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Controle da Importação de Munições pela União Federal em Face do Tratado de Assunção Denis Borges Barbosa e Mariana Tápias, 1998 CONTROLE DA IMPORTAÇÃO DE MUNIÇÕES PELA UNIÃO FEDERAL EM FACE DO TRATADO DE ASSUNÇÃO................................................................1 I - DA POLÍTICA DE SEGURANÇA E DEFESA NACIONAL.............................5 Do controle brasileiro de importação de armas e munições.......................................................... 5 Aspectos de Mobilização Nacional e Logística Militar..................................................................... 5 Indispensabilidade do controle de industrialização e comercialização de munições ................ 10 II - VIGÊNCIA DO ART. 112 DO R-105 VIS A VIS AS NORMAS CONSTITUCIONAIS DE 1988.........13 Constitucionalidade da intervenção no domínio industrial para fins de mobilização nacional ............................................................................................................................................................ 13 Da norma de competência e da norma de intervenção no domínio industrial com vistas à mobilização nacional....................................................................................................................... 16 III – LEGALIDADE DO CONTROLE DE IMPORTAÇÃO DE MUNIÇÕES NO DIREITO INTERNACIONAL EM GERAL. . 23 O Artigo XXI do Acordo Geral da OMC - As normas do GATT........................................................ 23 Conclusões quanto ao Direito Internacional geral aplicável ........................................................ 33 IV – O CONTROLE DE IMPORTAÇÃO DE MUNIÇÕES E O MERCOSUL.............................35 O Tratado de Assunção - normas do MERCOSUL........................................................................... 35 Da questão da reciprocidade........................................................................................................... 37 Do tratamento do controle de munições nos atos de execução do Tratado de Assunção........ 39 V- Conclusões.........................................................42 A questão em análise é situação jurídica, perante o quadro do Direito Internacional aplicável ao Mercosul, do controle de importação de armas e munições exercido pela União Federal, através do Ministério do Exército. Tal solicitação se cinge especialmente numa pretensão de reciprocidade arguída pela parte argentina perante a administração do Mercosul. Já de princípio podemos indicar nossa convicção de que a argüição argentina carece de amparo na legislação internacional do MERCOSUL, com base em que foi formulada. Com efeito, a alegação de que as vedações à importação às munições constantes da legislação brasileira feririam o princípio de reciprocidade inscrito no art.

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Controle da Importação de Munições pela União Federal em Face do Tratado de Assunção

Denis Borges Barbosa e Mariana Tápias, 1998 CONTROLE DA IMPORTAÇÃO DE MUNIÇÕES PELA UNIÃO FEDERAL EM FACE DO TRATADO DE ASSUNÇÃO.............................................................................................................................1

I - DA POLÍTICA DE SEGURANÇA E DEFESA NACIONAL..................................................................5Do controle brasileiro de importação de armas e munições......................................................................5Aspectos de Mobilização Nacional e Logística Militar..............................................................................5Indispensabilidade do controle de industrialização e comercialização de munições..............................10

II - VIGÊNCIA DO ART. 112 DO R-105 VIS A VIS AS NORMAS CONSTITUCIONAIS DE 1988...........................13Constitucionalidade da intervenção no domínio industrial para fins de mobilização nacional..............13Da norma de competência e da norma de intervenção no domínio industrial com vistas à mobilização nacional....................................................................................................................................................16

III – LEGALIDADE DO CONTROLE DE IMPORTAÇÃO DE MUNIÇÕES NO DIREITO INTERNACIONAL EM GERAL23O Artigo XXI do Acordo Geral da OMC - As normas do GATT..............................................................23Conclusões quanto ao Direito Internacional geral aplicável..................................................................33

IV – O CONTROLE DE IMPORTAÇÃO DE MUNIÇÕES E O MERCOSUL..............................................................35O Tratado de Assunção - normas do MERCOSUL..................................................................................35Da questão da reciprocidade....................................................................................................................37Do tratamento do controle de munições nos atos de execução do Tratado de Assunção........................39

V- Conclusões................................................................................................................................................42

A questão em análise é situação jurídica, perante o quadro do Direito Internacional aplicável ao Mercosul, do controle de importação de armas e munições exercido pela União Federal, através do Ministério do Exército. Tal solicitação se cinge especialmente numa pretensão de reciprocidade arguída pela parte argentina perante a administração do Mercosul.

Já de princípio podemos indicar nossa convicção de que a argüição argentina carece de amparo na legislação internacional do MERCOSUL, com base em que foi formulada. Com efeito, a alegação de que as vedações à importação às munições constantes da legislação brasileira feririam o princípio de reciprocidade inscrito no art. 2º do Tratado de Assunção não procede, por razões que derivam do próprio Tratado em questão.

O artigo 50 do Tratado de Montevidéu de 1980, incorporado ao Tratado de Assunção pelo disposto no Art. 2º, in fine, do anexo I deste último Tratado, determina que nenhuma de suas disposições deve ser interpretada como impedimento à adoção de medidas destinadas a:

“a) a proteção da moral pública;

b)aplicação das leis e regulamentos de segurança;

c) regulação das importações ou exportações de armas, munições e outros materiais de guerra e, em circunstâncias excepcionais, de todos os demais artigos militares;

(...)

g) exportação , utilização e consumo de materiais nucleares, produtos radioativos ou qualquer outro material utilizável no desenvolvimento ou aproveitamento da energia nuclear.”

Tal disposição, que encontra paralelos no texto do GATT e de outros atos internacionais, representa uma Reserva de Soberania, que prevalece a despeito de quaisquer interesses econômicos e comerciais, por mais relevantes que sejam. Sem dúvida, os Estados do MERCOSUL reservaram sua soberania para a regulamentação unilateral das matérias elencadas nas alíneas, destacando-se a c) e f) como ligadas à segurança nacional.

Mesmo aqueles que defendem uma interpretação mais restritiva deste dispositivo admitem a reserva de soberania no Mercosul, para aquelas hipóteses

“diretamente afetas à segurança nacional e que tradicionalmente estão excluídas da integração econômica, como “a regulação das importações e exportações de armas, munições e outros materiais de guerra” ou a “exportação, utilização e consumo de materiais nucleares, produtos radioativos ou qualquer outro material utilizável no desenvolvimento ou aproveitamento da energia nuclear””1.

Portanto, pacífico o entendimento de que, perante à legislação do MERCOSUL, o Brasil como Estado-Membro está autorizado a fazer o controle das importações de armas, munições e outros materiais de guerra.

A deliberação brasileira de fazer aplicar tal princípio de Reserva de Soberania, em atenção aos interesse máximos de preservação da nação brasileira, verificou-se pela relação anexa ao Acordo de Alcance Parcial de Complementação Econômica no. 18, assinado em 29 de novembro de 1991, na qual surge o Decreto 55.649, de 28/11/1965 como base da necessidade de autorização prévia do Ministério do Exército para a importação de munições e pólvora. Assim, pela aplicação do Art. 50, c do Tratado de Montevidéu, o Brasil excetuou das obrigações de eliminação de restrições ao comércio o controle de importação de munições.

Na verdade, o que diz o anexo I do Tratado de Assunção– após definir as restrições a serem abolidas – é que a aplicação da Reserva de Soberania nem poderá ser considerada como restrição. Com efeito, não há restrição ao comércio no exercício da Soberania em matéria de essencial interesse da defesa militar do País.

De outro lado, é inaplicável ao caso a argüição de reciprocidade. Como afirma a maior autoridade na interpretação do Tratado de Assunção, em publicação do próprio Itamarati 2, o princípio de reciprocidade do art. 2º daquele Tratado implica somente numa “igualdade perante o direito contido no tratado”. O Art. 50, “c”, do Tratado de Montevidéu 1980, incorporado ao Tratado de Assunção, aplica-se igualmente às quatro partes do

1Estrella Faria, José Ângelo, O MERCOSUL: Princípios, Finalidades e Alcance do Tratado de Assunção, Brasília: MRE/SGIE/NAT, 1993, p. 105.2 Idem, p. 17 a 20.

MERCOSUL, instituindo uma faculdade de excetuar do regime de liberação de comércio as armas e munições. Brasil e Argentina igualmente dispõem de tal faculdade.

De forma alguma o não exercício de tal faculdade, ou o seu exercício limitado, por uma das partes, imporia à outra o dever de abster-se de controlar as armas e munições. Estamos no campo da Reserva da Soberania. Porém, mesmo em outras áreas, a reciprocidade não implica em equivalência de resultados. Como determina a história da negociação do Tratado, a República Oriental do Uruguai especificamente pretendeu que fosse consignado no texto a regra de que a reciprocidade implicasse em iguais resultados, e tal pretensão não foi adotada 3.

Assim, existe reciprocidade na garantia uniforme, tanto à parte argentina quanto à brasileira, da aplicação do art. 50,”c” do Tratado de Montevidéu 1980 para controle de armas e munições, ainda que os resultados de tal aplicação sejam diferentes em cada um dos países.

Em particular, este estudo se dirigirá ao Art. 112 do Decreto nº 55.649, que dispõe da seguinte forma:

“Art. 112 - O Ministério do Exército, a par da fiscalização que exerce, dará à indústria nacional toda a proteção necessária ao incremento de sua produção, e a melhoria de seu padrão técnico.

Dessa forma, todo o produto controlado que estiver sendo fabricado ou vier a ser produzido no País, desde que alcance um nível de produção julgado ponderável pelo Ministério do Exército, será colocado na Categoria de Controle nº 1 ou 1-A e sua importação passará a ser negada ou restringida, seja através de cotas anuais, seja através de percentagens da quantidade adquirida na indústria nacional ou outro qualquer critério de restrição.

Parágrafo Único - As cotas e percentagens serão fixadas por Aviso do Ministro do Exército, que levará em consideração as necessidades do mercado interno, a produção nacional e a manutenção de um estoque mínimo.”

O propósito do presente estudo é demonstrar que tal controle

3 Idem, página 18, nota 52.

é compatível com o sistema constitucional brasileiro

ajusta-se aos parâmetros do Direito Internacional geral

compatibiliza-se com o sistema jurídico do Mercosul

à luz deste mesmo sistema, não suscita aplicação de reciprocidade

Para apreciar o estatuto jurídico do controle em questão, cabe perquirir, em primeiro lugar, o contexto constitucional e fáctico em que se efetuam as intervenções da União, dentro dos parâmetros de um Estado de Direito Democrático, com vistas à defesa nacional e, em particular, a mobilização nacional. Como se demonstrará, é em tal contexto que se desenvolvem as atividades relativas ao controle de munições de uso bélico e de interesse militar.

Em segundo lugar, incumbe demonstrar a compatibilidade constitucional das atividades de intervenção da União no domínio industrial do setor de munições, a existência de normas de competência e normas diretas de intervenção, num segmento da atividade econômica - o da base industrial mobilizável - em que o Direito público distingue situação singular quanto ao montante e natureza do interesse público em questão.

Para contemplar a parcela de intervenção que se volta ao comércio internacional, especialmente no presente momento, em que se reforçam os instrumentos jurídicos multilaterais e bilaterais do Direito Econômico Internacional (OMC, MERCOSUL), volta-se, numa terceira seção, a perquirir a compatibilidade das ações interventivas da União, no setor de munições, com a norma supranacional. Como se verá, conclui-se pela sua absoluta compatibilidade não só com os textos multilaterais como com a prática legal estrangeira.

Passaremos, enfim, a apreciar especificamente a alegação de reciprocidade no tocante ao Tratado de Assunção.

I - DA POLÍTICA DE SEGURANÇA E DEFESA NACIONAL

Do controle brasileiro de importação de armas e munições

Em política seguida uniformemente pela União Federal desde 1934, está cometido ao Ministério do Exército o controle de industrialização e comercialização, inclusive importação, de material bélico e de interesse militar. Tal controle, que visa não só vedar a disseminação de instrumentos de guerra entre a população civil, volta-se especificamente a assegurar condições de mobilização industrial, ou seja, o engajamento da indústria bélica e de interesse militar na defesa nacional.

Mencionado controle, amparado no estatuto da mobilização, engloba não somente o material bélico, objeto de dispositivo específico da Lei Maior de 1988, mas também o material de interesse militar, inclusive os bens de uso duplo - militar e civil - e a capacitação industrial imediatamente conversível para os requisitos da defesa nacional.

Aspectos de Mobilização Nacional e Logística Militar

Mobilização nacional na Constituição

Já em seu artigo primeiro, a Constituição Federal de 1988 preceitua que a República Federativa do Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito e tem como fundamento precípuo a Soberania da nação, entendendo-se por esta o conjunto da população brasileira mais o espaço físico e geográfico do País. Conceito de extensa dimensão política e jurídica, a noção de Soberania constrói-se, no texto constitucional, com estreita correlação com o de defesa nacional e, em particular, com o de mobilização.

Em consonância com a tradição constitucional do Ocidente, a nossa Carta estipula como assente que a segurança e a defesa da nação são condições de garantia de um Estado de Direito Soberano. Como bem define o Prof. Miguel Reale:

“Segurança nacional é o conjunto das condições mediante as quais a Sociedade Civil e o Estado promovem e garantem, democraticamente, o desenvolvimento ético e material da comunidade nacional, visando realizar a justiça social e a paz.”4

Examine-se detidamente o conceito constitucional de mobilização nacional a fim de entender suas interrelações com o de segurança e de defesa nacional.

Com efeito, diz o artigo 21 da mesma Carta que compete à União “III - assegurar a defesa nacional”. O artigo 22 da C.F., em seu inciso XXVIII, inclui entre as matérias de competência legislativa privativa da União, as seguintes: defesa territorial, aeroespacial, marítima, civil e mobilização nacional. A expressão “mobilização nacional” aparece uma

4 Aplicações da Constituição de 1988, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1990, p.131.

vez mais no texto constitucional, em seu artigo 84, XIX, estabelecendo como competência do Presidente da República a decretação, parcial ou total, da mobilização nacional.

Como nota Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o dispositivo citado é novidade da Carta de 1988, hábil a configurar o conceito de mobilização nacional como uma categoria estreitamente compatível com o Estado Democrático de Direito.

Mobilização nacional - conceito

Elevado ao texto constitucional, o conceito de mobilização foi gerado na tessitura da ciência política e da arte militar. Em seu presente contexto histórico, a mobilização nacional consiste em:

“um conjunto de atividades planejadas, empreendidas ou orientadas pelo ESTADO, complementando a LOGÍSTICA nacional, para capacitar o poder nacional a realizar ações estratégicas de defesa, em face de declaração de estado de guerra ou resposta à agressão armada estrangeira.”5

Percebe-se que imbuído no conceito de mobilização nacional está o conceito de logística, que é:

“o conjunto de atividades relativas à previsão e a provisão dos recursos necessários à realização das ações planejadas para a Estratégia Nacional.”6

Como se depreende das definições supra, a mobilização nacional engloba todas as atividades do Estado-Nação no sentido de manter preparado o país para uma eventual guerra ou ameaça de guerra com outros países. Este conjunto de ações e políticas do Estado está intimamente ligado com a previsão e provisão dos recursos necessários à defesa da nação, i.e., a logística.

Como definem os doutrinadores da arte militar, a mobilização nacional compreende um aspecto político, um aspecto econômico, uma importante vertente científico-tecnológica, a motivação psicológica e social, sem dúvida, a concretização das ações de caráter estritamente militar.

Dentre estes aspectos interessa, em particular, analisar a mobilização econômica, e mais especificamente a mobilização industrial, item que se analisará a seguir.

Mobilização industrial - conceito

De forma bem genérica pode-se definir mobilização industrial pelo:“conjunto de atividades, empreendidas ou orientadas pelo Estado, no quadro da Mobilização Nacional, desde a situação de normalidade, com o propósito de possibilitar a adequação da capacidade industrial da nação ao atendimento das necessidades militares e civis, determinadas por uma situação

5 Fundamentos Doutrinários da Escola Superior de Guerra - Rio de Janeiro: Ed. ESG, 1995, p. 168.6 Idem, p. 163.

de emergência decorrente da declaração de estado de guerra ou resposta à agressão armada estrangeira.” 7 (grifo nosso)

O pressuposto técnico do atendimento à mobilização industrial é o preparo contínuo do parque industrial para sua utilização em caso de guerra. O conjunto das empresas industriais, públicas ou privadas, existentes no País, em condições de produzir qualquer tipo de material exigido pelo esforço de mobilização, dita base industrial mobilizável contêm três grupamentos básicos:

1) Indústrias de Material de Defesa (Indústria Bélica) - dedicadas à produção de material bélico, de uso exclusivo das Forças Armadas.

2) Indústrias de Interesse Militar - que produzem insumos e/ou material de emprego militar ou equivalente, ou que mediante transformação industrial, possam vir a produzi-los.

3) Indústrias Diversas - destinadas ao atendimento de necessidades não militares.

Distingue-se ainda, entre a base industrial mobilizável, o segmento ativo e a parcela industrial de reserva, sendo aquele representado pelas indústrias que já produzem, em tempo de paz, insumos ou material de emprego militar ou equivalente, e esta pelas indústrias aptas a serem incorporadas rapidamente ao esforço de mobilização.

Como é intuitivo, é imprescindível manter indústrias constantemente produzindo material bélico vez que, em caso de declaração de guerra ou ameaça externa, não há tempo hábil para se iniciar uma produção militar. No dizer de Maquiavel: “sem possuir armas próprias, nenhum principado está seguro; está antes, à mercê da sorte, não existindo virtude que o defenda nas adversidades”8.

Em particular, o controle sobre a produção industrial com vistas à mobilização nacional se volta aos chamados insumos estratégicos, de mais difícil obtenção e que necessitam de estocagem em tempo de paz. É necessário um prévio e adequado planejamento das quantidades necessárias e das formas de sua obtenção. As munições são consideradas insumos essenciais para a mobilização nacional.

Mobilização Industrial - Estratégias

Como instância da proteção da Soberania, requisito entre nós insculpido no artigo inaugural da Carta de 1988, a política de defesa nacional de todos os países adota uma série de mecanismos de mobilização industrial, quais sejam:

1) nacionalização, em tempo de paz, das empresas produtoras de insumos militares;

2) controle das empresas privadas;

3) controle de importação e exportação;

7 Elementos Teóricos de Mobilização Industrial, organização Com. Ney Marino, Rio de Janeiro: Ed. ESG, 1995, p. 8.8 O Príncipe, Das Tropas Auxiliares Mistas ou Nacionais, Ed.Cultrix, São Paulo.

4) adaptação das linhas de produção, direcionando-as para o esforço de guerra.

No que diz respeito ao material de guerra diretamente necessário às Forças Armadas (base mobilizável ativa), o próprio Estado preocupa-se em fabricá-lo. Por meio de uma política de nacionalização das indústrias privadas de armamento, um grande número de Estados esforça-se, a partir do tempo de paz, para adaptar os seus serviços técnicos à fabricação da maioria das armas e apetrechos utilizados pelas Forças Armadas Militares.

Tal tarefa, como é claro, não se esgota na simples encomenda de material bélico e bens de interesse militar pelo Estado, mas envolve também o planejamento das ações que constituem a mobilização industrial. O sistema jurídico e institucional de outros países, como é claro, se defronta com pressupostos de defesa nacional idênticos, mesmo que em contextos econômicos e políticos radicalmente diverso. Desde a segunda grande guerra restou pacífico o estreitíssimo vínculo entre preparação militar e econômica.

Os exemplos de manutenção permanente de uma base industrial mobilizável são abundantes:

Os E.U.A. criaram a figura dos “núcleos de organização”, i.e., empresas que estão preparadas para de desenvolverem com bastante rapidez, de acordo com um plano previsto, em caso de necessidade militar.

A Alemanha sempre possuiu, ainda quando parecia estar utilizando toda sua capacidade produtiva, importantes reservas de forças que só são reveladas em caso de conflito. São as chamadas “Schattenindustrie” - indústrias ocultas.

A França e a Bélgica sempre mantiveram atenção às ações de mobilização nacional, principalmente sob o aspecto do planejamento industrial da nação, fazendo estudos constantes de quais setores nacionais precisavam de maior desenvolvimento, sob o prisma militar. O Estado Francês, em particular, intervem, ao abrigo de seu sistema constitucional próprio, no domínio econômico para garantir as despesas com equipamentos para as indústrias que se encontravam ameaçadas de fechar, tendo em vista o interesse militar da produção.

Panorama da mobilização industrial no Brasil

Sob os diferentes sistemas constitucionais, a intervenção do Estado no domínio industrial, para assegurar a existência de uma base industrial mobilizável foi uma constante absoluta.

No início do século o país registrou a fase das fábricas militares, fase que se prolongou até o fim da segunda grande guerra. Durante este período podemos registrar uma série de empreendimentos de administração direta da União, entre os quais: Fábrica do Realengo de munição, Fábrica de Pólvora - SP, Fábrica de Munição do Andaraí, Fábrica de Material Hipomóvel de Curitiba, Fábrica de munição de Juiz de Fora, Fábrica de armas de Itajubá, Fábrica de Material de Comunicações - RJ, Fábrica de Bonsucesso - material de guerra química e máscaras.

Após a 2ª Grande Guerra, com o início da Guerra Fria, a indústria bélica brasileira pouco pôde se desenvolver face a política norte-americana de obstaculizar a transferência de tecnologia e de exportar os equipamentos de sua indústria bélica para os países do 3º

mundo. Os E.U.A. privilegiou a exportação de seus excedentes de guerra, através do “Acordo de Assistência Militar - Brasil-E.U.A. (1952-1976).

Assim, por vinte anos, como relata o Prof. Diogo de Figueiredo 9, “ viveu-se a ilusão de resolver os problemas de suprimento de materiais de defesa através da importação”. Isto representou em uma fase de estagnação e até retrocesso em alguns setores do parque fabril nacional.

Com o fim do acordo (1976), teve início a fase de produção através de empresas públicas, de economia mista e privadas, com o predomínio destas últimas, “ particularmente assentadas nos progressos do parque fabril nacional nas áreas de siderurgia, metalurgia, bens de capital, mecânica, eletroeletrônica, material de transporte, química de base, telecomunicações, etc.”

Este esforço resultou em empresas tais como: IMBEL, EMBRAER, ENGESA, AVIBRÁS, BERNARDINI, MOTO PEÇAS, ENGESA QUÍMICA, CBV, DF VASCONCELOS, NOVATRAÇÃO, FI, PRÓLOGO, SITELTRA, VALPARAÍBA, CONDOR, BRITANITE, HYDROAR, BEMESA, TEREX, ETC.

Destaque-se neste curto período de expansão, a exitosa cooperação entre as empresas e suas associações de classe e os ministérios militares e seus centros de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico. Alguns fabricantes foram muito bem sucedidos nos seus esforços de conquistar fatias de mercado mundial, que embora pequenas do ponto de vista global, são significativas em comparação com a demanda interna.

Razoável quantidade das necessidades internas passou a ser atendida pelas empresas do setor, com destaque para os veículos blindados, veículos anfíbios, equipamentos de engenharia, materiais e embarcações fluviais, materiais de comunicação, munições e sub-munições, minas, morteiros, armas, canhões, lançadores de foguete, foguetes, centrais computadorizadas, ....

Ocorre que o setor nacional de material de defesa sofre séria crise nesta última década. Os recursos orçamentários alocados às Forças Armadas são cada vez mais exíguos. O mercado mundial como um todo foi retraído com o fim da guerra do Golfo, queda do muro de Berlim e esfacelamento da União Soviética.

No caso específico brasileiro, no atual contexto constitucional e histórico, o planejamento da política de defesa industrial brasileira tem que se defrontar com seríssimos percalços, examinados com acuidade por Diogo de Oliveira Figueiredo 10:

a) atraso tecnológico com reflexo na pesquisa e desenvolvimento de projetos e produtos;

b) alto custo dos investimentos para pesquisa, desenvolvimento, produção e comercialização, em particular quando disputada em área externa;

c) escala reduzida de encomendas;

9 Diogo de Figueiredo, Política de Estímulo à Produção de Material de Defesa pela Indústria Nacional, Rio de Janeiro: Ed. ESG, 1993, p. 03.10 Idem, págs. 18/19.

d) descontinuidade das encomendas de produtos e projetos;

e) inexistência de crédito oficial suficiente para suportar a pesquisa, industrialização e comercialização dos produtos;

f) impossibilidade, por falta de recursos e decisão política, da colocação de encomendas que visem ao acúmulo de estoques de mobilização, o que aumentaria a escala de contratos de compra e facilitaria a participação em concorrências ou fornecimentos na área externa;

g) mercado externo de elevada competitividade, no momento com excesso de ofertas, requerendo “marketing” agressivo, financiamento, apoio governamental forte e sofisticação;

h) restrições e pressões internas e externas à participação brasileira no mercado internacional de armas e tecnologia para sua fabricação;

i) ausência de consistente planejamento para a mobilização;

j) ausência de uma política de divulgação dos objetivos, importância, iniciativas, conquistas e dificuldades do setor, que esclareça e motive a sociedade, em particular os parlamentares, para uma participação consciente e responsável no debate e solução dos problemas da área, considerando-os como de relevante interesse nacional.

Segundo o mesmo Prof. Diogo de Figueiredo, este panorama “ tornou ainda mais sombrias as perspectivas da produção nacional de produtos de defesa. Fechou-se a brecha que as duras penas fora aberta para a conquista de pequena fatia do mercado externo, a golpes de criatividade, competência e audácia dos nossos empresários e técnicos, e graças à simplicidade, eficiência e adequação dos materiais que ensejaram a proeza.”11

Atualmente, poucas são as empresas de material de interesse da defesa nacional que conseguiram sobreviver à crise que atola o setor. Dentre elas, podemos destacar a IMBEL, EMBRAER, AVIBRÁS, BERNARDINI, BRITANITE, CBC, CBV, MANTIQUEIRA (VALPARAÍBA) e HYDROAR.

Indispensabilidade do controle de industrialização e comercialização de munições

Como visto acima, a Constituição Federal de 1988 consagra a política de mobilização nacional como imprescindível à defesa do Estado e a segurança da nação face as possíveis ameaças externas ou internas. A mobilização industrial é um dos aspectos de maior relevância para a mobilização nacional.

11 Ob. cit., p. 04.

Ensina o Prof. Sebastião José Ramos de Castro 12 que, tendo em vista “a forma que ocorrem os conflitos militares modernos, com sua súbita irrupção, sem declaração formal de guerra, não assegura condições de prazo para uma mobilização material progressiva, com a transformação ou adaptação das indústrias civis para a produção para fins militares”.

Adita ainda o mesmo autor:“Vive-se uma condição em que o país necessita contar com indústrias que sejam produtoras de materiais bélicos e que em caso de ameaça iminente ou irrompimento de conflito militar estejam em condições de apenas aumentar o ritmo de produção.”

Todos os modernos estados de direito sempre se utilizaram e permanecem se utilizando de estratégias de mobilização industrial como forma de garantir a ordem constitucional da nação. No caso brasileiro, os pressupostos técnicos da mobilização impõem ações de intervenção no domínio econômico, submetidas às seguintes diretrizes:

a) a preocupação e planejamento do parque industrial brasileiro de forma que possamos atingir uma relativa independência no que concerne aos insumos básicos e aos insumos de interesse militar;

b)a nacionalização das indústrias de material bélico;

c) o apoio às indústrias de interesse militar, incluindo-se aí, também as indústrias conversíveis em época de guerra;

d) a política de subsídios às indústrias supra-referidas;

e) o controle das importações e importações de produtos considerados estratégicos ao país.

Tendo em vista a tendência política brasileira de privatização das empresas públicas e redução da parcela de orçamento destinada às Forças Armadas, hoje, não há política de subsídios ou apoio as indústrias nacionais de material de defesa. A única estratégia de mobilização industrial que subsiste no Brasil é a do controle industrialização, comercialização e de importação de itens considerados de segurança e defesa nacional, i.e., estratégicos.

Demonstrar-se-á a seguir não só a relevância da manutenção deste mecanismo de controle pelas Forças Armadas do Brasil, mas principalmente, passo a passo, sua compatibilidade com o atual ordenamento jurídico brasileiro e sua adequação à ordem constitucional de 1988.

12 Rearmamento e Tecnologia, Rev. “A Defesa Nacional”, Rio de Janeiro: Ed. Escola do Comando do Estado Maior do Exército,Set/Out - 1982, nº 703, págs. 39/40.

II - Vigência do Art. 112 do R-105 vis a vis as normas constitucionais de 1988.

Examinar-se-á, nesta seção, as normas jurídicas em vigor que regulam a industrialização e comercialização de munições, com vistas a determinar sua vigência sob o atual sistema constitucional.

Constitucionalidade da intervenção no domínio industrial para fins de mobilização nacional

O Art. 173 da Constituição Federal de 1988

No título da Ordem Econômica, o caput do artigo 173 é um dos dispositivos que estabelece as hipóteses de intervenção do Estado na economia:

“Art. 173 - Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definido em lei.” (grifo nosso)

Comenta Eros Roberto Grau13 que segurança nacional é, no contexto da Constituição de 1988, conceito inteiramente distinto daquele consignado na Emenda Constitucional n. 1/69: cuidar-se-ía agora de segurança atinente à defesa nacional. Mais adiante o mesmo autor demonstra que em matéria de segurança nacional compete privativamente à União legislar sobre o tema, visto implícito no conceito de defesa nacional, tema este privativo da União por força do disposto no artigo 22, inciso XXVIII da Magna Carta.

Entende ainda o jurista que não resta dúvida “quanto à possibilidade, mas até mesmo à imperiosidade, de a exploração direta da atividade, na hipótese de imperativo de segurança nacional - então definida por lei federal - ser empreendida em regime de monopólio”14.

José Afonso da Silva também entende que o Art. 173 é um permissivo constitucional para a intervenção direta do Estado na economia nos setores de defesa nacional, denomina esta intervenção de “necessária”15 tendo em vista a preservação da segurança nacional.

Comentando o caput do mesmo artigo 173, o Profº. Celso Ribeiro Bastos aduz que o texto constitucional consagra uma permissão para o Estado desempenhar atividade ou indústria que se mostrem necessárias à segurança nacional. Para estes constitucionalistas “a expressão segurança nacional há de ater-se àquelas atividades que dizem respeito

13 A Ordem Econômica na Constituição de 1988, São Paulo: Ed. RT, 1991, pág. 274. 14 Ob. citada, p.277.15 Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Ed. RT, 1990, pág. 675.

diretamente à produção de bens e serviços necessários ao regular funcionamento a até mesmo ao satisfatório aparelhamento das forças armadas”16.

Como se observa, pacífico é na doutrina que o texto constitucional de 1988 consagra a possibilidade de o Estado vir a intervir, mediante exploração direta, no setor de materiais bélicos para a defesa e segurança nacional.

Ora, segundo o princípio basilar do direito onde “aquele que pode mais, pode menos”, se o Estado está autorizado pela Constituição de 1988 até mesmo a explorar diretamente, com exclusividade, as indústrias de armas e munições, entre outras de interesse primordial à segurança nacional, não se vislumbra possível inconstitucionalidade na atuação do Estado de controlador da importação destes produtos e suas respectivas matérias primas.

Não há, pois, qualquer fundamento na tese da Impetrante que erroneamente apregoa a não recepção pela Constituição de 1988 das normas que regulamentam o controle de importação dos produtos de interesse estratégico da segurança nacional. O que se poderia admitir seria tão somente a discussão de quais são os produtos de interesse para a defesa nacional.

No caso de munições, já indicamos, acima, o caráter essencial e estratégico do produto para a preservação da soberania e independência do país. Armas e munições são itens onde a nacionalização da produção e o apoio à indústria e a pesquisa se revelam fundamentais para a segurança de qualquer Estado de Direito Moderno. Não fosse assim, não seriam tantos os exemplos protecionistas advindos do primeiro mundo, como se examinará mais adiante nesta peça.

O Art. 170 em face do Art. 173, ambos da C.F. de 1988

Prescreve o artigo 170 da Constituição de 1988 que:“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

(...)

IV - livre concorrência;

(...)”

Assim, O constituinte listou como princípios norteadores da ordem econômica, entre outros, a soberania nacional e a livre concorrência. Acerca do primeiro princípio que a lei elenca - o da soberania nacional - ensina o Prof. Celso Ribeiro Bastos:

“A soberania nacional é um atributo do próprio Estado. Ele deve por ela zelar em todos os seus campos: político, militar e inclusive econômico. Um país com excessiva dependência do estrangeiro pode ver enfraquecida a sua soberania.”17

16 Comentários à Constituição do Brasil, São Paulo: Ed. Saraiva, 1988, pág. 73. 17 Ob. citada, pág. 20.

Já Rezek enfoca a questão sob o prisma internacional:“Atributo fundamental do Estado, a soberania o faz titular de competências que, precisamente porque existe uma ordem jurídica internacional, não são ilimitadas; mas nenhuma outra entidade as possui superiores.”18

Veja-se que o legislador e a boa doutrina constitucional deixam claro a submissão da ordem econômica à soberania nacional. É postulado lógico o que se diz, visto que não haverá ordem econômica viável se a nação não mantiver sua soberania.

Como já estudado acima, intrínseco ao conceito de soberania está o de segurança e defesa da nação. Tanto o é assim, que embora o mesmo artigo 170 indique a livre concorrência como princípio da ordem econômica o artigo 173 excepciona o primado do livre mercado - com o estado apenas regulador e fiscalizador - aos casos de relevante interesse coletivo e segurança nacional, onde a constituição permite, inclusive, o monopólio estatal no setor.

Da exceção constitucional às aquisições públicas para fins de mobilização nacional

O artigo 24, inciso XIX, da Lei 8.666, de 1993, com a redação da Lei 8.883/ 94, o estatuto das licitações do setor público, submetendo-se ao interesse constitucional da mobilização nacional, como regime de intervenção excepcional no domínio industrial, excetua da exigência de procedimento licitatório o material de fornecimento às Forças Armadas.

Note-se o que prescreve o inciso XIX, do artigo 24:“Art. 24 - É dispensável a licitação:

(...)

XIX - para as compras de materiais de uso pelas Forças Armadas, com exceção de materiais de uso pessoal e administrativo, quando houver necessidade de manter a padronização requerida pela estrutura de apoio logístico dos meios navais, aéreos e terrestres, mediante petição de comissão instituída por decreto;

(...)”

Interessante perceber que em norma não específica das forças armadas e material bélico, observa-se a mesma mens legis no sentido de se tratar à parte da regra geral os bens de defesa nacional, tendo em vista o relevante interesse público em questão.

Claramente a regra de direito público, emitida em 1993 em consonância com o sistema constitucional de 1988, ao permitir a não realização de certame público no caso de fornecimento de material bélico, muito mais plausível a admissão legal de um controle externo da entrada de tais produtos, controle que no máximo desprivilegiaria os produtores estrangeiros, mas nunca os nacionais.

18 Direito Internacional Público, Saraiva, 1989, p. 227/228.

Como ensina o Prof. Marçal Justen Filho, “ a dispensa de licitação verifica-se em situações onde, embora viável competição entre particulares, a licitação afigura-se objetivamente inconveniente ao interesse público”19.

Da norma de competência e da norma de intervenção no domínio industrial com vistas à mobilização nacional

Absolutamente compatível com o contexto constitucional, como demonstrado, a intervenção no domínio industrial com vistas à mobilização nacional necessita, porém, de normas específicas de competência, e de normas diretas de intervenção.

Da norma de competência - legalidade da ação da União

A competência do Ministério do Exército para controlar e fiscalizar os produtos que envolvam a produção de materiais bélicos e de interesse militares está assentada em uma série de diplomas legais.

1) Lei 9.649, de 27 de maio de 1998 (D.O.U. de 28/5/98) que estabelece a competência dos vários Ministérios:

“Art. 14 - Os assuntos que constituem áreas de competência de cada Ministérios são os seguintes:

(...)

VIII - Ministério do Exército:

(...)

d) planejamento estratégico e execução das ações relativas à defesa interna e externa do País;

(...)

f) participação no preparo e na execução da mobilização e desmobilização nacionais;

g) fiscalização das atividades envolvendo armas, munições, explosivos e outros produtos de interesse militar;

h) produção de material bélico;”

2) Lei Complementar nº 69, de 23/07/91, dispõe sobre a organização das forças armadas como se segue:

“Art. 7º - O preparo das Forças Armadas é orientado pelos seguintes parâmetros básicos:

(...)

II - procura da autonomia nacional crescente, através da contínua nacionalização de seus meios, nela incluídas

19 Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Rio de Janeiro: Ed. Aide, 1995, p. 148.

pesquisa e desenvolvimento e o estímulo à indústria nacional;

III - correta utilização do potencial nacional, mediante mobilização criteriosamente planejada.”

3) Decreto nº 93.188, de 29/08/86, dispondo sobre a organização básica do Ministério do Exército:

“Art. 5º - Compete ao Ministério do Exército, em consonância com a Política de Segurança Nacional e de conformidade com os planos e diretrizes aprovados pelo Presidente da República:

(...)

II - o planejamento estratégico e a execução das ações relativas à defesa interna e à defesa externa do País, a cargo da Força Terrestre;

III - a participação na defesa da fronteira marítima;

IV - a participação na defesa aérea do Território Nacional;

V - a participação no preparo e execução da mobilização e da desmobilização nacionais;

(...)

VII - o preparo da Força Terrestre, ....

VIII - a orientação e realização de pesquisas e a elaboração de estudos de interesse para o desenvolvimento do Exército, ....

IX - a autorização para fabricar produtos controlados e a fiscalização de sua produção e comercialização;

(....)

XI - a supervisão da Indústria de Material Bélico do Brasil - IMBEL e .... “ (grifo nosso)

Da norma de intervenção

Prescreve o Art. 112 do Decreto nº 55.649, de 28-01-65, mais conhecido como Regulamento Para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105), que:

“Art. 112 - O Ministério do Exército, a par da fiscalização que exerce, dará à indústria nacional toda a proteção necessária ao incremento de sua produção, e a melhoria de seu padrão técnico.

Dessa forma, todo o produto controlado que estiver sendo fabricado ou vier a ser produzido no País, desde que alcance um nível de produção julgado ponderável pelo Ministério do Exército, será colocado na Categoria de Controle nº 1 ou 1-A e sua importação passará a ser negada ou restringida, seja através de cotas anuais, seja através de percentagens da quantidade adquirida na indústria nacional ou outro qualquer critério de restrição.

Parágrafo Único - As cotas e percentagens serão fixadas por Aviso do Ministro do Exército, que levará em consideração as necessidades do mercado interno, a produção nacional e a manutenção de um estoque mínimo.”

Depreende-se da leitura do dispositivo acima que compete ao Ministério do Exército:

1) fiscalizar a indústria nacional

2) proteger o incremento da produção e a melhoria do seu padrão técnico

3) controlar a importação dos produtos da Categoria de Controle nº 1 ou 1-A, negando ou restringindo a importação de produtos fabricados no país em níveis de produção considerados ponderáveis

Quanto a esta última competência, vê-se que o controle da importação dos produtos da Categoria de Controle 1 ou 1-A, negando ou restringindo a importação, pode ser exercido mediante cotas anuais, percentagem da quantidade adquirida na indústria nacional, ou qualquer outro critério de restrição.

Em caso de estabelecimento de cotas e percentagens, estas serão estabelecidas por Aviso do Ministro do Exército, levando em conta as necessidades do mercado interno, a produção nacional e a manutenção de um estoque mínimo.

Fixada a nível regulamentar, a intervenção se concretiza em face de uma Relação dos Produtos Controlados, hoje constante da Portaria Ministerial no. 478 (19/09/94).

As Demais Normas de Fiscalização e Controle de Material Bélico e de Defesa

A norma básica de intervenção tem sido complementada e reiterada em uma série de preceitos regulamentares, dos quais vale mencionar:

1) O Decreto nº 88.113 (vide doc. ), de 21/02/83, foi a norma que revigorou o Regulamento R-105 - Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados -

aprovado pelo Decreto nº 55.649/65. O que o Decreto 88113/83 fez foi apenas compatibilizar as nomenclaturas do R-105 com os novos departamentos do Ministério do Exército que foram criados. Como se pode constatar pela rápida leitura do texto, não há qualquer modificação de conteúdo significativa.

2) O Decreto nº 1.246, de 11/12/36, que consubstanciou a primeira aprovação que o R-105 - então denominado Regulamento para Fiscalização, Comércio e Transporte de Armas, Munições e Explosivos, Produtos Agressivos e Matérias Primas Correlatas, obteve. O Decreto 55.649/65 assimilou, em sua integralidade, as normas do mesmo regulamento, como já mencionado supra.

3) Por fim, temos o Decreto nº 24.602, de 06 de julho de 1934, que impôs pela primeira vez na nação, e de forma rígida, o controle da fabricação e comercialização de material bélico. Vejamos o que estabelecem os primeiros três artigos deste diploma:

“Art. 1º - Fica proibida a instalação, no País, de fábricas civis destinadas ao fabrico de armas e munições de guerra.

Parágrafo Único - É entretanto facultativo ao Governo conceder autorização, sob as condições:

a) de ser feita uma fiscalização permanente nas suas direções administrativas, técnica e industrial, por oficiais do exército, nomeados pelo Ministro do Exército, sem ônus para a fábrica;

b) de submeter-se às restrições que o Governo Federal julgar conveniente determinar ao comércio de sua produção para o exterior e interior;

c) de estabelecer preferência para o Governo Federal, na aquisição de seus produtos.

Art. 2º - É absolutamente proibido qualquer fábrica civil fabricar munição de guerra, a não ser o caso previsto no parágrafo único do Art. 1º.

Art. 3º - Nenhuma fábrica de produção de cartuchos munições e armas de caça ou explosivos, poderá se instalar ou funcionar se já existe, sem que haja:

1º - satisfeito as exigências ditadas pelo Ministério do Exército;

2º - assinado o compromisso de aceitar as restrições que o Governo Federal, através de seus órgãos, julgar conveniente criar ao comércio de sua produção, tanto para o exterior como para o interior, bem como as referentes às importações de matérias-primas.

(...) “

Do controle do Ministério do Exército na Jurisprudência Recente

Acrescente-se aos argumentos legais e doutrinários que aqui foram elencados as recentes decisões de nossos tribunais no sentido de reconhecer a vigência do Decreto 55.649/65 e das demais normas do setor de material bélico, admitindo a pacífica recepção destas pela Constituição de 1988.

Prolata o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso em Mandado de Segurança nº 5.571-87/RJ, julgado em 21 de agosto de 1995:

“A expressão material bélico, consignada na Constituição Federal (art. 21) compreende todo e qualquer tipo de objeto ou instrumento (revólver, metralhadora, dinamite, granada) utilizado pelas forças armadas na manutenção da ordem interna.”

(....)

“... a competência para autorizar a produção e comércio de material bélico é da União e, ademais, a disciplina e a fiscalização desse comércio é regulamentada por legislação federal (Lei 6.404/76) e Decreto nº 55.649/65, cujo § 1º do artigo 256 impede, os Municípios, de divergirem da legislação de regência.”

Mais adiante cita o acórdão os comentários de Crettella Junior à C.F. de 88:

“ ... Material bélico: É definido pelo Decreto Federal nº 55.649, de 28 de janeiro, de 1965, que estabelece o regulamento para o serviço de fiscalização da fabricação, recuperação, manutenção, utilização industrial, manuseio, exportação, importação, desembaraço alfandegário, armazenamento, comércio, ....” ”

No acórdão nos Embargos de Declaração, no Mandado de Segurança nº 142 -94, datado de junho de 1996, os desembargadores do 1º Grupo de Câmaras do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro registraram que:

“ ... o conceito de material bélico deve ser buscado em outros textos legais, em especial no Decreto nº 55.649, de 28.01.65, o qual é referido no acórdão do Superior Tribunal de Justiça, da lavra do eminente Ministro Demócrito Reinaldo, ...”

No acórdão, do Mandado de Segurança, citado supra, o qual foi julgado em 27 de março do presente ano, tendo sido relator o Desembargador Carlos Ferrari, lê-se:

“ A produção e fiscalização do comércio de material bélico têm sua regulamentação no Decreto 24.602, de 06.07.34, que

foi transformado em norma complementar pelo Constituição de 34, por força do art. 18 das Disposições Transitórias. O seu artigo 9º obriga o registro, junto ao Ministério do Exército, de empresas que se dedicam ao fabrico e à comercialização dos materiais sujeitos à fiscalização, a qual está regulamentada presentemente pelo Decreto nº 55.649, de 28.01.65.”

Fácil perceber que a mais recente jurisprudência envolvendo material bélico é uniforme no reconhecimento da vigência e aplicabilidade dos Decretos 24.602 -34 e 55.649 -65.

III – Legalidade do controle de importação de munições no Direito Internacional em geral

O objetivo da presente seção é demonstrar que o controle da importação de munições, na forma atualmente exercida pela União Federal, é em tese compatível com o Direito Internacional, em especial sua parcela relativa ao Direito Internacional Econômico, no que trata das relações do comércio no âmbito da OMC, tomando ainda como exemplos a legislação da Comunidade Européia e a lei interna, de efeitos internacionais, dos Estados Unidos.

O que decorre de tal análise é que:

As exceções de segurança nacional, especialmente as relativas à importação e exportação são concebidas para atender ao interesse essencial de cada, tal como definido por sua decisão de Estado, sem interferência dos demais Estados. É uma autêntica reserva de soberania num contexto de colaboração econômica internacional, inclusive no contexto de um mercado comum.

A idéia de “segurança nacional”, na sua acepção do Direito Internacional Público, não se restringe à simples fabricação e comércio de material de guerra, mas abrange igualmente o que, no Direito Constitucional Brasileiro, se denomina interesse da mobilização nacional.

O Artigo XXI do Acordo Geral da OMC - As normas do GATT

Os Princípios gerais

Como o seu princípio geral, a OMC prevê que o único instrumento de controle do comércio internacional devam ser as tarifas alfandegárias 20. O Art. III do Acordo Geral e os acordos da OMC vedam o uso de tributos internos ou quaisquer outras medidas que regulem o comércio internacional em favor da produção doméstica 21.

Igualmente relevante é o Art. XI (1) do Acordo Geral e dos acordos da OMC, que, além de vedar a imposição de quotas de importação, proíbe o uso de qualquer outra limitação não tarifária, especialmente o licenciamento discricionário ou não automático das importações 22.

20 Steiner e Vagts, Transnational Legal Problems, Foundation Press, 1976, p. 1153: "Generally the Agreement attempts to make teriffs as much as possible the sole authorized protective device".21 (1) As partes contratantes reconhecem que as taxas e outras tributações, bem como as leis, regulamentos e prescrições que afetem a venda, a colocação à venda, a compra, o transporte, a distribuição ou a utilização de produtos no mercado interno (...) não deverão ser aplicadas aos produtos importados ou nacionais de modo a proteger a produção nacional. Segundo Carreau, Juillard e Flory, Droit International Économique, Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1980, "(il) apparaît, dans le sistème du G.A.T.T., comme l'une des expressions du principe de non-discrimination". Já como nota Celso D. de Albuquerque Mello, Direito Internacional Econômico, 1993, "Esta cláusula pode vir a acarretar limitação à soberania dos estados".22 (1) Nenhuma parte contratante instituirá ou manterá na importação de um produto originário do território de uma parte contratante para exportação ou para venda para exportação de um produto destinado ao território de uma outra parte contratante, proibições ou restrições que não direitos alfandegários que não direitos alfandegários, taxas ou outros

Com o conjunto de negociações multilaterais de 1979, denominado de Rodada Tóquio, incorporaram-se ao sistema GATT acordos específicos relativos às chamadas barreiras não tarifárias, abrangendo inclusive as licenças de importação. Estas foram objeto de instrumento específico, o Código de Procedimentos em Matéria de Licenças de Importação 23. Com os acordos da OMC, o Código de 1979 foi substituído pelo Acordo sobre Licenças de Importação 24.

A segurança nacional e a OMC

Cláusula essencial, para nossa consideração, é a constante do Art. XXI do Acordo Geral, parte integrante dos acordos da OMC. Diz ela :

ARTIGO XXI

Exceções relativas à segurança

Nenhuma disposição do presente Acordo será interpretada:

a) como impondo a uma Parte Contratante a obrigação de fornecer informações cuja divulgação seja, a seu critério, contrária aos interesses essenciais de sua segurança;

b) ou como impedindo uma parte contratante de tomar todas as medidas que achar necessárias à proteção dos interesses essenciais de sua segurança.

(i) relacionando-se à matérias desintegráveis ou às matérias primas que servem à sua fabricação;

(ii) relacionando-se ao tráfego de armas, munições e material de guerra e a todo o comércio de outros artigos e materiais destinados direta ou indiretamente a assegurar o aprovisionamento das forças armadas;

(iii) aplicadas em tempo de guerra ou em caso de grave tensão internacional;

c) ou como impedindo uma parte contratante de tomar medidas destinadas ao cumprimento de suas obrigações em virtude da Carta da Nações Unidas, a fim de manter a paz e a segurança internacionais.

Como se vê, é a alínea “b)” do artigo a que se deve voltar nossa atenção.

tributos, senão a aplicação seja feita por meio de contingentes, de licenças de importação ou de exportação ou de qualquer outro processo. Vide também o Art. XI (4), que se refere a tratamento não discriminatório entre produtos similares de origem nacional e origem estrangeira no tocante a leis, regulamentos e exigências relativos à venda, oferta, etc., no mercado interno. Segundo Carreau, etc., op. cit., p. 266, "Le champ d'application de l'interdiction énoncée par l'article XI est large puisque celle-ci vise simultanément les restrictions à l'importation et les restrictions à l'exportation".23 MTN/NMT/W/231/Rev.224 Doc. MTN/FA II-A1A-12.

Das três hipóteses pertinentes, duas são relativas a tipos específicos de produtos: a concernente ao comércio internacional de material físsil e da matéria prima a ele necessária; e a armas, munições e material de guerra e outros artigos e materiais destinados direta ou indiretamente a assegurar o aprovisionamento das forças armadas.

A terceira hipótese não se vincula a qualquer tipo de produto, mas a situações excepcionais, especificamente a guerra ou grave tensão internacional.

A interpretação do Art. XXI

A implicação de tal artigo é evidente: representa ele uma exceção radical aos princípios da OMC, ainda mais incisiva quanto é de caráter unilateral 25.

O alcance da norma vai muito mais do que a literalidade do texto. A intenção dos elaboradores do Acordo era clara neste sentido:

“some latitude must be granted for security as opposed to commercial purposes. (...) the spirit in which Members of the Organization would interpret these provisions are the only guarantee against abuse 26”

Inexiste qualquer regra substantiva de aplicação deste dispositivo 27. Apenas, segundo estipulação da reunião Ministerial de 1982, é necessário notificar ao GATT “da forma mais abrangente possível” a utilização desta exceção à Secretaria Geral do GATT 28. Tal estipulação - de caráter estritamente procedimental - não prevê, em especial, qualquer sanção em caso de uso regular da exceção de segurança nacional 29.

Exemplos relevantes da utilização da exceção em tela é o das sanções impostas à Argentina no caso das ilhas Falkland/Malvinas 30, as sanções contra a Nicarágua em 1983, e contra a Iugoslávia em 1991. Mas muitos são os casos na jurisprudência do GATT/OMC, inclusive no tocante ao licenciamento de importação.

Como se verá a seguir, a prática do GATT confirma a regra de que a exceção merece uma interpretação ampla, que não se restringe ao material físsil ou bélico, nem se limita a eventos excepcionais de guerra ou grave crise internacional. Para todos os efeitos, o artigo vem sendo aplicado para atender ao interesse essencial de cada país com sua segurança

25 Richard Sutherland Witt, The Politics of Procedure, in Law & Policy in Internacional Business vol. 19, pg 616.26 U.N. Doc. EPCT/A/SR.33 (1947), reproduzido no GATT Analytical Index Art. XXI-2 (1985). Na decisão do panel relativa à ação dos Estados Unidos contra a Nicarágua (L/6053, 1986), não adotado, houve algum questionamento quanto à adoção de critérios puramente subjetivos. A questão do abuso da cláusula será mencionada a seguir, ao discutir exatamente a questão do proporcionalidade em face ao art. 5o do Tratado de Montevidéu (1980).27 Na reunião ministerial de 1983, como se lê em GATT, Basic Instruments and Selected Documents, 23-24 (Suplemento nº 29, 1983), propõe-se novo código de salvaguardas incluindo a norma de Segurança Nacional, que não foi adotado. 28 Decision concerning Article XXI of the General Agreement, cf. GATT Index 1985, Art. XX-7, referente à reunião de 30 de novembro de 1982. 29 Witt, op. cit., p. 617: "This requirement implies that some advance warning, or at least a minimum amount of information, should be supplied to the affected country. No chance is provided, however, to the party for an initial rebuttal of the national security charges, or the intervention of a mediating third party". "(...) the only true recourse left to an affected country is to use the GATT complaint procedures, including Art. XXIII (...)". No mesmo sentido, enfatizando o aspecto de "nulification and impairment" do citado Art. XXIII, J.Jackson e Davey, Legal Problems of International Economic Relations,West, 1986, p. 748. 30 Gatt, Report of Council of Representatives, L/5414, 1982.

nacional, tal como definido por sua decisão de Estado, sem interferência dos demais Estados 31.

Segurança Nacional no direito econômico internacional.

A noção de segurança nacional assume uma importância crucial neste passo. No campo do Direito Econômico Internacional, não se confunde de nenhuma forma defesa militar e segurança nacional; esta última noção abrange a capacitação industrial do País, em particular, mas não só, em segmentos de interesse da defesa militar 32.

Notam os autores que a defesa nacional é apenas um componente da segurança nacional; nem se resume a matéria de segurança às informações reservadas de interesse de Estado 33.

Igualmente, a exceção de segurança nacional no âmbito das legislações nacionais pertinentes não tem se restrito ao produto ou item diretamente afetado pelo interesse estratégico; o tratamento especial atinge o setor industrial pertinente. Até a simples capacitação tecnológica de um setor tem sido considerada como relevante para a segurança nacional 34.

O alargamento de tal noção é particularmente notável no que tange à legislação americana relativa às licenças de importação por motivo de segurança nacional, como se verá a seguir 35.

31 Dizem Carreau, Fleury e Juillard, em seu Droit International Économique, L.G.D.J., 1990, p. 135: “En raison du caractère politique - et donc non exclusive commercial - des circonstances, seule la partie contractante concernée est juge de la situation”.32 Vide P. Wanke e J. Morris, National Security and International Business, in Law & Policy in Internacional Business vol. 1, p. 77 (1969): "The phrase national security usually connotes military preparedness and defense. But the requirements of national security entail something more than adequate weapons, military forces, and even collective defense agreements. Genuine national security also requires political, economic, and social development, both at home and abroad". Dizem Trebilcock e Howse, The Regulation of International Trade, Ed. Rutledge, Londres, 1995, p. 10: “A long-standing non-economic qualification to the case for free trade relates to National Security considerations. These may arise on both the import and export sides. With respect to imports, it is argued that there may sometimes be a case for restrictions to protect domestic industries which, even though not internationally competitive, may be required in the event of war or other international disruption”. 33 Phone Fibers, Fujitsu and the FCC: a National Light at the end of the Northeast Corridor, in Law & Policy in International Business, vol. 15, p. 652, (1983): " This approach suggests that national defense, as a concept, is but one specific component of national security. National defense deals primarily with military considerations, while national security involve any realm - for example, social, military, political, or economic - which could potentially impact upon the safety and well-being of the nation. More concretely, the movement of troops during wartime is national defense information, because it deals with the military defense of the nation. Such information is also national security information. By contrast, the identity of intelligence agents constitutes only national security information". O caso em análise era a adjudicação de uma concorrência ao segundo licitante, americano, quando o primeiro colocado, japonês, fora vetado por razões de segurança nacional.34 Phone Fibers, op. cit., p. 660: " In the Northeast Corridor case, for example, the Commission found "not unreasonable" AT&T's argument that a strong national research industrial base , resulting from the selection of national sources for fiber optic systems, would strengthen the national defense".35 Vale notar aqui que, não obstante voltar-se para um segmento que não coincide exatamente com o escopo do GATT original, a legislação americana relativa a investimento estrangeiro criou um mecanismo de intervenção do Governo Federal no caso de a operação de investimento ameaçar de alguma forma a segurança nacional. è a chamada "Exon-Florio Provision" do Omnibus Trade and Competition Act of 1988 (Sec. 5021, Pub.L. nº 100-418, 102 Atat. 1107, 1425-26). A noção de segurança nacional, neste caso, "should be interpreted without limitation to particular industries. The Report further advises that the relevant factors include, but are not limited to domestic production needed for projected defense requirements; industrial capacity and capability to meet national defense requirements; the availability of human resources, products, technology, materials and other supplies and services; and the control of the foreign ownership of domestic industries as it affects the ability of the United States to meet its internal security requirements". (Barry K.

Segurança nacional e licença de importação

O uso da exceção de segurança nacional parece perfeitamente assente no tocante às licenças de exportação. Com efeito, mecanismos unilaterais e multilaterais de controle tanto de armas e artefatos bélicos quanto de “itens de uso duplo” - leia-se, de interesse estratégico não necessariamente militar - são de emprego corrente na prática internacional .36

Não há registro de qualquer impugnação de tais mecanismos junto ao GATT que tenha sucedido, de forma a questionar o uso de embargos ou licenças de exportação por motivo de segurança nacional. Na verdade, pouquíssimas vezes o GATT apreciou demandas com base no Art. XXI do Acordo Geral 37.

Especialmente significativo, neste contexto, foi o episódio do embargo dos Estados Unidos contra a Nicarágua, no qual, perante o GATT, o embaixador americano afirmou, sem

Robinson, Practical Comments on the Exon Florio Provisions and Proposed Regulations, in The Commerce Department Speaks 1990, vol. I, p. 184, citando o relatório do Congresso Americano quanto ao Omnibus Trade Act). Vide Trebilcock e Howse, op.cit., p.282 e seg. D.S. Nance e J. Wassermann, Regulation of Imports and Foreign Investiment in the United States on National Security Grounds, 11 Michigan Journal of International Law 926 (1990). Vide, quanto às limitações ao investimento estrangeiro no setor de segurança nacional, o nosso recente Direito de Acesso do Capital Estrangeiro, Ed. Lumen Juris, 1996. 36 O O presente parecerista preparou por solicitação do Itamaraty, em 1991, trabalho sobre a matéria, de circulação restrita, denominado "O Acesso do Brasil, Bens e Serviços de Tecnologia Avançada". Sobre o mesmo tema, publicou “A OMC e a cláusula de segurança nacional” in Licitações Subsídios e Patentes, Lumen Juris, 1996, p 73 e Seg.; O Avanço do Feudalismo Informacional (Jornal do Brasil, Idéias, 14/7/91) e Restrições Legais ao Acesso do Brasil a Bens e Serviços de Tecnologia Avançada (in Anais do IV Seminário Internacional da Federação Brasileira de Associações de Engenheiros, Rio de Janeiro 1992). Sobre a questão, vide ainda: Coping with U.S. Export Controls 1991, PLI, um estudo de 1082 páginas quanto à pratica americana e de outros países. Numa perspectiva mais acadêmica, veja-se Homer E.Moyer Jr. e Linda a. Mabry, Export Controls as Instruments of Foreign Policy, 15 Law & Pol'y Int'l Bus. 1 (1983); Christine Alexander, Preserving High Technology Secrets: National Security Controls on University Research and Teaching, 15 Law & Pol'y Int'l Bus. 173 (1983);James R.Atwood, The Export Administration Act and the Dresser Industries Case, 15 Law & Pol'y Int'l Bus. 1157 (1983); Daniel Marcus, Soviet Pipeline Sanctions, 15 Law & Pol'y Int'l Bus. 1163; Jerome J. Zaucha, The Soviet Pipeline Sanctions, 15 Law & Pol'y Int'l Bus. 1169; James Bierman, The 1983 Export Administration Act Legislation, 15 Law & Pol'y Int'l Bus. 1181; Homer O. Br, Export Controls on Nonmillitary Goods and Technology: Are we penalizing the Soviets or ourselves?, 21 Texas Int' Law Jour. 363; Harold Livine, Technology Transfer: Export Controls versus free Trade, 21 Texas Int' Law Jour. 373; Eric L. Hirschhorn e Joseph Tasker, Jr., Export Controls: toward a rational system for everyone except Toshiba, with all deliberate speed, 20 Law & Pol'y Int'l Bus. 369 (1989);Andrew P. Hurwitz, Failures in the interagency administration of national security export controls, 19 Law & Pol'y Int'l Bus. 537; Edward E.Groves, A brief History of the 1988 National Security Amendments, 20 Law & Pol'y Int'l Bus. 589 (1989). Amy L. Rothstein, 1988 Trade Act Amendments to the Export Administration Act: Streamlining National Security Export Controls in The Commerce Department Speaks 1990, PLI p. 663; Larry E. Christensen, The Export of Technical data, software and their direct product in The Commerce Department Speaks 1990, PLI p. 717. Vide também National Academy of Sciences, Balancing the National Interest - U.S. National Security Export Control and Global Economic Competion 123 (1987). 37 Vale mencionar aqui os casos relativos às licenças de exportação. Em 1949, o governo da Checoslováquia argüiu a incompatibilidade dos controles de exportação americanos junto ao GATT (Summary Record of the Twenty Second Meeting,1949; reproduzido no GATT Index 1985); o plenário acolheu a defesa americana, centrada inteiramente no Art. XXI do Acordo Geral, segundo registra a ata da sessão, "every country must be the judge in the last resort on questions relating to its own security. On the other hand, the Contracting Parties should be cautious not to take any steps which might have the effect of undermining the General Agreement". No mesmo ano, o Ceilão notificou a aplicação de medidas baseadas no mesmo dispositivo (GATT Index 1985, Art. XI-2). Em 1982, a Comunidade Européia utilizou-se do mesmo dispositivo para justificar o embargo à Argentina no caso das Ilhas Malvinas (Minutes of Meeting Held with William Rappard on 7 May 1982, GATT Doc. C/M/157, p. 10 (1982); a Comunidade referiu-se, no caso, ao seus "inherent rights, of which Article XXI of the General Agreement was a reflection". O caso mais famoso, no entanto, foi o do embargo americano à Nicarágua (GATT Activities, 1985, pg 47 (1986), cuja análise minuciosa se encontra em Witt, op. cit. Não houve condenação dos Estados Unidos no caso, apesar da oposição da Argentina, Áustria, Nigéria e Uruguai; vale dizer, o Brasil apoiou o uso do Art.XXI no caso (GATT Focus Newsletter nº 42, p. 4, novembro-dezembro de 1986).

contradita, que a matéria de segurança nacional, tal como definida pela própria nação interessada, estava ipso facto excluída da consideração do Acordo 38.

As mesmas razões justificam a imposição de licenças de importação . O GATT tem aceito o emprego do Art. XXI como justificativa para barreiras à importação, mesmo no caso de produtos não vinculados à defesa militar strictu senso 39.

Note-se que o Código da OMC relativo às licenças de importação contem dispositivo específico prevendo que no caso de segurança nacional, aplicam-se as regras do Art. XXI do Acordo Geral, e não as do Código. 40

Segurança Nacional e importação na legislação estrangeira

O uso de licença de importação para garantia de interesses de segurança nacional é corrente nos Estados Unidos, sem que se registre questionamento no GATT sobre a matéria 41.

Segundo a Seção 232 do livro 19, título 1862 do Código dos Estados Unidos, a requerimento de qualquer pessoa, ou ex officio, o Governo Federal pode impor proibição de importação (ou tomar outras medidas pertinentes ao caso) no caso de produtos cuja introdução no mercado interno possa influir negativamente na segurança nacional americana.

Notam os autores que o propósito do dispositivo legal é salvaguardar a segurança nacional, e não assegurar o bem estar econômico de uma empresa ou um setor industrial, a não ser que a saúde da empresa ou do setor possa afetar a segurança nacional .

Os eventos de aplicação da legislação tornam claro que a ação governamental não se restringe de forma alguma a produtos diretamente relativos à defesa militar 42. Com efeito,

38 Jackson e Davey, International Economic Relations, West, 2a. Ed., 1986, p. 916: "This time the United States explicitly took the position that its actions were imposed for national security reasons pursuant to Article XXI of GATT and, in the Reported words of the U.S. Ambassador to GATT, "The GATT is not an appropriate forum for debating political and security issues". According to the U.S. Ambassador, the United States sees no basis for GATT Contracting Parties to question, approve, or disapprove as to what’s necessary to protect its national security interests". Reportedly, the U.S. position was supported by Australia, Canada and most European countries, as well as the EC, whose ambassador stated, "while we do not wish to pass judgment before the Council, it is not the role of GATT to resolve disputes in the field of national security".39 Barry E. Carter, Cambridge University Press, International Economic Sanctions, 1988, p. 259. Segundo o autor, o uso da cláusula de segurança nacional pode perfeitamente justificar controle de importação. Vide também Howard N. Fenton, III, review in Law and Policy in International Business, vol. 20, nº 4, 1989; Cecil Hunt, Multilateral Cooperation in Export Controls - the Role of COCON, 14 U.Toledo L.Rev. 1285-89, 1983.40 Em 1961, Gana notificou da aplicação de embargo contra Portugal, por razões genéricas de segurança nacional (GATT Doc. SR.19/12, p. 196 (1961). Em 1975, a Suécia invocou o artigo para justificar imposição de quotas sobre calçados (Doc. GATT L/4250/Add. 1 (1977), Doc. C/M/109, p. 9 (1975); o argumento sueco foi o seguinte: "the decrease in domestic production had become a threat to the planning of Sweden's economic defence in situations of emergency as an integral part of its security policy. This policy required the maintenance of a minimum domestic production capacity in vital industries". Não houve qualquer sanção imposta neste caso. 41 No Código de 1979, a redação era a seguinte: " Art.1, 10: Pour ce qui est des exceptions concernant la sécurité, les dispositions de l’article XXI de l’Accord Général son applicables." Idêntica redação existe no tocante ao GATT 1994, Art. 1.10.42 Hurley, op. cit., p. 764.

notam-se hipóteses de processos relativos a máquinas-ferramentas 43, rolimans, petróleo 44, máquinas de injeção plástica 45.

Em um caso, no entanto, foi solicitado pelo próprio Governo Federal americano a imposição de licenças de importação de produtos de interesse nuclear. O pedido foi conhecido, mas julgou-se que, no mérito, havia suprimento adequado do produto .

Extremamente relevante, neste contexto, é a noção de segurança nacional específica do dispositivo em questão, que abrange não só a disponibilidade do produto para emprego imediato, mas a conveniência de manter e desenvolver um setor industrial essencial para a segurança nacional 46.

A exceção de ordem pública

A par da norma de segurança nacional, o Acordo Geral e os acordos da OMC ainda determinam ser exceção às regras de livre fluxo de mercadorias as normas gerais de ordem pública, “desde que essas medidas não sejam aplicadas de forma a constituir quer um meio de discriminação arbitrária, ou injustificada, entre os países onde existem as mesmas condições, quer uma restrição disfarçada ao comércio internacional”

É o que se lê de seu Art. XX:Exceções gerais

Desde que essas medidas não sejam aplicadas de forma a constituir quer um meio de discriminação arbitrária, ou injustificada, entre os países onde existem as mesmas condições, quer uma restrição disfarçada ao comércio internacional, disposição alguma do presente capítulo será interpretada como impedindo a adoção ou aplicação, por qualquer Parte Contratante, das medidas: (...)

d) necessárias a assegurar a aplicação das leis e regulamentos que não sejam incompatíveis com as disposições do presente Acordo, tais como, por exemplo, as leis e regulamentos que dizem respeito à aplicação de medidas alfandegárias, à manutenção em vigor dos monopólios administrados na conformidade do parágrafo 4º, do art. II e do art. XVII à proteção das patentes, marcas de fábrica e direitos de autoria e de reprodução, e a medidas próprias a impedir as práticas de natureza a induzir em erro;

43 Segundo a publicação do GATT, Trade Policy Review 1989, p. 183, referente aos Estados Unidos, desde 1962 até 31 de dezembro daquele ano foram iniciados 19 processos sob a Seção 232, dos quais quatro, relativos a importação de petróleo, foram considerados procedentes, sendo aplicadas sanções em dois casos. Os demais casos são os referidos a seguir. 44 Em julho de 1967, a Anti-Friction Bearing Manufacturers Association pediu proteção contra importação de concorrentes. Não foi deferida. Hurley, id. ead.45 Em dezembro de 1987 a National Energy Security Committe pediu proteção; o Secretário de Comércio confirmou o interesse do setor para a segurança nacional, mas opinou por medidas alternativas.46 Em janeiro de 1988, o Domestic Injection Molding Machinery Trade Group solicitou a aplicação de restrições contra produtos estrangeiros. Em setembro de 1989 o Secretário de Comércio opinou em contrário às sanções.

A exceção, nesta hipótese, não é incondicional, como no caso da segurança nacional. è necessário que se demonstre que as medidas pertinentes não constituem discriminação arbitrária ou injustificada, entre os países onde existem as mesmas condições. Ou seja, que todos os países estrangeiros são tratados sem discriminação ou, havendo tal coisa, que a mesma é justificada.

É preciso também que a medida em questão não seja uma restrição disfarçada ao comércio internacional. Ou seja, que a medida, ainda que tenha por efeito a restrição ao comércio, não se volte especificamente a tal fim.

O art. 223 do Tratado de Roma - normas da Comunidade Européia

Assim diz o artigo 223 do Tratado de Roma que rege o Mercado Comum Europeu:“Any Member State may take the measures which it considers necessary for the protection of the essential interests of its security”

“Qualquer Estado Membro pode tomar as medidas que considerar necessárias para a proteção dos interesses essenciais de sua segurança.”

O artigo 223 do Tratado de Roma é a cláusula de exceção do Mercado Comum Europeu relativa à segurança nacional. Todos os itens que um estado membro do mercado comum europeu considere essencial para a sua segurança nacional, será listado pelo Estado Membro e não se incluirá nas regras de livre concorrência e ausência de barreira tarifária para circulação dentro da Europa.

Ressalte-se ainda que este artigo não se refere apenas à produção e comércio de armas , munição e materiais de guerra, mas qualquer produto considerado essencial à segurança nacional. Acrescente-se também que o artigo 223 do Tratado não se refere apenas a interesses de segurança nacional de natureza emergencial,47mas de interesses constantes, i.e., em tempos de paz.

Além do artigo 223, que especialmente nos interessa, o Tratado de Roma, possui artigo ainda mais amplo e permissivo do controle de importação - o artigo 36. Este dispositivo difere do artigo 223 pois trata de artigos não militares mas que sejam igualmente relevantes à manutenção da defesa da nação. Como exemplo de produtos essencialmente econômicos porém de relevância para a segurança nacional temos o petróleo.

O Código de Regulamento Federal dos Estados Unidos da América - Título 15 - Seção 705

Prescreve o parágrafo 4º da seção 705 do referido código americano:“For the purposes of this section, the Secretary and the President shall ... give consideration to domestic production needed for projected national defense requirements, the capacity of domestic industries to meet such requirements,

47Lewis, Craig Anderson, in “Waiting for the big one: principle, policy, and the restriction of imports under section 232”, LAW AND POLICY IN INTERNATIONAL BUSINESS, Volume 22, number 2, Georgetown University Law Center and The International Law Institute, 1991, p. 397/398.

Ricardo Macedo Rodrigues, 03/01/-1,

existing and antecipated availabilities of the human resources, products, raw materials, and other supplies and services essntial to the national defense, the requirements of growth of such industries and such supplies and services including the investiment, exploration and development necessary to assure such growth, and the importation of goods in terms of their quantities, availabilities, character, and use of those affect such industries and the capacity of the United States to meet national security requirements ... The secretary and the President shall further ... take into consideration the impact of foreign competition on the economic welfare of individual domestic industries; and any substantial unemployement, decrease in revenues of government, lesser skills or investment, or other serious effects resulting from the displacement of any domestic products by excessive imports shall be considered, without excluding other factors, in determining whether such weakening of our internal economy may impair the national security”48

(grifo nosso)

Observa-se por este dispositivo que é da consideração do Poder Executivo americano avaliar em que medida as importações de artigos produzidos pelo parque industrial que compões a indústria de defesa americana vão causar prejuízos a este parque industrial. Cabe ainda ao poder executivo tomar medidas reguladoras da importação aos E.U.A, para impedir danos às indústrias que debilitem a segurança nacional americana.

Recente medida de proteção européia à indústria bélica americana

Em janeiro de 1996, uma publicação de edição internacional, entitulada Jane´s Defence Weekly, divulgou o seguinte artigo de seu articulista Marc Rogers, em Bruxelas:

“The European Commission has put the survival of Europe's defence industry back onto the spotlight. Last week it proposed a debate over reversing the decline of the defence industry and fighting the dominance of US imports of armaments into Europe.

(...)

48 Ob cit. nota 42, pág. 363/364. - tradução: “Pelas intenções desta seção, o Presidente e a Secretaria ... devem levar em consideração a necessidade de produção nacional de projetos de defesa nacional, a capacidade das indústrias nacionais alcançarem tais exigências, tendo e antecipando a disponibilidade de recursos humanos, produtos, matérias primas, e outros suplementos e serviços essenciais para a defesa nacional, as exigências de crescimento de tais indústrias e produções e serviços incluindo o investimento, exploração e desenvolvimento necessários para assegurar o crescimento, e a importação de bens em termos de quantidade, disponibilidade, características e utilidade afetam tais indústrias e a capacidade do Estados Unidos de alcançar as expectativas da segurança nacional... A Secretaria e o Presidente devem futuramente ... levar em consideração o impacto da competição externa no âmbito da economia nacional ; e qualquer desemprego, diminuição nos rendimentos do governo, perda de técnicas ou investimentos, ou qualquer outros efeitos sérios resultantes doa transferência de quaisquer produtos nacionais por excesso de importações devem ser considerados, sem exclusão de outros fatores, determinando se tal enfraquecimento de nossa economia interna repercutirá em nossa segurança nacional

The aim, said the EC, is to "maintain a competitive European defence industry," and added that measures were already in place to assist research projects in dual-use sectors and regions affected by unemployment.

(...)

The Commission action is partly timed to coincide with the forthcoming talks on revising the EU Maastricht Treaty and the possible development of a controversial common foreign and security policy.

(...)

The EU defence industry has lost hundreds of thousands of jobs since 1992, when there were 1.6 million in the Community.

The Commissioner for External Relations, Hans van den Broek, who also co-sponsored the plan, says that international competition has intensified and "unless action is taken soon whole branches of this industry could disappear in Europe".

The statement points out only 3 to 4 per cent of the member states' external spending on conventional weapons was within the EU and that 75 per cent of their total imports came from the USA.” 49

(grifo nosso - tradução em notas)

Pelo que se lê da recente notícia, a Comunidade Européia está preocupadíssima com a indústria de defesa nacional dos países europeus, face a entrada maciça dos produtos bélicos americanos.

Embora já existam medidas protecionistas aos produtos de interesse de segurança nacional a Comunidade Européia precisa fechar ainda mais o mercado e incentivar a indústria de

49 Tradução: “A comissão Européia pôs a sobrevivência da Indústria de defesa Européia de volta em sua lista de assuntos primordiais. Semana passada ela propôs um debate sobre reverter o declínio da indústria de defesa e a luta contra a dominação das importações de armamentos dos EUA. para a Europa. (....) O objetivo, disse a Comissão, é o de “manter a competitividade da Indústria de Defesa Européia”, e incluiu que medidas já estão sendo feitas para assistir projetos de pesquisa em setores de uso-duplo e regiões afetadas pelo desemprego.(...)

A ação da Comissão está parcialmente coincidindo com futuras conversas sobre a revisão do Tratado de Maastricht e o possível desenvolvimento de uma controvertida política de segurança externa comum. (...)

A indústria de defesa dos EUA perdeu milhões de empregos desde 1992, quando a população da U.E. alcançava 1.6 milhões .

O responsável na Comissão pelas Relações Externas, Hans van den Broek, que também co-patrocinou o plano, disse que a competição internacional se intensificou e “a não ser quer alguma providência seja tomada logo grandes ramos da indústria desapetiçãoá na Europa”.

O pronunciamento indica que somente de 3 a 4 por cento dos gastos externos dos Estados Membros em armas convencionais foi para os EUA e que 75 por cento das importações totais vieram dos EUA.”.

defesa local, pois do contrário esta se extinguirá por completo do cenário europeu, ameaçando a soberania dos Estados e do continente europeu, bem como levando à perda de empregos em cascata.

Mais uma vez se constata que o controle de importações de produtos essenciais à defesa das nações é uma medida adotada por todos os países do mundo e uma preocupação também dos países de primeiro mundo.

Conclusões quanto ao Direito Internacional geral aplicável

Confirmam-se, do que se expõe, as nossas afirmativas iniciais no sentido de que as exceções de segurança nacional, especialmente as relativas à importação e exportação são concebidas para atender ao interesse essencial de cada, tal como definido por sua decisão de Estado, sem interferência dos demais Estados. Também fica claro que a idéia de “segurança nacional”, na sua acepção do Direito Internacional Público, não se restringe à simples fabricação e comércio de material de guerra, mas abrange igualmente o interesse da mobilização nacional.

Conclui-se ainda que:

1 - A OMC, em tratado do qual o Brasil é signatário, possibilita e autoriza, sob a égide do artigo XXI a adoção de medidas protecionistas relativas aos produtos de segurança nacional;

2 – Outras o normas internacionais, aqui citadas o Tratado de Roma e o Código Federal dos E.U.A., demonstram ser uma prática absolutamente normal e necessária, a restrição de importações de produtos de defesa nacional;

3 - O exemplo recente da indústria européia de defesa nacional, comprova que a entrada indiscriminada de produtos americanos no setor de armamentos provoca seríssimas conseqüência à indústria local, enfraquecendo inclusive a independência política dos estados.

IV – O controle de importação de munições e o Mercosul

O Tratado de Assunção - normas do MERCOSUL

O artigo 50 do Tratado de Montevidéu 1980, incorporado no anexo I do Tratado do Assunção - Mercosul, determina que nenhuma disposição do tratado deve ser interpretada como impedimento à adoção de medidas destinadas a:

“a) a proteção da moral pública;

b)aplicação das leis e regulamentos de segurança;

c) regulação das importações ou exportações de armas, munições e outros materiais de guerra e, em circunstâncias excepcionais, de todos os demais artigos militares;

(...)

g) exportação , utilização e consumo de materiais nucleares, produtos radioativos ou qualquer outro material utilizável no desenvolvimento ou aproveitamento da energia nuclear.”

(grifo nosso)

Vê-se, pela leitura do dispositivo supra, que os Estados Partes do MERCOSUL reservaram sua soberania para a regulamentação unilateral das matérias elencadas nas alíneas, destacando-se a c) e f) como ligadas à segurança nacional.

Tal interpretação é consagrada pela doutrina específica:

O primeiro problema que surge para a interpretação de uma disposição excepcional dessa ordem consiste em saber a sua extensão e a sua relação com outras normas do próprio texto em que ela está inserida. As expressões “nenhuma disposição do presente Tratado será interpretada como impedimento à adoção e ao cumprimento de medidas” etc., ou “as disposições dos artigos 30 a 34... são aplicáveis sem prejuízo das proibições ou restrições...” etc. podem estudo prima facie haver feito um irrestrita reserva de soberania às partes Contratantes, as quais poderiam, assim regular livremente as matérias que dela são objeto. Nesse caso, bastaria a invocação de qualquer uma das hipóteses mencionadas no art. 50 do Tratado de Montevidéu, por exemplo, para que os Estados Partes do MERCOSUL adotassem unilateral e soberanamente as medidas que julgassem cabíveis, as quais não estariam sujeitas a nenhum limite geral, ou a qualquer espécie de controle. (...)50.

50 Estrella Faria, José Angelo, O MERCOSUL: Princípios, Finalidades e Alcance do Tratado de Assunção, Brasília: MRE/SGIE/NAT, 1993, p.103 e 104.

Aplica-se, assim, também ao Tratado de Assunção os mesmos critérios de soberania que já vimos acima como sendo aplicáveis ao parâmetro GATT.

A redação parece, portanto, exclui-las inteiramente da obrigação constante do art. 1º do Anexo I. Isso pode justificar a conclusão de que os Estados Partes reservaram sua soberania para a regulamentação unilateral dessa matéria. Esse entendimento parece confirmar-se à primeira vista, pela própria remissão ao art. 50 do Tratado de Montevidéu de 1980. Este, com efeito, dispõe claramente que nenhuma de suas disposições “será interpretada como impedimento à adoção e ao cumprimento” das medidas destinadas a reger as situações ali relacionadas. Inexistindo qualquer limitação aos poderes dos Estados Partes, a hipótese parece ser efetivamente de reserva de soberania. A situação poderia ser a mesma no âmbito do Tratado de Assunção, embora o art. 2º do Anexo I remeta apenas às “situações previstas no art. 50 do do Tratado de Montevidéu de 1980”sem incorporar a ressalva genérica do caput daquele dispositivo 51.

E, mais adiante, diz o mesmo e douto autor:

“Dentre as situações previstas no art. 50 do Tratado de Montevidéu, apenas se justificaria uma reserva de soberania, no MERCOSUL, para aquelas hipóteses diretamente afetas à segurança nacional e que tradicionalmente estão excluídas da integração econômica, como a “regulação” das importações ou exportações de armas, munições e outros materiais de guerra” ou a “exportação, utilização e consumo de materiais nucleares, produtos radioativos ou qualquer outro material utilizável no desenvolvimento ou aproveitamento de a energia nuclear”.

A exclusão assegurada pelo Tratado de Assunção constitui uma faculdade dos Estados Partes. Nenhum deles está obrigado a fazer uso de seus dispositivos. Cada um deles pode entender, à luz do seu sistema constitucional ou das necessidades de sua defesa nacional, inútil utilizar-se da exclusão. Mais ainda (como veremos abaixo, ao discutir a questão da reciprocidade) o fato de um Estado Parte utilizar-se, ou não se utilizar da exclusão não constitui para o outro Estado uma obrigação de imitar o mesmo comportamento.

O que diz o texto do Tratado de Montevidéu 1980, incorporado pelo Tratado de Assunção, é que as regras do Mercosul não impedirão que cada um dos Estados Parte adote as medidas que entender necessárias para assegurar a sua segurança nacional, na forma descrita no art. 50 do primeiro daqueles atos internacionais.

Está claro que, apesar da máxima extensão da exceção do Art. 50 do Tratado de Montevidéu, o Direito Internacional exige racionalidade e dosagem em sua aplicação, inclusive para evitar abusos na aplicação das exceções 52.

51 Estrella Faria, José Angelo, O MERCOSUL: Princípios, Finalidades e Alcance do Tratado de Assunção, Brasília: MRE/SGIE/NAT, 1993, p.103 e 104. 52 A questão do abuso de direitos tem algum, ainda que raro, tratamento em Direito Internacional: vide Certain Interestts in Polish Upper Silesia¸(1926, PCIJ, Ser. A, no. 7, p. 30 e Free Zone (1930, PICJ, Ser. A, no. 24, p. 12. Já princípio da proporcionalidade é amplamente aplicado no Direito Internacional Público, como limite de razoabilidade da ação estatal no plano internacional. (vide decisões da Corte Internacional de 31/7/28 e 30/6/30 quanto às limitações da ação unilateral

Mas como já se enfatizou acima, ao discorrer sobre a compatibilidade constitucional da intervenção da União quanto à importação de munições, fica claríssimo a necessidade da intervenção, e adequação dos meios aos fins – que são assegurar os recursos indispensáveis à mobilização nacional. Com efeito, também a Constituição, ao impor limites à intervenção do Estado (e ao enfatizar as necessidades da defesa nacional) impõe exigências de razoabilidade que não são diversas das resultantes do Direito Internacional 53.

Em suma, se a defesa nacional e os requisitos da mobilização apontam determinadas necessidades como essenciais à sobrevivência do Estado, é lícita a intervenção, inclusive e especialmente perante o Tratado de Assunção. Portanto, pacífico o entendimento de que, perante à legislação do MERCOSUL, o Brasil como Estado-Membro está autorizado a fazer o controle das importações de armas, munições e outros materiais de guerra.

Da questão da reciprocidade

A segunda e importantíssima questão a ser suscitada no contexto do Tratado de Assunção é o da reciprocidade. Em outras palavras, se, admitida a exceção de segurança nacional constante do Tratado de Montevidéu 1980 como excludente das normas do Tratado de Assução, ainda assim seria devida reciprocidade, na forma e nos termos suscitados pela parte argentina.

A exigência de reciprocidade está no art. 2º do Tratado, que diz:

O Mercado Comum estará fundado na reciprocidade de direitos e obrigações entre os Estados Partes”

Necessário se torna avaliar o próprio sentido da regra de reciprocidade do Tratado de Assunção. A primeira constatação que se faz é que a reciprocidade não se dá em face da legislação interna – do controle da importação de munições – mas no tocante às regras do Tratado em si mesmas:

“No caso do art. 2º do Tratado de Assunção, a regra de reciprocidade não se destina a regular os efeitos do Tratado na ordem interna dos Estados Partes, mas sim, como ali está dito, a reger as relações entre as partes no âmbito do próprio Tratado” 54.

Assim, se há uma exclusão assegurada pelo tratado – como a de segurança nacional – tal regra será reciprocamente aproveitada por ambas as partes. A exceção não precisa sequer afetar o princípio da reciprocidade, pois reciprocamente, ela aproveita ambos. Argentina e Brasil podem, reciprocamente, valer-se da exceção de segurança nacional., em completo acordo com o art. 2º do Tratado de Assunção.

Perguntar-se-ía, porém: se um dos Estados Parte optar por valer-se da exceção, enquanto que o outro deixasse livre a importação de munições, não haveria no plano econômico, uma

dos Estados). Nota Estella Faria, op.cit., p. 105: “O princípio da proporcionalidade é ínsito à noção de Estado de Direito e comporta dois elementos: a adequação dos meios aos fins visados pelo Poder Público e a necessidade de intervenção”. 53 Estrella Faria, tratando especificamente do Regulamento 105, nota que determinados ítens de controle poderiam ser, à primeira vista, até mesmo excessivos, como o de fogos de artifício. Op. Cit., p. 105. Tais casos sublinham, de outro lado, a necessidade e a adequação do controle de munições, inclusive como meio de manutanção de uma indústria mobilizável. . 54 Estrella Faria, op.cit., p. 16.

disparidade de proveitos entre as partes? Tal reciprocidade econômica, ou de resultados, não encontra porém resguardo no art. 2º do Tratado de Assunção:

“Para a reciprocidade, como, de resto, para a noção de igualdade, pode-se distinguir entre o sentido formal e o sentido material. O seu sentido formal consiste na própria regra geral de reciprocidade; o sentido material diz respeito à extensão das prestações de cada Parte Contratante. No seu último sentido, ela pode ser encarada seja do ponto de vista das concessões outorgadas dentro do sistema, seja pela consideração de seus resultados.

No primeiro caso, a reciprocidade, baseia-se na idéia que cada país cabe assumir a sua quota de responsabilidade na obtenção dos benefícios derivados do tratado. Estabelecidas as normas que regem as suas relações, haverá reciprocidade desde que as opções para obtenção dos benefícios sejam igualitárias, ou, pelo menos, equitativas.

Distintamente, na reciprocidade de resultados avalia-se a situação não em função das expectativas gerais de cada país, mas dos benefícios advindos em função de resultados concretos, que podem estar representados por diversos indicadores aceitos multilateralmente como termos de referência para apreciação de cada situação determinada. Sabe-se que, no caso do Tratado de Assunção, os negociadores uruguaios envidaram esforços para concluir justamente essa espécie de reciprocidade, sem que pudessem, contudo, superar a resistência da Argentina e do Brasil. Dessa circunstância relativa à elaboração do Tratado de Assunção conclui-se que a reciprocidade a que se refere o art. 2º não vai além da clássica reciprocidade formal de “direitos e obrigações”.” 55

Assim, justifica-se nossa afirmativa anterior que, ao prever isonomicamente a faculdade de utilizar-se da exceção de segurança nacional, o Tratado de Assunção satisfaz a reciprocidade de “direitos e obrigações”.

No caso específico da segurança nacional, como visto, o sistema constitucional brasileiro determina cuidados especiais e uma modalidade de intervenção específica em garantia dos propósitos na mobilização nacional. Tal interesse não se exerce em detrimento dos objetivos do Mercosul, mas, pelo contrário, em harmonia elementar com o próprio Tratado de Assunção.

Não se pode deixar de lado, porém, a teia das relações econômicas e políticas que resultam do quadro jurídico do Mercosul, com afluência de relevantes interesses recíprocos. Ao dosar a conveniência e oportunidade de tomar decisões fundadas na exceção do art. 50 do Tratado de Montevidéu 1980, cada Estado Parte avaliará seguramente as conseqüências econômicas de tal diretiva.

Tutelando o próprio interesse essencial da defesa nacional, a parte brasileira poderá (ainda que não esteja juridicamente obrigada) aceitar compromissos em outras áreas em relação às

55 Estrella Faria, op. Cit., p. 18.

quais não exista tamanho e tão forte interesse de sobrevivência da nacionalidade, sabendo que o fortalecimento das relações regionais também contribui – em última instância - para a própria defesa. O cioso resguardo dos interesses da defesa nacional, como demonstra o caso da França em face da União Européia, não impede o desenvolvimento de tais laços de mercado comum.

“Por outro lado, a reciprocidade também constitui um princípio a ser observado na tomada das decisões necessárias à implementação MERCOSUL, pelas autoridades competentes. Nesse sentido, ele pode permitir que se leve em conta as diversidade existentes entre os quatros países. Conforme se mencionou, houve iniciativas para a inclusão de um conceito mais amplo de reciprocidade, baseado nos resultados, o que não prosperou. Isso não exclui porém, que ele seja objeto de ponderação, seja pelo Conselho, seja pelo Grupo Mercado Comum, o que representa, sem dúvida, uma situação mais correta do que a inclusão da reciprocidade de resultados como princípio geral. No uso de suas atribuições, podem os referidos órgãos conceber sistemas diferenciados, que atendam às diversidades reais, o que não é, por si só, incompatível com um mercado comum.” 56

Assim, a mutualidade de interesses econômicos no âmbito do mercado comum não exige, de forma alguma, uma identidade de tratamento no controle das importações. Não há direito da parte argentina, alegando inexistência ou diferença de controle de importações de munições, em solicitar igual tratamento por parte do Brasil.

Do tratamento do controle de munições nos atos de execução do Tratado de Assunção

A questão aqui discutida é o efetivo exercício da faculdade amparada pelo art. 1º do Anexo I do Tratado de Assunção, que incorpora o art. 50 do Tratado de Montevidéu, nos atos de execução do Mercosul. Nosso propósito é demonstrar que, a toda oportunidade, a parte brasileira enunciou como resguardada a intervenção da União no tocante à importação de munições.

Assim é que o controle de importação de munições, tal como definido no Decreto 55.649/65, surge já no Acordo de Complementação no. 14 de 20 de dezembro de 1990, integrando as notas complementares brasileiras. No Acordo de Alcance Parcial no. 18, de 29 de novembro de 1991, firmado no âmbito da ALADI inclusive pelo Brasil e Argentina, igualmente figura o controle de importação de munições como exceção específica ao programa de liberação comercial tanto por parte do Brasil como do Paraguai.

Poder-se-ía ponderar que, nestas oportunidades, o Brasil não alegou a aplicação direta do ao art. 50,c) do Tratado de Montevidéu 1980, o que ocorreu em outros atos internacionais no contexto da ALADI 57. Tal alegação, no entanto, é mera faculdade dos países membros,

56 Idem, eadem, p. 23.57 No Acordo de Complementação 34, assinado em 26 de dezembro de 1995 entre o Mercosul e a Bolívia (Notas Complementares da Bolívia), se encontra alegação específica ao art. 50,c) do Tratado de Montevidéu 1980 para o controle efetuado por aquele país para importação de munições. Neste Acordo, igualmente, a República Oriental do Uruguai alega o mesmo dispositivo do Tratado de Montevidéu 1980.

podendo cada um deles, a qualquer tempo, invocar a exceção do art. 50 do Tratado de Montevidéu ou valer-se de outros meios de aplicar a mesma política nacional, por exemplo, através dos outros meios de isenção dos programas de liberação comercial.

Assim, ainda que não suscitando o regime especial de segurança nacional, a parte brasileira vem reservando o controle de importação de munições à margem do regime geral do mercado comum, de forma consistente e reiterada. O procedimento contra o qual se insurge a parte argentina não é, desta forma, manifestação isolada, e tem apoio específico nas disposições de resguardo ao mercado comum.

V- Conclusões

Entende-se estar demonstrado, neste estudo, que as atividades de controle de industrialização, comercialização e, em especial, importação e exportação de munições desenvolvidas pela União, através do Ministério do Exército, se acham em completa conformidade com a norma jurídica interna, constitucional e infraconstitucional, assim com com o Direito Internacional aplicávele, em especial, o Tratado de Assunção.

Para tais conclusões, leva-se em conta os seguintes elementos de fato e de direito:

a) Pelo artigo 21 da Constituição de 1988, compete à União “III - assegurar a defesa nacional”. O artigo 22 da C.F., em seu inciso XXVIII, inclui entre as matérias de competência legislativa privativa da União a defesa territorial, aeroespacial, marítima, civil e a mobilização nacional. A expressão “mobilização nacional” aparece uma vez mais no texto constitucional, em seu artigo 84, XIX, estabelecendo como competência do Presidente da República a decretação, parcial ou total, da mobilização nacional.

b) A mobilização nacional, prevista no texto constitucional, compreende um conjunto de atividades, empreendidas ou orientadas pelo Estado, desde a situação de normalidade, com o propósito de possibilitar a adequação da capacidade industrial da nação ao atendimento das necessidades militares e civis, determinadas por uma situação de emergência decorrente da declaração de estado de guerra ou resposta à agressão armada estrangeira.

c) Tendo em vista a tendência política brasileira de privatização das empresas públicas e redução da parcela de orçamento destinada às Forças Armadas, hoje, o atendimento dos preceito constitucional de garantia da defesa nacional através da mobilização industrial requer, como requisito indispensável, o controle industrialização, comercialização e de importação de itens considerados de segurança e defesa nacional, especialmente de munições.

d) O art. 173 da Carta de 1988 consagra uma permissão para o Estado desempenhar atividade ou indústria que se mostrem necessárias à segurança nacional, entendidas como tal aquelas que dizem respeito diretamente à produção de bens e serviços necessários ao regular funcionamento e até mesmo ao satisfatório aparelhamento das forças armadas. Abriga-se em tal permissivo a

atuação do Estado como controlador da importação destes produtos e suas respectivas matérias primas.

e) O preceito constitucional do art. 170, que consagra o princípio da livre concorrência, sujeita-se ao contraponto do igual princípio da Soberania Nacional, o qual, integrando o mesmo art. 170, está também insculpido na norma inaugural da Carta como o primeiro, dentre todos, os mandamentos jurídicos do texto constitucional. Intrínseco ao conceito de soberania está o de segurança e defesa da nação. Tanto o é assim, que embora o mesmo artigo 170 indique a livre concorrência como princípio da ordem econômica o artigo 173 excepciona o primado do livre mercado nos casos de relevante interesse coletivo e segurança nacional.

f) Demonstra o especialíssimo interesse público de que se fala o artigo 24, inciso XIX, da Lei 8.666, de 1993, com a redação da Lei 8.883/ 94, o estatuto das licitações do setor público emitido sob a Carta de 1988, que consagra o interesse constitucional da mobilização nacional, como regime de intervenção excepcional no domínio industrial, excetuando da exigência de procedimento licitatório o material de fornecimento às Forças Armadas.

g) As normas de competência do Ministério do Exército incluem a participação no preparo e na execução da mobilização e desmobilização nacionais a fiscalização das atividades envolvendo armas, munições, explosivos e outros produtos de interesse militar a produção de material bélico, a autorização para fabricar produtos controlados e a fiscalização de sua produção e comercialização, assim como a supervisão da Indústria de Material Bélico do Brasil - IMBEL, da qual a Sociedade é coligada.

h) A norma de intervenção, consistente no Art. 112 do Decreto nº 55.649, de 28-01-65, Regulamento Para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105), continua em plena aplicabilidade sob o regime legal e constitucional vigente. Tal regulamento, e o controle de material bélico e de interesse militar pela União, tem sido consagrado pela jurisprudência recentíssima dos tribunais superiores.

i) A OMC, em tratado do qual o Brasil é signatário, possibilita e autoriza, sob a égide do artigo XXI a adoção de medidas protecionistas relativas aos produtos de segurança nacional;

j) Outras normas internacionais ou estrangeiras, como o Tratado de Roma e o Código Federal dos E.U.A., demonstram ser uma prática absolutamente normal e necessária a restrição de importações de produtos de defesa nacional, com finalidades de intervenção no domínio industrial para assegurar a mobilização nacional. O exemplo deste ano da indústria européia de defesa

nacional, comprova que a entrada indiscriminada de produtos americanos no setor de armamentos provoca seríssimas conseqüência à indústria local, enfraquecendo inclusive a independência política dos estados.

k) O Mercosul, regido pelo Tratado de Assunção, possibilita, livremente aos países signatários, a regulação constante das importações de armas, munições e outros materiais de guerra;

l) Tal decorre da remissão feita pelo Tratado de Assunção, art. 1º, Anexo I, ao artigo 50 do Tratado de Montevidéu 1980l, o qual determina que nenhuma disposição do tratado deve ser interpretada como impedimento à adoção de medidas destinadas à regulação das importações ou exportações de armas, munições e outros materiais de guerra e, em circunstâncias excepcionais, de todos os demais artigos militares;

m) De outro lado, tendo o Brasil a faculdade de invocar tal exceção às regras do Tratado de Assunção, não tem direito a parte argentina em suscitar a aplicação de reciprocidade para abolir ou restringir o controle brasileiro de importação de munições.

n) Tal se dá, em primeiro lugar, porque a reciprocidade aplicável ao Tratado de Assunção é a de direitos e obrigações, não a de resultado econômico. Tal reciprocidade é assegurada pelo fato de que tanto a parte argentina quanto a brasileira podem, isonomicamente, invocar o art. 50 do Tratado de Montevidéu 1980, para efetuar o controle de importação de munições. O fato de a parte argentina tratar a matéria diversamente da parte brasileira não afeta a faculdade que ambas partes têm de aplicar plenamente o controle em questão.

o) Em segundo lugar, o interesse de mutualidade de interesses econômicos – que não se identifica com a reciprocidade prevista no art. 2º do Tratado de Assunção -, não pressupõe exata isometria de comportamentos da parte brasileira e argentina no tocante ao controle de importação de munições.

p) Por fim, tem a parte brasileira consistente e reiteradamente enunciado a exceção relativa ao controle de munições nos instrumentos de execução do Tratado de Assunção. A matéria, tem, desta feita, sido tratada de forma explícita, clara e livre de controvérsias.