Corpo Saude e Praticas Corporais Na Meia Idade

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    APR

    OIBIDA

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    PRISCILLA DE CESARO ANTUNES

    CORPO, SADE E PRTICAS CORPORAIS

    NA MEIA IDADE:

    ANLISESAPARTIRDAPRODUOACADMICAEMEDUCAOFSICA

    1a Edio

    Braslia

    2011

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    Presidente da Repblica

    Dilma Rousseff

    Ministro do Esporte

    Orlando Silva de Jesus JniorSecretria Nacional de Desenvolvimento de Esporte e de Lazer

    Rejane Penna Rodrigues

    Secretrio Nacional de Esporte Educacional - Substituto

    Fbio Roberto Hansen

    Secretrio Nacional de Esporte de Alto Rendimento

    Ricardo Leyser Gonalves

    Organizadoras

    Rejane Penna Rodrigues - SNDEL

    Aline Leocdio de Lima DCTEC/SNDELProjeto grfico, diagramao e capa

    Grfica e Editora Ideal

    Ilustrao capa

    Carlos Felipe Moura

    Reviso

    Ricardo Magalhes Boucault

    Impresso

    Grfica e Editora Ideal

    Dados Internacionais de Catalogao na Fonte (CIP)

    Antunes, Priscilla de Cesaro.

    A636 Corpo, sade e prticas corporais : uma anlise da produo cientfica do campo daeducao fsica acerca das pessoas na meia-idade / Priscilla de Cesaro Antunes. Bras-lia : Grfica e Editora Ideal, 2011.

    168 p. ; 30 cm.

    ISBN: 978-85-89196-46-8

    1. Educao fsica. 2. Meia-idade. 3. Prticas corporais. 4. Sade. I. Ttulo.

    CDU 796.03-053.8

    Distribuio gratuita

    1 Edio:

    Tiragem: 1000 exemplares

    Os textos publicados so de exclusiva responsabilidade dos autores que os assinam.

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao Fsica do Cen-

    tro de Desportos da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito parcial para

    obteno do ttulo de Mestre em Educao Fsica.

    Orientadora: Ana Mrcia Silva

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    APRESENTAO

    O PRMIO BRASILbusca incentivar, apoiar e valorizar produes cientficas, tec-nolgicas, jornalsticas e pedaggicas que possam contribuir para a qualificao e inovaode Polticas Pblicas de Esporte e Lazer de Incluso Social. Lanado em 2008 pelo Minis-trio do Esporte, este concurso pblico que teve sua segunda edio no ano de 2010, selecio-nou e premiou diversos trabalhos.

    Neste ano, a exemplo do que ocorreu na 1 edio em 2008, estamos publicando nantegra os estudos premiados em primeiro lugar na Categoria Regional Dissertaes, esese Pesquisas Independentes.

    Com esse objetivo, o presente livro apresenta relevante trabalho de disserta-o premiado pela Regio Sul, de autoria de Priscilla de Cesaro Antunes, intitulado:Corpo, sade e prticas corporais na meia idade: Anlises a partir da produo acadmicaem educao fsica.

    emos a certeza que esta obra poder contribuir com o crescimento da rea do esportee do lazer no Brasil e a qualificao do trabalho e debates realizados por pesquisadores, es-tudantes, gestores e outros agentes e parceiros das polticas pblicas, colocando disposiopara reflexes e debates, conhecimentos e experincias que props estudar.

    Boa leitura a todos!

    Rejane Penna Rodrigues

    Secretria Nacional de Desenvolvimento de Esporte e de Lazer

    Ministrio do Esporte

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    Gro-Chanceler

    Dom Washington Cruz, CP

    Reitor

    Prof. Wolmir Terezio Amado

    Editora da PUC Gois

    Pr-Reitora da Prope

    Presidente do Conselho Editorial

    Profa. Dra. Sandra de Faria

    Coordenador Geral da Editora da PUC Gois

    Prof. Gil Barreto Ribeiro

    Conselho Editorial Membros

    Profa. Dra. Regina Lcia de Arajo

    Prof. Dr. Aparecido Divino da Cruz

    Profa. Dra. Elane Ribeiro Peixoto

    Profa. Dra. Heloisa Capel

    Profa. Dra. Maria do Esprito Santo Rosa CavalcanteProf. Dr. Cristvo Giovani Burgarelli

    Ms. Helosa de Campos Borges

    Iri Rincon Godinho

    Maria Luisa Ribeiro

    Ubirajara Galli

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    TRANSPIRAO

    A inspirao vem de onde?

    Pergunta pra mim algumRespondo talvez de longe

    De avio, barco ou ponte?

    Vem com meu bem de Belm

    Vem com voc nesse trem

    Nas entrelinhas de um livro

    Da morte de um ser vivo

    Das veias de um corao

    Vem de um gesto precisoVem de um amor, vem do riso

    Vem por alguma razo

    Vem pelo sim, pelo no

    Vem por uma gaivota

    Vem pelos bichos da mata

    Vem l do cu, vem do cho

    Vem da medida exata

    Vem dentro da tua cartaVem do Azerbaijo

    Vem pela transpirao!

    A inspirao vem de onde, de onde?

    A inspirao vem de onde, de onde?

    Vem da tristeza, alegria

    Do canto da cotovia

    Vem do luar do serto

    Vem de uma noite friaVem olha s quem diria

    Vem pelo raio e trovo

    No beijo dessa paixo

    A inspirao vem de onde?

    A inspirao vem de onde?

    De onde?

    Ney Matogrosso e Pedro Luis e a Parede

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    RESUMO

    Na Modernidade, dentre as mltiplas exigncias feitas ao corpo, est a ordem de que ele

    deve se manter sempre jovem, sinnimo de sade, bem-estar, beleza, velocidade e produtivida-de. O corpo na meia-idade o diferente da boa forma, na medida em que os sinais do tempo seintensificam, e as pessoas procuram intervenes sobre o corpo para fre-los, inclusive prticascorporais. Pesquisas tm sido desenvolvidas na tentativa de extino das marcas do tempo nocorpo. Por outro lado, algumas reas tm pensado criticamente neste fenmeno, partindo deuma concepo de envelhecimento como processo natural da vida. Esta dissertao teve comoobjetivo investigar como a produo cientfica disponvel on linedesenvolvida nos Programasde Ps-Graduao Estrito Senso em Educao Fsica do Brasil vem abordando a meia-idade esuas relaes com o corpo, a sade e as prticas corporais. Dialogamos teoricamente com algunselementos do conceito de biopoltica desenvolvidos por Michel Foucault. Realizamos anlise decontedo de duas teses e 17 dissertaes. Os dados foram organizados em quatro categorias deanlise: o corpo em decadncia, a matematizao da vida, viver um perigo? e da negao daexperincia. O material emprico apontou que o interesse do campo ao estudar pessoas na meia--idade esteve centrado em analisar os efeitos de programas de exerccios sobre variveis fsicas equalidade de vida no trato das temticas: doenas, fatores de risco e respostas cardiorrespiratrias.Dezoito pesquisas aproximaram-se da tendncia epistemolgica emprico-analtica, dialogandocom o positivismo e uma partiu do referencial crtico-dialtico, fundando-se no materialismo

    histrico-dialtico. Evidenciamos poucos estudos com pessoas na meia-idade e as pesquisas en-contradas manifestaram pouca preocupao em apresentar elementos especficos deste momen-to da vida, desconsiderando aspectos desta categoria geracional, bem como outras dimenses davida humana, centrando o debate do objeto de estudo na materialidade corporal. As pesquisasapresentaram a meia-idade como um perodo marcado pela negatividade das mudanas queocorrem nas estruturas e sistemas corporais, como um prejuzo vida e aproximaram os sujeitoss doenas e morte. As concepes de corpo e doena foram pautadas em uma viso fragmenta-da, expressa pela exclusividade de anlise anatomofisiolgica e nos trabalhos sobre qualidade devida, expressa na diviso dos sujeitos em domnios, os quais no foram percebidos na totalidade.

    Identificamos que os fatores considerados importantes para prticas corporais voltadas parapessoas na meia-idade foram apenas o tipo de exerccio, intensidade, frequncia e durao dassesses, impondo aos sujeitos uma condio de esvaziamento da dimenso da experincia. Odesafio central que se apresenta para a Educao Fsica parece se colocar no plano de devolver aosujeito o lugar que merece no mbito da pesquisa cientfica. Caberia ao pesquisador, assim, supe-rar a hegemonia do olharpara dentroe de longe, para que a prpria pesquisa se aproxime e auxiliena compreenso do real, pois, se por um lado, os discursos apresentados no material empricoforam monolticos, impessoais e homogeneizantes, a vida das pessoas na meia-idade plural ecorporalmente imbricada com a realidade de estar no mundo.

    Palavras-chave: Educao Fsica, meia-idade, corpo, sade, prticas corporais.

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    ABSTRACT

    In Modernity, among the multiple demands made to the body, there is the one that says

    the body has to be kept young, synonymous of health, well being, beauty, speed and productivity.Te body at middle age becomes different from what is considered a good shape as the signs oftime increase, what makes people look for interventions on the body to stop it, including bodilypractices. Researches have been developed in the attempt of extinguish time marks. However,some areas of study have been criticizing this phenomenon, starting from a concept that aging isa natural process of life. Tis dissertation aims to investigate how the scientific literature availableon line developed in the Post-Graduate Strict Sense of Physical Education in Brazil is analyzingmiddle age and its relationships to body, health and bodily practices. We theoretically dialogued

    with some elements of the concept of biopolitics developed by Michel Foucault. We performeda content analysis of two theses and 17 dissertations. Te data was organized in four categories ofanalysis: the body in decline, the mathematization of life, living is a danger? and the denialof experience. Te empirical data indicated that the interest of the area in study people in middleage was focused on analyzing the effects of exercise programs on physical variables and qualityof life in dealing with the issues: diseases, risk factors and cardio respiratory responses. Eighteensurveys were close to epistemological empiric-analytic trend, dialoguing with positivism, andanother one to critical-dialectic trend, relying on the historical and dialectical materialism. Re-sults revealed few studies of people in middle age and the found researches showed little concern

    in presenting specific elements of this moment of life, disregarding aspects of this generationcategory and other dimensions of human life, focusing the debate of the object of the study inthe material body. Te researches showed middle age as a period marked by the negativity of thechanges that occur in body structures and systems, such as a life damage, and approached theindividuals to illness and death. Te concepts of body and illness were guided in a fragmentedview, expressed by the uniqueness of anatomical and physiological analysis and in studies onquality of life, expressed in the division of the subjects in areas which were not perceived in itsentirety. We found that the factors considered important for bodily practices aimed to people inmiddle age were only the type of exercise, intensity, frequency and duration of sessions, imposing

    to the individuals a condicion of emptying the experience dimension. Te central challenge thatis presented to Physical Education seems to be in the plan to return to the individuals the placethey deserve in the scope of scientific research. Tus, it would be up to the researcher overcomingthe hegemony of looking inside and from out, so that the research itself can approach and assistin understanding the real, because, if in one hand, the discourses presented in the empirical datawere monolithic, impersonal and homogenizing, on the other hand the lives of people in middle

    age are plural and bodily interwoven with the reality of being in the world.

    Keywords:Physical Education, middle age, body, health, body practices.

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    LISTA DE QUADROS

    I -

    E F B ONLINE . .....................................................................................

    P- , . ..........................

    O . ................................................................

    , .................................

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    LISTA DE SIGLAS

    FESP/UPE - Fundao Universidade de Pernambuco

    IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    Rev. Bras. - Revista Brasileira

    Mov. - Movimento

    EDs - teses e dissertaes

    UCB - Universidade Catlica de Braslia

    UDESC - Universidade do Estado de Santa Catarina

    UEL/UEM - Universidade Estadual de Londrina/Universidade Estadual de Maring

    UFES - Universidade Federal do Esprito Santo

    UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais

    UFPEL - Universidade Federal de Pelotas

    UFPR - Universidade Federal do Paran

    UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro

    UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina

    UFV - Universidade Federal de ViosaUGF - Universidade Gama Filho

    UNB - Universidade de Braslia

    UNESP/RC - Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho Campus Rio Claro

    UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas

    UNICSUL - Universidade Cruzeiro do Sul

    UNIMEP - Universidade Metodista de Piracicaba

    UNIVERSO - Universidade Salgado de OliveiraUSJ - Universidade So Judas adeu

    USP - Universidade de So Paulo

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    LISTA DE TABELAS

    N , . ....................................................

    N , - ...........................................................................................

    A - .............

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    SUMRIO

    INTRODUO ..........................................................................................................

    CAPTULO1

    . C : - .................................. .. P .................... .. I - .......................................... .. D ,

    M: ...

    CAPTULO2

    . C - ... .. A .............................................. .. F :

    ..................................................................................... P :

    ..............................................................................................

    .. F : ................................................................................

    CAPTULO3

    . S - , ........................................................

    .. O ..................................................................... .. A .................................................................

    .. V ............................................................................... .. D ...............................................................

    CONSIDERAESFINAIS........................................................................................

    REFERNCIAS..........................................................................................................

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    INTRODUO

    Voltar o olhar para os conhecimentos produzidos no mbito acadmico da Educao

    Fsica parece ser uma maneira interessante e desafiadora de entender mais de perto o quetemos sido enquanto campo cientfico e quais compromissos temos assumido perante asociedade nestes tempos em que vivemos. A Educao Fsica tem construdo seus saberesa partir do dilogo com diferentes campos de conhecimento, movimento que culmina emdiferentes formas de pensar/fazer pesquisa e interveno.

    Este livro vem compor este cenrio, intentando trazer algo de contr ibuio, apartir de um recorte bem especfico. O texto disserta sobre substantivos conhecidos daEducao Fsica, quais sejam: corpo, sade e prticas corporais, e o faz a partir da dis-

    cusso destes temas na especificidade de um momento da vida humana, o qual defini-mos como meia-idade.

    O texto que segue pretende-se objetivo e pouco potico, mas apenas do ponto devista da redao. A forma de escrita empregada por vezes pode ter escondido o cuidadoconstante que tivemos no trato com o material emprico produzido pelos colegas docampo e a sensibilidade presente no processo de elaborao da pesquisa, especialmentenos momentos em que pensvamos nos sujeitos de meia-idade, objetos de estudo dasteses e dissertaes analisadas.

    ratar de pessoas na meia-idade foi um exerccio instigante, complexo e tambmprazeroso, na medida em que significou a possibilidade de materializar e socializar com acomunidade acadmica algumas reflexes sobre questes que vinham chamando a atenodesde o incio do curso de licenciatura em Educao Fsica, o qual cursei na UniversidadeFederal de Santa Catarina, e que, a primeira vista, parecem ter sido pouco exploradas pelospesquisadores do campo.

    enho a impresso de que minha caminhada pessoal e acadmica foi repleta de expe-rincias que convergiram de formas diversas para a construo gradativa do interesse pela

    temtica. Durante a graduao tive a oportunidade de atuar em diferentes projetos de pes-quisa e extenso desta Universidade, os quais tiveram como ponto comum o fato de seremdesenvolvidos com pessoas na meia-idade e idosas1. Alm de manter o vnculo com as ativi-dades de pesquisa, aps concluir minha formao inicial, atuei durante trs anos como pro-fessora de prticas corporais em uma turma de adultos de um clube de Florianpolis-SC,

    1 Projetos de extenso: Atividade Fsica e Dana Folclrica para a Terceira Idade e Condicionamento Fsico. Projetos de pesquisa: Operfil dos idosos do municpio de Florianpolis, vinculada tese de doutorado Atividade Fsica: uma perspectiva de promoo da sade doidoso no municpio de Florianpolis, cujos resultados esto publicados em Benedetti, Petroski e Gonalves (2004); Prticas Corporais naMaturidade, vinculado Rede Cedes, parte do Projeto de Pesquisa Integrado As prticas corporais na contemporaneidade: explorandolimites e possibilidades, cujos resultados esto publicados em Melo, Antunes e Schneider (2005a, 2005b e 2006) e depois vinculado ao

    Projeto Integrado As prticas corporais no c ontexto contemporneo: ampliao das aes de esporte e lazer re-significados na cidade, cujaspublicaes esto em Antunes e Schneider (2007a; 2007b e 2009).

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    onde tive maior liberdade para conduzir o trabalho, que se consolidou como possibilidadede materializar, questionar e ampliar os conhecimentos produzidos dentro da universidadenuma realidade privada. Outro fator que contribuiu para a ampliao do interesse pelo tema

    da meia-idade foi a retomada do convvio dirio com minha me com sua mudana, apssete anos, para a cidade de Florianpolis-SC. O contato com ela e seu crculo de amizadestrouxe elementos que somaram s experincias anteriores e se constituram como uma mo-

    tivao mais prxima para compreender este momento da vida.

    Desta trajetria como professora, pesquisadora e filha, fizeram parte diferentes ma-neiras terico-prticas de compreender e lidar com as pessoas na meia-idade. O convviocom elas propiciou aprendizados para alm da dimenso acadmico-profissional. rouxe

    reflexes para o campo pessoal, para pensar a vida a partir dos ensinamentos e da observao

    daquelas pessoas que j viveram muitos anos e que acumulam saberes e marcas que, por ve-zes e ambiguamente, fazem questo de transmitir e/ou de esconder. Diante delas, apesar dopapel assumido como professora/pesquisadora, por diversas vezes encontrei-me na posiode aprendiz.

    Neste convvio, inquietaes foram surgindo e pareceu pertinente comear a pensarde forma mais complexa este momento da vida, levando em considerao estes corpos nameia-idade em transformao, envelhecendo, repletos de marcas que so a representao dahistria de vida de cada um. Neste cenrio, algumas percepes me tocaram porque foram

    comuns, independente dos contextos em que apareceram.A partir de prticas, conversas, observaes (formais e informais), foi possvel perce-

    ber uma espcie de dificuldade das pessoas na meia-idade em se reconhecerem como corposque esto envelhecendo, que esto assumindo caractersticas vistas hegemonicamente comosinais de decadncia. Rugas, cabelos brancos, flacidez na pele, perda de tnus muscular,algumas adaptaes para se movimentar, so exemplos de marcas que surgem no corpo eque foram comentadas como causadoras de certa repulsa e estranhamento. Mudanas quepareciam trazer uma vontade de prender-se juventude, ideia estimulada pelos meios de

    comunicao e vendida como possvel a partir do consumo de produtos de beleza, de deter-minados alimentos e suplementos, de exerccios, de cirurgias plsticas, entre outras inter-venes sobre o corpo. Alm disso, ao mesmo tempo tambm foi possvel observar discursosdiferentes destes, de aceitao e de certo orgulho pelos anos vividos e pelos acontecimentosque fizeram parte da trajetria de vida e formas de encarar os sinais do envelhecimentocomo um processo natural, entendendo-os como outra forma de beleza e de se relacionarcom o mundo.

    O fenmeno de envelhecer pareceu ter se constitudo como mais uma novidade paraser somada vida das pessoas na meia-idade, as quais, desde que nasceram, tm passado poreventos histricos marcantes. As geraes que nasceram nas dcadas de 1950 a 1970, apro-

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    ximadamente, viveram/vivem mudanas fortes e significativas em curtos espaos de tempo,

    como o perodo ps-guerra, o festival de Woodstock, a ditadura militar, a popularizao da

    internet e dos meios de comunicao, os avanos da tecnocincia, principalmente prove-

    nientes do desenvolvimento da gentica aliado ao da informtica e massificao global doconsumo de bens industrializados.

    De maneira geral, estas pessoas conviveram com o momento em que a expectativa de

    vida era baixa, portanto, no havia muita preocupao com a velhice. Quando nasceram, por

    exemplo, a expectativa de vida em 1950 era 43,2 anos; em 1960 era 55,9 anos e em 1970 era

    57,1 (RAMOS; VERAS; KALACHE, 1987). ambm viram a velhice ser vivida como

    sinnimo de passividade e decrepitude. Viram ainda a mudana e, em alguma medida, a

    construo de outra forma de viver a velhice, com a to propalada erceira Idade, Melhor

    Idade, etc. que trouxe uma perspectiva de lazer, consumo e propostas de atividades diversaspara os idosos. Ao mesmo tempo, caminham para a velhice, mas convivem com os anncios

    macios de que possvel e que deve ser retardada.

    Alm disso, viram ascender uma concepo de corpo como lugar onde reside a identi-

    dade humana, enfrentando os desdobramentos do centramento na materialidade corporal

    e em sua externalidade como o Outro a ser dominado, movimento da Modernidade. Neste

    sentido, convivem com as novas configuraes da dominao capitalista sobre a vida, nas

    quais a imagem de juventude, associada a um aceleramento e performance corporal, exigi-

    da em todas as esferas do mundo moderno, seja no trabalho, seja no lazer.

    Nesta perspectiva, interessa-nos analisar a meia-idade porque percebemos na

    atualidade certa predominncia da negao do processo de envelhecimento. Num

    contexto marcado pelo culto ao corpo, velocidade, produtividade e aparncia f-

    sica, a experincia de envelhecer, fenmeno biolgico inevitvel, tem se transformado

    em um fenmeno cultural indesejvel (MOREIRA; NOGUEIRA, 2008). Nesta cul-

    tura, medida que o corpo da meia-idade se modifica, aproxima-se dos esteretipos

    de feiura, inutilidade e desprezo. Aliado a este imaginrio encontra-se a multiplicida-

    de de ofertas de interveno sobre o corpo, comprometidas em apagar marcas impres-

    sas no corpo que denunciam a histria de vida de cada pessoa e em esculpir formas

    indiferentes passagem do tempo.

    A produo cientfica tem se interessado pelo estudo do envelhecimento humano.

    Pesquisas tm sido desenvolvidas para contribuir na tentativa de extino das marcas do

    tempo no corpo. o caso das cirurgias plsticas, dos cosmticos, das atividades fsicas, das-

    dietas, que contam com o incentivo da mega-indstria da beleza, da nutrio e da sade. Por

    outro lado, algumas reas tm pensado criticamente este fenmeno, desenvolvendo estudos

    que partem de uma concepo de envelhecimento como processo natural da vida.

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    A Educao Fsica tambm ocupa importante lugar neste conjunto de pesquisase aes sobre o corpo, especialmente porque um campo que se caracteriza em grandemedida pela intencionalidade na interveno. Alm disso, est em constante contato com

    pessoas na meia-idade que buscam por prticas corporais de forma crescente neste mo-mento da vida, com diferentes objetivos. Diante disso, intentamos analisar como o campoda Educao Fsica tem dialogado com essa realidade, visto que os olhares tendem a sevoltar cada vez mais para a meia-idade e a velhice, entre outras questes, pela inverso nocontexto demogrfico brasileiro.

    Dados do IBGE (2006, p.36) apontam que a populao do Brasil caminha a passoslargos rumo a um padro demogrfico com predominncia de populao adulta e idosa.O Censo de 1991 comprovou o incio do processo de passagem do perfil da populao do

    pas, at ento majoritariamente jovem. al alterao j havia sido identificada no Relat-rio do IBGE (2004, p. 24) que indica a perspectiva de que, com as transformaes da es-trutura etria no Brasil, diminuir relativamente a demanda de ateno correspondentes crianas e jovens e aumentar a de servios e recursos para adultos e idosos.

    A partir de informaes como estas, percebeu-se que houve um movimento em dire-o populao idosa, observado no incremento de pesquisas e polticas pblicas, enquantoa populao adulta parece ter sido alvo de menor ateno, inclusive do ponto de vista de in-vestimento em pesquisas cientficas.

    Diante do exposto e considerando, especialmente, as concluses do estudo-piloto de-senvolvido para esta pesquisa2, questionamos: como a produo cientfica desenvolvida nosProgramas de Ps-Graduao Estrito Senso do campo da Educao Fsica vem abordandoa meia-idade e suas relaes com o corpo, a sade e as prticas corporais?

    Partimos de algumas hipteses, quais sejam:

    1. Os estudos desenvolvidos na Educao Fsica pouco tm levado em conta as es-pecificidades da meia-idade, tendendo ahomogeneizao de comportamentos,interesses, necessidades e condies de pessoas adultas.

    2. A produo acadmica deste campo apresenta hegemonicamenteuma con-cepo reducionista de corpo na meia-idade, na medida em que o concebe sob ovis biologicista.

    2 O estudo piloto visou apresentar o estado da arte da produo de conhecimento em Educao Fsica, tendo como foco central a meia-idade.Foram analisados 18 peridicos do campo da Educao Fsica (2000-2008), recuperando-se 52 artigos. Partiu-se da hiptese de que essetema pouco explorado, a qual foi confirmada visto que os artigos constituram apenas 2,1% do total de 2.513 artigos publicados no pero-do. Observou-se que, predominantemente: os estudos foram pesquisas de campo, realizadas com mulheres, num intervalo amplo de idades;os temas abordados foram aptido f sica, doenas/fatores de risco, validao de testes/equaes, adeso/motivao para exerccio, concepode envelhecimento, esporte, necessidades especiais, sociabilidade e aposentadoria. A anlise dos resultados indicou que tais temas foram en-faticamente relacionados aos aspectos biolgicos e a meia-idade foi caracterizada como um momento de alteraes fisiolgicas no organismo

    que trazem prejuzos para a vida; os autores tm recorrido a re ferenciais sobre velhice para analisar/refletir dados sobre meia-idade e adoena, mais do que a sade, foi o parmetro para os estudos analisados.

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    3. Os discursos veiculados pela produo cientfica da Educao Fsica sobre cor-po, sade e prticas corporais privilegiam a interiorizao de normas, a buscaincessante pela boa forma e a performance, com vistas a contemplar ideais de

    bem-estar, sade e beleza que correspondam a uma expectativa social, imersa nalgica de culto ao corpo.

    Na inteno de responder a questo de investigao, organizamos esta dissertaoem trs captulos. No primeiro captulo buscamos situar a concepo de meia-idade,contextualizando a produo de diferentes campos de conhecimento sobre esta temtica.Neste processo, apresentamos alguns pressupostos mais gerais para o estudo de categoriasde idadee, em seguida, estreitamos o foco na meia-idade, estabelecendo algumas aproxi-

    maes e tensionamentos com o conceito e buscando algumas definies para o delinea-mento deste fenmeno que pretendemos estudar, num processo constante de descoberta,reflexo e construo.

    No segundo captulo apresentamos os caminhos terico-metodolgicos da pes-quisa, delineando a constituio do corpusde anlise, formado por teses e dissertaes,e a definio do material emprico, bem como os procedimentos para coleta de dados.Apresentamos um panorama geral da produo cientfica do campo da Educao F-sica, no intuito de descrever caractersticas dos estudos sobre meia-idade que foramencontrados nos Programas de Ps-Graduao em Educao Fsica do Brasil. A partirdeste panorama, estabelecemos o recorte do material emprico para anlise nesta dis-sertao e, por fim, apresentamos as escolhas metodolgicas referentes anlise pro-priamente dita das teses e dissertaes.

    No terceiro captulo nos debruamos sobre a anlise dos achados desta pesquisa, osquais foram organizados em quatro categorias de anlise, as quais designamos de: o corpoem decadncia; a matematizao da vida; viver um perigo? e da negao da experin-cia. No interior destas categorias, buscamos argumentar sobre a meia-idade e suas relaescom corpo, sade e prticas corporais a partir da reflexo sobre diferentes conceitos e dife-rentes formas de produo do conhecimento encontradas no material emprico. Estabele-cemos um dilogo entre a teoria e a empiria, numa tenso dialtica, sobretudo no que dizrespeito s questes de mtodo e os conceitos de corpo, sade e prticas corporais presentesnas teses e dissertaes produzidas no mbito dos Programas de Ps-Graduao do campoda Educao Fsica.

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    CAPTULO 1

    1. CONSIDERAES INICIAIS: PARA SITUAR MEIAIDADE

    A idade adulta da vida, em uma compreenso simplificada do desenvolvimento hu-mano, coloca-se entre a juventude e a velhice e, desta forma, compreenderia um perodo am-plo da vida dos seres humanos. Contudo, esta dissertao tem como objeto central de estudoum momento mais especfico dentro deste intervalo chamado idade adulta. Pretendemosfocar justamente o momento da vida em que a corporalidade comea a sentir/refletir/reagircom as marcas do tempo, momento que identificamos com o termo meia-idade.

    O termo a ser utilizado para circunscrever o foco de nosso interesse de pesquisa geroumuitas inquietaes no decorrer do processo de fazer-pesquisa. Inicialmente, ele nos pareceu

    reducionista, quando apresentado no senso comum como a metade da vida; na literaturacientfica como fase referncia, em que o adulto encontra-se no meio, entre os mais jovens eos velhos, sendo responsvel pelos filhos e pelos pais (ALMEIDA; CUNHA, 2003; SOUSA,2004) e, especialmente, por sua descrio nos Descritores em Cincias da Sade (DECS) 3, emque definido apenas cronologicamente, como idade 45-64.

    Neste sentido, entendemos que perspectivas como essas no davam conta de apre-ender minimamente a complexidade deste momento da vida, a qual objetivamos abordarna pesquisa e que ser mais bem explicitada adiante, ainda neste captulo. Alm disso, o quedificultou tambm a escolha foi a carncia de aporte terico e explicitao do sentido deste

    termo por parte das pesquisas analisadas, que possibilitasse compreender na proximidade oque significaria meia-idade ou indicasse outros termos possveis. Observamos na literatura4uma impreciso conceitual, refletida na diversidade de expresses utilizadas em pesquisaspara se referir a este momento da vida: meia-idade, vida adulta intermediria, adultos, adul-tos maduros, adultos velhos, homens, mulheres e masters, no caso de atletas5;meia-idade,adultez, adultado, adultidade, adultescncia, andragogia, maturescncia, antropolescncia6,ou ainda madurez.

    Houve ainda a possibilidade de adotarmos termos como maturidade, o qual foi uti-lizado em pesquisas anteriores na Universidade Federal de Santa Catarina7; adultez, o qual

    3 O DECS foi criado pela BIREME para uso na indexao de artigos de revistas cientficas, livros, anais de congressos e outros tipos demateriais, e para ser usado na pesquisa e recuperao de assuntos da literatura cientfica nas bases de dados Lilacs, Medline e outras. Seu ob-jetivo permitir o uso de terminologia comum para pesquisa em trs idiomas, proporcionando um meio consistente e nico para recuperaoda informao. Os descritores se constituem como organizadores das temticas que so estudadas no campo da Sade, a fim de servir comouma linguagem nica para indexao e recuperao da informao entre os componentes do Sistema Latino-Americano e do Caribe deInformao em Cincias da Sade (...), permitindo um dilogo uniforme entre cerca de 600 bibliotecas (DECS, 2009).

    4 No estudo-piloto realizado para esta pesquisa e nas leituras em diferentes campos de conhecimento sobre o assunto, citadas adiante.5 Dados do estudo-piloto.6 Dados de estudos do grupo de pesquisa coordenado pela professora Filomena Sousa no Instituto Superior de Cincias do Trabalho e da Em-

    presa (ISCTE), da Universidade de Lisboa-Portugal, que se dedica ao estudo do que ser adulto, na perspectiva da Sociologia do Adulto.Estes termos, ora se apresentam como definio de uma idade adulta genrica, ora como momentos mais especficos dentro deste intervalo,como a meia-idade.

    7 Pesquisas do subprojeto Prticas Corporais na Maturidade, da Rede CEDES. O termo maturidade foi descartado aqui, em virtude de,naquele momento, ter sido empregado para se referir aos alunos das turmas que foram compostas por pessoas de at 74 anos, o que desvirtua-ria o foco desta pesquisa, pois poderia confundir com velhice.

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    foi, inclusive, utilizado no projeto de pesquisa desta dissertao, qualificado em 24 de marode 2009; e adultez/envelhecimento, sugerido e discutido exaustivamente com colegas e pro-fessores que contriburam nesta dissertao8.

    Diante da reflexo sobre os impasses colocados, optamos, por fim, pela utilizao do termomeia-idade, reconhecendo suas limitaes e buscando, a partir dele mesmo, tensionar seus limitese apontar para a necessidade de ampliao do seu entendimento, na perspectiva de pensar a vida nasua complexidade. Ainda, avaliamos que seria importante que a palavra-chave deste trabalho fossemeia-idade, utilizando o descritor reconhecido pelo DECS, a fim de se juntar aos demais traba-lhos sobre essa temtica, aumentando a possibilidade de leitura, problematizao e tensionamentopor parte dos pesquisadores que se interessam por estudar esse tema. Por fim, tambm considera-mos que meia-idade um termo que remete o leitor ao momento da vida que objetivamos estudar,

    o que no aconteceria, por exemplo, se tivssemos escolhido adultez/envelhecimento. Este ltimoargumento interessante apenas porque, primeira vista, facilitaria a leitura, pois no podemos des-considerar a necessidade de ampliar seu entendimento, conforme j foi dito.

    A partir destes elementos, introduzimos o termo meia-idade nesta pesquisa, bus-cando apoio em autores dos campos da Educao Fsica, das Cincias Humanas e Sociais,nomeadamente Sociologia das Geraes e Psicologia do Desenvolvimento9, e da Sade. Es-tes autores trouxeram contribuies, ao mesmo tempo em que apresentaram certo consensono que se refere escassez de referenciais tericos para dar suporte a estudos com adultos emgeral, incluindo pessoas na meia-idade.

    O estudo-piloto realizado para esta pesquisa tambm concluiu que essa temtica recente e pouco explorada, constituindo-se como uma lacuna nos estudos do campo. Gon-alves et al (2001) e Duarte et al (2002, p. 37) afirmaram que os estudos na rea de educaofsica, relacionados meia-idade, so incipientes. Para Santos e Knijnik (2006, p. 24), ameia-idade tem sido pouco abordada nos estudos (...), os quais tm dado muita nfase ter-ceira idade.

    Na Sociologia, Sousa (2008, p. 03) argumenta que no h uma estrutura terica or-

    ganizada sobre o estudo social da adultez. Se com alguma facilidade que se encontra umaextensa bibliografia sobre o tema da infncia, da adolescncia, da juventude e do idoso, omesmo no se passa em torno do conceito de adulto. A mesma autora, em outro texto, indi-ca uma lacuna de estudos sociolgicos sobre essa fase e que a bibliografia existente trata deformao de jovens e adultos, majoritariamente (SOUSA, 2004).

    8 Os dois ltimos foram descartados principalmente porque a palavra adultez muito utilizada na lngua portuguesa de Portugal e se refere idade adulta como um todo, dando margem para que se pudesse confundir o foco de estudo pretendido nesta dissertao, em especial porqueutilizamos material em lngua portuguesa de Portugal nesta pesquisa. Alm disso, adultez foi o termo usado no projeto de pesquisa destadissertao e avaliamos que gerou dvidas na compreenso por parte da banca examinadora no momento da qualificao.

    9 Optamos por estes dois campos de conhecimento em virtude da Psicologia ter sido historicamente precursora no estudo da idade adulta e ser,por excelncia, fonte de referncia para a construo da Sociologia do Adulto. Mesmo assim, no descartamos as contribuies de estudos da

    Antropologia e da Histria, que nos auxiliaram a compreender como concebida a evoluo humana do nascimento morte em diferentesculturas.

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    Domingues (2002, p.02) indica que o tema da juventude tem destaque no campo

    das Cincias Sociais, porm a erceira Idade acabou por assumir igualmente relevn-

    cia para discusso, com pouco interesse tendo sido por ora despertado por outras etapas

    do ciclo da vida. Esse autor apresenta uma hiptese para justificar por que isso temacontecido. Para ele, a juventude e a terceira idade so as faixas que contornam os vazios

    que os fenmenos tpicos da fase adulta madura normalmente preenchem, uma vez que

    nestas, a entrada no mercado de trabalho ainda no se realizou ou ento o xito deste

    momento j passou.

    O cidado trabalhador colocado no mercado de trabalho (se bem quehoje o desemprego decerto oferea problemas crescentes e peculia-res) e pai de famlia bem como a dona de casa casada e com filhos - ou

    seja, adultos jovens ou de meia-idade - no apresentavam problemasque merecessem ser estudados com foco particular (DOMINGUES,2002, p. 18).

    Barros (1998) afirma que at 1960 praticamente no havia um estudo sociolgico

    importante sobre o envelhecimento, sendo que a literatura sobre o assunto estava relacio-

    nada s reas da Medicina e da Biologia. No que tange temtica da idade adulta, consta

    que, mesmo pouco, ela tem interessado mais a partir da dcada de 1990 (SOUSA, 2008).

    J Oliveira (2004, p. 09) destaca que a Psicologia no tem sido capaz de formular, de

    modo satisfatrio, uma Psicologia do Adulto, ainda que h algum tempo esteja problemati-

    zando esta fase da vida.

    As teorias psicolgicas so menos articuladas e complexas quanto maisavanamos no processo de desenvolvimento da pessoa: sabemos muito sobrebebs, bastante sobre crianas, menos sobre jovens e quase nada sobre adultos.

    A autora chega a afirmar que quanto mais novo o sujeito, mais fcil compreender o

    ciclo de vida onde ele se encontra, porque h menos peso da cultura e porque as pessoas seassemelham mais quanto mais prximas de sua origem animal.

    No campo da Sade, buscamos referncias especialmente nos Descritores da Sade

    (DECS). Encontramos definies baseadas exclusivamente em determinantes cronol-

    gicos, em que o descritor adulto foi definido como uma pessoa que atingiu crescimento

    total ou maturidade. Adultos vo dos 19 at 44 anos de idade e meia-idade, como idade

    45-64. Nesta mesma lgica, a classificao etria proposta pela Organizao Mundial da

    Sade (OMS) considera na meia-idade pessoas com 45 a 59 anos10.

    10 Tomamos como base o DECS e a OMS em virtude de que so duas instituies que balizam e organizam os estudos no campo da Sade, ouseja, os autores deste campo f requentemente buscam definies para seus estudos nestas instituies.

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    Sousa (2008, p. 03) afirma que o estudo da vida adulta encontra-se inscrito numa

    bruma e na marginalidade porque exige um exerccio de desconstruo para conceber o

    adulto fora da sua normalidade ou mesmo de sua banalidade. Estudar a meia-idade, nesse

    sentido, implica em questionar antigas certezas que afirmam esse momento da vida comouma idade sem problemas, marcada pela estabilidade familiar, profissional e financeira, a

    partir de um conceito esttico e linear.

    Diante do exposto, fica evidente o primeiro desafio que se coloca para esta disserta-

    o: o de melhor compreender o conceito de meia-idade, o qual se constitui na centralidade

    do estudo. Assim, buscaremos a partir de agora dialogar com elementos presentes e ausentes

    na literatura e com o estudo-piloto realizado, na tentativa de se aproximar e explicitar teori-

    camente esse fenmeno que pretendemos estudar.

    1.1. PRESSUPOSTOSPARAOESTUDODECATEGORIASDEIDADE

    Sendo a meia-idade um termo derivado de uma categoria de idade, iniciaremos tecendo

    algumas consideraes sobre aspectos gerais da passagem dos indivduos pelos ciclos da vida na

    existncia humana, em um modo de vida tipicamente urbano, ocidental e em torno dos estratos da

    classe mdia. Esta opo inicial decorre do fato de que esta parcela da populao brasileira vem sen-

    do foco das pesquisas em Educao Fsica, cujos relatrios se constituram em fonte primria destapesquisa. Em seguida, concentraremo-nos mais estreitamente na abordagem da meia-idade.

    O ser humano, a partir do momento em que nasce, inicia seu processo de envelheci-

    mento e de passagem por vrias fases do ciclo da vida, como ser biologicamente enraizado e

    scio-historicamente construdo. As transies que ocorrem ao longo deste complexo pro-

    cesso inserem-se em processos mais amplos de mudana social, dos quais so parte e para os

    quais contribuem.

    Ainda que a evoluo possa ser compreendida como uma caracterstica que o ser

    humano compartilha com outras espcies, necessrio frisar que ele se diferencia pelo seu

    pertencimento mtuo a ambos os universos, o da natureza e o da cultura. Concordamos

    com Souza (1997) quando critica algumas teorias da Psicologia do Desenvolvimento que

    abordam a evoluo humana numa perspectiva darwinista e a partir de uma noo de tempo

    linear, cumulativo, homogneo e vazio11. Desse ponto de vista, as fases do ciclo da vida no

    11 Souza (1997, p. 44) atenta que a caracterstica marcante das teorias do desenvolvimento, do sculo XIX em diante, se constiturem comosaberes que engendram conceitos universalizantes e abordagens teleolgicas que demarcam a natureza e o lugar social dos sujeitos, segundoestgios ou etapas unidirecionais de desenvolvimento, ou segundo sua idade cronolgica. Segundo Facci (2004), para compreendermos avida humana, do ponto de vista da Psicologia do Desenvolvimento, uma abordagem mais adequada seria a histrico-cultural ou social--histrica, que supera explicaes do desenvolvimento humano baseadas em modelos mecanicistas ou organicistas e aponta para uma viso

    historicizadora do psiquismo humano, tendo por base fundamentos marxistas. Estes fundamentos enfatizam que mudanas histricas nasociedade e na vida material produzem mudanas na conscincia e no comportamento humano.

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    se constituem em propriedades substanciais que os indivduos adquirem com o avano da

    idade cronolgica (DEBER, 1998).

    Quando tomamos a periodizao da vida em categorias de idade, entendemos que

    preciso levar em conta duas questes fundamentais: a no naturalidade das categorias deidade e a concepo de que elas so construes histricas e sociais. Isso no significa negar o

    ciclo biolgico da vida, mas considerar como cada momento deste ciclo vivenciado simbo-

    licamente ao longo da histria e em diferentes culturas e sociedades.

    Outro ponto que precisa ser considerado no estudo de categorias de idade o fato de

    que no possvel conceber as fases da vida como homogneas, uma vez que vivemos uma

    intensa pluralizao dos estilos de vida e identidades na Modernidade. Neste mbito, en-

    contramos diferentes formas de viver cada fase da vida e tambm diferentes formas de viver

    no interior de uma mesma fase da vida. por isso que hoje se fala em infncias, juventudes,velhices, no plural (ARROYO, 2004).

    Mesmo assim, Magro (2003) alerta que, apesar das dificuldades em cercar essa plura-

    lidade, a periodizao da vida

    no deve ser negada ou relativizada, tendo em vista a importnciadessa diviso de grupos de idade na organizao da sociedade em quevivemos. A compreenso da relao entre grupos de idade e a cons-tituio da identidade etria pode ser um material privilegiado para

    uma reflexo da produo e reproduo da vida social (MAGRO,2003, p. 45)

    Domingues (2002), em um artigo que visou rever a literatura sociolgica e antro-

    polgica sobre o tema das geraes, defende uma abordagem das geraes que escape

    do equvoco da homogeneizao e que permita uma viso capaz de contemplar a he-

    terogeneidade, o descentramento e a interatividade das geraes de idade, sem deixar

    de lado seu substrato material, inclusive biolgico. Para isso, ele se apoia o conceito

    de subjetividade coletiva. Segundo esta perspectiva terica, a vida social tecida e

    se constitui como uma rede interativa, multidimensional, na qual atores individuais e

    coletividades se influenciam de forma mtua causalmente (DOMINGUES, 2002, p.

    68). Alm disso, este autor prope dimenses analticas importantes que ajudam a com-

    preender o conceito de gerao: as dimenses material e hermenutica e as questes do

    poder e do espao-tempo.

    A dimenso material refere-se materialidade corporal e sua capacidade especfica

    de apropriao de recursos materiais. Nela, a idade costuma ser um elemento bsico para a

    caracterizao das geraes. Para Veiga-Neto (2000, p. 228), a atribuio de uma idade a um

    indivduo est - sempre e necessariamente - presa materialidade do corpo:

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    ao conjunto indissocivel das caractersticas e propriedades de um corpode carne e osso, de um corpo biolgico que tem a sua gentica prpria enica, que teve e que ter a sua histria prpria e nica, que se inseriu emtais ou quais prticas.

    A dimenso hermenutica o universo simblico - cognitivo, normativo, expressivo -

    dentro do qual e a partir do qual as geraes se constituem. Os padres etrios so mediados

    pela dimenso hermenutica dos sistemas sociais, de diferentes experincias e identidades.

    Essa dimenso leva em conta que a evoluo da vida afetada pela classe social, pelo

    gnero, pela raa, pelo grupo profissional, pela cultura e demais determinantes, os quais, in-

    clusive, influenciam para um encurtamento ou prolongamento da vida. Conforme as condi-

    es de vida, cada pessoa tem maior ou menor possibilidade de conservao da sade, aqui-

    sio de cultura e fruio dos bens, servios e possibilidades de bem-estar social e individual.

    Um homem de classe mais abastada pode ter 50 anos cronologicamente,mas sua idade biolgica pode ser de 45 ou menos, se ele utiliza os meios deque dispe para conservar sua sade. Assim como pode ser consideradojovem como acontece com muitos atores e atrizes e gals de cinema quecom essa idade fazem papis de jovens enamorados; ou esportistas, polti-cos ou empresrios em plena vitalidade e atividade. Ao contrrio, um tra-balhador assalariado de 50 anos, no meio rural, pode ter biologicamenteidade muito avanada, devido ao desgaste produzido pela vida e o traba-

    lho adverso, assim como socialmente j considerado um velho trabalha-dor sem fora e capacidades produtivas (MAGALHAES, 1989, p. 18).

    Alm das dimenses material e hermenutica intimamente relacionadas, para aquele

    autor preciso considerar que uma fase da vida existe em relao outra. Neste nterim, est

    presente tambm a questo do poder, ou seja, a capacidade de uma gerao influir sobre a ou-

    tra. Assim, enquanto coletividades com poder varivel em funo de seus processos internos,

    necessrio perceb-las como capazes de dirigir ou mesmo impor umas s outras, e a outras

    subjetividades coletivas, cursos de movimento que se conformem com o que almejam (DO-

    MINGUES, 2002, p. 80). Isto pode ser produzido de forma organizada e intencional, pela

    forma de aes individuais ou pela forma de manifestaes de grupos dentro da gerao.

    Os adultos ou mesmo os velhos, por razes institucionais e culturais, possuem mais

    poder dentro de um grande nmero de sociedades. No que diz respeito nossa (socieda-

    de ocidental moderna), Gusmo (2003, p. 25) afirma que vivemos em uma ordem social

    adultocntrica, que menospreza a criana e o jovem porque ainda no so adultos e o ve-

    lho porque deixou de ser adulto. Pauta-se na ideia de que um dos valores em voga a pro-

    dutividade e o adulto que o detm; portanto, esta a fase da vida que interessa ao capital

    mais diretamente.

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    Na sociedade, pode-se compreender que a periodizao da vida em quatro estgios

    principais (velhice, idade adulta, juventude e infncia) uma necessidade para garantir uma

    determinada organizao e controle social. Para Magro (2003), na sociedade capitalista, a

    infncia e a juventude foram criadas (e junto delas a escolarizao) com intuito de atender anecessidade de existncia de seres em formao para o exerccio de uma mo de obra especia-

    lizada, que produza e d lucros. O adulto deve ter uma especializao e ser produtivo, alm de

    estar apto para consumir bens. Ainda, para que o mercado de trabalho esteja sempre aberto

    para o adulto produtivo, preciso que se afastem dele aqueles que comeam a envelhecer. Da

    o surgimento da aposentadoria e junto dela a velhice. Essas consideraes vo ao encontro do

    ciclo ternrio da vida, composto pelos perodos de formao, produo e inatividade, consti-

    tudos aps o advento e expanso da aposentadoria (MAGALHES, 1989, p. 17).

    Por fim, h que ser considerado que a passagem pelos ciclos da vida ocorre em espaosconcretos, nos quais o tempo uma varivel. Neste contexto, dados biolgicos como sexo e

    idade servem de classificao dos indivduos no espao social. A elaborao de critrios de

    enquadramento, em geral est associada ao aparecimento de instituies e agentes espe-

    cializados que encontram nestas definies a fora motriz e o fundamento de sua atividade

    (GAGLIEI; BARBOSA, 2007, p. 139). Assim, estes princpios de classificao no tm

    sua origem na natureza, mas num trabalho social de produo e de reproduo das popula-

    es, os quais tm a ver com a diversidade de papis a serem ocupados em uma determinada

    organizao social.

    1.2. INTRODUOCONCEPODEMEIA-IDADE

    Para mais bem discutir a concepo de meia-idade que estamos adotando/construin-

    do, ressaltamos que se faz primordial manter como pano de fundo, ao longo da discusso, a

    inter-relao entre as dimenses materiale hermenutica do poder e do espao-tempo. Para

    contempl-las, partiremos da definio de que a idade tudo aquilo que levamos conosco,

    que herdamos ao nascer e vamos criando enquanto vivemos, a partir do que o mundo nos diz

    e tal como se nos apresenta (GUSMO, 2003, p. 28).

    Inicialmente, atentamos para o fato de que falar de meia-idade pressupe entender

    que esta fase da vida implica especificidades, heterogeneidade e complexidade. supor

    que ser adulto no um estado estanque, mas algo que experimenta a mudana conforme o

    contexto histrico e social em que est inserido. considerar que existem mltiplas formas

    de viver a meia-idade e, portanto, nossa tentativa nesta pesquisa no a de enquadrar a con-

    cepo de meia-idade em uma viso monoltica, mas apresentar elementos que subsidiem

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    uma compreenso mais prxima deste momento, necessria para que ele se consolide como

    objeto de ateno, investigao e interveno poltica e social.

    Sousa (2008), pesquisadora que se dedica construo de uma Sociologia do Adulto,

    apresenta os conceitos de adulto padro e adulto inacabado, referindo-se ao que seradulto desde o sculo XIX, perodo em que se estruturaram as categorias de idade. A vida,

    at meados do sculo XIX, no era dividida em categorias etrias. Segundo Freitas Silva

    (2008, p. 02), as divises se estabilizaram ao longo do sculo XIX e, no sculo XX, observou-

    -se maior uniformidade no interior dos grupos etrios, marcao razoavelmente precisa da

    transio entre diferentes idades e institucionalizao de ritos de passagem, como o ingresso

    na escola e na universidade e a aposentadoria12.

    O conceito de adulto padro predominou desde meados do sculo XIX at o final da

    Segunda Guerra Mundial. Este conceito remete para uma ideia de rotina e para a sociedade

    de produo, em que o adulto marcado pela estabilidade financeira, familiar e profissional.

    o adulto instalado, srio e formal, que segue ou tende a seguir um percurso mais ou me-

    nos pr-definido e linear e que projeta a longo prazo.

    O conceito de adulto inacabado surgiu aps a Segunda Guerra Mundial, em especial

    nos anos 1960 e 1970. Este conceito deixa de conceber o adulto como terminado e esttico

    (padro), para entend-lo em contnuo processo de construo e desenvolvimento. O adul-

    to, nesta perspectiva, prolonga tempos de experimentao, vive a instabilidade, a mobilidadeprofissional. o adulto dos novos modelos conjugais e familiares, que projeta a curto e mdio

    prazo e valoriza a sociabilidade com amigos, cuidados com a sade, o corpo e a imagem.

    Dentro deste conceito de adulto inacabado, a autora diferencia duas situaes: a do

    adulto inacabado em perspectiva, ou seja, aquele que se permite viver a instabilidade, mas

    se desenvolve dentro dela, pois garante alguma segurana/direo; e a do adulto inacabado

    problema, do caos vocacional, vulnervel, perdido, sem referncias.

    A autora considera que as trs definies acima (adulto padro, inacabado em perspectiva e

    inacabado problema) coexistem no indivduo e na sua forma de viver a idade adulta. Isso significaque se estabelece um paradoxo particular entre a representao tradicional e a moderna do que ser

    adulto. o que ela chamou de adulto hbrido. Estas colocaes so importantes, pois nos auxiliam a

    compreender a meia-idade e como ela se coloca dentro deste intervalo maior chamado idade adulta.

    Em pesquisa realizada com 1571 sujeitos em Portugal, Sousa (2008) identificou in-

    teressantes caractersticas e elementos que auxiliam nesta compreenso. Dentre os sujeitos

    investigados, o grupo que valorizou a representao do adulto padro foi, tendencialmente,

    12 Aris (1998), ao apresentar o surgimento da infncia como um perodo diferente da idade adulta, com suas especificidades, inspirou estu-

    dos histricos sobre a construo da identidade de outras categorias etrias. Para Debert (1996), assim como este autor mostrou a emergn-cia de etapas intermedirias entre a infncia e a idade adulta, vemos uma proliferao de etapas intermedirias de envelhecimento.

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    aquele composto por sujeitos de idade entre 45 e 54 anos. J o adulto inacabado foi valori-

    zado, tendencialmente, por pessoas mais jovens, a partir de 25 anos.

    Em grande medida, estes dados nos permitem observar algumas caractersticas de pessoas

    que se encontram na meia-idade, tais como: rotina, seriedade e formalismo, as quais permeiam anoo de trabalho como atividade principal desse momento, que vem seguida pela expectativa de

    estabilidade financeira, alm da relao com cnjuge e filhos que, independente de residirem ou

    no na mesma casa, constituem a noo de famlia, tambm ela prpria da meia-idade.

    Estas observaes vo ao encontro de um estudo realizado por Almeida e Cunha

    (2003), em que a fase adulta tida como espao da produtividade, do trabalho e da famlia.

    Alm disso, ao adulto conferido o papel de tutor, de referncia para outras fases da vida, na

    medida em que responsvel pelos filhos e pelos pais.

    Com relao ao aspecto do trabalho, ainda preciso considerar algumas condies

    que, mesmo distintas, so especificidades da meia-idade: uma delas a ideia de pico ou auge

    no emprego, em virtude dos anos de experincia dentro de uma mesma funo; outra a

    ideia de efetivao ou proximidade da aposentadoria.

    Antunes e Schneider (2007, p. 80) realizaram uma pesquisa com mulheres a partir de 45

    anos, sendo a maioria da profisso do lar, e identificaram uma relao diferente delas com o

    trabalho. Segundo as pesquisadas, na meia-idade a mulher volta seu olhar para si, uma vez que

    as situaes com famlia e trabalho - que se configuram como as que mais demandam atenoantes disso - parecem estar mais resolvidas com os filhos j crescidos e a aposentadoria mais

    prxima. Alm disso, ocorrem mudanas de um conjunto de fatores biopsicossociais que in-

    terferem nas diferentes esferas da vida conforme a histria de cada uma.

    As transformaes marcantes no mbito da vida que ocorrem no perodo da meia-

    -idade so consenso na literatura de diferentes campos de conhecimento. Estas mudanas

    tm na corporalidade sua principal forma de manifestao e revelam um carter ambivalen-

    te da meia-idade, onde as mudanas so entendidas ora como ganhos para a vida, ora como

    perdas, tanto na interpretao individual de quem as vivencia, quanto da sociedade.Jorge (2005) caracteriza a meia-idade, por um lado, pela perda da energia fsica e da ca-

    pacidade de locomoo, cansao, fadiga, diminuio da fora e falta de condicionamento fsico.

    Por outro, ganhos como aumento de conhecimentos, experincia de vida e aprendizagem.

    Este estudo vai ao encontro do que constataram Melo, Antunes e Schneider (2005)

    ao entrevistar e observar mulheres com mais de 45 anos. As autoras identificaram como

    resultado um entendimento da meia-idade referente a limitaes de ordem fsica e perdas

    na parte esttica; e ganhos no sentido do amadurecimento, que na concepo das mulheres

    pesquisadas, trouxe mais segurana, sabedoria e tranquilidade.

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    Duarte et al (2002) analisaram a noo de envelhecimento de participantes de meia-

    -idade de dois grupos de prticas corporais. Os resultados destacaram que, para o grupo que

    praticava ginstica, o envelhecimento apareceu como sinnimo de desgaste, com reforo de

    expresses de dissociao corpo-mente. Para o grupo que praticava caminhada, ele foi tidocomo um processo natural, no sentido de normal, que ora negativo (foram citadas questes

    de discriminao social e dependncia, por exemplo) e ora positivo (como com a possibili-

    dade de transmisso da experincia para outras pessoas).

    Na pesquisa de Jorge (2005), a autora ainda observou que os laos sociais se restrin-

    gem na meia-idade - apesar de serem considerados de grande importncia - com a realidade

    dos filhos j criados, a existncia de casamento de muitos anos ou neste momento desfeito e

    a vontade de maior introspeco.

    Sobre o ltimo aspecto, Corazza (2005, p. 21) aponta que a espiritualidade ganha impor-

    tncia na meia-idade. Especialmente para as mulheres, a fase da conscincia, da consolidao

    de nosso lugar no mundo. comum nessa fase abandonarmos os valores aceitos por adequao

    social e elegermos nossos prprios valores. A meia-idade, assim, coloca-se como uma fase de

    pensar e repensar a vida, o que foi feito, a que foram dedicados todos os anos vividos at ento. O

    evento da aposentadoria, por vezes, tambm detona este processo de avaliao da vida, uma esp-

    cie de balano do que j aconteceu e de especulao e/ou planejamento do que est por vir.

    Com relao aos homens, rindade (2002) estudou a meia-idade masculina a partirdos eixos paternidade, sexualidade e projetos de vida. Ela destaca que as mudanas ocorridas

    na meia-idade se relacionam especialmente com a percepo do envelhecimento, da pro-

    ximidade da fase adulta dos filhos e a competio com pessoas mais jovens no mercado de

    trabalho, que podem deflagrar a chamada crise da meia-idade. al crise, tanto pode levar a

    uma produtiva reflexo quanto a uma estagnao na vida do homem.

    O estudo-piloto realizado para esta pesquisa analisou artigos de peridicos brasileiros

    da Educao Fsica, mas no permitiu identificar contribuies dos autores do campo que

    auxiliassem nesta tentativa de compreender especificidades da meia-idade. Pelo contrrio,uma das constataes do estudo foi que poucos dos artigos analisados demonstraram pre-

    ocupao em compreender ou conceituar o que representa a meia-idade na vida das pessoas

    com as quais se propuseram a estudar.

    Alm disso, percebeu-se que h uma falta de reconhecimento da complexidade

    que caracteriza a fase adulta da vida como um todo e das especificidades dos momen-

    tos que a constituem, como o caso da meia-idade. Os artigos denotaram uma esp-

    cie de homogeneizao dos comportamentos, interesses, necessidades e condies

    das pessoas adultas e indicaram no s uma impreciso conceitual, como uma con-

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    cepo ontolgica de difcil sustentao13. Independente do peridico em que forampublicados e das temticas abordadas, os estudos predominantemente caracterizarama meia-idade como um momento de alteraes fisiolgicas (decrscimos) no organis-

    mo que trazem prejuzos para a vida.Esta concepo de meia-idade, por vezes tida como pessimista, encontrada na pro-

    duo acadmica da Educao Fsica, aponta para uma especificidade desta fase, que oenvelhecimento do corpo e a proximidade da velhice. Desde que nascemos o corpo comea aenvelhecer, mas na meia-idade que os sinais do tempo comeam a ficar mais evidentes, taiscomo as mudanas estticas que se intensificam na pele, nos cabelos, nos ossos, nos mscu-los, nos rgos internos, no peso corporal.

    A meia-idade marcada pelo aparecimento das rugas mais profundas e dos cabelos

    brancos e pela reduo de tonicidade da pele e da musculatura, que so as mudanas corpo-rais que mais se evidenciam na aparncia esttica das pessoas de meia-idade. Entretanto, nasociedade ocidental moderna, estas transformaes tm trazido uma srie de implicaes/transtornos para a vida de muitas das pessoas, uma vez que se observa na Modernidade umanegao do processo de envelhecimento.

    Nesse sentido, a meia-idade no s marcada pela ocorrncia das mudanas corpo-rais, mas tambm pela busca da reverso das mudanas corporais. Estudos de autores comoSant anna (2004, 2002, 2001, 2000a); Silva (2004, 2001 e 1996); Soares (2004, 2001); apon-

    tam que vivemos em uma era de culto ao corpo.Nesta realidade, dentre as mltiplas exigncias feitas ao corpo (SANANNA, 2002),

    est a ordem de que deve manter-se sempre jovem, sinnimo de bem-estar, sade e beleza.Envelhecer nesse cenrio, marcado pelos valores da produtividade e da aparncia fsica su-perestimada, transforma essa experincia, que um fenmeno biolgico inevitvel, em umfenmeno cultural da ordem do indesejvel (MOREIRA; NOGUEIRA, 2008, p. 59).

    O corpo na meia-idade o diferente da boa forma e na medida em que se transforma,aproxima-se do imaginrio de feiura, inutilidade e desprezo, associado ao esteretipo da velhi-

    ce. Diante disso, o sujeito provocado diariamente a converter-se, a tornar-se aparentementeintocado pelo passar dos anos, nem que para isso seja preciso liberar-se das marcas impressas nocorpo que contam sua histria de vida. Dentro desta lgica, vemos crescer a busca por programasde exerccios, cirurgias plsticas, tratamentos dermatolgicos, dietas, uso de medicamentos anti-depressivos, ansiolticos e erapia de Reposio Hormonal no combate menopausa14.

    13 Identificamos que os termos utilizados nas pesquisas para fazer referncia meia-idade (vida adulta intermediria, adultos, adultos ma-duros, adultos velhos, homens, mulheres e masters) refer iram-se a um largo intervalo de idades. Observamos, ainda, que as faixas etriasapresentadas variaram entre aproximadamente 18 e 60 anos, sendo que alguns estudos incluram pessoas de at 94 anos.

    14 A menopausa um dos eventos mais marcantes na vida de mulheres de meia-idade. Sobre ela, os estudos do campo da Sade concentramsua abordagem no ponto de vista hormonal, enquanto a Psicologia apresenta alguns estudos que associam a menopausa, caracterizada pela

    cessao da ovulao e manifestaes f sicas e psquicas, ao viver a meia-idade (MORI, COELHO e ESTRELLA, 2000; MORI e COE-LHO, 2004; 2003; TRENCH e ROSA, 2008; TRENCH e SANTOS, 2005).

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    Os discursos das tcnicas e tecnologias de rejuvenescimento, incentivados pela me-

    gaindstria da beleza, da nutrio e da sade, regidas majoritariamente pela publicidade, es-

    timulam uma cultura do consumo que se fundamenta na valorizao de uma imagem ideal,

    a qual para ser alcanada demanda investimento de tempo e dinheiro voltados ao corpo(MOREIRA; NOGUEIRA, 2008, p.62).

    Contudo, apesar de todas as pessoas estarem diante dos apelos de juventude que so

    disseminados diariamente no cotidiano, no so todas que tem condies reais de efetivar

    qualquer interveno sobre o corpo. Nesse sentido, para Magalhes (1989, p. 19),

    socialmente estamos construindo um modelo social dominante de reju-venescimento dos homens e mulheres de 50 anos ou mais nas elites urba-nas. Mas caminhamos para um modelo de morte social, pelo isolamento

    nas camadas mdias, assim como forjamos um modelo de marginalidade,socialmente antecipada, para a maioria dos trabalhadores assalariados debaixa renda, desprovida de patrimnio e renda.

    A assertiva do autor em 1989 j era uma realidade, mas hoje, aps 20 anos, tambm

    nos possibilita pensar sobre a massificao do acesso a informaes e receitas de rejuvenes-

    cimento que chegam a praticamente toda a populao. A veiculao ocorre pelos meios de

    comunicao de massa, por meio de diversos programas de rdio ou por canais da televiso

    aberta, abordando inclusive temas que levam a massificao de cirurgias plsticas, uma dasformas mais radicais de interveno sobre o corpo. As cirurgias hoje so facilitadas para

    pessoas de menor renda, por meio de parcelamentos da dvida e at consrcios15. Alm disso,

    cirurgias plsticas foram includas na cobertura de planos de sade e na lista de servios cus-

    teados pelo Sistema nico de Sade (SUS) 16, sendo definidas como Especialidade mdica

    que trata as deformidades atravs de cirurgia reparadora17(SUS, 2009).

    Dados da Revista Veja de 17 de janeiro de 200118apontam o Brasil como o maior con-

    sumidor mundial deste tipo de operao. No ano 2000, 350 mil pessoas se submeteram a,

    pelo menos, um procedimento cirrgico com finalidade esttica. O depoimento de um m-15 Em fevereiro de 2009, o Banco Central autorizou a criao de grupos de consrcios para aquisio de servios como cirurgias plsticas (Lei

    Federal N 11.795).

    16 A Lei Federal N 9.897 de 06/05/1991 trata da obrigatoriedade de cirurgia plstica reparadora de mama pelo SUS, nos casos de muti-lao devido ao tratamento de cncer. Em agosto de 2005, a Comisso de Constituio e Justia e de Cidadania aprovou, com emendas, oProjeto de Lei 2740/00, do Senado, que torna obrigatria a prestao de atendimento cirrgico-plstico a portadores de defeitos fsicoscausadores de sofrimento moral e a pessoas que adquiriram defeitos em cirurgias anteriores. Em abril de 2009, a Cmara aprovou o projetoque obriga o SUS a oferecer cirurgia plstica para mulheres que tenham sofrido leses ou sequelas resultantes de agresso f sica.

    17 Apesar da definio do Ministrio da Sade, que determina que a cirurgia plstica coberta pelo SUS a que corrige leses, deformaes edefeitos, sejam eles congnitos ou adquiridos, a fim de melhorar o estado de sade do paciente - classificada como reparadora ou reconstrutora-, e no apenas com finalidade esttica, tem se discutido a falta de c ritrios para a cirurgia praticada pelo SUS (ver, por exemplo, a postagemFalta critrio para cirurgia plstica pelo SUS, que contem a fala do presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plstica, DouglasJorge, no blog Fax Sindical em http://faxsindical.wordpress.com/2008/11/18/falta-criterio-para-cirurgia-plastica-pelo-sus/ - acessadoem 11 de setembro de 2009).

    18 Matria de capa: De cara nova: com operaes mais baratas, alternativas de conserto para quase tudo e grandes mdicos em atividade, oBrasil passa a ser o primeiro do mundo em cirurgia plstica.

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    dico afirma que a explicao para o fenmeno reside na esfera do comportamento: Nos pa-

    ses europeus no se v um esforo de mulheres de 40 querendo parecer ter 30 (...) No Brasil,

    sim (VEJA, 2001, p. 84). Segundo a reportagem, o maior grupo de pacientes que procura

    por este servio formado pelos que recorrem cirurgia plstica como forma de lutar contrao processo de envelhecimento19.

    No curso da vida, as regras sociais se organizam em torno de cronologias rgidas e

    destarte organizam a vida dos indivduos se impondo sobre caractersticas individuais e

    relaes sociais especficas, movimento que chamado de institucionalizao ou cro-

    nologizao do curso da vida. Entretanto, apesar de muitos acontecimentos dependerem

    fortemente da existncia de definies cronolgicas, como os sistemas educacionais e jur-

    dicos, direitos polticos e sociais, aposentadoria, maioridade, etc., as fronteiras geracionais se

    mostram manifestadamente mais fludas e em princpio mais indeterminadas nas socieda-des modernas (DOMINGUES, 2002). A busca por estacionar a vida na juventude aparente

    marca um novo movimento, que vem sendo ativado recentemente, o movimento de desins-

    titucionalizao do ciclo vital ou descronologizao da vida (DEBER, 1996).

    A revista Veja, de 19 de julho de 2009, dedicou uma reportagem especial ao tema A

    Gerao Sem Idade, referindo-se ao novo fenmeno cultural no terreno do comportamen-

    to humano, propiciado pelo aumento da longevidade, onde as pessoas maduras cruzam as

    fronteiras entre as geraes e no apenas agem, mas se sentem como se fossem mais jovens.

    Esse fenmeno, batizado pelos americanos de ageless(em portugus sem idade), diz res-

    peito a homens e mulheres que j passaram dos 40 ou 50 anos, gozam de boa sade, disposi-

    o e acreditam que os hbitos de vida e a forma de se expressar no devem se atrelar idade,

    mas personalidade de cada um (VEJA, 2009, p. 63).

    Na capa, a revista traz fotos da filha, a modelo Daniella Sarahyba de 25 anos, e da

    me, Mara Lcia Sarahyba, de 52 anos, que apresentam estilo e feies muito semelhantes.

    As chamadas de capa so as seguintes: mulheres e homens maduros que j desfrutam dos

    formidveis avanos da medicina na conservao da juventude; a cincia anuncia umacerteza: comer pouco (mas pouco mesmo) prolonga a vida, a sade e a beleza; 6 receitas de

    pessoas entre 35 e 50 anos que parecem ter parado de envelhecer; e Dr. Hollywood, o ci-

    rurgio plstico das estrelas, diz qual a hora certa para recorrer ao bisturi 20.

    19 Nas pginas 92 e 93, a reportagem apresenta um quadro com duas fotos do tipo antes e depois de uma senhora, com trs colunas: a primei-ra indica as partes da face (da testa ao pescoo), a segunda a devastao que o tempo provoca e a terceira o conserto que a medicina prope.

    20 A reportagem formada por matrias sobre o jeito sem-idade de ser; descobertas e avanos da medicina relacionados ao prolongamento davida saudvel e alegre; o inimigo chamado sedentarismo; receitas de artistas,empresrios e ex-esportistas que parecem no en-velhecer; sete razes para no vestir o pijama, sobre o que fazer na chegada da aposentadoria; a importncia do afeto, a receita certa paracriar os estmulos positivos que, segundo pesquisas, contribuem para a longevidade; um banho de salo de beleza para atenuar os efeitosda idade no rosto; novas tcnicas de cirurgias estticas, cujo objetivo deixar o rosto mais natural; e a prova que faltava para certificar

    que quem come menos calorias, vive mais. Todas as matrias entrecortadas por propagandas de cosmticos, carros, chocolate com alto teor decacau, banco privado, alimentos lights, suco de soja e revistas da editora Abril.

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    Debert (1996, p. 04) coloca que a publicidade, assim como os manuais de autoajuda e

    as receitas de especialistas em sade esto empenhados em mostrar que as imperfeies do

    corpo no so naturais nem imutveis e que, com esforo e trabalho disciplinado, pode-se

    conquistar a aparncia desejada. Ainda nesse sentido, Gomes (2008) aponta para existnciados conselheiros modernos, a mdia e a cincia, que se apropriaram do corpo numa pers-

    pectiva fundada a partir do seu culto.

    A fase da meia-idade marcada pela convivncia com uma expectativa social moder-

    na de longevidade, como se fosse possvel e como se fosse um dever a manuteno da juven-

    tude, estando esta condicionada apenas ao investimento do indivduo no seu corpo, para

    poder retomar uma condio de produtividade, velocidade, vigorosidade e aparncia fsica,

    sinnimos de bem-estar, sade e beleza na sociedade moderna.

    1.3. DISCURSOSSOBRECORPO, SADEEPRTICASCORPORAISNAMODERNIDA

    DE:ALGUNSELEMENTOSSOBREOCONCEITODEBIOPOLTICA

    Diante da realidade apresentada, consideramos emergente pensar as configuraes

    da dominao capitalista em relao ao corpo e vida humana. Para nos auxiliar neste desa-

    fio, de compreender este contexto onde vivem as pessoas de meia-idade e como a produo

    acadmica da Educao Fsica dialoga com as questes que perpassam esta temtica (cita-das acima), partiremos das contribuies de Michel Foucault, em especial no que tange a

    alguns elementos relacionados ao conceito de biopoltica desenvolvido em sua obra.

    Foucault tomou o tema do poder para estudo e o desenvolveu no decorrer de sua obra,

    a partir de formas de fazer pesquisa um tanto peculiares. ratou de considerar os saberes lo-

    cais, descontnuos, desqualificados, no legtimos contra uma instncia terica hegemnica

    que um discurso cientfico em nome do conhecimento verdadeiro. ratou de dar voz ao

    que minoria, estudar a partir dos que so diferentes, opor-se s relaes de poder na produ-

    o do conhecimento. Ele fez uso, tambm, de uma metodologia de anlise ascendente, ou

    seja, partiu da especificidade da questo do poder (mecanismos e tcnicas infinitsimas de

    poder que esto relacionadas intimamente com a produo de determinados saberes) e ana-

    lisou como esses micropoderes, que possuem tecnologia e histria especficas se relacionam

    com o nvel mais geral do poder, constitudo pelo aparelho do Estado (MACHADO, 1993).

    Como consideraes gerais, citamos que, para este autor, o poder no algo unitrio

    e global, possvel de ser caracterizado ou decorrente disto ou daquilo, mas constitudo de

    formas dspares, heterogneas e em constante transformao que se efetivam nas relaes

    humanas. Em outras palavras, o poder uma prtica social construda historicamente, que

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    no se funda em si mesmo, mas acontece nas relaes, constituindo-se como um conjuntode mecanismos e procedimentos que tem como funo manter o prprio poder.

    O poder no est localizado em nenhum ponto especfico da estrutura social e fun-

    ciona como uma rede de dispositivos a qual nada nem ningum pode escapar. Por isso, paracompreend-lo, faz-se preciso desmistificar a ideia de que Estado e poder so sinnimos,apesar de estabelecerem relao direta, e de que uns detm o poder e outros no, justamenteporque o poder uma relao que no se situa num lugar privilegiado, mas se dissemina portoda a sociedade.

    Para organizar o estudo da obra de Foucault, buscamos entend-la em trs fases, asquais apresentamos a seguir de maneira sinttica. 1) A arqueologia dos saberes- marcadapelas obras de 1961 a 1969: Histria da Loucura; O Nascimento da Clnica; As Palavras

    e as Coisas e Arqueologia do Saber -, na qual o autor preocupa-se em responder a como ossaberes apareciam e se transformavam no bojo da sociedade.2)Agenealogia do poder- de-senvolvida nas obras de 1975 e 1976: Vigiar e Punir e Histria da Sexualidade: A Vontadede Saber (volume 1), respectivamente - onde ele analisa o porqu dos saberes e pretende ex-plicar sua existncia e suas transformaes, situando-os como peas de relaes de poder ouincluindo-os como dispositivos polticos. 3) A sociedade de controle ou biopoltica- expressaespecialmente nas obras de 1976 a 1979: no ltimo captulo da Histria da Sexualidade: AVontade de Saber (volume 1); Em Defesa da Sociedade; Segurana, erritrio e Populao;e Nascimento da Biopoltica -, onde o pensador vai abordar a assuno da vida pelo poder,ou, de outra perspectiva, uma estatizao do biolgico21.

    Compreendendo sua produo nesta perspectiva, foi nas obras da ltima fase de Fou-cault que concentramos nosso estudo, por ser o perodo em que o autor manifestou mais ex-plicitamente a inteno de desenvolver a noo de biopoltica. Foram feitos alguns recortesdentro das obras escolhidas, a fim de privilegiar elementos tericos considerados de maiorsustentao para o objeto estudado nesta pesquisa22.

    A histria do conceito de biopoltica pode ser dividida em dois grandes momentos,

    sendo que as obras de Foucault podem ser consideradas um ponto de inflexo entre eles. Umprimeiro diz respeito noo de biopoltica que fazia referncia a uma concepo de socie-dade, Estado e poltica em termos biolgicos e patolgicos (corpo-organismo-disciplina-

    21 Importante considerar que aguns estudiosos, tal como Tannus (2004) identificam, ainda, outra fase da obra de Foucault, na qual o autorenfocaria o ser humano enquanto objeto e sujeito do conhecimento. A principal obra deste momento a Hermenutica do Sujeito (1982), aqual trata, em especial, do tema do cuidado de si.

    22 Consideramos necessrio realizar alguns recortes, tambm em funo de o autor mencionar no decorrer de suas obras algumas mudanasnos objetivos iniciais. Em Segurana, Territrio, Populao, ele afirma que trocaria o nome do seu curso por Histria da Governamen-talidade. Isso significa que ele desvia um pouco o curso da inteno inicial, que era tratar do fenmeno da populao, conceito-chave parao desenvolvimento da biopoltica e se concentra na discusso sobre governamentalidade. Em Nascimento da Biopoltica, o autor afirma:Eu tinha pensado em lhes dar este ano um curso sobre a biopoltica (...). Parece-me, contudo, que a anlise da biopoltica s poder ser feita

    quando se compreender (...) o liberalismo (FOUCAULT, 2008b, p. 29) e, assim, ele toma maior parte de seu curso para tratar

    do fenmeno do liberalismo. Neste sentido, consideramos que no seria possvel dar conta de todos os elementostrazidos pelo autor, especialmente, do ponto de vista da poltica, da econmica, do direito, entre outros.

  • 7/13/2019 Corpo Saude e Praticas Corporais Na Meia Idade

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    CORPO, SADEEPRTICASCORPORAISNAMEIA-IDADE:

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    ANLISESAPARTIRDAPRODUOACADMICAEMEDUCAOFSICA

    -instituies). Um segundo momento refere-se ao modo como o Estado, a poltica e o go-verno, em seus clculos e mecanismos, do conta da vida do homem (populao-processosbiolgicos-mecanismos reguladores-Estado) 23.

    A noo de biopoltica aparece nos estudos de Foucault na dcada de 1970. Entre1976 e 1979, possvel identificar que ela esteve circunscrita s problemticas da sexualida-de, do racismo, dos dispositivos de segurana e da governamentalidade econmica.

    Inicialmente, na obra A Vontade de Saber (1997), a questo da biopoltica desen-volvida no ltimo captulo e aparece como uma transformao da guerra de raas, com aformao do dispositivo da sexualidade e termina com o racismo moderno (biolgico e deEstado). Foucault apresenta a noo de soberania como poder de vida e de morte e a noode sociedades modernas (que no so sociedades de disciplina, mas de normalizao de in-

    divduos e de populaes).Na obra Em Defesa da Sociedade (1999), ele analisa a biopoltica a partir das trans-

    formaes do conceito de guerra de raas, de onde explica a apario do racismo moderno.Na ltima parte da obra, o autor se concentra na discusso sobre biopoltica, retomando atransformao das sociedades disciplinares em sociedades de controle.

    Em Segurana, erritrio e Populao (2008) e Nascimento da Biopoltica(2008b), o conceito de biopoltica est inserido no estudo da razo de Estado e do liberalis-mo econmico, na anlise da racionalidade poltica moderna; nesta fase, o autor vai desen-

    volver a ideia de governamentalidade.Foucault (2008, p. 143) define governamentalidade como

    o conjunto constitudo pelas instituies, os procedimentos, anlises ereflexes, os clculos e as tticas que permitem exercer essa forma bemespecfica, embora muito complexa, de poder que tem por alvo principal apopulao, por principal forma de saber a economia poltica e por instru-mento tcnico essencial os dispositivos de segurana.

    E ainda,

    a linha de fora que, em todo o Ocidente, no parou de conduzir, e desdeh muito, a preeminncia desse tipo de poder que podemos chamar degoverno sobre todos os outros - soberania, disciplina - e que trouxe, porum lado, o desenvolvimento de toda uma srie de aparelhos especficos degoverno e por outro lado, o desenvolvimento de toda uma srie de saberes(FOUCAUL, 2008, p. 143).