Cordel adolescente, ô xente!
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CORDEL ADOLESCENTE, Ô
XENTE!Sylvia Orthof
![Page 2: Cordel adolescente, ô xente!](https://reader034.fdocumentos.tips/reader034/viewer/2022052117/5596be441a28aba52d8b47c5/html5/thumbnails/2.jpg)
Sou mocinha nordestina,
meu nome é Doralice,
tenho 13 anos de idade,
conto e reconto o que disse,
pois me chamo Doralice,
sou eu quem vende meu cordel
nas feiras lindas de longe
onde a poesia se esconde
nas sombras do meu chapéu!
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Eu falo tudo rimado
no adoçado da palavra
no Nordeste feiticeiro;
no meu jeito brasileiro,
aqui vim dizer e digo
que escrevo muito livro
que pinduro num cordel,
todo fato acontecido
eu coloco num papel!
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Vim pra feira, noutro dia,
armei a minha poesia
num cordel de horizonte.
Que passava defronte
daquilo que eu vendia,
parava e me escutava,
pois sou mocinha falante,
declamava o que escrevia!
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Contei de uma garota
que amava um cangaceiro,
era um tal cabra da peste,
um valentão do Nordeste
que montava a Ventania,
trazia susto e coragem
por cada canto que ia!
Virge Maria!
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O nome da tal mocinha?
Não digo...é um segredo,
escrevo o que não devo,
invento, pois tenho medo,
de contar que a tal menina
era...toda fantasia.
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Era moça que esconde
a tristeza na alegria
morava no perto-longe
daquilo que nunca digo
seu nome era antigo...
era...talvez...Bertulina...
Quem sabe da tal menina?
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Um dia de azul e noite,
pernoite de cavalgada,
na sombra, muito
assustada,
Bertulina viu o moço que,
ao longe, galopava!
Ó Xente!
O luar se balançava
num cordel adolescente!
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O vento corria tanto
Espanto:
não alcançava a
ligeireza perfeita
que o galope
desenhava!
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Era um cabra cangaceiro,
curtido e sertanejo,
tinha olhos de lonjuras,
verduras de olhar
miragens,
chapéu de couro,
facão de abrir caminhos,
viagens!
![Page 11: Cordel adolescente, ô xente!](https://reader034.fdocumentos.tips/reader034/viewer/2022052117/5596be441a28aba52d8b47c5/html5/thumbnails/11.jpg)
Tinha estrelas faiscantes,
nos dentes do seu sorriso...
Ai...me calo...quase falo!...
Ó xente...perco o siso!
![Page 12: Cordel adolescente, ô xente!](https://reader034.fdocumentos.tips/reader034/viewer/2022052117/5596be441a28aba52d8b47c5/html5/thumbnails/12.jpg)
Nos cascos do seu
cavalo
tinha trovão e faíca,
fósforo que queima e
risca
o escuro que ilumina
a paixão em Bertulina.
![Page 13: Cordel adolescente, ô xente!](https://reader034.fdocumentos.tips/reader034/viewer/2022052117/5596be441a28aba52d8b47c5/html5/thumbnails/13.jpg)
O moço chegou, chegado,
sorriu sua belezura,
saltou fora do cavalo
(vontade ninguém segura),
roubou um beijo da boca
de Bertulina, a donzela.
Depois de assaltar o beijo,
perguntou o nome dela.
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- Eu me chamo Bertulina, moço,
estou muito assustada,
sou tão moça, inda menina,
nunca antes fui beijada...
O senhor me assaltou,
não deu tempo pra mais nada...
eu não sei o que faço,
minha boca está molhada
como orvalho da flor...
Será que seu beijo, ó moço,
em mim pousou...
namorou?
Será que o gesto louco
teve um pouco de amor?
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- Não sei se é fato ou fita,
não sei se é fita ou fato,
o fato é que você me fita,
me fita mesmo de fato... -
Respondeu o cangaceiro
em brincadeira e risada,
pulou sobre seu cavalo
e partiu em galopada.
![Page 16: Cordel adolescente, ô xente!](https://reader034.fdocumentos.tips/reader034/viewer/2022052117/5596be441a28aba52d8b47c5/html5/thumbnails/16.jpg)
A lua tremeu nos olhos
de Bertulina, em lágrimas...
A mocinha ficou louca
de gosto de amor partido
no alto do céu da boca!
Nem sabia que o amor
podia ser cangaceiro,
podia sonhar desejo
roubando o beijo primeiro!
![Page 17: Cordel adolescente, ô xente!](https://reader034.fdocumentos.tips/reader034/viewer/2022052117/5596be441a28aba52d8b47c5/html5/thumbnails/17.jpg)
Porque o primeiro beijo
é coisa muito esperada:
tem que ser algo manso,
remanso, lagoa d'água.
Tem que ter um certo
tempo,
coragem não revelada,
um perfume de jasmin,
um não se esqueça de
mim...
![Page 18: Cordel adolescente, ô xente!](https://reader034.fdocumentos.tips/reader034/viewer/2022052117/5596be441a28aba52d8b47c5/html5/thumbnails/18.jpg)
Quando numa noite quente
a lua ficou inchada
o cavaleiro voltou.
Bertulina espiava dentro de
uma paixão.
O moço viu Bertulina
e roubou outro beijo,
foi aí que a mocinha
falou assim para o rapaz:
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- Antes de querer meu beijo,
por favor, moço, me diga,
se o beijo é verdadeiro
ou se é ousadia de
cangaceiro!
![Page 20: Cordel adolescente, ô xente!](https://reader034.fdocumentos.tips/reader034/viewer/2022052117/5596be441a28aba52d8b47c5/html5/thumbnails/20.jpg)
Eu me chamo Doralice
Bertulina do Sertão,
comigo só tem poesia
se rimar no coração.
![Page 21: Cordel adolescente, ô xente!](https://reader034.fdocumentos.tips/reader034/viewer/2022052117/5596be441a28aba52d8b47c5/html5/thumbnails/21.jpg)
Aprendi uma verdade
e verdade não se esquece:
tudo aquilo que se aceita...
pois é, a gente merece!