Correio APPOA 198 miolo · apesar dos estatutos epistemológicos específicos nas relações de...

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janeiro 2011 l correio APPOA .1 editorial. No fim do Império Romano do Ocidente, em 525 d.C., o abade de Roma Dionísio, o Exígo, baseado na informação sobre a idade de Roma desde a sua fundação e em detalhes históricos do período do nascimento de Cristo, estabeleceu o ano em que isto teria acontecido. Com esses dados, Dionísio definiu o ano 1 do calendário cristão como o ano 754 da fundação de Roma. Este calendário passou a ser usado pelos cristãos e ganhou maior importância com a reforma empreendida pelo papa Gre- gório XIII, em 1582, motivo pelo qual o calendário cristão ocidental é chamado de gregoriano. O papa Gregório XIII o instituiu, estabelecendo que os anos centenários divisíveis por 400 deveriam ser bissextos e que todos os demais anos centenários deveriam ser normais. Aos poucos, ele foi sendo adotado em toda a Europa. Hoje é válido em quase todo o mun- do ocidental e em partes da Ásia. O calendário gregoriano contém as da- tas oficiais da Igreja Católica, dos dias dos santos e festividades: dia do nascimento de Cristo é Natal e o 1º de janeiro, o Ano Novo, dia que marca a circuncisão de Cristo. “Quando se completaram os oito dias para ser circuncidado o menino, foi-lhe dado o nome de Jesus, que pelo anjo lhe fora posto antes de ser concebido” (Lucas 2:21).

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OA

.1

edito

rial.

No fim

do Im

pério R

oman

o do O

ciden

te, em 525 d

.C., o abad

e de

Rom

a Dion

ísio, o Exígo, basead

o na in

formação sobre a id

ade d

e Rom

a

desd

e a sua fu

nd

ação e em d

etalhes h

istóricos do p

eríodo d

o nascim

ento

de C

risto, estabeleceu o an

o em qu

e isto teria acontecid

o. Com

esses

dad

os, Dion

ísio defin

iu o an

o 1 do calen

dário cristão com

o o ano 754 d

a

fun

dação d

e Rom

a. Este calen

dário p

assou a ser u

sado p

elos cristãos e

ganh

ou m

aior imp

ortância com

a reforma em

preen

did

a pelo p

apa G

re-

gório XIII, em

1582, motivo p

elo qual o calen

dário cristão ocid

ental é

cham

ado d

e gregoriano. O

pap

a Gregório X

III o institu

iu, estabelecen

do

que os an

os centen

ários divisíveis p

or 400 deveriam

ser bissextos e que

todos os d

emais an

os centen

ários deveriam

ser norm

ais. Aos p

oucos, ele

foi send

o adotad

o em tod

a a Eu

ropa. H

oje é válido em

quase tod

o o mu

n-

do ocid

ental e em

partes d

a Ásia. O

calend

ário gregoriano con

tém as d

a-

tas oficiais da Igreja C

atólica, dos d

ias dos san

tos e festividad

es: dia d

o

nascim

ento d

e Cristo é N

atal e o 1º de jan

eiro, o An

o Novo, d

ia que m

arca

a circun

cisão de C

risto. “Qu

and

o se comp

letaram os oito d

ias para ser

circun

cidad

o o men

ino, foi-lh

e dad

o o nom

e de Jesu

s, que p

elo anjo lh

e

fora posto an

tes de ser con

cebido” (Lu

cas 2:21).

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po

log

ia d

o c

orp

o.

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2.

edito

ria

l.

A rep

etida om

issão dos católicos em

declarar o já sabid

o sobre a

origem ju

daica d

e Cristo e a su

rpresa d

e algun

s com a associação d

e

Jesus e a cin

cun

cisão, diz-n

os de u

m esq

uecid

o/recalcado traço n

a

virada d

o ano, m

arco de u

m n

ovo temp

o. Pois, não é in

disp

ensável ao

adven

to do n

ovo que algo d

o antigo seja recalcad

o? No caso, a “n

ova”

religião cristã não im

poria u

m esqu

ecido sobre a an

tiga religião jud

aica?

A cad

a final d

e ano a ten

são entre o in

édito e o p

assado se reatu

aliza

entre os su

jeitos. A ép

oca é, mais qu

e nu

nca, d

e divisões en

tre mem

órias

vívidas e a ren

ovação das ap

ostas no d

iferente; en

tre o que foi e ain

da

esperam

que será. Para algu

ns, o an

tigo é o que p

revalece nesta ép

oca,

dizen

do d

e um

velho qu

e se faz mais p

resente qu

and

o se trata da p

ers-

pectiva d

o novo. N

um

a espécie d

e reajuste d

o recalque, o N

atal evoca as

festas da in

fância e in

un

da d

e nostalgia p

elo temp

o que já se foi, en

-

quan

to que o R

éveillon se associa à eu

foria do n

ada d

ever, ao deixar

para trás o an

tigo.

Na d

imen

são do recalqu

e, portan

to, a med

ida en

tre o passad

o e o

futu

ro parece n

un

ca se ajustar: ou

bem a n

ostalgia do p

erdid

o, ou bem

a

euforia d

a soltura d

a dívid

a.

O recalqu

e, entretan

to, não é con

dição p

ara o novo, o qu

e o conceito

de ato an

alítico perm

ite dep

reend

er. Ele d

escortina o n

ovo a partir d

e

outra virad

a: a da p

osição do su

jeito dian

te do fan

tasma e d

iante d

os

significan

tes do O

utro.

A tem

ática do an

o de 2010 n

a AP

PO

A, sobre o ato an

alítico, seguirá

send

o em 2011 n

osso guia d

e estud

os. O C

ongresso d

a Con

vergência, em

2012, o qual a A

PP

OA

sediará – e terá com

o título “O

ato analítico e su

as

incid

ências clín

icas, políticas e sociais” – d

efine o p

rosseguim

ento em

torno d

o imp

ortante con

ceito.

O ato an

alítico é fun

dam

ental, d

entre m

uitas razões, p

or justam

ente

prop

orcionar a realização d

o verdad

eiramen

te inéd

ito, pois é d

a verd

ad

e

do su

jeito que se trata.

“Ap

enas, vejam

, o sujeito, d

igamos o an

alisante, n

ão é algo sem d

i-

men

são, sugerid

o pela im

agem d

o desen

ho. E

le próp

rio está no in

terior, o

sujeito com

o tal está já determ

inad

o e inscrito n

o mu

nd

o como cau

sado

por u

m d

etermin

ado efeito d

e significan

te.

O qu

e resulta d

isso é que n

ão falta mu

ito para qu

e a redu

ção a

um

a das situ

ações preced

entes seja p

ossível. Não falta, exceto p

elo se-

guin

te: que o saber, em

certos pon

tos que p

odem

certamen

te ser semp

re

descon

hecid

os, faz falta. E são p

recisamen

te esses pon

tos que, p

ara nós,

estão em qu

estão sob o nom

e de v

erda

de” (Lacan

, lição de 3/11/1967).

Feliz ano n

ovo de verd

ade!

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.5

temátic

a.

Ap

rese

nta

çã

o

Líg

ia V

ícto

ra1

Um

hom

em precisa adoecer

para ter acesso a um

a verdade dessa espécie.2

Em

Freud

como em

Lacan

temos qu

e o neu

rótico é ser feito de

lingu

agem.

Freud

consid

erava o ind

ivíd

uo com

o um

saco: um

a bola com u

m

espaço d

en

tro – o seu E

u – e u

m lad

o de fo

ra – o resto d

o mu

nd

o. Partes

bem d

elimitad

as e separad

as por u

ma p

ele, um

revestimen

to mais ou

1 Ligia Gomes Víctora é coordenadora dos Sem

inários de Topologia da APPOA.

2 Freud, 1915. Luto e melancolia.

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6.

tem

átic

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.7

temátic

a.

men

os perm

eável, que ad

mitia algu

mas in

tromissões, através d

o “siste-

ma p

erceptivo”.

Já Lacan

, com os recu

rsos da Top

ologia, utilizou

as sup

erfícies

un

iláteras para d

emon

strar como in

terior e exterior do fa

lasser se com

u-

nicavam

. Estavam

em con

tinu

idad

e e isto pod

ia ser dem

onstrad

o com a

band

a de M

œbiu

s.

Para a Psicanálise o corp

o do su

jeito é pred

omin

antem

ente im

aginá-

rio, mas tem

seu n

úcleo real e su

as imp

licações simbólicas. E

le se apre-

senta e se relacion

a através dos sign

ificantes.

Du

rante o an

o de 2010, o S

emin

ário de Top

ologia da A

PP

OA

estud

ou

algum

as questões d

o corpo físico e p

sicossomático qu

e nos in

trigam. E

sta

sessão temática traz algu

ns d

estes temas d

a lógica desta su

perfície

un

ilátera, mu

ltidim

ension

al, estranh

a e comp

lexa que é a carap

aça do

fala

sser.

Este n

úm

ero do C

orreio teve a particip

ação de tod

os os integran

tes

do S

emin

ário de Top

ologia da A

PP

OA

.3

3 Participantes do seminário de Topologia em

2010: Ana Cristina Teixeira, Elisabeth Sudbrack, Felipe Pimentel, Gilson Firpo,

Maria Beatriz Kallfelz, M

anuela Lanius, Maria Rosane Pereira, M

ary Georgina Boeira da Silva, Ricardo Vianna Martins, Ricardo

Pires, Silvana Lunardi, Sílvia Carcuchinski Teixeira, Sonia Mara Ogiba, Sueli Souza dos Santos, Susana Saenger, Thales de

Abreu, Verónica Pérez. Coordenação: Ligia Víctora.

Co

nsid

era

çõ

es s

ob

re p

sic

an

ális

ee

a d

or d

ita fís

ica

e c

rôn

ica

Ela

ine S

taro

sta

Fo

guel

I. A n

ec

essid

ad

e d

a fo

rma

çã

o d

e u

m c

on

ce

itop

sica

na

lítico

de

do

rA

estrutu

ra da p

sicopatologia p

sicanalítica p

ode ser p

ensad

a de d

ois

mod

os não exclu

den

tes: prim

eiro, através das estru

turas freu

dian

as da

neu

rose, psicose, p

erversão e, consequ

entem

ente, em

segun

do lu

gar, o

que p

oderá ser con

struíd

o da relação d

o Su

jeito com o seu

objeto. Essas

estrutu

ras distin

guem

a psican

álise da p

siquiatria e d

as psicoterap

ias e,

apesar d

os estatutos ep

istemológicos esp

ecíficos nas relações d

e objeto

em Freu

d e em

Lacan, n

ão parece h

aver, na p

sicanálise, n

ada m

ais fun

da-

men

tal do qu

e essa constru

ção: recalque, foraclu

são, den

egação e qual a

relação de d

esejo do S

ujeito com

seu objeto, isto é, com

o o Su

jeito goza

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8.

tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

nessa relação. C

abe aind

a afirmar qu

e, na relação com

essa psicop

atologia

fun

dam

ental, a d

or atravessa todas as estru

turas: n

ingu

ém está livre d

ela.

Essa p

sicopatologia é, ao m

esmo tem

po, a m

ais geral e a mais

irredu

tível; se o psican

alista dela se extravia, acaba p

or se desviar p

ara

outro cam

po, p

or exemp

lo, para a p

siquiatria, p

ara a antrop

ologia, para a

literatura, p

ara a filosofia, ou m

esmo p

ara o que Lacan

(1971-1972) den

o-

min

ou d

e pior: a p

sicoterapia.

Isso leva também

a outra qu

estão fun

dam

ental d

a investigação p

si-

canalítica, qu

and

o o analista p

esquisa u

ma clín

ica que faz in

tercessão

com u

m con

ceito que n

ão é psican

alítico em si m

esmo, n

o caso aqui, as

dores crôn

icas. A p

ergun

ta que se im

põe n

esses casos é se há n

ecessidad

e

do p

sicanalista estu

dar a esp

ecificidad

e desses cam

pos – e p

arece que

esses estud

os efetivamen

te ocorrem – e, acim

a de tu

do, d

e que m

odo esse

outro con

hecim

ento m

odu

la a escuta d

o analista: as alegrias e os p

erigos

do con

hecim

ento esp

ecializado.

O segu

nd

o question

amen

to leva ao fun

dam

ental qu

e é a pesqu

isa

sobre dor n

a encru

zilhad

a entre as evid

ências d

a clínica sob tran

sferên-

cia e a constru

ção de u

m con

ceito de d

or no cam

po p

sicanalítico; a arti-

culação an

alítica da d

or busca fu

nd

amen

tar essa clínica qu

e talvez seja a

ún

ica, den

tre as que se p

ropõe a tratar d

or crônica, qu

e não se p

ropõe a

extirpar u

m sin

toma atacan

do-o d

iretamen

te.

II. Na

seq

üê

nc

ia, e

sse tra

ba

lho

en

um

era

sete

co

nsid

era

çõ

es so

bre

psic

an

álise

e d

or

Prim

eira

co

nsid

era

çã

o: to

da

do

r é re

al

Há u

m d

up

lo sentid

o nessa frase; o p

rimeiro, m

ais prosaico, m

ostra o

corte entre a p

sicanálise e algu

mas p

ráticas bioméd

icas: assim com

o não

du

vida d

a angú

stia, o psican

alista tamp

ouco d

uvid

a da d

or. O ou

tro sen-

tido d

iz respeito à con

sideração d

a dor n

os registros real, simbólico e

imagin

ário: a dor é u

ma afecção (L

aland

e, 1999)1 qu

e invad

e desd

e a

dim

ensão real e se estabelece fora d

o corpo sim

bólico da lin

guagem

. Nu

m

circuito p

ulsion

al mortífero ela torn

a-se objeto do gozo d

o Ou

tro que n

ão

se subord

ina à cad

eia significan

te.

(...) ao contrário, a dor provoca o grito, o gem

ido; a palavra aí não

tem efeito. A

dor de longa du

ração altera o laço social, modifica as

relações com o m

un

do. A relação do S

ujeito com

seus objetos vaci-

la, produzin

do angú

stia, ansiedade, irritação, tristeza, estran

heza.

O corpo, n

a dimen

são de organism

o, é sentido com

o um

Ou

tro cor-po, descon

hecido, com

o qual n

ão se pode mais con

tar como an

tes

(Foguel, 2004, p. 98-99).

A d

or é um

Ou

tro que goza n

o corpo d

e alguém

; é falada n

a terceira

pessoa: ela m

e acordou

, ela me p

egou d

e novo, ela n

ão me d

eixa em p

az.

Para a psican

álise a dor é u

ma afecção real in

dep

end

entem

ente d

e haver

ou n

ão lesão de tecid

o; dessa form

a, mesm

o se a posteriori o tratam

ento

analítico tiver con

struíd

o relações de rep

resentação sim

bólica entre d

or e

Su

jeito, e a dor d

esaparecer, ela terá sid

o real. Isso é, mesm

o que tiver

sido p

rovocada p

or fenôm

enos d

e iden

tificação, a dor n

ão pod

e ser vista

como ou

irreal ou im

aginad

a.

Se

gu

nd

a c

on

sid

era

çã

o: a

do

r crô

nic

a é

ob

jeto

da

pu

lsã

o d

e m

orte

Qu

al a metap

sicologia da d

or? Qu

al a econom

ia libidin

al da d

or?

“A d

or crônica é sin

toma p

ara a med

icina. Porém

, para a p

sicanálise, ela é

1 Nota: o uso da palavra afecção na definição de dor encontra apoio no vocabulário de Lalande; a definição do verbete rezaque dor é “Um

dos tipos fundametais de afecção. Im

possível de definir, sendo o seu conceito um estado psíquico sui generis

de que apenas se podem investigar as condições m

entais e fisiológicas.” (p. 275) Já o verbete afecção do mesm

o Vocabu-lário é m

ais específico: “Todo o movim

ento da sensibilidade, [especialmente no sentido de prazer e dor], que consiste num

am

udança de estado provocada por uma causa exterior. Este m

ovimento pressupõe a existência de um

a tendência, mas não

se confunde com ela. [...]” (p. 32).

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10.

tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

prim

ordialm

ente u

ma afecção n

o real do corp

o, que se organ

iza como

comp

ulsão à rep

etição” (Foguel, 2004, p

. 97-98). Em

1925, no an

exo C à

Inibição, S

intom

a e An

gústia, Freu

d afirm

a que [a d

or] “atua com

o um

estímu

lo pu

lsional con

tínu

o, frente ao qu

al perm

anecem

imp

otentes as

ações mu

sculares, em

outros casos eficazes, qu

e subtrairiam

do estím

ulo

o lugar estim

ulad

o” (1925/1996, p. 159).

2 Essa afecção d

olorosa torna-se

objeto da p

ulsão, in

gressa em u

m circu

ito de rep

etição.

Ora, o objeto d

or, nesse n

ível de rep

etição, se torna u

m objeto d

o gozo

da p

ulsão d

e morte (N

asio, 1997), imp

licand

o um

a busca d

e satisfação

mais além

do p

rincíp

io do p

razer.

Tal circuito p

ulsion

al mortífero se faz bastan

te aud

ível na qu

eixa dos

profission

ais bioméd

icos ind

ignad

os com a falta d

e adesão d

os seus p

aci-

entes aos tratam

entos: os p

acientes p

arecem ad

erir à dor, ao m

órbido, e

nem

semp

re por qu

e isso interessa ao in

stinto d

e sobrevivência, com

o no

exemp

lo do m

end

igo citado p

or Freud

(1914),3 e com

o querem

provar os

passavan

tes do ben

efício secun

dário cad

a vez que o p

aciente se recu

sa a

colaborar com o tratam

ento d

ado p

elo méd

ico, isto é, quan

do h

á dem

an-

da d

e tratamen

to, mas n

ão há d

esejo de alteração d

a cond

ição de d

oente.

Também

é imp

ortante observar qu

e se o fenôm

eno d

oloroso se orga-

niza n

o circuito d

a pu

lsão de m

orte, as tentativas d

o analista d

e trabalhar

na referên

cia do p

rincíp

io do p

razer – por exem

plo, in

terpretar ou

inter-

vir a partir d

a idéia d

e que a d

or é um

a realização do d

esejo sexual -

pod

erá prod

uzir u

m p

éssimo efeito: in

dign

ação, culp

a, angú

stia, reação

terapêu

tica negativa, e m

esmo aban

don

o do tratam

ento.

Te

rce

ira c

on

sid

era

çã

o: A

do

r está

su

bo

rdin

ad

a

à s

ign

ifica

çã

o fá

lica

Na d

or não h

á significação u

niversal qu

e regule o seu

valor para tod

a

a hu

man

idad

e; o valor que ela tem

é para cad

a um

e dep

end

e das d

iferen-

ças da sin

gularid

ade h

um

ana, m

as também

das leis d

a cultu

ra: por exem

-

plo, n

a civilização urban

a ociden

tal, com d

iferenças region

ais, a dor d

o

parto é d

esagradável e d

eve ser evitada; já em

certos lugares d

a África a

dor d

o parto é esp

erada com

o um

mom

ento d

e vivência esp

ecial da p

as-

sagem à m

aternid

ade; é u

ma d

or desejad

a e significativa n

a contin

uid

ade

da lin

hagem

matern

a. O an

tropólogo D

avid Le B

reton4 (1995) relata o caso

de d

esrealização e dep

ressão de u

ma m

ulh

er africana qu

e deu

à luz com

anestesia p

eridu

ral nu

ma m

aternid

ade n

a França; com

o não sen

tiu as d

ores

do p

arto, se consid

erou fora d

a linh

agem d

e sua tribo, e sem

acesso à

matern

idad

e de seu

próp

rio filho. D

e mod

o que a ten

dên

cia a evitar a dor,

que p

ode p

arecer óbvia e até instin

tiva no ser h

um

ano, n

ão escapa à cas-

tração: a aproxim

ação de cad

a Su

jeito ao fenôm

eno d

oloroso é regulad

a

pela sign

ificação fálica.

As evid

ências an

tropológicas d

as diferen

ças entre sign

ificações cul-

turais n

a dor ilu

min

am a in

cidên

cia da castração n

as cultu

ras, mas n

ão

devem

desviar o an

alista do cam

po d

a escuta esp

ecificamen

te analítica.

Pois essas comp

reensões cu

lturais, qu

e pressu

põe u

m sign

ificado referi-

do a u

ma m

anifestação, a u

m com

portam

ento, a u

m sin

toma, são in

com-

patíveis com

a escuta an

alítica; o que está em

jogo no tratam

ento p

sica-

2 Freud. Inhibición, síntoma y angustia. Addenda C (1925/1996, p. 159). “Tam

bién acerca del dolor es muy poco lo que

sabemos. He aquí el único contenido seguro: el hecho de que el dolor – en prim

er término e por regla geral – nace cuando um

estímulo que ataca em

la periferia perfora los dispositivos de la protección antiestímulo y entonces actúa com

o um estím

ulopulsional continuado, frente al cual perm

anecem im

potentes las acciones musculares, em

otro caso eficaces, que sustraeríandel estím

ulo el lugar estimulado”.

3 Freud. O estado neurótico comum

(1914, p. 448) “Um operário, que com

sua capacidade ganha sua vida, vem a sofrer um

am

utilação num acidente ocorrido durante o trabalho. Esse hom

em, assim

aleijado, não pode mais trabalhar; porém

, afinal,consegue um

a pequena pensão por invalidez e aprende como explorar sua m

utilação pedindo esmolas. Seu novo, em

borapiorado, m

eio de vida se baseia justamente naquela m

esma coisa que o privou de seu m

eio de vida anterior. Se os senhorespudessem

pôr fim à sua m

utilação, poderiam fazer, inicialm

ente, com que ele ficasse sem

seu meio de vida; surgiria então

a questão de saber se ele ainda seria capaz de retomar seu trabalho anterior. No caso das neuroses, o que corresponde à

semelhante exploração secundária de um

a doença pode ser descrito como ganho secundário da doença em

contraste com o

ganho primário”.

4 Le Breton, 1995. “Mais la anesthésie dans des circonstances où l’individu s’attend à souffrir, suscite parfois des attitudes

insolites visant à rétablir malgré tout la scansion douloureuse qui m

anque à l’expérience”. p. 168. [Mas a anestesia nas

circunstâncias em que o indivíduo espera sofrer suscita por vezes atitutes insólitas visando restabelecer, apesar de tudo, a

escansão dolorosa que falta à experiência].

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rre

io A

PP

OA

.13

co

rre

io A

PP

OA

l jan

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12.

tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

nalítico d

a dor, assim

como em

toda a an

álise, é a estrutu

ra desejan

te, o

recalque p

rimário d

e cada u

m. Por isso, é cen

tral consid

erar que cad

a um

constrói su

a antrop

ologia singu

lar, isto é, a cada u

m a con

strução d

e seu

próp

rio fantasm

a e sua p

rópria relação ín

tima e sin

gular d

e significação.

Qu

arta

co

nsid

era

çã

o: A

do

r é m

od

ula

da

pe

lo m

ito in

div

idu

al

do

ne

uró

tico

Essa con

sideração está n

a sequên

cia imed

iata do qu

e se falou acim

a;

pod

e-se dizer qu

e a relação de gozo com

a dor im

plica qu

e o Com

plexo d

e

Éd

ipo, as op

erações de falta e a castração sim

bólica sejam p

rivilegiadas

semp

re, e cada an

alisante d

eve reconstru

ir em p

alavras sua versão, sem

-

pre d

e acordo com

sua p

rópria in

terpretação, d

o mito fam

iliar que o su

s-

tenta.

Qu

inta

co

nsid

era

çã

o: A

dire

çã

o d

o tra

tam

en

to

va

i do

sin

tom

a m

éd

ico

pa

ra a

ne

uro

se

de

tran

sfe

rên

cia

A d

or crônica n

ão é a priori o sin

toma an

alítico que estará em

jogo na

neu

rose de tran

sferência. O

psican

alista não sabe, n

o início d

e qualqu

er

tratamen

to, quais sin

tomas e articu

lações simbólicas e im

aginárias en

-

tram n

o sofrimen

to de algu

ém qu

e dem

and

a um

a psican

álise; a crença a

priori d

e que a d

or física semp

re represen

ta algo pod

erá desen

camin

har a

análise p

ara a busca in

cessante d

e um

sentid

o, que leva à fixação d

o

analisan

te e do an

alista no sin

toma m

édico, im

ped

ind

o tanto a en

trada

em an

álise, quan

to o aparecim

ento d

e outras form

ações do in

conscien

te

ao longo d

o tratamen

to.

Se

xta

co

nsid

era

çã

o: a

do

r rep

rese

nta

a d

or

“Qu

anto a u

ma su

posta rep

resentação qu

e a dor p

oderia ter an

tes da

entrad

a em an

álise, só pod

emos afirm

ar que a d

or represen

ta a próp

ria

dor ao m

esmo tem

po em

que se refere à d

or próp

ria. Nesta m

esma lin

ha,

a dor jam

ais é interp

retada p

elo imagin

ário do an

alista. Não h

averia um

substrato ético p

ara tal ato” (Foguel, 2004, p

. 102) que con

du

ziria a um

increm

ento d

o gozo. En

tão, a direção d

o tratamen

to que se p

ropõe é bas-

tante con

servadora e clássica, n

a qual o an

alista não se d

eixa fascinar

pelo sofrim

ento qu

e foi respon

sável pela d

eman

da d

a análise, sem

, no

entan

to, ignorá-lo. M

esmo p

orque, os sin

tomas são sobred

etermin

ados.

Esp

era-se também

nesses casos, n

os quais a p

essoa chega à p

sicanálise

imersa n

a dor física crôn

ica, que o an

alista prod

uza a p

ossibilidad

e para

que ela fale d

e si, além e aqu

ém d

a dem

and

a que a m

otivou.

tima

co

nsid

era

çã

o: a

qu

ina

de

mo

er c

arn

e

e o

mo

inh

o d

e p

ala

vra

s

O d

iagnóstico exigid

o para o tratam

ento m

edicam

entoso d

as dores

crônicas tran

sforma-se em

um

a verdad

eira crença religiosa através d

a

míd

ia, dos am

bulatórios m

édicos, d

as perícias d

o INS

S, e através d

a

consequ

ente id

entificação im

aginária d

o pacien

te ao seu lu

gar de d

oente.

Dessa form

a, se crê que os fibrom

iálgicos sofrem d

e ansied

ade e d

epres-

são, que os p

ortadores d

e L.E.R

.5 p

enam

pelo m

un

do carregan

do su

a ex-

clusão p

recoce do am

biente d

e trabalho; e qu

e os incap

acitados p

ela

cefaléia crônica têm

por h

ábito passar seu

s dom

ingos e feriad

os nas em

er-

gências d

os hosp

itais em bu

sca de u

m p

ouco d

e morfin

a. A p

alavra do

Su

jeito, sob a forma freu

dian

a de associação livre fica exclu

ída d

estas

avaliações e dos tratam

entos d

aí decorren

tes.

Os arau

tos da p

ós-mod

ernid

ade d

ivulgam

que, em

suas u

rbes desen

-

volvidas, o m

ito ind

ividu

al do n

eurótico ten

de a d

esaparecer, ju

ntam

ente

com as m

utações acelerad

as da sign

ificação do falo n

a subjetivid

ade d

as

novas gerações. É

necessário avaliar com

cautela se isso se verifica n

a

clínica d

e cada u

m n

o Brasil. Pois p

or aqui, os am

bulatórios d

e qualqu

er

clínica p

sicanalítica d

os órgãos pú

blicos e as clínicas sociais d

as institu

i-

5 Lesão por esforço repetitivo.

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OA

.15

temátic

a.

co

rre

io A

PP

OA

l jan

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14.

tem

átic

a.

ções de p

sicanálise n

ão consegu

em d

ar conta d

a fila de esp

era dos qu

e

dem

and

am u

ma p

sicanálise. E

os que ch

egam p

ara um

tratamen

to aind

a,

são na su

a maioria, n

euróticos.

E se o efeito in

sidioso d

a cultu

ra do con

sum

o nu

m p

aís subd

esenvol-

vido age com

o um

a máqu

ina d

e moer carn

e, tanto n

a esfera do trabalh

o,

quan

to na esfera sexu

al, entre ou

tras, a prop

osta do S

emin

ário I de Lacan

(1975), de qu

e a análise faça fu

ncion

ar um

moin

ho d

e palavras, con

tinu

a

bem atu

al, prod

uzin

do efeitos ad

miráveis.

Re

ferê

nc

ias B

iblio

grá

fica

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po Psicanalí-tico, 2002, p. 73-86.

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NASIO, Juan-David. O livro da dor e do amor. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

A to

po

log

ia d

a d

or1

Lig

ia G

om

es V

ícto

ra

O qu

e cham

o de sin

toma é aqu

ilo que é an

alisável.(Lacan

, 1958)

Intro

du

çã

oO

Isso fala através da d

or. Não im

porta d

e ond

e ela parta, n

ão imp

or-

ta se é real, simbólica ou

imagin

ária. Se a d

or pu

der se fazer “sign

ificante”

– então ela é an

alisável.

Não h

á, que eu

saiba, estud

os sobre a Topologia d

a dor d

esde o p

onto

de vista p

sicanalítico, em

bora haja m

uitas obras d

e psican

alistas e psicó-

logos sobre o tema d

a dor. C

omo situ

á-la nas in

stâncias R

. S. I.? E

m qu

e a

topologia p

ode n

os auxiliar n

este camp

o?

1 Este texto é transcrição do Seminário de Topologia da APPOA de 16/04/2010”.

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11

16.

tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

Um

parên

tese: pen

sei inicialm

ente em

estud

armos a Top

ologia da

dor p

orque cad

a vez mais recebem

os pessoas qu

eixosas com d

iagnós-

ticos (às vezes são autod

iagnósticos) d

e dores crôn

icas: fibromialgia,

enxaqu

eca, hip

eralgesia, T.P.M., L

.E.R

., etc.. Tal como n

os temp

os de

Freud

(só que agora com

livre acesso a med

icamen

tos mod

ernos com

o

antid

epressiv

os e pod

erosos analgésicos) elas v

êm, m

uitas v

ezes en-

camin

had

as por m

édicos, d

epois d

e experim

entar d

e tud

o para am

ai-

nar su

a dor. E

ntão, o “d

oente” ch

ega, sentin

do-se traíd

o, desen

ganad

o

e desesp

erançoso, p

ois sonh

ava com

um

a cura ráp

ida p

or pílu

las

mágicas.

Mu

itos destes fu

turos an

alisantes qu

e iniciam

sua an

álise com esta

trajetória (dep

ois de terem

passad

o por d

iversos exames, in

tervenções e

especialistas) qu

eixam-se d

e que os m

édicos n

ão acreditam

em seu

sofri-

men

to, que d

uvid

am d

a veracidad

e ou d

a gravidad

e de seu

s males, tira

n-

do

-os p

ara h

istéricos. E

m p

aralelo, vemos atu

almen

te mu

itas “Clín

icas

da d

or” e inú

meros com

erciais de m

edicam

entos, qu

e – igual às p

ropa-

gand

as de R

eligiões – prom

etem ser a Pan

acéia. Exem

plos: “V

ocê não

merece sofrer p

or tanto tem

po”. “Tom

ei Doril e a d

or sum

iu”. “Festa? B

om

En

gov pra você!”. “A

zia? Esssssstom

azil!”

O n

ó b

orro

me

u d

a d

or

O sofrim

ento de dor con

tínu

a é um

a vivência de desam

paro radi-cal. O

fantasm

a vacila (...). O corpo, n

a dimen

são de organism

o, é

sentido com

o um

Ou

tro corpo, desconh

ecido, com o qu

al não se

pode mais con

tar como an

tes (Foguel 2004).

Em

nossos sem

inários, já tem

os utilizad

o a garrafa de K

lein p

ara com-

preen

der a estru

tura d

o “corpo h

istérico”, assim com

o a sup

erfície de B

oy

para os ad

olescentes e su

jeitos “afanisad

os”, e aind

a o toro para os

psicóticos. E

stes ma

nifo

lds p

odem

nos ser ú

teis para tratar d

os escond

e-

rijos da d

or no corp

o, mas, a m

eu ver, u

m estu

do d

a Topologia d

a dor

2

seria, na verd

ade d

entro d

a Teoria dos n

ós, e passaria n

ecessariamen

te

pela cad

eia borromean

a, para se com

preen

der com

o se articula a d

or com

a teoria do gozo em

Lacan e com

o conceito d

e pu

lsão em Freu

d.

Con

forme ap

resentad

a por Lacan

(1974) a figura d

os três nós ap

lana-

dos d

elimitam

os espaços d

os gozos: fálico (G. F) – en

tre Sim

bólico e

Real; gozo d

o Ou

tro (G.O

.) – entre R

eal e Imagin

ário; e do S

entid

o – entre

Imagin

ário e Sim

bólico.

A d

or está ligada d

esde os p

rimeiros m

omen

tos da vid

a hu

man

a à

falta. A p

rimeira gran

de d

or, ao nascer é, sem

vida, a sep

aração do

corpo m

aterno, p

rimeira m

orada e sím

bolo de segu

rança, bem

estar e ple-

nitu

de.

Freud

(1893), a respeito d

a dor relatou

o caso da Frä

ulein

Elizabeth

Von

R., su

a pacien

te que sofria d

e um

a hip

eralgesia persisten

te no m

ús-

culo d

a coxa. Este texto

3 (vale a pen

a ler ou reler) traz o relato d

as prim

ei-

ras sessões psican

alíticas e de com

o Freud

inven

tava e ao mesm

o temp

o

aperfeiçoava su

a técnica. O

ra com, ora sem

hip

nose, ele “d

esembaraçava

o material p

síquico p

atogênico cam

ada p

or camad

a” – em su

as próp

rias

palavras – com

paran

do a escavar u

ma cid

ade soterrad

a. Tratava-se d

e

um

caso claro de h

isteria, pois a p

aixão da Frä

ulein

pelo cu

nh

ado “d

oía”,

literalmen

te. Com

o disse Freu

d, eram

três irmãs e som

ente d

ois cun

ha-

dos! Lacan

4 comen

tou a resp

eito deste caso d

e Freud

:

Su

a dor no m

úscu

lo direito da perna é o desejo de seu

pai, e odesejo de seu

amigo de in

fância, qu

e cada vez que ela o evoca n

a

história de su

a enferm

idade é o mom

ento em

que ela estava in

tei-

2 Sub-temas que deveriam

ser mais bem

investigados dentro deste estudo (não vamos dar conta disto aqui) seriam

, pelom

enos: o gozo do hipocondríaco e suas relações com o gozo do Outro; estados alterados da consciência pela dor; dor

fantasma (em

mem

bros amputados); sadom

asoquismo e suas relações com

a pulsão de vida e de morte.

3 Caso clínico 5. O. C. Vol. II.

4 Seminário As form

ações do inconsciente. Lição 20, 23/04/1958. (Versão PDF: p. 778).

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11

18.

tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

ramen

te subm

etida ao d

esejo de seu

pai, d

eman

da d

o pai... (L

acan

1958).

A d

or era o sintom

a da falta, n

o corpo d

esejante d

e Elizabeth

.

Mais tard

e, Freud

(1925)5 se p

ergun

taria, afinal, qu

al a diferen

ça en-

tre dor e an

gústia? O

que d

ói em cad

a um

a? A d

or, segun

do ele, seria a

reação a um

a perd

a verdad

eira, enqu

anto qu

e a angú

stia seria o med

o da

perd

a. Qu

anto à d

or física e psíqu

ica, Freud

que ad

orava etimologia, ob-

servou, en

tão, que, em

suas raízes, o m

esmo term

o (Lat.: do

lus, d

olere) é

utilizad

o para d

or e luto. – O

que faz o bebê d

e 10 meses qu

and

o aparece

um

rosto descon

hecid

o? Ele d

emo

nstra

do

r. Mas, n

a verdad

e, isso não

seria an

gústia

? Em

alemão isto faz sen

tido p

orque o term

o an

gst significa

med

o e também

insegu

rança, an

siedad

e, apreen

são. Em

portu

guês d

iría-

mos: – E

le estran

ha

. Ou

tro significad

o latino d

e estran

ha

r é “sentir falta”.

Afin

al – “Qu

and

o a separação p

rovoca angú

stia, luto, ou

é apen

as dor?”

Freud

6 mu

ito tentou

defin

ir o que era d

o camp

o da an

gústia e o qu

e era da

dor física m

esmo. C

omo sep

arar um

a seara da ou

tra, se a dor é u

ma rea-

ção norm

al peran

te as perd

as? Ele m

esmo d

isse que n

ão havia n

enh

um

a

persp

ectiva de resp

ond

er a estas pergu

ntas.

Da m

esma form

a, min

has ten

tativas de d

elimitar qu

ais dores p

erten-

ciam ao cam

po d

o gozo do O

utro, qu

ais eram d

a alçada d

o gozo fálico, e

quan

do tin

ham

a ver com a p

ulsão d

e vida ou

com a d

e morte restam

até

agora incon

clusivas. Ten

tei fazer um

grafo que ficou

tão confu

so quan

to

o grafo cham

ado p

or Freud

(1895)7 d

e Qu

ad

ro esq

uem

ático

da

sexua

lida

-

de: su

as setas são camin

hos qu

e se cruzam

, se abrem e d

epois se reen

con-

tram. E

m tod

o caso, apresen

to min

has p

esquisas até aqu

i – ped

ind

o já

descu

lpas, p

ois são apen

as hip

óteses.

O g

ozo

da

do

r

O corpo se in

troduz n

a econom

ia do gozo (...) pela imagem

. No

prolongam

ento do gozo do O

utro, é a an

gústia qu

e invade o corpo

(Lacan 1974).

Em

Lacan, a d

or e o gozo estão interligad

os: além d

a sensibilid

ade

que d

esperta tod

a um

a excitação no corp

o, há u

m gan

ho secu

nd

ário na

man

ipu

lação da fam

ília, dos am

igos, e até do m

édico. M

as, que gozo seria

este? – “O qu

e eu ch

amo d

e gozo, no sen

tido em

que o corp

o experim

enta,

é semp

re da ord

em d

a tensão, d

o esforço, do gasto, e in

clusive d

a proe-

za”. (Lacan. 1966. p

. 95)

No sem

inário “A

s relações de objeto”, Lacan

(1956-57) defin

iu a d

or

como sen

do o sofrim

ento p

ela falta do objeto – seja ela real, sim

bólica ou

imagin

ária. Ch

amou

atenção p

ara o fato de, em

bora todas se tratarem

de

perd

as necessárias n

a relação do su

jeito com o m

un

do, assim

como te-

mas cen

trais em u

m tratam

ento p

sicanalítico, elas n

ão são equ

ivalentes.

Ao lon

go deste sem

inário, Lacan

dem

onstrou

as diferen

tes classes de fal-

tas com a tabela d

as relações de objeto: a d

or real seria um

a privação – a

perd

a por m

orte ou sep

aração do objeto am

ado. A

dor im

aginária

correspon

deria à op

eração de fru

stração em relação à p

erda d

o seio da

mãe; e fin

almen

te a dor sim

bólica à castração do falo im

aginário.

5 In: Addenda C: Ansiedade, dor e luto. Vol. 20.

6 V. também

, sobre a dor: Projeto para uma Psicologia científica. [Freud 1895]

7 In: Cartas a Fliess. Rascunho G.

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20.

tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

Figura 1: Q

uad

ro do sem

inário “A

relação de objeto e as estru

turas

freud

ianas”

8

Pai

Falta

Fa

lo D

or

Agen

te: O

pera

ção

: O

bje

to:

Corresp

on

de a

:

RS

IC

astra

ção

(pai “rea

l”)(d

ívid

a sim

bólic

a)

(falo

imagin

ário

) (d

or sim

bólic

a)

SI

RFru

stração

(mãe sim

bólic

a)

(dan

o im

agin

ário

(seio)

(dor im

agin

ária

)

no c

orp

o)

IR

SP

rivação

(pai d

a “rea

lidad

e”)(b

ura

co rea

l)(filh

o)

(do

r real)

Priva

çã

o: a

do

r pe

trifica

da

A dor in

vade o corpo como gozo O

utro; é u

ma afecção sem

nom

e,n

ão se subordin

a à cadeia significan

te, ao contrário, a dor provoca

o grito, o gemido; a palavra aí n

ão tem efeito. O

gozo do Ou

tro não

se subordin

a à castração e a dor não se in

clina fren

te às leis da

lingu

agem (Fogu

el 2004).

A “d

or real”9 à qu

al se referia Lacan (1956)

10 é a falta d

o ob

jeto rea

l,

ou seja: d

a ordem

da p

rivação de algo ou

de algu

ém am

ado, qu

e reviveria

a separação d

o corpo d

a mãe n

o nascim

ento. “A

privação é u

m bu

raco”,

disse ele, en

tão. E ch

amava aten

ção para a d

iferença qu

e Freud

fez entre

o fenôm

eno ou

acontecim

ento d

e fato (Wirk

lich

keit), e a m

atéria pri-

mitiva (S

tuff), qu

e seria a “realidad

e orgânica” d

a dor – qu

e é como os

méd

icos geralmen

te tratam o corp

o hu

man

o. Pois, para a P

sicanálise, a

referência ao orgân

ico respon

de som

ente a u

ma “n

ecessidad

e de segu

-

rança”, d

isse Lacan, en

tão. Só p

odem

os intervir com

a palavra – o ato

psican

alítico opera som

ente via-sign

ificante. E

ntão, com

o pod

emos op

e-

rar mu

dan

ças na d

or Real? “ – Tu

do se rem

ete, em ú

ltima in

stância, a

coisas que talvez saibam

os algum

dia: à m

atéria prin

cipal qu

e está na

origem d

e tud

o”11.

Lacan (1959)

12, em

seu sem

inário sobre a ética, bu

scou n

a mitologia

outra im

agem d

a dor: a n

infa D

aph

ne qu

e – cansad

a de tan

to fugir p

or

não su

portar a p

aixão de A

polo – p

ede a seu

pai (Pen

eu, o d

eus d

o rio)

que a livre d

e seu sofrim

ento. E

ele a transform

a em árvore... A

do

r petri-

ficad

a – d

isse ele. E se p

ergun

ta – qual será o lim

ite da d

or? Um

a questão

que n

os fazemos m

uita vez em

nossa clín

ica. E com

o pod

emos “tratar” as

dores cau

sadas p

or lesões, as dores ósseas, m

uscu

lares, ou d

ecorrentes d

e

tum

ores, etc. – as assim ch

amad

as dores físicas d

e origem o

rgân

ica? Cer-

to, elas se localizam n

o corpo R

eal: pod

em ser até rad

iografadas. M

as

também

têm su

as interseções d

e gozo: nas fron

teiras com o S

imbólico,

carregam u

m gozo fálico in

egável – os “doen

tes” pod

em se qu

eixar e

analisar o qu

e delas faz sign

ificante. Por se situ

arem tam

bém n

o real do

corpo, p

rovocam u

m gozo d

issimu

lado, d

e man

ipu

lação do am

biente – o

gozo do

Ou

tro, como ch

amou

Lacan. N

a interseção d

o Real com

o Ima-

ginário, é sem

-sentid

o, sem p

alavras – pois qu

e fora do S

imbólico: in

clu-

sive está fora do alcan

ce do P

ha

llus, o d

ito significan

te organizad

or da

rede. Por n

ão passar p

ela fala, é mu

ito dificilm

ente in

terpretável em

um

a psican

álise.

8 Modificado pela autora.

9 Sempre lem

brando que nesta época do ensino de Lacan o conceito de Real como entendem

os hoje ainda estava por serform

ulado.

10 Seminário A relação de objeto. Lição de 12/12/1956.

11 Idem. Lição 2, 28/11/1956. Versão PDF: p. 467.

12 A Ética da Psicanálise. Lição 5. 16/12/1959. Versão PDF: p. 1067.

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tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

Assim

também

é a dor p

sicossomática. O

corpo d

o sujeito p

sicos-

somatizad

o “revela o nom

e próp

rio do su

jeito” (Lacan 1975). V

eem-se as

pistas p

elo corpo, m

as elas não são claras, p

recisam ser d

ecifradas. C

on-

forme o D

SM

-IV, o Tran

storno S

omatoform

e é a presen

ça de m

últip

los

sintom

as físicos que n

ão são comp

letamen

te explicad

os por u

ma con

di-

ção méd

ica geral, nem

efeitos diretos d

e um

a substân

cia ou tran

storno

men

tal. Den

tre eles, o Tran

storno d

e Som

atização provoca lesões d

e ór-

gãos no corp

o, com sin

tomas m

últip

los e preju

ízos significativos n

a vida

social e laboral do p

aciente. E

ntão, em

que categoria p

odem

os inclu

ir a

dores d

itas psicossom

áticas? Serão reais? Im

aginárias com

efeitos reais?

Sim

bólicas com certeza n

ão são, pois o p

aciente n

ão consegu

e associar

nad

a sobre sua d

or. Às vezes, à gu

isa de associação, vem

como qu

e um

eco para tap

ar a falta, e ele, para n

os conten

tar, diz coisas p

rontas ou

repete h

olofrases: “é de fam

ília”, “dizem

que foi rad

iação”, ou ou

tra “des-

culp

a” qualqu

er – talvez para n

ão se sentir cu

lpabilizad

o por seu

próp

rio

sofrimen

to. As qu

eixas do an

alisante, n

este caso, não rem

etem à su

a his-

tória: tud

o é explicad

o den

tro da m

edicin

a. Ele p

arece não ter saíd

a – só

lhe resta resign

ar-se. É n

este sentid

o qu

e enten

dem

os o gozo do

psicossom

ático como con

cernen

te à pu

lsão

de m

orte.

Esta im

possibilid

ade d

e represen

tação decorre d

o que Lacan

(1964)

cham

ava de fa

lha

epistem

osso

tica: a hip

ótese dele é qu

e entre S

1 e S2

haveria u

ma lacu

na e algo se p

erde, fica exclu

ído d

a cadeia sign

ificante.

É o qu

e eu ch

amo d

e um

“erro lógico”13. A

li haveria u

ma região à qu

al não

se tem acesso p

ela lingu

agem, logo n

em p

ela mem

ória, por Isso n

ão há

associações possíveis e fica d

ifícil de ser in

terpretad

a. Estes sin

tomas re-

sistem à p

sicanálise. Ficam

como u

m resto – ou

rastro – do R

eal que p

er-

siste, mesm

o dep

ois de u

ma vid

a inteira d

e divã. O

analista fica im

po-

tente d

iante d

e um

a fala vazia – seria este um

dos lim

ites da a

na

lisibilid

ad

e

ou d

as possibilid

ades d

a interp

retação, a que se referiu

Freud

(1925).

Fru

straç

ão

, a d

or im

ag

iná

ria

O h

omem

está capturado pela im

agem de seu

corpo. Se o h

omem

não tivesse o qu

e se cham

a de corpo (...) não estaria profu

ndam

en-

te capturado pela im

agem desse corpo. O

corpo ganh

a seu peso

pela via do olhar (...) A

maioria – m

as não tu

do – o que o h

omem

pensa se en

raíza ali (Lacan 1975).

Na fru

stração, segun

do Lacan

(1964), a problem

ática da falta se refe-

re a um

dan

o, um

a lesão ou u

m p

rejuízo: “– A

frustração é em

si mesm

a o

dom

ínio d

as exigências d

esenfread

as e sem lei.”

14 A

frustração refere-se à

falta de algo qu

e se deseja e n

ão tem, n

em terá n

enh

um

a possibilid

ade d

e

havê-lo! A

o contrário d

a “dor real” vista an

teriormen

te, a dor im

aginária

é abun

dan

te em associações – e tem

mu

itíssimas cau

sas – semp

re por

culp

a dos ou

tros é claro.

A fru

stração é a dor d

a inveja d

o falo, a inveja d

as coisas dos ou

tros –

por qu

e o gramad

o do vizin

ho é sem

pre m

ais verde?! N

a raiz da fru

stra-

ção, estaria o desm

ame: a p

erda d

efinitiva e d

olorida d

o seio que se sep

a-

rou e n

ão voltou m

ais à boca do bebê – e esta d

or será repetid

a a cada

“não” fu

turo. E

sta dor tem

um

ganh

o imed

iato pela fala: logo o gozo fálico

é eviden

te. Para comp

reend

ê-la melh

or, pod

emos observar as con

versões

histéricas. S

obre estas, semp

re há m

uita h

istória a contar. O

analisan

te

pod

e discorrer h

oras e horas d

e análise associan

do sobre seu

mal-estar,

que – in

dep

end

ente d

e ter ou n

ão alterações de órgãos d

e fato – vai sem-

pre ser a p

ior dor d

o mu

nd

o. Com

o está inserid

a na cad

eia de sign

ificantes,

a dor im

aginária seria m

ais facilmen

te analisável, d

igamos.

Penso qu

e um

bom exem

plo seriam

os ciúm

es entre irm

ãos – cuja

cena d

e S. Tom

ás de A

quin

o, criança, con

temp

land

o o irmão recém

-nas-

cido n

o peito d

a mãe é em

blemática e foi citad

a por Lacan

em d

iferentes

13 Sobre isto, L. Víctora, Afânise. Revista da APPOA. No 31, 2006.

14 Seminário A relação de objeto e as estruturas freudianas. Lição de 12/12/1956. Versão PDF. pág.468.

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tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

mom

entos d

e sua obra. A

dor d

a reivind

icação, das d

eman

das in

finitas e

do d

esdém

por u

m objeto cobiçad

o que n

un

ca se alcançará (– E

u n

em

qu

eria a

qu

ela “M

”!). A cabeça in

chad

a pelo tim

e que p

erdeu

... e aind

a

por cim

a a tristeza pela vitória d

o adversário. É

também

a dor d

a perd

a

do objeto vivo: a d

or-de-cotovelo p

or um

roman

ce desfeito, a d

or profu

n-

da d

e ser traído – d

a qual tan

to escutam

os relatos em n

ossa clínica – d

e

como d

ói fisicamen

te a raiva, o ódio, o ran

cor... E qu

e, mu

itas vezes, faz

efeitos no corp

o orgânico, n

outras é p

ura d

or.

Qu

and

o Lacan (1956) tratou

das três form

as de falta d

e objeto15, fez

questão d

e distin

guir m

uito bem

a privação d

a frustração. É

preciso en

ca-

rar a frustração, p

ara que a p

rivação seja, de algu

ma form

a, simbolizad

a.

Se ficar ten

tand

o tapar o fu

ro do corp

o do O

utro – ele está n

o real – resta-

rá ind

efinid

amen

te alienad

o da con

sciência d

o sujeito.

Ca

straç

ão

e d

ívida

simb

ólic

as

O

sintom

a é o significan

te de um

significado recalcado da con

sci-ên

cia do sujeito. S

ímbolo escrito sobre a areia da carn

e e sobre o

véu de M

aya, participa em su

a constitu

ição da lingu

agem, pela

ambigu

idade semân

tica que assin

alamos (Lacan

1953).

A p

sicanálise d

esde o in

ício ded

ica à castração simbólica u

m lu

gar

de d

ivisor de águ

as entre n

eurose, p

sicose e perversão. S

eria como u

m

marco n

as estrutu

ras freud

ianas: se p

assou p

or ali é neu

rótico; não p

as-

sou, n

ão o é. Se o su

jeito é simbolicam

ente castrad

o, metaforiza o falo e

insere-se p

lenam

ente n

o mu

nd

o simbólico: acatan

do-as ou

não, su

bme-

te-se às leis, inclu

sive às da lin

guagem

, e pod

e ser consid

erado u

m legíti-

mo fa

lasser. Parece estran

ho, m

as só send

o castrado u

m h

omem

pod

e ter

“hom

bridad

e”! Ter acesso à castração, no caso, sign

ifica que ad

mitiu

em

si a falta do ou

tro, que é cap

az de sen

tir falta, remorso, cu

lpa, resp

onsabi-

lidad

e, solidaried

ade e este tip

o de sen

timen

tos evoluíd

os do ser h

um

ano

civilizado.

Voltan

do ao qu

adro: o “p

ai real” é o agente d

a castração – lembran

do

mais u

ma vez qu

e naqu

ela época Lacan

(1956-57) aind

a não tin

ha d

esen-

volvido o con

ceito de R

eal como o fez d

epois, d

o Real im

possível e tal,

então qu

and

o ele falava em real era o p

ai da realid

ade, m

esmo, o “cred

or”

a quem

o sujeito d

evia a dívid

a simbólica p

elo objeto imagin

ário: o falo

imagin

ário e suas in

sígnias. Por isso ou

samos localizar a d

or simbólica n

o

espaço d

o gozo do sen

tido (jo

uissa

nce, jo

uir-sen

s).

Som

ente qu

and

o se dá a castração sim

bólica sabe-se que a falta está

defin

itivamen

te imp

lantad

a no fa

lasser. A

castração atesta que já h

ouve a

frustra

ção im

aginária e a p

riva

ção real. É

como se a castração in

stauras-

se, no tem

po d

o ap

rès-cou

p (só-d

epois) a “n

ecessidad

e de ter p

assado”

pelas ou

tras operações an

teriores (privação e fru

stração). É esta p

assa-

gem p

ela castração que com

prova o recalcam

ento d

o significan

te Ph

allu

s

e a metaforização d

o corpo d

a mãe.

Em

Freud

, a castração estava vincu

lada estreitam

ente ao com

plexo

de É

dip

o na in

fância e teria com

o consequ

ência o d

esenvolvim

ento d

a

sexualid

ade ad

ulta. Lacan

comp

lemen

tou isso, articu

land

o-a com a d

ívi-

da sim

bólica e o sentim

ento d

e culp

a, porqu

e o comp

lexo de É

dip

o esta-

belece a noção d

e lei, defin

itivamen

te, no fa

lasser.

O objeto em

questão n

a castração simbólica é o falo im

aginário (re-

presen

tante d

o pod

er da fala). A

palavra aqu

i encon

tra sua p

lenitu

de,

porqu

e inclu

i o discu

rso do ou

tro em su

as entrelin

has, e as faltas fu

n-

dam

entais ap

resentad

as no qu

adro ju

stificam-se retroativam

ente.

Co

nc

lusã

oU

ma cad

eia borromean

a que articu

le os diferen

tes tipos d

e dor p

ode

ser útil p

ara se comp

reend

er melh

or, quan

to às interseções com

os diferen

-

tes tipos d

e gozo, as pu

lsões e as instân

cias Real, S

imbólico e Im

aginário.

15 Idem. Lição 2, 28/11/1956.

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tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

Decifran

do esta palavra (plena) foi com

o Freud en

controu

a língu

aprim

eira dos símbolos, viva ain

da, no sofrim

ento do h

omem

dacivilização (...) (Lacan

1953).

Só o p

sicanalista p

ermite o d

iscurso p

leno – in

aceitável no social –

por ser gerad

or de an

gústia. N

a med

ida em

que a d

or vira palavra, os

significan

tes do sofrim

ento rep

resentam

o sujeito. E

ste seria o reconh

eci-

men

to da verd

ade d

o Incon

sciente, ap

ontad

a por Lacan

no S

emin

ário “Oato p

sicanalítico”. D

iferentem

ente d

e outros “tratam

entos”, a Psican

álise

atend

e ao “desejo d

e reconh

ecimen

to” – a outra via d

o sintom

a apon

tada

por Lacan

. On

de o d

esejo for rejeitado, ele vira u

m “d

esejo de n

ada” (p

ulsão

de m

orte).16

Re

ferê

nc

ias b

iblio

grá

fica

sDSM

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.br

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11

l co

rre

io A

PP

OA

.29

temátic

a.

Qu

an

do

a p

erd

a v

ira p

ed

ra: d

or s

em

luto

no

co

rpo

me

lan

lico

Veró

nic

a P

ére

z1

Mad

alena

2 me p

rocurou

na sala d

e espera lá p

elo ano 1999, qu

and

o

eu trabalh

ava como volu

ntária p

ara atend

imen

to a mu

lheres com

históri-

co de cân

cer de m

ama. E

ntrou

na salin

ha on

de m

uitas vezes eu

atend

ia

as pacien

tes em gru

po, m

as nesse d

ia só tinh

a ela para falar.

Ela con

ta que tin

ha viajad

o mu

itas horas d

esde u

ma cid

ade d

o norte

do E

stado p

ara consu

ltar os méd

icos em Porto A

legre, e voltaria para casa

nessa m

esma tard

e. Falava com u

m belo sotaqu

e interioran

o, entre italia-

no e p

ortugu

ês, que rem

etia à roça e ao trabalho árd

uo d

e sol a sombra.

1 Psicanalista. E-mail: psiveronicaperez@

hotmail.com

2 Os nomes das pacientes foram

substituídos.

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rre

io A

PP

OA

.31

co

rre

io A

PP

OA

l jan

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20

11

30.

tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

Exp

licou qu

e estava ali porqu

e ela tinh

a caroços, como p

edras, e ferid

as

que n

un

ca fechavam

em am

bos os seios, que eram

mu

ito dolorosas. O

s

méd

icos lhe d

iziam qu

e não era cân

cer, e ela estava mu

ito aflita, porqu

e

nin

guém

encon

trava solução p

ara a sua d

or.

– Eu

quero qu

e cortem os m

eus seios fora, p

ara acabar com tu

do isso

de u

ma vez p

or todas, p

orque n

ão sup

orto mais tan

ta dor.

O in

sólito ped

ido d

e que cortassem

os seus seios – o tem

ido p

rocedi-

men

to radical, in

dicad

o apen

as para p

acientes com

determ

inad

os cânce-

res – me d

eixou bastan

te surp

resa. O qu

e significava aqu

ela mu

lher ofe-

recend

o um

a parte d

o corpo em

troca de u

ma d

or que n

un

ca cessa? Qu

e

dor era essa qu

e lhe resu

ltava tão insu

portável? C

omo estávam

os em u

m

hosp

ital, e o consu

ltório era contígu

o à sala de esp

era, logo fomos in

ter-

romp

idas. Precisei sair u

ns segu

nd

os para aten

der a p

essoa que estava d

o

outro lad

o da p

orta.

Cu

riosamen

te, a interru

pção d

e um

terceiro nesse m

omen

to tão in-

tenso fez com

que irrom

pesse n

o meu

pen

samen

to, como atravessad

o por

um

raio, um

a lembran

ça do m

eu p

rimeiro d

ia no serviço d

o setor de tra-

tamen

to de cân

cer deste H

ospital. C

omo record

ação desse d

ia, tinh

a res-

tado ap

enas a fala d

e Iris, um

a mu

lher já id

osa, que p

ergun

tada sobre a

forma em

que sobrelevava a su

a mastectom

ia, dissera, com

um

a calma

intrigan

te: – ah, qu

em já p

erdeu

um

filho n

a vida, p

ode p

erder u

m seio

que n

ão dá em

nad

a. Não estabeleci n

um

prim

eiro mom

ento qu

alquer

relação entre a fala d

a Mad

alena e a fala d

a Iris, mas sem

vida a lem

-

brança m

e fez agir ao mod

o de u

m ato in

terpretativo: qu

and

o retornei a

escutar a M

adalen

a ped

i que m

e contasse algu

ma coisa m

ais sobre ela,

pergu

ntei, sem

saber bem p

or quê, se ela tin

ha filh

os.

Ela resp

ond

eu en

tão, tenh

o dois, tin

ha três, ten

ho d

ois. E con

tinu

ou

faland

o sobre o seio, a dor, o caroço, a ferid

a que n

ão fecha, com

o se não

tivesse dito n

ada sign

ificativo. Pergun

tei de n

ovo – por qu

e tinh

a três

filhos e agora tem

dois? – e ela m

e contou

então qu

e seu filh

o adolescen

te

morrera afogad

o um

temp

o atrás. Em

Arroio Feliz. T

riste ironia d

o desti-

no p

ara um

a perd

a tão atroz.

Eis aí a ferid

a que n

ão fechava n

un

ca para aqu

ela mu

lher. S

eria a

perd

a que vira p

edra? C

omo u

m p

ensam

ento in

crustad

o no corp

o, tão

du

ro e congelad

o, apen

as aud

ível através da con

ta sinistra com

que n

oti-

fica a ausên

cia: – tinh

a três, tenh

o dois.

Con

tinu

amos falan

do sobre o seu

filho e ela con

seguiu

aos pou

cos se

soltar, e, enqu

anto falava, a m

ão passou

a assinalar a gargan

ta como p

on-

to de irrad

iação da d

or, e finalm

ente, o corp

o todo, já qu

e quan

do falava

do filh

o, tud

o doía (sic). E

u falei en

tão que qu

and

o a dor é m

uito gran

de,

sente-se n

o corpo tod

o. Ela assen

tiu com

a cabeça. Agora p

odia ch

orar

melh

or o filho, e con

tinu

amos con

versand

o sobre ele até que se fez a h

ora

de ela ir em

bora.

La

lan

gu

e: p

ala

vra in

au

dita

qu

e fa

z co

rpo

Um

dos d

esafios do an

alista que escu

ta sujeitos com

afecções

somáticas é p

oder torn

ar aud

ível para o p

aciente e p

ara o seu m

édico u

m

outro corp

o, diferen

te daqu

ele corpo real acom

etido p

ela doen

ça. É u

m

corpo qu

e se ouve p

ara além d

as narrativas e exp

licações tecidas p

elo

pacien

te e o seu m

édico acerca d

o sofrimen

to orgânico. C

orpo qu

e fala

quan

do n

ão se sabe o que se d

iz, porqu

e trata de p

alavras que p

erderam

seu n

exo. É d

isso que se trata, d

iz Lacan n

o Sem

inário “L’in

su q

ui sa

it de

l’un

e bev

ue s’a

ille à m

ou

rre”, no an

o de 1976 – qu

and

o falamos d

e In-

conscien

te: o corpo é tom

ado p

or palavras d

as quais n

ão enten

dem

os

quase n

ada. E

dep

ois, na con

ferência “A

terceira”, de ou

tubro d

e 1974 –

que o p

ensam

ento sign

ifica que as p

alavras introd

uzem

no corp

o repre-

sentações tolas. E

sse corpo p

arasitado p

or palavras qu

e não en

tend

emos

é o corpo d

e lalangu

e, língu

a particu

lar do falan

te que faz o corp

o do

simbólico. É

precisam

ente este corp

o que fica elid

ido d

o discu

rso méd

i-

co, porqu

e ele subverte as exp

licações da ciên

cia e comp

romete a clareza

esperad

a na in

terpretação d

e signos clín

icos por p

arte do m

édico.

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rre

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PP

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co

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11

32.

tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

Qu

e a palavra tem

efeitos bioquím

icos comp

rováveis e men

surá-

veis, horm

onais, im

un

ológicos, antid

epressivos e ou

tros, é algo que

não p

recisa de m

uita com

provação: existe vasta literatu

ra e até o méd

ico

concord

a em en

camin

har o seu

pacien

te para u

m p

rofissional “p

si” na

busca d

e qualqu

er um

desses gan

hos secu

nd

ários do tratam

ento. Torn

ar

aud

ível a lalangu

e represen

ta mais d

o que isso. É

apon

tar de algu

ma

forma qu

e aquilo qu

e nos resu

lta mais objetivo e real n

a nossa vid

a, o

corpo físico, n

ão obedece à tod

a lei, nem

se ancora n

ecessariamen

te na

racionalid

ade d

a ciência. O

corpo é an

imad

o pela p

oesia errática de u

m

Ou

tro corpo qu

e não com

and

amos, e qu

e se cham

a o Incon

sciente.

En

laç

an

do

pa

lavra

sQ

ue con

exão foi essa, que m

e levou a lem

brar precisam

ente a fala d

a

Iris quan

do escu

tava a Mad

alena, an

tes mesm

o de saber qu

e ambas so-

friam p

ela perd

a de u

m filh

o? A m

inh

a pergu

nta veio, n

ão sem sabê-lo,

deixar à m

ostra a série significan

te em jogo: seio, filh

o, perd

a, ped

ra, cor-

te, dor qu

e não cessa.

Essa série sign

ificante p

ode ser p

ensad

a à luz d

as prop

osições, em

dois tem

pos, d

e Freud

e Lacan. Prop

osições teóricas nas qu

ais não d

ei-

xam d

e operar tam

bém, através d

a nom

enclatu

ra criada p

or cada au

tor,

efeitos de lalan

gue.

Com

Freud

, evocamos as equ

ivalências sim

bólicas que rem

etem à

castração: a ameaça d

e perd

a do p

ênis n

o men

ino ou

a sua au

sência n

a

men

ina, qu

e ressignificam

, retroativamen

te, as perd

as vivenciad

as no

desm

ame, é o trau

ma d

o nascim

ento. C

ada p

erda, real ou

imagin

ada,

que foi sign

ificativa no p

rocesso de su

bjetivação, será então retom

ada: o

nascim

ento, o seio, as fezes, e p

or últim

o o pên

is. Segu

nd

o Freud

, o

filho, ao igu

al que o p

ênis alm

ejado, teria p

ara a mu

lher o valor d

e obje-

to restitutivo d

a perd

a imagin

ária, ressignificad

a com p

osterioridad

e

no m

omen

to da p

ercepção d

a diferen

ça de sexos. S

ignificação fálica d

o

filho qu

e a comp

leta.

Para Lacan, a relação ao seio é p

rototípica d

a alienação con

stitutiva

do su

jeito, já que o bebê acred

ita, imagin

ariamen

te, ser o seio um

a parte

dele. Perd

er o seio quan

do o su

jeito está alienad

o nele, im

aginan

do-se

um

a e a mesm

a coisa, remete à p

rópria p

erda. O

corte do seio, n

estas

falas, sugere a lógica d

e “a bolsa ou a vid

a”, prop

osta por Lacan

para falar

da alien

ação, já que n

ão se trata de u

ma verd

adeira op

ção do p

onto d

e

vista lógico, pois d

e nad

a vale entregar a vid

a para p

reservar a bolsa. A

angú

stia oral aparece com

o sinal d

a possibilid

ade d

e esvaziamen

to desse

objeto seio, parte p

róprio, p

arte Ou

tro. Assim

, destru

ição do seio qu

e re-

mete, im

aginariam

ente, à an

iquilação d

o próp

rio sujeito n

o acabamen

to

do O

utro. D

ialética sujeito-objeto, lógica d

o incon

sciente.

Temos assim

que o filh

o, como com

plem

ento fálico d

a mãe, é reen

-

contro faltoso com

o objeto que p

reench

eria a falta, que é a falta n

a pró-

pria m

ãe, e, na alien

ação subjetiva, a d

o seu O

utro P

rimord

ial. A p

erda d

o

filho, reed

ição de tod

as as perd

as.

Podem

os pen

sar em u

ma p

osição melan

cólica ond

e o sujeito fica

subsu

mid

o sob o peso d

o objeto perd

ido, sem

pod

er fazer o(s) luto(s),

toda p

erda rem

etend

o a ela mesm

a, perd

a tornad

a ped

ra, sem p

ossibili-

dad

e de d

eslizamen

to?

Pe

nsa

nd

o c

om

a a

jud

a d

a T

op

olo

gia

...C

omo p

oderíam

os pen

sar, topologicam

ente, esta relação d

o sujeito

com o corp

o?

Lacan p

ropôs qu

e a figura d

o toro, com o seu

buraco cen

tral, pod

eria

situar o objeto a.

Se en

tend

emos o bu

raco tórico como sen

do o lu

gar de a, o traçad

o

em form

a de bobin

a pod

eria ser pen

sado com

o o trajeto da p

ulsão em

torno d

e um

objeto semp

re faltante.

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11

34.

tem

átic

a.

jan

eiro

20

11

l co

rre

io A

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OA

.35

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

No caso d

o luto, o trabalh

o do su

jeito é situar o objeto qu

e perd

eu em

relação a esse lugar. T

rabalho qu

e precisa ser feito, p

ara que o circu

ito da

pu

lsão possa ser rean

imad

o e o sujeito p

ossa relançar-se n

o seu d

esejo.

Poderíam

os pen

sar, para M

adalen

a e Iris, na estru

tura d

e dois toros

enlaçad

os3 com

o alusão ao m

omen

to anterior d

e alienação on

de u

m obje-

to não foi ain

da su

ficientem

ente recortad

o.

Su

jeito e objeto aind

a não d

esacoplad

os evocam u

ma situ

ação ond

e

o objeto nu

nca cai, a n

ão ser arrastand

o o próp

rio sujeito n

a sua p

erda

radical. N

essa persp

ectiva, pod

eria o corte no real ser a ú

nica form

a de

situar u

ma falta n

ecessária à sobrevivência d

o sujeito p

síquico?

Dito em

outro registro: será qu

e o corte – real ou im

aginário – n

o seio

represen

ta um

a entrega sacrificial ao O

utro m

aterno, com

o ún

ica forma

de in

terromp

er o gozo melan

cólico frente à p

erda vivid

a no filh

o?

Lembran

do qu

e a ún

ica forma d

e “desen

laçar” os dois toros seria

com u

ma ciru

rgia no real, ap

ontad

a por Lacan

no S

emin

ário “L’insu

qu

i

sait d

e l’un

e bev

ue s’a

ille à m

ou

rre...”4

A p

artir do balbu

cios de lalan

gue d

e du

as pacien

tes, nos p

ropu

se-

mos p

ensar teoricam

ente, e através d

a topologia, efeitos d

a lingu

agem n

o

organism

o.

Escu

ta do in

conscien

te que faz o corp

o de cad

a um

, e que faz tam

-

bém o corp

o da teoria qu

e nos aju

da a p

ensar a clín

ica em p

sicanálise.

Re

ferê

nc

ias b

iblio

grá

fica

sFREUD, Sigm

und. [1917] Sobre las transposiciones de la pulsión, en particular del Erotismo anal. Edição Standard - Obras

completas, Am

orrortu, 1988.

LACAN, Jacques. Seminário “A angústia”. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

______.[1976] Seminário “L’insu qui sait de l’une bevue s’aille à m

ourre…”Versão em

CD-R da Escuela Freudiana deBuenos Aires.

______ .[1977] Seminario “El M

omento de concluir”. Versão em

CD-R da Escuela Freudiana de Buenos Aires.

______.[1974] Conferência “A Terceira”. In: Cadernos Lacan -vol. 2. Porto Alegre: Edição interna da APPOA, 2002.

3 Proposta por Soury na última aula do Sem

inário “Tempo de Concluir“, em

maio de 1978.

4 Lição 1 - 16/11/1976. Fig. 1

a

Fig. 2

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temátic

a.

As a

rtima

nh

as d

o S

up

ere

u e

o re

torn

on

as re

min

isc

ên

cia

s d

a v

elh

ice

Sueli S

ouza

do

s S

anto

s1

As exp

ressões de in

teresse e práticas sexu

ais na velh

ice, que eram

toleradas h

á anos com

certo estranh

amen

to, passam

a ser consid

eradas

nos ú

ltimos an

os um

dos elem

entos d

etermin

antes p

ara a saúd

e física e

emocion

al das p

essoas em p

rocesso de en

velhecim

ento. A

sexualid

ade

hu

man

a, na m

edid

a em qu

e está semp

re ancorad

a em fan

tasias, tem com

o

fator prop

ulsor a realização d

e desejo e a bu

sca do p

razer.

Sen

do assim

, no p

eríodo d

e envelh

ecimen

to, quan

do em

fun

ção de

algum

acontecim

ento n

o intercu

rso da vid

a, há p

or parte d

o sujeito a

possibilid

ade d

e recordar su

a história, d

esde os p

rimórd

ios da con

stitui-

ção edíp

ica.

1 Psicanalista.

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20

11

38.

tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

O retorn

o das rem

iniscên

cias sobre a sexualid

ade in

fantil p

recipita a

emergên

cia das forças d

o sup

ereu, faz brotar su

a presen

ça tirânica, p

ro-

pician

do a rep

etição dolorosa d

os prim

órdios d

as inscrições d

o recalcado.

O trabalh

o na clín

ica psican

alítica, ind

epen

den

te da id

ade em

que

as forças do recalcad

o retornem

na h

istória do su

jeito, tem p

ossibilitado

observar o valor das rem

iniscên

cias para a recu

peração d

a história d

a

vida sexu

al no p

rocesso de en

velhecim

ento.

Alg

um

as c

on

side

raç

õe

s sob

re o

inc

on

scie

nte

e o

tem

po

na

velh

ice

Toman

do a tese d

o estatuto d

o sujeito, qu

e para Freu

d e Lacan

, está

circun

scrita à idéia d

e incon

sciente, se evid

encia qu

e o envelh

ecer, assim

como a m

orte, não se in

screve enqu

anto rep

resentação.

Além

disso, o qu

e exatamen

te defin

e a velhice? A

final, qu

and

o en-

tramos n

a velhice? O

que d

etermin

a que som

ente aos 60, 70, 80 an

os ou

mais, u

ma p

essoa possa ser con

siderad

a velha? O

que se d

iz sobre a ve-

lhice está d

etermin

ado p

or protocolos d

e desen

volvimen

to biológico, fi-

siológico, fun

cional, in

forman

do u

m p

adrão d

e classificação estatística.

Estas classificações p

odem

ter interesse com

o elemen

to de an

álise para o

estabelecimen

to de p

olíticas pú

blicas de p

romoção d

a saúd

e da p

opu

la-

ção idosa e p

ara o desen

volvimen

to da econ

omia, n

o que con

cerne a in

-

vestimen

tos e controle social.

No qu

e diz resp

eito às questões em

ocionais, p

arece haver u

ma p

ri-

mazia d

e juízos d

e valor seguin

do p

adrões d

e cond

uta afetiva e com

-

portam

ental forjad

as mu

itas vezes por p

reconceitos sociais qu

e ditam

o

que é aceitável ou

não n

as relações dos velh

os com seu

meio fam

iliar,

afetivo, sexual e social.

As qu

estões relativas à sexualid

ade n

a velhice são tom

adas p

redo-

min

antem

ente p

elos estud

os das ciên

cias da saú

de p

or seu caráter fu

n-

cional referid

o à genitalid

ade, n

o que ela ap

resenta d

e disfu

nção, em

decorrên

cia de su

as possibilid

ades p

erformáticas d

ecorrentes d

as difi-

culd

ades fu

ncion

ais e do en

velhecim

ento orgân

ico.

Há u

ma d

esconsid

eração quan

to às inscrições p

sicossexuais, qu

e do

pon

to de vista d

a teoria psican

alítica, desd

e os prim

eiros estud

os de Freu

d

(1905/1969), determ

inam

como o su

jeito constitu

i sua sexu

alidad

e. Este

processo é form

ador d

o aparelh

o psíqu

ico a partir d

as prim

eiras relações

de objetos am

orosos atribuíd

os às relações com as figu

ras paren

tais.

Da m

esma form

a, a man

eira como foi vivid

a sua sexu

alidad

e e

afetividad

e, du

rante tod

a a vida, terá su

as repercu

ssões na vid

a da velh

i-

ce. A d

eman

da d

e um

a escuta an

alítica sobre os conflitos relativos a estes

aspectos, qu

e talvez tenh

am sid

o negligen

ciados ou

recalcados, p

odem

emergir n

a velhice em

forma d

e sintom

as físicos ou em

ocionais, com

o em

qualqu

er outro p

eríodo d

a vida, p

rodu

zind

o sofrimen

tos em bu

sca de

algum

sentid

o. E aí n

os question

amos: qu

al é o limite d

esta escuta? H

á

um

limite p

ara a escuta d

as man

ifestações do in

conscien

te?

O p

róprio Freu

d p

ropõe qu

e fora da regra fu

nd

amen

tal da p

sica-

nálise, ou

seja, da associação livre, cad

a caso só pod

eria ser tratado em

sua sin

gularid

ade, tom

and

o cada h

istória em seu

particu

lar, ind

epen

-

den

te da id

ade cron

ológica daqu

ele que sofre. S

eguin

do esta ú

ltima re-

flexão, nos cabe in

terrogar: Será qu

e na velh

ice o incon

sciente p

erde as

possibilid

ades d

e seguir tecen

do as tram

as entre o real, o im

aginário e o

simbólico?

Claro qu

e não. A

longevid

ade n

a contem

poran

eidad

e, como u

m fe-

nôm

eno d

ecorrente d

as mu

dan

ças de vid

a e dos avan

ços da ciên

cia com

relação aos cuid

ados com

a saúd

e, nos leva a recon

siderar o fato d

e que o

envelh

ecimen

to, assim com

o o incon

sciente, n

ão cessa de se in

screver.

Assim

, o incon

sciente d

os velhos segu

e registrand

o sua h

istória, para

além d

o temp

o cronológico, n

um

jogo de escon

de-escon

de, en

tre lem-

branças p

assadas com

o recordar, n

o presen

te, e pela n

ão resolução ou

elaboração de p

ontos obscu

ros que in

sistem em

prod

uzir sin

toma, em

decorrên

cia de cu

lpas ain

da ativas e in

sistentes d

o recalcamen

to.

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io A

PP

OA

.41

co

rre

io A

PP

OA

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11

40.

tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

Não h

á temp

o marcad

o que d

elimite ou

imp

eça o retorno d

o recalcado.

Não esqu

eçamos qu

e para Freu

d (1905/1969) a sexu

alidad

e adu

lta é in-

fantil. H

á um

a incon

gruên

cia de com

o o sujeito se vê e com

o ele é visto

pelo olh

ar do O

utro com

o velho, ou

seja, é o olhar d

o Ou

tro que ap

onta

para esse p

rocesso de m

ud

ança, p

osto que o su

jeito não se recon

hece

como tal.

Por vezes, o que se im

põe com

o real, inscrito p

ulsion

almen

te, retorna

como rem

emoração trazen

do in

tensid

ades d

e angú

stia e sofrimen

to que

buscam

um

a saída, via p

alavras. A p

roblemática qu

e possa ad

vir da

velhice p

ode ser p

ensad

a desd

e o pon

to de vista d

a temp

oralidad

e do

incon

sciente en

quan

to suas m

arcas originárias in

destru

tíveis, o que

correspon

de ao recalqu

e originário.

Além

disso, d

eixa em aberto a re-sign

ificação que p

ossa ser reins-

crita pela cad

eia significan

te. Não p

odem

os negligen

ciar a idéia qu

e há

aind

a um

incon

sciente qu

e surge p

elas formações d

o incon

sciente, ou

seja, sintom

as, sonh

os, atos falhos, esqu

ecimen

tos que m

arcam o real d

o

corpo em

suas p

erdas e m

ud

anças fu

ncion

ais com o p

assar do tem

po, ou

da id

ade.

Vamos n

os dep

arar na clín

ica com u

m ou

tro temp

o, que retroage p

ara

re-significar, atu

alizand

o o passad

o no p

resente. O

peram

os na clín

ica com

estes três temp

os. Por ação do tem

po lógico, com

o efeito de u

ma n

ova

ação psíqu

ica, prod

uzin

do a em

ergência d

e recordações, p

ossibilitand

o a

elaboração de u

m p

assado qu

e insiste em

prod

uzir sofrim

ento in

cidin

do

sobre o presen

te.

Em

outras p

alavras, em an

álise, a escuta a ser feita d

eve incid

ir sobre

o sujeito d

o incon

sciente e este n

ão envelh

ece. Portanto, o trabalh

o a ser

feito é sobre a inscrição d

a realidad

e psíqu

ica, não h

avend

o diferen

ça

entre u

m fato p

assado ou

atual. O

s sintom

as atualizam

o passad

o, o que

pod

emos con

statar no fragm

ento clín

ico que p

assamos a ap

resentar p

ara

nossa reflexão sobre o tem

a, a partir d

e um

pequ

eno recorte d

a história d

e

sofrimen

to de u

ma m

ulh

er com n

oventa an

os.

Re

co

rte c

línic

oE

m d

etermin

ado m

omen

to, mesm

o com n

oventa an

os, ela se sente

convocad

a e, ao mesm

o temp

o, ameaçad

a em ter qu

e revelar seus segre-

dos, gu

ardad

os por tod

a a vida. E

sta interp

elação, desen

cadead

a por p

ar-

te dos filh

os du

rante u

ma com

emoração fam

iliar, faz eclodir com

toda a

fúria u

m p

assado d

e culp

as que ela escon

deu

, recalcou. A

s forças de u

m

sup

ereu estru

turad

o por valores religiosos, m

orais e familiares qu

e tinh

am

por p

rincíp

io a proibição relativa a exp

eriências sexu

ais fora do casa-

men

to põe em

risco a sua im

agem com

o mu

lher d

e respeito.

Por não ter an

teriormen

te a possibilid

ade d

e trabalhar e/ou

elaborar

as situações con

flitivas, a ameaça sen

tida p

ela interp

elação dos filh

os

desen

cadeia u

ma “crise n

ervosa”2. R

einstalou

-se, se reeditou

a situação

traum

ática.

An

gélica3 liga m

arcand

o um

horário, d

epois d

e um

“apagão”. C

onta

que, em

um

a festa de an

iversário, a família com

eça a recordar o p

assado

e parece h

aver mu

itos fatos incom

preen

síveis para os filh

os sobre a mor-

te do p

ai e a vida d

e An

gélica após su

a viuvez.

No m

omen

to em qu

e os filhos p

edem

que ela fale u

m p

ouco sobre

esta situação, ela d

iz que tem

um

“apagão”. C

omo se tu

do qu

e passou

a

vida tod

a a partir d

a morte d

o marid

o tivesse explod

ido à su

a frente.

Todo o sofrim

ento, tu

do o qu

e enfren

tou p

ara pod

er seguir su

a vida ad

i-

ante n

ão pod

ia ser contad

o, lembrad

o, desen

terrado agora.

Com

o reagiu à esta p

ressão? Ficou fu

riosa, começou

a gritar com to-

dos, d

isse que n

ão queria m

ais ficar ali, que n

ão tinh

a que falar sobre

nad

a, “ficou lou

ca”. Os fam

iliares a acalmaram

, até porqu

e ela não p

odia

se locomover sem

ajud

a.

2 As palavras entre aspas são expressões de Angélica em seu discurso.

3 Angélica é um nom

e fictício. Para a apresentação deste pequeno recorte clínico, procuramos preservar a identidade da

analisante. Os dados aqui apresentados não oferecem qualquer elem

ento de identificação ou detalhamento da história

pregressa ou atual que exponha sua privacidade, posto que, tais elementos de análise, aqui oferecidos para reflexão, podem

fazer parte da história de qualquer pessoa, independente de idade cronológica, nível cultural, etnia ou classe social.

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OA

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42.

tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

Dizem

que tin

ha qu

e procu

rar se tranqü

ilizar e, quem

sabe, se so-

fria tanto com

estas histórias, d

everia buscar u

m esp

aço para p

oder

falar com algu

ém, sem

preju

dicar su

a saúd

e. Dep

ois de se recu

perar d

a

crise de raiva e d

e chorar m

uito, con

corda em

telefonar m

arcand

o um

a

hora p

ara contar o ocorrid

o e procu

rar enten

der o qu

e lhe acon

teceu

naqu

ela festa.

O ocorrid

o na festa, d

iz An

gélica, é que n

ada acon

teceu n

aquela fes-

ta. Mas algu

mas p

ergun

tas, curiosid

ades sobre u

ma h

istória que a tod

os

havia afetad

o, ganh

aram voz e p

ud

eram ser form

ulad

as. Mas p

arece que

apen

as agora, tanto tem

po p

assado, os filh

os, todos reu

nid

os, consegu

i-

am a coragem

de in

terpelar aqu

ela figura id

ealizada, qu

em sabe am

ada e

odiad

a da m

ãe que d

eteve o pod

er sobre o destin

o que os filh

os deram

às

suas vid

as.

Os filh

os, todos com

mais d

e cinqü

enta an

os, buscam

enten

der esse

amor p

ela mãe, a p

erda d

o pai, a tragéd

ia que os acom

eteu e afetou

a

todos, m

ãe e filhos. H

á na fam

ília mu

itos silêncios e segred

os na relação

dos filh

os com ela e u

ma total in

comp

reensão d

o que acon

teceu com

o

pai, qu

e morreu

de rep

ente, d

eixand

o a todos, A

ngélica e os cin

co filhos

mu

ito pequ

enos, totalm

ente d

esamp

arados, con

tand

o apen

as com o ap

oio

do avô m

aterno, qu

e morre logo em

seguid

a.

Ela fala d

e mom

entos d

e profu

nd

a dep

ressão e desestru

turação em

que qu

eria se matar e ch

egou a ten

tar. Não sabia o qu

e fazer com tan

tos

filhos e com

o sobreviver apen

as com seu

trabalho d

e professora e a p

en-

são deixad

a pelo m

arido. E

ra proibid

o falar sobre a morte d

o marid

o,

como se ela n

ão hou

vesse ocorrido.

A form

a como A

ngélica p

rodu

z seu d

iscurso em

análise, rep

etind

o

suas cu

lpas em

relação às proibições d

e expressão d

e seus d

esejos, vai

reconstitu

ind

o um

a história m

arcadam

ente ad

vind

a da relação com

os

elemen

tos de cen

sura in

corporad

os por su

a história fam

iliar.

À m

edid

a que recu

perava os fios d

e sua h

istória, An

gélica ia refa-

zend

o as pegad

as das forças p

ulsion

ais que h

aviam agid

o na su

a consti-

tuição estru

tural en

quan

to um

a neu

rose, ind

epen

den

te de su

a idad

e. Com

o

sabemos, os traços m

arcados n

ão se perd

em ao lon

go da h

istoria ou d

o

temp

o, posto qu

e incid

em sobre o su

jeito do in

conscien

te e não sobre o

“ind

ivídu

o”. Segu

ind

o Freud

(1969, p. 259):

Todos os recalques se efetu

am n

a primeira in

fância; são m

edidas

primitivas de defesa, tom

adas pelo ego imatu

ro, débil. Nos an

osposteriores, n

ão são levados a cabo novos recalqu

es, mas os an

tigos

persistem, e seu

s serviços contin

uam

a ser utilizados pelo ego para

o domín

io das pulsões. Livram

o-nos de n

ovo conflitos através da-

quilo qu

e cham

amos de “recalqu

e ulterior”.

O qu

e não p

oderia vir n

un

ca à tona eram

suas qu

estões de ord

em

sexual, qu

e consid

era como seu

deslize fren

te à situação d

e mãe d

e famí-

lia e de p

essoa criada d

entro d

os prin

cípios religiosos. N

a med

ida em

que

An

gélica vai recup

erand

o a mem

ória de su

a história, falan

do d

e suas cu

l-

pas em

relação aos prin

cípios qu

e havia tran

sgredid

o para segu

ir viven-

do com

seus filh

os, vai resgatand

o sua im

agem d

e mãe d

esvelada qu

e

ded

icou tod

a a vida a eles, e sem

pre teve o con

trole da situ

ação.

An

gélica passara a vid

a escond

end

o de tod

os um

a vida d

up

la. Com

a

morte d

o prim

eiro marid

o, pai d

e seus filh

os, que era d

ez nos m

ais velho

e viúvo, e em

seguid

a de seu

pai, d

e quem

se julgava a filh

a favorita, ela

sente qu

e perd

eu su

a susten

tação emocion

al e econôm

ica.

O tem

or, o que a d

esestabiliza, é a possibilid

ade d

e os filhos virem

a

saber que, an

tes de casar p

ela segun

da vez, com

um

hom

em d

oze anos

mais velh

o que ela, teve n

amorad

os. A bu

sca de satisfação sexu

al passa a

ser sentid

a como p

ecamin

osa e toma u

m caráter d

e ritual sacrificial.

Sen

te-se em p

ecado, refu

gia-se na religião, con

fessa-se para bu

scar o

perd

ão do D

eus Pai. N

a tentativa d

e justificar seu

pecad

o, busca a su

sten-

tação de u

m su

pereu

patern

o, familiar, on

de garan

ta, pelo p

erdão d

ivino

um

retorno aos valores em

que foi criad

a. Assim

sente-se, n

a religião,

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io A

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io A

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OA

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44.

tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

protegid

a e fortalecida. Pecar era se p

ermitir ter d

esejo e buscar satisfazê-

lo, como recu

rso para p

oder su

stentar a su

a vida p

recária com os filh

os e

amp

ará-los.

Agora, n

a velhice, qu

and

o question

ada p

ela justificad

a curiosid

ade

dos filh

os em en

tend

er o que acon

tecera em su

as vidas, p

osto que A

ngé-

lica jamais p

ud

era falar sobre suas d

ificuld

ade e d

emon

strar amor em

relação aos filhos, sen

te como se eles a tivessem

desafian

do, d

esnu

dan

do

ou a d

estituin

do d

o lugar p

oderoso e d

e mártir em

que se colocou

para

sobreviver à dor d

e todas as su

as perd

as. Era com

o se tivesse que con

tar

aos filhos sobre as exp

eriências am

orosas que viveu

e das qu

ais se culp

a-

va e envergon

hava.

Seu

autoritarism

o discip

linar e m

oral na ed

ucação d

os filhos tin

ha a

fun

ção de m

ordaça sobre os fatos p

roibidos d

e sua vid

a fora do lar e d

o

trabalho. In

vestida d

e um

sup

ereu rigoroso e retaliad

or, não h

avia espaço

para seu

carinh

o e intim

idad

e em relação aos filh

os, criand

o um

a distân

-

cia que n

ão possibilitaria a revelação d

e nen

hu

m in

dício d

e sua h

istória

secreta.

A cad

a sessão, abriam-se brech

as na cen

sura, p

ossibilitand

o um

a

revisão da im

agem im

aculad

a que se h

avia quebrad

o imagin

ariamen

te,

por ela m

esma, qu

and

o question

ada p

elos filhos. A

final eles só reivin

-

dicavam

algum

as inform

ações sobre a história d

a morte d

o pai qu

e lhes

fora confiscad

a pela lei d

o silêncio im

posta p

or An

gélica. Eles n

ão ti-

nh

am a in

tenção d

e destitu

í-la de su

a imagem

de m

ãe zelosa, como ela

fantasiara.

Mu

itas vezes, An

gélica esperava m

inh

a chegad

a com an

siedad

e, posto

que eu

a escutava em

sua casa, d

izend

o que tin

ha m

uito qu

e contar, lem

-

brara mais coisas. N

a med

ida em

que ia recon

tand

o com m

uitos d

etalhes

os acontecim

entos d

o passad

o, por vezes sen

tia-se mal, ch

orava mu

ito,

dizia qu

e havia p

erdid

o a vontad

e de viver, qu

e perd

era tud

o.

Temia su

cum

bir à pressão d

os filhos. E

m algu

ns m

omen

tos, An

géli-

ca tinh

a inten

sas crises de an

gustia m

arcadas p

or alterações de p

ressão,

crises de ch

oro e algum

a desord

em d

o pen

samen

to. Rep

etia os mesm

o

fatos que d

esencad

earam su

a angu

stia; a situação d

a festa em qu

e come-

çou a ser in

terpelad

a pelos filh

os, sentid

a como se eles tivessem

perd

ido

o respeito p

or ela, como se tu

do qu

e sofreu p

ara susten

tá-los e susten

tar

seu lu

gar de m

ãe pod

erosa e imacu

lada tivesse sid

o em vão.

A fortaleza qu

e An

gélica havia con

struíd

o em torn

o de su

a imagem

parecia agora abalad

a e vazia. Os filh

os haviam

saquead

o tud

o ao interp

elá-

la, não tin

ham

mais m

edo d

ela. Ela p

erdera o lu

gar, o pod

er. Sen

tia-se

“encu

rralada, d

esorientad

a”. Eles n

ão a perd

oariam, n

em D

eus, p

or ter

errado tan

to. Os tem

ores que assom

bravam A

ngélica eram

de ord

em d

e

sua vid

a sexual, d

e como bu

scou resolver, ain

da jovem

e viúva, su

as ne-

cessidad

es e desejos.

Por ter tido u

ma form

ação familiar calcad

a na religiosid

ade e tem

en-

te a Deu

s, o sexo no casam

ento torn

ara-se lícito e cum

pria os p

rincíp

ios

da religião, h

aja vista que teve cin

co filhos. A

perd

a do m

arido, bem

mais

velho, qu

and

o ela aind

a era jovem, d

eixou-a à d

escoberta de seu

s desejos.

Ded

icou-se, a p

artir daí, aos filh

os e a seu p

ai que, segu

nd

o ela, sem-

pre a con

siderou

como a “favorita d

o pap

ai”. Qu

and

o seu p

ai morre, sen

-

te como se tivesse sid

o aband

onad

a du

as vezes, pelo m

arido e p

elo pai.

En

tra em p

rofun

da d

epressão. S

em as referên

cias familiares qu

e norteavam

sua vid

a sexual, ten

ta refúgio n

a religião como form

a de con

trolar o

incon

trolável, seus d

esejos.

Pensam

os na figu

ra da garrafa d

e Klein

para visu

alizar esta “deso-

rientação

4” e o sentim

ento d

e encu

rralamen

to da p

aciente. L

acan

(1964), no sem

inário “P

roblemas C

ruciais d

a Psicanálise”, em

que fala

do “reviram

ento” (re

bro

usse

men

t) do toro, ap

resentou

os seguin

tes

esquem

as:

4 Lacan(1964). Seminário Problem

as Cruciais da Psicanálise. Lição 3(16/12/1964)

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rre

io A

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OA

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rre

io A

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20

11

46.

tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

Fig. 1

A G

arrafa de K

lein, com

o sabemos, se ap

resenta com

o um

cilind

ro

que se ata a si m

esmo. H

á um

trun

camen

to, no en

tanto, ao m

odo d

e um

toro cortado qu

e se auto-atravessa e fech

a sobre si mesm

o. Um

reviramen

to

inverten

do os círcu

los, o que resu

lta em u

m orifício m

uito p

articular,

anel d

e falta que d

á a estrutu

ra da su

perfície. S

e pen

sarmos sobre as vol-

tas que A

ngélica vai d

and

o à sua h

istória, prod

uzin

do torções p

ara livrar-

se do qu

e julga ser tran

sgressão do p

onto d

e vista de su

a formação fam

ili-

ar e religiosa, pod

emos ir d

elinean

do com

o o rigor do su

pereu

vai dese-

nh

and

o os círculos se en

redan

do em

um

a reversibilidad

e essencial d

a

dem

and

a do su

jeito em relação ao O

utro, a exem

plo d

as dem

and

as da

fantasia.

Toman

do o d

iscurso d

e An

gélica, a sexualid

ade só p

oderia ser aceita

como d

etermin

ação dos p

rincíp

ios religiosos. Com

o “filha favorita”, d

e-

via isso ao pai, ao falecid

o marid

o, a imagem

de m

ater d

olorosa para os

filhos; com

o “filha d

e Maria”, d

evia isso aos prin

cípios ap

rend

idos n

a

igreja e antes d

isso devia a D

eus. O

pecad

o, ou seja, as fan

tasias sexuais

ou p

ráticas sexuais fora d

a situação d

e casamen

to imp

licavam u

ma in

-

versão, ou seja, a filh

a de M

aria passa a ser filh

a do p

ecado.

Fig. 2

O p

ecado d

e An

gélica se esboça em u

ma torção em

que se p

erde.

Sen

te que está en

curralad

a em u

m d

esencon

tro entre gozo e sofrim

ento

fantasiad

o em u

ma cen

a sacrificial em qu

e renu

nciou

a sua p

rópria vid

a

em fu

nção d

os filhos. Por ou

tro lado, u

m gozo silen

cioso, por ter vivid

o

experiên

cias de bu

sca de realização sexu

al. Parece haver cu

ltivado u

m

gozo secreto, como revan

che ao aban

don

o que sofreu

por p

arte do m

arido

e do p

ai. Ela h

avia cum

prid

o o que lh

e fora dem

and

ado: p

rocriara cum

-

prin

do as leis d

e Deu

s; dera filh

os ao marid

o e dera n

etos ao pai.

Ela cu

mp

rira seu p

apel e os d

esígnios d

o Ou

tro. Com

a morte d

os

dois, lh

e restou o p

eso de cu

idar e d

ar susten

tação aos filhos, fru

tos do

sexo perm

itido p

elos desígn

ios do su

pereu

que eles rep

resentavam

.

Am

eaçada p

ela dem

and

a dos filh

os de ter qu

e revelar sua h

istória,

sente-se en

curralad

a, enred

ilhad

a nas tram

as que se con

torcem en

tre um

a

imagem

virtuosa qu

e perd

eu seu

pon

to de orien

tação, de referên

cia, de

não-orien

tabilidad

e, ao mod

o topológico d

e um

a garrafa de K

lein.

Ao bu

scar um

espaço d

e escuta an

alítica, seu d

iscurso a p

recipita

nu

m em

aranh

ado – com

o se fosse “um

oco, sem saíd

a”. An

gélica recup

e-

ra sua h

istória, tecend

o os fios que foram

enred

ados en

tre dem

and

as de

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jan

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l co

rre

io A

PP

OA

.49

co

rre

io A

PP

OA

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11

48.

tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

amor, p

erfeição, pu

reza, como se fora u

ma m

ulh

er bíblica, “filha d

e Ma-

ria e de D

eus Pai”.

Pode falar d

o lugar d

e gozo em p

rotagonizar, fan

tasmaticam

ente, u

ma

história qu

e lhe foi d

eman

dad

a por u

m O

utro. E

m con

trapartid

a, fala

também

de u

m gozo ou

tro, do sofrim

ento n

a transgressão d

esta dem

an-

da, o qu

e prod

uz n

ela um

a relação tirânica e d

istante afetivam

ente em

relação aos filhos.

À g

uisa

de

co

nc

lusã

oS

e tomarm

os como su

jeitos de estu

do p

essoas que atu

almen

te têm

setenta an

os ou m

ais, encon

tramos ain

da m

uito m

arcado esse d

iscurso

do p

ecado associad

o ao prazer n

o sexo, mais in

tensam

ente d

e parte d

a

sexualid

ade fem

inin

a. Isso nos leva a in

terrogar: o que d

etermin

ou a m

a-

neira com

o foram vivid

as as experiên

cias sexuais d

as mu

lheres qu

e atra-

vessaram este u

ltimo sécu

lo com tan

ta culp

abilidad

e, apesar d

e todas as

mu

dan

ças, inform

ações e libertação de com

portam

ento?

E m

ais, quais as con

seqüên

cias nas h

istórias aind

a em cu

rso? Com

o

as mu

lheres qu

e atualm

ente tem

mais d

e setenta an

os viveram su

a liber-

dad

e sexual, a p

artir do ad

vento d

a pílu

la anticon

cepcion

al, de su

a en-

trada n

o mercad

o de trabalh

o, de su

a ind

epen

dên

cia frente às obrigações

dos cu

idad

os da casa e d

a família?

O tem

a da sexu

alidad

e, a culp

a e o pecad

o, parece vigen

te nas m

ar-

cas que ain

da se in

screvem n

o real do corp

o das m

ulh

eres idosas qu

e

buscam

um

a escuta em

psican

álise. Neste recorte ap

resentad

o aqui p

ara

pen

sar sobre as artiman

has d

o sup

ereu qu

e retornam

nas rem

iniscên

cias

da velh

ice, se eviden

cia como a am

bivalência se ap

resenta en

quan

to um

a

marca forte ain

da, n

a re-atualização d

o Éd

ipo d

os filhos. Tan

to no d

iscur-

so de A

ngélica com

relação aos filhos com

o de p

arte destes, tod

os com

mais d

e cinqü

enta an

os e que ain

da bu

scavam d

esvend

ar os segredos

familiares, qu

and

o a interp

elam sobre o p

assado, com

o insistên

cia do

recalcado.

Sen

timen

tos que p

ersistem, assim

como a cu

lpabilid

ades sob traços

edip

ianos, com

desejos d

e se apod

erar dos segred

os e da força d

a mãe d

e

forma p

rimitiva e arcaica. A

ssim com

o An

gélica relata seu am

or pelo p

ai,

que a con

siderava com

o a filha p

redileta, p

or isso sente-se traíd

a e aban-

don

ada p

elo pai qu

and

o este morre. S

em saber qu

e o faz, busca d

epois d

a

sua m

orte um

hom

em, n

ovamen

te mais velh

o, para segu

nd

o matrim

ônio.

A p

artir das sessões d

e análise, A

ngélica relata, sen

te mu

dan

ças, fala

de u

m sen

timen

to de con

forto. Sen

tia-se men

os amargu

rada. E

stava mais

tranqü

ila, pois, afin

al, havia en

tend

ido qu

e não tin

ha errad

o tanto n

a edu

-

cação dos filh

os. Ela fez o m

elhor, p

or amor aos filh

os, sentia-se m

ais

tranqü

ila e amável. Por su

a vez, os filhos estavam

bem m

ais carinh

osos.

Eles n

ão pergu

ntaram

mais n

ada sobre o p

assado.

O resu

ltado d

esta breve análise evid

encia qu

e a estrutu

ra não se

mod

ifica, o que resu

lta da an

álise é a relação do su

jeito com su

as deter-

min

ações incon

scientes. A

s experiên

cias vividas op

ortun

izam a p

ossibi-

lidad

e de con

strução d

e um

novo saber sobre seu

gozo que, p

ela palavra,

busca u

m ou

tro destin

o aliviand

o o corpo d

as dores, d

os sintom

as, das

conversões.

Pensam

os que n

a velhice se op

ortun

iza um

mom

ento d

e trabalho

analítico m

uito p

romissor n

o que tan

ge ao encon

tro de u

m saber sobre o

real. É p

ossível e oportu

no u

m trabalh

o analítico in

dep

end

ente d

a idad

e

daqu

ele que sofre e bu

sca um

a escuta an

alítica, na m

edid

a em qu

e se

respeite o tem

po e os lim

ites das p

ossibilidad

es das rem

emorações qu

e

emergem

na bu

sca de sen

tido.

O retorn

o do recalcad

o, em qu

alquer m

omen

to da vid

a pod

e cobrar

sentid

o, via sintom

as, até encon

trar palavras qu

e criem n

ovos sentid

os, e,

quem

sabe, resolução d

o conflito. Por isso a im

portân

cia que se p

ossa

direcion

ar a escuta an

alítica pelo qu

e se apresen

ta e não p

ela idad

e da-

quele qu

e dem

and

a análise. É

preciso falar p

ara um

Ou

tro para qu

e o

simbólico d

ê sentid

o ao sofrimen

to no real d

o corpo, libertan

do as am

ar-

ras e tramas d

o incon

sciente qu

e semp

re tem o qu

e dizer.

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l co

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io A

PP

OA

.51

temátic

a.

co

rre

io A

PP

OA

l jan

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11

50.

tem

átic

a.

Re

ferê

nc

ias

FREUD, S. Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade [1905].ESR, Rio de Janeiro:Imago, 1969.v. VII.

FREUD, S. Totem e tabu [1912]. ESR, Rio de Janeiro: Im

ago, 1969.v. XIII.

FREUD, S. A sexualidade na etiologia das neuroses[1898]. ESR, Rio de Janeiro: Imago, 1969.

FREUD, S. Análise terminável e interm

inável.[1937]. ESR, Rio de Janeiro: Imago, 1969.

Ab

ord

ag

em

psic

an

alític

a d

a in

fertilid

ad

efe

min

ina

: estu

do

s in

icia

is

Manuela

Laniu

s

Está claro que, n

a perspectiva histérica, é o falo qu

e fecun

da, e oq

ue ele en

gend

ra é ele mesm

o, se assim p

odem

os dizer. A

fecun

did

ade é u

ma fabricação fálica, e é p

or isso mesm

o que tod

acrian

ça é um

a reprod

ução d

o falo, na m

edid

a em qu

e está pren

he,

se assim p

osso me exp

rimir, d

e seu en

gend

ramen

to (Lacan

, 1971,p

. 164).

É crescen

te em n

ossos consu

ltórios a busca p

or tratamen

to psica-

nalítico d

e pacien

tes advin

das d

e centros d

e med

icina rep

rodu

tiva, com

um

a queixa esp

ecífica relacionad

a à ausên

cia involu

ntária d

e filhos. S

ão

pacien

tes que in

iciam a fala sobre si p

elo viés do d

iscurso m

édico, n

ar-

rand

o seus tratam

entos e ap

resentan

do o seu

corpo, evid

encian

do u

m

lugar au

sente d

e subjetivação e im

plicação ao qu

ê dem

and

am. R

eivind

i-

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.53

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io A

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11

52.

tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

cam tam

bém à an

álise o filho, cren

tes no qu

e ind

uz a ciên

cia: a acreditar

que n

ão há o im

possível.

Estas p

acientes p

rocuraram

os centros d

e reprod

ução garan

tidos d

e

que a m

edicin

a lhes d

aria o seu bebê. E

ntretan

to, mesm

o com o avan

ço

da técn

ica méd

ica, somam

-se os casos em qu

e estes tratamen

tos insistem

em fracassar. A

o buscar o an

alista, vêm à lu

z, então, u

ma p

rodu

ção de

fala, e assim, as form

ações do in

conscien

te. Estas, an

tes ofuscad

as pelas

respostas d

a ciência e h

á mu

ito estud

adas p

or Freud

, se reinven

tam e

mold

am o corp

o femin

ino qu

e se dá a assistir, lan

çand

o o psican

alista ao

estud

o da con

stituição d

o sujeito n

a sua relação com

a ciência. (Lacan

,

1966, 1969-70, 1974; Tort, 2001).

O qu

e concern

e à psican

álise na escu

ta destas p

acientes é a p

ossibi-

lidad

e de form

ular qu

estões acerca da su

a relação com a m

aternid

ade,

bem com

o da con

stituição d

a femin

ilidad

e, investigan

do a su

a dem

and

a

e seu su

posto d

esejo imp

licado n

a dem

and

a por u

m filh

o que é reivin

di-

cado à m

edicin

a. Nos in

quieta a qu

estão:

O gozo sexu

al é diretamen

te tratável? Não é, e é n

isso, digamos, e

não digam

os mais n

ada, que existe a fala. O

discurso com

eça por

haver aí u

ma h

iância (Lacan

, 1971, p. 101).

Haveria u

ma en

trega do su

jeito femin

ino e seu

corpo à ciên

cia, e, por

consegu

inte, p

rodu

ções sintom

áticas que d

ecorrem d

esta entrega? D

e

qualqu

er forma, “o su

jeito sobre quem

operam

os em p

sicanálise só p

ode

ser o sujeito d

a ciência”. (Lacan

, 1965-66, p. 873) A

o prop

or que falem

sobre a dificu

ldad

e de en

gravidar, algu

mas m

ulh

eres, tomad

as pela an

-

gústia, exp

ressam terem

med

o de qu

e estão se auto-atacan

do, d

e estarem

prom

ovend

o um

ataque aos seu

s corpos, aos seu

s desejos, e p

rincip

al-

men

te, ao seu filh

o. Pergun

tam-se se n

ão são elas mesm

as que p

rovocam

o fracasso do tratam

ento d

e fertilização, imagin

and

o se não h

averia um

buraco n

o corpo p

or ond

e o filho escap

aria.

A an

gústia é ju

stamen

te algum

a coisa que se situ

a alhu

res em n

os-

so corpo, é o sentim

ento qu

e surge desta su

speita que n

os vem de

nos redu

zirmos ao n

osso corpo. (Lacan, 1974, p. 65).

Para pod

ermos elaborar id

eias acerca da relação d

a mu

lher com

seu

corpo qu

e é dad

o a assistir pela ciên

cia e dos m

odos p

elos quais ela faz

intervir sobre ele, será n

ecessário percorrerm

os a elaboração psican

alíti-

ca das p

rodu

ções sintom

áticas. Lacan n

os dá o cam

inh

o quan

do d

iz que

“nad

a sup

orta a ideia trad

icional d

e um

sujeito, a n

ão ser a existência d

o

significan

te e seus efeitos” (1961, p

. 16).

Ao trabalh

armos p

elo viés de Lacan

, torna-se im

portan

te destacar as

prim

eiras descobertas freu

dian

as, de 1894, sobre o qu

e ele cham

ou d

e

fenôm

enos corp

orais. Freud

faz um

vasto detalh

amen

to sobre as man

ifes-

tações corporais p

resentes n

a neu

rose de an

gústia, e d

estaca, ao final, qu

e

“a alienação en

tre as esferas psíqu

ica e somática n

o rum

o tomad

o pela

excitação sexual é m

ais pron

tamen

te estabelecida n

as mu

lheres qu

e nos

hom

ens” (Freu

d, 1894 [95], 1996, p

. 111). Ele con

stata, na an

álise dos

casos de som

atização anorm

al, como d

iz, que estes ocorrem

em d

ecor-

rência d

e um

a insu

ficiência p

síquica, ou

seja, que h

averia um

desvio p

ara

o camp

o do som

ático de u

m p

rocesso que p

oderia ser elaborad

o no cam

-

po p

síquico. Freu

d faz tod

o um

percu

rso sobre a sexualid

ade qu

e o leva a

conclu

ir sobre o seu im

portan

te pap

el na etiologia d

as neu

roses.

O con

ceito de con

versão, a partir d

e clínica p

sicanalítica d

e Freud

,

inau

gura u

ma n

ova concep

ção da n

oção de corp

o que p

redom

inava n

a

med

icina d

o século X

IX. Freu

d p

rodu

z um

deslocam

ento d

o olhar p

ara a

escuta, in

trodu

zind

o um

a mod

ificação na p

rática terapêu

tica ao que com

isso, o foco da clín

ica deixa d

e ser o sintom

a e passa a ser a fala d

o paci-

ente, e o corp

o enten

did

o enqu

anto tom

ado p

ela lingu

agem.

Esta p

erspectiva abre u

m ou

tro camp

o de in

vestigação sobre a natu

-

reza do corp

o. É, p

ortanto, d

e fun

dam

ental im

portân

cia o analista ofere-

cer ao pacien

te um

a escuta acerca d

e sua d

oença qu

e, ao evocá-la no

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io A

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co

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io A

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54.

tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

camp

o da p

sicanálise, ad

quire ou

tro mod

o de ser en

un

ciada qu

e não m

ais

aquele n

arrado p

elo discu

rso científico, visto qu

e o corpo p

uram

ente or-

gânico, estu

dad

o pela ciên

cia, man

ifesta-se como “corp

o concebid

o in-

teiramen

te como zon

a erógena” (Freu

d, 1940 [1938], 1996, p

. 164) na clí-

nica p

sicanalítica, d

otado d

e valor fantasm

ático. Ao con

ceber o corpo

como u

m con

jun

to de zon

as erógenas, Freu

d retira o foco d

o sexual d

os

órgãos genitais e p

assa a enten

der qu

e todos os órgãos d

o interior d

o cor-

po são p

assíveis dos d

estinos d

a pu

lsão. De tod

o mod

o, é preciso retom

ar

em Freu

d qu

e o que faz gozo é a m

anu

tenção d

e um

estado d

e tensão,

descolan

do o con

ceito do qu

e seria o prazer ou

de u

m bom

fun

cionam

en-

to do órgão; assim

enten

de Leclaire (2007, p

. 57), que salien

ta que “a or-

dem

do p

razer se inscreve verd

adeiram

ente em

contrap

onto com

a or-

dem

orgânica e com

o tal constitu

i prop

riamen

te faland

o, a subversão d

o

mesm

o” (Idem

, p. 58). D

ito de ou

tro mod

o, o incon

sciente d

esconh

ece a

biologia.

Lembra-n

os Alberti e colaborad

ores (2004) que o corp

o do su

jeito

perten

ce a um

sujeito sin

gular e o m

odo com

o ele pod

e vir a falar de seu

próp

rio corpo e o qu

e acredita ter n

o seu corp

o pod

e ser distin

to do qu

e o

méd

ico vê. A au

tora concord

a com Lacan

(1975-76), que n’O

Sem

inário

O S

inth

oma, n

os faz enten

der o qu

anto o corp

o é semp

re estranh

o e nos

escapa.

Em

seus ú

ltimos sem

inários, Lacan

reelabora sua ap

ropriação acerca

do sin

toma, p

ropon

do u

ma con

cepção d

este a partir d

o Real (1974-1975).

Em

O S

inth

oma, Lacan

afirma qu

e é do R

eal que se trata n

o sintom

a,

visand

o um

a articulação en

tre o gozo e o incon

sciente. Para Lacan

, há

algo no sin

toma qu

e resiste à interp

retação, send

o, portan

do, irred

utível.

Ele d

efine o sin

toma p

ela man

eira como cad

a um

goza do in

conscien

te

na m

edid

a em qu

e o incon

sciente o d

etermin

a, dizen

do en

tão que “o in

-

conscien

te é inteiram

ente red

utível a u

m saber” (1974 – 1975, p

. 127).

Temos aí, en

tão, um

a virada im

portan

te para a con

du

ção da clín

ica,

um

a direção p

ara a escuta, p

ois o sintom

a passa a ser en

tend

ido com

o o

que localiza o gozo n

o incon

sciente. N

ão se trata mais d

e realizar um

a

nom

eação do sin

toma, p

rodu

zind

o um

falso buraco (Lacan

, 1975-1976),

visto que este m

anejo viria a p

rodu

zir um

a proliferação d

e sintom

as

(Lacan, 1974; 1975-1976). M

as se tomarm

os o camp

o da lin

guagem

nu

ma

interp

retação capaz d

e prod

uzir equ

ívocos que cerrem

o gozo, seja ele o

gozo Ou

tro (JA) ou

o gozo fálico (JÖ) - este caracterizad

o como fora-d

o-

corpo – obterem

os um

a via possível d

e êxito nas in

tervenções an

alíticas.

Neste cam

inh

o, o sintom

a no corp

o é um

saber, inscrito n

este na for-

ma d

e um

hieróglifo, u

m en

igma, e qu

e trabalha n

o sentid

o de ocu

ltar a

angú

stia. Em

concord

ância está C

olette Soler (2005), qu

e, ao ler Lacan

(1975), susten

ta o sintom

a como u

ma fu

nção d

e gozo. Os even

tos do cor-

po, m

arcados p

ela fixidez d

o sintom

a, são distin

guid

os, diz a au

tora, dos

eventos d

e sujeito. É

o gozo que m

and

a, sugere S

oler. Citam

os Lacan em

A Terceira:

O sin

toma é a irru

pção desta anom

alia em qu

e consiste o gozo fálico,

na m

edida em qu

e aí se mostra, se desabroch

a essa falta fun

da-

men

tal que qu

alifico de não-relação sexu

al (p. 67, 1974)

Abrim

os aqui u

m viés p

ara question

armos o qu

e é ordem

da sexu

ali-

dad

e femin

ina e su

a relação com o falo. “O

falo é o obstáculo feito a u

ma

relação”, lemos em

Lacan (1971, p

. 62). Qu

and

o Lacan con

clui qu

e a

mu

lher é n

ão-toda, ele está d

izend

o que a m

ulh

er está não-tod

a na rela-

ção com o falo. E

xiste para a m

ulh

er um

gozo fora ordem

fálica, ou seja,

não existe u

m u

niversal d

o gozo da m

ulh

er (Idem

, p. 64), o qu

e faz que

não p

ossamos ter certeza d

o seu d

esejo (Ibidem

, p. 70). Talvez Freu

d esti-

vesse toman

do este cam

inh

o ao observar a disp

osição as suas p

acientes

para os even

tos do corp

o.

Lacan n

ão deixa d

e salientar qu

e a med

iação fálica não d

rena tu

do o

que vem

a ser da ord

em d

o pu

lsional n

a mu

lher, in

do n

a contram

ão das

correntes qu

e susten

tam o ch

amad

o instin

to matern

o, e relembran

do qu

e

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.57

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OA

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56.

tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

há algo d

este sexual in

acessível à análise, ou

seja, um

resto de real. (Lacan

,

1960, p. 739) D

este mod

o é cabível pen

sarmos qu

e o filho, com

o restaura-

dor fálico, – assim

teorizava Freud

– dificilm

ente d

á conta d

e cessar a

reivind

icação femin

ina.

O qu

e vem a se in

screver no corp

o é o que Lacan

cham

a de letra, o

que n

os faz pen

sar que d

evemos tom

á-lo ao pé d

a letra. É o literal. E

m

Mais, ain

da, Lacan

ratifica: “A letra, lê-se com

o um

a carta... Lê-se, e lite-

ralmen

te” (1972 – 1973, p. 39). É

ao captar a letra qu

e teremos acesso ao

Real, ap

onta Lacan

(1974), visto que a in

scrição no corp

o está comp

reen-

did

a como fora-d

a-lingu

agem, com

o o autor evid

encia ao colocar em

pla-

no o n

ó-borromeu

.

Em

“O d

iscurso qu

e não fosse sem

blante”, Lacan

cun

ha u

m con

ceito

que vai d

enom

inar litoral, sen

do litoral aqu

ilo que d

e literal não faz rela-

ção, a saber, a letra (Lacan, 1971, p

. 109), que é efeito d

e um

discu

rso. O

litoral faria um

a fronteira n

a qual n

ão há relação recíp

roca, como n

a não-

relação sexual.

É in

teressante p

erceber através da teoria qu

e a letra não p

ode ser

tomad

a como sign

ificante, u

ma v

ez qu

e este tem a q

ualid

ade d

e

polissêm

ico. De m

odo qu

e o hom

em p

ossa se articular com

o significan

te,

A m

ulh

er, diz Lacan

, “só pod

e ocup

ar seu lu

gar na relação sexu

al, na

qualid

ade d

e um

a mu

lher” (1971, p

. 133), à med

ida qu

e faz semblan

te.

Lacan, ao m

esmo tem

po em

que n

os mostra qu

e para gozar é p

reci-

so um

corpo (1971), n

os abre um

camin

ho p

ara elucid

ar estas questões

quan

do d

iz:O am

uro é o qu

e aparece em sign

os bizarros no corpo. S

ão esses

caracteres sexuais qu

e vêm do além

, desse local que tem

os acre-ditado poderm

os ocular n

o microscópio sob a form

a de gérmen

– a

respeito do qual farei vocês n

otarem qu

e não se pode dizer qu

e sejaa vida, pois aqu

ilo também

porta a morte, a m

orte do corpo, por

repeti-lo. É de lá que vem

o mais, o em

-corpo, o A in

da (Lacan,

1972 -73, p. 13).

Ao qu

e nos in

dica qu

e o que n

os dará n

orte para o n

osso estud

o é a

clínica d

a pu

lsão, um

a vez que o d

iscurso cien

tífico prop

õe um

a recup

e-

ração do objeto a, n

a forma d

e objetos prod

uzid

os por este d

iscurso e qu

e

operam

como p

ontos d

e captação d

e gozo e vão servir de com

plem

ento,

se assim p

odem

os dizer, ao gozo fálico. E

nten

dem

os que é a satisfação d

a

pu

lsão um

a barreira a realização do d

esejo subjetivo.

Re

ferê

nc

ias b

iblio

grá

fica

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temátic

a.

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On

da

do

Ac

ting

ou

te

da

Pa

ssa

ge

m a

o A

to

Silv

ia C

arc

uchin

ski T

eix

eira

O F

ilme

A O

nd

a (Die W

elle) é um

filme qu

e trata da p

ossibilidad

e do ressu

rgi-

men

to de m

ovimen

tos totalitários e exclud

entes, in

spirad

o em u

ma h

is-

tória real a partir d

e um

experim

ento em

sala de au

la, feito nos E

stados

Un

idos em

1967. Um

a história cu

riosa sobre a man

ipu

lação de p

essoas, a

falta de ru

mo e d

e valores de u

ma socied

ade con

sum

ista e ind

ividu

alista,

e os rum

os que ela p

ode tom

ar.

Die W

elle é a versão alemã, cu

jo protagon

ista é o professor R

ainer

Wen

ger (Jürgen

Vogel) qu

e trata de d

emon

strar, no m

elhor estilo d

e expe-

rimen

tação em sala d

e aula, com

o é possível o su

rgimen

to de m

ovimen

-

tos ditatoriais. S

eus alu

nos, n

um

prim

eiro mom

ento, d

esun

idos e in

divi-

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60.

tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

du

alistas, aderem

ao movim

ento qu

e prim

a pela d

isciplin

a e pad

roniza-

ção, prop

osto pelo seu

mestre.

Inicialm

ente, o qu

e era um

a brincad

eira, ganh

a traços de seried

ade,

e, como p

ode ocorrer em

qualqu

er situação, com

ou sem

experim

ento, sai

do con

trole através de p

osições extremad

as e desequ

ilibradas. O

s jovens

inicialm

ente vão con

cordan

do e p

articipan

do d

a experiên

cia, mas d

e-

pois, ao sen

tirem su

as opin

iões send

o escutad

as no con

jun

to de u

m p

ro-

cesso de con

strução d

o grup

o, assim com

o de se sen

tirem p

rotegidos p

or

pessoas d

aquela irm

and

ade, p

assam a ter força e valor. Talvez esse fosse

um

sentim

ento qu

e eles não con

hecessem

até o mom

ento n

aquele gru

po,

ond

e a classe social e a raça eram m

ais valorizadas qu

e a capacid

ade

ind

ividu

al. Os alu

nos foram

toman

do as coisas p

ara si e o que era brin

ca-

deira, torn

ou-se algo sério e real.

A situ

ação saiu d

o controle e o p

rofessor, alienad

o ao que acon

tecia

fora da sala d

e aula e m

esmo d

o Colégio, n

ão se deu

conta, m

esmo ten

do

sido alertad

o por su

a mu

lher e p

or algun

s alun

os que n

ão concord

aram

com o exp

erimen

to. A cegu

eira do p

rofessor e sua p

rópria ân

sia em ser

valorizado e levad

o a sério culm

inaram

com u

ma tragéd

ia.

A h

istória que in

spirou

o escritor nova-iorqu

ino Tod

d S

trasser e o

trabalho d

os roteiristas Peter Th

orwarth

e Den

nis G

ansel (d

iretor do fil-

me) ocorreu

na classe d

o professor R

on Jon

es na C

ub

berley

High

Sch

oo

l,

em Palo A

lto, na C

alifórnia.

O elen

co do film

e A O

nd

a é formad

o basicamen

te por joven

s. Do

cleo prin

cipal, Fred

erick Lau, com

o Tim

Stoltefu

ss, o garoto que leva o

experim

ento m

ais a sério e que d

emon

stra prop

ensão ao d

esequilíbrio e

ao extremism

o desd

e o início, foi qu

em in

spirou

esse texto em qu

e pre-

tend

o abordar os tem

as do a

cting o

ut e d

a passagem

ao ato, bem com

o

fazer um

a tentativa d

e relação com a clín

ica psican

alítica, trazend

o frag-

men

tos de u

m caso clín

ico.

Este film

e, como ou

tros recentes qu

e tratam sobre tem

as nazi-fascis-

tas, tais como O

Men

ino d

o Pijam

a Listrado, O

Leitor, Um

Hom

em B

om e

A Fita B

ranca, n

os fazem p

ensar sobre os m

otivos que levam

o ser hu

ma-

no a fazer o m

al para os seu

s semelh

antes.

Recorren

do a algu

mas leitu

ras, detivem

o-nos n

o texto “O Fascism

o

não m

orrerá”, ond

e Ch

arles Melm

an (2000) n

os diz qu

e o fascismo está

presen

te no p

siquism

o de cad

a um

, mas qu

e é preciso algu

mas con

dições

para qu

e se desen

volva, tais como a d

esordem

social, o desem

prego, a

inflação (qu

e transform

a inim

igos em p

arceiros sociais), ameaça vin

da

do exterior, en

fim tod

as as situações qu

e põem

em p

erigo a peren

idad

e do

ancestral. A

lém d

isso, é necessário qu

e se organize u

ma sin

gula

r trind

a-

de: a referên

cia ao ancestral m

ítico do gru

po, a d

ívida d

e sangu

e dos fi-

lhos p

ara com ele e a in

vocação patética a ter qu

e se deson

erar dela. É

preciso m

orrer pelo p

ai, para qu

itar um

a dívid

a mítica. Portan

to, “o fas-

cismo se ap

óia na reu

nião d

e um

a comu

nid

ade p

or um

a exaltação do

sentim

ento n

acional d

e mod

o tal que ju

stifique a p

rimazia d

e seu d

ireito

sobre o de tod

os os outros p

ovos” (Melm

an, 2000, p

. 187).

Este texto n

ão tratará do tem

a fascismo, p

roposto p

elo filme A

On

da,

nem

tamp

ouco abord

ará a experiên

cia do p

rofessor Rain

er Wen

ger com

seus alu

nos. O

que n

os interessa é estu

dar e ten

tar enten

der os atos com

e-

tidos p

elo person

agem T

im, n

ão tend

o nen

hu

ma p

retensão d

iagnóstica,

mas em

desen

volver questões teóricas sobre ato, a

cting o

ut e p

assagem ao

ato, na versão d

a psican

álise. Por fim, u

m recorte clín

ico do caso d

e um

a

criança an

alisada h

á vários anos, a qu

em ch

amarei R

afaela.

Para quem

não assistiu

ao filme ou

para relem

brar: Tim

destoava d

o

grup

o, era um

rapaz qu

e tentava sobressair-se p

raticand

o atos nos qu

ais

quase sem

pre se colocava em

perigo. C

onsegu

ia drogas p

ara dar aos cole-

gas e usava u

m revólver p

ara defen

der algu

ém d

o seu gru

po n

um

a briga

ou su

bia em lu

gares mu

ito altos para colocar o sím

bolo do m

ovimen

to

(um

a ond

a estilizada). R

esum

ind

o: seus atos eram

perigosos p

ara os ou-

tros e prin

cipalm

ente p

ara si, tend

o culm

inad

o com u

m tiro d

isparad

o

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tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

contra si m

esmo

1. De qu

alquer form

a, ele tomou

ao pé d

a letra a experiên

-

cia prop

osta e aniqu

ilou-se com

o sujeito, n

ão tend

o em n

enh

um

mom

en-

to parad

o para p

ensar sobre o qu

e estava por trás d

aquele exp

erimen

to

prop

osto pelo seu

professor e sobre seu

s atos.

Do

actin

g a

o a

to“Jam

ais se é tão sólido em

seu ser com

o quan

do n

ão se pen

sa”, nos

diz Lacan

(1967-1968) no S

emin

ário sobre o Ato Psican

alítico (Tim

nos

dem

onstra com

mu

ita crueza a verd

ade d

e seu in

conscien

te, ele chega a

chocar seu

s colegas de E

scola).

O ato, em

si, está semp

re em relação com

um

começo. E

ste começo é

lógico, mas em

que sen

tido? Talvez seja o “objeto p

erdid

o inicial d

e toda

a gênese an

alítica, esse que Freu

d m

artela em tod

a época d

e seu n

asci-

men

to do in

conscien

te, ele está aí, esse objeto perd

ido, cau

sa do d

esejo.

Teremos qu

e vê-lo como n

o prin

cípio d

o ato” (Lacan, 1968, p

. 84).

O su

jeito dep

end

e da cau

sa que o d

eixa divid

ido e qu

e se cham

a o

objeto a. O su

jeito não é a cau

sa de si, ele é a con

sequên

cia da p

erda, e

seria necessário qu

e se colocasse na con

sequên

cia da p

erda, a qu

e consti-

tui o objeto a, p

ara saber o que lh

e falta.

O fato é qu

e ele somen

te pod

e pen

sar ao se fazer ser. Eu

pen

so, lo

go

eu so

u. A

tarefa analítica em

relação ao sujeito alien

ado n

o eu n

ão

pen

so

é colocar-lhe n

a tarefa eu p

enso e, p

ortanto, d

e começar u

m saber sobre o

eu n

ão

pen

so ineren

te ao estatuto d

o sujeito. D

izend

o de ou

tro mod

o, a

psican

álise nos leva à exp

eriência su

bjetiva da castração. O

sujeito n

ão se

realiza senão com

o falta, o que qu

er dizer qu

e a experiên

cia subjetiva

desem

boca nisto qu

e simbolizam

os por m

enos fi.

Lacan n

os relata que esta falta n

ão é o que sabem

os estar no lu

gar do

eu n

ão

sou

, essa falta estava lá desd

e o início e, p

ortanto, sem

pre sou

be-

mos qu

e ela é a essência d

esse sujeito qu

e cham

amos h

omem

.

Sabem

os, desd

e Freud

, que qu

and

o um

pacien

te não record

a coisas

que esqu

eceu ou

recalcou, ele as rep

rodu

z através de ações, rep

ete-as

sem saber qu

e está repetin

do. D

ito de ou

tra forma, ele exp

ressa essa coisa

pela atu

ação (agieren

), termo qu

e foi tradu

zido em

inglês p

or actin

g ou

t.

Nos fala qu

e “o pacien

te começará seu

tratamen

to por u

ma rep

etição des-

se tipo” (Freu

d, 1914, p

. 196). En

quan

to se encon

tra em tratam

ento, n

ão

pod

e fugir a esta com

pu

lsão à repetição e, n

o final, com

preen

dem

os que

esta é a sua m

aneira d

e recordar.

Mas qu

al será a relação da com

pu

lsão a repetir com

a transferên

cia e

a resistência?

A tran

sferência é ap

enas u

m fragm

ento d

a repetição e a rep

etição é

um

a transferên

cia do p

assado esqu

ecido, n

ão apen

as para o m

édico, m

as

também

para tod

os os outros asp

ectos da situ

ação atual. Q

uan

to maior a

resistência, m

ais o actin

g ou

t (atuação) su

bstituirá o record

ar.

O p

aciente rep

ete, ao invés d

e recordar, e rep

ete sob as cond

ições da

resistência. M

as o que é qu

e ele repete ou

atua? R

epete os seu

s traços

patológicos d

e caráter, os seus sin

tomas, as su

as inibições, etc...

No sem

inário A

An

gústia, Lacan

refere, sobre a questão d

a passagem

ao ato e o actin

g ou

t, que “o m

omen

to da p

assagem ao ato é o d

o embaraço

maior d

o sujeito, com

o acréscimo com

portam

ental d

a emoção com

o dis-

túrbio d

o movim

ento” (Lacan

, 1963, p. 129). O

sujeito se p

recipita e d

es-

pen

ca fora da cen

a. Por sua vez, o a

cting o

ut é o op

osto da p

assagem ao

ato, pois é algu

ma coisa qu

e se mostra n

a cond

uta d

o sujeito.

“Na an

álise, um

actin

g ou

t pod

e constitu

ir um

apelo, u

m d

esafio,

um

a réplica, qu

e atestam u

ma in

capacid

ade d

o dizer, corresp

ond

end

o a

um

a interven

ção no real ou

significan

do o qu

e a interp

retação deixou

de

consid

erar. Rep

resenta, p

ois, um

a verdad

e não recon

hecid

a e se situa n

a

fronteira en

tre a vida real e a cen

a da ficção” (K

aufm

ann

, 1996 p. 4).

Torna a an

álise possível qu

and

o encon

tra possibilid

ade d

e represen

tação

e cede lu

gar à fala.1 Isso não fica m

uito claro na versão alemã do film

e, mas foi o que ocorreu na realidade: um

a passagem ao ato suicida.

Page 33: Correio APPOA 198 miolo · apesar dos estatutos epistemológicos específicos nas relações de objeto em Freud e em ... minou de pior: a psicoterapia. ... implicando uma busca de

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io A

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OA

.65

co

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OA

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64.

tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

Tomarei agora algu

ns fragm

entos d

o caso de u

ma m

enin

a analisad

a

na in

fância a qu

em ch

amarei d

e Rafaela. V

eio encam

inh

ada p

ela Escola

porqu

e estava mu

ito agitada, n

ão parava qu

ieta na su

a mesa, n

ão conse-

guia realizar as tarefas p

ropostas, en

fim: n

ão apren

dia. O

s pais eram

se-

parad

os e ela foi trazida p

ela mãe qu

e referiu qu

e o pai d

e Rafaela ach

ava

que ela n

ão fosse sua filh

a e, portan

to, não a tratava d

a mesm

a forma qu

e

tratava sua irm

ã mais velh

a.

As d

uas m

enin

as moravam

com a avó m

aterna e a m

ãe estava inici-

and

o um

novo relacion

amen

to. Rafaela às vezes ficava com

a mãe, m

as

com o p

ai não; só a irm

ã mais velh

a é que ficava, n

os fins d

e seman

a, na

casa do p

ai.

Ap

ós algum

temp

o de tratam

ento, as m

enin

as voltaram a m

orar com

a mãe e com

seu n

ovo comp

anh

eiro e passaram

a ir visitar a avó, nos fin

s

de sem

ana. A

mãe p

assou a se ocu

par d

elas e orientar as tarefas escolares.

Rafaela com

eçou a ap

rend

er, mas ain

da con

tinu

ava ap

rontan

do n

a Esco-

la e em casa. O

apron

tar era da ord

em d

e atos perigosos qu

e fazia para

irmã e p

rincip

almen

te para si m

esma. M

exia em facas, se cortava. A

cen-

dia o fogão, qu

ase botava fogo na casa. N

o verão gostavam d

e acamp

ar

em lu

gares com bastan

te verde, com

lagos ou açu

des. U

ma vez ten

tou

afogar um

a criança e qu

and

o question

ada, d

isse que estava só brin

cand

o.

Estes atos qu

e se repetiam

, aos pou

cos foram se torn

and

o mais am

enos e,

dep

ois de algu

ns an

os de tratam

ento, d

eixaram d

e ocorrer.

Passei mu

itos anos sem

vê-la, mas sou

be pela su

a mãe qu

e se tornou

um

a moça resp

onsável, casou

-se e é hoje m

ãe de u

ma lin

da m

enin

a.

Em

bora não p

ossamos afirm

ar exatamen

te ond

e e quan

do se d

eram

as mu

dan

ças, no caso d

e Rafaela, qu

e teve acesso a um

tratamen

to psica-

nalítico, foi p

ossível um

a simbolização d

os seus sin

tomas, d

e seus atos e

actin

g ou

t, mas n

o caso do p

ersonagem

Tim

, isso não foi p

ossível, e aca-

bou sen

do realizad

a um

a passagem

ao ato. O qu

e pod

emos com

preen

der

a partir d

isso?

Con

forme A

lfredo Jeru

salinsky, em

Novas P

roposições sobre o A

cting

Ou

t e Passagem ao A

to (Correio d

a Ap

poa, 103,2002), “en

quan

to o acting

out obed

ece a um

estatuto on

de p

revalece o imagin

ário, a passagem

ao

ato opera n

a ordem

do real”

No caso d

o person

agem T

im, a p

assagem ao ato p

arece evocar um

a

saída, a n

ão se defron

tar com o térm

ino d

aquela exp

eriência, ou

seja,

garantir o seu

desejo d

e perten

cer a um

grup

o, de ter am

igos, de ser ou

vi-

do p

elo Ou

tro encarn

ado p

elo seu p

rofessor. No caso d

e Rafaela, p

ela

análise ela p

ode m

anifestar seu

desejo, através d

as brincad

eiras- com

bonecas, e jogos- e p

or meio d

as interp

retações e interven

ções da an

alista

jun

to aos seus p

ais.

Nos d

ois “casos” – da m

enin

a Rafaela e d

o sup

osto rapaz qu

e deu

origem ao p

ersonagem

do film

e – os actin

gs se repetem

como sin

tomas.

Con

forme o grafo d

o semin

ário O ato p

sicanalítico (L

acan, 1967-68),

tanto o recalcam

ento qu

anto a rep

etição fariam o m

esmo m

ovimen

to –

do In

conscien

te (eu n

ão sou) p

ara o Isso (eu n

ão pen

so). Ou

seja, partem

de u

m saber-sem

-sujeito p

ara um

sujeito-ign

orante, alien

ado d

e sua

Verd

ade. A

repetição n

eurótica p

ode se etern

izar, e inclu

sive passar

para ou

tras gerações, se não h

ouver u

m corte, qu

e pod

e ser operad

o pela

castração simbólica, ou

então, através d

a interp

retação em an

álise.

A verd

ade con

qu

istada sob

re o Incon

sciente d

eixa o su

jeito na

posição d

e saber-sem-su

jeito, “lugar n

ovamen

te em falso, qu

e pod

e

catapu

ltá-lo de volta ao p

onto d

a ignorân

cia” (Víctora, 2010).

Será qu

e pod

eríamos p

ensar qu

e o sujeito an

gustiad

o dian

te da p

os-

sibilidad

e de ter o d

esejo aband

onad

o, no caso d

os actin

gs repetid

os, pod

e

vir a cometer u

ma p

assagem ao ato?

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l co

rre

io A

PP

OA

.67

temátic

a.

co

rre

io A

PP

OA

l jan

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11

66.

tem

átic

a.

Re

ferê

nc

ias b

iblio

grá

fica

sFREUD, Sigm

und. Recordar, Repetir e Elaborar (1914), Rio de Janeiro, Imago, 1969.

JERUSALINSKY, Alfredo. Novas Proposições sobre Acting Out e Passagem ao Ato, Correio da APPOA, 103, junho, 2002.

KAUFMANN, Pierre. Dicionário Enciclopédico de Psicanálise, Rio de Janeiro, Jorge Zahar,1996.

LACAN, Jacques. O Seminário, livro 10: A angústia. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.

LACAN, Jacques. O Ato Psicanalítico (1967-1968). Escola de Estudos Psicanalíticos.

MELM

AN, Charles. Clínica Psicanalítica: artigos e conferências. Salvador, Ágalma: Ed. UFBA, 2000.

VÍCTORA, Ligia G. Correio da APPOA, 195, outubro, 2010.

Qu

an

do

a a

ng

ústia

tom

a c

orp

o

Lig

ia G

om

es V

ícto

ra

Cem

anos d

epois d

as teorias de Freu

d sobre o In

conscien

te, parece

que h

á pou

cas dú

vidas d

e que Isso d

etermin

e nossos atos – “som

os vivi-

dos p

or forças descon

hecid

as e incon

troláveis ...” 1 Atu

almen

te, é comu

m

ouvirm

os em con

versas de elevad

or frases com in

terpretações selvagen

s

sobre comp

lexo de É

dip

o, castração simbólica, objeto d

o desejo, ato-fa-

lho, id

entificação, etc. E

xpressões qu

e há p

ouco tem

po se restrin

giam ao

discu

rso psican

alítico.

O saber p

opu

lar sobre o corpo segu

e também

a mesm

a lógica, e cada

vez mais d

oenças, an

tes atribuíd

as a fatores meram

ente o

rgân

icos são

consid

eradas n

ervo

sas, p

sicoló

gicas ou

psico

ssom

ática

s. Qu

antas vezes

escutam

os de p

acientes oriu

nd

os de esp

ecialistas méd

icos que n

os foram

1 Cf. Freud 1927, citando Groddeck.

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68.

tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

encam

inh

ados com

o seguin

te diagn

óstico: – Tu n

ão

tens n

ad

a. V

ai co

n-

versa

r com

um

psica

na

lista!

Basta observar com

o as crianças d

esenh

am o corp

o hu

man

o (e até

mesm

o os adu

ltos, quan

do solicitad

os a desen

har seu

s órgãos intern

os),

para con

firmar qu

e a represen

tação do corp

o é algo totalmen

te subjetivo.

Pedir qu

e alguém

descreva seu

corpo é ou

tro exercício que ilu

stra bem

isso. Pessoas magras se ap

resentam

como gord

as. Pessoas belas como fei-

as, e vice-versa. En

tão o corpo é alu

cinad

o? Este in

vólucro d

e pele qu

e

fornece ao n

euró

tico norm

al u

ma ilu

são de solid

ez e lhe d

á um

limite

entre o E

u e o O

utro, em

outros casos, p

arece líquid

o e estes limites são

tênu

es.

O corp

o, tal como o vem

os, é um

a constru

ção imagin

ária, obra de

um

agregado d

e significan

tes que são en

dereçad

os ao futu

ro sujeito d

es-

de an

tes de n

ascer, e vão send

o emp

ilhad

os sobre o que h

á de R

eal no

orgânico – o qu

al nu

nca en

xergaremos. N

ós, psican

alisantes, sabem

os que

são as palavras qu

e formam

um

sujeito, qu

e formatam

seu corp

o, assim

como o d

eformam

(com os sin

tomas) e tam

bém qu

e pod

em tran

sformá-

lo.2 S

omos o qu

e dizem

de n

ós.

Pois bem, regid

o pela lógica d

o Incon

sciente – on

de n

em sem

pre é

“A =

A”, e “A

” pod

e ser qualqu

er outra coisa – o corp

o também

tem su

a

Topologia, e é acom

etido p

or fenôm

enos qu

e afetam esta su

perfície for-

mad

a pela p

ele, algum

as bordas e u

m m

onte d

e órgãos comp

lexos. Com

o

a Topologia p

ode n

os ajud

ar a comp

reend

er certos processos d

itos físicos,

mas qu

e pod

em ser con

siderad

os como afecções d

a sup

erfície do corp

o?

Marc D

armon

costum

a dizer qu

e há casos qu

e são imp

ossíveis de serem

comp

reend

idos sem

instru

men

tos matem

áticos, pois con

cernem

à

Topologia d

o sujeito.

Exem

plos claros d

estes encon

tramos, em

maior ou

men

or grau, n

as

transform

ações bruscas d

a imagem

do corp

o. Algu

mas – com

o o exagero

das ciru

rgias plásticas p

ara mod

ificá-lo, as tatuagen

s e os piercin

gs para

marcá-los in

delevelm

ente – n

os fazem p

ensar qu

e o corpo é m

ais um

objeto descartável qu

e deve ser trocad

o como u

ma casca, con

forme os

mod

ismos (m

ais peito, m

ais lábios, men

os nariz, m

enos gord

ura). O

utras

transform

ações – alucin

atórias – como n

as dism

orfofobias e também

na

anorexia – com

un

s na ad

olescência e n

as psicoses – p

arecem rem

ontar à

fase do esp

elho e ser d

e ordem

sintom

ática e não voltad

as somen

te para o

social. Afecções d

a pele (alergias, h

erpes, lú

pu

s), presen

tes nas d

oenças

auto-im

un

es, aind

a contin

uam

misteriosas e p

arecem se tratar d

e fenô-

men

os de ou

tra natu

reza, que con

cernem

, no m

eu en

tend

imen

to, à lógica

do S

ignifican

te.

Mais rad

icais aind

a, transform

ações sexuais com

o no travestism

o com

inclu

são de im

plan

tes ou in

gestão de h

ormôn

ios para m

ascarar o sexo

original, e o tran

sexualism

o com ciru

rgias para m

ud

ança d

e sexo, remon

-

tam à lógica d

a sexuação e m

ereceriam m

uito m

ais estud

o e pesqu

isas

antes d

e serem taxad

as como p

erversão ou p

sicose. Por outro lad

o, temos

casos em qu

e revestir ou tap

ar os buracos d

o corpo cu

mp

re um

a fun

ção

de p

roteção. Por exemp

lo, em certas m

odalid

ades d

e psicoses, n

ão é raro

o pacien

te obstruir n

ariz, ouvid

os e ânu

s – como se p

ud

esse assim ao

mesm

o temp

o se proteger d

o exterior ameaçad

or e se tam

pa

r, criar um

invólu

cro para n

ão se esva

ir.

Com

o fica a Topologia d

o corpo n

as transform

ações do m

esmo? K

afka,

em “A

metam

orfose”, descreve o p

avor do n

arrador qu

e um

belo dia acor-

da tran

sformad

o em u

m in

seto cascud

o, que d

edu

zimos en

ojados qu

e

deva ser u

ma barata (a

rgh!). N

ão ficamos lon

ge disso em

mu

itos episód

i-

os vividos em

sonh

os ou n

a realidad

e. Joyce conta em

“Retrato d

o artista

quan

do jovem

”, um

a cena exp

lorada p

or Lacan (1975), n

a qual açoitad

o

pelos am

igos, o adolescen

te sentia com

o se seu corp

o se desp

rend

esse

“como casca d

e fruta m

adu

ra”.2 Cf. Víctora 2006.

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co

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11

70.

tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

A le

tra c

om

o b

ord

a: L

itora

l X L

itera

l

Lacan (1971)

3 no S

emin

ário “Um

discu

rso que n

ão seria aparên

cia”,

associa “literal” com “litoral”, ou

seja, toma a letra com

o borda: – “A

letra

não é (...)

4 litoral mais p

ropriam

ente, seja figu

rand

o só um

dom

ínio in

tei-

ro feito para o ou

tro fronteira, d

o que eles são estran

geiros, até a não se-

rem recíp

rocos.”

Em

outras versões

5 desta m

esma lição (qu

e foi pu

blicada p

rimeira-

men

te como L

ittura

terre) está um

pou

co diferen

te:

Acaso a letra n

ão é o literal a se fun

dar no litoral? Pois isto n

ão é

outra coisa qu

e um

a fronteira. A

liás, vocês puderam

observar que

isso não se con

fun

de jamais. O

litoral é aquilo qu

e coloca um

do-

mín

io inteiro com

o fazendo, em

relação a um

outro, u

ma fron

teira,

justam

ente disto qu

e eles não têm

, absolutam

ente n

ada em com

um

,

nem

mesm

o um

a relação recíproca. Pois a letra não é propriam

ente

litoral? O bordo do bu

raco no saber qu

e a Psicanálise design

a, jus-

tamen

te ao abordar a letra; não é isso o qu

e ela representa?

6

O litera

l no

litora

l. Não seria o con

trário? Um

litora

l a ser fu

nd

ad

o n

o

literal? O

u seja: u

m bord

o Sim

bólico estabelecend

o um

limite n

o Real?

Lembran

do qu

e letra (lettre) em

francês tam

bém sign

ifica carta, e faz

hom

ofonia com

“o ser” (l’être), e voltan

do ao corp

o como en

velope im

agi-

nário d

o sujeito: n

esta metáfora, qu

e end

ereço pod

eria ser escrito neste

envelop

e? O n

ome p

róprio d

o sujeito? O

u o d

o Ou

tro?

Top

ologicamen

te, um

envelop

e nad

a mais é qu

e um

disco, o qu

al

será dobrad

o e bem colad

o, tornan

do-se h

omeom

orfo a um

a esfera. Com

as novas vizin

han

ças, ele “cria” um

interior. A

í ele pod

e portar, in

clusive:

um

a carta (lettre), letras (lettres), ou m

esmo o p

róprio

ser (l’être).

Ou

tro envelop

e bem con

hecid

o nosso, o d

a carta roubad

a7, foi virad

o

du

as vezes para “d

isfarçar”. Virad

o para baixo e virad

o do avesso. E

ste

tipo d

e disfarce com

que n

os dep

aramos o tem

po tod

o nas estórias d

e

nossos an

alisand

os. O d

ito pop

ular é sábio n

estes casos: min

gau qu

ente

se come p

elas bordas.

Ain

da sobre en

velopes, lem

brei do grafo eu

leriano. R

eza a lend

a que

na an

tiga cidad

e de K

önigsberg (Prú

ssia – atualm

ente K

alinin

grado, R

ússia)

havia sete p

ontes sobre o rio P

regel. Du

rante sécu

los os morad

ores ti-

nh

am u

ma ch

arada n

a cidad

e: seria possível a u

m viajan

te conh

ecer a

vila passan

do u

ma vez só em

cada p

onte, n

um

a camin

had

a contín

ua?

Por mais qu

e fizessem torn

eios e gincan

as, não ch

egavam a u

ma con

clu-

são de com

o realizar tal façanh

a. Até qu

e um

dia, em

1736, Leonh

ard

Eu

ler encon

trou a solu

ção.8 T

ransform

and

o as regiões em V

ÉR

TIC

ES

e as

pon

tes em R

ET

AS

, criou o qu

e ficou con

hecid

o como sen

do u

m d

os pri-

meiros p

roblemas qu

e só pod

e ser resolvido através d

a Topologia. C

riou

também

, possivelm

ente, o p

rimeiro G

RA

FO d

a história: qu

e ficou con

he-

cido com

o grafo

de E

uler, n

o qual só se p

ode p

assar um

a vez em cad

a

camin

ho.

O grafo ap

resentad

o por Lacan

(1967-68) para exp

licar as operações

do ato p

sicanalítico tam

bém tem

a forma d

e um

envelop

e.9 M

as, certa-

men

te, os camin

hos p

ercorridos p

or um

a Psicanálise n

ão são eu

lerianos...

Não existe u

m cam

inh

o ún

ico pelos labirin

tos dos sign

ificantes.

3 Lição de 12/05/1971. Tradução da autora.

4 Lituraterre, in: Autres Écrits, p.14: está exatamente assim

. Parece que falta aqui uma parte da frase, que perde o sentido.

Pode-se ler o original em francês, na íntegra, no site: w

ww

.gaogoa.free.fr

5 Por ex: la lettre n’est-elle pas le littéral à fonder dans le littoral ? In: Espaces Lacan. Site: http://espace.freud.pagesperso-orange.fr

6 Tradução da autora. Transcrição direta do seminário oral de Lacan D’un discours... a partir do registro sonoro original da

lição de 12/05/1971. Lituraterre. Disponível em: http://lituraterre.free.fr

7 Conto de Edgar Allan Poe trabalhado por Lacan (1956) no Seminário A carta roubada.

8 Euler provou que não existia tal caminho.

9 Sobre isto, ver: Correio da APPOA no195. Outubro 2010.

Page 37: Correio APPOA 198 miolo · apesar dos estatutos epistemológicos específicos nas relações de objeto em Freud e em ... minou de pior: a psicoterapia. ... implicando uma busca de

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tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

O c

orp

o R

, S e

ILacan

(1966)10 su

geriu qu

e o objeto a pu

desse ser tom

ado: n

o Real,

enqu

anto letra

; no S

imbólico, com

o Sign

ifican

te; e no Im

aginário, com

o

ob

jetos d

e desejo. Tal com

o o objeto, pod

eríamos p

ensar em

três leituras

possíveis d

o corpo:

–C

orpo R

EA

L: o corpo orgân

ico, do qu

al cremos ter acesso através

da B

iologia e cujo in

vólucro n

atural seria a p

ele.11 In

acessível para

nós, p

ois quan

do n

os aprop

riamos d

a Biologia, já é através d

o Ima-

ginário. S

eria a “Vid

a” – células, A

DN

, etc. – isso que foi in

cluíd

o

por Lacan

(1974) no elo d

o Real em

“A terceira”.

–C

orpo S

IMB

ÓLIC

O: feito e efeito d

e Sign

ificantes, seria este en

ve-

lop

e simbólico tecid

o em torn

o do su

jeito pelas p

alavras em geral.

Seria n

este pon

to que su

gerimos qu

e a letra pod

e ser inscrita n

o

corpo com

o borda, m

ais além d

as bordas p

ulsion

ais reais, em tor-

no d

a qual circu

lam os sign

ificantes. Por isso fu

nd

aria um

litora

l,

que circu

nscreve u

m d

omín

io próp

rio do S

ujeito – o seu

Eu

. (O

significan

te Ph

allu

s entraria aqu

i como fu

nção organ

izadora d

o

Sim

bólico.)

–C

orpo IM

AG

INÁ

RIO

: o corpo visível, esp

ecular, qu

e dá su

stenta-

ção ao Su

jeito, e faz um

a conexão en

tre o corpo real e o sim

bólico.

Algu

ns objetos d

este corpo im

aginário (o seio, as fezes, o olh

ar, a

voz) seriam – con

forme Lacan

– constitu

tivos, tomad

os como coi-

sas por serem

todos d

escartá

veis d

o corpo e p

or pod

erem, d

e certa

forma, aten

der ao d

esejo e à dem

and

a do O

utro.

En

tão, um

corpo p

ode ser bio-lógico, m

as o corpo com

que lid

amos

na Psican

álise tem O

utra

lógica. É

um

corpo con

struíd

o em cim

a de fal-

tas: necessid

ades fisiológicas, d

eman

da d

e afeto e desejo in

conscien

te se

combin

am n

um

a equação com

plexa. O

apelo p

elo Ou

tro vem d

e todo

lado. A

final, qu

al a estrutu

ra de u

m corp

o? É u

m saco com

o na Top

ologia

de Freu

d? É

um

toro de Lacan

? Um

cross-ca

p?

Em

Freud

, de acord

o com a lógica aristotélica e a trad

ição platôn

ica,

o corpo p

arecia bem sólid

o, tinh

a den

tro e fora delim

itados e sep

arados.

Já em Lacan

(1953) 1

2, o anel bilátero rep

resentou

a prim

eira topologia d

o

corpo, e d

epois (1962) o cro

ss-cap (su

perfície u

nilátera) a d

o corpo real.

O toro, ‘p

ré-corte’ do S

ignifican

te, seria a estrutu

ra do fu

turo su

jeito, ‘an-

terior à castração simbólica’. A

pós o corte d

o Nom

e-do-p

ai, deveria m

u-

dar p

ara um

a estrutu

ra mœ

biana, on

de n

ão há d

entro e fora. C

omo se

passar d

e um

a estrutu

ra fechad

a bilátera para u

ma u

nilátera fosse u

m

problem

a para Freu

d... M

as – com a ban

da d

e Mœ

bius – Lacan

(1962)13,

finalm

ente, d

emon

strou ser isto p

ossível, provou

-o e justificou

matem

a-

ticamen

te.

O c

orp

o n

a c

ad

eia

bo

rrom

ea

na

Ou

tra abordagem

do corp

o feita por Lacan

(1970 e seg.) foi pela teo-

ria dos n

ós. Na cad

eia borromean

a, o corpo foi localizad

o no elo d

o Ima-

ginário.

Com

paran

do as d

uas figu

ras abaixo, vemos qu

e no sem

inário R

SI a

cadeia borrom

eana se ap

resenta u

m p

ouco d

iferente d

a conferên

cia “A

terceira”: Lacan m

odificara o lu

gar do sin

toma, qu

e passou

para d

entro

do R

eal (antes ocu

pava o lu

gar que n

o RS

I ocup

a o camp

o fálico). En

-

quan

to que ou

tros lugares se m

odificariam

ao longo d

e seus sem

inários,

dep

end

end

o do qu

e estava tratand

o no m

omen

to, o lugar d

o corpo con

ti-

10 Lição de 27/04/1966.

11 A pele, conforme Gilson Firpo, é o m

aior órgão do corpo humano e o envolve por dentro e por fora, lem

brando uma

estrutura tórica.

12 Conferência “Função e Campo da fala e da linguagem

13 Seminário A Identificação. Lição 12, e seguintes.

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74.

tem

átic

a.

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

nu

ou sem

pre n

o Imagin

ário. É in

teressante acom

pan

har os d

iferentes u

sos

da cad

eia borromean

a no en

sino d

e Lacan, m

as cito apen

as dois, qu

e nos

interessam

aqui:

–E

m “A

terceira”, a Vid

a foi represen

tada n

o Real, a M

orte n

o Sim

-

bólico e o Co

rpo n

o Imagin

ário. Nesta con

ferência, Lacan

(1974)

“abriu” o n

ó borromeu

, para d

ar lugar aos con

ceitos freud

ianos:

Inco

nscien

te, Pré-co

nscien

te e Sin

tom

a.14

–N

o semin

ário RS

I, Lacan15 retom

aria outra tríad

e freud

iana – In

i-

biçã

o, S

into

ma e A

ngú

stia, explican

do, u

ma p

or um

a:

1) A In

ibiçã

o, é “semp

re um

a fun

ção do corp

o”, disse en

tão Lacan.

Um

a fun

ção: observem

como ele traz u

m term

o matem

ático para exp

li-

car um

a relação entre o corp

o e o significan

te! Efeito d

a “intru

são do

Imagin

ário”, que faria com

o que u

m “bu

raco no cam

po d

o Sim

bólico” –

em su

as próp

rias palavras. O

corpo vai se “im

iscuir” n

o Sim

bólico, pro-

vocand

o um

a paralisação d

o fun

cionam

ento. S

e a inibição é som

ente

imagin

ária ou se “alcan

çaria até o sistema n

ervoso central – isto m

erece-

ria um

a investigação m

ais profu

nd

a”, disse en

tão Lacan. Pela figu

ra abai-

xo, pod

emos acom

pan

har seu

pen

samen

to.

A in

ibição é sem-sen

tido

, e se prod

uz n

o camp

o do S

imbólico. E

xem-

plos: o la

psu

s cala

mi e o la

psu

s lingu

æ, q

ue ap

ontam

para d

eslizes do

Imagin

ário sobre o Sim

bólico.

2) O S

into

ma, aqu

ilo “que id

entificam

os que se p

rodu

z no cam

po d

o

Real”, seria o “efeito d

o Sim

bólico no R

eal”, disse Lacan

16. O

bservem a

mu

dan

ça em relação àqu

ilo que ele h

avia enu

nciad

o na con

ferência “A

Terceira”: nesta, o sin

toma ap

arecia na “abertu

ra” do aro d

o Real.

3) E, fin

almen

te, a An

gústia, p

artind

o do real, d

aria “sentid

o ao gozo”

que se p

rodu

z pelo recorte feito n

a sup

erfície – pelo “recorte eu

leriano d

o

Real e d

o Sim

bólico”.17

No sem

inário “A

angú

stia”, Lacan (1962-1963) d

issera que o objeto

do d

esejo é o mesm

o objeto da an

gústia: o objeto

a. Com

o provocar o

desejo e tam

bém a an

gústia n

um

futu

ro sujeito é o m

esmo qu

e pergu

ntar:

como in

trodu

zir um

a borda n

um

a sup

erfície fechad

a? Com

o na Top

ologia,

para se fu

rar u

ma su

perfície fech

ada é n

ecessário dem

arca

r um

bo

rdo.

Isto pod

e ser feito pela m

ãe, ou seu

substitu

to, ao acariciar seu bebê. É

isso que faz a d

elimitação d

e um

a zona erógen

a como lu

gar de p

ura

dife-

rença

– como d

isse Lacan, e, an

tes dele, D

e Sau

ssure. A

erogeneização d

o

corpo d

o fala

sser foi assim tratad

a por Lacan

(1963)18 com

o send

o a aber-

tura d

e um

buraco, p

rivilegiand

o um

a região qualqu

er do corp

o.

14 Influenciado talvez com a tese de Pierre Bourdier sobre o cam

po social, adotou o conceito para a Psicanálise, e começou

a falar em cam

po simbólico, cam

po do sintoma e cam

po fálico.

15R.S.I., lição 1. 10/12/1974.

16 Idem.

17 Idem, ibidem

.

18 Idem. Lição 7 (09/01/1963).

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debate

s.

co

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76.

tem

átic

a.

19 Pág. 60.

Leclaire (1969)

19 refere-se ao afago d

a mãe com

“porta-letra” ou

“inscritor”, p

ois introd

uz o S

ignifican

te no corp

o do fu

turo S

ujeito. A

inscrição d

a letra no corp

o do fa

lasser seria, en

tão, um

a “projeção d

e um

Ou

tro corpo sobre o corp

o do su

jeito”. No sem

inário “A

Iden

tificação”,

Lacan (1961-1962)

insiste: m

esmo n

a ausên

cia do p

ai da realid

ade, o Falo

simbólico p

ode estar p

resente, p

ois é ele que faz o “bu

raco para ali in

tro-

du

zir o objeto do d

esejo”. Dito d

e outra form

a, o objeto a d

eve ser introd

u-

zido n

o sujeito, p

ela fala

de u

m “rep

resentan

te do sign

ificante d

o Nom

e

do p

ai”.

Teríamos m

uita coisa a d

esenvolver sobre as qu

estões levantad

as so-

bre o corpo, seja ele real, sim

bólico, imagin

ário. Com

o nosso tem

po e o

espaço aqu

i são curtos, d

eixamos p

ara cada u

m as con

clusões, se é qu

e

isto é possível.

Re

ferê

nc

ias b

iblio

grá

fica

sFREUD. Sigm

und. 1927. O Ego e o Id. Ed. Eletrônica de Freud. Rio de Janeiro: Ed. Imago, vol.XIX.

LACAN, Jacques-Marie. 1961-62. L’identification. Disponível em

: ww

w.gaogoa.free.fr.

LACAN, Jacques-Marie.1962-63. L’angoisse. w

ww

.gaogoa.free.fr.

LACAN, Jacques-Marie.1971. D’un discours qui ne serait pas du sem

blant. ww

w.gaogoa.free.fr.

LACAN, Jacques-Marie.1974-75. RSI. w

ww

.gaogoa.free.fr.

LACAN, Jacques-Marie.1975-76. Le Sinthom

e. ww

w.gaogoa.free.fr.

LACAN, Jacques-Marie.1971. Lituraterre. In: Autres Écrits. Ed. Seuil. Paris, 2001. LACAN, Jacques-M

arie.1971. Lituraterre.Versão oral integral. Disponível em

: http://lituraterre.free.fr.

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LACAN, Jacques-Marie.1974. Conferência A Terceira. In: Cadernos Lacan -vol. 2. Porto Alegre: Edição interna da APPOA,

2002.

LECLAIRE, Serge. Psychanalyser. Paris: Ed. Seuil. 1969.

VÍCTORA, Ligia Gomes. 2006. Afânise. Revista da APPOA, n

o31. Porto Alegre: Edição interna da APPOA, 2006.

A d

or m

aio

r: me

lan

co

lia e

ma

so

qu

ism

o

Felip

e G

arra

fiel P

imente

l

Qu

and

o se fala tanto em

constru

ção da lou

cura e d

e novas p

atologi-

as, torna-se in

teressante voltarm

os a atenção p

ara patologias sem

pre p

er-

cebidas. É

o caso da m

elancolia. N

o pen

samen

to ociden

tal, e também

oriental, m

uitos qu

estionaram

esta afecção da alm

a que a torn

a desisten

te

de tu

do e tod

os, mas, acim

a de tu

do, d

e si mesm

a. De A

vicena a Joh

n

Locke, obviamen

te partin

do d

e Hip

ócrates, que a ch

amava d

e bile negra

(don

de vem

o nom

e), os grand

es pen

sadores recon

heceram

a possibilid

a-

de d

e este mu

nd

o (ou o in

terior – e há d

iferença?) n

ão mais in

teressar a

alguém

.

No en

tanto, são d

ivagações teóricas, e sabemos qu

e no sécu

lo XV

II

há u

ma gran

de virad

a no con

hecim

ento ocid

ental com

o que ch

amam

os

de R

evolução C

ientífica. O

afã categorial avança d

as racionalizações e

“vai ao mu

nd

o” comp

reend

ê-lo e organizá-lo. Tu

do, obviam

ente, p

remi-

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po

log

ia d

o c

orp

o.

co

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78.

debate

s.

do p

ela necessid

ade d

e os estados, recém

organizad

os, orden

arem a so-

ciedad

e civil. Qu

er dizer, é a p

artir daí qu

e pod

emos falar efetivam

ente

de u

m saber em

pírico sobre a d

oença m

ental

1. E, se acom

pan

ham

os a

história d

a psiqu

iatria, temos qu

e, desd

e os prim

eiros, e todos os gran

des,

viram a m

elancolia n

os asilos e elucu

braram sobre em

seus textos.

Um

a das p

rimeiras ocorrên

cias é o mon

um

ental T

he an

atomy of

melan

choly

2, de R

obert Bu

rton, p

ublicad

o em 1621. A

mon

um

entalid

ade

do texto n

ão se esgota no tam

anh

o (mais d

e mil p

áginas), m

as na

genialid

ade clín

ica e também

categorial (não n

os emocion

emos tan

to com

Foucau

lt) do au

tor. Um

a de su

as senten

ças mais p

recisas sobre a patolo-

gia temos ain

da n

o início d

a obra: “Melan

colia, neste sen

tido, é o caráter

da m

ortalidad

ade” (B

urton

, 2001, p. 144).

Algu

ns an

os dep

ois, no fim

do sécu

lo XV

II, John

Moore p

ublica O

f

religious m

elanch

oly, abrind

o espaço p

ara a associação aind

a mais clara

entre a ton

alidad

e melan

cólica e a relação com a m

orte e, logo, com a

religiosidad

e. No in

ício da m

odern

idad

e, é recorrente tal relação, seja n

a

literatura, seja em

análises d

e casos. David

Irish, p

roprietário d

e asilo no

início d

o século X

VIII, tom

a a melan

colia como u

ma d

as patologias m

ais

recorrentes (qu

e ele sonh

ava curar com

boa comid

a) e, prin

cipalm

ente,

Pin

el trata dela n

o Tratad

o sobre a alienação m

ental ou

a man

ia. Este

adian

ta um

paralelo freu

dian

o: a melan

colia pod

e travestir-se em m

ania.

Karl Jasp

ers, situa a m

elancolia n

o “Terceiro círculo d

as grand

es psico-

ses” (673), no seu

Psicopatologia G

eral.

Mas foi A

braham

, em texto in

titulad

o “Notes on

the Psych

o-An

alytical

Investigation

and

Treatm

ent of M

anic-D

epressive In

sanity an

d A

llied

Con

dition

s” que Freu

d cita n

um

a nota d

e pé d

e págin

a, o respon

sável

por, d

entro d

a teoria psican

alítica da alm

a, situar a m

elancolia d

entro d

o

quad

ro da p

sicose man

íaco-dep

ressiva, como u

ma im

possibilid

ade d

e

freamen

to dos im

pu

lsos hostis, qu

e, ao invés d

e dirigirem

-se ao mu

nd

o

externo, voltam

-se contra o p

róprio in

divíd

uo. S

eria um

a espécie d

e auto-

paran

óia.

Freud

, no clássico “Lu

to e Melan

colia”, amp

arado em

Abrah

am,

avança a com

preen

são da p

atologia ao traçar um

paralelo com

o luto.

A n

ecessidad

e de aban

don

o do in

vestimen

to da libid

o no objeto p

erdi-

do n

o luto, n

ormalm

ente, p

rovoca, inicialm

ente, rep

ulsa e rejeição d

o

mu

nd

o – conscien

temen

te. Corresp

ond

em a este estad

o a inibição e a

perd

a de in

teresse no m

un

do extern

o como esforços h

ercúleos p

ara o

ego. Posteriormen

te, “resolvid

o” o luto, o ego está liv

re para n

ovos

investim

entos. N

o entan

to, nos casos d

e melan

colia, a perd

a objetal

não se faz n

o incon

sciente, e o p

róprio ego volta-se con

tra o ind

ivídu

o:

“Mas a libid

o livre não foi d

eslocada p

ara outro objeto; foi retirad

a para

o ego” (Freud

, 1996, p. 281).

O ego id

entificad

o com o objeto p

erdid

o torna-se a sed

e do ód

io do

ind

ivídu

o, pois ele u

tiliza seu ego com

o um

objeto (e quan

do n

ão é?), o

qual ele m

altrata e repu

dia. E

is o pon

to ond

e a melan

colia torna-se clara-

men

te um

masoqu

ismo d

o ego, ou u

m sad

ismo d

o ind

ivídu

o e seu in

-

conscien

te contra seu

ego. Isto é, não se trata d

e um

hetero-erotism

o, pois

o objeto está no ego, n

em d

e um

auto-erotism

o, pois o ego está tom

ado

por u

m ou

tro objeto. Isto porqu

e um

a relação libidin

al transform

ou-se

nu

ma relação m

ortífera do in

divíd

uo com

seu ego, cu

jo efeito maior é u

m

ódio d

a próp

ria falicidad

e como tal, p

ois é ela a respon

sável pelo d

esejo

que libid

inou

o objeto outrora am

ado, agora p

erdid

o.

A su

speita d

e Freud

, que ele n

ão leva adian

te, de qu

e a melan

colia

seria um

a psicose alu

cinatória d

o desejo, n

ão se confirm

a, pois a d

or do

melan

cólico esvazia o desejo, recon

hecen

do-o, m

as o desvalorizan

do. S

e

não se trata d

e um

a foraclusão d

a falicidad

e, mas d

e um

desm

entid

o da

falicidad

e, o que faz com

que este circu

ito não se tran

sforme n

um

a per-

versão, que com

partilh

a deste d

esmen

tido? S

omen

te a sede on

de in

cide

1 Foucault bem o percebeu na su’A História da Loucura.

2 No Brasil, há um grande livro sobre o tem

a da melancolia relacionado à literatura e ao “shandism

o” intitulado Riso em

elancolia, de Sergio Paulo Rouanet.

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rre

io A

PP

OA

.81

resenha.

co

rre

io A

PP

OA

l jan

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20

11

80.

debate

s.

este desm

entid

o: enqu

anto n

a perversão in

cide sobre o O

utro, n

a melan

-

colia sobre o próp

rio sujeito.

Diferen

temen

te do qu

e sup

omos qu

and

o sofremos p

or um

objeto

desejad

o perd

ido, a d

or maior é o lu

to do p

róprio d

esejo. Com

o afirma

Lacan: “N

’ont-ils d

onc p

as, s’ils croient avoir m

eilleure oreille qu

e les

autres p

sychiatres, en

tend

u cette d

ouleu

r à l’état pu

r mod

eler la chan

son

d’au

cun

s malad

es qu’on

app

elle mélan

coliques ?”

3 (Lacan, 1999, p

. 255).

O qu

e resta a um

sujeito qu

e, ao mesm

o temp

o que recon

hece o d

esejo o

esvazia? Eis o qu

e, Pierre H

enri C

astel explicita qu

and

o defin

e a melan

-

colia como o “d

eixar-se alguém

morrer p

ela morte”

4.

Re

ferê

nc

ias b

iliog

ráfic

as

ABRAHAM, Karl. Notes on the Psycho-Analytical Investigation and Treatm

ent of Manic-Depressive Insanity and Allied Conditions.

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BURTON, Robert. The anatomy of m

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PINEL. Tratado Médico-Filosófico sobre a alienação m

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3 “Pois então não ouviram eles, se crêem

ter um ouvido m

elhor do que outros psiquiatras, essa dor em estado puro m

odelara canção de alguns doentes, denom

inados de melancólicos?”

4 Pierre Henri Castel, em seu texto “Loss, bereavem

ent, mourning, and “m

elancholy”: a conceptual sketch, in defence ofsom

e psychoanalytic views”, disponível em

http://pierrehenri.castel.free.fr/.

Do

res d

o M

un

do

SC

HO

PE

NH

AU

ER

, Arth

ur. D

ore

s

do m

und

o –

A M

eta

físic

a d

o A

mor

– A

Morte

– A

Arte

– A

Mora

l –

O H

om

em

e a

Socie

dad

e.

Liv

raria

Pro

gre

sso E

d., S

alv

ad

or, 1

995.

A d

or é um

a das coisas m

ais imp

ortantes d

e min

ha vid

a

(Margu

erite Du

ras. A d

or.)

Em

época d

e fármacos, d

o imp

erativo de ser feliz a qu

alquer cu

sto,

do avan

ço consid

erável dos m

anu

ais de au

to-ajud

a, entre ou

tros fenôm

e-

nos característicos d

as sociedad

es excitad

as con

temp

orâneas, a leitu

ra

de A

rthu

r Sch

open

hau

er, filósofo do sécu

lo XIX

– hoje com

preen

did

o

como qu

em p

rodu

ziu u

m p

ensam

ento oscilan

te entre u

m p

essimism

o

teórico e um

otimism

o prático – p

arece um

anacron

ismo grave. Isto, caso

Page 42: Correio APPOA 198 miolo · apesar dos estatutos epistemológicos específicos nas relações de objeto em Freud e em ... minou de pior: a psicoterapia. ... implicando uma busca de

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.83

A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

co

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11

82.

resenha.

o sentid

o de u

m clássico fosse o d

e fornecer resp

ostas às questões qu

e nos

interrogam

, e não, o d

e nos in

citar ao trabalho com

o laboriosamen

te nos

transm

itiu Freu

d d

esde os p

rimórd

ios da p

sicanálise e Lacan

, em tod

a a

extensão d

e seu en

sino.

Ler D

ore

s do

Mu

nd

o, livro que reú

ne u

ma p

arte consid

erável do

pen

samen

to do filósofo, em

suas d

uas afirm

ações perem

ptórias – Tod

a

a v

ida

é sofrim

ento

ou qu

e Só

a d

or é p

ositiv

a, p

ode p

arecer, de fato

, algo

ou

t. Um

a bizarrice. No en

tanto, articu

lados em

um

a dim

ensão m

etafí-

sica, o sofrim

ento e a

do

r para S

chop

enh

auer, em

nad

a se aproxim

am d

as

prop

osições contem

porâan

eas formu

ladas p

elos discu

rsos das N

eurociên

-

cias ou m

édico-cien

tíficos. Esses d

iscursos ao p

atologizarem a d

or e a

tristeza, subtraem

do in

divíd

uo u

m im

portan

te saber sobre a dor d

e viver,

como reflete M

aria Rita K

ehl, em

sua obra “O

temp

o e o

cão

– a

atu

alid

a-

de d

as d

epressõ

es” (2009).

Vejam

os um

a breve citação do filósofo, em

Do

res do

Mu

nd

o, que p

a-

rece nos rem

eter ao cerne d

o seu p

ensam

ento:

Se a n

ossa existência n

ão tem por fim

imediato a dor, pode-se dizer

que n

ão tem razão algu

ma de ser n

o mu

ndo. Porqu

e é absurdo ad-

mitir qu

e a dor sem fim

que n

asce da miséria in

erente à vida e

ench

e o mu

ndo, seja apen

as um

puro aciden

te, e não o próprio fim

.C

ada desgraça particular parece, é certo, u

ma exceção, m

as a des-

graça geral é a regra (p. 25).

Ao p

ercorrer esta coletânea os leitores irão se d

eparar com

temas qu

e

semp

re interp

elaram a H

um

anid

ade, e aos in

divíd

uos d

e mod

o particu

-

lar, tais como O

Am

or e A

Mo

rte. Em

todas as ép

ocas o amor e a m

orte

aparecem

descritos e tem

atizados, em

prosa, em

verso, na literatu

ra e nas

artes em geral. Porém

, o que S

chop

enh

auer se p

ropõe é exam

inar esses

temas d

e mod

o filosófico, já que, n

os diz ele à p

ágina 60

, “tem sid

o tema

eterno d

e todos os p

oetas”, e “um

a questão qu

e represen

ta na vid

a hu

ma-

na u

m p

apel tão im

portan

te tenh

a sido, até agora, d

escurad

a pelos filóso-

fos, e se encon

tre dian

te de n

ós como u

ma m

atéria nova”.

É bastan

te curiosa a m

aneira com

o Sch

open

hau

er descreve essa

“matéria n

ova”. Faz alusão ao fato d

e que n

ão é só nos rom

ances qu

e

existem W

erth

er, p

ois todos os an

os a Eu

ropa p

oderia ap

resentar “p

elo

men

os um

a meia d

úzia; {qu

e}morrem

descon

hecid

os, e os seus sofri-

men

tos têm ap

enas com

o cronista o em

pregad

o que registra os óbitos

(...), mas m

aior aind

a é o nú

mero d

aqueles a qu

em essa p

aixão cond

uz

ao man

icômio” (p

. 60).

Essa p

aixão a que se refere é o A

mor em

sua d

imen

são sexual, a qu

al

mu

itas vezes leva o ind

ivídu

o, como ilu

stra Goeth

e com a su

a person

a-

gem W

erther, a n

ão sup

ortar um

sofrimen

to grand

e dem

ais. Werth

er, que

não era u

ma B

ova

ry pron

ta para o ad

ultério, teve com

o desen

lace dessa

paixão, o su

icídio.

Arth

ur S

chop

enh

auer foi qu

em in

trodu

ziu n

a filosofia do seu

temp

o

o Am

or em su

a dim

ensão d

e “instin

to natu

ral dos sexos”. R

epresen

ta no

contexto d

o século X

IX, o p

ensam

ento qu

e se prop

õe romp

er com a visão

idealista rom

ântica, d

esden

han

do com

vigor da m

etafísica de Fich

te,

Sch

elling e H

egel, ao afirmar qu

e o Am

or n

ão

existe e que só

a Do

r é

positiv

a. O

Am

or, para o filósofo, n

ada m

ais é que “im

pu

lso sexual”, isto

é, vida, cu

jo fim é a cóp

ula.

Em

O M

un

do

com

o V

on

tad

e e Rep

resenta

ção, su

a op

us m

agn

us, es-

crita em 1819, com

a segun

da ed

ição com com

plem

entos em

1844, ganh

a

relevância n

o contexto d

a filosofia alemã ap

enas p

or volta de 1850. É

que d

esenvolve su

a visão dú

plice d

e mu

nd

o – Von

tade (W

ille) e Rep

re-

sentação (V

orstellu

ng) – em

um

diálogo ten

so com o id

ealismo alem

ão

vigente, em

bora se man

tend

o herd

eiro da filosofia K

antian

a. Um

a prop

o-

sição de M

un

do cego e irracion

al, pois qu

e dep

end

ente “a

pen

as d

e um

fio

ún

ico

e d

elg

ad

íssimo

: a c

on

sciê

nc

ia e

m q

ue

ap

are

ce

”. Tod

avia,

Sch

open

hau

er nos fala d

e um

a experiên

cia intern

a do in

divíd

uo – u

ma

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A to

po

log

ia d

o c

orp

o.

co

rre

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20

11

84.

resenha.

consciên

cia interior qu

e cada u

m p

ossui d

e si mesm

o como von

tade e

que é p

rimitiva e irred

utível.

O p

arentesco en

tre os pen

samen

tos de S

chop

enh

auer e Freu

d são

eviden

tes. Con

firmad

o inú

meras vezes p

elo criador d

a psican

álise: “Vós,

talvez, direis en

colhen

do os om

bros: isso não é ciên

cia natu

ral, mas filo-

sofia schop

enh

aurian

a. Mas p

or que, m

inh

as senh

oras e meu

s senh

ores,

não d

evia um

pen

sador au

daz ter an

tecipad

o o que d

e mod

o objetivo e

árdu

o a investigação m

inu

ciosa confirm

a?”

No m

omen

to da virad

a de su

a teoria das p

ulsões, Freu

d rep

orta-se a

Sch

open

hau

er algum

as vezes, aind

a que d

este se distan

cie ao não afir-

mar a m

orte como o ú

nico fim

da vid

a: “Nós recon

hecem

os dois im

pu

lsos

fun

dam

entais e d

eixamos a cad

a um

o seu fim

”. Ao m

onism

o da V

ontad

e

em S

chop

enh

auer, Freu

d ap

onta p

ara a du

alidad

e irredu

tível das p

ulsões:

ao lado d

a morte, a vid

a. O am

or (Eros) e a m

orte (Tân

atos) foram m

atéria

crucial p

ara Freud

. Em

Além

do P

rincíp

io de P

razer, por exem

plo, texto

de 1920, m

omen

to em qu

e persegu

e nova h

ipótese p

ara a oposição qu

e

antevira en

tre pu

lsão de vid

a e pu

lsão de m

orte.

O m

odo sin

gular com

o qual a p

sicanálise p

erscruta as d

ores d

o m

un

-

do, o sofrim

ento h

um

ano, o am

or e a morte, revolu

cionou

o século X

IX

de S

chop

enh

auer trazen

do con

seqüên

cias irreversíveis para tal sécu

lo,

porqu

e como n

os diz E

dson

Sou

sa e Paulo E

nd

o: “Freu

d revolu

cionou

ao

mostrar qu

e a dor qu

er e precisa falar, m

esmo qu

e suas m

ensagen

s nem

semp

re sejam facilm

ente com

preen

síveis. Mu

itas vezes elas surgem

como

enigm

as, desen

han

do n

o corpo esp

aços obscuros, h

ieróglifos” (2009, p.

7). Com

Lacan

um

a nova faceta se im

pôs p

ara a clinica p

sicanalítica

contem

porân

ea, pois qu

e ao falar das relações en

tre a Med

icina e a Psica-

nálise (1966), ch

amou

a atenção p

ara as diferen

ças de estatu

to do corp

o

sobre o qual op

eram m

édicos e p

sicanalistas. E

sse corp

o q

ue d

ói, p

ara a

psican

álise, se apresen

ta à escuta em

suas d

imen

sões imagin

ária, simbó-

lica, e real. Esse corp

o pu

lsional, afirm

a Lacan n

esta inu

sitada e corajosa

conferên

cia proferid

a sobre Med

icina e Psican

alise, (Collège d

e Méd

icine

dês H

ôspitau

x de Paris) é u

ma su

bstância gozan

te – um

corpo qu

e goza.

De fato, é u

m red

obrar das relações en

tre ind

ivídu

o, dor e sofrim

ento,

cuja ilu

stração encon

tramos n

a topologia lacan

iana, em

especial com

o

Nó B

orromeu

, apresen

tado em

a Terceira (In: C

adern

os Lacan, V

ol 2,

AP

PO

A, 2002) e em

RS

I.

Ou

tras aproxim

ações, mas tam

bém d

ivergências, en

tre o filósofo

pessim

ista de D

ore

s do

Mu

nd

o e a p

sicanálise freu

dian

a, foram

estabelecidas. E

ncon

tramos em

Paul-L

auren

t Assou

n, em

sua p

ublica-

ção Freud

, a filo

sofia

e os filó

sofo

s, de 1978, o Freu

d d

o Ma

l-estar d

a civ

i-

liza

ção p

erpassad

o pela ética p

essimista sch

open

hau

eriana. A

ssociados

por con

siderações p

essimistas, sobretu

do, n

ão por serem

tais consid

e-

rações “simp

les lugares-com

un

s retóricos”, mas p

orque “rem

etem a u

ma

problem

ática precisa ten

do su

as raízes na gran

de corren

te pessim

ista ale-

mã oriu

nd

a de S

chop

enh

auer” (1978, p

. 191). No en

tanto, p

arece ser na

man

eira pela qu

al Sch

open

hau

er pen

sa a Arte, con

sideran

do-a com

o um

camin

ho qu

e possibilita ao h

omem

escapar d

a vontad

e e da d

or que a

mesm

a imp

lica, que vem

os toda a riqu

eza da leitu

ra freud

iana d

este “sis-

tema” m

etafísico para a form

ulação d

o conceito d

e sublim

ação, por exem

-

plo. A

Arte p

ara Sch

open

hau

er particip

a de m

aneira su

bstancial n

a

objetivação da von

tade: “A

arte é red

ençã

o –

Ela

livra

da

vo

nta

de e p

or-

tan

to d

a d

or . –

To

rna

as im

agen

s da

vid

a ch

eias d

e enca

nto

” (1955, p.

139). Livra da von

tade, p

orém sem

garantias ...

É n

otável a hierarqu

ia que estabelece d

as Artes n

a sua fu

nção d

e

“fuga”, d

e fazer escapar a von

tade. Portan

to, na con

tribuição p

ara a eli-

min

ação da d

or e do sofrim

ento S

chop

enh

auer p

arte da A

rquitetu

ra,

situan

do-a em

um

grau in

ferior, já que essa arte evid

encia a resistên

cia

e as forças intrín

secas presen

tes na m

atéria, para ch

egar ao últim

o pata-

mar on

de situ

a a experiên

cia mu

sical. A m

úsica, d

isse em O

Mu

nd

o

co

mo

Vo

nta

de e

Rep

rese

nta

çã

o, “n

ão requer p

alavra, é a lingu

agem

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l co

rre

io A

PP

OA

.87

agenda.

co

rre

io A

PP

OA

l jan

eiro

20

11

86.

resenha.

ag

en

da

janeiro

. 2011

dia

ho

raa

tivida

de

pró

xim

o n

úm

ero

Ca

rna

va

l

07, 14, 21 e 2814h

Reu

nião da C

omissão da R

evista

07 e 1415h

30min

Reu

nião da C

omissão de A

periódicos

10 e 2420h

30min

Reu

nião da C

omissão do C

orreio

06, 13, 20 e 2719h

30min

Reu

nião da C

omissão de Even

tos

06, 13, 20 e 2721h

Reu

nião da M

esa Diretiva

un

iversal, expressão im

ediata d

a Von

tade” (p

. 109-111). Em

Do

res d

o

Mu

nd

o, afirma:

A m

úsica n

ão exprime n

un

ca o fenôm

eno, m

as un

icamen

te a es-sên

cia íntim

a de todo o fenôm

eno, n

um

a palavra a própria vonta-

de. Portanto n

ão exprime u

ma alegria especial ou

definida, certas

tristezas, certa dor, certo m

edo, certo tran

sporte, certo p

razer, certa

serenidade de espírito, m

as a própria alegria, a tristeza, a dor, om

edo, os transportes, o prazer, a seren

idade do espírito (...) (p. 147)

Por fim, con

clui com

esta afirmação: “Q

uan

do ou

ço mú

sica, a min

ha

imagin

ação comp

raz-se mu

itas vezes com o p

ensam

ento d

e que a vid

a

de tod

os os hom

ens e a m

inh

a próp

ria vida n

ão são mais d

o que son

hos

du

m esp

írito eterno, bon

s e mau

s sonh

os, de qu

e cada m

orte é o desp

er-

tar” (p. 151).

Freud

teria dito certa vez qu

e a represen

tação sonora é o elo com

o

objeto de d

esejo na origem

das p

ulsões. E

Lacan, “seria p

reciso, algum

a

vez – não sei se jam

ais terei temp

o –, falar da m

úsica, n

as margen

s”.

Son

ia Mara O

giba

Re

ferê

nc

ias b

iblio

grá

fica

sFREUD, Sigm

und. Além do Princípio do Prazer (1920). Obras Psicológicas de Sigm

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eve

nto

s d

o a

no

2011

da

ta lo

ca

l e

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laza São

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o In

stituto

AP

PO

A

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norm

as e

dito

ria

is d

o C

orreio

da A

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O C

orreio

da A

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OA

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licação m

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õe u

m

trabalh

o d

e seleção tem

átic

a –

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Asso

cia

ção, c

om

o p

elas q

uestõ

es qu

e con

stan

temen

te se ap

resenta

m n

a c

lí-

nic

a –

, bem

com

o d

e obten

ção d

os tex

tos a

serem p

ublic

ad

os, a

lém d

a ta

refa

de p

rogra

mação ed

itoria

l.

Tem

sido n

osso

objetiv

o a

presen

tar a

cad

a m

ês um

Correio

mais ela

bo-

rad

o, q

uer seja

pela

ap

resenta

ção d

e texto

s qu

e pro

porc

ion

em u

ma leitu

ra

interessa

nte e p

ossib

ilitem u

ma in

terlocu

ção; q

uer p

ela p

reocu

pação c

om

os a

spec

tos ed

itoria

is, com

o a

remessa

no in

ício

do m

ês e a c

om

posiç

ão v

isual.

Frente à

nec

essidad

e de u

ma p

rogra

mação ed

itoria

l, solic

itam

os q

ue seja

m

respeita

das a

s segu

intes n

orm

as:

1) o

s texto

s para

pu

blic

ação n

a S

eção T

emátic

a, S

eção D

ebates, S

eção

En

saio

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ese

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everã

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or e

-mail p

ara

a se

cre

taria

da

AP

PO

A (a

pp

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ap

poa.c

om

.br);

2) a

form

ata

ção d

os tex

tos d

everá

obed

ecer à

s segu

intes m

edid

as:

- Fon

te Tim

es New

Rom

an

, taman

ho 1

2

- O tex

to d

eve c

on

ter, em m

édia

, 12.0

00 c

ara

cteres c

om

espaço

- Nota

s de ro

dap

é em fo

nte ta

man

ho 1

0

3) a

s nota

s dev

erão ser in

clu

ídas sem

pre c

om

o n

ota

s de ro

dap

é;

4) a

s referência

s bib

liográ

ficas d

everã

o in

form

ar o

(s) au

tor(es), títu

lo d

a

obra

, au

tor(es) e títu

lo d

o c

ap

ítulo

(se for o

caso

), cid

ad

e, edito

ra, a

no, v

olu

me

(se for o

caso

);

5) as asp

as serão u

tilizadas p

ara iden

tificar citações d

iretas;

6) c

itações d

iretas c

om

mais d

e 3 lin

has d

evem

vir sep

ara

das d

o c

orp

o d

o

texto

, com

recuo d

e 4 cm

em relação

à margem

, utilizan

do fo

nte tam

anh

o 1

0;

7) o

itálico

dev

erá ser u

tilizad

o p

ara

exp

ressões q

ue se q

ueira

grifa

r, para

pala

vra

s estran

geira

s qu

e não seja

m d

e uso

corren

te ou

título

s de liv

ros;

8) n

ão u

tilizar n

egrito

(bold

) ou

sublin

had

o (u

nd

erline);

9) a

data

máxim

a d

e entreg

a d

e matéria

(texto

s ou

notíc

ias) é o

dia

05, p

ara

pu

blic

ação n

o m

ês segu

inte;

10)

o a

uto

r, não a

ssocia

do a

ap

poa, d

everá

info

rmar em

um

a lin

ha c

om

o

dev

e ser ap

resenta

do. A

Com

issão d

o C

orreio

se reserva o

direito

de su

gerir

altera

ções a

o(s) a

uto

r(es) e de efetu

ar a

s correç

ões g

ram

atic

ais q

ue fo

rem n

eces-

sária

s para

a c

larez

a d

o tex

to, b

em c

om

o se resp

on

sabiliz

ará

pela

revisã

o d

as

pro

vas g

ráfic

as;

11

)a in

clu

são d

e matéria

s está su

jeita à

ap

recia

ção d

a C

om

issão d

o

Correio

e à d

ispon

ibilid

ad

e de esp

aço p

ara

pu

blic

ação.