CORREA, M. D. C. Da vida nua a vida como obra de arte. Um devir imperceptivel. (Revista de Direito e...

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    Advogado. Mestrando em Filosofia e Teoria do Direito do CPGD (UFSC)

    Bacharel em Direito (UFPR)

    RESUMO Tomando o conceito de vida nua, de Giorgio Agamben, o presenteensaio tem por objetivo problematiz-lo a partir dos conceitos de atual, virtual edevir-imperceptvel, de Gilles Deleuze, entrelaando-os todos a fim de formar umpequeno projeto poltico-subjetivo que busca abrir espaos para fugir condiosubjetiva contempornea. Assim, por meio de um devir-imperceptvel, buscamos

    afastar a sombra da vida nua em direo a uma vida..., de Deleuze.Palavras-chave: Vida nua. Devir-imperceptvel. Micropoltica. Subjetividade.Potncia.

    1. Afinal, o que a vida nua?

    A vida nua no uma vida animal, mas o que engendra um sujeito, um

    modo subjetivo coextensivo a uma forma de controle e a uma estratgia de sujeio

    contemporneas. O conceito de vida nua de Agamben bastante complexo. No

    uma pura vida animal, mas o que inicia com a captura da zoque constitui a bos.

    Pode ser, tambm, a forma de vida que se atualiza quando o suporte animal do

    humano que capturado, separado e submetido ao poder de morte, constituindo o

    contedo originrio do poder soberano.1

    O que define, propriamente, a vida nua ser um produto do poder2 que cunha

    como a forma da vida o corpo biopoltico puramente atual, na medida em que achata

    * e-mail para contato: [email protected] AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer. O poder soberano e a vida nua I, p. 91. Ainda, AGAMBEN,Giorgio. Mezzi senza fine. Notte sulla politica. Torino: Bollati Boringhieri, 1996, p. 14.2 AGAMBEN, Giorgio; COSTA, Flvia. Entrevista com Giorgio Agamben. Revista do Departamento dePsicologia - UFF, v. 18 - n. 1, Jan./Jun. 2006, p. 135.

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    e proscreve as virtualidades de uma vida... Por isso, Agamben escreve que antes de

    se pensar em uma nova economia do corpo e dos prazeres como formas de

    subjetivao, como quisera Foucault, seria preciso fazer do prprio corpo

    biopoltico, da prpria vida nua, o local em que constitui-se e instala-se uma forma

    de vida toda vertida na vida nua, um bosque somente a sua zo.3

    Portanto, uma definio mais imediata da vida nua como constituinte de uma

    vida puramente atual tem de ser compreendida como o que designa uma forma de

    vida distinta da vida isto , uma forma de vida separada daquilo que uma vida

    pode.4 Ao mesmo tempo, e paradoxalmente, seguindo a etimologia de ex-capere(o

    que capturado fora),5 a vida nua sustenta uma forma de vida que s se atualiza

    prescindindo da artefatualidade das potncias da vida. Assim, a indistino entre lei

    e fato produz uma forma vazia da vida pura coextensiva lei como pura forma vazia.

    Nesse sentido, pode-se compreender porque um dos projetos de Agamben

    fazer do entrecruzamento de Deleuze e Foucault um princpio de mtua correo:6 a

    subjetivao de Foucault pode constituir um empreendimento negativo, atualizar

    uma forma informe de vida, assim como a captura da beatitude de uma vida...,

    plenamente separada da forma da vida pela metafsica ocidental, seria a condio

    para a constituio do corpo biopoltico do Ocidente. Eis o que Agamben extrai de

    uma misteriosa simetria entre o poltico e o pensamento ocidentais.

    O que Agamben, todavia, parece no reconhecer, que a dessubjetivao,

    em Foucault, tem um carter constitutivo, positivo, assim como uma vida..., em sua

    beatitude, que pode devolver forma da vida que se desentranhou da imanncia as

    potncias para diferir de si, reunindo-se quilo que ela pode afirmando, inclusive a

    3 AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer. O poder soberano e a vida nua I, p. 194.4 Una forma di vita pu diventare, nella sua stessa fatticit e cosalit, forma-di-vita, in cui non maipossibilie isolare qualcosa come una nuda vita. AGAMBEN, Giorgio. Mezzi senza fine. Notte sullapolitica, p. 18.5 Agamben nota que no por acaso exceptio deriva etimologicamente de ex-capere. Cf. AGAMBEN,Giorgio. Homo sacer. O poder soberano e a vida nua I, p. 26.6 AGAMBEN, Giorgio. Limmanenza assoluta. In: La potenza del pensiero. Saggi e conferenze.Vicenza: Neri Pozza Editore, 2005, p. 377-404.

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    virtualidade de uma nova relao da poltica com a vida que pode passar-se da

    captura: uma vida... que se liberou da poltica.7

    Aqui aparece uma ciso muito particular entre Agamben e Deleuze, mas que

    conduz, por linhas divergentes, mesma ontologia de fundo. Agamben v nainseparabilidade entre vida e forma de vida a potncia da inveno de novas

    possibilidades de vida incapturveis.8 Conceitua, assim, forma-di-vita, utilizando os

    travesses para deixar marcada essa indissociabilidade ontolgico-poltica entre

    uma vida e suas possibilidades de inveno de formas de viver que pem em jogo a

    vida mesma do vivente.9 Deleuze, porm, afirma toda a potncia de uma vida...

    como pura virtualidade, como imanncia absoluta.10

    A compreenso que Agamben faz da imanncia dessa vida spinozista,como fica claro em seu belssimo Limmanenza assoluta, e no h a qualquer

    problema em compreender isso. Contudo, o que passa despercebido qual o

    estatuto de uma vida...; de que forma Deleuze pode afirmar essa vida imanente

    apenas a si mesma? Qual o contedo ontolgico e metafsico de uma vida, que ora

    Deleuze diz ser coincidente com o conceito de campo transcendental sem

    conscincia, ora Deleuze afirma ser pura potncia, pura virtualidade, ou ento

    essncia singular: uma vida... ?

    Em uma vida... deleuziana h uma potncia ontolgica e metafsica. Nesse

    conceito, como no conceito de plano de imanncia sem conscincia e de campo

    transcendental a-subjetivo, fica clara a influncia de Henri Bergson na formulao de

    grande parte da metafsica deleuziana.

    Em Deleuze, assim como o conceito tradicional de imanncia perde o sentido,

    pois em sua filosofia j outra coisa, muito mais prxima da univocidade do ser e

    7 Embora, com efeito, Agamben tenha afirmado que no quarto volume de seu homo sacer o queest posto em jogo ali a tentativa de capturar a outra face da vida nua, uma possvel transformaoda biopoltica em uma nova poltica. AGAMBEN, Giorgio; COSTA, Flvia. Entrevista com GiorgioAgamben. Revista do Departamento de Psicologia - UFF, v. 18 - n. 1, Jan./Jun. 2006, p. 131.8 AGAMBEN, Giorgio. Mezzi senza fine. Notte sulla politica, p. 13-14.9 Una vita che non pu essere separata dalla sua forma, una vita per la quale, nel suo modo divivere, ne va del vivere stesso e, nel suo vivere, ne va innanzitutto del suo modo di vivere.AGAMBEN, Giorgio. Mezzi senza fine. Notte sulla politica, p. 13.10 DELEUZE, Gilles. Limmanence: une vie...

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    muito menos conceitual porque ligada no-filosofia, ao absoluto como a dimenso

    que, justamente por no poder ser pensada, motiva todo o pensamento, o conceito

    tradicional de metafsica est mais prximo desse absoluto do ser do que de uma

    essncia com a qual o ser viria assemelhar-se; h apenas afirmao das

    multiplicidades, do mltiplo potenciado ao estatuto de substantivo; por essa razo,

    Deleuze escreve: Essncia singular, uma vida.... O essencial nasingularidade, na

    multiplicidade do ser que se diz com uma s voz na imanncia: a diferena.

    apenas trazendo o conceito de vida de Henri Bergson para perto da

    imanncia spinozista, que podemos completar a formulao de Agamben e

    compreender em que medida Agamben subestima uma vida... ao reduzi-la ao

    capturvel pelo biopoder para constituir o corpo biopoltico e, por isso, busca corrigi-

    la tornando-a inseparvel de sua forma-di-vitapara poder pensar a poltica que vem.

    Em A evoluo criadora, de 1907, Bergson conceitua a vida aproximada da

    durao real, do devir: uma realidade que, por se constituir mais essencial que

    coisas ou estados, no pode confundir-se com eles. Por toda parte, diz ele, o

    mesmojorro manare, que d palavra imanncia seu timo.

    Para Bergson, a prpria vida, longe de ser o resultado de interaes fsico-

    qumicas, e longe de corresponder representao de partculas materiais inertes,

    justapostas umas s outras, constitui um movimento incessante; em sua contramo,

    o movimento da matria forma um fluxo indiviso, atravessado pela vida indivisa que

    recorta sobre ele seres vivos correlatos a um modus vivendi que organizao

    feio de partes exteriores umas s outras no tempo e no espao.11

    Isso tudo o que os olhos exteriores podem ver; mas o esprito, faculdade de

    ver imanente faculdade de agir e que jorra, fazendo a toro do querer sobre si

    mesmo, faz tudo se mover. Na experincia duracional capaz de uma metafsica de

    horizontes ampliados em relao experincia limitada da conscincia subjetiva entrev, aproximada do misticismo, da experimentao da arte, o lan vital, o

    princpio ontolgico que a prpria vida; uma pura exigncia de criao, durao

    real com velocidades absolutas, de que a matria espacializada no pode constituir11 BERGSON, Henri. A evoluo criadora. Traduo de Bento Prado Neto. So Paulo: MartinsFontes, 2005, p. 271.

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    seno uma parada, como uma interrupo nessa corrente vital de criao contnua,

    ou uma durao mais lenta, mais distendida: Pois apreendemos por dentro,

    vivemos a todo instante uma criao de forma e teramos a, nos casos em que a

    forma pura e a corrente criadora se interrompe momentaneamente, justamente

    uma criao de matria.12 uma simples ao que paralisa a criao que constitui

    a matria, mas a potncia da vida, o lan vital bergsoniano, puramente virtual.

    Se voltarmos a Limmanenza assoluta, veremos que toda anlise de

    Agamben sobre o ltimo texto ao qual Deleuze dera seu imprimatur faz-se sobre o

    connatusspinoziano. Bergson, ainda que no palpitante tema da vida, esquecido.

    Isso de maneira alguma invalida a anlise de Agamben. Pelo contrrio,

    permite ver, de um lado, que seu projeto, passando pela poltica, agrega, da filosofiadeleuziana, uma imanncia absoluta da forma-de-vida, o comeo de uma poltica

    que vem para tornar a vida e sua forma inseparveis e potentes.

    De outro lado, o texto de Agamben, afastado de Bergson, permite esboar

    uma outra sada: uma vida..., de Deleuze, como uma potncia vital e poltica ainda

    mais anterior, porque descolada, em si mesma, de toda forma. Uma vida... como

    campo da pura durao real, em que tudo deve ser inventado, pensado,

    experimentado: mesmo a poltica, mesmo as formas de vida, s podem desenrolar-

    se supondo uma vida...

    A vida capturada pela biopoltica, que Agamben descreve em seu Homo

    sacer, no pode ser uma vida... como Deleuze descrevera. A imanncia absoluta de

    uma vida... apenas potncia; no significa uma total separao dos

    acontecimentos, das formas de vida, mas a prpria condio ontolgica que

    impulsiona esses acontecimentos no devir, o campo ntimo e estrangeiro em que se

    atualizam os acontecimentos e formas de vida como o lanvital bergsoniano no

    mais que vida incessante, criao, liberdade.13

    12 BERGSON, Henri. A evoluo criadora, p. 260.13 BERGSON, Henri. A evoluo criadora, p. 272.

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    Uma vida contm apenas virtuais, segundo Deleuze, e das virtualidades

    de uma vida... que uma nova tradio metafsica enoda-se na poltica uma criao

    que, desde a sua mais enraizada virtualidade, constitui uma potncia ontolgica

    imanente apenas a si mesma, incapturvel, inseparvel de si e esquivada, por sua

    imanncia absoluta, sujeio ao poder de morte soberano ou biopoltico. Para isso,

    necessrio que essa vida que Agamben descreve como nua, como vida informe,14

    seja objeto de uma experincia do pensamento, seja devolvida ao plano de

    imanncia, com o sujeito, a sujeio e a forma de vida que sua captura engendra.

    a dissoluo dessa vida puramente atual, dessa forma de vida vertida unicamente

    na vida como fato puro, que abre toda a possibilidade de uma inveno que

    reconcilia poltica, pensamento e ontologia: resistncia contra as puras atualidades,

    exerccio e experincia de potenciao da prpria vida. Deleuze gostava de citaruma frase de Spinoza: No sabemos o que pode um corpo!. Hoje, sequer

    imaginamos o que pode uma vida...

    * * *

    Cados no plano de imanncia, a forma, como o sujeito, dissolvem-se: e s h

    intensidades. Si, ou Se, a respeito de que Foucault pretende haver uma tica, e

    Deleuze uma possibilidade tico-poltica de manejar as linhas de fuga segundo uma

    arte prudente, tambm podem designar esse momento em que a vida puramenteatual reunida ao plano de imanncia, o objeto transcendente dissolvido, apenas

    entre virtuais.

    Uma vida sacra constitui uma forma de vida; principalmente se admitirmos

    que consacratio, como afirma Agamben, quer dizer o que foi retirado da esfera

    humana e o que precisamente retirado uma vida..., a possibilidade de diferir de

    si. nessa medida que a luta do pensamento contra a transcendncia, ou o juzo de

    Deus, torna-se to pregnante15 mas no menos cheia de perigos: h mais Deus do

    que nunca, e uma teologia negativa parece espocar por todos os buracos, encher

    todos os rios, transbordar todo o pensamento. Nunca se falou tanto de Deus, sem

    14 PELBART, Peter Pl. Vida nua. In: Vida capital. Ensaios de biopoltica, p. 60-67.15 DELEUZE, Gilles. Para dar um fim ao juzo. In: Crtica e clnica. Traduo de Peter Pl Pelbart. SoPaulo: Editora 34, 2006, p. 143-153.

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    tomar seu Santo nome em vo. Mas Deus o que tem muitos nomes: Eu, o

    Outro, o Universal, o Discurso, a Deciso, o Transcendente...

    O que Deleuze sabia? Que a criao nunca foi uma prerrogativa divina, nem

    uma exclusividade do homem; ela o mesmo que a gnese ontolgica que nopode ser operada seno segundo uma diferena radical, uma disparidade

    demonaca, um simulacro que se desprendeu do fundo e, na superfcie, dana na

    mais infinita velocidade. O simulacro demonaco o potente a-fundamento da

    essncia divinal como fundamento do Ser.

    Em Post-scriptum sobre as sociedades de controle,16 Deleuze j notava que

    os poderes encontram-se cada vez mais dispersos, exercendo um controle mais

    fino, mais subjetivo, sutil e difuso. A questo passa a ser, pois, engendrar umacriaoque no passe pelo sagrado.

    A criao o que pode resistir a formas fixas, restituindo-lhes uma certa

    potncia na medida em que as dissolve; e nenhuma forma tem sido, no entanto,

    mais fixa, que a vida nua de Agamben: forma informe, imagem feita s de

    semelhanas, sem desvios, sem perturbaes. Mas na subjetividade fixa da vida

    nua que se encontra o ponto de nivelamento, o ponto em que o virtual da vida nua

    parece fazer o menor crculo com o atual, sem um desvio sequer.

    2. O atual e o virtual

    No se trata de uma questo de f, mas de consistncia: h desvios

    invisveis, h devires-imperceptveis justamente onde se achou atingir o menor

    crculo. Tais desvios so reais, virtuais, e como tais sua criao e absoro so

    feitas em um tempo menor do que o mnimo de tempo contnuo pensvel.17 Cada

    16 DELEUZE, Gilles. Post-scriptum sobre as sociedades de controle. In: Conversaes (1972-1990). Traduo de Peter Pl Pelbart. So Paulo: Editora 34, 1992, p. 219-226.17 DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Dilogos. Traduo de Elosa Arajo Ribeiro. So Paulo:Escuta, 1998, p. 173.

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    atual emite um novo crculo de virtualidades sempre renovadas, que o envolvem. A

    velocidade absoluta dos virtuais d-lhes uma consistncia real, mas sua velocidade

    os faz breves, de modo que passam despercebidos, sem sensaes, sem cortar o

    contnuo do mnimo de tempo pensvel. Isso se deve ao seu aparecimento dar-se

    em um tempo menor do que aquele que mede o mnimo de movimento em uma

    direo nica.18 Por isso o virtual efmero, imperceptvel: to veloz que a

    conscincia continua a olhar a paisagem sem perceber que algo se descortinou

    nela: se esboou e se apagou. Podemos ter a imagem de uma estrela que

    permanece acesa mesmo depois que, h milhes de anos, deixou de emitir sua luz;

    trata-se de uma virtualidade que, em relao estrela, nos chega como pura, pois

    sua imagem atual j se apagou na infinidade do tempo, mas suas emisses

    continuam correndo o vazio. Mas uma virtualidade, um devir-imperceptvel, maiscomo o som de uma exploso estelar: silncio puro. E, ainda assim, sem

    conscincia e sem sensao, algo aconteceu; o que se passou?, uma exploso ou

    uma sinfonia?

    Uma partcula atual tem sempre um duplo: um virtual cuja emisso ressoa

    nele e se deixa percutir quase sem desvio, da mesma forma como o presente uma

    forma imediata de lembrana: um objeto existe e uma lembrana dele coexiste

    presentemente com sua percepo.19 Essa coalescncia o que permite uma troca

    entre objeto atual e imagem virtual, formando um cristal, uma imagem-cristal.20

    Sobre o plano de imanncia, acima dele, podem aparecer cristais, pontos em que o

    virtual e o atual coexistem e remetem um ao outro, num circuito muito estreito,

    formando no mais uma atualizao passagem do virtual ao atual segundo linhas

    divergentes , mas uma cristalizao. A, atual e virtual j no so mais

    inassinalveis entre si, mas quase indiscernveis um remete ao outro infinitamente.

    Esse o ponto em que parecemos reencontrar a vida nua: forma de vida

    produzida pela sujeio biopoltica como imagem-cristal, uma virtualidade que h,

    18 DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Dilogos, p. 178.19 DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Dilogos, p. 177.20 DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. Cinema 2. Traduo de Elosa Arajo Ribeiro. So Paulo:Brasiliense, 1990, p. 87-154.

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    mas no precisa se atualizar, porque constituiu o menor circuito, cristalizou-se com o

    objeto atual.21

    Como Zaratustra, todos convalescemos. Nossa doena, de que muitos

    padecem como corpos hipocondracos ou paranicos, exige uma filosofia e umaliteratura positivas: no a gorda sade corrente, nem a anorexia, mas uma grande

    sade, como a de Nietzsche, que fazia da doena um ponto de vista e de avaliao

    sobre a sade.22

    No h como escapar da transcendncia dessa imagem atual da vida, no h

    modo de escapar dela como universal, ou como modelo do Mesmo, seno fazendo-

    a retornar ao plano fazendo como Zaratustra, que desce de sua montanha para

    falar aos homens sobre o sentidoda terra,

    23

    com a coragem de quem aceita, do seuocaso, apenas o doce fruto do acontecimento, to somente o que escapa ao

    acontecimento naquilo que acontece, e devm-criana, cantando e danando:

    Dioniso amando Ariadne, eterno retorno inseparvel de uma transmutao mais

    profunda.24

    O plano de imanncia se constitui quando as imagens virtuais j no podem

    mais ser separveis do objeto atual; assim, elas do o rebote no objeto atual, 25

    como uma vida..., em Deleuze, abraa a morte e a atualiza em acontecimento puro:

    grito sem horror de Francis Bacon, querer viver indomvel e cabeudo do beb-

    tartaruga de Lawrence.

    Assim rebatidos sobre o objeto atual, as virtualidades medem sobre o

    conjunto dos crculos de virtuais um spatium intensivo determinado por um mximo

    de tempo pensvel. Aos crculos virtuais, mais ou menos extensos, correspondem

    camadas mais ou menos profundas do objeto, nas quais o objeto como que se

    21 Agamben, no por acaso, escreve: O bos jaz hoje na zo exatamente como, na definioheideggeriana do Dasein, a essncia jaz (liegt) na existncia. AGAMBEN, Giogio. Homo sacer. Opoder soberano e a vida nua I, p. 194. Assim, a forma da vida um cristal sobre o plano deimanncia, um objeto transcendente, privilegiado, apartado das potncias da vida.22 DELEUZE, Gilles. Nietzsche. Lisboa: Edies 70, 1985, p. 12.23 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Assim falou Zaratustra. Um livro para todos e para ningum.Traduo: Mrio da Silva. 17. ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2008, p. 34.24 DELEUZE, Gilles. Mistrio de Ariadne segundo Nietzsche. In: Crtica e clnica, p. 121.25 DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Dilogos, p. 174.

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    apaga, retoma uma velocidade absoluta, torna-se virtual, assim como a terra envolve

    um fruto; ou como um fruto, ao p da rvore, retorna terra: Ambos, objeto e

    imagem, so aqui virtuais, e constituem o plano de imanncia onde se dissolve o

    objeto atual.26 A terra dissolve o fruto, e acolhe em seu ventre unicamente

    sementes, isto , virtuais.

    Uma vez envolvido por seus virtuais, mergulhado no plano, o objeto atual j

    no se encontra separado daquilo que ele pode... Retornando ao plano, o objeto

    dissolve-se para uma nova atualizao; vai recolher, no que ele pode, virtuais a

    partir dos quais se lana diferentemente como singularidade, hecceidade, no prprio

    plano, ou como atual hiptese em que, diz Deleuze, torna a cair do plano como

    uma fruta,27 volta a produzir transcendncia.

    O objeto atual dissolvido, mergulhado no plano, compondo com seus virtuais,

    reunido sua potncia (quilo que ele pode...), designa o que Deleuze chama de

    impulso total do objeto o atual vestido, o objeto dissolvido, em vias de atualizar-se,

    no-separado de sua potncia.

    Tal processo de atualizao sempre virtual; o retorno do objeto afetou tanto

    a imagem virtual quanto o objeto atual. No seio do virtual, uma diferenciao

    continua operando, divergindo sem limite assinalvel entre o atual e o virtual:

    atualizao como misto imanente e diferenciado, diferenciao como ruptura de uma

    pregnncia diferente entre-dois, que afunda um e outro, e no tem, finalmente,

    nenhum deles por modelo, pois destituiu modelos e cpias.

    Deleuze diz que as imagens virtuais formam um continuum fragmentado,

    sendo o spatium recortado segundo decomposies regulares ou irregulares de

    tempo; por sua vez, o impulso total do objeto se quebra em foras que

    correspondem ao continuum parcial, em velocidades que percorrem o spatium

    recortado.28

    Virtual e atualizao esto no plano de imanncia, embora o plano possa ser

    recortado em uma multiplicidade de planos conforme divises do impulso que26 DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Dilogos, p. 174.27 DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Dilogos, p. 175.28 DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Dilogos, p. 174.

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    marcam uma atualizao de virtuais e cortes do continuum produzidos pelas

    singularidades de que o virtual depende. Assim, o atual no passa de um produto da

    atualizao, individualidade constituda, enquanto o virtual a singularidade,

    individuao como processo.

    3. Do molar ruptura

    Para um tal retorno ao plano, fazendo o atual da vida mergulhar em suas

    virtualidades e entrar em um processo de atualizao, reunindo-se sua potncia,

    necessrio desfazer o rosto, dissolver o sujeito, arremeter a sujeio que nos marca

    a todos, em maior ou menor gradiente. Essa uma questo tico-poltica

    semelhante da criao de um corpo sem rgos: no mesmo sentido, constitui uma

    experimentao imanente.

    Um sujeito, como um rosto, ou grupos de indivduos, so um composto de

    linhas de diferentes naturezas. Em primeiro plano, somos segmentarizados por dois

    tipos de linhas: as de segmentariedade dura, ou molar, e linhas de

    segmentariedades mais flexveis, moleculares.29 As segundas no coincidem

    necessariamente com segmentos mais visveis, e podem doar-se a devires

    moleculares. Mas h, para alm dessas duas, uma linha mais estranha, algo que

    nos carrega entre os segmentos e limiares, pelo meio deles; uma linha simples e

    abstrata, a desde sempre, embora seja o contrrio de um destino.30 Tomadas umas

    nas outras, as trs linhas so imanentes, linhas emaranhadas.

    Aquela segunda linha, contudo, poderia ser chamada de linha de fissura, por

    F. S. Fitzgerald; uma fissura que, diz Deleuze, no coincide com os grandes cortes

    que nada mudam , mas aproxima-se de uma rachadura num prato que se deslocaannima; uma rachadura entra na linha segmentar e marca o limiar a partir do qual

    29 DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Dilogos, p. 145.30 DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Dilogos, p. 146.

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    j no se pode suportar o que ainda ontem suportvamos: a repartio do desejo

    mudou em ns.31

    Fitzgerald chamaria a terceira linha a linha de ruptura, impessoal: Dir-se-ia

    que nada mudou, e, no entanto, tudo mudou.32 Com a linha de ruptura, atinge-seuma espcie de limiar absoluto em que j no h segredo; fez-se de todo-o-mundo

    um devir-imperceptvel, clandestino.

    Sobre as linhas de segmentariedade molar, distinguem-se os dispositivos de

    poder que codificam os diversos segmentos, a mquina abstrata binria que os

    sobrecodifica, regulando suas relaes, e o aparelho de Estado, que deve efetuar a

    mquina abstrata binria; todas essas linhas de segmentariedade dura envolvem um

    plano de organizao que carrega sujeitos e seus desenvolvimentos.

    33

    Nas linhas de segmentariedade molecular, os segmentos procedem por

    limiares, constituem devires, marcam continua de intensidades e agenciam fluxos;

    possuem, igualmente, suas mquinas abstratas, mas com um estatuto diferente:

    mquinas mutantes, que agora povoam um plano de consistncia ou de imanncia

    que arranca das formas partculas entre as quais no h seno relaes de

    velocidade ou de lentido, e dos sujeitos afetos que j no operam seno por

    individuaes por hecceidade.34

    Nesse ponto, destituem-se as mquinas binrias da produo do real, pois

    entre o molar e o molecular, as linhas moleculares operam devires que no so

    rebatidos nem sobre as segmentariedades duras nem sobre as moleculares, mas

    constituem o devir assimtrico de ambas,35 nunca acrescentado um novo segmento

    sobre a linha, mas traando uma outra linha entreos segmentos que os faz fugir. Eis

    em que consiste constituir uma linha de fuga, uma forma de sair dos dualismos.

    Um plano de organizao, em que esto sujeitos e formas, no se ope ao

    plano de imanncia, mas s funciona trabalhando nele para bloquear os

    31 DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Dilogos, p. 147.32 DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Dilogos, p. 148.33 DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Dilogos, p. 151.34 DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Dilogos, p. 152.35 DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Dilogos, p. 152.

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    movimentos, fixar os afetos, organizar formas e desejos.36 Um plano de

    organizao s se torna possvel porque supe o plano de imanncia sobre o qual

    se efetua como transcendente; mas o plano de imanncia no deixa de arrancar

    partculas de velocidades diferenciais das formas e dos sujeitos do plano de

    organizao.

    porque os poderes que esmagam o desejo j fazem parte de sua linha de

    fuga que se pode desejar a prpria sujeio e o prprio aniquilamento; o desejo

    revolucionrio, mas no s: pode tambm ser fascista, desejo de poder, de oprimir,

    corpo canceroso em que tudo o que se faz multiplicar estratos fixos.

    Em agenciamentos sociais concretos, tudo foge, e uma sociedade define-se

    por suas linhas de fuga, como um agenciamento coletivo por suas pontas dedesterritorializao.37 Toda grande aventura tem incio numa linha de fuga; sempre

    sobre ela que se cria algo que se compe realmente, no plano de consistncia, e

    num entretempo.

    a linha de ruptura aquela que cinde sem segredo, mas imperceptvel, que

    faz de todo o mundo um devir que conjuga todos os movimentos de

    desterritorializao, que capaz de arrancar do plano de organizao partculas

    aceleradas em direo a um plano de consistncia ou mquina mutante; linhas de

    desterritorializao absoluta. Enodadas as trs linhas, molar, molecular e de ruptura,

    ou de fuga, sobre elas que se trabalha a poltica como uma experimentao ativa.

    A linha de ruptura faz com que a poltica deva constituir essa experimentao, pois,

    como diz Deleuze, no se sabe de antemo o que vai acontecer com uma linha.38

    4. Ento no basta uma linha de fuga?

    36 DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Dilogos, p. 154.37 DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Dilogos, p. 158.38 DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Dilogos, p. 159.

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    Cada linha tem seus perigos, e uma linha de fuga nunca ser bastante por si

    mesma. Sua experimentao ativa faz de seu manejo uma espcie de arte tica que

    demanda uma srie de cuidados, regras de prudncia, entregues a um trabalho

    sempre por fazer, pois o trabalho de fazer-devir. Esse trabalho, essa

    experimentao, diz Deleuze, no se faz apenas contra o Estado e os poderes, mas

    diretamente sobre si.39

    Na linha de ruptura, e apenas nela, h a possibilidade para um devir-

    imperceptvel do novo, uma passagem veloz do grande hiato que se pe entre um e

    outro mesmose vai dar em uma heterognese. Como afetamos essa linha, com que

    foras, com que agenciamentos, a partir de que conjunes de fluxos, toda uma

    questo tica, e tambm de macro e micropoltica; de coletivos de linhas e

    estratgias, mas tambm de um si inconfundvel com um sujeito fixo; individuao,

    singularidade, hecceidade.

    Tudo sempre ameaa cair num buraco negro, e seu perigo imanente no

    devm da linha de fuga que se toma, mas da falta de cuidado, arte e prudncia ao

    tra-la. Facilmente, ela pode se tornar uma linha de abolio completa, de

    destruio dos outros e dar a morte a si mesma. Contudo, Deleuze diz que por j os

    terem excedidos, uma linha de fuga no pode ser julgada por seus fins, nem por

    suas pretenses. No h destino da linha, mas perigo da queda.

    nesse momento que se quer criar uma mquina de guerra; momento em

    que a crtica faz a clnica: a mesma coisa, a vida, a obra, quando elas se

    encontram em uma linha de fuga que faz delas as peas de uma mquina de

    guerra.40 Essa mquina no-metafrica segue contra o aparelho de Estado

    constitudo conforme linhas de segmentariedade molares; sua origem nmade

    precisamente o que, segundo Clastres, impedia em algumas tribos a formao de

    um aparelho de Estado a permite traar e seguir uma linha de fuga que se

    confunde com sua poltica, com sua estratgia e com sua prpria obra.

    O perigo intrnseco da mquina de guerra, e Deleuze o reconhece, o ponto

    em que a mquina de guerra se destri, destri a linha de fuga, faz da linha de fuga39 DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Dilogos, p. 160.40 DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Dilogos, p. 163.

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    linha de abolio. Claro, h corpos fascistas, cancerosos, assim como h mquinas

    de abolio. A questo de uma pragmtica, de uma esquizo-anlise, ou de uma

    micropoltica, de que modo, com que armas o desejo pode frustrar tudo isso,

    levando seu plano de imanncia e de consistncia que afronta a cada vez esses

    perigos.41

    Mesmo sem uma soluo geral, preciso inventar maneiras pelas quais uma

    mquina de guerra esteja apta a conjurar seus prprios perigos, seus fascismos,

    como o totalitarismo de Estado; persiste, a, toda uma seleo que recai sobre a

    potncia, e que admite que no h um Estado mestre e estrategista do real, como

    tampouco h uma resistncia capaz de opor-se a esse poder homogneo. As

    experimentaes polticas, micropolticas, conduzem-se segundo agenciamentos

    complexos; se, de um lado, os poderes podem conduzi-los o capitalismo e o

    controle tornam-se difusos , surgem tambm experimentadores de uma outra

    espcie, traando linhas de fuga ativas, conjugando essas linhas, criando cada

    espao menor do plano de consistncia e usando uma mquina de guerra para

    cartografar os perigos que encontra.42

    5. Da vida como obra de arte

    Mquinas viventes, mutantes, devem comear a fazer guerras e traar o

    plano de consistncia: corte do caos e crivo. Na ponta extrema da linha de fuga, a

    crtica faz a clnica, e s podemos conjurar nosso padecimento no ponto de

    indiscernibilidade entre a vida, a obra e a linha de ruptura. Um pensamento

    estratgico pode conjugar relaes de foras, dobr-las contra si, fazerem ceder

    suas atualidades transcendentes rebatidas no campo. O pensamento pode constituir

    uma nova experincia, e ser uma mquina de guerra de uma nova espcie, capaz

    41 DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Dilogos, p. 167.42 DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Dilogos, p. 168.

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    de produzir uma rstia de vida no ponto mais extremo da morte, dobrando-a sobre si

    mesma.

    Trata-se da cura de uma vida: um cuidado, uma potenciao prudente, e

    tambm uma clnica que, fazendo da vida uma obra de arte, tira o sujeito daexistncia para faz-la retornar ao plano, dissolvendo-a, fazendo-a retornar

    diferentemente, positivamente. Trata-se, no de um retorno ao sujeito, mas da

    individuao, ou da subjetivao, como modo intensivo, impessoal, como produo

    de um modo de existncia.43 O momento em que linha de ruptura, vida e obra so

    uma s e mesma coisa, em imanncia absoluta, aquele em que novas

    possibilidades de vida, suscitadas no combate do plano como corte seletivo, podem

    ser inventadas segundo uma outra esttica da vida que j no ser mais a vida

    empenhada pelo poltico, mas um devir-imperceptvel: uma vida...

    REFERNCIAS

    AGAMBEN, Giorgio; COSTA, Flvia. Entrevista com Giorgio Agamben. Revista doDepartamento de Psicologia - UFF, v. 18 - n. 1, p. 131-136, Jan./Jun. 2006.

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    Henrique Burigo. Belo Horizonte: Humanitas, 2007.

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    _______________. Conversaes. Traduo de Peter Pl Pelbart. Rio de Janeiro:Editora 34: 1992.

    43 DELEUZE, Gilles. Conversaes. Traduo de Peter Pl Pelbart. Rio de Janeiro: Editora 34: 1992,p. 123.

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    NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Ainsi parlait Zarathoustra. Un livre par tous etpour personne. Traduo de Henri Albert. Paris: Mercure, 1947.

    PELBART, Peter Pl. Vida nua. In: Vida capital. Ensaios de biopoltica. So Paulo:Iluminuras, 2003, p. 60-67.

    FROM BARE LIFE TO LIFE AS A WORK OF ART: AN IMPERCEPTIBLEBECOMING ...

    ABSTRACT Taking the concept of bare life, by Agamben, this essay aims to problematiseit departing from the concepts of actual, virtual, and imperceptible-upcoming, by Gilles

    Deleuze, interlacing them intending to form a subjective-political project seeking on openningpossibilities to evade the contemporary subjective condition. Therefore, by an imperceptible-upcoming, the essay tries to seclude the bares life shadow toward to a life, by Deleuze.Key-words:Bare life; Imperceptible-upcoming; Micropolitics; Subjectivity; Potentiality.