Controvérsias sobre a Natureza de Cristo na...

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Controvérsias sobre a Natureza de Cristo na Antiguidade cristã Daniel Alonso de Araujo 1 Resumo Durante o século V, acesos debates agitaram as Igrejas do Oriente a respeito da natureza de Cristo. As especulações teológicas procuravam responder a questão de como se realizava a união entre o Logos divino e a natureza humana assumida na incarnação. Na tentativa de responder a essa questão, duas tendências opostas se formaram nas duas grandes escolas teológicas de Antioquia e Alexandria, a saber: o difisismo e o monofisismo, respectivamente. Todavia, esses termos eram vagos, podendo compreender doutrinas condizentes ou não com a tradição cristã, dependendo do conceito que se fazia do termo physis. No auge das discussões, realizaram-se dois Concílios a fim de dirimir a questão: o de Éfeso, em 431, e o de Calcedônia, em 451. Embora tivessem definido a doutrina ortodoxa, algumas regiões não aceitaram as decisões conciliares, rompendo a comunhão eclesiástica, movidas sobretudo por questões culturais e políticas. Tendo isso em vista, o presente estudo visa explanar sobre os conceitos-chave que levaram a estas discussões dentro de seu contexto histórico, bem como suas causas e consequências. Para maior clareza, serão brevemente expostos os precedentes imediatos: as controvérsias anti-arianas, o apolinarismo e as escolas teológicas antioquena e alexandrina. Por fim, pretende-se demonstrar o quanto tais querelas que levaram aos cismas eclesiásticos se fundamentaram num problema de linguagem e de formulação, sem que a essência do dogma fosse alterada. Introdução Foi no século II que o cristianismo tomou contato com a filosofia helênica, quando alguns convertidos de cultura grega passaram a encarar a sua nova fé com as perspectivas filosóficas. O Evangelho de São João, bem como as cartas de São Paulo, continham muito material que propunha um verdadeiro diálogo da fé com a filosofia. Desse modo, os filósofos cristãos passaram a usar a linguagem filosófica para explanar e refletir o cristianismo, dando sem dúvida um sentido novo a muitos conceitos e expressões. Um dos intuitos era tornar a doutrina cristã palatável aos pensadores “pagãos”. Na tentativa de harmonizar os dados da revelação com os da razão, produziu acirradas controvérsias referentes aos princípios fundamentais da fé cristã: a unicidade da natureza divina na 1 O autor é formado em Letras Clássicas na área de Língua e Literatura Latina pela Universidade de São Paulo. Sua linha de pesquisa é Filosofia, História e Literatura Patrística e Medieval, abrangendo a Europa latina, as civilizações bizantina e islâmica e a cultura judaica. É membro do Grupo de Tradução e Pesquisa/CNPQ “Filosofia Árabe e História do Pensamento”, liderado pelo Prof. Dr. Miguel Attie Filho, da Área de Língua e Literatura Árabe (USP), no qual desenvolve uma pesquisa referente à versão latina da Metafísica de Avicena, filósofo muçulmano do século X. É colaborador da Área de Língua e Literatura Armênia da mesma Universidade.

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Controvérsias sobre a Natureza de Cristo

na Antiguidade cristã

Daniel Alonso de Araujo1

ResumoDurante o século V, acesos debates agitaram as Igrejas do Oriente a respeito da natureza de

Cristo. As especulações teológicas procuravam responder a questão de como se realizava a união

entre o Logos divino e a natureza humana assumida na incarnação. Na tentativa de responder a

essa questão, duas tendências opostas se formaram nas duas grandes escolas teológicas de

Antioquia e Alexandria, a saber: o difisismo e o monofisismo, respectivamente. Todavia, esses

termos eram vagos, podendo compreender doutrinas condizentes ou não com a tradição cristã,

dependendo do conceito que se fazia do termo physis. No auge das discussões, realizaram-se dois

Concílios a fim de dirimir a questão: o de Éfeso, em 431, e o de Calcedônia, em 451. Embora

tivessem definido a doutrina ortodoxa, algumas regiões não aceitaram as decisões conciliares,

rompendo a comunhão eclesiástica, movidas sobretudo por questões culturais e políticas. Tendo

isso em vista, o presente estudo visa explanar sobre os conceitos-chave que levaram a estas

discussões dentro de seu contexto histórico, bem como suas causas e consequências. Para maior

clareza, serão brevemente expostos os precedentes imediatos: as controvérsias anti-arianas, o

apolinarismo e as escolas teológicas antioquena e alexandrina. Por fim, pretende-se demonstrar o

quanto tais querelas que levaram aos cismas eclesiásticos se fundamentaram num problema de

linguagem e de formulação, sem que a essência do dogma fosse alterada.

Introdução

Foi no século II que o cristianismo tomou contato com a filosofia helênica, quando alguns

convertidos de cultura grega passaram a encarar a sua nova fé com as perspectivas filosóficas. O

Evangelho de São João, bem como as cartas de São Paulo, continham muito material que propunha

um verdadeiro diálogo da fé com a filosofia. Desse modo, os filósofos cristãos passaram a usar a

linguagem filosófica para explanar e refletir o cristianismo, dando sem dúvida um sentido novo a

muitos conceitos e expressões. Um dos intuitos era tornar a doutrina cristã palatável aos pensadores

“pagãos”.

Na tentativa de harmonizar os dados da revelação com os da razão, produziu acirradas

controvérsias referentes aos princípios fundamentais da fé cristã: a unicidade da natureza divina na 1 O autor é formado em Letras Clássicas na área de Língua e Literatura Latina pela Universidade de São Paulo. Sua

linha de pesquisa é Filosofia, História e Literatura Patrística e Medieval, abrangendo a Europa latina, as civilizações bizantina e islâmica e a cultura judaica. É membro do Grupo de Tradução e Pesquisa/CNPQ “Filosofia Árabe e História do Pensamento”, liderado pelo Prof. Dr. Miguel Attie Filho, da Área de Língua e Literatura Árabe (USP), no qual desenvolve uma pesquisa referente à versão latina da Metafísica de Avicena, filósofo muçulmano do século X. É colaborador da Área de Língua e Literatura Armênia da mesma Universidade.

trindade de pessoas e a incarnação do Logos divino ou na divindade de Cristo. A ideia central estava

em conservar a unicidade da natureza divina tão solenemente proclamado pelo Antigo Testamento e

repetido como uma “profissão de fé” pelos judeus: “Escuta, ó Israel, o Senhor é nosso Deus, o

Senhor é Único”2. Seria o Filho e o Espírito Santo uma mera manifestação do único Deus na relação

com o mundo (modalismo), seria Jesus um simples homem, adotado por Deus e divinizado

(adopcionismo)? Estaria o Filho e o Espirito Santo subordinados ao Pai como deuses inferiores

(subordinacionismo) ou eram meras criaturas do Pai (arianismo)? Estas e outras questões agitaram

os cristãos dos primeiros séculos. A mais forte corrente foi o arianismo, no século IV, que ensinava

que o Logos fora criado pelo Pai e usado como instrumento para a criação do mundo.

No presente estudo, abordaremos as controvérsias cristológicas do século V, que tratam de

como se realizou a união do Logos divino com a natureza humana assumida na incarnação e,

portanto, a questão sobre qual é a verdadeira natureza de Cristo, e suas consequências históricas.

Observamos que adotamos o termo Logos ao invés de “Verbo”, por nos parecer mais

expressivo o termo no original grego que significa “discurso”, “razão”, “pensamento”, quanto que

“Verbo” não tem essa carga significativa, não sendo outra coisa que um nome próprio da segunda

Pessoa divina, perdendo sua carga semântica e teológica original. Nos textos citados respeitamos os

tradutores conservando o termo “Verbo”.

I. Os Precedentes: As controvérsias anti-arianas e o apolinarismo

As controvérsias anti-arianas foram as principais causas dos debates referentes à natureza de

Cristo. Por isso, convém repassar rapidamente pelos dois fatos que precederam esses debates,

criando a condição propícia para que surgissem, a saber: a realização do Concílio de Niceia, a

doutrina de Santo Atanásio e as teses apolinaristas.

I.1. Santo Atanásio e o Concílio de Niceia

O primeiro Concílio ecumênico de Niceia (325) havia definido solenemente a divindade do

Logos e, por conseguinte, a natureza divina de Cristo, condenando as teses arianas que considerava

o Logos apenas uma criatura do Pai, embora fosse a primeira e a mais excelente, mediante a qual

criou o mundo: “Deus nem sempre foi Pai; houve um tempo em que era somente Deus [...] o Verbo

de Deus foi feito a partir do nada; houve um tempo em que ele não existia”3. O Concílio refutou

essas teses afirmando ser Cristo “Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro,

gerado, não criado, consubstancial ao Pai”4.

2 Cf. Dt 6, 5.3 Fragmenta ex Thalia, in Enchiridion Patristicum, nº 648ss, citado em: BETTENCOURT, E., Curso de

Cristologia. Rio de Janeiro, p. 77.4 Cf. DS 150.

O arianismo foi uma das maiores crises, senão a maior, enfrentada pelo cristianismo na

Antiguidade. Mesmo condenado, não se diluiu facilmente, tornando-se também uma forte facção

política no interior do Império5. Quase todos os Padres da Igreja desse período o combateram

violentamente, entre outros, Santo Atanásio, Santo Hilário, São Jerônimo e Santo Ambrósio.

Atanásio, bispo de Alexandria, foi praticamente a alma do Concílio de Niceia. Chamado o

“Campeão da ortodoxia nicena”, refutou vivamente o arianismo em seus vários escritos, enfatizando

sempre a divindade do Logos e sua incarnação pela assunção de um corpo:

Assumiu, no entanto, um corpo como o nosso e não o fez simplesmente, mas o quis nascido de

uma virgem sem pecado, imaculada, intacta. Era puro o corpo, inteiramente alheio a qualquer

união humana. Sendo poderoso e criador do universo, edificou para si, na Virgem, qual um

templo, um corpo. Dele se apropriou, fê-lo um instrumento para se dar a conhecer e onde habitar.

E assim, de algo que é nosso, tomou um corpo semelhante ao nosso, e como estamos todos

sujeitos à corrupção da morte, Ele o entregou à morte, em prol de todos, apresentando-o ao Pai6.

Querendo responder aos gnósticos, a quem o corpo de Cristo era aparente7, Atanásio

enfatizou o corpo a fim de evidenciar a realidade da incarnação; insistiu no corpo como instrumento

do Logos, uma peculiaridade de seu pensamento, que na tradição patrística mais antiga só se

encontra em Tertuliano, e que se tornará característica da escola alexandrina, como veremos

adiante. Contudo, seu silêncio à respeito da alma de Cristo, embora não a negasse, teve

consequências nas discussões cristológicas posteriores.

I.2. O Apolinarismo

Os grandes debates cristológicos referentes à natureza de Cristo, que agitaram as Igrejas do

Oriente no decorrer de todo o século V, tiveram, como precedentes, as controvérsias anti-arianas

que ainda estavam bem acesas mesmo após o arianismo ter sido condenado pelo Concílio de Niceia,

em 325. O ponto de partida foi dado por Apolinário quando este reagiu contra polemistas anti-

arianos antioquenos que realçavam excessivamente a distinção entre as duas naturezas de Cristo.

Apolinário era amigo de Atanásio e fora eleito bispo de Laodiceia (361), na Síria, sua cidade

5 A corrente do arianismo foi um dos muitos elementos de romanização e cristianização dos povos germânicos, em que o cristianismo já se fazia presente desde muito cedo, como por exemplo, entre os godos. O curioso Wulfila, cristão grego de cultura goda, tendo sido sagrado bispo por Eusébio de Nicomédia, de tendência ariana, acabou por aderir ao arianismo e levou a cabo uma grande atividade missionária entre os godos, constituindo até mesmo uma Igreja gótica ariana, com uma liturgia própria, que mais tarde seria introduzida na Hispânia por ocasião da conquista visigótica, levando a um forte antagonismo entre a Igreja gótica ariana e a Igreja católica romano-hispânica. Outros povos, como os burgúndios, os ostrogodos e os longobardos, eram de fé ariana, provocando fortes dissenções com a população dominada romano-católica. Curiosamente foram bárbaros pagãos, como os francos sálios, mais tarde convertidos ao catolicismo, em que os galo-romanos, de fé católica, se apoiaram contra as investidas gótico-arianas.

6 ATANÁSIO, S., A Incarnação da Verbo, II, 8, 3-4.7 Desde os seus primórdios, a Igreja teve de enfrentar a heresia docetista (do grego dókesis, “aparência”), à qual já se

refere escritos do Novo Testamento, que atribuía a Cristo um corpo apenas aparente, negando assim a realidade da incarnação e consequentemente a redenção.

natal, pela facção nicena. Era exegeta de Sagrada Escritura e seguia a escola antioquena. Ele

sustentava que havia em Cristo uma única physis, isto é, “natureza”, entendida concretamente como

princípio operativo, fonte de ação. Segundo ele, Cristo não poderia ter duas naturezas completas,

pois, a união entre dois perfeitos não pode redundar em verdadeira união, mas apenas numa

justaposição. Levantava-se, então, a seguinte questão: Que tipo de homem é Jesus Cristo, visto ser

ele o Logos incarnado? Apolinário procurava responder da seguinte maneira:

Não confessamos que o Verbo de Deus veio num homem santo, como acontecia com os profetas,

mas que o próprio Verbo se fez carne sem assumir um intelecto humano, um intelecto mutável e

prisioneiro de raciocínios sórdidos, sendo Ele próprio o intelecto divino, imutável e celeste.

O Filho, que é uno, não é duas naturezas, uma adorável e outra não adorável, mas uma só

natureza, a do Verbo de Deus incarnado8 e adorado, juntamente com a carne dele, numa única

adoração9.

Apolinário radicalizara a doutrina de Atanásio ao afirmar que o Logos assumira uma

natureza incompleta, privada de nous, isto é, do principio de racionalidade ou, em outras palavras,

de uma alma intelectiva ou espiritual. O próprio Logos fazia às vezes de alma racional em Jesus.

Para ele, se Cristo tivesse uma natureza humana completa, não seria impecável, pois, tendo o livre

arbítrio, que é princípio de pecado, não estaria capacitado para realizar nossa redenção. A partir

disso, Apolinário cunhou a fórmula que se tornou a base das disputas que se seguiram: Mía phýsis

tou Theou Lógou sesarkooménee, “uma só natureza do Logos divino incarnado”.

A tese apolinarista provocou oposição de várias partes. O princípio invocado por São

Gregório Nazianzeno converteu-se na divisa da ortodoxia: “O que não foi assumido, não foi

remido”10, isto é, se o Logos não assumiu integralmente a natureza humana, esta não foi

integralmente salva. Atanásio, em diversas obras suas, respondeu a Apolinário segundo os mesmos

princípios:

O próprio Verbo se fez carne, embora continuasse a existir na condição de Deus. Em favor dos

homens, Ele se fez homem segundo a carne em Maria [...] Este Salvador não teve um corpo

inanimado ou carente de sentidos, nem um corpo privado de alma. Não era possível que existisse,

no Senhor feito homem por causa de nós, um corpo sem alma, pois por Ele foi realizada a

salvação não só do corpo, mas também da alma […] Nem devemos distinguir aquele que

ressuscitou Lázaro, e aquele que perguntou a respeito de Lázaro, pois era o mesmo aquele que

disse como homem: “Onde está sepultado Lázaro?” e aquele que, como Deus, o ressuscitou11.

8 O grifo é nosso. Essa frase será a base para as disputas cristológicas que se seguiram.9 Citado em: BETTENCOURT, E., Curso de Cristologia. Rio de Janeiro, p. 79.10 Cf. Epístola 101,87.11 ATANÁSIO, S., Tomo aos Antioquenos, 7.

O apolinarismo foi condenado pelo Sínodo de Alexandria, em 362, como também pelo Papa

Dâmaso I, em 377 e 382, e, em 381, a condenação foi confirmada pelo Concílio ecumênico de

Constantinopla I. Todavia, embora enfraquecido o apolinarismo, a fórmula “uma só natureza do

Logos divino incarnado” foi divulgada pelos discípulos de Apolinário como sendo de autoria de

Santo Atanásio. Isso rebentaria mais tarde na crise monofisita.

II. As Escolas teológicas: Alexandria e Antioquia

Não é unívoco o entendimento do conceito de “escola” quando nos referimos às duas linhas

teológicas que se desenvolveram nos dois grandes centros eclesiásticos do Oriente cristão,

Alexandria e Antioquia. Enquanto que, na primeira, se refere à uma instituição acadêmica sob a

autoridade episcopal, a segunda é, antes de tudo, uma corrente de pensamento que se constitui em

torno de algumas personalidades de relevo, geralmente bispos e monges, não necessariamente

ligados juridicamente à Sé antioquena, mas sob sua zona de influência espiritual, ou seja, as Igrejas

de cultura sírio-helênicas.

Cada uma das duas escolas desenvolveu sua própria cristologia partindo de premissas

relativamente opostas entre si, provocando um certo antagonismo ideológico, que foi a causa das

inflamadas discussões em torno da natureza de Cristo no decorrer do século V. Contudo, a oposição

das duas linhas cristológicas era somente aparente e, portanto, não se excluíam mutuamente, sendo

complementares, porquanto cada qual especulava uma face da questão, ao mesmo tempo que se

utilizavam de métodos distintos. Ao serem radicalizadas, ambas as escolas deram origem a

doutrinas heterodoxas diametralmente opostas.

A fim de deixar mais claro a compreensão dessas querelas teológicas em suas causas e

circunstâncias, faremos uma breve exposição histórica e de conteúdo das referidas escolas,

procurando estruturar seus conceitos e indicar seus métodos e pressuposições e, em seguida,

sintetizar tudo num quadro sinótico com o intuito de facilitar o entendimento de modo ilustrativo.

II.1. Escola de Alexandria

Fundada por Alexandre Magno em 331 a.C., a cidade de Alexandria (Egito) se constituiu no

centro de uma brilhante vida intelectual onde se fundiram as culturas oriental (persa), egípcia e

grega. Lá, a cultura judaica sofreu forte influencia helenística cuja síntese filosófica foi feita por

Fílon, filósofo judeu de Alexandria a quem se reconhece como um dos fundadores do

neoplatonismo.

Sabe-se que o cristianismo se estabeleceu nesta cidade em fins do século I. Atribui-se a

fundação da Igreja alexandrina a São Marcos evangelista, discípulo do apóstolo Pedro e por este

enviado de Roma, o que parece plausível embora pouco documentado12. O cristianismo aí se

desenvolveu a partir das sinagogas helenistas da grande cidade13, mas foi bem lento, pois, ainda no

século III, parece que a comunidade cristã pouco contava em Alexandria.

Como cidade cosmopolita, uma diversidade de crenças de caráter esotérico e pseudo-

filosófico pululavam em toda parte. Com o fim de desenvolver uma formação cristã mais sólida, por

volta do século III, foi fundada uma escola catequética sob a autoridade do bispo da Igreja local,

voltada sobretudo aos catecúmenos, isto é, aos que estavam se preparando para receber o batismo.

O mais antigo diretor da escola foi Panteno, tido, por alguns, como o fundador. Contudo, foram

Clemente e Orígenes aqueles que configuraram o método e a linha de pensamento da escola. “O

meio ambiente em que se desenvolveu lhe imprimiu seus traços característicos: marcado interesse

pela investigação metafísica do conteúdo da fé, preferência pela filosofia de Platão e a interpretação

alegórica das Sagradas Escrituras”14.

Os alexandrinos davam preferência à cristologia descendente que, inspirada no Evangelho

de São João, partia da preexistência divina do Logos e da sua incarnação, colocando a natureza

humana (de Cristo) como instrumento da divindade. Sendo assim, a redenção constitui na

divinização do cristão que participa da graça divinizante de Cristo e toda a vida de Cristo é uma

constante santificação da natureza humana.

É nesse contexto que surge na Igreja de Alexandria, já no terceiro século, a festa da

Teofania, isto é, da manifestação divina de Cristo no momento do Batismo por João, manifestação

aos magos e aos pastores, manifestação no primeiro milagre de Caná (a transformação da água em

vinho), fixada a 6 de Janeiro15.

II.2. Escola de Antioquia

Fundada por Seleuco I Nicator, filho de Antíoco, em 300 a.C., a cidade de Antioquia (Síria),

antiga capital da dinastia selêucida, era um grande centro cosmopolita de cultura helênica onde a

12 Antigas tradições que remontam ao século II, e portanto bem próximas dos eventos, supõe a ida de São Marcos a Alexandria após o martírio de São Pedro no ano 64, ou um pouco antes, por ocasião das perseguições contra os cristãos movidas por Nero. Marcos teria levado consigo o Evangelho que compôs a partir da pregação do apóstolo Pedro, por volta do ano 42, ligando as duas Igrejas, Roma e Alexandria, à herança apostólica petrina. Recentes descobertas arqueológicas tendem a confirmar os antigos relatos.

13 De fato, com a expansão cristã nessa cidade, houve cada vez menos judeus até que, poucos séculos depois, já haviam desaparecido totalmente.

14 QUASTEN, J. Patrologia I, Madrid, p. 317.15 Disseminada pouco a pouco em todas as Igrejas orientais e chegada a Roma somente no quarto século quando lá se

estabelecia a festa da Natividade de Cristo (Natal), a 25 de Dezembro, em que se comemorava o nascimento físico do Salvador, celebrado como a verdadeira “luz do mundo” em franca oposição ao culto pagão do Sol invictus. No quinto século, a festa do Natal foi formalmente introduzida na liturgia bizantina. Enquanto a Igreja romana celebrava no Natal o nascimento físico e na Teofania ou Epifania a manifestação aos magos, a Igreja grega celebrava no Natal a manifestação aos magos e na Teofania, o Batismo de Cristo. A festa do Batismo só seria introduzida no rito romano no século XX, após a reforma litúrgica promovida pelo Concílio Vaticano II, no domingo que se segue à Epifania. No caso da Igreja armênia, não foi adotada a festa do Natal, conservando somente a Teofania a 6 de Janeiro, em que se comemora numa única festividade todo o mistério da incarnação e manifestação divina de Cristo.

população falava predominantemente o grego e o siríaco. Era uma das cidades mais populosas do

Oriente. Antioquia era chamada também Epidafne, por causa do bosque de Dafne que se encontrava

nos arredores e que constituía um dos principais centros religiosos helenísticos (pagãos).

O cristianismo chegou lá muito cedo, formando-se a partir de judeu-cristãos helenistas

provindos de Jerusalém16. No Livro dos Atos dos Apóstolos, relata-se a conversão de um centurião

romano e sua família pelo Apóstolo Pedro17, os primeiros não judeus convertidos à fé cristã. Foi

nesta cidade que pela primeira vez se usou a alcunha de “cristãos”18, não se sabe ao certo como e

porque. A primitiva comunidade cristã de Antioquia era mista: conviviam pacificamente fieis

provindos tanto do judaísmo19 como dentre os gregos20 e cujas práticas judaicas foram praticamente

abolidas, provocando um certo desentendimento com a comunidade judaico-cristã de Jerusalém21.

O apóstolo Pedro se fixara em Antioquia por um certo tempo, estabelecendo lá sua sede

antes de se transferir para Roma e o apóstolo Paulo permaneceu um ano lá pregando antes de ser

enviado para suas viagens missionárias. Tudo isso contribuiu para fazer de Antioquia um dos

centros do cristianismo ao lado de Roma e Alexandria, ou seja, o princípio apostólico e petrino.

A escola de Antioquia foi fundada por Luciano de Samósata, em 312, em direta oposição aos

excessos e fantasias do método alegórico de Orígenes e dos alexandrinos. Esta escola centrava

cuidadosamente a atenção no próprio texto e encaminhava seus discípulos para uma interpretação

literal e o estudo histórico e gramatical da Escritura. Utilizava-se dos métodos da filosofia

aristotélica, mais realista e empírica. A escola antioquena atingiu o seu apogeu com Diodoro de

Tarso em fins do século IV. São João Crisóstomo foi seu discípulo mais ilustre e Teodoro de

Mopsuéstia, o mais extremista. A tendência racionalista da escola antioquena foi causa do

surgimento de muitas heresias, por exemplo, Luciano, o fundador, foi o mestre de Ário.

A cristologia antioquena era a ascendente, partia da humanidade de Cristo sob a qual se

velava sua divindade cuja manifestação paulatina se culmina na ressurreição, inspirando-se, desse

modo, na cristologia paulina da redenção. Esta se dá sobretudo pela morte de Cristo, como

sacrifício expiatório, e sua ressurreição pela qual venceu o poder da morte e do pecado. A Escola

antioquena fazia nítida distinção entre a humanidade e a divindade de Cristo.

II.3. Duas fontes do pensamento cristão

Por métodos diferentes, as duas escolas teológicas contribuíram para a formação do

16 Cf At 11,19-20.17 Cf. At 10, 1-48.18 Cf. At. 11, 26.19 No sentido de povo judeu, nação judaica.20 No sentido amplo de não judeus, “pagãos”.21 Os cristãos de Jerusalém eram predominantemente de origem judaica e exigiam que todos os convertidos aceitassem

a circuncisão e as práticas judaicas. Isso levou a uma certa desconfiança para com a comunidade antioquena que cada vez mais abandonava todas as práticas judaicas e aceitava numerosos gregos, “pagãos”, ao batismo.

pensamento teológico e filosófico do cristianismo antigo, pois, nem todas as suas teses eram tão

antitéticas que não poderiam se complementar e moderar os excessos que uma ou outra parte

poderiam tomar. Enquanto que a corrente alexandrina tendia ao misticismo, a antioquena se

encaminhava ao racionalismo, ambas as tendências igualmente perigosas se radicalizadas e ambas

foram berços das correntes heterodoxas que se digladiavam em torno da questão da natureza de

Cristo e que mais tarde foram agrupadas sob os termos monofisismo e difisismo.

Convém lembrar que essas duas correntes de pensamento não estavam restritas aos

complexos geográficos que lhe deram origem: o Egito e a Síria, respectivamente. Orígenes, o

grande mestre alexandrino, fundou mais tarde uma escola em Cesareia da Capadócia que também se

tornou centro de irradiação do pensamento alexandrino. Os pensadores mais importantes que lá se

formaram, foram: São Basílio, São Gregório Nazianzeno e São Gregório de Nissa, os chamados

Padres capadócios, que juntamente com São João Crisóstomo, de tradição antioquena,

fundamentaram a tradição teológica da Igreja bizantina, sintetizada no século VIII por São João

Damasceno, em pleno domínio islâmico.

Quanto ao pensamento estritamente antioqueno, teve seu desenvolvimento sobretudo entre

os cristãos sírio-orientais da Pérsia por influência da corrente nestoriana, embora não tivessem

adotado exatamente as teses heterodoxas de Nestório. Todavia, a sua preferência pelo cultivo da

filosofia aristotélica e de uma teologia racionalizante esteve na base da formação do mutazilismo22 e

na origem da recepção das obras filosófico-aristotélica pelos árabes.

Podemos sintetizar o que até aqui foi dito sobre as duas escolas teológicas, alexandrina e

antioquena, no seguinte quadro sinótico:

E s c o l a s T e o l ó g i c a sAlexandrinos Antioquenos

Linha exegética Alegórica Literal

Método filosófico Platônico Aristotélico

Cristologia Descendente (joaneia) Ascendente (paulina)

III. Monofisismo x Difisismo

Sob esses dois termos um tanto genéricos, monofisismo e difisismo, colocam-se várias teses,

umas compatíveis, outras não, com a ortodoxia cristã, dependendo de como se entende o termo

grego physis e, consequentemente, como se aplica em relação à pessoa de Cristo. Não sendo o caso

de aprofundar a significação de physis na filosofia helênica, basta para nós, de momento, entendê-la

por “natureza”, enquanto expressão da essência ou condição própria de um ser.

22 Corrente teológica racionalista do Islam que berçou a formação da falsafa, a filosofia entre os árabes.

A questão medular que provocou as grandes discussões cristológicas estava no conceito que

os teólogos heleno-cristãos faziam de physis ou “natureza” humana. Havia duas tendências, não

necessariamente ligadas a uma ou outra escola, que se defrontavam:

a) physis é a natureza em sentido concreto como princípio operativo ou fonte de ação; a

natureza humana consiste num corpo orgânico animado cujo principio vital (psyché, alma) é

idêntico a um nous (intelecto, espírito, mente);

b) physis é a natureza no sentido individual concretamente subsistente num sujeito agente,

num “eu”; acrescenta à definição anterior a noção de subjetividade e nesse sentido physis equivale a

hypostasis (subsistência, subsistente, pessoa).

A partir disso, levantava-se a seguinte questão: a união do Logos divino com a natureza

humana assumida na incarnação resultou em Cristo duas physis (difisismo) ou uma physis

(monofisismo)? A resposta dependia do conceito que se fazia de physis e que podemos reduzir a

quatro teses: duas monofisitas e duas difisistas, em que cada uma apresentava uma tese ortodoxa e

outra heterodoxa e, portanto, havia duas teses ortodoxas e duas heterodoxas. Abaixo serão expostas

as teses em questão.

III.1. O Monofisismo

O termo monofisismo23 foi cunhado muito tardiamente para designar a doutrina da única

natureza de Cristo. Todavia, isso se presta a equívocos, pois, sendo um termo genérico, abarca pelo

menos três teses distintas e, até certo ponto, contrárias: o apolinarismo, o miafisismo e o

eutiquianismo. Pode-se, no entanto, afirmar que o monofisismo não é tanto uma doutrina, mas uma

tendência ligada à escola alexandrina que colocava em evidência a divindade de Cristo em relação à

sua humanidade, vista como instrumento passivo do Logos24.

O ponto de partida das teses monofisitas estava na polivalente fórmula de Apolinário, que

seus discípulos atribuíram a Santo Atanásio: Mía phýsis tou Theou Lógou sesarkooménee, “uma

só natureza do Logos divino incarnado”. Como já vimos, Apolinário negava que Cristo possuía uma

alma racional, função assumida pelo Logos, e, portanto, tinha uma natureza humana incompleta.

Quanto ao miafisismo e ao eutiquianismo, estas teses surgiram como réplica às tendências

extremadas dos antioquenos que se ocupavam de tal modo em distinguir a divindade da humanidade

de Cristo, colocando em risco a noção da unidade de pessoa.

III.1.1. São Cirilo de Alexandria e o miafisismo

Cirilo, arcebispo de Alexandria, aceitando a fórmula apolinarista como sendo de Santo

23 Monofisismo, do grego monos, “um só”, e physis, “natureza”.24 Lembremos que Santo Atanásio considerava o corpo de Cristo como instrumento do Logos.

Atanásio, quis dar-lhe uma interpretação ortodoxa por ocasião da controvérsia nestoriana. Esta

defendia a tese de que, em Cristo, havia duas pessoas distintas, uma divina e outra humana. Cirilo,

entendendo physis como equivalente a hypostasis (pessoa), afirmava que as duas naturezas (physis),

antes da união, resultou da união de ambas em uma só natureza (mia physis) subsistente, uma

hypostasis, o Logos, em que todas as características da divindade e da humanidade se unem

substancialmente num único sujeito, Cristo, Deus e homem.

A fórmula cirílica foi adotada pelo Concílio de Éfeso como doutrina ortodoxa mediante a

qual o nestorianismo foi condenado como heresia. Posteriormente, a doutrina cirílico-efesita foi

denominada miafisismo, aludindo às primeiras palavras gregas da fórmula apolinarista: mía phýsis

tou Theou Lógou sesarkooménee. A seguir, um importante trecho da carta de São Cirilo aprovada

pelo Concílio como expressão da reta fé:

Não afirmamos que a natureza [physis] do Verbo se tenha transformado para tornar-se carne.

Também não afirmamos que a natureza do Verbo se tenha transformado para tornar-se um

homem completo, constituído de corpo e alma. Mas professamos que o Verbo uniu a si

hipostaticamente25 [kath'hypostasin] uma carne animada por uma alma racional e se fez homem

de modo inexplicável e incompreensível, e assim assumiu o título de Filho do Homem não por

simples vontade ou benevolência, nem simplesmente porque assumiu uma pessoa.

Afirmamos, além disso, que, embora as duas naturezas sejam diferentes uma da outra, elas se

uniram em verdadeira união, de tal modo que de ambas resulta um só Cristo e Filho. Isto não

quer dizer que desapareceu a diferença das naturezas por causa da união, mas, sim, que a

Divindade e a humanidade, por um misterioso concurso em prol da unidade, constituem um só

Senhor e Cristo […]

Não se diga que num primeiro momento nasceu da Santa Virgem um homem, no qual, num

segundo momento, desceu o Verbo26. Mas, sim, afirmamos que desde o seio materno o Verbo se

uniu à carne humana numa concepção carnal, de tal maneira que tornou sua a geração carnal […]

E assim os Santos Padres não hesitaram em chamar Theotókos27 a Santa Virgem. Isto não

significa que a natureza do Verbo ou a sua Divindade tenha tido origem no seio da Santa Virgem,

mas, sim, que foi gerado por ela o corpo santo, animado e racional, ao qual se uniu

hipostaticamente28 [kath'hypostasin] o Verbo; em consequência, este foi gerado segundo a

carne29.

III.1.2. O Eutiquianismo ou monofisismo estrito

25 Isto é, “no plano da pessoa”.26 Refere-se ao ebionismo ou adopcionismo, doutrina herética do século II cuja tese era de que Jesus era um homem

comum e que por ocasião do batismo por João, fora revestido de uma energia divina tornando-se Cristo e sendo adotado por Deus como Filho.

27 Literalmente: “Aquela que dá à luz Deus”.28 Isto é, “segundo a pessoa”.29 DS 250-251.

Em meio aos debates anti-nestorianos, Eutíquio, arquimandrita30 de um mosteiro de

Constantinopla, um monge piedoso, mas pouco versado em teologia, no intuito de seguir São Cirilo,

afirmava que a partir da incarnação do Logos só ficava uma natureza em Cristo, a divina. Segundo

ele, Cristo não era consubstancial com os homens, isto é, não compartilhava da mesma substância

ou natureza com eles, das duas naturezas antes da união, resultava uma natureza após a união, pois a

divina teria absorvido a humana. Por conseguinte, o corpo de Cristo já não seria igual ou

consubstancial ao nosso, pois teria sido divinizado. Para ilustrar essa tese, usava-se da seguinte

imagem: assim como uma gota de mel lançada na imensidão do oceano aí se dissolve totalmente, da

mesma forma a humanidade de Cristo se dissolveu na divindade do Logos, que a assumiu31.

O pensamento de Eutíquio era mais confuso do que errôneo. Faltava-lhe clareza em certos

conceitos, no entanto, sua tese foi condenada por ter negado a realidade humana de Cristo. Mesmo

assim, o eutiquianismo propagou-se rapidamente, especialmente entre os monges e os cristãos mais

simples, pois, tendo Cristo por modelo, propunha-se a divinização de todos os cristãos fieis e,

portanto, uma doutrina mística neoplatonizante.

Por afirmar a única physis (divina) após a incarnação, sem nenhuma noção de dualidade

divino-humana, ao eutiquianismo convém propriamente o termo de monofisismo. Essa corrente

heterodoxa deu origem a numerosas seitas populares, muitas das quais com doutrinas um tanto

extravagantes, que se multiplicaram nas regiões desérticas da Síria e do Egito, e que certamente

estiveram na origem do sufismo32.

III.1.3. Um quadro sinótico dos monofisismos

No intuito de salvaguardar a unidade de Cristo após a incarnação do Logos, os teólogos

alexandrinos, em polêmica com os antioquenos, desenvolveram teses que foram agrupadas sob o

termo monofisismo. O problema central estava na interpretação da obscura fórmula apolinarista:

Mía phýsis tou Theou Lógou sesarkooménee, “uma só natureza do Logos divino incarnado”,

atribuída falsamente a Santo Atanásio, dando a ela, desse modo, uma autoridade indiscutível. Sendo

assim, tal fórmula deveria ser interpretada de modo coerente com a fé cristã que, ao mesmo tempo,

se distanciasse do apolinarismo. Daí, duas teses foram formuladas, uma de caráter erudito,

ortodoxa, e outra de caráter popular, confusa e herética: o miafisismo e o eutiquianismo

respectivamente.

O miafisismo, nome dado à fórmula de São Cirilo, é uma doutrina monofisita somente na

aparência. A doutrina confirmada pelo Concílio de Éfeso, se bem observada no trecho de carta de

30 Arquimandrita, do grego archós, “superior”, mandra, “monastério”, o mesmo que abade nas Igrejas gregas.31 Cf. BETTENCOURT, E., Curso de Cristologia. Rio de Janeiro, p. 85.32 Sufi, corrente mística islâmica. Vale lembrar que a modalidade de cristianismo conhecida por Maomé e pelos

primeiros muçulmanos foram certamente os monofisitas e nestorianos.

São Cirilo acima exposta, afirma a dualidade divino-humana de Cristo: “Isto não quer dizer que

desapareceu a diferença das naturezas por causa da união, mas, sim, que a Divindade e a

humanidade, por um misterioso concurso em prol da unidade, constituem um só Senhor e Cristo”. A

fórmula apolinarista pseudo-atanasiana, porém, era um obstáculo à afirmação da união de duas

physis em Cristo numa única hypostasis. E, por outro lado, uma afirmação difisista pareceria

incorrer no erro dos antioquenos que afirmavam as duas physis ou pessoas em Cristo. Era

necessário uma maturação das ideias, algo sempre muito arriscado.

Para maior clareza, colocamos no quadro sinótico abaixo, uma síntese das três teses

monofisitas:

Monofisismo(alexandrinos)

heterodoxo

apolinarismo Cristo não possui uma natureza humana completa, uma alma racional, função assumida pelo Logos.

eutiquianismo A natureza humana de Cristo foi absorvida pela divina na incarnação, restando apenas uma natureza, a divina.

ortodoxo miafisismoA divindade e a humanidade realizam uma perfeita união hipostática, isto é, substancial, na única pessoa do Logos divino incarnado.

III.2. O Difisismo

O termo difisismo, diofisismo ou diafisismo designa a doutrina da escola antioquena das

duas “naturezas” de Cristo. Possui suas raízes nos primeiros escritos cristãos que distinguem, em

Cristo, um elemento divino (pneuma-logos), e um elemento humano (sarx)33. Com as disputas

contra o paganismo e as heresias dos séculos II e III, reforçou-se a ideia de uma dualidade em

Cristo: Melitão de Sardes falava de duas ousiai, isto é, duas “essências” ou “substâncias”; Origines,

de duas physis ou “atributos” e Tertuliano, de duas substantiae, “substâncias” ou “naturezas”.

A controvérsia anti-ariana contribuiu para o desenvolvimento da concepção de geração

divina distinta da humana, induzindo à elaboração mais acurada dos conceitos das duas naturezas e

das duas consubstancialidades. Levantava-se então o problema de como se realizam a união das

duas naturezas num único Cristo. A escola antioquena procurava ressaltar a natureza humana

distinguindo-a da divina em franca oposição às teses alexandrinas, quer contra o apolinarismo, quer

contra Cirilo de Alexandria.

A tese difisista tem como principais mentores Diodoro de Tarso e Teodoro de Mopsuéstia,

discípulo do anterior. Teodoro entendia por physis uma natureza completa subsistente num sujeito

agente. Portanto, reconhecia, em Cristo, duas naturezas distintas e dois sujeitos. Preocupado,

todavia, com o divisionismo que a doutrina poderia redundar e que era criticada pelos apolinaristas,

negava a afirmação de haver dois Senhores e dois Filhos. Ensinava que as duas naturezas estão

33 Termos gregos: pneuma, “espírito”; logos, “razão”, “intelecto”, “pensamento”; sarx, “corpo”.

unidas de modo inefável e eternamente indissolúvel num único prosopon34, que a união não destrói

a distinção das physis, nem a distinção não impede que as duas physis sejam um Cristo.

Na verdade, porém, existem duas teses difisistas distintas: o nestorianismo e a doutrina do

Concílio de Calcedônia, fundada na definição do Papa Leão I, o Grande. A primeira, heterodoxa, é

uma radicalização das teses de Teodoro de Mopsuéstia; a segunda, ortodoxa, assemelha-se à

doutrina cirílico-efesita, dita em termos antioquenos, e se aproxima da fórmula de união assinada

por São Cirilo e por João de Antioquia após o Concílio de Éfeso, que trataremos a seguir.

III.2.1. O Nestorianismo

Nestório, piedoso monge e sacerdote de Antioquia, era discípulo de Teodósio de Mopsuéstia.

Em 427, foi nomeado arcebispo de Constantinopla. Era conhecido por suas excelentes qualidades

de orador e pelos ataques violentos aos hereges. Levando as teses difisistas ao extremo, condenou a

devoção popular, muito difundida entre os monges e os fieis, a Maria “Mãe de Deus”, Theotókos,

pois a considerava apolinarista e não dava, segundo ele, o devido reconhecimento à natureza

humana de Cristo. Ensinava que Maria era Christotókos, “Mãe de Cristo”35, ou seja, Mãe de Jesus

em sua união com o Logos, mas proibia que se dissesse anthopotókos, mãe do homem Jesus, para

se evitar o perigo do adopcionismo. Eis um texto de Nestório:

Com frequência é suscitada entre nós uma dificuldade: “Deve-se falar da Theotókos, isto é, de

uma mulher que tenha gerado Deus, Maria, ou antes se deve falar de uma mulher que deu à luz

um homem, anthropotókos? Mas será que Deus tem mãe?” […] Uma criatura não pode dar à luz

o Criador, mas deu à luz um homem, instrumento da Divindade […] Mas mesmo assim, Jesus é

um Deus para mim, visto que encerra Deus. Adoro o vaso por causa do seu conteúdo, a

vestimenta por causa do que ela cobre36.

A sua preocupação, como bom antioqueno, é a de salvaguardar, contra apolinaristas e

arianos, a integridade da natureza humana de Cristo, entendida como completa personalidade, capaz

de livre iniciativa, enquanto os alexandrinos a reduziam a mero instrumento passivo do Logos. Por

isso, ele mantém cuidadosamente distintas as propriedades das duas naturezas e os nomes que a

estas se referem. Mas, não obstante a distinção, ele recusou a acusação de Cirilo de pregar dois

Cristos, reafirmando constantemente a indivisibilidade e a unidade de Cristo. Para indicar a união

das duas naturezas, ele fala também de “unidade inefável”, mas prefere synápheia, “cunjunção”,

para evitar que a união fosse considerada mistura. Ele adota a terminologia tradicional antioquena e

fala do homem assumido pelo Logos, de templo em que o Logos veio morar, isto é, uma

34 Prosopon, em grego: “aparência”, “aspecto externo”, “figura”, e por extensão, “pessoa”, mas em sentido não equivalente a hypostasis.

35 Cf. nota 26. Tokein, “parir”, “dar a luz”.36 Sermão 9. Citado em: BETTENCOURT, E., Curso de Cristologia. Rio de Janeiro, p. 81.

terminologia que realçava a distinção entre o homem e Deus.

III.2.2. A Fórmula de União

A fórmula cirílica adotada pelo Concílio de Éfeso não agradara a muitos bispos antioquenos,

aos quais pareceram não fazer clara distinção entre a divindade e a humanidade de Cristo e

consideravam perigosa a fórmula Theotókos por parecer desviar-se do conceito de Deus imutável.

Por isso, em 433, estabeleceu-se um acordo entre João de Antioquia e o arcebispo de Alexandria,

Cirilo, que assinaram uma fórmula dita “de União”, provavelmente redigida por Teodoreto de Ciro.

Essa fórmula procura expressar a ortodoxia de Éfeso em termos antioquenos, afastando-se do

nestorianismo. Eis o seu trecho principal:

Confessamos que nosso Senhor Jesus Cristo, Filho Único de Deus, é Deus perfeito e homem

perfeito, [composto] de alma racional e corpo, gerado pelo Pai antes dos séculos segundo a

Divindade, e nos últimos dias por nós e pela nossa salvação, nascido da Virgem Maria segundo a

natureza humana. Ele é consubstancial com o Pai por sua Divindade, e é consubstancial conosco

por sua humanidade. Já que havia a união das duas naturezas, confessamos um só Senhor, um só

Cristo e um só Filho. Visto que compreendemos esta união realizada sem confusão de uma parte

com a outra, confessamos que a Santa Virgem é Theotókos, pois o Verbo de Deus se incarnou e

se fez homem, e desde o momento de sua concepção, uniu a si o templo que dela assumiu.

Quanto às expressões dos Evangelhos e dos Apóstolos concernentes ao Senhor, sabemos que os

teólogos ora as usam no singular como referentes à única pessoa de Jesus, ora usam no plural

aludindo às duas naturezas; atribuem à Divindade de Cristo as que se aplicam à Deus, e a sua

humanidade as que exprimem humilhação37.

Esta fórmula, ao expressar a ortodoxia de Éfeso, serve-se de um vocabulário apto a não ferir

os adversários de Cirilo. Assim, por exemplo, não fala de uma união kath'hypostasin, “hipostática”,

mas professa a união, sem confusão, de duas naturezas. Não fala de uma natureza do Logos feito

carne, expressão de Apolinário que Cirilo julgava ser de Santo Atanásio. É perceptível a réplica a

Apolinário na afirmação “Deus perfeito e homem perfeito, [composto] de alma racional e corpo”. A

fórmula fala de duplo nascimento: um a partir do Pai, o outro a partir da Virgem Maria, mas

reconhece um só Senhor, Filho e Cristo. Faz uma alusão também ao Concílio de Niceia quando

menciona a consubstancialidade com o Pai e a consubstancialidade conosco.

III.2.3. São Leão Magno e o Concílio de Calcedônia

Em reação à controvérsia eutiquiana (monofisista), o Papa Leão I dirigiu uma “carta

dogmática” ao arcebispo Flaviano de Constantinopla, conhecida como Tomus ad Flavianum38, em

37 DS 271-273.38 Epístola XXVIII do epistolário leonino.

que esclarecia a questão das naturezas de Cristo nos termos da teologia latina. Este documento

tornou-se referência à toda Igreja ocidental e base à definição promulgada pelo Concílio de

Calcedônia. Eis um importante trecho:

Salvaguardadas, pois, as propriedades de ambas as naturezas e substâncias, unidas numa só

Pessoa, foi assumida a humildade pela majestade, pela força a fraqueza, pela eternidade a

mortalidade. Para obter o débito de nossa condição, a natureza inviolável uniu-se à passível.

Assim, como remédio conveniente à nossa cura, um só e mesmo mediador entre Deus e o

homem, o homem Cristo Jesus, de um lado podia morrer, e doutro lado não o podia. Nasceu o

verdadeiro Deus com a íntegra e prefeita natureza de um verdadeiro homem, todo o que é seu,

todo inteiro o que é nosso. Por “nosso” entendemos aquilo que o Criador fez em nós no início e

que assumiu para ser reparado [...] O aniquilamento pelo qual o invisível se fez visível e o

Criador e Senhor de todas as coisas quis ser um dos mortais, era compassiva, condescendência

não deficiência de poder. Quem na natureza de Deus criou o homem, fez-se homem na condição

de servo. Cada uma das duas naturezas conservou, sem alteração suas propriedades. Como a

natureza de Deus não eliminou a natureza de servo, assim a natureza de servo não diminuiu a

natureza de Deus [...] Dignou-se o Deus impassível tornar-se homem passível, o imortal

submeter-se às leis da morte [...] Recebeu o Senhor de sua mãe a natureza, mas isenta de culpa. A

natureza humana de nosso Senhor Jesus Cristo, nascido do seio da virgem, não difere da nossa

por ter tido ele admirável natividade. Sendo verdadeiro Deus, é também verdadeiro homem.

Nesta unidade não há mentira, pois mutuamente se coadunam humildade humana e grandeza

divina. Como Deus não se altera por tal misericórdia, o homem não desaparece, absorvido pela

natureza divina39. Age cada uma das naturezas em consonância com a outra, quando a ação é

peculiar a uma delas. O Verbo opera o que lhe é próprio, e a carne executa o que lhe compete.

Uma resplandece pelos milagres, enquanto a outra é sujeita aos opróbrios. Como não se aparta o

Verbo da igualdade da glória paterna, a carne não perda a natureza do gênero humano. Um e o

mesmo, convém repeti-lo, é verdadeiramente Filho de Deus e verdadeiramente filho do homem40.

São Leão Magno reafirma a consubstancialidade de Cristo com o Pai e a

consubstancialidade do mesmo com Maria, donde resultam duas naturezas completas não mutiladas

nem confundidas entre si. Cada uma dessas naturezas realizou, durante a vida terrestre de Jesus, o

que lhe era próprio. Portanto, uma doutrina difisista. Todavia, o sujeito responsável pelos atos de

uma ou outra natureza, era Deus Filho, o Logos divino. Desse modo, a doutrina do Papa Leão I se

afasta do nestorianismo ou das teses antioquenas extremadas, rejeita o apolinarismo e o

eutiquianismo.

O eutiquianismo foi condenado pelo Concílio de Calcedônia (451), durante o qual foi lida

solenemente o Tomus ad Flavianum, que juntamente com a Fórmula de União, foi base para a

39 Alusão à tese de Eutíquio. O grifo é nosso.40 LEÃO MAGNO, S., Tomo (28) a Flaviano. In: Sermões, p. 265-267.

composição de uma nova fórmula de fé que, após hesitações e debates, foi aprovada e promulgada

pelo Concílio a 22 de outubro de 451. Eis a fórmula calcedonense:

Seguindo os Santos Padres, ensinamos que se deve confessar um só e mesmo Filho, Senhor

nosso, o mesmo perfeito no tocante à Divindade, e perfeito no tocante à humanidade: Deus

verdadeiro e homem verdadeiro em corpo e alma, consubstancial ao Pai quanto à divindade e

consubstancial conosco quanto à humanidade; semelhante em tudo a nós, exceto no pecado;

gerado pelo Pai segundo a divindade desde todos os séculos, e nos últimos tempos gerado de

Maria Virgem Theotokos, por causa de nós e de nossa salvação. O mesmo e único Cristo, Senhor

e Filho Unigênito em duas naturezas sem confusão, nem divisão, nem mudança, nem separação,

há de ser o termo de nosso reconhecimento, sem que de algum modo desapareça a diferença de

naturezas por causa da união, antes salvando-se as propriedades de cada natureza, embora as

duas se encontrem numa única pessoa e subsistência. Não separado nem dividido em duas

pessoas, mas uma só Pessoa, que é o único e mesmo Verbo, Deus, Filho Unigênito e Senhor

Jesus Cristo41, como em outros tempos nos ensinavam os Profetas a respeito dele, e o próprio

Jesus Cristo ensinou a respeito de si mesmo, e como nos transmitiu o símbolo de fé dos Padres 42.

Uma vez redigidas todas estas coisas com todo cuidado e diligência e em todos os seus aspectos,

este Santo Concílio Ecumênico as define, de modo que a ninguém é lícito professar outra fé, ou

escrever, compreender, sentir ou transmitir outra crença aos seus semelhantes43.

A fim de que fique mais claro o teor da definição conciliar, dispomo-la num quadro sinótico,

que evidenciam bem a natureza divina e a natureza humana num só Cristo44:

“Um só e mesmo Filho, nosso Senhor Jesus CristoPerfeito em sua Divindade, Deus verdadeiro, Perfeito em sua humanidade, verdadeiro homem,

constando de alma racional e corpo,

consubstancial ao Pai segundo a Divindade consubstancial a nós segundo a humanidade, semelhante a nós em tudo, exceto no pecado,

gerado do Pai antes dos séculos segundo a Divindade gerado de Maria Virgem, Mãe de Deus, segundo a sua humanidade, nos últimos tempos, por causa de nós e de nossa salvação”

“Um só e mesmo Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, reconhecido em duas naturezassem confusão nem mudança; a diferença de naturezas não é extinta pela união, mas, ao contrário, são ressalvadas as propriedades de cada uma das duas naturezas

sem divisão, nem separação, unem-se numa só pessoa e não em um ser dividido em duas pessoas,

mas um só e único Filho Unigênito, Deus, Verbo, Senhor, Jesus Cristo”

41 O grifo é nosso.42 Refere-se ao Símbolo Niceno-Constantinopolitano, que sintetiza a definição de fé aprovada pelos dois primeiros

concílios da Igreja, Niceia (325) e Constantinopla (381) e ainda hoje usada e solenemente cantada na Liturgia dominical em todos os ritos eclesiásticos do Oriente e do Ocidente.

43 DS 301-303.44 Cf. BETTENCOURT, E., Curso de Cristologia. Rio de Janeiro, p. 87-88.

Percebe-se que a primeira parte desta definição confirma o Concílio de Éfeso, professando a

unidade em Cristo. A segunda parte acrescenta a doutrina típica de Calcedônia: as duas naturezas,

sem confusão, nem divisão ou mudança.

A comunicação ou comunhão de propriedades é professada, na medida em que é

reconhecida a unidade de pessoa (de sujeito ou de “eu”). É o mesmo “eu” de Jesus que por sua

natureza humana, chora sobre Lázaro, e, por sua natureza divina, o ressuscita. Evitemos a confusão,

pois, Deus, como Deus, não pode chorar, e o homem, como homem, não pode ressuscitar um morto.

III.2.4. Um quadro sinótico dos difisismos

Diferentemente do que ocorreu com as teses monofisitas, que partem de uma premissa

comum, ou seja, a fórmula apolinarista, as duas teses difisistas se constituíram de modos diferentes

e, até certo ponto, independentes, tendo em comum somente a profissão da união das duas physis

em Cristo, divergindo, porém, no conceito deste termo. Enquanto que para Nestório, uma physis

não tem subsistência, solidez real se não é também uma hypostasis (pessoa), preferindo falar de

união por complacência (tachada pelos adversários de adopcionismo), entendida como união

voluntária do Logos com um homem, para São Leão Magno, physis e hypostasis eram conceitos

distintos e, portanto, poderia falar da perfeita união das duas physis, sem mistura, nem confusão, na

única pessoa (= hypostasis) do Logos.

Em outras palavras, enquanto que Nestório professava dois sujeitos em Cristo, um humano e

outro divino, embora insistisse na unidade perfeita entre ambos, São Leão professava um único

sujeito, o Logos divino que assumiu e uniu a si de modo perfeito e distinto, a natureza humana, e,

portanto, duas naturezas, physis, unidas em um único sujeito, Cristo.

Para maior clareza, colocamos no quadro sinótico abaixo, uma síntese das duas teses

difisistas:

Difisismo(antioquenos)

heterodoxo NestorianismoConceito de natureza não se distingue de pessoa, portanto, as duas naturezas de Cristo constitui dois sujeitos, a do Logos divino e a do homem Jesus, unidos por complacência.

ortodoxoConcílio deCalcedônia

As duas naturezas, divina e humana, realizam uma perfeita união, sem mistura, nem alteração, na única pessoa do Logos divino incarnado.

III.3. Comparação Sinótica do Monofisismo e do Difisismo

A fim de oferecer melhor uma visão de conjunto, colocamos no seguinte quadro sinótico as

quatro teses (nestoriana, miafisista, eutiquiana e leonino-calcedonense), distinguindo-as pelas

correntes (monofisismo e difisismo) e pela situação doutrinal (ortodoxia e heterodoxia):

Monofisismo Difisismo

Ortodoxo

O Logos divino uniu a si de modo substancial um corpo animado por uma alma racional, isto é, uma natureza humana completa, e se fez homem sem deixar de ser Deus, um único sujeito, Cristo-Logos, perfeitamente divino e perfeitamente humano. (Cirílico-efesita ou miafisismo)

As duas physis ou “naturezas”, a divina e a humana, realizaram uma perfeita união, sem mistura ou confusão, nem alteração, permanecendo distintas, mas substancialmente unidas em um único sujeito, Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.(São Leão Magno e Concílio de Calcedônia)

Heterodoxo

Após a incarnação do Logos divino, a “natureza” (physis) humana foi absorvida pela divindade do Logos, “como uma gota de mel que se desfaz no oceano”, permanecendo uma única physis-natureza, a divina. (eutiquianismo)

As duas physis (“naturezas” = pessoas) constituem dois sujeitos, o Logos divino e o homem Jesus, que realizam uma perfeita união indissolúvel por complacência, distinta, sem mistura ou confusão, permanecendo, todavia, dois sujeitos. (nestorianismo)

Como se pode notar, em outros termos, as teses ortodoxas do miafisismo e leonino-

calcedonense professam a mesma fé a respeito de Cristo: um único sujeito, o Logos divino, que ao

encarnar-se une a si a natureza humana completa, realizando uma perfeita união das duas naturezas,

divina e humana, “sem mistura ou confusão, nem alteração”, um só Cristo, Deus e homem

perfeitos; uma única Pessoa (divina) em duas naturezas distintas e substancialmente unidas. A

teologia posterior formaria o termo teândrico, isto é, divino-humano (de theós, “deus”, e aneer,

andrós, “homem”), Cristo seria, então, um ser “teândrico”.

As divisões que se deram entre os cristãos que optaram por uma ou outra tese (miafisismo ou

ortodoxia calcedonense) se deram por mal entendidos a respeito dos conceitos que se discutiam, por

rivalidades entre as escolas antioquena e alexandrina, bem como por motivos politico-culturais em

que as regiões sul-orientais do Império bizantino (Egito e Síria oriental) buscavam autonomia frente

a centralização da corte imperial de Constantinopla e a forte helenização das populações semitas ou

de outros grupos dentro do Império (como os armênios), cujos argumentos eclesiásticos e teológicos

eram somente pretexto para os conflitos ocorridos.

IV. O Monenergismo e o Monotelismo

O monenergismo45 e o monotelismo46 são duas teses heterodoxas afins ao monofisismo

propostas pelo patriarca Sérgio de Constantinopla, cuja intenção era reconciliar os monofisitas com

a ortodoxia calcedonense, sem, todavia, atingirem o seu intento.

O monenergismo propunha que em Cristo havia um só princípio de operação ou atividade

(energéia), e este seria o divino. Em outras palavras, no Logos divino estava o princípio de ação de

Cristo, não havendo nada proveniente da natureza humana.

O monotelismo atribuía a Cristo uma só vontade, a divina, que absorvera a vontade humana,

45 Do grego mono, “uma só”, e energéia, “operação”, “atividade”.46 Do grego mono, “uma só”, theleetee, “vontade”.

ou seja, Cristo era desprovido de uma vontade humana, o querer de Cristo era o querer do Logos

divino, sem cooperação com uma vontade humana.

Sofrônio, patriarca de Jerusalém, reconheceu o perigo dessas duas novas apresentações do

monofisismo e recorreu ao Papa Honório I, que era pouco versado em grego e em teologia

bizantina, não compreendeu a gravidade e sutileza da questão, recomendando somente que se

guardasse a fidelidade ao Concílio de Calcedônia e afirmando que isso era somente uma questão

linguística e não de fé. E acrescentou que em Cristo não havia oposição entre a vontade divina e a

humana e nesse sentido poderia falar de uma única vontade de Cristo. Todavia o papa se referia a

uma unidade moral das duas vontades e não de uma única vontade ontológica, levando a sérias

discussões.

Diante do impasse, o Imperador Constantino IV, propôs ao Papa Agatão a realização de um

Concílio ecumênico a fim de dirimir a questão, o que este consentiu prontamente. Por vontade do

Papa, realizou-se vários sínodos de bispos no Ocidente a fim de discutirem a questão e por fim, foi

composta uma fórmula de profissão de fé. O Concílio de Constantinopla III realizou-se de 7 de

novembro de 680 até 16 de Setembro de 681 em que foi definido o seguinte:

Este Santo Concílio ecumênico aceita fielmente e recebe de braços abertos a fórmula que propôs

ao mui piedoso e fiel Imperador Constantino o mui santo e bem-aventurado Papa da antiga

Roma, Agatão: rechaçou nominalmente aqueles que proclamavam e ensinavam haver uma só

vontade e operação em Cristo, nosso verdadeiro Deus […] Apregoamos duas vontades em Cristo

e duas operações, sem divisão, sem separação, segundo a doutrina dos Santos Padres, todavia

duas vontades não opostas entre si […] A vontade humana de Jesus segue, sem resistência, nem

oposição, a vontade divina, à qual está sujeita, pois é toda poderosa […] Assim como a carne de

Jesus é a carne de Deus, assim também confessamos que a vontade natural própria da sua carne é

do Verbo de Deus […] Assim como a carne de Jesus, santíssima e sem mancha, não foi extinta

por estar divinizada, mas permaneceu dentro dos seus limites e da sua identidade, assimtambém a

vontade humana não foi extinta por estar divinizada, mas, ao contrário, substitui usufruindo da

salvação47

É de notar que o texto conciliar fala de “carne divinizada” e “vontade divinizada”. O

adjetivo era muito caro aos bizantinos. Está, porém, longe de significar a absorção do humano pelo

divino; indica, antes, o fato singular de que a humanidade de Jesus subsistia por efeito de uma

Pessoa divina; pertencia ao “eu” do Logos.

V. Uma contextualização histórica dos eventos

Como dissemos acima, os grandes debates cristológicos que agitaram os cristãos orientais no

47 Cf. DS 553; 556.

século V foram consequência das controvérsias anti-arianas. O apolinarismo havia levantado a

seguinte questão: como se realizava a união entre o Logos divino e a natureza humana assumida na

incarnação? A tentativa de Apolinário, ao negar a integridade da natureza humana de Cristo, não foi

bem recebida pelos teólogos, pois, estes queriam salvaguardar a integridade das duas realidades

divina e humana de Cristo. Contudo, alexandrinos e antioquenos discordavam quanto ao modo de

entender e colocar os termos. Enquanto os primeiros consideravam a humanidade como instrumento

da divindade, os segundos procuravam distinguir de tal modo as duas naturezas que corriam o risco

de dividir Cristo em dois sujeitos.

A questão explodiu quando um discípulo de Nestório, então arcebispo de Constantinopla, o

presbítero Anastácio, condenou do púlpito o título mariano de Theotókos. Isso levou a uma onda de

protestos, intimidando o arcebispo a desmentir o auxiliar, o que não o fez, confirmando a tese.

Deste modo, veio a tona a tese divisionista de Teodoro de Mopsuéstia. Estalou um verdadeiro

tumulto; fieis protestavam durante as cerimônias litúrgicas, monges e bispos denunciavam o

arcebispo da corte imperial. No Palácio, as princesas que governavam em nome de Teodósio II

olhavam com crescente desagrado, pois encontravam-se indecisas entre o povo devoto da “Mãe de

Deus” e os altos funcionários que as aconselhavam a não exacerbar os ânimos nas províncias da

Síria, onde as teses antioquenas estavam bastante espalhadas.

Alguns clérigos e monges da capital imperial recorreram a Cirilo, arcebispo de Alexandria,

que, em vista da tradicional rivalidade entre Antioquia e Alexandria, via com maus olhos na sede

episcopal de Constantinopla, já então principal sede do Oriente, um antioqueno de prestígio; e sua

impostação cristológica, de tipo alexandrino, que percebia a unidade substancial das naturezas em

Cristo, desconfiava de uma distinção nítida demais de suas propriedades humanas e divinas.

Além disso, São Cirilo era injustamente acusado de ter estado implicado em alguns

incidentes que haviam agitado Alexandria, tais como a invasão da cidade por um bando de monges

que quase conseguiram massacrar o prefeito, e o odioso assassinato, por alguns cristãos fanáticos,

da célebre filosofa Hipácia, cabeça da escola neoplatônica. Assumindo a tarefa de refutar Nestório,

Cirilo libertava-se de todos esses rumores hostis e agia de acordo com sua fé e o seu temperamento.

Após uma correspondência entre os dois arcebispos, mais um pedido de notícias genéricas, a

segunda carta de Cirilo e a respectiva resposta de Nestório, ambas de cunho doutrinal, marcaram as

divergências entre as cristologias das duas escolas. Em meio à polêmica gerada, tanto Cirilo como

Nestório recorreram ao juízo do Papa Celestino I, pois ambos reconheciam a primazia da Sé de

Roma. O Papa reuniu, então, um concílio (regional) em Roma, em agosto de 430, em que as teses

de Nestório foram tidas como heréticas e convidou-o a reconhecer e renegar seus erros. São Cirilo

recebeu delegação do Papa a fim de entregar a Nestório o diktat (decisão) romano e, caso não se

retratasse, o excomungasse e o depusesse de sua sede.

Somente em novembro Cirilo o transmitiu a Nestório, provendo-o com uma série de doze

anematismos que apresentavam a cristologia alexandrina na forma mais radical: ali se falava, entre

outras, da unidade de natureza (hénosis physiké) humana e divina em Cristo. Nenhum teólogo

antioqueno poderia subscrevê-la. Mas, neste ínterim, Nestório, apoiado por bispos antioquenos,

recorreu ao Imperador Teodósio II, solicitando-lhe a realização de um Concílio ecumênico. Este

acedeu e, com o consentimento do Papa Celestino, o convocou para realizar-se em Éfeso.

O Concílio de Éfeso iniciou seus trabalhos a 22 de Junho de 431, na grande basílica da

Virgem Maria, com a participação de cento e sessenta bispos. Logo na primeira sessão, sob a

liderança de São Cirilo, Nestório foi condenado e deposto e foi aprovada uma carta de Cirilo de

Alexandria, tida como confissão de reta fé, e a proclamação de Maria Theotókos, pois, havendo em

Cristo uma só pessoa (divina) e tendo a Virgem gerado a pessoa do Logos unido à natureza humana,

competia-lhe esse título que os fieis já estavam familiarizados. Em represália, nos dias seguintes,

adeptos de Nestório condenaram e depuseram Cirilo, levando o Concílio a uma situação irregular.

Após alguns dias, com a chegada dos legados do papa, os bispos Arcádio e Projeto e o

presbítero Filipe, que traziam consigo cartas de Celestino I, as quais indicava a doutrina a ser

adotada, ratificaram as decisões conciliares tomadas antes de sua chegada, levando à condenação

definitiva das teses nestorianas e a consagração da fórmula cirílica. A última sessão realizou-se a 31

de julho. Contudo, a questão não estava totalmente encerrada, muitos bispos antioquenos não se

sentiram confortáveis com a fórmula cirílica parecendo-lhes um tanto apolinarista.

Teodósio II, aprovou ambas as condenações e deposições, por lhe parecer que tanto Nestório

quanto Cirilo eram responsáveis pelas querelas que perturbavam a paz da Igreja e do Império.

Porém, em relação à Cirilo, que voltara ao Egito, permaneceu inoperante, enquanto que Nestório

renunciou espontaneamente a uma defesa ulterior e retirou-se para um monastério em Antioquia,

sendo sucedido por Ático na Sé de Constantinopla.

Os arcebispos Cirilo de Alexandria e João de Antioquia, após algumas negociações, levaram

à reconciliação entre alexandrinos e antioquenos em abril de 433, ao assinarem uma fórmula de fé

dita “Ato de União”, aprovada por ambas as partes: os antioquenos renunciavam a Nestório,

aprovando sua condenação, enquanto Cirilo renunciava aos doze anematismos. Nestório, então, foi

exilado primeiro para Petra e depois para o grande Oásis, no deserto líbico.

Alguns alexandrinos mais radicais, todavia, acusaram Cirilo de fraqueza por ter assinado a

fórmula de união, o que lhes pareceu aprovar as teses nestorianas. Isso levou à formação de

doutrinas monofisitas extremistas, entre as quais o eutiquianismo, na verdade uma doutrina confusa

de um arquimandrita bizantino pouco versado em teologia, mas que conquistou as massas populares

e numerosos monges de pouca erudição na Síria e do Egito. Influente na corte, Eutíquio conquistou

para suas teses toda a camarilha imperial, exceto a princesa Pulquéria, irmã do Imperador, que,

furiosa por ver a cunhada dominar cada vez mais o seu indolente irmão, se refugiou numa ortodoxia

cada vez mais ferrenha. O caso teve, portanto, desde o início, nítidas ressonâncias políticas.

O celeuma produzido levou o arcebispo Flaviano de Constantinopla a convocar um sínodo

para a capital (448) que resultou na condenação das teses monofisistas e na deposição e

excomunhão de Eutíquio, informando, em seguida, o Papa Leão I do ocorrido. Indignado, o

arquimandrita afirmara não poder trair Santo Atanásio e São Cirilo e o tumulto teológico degenerou

imediatamente: foi o povo contra o Palácio, Alexandria contra Constantinopla. Eutiquio apelou para

o Papa, para Dióscoro de Alexandria, para muitos prelados e para o Imperador. Dióscoro, homem

ambicioso e violento, havia sucedido São Cirilo na Sé de Alexandria (444) e pertencia à ala radical

que recusara o “Ato de União”. Aproveitou-se da situação para impor a sua autoridade contra

Antioquia e Constantinopla, declarou Eutíquio inocente e levou a imperatriz Eudóxia a conseguir do

marido a convocação de um concílio para rever o assunto.

O concílio realizou-se em Éfeso (449), cidade da vitória de São Cirilo, sendo presidido por

Dióscoro de Alexandria. O Papa, bem informado da questão, evitou refutar as teses heréticas e

deixar-se engodar pelas argúcias gregas e, com sua sólida racionalidade latina, limitou-se a escrever

sua famosa “epístola dogmática” dirigida a Flaviano, arcebispo de Constantinopla. Todavia,

Dióscoro impediu que os legados papais participassem da aula conciliar e lessem publicamente o

documento; reabilitou Eutíquio e depôs Flaviano. Este, logo depois, faleceria em consequências de

maus tratos recebidos. Ao ser informado do acontecido, Leão I verberou contra aquilo que chamou

de “latrocínio de Éfeso”.

O repúdio a tal assembleia foi geral por parte dos próprios bispos antioquenos e da corte

imperial, havendo intervenções da multidão e da polícia e com grandes perseguições aos ortodoxos

organizadas pelos monges fanáticos adeptos do monofisismo. Salvos por um triz, os legados

levaram ao papa os protestos indignados dos que defendiam a fé ortodoxa. Leão I, sem hesitar,

ordenou a realização de um novo concílio. “Este certamente não teria se realizado se, por sorte,

Teodósio II não tivesse morrido nessa ocasião, e se sua irmã Pulquéria não tivesse assumido o poder

com seu marido Marciano. Subitamente, todos os ambiciosos e todos os intrigantes sentiram

declinar sua fé na natureza única...”48.

O Concílio a princípio fora convocado para Niceia, mas por decisão do Imperador Marciano

foi transferido para Calcedônia, nas imediações de Constantinopla, sendo solenemente aberto a 8 de

Outubro de 451 na Igreja de Santa Eufêmia, com a presença de mais de seiscentos bispos, em sua

grande maioria orientais49, sob a presidência do bispo Pascasino, chefe da delegação papal. Este

procedeu à leitura da “epístola dogmática” do Papa Leão I que, segundo consta nas atas, foi

aclamada pelos Padres conciliares: “Pedro falou pela boca de Leão”. Deste modo as teses

48 ROPS, J-D., A Igreja dos Tempos Bárbaros. São Paulo, p. 158.49 O Concílio de Calcedônia foi o mais concorrido da Antiguidade cristã.

eutiquianas foram condenadas e Dióscoro, posto em acusação por Pascasino, foi desposto por

unanimidade, bem como Juvenal de Jerusalém e outros bispos de tendência monofisita.

Os comissários imperiais propuseram que fosse aberto o debate sobre questões doutrinais a

fim de compor uma nova fórmula de fé. Isso causou uma certa perplexidade, visto que o próprio

Papa solicitara que não se tocasse nessas questões, pois, o Concílio de Éfeso de 431 proibira o uso

de outra fórmula que não fosse a de Niceia (325) e por haverem muitos pareceres discordantes sobre

a matéria na magna assembleia. Todavia, diante das insistências dos comissários, procedeu-se à

leitura de documentos referentes às controvérsias cristológicas: os textos de São Cirilo e o Tomus

ad Flavianum de Leão. Após alguns dias de discussões, foram confirmados solenemente os

Símbolos de Niceia em conjunto com o de Constantinopla50, as cartas de Cirilo a nestório e a João

de Antioquia e o Tomus do Papa Leão I. Chegou-se, então, a aprovação de uma nova fórmula cuja

base era o “Ato de União” de Cirilo e João de Antioquia e a Epístola leonina. Nas sessões seguintes

foram reabilitados Teodoreto de Ciro e Ibas de Edessa, condenados e perseguidos por Dióscoro.

Com o encerramento do Concílio e a partida dos legados papais e de outros bispos, alguns

clérigos de Constantinopla fizeram votar o cânon 28, que fazia da Sé de Constantinopla com os

mesmos direitos da Sé Romana, dando-lhe jurisdição sobre todas as Igrejas do Oriente. Isso

causaria uma grande repercussão negativa em toda a Igreja, tornando-se um dos principais motivos

para as cisões que ocorreriam futuramente51.

Dois séculos depois, buscando reconciliar-se com os monofisitas, o patriarca Sérgio de

Constantinopla (610-638) propôs as teses do monenergismo e do monotelismo, que não era mais

que uma nova edição do monofisismo heterodoxo. Refutado por Sofrônio, patriarca de Jerusalém,

ambos apelaram ao Papa Honório I, que, pouco preparado para enfrentar as sutilezas da teologia

bizantina, não entendera a questão, considerando um mero problema de linguagem e dando resposta

evasivas que poderiam ser mal interpretadas e usadas pelos dissidentes. Após décadas de discussões

acirradas, diante do impasse, o Imperador Constantino IV propôs ao Papa Agatão a realização de

um concílio ecumênico. Este consentiu e após a realização de vários sínodos dos bispos ocidentais,

foi redigido uma profissão de fé da Igreja latina que foi enviada ao Concilio de Constantinopla III

(680-681)52.

Este Concílio pôs fim aos debates cristológicos, estabelecendo a fórmula de Calcedônia

indiscutível: em Cristo há um só pessoa (divina) e duas naturezas completas.

50 A partir de então se estabeleceu o Simbolo Niceno-Constantinopolitano que a partir do século VI passou a ser cantado em todas as liturgias dominicais das Igrejas do Oriente. Nas Igrejas ocidentais seria introduzido mais tarde.

51 O Papa Leão I protestará contra este cânon e não será aceito em no Ocidente por toda a Idade Média. Ele será o início de um longo processo que separará da Sé de Roma a Igreja de Constantinopla, que carregará consigo toda a Igreja grega, incluso os patriarcados de Jerusalém e Antioquia, formando a Igreja Ortodoxa grega separada da Igreja Católica Romana.

52 O Concílio de Constantinopla II se reuniu em 553, mas teve pouca importância cristológica.

VI. As consequências históricas

A condenação das teses nestorianas pelo Concílio de Éfeso (431) levou à ruptura dos

cristãos sírio-orientais do Império Sassânida (persa), que seguiam a escola antioquena - ainda que

não adotassem as teses heterodoxas de Nestório - por lhes parecerem um tanto apolinarista a

fórmula cirílico-efesita. Isso contribuiu para que muitos nestorianos bizantinos emigrassem para as

regiões da Pérsia.

Desde o século IV, a Igreja persa – que se autodenominava de “Igreja do Oriente” -

mantinha uma certa autonomia, tendo a sua frente o arcebispado de Ctesifonte-Selêucia53,

localizado ao sul da Mesopotâmia, na confluência dos rios Tigre e Eufrates. Num concílio realizado

em 410, ela declara (ou confirma) formalmente sua autonomia da “Igreja do Ocidente”, isto é, da Sé

arquiepiscopal de Antioquia, da qual era teoricamente dependente, e introduz os cânones do

Concílio de Niceia (325). Nessa mesma ocasião, o arcebispo de Ctesifonte-Selêucia se intitula

“catholicôs”54, fazendo-se, desse modo, chefe da Igreja do Oriente. No concílio de 422, a então

Igreja Assíria do Oriente declara definitivamente sua independência da Igreja de Antioquia e mais

tarde, em 486, rompe a comunhão eclesiástica por não reconhecer as definições do Concílio de

Éfeso55, ocasião em que seu chefe assume o título de “catholicôs-patriarca”. Sem dúvida, causas

políticas tiveram um grande peso nesse cisma, visto que a Igreja sírio-oriental pertencia a um outro

Estado rival do Império romano-oriental (bizantino).

Com o fechamento da escola de Edessa, considerada foco de doutrina nestoriana, seus

teólogos e filósofos se transferem para Nísibis, em território persa. Daí por diante, a Igreja Assíria

do Oriente tem um grande desenvolvimento, seus missionários a expandem desde a Armênia até a

Índia e a China, convertendo muitos curdos e outras tantas tribos mongólicas. Com eles, um grande

patrimônio do pensamento helênico, sobretudo a filosofia aristotélica, com obras em grego e em

siríaco, são conservadas e ensinadas a outros povos, continuando a obra de Alexandre Magno na

disseminação do helenismo em toda a Ásia central. A princípio, os cristãos persas terão forte

prestígio na corte sassânida, mas posteriormente, sofrerão inúmeras perseguições, motivadas pela

influência que pouco a pouco exercerão os jacobitas56. Isso contribuirá para que os cristãos assírios

apoiem os árabes durante a expansão islâmica na Mesopotâmia e na Pérsia. No período do califado

abássida57, a Igreja Assíria do Oriente será a grande responsável pela transmissão da filosofia

aristotélica ao mundo árabe. Nesse período, a sede patriarcal será transferida para Bagdá58.

53 Na ocasião, capital dos sassânidas.54 “Catholicôs”, do grego kathólikos, “universal”, “geral”, “supremo”.55 Por esse motivo, a Igreja Assíria do Oriente é até nossos dias erroneamente tratada de “Igreja nestoriana”.56 Cristãos sírio-antioquenos (ocidentais) não-calcedonenses ou monofisitas ortodoxos (miafisitas).57 Dinastia islâmico-pérsica do século IX ao XIII com sede em Bagdá. Período áureo da civilização islâmica.58 No século XV-XVI, uma grande parte dos fieis e da hierarquia da Igreja Assíria do Oriente retornarão à plena

comunhão com a Igreja de Roma, criando a Igreja Católica de rito sírio-caldaico com seu próprio patriarca em Bagdá em plena comunhão com a Sé romana.

Em 543, foi eleito Jacó Baradai para bispo de Edessa, de tendência anti-calcedonense, ou

seja, monofisita ortodoxo (não eutiquiano). Preocupado com os fieis monofisitas que estavam

desprovidos de pastores, conseguiu da Imperatriz Teodora a possibilidade de ordenar padres e

bispos59, criando assim, uma hierarquia monofisita sírio-antioquena (ocidental) sob sua direção.

Embora não fosse sua intenção inicial, com o passar do tempo se constituiu em uma Igreja

patriarcal cismática (antioquena), a Igreja Ortodoxa Síria, chamada vulgarmente de Igreja jacobita

(miafisita). Esta Igreja teve uma grande expansão missionária em todo o Oriente Médio. Teve

muitos teólogos e sábios de renome, tais como Severo de Antioquia, Juliano de Halicarnasso,

Filoxeno de Mabug e Sérgio de Rechaina, que foi um grande médico e um marco entre a ciência

grega e a civilização islâmica. Os jacobitas foram os responsáveis pela transmissão da filosofia

platônica aos filósofos árabes e lutariam ao lado dos muçulmanos quando estes ocuparam as

províncias sírias do Império Bizantino60.

Impossibilitados de participarem do Concílio de Calcedônia por causa das batalhas contra os

persas, os armênios tomaram o partido anti-calcedonense por terem entendido este como pró-

nestoriano e sobretudo por razão do cânon 2861, que constituía o arcebispado de Constantinopla

como a primeira Sé de jurisdição sobre toda a Igreja greco-oriental, com os mesmos direitos do

Papa da velha Roma. Isso era visto como um meio de centralização do poder imperial que se usava

das estruturas eclesiásticas para promover a helenização forçada de todas as províncias do Império

que tinham outras culturas. Nos concílios de Vagharshapat (491) e de Dvin (527), armênios e

georgianos confirmam sua rejeição pelo Concílio de Calcedônia e se separam da Igreja Universal,

instituindo, no século VI, seus próprios arcebispos-catholicôs62.

59 Ordenou ao todo 27 bispos e muitos padres.60 Durante as Cruzadas uma parte dos fieis jacobitas reatariam a plena comunhão com a Igreja romana com sua própria

hierarquia. No século XVII, seriam constituídos pelo Papa em patriarcado próprio, católicos de rito sírio-antioqueno.61 A antiga organização hierárquica da Igreja agrupava as Igrejas locais ou bispados em províncias tendo a frente uma

Igreja metropolitana cujo bispo detinha o título de metropolita e tinha o poder de vigilância sobre os bispos e as Igrejas de sua província. Roma, Alexandria e Antioquia, por serem Igrejas dos grandes centros urbanos do Império, pela sua origem apostólica e centro espiritual e mãe das demais, detinham uma grande preeminência, cabendo ao bispo de Roma, por ser o sucessor de Pedro, a primazia universal. No Concílio de Niceia, cânon 6, reconhecia a essas três Igrejas, na referida ordem, plenos poderes jurídicos acima dos metropolitas de suas respectivas regiões (Ocidente, Egito e Síria), adotando o título da arcebispos. No cânon 3 do Concílio de Constantinopla (381), o bispo da capital imperial, então sufragâneo do metropolita de Heracleia, é feito arcebispo, tendo o segundo lugar depois do de Roma. Reconheceu-se também o título ao bispo de Jerusalém, sufragâneo do arcebispo de Cesareia da Palestina. Éfeso, Capadócia, Ctesifonte-Selêucia, Sevilha e outras vão assumindo também o título arquiepiscopal. É somente no século sexto que se cunha o título de “patriarca” e “catholicôs” em substituição do de arcebispo, que tendeu a ser quase sinônimo de metropolita. Ao bispo de Roma reservou-se o título de Papa, antes comum aos demais bispos.

62 Foi nessa ocasião que os armênios se apropriaram de uma lenda siríaca do século IV que atribuía aos discípulos Addaí e Mari a evangelização do reino nabateu de Edessa. Segundo a versão armênia, Addaí, erroneamente identificado com o apóstolo Tadeu, teria evangelizado os armênios. Desse modo, atribuía-se uma origem apostólica da Igreja armênia, justificando o cisma. Historicamente, registra-se a presença cristã na Armênia desde o século II, certamente sob o impulso da dinastia edessana. Somente no século IV se daria a definitiva instalação do cristianismo na Armênia por ação conjunta do Rei Tidart III e de São Gregorio, o Iluminador, de origem persa, que foi o primeiro bispo da Armênia, então dependente do arcebispado de Cesareia da Capadócia. Não muito tempo depois, a Igreja Ortodoxa Georgiana retomará a plena comunhão com a Igreja Bizantina. Na Idade Média, a Igreja Armênia buscará diversas reconciliar-se à Igreja Grega e a Romana, pondo fim ao cisma, porém sempre de duração efêmera. Na época das Cruzadas, uma parte dos armênios da Cilicia voltarão à plena comunhão com a Igreja de Roma, efetivada

A questão no Egito será mais grave, visto que os dois partidos se sucederão na Sé de

Alexandria até 536 com Teodósio I, quando este é deposto pelo Imperador e substituído por Paulo I,

que iniciará a linha sucessória dos patriarcas greco-ortodoxos de Alexandria, enquanto que Teodósio

permanece até a morte (567) reconhecido pelos não-calcedonenses (monofisitas ortodoxos ou

miafisitas) que elegerão um sucessor dando início à linha sucessória do patriarcado cismático da

Igreja copta63. Esta terá também uma expansão para a Etiópia e Eritreia, que constituirão Igrejas

nacionais oficiais do Estado e no século XX se constituirão em patriarcados próprios64. Porém, ao

contrário das outras Igrejas, os coptas do Egito tenderão a ser uma Igreja minoritária e quase

desaparecerá sob a pressão dos muçulmanos, tendo pouca importância histórica.

Durante os séculos VII e VIII, os cristãos libaneses que viviam sob a orientação espiritual

dos monges maronitas65, permaneceram afastados de todas as discussões cristológicas, mantendo

certa reserva para com todos os outros grupos, parecendo terem adotado de boa fé o monotelismo

por um certo tempo. Esse distanciamento e autonomia fez que se constituíssem em uma Igreja

patriarcal própria que na época das cruzadas, mais precisamente nos século XII, reatariam a sua

comunhão com a Igreja de Roma.

VII. Diálogo teológico e superação das divergências cristológicas

Como foi demonstrado, não há uma diferença essencial entre o monofisismo ortodoxo

(miafisismo) e a doutrina de Calcedônia, que se reduzem a problemas de formulação e ajustamento

de alguns conceitos. Isso levou a uma série de diálogos teológicos no decorrer dos tempos na

tentativa de superar as divergências doutrinais e por fim aos cismas. A Igreja Armênia foi a que tem

procurado, desde a Idade Média, essa reconciliação com a Igreja Grega e a Igreja Romana. Em sua

Carta Universal dirigida a todos os fieis armênios, o Catholicôs Nersês Shnorhali propõe uma

confissão de fé66, da qual extraímos o seguinte trecho:

Nos últimos tempos, após o alegre anúncio do Arcanjo Gabriel, Ele desceu ao útero de Maria e,

tendo tomado corpo, alma e mente a partir da natureza dela, realizou uma nova e inefável união

com Sua divindade. Após o desenvolvimento no útero por nove meses como uma criança, Ele

mais tarde em 1445 no Concílio de Florença. No século XVIII, o Papa Bento XIV reconhece a instituição do Patriarca-Catholicôs dos católicos de rito armênio.

63 Do árabe, al copta, corruptela do grego aegipiticós, “egípcio”, são os cristãos miafisitas que adotam a velha língua egípcia e tradições nativas em oposição à cultura helênica vertendo a esta língua os textos litúrgicos e patrísticos. Colaborarão com os árabes contra os bizantinos por ocasião da expansão islâmica. O cisma entre eles também teve forte influência política por ser uma região tradicionalmente separatista e ciosa de sua autonomia frente à corte imperial de Constantinopla. Também entre eles haverá um grupo que se unirá a Roma, constituindo os coptas católicos com seu próprio patriarcado. Quanto aos greco-ortodoxos de Alexandria e os greco-antioquenos ortodoxos, terão uma parte que se reunirão à Igreja Romana no século XVIII, constituindo a Igreja greco-melquita católica com seu patriarcado em comunhão com a Sé Romana.

64 Que também terão um ramo unido a Igreja Católica Romana.65 Monges que seguiam as regras e instituições de São Maron e habitavam as regiões montanhosas do Líbano.66 Confissão de fé consiste num documento escrito contendo uma síntese dos artigos fundamentais da doutrina cristã.

nasceu perfeito Deus e perfeito Ser Humano, com essência não confundida e união indivisível,

um Cristo, e sua única Pessoa unida a partir de duas naturezas67.

Na segunda metade do século XX, um diálogo teológico interconfessional entre as diversas

Igrejas dos três blocos, calcedonense (católica e ortodoxa), miafisita (coptas, sírios e armênios) e a

Igreja Assíria do Oriente, vem buscando fórmulas comuns que professem o essencial de sua fé

cristológica. As Igrejas miafisitas, procurando responder às acusações de eutiquianismo,

propuseram a seguinte fórmula, assinada pelo catholicôs armênio e pelos patriarcas sírio-ortodoxo e

copta:

Cremos que Nosso Senhor Jesus Cristo, o Verbo, Filho de Deus, veio na Sua própria pessoa. Ele

não assumiu uma pessoa humana, mas Ele Próprio por união hipostática68 tomou plena e

perfeitamente a natureza humana, corpo e alma racional, sem pecado, da Virgem Maria, através

do Espírito Santo. Ele constituiu sua própria humanidade numa natureza encarnada e uma

encarnada hipostasia com sua Divindade no exato momento da encarnação através da verdade

natural da união hipostática. Sua Divindade não se separou da sua Humanidade nem por um

momento, nem por um piscar de olhos. Esta união é superior à descrição e percepção. Quando

falamos de “uma natureza encarnada do Verbo de Deus” não queremos dizer Sua Divindade

em separado ou Sua Humanidade em separado, isto é, uma única natureza, mas falamos de uma

união divina-humana natural em Cristo sem mutação, sem mistura, sem confusão, sem divisão e

sem separação. As propriedades de cada natureza não mudam nem são destruídas por causa da

sua união, as naturezas se distinguem uma da outra exclusivamente em pensamento.

No quadro abaixo, exporemos duas declarações conjuntas entre a Igreja Católica e as Igrejas

Copta e Sírio-Orotodxa (jacobita). A primeira, foi assinada em 1973 pelo Papa Paulo VI e pelo

Patriarca copta Shenouda III, por ocasião de sua visita ao Vaticano; e a segunda, pelo Papa João

Paulo II e o Patriarca sírio-ortodoxo Zakka Iwas I, em 1986, também em visita ao Vaticano:

Confessamos que nosso Senhor e Deus, Salvador e Rei de todos nós, Jesus Cristo, o Verbo incarnado, é perfeito na sua divindade e perfeito na sua humanidade. Ele fez da sua humanidade e da sua divindade uma só coisa; esta união é real, perfeita, sem mistura, sem interferência, sem confusão, sem alteração, sem separação. A sua divindade não foi separada da sua humanidade em nenhum momento, nem pelo tempo de um piscar de olhos. Ao mesmo tempo condenamos com o anátema as doutrinas de Nestório e de Eutiquio. (Paulo VI e Shenouda III)

Queremos reafirmar solenemente nossa profissão de fé na incarnação de nosso Senhor Jesus Cristo, tal como a declararam em 1971 o Papa Paulo VI e o Patriarca Moran Mar Ignatius Jacoub III. Negaram que exista uma diferença na fé que eles professam no mistério de Verbo de Deus feito carne e realmente homem. Por nossa vez, confessamos que Ele se incarnou por nós, tomando para si um corpo real com uma alma racional. Compartilhou em tudo a nossa humanidade, exceto o pecado […] Nele estão unidas de maneira real, perfeita, indivisível e inseparável a humanidade e a Divindade, e todas as propriedades de uma e outra nele estão presentes e atuantes. (João Paulo II e Zakka Iwas I)

67 O grifo e nosso.68 União das duas naturezas, humana e divina, na única Pessoa de Jesus Cristo (nota do tradutor).

Conclusão

As querelas teológicas que agitaram as Igrejas na antiguidade cristã se deram sobretudo pela

elasticidade dos conceitos filosóficos que não estavam definidos, podendo ter mais de uma

interpretação, mesmo que opostas entre si. Todavia, essas controvérsias tiveram importante função

na história da filosofia por ter definido conceitos como de “natureza” e “pessoa”, ainda não claros

na filosofia clássica.

Com as divisões eclesiásticas e o consequente surgimento de Igrejas separadas de Bizâncio

contribuiu para a formação de uma reflexão filosófica em língua siríaca, que usava o platonismo e o

aristotelismo em termos cristãos, formando um patrimônio greco-siríaco que estaria na base da

formação da falsafa, isto é, a filosofia em língua árabe desenvolvida na civilização islâmica e que

séculos mais tarde seria vertida ao latim e penetraria no Ocidente cristão contribuindo para os

fundamentos da modernidade.

Questões sociais e políticas tiveram grande peso nesses debates em que determinadas

doutrinas era assumida como um símbolo nacionalista ou étnico contra o imperialismo bizantino,

onde os interesses cristãos pouco contava, levando às grandes divisões que ainda hoje não foram

completamente superadas, embora as questões teológicas foram reconhecidas como

desentendimento de linguagem.

As massas sírio-cristãs, quer jacobitas, quer persas, por afinidade racial, por rejeição à

helenização forçada imposta pelo Estado bizantino, receberam os árabes muçulmanos contribuindo

para o estabelecimento do Império Islâmico, tanto polítoco, como intelectualmente, e, desse modo,

concorreram indiretamente para que Bizâncio se convertesse cada vez mais em uma nação grega,

preparando as bases do que seria a Grécia moderna.

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