeyef, cidade de 24.000 habitantes que possui minas de fosfato, protago-nizou uma grande revolta operária de oito meses no ano 2008.

Atualmente, desde a queda de Ben Alí, a UGTT local funciona na antiga sede do governo e exerce o governo local. A delegacia foi incendiada e colocaram um cartaz com os dizeres: “Vende-se ou aluga-se”. “Conseguimos formar Conselhos em todos os setores para mobilizar a população em defesa de seus direitos e do desenvolvimento de suas vidas quotidianas”, afirmou Ad-nan Hayi, secretario local do sindicato, em entrevista à cronista Alma Allende (rebelión.org). Um Conselho de nove pessoas, presidido por Adnan adminis-tra o povo. Adnan não confia no gover-no nacional, expressou que formaram uma coordenação regional e que é necessário formar uma coordenação nacional em um Conselho de Defesa da Revolução. (www.laclase.info).

O governo operário da UGTT

em Redeyef

Manifestantes cercam o Ministério do Interior. Tunísia.

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Tunísia

nacional. Somente alguns países do leste da Ásia demonstram um nível salarial inferior, inclusive em Marrocos e na Turquia devem-se pagar salários mais altos”. Anos atrás a imprensa especializada em Economia elogiava a Tunísia como “um país ilustrado com uma ordem econômica liberal”. Foi o primeiro país do norte da África em 2008 a estabelecer um tratado de livre comercio com a Europa.

Cresceram também os setores do turismo e das minas de fosfato. En-tretanto, 36% dos jovens formados estavam desempregados. A polícia política colocava na cadeia e torturava opositores e lutadores sociais, proibia qualquer imprensa opositora e censu-rava a internet.

Uma grande corrupção con-centrou a maior parte da economia

“nacional” no clã Trabelsi (a família do ditador). Uma noticia divulgada pelo Wikileaks, revelou que o anti-go embaixador norte-americano na Tunísia Robert F. Go, descreveu o luxo em que vivia o genro do presi-dente e possível sucessor, Mohamed Sakhe el-Matri. A família de Ben Ali controlava quase todos os setores econômicos e os conglomerados financeiros e industriais no país. É público e notório que o clã é formado pelas três famílias principais inter-relacionadas: a família do presidente, a família Mabrouk El (um filho está casado com a filha do presidente), a família Trabelsi (Belhassen Trabelsi é o irmão mais velho da esposa de Ben ali). Leyla Trabelsi, a segunda esposa do ditador colecionava propriedades imobiliárias no melhores locais da Tunísia. Supõe-se que o clã, com a cumplicidade do Banco Central, re-tirou do país 18 bilhões de dólares, o equivalente à dívida da Tunísia.

O disparado aumento dos preços dos alimentos e do desemprego co-meçou a repercutir de forma insupor-tável na vida do povo, majoritariamente alheio ao progresso aplaudido pelo FMI. A crise na Europa fechou o ca-minho à migração dos jovens. A queda do turismo internacional devido à crise da Europa tem sido um desastre. As empresas de serviços representavam 43,2% do PIB no ano 2007.

A revolução continua

Depois da queda de Ben Alí, foi nomeado um novo governo com os mesmos personagens do regime, mas sem Ben Alí, incorporando alguns opositores. Entre eles, dois burocra-tas da UGTT. Poucos dias depois, no dia 23 de janeiro, milhares de pessoas originárias dos locais mais pobres do país, chegaram à capital e ocuparam a praça principal, a Kasba, exigindo que todos os ex-funcionários de Ben Alí fossem embora.

A partir do dia 14 de janeiro, co-mitês de defesa da revolução foram constituindo-se em muitas localidades. As instituições municipais foram anu-ladas praticamente em toda a Tunísia, criando-se estruturas provisionais de gestão dos acampamentos. A forma e composição destas instituições locais provisionais dependem da correlação de forças em cada local: em alguns

criaram-se a partir das propostas dos Comitês de Defesa da Revolução, em outros casos foram ligados a antigos caciques locais” (Crônica de www.rojo-ynegro.info da CGT da Espanha)

O cronista da CGT espanhola coloca o exemplo de Bizerta, cidade de 200.000 habitantes, governada há vários meses por um Comitê de De-fesa da Revolução, com 25 membros, formado por advogados, sindicalistas, jovens e professores, que foi eleito por uma assembleia popular. Mas não acontece desta forma em todos os locais. Existe uma disputa pelo poder em todas as localidades, inclusive em cada empresa. .

No dia 27 de janeiro, o primeiro ministro Ghanouchi (homem do anti-go regime) renunciou. Surgiram novas mobilizações e foram destituídos os principais chefes policiais do regime, foram liberados os presos políticos e o RCD (partido do regime) foi dissolvi-do. Assumiu, como primeiro ministro provisório, Beji Caid Essebsi, de 84 anos, que já tinha sido ministro de Ben Alí, 25 anos atrás. Ele anunciou a composição de seu governo provisória, integrado por 22 ministros, dos quais cinco eram novos.

Thala tem 15.000 habitantes. Foi uma das primeiras cidades a protago-nizar uma revolta. Por isso intentaram esmagá-la. Foi sitiada entre os dias 3 e 6 de janeiro por 1.800 policiais e prenderam 150 pessoas. Mas quando a revolta se estendeu por todo o país, o povo de Thala expulsou à polícia e incendiou a delegacia. Os jovens são atualmente os responsáveis pela segurança organizada em turnos. O Comitê de Defesa da Revolução administra a cidade e mantém como primeira reivindicação “justiça para nossos mortos”. Apresentaram uma listagem das pessoas envolvidas nos assassinatos, com nomes e sobreno-mes. Durante 17 dias do mês de março mantiveram concentrações para exigir julgamento e cadeia para os assassi-nos. Não reconhecem o presidente Fouad Mebazaa nem o primeiro mi-nistro Béji Caid Sebsi

A antiga delegacia está ocupada por desempregados, que reclamam direito ao trabalho, encabeçados pelo engenheiro mecânico Nenmri Bas-sem. Muitos jovens do povo passam suas horas na delegacia, hoje conver-tida em um local onde se ouve música, se joga baralho e se fala da revolução. (rojoynegro.info).

A Frente é composta pela Corren-te Baazista (nacionalista pan árabe), a Liga da Esquerda Trabalhista, Os Patriotas Democráticos, o Movimento dos Patriotas Democratas, o Partido Comunista Operário da Tunísia, o Movi-mento Nasserista, o Partido do Trabalho Patriótico e Democrático e a Esquerda Independente.

Seu programa, que coincide basica-mente com as reivindicações da maioria é democrático. Inclui também: “a cons-trução de uma economia nacional ao serviço do povo que coloque os setores vitais e estratégicos sob o controle do Estado, com a nacionalização de todas as empresas e instituições privatizadas” e “o rechaço de qualquer normalização de relações com a entidade sionista, assim como o apoio a todos os mo-vimentos de liberação nacional do mundo árabe”.

Em Thala governao povo

A Frente14 de janeiro

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Tunísia

Um governo burguês pro imperia-lista, que continua pagando a dívida contraída pelo Ben Alí e mantém gran-de parte do aparato repressivo policial. No entanto, é um governo de extrema debilidade, que se encontra ameaçado pelas mobilizações das massas.

Todos os partidos são legaliza-dos inclusive os da esquerda como o Partido Comunista Operário da Tunísia (PCOT), de origem maoísta e com relativa aceitação popular. Ao mesmo tempo explode o des-contentamento operário e a revolta nos sindicatos. “O governo está interessado em iniciar negociações com a Central Sindical visto que a situação social é explosiva”, afir-mou a France Presse Abid Brike, dirigente da União General dos Trabalhadores Tunisianos (UGTT). Greves organizadas ou espontâneas paralisaram vários setores econô-micos desde a fuga do ditador Ben Alí no dia 14 de janeiro. Brike re-clama por uma reforma radical da legislação laboral e pela ciração de uma Caixa para pagar subsídios aos

Os jovens graduados desempre-gados, que foram um dos motores da revolução, organizaram-se em tempo recorde. Fundaram-se mais de 100 regionais da União de Graduados des-empregados que atualmente conta com 45.000 filiados. Diariamente se fundam novas regionais. Calcula-se que existam 140.000 desempregados graduados.

Foi alugada uma sede na Tunísia para que o Comitê nacional possa centralizar a organização. O movimento se auto finan-cia com a colaboração de bônus. Retiraram os computadores da sede do RCD. Junto

à luta comum para acabar com todas as estruturas ligadas à ditadura, nos marcos da greve, a União levanta três reivindi-cações centrais: 1º Controle e participação nos postos de trabalho que se criem na função pública em função das necessida-des sociais reais. 2º Um salário social en-quanto permaneçam em greve. 3º Apoio e participação nos planos de criação de emprego. Através de estudo de projetos propostos pela própria associação, com apoio público. Propõe-se mobilizar 50.000 graduados desempregados no dia 1º de maio (rojoynegro. info).

Funda-se a União de Graduados Desempregados da Tunísia

grevistas. “Não controlamos todos os movimentos das greves, a UGTT está transbordada frente à agitação social”, reconheceu o dirigente sindical. Sua direção é questionada pelo setor da esquerda que organiza

concentrações na frente das sedes da UGTT para reclamar e pedir a renúncia da burocracia sindical, acusando-a de “conciliar com o Go-verno provisório” e da corrupção.

Assembléia Constituintee luta pelo poder

O governo provisório convocou para o dia 24 de julho as eleições para eleger a Assembléia Constituinte, que era uma das demandas populares. O Parlamento do regime é dissolvido, e buscando certa legitimidade, o governo provisório convoca a “Alta instancia para a realização dos obje-tivos da revolução”, um organismo com 155 membros com represen-tantes de grande parte do espectro político, incluindo alguns setores da esquerda. Este organismo, não eleito pelo povo, se converteu em um Parla-mento de fato e está regulamentando as eleições da Constituinte. Demarca uma iniciativa sem precedentes no mundo árabe: a paridade de homens e mulheres nas listas, reconhecendo a grande participação da mulher na revolução. São excluídos da política aqueles que ocuparam altos cargos na ditadura.

O Partido Comunista Operário da Tunísia denuncia este organismo “cujos membros se encarregaram de nomear Mubazaa (o presidente) e Beji Caid Essebsi (primeiro ministro)”. Assinala que o poder não está nas mãos do povo que se revoltou contra

A força dos milhares de jovens que

ficam nas ruas da Tunísia.

Protestam com cartazes: “RCD

(partido do governo) vá

embora”

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Tunísia

a ditadura, a exploração e corrupção, mas nas mãos das forças reacionárias que, mediante a presidência provisória e o governo transitório, trabalham para reconduzir a revolução em simples medidas de reforma no marco do antigo regime.

Mubazaa e Essebsi não estão sob controle de vigilância e se negaram a discutir com o Conselho Nacional de Defesa da Revolução.

Aceitaram o estabelecimento de uma Assembléia Constituinte, no entanto foram eles que fixaram a data dos comícios sem consultar nem con-siderar os interesses populares. De fato a proibição do RCD não impediu que voltasse à cena política como partido de nova criação.

Da mesma forma, é evidente que a dissolução da polícia política também foi ficando sós em palavras, já que de fato continua presente, reprime, tortu-

ra, vigia, faz grampos telefônicos, corta a internet, e seus chefes, responsáveis pelas torturas e assassinatos, ocuparam os mais altos cargos do Ministério do Interior sem que fossem submetidos a interrogatório nem que fosse solicita-da rendição de contas (declaração do PCOT de 6 de abril 2011).

O programa do PCOT propõe entre outros pontos: “dissolver de fato e de forma transparente a polícia política e julgar os responsáveis de ordenar e executar torturas, assassi-natos e saqueios; expropriar os bens dos chefes da etapa anterior, julgá-los e reaver os valores desviados; bloquear o pagamento da dívida externa por um período de três anos e investir a favor do povo especial-mente criando empregos; incentivar o desenvolvimento dos setores mais pobres. Baixar o preço dos produ-tos da cesta básica, os serviços de

eletricidade, gás, água e retirar os impostos da conta da televisão. Indenizar as famílias dos márti-res e todos os prejudicados pela repressão e saqueios...” Denuncia que as eleições para a Assembléia Constituinte que se realizarão no dia 24 de julho podem ser manipu-ladas para evitar a representação popular. Desta forma, alerta que a Assembléia Constituinte, que é uma conquista popular, poderá ficar refém deste governo e seus compromissos com o imperialis-mo e o antigo regime. Também se pronuncia em solidariedade com a rebelião do povo líbio e contra os bombardeios da OTAN.

O programa do PCOT é um programa com consignas corretas, democráticas e antiimperialistas, que sem dúvida expressam o senti-mento das massas. Mas, por outro lado enquanto afirma que “o poder não está nas mãos do povo”, não propõe a luta pelo poder para os trabalhadores, o povo e suas or-ganizações. Somente afirma que o Conselho Nacional em Defesa da Revolução, que organiza os repre-sentantes dos Conselhos de Defesa da Revolução locais, deve ser um “instrumento de observação e vi-gilância da presidência provisória”, ou seja, do atual governo patronal e pró-imperialista.

Os trabalhadores e o povo da Tunísia construíram nos últimos meses seus próprios organismos de poder, os Conselhos de Defesa da Revolução e as regionais da UGTT (que geralmente atuam unidos). É imprescindível estender este poder, incorporar todos os setores explo-rados, incluindo delegados da base policial e militar, para impedir a pos-sibilidade de repressão e preparar a luta pelo poder central.

O programa da revolução da Tuní-sia: expropriar a família do ex-ditador, dissolver a polícia política, o RCD e todas as instituições da ditadura castigando os culpáveis, reestatizar as empresas entregadas ao imperialismo, suspender o pagamento da dívida externa e garantir trabalho para to-dos através de um plano do Estado. Isto só poderá ser viabilizado por um governo dos Conselhos de Defesa da Revolução e da UGTT controlada pela base nas regionais.

A Tunísia era parte do império colonial Francês, com Argélia, Marrocos e parte da África negra. Desde princípios do século XX desenvolveram-se revoltas populares reclamando independência. Depois da Segunda Guerra Mundial esta luta adquire muita força, se funda a UGTT (União Geral dos trabalhadores da Tunísia) e o partido independentista Destour. Somente em 1956 a França aceita a independência da Tunísia, depois de 75 anos de colonização. O governo de Habib Bourguiba, o chefe do partido independentista, nacionaliza grande parte do que tinha sido roubado pelos colonialistas.

Assim como aconteceu com outras re-voluções nacionalistas na África e na Ásia, a elite intelectual e pequeno-burguesa acabou se corrompendo e voltando à submissão imperialista. O país se endivida, penetram as multinacionais européias e voltam a apropriar-se das minas de fosfato aumentando a desigualdade social.

Aumenta também o descontenta-mento e a repressão. No ano 1978 uma greve geral chamada pela UGTT é esma-gada, deixando um mar de sangue com o saldo de 200 mortos.

Em 1987, um “golpe de Estado sanitá-

rio” destitui a Burguiba. Ben Alí, que nessa época era Ministro do Interior, consegue que informes médicos declarem Burguiba senil. Desta forma Ben Alí se converteu no segundo presidente da Tunísia… até o dia 14 de janeiro de 2011.

Ben Alí vende 204 empresas do Estado e coloca em prática as reformas neolibe-rais que exigia o Banco Mundial e o FMI. Também estreita relações com o Estado sionista de Israel, inclusive convidando o criminoso de guerra Ariel Sharon no ano 2005, apesar de que Israel tinha bombar-deado a Tunísia uma ano antes da tomada do poder, em 1986, quando acolhia a Organização de Libertação da Palestina, encabeçada por Yasser Arafat.

Em janeiro de 2008, em Redeyef, houve durante 8 meses um poderoso levante com greves gerais e grande apoio popular e a cidade foi sitiada pela polícia.

O balanço deste movimento resul-tou em duzentos detidos, quatro mor-tos e condenações em juízos sumarios. O assunto era de suma importância, visto que na região de Gafsa ficam as minas de fosfato e a Tunísia é o segun-do país exportador mundial de fosfato depois de Marrocos.

Da independênciaà semicolonização

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Revolucão ÁRabe

Nos últimos dias o regime sírio enviou o exército com tanques, canhões e outras

armas pesadas a reprimir os protestos populares que vêm crescendo desde o mês de março. Diversas fontes de informação divulgam que já existem mais de 800 mortos desde o começo dos protestos.

A rebelião do povo sírio é parte do levante dos povos árabes contra as ditaduras que os oprimem. O povo sírio reclama liberdades políticas, aumentos salariais, alivio da pobreza e o fim da corrupção.

A cidade de Deraa esta submetida desde o dia 30 de abril a um bloqueio militar, toque de recolher total, o exército dispara contra as pessoas que estão nas ruas, cortaram telefones, in-ternet e eletricidade. Na cidade atuam forças especiais e existem confrontos armados. O governo afirma que está

“destruindo os terroristas por pedido da população”. Derra, localizada no sul do país, tem 70 mil habitantes e foi a cidade onde houve mobilizações massivas contra o regime e onde os manifestantes atearam fogo na sede do partido Baaz, do governo.

Quando começaram as primeiras mobilizações em março, o governo lançou uma brutal repressão com dezenas de mortos. Depois, Beshar Al Assad anunciou algumas concessões, um aumento salarial e em 29 de Março renunciaram todos os ministros, ainda que foram substituídos pelo mesmo grupo social e político que governa: a minoria alauita e o partido Baaz. Simultaneamente, tentou passar que a repressão e os assassinatos não eram responsabilidade do governo, mas dos “terroristas” que pretendiam jogar a culpa no governo.

Mas as mobilizações continuaram

crescendo em numero e se estendendo a outras cidades. Em 21 de Abril Assad suspendeu o “estado de emergência” que existia desde 1963! De acordo com ele, não estava permitido realizar reuniões com mais de três pessoas em locais públicos e a polícia tinha carta branca para deter a qualquer um por tempo indeterminado sem ordem judicial. Também liberou alguns dos presos políticos e dissolveu a Suprema Corte de Segurança do Estado, o odia-do tribunal e sentenças inapeláveis que havia condenado a milhares de pessoas por suposto atentado à segurança do estado.

Acabar com o estado de emergência e abolir a Suprema Corte de Segurança foram as principais exigências demo-cráticas das primeiras manifestações. O que significa que houve um primeiro trinfo. Mas estas concessões foram acompanhadas por uma continua e vio-

Manifestação na cidade de Deraa. Síria.

Chamado da Unidade Internacional dos Trabalhadores

Abaixo a ditadura de Bashar Al Assad! Viva a rebelião popular síria!

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Revolucão ÁRabe

Os protestos em Iêmen começaram em 27 de janeiro e continuaram em maio. Com 23 milhões de habitantes é o pais mais pobre da Península Arábica. Conta com 155 mortos pela repressão. Aparentemente fracassou o plano para superar a crise proposto pelas monarquias do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) que agrupa a Arábia Saudita, Kuwait, Catar, Bahreim, Emirados Árabes Unidos e Omã, porta-voz do imperialismo. O projeto pretendia a formação pela oposição de um governo de re-conciliação, a demissão de Saleh depois de um mês em troca de sua imunidade e uma eleição presidencial 60 dias depois. Os partidos políticos da oposição subscreveram à proposta, mas fracassaram, visto que a juventude e os setores populares mobilizados o rechaçaram. Diante esta situação o ditador se negou a assina-lo.

Em um comunicado, a Comissão Organizativa da Revolução Juvenil Popular afirmou seu descontentamento com “as iniciativas que promovem a continuida-de do regime ditatorial de Saleh que incentivam a perpetrar mais massacres”. O grupo rechaça “todas as iniciativas que não incluam a saída imediata de Saleh e o julgamento aos responsáveis do regime”. Seu dirigente Tawakul Kerman declarou ao jornal El País (Espanha 2/5): “Vamos manter nossa contestação pacífica, mas caso se apresente uma situação em que a revolução encontre uma resposta agressiva teremos que tomar novas decisões”. E completou: “Estamos muito contentes porque vamos a seguir com nossa revolução”.

lenta repressão que faz com que cada mobilização termine com muitos mor-tos e feridos. Esta situação provocou uma mudança nas palavras de ordem dos manifestantes que começaram a exigir e gritar: “Fora Assad”.

Como outros regimes árabes, o re-gime sírio teve um origem nacionalista que denominaram “socialismo árabe” mas dentro dos marcos capitalistas e ditatoriais.

Em 1973, a Síria sofreu ataques militares do Estado de Israel, com quem tem fronteiras. Os israelenses ocuparam as alturas do Golã, parte do território sírio.

Em 1982 as forças do regime massa-craram 20 mil muçulmanos que haviam começado a exigir participação política por influência dos Irmãos Muçulmanos do Egito e da revolução iraniana de 1979. No entanto Assad mantêm es-treitas relações com o regime teocrático do Irã com quem, na década de 80, fez uma aliança contra o Iraque, na época governado por Saddam Hussein.

Governa um partido único, o Baaz, desde 1963 e a mesma família Assad desde 1970. O atual ditador Bashar Al Assad assumiu o poder ao morrer seu país no ano 2000.

A relação com os EUA e Europa foi historicamente tensa pelos vínculos da Síria com o Irã, pelo conflito da Síria com Israel e pelos conflitos no Líbano, onde a Síria tem acordos com

Hezbollah. Bashar Al Assad iniciou uma aber-

tura econômica com a União Européia e privatizações das empresas estatais – bancos, energia elétrica, cimento e farmacêutica – através das quais os Assad roubaram grande parte dos bens públicos e melhoraram as relações com o imperialismo, especialmente com a França. Sarkozy, o presidente francês, visitou Damasco em 2008 e 2009 e Assad visitou Paris em dezembro 2010, estabelecendo acordos econômicos e políticos sobre o Líbano. Em 2005, os Estados Unidos cortaram relações com Síria, reestabelecidas em janeiro de 2011.

O giro, para fazer acordos econô-micos com o imperialismo e as priva-tizações, tem consequências na econo-mia popular. O desemprego esta entre 20 e 25% (10% são os dados oficiais) enquanto que 50% da riqueza do país é controlado por 5% da população, especialmente pelos setores sociais vinculados à família governante da minoria alauita e também um setor burguês comercial sunita de Damasco e Aleppo.

Como no conjunto da revolução árabe, na Síria a tarefa de derribar a ditadura é a mais urgente para o povo mobilizado. Mas esta grande tarefa democrática se combina com a luta por medidas econômico-sociais. Para solucionar a miséria das massas é ne-

cessário lutar por expropriar a família Assad, voltando a nacionalizar as em-presas privatizadas e romper os laços de dominação do imperialismo que já penetraram economicamente o país. Um novo governo das organizações operárias e populares que estão sur-gindo na luta contra a ditadura poderá fazer estas mudanças de fundo.

O Presidente Chávez, que já apoiou e apoia Kaddafi, está também apoiando o ditador Assad, a quem chamou de “humanista”. Lamentavelmente este apoio de Chávez tem um forte peso negativo, pois confunde uma parte da esquerda internacional e contribui a isolar à rebelião do povo sírio, a restar a solidariedade operária e popular que tanto precisa. Chávez legitima o discur-so da ditadura síria quem afirma que enfrenta “uma conspiração estrangeria e um ataque terrorista”.

Como já aconteceu na Líbia, não podemos descartar que o imperialismo possa intervir, com a mesma desculpa que utiliza na Líbia: “defender o povo” frente à escalada da crise e frente ao fato que Assad não encontra uma saída política, e especialmente frente à possibilidade de um processo insu-rrecional armado. Desde já alertamos esta possibilidade, repudiamos qualquer intervenção imperialista, pois teria o objetivo de impedir um triunfo popular e impor um novo governo submetido ao império.

A mobilização parece ganar força a cada semana. Existem informes que estão surgindo centenas de “tansiqyat” (palavra áraba que significa coordena-dora) nos bairros populares e novas são criadas todos os dias, que se coordenam através de torpedos e Facebook. A partir delas estariam sendo convocadas manifestações e a autodefesa frente à polícia e aos grupos para-policiais do regime.

No imediato é urgente denunciar os crimes da ditadura, exigindo a retirada do e´xericto de Deraa e das demais cidades em rebelião, o fim da repres-são, exigindo dos governo a ruptura de relações com o regime de Assad. É necessária uma grande campanha mundial em apoio ao povo sírio na sua

Iêmen e sua revolução

UIT-CI (Unidad Internacional de los Trabajadores-Cuarta

Internacional)4 de maio de 2011

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Japão

Passado um mês do terremoto e do tsunami, a agencia supervisora da segurança nuclear (NISA) ele-

vou a qualificação do acidente nuclear de 5 para 7. Esta é a máxima prevista para acidentes nucleares e somente tinha sido utilizada no caso de Chernobyl (em que pese a afirmarem que desta vez “não é tão grave” como foi Chernobyl).

Quatro dos reatores de Fukushima continuam emitindo radiação. Ainda que os níveis de radiação na zona exterior da central diminuíram, dentro do recinto a contaminação é elevada e grandes

quantidades de água contaminada fogem para o mar.

O desastre nuclear não teria acon-tecido se não existissem os reatores em Fukushima ou se houvessem tido as medidas de segurança que não tinham.

Eficiência japonesa?

O Japão é uma das grandes potên-cias mundiais. Sempre foi difundida a imagem do Japão como um “modelo” de capitalismo eficiente.

O povo japonês atuou com exem-plar autodisciplina e solidariedade, tra-balhadores de eletricidade, bombeiros e da saúde arriscaram sua vida para salvar os danificados. Também se apresenta-ram voluntários trabalhadores aposen-tados da central nuclear para solucionar o desastre. Estes são somente alguns exemplos da solidariedade popular. Isto contrasta com a atitude de seu governo

O desastre nuclear e a catástrofe capitalista

O terremoto de grau nove que atingiu o Japão e o posterior tsunami de 11 de março, os dois desastres naturais, desencadearam outra catástrofe nem um pouco “natural”: o desastre nuclear. No momento de escrever estas líneas a empresa Tokio Electric Power (TEPCO) responsável das centrais afirmou que somente para final de ano estará sob controle a crise nuclear. Cada dia que passa fica mais evidente a enorme

irresponsabilidade da multinacional TEPCO e a falta de condições de segurança que ocasionaram o acidente nuclear.

Os lucros dos capitalistas provocam estas catástrofes

Miguel Lamas

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Japão

e seus capitalistas. Fukushima contêm seis reatores operados pela empresa pri-vada TEPCO e construídos entre 1979 e 1979 pelas empresas General Electric, Hitachi e Toshiba. E empresa TEPCO alterou dados de seu funcionamento e segurança já em 2002. Em 2007 a TEPCO não informou o governo dos danos produzidos por um terremoto que produziu um incêndio e uma fuga menos na maior planta de energia nu-clear do mundo em Kashiwazaki.

Os que denunciaram práticas frau-dulentas dos donos de Fukushima fo-ram os trabalhadores do reator. Assim foi possível saber que foi trucado o desenho do reator nuclear e que este foi utilizado como base para montar os outros cinco reatores que foram devastados pelo recente terremoto.

Yuli Andreyev (1938) é um expert russo que foi vice-diretor do organismo da ex. URSS de luta contra acidentes

nucleares (e nessa função denunciou a ocultação de informação e as mentiras sobre Chernobyl) manifestou sobre os fatos acontecidos no Japão: “Os que desenham centrais nucleares estão pendentes de dois aspectos: seguridade e custo. O problema é que a segurança custa dinheiro. Se a despesas for muito alta na segurança, a central nuclear não é competitiva... Os donos cedem em segurança pura e simplesmente por dinheiro. A localização das centrais de Japão, perto do mar, é a mais barata... Como foi possível desenhar uma cen-tral nuclear em uma zona de alto risco sísmico, do lado do oceano, com os geradores de emergência na superfície? Chegou a onda e tudo ficou fora de serviço. Não é um erro, é um delito”.

Tanto os organismos japoneses de controle, como a própria OEIA (Organismo Internacional de Energia Atômica, dependente da ONU) estão penetrados pelos interesses das grandes multinacionais que controlam o negó-cio. Não existe controle independente e menos ainda por parte dos setores populares. Tudo o que tem a ver com a questão nuclear é considerado como “segredo de estado” e inclusive agora, no Japão, não se informa ao público tudo o que está acontecendo.

O capitalismo está produzindo um desastre mundial

O sistema capitalista baseado no lucro individual da classe privilegiada está causando uma catástrofe mundial e ambiental. O desastre nuclear no Japão volta a confirmá-lo. A excessiva quantidade de centrais nucleares no Japão é para alimentar as plantas da Mitsubishi, Toyota, Honda, Yamaha, Sony, Panasonic, Canon ou Hitachi, entre outras.

Para aumentar seus lucros as multi-nacionais não têm nenhum escrúpulo em arriscar a vida e o futuro de milhões de seres humanos, privando de comida e esterilizando a terra em regiões intei-ras do mundo.

Enquanto isto acontece, um punha-do de 1.200 multimilionários acumula 4,5 bilhões de dólares, de acordo com a revista Forbes. O que economiza-ram em investimentos de segurança nas centrais japonesas, com certeza foi parar nos bolsos de alguns desses multimilionários!

Algumas correntes ambientalistas

A energia nuclear tem sido utili-zada em primeiro lugar para fabricar bombas atómicas. Duas delas foram jogadas pelos EUA sobre o Japão em 1945, pela única vez na história, sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, matando mais de 250 mil pessoas. Os EUA justificaram com o argumento que era necessário derrotar o Japão na Guerra Mundial. Mas o Japão já estava derrotado. O objetivo deste crime de guerra foi exibir força para garantir a hegemonia político militar dos ianques.

Desde essa data, como demons-tração e força bélica, diversos países fabricaram e jogaram duas mil bom-bas atómicas nos desertos e mares. Mais da metade foi detonada pelos EUA.

A energia nuclear está sendo uti-lizada também há meio século para fins pacíficos, fundamentalmente para produzir eletricidade. Alguns afirmam que ela é a solução para o abastecimento energético, pois não causa aquecimento global como os combustíveis fósseis (carvão e hidrocarbonetos) e por ser “menos contaminante”. Caso não aconteçam “acidentes”!

De acordo com World Nuclear Association existem 430 reatores nu-cleares, estão sendo construídos ses-senta novos e outros cento cinquenta nos próximos dez anos. Japão tem 55 reatores e produz com eles 35% da eletricidade. França, o segundo país depois dos EUA em produção de energia nuclear, com 58 reatores nucleares obtêm 75% da sua energia e ademais exporta eletricidade de origem termonuclear a outros países europeus. China já tem 10 e 30 em construção. A Índia planeja construir 20 durante esta década.

Na América Latina funcionam sete dos mais de 430 reatores que existem no mundo. Argentina tem três. Brasil e México dois cada. Houve desastres históricos com fuga massiva de radio-atividade, o de Three Mile Islanda nos EUA em 1979 e o de Chernobyl, na ex. URSS em 1986.

Os trabalhadores ferroviários do sindicato de Doro Chiva tem impul-sionado a solidariedade popular com os danificados, enquanto também denunciaram o governo e às grandes empresas. “Os planos neoliberais fo-ram aplicados sacrificando comunida-des locais e a vida dos trabalhadores”. As plantas foram construídas no “epi-centro dos terremotos pelo governo e as empresas de energia elétrica, quem insistiam que elas eram seguras e ofereciam energia limpa. Isto se com-provou como uma grande mentira. Para os capitalistas a energia nuclear é um instrumento para conquistar grandes lucros... Lutemos para viver! Exigimos imediatamente moradias, alimentos e tratamento médico total para as pessoas afetadas! Fechamen-to imediato de todas as plantas de energia nuclear! Basta de demissões por causa do terremoto! Derrotemos definitivamente o neoliberalismo! Fora Kan do governo! Que a Central Operária se coloque à frente!”.

Ferroviários japoneses

denunciam

A energia nuclear

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Japão

ou indigenistas defendem a ideia que a única forma de impedir a catástrofe ambienta é voltando a épocas pré-industriais, a métodos antigos de pro-dução agrícola e reduzir drasticamente a população das cidades.

Não concordamos com estas pro-postas, pois achamos que provocariam danos maiores à humanidade dos que se procura evitar. Para deter este desastre não é necessário renunciar aos avanços científicos e tecnológicos. O que é necessário é acabar com o sistema capitalista e implantar um sis-tema onde a produção e os enormes avanços científicos da humanidade sejam colocados a serviço da maioria e controlados democraticamente pelas maiorias trabalhadoras, onde se cuide a terra na qual todos vivemos. Ou seja, um sistema socialista com controle e democracia do povo trabalhador.

A mobilização contraas centrais nucleares

Achamos que a experiência deste desastre tem que ter uma consequência política em defesa da humanidade.

É necessário exigir o desarmamen-to atómico. Lembremos que existem no mundo milhares de armas atómicas que podem ser lançadas sobre qual-quer país. E que os Estados Unidos

é o país que mais tem. O tratado de “não proliferação nuclear” que im-puseram as potencias capitalistas está somente destinado a preservar seu monopólio do arsenal nuclear.

Em relação às centrais nucleares de geração elétrica, na Alemanha 210 mil manifestantes saíram às ruas de Colônia, Berlin, Munich e Hambur-go em março de 2011 para protestar contra a política nuclear do governo de Angela Merkel e demandando o fechamento das atuais centrais. Tam-bém houve importantes mobilizações na Espanha e outros países.

Estes movimentos estão totalmen-te justificados e nós os apoiamos. Não porque a humanidade tenha que re-

nunciar para sempre à energia nuclear com fins pacíficos. Mas esta somente poderia ser utilizada em condições de segurança máxima, com transparência e controle democrático da população. A utilização desta energia nuclear não pode ficar nas mãos das multinacio-nais e os governos que lhes servem, de forma secreta e sem nenhum con-trole científico independente. Porque as multinacionais sempre priorizam seus lucros por acima da vida. Isto constitui um risco permanente que, com toda razão os povos não estão dispostos a correr.

Também, não é possível confiar no imperialismo e seus instrumentos, como a Organização Internacional de

O dirigente operário venezuelano Orlando Chirino, dirigente da USI (Unidade Socialsita de Esquerda-UIT-CI) expressou “uma homenagem aos trabalhadores, técnicos e funcionários japoneses das plantas nucleares que colocaram em risco suas vidas para ope-rar os controles, liberar vapor radioativo e impedir que se colocasse em risco a vida de milhões de japoneses. Estes trabalhadores merecem o reconheci-

mento do povo japonés e do mundo inteiro. Com estas atitudes valentes fica claro que o futuro da humanidade somente estará seguro em mãos da classe trabalhadora, que somos os que produzimos as riquezas e também arriscamos a vida para impedir que os fenômenos naturais, os acidentes industriais ou os governos capitalistas e imperialistas coloquem em risco a existencia da humanidade”.

O acidente nuclear mais grave da histórica foi o de Chernobyl, na Ucrania. A explosão que aconteceu em 26 de abril de 1986 causou em torno de 100 mil mortes (ainda que nunca fosse com-probado este número e a OMS fala em quatro mil); deixou fugir 50 toneladas de isótopos de urânio, plutónio, césio, estroncio, iofo e americio, alguns com uma vida média de dezenas de milhares de anos. A quantidade de radioativida-de liberada foi aquivalente a 500 bom-bas atômicas como a de Hiroshima. A superficie contamqinada é atualmente de 150 mil km quadrados, equivalente à metade do território italiano e assim co-nitnuará por muito tempo. Continua m vigor uma área de exclusão de um rádio de 30 km quadrados em torno a Cher-nobyl. Esta zona morta inclui a cidade de Prípiats, que teve 50 mil habitantes, hoje completamente abandonada.

Chernobyl

Orlando Chirino: “O futuro dahumanidade somente estará seguro

nas mãos dos trabalhadores”

HONDA

TOYOTA

As centrais nucleares alimentam estas multinacionais

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Bolívia

E m 26 de dezembro, inesperada-mente, o governo decretou o au-mento da gasolina para quase um

dólar (num país onde o salário mínimo, que ganham muitos trabalhadores, era de menos de 100 dólares). Isso provocou uma imensa e espontânea mobilização popular com vanguarda na cidade de El Alto. Num Cabildo Aberto (espécie de Assembléia Popular) convocado nessa cidade, colada à La Paz, dirigentes como Carlos Rojas (La Protesta) e Fanny Nina (Presidenta eleita da Fejuve El Alto) con-vocaram um paro cívico e o bloqueio da autoestrada a La Paz. A população botou fogo nos pedágios e a palavra de ordem passou a ser: “ou anulam o gasolinaço ou vão embora”. No dia 31 de dezem-bro, acuado pela mobilização, três horas antes do brinde, Evo Morales anunciou a derrogação do gasolinaço. O decreto de aumento do preço demonstrou que a “nacionalização” é uma farsa e que as multinacionais do petróleo continuam decidindo sobre os hidrocarbonetos da Bolívia.

A Greve Geral

O governo de Evo Morales tinha

decretado um aumento de 10% somente para professores, trabalhadores da saúde do Estado, policiais e militares. Nada para o setor privado, nem para aposen-tados, nem para os funcionários dos municípios e governos departamentais. A inflação, segundo o governo, é de 7,6%. Mas todos sabem que mente. As medições feitas por organismos inde-pendentes reconhecem aumentos de até 18,5% nos alimentos (CEDLA).

De 8 a 17 de abril, dias de greve geral e de bloqueios, mais de 100.000 trabalhadores - mineiros, professores, funcionários da Caixa de Saúde, operários e universitários - participaram diariamente nas ruas e estradas. Na sexta feira, dia 15, produziu-se um enfrentamento entre 4.000 professores rurais, que bloqueavam a estrada a La Paz e centenas de policiais que os reprimiram de forma selvagem em meio ao deserto do altiplano.

O movimento se fortaleceu e ganhou apoio da população. Esta força da mobili-

zação obrigou o governo a negociar, coisa que havia se negado. Em 18 de abril, a COB assinou com o governo um acordo que concedia 11% para os salários (só 1% a mais do que já tinha oferecido) e mais outro 1% se “conseguissem fundos” para enfrentar esses aumentos. Portanto, nem se conseguiu os 15% pedidos pela COB, que já eram menos que a inflação dos alimentos. No dia anterior, o Ministro da Economia, Arce Catacora (ex-funcioná-rio do governo neoliberal de Sánchez de Losada), se reuniu com o FMI nos Esta-dos Unidos e anunciou que não haveria aumento salarial superior a 10%.

A COB não aproveitou o apoio po-pular à greve convocando às organizações sociais como a FEJUVE de El Alto ou o Comitê Cívico Potosinista (COMCIPO de Potosi) ou o Conselho Nacional de Ayllus y Marcas do Qolasuyo/Indígenas (CONAMAQ), incorporando suas de-mandas para fortalecer e estender a luta. Também não respondeu à provocação do

Mobilizações e greves contra

Um dia antes de findar o ano de 2010, uma grande mobilização popular rejeitou, nas ruas, o aumento de 85% no preço da gasolina. Três meses depois foi deflagrada uma greve geral, pela Central Operária Boliviana (COB). Durante 10 dias houve passeatas, cortes de estradas, por mineiros, professores e trabalhadores da Caixa Nacional de Saúde, reclamando aumento salarial superior à inflação. Pesquisas recentes mostram que o governo de Evo tem somente 32% de aprovação popular.

As greves incomodam Evo Morales

a política econômica de EvoLa Protesta • [email protected]

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Bolívia

governo que expressou não saber de onde ia sair o dinheiro para os aumentos. Isto já o respondeu o povo em 2003! Expro-priar sem pagamento às transnacionais, nacionalizar 100% os recursos naturais e industrializar o país. Essa é a resposta!

Cresce o descontentamento popular

Apesar do acordo rebaixado, assina-do ao findar a greve, o governo volta a atacar os trabalhadores. Mobiliza setores cocaleros e camponeses (o que conseguiu só em Cochabamba) com palavras de ordem contra os sindicatos operários,

com uma denúncia disparatada de um suposto complô entre os sindicatos, os trotskistas (dirigentes de professores do POR) e a direita. Evo Morales chegou a dizer: “os sindicatos são um invento dos colonizadores”. Além disso, ordenou o desconto dos dias de greve.

O descontentamento é crescente e a Bolívia está cheia de reclamações por problemas não resolvidos. A pobreza se-gue para 60% da população e a extrema pobreza para 30%. O desemprego e o trabalho informal continuam massivos e os alimentos seguem uma escalada de preços. O maior entrave para uma luta

Presidenta, eleita em junho de 2010, por 2200 delegados de 600 juntas vicinais ao Congresso da FEJU-VE - Federação de Juntas Vicinais do El Alto -, teve que enfrentar à burocracia do governo. O MAS, partido de Evo, tirou-a da FEJUVE mediante um assalto burocrático-policial à sede da organi-zação. Ainda assim, em dezembro do ano passado, Fanny Nina esteve, junto a seu povo, convocando à mobilização contra o gasolinaço.

Em recente entrevista realizada para La Protesta, declarou:

“Na cidade de El Alto, a popu-lação está muito decepcionada com a atuação do governo. Não se cumpriram os compromissos de alguém que dizia ter uma política em benefício dos mais pobres. Essa esperança estava plantada em nível nacional, fundamentalmente no El Alto, já que temos os maiores índices de pobreza e desemprego. Mas, essa esperança, de ter uma verdadeira geração de emprego e um amplo des-envolvimento humano, se está indo como água entre as mãos.

Isto piorou com o tema do gasoli-naço. A população saiu com lágrimas nos olhos a lutar para derrubar esse decreto. Há famílias que se alimentam só com um prato de sopa, uma xícara de chá ou café e um pãozinho. “Infe-lizmente esse é o almoço de muitas famílias”.

O governo dizia que não era possí-vel aumentar o salário ao valor da cesta básica e que a inflação era somente de 7%. Frente a isso, a direção da COB cede e acaba propondo um aumento míni-mo. Daí a reação dos trabalhadores que vêm passando por cima da direção da COB porque é totalmente traidora.

Para nós deveria se construir uma luta conjunta dos setores populares junto com os trabalhadores por aumento salarial. Na Bolívia, 70% da população têm emprego informal e só 30% tem relação trabalhista formal. Porém, sabemos que se o trabalhador recebe aumento, esse dinheiro acaba sendo canalizado tam-bém entre a população informal o que beneficia a todos. Mas, isso não acontece quando o governo dá esse dinheiro às petroleiras ou às grandes empresas multinacionais. Por isso, a necessidade de unirmos aos trabalhadores.

Porém, as direções traidoras como a

mais generalizada é a dramática falta de direção. La Protesta, organização na qual militam os companheiros da UIT-QI, está convocando a formação de uma aliança de sindicatos e organizações operárias, populares, camponesas e in-dígenas, para construir uma mobilização unitária que derrote o plano econômico antipopular do governo e impor medi-das de fundo, como as reivindicadas pelo povo trabalhador em 2003 e contidas na chamada “Agenda de Outubro”. Em primeiro lugar a nacionalização 100% sem indenização das transnacionais dos hidrocarbonetos e dos minérios.

Fanny Nina

Carlos Rojas

Ex-dirigente da Fejuve El Alto e membro de La Protesta

“Os professores foram brutalmente golpeados e agora os criminalizam”

Confederação Sindical Única de Trabal-hadores Camponeses de Bolívia (CSTUB) ou o que acontece em El Alto, onde a direção da FEJUVE foi tomada pelo MAS, apóiam o governo. Essas direções não querem apoiar às aspirações dos tra-balhadores. Mesmo assim, a população trabalhadora já está se organizando para uma luta direta com o governo.

O governo diz que há muito dinhei-ro, que há superávit. Entretanto, quando tem que dar um pão a mais para que subsista o trabalhador, começa a dizer: “de onde vamos tirar o dinheiro?”. Dizem que estão “abraçando o socialismo” ou que são de esquerda, mas vemos que o governo abraça mesmo é o modelo neoliberal, pró- imperialista, capitalista. Não há dinheiro para os trabalhadores, mas há para as multinacionais e para comprar armamento. Agora, em respos-ta à greve dos trabalhadores, o governo quer criminalizar os protestos. Ameaça descontar os dias de greve tirando o pão dos que pediam mais pão. Preten-de perseguir os professores rurais pelo enfrentamento com a polícia, quando todos sabem que foi uma brutalidade policial, uma feroz repressão. Os pro-fessores rurais foram brutalmente gol-peados e sofreram roubos por parte da polícia. Depois de todo este desrespeito, o Ministro de Governo - Sacha Lorente -felicitou à polícia. Quem deu a ordem para atuar assim? Provavelmente foi o próprio Evo Morales.

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Cuba

Um aspecto que podemos chamar de novidade do Con-gresso foi a realização de um

multitudinário desfile em homenagem ao grande triunfo que significou o es-magamento da invasão ianque em Praia Girón há 50 anos. Esteve precedido por um desfile militar, em estilo clássico

será “reelaborado”. Os que apoiam o presidente repetem que houve “debate democrático”.

É verdade que foram realizadas milhares de reuniões. Mas as pessoas eram obrigadas a assistir, para receber explicações e “esclarecimentos” sobre o “Projeto de lineamentos da política econômica e social”. Tudo enquanto se repetia sistematicamente a mentira so-bre a “irreversibilidade do socialismo” e sem que existissem canais de expressão para nenhum debate. Os comentários, as inquietações e o descontentamento circulavam nas ruas, nas casas e em sussurros... Não houve autêntico de-bate porque o milhão de demissões e a maior parte dos 291 pontos já estavam aprovados na Assembléia Nacional e sendo aplicados, como a legalização das 178 atividades para indivíduos par-ticulares. Porque nunca foi informado nem discutido o fato que os principais setores da economia já é um tempo que estão em mãos de empresas mistas com multinacionais estrangeiras (como níquel, turismo, hidrocarbonetos, tele-comunicações, entre outros). Porque as

O VI Congresso do PC ratificou a restauração capitalista

Cuba

Finalmente, em abril realizou-se o VIº Congresso do Partido Comunista governante em Cuba. Estava sendo adiado há nove anos. Seu resultado foi previsto: ratificou plenamente as medidas de restauração capitalista que estão sendo implantadas já há um tempo. Claro que repetindo uma e mil vezes que dessa forma “se atualiza o socialismo”.

da antiga burocracia do PC da URSS. Eram anos que a burocracia não realiza-va uma manifestação massiva. Em 1º de janeiro de 2009, foram lembrados os 50 anos da revolução em um pequeno ato em Santiago de Cuba, com ingresso es-pecial para alguns milhares de hierarcas e funcionários e transmitido pela TV. Tal vez agora a burocracia governante quis mostrar um “banho de massas” para impedir comparações com o isola-mento e derrota das ditaduras do Egito e Tunísia. Da mesma forma que em 1º de Janeiro, não participaram convida-dos de nenhum governo ou partidos comunistas estrangeiros.

Não houve nenhumdebate democrático

De acordo com a direção do go-verno e do PC cubanos, o Congresso foi precedido por meses de suposto debate democrático, “milhões” partici-param e Raúl repetiu até cansar que “é o povo quem decide”. No fechamento do Congresso, afirmou “tudo foi in-corporado” anunciando que o texto

Mercedes Petit • [email protected]

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Cuba

“diretrizes” estão cheias de falsidades e omissões. Um exemplo: desde a in-trodução tem uma lista de países com “relações comerciais e financeiras” onde se omite mencionar Espanha e Canadá, de longe os principais sócios, ou os EUA com relações econômicas

muito superiores as que se têm com Angola ou Argélia. Obviamente não foram dadas informações certas sobre a verdadeira situação do povo líbio, que com lutas e armas enfrenta a ditadura de Kaddafi apoiada por Fidel. Com mentiras e silêncios não existe debate

democrático. Mas a prova mais contundente foi

dada por Raúl Castro. Ele mesmo, e quase toda a mídia cubana e estrangei-ra, assinala que a decisão mais nova e importante do VI Congresso foi que será limitado a dois períodos de cinco anos a permanência em cargos de di-reção. Esta medida nunca foi debatida no pré-congresso, não aparecia na pauta (centrada em Economia) e foi apresentada para sua aprovação com a “unanimidade” herdada do monoli-sitmo da burocracia da antiga URSS. A condução do PC a improvisou de última hora para salvar as aparências frente a preocupação do regime pelas rebeliões das massas árabes contra suas ditaduras de 30 ou 40 anos.

Em Cuba a “informação” está total-mente restrita e deformada em função das campanhas do governo, difundidas pelos médios monopólicos oficiais. E não existe o direito de reclamar, pro-testar, dissentir. Quem pretenda fazê-lo será chamado de imediato de “contra revolucionário”, “mercenário” etc. e será perseguido.

Não foi atualizado nenhum “socialismo” e continua o capitalismo

Com previsível unanimidade, o VI Congresso avalizou mais de um milhão de demissões (mais de forma gradual...), a liquidação da carteira de alimentos (ver boxe) e o capitalismo das empresas mistas que já funciona há anos. Esta é a verdadeira síntese do que aconteceu.

Fidel Castro, na sua reflexão, insistiu com a consigna oficial “Mudar tudo o que seja necessário”.

Quais mudanças impulsiona a burocracia governante do PC cubano que foram ratificadas pelo Congresso? Há duas décadas que as mudanças significam a abertura para restaurar o capitalismo*. Desde 1991, quando se realizou o Quarto Congresso y desde 1992, com a nova Constituição, foram sendo abandonados os alicer-ces do “modelo socialista” que havia surgido com a revolução e que leva-ram o povo cubano, ainda que com grandes limitações e sem liberdade, a conquistas incomparáveis no terreno da saúde, da educação e dos esportes. Foi sendo abandonado o monopólio do comércio exterior, se começou a descentralização o planejamento

Entre as medidas de ajuste capi-talista o VI Congresso ratificou o fim da carteira de Alimentos, uma antiga conquista do povo cubano que, ainda que reduzida à sua mínima expressão (visto que só alcança para 10-12 dias de consumo no mês) ajudava a mais da metade da população a sobreviver com o mísero salário de entre dez e vinte dólares.

A Carteira, chamada de Controle de vendas para Produtos Alimentares, vinha sendo liquidada de fato pela burocracia do PCC, tirando produtos e reduzindo o peso das que estavam à

uma ajuda para sobreviver. Por isso, o próprio Raul Castro teve que reconhe-cer que foi um dos “lineamentos” mais discutidos e questionados.

Ricardo Alarcon, membro do Birô do PCC defendeu o fim da Carteira, afirmando que “havia que mudar o sistema que era igualitarista demais” e que “os preços que pagam os cubanos não tem nada a ver com o mercado mundial”. (Entrevista Tele sul) O que não disse Alarcon é que também os salários não tem nada a ver com o “mercado mundial”. Nem na China são pagos 10 ou 20 dólares de salário, visto

Acabaram com a carteira de alimentos

venda. Não se tratava de uma “gratuida-de” mais de venda subsidiada. Mensal-mente se compram (quando existem) quantidades que não podem alimentar uma família nem uma pessoa nem 30 nem 15 dias. São entregues, por ex. dez ovos, 250 gramas de frango, 2.700 gramas de arroz, 400 grs. de massa, 1.3 kg. De açúcar, 115 grs. de café, 0,33 litros de óleo, 557 gramas de feijão. Os produtos de higiene (sabonete, pasta dentífrica) já tinham sido retirados da carteira. Fora isto que era muito pouco, o resto devia ser pago como carne, frutas, verduras, roupa, transporte ou energia elétrica. Tão grave é a situação social do povo cubano que, em que pese à Carteira cobrir muito pouco, era

que a ditadura do PC chinês impõe salários miseráveis mais de 70 dólares.

Também é falso que exis-te um sistema igualitarista. Sempre a burocracia gover-nante do PCC teve salários altos e privilégios (moradia suntuosas, carros grátis, via-gens e comércios especiais) da mesma forma que os novos ricos cubanos. Por ex. nunca foi visto nenhum

hierarca do PCC indo aos armazéns com a Carteira para recolher os 250 gramas de frango ou os dez ovos mensais. Por isso apoiamos a reivindi-cação do povo cubano para que con-tinue a Carteira de Alimentos e para que não sejam aumentados os preços dos produtos básicos. Pelo contrário, é necessário que seja fortalecida a Carteira, enquanto continue esta situação social, com mais produtos e em maior quantidade. Está colocado também lutar por um salário mínimo de 250 ou 300 dólares, o fim do siste-ma de duas moedas (o peso cubano e o CUC) o fim dos mercados especiais para ricos assim como acabar com os altos salários que recebe a burocracia que governa.

Lo que cubre es poco, pero significa mucho ante los sueldos de miseria

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Cuba

O salário em Cuba é de aproxima-damente 15 dólares mensais. Muitos dos que pretenderam responder às demissões trabalhando por conta já estão comprovando que nem isso conseguem após pagar os impostos e demais custos do empreendimento. Sobre isto não se falou no Congresso. Os dados sobre salários (Le Monde Di-plomatique nº 142) mostram que em Cuba já está instalada a desigualdade e a miséria capitalista.

• Entre1989e2009ovalorrealdosaláriocaiude188para48pe-sos (ainda que o salário médio passou de188para247pesos).

• Se em 1987 a diferençasalarialerade1a4,em1997éde1a25.

econômico e foi reestabelecido o di-reito das multinacionais estrangeiras a investir (expulsas desde 1960-61), através de empresas mistas, todas com funcionamento capitalista.

Desde essa data, com idas e vindas, com o apoio direto do imperialismo europeu (Espanha fundamentalmente) e Canadá, vem sendo restaurado o ca-pitalismo em Cuba. Estes são os fatos, históricos e irrefutáveis, que escondem os irmãos Castros com suas falsificações e mentiras.

É capitalismo quando se impõe impostos a milhares de cubanos pobres que tentam se transformar em peque-nos empresários porque são demitidos. Nada é informado nem discutido sobre os impostos que pagam as multinacio-nais, nem quanto são os lucros que enviam para suas matrizes.

Entre silêncios e mentiras, o Con-gresso do PC aprovou novos ajustes ao castigado povo cubano, que continuarão aprofundando a desigualdade social e os privilégios de uma minoria de novos ricos, funcionários e oficiais do Exér-cito beneficiados com a restauração capitalista.

Por isso foram aprovadas medidas como os cortes em saúde e educação com a eliminação da Carteira de Ali-mentos. Por isso não foi discutida a miséria salarial.

A ditadura chinesa enviou uma men-sagem parabenizando em 17 de abril, onde diz que “se orgulha dos avanços

que o PC cubano conseguiu desde o anterior Congresso”.

As similitudes entre os “modelos” de super exploração capitalista que exis-tem nos dois países não se podem negar. E os burocratas chineses se somam também na sua mensagem à mentira de que continua o “desenvolvimento da causa socialista cubana”.

O conhecido economista oficialis-ta Omar Everleny Pérez Villanueva, resumiu com sinceridade a situação e as mudanças de Fidel e Raul no jornal Le Monde Diplomatique: “Sim, tem pessoas que perderão com as reformas. Sim, vão ficar pessoas desempregadas. Sim, a desigualdade vai aumentar [...] Essas desigualdades já existem, o que temos hoje é uma falsa igualdade. O que deve ser definido agora é quem merece realmente estar no alto”. (Nº 142 - abril 2011).

Está colocada a luta por um verdadeiro socialismo

De acordo com Raul Castro o mais importante e “mudar a mentalidade”. Ele considera que a maior trava que existe é que o povo cubano continua amarrado a dogmas e consignas do passado.

Não consideramos dessa forma. A maior trava que tem o povo, para recuperar e melhorar o bem estar que uma vez conquistou graças à revolução, é o governo atual, a burocracia do PCC

e os novos ricos. O VI Congresso demonstrou mais uma vez ser uma dita-dura estalinista à serviço de um modelo capitalista. Por isso são reiteradas as comparações com o PC Chinês.

Como socialistas revolucionários, que sempre estivemos na primeira linha defendendo a revolução cubana e suas conquistas, contra o bloqueio ianque e contra qualquer tipo de agressão à ilha caribenha, chamamos à solidariedade com os trabalhadores, a juventude e todo o povo cubano. À difícil situação que vivem, de falta de liberdades, repressão e crescen-te desigualdades provocadas pela restauração capitalista, soma-se o aprofundamento do ajuste iniciado no ano passado, avalizado agora pelo VIº Congresso. Será necessária a mobilização popular por aumento sa-larial, emprego digno, defesa da saúde, da educação e do que resta ainda das conquistas da revolução. Defendemos seu direito a se organizar, ter liberda-de para formar sindicatos e partidos políticos, centros de estudantes, fazer greves e manifestações. Derrotando as mentiras dos irmãos Castro, o PC e outros governos como o de Chávez, que os apoiam, está colocada a luta por um verdadeiro socialismo, com democracia para os trabalhadores, a juventude e o povo cubanos.

*Ver “Ajuste à cubana” em Correspondência Internacional Nº 29, agosto-dezembro de 2010 em www.uit-ci.org

Miséria salarial em números

Milhares de novos autônomos pagam altos impostos e nãotêm créditos baratos nem preços de atacado acessíveis.

Page 40: Correspondência Internacional nº30 - Traduzido para portugês(BR)

38

Cuba

Por essa razão, a melhor forma de começar a nos entender, seria comentando que, ao barco Granma com o passar dos anos, tiveram que substituir peças para poder conser-vá-lo. Passado meio século, já não restam peças do original, somente o nome ficou. Mas todos aqueles que o visitam, acreditam que é o mesmo barco.

Substituições que na vida prática aparecem com certa lógica, quando falamos de conceitos – essas palavras que tem um conteúdo conhecido- se se mantêm as palavras, mas se muda o conteúdo então as coisas, ainda quando sejam igualmente denomina-das, não o são. Da forma que também não é o mesmo barco ainda quando seja denominado Granma. .

Já não há “revoluçãodos humildes”

Pelo fato de chamá-la igual, mui-tos acreditam que esta continua sendo a revolução dos humildes, dos proletários. No entanto, quando con-hecem que todos os sindicatos foram aniquilados - somente um foi permi-tido e controlado pelo governo, pelo qual os trabalhadores ficaram sem voz – compreendem que a revolução deixou de ser para eles, porque não foi com eles.

Assim, também se compreenderá como é possível que o próprio sindi-cato CTC que deveria defender os operários, é quem encabeça a demis-são de meio milhão de trabalhadores – necessária, de acordo com o Gover-no, para sustentar o próprio Governo. E se compreende o pior, quando se sabe que o ministro do Trabalho é o Presidente da CTC .

Não existe sequer a possibilidade

de fazer um balanço da situação, de propor outra saída. Ou, ao menos, de saber com detalhe o porquê da necessidade das demissões – porque existem pessoas às quais não basta a resposta: “é necessário” sem nenhu-ma outra explicação.

Neste ponto é evidente que o conceito Revolução, aquela que leva entre parênteses “dos humildes” já não tem o mesmo conteúdo. Da mes-ma forma, entre as pessoas comuns, Revolução virou um conceito alheio. E por sua vez, quando falamos em Ditadura, não se pode maquiar com “do proletariado” - que não existe dentro do governo.

Em que pese o que dissemos, participamos das esperanças que o governo de Raul deu a este país, graças à racionalidade de suas pri-meiras medidas econômicas. Por exemplo, um litro de leite deixou de viajar em um caminhão refrigerado 35 km até o local de armazenamento, e outros tantos km de volta para ser vendido no povoado de origem, pois permitiram aos produtores vender a melhores preços o leite diretamente nos mercados .

Isto sugeria que o objetivo do governo já não seria o controle total da sociedade, e que a racionalidade econômica teria um peso maior. Mas,

Cuba, simplesmenteQuando a gente enfrenta a possibilidade de ser lido em diversos países da América Latina, assume

uma responsabilidade muito grande. Pois, tem que ser fiel à verdade do que vivencia, verdade que se

confrontará com as ideias que têm do país – dos seus líderes, de sua gente, de nossa vida - os amigos que

estão em outras latitudes.

O barco exibido no Museu da Revolução de La Habana.Mas o “Granma já não é mais o Granma”.

Tomás Villa, de Havana

Page 41: Correspondência Internacional nº30 - Traduzido para portugês(BR)

39

Cuba

foi somente uma ameaça de senso comum, pois pronto chegaram as medidas neoliberais e as demissões massivas. E nos seus discursos o General voltou a acusar o povo de ser responsável pelos problemas econômicos, como antes fazia seu irmão.

O VI Congresso, uma “revolução de palácio”

O principal motivo pelo qual poucas pessoas se interessaram pelas notícias do VI Congresso do Partido Comunista Cubano (PCC) foi por-que se tratava de uma “revolução de palácio”, que se limitaria a ratificar as medidas tomadas pelo Governo antes, e sem consultar. Acaso pode-ria ser diferente?

Os participantes e o sistema que não funciona não foram surpresa. Inclusive o Comandante em Chefe escrevia na sua obrigada Reflexão: “Não me importa tanto o que di-ziam, mas a forma como era dito” Não havia nada novo para dizer...

É obvio que não se pode atuali-zar a política econômica – este era o lema do Congresso – sem atualizar na mesma proporção, a “política - política”, ênfase na política interna. O que levaria a mudar nomes, para poder mudar os métodos.

O oficialismo falou que este era o Congresso da renovação. Palavras vazias. Se olharmos as idades – nos nomes não há mudanças – pode-mos verificar que somente duas pessoas, das treze que conformam o Burô Político, tem menos de 60 anos. Somadas as idades tem quase mil (944 anos) e não precisamente de sabedoria popular. O Primeiro Secretário do PCC, Raul Castro tem 79 anos e Machado Ventura, o Segundo Secretário, 80 anos. Onde estão as novas gerações, aquelas que garantirão a sobrevivência da Revolução?

Foi o Congresso do “conti-nuísmo”, dos anciãos aferrados ao poder. E resulta risível que se dissera que o Próximo Primeiro Secretário não poderá ter mais que dois mandatos. Pois o afirma aquele que provavelmente não sobreviverá ao próximo quinquênio; que teve cinco mandatos como Segundo Secretário, sendo que o último

devia terminar em 1998 e simples-mente se passaram mais 13 anos, após terem vencidos os cinco anos estabelecidos, sem que se realizasse o Congresso seguinte.

Cinco décadas vivendo em man-sões enormes e isoladas, com piscina, climatização; viajando em Mercedes Benz, acompanhado por um séquito de serventes, não ajudam ao desen-volvimento do pensamento revolu-cionário. “Pensamos como vivemos”, assegura Marx, então perguntamos: São eles modelos de líderes da Revo-lução (dos humildes)?

A privatização capitalistanão é solução

A revolução era para que os humildes chegassem ao poder, para terminar com a exploração dos tra-balhadores. No entanto, de acordo com o Congresso “Comunista”, a solução econômica, política, ou so-cial, não passa pela coletivização da economia, da política, mas pela pri-vatização capitalista. Como pode ser isso Socialismo ou Revolução?

São essas terapias de choque as que tirarão o país da bancarrota? Não acredito. A causa, para que o capita-lismo pareça “A Solução”, não deve ser outra que a forma de viver – e de pensar – de “nossos” líderes.

Claro que existem as conquistas da revolução, em matéria de saúde, educação, cultura, que para muitas pessoas – e nenhuma delas vive aqui- parecem ser suficientes, acham que não devemos aspirar a mais. Aceite-mos que isso está bem, e depois, o quê? Se não posso pensar, perguntar, propor, escolher. Se pode viver em uma gaiola dourada (que não é o caso cubano), mas mesmo dourada, ainda é uma gaiola.

Prefiro viver na mais pobre das democracias a viver no mais rico dos impérios, disse Sócrates frente à in-citação a emigrar. Quando os jovens daqui emigram, se assegura que é por causas econômicas. Mas, não é pela pobreza que padecemos a causa primeira do êxodo, pois o que falta é democracia, a dos trabalhadores, não a dos burgueses – que é o que eterniza nossa miséria.

Miséria necessária ao poder. Por isso a “riqueza” foi tão combatida, dizendo que era sinônimo de ca-

pitalismo e pior, que permitiria a independência ideológica. Quando o Socialismo e a Revolução, nem autori-tários, nem miseráveis, podem ser!

O Governo sempre achou melhor se endividar, gastar 500 milhões de dólares por ano comprando comida dos ianques. em vez de produzir co-mida no país. Pois, isso faria “ricos” nossos camponeses. E para o regime, se as pessoas não vivem na miséria não defendem à revolução, como assegurou Raul Castro no discurso de encerramento do Congresso. Como se fosse uma virtude que a miséria condene os pobres à obediência.

É possível outra Cuba melhor

A Revolução (dos humildes) foi traída faz muito tempo. É um fato. Isso foi possível porque confundiram o povo para que traísse com eles a melhor das causas. Falavam da neces-sidade da revolução. Mas, onde nós líamos “dos humildes” eles pensavam “dos de cima”. Assim, temos hoje líderes infalíveis, e todos os demais são considerados equivocados.

Isso é o que explica porque os trabalhadores têm que ser fiéis aos líderes, e não o inverso. Também, ex-plica porque ser marxista é um delito neste “socialismo”, e porque, após 50 anos de ser guiado por um aclamado “gênio”, o resultado é um edifício social a ponto de colapsar.

Esta é a Cuba de hoje, simplesmen-te. É melhor assim. Pois demonstra que o autoritarismo – de Fidel, de Raúl – é reversível, porque é insustentável. É melhor assim, pois faz possível um amanhã de revolução verdadeira. Dos trabalhadores e das trabalhadoras. Coletiva. Sem classes imprevistas, sem líderes iluminados mais importantes que a nossa causa. Outra Cuba melhor –sem retóricas – é possível. Por esse futuro lutamos.

1. Iate Granma, usado pelos expedicionários do Movi-mento 26 de Julho, encabeçados por Fidel Castro, para começar a luta nas montanhas do oriente do país (Sierra Maestra). Hoje, está no Museu da Revolução.

2. CTC – Central de Trabalhadores de Cuba.

3. Salvador Valdés Mesa.

4. Pelo litro de leite pagava-se o preço de U$S 0,01 USD e passou a U$S 0,15.

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Venezuela

C omo prova de nosso suposto “abandono dos princípios”, a LIT-QI utiliza um trecho

da declaração emitida por C-CURA para a mobilização de 5 de fevereiro: “De forma explícita afirmaremos que es tamos contra as expro-priações (compras) que anuncia o governo nacional…”

De forma maliciosa os polemis-tas da LIT-QI recortam a citação ocultando aos leitores o restante da frase que diz: “… aos trabalhadores já que só beneficiam à burocracia do Estado, do PSUV e ao empresariado ligado ao governo do presidente Chávez, ao tempo que se liquidam

Debate na esquerda

A Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI) abriu uma polêmica com a Unidade Socialista de Esquerda (USI) da Venezuela e a Unidade Internacional dos Trabalhadores - Quarta Internacional (UIT-QI) sobre nossa rejeição às “expropriações” chavistas. As “expropriações” de Chávez têm gerado confusão e falsas polêmicas entre as correntes da esquerda.

Sobre as falsas

Trabalhadores das empresas produtoras de cimento (ex CEMEX nacionalizada) em greve de fome devido à perda de conquistas.

Qual é a verdade das “expropriações do governo Chávez”?

Para abordar de forma séria este debate, a primeira pergunta a fazer é se realmente o governo Chávez efetua expropriações. Neste sentido, nós da USI e da UIT-QI afirmamos, categoricamente, que não tem existido expropriações como tal, nem poucas, nem “muitas”, como anseia a LIT-QI. Em todas as experiências, incluída a única com controle operário sobre a produção que existiu na Venezuela, o caso de Sanitários Maracay, dirigida por companheiros da USI e C-CURA, ou a emblemática reestatização de Sidor, o governo sempre se opôs. Quando se viu pressionado a estatizar acabou pagando ou se comprometen-do a pagar pelo seu “justo preço” os bens reestatizados. Desconheceu as organizações sindicais e os convênios coletivos de trabalho, entregando os cargos de condução das empresas para uma burocracia que tem como missão liquidar as conquistas e direitos dos trabalhadores e colocá-las a serviço da acumulação originária de capital da nascente chavo-burguesia.

É bom esclarecer que as “esta-

os direitos dos trabalhadores ao eliminar os sindicatos e desconhecer os contratos coletivos de trabalho. (Revista Correio Internacional-Lit-CI-Abril 2011). Também é de conhecimento público nossa po-sição programática, resumida no jornal “Voz de los Trabajadores” N° 12, de outubro de 2010, onde defendemos a “… expropriação aos grandes grupos econômicos sem indenização, resolvidas em con-sultas democráticas e garantindo o fiel cumprimento das cláusulas dos convênios coletivos. Rejeitamos a forma como tem sido executadas as estatizações por parte do governo, que nada tem a ver com um critério operário e socialista”. A LIT-QI esconde esta declaração com o fim de deturpar nossas posições.

Além dessa deslealdade intelec-tual, típica de pequeno-burgueses sectários que procuram gerar falsas polêmicas descontextualizando ci-tações incompletas, esclarecemos, frente aos trabalhadores e jovens revolucionários latino-americanos e do mundo, qual é o verdadeiro conteúdo por detrás das supostas “expropriações” desenvolvidas pelo governo venezuelano.

Trabalhadores da fábrica Agroislena fizeramgreve contra a expropriação (2010)

“expropriações” de Chávez Nelson Gámez • Unidad Socialista de Izquierda

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41

Venezuela

tizações” do último período (2010) sempre tiveram como objetivo político “extorquir” aos empresários oposito-res para que cessem com os confron-tos ou adiram às políticas de governo. Não é casual que o Grupo Cisneros, um dos principais promotores do golpe fascista de 2002, e hoje estreito colaborador do governo, não é alvo das compras forçadas e até se favoreça com as supostas expropriações, já que foram eliminadas várias empresas que lhe fazia concorrência.

Controle operário?

A LIT-QI acredita que a melhor política para confrontar o governo não passa por rejeitar as compras forçadas, inconsultas, liquidadoras dos direitos dos trabalhadores, mas, sim levantar as bandeiras de lutar por “muitas ex-propriações sob controle operário”. Esquecem ou desconhecem nossos polemistas, que também a formulação revolucionária de “expropriação sem indenização e sob controle operário”, que a maioria das correntes trotskis-tas defendemos, igualmente tem sido pervertida pelo chavismo. Analisemos o caso das empresas básicas (alumí-nio, ferro e aço) localizadas na região oriental do país, onde o governo e a burocracia “roja-rojita” (vermelha-vermelhinha) constituíram os “Co-mitês de Controle Operário”. Esses “comitês de controle operário”, aos quais nos opomos frontalmente, nada têm a ver com a tradição marxista. Pior ainda, foram os dirigentes desses organismos os que se encarregaram de testemunhar contra Rubén Gonzalez, dirigente de Ferrominera, acusando-o de “associação para delinquir” por ter dirigido uma greve em defesa dos direitos dos trabalhadores. Gonzalez foi sentenciado a sete anos de prisão, mas graças à categórica resposta do movimento sindical, o governo teve que retroceder e libertá-lo.

No caso da Siderúrgica Alcasa, presidida por Elio Sayago, que faz parte do Conselho de Redação do jornal Marea Socialista (reivindicado pelo MES/PSOL), a empresa esteve paralisada por 40 dias pela exigência dos trabalhadores de pagamento de passivos laborais e cumprimento às cláusulas do Convênio. Em 27 de abril, Sayago, depois de uma prolongada crise por falta de investimentos estatais

e corrupção declarou publicamente a “Emergência operativa e financeira da empresa”. Para completar o desastre, os dirigentes do “controle operário” acabam de introduzir uma demanda penal contra os sindicalistas e trabalha-dores que participaram na paralisação, por “obstaculizar” o livre direito ao trabalho. Esse é o lamentável papel de cúmplices da traição que cumpre a “esquerda chavista”.

Defender os direitos dos trabalhadores não significa apoiar os empresários

Utilizando uma lógica simplista, a LIT-QI chega à conclusão de que, ao nos opormos às expropriações chavistas, respaldamos aos empresá-rios. Tão estapafúrdia dedução não merece maiores comentários, salvo para destacar a notável coincidência com os argumentos utilizados, contra nossa corrente, pelos setores chavistas de esquerda que reivindicam “mais expropriações” e “controle operário” aos moldes chavistas.

Dizemos aos trabalhadores e à vanguarda lutadora que acompanha com interesse o que acontece na Te-rra de Bolívar, que os revolucionários só temos uma trincheira, desde onde defenderemos até o fim os direitos dos trabalhadores. Por conseguinte, repudiamos e enfrentamos toda ação que atente contra eles e suas genuínas organizações, mesmo disfarçadas como “rojo-rojito” chavista.

Defendemos aos trabalhadores do Grupo Polar, não ao empresário, porque o governo necessita derrotar aos trabalhadores para que não sejam uma referência para os demais setores do movimento sindical. O presidente Chávez não aceita que existam trabal-hadores que graças aos seus sindicatos e a suas lutas gozem de convênios coletivos e tenham salários superiores aos petroleiros. Este é o problema de fundo que ocultam os chavistas de esquerda, e agora a LIT-QI, contri-buindo com a confusão na vanguarda, alimentando falsas expectativas numa direção hostil à classe trabalhadora, como é o chavismo.

Maquiando a sujeira

A USI e a UIT-QI sempre foram partidárias, e consequentes, na luta

pelas expropriações sem indenização e sob controle operário, só que não vamos nos deixar confundir pela fra-seologia oca do chavismo. Partimos da definição leninista de que a política é concreta, o que obriga aos revolucio-nários a não atuarem com base em esquemas pré-estabelecidos ou fazer fetichismo de fórmulas políticas ou organizativas, sem nos deter a pensar no contexto político.

No caso de Venezuela, nos defron-tamos com uma distroção do marxis-mo para iludir a classe trabalhadora utilizando discursos inflamados, mas absolutamente falsos. Chávez fala de “controle operário”, mas reprime, manda para cadeia e condena a quem dirija uma greve. Fala de “soberania”, mas pactua com o governo colombia-no de Santos a entrega de militantes de esquerda. Faz discursos “anti-imperialistas”, mas legitima a ditadura hondurenha pró-imperialista para que seja reconhecida pela OEA. Fala de “democracia participativa do povo” ao tempo que apoia as ditaduras do Egi-to, Líbia e Síria. Se autoproclama um “governo operário”, mas desconhece os sindicatos, não negocia convênios coletivos e mantém os aumentos de salário abaixo da inflação.

Petróleo 100% venezuelano

Mas, o que realmente preocupa na postura da LIT-QI é que ao final de sua exposição não se coloca como a tarefa do momento a defesa da so-berania total do estado venezuelano sobre o petróleo e as empresas básicas hoje ameaçadas pela implementação das empresas mistas que permitem até 40% da propriedade às multina-cionais.

A USI defende à morte a luta contra a desnacionalização. Propo-mos o fim das empresas mistas, a expropriação das multinacionais e que 100% dos ingressos petroleiros e mineiros sejam utilizados para a educação, a saúde e a geração de em-prego digno. Lutamos para que haja um controle operário revolucionário como o que já exerceram os petrolei-ros entre dezembro de 2002 e janeiro de 2003, do qual participaram nossos militantes, sem controle nem direção chavista, para resgatar a empresa das mãos do imperialismo e a burguesia opositora golpista.

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Estados Unidos

Acrescente revolução árabe serviu, até certo ponto, como inspirado-ra para alentar milhares de trabal-

hadores a saírem às ruas. Tanto foi assim, que em Wisconsin se despregaram faixas chamando à insurreição popular ao estilo do Egito contra o governador Republicano Scott Walker, que impul-sionou uma nova lei anti-sindical que proíbe aos funcionários públicos terem direito à negociação dos contratos cole-tivos. Sob esta lei, lhe serão descontados 5,8% de seus salários para um fundo de pensões e uma mensalidade de 12,6% para o seguro médico. Os Estados Uni-dos é o único país industrializado sem um sistema de saúde pública e gratuito. Alguns programas de saúde recebem

subsídios como o Medicaid, para pes-soas de escassos recursos ou o Medicare para idosos. Este sistema de bem-estar (welfare state) surgiu ao calor das lutas do século passado, mas no presente estão sendo liquidados.

Walker e um grupo de políticos re-publicanos nos estados do médio oeste (midwest) impulsionam um plano cujo fim é debilitar os sindicatos e recortar serviços básicos. Por sua vez, Obama, em aliança com os republicanos, aplica políticas de austeridade desde o governo federal. A outra frente de luta operária é pela derogação das leis racistas e contra os imigrantes. O governo avança com a perseguição e as deportações dificultan-do a organização e a luta dos imigrantes por seus direitos laborais. Por isto os tra-balhadores e os estudantes de Wisconsin tomaram essa luta como própria.

Em muitos estados, os sindicatos dos servidores públicos estão na mira dos republicanos e da patronal. Ao final

A rebelião sindicalde Wisconsin

Estados Unidos

A grande mobilização iniciada

o passado 14 de fevereiro,

colocou em evidencia os

ataques à classe trabalhadora

e os passos que ela está dando

para defender seus direitos. Nos

primeiros dias de março 100.000

pessoas se mobilizaram. Pode-se

falar de um antes e um depois

deste processo em Wisconsin.

Agora muitos estados levantam

a bandeira do “espírito de

Wisconsin”, como símbolo de

luta e solidariedade frente às

novas leis anti-sindicais e os

recortes de orçamento. O centro

da rebelião foi a cidade de

Madison que tem uma tradição progressista e de esquerda desde a década dos 60.

Por Emmanuel Santos •Socialist Core • EE. UU.

Ocupação do Capitólio de Winsconsin

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43

Estados Unidos

de março o governador republicano de Ohio, John Kasich, promulgou a lei Senate Bill cinco o SB5 que terá conse-qüências ainda piores, segundo comenta The New York Times de 31/03/2011. A nova lei elimina a negociação coletiva para todos os funcionários públicos in-cluindo bombeiros e policiais, que não tinham sido afetados em Wisconsin, e, além disso, proíbe as greves. A boa noticia, é que em Ohio os trabalhado-res também estão lutando contra essas retaliações. Até nos estados do sul, onde os sindicatos são mais débeis, sente-se o impacto de Wisconsin.

Em Wisconsin, a direita fez sentir seu poder político e econômico visando desarticular as massas mediante contra-protestos “cívicos” encabeçadas pelo ultra-direitista Tea Party. Mas a direita não conseguiu repelir as multitudinárias manifestações de enfermeiros, professo-res, estudantes e outros trabalhadores do serviço público. O mesmo aconteceu quando o governador Walker deu a ordem para os policiais reprimirem as manifestações. Ao contrario, se uniram aos protestos. Isto configura um fato inédito num país onde o garrote policial contra os trabalhadores combativos era normal nos anos 20 e 30, as décadas de maior auge da luta operária. A repressão teve de se restringir aos bairros pobres de latinos e afro-americanos.

Solidariedade operáriaversus burocracia sindical

Wisconsin marcou um antes e um depois na luta sindical norte-americana. Foi um grande passo dos trabalhadores que inspirou a milhares de lutadores na maioria dos 50 esta-dos a repudiar os recortes e as leis anti-sindicais. Entre os manifestantes que ainda continuam na luta, estão trabalhadores de vários sindicatos, imigrantes de diferentes nacionali-dades, desempregados, estudantes universitários e militantes da esquerda. A rebelião sindical demonstrou que este país não está imune à luta de classes desmistificando a propaganda anti-operária da burguesia. Desde há mais de 30 anos, a imprensa burguesa levanta o argumento de que a classe trabalhadora é pro-capitalista e por tanto defenderia o sistema a qualquer custo. Simplesmente, cometeram o erro de subestimar as massas.

A rebelião sindical em Wisconsin

foi a continuação das lutas operárias e populares em Guadalupe, Grécia, França e os países Árabes. Em Wis-consin aconteceu como em muitos outros lugares do mundo onde aflo-rou a espontaneidade das massas. Ao final acabou se convertendo numa contundente resposta à crise que as-sustou à burguesia. Desta forma, os trabalhadores deram um duro golpe à burguesia e à burocracia sindical da Federação Americana de Empregados Estatais, de Condados e Municípios, a AFL-CIO*

Um dos setores mais combativos de Wisconsin foram os professores. Chamaram os enfermeiros a se incor-porarem à luta o que obrigou a burocra-cia a se opor a esta tática. Mas ao final tiveram que ceder. Simultaneamente, o dia 4 de abril, a AFL-CIO viu-se obrigada a organizar o Dia Nacional de Solidariedade com Wisconsin. Foi um ato simbólico já que os burocratas não se comprometeram a dar continuidade à luta nas ruas.

Seus aliados democratas armaram um show mediático para botar a cul-pa nos republicanos. Num primeiro momento não assistiram para votar a lei anti-sindical devido à pressão das bases. Mas finalmente pactuaram com os republicanos e votaram pela lei. Nesse sentido, a demagogia política e o oportunismo do Partido Democrata ficaram evidentes ao despachar ao reverendo Jesse Jackson a Wisconsin a colocar em jogo seu prestigio para desarticular a luta.

Entretanto, os democratas também colocam em prática seus planos de recortes. Em New York, o governa-dor Andrew Cuomo, do partido do presidente Obama, anunciou recortes bilionários no novo orçamento, que afetará os precários serviços da saúde e da educação. A resposta da gente foi imediata. Inspirados na luta de Wis-consin e o Médio Oriente, professores, trabalhadores da saúde, desempregados e estudantes universitários tem saído a protestar nas ruas desde o mês de fe-vereiro. Os trabalhadores e estudantes estão dando a batalha, organizando marchas e protestos populares em lo-cais centrais e bairros operários.

Na Califórnia, segundo Los Angeles Times de 10/01/2011, os recortes na saúde e a matricula universitária vão em aumento como parte do plano orçamentário do novo governador

democrata Jerry Brown. Na Califórnia, o movimento estudantil está bem arti-culado e alem demais existe um forte movimento pro - imigrantes. Nesse estado viveu um momento chave de solidariedade de classe quando os portuários do sindicato ILWU Local10 paralisaram suas tarefas por 24 horas. Por sua ousadia e combatividade, atual-mente enfrentam uma ação legal.

A luta continua

Até hoje, a lei anti-sindical tem ficado sem efeito de aplicação graças à rebelião popular. Um juiz a declarou ile-gal. Agora sua aprovação definitiva ou sua derogação depende do Congresso. Nesse sentido, a decisão final fica nas mãos dos democratas e republicanos que poderiam chegar a um compro-misso em beneficio da patronal. Mas também existe a possibilidade de que as massas retomem a luta e dêem a batalha até derrotar a lei anti-sindical e o plano de austeridade.

De fato houve uma derrota parcial como resultado das manipulações da burocracia sindical e antidemocrática, como acontece em todas as partes do mundo. Quando vários sindicatos locais votaram por uma greve geral, a buro-cracia da AFL-CIO, desarticulou a luta e promoveu um referendo revocatório em contra do governador republicano. O referendum serviu só para desviar a luta. Os burocratas querem que os tra-balhadores se dêem por vencido e que se evapore toda a criatividade e energia que surgiu à luz deste processo.

Há que romper com os democratas e demais partidos da burguesia e lutar pelo direito à greve, pela negociação coletiva e pela defesa das conquistas da classe trabalhadora assim como também pela defesa do trabalhador imigrante, peça chave que serve para unificar e fortalecer o movimento operário norte-americano.

Wisconsin traçou o caminho a seguir. Só falta que os trabalhadores decidam sair a dar a batalha em contra o plano de austeridade e em defesa de seus direitos. Quando isso ocorrer, os trabalhadores terão presente os im-portantes avanços e lições da luta em Wisconsin.

* Federación Americana del Trabajo-Congreso de Organizaciones Industriales (AFL-CIO) ligada al Partido Demócrata.

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44

AlemAnhA

Ofamoso “boom alemão” atual, ou seja, o enrique-cimento de sua economia

capitalista acontece à custa do empo-brecimento dos demais países e de sua política de super exploração da classe operária. Isto se manifesta especial-mente com as novas leis de demis-sões, com as que se impõe o medo a ficar sem emprego, e o congelamento relativo dos salários (é o país europeu onde menos têm sido atualizados os salários nos últimos dez anos). Além disso, aumentou sua capacidade pro-dutiva com a utilização de últimas tec-nologias, destruindo toda a indústria antiga, semelhante ao que aconteceu no Japão após da Segunda Guerra

“Porque decidimos nos incorporar à UIT-CI”

Mundial. Também Alemanha está ganhando muitíssimo dinheiro com as taxas de juros dos empréstimos que realiza a outros países com a condição de que seja utilizado para comprar... da Alemanha! Um exemplo disto é o vergonhoso caso da Grécia, país que atravessa uma brutal crise econômica. Alemanha emprestou dinheiro, mas com a condição que a Grécia compre tanques, um submarino e aparelhos bélicos alemães.

A respeito da desigualdade social, poderíamos dizer que o Muro de Berlin ainda existe em termos “ideo-lógicos”, visto que existe uma consi-derável diferença entre os salários dos trabalhadores de Alemanha Oriental e Ocidental. Também existem significa-tivas diferenças entre os ingressos que recebem os trabalhadores alemães nativos e os imigrantes. Enquanto que o governo e os capitalistas festejam pelo “milagre” alemão, o custo de vista da população continua aumen-tando.

Outro dado representativo da si-tuação social é que cada vez é menor a quantidade de pessoas que votam. Existe 40% de abstenção nas eleições nacionais e federais, chegando até 70% em algumas prefeituras. Um caso anedótico aconteceu na cidade de Weinhein, no sul de Frankfurt, que tem em torno de 40 mil habitantes. Houve um único candidato, visto que ninguém queria se postular. Votou

30% dos eleitores. E foi eleito com 35% desses votos, ou seja, está gover-nando com votos de menos de 20% da população.

Por ultimo, tanto no movimento estudantil como na classe trabalha-dora, desde 2010 estão acontecendo lutas e mobilizações isoladas, ainda que numerosas. Houve uma marcha dos estudantes muito grande, e neste momento há uma greve dos trabalha-dores ferroviários em Stutgart com grandes mobilizações nas quais par-ticipou a esquerda e a população da cidade, contra um projeto do governo local que ninguém quer e o prefeito ordenou reprimir as mobilizações violentamente.

Sobre o KRD

Nós participávamos do movi-mento estudantil iniciado em Viena em 2009 contra a privatização da educação, que foi capitalizado e domi-nado por um movimento anarquista. Houve passeatas de 100 mil estu-dantes em diversas cidades. Depois começaram a cair. Vimos que não fomos capazes de ganhar muitos estu-dantes deste movimento, porque não tínhamos a estrutura necessária para fazê-lo. Daí nasceu a ideia que pre-cisávamos formar uma organização, visto que até então éramos somente um coletivo de pessoas. Concluímos que não bastava ser um núcleo de

Durante sua visita à Argentina

nos primeiros dias de março,

entrevistamos o companheiro

Kosaro, membro do KRD (Comité

pela Democracia de Conselhos)

da Alemanha, organização

aderente da UIT-CI, quem

nos relatou alguns aspectos

da situação do seu país e do

agrupamento. Isto é o que nos

disse:

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AlemAnhA

intelectuais leninistas, mas que havia que levar os conceitos leninistas de organização partidária à pratica. As-sim fomos formando o KRD.

Discutimos bastante qual seria nosso nome. Não podíamos nos chamar “comunistas”. Queríamos nos diferenciar do Partido Comunis-ta porque na Alemanha se identifica imediatamente com o estalinismo da Alemanha Oriental. Também devía-mos evitar nos chamar de “socialis-tas” visto que a palavra socialismo sempre foi mal utilizada tanto pelos estalinistas quanto pela socialdemo-cracia. Por isso escolhemos usar o término “Räte”, que significa con-selho, sinónimo de “soviete”. Assim nasceu nosso nome: K por comitê, R por conselhos e D por democráti-co. A palavra democracia também é importante, porque significa que não estamos dispostas a aceitar nenhum tipo de burocracia.

O grupo está formado especial-mente por jovens. Existem muitos companheiros que tem algum tipo de experiência, por ter militado em organizações trotskistas. Alguns romperam com o mandelismo e outros estivemos no morenismo, organizando o apoio à Brigada Internacional Simón Bolívar criada por Nahuel Moreno em 1979 para lutar contra Somoza na revolução nicaraguense. Existe também uma

experiência com o grupo The Mi-litante, com quem militamos até 2002/2003. Desde esse momento temos um jornal na Internet cha-mado “Jornal da Esquerda” (www.linkezeitund.de) que tem em torno de 100 mil assinantes. Algumas ma-térias foram lidas 45 mil vezes.

Também, temos contato com a Liga Comunista Revolucionária Ja-ponesa (JRCL), que dirige o sindicato ferroviário de Doro-Chiba, cidade de meio milhão de habitantes. Por sua vez, eles têm contato com com-panheiros coreanos. Quando estive em Doro-Chiba como integrante da UIT-CI para levar nossa solidariedade aos ferroviários, me convidaram para ir até Coréia do Sul, e fui.

Temos conversado muito em torno de nossa adesão à UIT-CI. O que nos convenceu para fazê-lo é a possibilidade que nos brinda de nos organizar, de discutir democratica-mente as diferentes posições. Não se trata de ter acordo em tudo, mas sim no que é possível de acordar. Isto não é possível dentro de The Militante – que estão militando dentro do PC (tática chamada de entrismo) igual que a corrente de Tony Cliff – e por-que também nos afastariam de uma forma bastante burocrática. Existem outras organizações com as quais se poderia discutir, por ex. uma chamada V Internacional. Mas eles escolheram

o caminho de criar uma nova interna-cional sem explicar nada a ninguém. Pensamos que para conformar uma nova Internacional deve existir um momento histórico que decida que, definitivamente, a IV está acabada e obsoleta, como foi o caso dos crédi-tos de guerra com a II Internacional. Não vemos motivos que justifiquem que o trotskismo está historicamente acabado, todo o contrário, está mais vigente do que nunca.

Quando estive na Venezuela com a UIT-CI encontrei também com gente da LIT-CI. Mas não podemos concordar com uma organização tão sectária. Pelo contrário, na UIT-CI sim é possível dialogar. Tem posições muito coerentes, sensatas e fizeram um trabalho muito bom, como estamos também vivenciando na Argentina.

Nosso agrupamento é consciente da importância de pertencer a um partido leninista internacional. E a realidade é que a UIT-CVI conseguiu manter a tradição da Revolução de Outubro. É o melhor que há. Hoje, esta é uma das cinco tarefas estraté-gicas que nos colocamos. As outras são: conseguir entrar nos trabalha-dores imigrantes na Alemanha, com os sindicatos, dentro do movimento estudantil e impulsionar a luta contra a participação alemã na invasão do Afeganistão.

Manifestações multitudinárias, 1º de maio 2011, AlemanhaContundente greve do Metrô em Berlim

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Brasil

Nos dias 1 e 2 de Julho foi realizado na casa de Portugal, São Paulo, um Seminário

Sindical convocado pela Associação de Sindicatos Independentes “Unidos para Lutar” e C-CURA (Corrente Classista, Unitário, Revolucionária e Autônoma) da Venezuela. O objetivo foi discutir com lutadores e lutadoras do Brasil e de diversos países, os desa-fios do sindicalismo na atual etapa na América Latina.

Quase 300 companheiros(as) diri-gentes sindicais, ativistas de oposições, muitos deles em greve, responderam ao chamado. Destacamos a partici-pação de uma importante delegação internacional da Bolívia, encabeçada pelo dirigente da COB de Oruro Jaime Solares e pelo ex-coordenador da FE-JUVE de El Alto – La Paz, Carlos Ro-jas. Da Venezuela, o petroleiro Hector Rincón e o professor Universitário Mi-guel Angel Hernandez, acompanhados de uma delegação de três dirigentes da Johnson – Venezuela que acabavam de ganhar a direção do sindicato da empresa numa forte disputa com as

correntes governistas. Orlando Chi-rino, dirigente da C-CURA não pode participar por motivos de saúde, mas enviou uma carta saudando o encon-tro que foi lida na abertura. Após as saudações das diversas delegações e recepcionados, em nome da Unidos, os dirigentes Wellington Cabral, Marcos Soares e Rosi Messias deram início ao Seminário.

Um momento oportunoEste evento não podia ter sido

realizado em melhor momento. Ao compasso que explodem as revoluções e as lutas no mundo árabe e na Europa, mostrando que os povos se levantam, pois não estão dispostos a pagar o preço da crise capitalista, os ventos da rebeldia, ainda que em outro ritmo, começam a chegar ao Brasil.

Isso se refletiu na presença com-bativa dos grevistas das Universidades, com sua forte representação e suas palavras de ordem. E com a delegação dos bombeiros do RJ, que emociona-ram a platéia e fizeram com que todos se sentissem bombeiros, fazendo que

os cânticos e palavras de ordem desta heróica luta fossem entoados por todos os presentes.

Brasil não é Europa nem norte de África. Mas também aqui a presidente Dilma, do governo PT/PMDB, aplica um duro plano de ajuste, cortando 50 bilhões de reais do orçamento, afetando as áreas sociais, congelando o salário dos servidores públicos, privatizando hospi-tais e aeroportos, cortando direitos dos trabalhadores, entre outras medidas. E com só cinco meses de governo enfren-ta diversas crises de corrupção, com a queda de dois ministros e escândalos envolvendo o desvio de milhões de reais dos cofres públicos para enriquecer figuras do governo debilitando ainda mais a presidente Dilma que não tem nem o carisma, nem o histórico, nem a capacidade política do “padrinho”, o ex-presidente Lula.

Nesse marco, uma onda de greves marca uma mudança na situação. Pri-meiro foi a construção civil que, como rastilho de pólvora a partir de Jirau atingiu 170 mil operários que parali-saram os canteiros de obras do país,

Vitorioso Seminário Internacionaldo sindicalismo classista

Silvia Santos (Corrente Socialista dos Trabalhadores)

Dirigentes de diversas correntes sindicaisdebatem em mesa do seminário

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Brasil

afetando as obras do PAC, programa primordial do governo. Depois, a ful-minante greve dos trens paulistas, que durante 48 horas deixaram São Paulo parada. Finalmente, a heróica luta dos bombeiros, que pintou de vermelho a cidade do Rio de Janeiro colhendo um impressionante apoio da população e fez recuar o governo parcialmente, já que teve que anistiar os 492 bombeiros presos, ainda que a batalha pelo salário continue.

Mas professores, motoristas de ônibus, policiais civis e militares, en-fermeiras e agentes de saúde, médicos, servidores municipais, metalúrgicos, etc. param e se mobilizam em dezenas de estados e cidades mostrando a resposta da classe ao caos a que está levando esta política econômica. O destaque é que a grande maioria destas lutas está acontecendo por fora das direções go-vernistas (CUT, CTB, FS, etc.) passando por cima delas ou as obrigando a se colocar à frente.

Os painéis do sindicalismo latino-americano: Bolívia

O dirigente mineiro da COB Oruro Jaime Solares explicou que as nacionali-zações foram compra de ações e hoje as multinacionais continuam controlando a riqueza mineral e os hidrocarbonetos do seu país. Enquanto isso, o Presidente Evo Morales nega o aumento de salá-rios afirmando que não há dinheiro! O governo cooptou o sindicalismo, e o secretário Executivo da COB, Pedro Montes, se nega a convocar o Congres-so da Central. No entanto, relatou que as bases impuseram uma greve geral de dez dias, exigindo aumento salarial e a nacionalização do gás e do petróleo uma vez que Evo “traiu a agenda de Outubro, e cooptou o sindicalismo amarelo”. Finalizou afirmando: “O capitalismo não é saída. Devemos organizar uma alternativa política dos trabalhadores”.

Carlos Rojas, da Bolívia, assinalou que 76% da terra cultivável do país está nas mãos dos latifundiários. Relatou o levante de dezembro de 2010 contra o abusivo aumento da gasolina chamado de “Gasolinazo”. Frente às exigências das multinacionais, o governo aumen-tou 100% o preço, provocando uma revolta que teve como epicentro o popular bairro de El Alto, que já foi pro-tagonista principal das insurreições que

derrubaram os presidentes neoliberais Sanchez de Lozada e Carlos Mesa. O povo cantava: “ou recuam do aumento ou vão embora” questionando o poder do presidente Evo Morales, que vai se desgastando aceleradamente.

A experiência venezuelanaO segundo painel foi o da Vene-

zuela. Já na abertura, quando se fez um minuto de silêncio pelos companheiros assassinados na luta, em especial pe-los camaradas venezuelanos Richard Gallardo, Luiz Hernandez, Carlos Requena e outros, ficou claro que a criminalização das lutas é prática de todos os governos da América Latina. O petroleiro Héctor Rincón denun-ciou que “40 por cento da PDVSA pertence a multinacionais ianques, japonesas, iranianas e chinesas. Por isso exigimos que seja 100% estatal. As expropriações do governo Chávez viraram compras de empresas pelo valor de mercado para serem entregues aos “boliburgueses”, ou burgueses que crescem sob o amparo do governo. Nessas empresas os sindicatos são li-quidados; não existem convenções co-letivas, não há controle operário, mas operários controlados, e os conselhos são de gerentes pró-patronais”.

Miguel Hernandez declarou na sua intervenção que o PSUV que gover-na intervém nos sindicatos, compra dirigentes, persegue os lutadores con-seqüentes. No entanto, também na Venezuela as lutas crescem sendo que já houve 3 mil manifestações operárias e populares nos 6 primeiros meses de 2011. Frente à velha burocracia da CTV e a UNETE oficial, “formamos a FADESS (Frente Autônoma em De-fesa do Emprego, dos Sindicatos e do Salário) fazendo uma unidade de ação com dirigentes que estão rompendo com o governo.”

As diversas vozes do BrasilNo Painel sobre o Brasil, estiveram

representados tanto companheiros de Unidos, através de Pedro Rosa, coor-denador do Sintuff e dirigente da FA-SUBRA em greve, e Douglas Diniz da Unidos, quanto por diversos dirigentes representando as forças que compõem a Intersindical: Índio (Enlace); Celso Lavorato (CSOL); Pedro Paulo (APS) e Ederaldo (TLS).

Todos participaram ativamente

da construção do Conclat, fracassada pela política sectária, burocrática e autoproclamatória do PSTU. Pese à diversidade de enfoques e nuançes houve unanimidade em assinalar a necessidade da unidade da classe para enfrentar os ataques do governo e dos patrões. Houve consenso sobre o papel nefasto das direções da CUT, CTB, FS e outras centrais, todas elas cooptadas por verbas e cargos pelo governo Lula e agora Dilma. E todos concordaram na necessidade de apoiar e coordenar as lutas frente à traição das direções sindicais governistas.

Pedro Rosa (Sintuff - Unidos) enfa-tizou a necessidade de desenvolver um sindicalismo combativo, unitário, demo-crático e autônomo. “Nas lutas, novos ativistas estão surgindo, que não tem referência na CUT e no PT, são mais abertos e lutadores, passam por cima de qualquer burocrata. Por isso nossa primeira tarefa é ajudar para que as lutas triunfem, para que se consolidem estes novos dirigentes, para coordenar a solidariedade, para unificar”. .

Em todos os painéis, foi aberta a participação dos presentes. Foram re-latadas diversas experiências também de outros países que enriqueceram o Seminário. Da Argentina, Edgardo Reynoso, dirigente ferroviário, rela-tou que os petroleiros da província de Santa Cruz fizeram uma greve e derrotaram a burocracia, enquanto os professores do mesmo estado acabam de protagonizar uma longa greve de 55 dias, duramente reprimida pelo governo falsamente chamado de “progressista” de Cristina Kirchner. O professor Alvaro Saumeth, da Colômbia, relatou a heróica resis-tência dos professores do seu país, que resistem a repressão violenta do governo Santos e dos paramilitares. Karl Kosaro, da Alemanha, relatou sua participação nas marchas dos Indignados na Grécia.

Finalizados os painéis, foi aprova-da uma declaração que entre outras coisas define: “Estamos num período favorável para as mobilizações indepen-dentes da nossa classe... devemos atuar para ajudar a coordenar essas lutas, levar solidariedade e ajudar para que sejam vitoriosas em toda parte... na batalha por construir uma nova direção sindical independente e autônoma dos patrões e dos governos...”

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Brasil

No dia 15 de julho, se reuniram várias entidades do movimento sindi-cal e social do Vale do Paraíba, SP, no salão de assembléias do Sindicato dos Químicos, por iniciativa desta entidade. Participaram os Médicos de São José dos Campos que estão em luta, o Sin-dicato dos Químicos, da Alimentação, dos Municipais de Jacareí, Vidreiros, Petroleiros, Metalúrgicos, Previdenciá-rios, ADMAP, Central de Movimentos populares, Oposição APEOESP, Movi-mento ambientalista, UNIDOS pra Lutar e Conlutas.

Após discutir a rica realidade mun-dial de crise econômica e lutas, e seus reflexos no Brasil com os ataques do governo Dilma, assim como do governo do PSDB em SJC e no Estado, e as greves que pipocam no país, todos os setores

presentes apontaram a necessidade de unificar as lutas, unidade que deverá acontecer com todos os que queiram lutar, independente de filiação a qual-quer central, associação ou federação.

A tarefa mais importante que foi en-caminhada foi o apoio às lutas em curso, sobretudo dos médicos, a mais longa da região, luta espontânea que passou por cima da direção do sindicato que não queria comprar a briga. Mas também da greve do setor de cargas dos condutores, da luta na Mars da alimentação, de várias empresas dos vidreiros, dos aposentados, etc. Como forma de unificar e divulgar as reivindicações será realizado um jornal unificado de todas as categorias presen-tes para ser distribuído nas bases e nas atividades públicas.

A luta dos médicos é contra a

terceirização das UPAs e Hospitais pú-blicos. Os sindicatos contribuirão com a divulgação do abaixo-assinado, im-primindo adesivos e uma carta aberta à população. As entidades se somarão ao ato dos aposentados. Foi incorporada a luta por moradia e a defesa do Banhado e do meio ambiente.

O principal objetivo é participar das greves em curso e as que virão, para fortalecê-las, quebrar o isolamento e contribuir para a sua vitória. Este fórum de lutas ou frente de lutas da região ainda não tem nome, mas o en-tendimento dos participantes é que a realidade urge para unir cada vez mais todos os que lutam contra o governo e contra os patrões, ampliando o número de sindicatos, oposições e entidades participantes.

Movimento Sindical do Vale do Paraíba se une para fortalecer suas lutas

Os técnicos administrativos das Universidades Federais estão em greve desde o dia 06/06. Ao todo 49 instituições aderiram ao movimento, após 5 meses de negociação com o governo Dilma, sem que este apresentasse nenhuma proposta de reajuste salarial.

Tal como os trabalhadores das obras do PAC, como Jirau e Santo Antônio, a greve das universidades só foi possível graças à forte pressão da base, contrarian-do a política e derrotando as manobras da direção governista da Fasubra (Tribo/CSD-CUT e CTB), que fizeram de tudo, mas não conseguiram impedir a greve.

A tônica da greve vem sendo dada pelos milhares de novos ativistas, recém-concursados, na maioria em estagio probatório, jovens entre 20 e 30 anos que com muita coragem enfrentam as velhas

direções pelegas. Uma forte e lutadora vanguarda, que tem sido decisiva na greve e nas assembleias, impede as ma-nobras da burocracia. Assim foi possível derrotar o golpe dos governistas que tentaram suspender a Greve, mesmo sem nenhuma proposta do governo, que nos chantageava dizendo que só negociaria se suspendêssemos o movimento.

A BASE disse não às manobras dos governistas e a maioria das assembleias votaram pela manutenção da greve. A burocracia perdeu em suas próprias ba-ses. Na UFRJ, os dirigentes da CUT e da Fasubra que defenderam contra a greve foram vaiados pelos trabalhadores que votaram massivamente pela continuidade da greve. Este exemplo se deu de norte a sul, na federal do Ceará ou na APURGS no Rio Grande. A resposta da base foi à

mesma: GREVE. Na UNB, também a base passou por cima da direção governista. Em várias universidades, como a UNIFESP e Santa Maria, as assembleias votaram a substituição dos delegados que haviam votado contra a decisão da base

Cresce o repúdio dos servidores pú-blicos à política de ajuste fiscal da presi-denta Dilma. Um governo subserviente ao grande capital, enfiado na lama da corru-pção, não tem moral e nem legitimidade para aprovar nenhum projeto que visa à destruição dos serviços públicos, como o PL 1749 que privatiza os hospitais univer-sitários e o 549 que congela o salário dos servidores por 10 anos.

A greve segue. E a partir de 1 de agos-to se somam os trabalhadores do SINASEF. Todo apoio à greves dos trabalhadores das Universidades Federais!

Uma jovem vanguarda lutadora tem sido a tônica da Greve das Universidades

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A deportação do exiliado políti-co e jornalista colombiano, Joaquin Pérez Becerra e sua entrega ao direi-tista governo colombiano de João Manoel Santos, provocou uma onda de repúdio da esquerda mundial, que inclui os Partidos Comunistas da Venezuela e do Brasil e de numero-sas organizações que se reivindicam bolivarianas.

A deportação é um escandaloso caso de violação aso direitos huma-nos. Desta forma, Chávez se rende aos pés do pro-imperialista governo da Colômbia.

Pérez Becerra foi capturado pelas autoridades venezuelanas no Aero-porto Internacional de Maiquetía o sábado 23 de abril, quando des-embarcou procedente de Frankfurt, Alemanha.

Becerra não é terrorista, nem membro das FARC, como os orga-nismos de inteligência e o governo da Colômbia querem nos fazer acreditar. Há mais de 20 anos teve que solicitar asilo político na Suécia para preservar sua vida e a de sua família, estando na qualidade de refugiado político nesse país desde 1994. O pedido de asilo teve o aval da União Patriótica (UP) e o Partido Comunista Colom-biano (PCC), partidos nos quais foi vereador no Município de Corinto, Departamento del Valle del Cauda. Também renunciou à nacionalidade colombiana e na atualidade possui a

nacionalidade sueca. É um dos dois únicos prefeitos sobreviventes, já que o resto foi assassinado por grupos paramilitares colombianos. Como cidadão sueco, junto com outros reconhecidos jornalistas, coordena a página de notícias alternativas ANNCOL, com sede na Suécia, pu-blicação que conta com a anuência do governo desse país.

Esta política de Chávez de entre-gar um refugiado político ao regime assassino de Santos violando acor-dos internacionais, incluindo o de asilo, demonstra seu duplo discurso. Entretanto fala de Socialismo do Século XXI, se rende à justiça da Colômbia.

Este fato provocou distancia-mento de diversas organizações de esquerda que até o momento apoiavam ao governo de Chávez. O PC brasileiro (PCB) assinalou: “mais que um erro é uma traição [...] Como um governo que se diz revolucionário pode entregar um militante de esquerda?” (Declaração do PCB, 26/4). O PC da Venezuela, aliado do governo, disse: “constitui um fato muito grave que não corres-ponde à legalidade vigente e muito menos aos princípios bolivarianos, revolucionários, anti-imperialistas ou socialistas “ (Declaração do Buró do PCV, 2/5). David Corrdor, diretor do Movimento Comunero Socialista Bolivariano da Colômbia (MSB),

assinalou que “as posturas fictícias de mudança e de transformação (do governo Chávez) são uma fraude ideológica”. No entanto para as Forças Bolivarinas de Libertação da Venezuela, a deportação de Becerra “significa uma alta traição aos pos-tulados e fins originais da Revolução Bolivariana” (declaração do 1º de maio de 2011).

O próprio governo de Chávez manifestou ante este fato que, desta forma, “ratifica seu compromisso inquebrantável na luta contra o te-rrorismo, a delinquência e o crime organizado em estrito cumprimento dos compromissos e da cooperação internacional, sob os princípios de paz , solidariedade e respeito aos di-reitos humanos”, legitimando dessa maneira os qualificativos com que o governo genocida da Colômbia e o imperialismo yanqui denominam as organizações insurgentes, sendo assim cúmplices da política de terro-rismo de Estado que se desenvolve na Colômbia há mais de meio século. A vida do jornalista Pérez Becerra corre perigo, porque na Colômbia não há garantias para a integridade e segurança dos lutadores. Chama-mos a mais ampla unidade de ação, recolhendo pronunciamentos de aqueles que defendam as liberdades democráticas, personalidades, orga-nizações políticas, sindicais, sociais, estudantis e de direitos humanos.

Juan Manuel Santos e Hugo Chávez Pérez Becerra ao ser detido na Venezuela

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