Controle social e militância,

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Controle social e militância, os alicerces desta construção Nº 39 Novembro de 2005 Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ 21040-361 www.ensp.fiocruz.br/radis NESTA EDIÇÃO MP da Saúde Procuradores e promotores em Palmas reafirmam papel histórico de defesa do SUS Controle social e militância, os alicerces desta construção

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Controle social e militância,os alicerces desta construção

Nº 39 � Novembro de 2005

Av. Brasil, 4.036/515, ManguinhosRio de Janeiro, RJ � 21040-361

www.ensp.f iocruz.br/radis

NESTA EDIÇÃO

MP da Saúde

Procuradorese promotores emPalmas reafirmam

papel histórico dedefesa do SUS

Controle social e militância,os alicerces desta construção

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Pacto pordemocratização

e qualidadeA

partir das propostas aprovadas no Eixo de Comunicação e Informação emSaúde da 12ª Conferência Nacional de Saúde, em 2003, o Conselho Naci-

onal de Saúde marcou para 8 e 9 de dezembro de 2005 em Brasília um impor-tante encontro: o Seminário Nacional de Comunicação, Informação eInformática em Saúde: Pacto pela Democratização e Qualidade da Comuni-cação e Informação em Saúde. Seminários regionais preparatórios vêm de-batendo desde agosto problemas centrais e mudanças necessárias nas polí-ticas públicas da área.

O objetivo é estimular a formação de comissões de comunicação e infor-mação nos conselhos estaduais e municipais e consolidar o Cadastro Nacionalde Conselhos de Saúde, de olho na meta maior: o controle social.

A vice-diretora de Ensino do Centro de Informação Científica e Tecnológica(Cict/Fiocruz), Janine Miranda Cardoso, que participa dos seminários regio-nais também como representante do Grupo de Trabalho de Comunicação emSaúde da Abrasco, acha que os encontros têm cumprido o importante papelde tornar permanente a discussão sobre comunicação em saúde, criando

vínculos concretos entre áreas epessoas. “Os problemas do setor es-tão identificados, falta avançar paraalém do diagnóstico”, diz. Para ela,as etapas regionais e a nacional, emdezembro, não estão substituindo a1ª Conferência Nacional de Informação,Comunicação e Educação Popular em

Saúde, que ainda não

tem data prevista.“É mais uma linha de amadurecimen-to para a conferência.”

O debate ressuscitou porque foireativada, no CNS, a Comissão Inter-setorial de Comunicação e Informa-ção em Saúde, composta por GeusaDantas Lelis (CNS- FNE/Fentas), MariaThereza Rezende (CNS-CFF/Fentas),Maria Helena Baumgarten (CNS-Contag); Ilara Hammerli (Conass), Ge-raldo Adão Santos (CNS-Cobap),Alessandra Ximenes da Silva (SE/CNS).Mais informaçõesTel. (61) 3315-2150/2151Fax (61) 3315-2414/2472E-mail [email protected] www.conselho.saude.gov.br

CNS e MS definirão estratégiaspara maior visibilidade do SUS;

reforçar a democratização da in-formação e da comunicação; ga-rantir, nas três esferas, compatibi-lização, interface e modernizaçãodos sistemas de informação doSUS; viabilizar a rede de informa-ção e de comunicação em saú-de; realizar em 2005 a 1ª Confe-rência Nacional de Informação,Comunicação e Educação Popu-lar em Saúde; definir recursospara o Cartão Nacional de Saúdeem todo o país.

C.P.

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Tupã ou AnhangáComunicação e Saúde

• Pacto por democratização e qualidade 2

Editorial

• Tupã ou Anhangá 3

Cartum 3

Cartas 4

Súmula 5

Toques da Redação 7

6º Congresso Brasileiro de Bioética

• Novas lutas e a militância de sempre 8

Saúde indígena

• Segurança alimentar paraos curumins 11

Debates na Ensp/Fiocruz — Violênciae saúde

• A arma torna visível o invisível 12

2º Encontro Nacional do MinistérioPúblico em Defesa da Saúde

• Palmas para a luta do MP! 14

Serviço 18

Pós-Tudo

• BR-163: dias piores virão? 19

No Brasil de décadas atrás, quemnegasse água, mesmo a estranhos,

rezava a tradição, “morreria seco”. Aqui— onde 80% das doenças decorrem defalta de água tratada —, ou na Bolívia —onde a água que falta à população deCochabamba é vendida a uma empresabelga —, assim como no resto do mun-do — onde 12 milhões de pessoas mor-rem anualmente por falta de água po-tável, conforme dados da OMS — acrescente privatização da água porcorporações dos países mais ricos domundo é uma urgente discussão ética.

As questões ambientais, como oacesso à água, e as sociais prevalece-ram nos debates do 6º Congresso Bra-sileiro de Bioética. Um encontro demuitas dúvidas: como controlar o po-der das tecnologias? Como substituir aidéia do domínio pela do cuidado coma natureza? E certezas: boa parte daliteratura mundial e dos filmes deHollywood ensinam a temer a florestae o que vem da natureza; a bioéticabusca harmonia entre o homem e anatureza; devemos optar por princípi-os éticos baseados na solidariedade;cidadania e democracia precisam seraperfeiçoadas; a sociedade tem que serprotagonista na discussão sobre pes-quisas com células-tronco.

O governo encaminhou projetode lei para criar o esperado ConselhoNacional de Bioética e anunciou ummilhão de reais para pesquisas embioética, mas não deixou de ser cri-ticado por decisões da CTNBio e re-

editorial

Nº 39 — Novembro de 2005

Cartum

Capa e Ilustrações Aristides Dutra (A.D.)e Cassiano Pinheiro (C.P.)

Agradecimentos a Luiz Antonio Romão

latórios da Embrapa sobre organis-mos geneticamente modificados. AMonsanto foi lembrada pelo mau exem-plo do “algodão-veneno”, transgênicodesenvolvido pela multinacional cujastoxinas teriam causado manchas nospulmões e cistos nos ovários de ca-mundongos em testes, o que reforçaa necessidade do respeito aos princí-pios da precaução.

Nas demais matérias desta edição,outros dilemas. Integrantes do Minis-tério Público debatem sobre comomelhor contribuir para a saúde cole-tiva e a construção do Sistema Únicode Saúde. Pesquisadores da saúde ana-lisam as relações da violência com desi-gualdade social, gênero, armas de fogo,impunidade, urbanização e educação.Artigo da seção Pós-Tudo denuncia ascausas da destruição da floresta ama-zônica, na rota da BR-163.

Ao relatar a criação de um sis-tema de segurança alimentar paraevitar novas mortes de índios por des-nutrição, nosso repórter cita inter-pretação de lendas indígenas que con-ferem bondade ao deus Tupã e apersonificação do mal ao espíritoAnhangá. Maniqueísmos à parte, hásempre princípios e valores a norteara ação humana. Diferentes interessese éticas conformam esses valores. Cabeà sociedade fazer suas escolhas.

Rogério Lannes RochaCoordenador do RADIS

A.D./C.P.

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CARTAS

RADIS é uma publicação impressa e onlineda Fundação Oswaldo Cruz, editada peloPrograma RADIS (Reunião, Análise eDifusão de Informação sobre Saúde),da Escola Nacional de Saúde PúblicaSergio Arouca (Ensp).

Periodicidade mensalTiragem 44 mil exemplaresAssinatura grátis

(sujeita à ampliação do cadastro)

Presidente da Fiocruz Paulo BussDiretor da Ensp Antônio Ivo de Carvalho

PROGRAMA RADISCoordenação Rogério Lannes RochaSubcoordenação Justa Helena Franco

Edição Marinilda CarvalhoReportagem Katia Machado (subeditora),

Claudia Rabelo Lopes, WagnerVasconcelos (Brasília/Direb) e ThiagoVieira (estágio supervisionado)

Arte Aristides Dutra (subeditor) eCassiano Pinheiro (estágiosupervisionado)

Documentação Jorge Ricardo Pereira,Laïs Tavares e Sandra Suzano

Secretaria e Administração OnésimoGouvêa, Fábio Renato Lucas,Cícero Carneiro e Mario Cesar G.F. Júnior (estágio supervisionado)

Informática Osvaldo José Filho e GeisaMichelle (estágio supervisionado)

EndereçoAv. Brasil, 4.036, sala 515 — ManguinhosRio de Janeiro / RJ — CEP 21040-361Tel. (21) 3882-9118Fax (21) 3882-9119

E-Mail [email protected] www.ensp.fiocruz.br/radisImpressãoEdiouro Gráfica e Editora SA

USO DA INFORMAÇÃO — O conteúdo da revista Radispode ser livremente utilizado e reproduzido em qual-quer meio de comunicação impresso, radiofônico,televisivo e eletrônico, desde que acompanhado doscréditos gerais e da assinatura dos jornalistas respon-

sáveis pelas matérias reproduzidas. Solicitamos aosveículos que reproduzirem ou citarem conteúdo denossas publicações que enviem para o Radis um exem-plar da publicação em que a menção ocorre, as refe-rências da reprodução ou a URL da Web.

maior número de pessoas. Pois do modoque me sinto realizado em ter sempreem mãos este conhecimento outros oconsiderarão também.• Noé Fontenele, Piracuruca, PI

Prezado Noé, o Programa RADIS con-sidera sua preocupação justíssima.Ocorre que o recadastramento de as-sinantes feito recentemente possibi-litou redução considerável nas despe-sas de envio, já que eliminou centenasde devoluções por mudança de ende-reço — e esta “limpeza” cobriu de so-bra o custo da impressão em cores. Apar disso, o RADIS vem aumentando atiragem da revista seguidamente: de42 mil exemplares em 2003, chegamosa 43 mil em 2004 e já estamos nos 44mil mensais, para 42.400 assinantes —sem fila de espera para o cadastro.

Quero parabenizar a equipe pelanova edição em cores! E desejar

muito sucesso nas que virão!• Micheline Gomes da Silva, assisten-te social sanitarista, consultora daUnesco, Jaboatão dos Guararapes, PE

Parabéns, parabéns e novamenteparabéns por esta maravilhosa re-

vista. Sou enfermeira do Hospital Geralde Bonsucesso, no Rio, já a divulguei atoda a equipe e é um grande sucessonos plantões. Agora, colorida, nossa!,ninguém segura vocês. Desejo que Deusos abençoe sempre e que estas repor-tagens voem muito alto. Carinhos.• Conceição de Fátima Ferreira, Riode Janeiro

Sou estudante de Enfermagem do4º ano, e considero a Radis um ins-

trumento de pesquisa para conhecera saúde do país e entender melhor oque é a saúde pública — objeto demeu interesse futuro. Recomendei arevista aos colegas. Parabéns a todospela nova formatação. Como é bom co-nhecer e entender o Brasil em cores!• Norma Isabel Franke, Taubaté, SP

ANANINDEUA É MAIOR

Agradeço à equipe Radis pelorecebimento da edição de agos-

to, com a ótima reportagem do Pro-jeto Saúde & Alegria, acompanhado

PROBLEMAS MUNICIPAIS

Quero parabenizar a revista Radis,por ser imensa fonte de conhe-

cimento. Também venho denunciarmais uma vez as manipulações do go-verno municipal de Betim em relaçãoao Conselho Municipal de Saúde e àConferência de Saúde em Betim, MG.

Há manobras inacreditáveis,como oferecimento de emprego paraque conselheiros locais de saúde dacategoria usuários abandonem seuscargos logo após as eleições realiza-das em todas as regionais na cidade.Há várias denúncias no Ministério Pú-blico sobre irregularidades no CMS,e a gota d’água foi o sumiço de váriaspáginas do Livro de Atas, que foramarrancadas. Há limitação do númerode participantes nas ConferênciasRegionais de Saúde, como ocorreu naConferência Municipal em setembro.

A Radis bem que poderia fazer umamatéria sobre esses acontecimentos.O caso é de polícia, e intervenção!• Alex Bezerra, Betim, MG

LOGOMARCA DO SUS

Achei interessante a publicaçãosobre o símbolo do SUS na edi-

ção 35, de julho. Queria saber ascores ou como devo pintá-lo.• Emilio Carlos Coutinho, Aimorés, MG

Prezado leitor, o ABC do SUS, ma-nual com as especificações da mar-ca, está em nosso site para download(www.ensp. fiocruz.br/radis/web.html).

PARABÉNS (PARCIAL) PELA COR

Foi com a satisfação de sempre querecebi minha revista nº 36, e ao

retirar da embalagem e começar a lertive uma surpresa prazerosa: a con-quista das cores.

Agora, o motivo do “parcial” dotítulo é justamente quanto aos recur-sos investidos na cor. Na minha opiniãode leitor, acredito que o investimentofeito na cor poderia ser utilizado paraaumentar o número de exemplaresdeste veículo, para que chegasse a um

expediente

C.P.

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pela equipe da Radis pelo Rio Tapajós.Porém, a segunda maior cidade

do Pará é Ananindeua (contígua àcapital), e não Santarém, mais oumenos desde 2003.• G. Brazão, Ananindeua, PA

“TRILEMA” DO SUS

Afirma-se que três problemas em-perram o desempenho dos hospi-

tais: o subfinanciamento do SUS, a bai-xa capacidade gerencial e a insuficien-te qualificação dos recursos humanos.Mas há outro obstáculo a considerarno estrangulamento da assistência: aiatrogênese médica (Illich, 1978). Tal-vez a iatrogênese médica seja sufici-ente para inviabilizar o funcionamentode uma unidade hospitalar que apre-sente ótima performance nas três di-mensões citadas acima.

A palavra iatro em grego significamédico, tratamento; gênese refere-sea origem, estudo. Na prática, a expres-são iatrogênese médica resume asconseqüências maléficas da práticamédica na sociedade. Questiona—sea quantidade de exames solicitados,os medicamentos receitados, consul-tas inóxias, terapias obsoletas, proce-dimentos cirúrgicos questionáveis.

As empresas médicas hospitalaresinvestem alto na rede privada que, emconcorrência com a rede pública, ar-ticula-se para o não-funcionamentodos hospitais públicos. Normalmenteesses profissionais atuam nas duas re-des. Muitos usam pretextualmente o ar-gumento de que os hospitais públicosestão sucateados, que os profissio-nais são mal remunerados, que nãohá gerenciamento, mas, na verdade, pa-decem do mal da iatrogênese médica.

Qual a solução para o problema?Reequipamento dos hospitais, capaci-tação dos recursos humanos, remune-ração adequada para os procedimen-tos do SUS, bem como salários dignospara os profissionais, desde que sejamcomprometidos com a causa públicacom dedicação exclusiva, para que pos-sam retirar os hospitais públicos do caosassistencial em que se encontram.• Nilvio José de Melo, professor, espe-cialista em Gestão de Saúde pela Ensp/Fiocruz, servidor de carreira do SUShá 35 anos, Patos de Minas, MG

A Radis solicita que a correspondên-cia dos leitores para publicação (car-ta, e-mail ou fax) contenha identifi-cação completa do remetente: nome,endereço e telefone. Por questões deespaço, o texto pode ser resumido.

NORMAS PARA CORRESPONDÊNCIA

SÚMULA

MAIS PROTEÇÃO PARA DOENTES DE AIDS

AComissão de Constituição, Justi-ça e Cidadania (CCJ) aprovou no

22/9 substitutivo do senador ArthurVirgílio (PSDB-AM) a projeto de lei dasenadora Serys Slhessarenko (PT-MT)que define os crimes resultantes dediscriminação ao portador do vírus HIVe ao doente de Aids (PLS 51/03). Amatéria recebeu decisão terminativa(que nem precisa ir a plenário), in-formou a Agência Câmara.

O projeto prevê detenção, de 1a 4 anos, e multa para quem recusar,procrastinar, cancelar ou segregar ainscrição ou impedir que permaneçacomo aluno o portador de HIV emcreche ou estabelecimento de ensi-no de qualquer curso ou grau, públi-co ou privado. Na mesma pena incor-re quem negar emprego ou trabalho,exonerar ou demitir de cargo ou em-prego, segregar no ambiente de tra-balho ou escolar, recusar ou retar-dar atendimento de saúde e divulgara condição de portador do HIV ou dedoente de Aids com o intuito de ofen-der-lhe a dignidade.

TESTE DO PEZINHO TERÁ DIA NACIONAL

AComissão de Educação do SenadoFederal aprovou no dia 12 de ou-

tubro a criação do Dia Nacional doTeste do Pezinho, a ser celebrado anu-almente em 6 de junho. Realizado emrecém-nascidos, o teste permite adetecção precoce e o tratamentobem-sucedido de problemas comoa fenilcetonúria, o hipotireoidismocongênito, a fibrose cística e a ane-mia falciforme.

A decisão da comissão teve ca-ráter terminativo, isto é, não precisaser votada em outras instâncias doCongresso Nacional.

CÉLULAS-TRONCO EM SOCORRO

DO FÍGADO

Um estudo iniciado há dois anospela equipe do Laboratório de

Engenharia Tecidual e Imunofarma-cologia do Centro de Pesquisa Gon-çalo Moniz (Fiocruz-BA), que utilizacélulas-tronco de medula óssea notratamento de doenças do fígado,começou a ser implantado em Salva-dor. Com a iniciativa, o Brasil é o pi-oneiro no mundo em transplantescom células-tronco para tratamen-to de doenças hepáticas.

Segundo o coordenador do pro-jeto, Ricardo Ribeiro dos Santos, otransplante de células-tronco não eli-mina a necessidade de transplante dofígado, mas ajudará as centenas de pes-soas que estão à espera de um órgãosadio. “Não é cura, e sim sobrevida”,disse o pesquisador.

Uma das doenças que mais pre-ocupam os pesquisadores é a cirro-se hepática, que provoca a destrui-ção de células do fígado, por vírusou ingestão de álcool, e resulta emlesão irreversível. Os procedimentosserão realizados no Hospital São Rafael,onde cerca de 120 pessoas estão nafila de espera de transplante, para umamédia de 6% a 7% de doadores.

SECRETÁRIO CRITICA AÇÕES JUDICIAIS

PARA REMÉDIOS

Osecretário estadual de Saúde deSão Paulo, Luiz Roberto Barradas

Barata, criticou no artigo “Remédios nadose certa”, publicado no Jornal do

Brasil em 12 de setembro, o descasocom a assistência farmacêutica. Ele lem-brou que a Constituição prevê o direitoà assistência farmacêutica gratuita, masnão há parâmetros para esse direito.

Para o secretário, os medica-mentos distribuídos pelo SUS no Bra-sil são padronizados pelo Ministérioda Saúde, o que significa que existemapeamento das drogas disponíveis,avaliação de eficácia e controle. “Tra-ta-se de um trabalho técnico, de es-pecialistas”. No entanto, como a Cons-tituição se pronuncia apenas emrelação ao direito à assistência farma-cêutica gratuita, cresce o número deações contra municípios, estados eUnião por medicamentos não-padro-nizados, de eficácia duvidosa ou sem

C.P.

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registro da Anvisa. Os juízes expedemliminares ou mandados de segurançapara entrega de medicamentos sequertestados, o que representa sério riscoà saúde pública. Há mandados que de-terminam a entrega em 48 horas, e asecretaria passa o beneficiário da açãona frente dos demais. “Situação injus-ta, no mínimo”.

A secretaria distribuiu, em 2004,seis milhões de medicamentos de altocusto, beneficiando 200 mil pacien-tes de doenças raras e crônicas —investimento de R$ 480 milhões, en-tre recursos estaduais e federais, in-formou o secretário. As ações judici-ais demandaram R$ 48 milhões.Somente no primeiro semestre desteano já foram gastos R$ 86 milhões.

SURTO DE ROTAVÍRUS ASSUSTA AMAZONAS

Agastroenterite, doença causadapelo rotavírus, matou 11 pessoas

em setembro, das quais seis crianças,em Ipixuna, a 1.380 quilômetros deManaus, anunciou a Secretaria de Saú-de do Amazonas. Para combater o sur-to epidêmico na região, a secretariaenviou dois infectologistas do Institu-to de Medicina Tropical de Manaus, umpediatra e 500 quilos de medicamen-tos, de soro a antibióticos, e fraldas.

Duas pessoas morreram menosde 24 horas após a confirmação dadoença. Das seis crianças mortas,quatro eram da etnia culina. Elasmorreram praticamente sem assistên-cia médica devido ao difícil acessoàs aldeias, só possível em seis horasde barco. Além disso, o Rio Juruá,que margeia Ipixuna, enfrenta suamaior seca em 28 anos, o que difi-culta mais ainda o acesso (a estia-gem vem afetando os estados da Ama-zônia, e em certas regiões já foidecretado estado de calamidadepública). O secretário estadual deSaúde, Wilson Alecrim, afirmou queem algumas aldeias os pais não dei-xam que as crianças recebam o soro,complicando o trabalho dos técnicosda Fundação Nacional de Saúde.

Há ainda 17 pessoas internadascom suspeita da doença no hospitaldo município. Os sintomas são perdade apetite, vômito, diarréia e descon-forto abdominal.

Para o secretário de Saúde deIpixuna, Maurício Lima, a seca tornao atendimento à população mais difí-cil. “Temos um aeroporto, mas só háaviões uma vez por semana ou vôosfretados”, contou. Em Ipixuna, ape-nas dois médicos cuidam de uma po-pulação de cerca de 30 mil pessoas.

ESTADO DE EMERGÊNCIA NA ÁFRICA

AÁfrica está perdendo a batalhacontra a tuberculose, alerta a Or-

ganização Mundial de Saúde, que de-clarou estado de emergência no con-tinente, onde meio milhão de pessoasmorrem por ano dessa doença apa-rentemente tão fácil de combater. Onúmero de novos casos de tubercu-lose foi multiplicado por quatro em18 países, desde 1990, e continuacrescendo. Como doença oportunis-ta, é uma das principais causas demorte entre infectados com o vírusda Aids. O crescente índice de aban-dono do tratamento (15%) pelostuberculosos agrava a situação.

A OMS pede que os governos afri-canos reforcem o combate à tuber-culose. O fundo mundial de luta con-tra a Aids, a malária e a tuberculosevem financiando, desde sua criação,há três anos e meio, mais de 300 pro-gramas de combate às três doenças.No período, a OMS destinou US$ 3,1bilhões ao tratamento de 220 mil pes-soas com Aids, 600 mil com tuberculo-se e 1,1 milhão de vítimas da malária.

Mas a OMS calcula em US 2,2 bi-lhões os recursos a mais necessáriosno período 2006- 2007. Em toda a Áfri-ca, 15% das pessoas que recebem as-sistência médica para esse mal aban-donam o tratamento.

A tuberculose mata dois milhões depessoas por ano, e a África, com 11% dapopulação mundial, concentra a quar-ta parte dos tuberculosos: 2,4 milhõesde casos, 540 mil mortes registradaspor ano — e o número pode ser maior,pois a subnotificação é comum.

PRISÃO, DOENÇA E EXCLUSÃO

ASecretaria de Saúde do Estado doRio organizou mutirão com 20 pro-

fissionais de saúde para examinar os1.250 presos amontoados na Polinter,no Centro do Rio de Janeiro. No pri-meiro dia (29/9), dos 100 presos aten-didos 90 tinham sarna, quatro, sus-

peita de tuberculose; dezenas podemestar contaminados pelo HIV. Cincopresos foram transferidos com urgên-cia para o Hospital Central Peniten-ciário, um deles com distúrbios defala: tinha uma bala alojada na cabe-ça. “O trem da sociedade progridequando a gente empurra o último va-gão, que é o do doente mental, queé o do presidiário”, lembrou o pro-curador Humberto Jacques em en-trevista à Radis (nº 26). “Você medeo progresso da sociedade pelo grupovulnerável, pelo mais fraco.”

Segundo uma autoridade policialdo Rio, a entrega de duas casas decustódia, com 260 vagas cada, e de umapenitenciária federal para 800 presosresolverá o problema da superlotaçãono estado. Será? O Brasil segue rapi-damente o caminho americano, demais e mais prisões para mais e maiscriminosos. Nos Estados Unidos, apopulação carcerária vem crescen-do de modo assustador: gira em tor-no de 2 milhões, e 6,6 milhões vivemsob algum controle correcional.

O lingüista e ativista social NoamChomsky diz que o principal pretextopara o encarceramento crescente temsido a “guerra contra as drogas”, o quepara ele tem muito pouco a ver comdrogas, e mais com o controle social(no mau sentido): o objetivo real seriaa eliminação das pessoas “supérfluas”do ponto de vista da geração de lu-cros, pessoas que amedrontam as de-mais (novas palavras para a velha defi-nição de Marx: “As prisões são a lixeirado exército industrial de reserva”).

Chomsky lembra que o absurdochegou a tal ponto que a construçãode prisões hoje é um dos negóciosmais lucrativos dos EUA. Além disso, ogasto com pessoal correcional é omaior nos orçamentos dos estados, aespecialização que mais cresce nas fa-culdades de Direito é a Justiça Penal,e os sindicatos que mais incham sãoos de guardas de prisão.

NOBEL, MELHORES E PIORES

AAgência Internacional de EnergiaAtômica (AIEA) e seu diretor, o ad-

vogado egípcio Mohamed el-Baradei,receberam o Prêmio Nobel da Paz de2005 — concorriam 199 candidatos —“pelos esforços em prevenir que aenergia nuclear seja usada para finsmilitares e para garantir que seja usa-da para fins pacíficos, da forma maissegura possível”. El-Baradei ganhoufama ao esvaziar as pretensões dos EUAde conseguir apoio da ONU à invasãodo Iraque. Seus relatórios sobre a ca-

A.D.

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DIREITOS HUMANOS 1 — Duas notíci-as desalentadoras no boletim (nº 35)do Núcleo de Estudos em Direitos Hu-manos e Saúde da Ensp/Fiocruz:

1) Dados do 5º Indicador Nacio-nal de Alfabetismo Funcional (Inaf)revelam que têm pleno domínio daleitura apenas 26% dos brasileirosentre 15 e 64 anos. Somando os 68%de analfabetos funcionais (que iden-tificam letras e palavras, mas nãoconseguem empregá-las no cotidia-no) e os 7% de analfabetos absolu-tos, temos o assustador índice de75% da população nessa faixa etáriacom deficiência de leitura. Núme-ros praticamente idênticos aos de2001 e 2003.

2) A Organização Internacionaldo Trabalho informou que 2,2 milhõesde pessoas morrem anualmente nomundo de doenças ou acidentes detrabalho — mais de 6 mil mortes pordia. E o cálculo é subestimado: mui-tos países têm notificação deficien-te de acidentes (ver Radis nº 24, pág.21, entretítulo “O trabalhador adul-to abandonado”). O número de víti-mas tem caído em países industriali-zados, mas cresce na Ásia. A OITconstatou o incremento das chama-das “novas doenças do trabalho”:distúrbios psicossociais, violência,alcoolismo, dependência química,estresse, tabagismo. Também a Aidscresce entre os trabalhadores.

DIREITOS HUMANOS 2 — Outra notí-cia do boletim é surpreendente. OBanco Mundial, quem diria, concluiuque enquanto não forem adotadaspolíticas para diminuir desigualda-des e não houver melhor distribui-ção de renda nos países em desen-volvimento (Brasil inclusive), seráimpossível reduzir a pobreza. A avalia-ção contraria empedernidas conclu-sões anteriores do próprio banco,que defendia somente o crescimentoeconômico como forma de comba-te à pobreza. A instituição aprego-ava que a cada 1% de crescimentocorresponderia a redução da inci-dência da pobreza em 2,4 pontos— de fato, o cálculo vale para arenda dos mais ricos. Mas nuncaaconteceu com os pobres.

SÚMULA é produzida a partir do acom-panhamento crítico do que é divulgadona mídia impressa e eletrônica.

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pacidade militar dos iraquianos afirma-ram que nada indicava que Bagdá de-tinha armas de destruição em massa,inclusive nucleares. Foi duramentecriticado pelo governo americano epela imprensa. No ano passado, a AIEApressionou o Brasil para que permitis-se fiscalização da fábrica de enrique-cimento de urânio em Resende (RJ).

O Ig Nobel da Paz, concedido anu-almente por estudantes da Universi-dade de Harvard (EUA) a experimen-tos inúteis, saiu para uma dupla deneurocientistas de Newcastle, no Rei-no Unido, pela seguinte “pesquisa”:um gafanhoto foi exposto a cenas dofilme Guerra nas estrelas, com um ele-trodo testando os neurônios de seusistema visual.

BOICOTE A GENÉRICOS DÁ MULTA

Cinco anos e meio depois, a puni-ção. O Conselho Administrativo de

Defesa Econômica (Cade), do Minis-tério da Justiça, condenou em 14 deoutubro 20 grandes laboratórios farma-cêuticos, a maioria multinacionais, porformação de cartel: em julho de 1999,promoveram reunião para planejar boi-cote aos medicamentos genéricos.

A reunião da indústria farmacêu-tica ocorreu no lançamento dos ge-néricos no mercado. Como são có-pia dos remédios de marca compreços menores, poderiam represen-tar uma perda potencial para ofaturamento de muitos laboratórios.Segundo Rigato, nos Estados Unidos,por exemplo, a chegada dos genéri-cos resultou numa perda anual deUS$ 12 bilhões para os fabricantesde medicamentos de marca.

A ata da reunião veio a público,provocando escândalo e resultando naabertura de processo administrativo daSecretaria de Direito Econômico e daCPI dos Medicamentos, em 1999. Tam-bém foi instaurado processo criminalcontra as empresas, arquivado em 2002pelo então juiz da 4º Vara Criminal deSão Paulo, João Carlos da Rocha Mattos,posteriormente preso por vender sen-tenças. A decisão não foi unânime. Portrês votos a dois, os conselheiros de-cidiram que 19 empresas terão depagar 1% de seu faturamento brutono Brasil em 1998, ano anterior à ins-tauração do processo; o laboratórioJanssen-Cilag levou multa de 2%, porter organizado a reunião.

As empresas multadas: Abbott La-boratórios do Brasil, Ely Lily do Bra-sil, Indústria Química FarmacêuticaSchering Plough, Produtos Roche Quí-mica e Farmacêutica, Pharmacia do

Brasil, Laboratório Biosintética Ltda.,Bristol — Myers Squibb Brasil S/A, AzentisPharma Ltda., Bayer S.A., EurofarmaLaboratórios Ltda, Akzo Nobel, GlaxoWellcome, Merck Sharp Dome Farma-cêutica, Astra Zeneca, Boeringher In-gelheim, Aventis Behring Ltda, Sanofi-Synthelabo Ltda, Wyeth-Whitehall Ltda,e Byk Química Farmacêutica Ltda.

BALANÇO DO FOME ZERO

Na abertura da Semana Mundialda Alimentação (11/10), o ministro

do Desenvolvimento Social e Combate àFome, Patrus Ananias, anunciou os re-sultados do Fome Zero. Desde 2003, ogoverno federal destinou R$ 27 bilhõesàs ações de combate a pobreza que in-tegram o programa. Com o Fome Zero,o Brasil passou a ter a uma política naci-onal de combate à fome, disse. São 31programas e projetos executados porvários órgãos federais, alguns em par-ceria com a sociedade civil. Essa políti-ca engloba produção de alimentos,acesso a alimentação adequada e trans-ferência de renda com geração de tra-balho e melhoria da qualidade de vidada população mais carente.

“O Fome Zero não é apenas umprograma social. É um conjunto depolíticas governamentais e não-gover-namentais para erradicar a fome e adesnutrição”, disse Patrus. “Temosainda muitos desafios, mas já pode-mos dizer que estamos vencendo aluta contra a fome”.

O secretário-geral da Cúpula deChefes de Estado e de Governo Ibero-Americanos, Enrique Iglesias, disse em14/10, na reunião em Salamanca,Espanha, que o projeto Bolsa-Famíliado governo brasileiro é exemplo paraa América Latina. O secretário-geralda ONU, Kofi Annan, disse por sua vezque o “objetivo prioritário do even-to deveria ser a luta contra a pobre-za”. Ele sugeriu aos 22 governos par-ticipantes que insistam no combateà corrupção e no compromisso comas Metas do Milênio e que se ocu-pem dos excluídos.

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6º CONGRESSO BRASILEIRO DE BIOÉTICA

Wagner Vasconcelos

Foz do Iguaçu justifica a classi-ficação do Brasil como “gigantepela própria natureza”. Nessaterra de superlativos, localiza-

da na região da Tríplice Fronteira (Bra-sil, Argentina e Paraguai), na qual as Ca-taratas dão impressionante mostra deexuberância, 800 pessoas se encontra-ram para discutir um assunto depotencialidades não menos gigantes-cas: a bioética. Realizado de 30 de agos-to a 3 de setembro, o 6º Congresso Bra-sileiro de Bioética englobou, ao mesmotempo, o 1º Congresso de Bioética DelMercosur e o Foro de la Redbioética/Unesco. O tema do evento: “Bioética,

meio ambiente e vida humana”.Sediado no Hotel Mabu,

na metade do caminho entreas cataratas e o centro de Fozdo Iguaçu, uma reviravolta cli-mática, provocada pelo ciclo-

ne extratropical que atingiu o Sul dopaís, derrubou as temperaturas esubmeteu os participantes a frio de4 graus ao amanhecer.

Além das 500 intervenções, to-mou posse o novo presidente da So-ciedade Brasileira de Bioética (SBB),José Eduardo de Siqueira, até entãovice de Volnei Garrafa. As boas-vin-das aos participantes e a declaraçãode abertura do Congresso couberama José Eduardo, presidente do even-

Novas lutas e amilitância de sempre

to. Na mesa, entre outros, o secre-tário de Meio Ambiente e RecursosHídricos do Paraná, Luiz EduardoCheida; a diretora do Departamen-to de Ciência e Tecnologia (C&T) doMinistério da Saúde, SuzanneJacob Serruya; o entãopresidente da SBB, Volnei Gar-rafa; a representante da Unes-co no México, Alya Saada; oargentino Salvador DaríoBergel, vice-presidente daSociedade Internacional deBioética, e o presidente daComissão Nacional de Éticaem Pesquisa (Conep) do Ministérioda Saúde, William Saad Hossne.

INVESTIMENTOS, ENFIMNotícia animadora foi trazida por

Suzanne Serruya: até o fim deste anoo ministério lançará edital liberandoR$ 1 milhão para apoio a pesquisas embioética, algo que, segundo ela, ocor-re pela primeira vez.

Volnei Garrafa abordou a questãoda exclusão científica e tecnológica,cujos benefícios deixam de fora trêsquartos da população mundial. Defen-deu a criação do Conselho Nacionalde Bioética, uma das bandeiras de suagestão (ver Radis nº 31), cujo objetivoé promover discussões morais sobreos temas levantados, e não discussõestécnicas. Estas caberiam à ComissãoTécnica Nacional de Biossegurança(CNTBio) e à Conep. No dia 7 de outu-

bro, o presidente Lula encaminhou aoCongresso Nacional o Projeto de Leinº 6.032/05, que cria o conselho.

José Eduardo de Siqueira, disse queo poder da tecnologia hoje é quase

incontrolável. Por isso, propôsuma reflexão crítica por meioda bioética e ressaltou a neces-sidade do controle social. “Atecnociência transformou oconceito de natureza”, afirmou.“O ser humano não é mais meroespectador, mas dominador danatureza e do próprio homem”.

CHANCELA BÍBLICAA conferência de abertura coube

ao secretario Luiz Eduardo Cheida. Elelembrou que, para pagar a Faculdadede Medicina, deu aulas de Ecologia.Percebeu, a partir daí, a relação es-treita entre o que ensinava e o queaprendia, a grande contradição de ohomem dominar a natureza. “O domí-nio do homem sobre a natureza só te-ria sentido se o homem não fizesse par-te da natureza. Mas faz”. Para Cheida,tem-se hoje uma visão segregada da na-tureza, que justifica uma sociedadesegregada, de oportunidades desiguais.

Luiz Eduardo recorreu aos precei-tos bíblicos para mostrar que não é dehoje o domínio sobre a natureza. EmGênesis, disse, Deus teria orientadoAdão e Eva a dominarem a natureza.“Ou seja, a chancela do domínio é bí-blica”, concluiu, argumentando que a

A longa mesa de abertura do tríplice evento: bioética, meio ambiente e vida humana debatidos em dois idiomas

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ULGAÇÃO

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necessidade de diminuir a natureza jáfaz parte do processo educacional doser humano. “Também somos educa-dos a entender a natureza como algo aser temido”. E brincou com es-tórias da literatura mundial edo universo infantil. Começoucitando Chapeuzinho Verme-lho, na qual a floresta, ambi-ente em que vive o Lobo Mau,é associada a um lugar perigo-so. “Quando a criança crescer,vai carregar em seu subcons-ciente o medo da floresta”.

Arrancou muitos risos da platéiaquando deu exemplos da contribuiçãode Hollywood para o temor à nature-za, com filmes como Orca, a baleia as-sassina, Tubarão, Piranhas assassinas(e Piranhas assassinas voadoras),Aracnofobia, e até Os pássaros, con-sagrada obra de Alfred Hitchcock. Efez a platéia gargalhar quando adver-tiu: “Não se espantem se lançaremtambém O beija-flor assassino”.

Retomando o tom sério, afirmouque esse distanciamento da nature-za nos “adestra” a destruí-la, e não aconservá-la. Por fim, defendeu a ne-cessidade de princípios éticos base-ados na solidariedade. “Todas as es-pécies que prosperaram usaram asolidariedade como base, as que nãousaram foram aniquiladas”, afirmou.“Temos de fazer uma releitura doGênesis: em vez de dominar, vamos cui-dar da natureza”.

MILITANTES BIOÉTICOSO segundo dia do evento, marca-

do por frio de 9 graus, começou commesa coordenada por Luiz Eduardo deSiqueira e as participações de VolneiGarrafa e do espanhol Marcelo Paláci-os, da Sociedad Internacional deBioética (Sibi). Volnei falou sobre a pro-teção aos menos favorecidos, que nãodeve ser entendida como paternalismo.Lembrou os períodos em que a Améri-ca Latina esteve “eivada” de regimesditatoriais e as lutas políticas que trou-xeram à tona uma saúde pública e co-letiva. “Nos anos 60, não sabíamos nemo que era promoção à saúde”, lem-brou. E citou a necessidade de novaslutas. “A bioética social, para ser efe-tivada, exige militância”.

Marcelo Palácios iniciou sua ex-planação dizendo que a humanidade éa única empresa pela qual vale a penalutar e que o século 21 é o século dabioética. Ao abordar as pesquisas comcélulas-tronco, disse ser fundamentaltermos em mente que o cidadão é oprotagonista nessas pesquisas.

A mesa-redonda seguinte, “Cida-dania para todos no século 21”, co-

meçou com a apresentação do tema“Ética e sociedade civil”, pela espa-nhola Adela Cortina, da Fundação paraa Ética dos Negócios e das Organiza-

ções (Étnor). Com o fenôme-no da globalização, Adela disseacreditar que a sociedade pre-cisará adotar novas posturas emtermos de cidadania. Nessanova postura, três setores pre-cisam definir bem sua atuação:os poderes político, econômi-co e social. O poder político,afirmou, tem por obrigação fa-

zer justiça. A justiça deve oferecer omínimo para que o cidadão construaseu caminho para a felicidade. “Nãodevemos tornar o cidadão feliz, mas simdar a ele os instrumentos para alcan-çar essa condição”. O poder econô-mico deve estar balizado por sua res-ponsabilidade coorporativa, pois suasações afetam a sociedade, e o socialdeve assumir sua participação nessecontexto. “Somos todos co-responsá-veis na sociedade”, sublinhou Adela.

O palestrante que a sucedeu, Pau-lo Antônio de Carvalho Fortes, da USP,tratou do tema “Cidadania e saúde pú-blica”. Criticou o modelo de atenção àsaúde, que ainda é baseado no hospi-tal, cuja lógica está muito polarizadaentre o início e o fim da vida. Para ele,é necessário haver uma preocupaçãoconstante com problemas cotidianos,que influenciam na qualidade de vidadas pessoas. Também defendeu que osresultados das pesquisas científicasdeixem de ficar restritos aos “mais afor-tunados”, e que as diferenças sociaisnão sejam aceitas sem crítica, comoinevitáveis e toleráveis.

Javier Luna Orosco, do ComitêNacional de Bioética da Bolívia, iniciousua palestra (“Bioética e cidadania naAmérica Latina”) afirmando que abioética é a mais sublime das éticas,pois busca a harmonia entre o homeme a natureza. “Vamos adotar e disse-minar essa nova ética”, pois o grandedesafio do mundo é fazer com que ademocracia seja algo de fato real.

SOLIDARIEDADE CÓSMICAÀs 14h, começou a maratona das

mesas-redondas simultâneas. Na SalaIguaçu, o tema era “Água, bioética evida”. A superintendente de GestãoAmbiental da Itaipu Binacional, ElisabethCarlucci Sbardelini, deu um tom quasezen à sua fala, levantando a pergunta:“Como religar o espírito das águas?”. Paraela, o universo tem propriedades e secomporta como um sistema vivo. A Ter-ra é um organismo vivo.

Elisabeth levantou quatro gran-des questões ecológicas. A primeira

delas, a ecologia ambiental, ressaltan-do a importância de preservarmos es-pécies ameaçadas e renovarmos oequilíbrio do ecossistema.

Sobre a ecologia social, adver-tiu que a injustiça social é uma in-justiça ecológica, e o desenvolvimen-to a ser perseguido não deve serapenas social, mas “sociocósmico”.Na questão chamada de ecologia men-tal, destacou a ética do respeito edo cuidado com os outros seres,além de frisar a necessidade de res-gatarmos os valores universais de uma“solidariedade cósmica”. Por fim, so-bre ecologia integral, disse que o serhumano deve desenvolver uma visãoglobal e holística do mundo.

Moema Viezzer, consultora deeducação ambiental e gênero, tam-bém da Itaipu Binacional, teve comotema “A água e o consumo ético sus-tentado”. Criticou algumas medidasrelativas ao uso das águas, dandocomo exemplo do que está aconte-cendo na Bolívia: a água originada numamontanha de Cochabamba é vendida auma empresa belga, enquanto a pró-pria cidade tem carência de água. Dis-se que o G8 (reunião dos sete paísesmais ricos mais Rússia) está decidido ainvestir na privatização da água, ealertou para o fato de que, apesar de70% do planeta serem formados porágua, menos de 1% desse total é pró-prio para consumo humano.

Disse ser preciso desfazer a cren-ça de que a água é abundante e ines-gotável: 12 milhões de pessoas anual-mente morrem pela falta de água tratadae de saneamento básico. Dados da OMS,apresentados por Moema, indicam que,no Brasil, 80% das doenças são causadaspela falta de água tratada.

Na Sala Atlântico, já separada daPacífico, a mesa-redonda “Bioéticae direito”, lançou luz sobre algunsdos questionamentos mais recorren-tes do momento. O presidente doCongresso, que precisou subs-tituir um dos palestrantes, fa-lou sobre a desconstrução dobiodireito. Advertiu que já éhora de o direito conversarcom outras áreas que lidamcom a bioética — “que não gosta denormas, mas de reflexões”. Apontouas questões da sexualidade e da re-produção humana como temáticasque devem ter sua ética discutida,principalmente diante dos avançostecnológicos.

Pedro Federico Hooft, presidenteda Associação Argentina de Bioética,também falou sobre a articulação en-tre direito e bioética e defendeu umanova forma de jurisdição, que não seja

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Bioéticana pauta

ARadis já tratou várias vezes deBioética. Confira as edições:

• Radis nº 4, nov/2002, p. 17: “Quevalor atribuímos à vida?”;

• Radis nº 17, jan/2004, p. 12: Oplacebo no banco dos réus”;

• Radis nº 21, mai/2004, p. 19: “A ba-tata quente”, entrevista do profes-

sor Luiz Eduardo R. de Carvalho;

• Radis nº 24, ago/2004, p. 32 e 33:“O Brasil deve buscar respostasbioéticas próprias”, entrevista do pro-fessor Volnei Garrafa;

• Radis nº 31, mar/2005, p. 16: “Umavanço, ainda que tardio”; p. 17: “Osbancos de sangue de cordão umbili-cal criam demanda perigosa”, entre-vista de Luiz Amorim, do Hemorio; p.19: “Os limites das certezas”, artigodo físico Ennio Candotti;

• Radis nº 32, abri/2005, p. 12: “Nemtodos festejam a nova Lei deBiossegurança”;

• Radis nº 36, ago/2005, p. 19: “A OMS

‘abençoa’ os transgênicos?”, artigodeJean Marc von der Weid, coorde-nador da campanha Por um Brasil Li-vre de Transgênicos.

Na Coletânea Radis 20 anos:

• Tema nº 16, out/1998, p. 20: “Aengenharia genética e suas reper-cussões na epidemiologia”;

• Súmula nº 79, ago/2000, p. 2: “Pro-jeto Genoma”;

• Súmula nº 83, out/2001, p. 3:“Clone humano já é possível”;

• Súmula 84, dez/2001, p. 8: “Brasilvai sediar congresso mundial”;

Pesquise Bioética no site RADISwww.ensp.fiocruz.br/radis/pesquisa.html

apenas apegada a normas, mas sim avalores. E destacou que “direito nãoé o mesmo que lei”.

No penúltimo dia do evento, amesa-redonda “Bioética, meio ambi-ente e transgênicos” atraiu muita gen-te à Sala Atlântico. Rubens OnofreNodari, da Secretaria de Biodiversi-dades e Florestas, do Ibama, disse que,na transição do governo FHC para ogoverno Lula, um documento elabo-rado pela Embrapa anunciava que osorganismos geneticamente modifica-dos (OGMs) haviam sido discutidos pelasociedade e razoavelmente aceitos.“Isso não é verdade”, contestou.

Rubens disse que prova de que oassunto ainda não é de domínio públi-co é que, nos supermercados, aindanão se vê o símbolo dos transgênicosnas embalagens de tais produtos. Ci-tou exemplos de atitudes equivoca-das sobre o uso ou o comércio dosOGMs que podem trazer riscos à saú-de da população. O caso do algodãoBollgard (o chamado “algodão-venenoda Monsanto) foi um desses exemplos.De acordo com Rubens, uma toxinaexistente nessa variedade, mas nuncacitada, causou manchas nos pulmõese cistos nos ovários de camundongosem testes. “Não basta legislação”, dis-se ele, criticando as decisões daCTNBio sobre transgênicos, a qualafirmar não haver risco à saúde hu-mana ou animal.

Salvador Bergel, da Escola deBioética da Universidade de BuenosAires, disse ser muito difícil conciliaros interesses dos atores interessadosno tema, devido a sua complexidade.Alertou para o fato de que, em váriospaíses, foram criados órgãos para con-trolar a produção de OGMs assim quesurgiram, entre as décadas de 70 e 80.Na Argentina, porém, esse controle

ficou em mãos das empresas privadas.“Como elas podem ter o poder de libe-ração?”, indagou. Bergel acha a enge-nharia genética é muito importante, oque não a habilita a modificar a agri-cultura até termos análises mais cla-ras. Ressaltou a importância dos prin-cípios da precaução, embora acrediteque tais princípios não signifiquem aproibição da tecnologia.

MÉDICOS DE ATENASNo final da tarde, na Sala Pacífi-

co, a “Bioética e a humanização emsaúde” foram debatidas em mesa-re-donda concorrida. Orestes Pullin, daUniversidade Estadual de Londrina,mas representando a Unimed, falousobre “Ética e operadoras de planosde saúde”. Comparou o PIB america-no (US$ 14 trilhões) ao brasileiro (US$600 bilhões) e os investimentos públi-cos e privados em saúde nos dois paí-ses — 13,2% do PIB nos Estados Unidose 4,2% do PIB no Brasil. Citou uma de-zena de outros dados para exibir ocenário atual da saúde no país e afir-mar que os investimentos da saúdeprivada no país estão crescendo, as-sim como cresce a quantidade de pes-soas atendidas por esse sistema. Cau-sou desagrado em parte da platéia aocriticar a Lei 9.656, que regula a rela-ção entre usuário e prestador, “massó com o prestador privado, e não como público”. Pessoas na platéia acha-ram que não deve ser diferente.

Délio José Kipper, da PUC do RioGrande do Sul, discorrendo sobre“Bioética e terminalidade em UTI”,falou dos conceitos ocidentais demorte, bem diferentes e menos com-plexos que os orientais. “Aqui, tra-balhamos com a morte biológica”.Tocou na questão da morte em ambi-entes hospitalares — no Brasil, ainda

há poucas estatísticas a respeito, afir-mou (nos EUA, 20% das mortes ocor-rem nesses ambientes). Ele acreditaque, no Brasil, há um certo receiode se fazer o registro dessas mortesdevido a um artigo do Código de Éti-ca Médica, que estabelece que o pro-fissional deve utilizar todos os meiosde diagnóstico e tratamento ao seualcance em favor do paciente.

No Uruguai, há um artigo preven-do que o médico não precise empre-gar todos esses recursos quando oobjetivo é apenas prolongar a vida deum paciente terminal. Délio lembrouque na Grécia antiga as pessoas queassumiam as funções de médico se-quer podiam atender aos doentesterminais, para que sua credibilidadeno tratamento da saúde da popula-ção não fosse comprometida.

Daniel Romero Muñoz, da USP, notema “Formação ética dos profissio-nais de saúde”, disse que este campoganhou grande impulso nos anos 90,com reflexos no sistema formador. Osnúmeros que apresentou, no entan-to, são preocupantes: dos 58% de es-colas com pós-graduação, apenas 44%têm ética no currículo. Muñoz defen-de que a ética deve constar de todoo curso, e não deve ser “ensinada”,mas discutida. Daniel reforçou a im-portância do professor, uma vez queele é o maior exemplo para o aluno.

Em 18 de outubro, Volnei Garrafacontou à Radis que esteve em Paris paraa homologação pela Unesco, no dia 10,da Declaração Universal de Bioética (verem www.sbbioetica.org.br). Não preva-leceu, na construção do documento,a visão dos países ricos, que queriamuma declaração de cunho unicamentetecnicista. “Queríamos que ela tratas-se de meio ambiente e questões soci-ais, e conseguimos”, celebrou.

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Segurança alimentarpara os curumins

SAÚDE INDÍGENA

As lendas indígenas conferema Tupã o status de deus re-pleto de bondade, criadordo mundo e de seus seres.

Anhangá, por sua vez, é um espíritomaldito, personificação do mal, rele-gado ao mundo inferior por Tupã ecapaz de atrocidades inimagináveis.Para os nossos índios, portanto, deveter sido obra de Anhangá as mortes,por desnutrição, de 17 indiozinhos emMato Grosso do Sul, noticiadas comalarde no ano passado. Para evitar queisso volte a acontecer, a FundaçãoOswaldo Cruz (Fiocruz) e a FundaçãoNacional da Saúde (Funasa) abraça-ram a proteção aos genuínos habitan-tes de nossas terras e assinaram, nodia 22 de setembro, convênio que criaum sistema de segurança alimentar enutricional (o Sisvan) em distritos in-dígenas de todo o Brasil.

Com financiamento de R$ 1 milhãodo Banco Mundial, o convênio visa ca-pacitar 500 profissionais da área dasaúde para a redução dos índi-ces de mortalidade infantil indí-gena, evitando novas tragédias.Médicos, enfermeiros, odon-tólogos e agentes comunitáriosindígenas terão curso de espe-cialização a distância, ao longode nove meses, orientados porespecialistas da Escola Nacio-nal de Saúde Pública SergioArouca (Ensp/Fiocruz), quevão trabalhar com uma popu-lação estimada pela Funasa em441 mil índios, distribuídos em34 distritos indígenas espalha-dos pelo Brasil. A previsão é deque o curso seja iniciado nosegundo semestre do ano quevem. Mas as atividades de cam-

po para capacitar os profissionais jáforam iniciadas.

DRAMA NAS ALDEIAS

A realidade de saúde nas aldeiasindígenas é encoberta pelas constan-tes e tensas disputas de terra, quesempre recheiam o noticiário nacio-nal. Os números revelam que a dimen-são dos problemas de saúde dessa po-pulação é mais do que preocupante.A mortalidade infantil nas aldeias, em2004, foi nada menos que o dobro damédia do país: a cada 1.000 nascidosvivos, 50 mortes foram detectadas. NoDistrito de Xavantes, Mato Grosso doSul, os números foram ainda mais alar-mantes: 113 mortes para cada 1.000nascidos vivos.

Ao mesmo tempo em que apostaem medidas simples de prevenção, o

projeto leva em conta o respeito àvisão de mundo dessa população, jáque alguns de seus hábitos culturaisinterferem em sua saúde.

Por isso, uma engenharia espe-cial na construção desse sistema seránecessária. E aí entram a Diretoria Re-gional da Fiocruz em Brasília (Direb) ea Funasa, que serão responsáveis pelaconcepção, o acompanhamento e aavaliação do sistema. Denise Oliveirae Silva, diretora da Direb, informaque, além da desnutrição, outros pro-blemas alimentares se multiplicam nascomunidades indígenas. “Verificamosproblemas de anemia, obesidade, hi-pertensão e diabetes”, conta. Daí anecessidade de detecção dos diver-sos problemas nutricionais causadospor carência ou excesso de determi-nados alimentos.

As informações geradas peloSisvan serão integradas ao Sistema deInformação de Saúde Indígena (Siasi),

sob a coordenação do Departamen-to de Saúde Indígena (Desai) daFunasa, que desenvolverá ummódulo específico para receberos dados da vigilância nutricional.Em entrevista ao jornal Diário

do Amazonas, publicada em 21de setembro, o presidente daFunasa, Paulo Lustosa, afirmouque o sistema permitirá a iden-tificação precoce dos casosde risco nutricional e alimen-tar. Na mesma edição dessejornal, Denise alertou para arelação entre os conflitos deterra e o quadro crítico desaúde dos índios. “A terra éo que dá o alimento ao índio”,disse. “Se há interesses eco-nômicos e conflitos em tor-no dela, ele fica sem seu sus-tento”. Há muito trabalho aser feito. Que Tupã mantenhaAnhangá longe. (W. V.)

A.D.

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DEBATES NA EnsP/FIOCRUZ — VIOLÊNCIA E SAÚDE

A armatornavisível oinvisívelKatia Machado

“Aviolência dramatiza causas: odilema da inclusão e da ex-clusão” foi o tema do deba-te promovido pela Escola

Nacional de Saúde Pública SergioArouca (Ensp/Fiocruz) em 31 de agos-to, parte das comemorações de seu51º aniversário. Na palestra, a pesqui-sadora Maria Cecília Minayo, coorde-nadora do Centro Latino-Americano deEstudos sobre a Violência Jor-ge Careli (Claves) da Ensp, dis-se que a violência não é maisfenômeno isolado na socieda-de, mas parte dela, e suas mai-ores vítimas são os homens jo-vens, de 15 a 25 anos, pobres,das grandes cidades. A violên-cia já é a segunda causa demorte no Brasil, atrás das do-enças cardiovasculares e à frente doscânceres. “Trata-se de uma seleçãosocial”, diz Cecília. “Como 83% da po-pulação brasileira vivem nas cidades,a violência atinge grandes proporçõesnos centros economicamente mais di-nâmicos, onde há acúmulo de gentee de conflitos sociais”.

A FALA DE MARIACECÍLIA MINAYO

Operfil da morbimortalidade estámuito mais relacionado ao estilo

de vida do que aos problemas bioló-

gicos propriamente ditos. A primeiracausa de morte são as doençascardiovasculares, a segunda, a violên-cia, e a terceira, os cânceres. É umamudança que começou nos anos 60:o estilo de vida determinando as con-dições de saúde da população, e doqual a violência é componente fun-damental. Não é um problema solto,não caiu de pára-quedas. Faz parteda sociedade e da forma como a so-ciedade estabelece suas relações, suacomunicação e sua vida.

Vamos tratar aqui nãoda violência estrutural, fami-liar, do trânsito ou da auto-destruição, o suicídio. Vamosfalar da violência da delin-qüência, uma violência di-fusa, que nos incomoda. Se-gundo ponto: violência emnosso país é questão de gê-nero. Isso é gritante, violên-

cia é coisa de homem, do gêneromasculino. Temos uma relação de184 mortes de homens por 100 milhabitantes para 18 mulheres por 100mil. A estatística mostra que, a par-tir dos anos 80, cresceu mais de100% a mortalidade no país por vio-lência e que a mortalidade por vio-lência das mulheres mantém linhaestável. Alguns pontos:

• Gênero: a revista Ciência e Saúde Co-letiva teve um número sobre a saúdedo homem. Discutimos saúde materno-infantil, da mulher, mas a do homem nãotomamos como objeto de estudo. Hoje

o homem está em desvantagem em qua-se tudo em relação à mulher.

• A questão etária: a violência se con-centra na juventude, de 15 a 25 anos(mais de 80%). Nessa faixa etária, quepode chegar a 29 anos, a violência éa primeira causa de morte.

• Acesso às armas de fogo. A partirdos anos 70 houve um crescimentoimenso desse acesso: o uso de ar-mas de fogo em homicídios e suicí-dios cresceu 179%. Fiz um estudopara Sergipe, e achava que encon-traria peixeira. Pelo contrário, emmomentos de inflexão nos anos 80,o índice de uso de peixeira cai eaumenta o de armas de fogo. É umproblema no país como um todo. Nãodigo com isso que o “sim ao desar-mamento” resolve o problema dasegurança e da violência, mas nãopodemos deixar de relacionar o au-mento do uso da arma de fogo pelapopulação civil ao aumento de ho-micídios e suicídios.

• Cidades: o aumento da violênciadifusa e social da delinqüência temtambém relação com a questão ur-bana. Não é que não exista violênciano campo. Ela existe e continua, temsuas formas, e é tema fundamentalpara estudo. Mas 80% da mortalida-de por violência se concentram hojena cidade. Que tipo de cidade? OClaves fez um ranking da violência nascidades a pedido do Ministério daSaúde, em junho do ano passado.

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Observamos que a violência se con-centra mais nas cidades economi-camente dinâmicas, com muito tráfi-co, conflitos, desigualdade social.Mais ou menos 50% dos municípiosacumulam 50% da mortalidade por vi-olência. Dos 5.560 municípios brasi-leiros, mais de 2 mil não tiveram ho-micídio, suicídio nem morte poracidente de trânsito em 2000. Há umaconcentração da violência e da mor-talidade nas grandes capitais.

São muitos os elementos que aju-dam no aumento dos índices de vio-lência entre homens e jovens, juven-tude pobre que está morrendo ematando. É quase uma segunda sele-ção, que não é natural, é social.

Gosto muito de uma expressãoda filósofa alemã Hannah Arendt(1906-1975): a violência dramatiza cau-sas, diz ela. Mas não produz desen-volvimento, não produz nada de bom.Hannah Arendt respondia a filósofosque aceitam certas violências — quan-do é para mudar a sociedade, pelosocialismo. Como se os fins justificas-sem os meios. Ela faz um estudobelíssimo sobre isso no livro As ori-gens do totalitarismo (1951). Que cau-sas então poderíamos dizer que hojea violência está dramatizando?

Nossa expectativa de vida, em1900, era de 33 anos. Em um século,melhoramos o que a Europa levouquase três séculos para conseguir.Hoje, temos queda acentuada damortalidade infantil, de 27 por 1.000nascidos vivos. Ainda muito alta, mas,se olharmos para os anos 40 e 50, aqueda é importantíssima, para a qualcontribuiu a saúde pública. Tivemosprofunda mudança na questão de gê-nero, 43% do mercado de trabalhohoje são das mulheres.

Hoje, da população em idadeescolar, 98% estão nas escolas.Estamos no 20º lugar no ranking deprodução de ciência e tecnologia.Éramos um bando de províncias, enão há nem 70 anos que estamosconstruindo nossa identidade naci-onal. Somos uma sociedade urbanaem 83%, bem diferente da socieda-de rural dos anos 50.

Temos hoje no Brasil uma ondajovem. Apesar da fecundidade ter bai-xado fortemente, inclusive na RegiãoNordeste, onde estão 2,27 de crian-ças por mulher, os jovens de hoje,vindos de um tempo de fecundidade

maior, são 23% da população, na faixade 15 a 25 anos. São 33 milhões depessoas. O país nunca teve tanto jo-vem. Não estou dizendo com isso quea violência é causada pelo jovem. Masela está concentrada na juventude.E, em todas as sociedades, desde asprimitivas, os jovens sempre transgri-dem, a própria sociedade já sabe queesse é o tempo da transgressão. (Masnão estou dando explicação da vio-lência pela demografia.)

“UM POVINHO DE NADA”

Mas há agora vários fatores dedesestabilização. Se hoje temos umasociedade capaz de construir tantacoisa, instituições poderosas, par-ques industriais, a partir da décadade 80 passamos a enfrentar crisesque vêm dos países desenvolvidos, dopetróleo, no processo de reestrutu-ração produtiva e abertura para aglobalização, que afeta a todos, prin-cipalmente o mais frágil.

Agora enfrentamos uma crise desegurança, que não é de polícia, etambém uma crise de identidade so-cial, que é perpétua porque, comocritica o antropólogo Roberto daMatta, olhamos sempre o exterior,“nada aqui presta”, “somos um povi-nho de nada”. Em qualquer contratosocial há inclusão e exclusão. Mas,em momentos de crise, de mudanças,os elementos de inclusão são muitomais frágeis que os de exclusão.

A classe trabalhadora vive semperspectiva, uma insegurança brutalfrente à simples sobrevivência. Segun-do o IBGE, de um milhão de jovens nafaixa dos 18 anos, teoricamente a fai-xa de entrada no mercado de traba-lho, 100 mil conseguem. Quem são osoutros 900 mil? A maioria está excluí-da, na informalidade. Entre as esco-lhas possíveis, a do mercado de tra-balho do crime. E falo isso com todasas letras: mercado de trabalho docrime. Quem está nesse mercado dizaos que querem estudar que sãootários. Excesso de apelo da mídia,da sociedade de consumo, da rique-za, a extrema pobreza. E nessa mu-dança de espaço e tempo a juventu-de prefere viver pouco, mas comerbem, ter mulheres, roupa de grife.Todos sabem que sua expectativa devida não passa dos 25 anos.

Para Luiz Eduardo Soares, ex-se-cretário nacional de Segurança Pú-

blica, na hora em que porta a arma ojovem da favela faz com que os ou-tros o reconheçam; somos obrigadosa enxergar quando usa uma armaquem para nós é sempre invisível.

Há um tipo de violência tradicio-nal e uma nova, que vem com a glo-balização — hoje, o maior mercado domundo é o do petróleo; o segundo éo das armas, e o terceiro, o das dro-gas. Então, não estamos lidando como pobre menino da favela: esse gran-de mercado segue o caminho das re-des internacionais legais, mercadosquase sempre em conluio, a legalida-de com a ilegalidade. Essa violência éeconômica, funcional e instrumental,e quanto mais fraco o Estado melhor.O jovem é integrado a esse mercadocomo bucha de canhão.

RESPOSTAS EM VELOCIDADE

As instituições não dão conta des-ses problemas. As instituições, os par-tidos políticos e os sindicatos estão emcrise, e não só no Brasil. Temos quecriar instituições muito mais leves efluidas, com muito mais capacidadede dar respostas em velocidade, por-que o tempo e o mundo são outros.Há saída? Acho que há. Minha certezaé histórica. Se a violência é construídapela sociedade, pode ser desconstruídae superada pela sociedade.

O demógrafo francês Jean-ClaudeChesnais, que estudou 200 anos de vi-olência na Europa, desde o fim do sé-culo 18, afirma que o índice europeude violência era muito mais elevado doque brasileiro. E agora a Europa temtaxa de mortalidade por homicídio decerca de 1 por 100 mil habitantes. Oque esse estudioso mostra é que atransformação na Europa veio com ainclusão social da classe trabalhadora,a melhoria da condição de vida, a cria-ção de instituições fortes na socieda-de e, sobretudo, a educação formal.Quanto mais educada a sociedade maisas taxas de violência baixam.

O demógrafo também fala de se-gurança pública, mas a coloca em últi-mo lugar no ranking, como fator funda-mental de diminuição das taxas deviolência. Temos que nos preocupar como hoje, sim, mas também a médio e lon-go prazo. Temos que lembrar que hojea segurança pública e a polícia que co-nhecemos também estão em crise. Épreciso que a sociedade se fortaleçanos pontos que Chesnais aponta.

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2º ENCONTRO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM DEFESA DA SAÚDE

Palmas para a luta do MP!

Promotor de Justiça e procura-dor de Justiça são membros do

Ministério Público Estadual. A dife-rença entre os dois é que os promo-tores atuam nos processos em seuestágio inicial, até o julgamento emprimeiro grau, ou seja, nos proces-sos que correm em 1ª instância, nasVaras Estaduais. Quando o processoentra em grau de recurso, passam a

atuar os procuradores de Justiça,que representam o Ministério Pú-blico junto ao Tribunal de Justiça.Já no âmbito da Justiça Federal, nãohá promotores. Os representantesdo MP que atuam em primeira ins-tância nessa esfera são denomina-dos procuradores da República.Fonte: http://www.mp.pr.gov.br/imprensa/pil0305.html

Claudia Rabelo Lopes

Sete anos depois de sediar a reu-nião do Conselho Nacional deProcuradores Gerais de Justiçaque assinou a Carta de Palmas

— marco inicial da atuação sistematiza-da do Ministério Público no âmbito dasaúde, a capital do estado do Tocantinsvoltou a ser palco de importante even-to da instituição: o 2º Encontro Nacio-nal do Ministério Público em Defesa daSaúde, de 14 a 16 de setembro. No au-ditório Emival G. Sanches, no prédiorecém-inaugurado da sede do MP doestado, técnicos das secretarias muni-cipais e estaduais de saúde, do Minis-tério da Saúde, gestores, integrantesdos conselhos de saúde e do próprioMinistério Público apresentaram amplopanorama do funcionamento do Sis-tema Único de Saúde e de seus prin-cipais avanços e dificuldades, parauma platéia de aproximadamente 150pessoas, formada, em sua maioria, porprocuradores e promotores de Justiçade todo o Brasil.

Promovido pela Associação Naci-onal do Ministério Público em Defesada Saúde (Ampasa), o encontro propi-

ciou aos integrantes do MP a oportu-nidade de aprender, refletir, trocarexperiências e discutir seu papel emrelação ao Sistema Único de Saúde,além de possibilidades e limites da atu-ação de promotores e procuradoresna área da saúde. Mais do que um bis,o MP protagonizou, nesse evento, umnovo ato em sua história, que refletiuo amadurecimento e a consolidaçãode um movimento cujas origens remon-tam ao início dos anos 90.

Desde a assinatura da Carta de

Palmas, em agosto de 1998, quandofoi instituída a Comissão Permanentede Defesa da Saúde, o processo decriação de centros de apoio e de

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Sonia Piardi e Pedro Gabriel Delgado: ênfase nos direitos dos pacientes comtranstornos mentais

promotorias de defesa da saúde nosestados e no Distrito Federal se ace-lerou. Surgiram também cursos deextensão e aperfeiçoamento em Di-reito Sanitário para os integrantes doMP, e de capacitação para conselhei-ros de saúde em todo o Brasil. A le-gislação sanitária passou a fazer par-te do programa dos concursos deacesso à carreira de promotores eprocuradores de justiça.

A CARTA DE SALVADOREm 27 de agosto de 2004, os com-

promissos firmados em 1998 foram ra-tificados pela Carta de Salvador, re-sultante do 1º Encontro Nacional doMinistério Público de Defesa da Saú-de, na capital baiana. Na ocasião, foicriada a Ampasa. “A Ampasa surgiupara fortalecer a presença e a atua-ção do MP na efetivação dos princí-pios e das diretrizes constitucionaise infraconstitucionais que o movimen-to sanitário brasileiro logrou escreverna nossa Constituição cidadã de 1988”,lembrou a promotora Sonia MariaDemeda Piardi, atual presidente da en-tidade, ao fazer, na abertura do en-contro de Palmas, o lançamento do siteda Associação (www.ampasa.org.br).

Com as diretrizes já estabele-cidas nas duas cartas, os participantescentraram esforços no aperfeiçoa-mento da atuação do MP. Palestras,cursos e oficinas foram organizadosem torno de quatro temas conside-rados fundamentais neste momento:Saúde Mental, Atenção Básica, Con-trole Social e Gestão em Saúde. As-sunto recorrente e transversal a qua-se todas as falas foi a questão dofinanciamento e da gestão de recur-sos do SUS, maior fonte de divergên-cias entre os agentes do sistema.

Por toda a complexidade que oSUS envolve, a promotora MárciaAguiar Arend, de Santa Catarina, res-saltou na conferência de abertura queo compromisso ético do MP com o SUStem como premissa o conhe-cimento profundo do funci-onamento do sistema e deseu mecanismo de alocaçãode recursos. Ao falar sobreética na administração públi-ca, incitou os colegas a par-ticiparem mais diretamenteda etapa parlamentar da for-mulação de leis que atendama demandas da sociedade, participa-ção que, segundo a promotora, é ga-rantida pela Lei 8.625.

Os debates e a Reunião da Ampasa,realizada no segundo dia do encon-tro, resultaram na formulação e apro-vação de seis moções: trabalhar pelapronta regulamentação da EmendaConstitucional 29, sobre financiamen-to do SUS; apoiar as manifestações doConselho Nacional de Saúde contrári-as à terceirização da gerência e dagestão de serviços e pessoal;reivindicar a estruturação docomponente federal do Sis-tema Nacional de Auditoriaem recursos humanos e a cri-ação de planos de carreirapara os técnicos do Depar-tamento Nacional de Audito-ria (Denasus).

E mais: reivindicar a al-teração do artigo 5º, parágrafo úni-co, da Instrução Normativa nº 1/04do Denasus, retirando a expressãorestritiva “se verificada a prática decrime”, de modo a garantir a remes-sa automática ao MP dos relatóriosde auditoria consolidados da unida-de da federação auditada; sugerir ao

Ministério da Saúde que se abstenhade regulamentar leis por portarias eo faça por decreto, instrumento le-gal adequado nestes casos; e fiscali-zar rigorosamente a aplicação, narede extra-hospitalar de assistênciaà saúde mental, dos recursos oriun-dos da desativação de hospitais e lei-tos psiquiátricos.

O termômetro marcava mais de40 graus do lado de fora, mas na sededo MP o clima era ameno. Nem hou-ve debates acalorados nos três diasdo encontro: a atmosfera geral erade busca de entendimento e colabo-ração. Ficou claro, porém, que asdecisões que o MP precisa tomar emseu trabalho cotidiano envolvem, comfreqüência, conflitos entre gestoresnas três esferas de governo, conse-lheiros, usuários, profissionais e ins-tituições privadas que prestam servi-ço ao SUS. E é preciso saber até ondeo MP pode e deve interferir.

De acordo com Marco AntonioTeixeira, procurador do Paraná, o altoíndice de conflito interno e as gran-

des demandas do SUS devemser enfrentados, em primeirolugar, pelos mecanismos inter-nos do sistema, como audito-ria, ouvidoria e conselhos desaúde. “A idéia é que possa-mos nos aproximar interna-mente dessas estruturas, nãopara fazer o papel delas, maspara contribuir, no que a le-

gislação prevê, para que elas operem”,disse à Radis. Teixeira acredita que oMP não pode ser apenas reativo — temque ir atrás de suas demandas. Adver-te, no entanto, que não se deve es-perar de órgãos externos, como o Tri-bunal de Contas e o Ministério Público,a garantia da qualidade na prestaçãodos serviços do SUS. “Isso seria o fim”.

Em palestra no dia 15, Jairo Bisol,promotor do Distrito Federal e Ter-ritórios, criticou o que chamou de

“paradigma do século 19” naformação em Direito: acre-ditar que é possível simples-mente transformar os con-flitos em conflitos jurídicos,colocá-los no papel e enca-minhá-los a uma decisão, semse aprofundar na realidadeem que as situações ocor-rem. Bisol lembrou que a va-

lidade da norma decorre do poder,mas que na formação do jurista háuma inversão dessa lógica. Inversãoque toma sérias proporções quandose atua no SUS: o MP trabalha naconstrução do Estado tendo, comfreqüência, que conduzir investiga-ção contra o Estado.

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“Não há como não ser um jogo depoder”, concluiu o promotor, que en-frentou situação de “guerra cotidiana”com a gestão anterior de saúde no Dis-trito Federal. Investigações do MP como Denasus sobre a terceirização de lei-tos de UTIs em Brasília resultaram naabertura de uma Comissão Parlamentarde Inquérito que levou à queda do en-tão secretário de Saúde, ArnaldoBernardino. O atual gestor, GeraldoMaciel, trabalha em parceria com o MP.

“O SUS não é visível, e enquantonão for visível não vamos construiruma boa atenção à saúde pública”,afirmou Bisol, que considera o siste-ma um dos caminhos de construçãoda cidadania brasileira. Assim, a lutapela transparência — da qual oDenasus é, na opinião do promotor,instrumento fundamental — e pelocontrole social devem ser linhas defrente da atuação do MP.Bisol também defendeu umpacto do MP no sentido delutar pela implantação defini-tiva das carreiras no Denasus,o que resultou numa das mo-ções aprovadas no encontro.

O desrespeito aos direi-tos fundamentais dos pacien-tes de instituições psiquiátri-cas é desafio cotidiano para oMinistério Público, que a promotoraIsabel Maria Salustiano Arruda Porto,do MP do Ceará, traçou em painel sobreseu estado. O segundo dia do encontroem Palmas foi quase que exclusivamentededicado ao tema, com palestras de Bisol

e de seu colega de equipe Pedro Thoméde Arruda Neto e do coordenador naci-onal de Saúde Mental do Ministério daSaúde, Pedro Gabriel Delgado.

CENÁRIO PROMISSORSegundo Pedro, quaisquer que

sejam os problemas ainda enfrentadosnessa área “há um cenário promissor”,pois existe uma matriz normativa — alei promulgada em 2001 —, vontadepolítica e experiências concretas paraa mudança de modelo naabordagem dos transtornosmentais. Essa mudança impli-ca, entre outras coisas, trans-formação na visão jurídica daloucura. Pedro considera queo desafio é garantir que aspessoas com transtornos men-tais que necessitam de aten-ção continuada — cerca de

3% da população (ver Radis nº38) — tenham acesso a trata-mento. Além de prestar aten-ção ao modelo de atenção emsaúde mental implementadopelo gestor, o MP, para ele,deve observar as condiçõesde atendimento. Pedro enfa-tizou a necessidade de redi-recionamento dos recursos,

ainda centrados na assistência hospi-talar psiquiátrica, para o financiamen-to da assistência extra-hospitalar. Oapelo foi ouvido: os participantesaprovaram moção sobre o assunto.

Sobre as internações psiquiátri-cas involuntárias, cuja notificação ao

MP no prazo de 72 horas é obrigató-ria, o coordenador reconheceu quehá problemas, e que será necessáriauma revisão da estratégia.

No curso sobre Gestão de Saúde,Edmundo Costa Gomes, vice-presidentedo Conselho Nacional de Secretários Mu-nicipais de Saúde (Conasems), disse quefinanciamento e gestão do trabalho sãoprioridades da entidade. Ele explicou asirregularidades na contratação de pro-fissionais pela velocidade de implantação

do SUS. “Na pressa de avançar,os gestores começam a deixaralgumas inconsistências no ca-minho”, disse. Essa prática foiveementemente criticada peloprocurador José AdalbertoDazzi, do MP do Espírito San-to: ele recomendou aos cole-gas que combatam formas decontratação fora das normas

do SUS e da Constituição.No que se refere a financiamen-

to, Edmundo defendeu a flexibilizaçãona aplicação do dinheiro repassadopela União, para que os gestores gas-tem em saúde de acordo com a ne-cessidade local. “Nós não vamos de-fender quem não estiver cumprindoa EC-29”, afirmou, repisando que ofinanciamento do SUS é insuficiente.O representante do Conselho Nacio-nal de Secretários de Saúde (Conass),Armando Raggio, apresentou dados doSistema de Informações sobre Orçamen-to Público em Saúde (Siops) com a evo-lução dos gastos públicos no Brasil, mos-trando que a contribuição da União (semestados e municípios) para a saúde en-tre 1997 e 2002 caiu de US$ 89 para US$48 per capita, e voltou a crescer, masnão no ritmo desejado, nos últimos trêsanos, chegando a US$ 62,67 em 2005.

As relações entre estados e mu-nicípios na área de saúde não são ummar de rosas, como ficou claro já nanoite de abertura do encontro, nodiscurso do secretário de Saúde doTocantins, Gismar Gomes. Ele pediuao MP atenção a prefeitos que, paraprovar o investimento obrigatório de15% no SUS, compram notas frias edesviam as verbas. Armando afirmouque o Conass, embora favorável àmunicipalização, vê preocupado nos-sa tradição clientelista: “Ainda temmuita gente oferecendo saúde comobenesse do poder”, disse. Armandoacredita que os gestores municipaisnem sempre contam com o apoio dosprefeitos para as ações de saúde pre-conizadas pelo SUS, e por isso o Conasspropõe a formação de redes regionaisque fortaleçam a atuação local.

A grita por mais recursos fede-rais para a saúde ganhou reforço no

GASTOS EM SAÚDE — UNIÃO 1995-2005

Fonte: Sistema de Informações sobre Orçamento Público em Saúde (SIOPS)

ANO ORÇAMENTO EXECUTADO PER CAPITA PER CAPITA(em bilhões de reais) (em reais) (em dólares)

1995 12,256 78,66 85,71

1996 12,407 78,99 78,29

1997 15,464 96,87 89,45

1998 15,245 94,23 80,84

1999 18,353 111,94 61,61

2000 20,351 119,86 65,52

2001 22,474 130,37 55,42

2002 24,736 141,65 48,37

2003 27,181 153,67 50,09

2004 32,703 182,59 62,39

2005 36,474 198,03 62,67

90

80

70

60

50

40

30

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

Gastosem dólaresper capita

LEGENDA

maiorvalor

menorvalor

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Radis adverteO verão está perto. Hora de visto-riar a casa e o quintal para impedira visita do Aedes aegypti, o mos-quito transmissor da dengue.

19 DE NOVEMBRO,DIA D DE COMBATE À DENGUE

dia 16, com a palestra de Nelson Ro-drigues dos Santos, o Nelsão, as-sessor do ministro da Saúde. ComoArmando, apresentou dados quemostram a redução dos investimen-tos da União na saúde em relação àcontrapartida de estados e municípi-os. Para Nelsão, problema grave é odesperdício, que ocorre quando asfalhas na prevenção e no tratamentode problemas precoces de saúde le-vam ao aumento das demandas nos ní-veis de média e alta complexidade. Daía necessidade da Atenção Básica, ba-seada nas necessidades da população,e não nos interesses privados de fabri-cantes de medicamentos e equipamen-tos, entre outros. A defesa da AtençãoBásica foi também o assunto dapalestra do médico Newton Le-mos, do Departamento deAtenção Básica do Ministérioda Saúde, que abordou con-ceitos, evidências científicas easpectos legais do modelo,enfatizando a importância doPrograma Saúde da Família.

Para a palestrante Adal-giza Balsemão Araújo, coordenadorade Relações Intersetoriais da Secre-taria Executiva do Conselho Nacionalde Saúde, a luta por mais verbas uni-fica todo o movimento em defesa dasaúde. Mas se os secretários argumen-tam que há pouco dinheiro, os con-selheiros reclamam que não rece-bem dos gestores informações clarassobre valores, embora a lei deter-mine prestação trimestral de con-tas. Para a coordenadora, tanto afalta quanto o excesso de informa-ções são contraproducentes, e épreciso normatizar e explicar os da-

dos orçamentários de modo que pos-sam ser compreendidos pelos conse-lheiros. Faltam também dados sobreas principais doenças e causas de mor-te entre a população, para que osconselhos formulem propostas e de-liberem melhor sobre os planos de saú-de. Adalgisa apontou que muitas se-cretarias de saúde não cumprem seupapel na garantia da estrutura neces-sária para que os conselhos funcio-nem. Os recursos para isso, segundoo procurador José Adalberto Dazzi,devem estar previstos nos planosplurianuais de saúde (PPAs), aprova-dos pelos próprios conselhos.

Mafalda Crisóstomo do Carmo,representando a Articulação dos Mo-

vimentos e Práticas de Educa-ção Popular (Aneps), disse àRadis que nos estados os con-selheiros temem fazer ques-tionamentos e ficar marcadospelos detentores locais de po-der, que também procuramcooptar as lideranças popula-res. Por isso, a oficina de Con-trole Social ressaltou a impor-

tância da presença e do apoio doMP nas reuniões dos conselhos, ese posicionou contra a presença de

gestores na presidência desses órgãos.Questão que tem provocado

dores de cabeça é a das ações civispara importação de medicamentos ex-cepcionais. Há centenas dessas açõesno Brasil, impetradas pelo próprio MPe por advogados particulares, quecomprometem a assistência à coleti-vidade. Por isso, ao abordar o Uso Ra-cional de Medicamentos, a última pa-lestra do encontro foi a que maissuscitou intervenções.

RAZÕES DE MERCADOO médico Paulo Dornelles Picon,

coordenador técnico de Política de As-sistência Farmacêutica do Rio Grandedo Sul, falou das pressões da indústriafarmacêutica sobre o governo, para ob-ter registro da Anvisa e incluir seus pro-dutos na lista do SUS por razões demercado — mesmo quando a seguran-ça e a eficácia desses medicamentosnão estão suficientemente comprova-das. Picon forneceu elementos paraque o MP faça leitura crítica dos di-versos discursos sobre remédios e tra-tamentos, como pareceres, artigos erelatórios de pesquisas, a fim de quefundamentem melhor decisões e pro-cessos. Na platéia, promotores recla-maram dos pareceres lacônicos que,em geral, recebem dos técnicos dassecretarias sobre os medicamentos ex-cepcionais, e da dificuldade de tomardecisões que se opõem a prescriçõesde médicos e que envolvem a vida ou obem-estar dos pacientes. Picon defen-deu parceria mais estreita entre téc-nicos e MP para a solução dessas difi-culdades, e criticou a proliferação decursos de Medicina, que formam mé-dicos mal qualificados, mais facilmentemanipuláveis pela indústria farmacêu-tica, e a falta de concursos públicospara a contratação de profissionais desaúde pelas secretarias.

O encontro foi acompanhado porNeilton Araújo, assessor do ministroSaraiva Felipe, e pelo procurador-geral do Tocantins, José DemóstenesAbreu, e teve coordenação da pro-motora Sonia Piardi. O próximo en-contro está marcado para setembrode 2006, em Florianópolis.

Paulo Dornelles Picon criticou as estratégias da indústria farmacêutica parainduzir médicos a receitarem medicamentos sem registro da Anvisa

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EVENTOS

8º CONGRESSO BRASILEIRO

DE SAÚDE COLETIVA

Estão abertas as inscrições para enviode trabalhos ao 8º Congresso Brasilei-

ro de Saúde Coletiva, em agosto de 2006,no Rio de Janeiro. Sob o tema “Saúdecoletiva em um mundo globalizado: Rom-pendo barreiras sociais, econômicas epolíticas”, estão previstos quatro gran-des eixos temáticos: ações globais so-bre determinantes sociais da saúde; de-mocracia, participação-cidadã e direitoà saúde; sistemas de saúde eqüitativosnum mundo competitivo; e inovaçõesem ciência e tecnologia: o que isto sig-nifica para a Saúde Publica?

O prazo para envio de resumosse encerra no dia 13 de janeiro de2006 (para quem optar pelo correioconvencional) e no dia 20 de janeirode 2006 (pela internet).Por correio: Secretaria do Congresso,Avenida Ataulfo de Paiva, 1.251, sala 410,Leblon, Rio de Janeiro, CEP 22440-031Pela internet: www.saudecoletiva2006.com.br/portugues/registre-se.htmData 21 a 28 de agosto de 2006Local Rio de JaneiroMais informaçõesSite www.saudecoletiva2006.com.br

NO CINEMA

DOUTORES DA ALEGRIA, O FILME

Estreou em outubro Doutores daAlegria, o filme. Roteirizado e diri-

gido pela cineasta Mara Mourão, reve-la o emocionante universo dos integran-tes desta instituição, a primeira criadano país com o objetivo de levar o hu-

mor e o lirismo da arte do palhaço acrianças e adolescentes hospitalizados.Em 13 anos de atuação, os Doutores daAlegria visitaram cerca de 350 mil jo-vens pacientes. O filme traz cenas en-graçadas e depoimentos emocionantes,mostrando como funciona esse novo“ramo da medicina”, batizado por elesde “Besteirologia”. A fita desvenda ain-da como os palhaços olham o outro ecompreendem a dor e a perda, o modocomo permitem a criança de liderar ahistória contada e o jeito para lidar como próprio ridículo, destruindo hierar-quias pré-estabelecidas. Com sensibili-dade e bom humor, o filme transportao público ao dia-a-dia dos hospitais ecapta a transformação nesse ambienteprovocada a partir do encontro dopalhaço com a criança.Mais informaçõesSite www.doutoresdaalegriaofilme.com.br

PUBLICAÇÕES — LANÇAMENTOS

EDITORA FIOCRUZ

Análise de sobrevida— Teoria e aplicaçõesem saúde, de MaríliaSá Carvalho, ValeskaLima Andreozzi, Clau-dia Torres Codeço,Maria Tereza Serra-no Barbosa e SilviaEmiko Shimakura,contém exercícios de modelagem ba-seados em problemas e investigaçõesreais de análise de sobrevida aplica-dos em quase três anos de trabalhodas autoras. Apresenta modernas téc-nicas de modelagem estatística, en-tre elas o software livre R. A publica-

ção é um instrumento acessível ecompleto para quem trabalha tantona área da epidemiologia geral quan-to da clínica e em áreas das ciênciasbiológicas que utilizem a técnica deanálise de sobrevida.

Avessos do prazer —drogas, aids e direi-tos humanos, organi-zado por GilbertaAcselrad, apresentauma coletânea deartigos que buscaestimular a reflexãoe a ação de pessoasenvolvidas com a prática institucionale comunitária no campo da educa-ção, saúde e direitos dos usuários dedrogas ou portadores de HIV/Aids. Olivro, que conta com a colaboraçãode médicos, psicanalistas, juristas, ci-entistas sociais e educadores, trazabordagem interdisciplinar sobre otema, enfatizando a importância dese construir uma consciência de ci-dadania, e chama atenção para osnovos paradigmas de políticas públi-cas sobre drogas e Aids.

Textos hipocráti-cos — o doente, omédico e a doen-ça, de HenriqueCairus e Wilson Ri-beiro Jr, apresentaem língua portu-guesa pela primei-ra vez e na ínte-gra alguns dos mais importantestratados recolhidos sob o nome deHipócrates na coleção de textos gre-gos chamados Corpus hippocraticum.Os tratados escolhidos apresentamimportantes conceitos e preceitosdesenvolvidos há mais de dois milê-nios e que, até hoje, estão presen-tes na prática médica ocidental. Oleitor encontra textos sobre a im-portância da medicina hipocrática,tratados deontológicos, que estabe-leceram os alicerces práticos da éti-ca médica, e sobre o universo daprática médica antiga.

Mais informaçõesEditora Fiocruz, Av. Brasil, 4.036, sala112, Manguinhos, Rio de Janeiro, RJCEP 21040-361Tel. (21) 3882-9039 e 3882-9006E-mail [email protected] www.fiocruz.br/editora

SERVIÇO

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PÓS-TUDO

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Rogério Almeida *

Oassunto BR-163 hegemoniza o de-bate nas universidades, quando

se trata de Amazônia. Da fauna de ato-res sociais que disputam uso da terrae recursos naturais constam sojeiros,madeireiros, garimpeiros, populaçõesindígenas, extrativistas, pecuaristas,agricultores, mineradoras. Grilagemde terras, exploração ilegal de ma-deira, elevado índice de trabalhado-res sob escravidão, execução de tra-balhadores rurais ajudam a compor aaquarela da região.

Inspirado numa perspectiva desen-volvimentista e na busca incessante dosuperávit primário, o governo federalsemeia a melhoria da infra-estrutura. Nalógica de transporte multimodal (rodo-vias, hidrovias, ferrovias), a BR-163 voltaà pauta como prioridade para melhorara circulação da produção de grãos, quese avoluma no Centro-Oeste do país. Noceleiro dos interessados verifica-se,além das multinacionais, o rei da soja,governador de Mato Grosso, Blairo Maggi(PPS). O empreendimentoinaugurará a

mistura do tempero público com oprivado, na burocracia estatal bati-zado de PPP.

Se a oportunidade econômica fazbrilhar cifrões nos olhos dos produtoresde grãos, o contrário ocorre nas popu-lações nativas (índios, extrativistas, tra-balhadores rurais, ribeirinhos etc). Nas

linhas dos planejadores e dos ditos in-vestidores, são sempre elevados à cate-goria de problema ao desenvolvimento.

Experiências pretéritas contabili-zam os passivos sociais e ambientaisaos montes. Quase que inquestioná-veis. A defesa do projeto é escudadanum tal de desenvolvimento susten-tável, ainda que não se discuta o pa-radoxo de tal tese, coadunar desen-volvimento baseado em uso intensivode recursos naturais; e sustentável,ancorado em algo que exorta o soci-almente justo, economicamente viá-vel e ambientalmente zeloso. Comoefetivar tal proposta numa democra-cia marcada pelo aleijão da concen-tração de terra e renda, em rincõesonde a diferença não é reconheci-da, onde o poder econômico e polí-tico impera em detrimento de qual-quer parâmetro legal?

A produção de grãos pesa na ba-lança comercial (estimada em 50%), ain-da que os números das dívidas dosprodutores sejam omiti-dos pelos

prin-cipais meios de co-

municação, que no caminhooposto esmeram-se na demonização domovimento camponês. Além da festeja-da produção de soja, que põe abaixomilhares de hectares da Floresta Amazô-nica e do Cerrado, biomas que marcam aregião, a paisagem é hoje a principal áreade exploração ilegal de madeira, grilagensde terras e violência contra campone-ses e seus apoiadores, como a irmãDorothy, executada em fevereiro.

Tal violência contra campone-ses e seus apoiadores e assessores deuo primeiro sinal com a morte de sindi-calista Ademir Federecci (o Dema), 36anos, executado em Altamira, em 2001,quando denunciava o processo de ex-ploração ilegal de madeira, a corrupçãona extinta Sudam e grilagem. Em segui-da, o sindicalista Bartolomeu Morais daSilva (o Brasília), morto com 21 tiros apóstortura, ironicamente numa comunida-de batizada de Castelo dos Sonhos. Em

2003, a chacina envolvendo seis traba-lhadores rurais e um médio produtordenuncia o deslocamento do morticíniodo Sul/Sudeste do Pará rumo ao Sudo-este do estado.

Maior que os passivos sociais eambientais e a possibilidade de fatu-ramento financeiro é a diversidade dosrecursos naturais e sociais. A regiãoabriga três imensas bacias hidrográficas(Teles Pires/Tapajós, Xingu e Amazonas)e dezenas de tributários. Dessa rique-za natural dependem aproximadamen-te dois milhões de habitantes.

No desenho do plano, criam-seos tais espaços de participação públi-ca, as audiências. Ainda que signifiqueum passo à frente, a assimetria marcao debate, que acaba por se asseme-lhar a espaços circenses. Em tais es-paços verificou-se a capacidade dasempresas, muitas delas multi-nacionais, em per-suadir

do sapa-teiro ao prefeito na

formação do coral do “a favor” doprojeto, sem muito explicar pontosdelicados, como o deslocamento e oreassentamento de agricultores, índi-os, extrativistas etc. Aqui o temposempre nubla. Aos que desafinam ocoro “do pró”, olhares de esguelha,o deboche e mesmo a ira dos contrá-rios. Outro elemento recai sobre ohermetismo da linguagem técnica, oque provoca o monopólio da fala.

Em Santarém alguns setores fes-tejam a introdução da soja, e até umporto, construído pela multinacionalCargill, no maior flagrante de indife-rença à legislação ambiental. Foi er-guido quando o processo se achavana Justiça, sem definição. Que cená-rios se desenham no horizonte com atentativa de disciplinamento do usodo território na BR-163 para a Amazô-nia? Indícios mostram que uma situa-ção de caos é interessante para oprocesso de transferência de terraspúblicas para a iniciativa privada.

Dias piores virão?

* Colaborador do MST-PA, mestrando do

Núcleo de Altos Estudos Amazônicos daUniversidade Federal do Pará (UFPA);ver a íntegra do artigo em www.ensp.fiocruz.br/radis/39/web-01.html

BR-163: dias piores virão?BR-163: dias piores virão?

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