Contrato Promessa

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ÂNGELO ABRUNHOSA Doutorando em Direito Investigador do IJI da FDUP Professor Universitário Advogado O CONTRATO-PROMESSA REQUISITOS EFEITOS CASOS PRÁTICOS LEGISLAÇÃO JURISPRUDÊNCIA ACTUALIZADA PORTO 2006

Transcript of Contrato Promessa

  • NGELO ABRUNHOSA Doutorando em Direito

    Investigador do IJI da FDUP Professor Universitrio

    Advogado

    O CONTRATO-PROMESSA

    REQUISITOS EFEITOS CASOS PRTICOS LEGISLAO JURISPRUDNCIA ACTUALIZADA

    PORTO

    2006

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    Ao Meu Av* Aos Meus Pais

    A todos os que me ajudaram *In Memoriam

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    APRESENTAO DO TRABALHO

    Com o presente trabalho, no pretendemos fazer um tratado de sapincia, absoluto e definitivo, sobre o Contrato-Promessa. E no tivemos essa pretenso, a um tempo, porque temos perfeita conscincia das nossas limitaes, a outro, porque a experincia nos diz que no isso que os destinatrios destes trabalhos, geralmente, esperam. Relativamente escolha do tema do CONTRATO-PROMESSA, ela resultou do consenso dos dois grandes critrios que nos movem na vida: o corao e a razo. O corao tem a ver com a paixo que sentimos pela temtica do Contrato-Promessa. Nos bancos da Universidade, no exerccio forense, nas tribunas dos jornais, na docncia de Direito das Obrigaes, de Direitos Reais ou de Teoria Geral do Direito Civil, cada vez fomos adquirindo mais conhecimentos sobre esta matria e, simultaneamente, criando a convico de que muito faltava conhecer. A razo tem a ver com o interesse prtico do Contrato-Promessa. Nas Universidades e nos Tribunais, na Doutrina e na Jurisprudncia, tanto se tem dito, mas tanto h, ainda, para dizer! Quanto opo sistemtica que fizemos, importa exp-la e justific-la. Numa primeira parte, cuidaremos dos requisitos do Contrato-Promessa, ou seja, do processo de formao e celebrao do contrato. Na segunda parte, abordaremos os efeitos do Contrato-Promessa, designadamente na perspectiva do incumprimento de um dos contraentes. Finalmente, colocaremos alguns casos prticos e avanaremos com breves tpicos de soluo, o que muito agradar aos estudantes e aos prticos do Direito. O trabalho inclui, ainda, dois anexos, um de legislao e outro de jurisprudncia. Quanto legislao, e por fora do Princpio da Equiparao, relacionam-se com o Contrato-Promessa vrias normas jurdicas. Por uma questo de equilbrio da obra, optmos por transcrever as normas do Cdigo Civil (CC) que dizem, especificamente, respeito a esta matria. O anexo de jurisprudncia, uma colectnea de cerca de 50 Acrdos do STJ (Supremo Tribunal de Justia) e 25 Acrdos dos Tribunais da Relao (ARC - Acrdos da Relao de Coimbra; ARE Acrdos da Relao de vora; ARG Acrdos da Relao de Guimares; ARL Acrdos da

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    Relao de Lisboa; ARP Acrdos da Relao do Porto); no fundo, uma colectnea da jurisprudncia publicada ao longo dos ltimos 5 anos, designadamente na Colectnea de Jurisprudncia, na Vida Judiciria e no site do STJ. Alis, importa realar que, se h uma preocupao que perpassa todo o trabalho, ela , sem dvida, a do rigor e da actualizao jurisprudencial. Tambm no podemos deixar de referir que tivemos o cuidado de tratar o Contrato-Promessa numa perspectiva interdisciplinar, pois essa a viso que temos do Direito. Assim, podem encontrar-se neste trabalho, quando a propsito, vastas referncias a outras matrias de Direito das Obrigaes, Teoria Geral do Direito Civil, Direitos Reais, Direito de Famlia, Direito das Sucesses, Processo Civil, Direito Fiscal, Direito do Trabalho ou Direito Constitucional. Resta dizer que este trabalho no dever ser entendido como um ponto de chegada, mas sim como um ponto de partida. A presente obra no d solues milagrosas para todas as questes relacionadas com o contrato-promessa, apenas procura ajudar, na busca dessas solues, quantos a ela recorrerem.

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    PARTE I

    OS REQUISITOS DO CONTRATO-PROMESSA

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    Introduo

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    1. Conceito

    Quando se comea a abordar qualquer assunto, o primeiro passo procurar definir o conceito; o que comearemos por fazer.

    O Contrato-Promessa a conveno pela qual algum se

    obriga1 a, [dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos] celebrar certo contrato (art. 410, n1 do Cod. Civil). Pode ser bilateral, se se vincularem ambas as partes, ou unilateral, se se vincula apenas uma delas2.

    Relativamente promessa unilateral, preceitua o art. 411 do

    Cod. Civil que se o contrato-promessa vincular apenas uma das partes e no se fixar o prazo dentro do qual o vnculo eficaz, pode o tribunal, a requerimento do promitente, fixar outra parte um prazo para o exerccio do direito, findo o qual este caducar3.

    Em geral, o Contrato-Promessa tem a particularidade de criar,

    para as partes, uma obrigao decontratar; um verdadeiro pactum in contrahendo.

    Assim, no mais vulgar de todos, o Contrato-Promessa de Compra

    e Venda, h duas partes: o Promitente-Vendedor assume o compromisso de vender; o Promitente-Comprador assume o compromisso de comprar. Ou seja, neste Contrato, ambos assumem o compromisso de vir a celebrar um outro contrato, o chamado Contrato Prometido (as partes ficam obrigadas a uma prestao de facto jurdico positivo) que, neste caso, ser o Contrato de Compra e Venda.

    1 As partes do Contrato-Promessa no se obrigam a celebrar o Contrato Prometido uma com a outra, pois este at pode vir a ser celebrado com um terceiro, embora este no fique vinculado pelo contrato-promessa. A promessa de facto de terceiro (por exemplo, o consentimento conjugal) pode significar, para o respectivo promitente, uma obrigao de meios, se o promitente no se responsabiliza pela prestao de terceiro, mas apenas se obriga a diligenciar junto deste, ou uma obrigao de resultado, se o promitente se responsabiliza pela obteno da prestao de terceiro. 2 Quanto estrutura, os contratos classificam-se em unilaterais/no sinalagmticos, bilaterais/sinalagmticos ou bilaterais imperfeitos. O contrato-promessa um contrato bilateral, pois ambas as partes ficam obrigadas a celebrar o contrato prometido, estando essas obrigaes ligadas por um nexo de correspectividade. J a promessa unilateral um contrato unilateral, pois h duas partes, mas apenas uma se vincula. O promitente pode requerer a fixao judicial de prazo, para a outra parte exercer o seu direito, sob pena de caducidade. A Unilateralidade pode ser inicial, mas tambm pode ser superveniente, como resultado, por exemplo, da reduo de um contrato-promessa bilateral, parcialmente nulo. 3 Afasta-se o prazo normal da prescrio, permitindo-se ao tribunal fixar um prazo de caducidade, in LIMA, Fernando Andrade Pires de; VARELA, Joo de Matos Antunes; MESQUITA, Manuel Henrique (col.) Cdigo Civil Anotado, vol. I (Artigos 1 a 761), 3 ed. (rev. e act.). Coimbra: Coimbra Editora, Lda., 1982, p. 361.

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    Portanto, o Contrato-Promessa corresponde formalizao da deciso de celebrar o contrato prometido e regula os direitos e deveres das partes e as condies estabelecidas para o perodo at realizao do contrato definitivo.

    Dito de uma forma mais simples, o Contrato-Promessa no

    resolve os problemas das pessoas; por exemplo, nem se vende nem se compra atravs deste contrato. A funo dele criar condies jurdicas para a celebrao do Contrato Prometido, esse sim, um meio de transmisso do direito de propriedade, no nosso exemplo.

    Importa realar a grande importncia prtica do Contrato-

    Promessa, decorrente da frequncia com que utilizado. Pense-se, designadamente, que, no caso da concesso do crdito para aquisio de habitao, os Bancos exigem a apresentao do Contrato-Promessa de Compra e Venda, para conhecerem a inteno de comprar (e vender) e os verdadeiros montantes envolvidos.

    De resto, o Contrato-Promessa um instrumento jurdico

    extremamente til, quando os promitentes no podem celebrar j o contrato prometido (o promitente-vendedor ainda tem que regularizar os documentos de um prdio ou o promitente-comprador ainda tem que realizar o dinheiro necessrio para adquirir o dito prdio), mas querem assegurar, desde j, a sua realizao.

    2. Natureza Jurdica Uma questo que se levanta a de saber se o Contrato-

    Promessa ser um contrato definitivo ou um contrato provisrio. Diremos que a resposta depende da perspectiva. Numa perspectiva estrutural, o Contrato-Promessa est sujeito

    aos requisitos de qualquer outro, pelo que ser um verdadeiro contrato (definitivo).

    Numa perspectiva funcional, o Contrato-Promessa provisrio,

    uma vez que apenas um meio para a satisfao dos interesses das partes, que s acontecer, verdadeiramente, com a celebrao do contrato prometido.

    Diversa do Contrato-Promessa a figura do Pacto de

    Preferncia, que consiste na conveno pela qual algum assume a obrigao de [em igualdade de circunstncias] dar preferncia a outrem na venda de determinada coisa (art. 414 do Cod. Civil).

    Assim, no Pacto de Preferncia o obrigado preferncia fica

    vinculado a escolher certo contraente, em igualdade de condies,

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    se vier a decidir contratar, enquanto que o Contrato-Promessa cria, desde logo, uma obrigao de contratar.

    Se A celebrar um Pacto de Preferncia com B, na venda

    determinada coisa, mas A nunca vier decidir vend-la, A nunca vir a ter a obrigao de contratar com B.

    3. Elementos Essenciais Diz a sabedoria popular que vale mais prevenir do que remediar.

    Desta forma, o grau de cumprimento do Contrato-Promessa que se poder exigir outra parte depende, em grande medida, dos elementos que daquele constarem.

    O Contrato-Promessa dever conter os seguintes elementos: a) identificao dos contraentes, nomeadamente o papel que

    cada um tem no contrato (promitente-vendedor, promitente-comprador, etc.), o nome completo, a morada, o estado civil e o nome do cnjuge, o N do Bilhete de Identidade e o N de Contribuinte;

    b) indicao do objecto4 mediato, ou seja, qual a coisa que se

    pretende transmitir com o Contrato Prometido, por exemplo, fazer uma identificao o mais completa possvel do prdio urbano/rstico que se pretende vender/comprar (local, confrontaes, nmero predial, artigo matricial, composio da habitao, etc.)5;

    c) indicao do objecto imediato6, ou seja, qual o contrato

    (prometido) que as partes se comprometem a celebrar (pelo contrato-

    4 Objecto da relao jurdica o quid sobre o qual incidem os poderes do titular activo dessa mesma relao jurdica. Distingue-se do contedo do direito, que o conjunto de poderes ou faculdades que integram o direito subjectivo. Assim, por exemplo, no direito de propriedade, o objecto a coisa apropriada e o contedo o ius utendi, fruendi et abutendi. 5 Tambm deve ser feita referncia aos eventuais nus e encargos que incidam sobre a coisa. Nesta sede, levantam-se vrias hipteses: a) o ideal no haver nus ou encargos sobre a coisa; b) se h nus ou encargos, mas isso consta do contrato-promessa, ento, o promitente-comprador j sabe com o que conta; c) se h nus ou encargos e isso no consta do contrato-promessa, o promitente-comprador poder anular o negcio por erro; d) se h nus ou encargos e do contrato-promessa consta que a coisa est livre de quaisquer nus e encargos, o promitente-comprador poder anular o negcio por dolo; e) se os nus ou encargos forem supervenientes celebrao do contrato-promessa, o Ac. do STJ, de 3 de Junho de 2003 defende a anulabilidade do negcio por erro (parece-nos que seria mais adequada a soluo do art. 437 do Cod. Civil). 6 Objecto Imediato aquilo que est, directamente, submetido aos poderes ideais que integram o direito subjectivo.

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    promessa); podem ser objecto de Contrato-Promessa, entre outros, os seguintes contratos: compra e venda, arrendamento, trabalho, sociedade, cesso de quota, doao, comodato, depsito, mtuo, permuta, hipoteca, penhor, fiana, dao em cumprimento, trespasse, servido ou habitao peridica; tem-se entendido que at um negcio jurdico unilateral7, como, por exemplo, a promessa pblica, pode ser objecto do Contrato-Promessa. Por facilidade de exposio e por ser o mais divulgado, tomaremos, doravante, como modelo o contrato-promessa de compra e venda;

    d) indicao do preo, nos contratos onerosos, bem como da

    forma e calendrio do pagamento; e) referncia data limite para a celebrao do Contrato

    Prometido8; pois vai ser importante para determinar a existncia de mora (acontece quando uma das partes comea a ficar atrasada no cumprimento do Contrato) e para exigir a celebrao do Contrato Prometido;

    f) eventual referncia tradio da coisa que mais no do que a

    possibilidade de, por exemplo, o promitente-comprador comear, desde j, a habitar a casa ou a ocupar o terreno que promete comprar;

    g) eventual referncia aos conceitos de sinal, reforo de sinal,

    clusula penal ou execuo especfica, que desenvolveremos, adiante, e que so, no fundo, a medida da sano para a parte que no cumprir o Contrato-Promessa (incumprimento do Contrato-Promessa significa a no celebrao, por culpa prpria, do Contrato Prometido);

    Objecto Mediato aquilo que s est submetido aos poderes ideais que integram o direito subjectivo, atravs de um elemento mediador. Esta distino no tem grande relevncia nos direitos reais nem nas obrigaes de prestao de facto, mas j ganha acuidade nas obrigaes de prestao de coisa certa e determinada (por exemplo, num contrato de compra e venda de um automvel, o objecto imediato ser o comportamento do devedor, o prprio acto de entrega da coisa, enquanto que o objecto mediato ser a prpria coisa que deve ser entregue, o prprio automvel). 7 Os factos jurdicos voluntrios classificam-se em simples actos jurdicos e negcios jurdicos, sendo estes integrados por uma ou mais declaraes de vontade, a que o ordenamento jurdico atribui efeitos jurdicos, concordantes com o contedo objectivo da vontade das partes (efeitos ex voluntate). Os negcios jurdicos podem ser: -negcios jurdicos unilaterais, quando h uma s declarao de vontade ou um s grupo de declaraes de vontade (uma parte declarativa), como o caso do testamento; -negcios jurdicos bilaterais / contratos, quando h duas ou mais declaraes de vontade, de contedo oposto, mas convergente na pretenso de produzir um resultado jurdico unitrio (portanto, h duas ou mais partes declarativas, sendo ambas, simultaneamente, declarante e declaratrio); a prpria lei regula alguns contratos tpicos como compra e venda, doao, sociedade, locao, comodato, trabalho, prestao de servio, etc.. 8 O Ac. do STJ, de 15/10/2002 refere que este elemento meramente acessrio, mas a clusula escrita prevalece sobre a prova testemunhal.

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    h) indicao do local e data da celebrao do Contrato-Promessa;

    i) assinatura dos contraentes, pois esta a forma de expressarem

    a sua vinculao pelo Contrato-Promessa.

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    Captulo I

    Requisitos de Validade

    4. Princpio da Equiparao

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    O Princpio da Equiparao significa que so aplicveis [ao Contrato-Promessa] as disposies legais [requisitos e efeitos] relativas ao contrato prometido (art. 410, n1 do Cod. Civil).

    Este Princpio tem dois sentidos:

    1) aplicam-se ao Contrato-Promessa as regras gerais dos negcios jurdicos9; 2) aplicam-se ao Contrato-Promessa as regras especficas do Contrato Prometido10.

    9 Entre outras, aplicam-se aos Contratos-Promessa as regras respeitantes a: incapacidades (artos. 122 a 156 do Cod. Civil); modalidades e perfeio da declarao negocial (artos. 217 a 218 e 224 a 235, todos do Cod. Civil); interpretao e integrao (artos. 236 a 239 do Cod. Civil); divergncias intencionais entre a vontade real e a vontade declarada (simulao, artos. 240 a 243 do Cod. Civil, reserva mental, art. 244, e declaraes no srias, art. 245); divergncias no intencionais entre a vontade real e a vontade declarada (falta de conscincia da declarao e coaco fsica, art. 246 do Cod. Civil, e erro-obstculo, artos. 247 a 250 do Cod. Civil); vcios da vontade (erro-vcio, artos. 251 e 252 do Cod. Civil, dolo, artos. 253 e 254, coaco moral, artos. 255 e 256, e incapacidade acidental, art. 257); representao (artos. 258 a 269 do Cod. Civil); condio (artos. 270 a 277 do Cod. Civil); termo (artos. 278 e 279 do Cod. Civil); requisitos do objecto negocial (artos. 280 e 281 do Cod. Civil); negcios usurrios (artos. 282 a 284 do Cod. Civil); nulidade e anulabilidade (artos. 285 a 294 do Cod. Civil); excepo de no cumprimento do contrato (artos. 428 a 431 do Cod. Civil); resoluo (artos. 432 a 436 do Cod. Civil). Deste modo, so nulos por violarem a idoneidade do objecto (art. 280 do Cod. Civil), por exemplo, contratos-promessa que tenham por objecto: um prdio que j no existe, uma servido separada do prdio a que pertence ou a herana de pessoa viva. Quanto ao erro, estabelece o Ac. do STJ, de 16/01/1973 que provando-se que o promitente-comprador s celebrou o contrato-promessa por estar convencido de que o prdio, objecto da futura compra e venda, tinha acesso a p para uma praia que lhe ficava prxima, e que o promitente-vendedor sabia que ele s por essa razo contratara, h lugar anulao do contrato, por erro sobre as qualidades do objecto, se o prdio no tinha aquele acesso. Tambm se aplica aos Contratos-Promessa a responsabilidade civil pr-contratual, prevista no art. 227 do Cod. Civil e vai neste sentido o ARE, de 22/06/2004, ao referir que o escrito mediante o qual, perante o interesse manifestado por uma das partes, a outra aceita retirar do mercado um lote de terreno, mantendo o seu preo at determinada data [acordo de reserva], obrigando-se o primeiro, como comprador, a assinar o contrato-promessa de compra e venda e a efectuar os pagamentos acordados, at essa data, reservando-se a vendedora o direito de cancelar a reserva, retendo, como compensao, uma taxa de reserva, no constitui um contrato-promesa, inserindo-se antes nas negociaes preliminares da compra e venda. Igualmente, a impossibilidade originria da prestao [do contrato-promessa] produz a nulidade do negcio jurdico (art 401, n1 do Cod. Civil); sendo os prdios rsticos prometidos vender indivisveis em substncia data da celebrao do contrato-promessa, ocorre impossibilidade objectiva originria do respectivo cumprimento (impossibilidade jurdica), de acordo com o Ac. do STJ, de 12/02/2004. 10 Assim, a um Contrato-Promessa de Compra e Venda, aplicam-se as regras do Contrato de Compra e Venda, como, por exemplo: -no podem ser compradores de coisa ou direito litigioso, quer directamente, quer por interposta pessoa, aqueles a quem a lei no permite que seja feita a cesso de crditos ou direitos litigiosos (art. 876, n1 do Cod. Civil); -os pais e avs no podem vender a filhos ou netos, se os outros filhos ou netos no consentirem na venda (art. 877, n1 do Cod. Civil); - determinao do preo (art. 883 do Cod. Civil); -se a venda ficar limitada a parte do seu objecto, haver uma reduo do preo (art. 884 do Cod. Civil).

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    Mas esta regra geral tambm comporta duas excepes:

    a) quanto substncia, no se aplicam ao Contrato-Promessa

    as disposies legais respeitantes ao Contrato Prometido que, por sua razo de ser, no se devam considerar extensivas ao contrato-promessa (art. 410, n1 do Cod. Civil);

    b) tambm no se aplicam ao Contrato-Promessa as disposies legais respeitantes ao Contrato Prometido relativas forma (art. 410, n 1 do Cod. Civil).

    5. Requisitos Substanciais Quando se fala em requisitos substanciais, tm-se em ateno as regras

    que o contedo do Contrato-Promessa tem que respeitar, para que este Contrato seja vlido.

    Como j vimos, a regra geral o Princpio da Equiparao, ou seja, o

    Contrato-Promessa deve obedecer s regras gerais dos Contratos e s regras especficas do Contrato Prometido.

    Do que cuidaremos, agora, de saber quais so as excepes, quais

    so as tais disposies legais relativas ao Contrato Prometido que, por sua razo de ser, no se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.

    Assim, entre outras, no se aplicam ao Contrato-Promessa de Compra e

    Venda as seguintes disposies legais (aplicveis ao contrato prometido):

    a) efeitos essenciais da compra e venda (art. 879 do Cod. Civil); j referimos, anteriormente, que decorre do prprio conceito de Contrato-Promessa que este no pode ter os mesmos efeitos do Contrato Prometido;

    b) nulidade da venda de bens alheios (art. 892 do Cod. Civil);

    do conhecimento geral que se o Antnio vender ao Manuel uma coisa do Joo, essa venda nula; mas j ser vlido o contrato pelo qual o Antnio promete vender ao Manuel uma coisa do Joo (entre o Contrato-Promessa e o Contrato Prometido, o Antnio pode, efectivamente, adquirir a coisa ao Joo)11;

    Tambm aplicvel promessa de compra e venda, por fora do princpio da equiparao consagrado no n 1 do art. 410 do C.C., o regime fixado nos artos. 913 e segs. do mesmo diploma para o contrato de compra e venda de coisa defeituosa, mesmo antes de outorgado o contrato prometido (Ac. do STJ, de 19/01/2004).

    11 A responsabilidade do promitente-vendedor, perante o promitente-comprador, caso no consiga adquirir a coisa ao verdadeiro dono, variar consoante a sua obrigao seja de meios ou de resultado.

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    c) alienao de coisa comum (art. 1408 do Cod. Civil); o

    comproprietrio no pode alienar / onerar parte especificada da coisa comum, mas j poder prometer essa mesma alienao / onerao12;

    d) regras sobre o risco, estabelecidas no art. 796 do Cod.

    Civil.

    Uma situao muito debatida tem sido a do contrato-promessa de alienao (venda, permuta, doao) de um imvel, assinado apenas por um dos cnjuges13.

    Assim, no que respeita ao contrato prometido, carece do

    consentimento de ambos os cnjuges, salvo se entre eles vigorar o regime de separao de bens: a alienao, onerao, arrendamento ou constituio de outros direitos pessoais de gozo sobre imveis prprios ou comuns14 (art. 1682-A, n1, a) do Cod. Civil), sendo certo que, se estiver em causa a casa de morada de famlia, at no regime de separao de bens, necessria a interveno de ambos os cnjuges (art. 1682-A, n2 do Cod. Civil).

    A questo que se coloca a de saber se, no Contrato-Promessa,

    tambm necessrio o consentimento de ambos os cnjuges. A resposta dada, de forma cabal, entre outros, pelo Ac. do STJ, de

    4/4/2002, em quatro pontos:

    Nestes casos de contrato-promessa de compra e venda de bens alheios, o promitente-comprador ter direito a ser indemnizado pelo promitente-vendedor, mas no poder recorrer execuo especfica. 12 Tendo resultado da falta de cumprimento dessa obrigao (propositura de uma aco de diviso de coisa comum) a impossibilidade de os promitentes-vendedores outorgarem, no prazo marcado, a escritura da venda prometida, tornaram-se [aqueles] responsveis pelos prejuzos causados ao promitente-comprador (Ac. do STJ, de 23/04/1971). 13 No mbito do casamento, tambm se discute a titularidade do prdio adquirido em virtude de contrato-promessa, anterior ao casamento, celebrado apenas por um dos cnjuges. Esta questo vem tratada no ARP, de 11/10/2004: O prdio adquirido a ttulo oneroso e na pendncia de casamento celebrado sob o regime de comunho de adquiridos bem comum, ainda que na escritura de compra e venda haja outorgado s um dos cnjuges e declarado falsamente ser solteiro. Mesmo que esse contrato de compra e venda seja o cumprimento de contrato-promessa celebrado anteriormente ao casamento, no pode, s por isso, o prdio ser considerado por virtude de direito prprio anterior. A soluo no , sem mais, afastada pelo facto de o cnjuge adquirente ter contrado emprstimo com hipoteca e fiana junto de um Banco, ser s ele quem figura como muturio e vem pagando as prestaes da amortizao, no tendo o outro cnjuge contribudo para esses pagamentos. 14 A alienao de um imvel que foi construdo com destino a ser comercializado configura um acto de mera administrao, pelo que o contrato-promessa escrito de venda que seu objecto, celebrado pelo construtor, no carece para sua validade do consentimento do seu cnjuge (Ac. do STJ, de 10/01/2002). vlida a promessa de venda de bem prprio, assinada apenas pela promitente vendedora, sem interveno do marido, com quem era casada no regime de comunho de adquiridos (Ac. do STJ, de 25/11/2003).

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    1) O art. 1682-A do Cod. Civil no se aplica ao Contrato-Promessa, pelo que vlido o Contrato-Promessa de alienao de imvel assinado apenas por um dos cnjuges;

    2) Se o Promitente-Vendedor no conseguir obter o consentimento do

    cnjuge, incorre em incumprimento, pelo que tem o Promitente-Comprador o direito de resolver o Contrato-Promessa e o direito de ser indemnizado (por exemplo, o Promitente-Vendedor poder ter que lhe devolver, em dobro, o sinal que aquele houver prestado)15; s no ser assim, se o Promitente-Vendedor tiver assumido uma mera obrigao de meios (apenas se obrigou a diligenciar junto do cnjuge, para que este celebrasse o Contrato Prometido);

    3) S o cnjuge que celebrou o Contrato-Promessa (e no o outro)

    responde perante o Promitente-Comprador; 4) No possvel a Execuo Especfica do Contrato-Promessa, com

    vista a suprir a falta de consentimento conjugal, uma vez que o outro cnjuge no interveio na celebrao do contrato-promessa e a execuo especfica visa suprir, precisamente, a falta de vontade de um dos promitentes.

    6. Requisitos Formais Quando o art. 410, n1 do Cod. Civil refere que no so aplicveis ao Contrato-Promessa as disposies legais relativas forma do Contrato Prometido, temos que ser claros sobre o sentido desta excepo. Assim, j vimos que o Contrato-Promessa menos importante do que o Contrato Prometido, na medida em que aquele se destina a preparar as condies jurdicas para a celebrao deste. Deste modo, o grau de exigncia formal do Contrato-Promessa pode ser igual ou inferior ao do Contrato Prometido, mas nunca superior. Vamos, seguidamente, analisar os trs regimes legais de forma aplicveis ao contrato-promessa. 7. Requisitos Formais: Regime Geral O regime geral, para qualquer negcio jurdico, o da liberdade de forma (art. 219 do Cod. Civil). Significa isto que, na generalidade dos negcios jurdicos, se a lei nada disser, as partes no tm que observar qualquer forma, na sua celebrao. Pensemos, por hiptese, nos vulgares contratos de Compra e Venda de uma pea de roupa, de uma jia, de uma bicicleta ou de um automvel. Em

    15 Mas esclarece o Ac. do STJ, de 13/01/2005, a propsito desta situao que embora tal contrato produza efeitos obrigacionais entre as partes subscritoras da promessa, o mesmo no gera efeitos reais, nomeadamente translativos da propriedade ou da posse a favor do promitente comprador, pelo que este no tem direito de reteno do imvel, objecto mediato da promessa.

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    qualquer destes casos, o Contrato faz-se por simples acordo verbal entre vendedor e comprador, no sendo necessria qualquer outra forma. Ora, se assim para os Contratos Prometidos, no vai o Contrato-Promessa ser mais papista do que o Papa e, portanto, o regime geral para a celebrao do Contrato-Promessa o da liberdade de forma16. Portanto, se o Contrato-Promessa tiver por objecto, e voltando aos nossos exemplos, uma pea de roupa, uma jia, uma bicicleta, um automvel ou outro bem mvel, o regime que se lhe vai aplicar , em princpio, o da liberdade de forma. Aproveita-se para lembrar os leitores menos atentos que o Contrato-Promessa no tem que ser de Compra e Venda (podem ser objecto de Contrato-Promessa, entre outros, os seguintes contratos: compra e venda, arrendamento, trabalho17, sociedade, cesso de quota, doao, comodato, depsito, mtuo, permuta, hipoteca, penhor, fiana, dao em cumprimento, trespasse, servido ou habitao peridica) nem tem que ter por objecto um bem imvel (pode, tambm, incidir sobre bens mveis). 8. Requisitos Formais: Regime do Artigo 410, n 2 do Cod. Civil Se o Contrato-Promessa tiver por objecto um bem imvel, o caso pia mais fino. Reza o art. 410, n2 do Cod. Civil que a promessa respeitante celebrao de contrato para o qual a lei exija documento, quer autntico, quer particular, s vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral. Vamos tentar decompor a norma citada. E, entre outros importantes legados, o filsofo REN DESCARTES deixou-nos a chamada de ateno para a importncia do mtodo. Ora, o mtodo que vamos utilizar o de analisar, separadamente, os dois aspectos de que trata o preceito legal: mbito de aplicao e requisitos formais do Contrato-Promessa. O art. 410, n2 do Cod. Civil aplica-se aos Contratos-Promessa que tenham por objecto dois tipos de Contratos Prometidos:

    16 Do mesmo modo, a validade [de uma clusula acessria] no depende da observncia de uma qualquer forma especial, nem tem necessariamente que constar da escritura do contrato definitivo de compra e venda (princpio da liberdade de forma conf. art. 219 do C.C.), de acordo com o Ac. do STJ, de 22/04/2004. 17 Sobre a promessa de contrato de trabalho, estabelece o art. 94, n1 do Cod. Trabalho que: a promessa de contrato de trabalho s vlida se constar de documento no qual se exprima, em termos inequvocos, a vontade de o promitente ou promitentes [portanto, a vinculao tambm pode ser unilateral] se obrigarem a celebrar o contrato definitivo, a espcie de trabalho a prestar e a respectiva retribuio.

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    1) Contratos Prometidos para os quais a lei exija documento autntico; o caso, por exemplo, do contrato de compra e venda de imveis (art. 875 do Cod. Civil) ou do contrato de doao de imveis (art. 947, n1 do Cod. Civil), contratos cuja celebrao exige escritura pblica; 2) Contratos Prometidos para os quais a lei exija documento particular; o caso do contrato de doao de mveis, sem tradio (entrega) da coisa (art. 947, n2 do Cod. Civil)18. Importa ressalvar que no cabem neste preceito todos os Contratos-Promessa de compra e venda de imveis, uma vez que os de prdios urbanos, como veremos, esto sujeitos ao regime do art. 410, n3 do Cod. Civil. Assim, genericamente, pode dizer-se que o art. 410, n2 do Cod. Civil aplica-se a qualquer Contrato-Promessa que tenha por objecto a doao de imveis ou aos Contratos-Promessa que tenham por objecto a compra e venda de prdios rsticos, incluindo os terrenos destinados construo. E qual o requisito formal exigido por este regime? Exige-se a assinatura da parte que se vincula; as duas, no contrato-promessa bilateral19, ou s uma, na promessa unilateral20. Se as partes no observarem a forma prevista no art. 410, n2 do Cod. Civil, o Contrato-Promessa nulo (art. 220 do Cod. Civil). A nulidade invocvel a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art. 286 do Cod. Civil) e tem efeito retroactivo [pode dizer-se que como se no tivesse chegado a haver contrato], devendo ser restitudo [em singelo] tudo o que tiver sido prestado ou [] o valor correspondente21 (art. 289, n 1 do Cod. Civil22). Se um Contrato-Promessa bilateral for assinado apenas por uma das partes, poder aproveitar-se como promessa unilateral, dividindo-se a

    18 Est sujeito a forma escrita o contrato-promessa de trabalho (art. 103, n1, a) do Cod. Trabalho), dele devendo constar a identificao e a assinatura das partes (art. 103, n2 do Cod. Trabalho). 19 As duas assinaturas no tm, necessariamente, que constar do mesmo documento (Ac. do STJ, de 9/1/2003) e a entrega de sinal no supre a falta de assinatura (Ac. do STJ, de 25/4/1972). 20 Vd., em sentido contrrio, TELLES, Inocncio Galvo Direito das Obrigaes, 3 ed.. Coimbra: Coimbra Editora, Lda., 1980, pp. 77 e 78. Este Ilustre Professor entende que o Contrato-Promessa Unilateral deve ser assinado por ambos os contraentes, fazendo at uma analogia com o contrato unilateral de Doao. 21 Pode haver lugar a outras indemnizaes (Ac. do STJ, de 9/5/2002). 22 Estes efeitos, previstos no art. 289 do Cod. Civil, tanto se aplicam declarao de nulidade como anulao do negcio jurdico. Tambm o art. 433 do Cod. Civil, quanto aos efeitos entre as partes da resoluo do contrato, remete para o art. 289 do Cod. Civil.

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    Jurisprudncia e a Doutrina, quanto figura jurdica aplicvel, entre a reduo23 e a converso24. 9. Requisitos Formais: Regime do Artigo 410, n 3 do Cod. Civil Depois de termos analisado, quanto aos requisitos formais do Contrato-Promessa, o regime geral da liberdade de forma e o regime do art. 410, n 2 do Cdigo Civil, resta referir o regime previsto no art. 410, n3 do mesmo diploma. Para facilitar a exposio, podemos dividir a anlise do art. 410, n 3 do Cod. Civil em trs pontos: 1) o mbito de aplicao; 2) os requisitos formais; 3) a sano prevista para a violao desta norma; 4) a possibilidade de requerer a execuo especfica do contrato-promessa; 5) objectivos desta norma. 1) Quanto ao MBITO DE APLICAO, delimita-o o art. 410, n3 do Cod. Civil aos casos de promessa relativa celebrao de contrato oneroso de transmisso ou constituio de direito real sobre edifcio, ou fraco autnoma dele, j construdo, em construo ou a construir. Assim, a aplicao deste regime depende da verificao cumulativa de quatro circunstncias:

    23 Sobre a reduo, preceitua o art. 292 do Cod. Civil que a nulidade ou anulao parcial no determina a invalidade de todo o negcio, salvo quando se mostre que este no teria sido concludo sem a parte viciada. Portanto, a reduo a regra geral, excepto se as partes provarem ser outra a sua vontade hipottica conjectural. De acordo com o Princpio da Manuteno do Negcio, parece prefervel a soluo da reduo do contrato-promessa a promessa unilateral, ficando as partes com o nus de provar no ser essa a sua vontade hipottica. 24 Sobre a converso, estabelece o art. 293 do Cod. Civil que o negcio nulo ou anulado pode converter-se num negcio de tipo ou contedo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substncia e de forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade. Portanto, a converso depende de certos requisitos objectivos, como a substncia ou a forma , de requisitos subjectivos, como a vontade hipottica conjectural das partes. Neste sentido, o Assento do STJ, de 29/11/1989 estabelece a regra da nulidade total do contrato-promessa, salvo se a vontade hipottica das partes for no sentido da promessa unilateral. O ARE, de 2/05/2002, em nome da verdade material exige a prova da vontade hipottica das partes. O tribunal no pode conhecer oficiosamente da converso (Ac. do STJ, de 25/11/2003).

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    a) o objecto imediato do Contrato-Promessa a celebrao de um contrato oneroso25; assim, aplica-se este regime aos contratos-promessa que tenham por objecto os contratos prometidos de compra e venda, troca ou hipoteca26, mas no se aplica, por exemplo, doao; b) o contrato prometido visa a transmisso ou constituio de um direito real; assim, aplica-se este regime, designadamente, aos seis direitos reais de gozo27, previstos no Livro III do Cdigo Civil28: direito de propriedade

    25 De acordo com um critrio funcional, que atende ao contedo e finalidade dos negcios, os contratos classificam-se em: -onerosos, quando h atribuies patrimoniais para ambas as partes, estabelecendo-se um nexo de correspectividade entre essas atribuies, segundo a perspectiva e vontade das partes; -gratuitos, quando h uma inteno liberal (animus beneficiandi) de uma parte relativamente outra; h, portanto, a inteno de criar vantagem patrimonial para uma das partes, sem contrapartida/correspectivo da outra, segundo a inteno comum dos contraentes. 26 O Ac. do STJ, de 11/12/2003 define que o contrato- promessa de troca e de compra e venda de imveis est, por imposio de lei, sujeito forma escrita, sendo o respectivo documento, como unanimemente entendido, uma formalidade ad substantiam e no meramente ad probationem art. 410 C. Civil. [] A declarao, porque no vertida no escrito imperativo, sempre seria, como se deixou referido, nula (art. 220 cit.). 27 A Posse, embora suis generis e provisrio, , inequivocamente, um direito real (de gozo), estando prevista nos artos. 1251 a 1301, todos do Cod. Civil. Grande parte da doutrina tambm se refere a: direitos reais limitados de garantia (consignao de rendimentos, artos. 656 a 665 do Cod. Civil, penhor, artos. 666 a 685, hipoteca, artos. 686 a 732, privilgios creditrios especiais, artos. 733 a 735 e 738 a 753, e direito de reteno, artos. 754 a 761); direitos reais limitados de aquisio (contrato-promessa com eficcia real, artos. 410 e 413 do Cod. Civil, pacto de preferncia com eficcia real, artos. 414 e 421, e preferncia legal). 28 Embora esteja revelia de toda a doutrina e de toda a jurisprudncia, no podemos deixar de dar notcia da opinio de CORDEIRO, Antnio Menezes, sobre os direitos reais de gozo, expressa na obra Direitos Reais. Lisboa: LEX Edies Jurdicas, 1993 (reprint, 1979). Assim, no prprio ndice, verifica-se que MENEZES CORDEIRO inclui, nos direitos reais de gozo, alm dos supra referidos, os direitos do locatrio, do parceiro pensador, do comodatrio e do depositrio (CORDEIRO, Antnio Menezes, op. cit., p. 837). Perante to surpreendente sistematizao, importava indagar quem estaria errado; seria MENEZES CORDEIRO ou seria o resto do mundo jurdico? Lendo, atentamente, o texto da referida obra, MENEZES CORDEIRO distingue duas situaes: por um lado, o direito do depositrio no um direito real (CORDEIRO, Antnio Menezes, op. cit., pp. 704-706), pelo que o texto contraria o ndice da prpria obra; por outro lado, os direitos do locatrio, do parceiro pensador e do comodatrio so verdadeiros direitos reais (CORDEIRO, Antnio Menezes, op. cit., pp. 687-689, 697-700 e 701-703), o que viola, frontalmente, a sistemtica do Cdigo Civil. Uma vez que a argumentao usada nos outros dois casos similar, vamos deter-nos no caso do locatrio, ou seja, vamos tentar perceber o que ter levado to ilustre professor a fazer, na sua obra de referncia, tal (errada?) afirmao. De resto, MENEZES CORDEIRO no podia ser mais categrico: Hoje em dia, pensamos que o direito do locatrio deve ser considerado um direito real de gozo, sem qualquer margem para dvidas. [] Mas possvel ir mais longe: a natureza real do direito do locatrio est j de tal forma sedimentada na lei que no depende de forma alguma da aceitao do conceito de direito real que ns defendemos. Qualquer que seja o conceito de direito real que se perfilhe, o direito do locatrio deve ser sempre considerado como real. (CORDEIRO, Antnio Menezes, op. cit., p. 687. Os sublinhados so nossos). Analisemos, criticamente, os principais argumentos de MENEZES CORDEIRO (op. cit., pp. 688-689). 1 Argumento: o locador tem a obrigao de assegurar ao locatrio o gozo da coisa locada, para os fins a que a coisa se destina (art. 1031, b) do Cod. Civil), o que significa que o locatrio tem um poder directo e imediato sobre a coisa, independentemente de quaisquer prestaes do locador. Crtica: fundamento de resoluo do contrato de arrendamento, pelo senhorio, o uso do prdio para fim diverso

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    direito real pleno, previsto nos artos. 1302 a 1438-A, todos do Cod. Civil e direitos reais limitados (usufruto, artos. 1439 a 1483, uso e habitao, artos. 1484 a 1490, superfcie, artos. 1524 a 1542, servides prediais, artos. 1543 a 1575, e habitao peridica, DL n 275/93, de 5 de Agosto), mas no se aplica aos direitos de crdito, como locao29, comodato, mtuo ou depsito;

    daquele a que se destina (art. 1083, n2, c) do Cod. Civil); portanto, o gozo da coisa locada est limitado aos fins expressos no contrato. 2 Argumento: o locatrio que for privado da coisa ou perturbado no exerccio dos seus direitos pode usar, mesmo contra o locador, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276 e seguintes [contencioso possessrio] (art. 1037, n2 do Cod. Civil), pelo que o locatrio um verdadeiro posuidor. Crticas: em primeiro lugar, o locatrio no um verdadeiro possuidor, mas, sim, um mero detentor (art. 1253, c) do Cod. Civil); em segundo lugar, o depositrio (falamos apenas deste, para usar o critrio do prprio Menezes Cordeiro) no titular de um verdadeiro direito real e tambm pode recorrer ao contencioso possessrio (art. 1188, n2 do Cod. Civil); finalmente, de acordo com o Princpio da Utilidade das Normas, se o locatrio fosse titular de um verdadeiro direito real de gozo, seria desnecessrio o legislador consagrar, expressamente, esta possibilidadade de recorrer ao contencioso possessrio (que se saiba, no o faz, a respeito do proprietrio nem do usufruturio nem dos outros titulares de direitos reais de gozo!). 3 Argumento: havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituio s pode ser recusada nos casos previstos na lei (art. 1311, n2 do Cod. Civil) e o caso do locatrio um dos casos em que a simples exibio do contrato de locao, pelo locatrio, far sucumbir a aco de reivindicao, proposta pelo locador; isto traduz a eficcia absoluta do direito do locatrio. Crtica: tambm os titulares de alguns direitos obrigacionais, com eficcia meramente relativa, podem, em certas circunstncias, fazer improceder a aco de reivindicao, proposta pelo proprietrio. 4 Argumento: o adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigaes do locador, sem prejuzo das regras do registo (art. 1057 do Cod. Civil); portanto, o direito do locatrio tem eficcia absoluta, oponvel erga omnes, incluindo ao terceiro que adquira a coisa ao anterior locador. Crtica: o direito do locatrio tem eficcia meramente relativa quanto ao locador e ao transmissrio, o que perfeitamente normal nas relaes obrigacionais; alis, se o direito do locatrio tivesse eficcia absoluta, o preceito em anlise seria desnecessrio. Desmontada a argumentao de Menezes Cordeiro, j podemos, tranquilamente afirmar que, nesta questo, colocamo-nos ao lado da posio esmagadoramente dominante na doutrina e na jurisprudncia, ou seja, o locatrio titular de um direito de crdito, e no de um direito real de gozo.. O mesmo se passa, de resto, com o parceiro pensador e o comodatrio. E a nossa opo nada tem a ver com critrios quantitativos; se chegssemos concluso que a opinio de Menezes Cordeiro era um osis de luz, no meio de um deserto de trevas, seramos os primeiros a reconhec-lo. Mas no . Alis, at na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, qual o eminente professor est ligado, no seguida a sistematizao dos direitos reais que aquele defende na sua obra. H, fundamentalmente, trs argumentos que nos parecem decisivos para concluir o bvio (to bvio que nem justificava qualquer discusso): 1 Argumento: menos importante que os outros dois, mas no dispiciendo o argumento da coerncia sistemtica; se todos os direitos reais de gozo esto previstos no Livro III do Cdigo Civil e a locao est prevista no Livro II, porque no se trata de um direito real de gozo; 2 Argumento: literal, mas elucida o esprito do legislador, quando os artigos 1682-A, n1, a) e 1682-A, n2 do Cod. Civil se referem alienao, onerao, arrendamento ou constituio de outros direitos pessoais de gozo; parece, portanto, claro que o legislador considera que o direito do locatrio um direito de crdito, e no um direito real de gozo; 3 Argumento: afinal, o prprio conceito de locao responde, cabalmente, questo debatida, quando refere que Locao o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar outra o gozo temporrio de uma coisa, mediante retribuio (art. 1022 do Cod. Civil); deste modo, o locatrio no tem um poder directo e imediato sobre a coisa, em face de todos os outros, mas, sim, o direito de exigir ao locador o gozo da coisa, ou seja, o locatrio apenas tem direito a uma prestao; portanto, o direito do locatrio tem uma proteco especial, mas essa proteco no chega ao ponto de converter um direito de crdito num direito real de gozo. 29 A locao diz-se arrendamento quando versa sobre coisa imvel, aluguer quando incide sobre coisa mvel (art. 1023 do Cod. Civil).

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    c) o objecto mediato do Contrato-Promessa um edifcio ou fraco autnoma dele; assim, aplica-se este regime generalidade dos prdios urbanos (vivendas, moradias, apartamentos, lojas, garagens), mas no se aplica aos prdios rsticos; d) este regime aplica-se a prdios (ou fraces autnomas deles) j construdo, em construo ou a construir; assim, cabe, aqui, claramente, a chamada compra na planta ou no projecto (prdio a construir); embora voltemos, mais tarde, a este assunto, destacamos, desde j, que s possvel a execuo especfica se o prdio j estiver construdo (enquanto no estiver construdo o prdio, no possvel a execuo especfica do contrato-promessa, porque falta o objecto mediato); 2) Quanto aos REQUISITOS FORMAIS, estabelece o art. 410, n3 do Cod. Civil que o Contrato-Promessa, para alm da(s) assinatura(s) da(s) parte(s) que se vincula(m), deve conter o reconhecimento presencial da assinatura do promitente ou promitentes e a certificao, pelo notrio, da existncia da licena respectiva de utilizao ou de construo. Portanto, a lei impe, neste regime, trs requisitos: a) tal como no regime do art. 410, n2 do Cod. Civil, o Contrato-Promessa ter de ser assinado por ambas as partes (ou apenas pela parte que se vincula, se se tratar de uma Promessa Unilateral); b) as assinaturas tm de ser objecto de reconhecimento presencial; c) o notrio tem de certificar a existncia da licena de utilizao, no caso dos prdios j construdos, ou da licena de construo, no caso dos prdios em construo ou a construir. 3) Finalmente, quanto SANO, ou seja, quanto aos efeitos da inobservncia da forma legal, o art. 410, n3 do Cod. Civil ressalva que o contraente que promete transmitir ou constituir o direito s pode invocar a omisso destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte. Previamente e em geral, importa relembrar que os vcios formais dividem-se nos dois tipos constantes do quadro seguinte: Vcio Formal NULIDADE30 ANULABILIDADE31 30 Normalmente, conduzem nulidade do contrato-promessa os vcios formais (art. 220 do Cod. Civil) e alguns vcios substanciais, como, por exemplo, o negcio simulado (art. 240, n2 do Cod. Civil), o negcio sob coaco fsica (art. 246 do Cod. Civil) ou a falta de idoneidade do objecto negocial (art. 280 do Cod. Civil). 31 Normalmente, conduzem anulabilidade do contrato-promessa os vcios substanciais, como, por exemplo: menoridade (art. 125 do Cod. Civil); interdio (artos. 148 a 150 do Cod. Civil); inabilitao (art. 156 do Cod. Civil); erro-obstculo (artos. 247 e 250 do Cod. Civil); erro-vcio

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    Art. Cod. Civil 286 287 Prazo Todo o tempo 1 ano, desde a cessao do vcio Legitimidade Qualquer interessado principais interessados Oficiosidade Sim No Confirmao No Sim Efeitos 289 e ss. Cod. Civil32 289 e ss. Cod. Civil Ora, a inobservncia da forma legal prevista no art. 410, n3 do Cod. Civil leva a uma invalidade mista, pois combina caractersticas de nulidade e de anulabilidade. Assim, e at de acordo com a interpretao que o Assento do STJ n 3/95 faz do preceito em anlise, de concluir que: - o promitente-comprador pode invocar, sempre, o vcio de forma; porm, h doutrina e jurisprudncia que ressalvam que o promitente-comprador s no o poder fazer, em caso de abuso de direito33; - o promitente-vendedor s pode invocar o vcio de forma, se provar que este foi, culposamente, causado pelo promitente-comprador; - esta invalidade mista no de conhecimento oficioso34 (oficiosidade a possibilidade de o Tribunal agir, independentemente do impulso das partes); - alguma doutrina35 defende que este vcio tambm pode ser invocado pelos terceiros interessados, como, por exemplo, os credores do promitente-vendedor. Diz-se que estamos perante uma invalidade mista, porquanto invocvel a todo o tempo e por ambas as partes (caractersticas da nulidade), mas no de conhecimento oficioso e s, excepcionalmente, pode ser invocado pelo promitente-vendedor (caractersticas da anulabilidade). Mais uma vez, patente a inteno de proteger os consumidores de habitao.

    (artos. 251 e 252 do Cod. Civil); dolo (art. 254 do Cod. Civil); coaco moral (art. 256 do Cod. Civil); incapacidade acidental (art. 257 do Cod. Civil); negcios usurrios (art. 282 do Cod. Civil). 32 Os efeitos da declarao de nulidade e da anulao no afastam a eventual responsabilidade civil a que haja lugar. 33 O abuso de direito vem previsto no art. 334 do Cod. Civil e significa que ilegtimo o exerccio de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa f, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econmico desse direito. Imaginemos que o prprio promitente-comprador a provocar o desrespeito da forma legal e depois quer aproveitar-se disso no justo que o possa fazer! Vd., neste sentido: LIMA, Fernando Andrade Pires de et alii, op. cit., p. 361; DELGADO, Abel Do Contrato-Promessa, 3 ed.. Lisboa: Livraria Petrony, 1985, pp. 161-166. 34Vd., em sentido contrrio, VARELA, Joo de Matos Antunes Das Obrigaes em Geral, vol. I, 7 ed. (rev. e act.). Coimbra: Livraria Almedina, 1991, pp. 324-325. 35 VARELA, Joo de Matos Antunes, op. cit., pp. 324-325.

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    4) O direito execuo especfica no pode ser afastado pelas partes nas promessas a que se refere o n3 do artigo 410 (art. 830, n3 do Cod. Civil).

    Voltaremos a falar da execuo especfica, oportunamente, mas fica, desde j, a ideia de que, ao contrrio do que regra, nos casos do art. 410, n3 do Cod. Civil, a constituio de sinal no afasta a possibilidade de recurso execuo especfica e mesmo uma clusula em sentido contrrio seria nula.

    S no ser possvel o recurso execuo especfica, mesmo nos

    casos do art. 410, n3, se for impossvel o objecto (exs.: venda do prdio a terceiro, desde que o contrato-promessa no tivesse eficcia real; prdio no chegou a ser construdo) ou se for impossvel o suprimento da declarao de vontade (, por exemplo, o caso da falta do consentimento conjugal, de que j falmos, ou da autorizao do verdadeiro proprietrio, quando a promessa incida sobre coisa alheia).

    5) Esta norma (art. 410, n3 do Cod. Civil), introduzida pelo DL n

    236/80, de 18 Julho e aperfeioada pelo DL n 379/86, de 11 de Novembro, visava, principalmente, realizar dois objectivos claros e nobres:

    -proteco dos consumidores de habitao; -combate construo clandestina.

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    Captulo II

    Transmisso dos Direitos/Obrigaes dos Promitentes

    Como em qualquer Contrato, tambm no Contrato-Promessa, as partes originrias podem transmitir a sua posio contratual a outras pessoas. Quanto s regras para esta transmisso, a lei distingue36: 36 Os negcios inter vivos destinam-se a produzir efeitos em vida das partes; a regra geral nos negcios jurdicos. Os negcios mortis causa destinam-se a produzir efeitos aps a morte de alguma das partes; so excepcionais como o testamento ou o pacto sucessrio.

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    a) transmisso mortis causa;

    b) transmisso inter vivos.

    10. Transmisso dos Direitos/Obrigaes dos Promitentes, mortis

    causa

    O que acontece se falecerem o promitente-vendedor ou o promitente-comprador?

    Os direitos e obrigaes resultantes do contrato-promessa, que no

    sejam exclusivamente pessoais, transmitem-se aos sucessores das partes (art. 412, n1 do Cod. Civil).

    Portanto, nesta matria, o art. 412, n1 do Cod. Civil consagra uma

    excepo e uma regra geral. A excepo a da no transmisso da posio contratual que seja

    exclusivamente pessoal. Ou seja, necessrio considerar tambm a vontade das partes, mas,

    em geral, no se podem aplicar as regras sucessrias aos contratos-promessa que tenham por objecto contratos prometidos em que seja relevante a pessoa do contratante; o caso, por exemplo, do mandatrio, do arrendatrio, do trabalhador, do empreiteiro ou do usufruturio.

    Em termos quase caricaturais, pode dizer-se que se uma empresa

    celebrar um contrato-promessa de trabalho com um determinado advogado e este falecer, o contrato extingue-se; no se vai transmitir a posio contratual do advogado ao seu filho, que at pode nem ser advogado e, mesmo que o seja, pode no ser o que a empresa pretende.

    A regra geral a da aplicao das regras sucessrias37. Assim, em

    princpio, se A e B celebram um contrato-promessa de compra e venda que tem por objecto um imvel e um deles vem a falecer, a sua posio contratual transmite-se aos herdeiros.

    Aplicam-se, assim, as regras sucessrias gerais, merecendo especial

    referncia os normativos atinentes a: ttulos de vocao sucessria (art. 2026 do Cod. Civil); espcies de sucesso legal (art. 2027 do Cod. Civil); classes

    37 Diz-se sucesso o chamamento de uma ou mais pessoas titularidade das relaes jurdicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devoluo dos bens que a esta pertenciam (art. 2024 do Cod. Civil).

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    de sucessveis38; sucesso legitimria39 (artos. 2156 a 2178, todos do Cod. Civil); sucesso testamentria (artos. 2179 a 2334, todos do Cod. Civil).

    11. Transmisso dos Direitos/Obrigaes dos Promitentes, inter

    vivos A transmisso por acto entre vivos est sujeita s regras gerais. (art.

    412, n2 do Cod. Civil). Neste sentido, quanto transmisso inter vivos, h que distinguir duas

    situaes: 1) Cesso de Crditos40 ser o caso em que um dos contraentes

    apenas tem um direito de crdito, por exemplo, o credor de uma promessa unilateral; nesta situao, em princpio, no necessrio o consentimento do promitente/devedor41, pois para este relativamente indiferente a quem tem de pagar;

    2) Cesso da Posio Contratual - ser o caso habitual em que ambos os contraentes tm direitos e obrigaes; por exemplo, no contrato-promessa de compra e venda (o promitente-vendedor est obrigado a vender, mas pode 38 O art. 2133, n1 do Cod. Civil estabelece a ordem subsidiria por que so chamados os herdeiros sucesso: 1) cnjuge (independentemente do regime de bens) e descendentes (os filhos preferem aos netos, os netos aos bisnetos e assim sucessivamente); 2) no caso de o falecido no deixar descendentes, sucedem-lhe cnjuge e ascendentes (os pais preferem aos avs, os avs aos bisavs e assim sucessivamente); 3) irmos e seus descendentes (sobrinhos); 4) outros colaterais at ao quarto grau (portanto, os herdeiros legais vo at aos chamados primos-direitos); 5) Estado.

    39Entende-se por legtima a poro de bens de que o testador no pode dispor, por ser legalmente destinada aos herdeiros legitimrios (art. 2156 do Cod. Civil); so herdeiros legitimrios o cnjuge, os descendentes e os ascendentes, pela ordem e segundo as regras estabelecidas para a sucesso legtima (art. 2157 do Cod. Civil). No entanto, o autor da sucesso pode, em testamento, com expressa declarao da causa, deserdar o herdeiro legitimrio, quando se verifique alguma das seguintes ocorrncias: ter sido o sucessvel condenado por algum crime doloso contra a pessoa, bens ou honra do autor da sucesso, ou do seu cnjuge, ou de algum descendente, ascendente, adoptante ou adoptado, desde que ao crime corresponda pena superior a seis meses de priso; ter sido o sucessvel condenado por denncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas; ter o sucessvel, sem justa causa, recusado ao autor da sucesso ou ao seu cnjuge os devidos alimentos (art. 2166, n1 do Cod. Civil). 40 Em geral, a transmisso de crditos e de dvidas pode dar-se por: -cesso de crditos (artos. 577 a 588, todos do Cod. Civil); -sub-rogao (artos. 589 a 594); -transmisso singular de dvidas (artos. 595 a 600). 41O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crdito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cesso no esteja interdita por determinao da lei ou conveno das partes e o crdito no esteja, pela prpria natureza da prestao, ligada pessoa do credor (art. 577, n1 do Cod. Civil).

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    exigir que a outra parte compre; o promitente-comprador est obrigado a comprar, mas pode exigir que a outra parte venda); nesta situao, necessrio o consentimento do outro promitente/credor42, pois para este relevante a pessoa de quem tem de lhe pagar (por exemplo, a garantia patrimonial varia de pessoa para pessoa).

    42 No contrato com prestaes recprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posio contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebrao do contrato, consinta na transmisso (art. 424, n1 do Cod. Civil).

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    Captulo III

    Eficcia do Contrato-Promessa

    O grande objectivo deste captulo determinar quais os requisitos a que o contrato-promessa dever obedecer, para poder vir a ter eficcia real; da a nossa opo de incluir esta matria na primeira parte do trabalho.

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    12. Eficcia Obrigacional e Eficcia Real Nesta sede, importa saber quem fica vinculado pelo Contrato-Promessa. Em geral, pode dizer-se que, no Direito Civil Patrimonial43, h dois tipos de relaes, quanto eficcia44:

    a) relaes creditcias normalmente, vinculam apenas duas partes45 (os direitos de crdito tm eficcia inter partes); por exemplo, em princpio, um vulgar contrato de compra e venda apenas vincula o comprador e o vendedor;

    b) relaes reais normalmente, vinculam um sujeito activo e todos os

    outros cidados46 (os direitos reais tm eficcia erga omnes); por exemplo, se x proprietrio de uma determinada casa, x tem, em princpio, o direito de impedir qualquer outra pessoa de entrar nessa casa.

    E o Contrato-Promessa, produz efeitos relativamente a quem? A regra geral a da eficcia meramente obrigacional do Contrato-

    Promessa, ou seja, s esto vinculados pelo contrato-promessa de compra e venda o promitente-vendedor e o promitente-comprador.

    Vamos tentar ilustrar esta regra geral com um exemplo: A promete

    vender um determinado terreno a B, por 10.000 contos; entretanto, A vende esse mesmo terreno a C, por 20.000 contos. Quais so os direitos de B (promitente-comprador)?

    De acordo com esta regra geral:

    43 O Direito Civil divide-se em dois grandes ramos: - patrimonial, que tutela os interesses das pessoas avaliveis em dinheiro; cabem aqui os direitos reais (regulam a atribuio de bens e definem a sua utilizao) e os direitos de crdito (correspondem troca entre as pessoas de bens ou servios avaliveis em dinheiro); - no patrimonial, que tutela os interesses das pessoas no avaliveis em dinheiro; cabem aqui, entre outros, os direitos de personalidade e os direitos pessoais de famlia. 44 Fundamentalmente, podem apontar-se cinco diferenas entre os direitos de crdito e os direitos reais. Os direitos de crdito tm eficcia relativa, so insusceptveis de serem adquiridos por usucapio, esto no cerne do circuito econmico, so dinmicos e o objecto determinvel; os direitos reais tm eficcia absoluta, so susceptveis de aquisio por usucapio, actuam antes e depois do circuito econmico, so estticos e o objecto determinado. 45 Os factos sujeitos a registo, ainda que no registados, podem ser invocados entre as prprias partes e os seus herdeiros (art. 4, n1 do Cod. do Registo Predial). 46 Os factos sujeitos a registo s produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo (art. 5, n1 do Cod. do Registo Predial).

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    -B tem direito a ser indemnizado por A (promitente-vendedor), por exemplo, por via da restituio do sinal em dobro, como veremos adiante;

    -B no tem quaisquer direitos sobre C, ou seja, este no pode ser

    obrigado a entregar-lhe o terreno, uma vez que um terceiro, portanto completamente alheio ao contrato celebrado entre B e A47.

    A excepo a da eficcia real do Contrato-Promessa, ou seja, as

    partes podem convencionar que o Contrato-Promessa produza efeitos relativamente a terceiros. Quando assim for, j o B, do nosso exemplo, poder reivindicar o terreno do C, anulando o negcio entre este e A; por isso que alguma doutrina diz existir, aqui, um direito real de aquisio.

    13. Contrato-Promessa com Eficcia Real Como que uma Promessa pode ter eficcia real? O art. 413, n1 do Cod. Civil comea por delimitar quais os Contratos-

    Promessa a que pode ser atribuda eficcia real, sendo certo que o objecto desses contratos tem que cumular duas caractersticas:

    1) o objecto imediato a transmisso ou constituio de direitos reais

    (j antes referimos que os direitos reais de gozo so: propriedade, usufruto, uso e habitao, superfcie, servides prediais e habitao peridica); o caso, por exemplo, do contrato-promessa de compra e venda, uma vez que est em causa o direito de propriedade;

    2) o objecto mediato corresponde a bens imveis ou mveis sujeitos a

    registo; portanto, a eficcia real possvel, em regra, nos bens imveis (prdios rsticos, prdios urbanos, etc.) e, s excepcionalmente, nos bens mveis (automveis, navios, aeronaves).

    Mas, mesmo que esteja em causa a promessa de transmisso ou

    constituio de direitos reais sobre bens imveis, ou mveis sujeitos a registo (art. 413, n1 do Cod. Civil), tm que se verificar mais trs requisitos (formais) cumulativos:

    1) as partes tm de fazer uma declarao expressa de atribuio de

    eficcia real ao contrato-promessa48 (art. 413, n1 do Cod. Civil e art. 2, n1, f) do Cod. Registo Predial);

    47 Se o terceiro proceder com dolo ou culpa pelo menos, com culpa grave tambm, a nosso ver, responsvel, em termos de responsabilidade extraobrigacional, in TELLES, Inocncio Galvo, op. cit., p. 88. 48 Esto igualmente sujeitas a registo as aces [judiciais] que tenham por fim, principal ou acessrio, o reconhecimento, a constituio, a modificao ou a extino da promessa de alienao / onerao com eficcia real (art. 3, n1, a) do Cod. do Registo Predial).

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    2) inscrio no registo respectivo49 (art. 413, n1 do Cod. Civil); se estiver em causa um imvel, inscrio na Conservatria do Registo Predial50, se estiver em causa um automvel, inscrio na Conservatria do Registo Automvel e assim sucessivamente;

    3) quanto forma exigida para o contrato-promessa com eficcia real,

    o art. 413, n2 do C.P.C. levanta duas hipteses: a) deve constar de escritura pblica a promessa a que as partes

    atribuam eficcia real, se for essa a forma exigida para o Contrato Prometido; assim, deve constar de escritura pblica, por exemplo, o contrato-promessa de compra e venda de imvel, se se pretender que tenha eficcia real; mas deve ficar bem claro que o contrato-promessa de compra e venda de imvel que no conste de escritura pblica, no pode ter eficcia real, mas no deixa de ser vlido, desde que respeite os requisitos do art. 410, n2 ou n3, consoante os casos;

    b) quando a lei no exija essa forma [escritura pblica] para o contrato prometido, bastante documento particular com reconhecimento (por semelhana) das assinaturas das partes; deste modo, dever constar de documento particular com reconhecimento presencial das assinaturas, por exemplo, o contrato-promessa de compra e venda de automvel, para ter eficcia real; tambm aqui, no pode haver dvidas de que o contrato-promessa de compra e venda de automvel feito verbalmente, no pode ter eficcia real, mas vlido, de acordo com o art. 219 do Cod. Civil.

    Se faltar algum dos requisitos referidos, o Contrato-Promessa ter

    eficcia meramente obrigacional (apenas vincular as partes), mas no ter eficcia real (no ser oponvel a terceiros).

    Resta referir que, em princpio, no contrato-promessa sem eficcia real,

    no possvel a execuo especfica, caso a coisa tenha sido alienada a terceiro, enquanto que, em princpio, ser sempre possvel a execuo especfica no contrato-promessa com eficcia real, de acordo com a prpria natureza conceptual desta figura (s assim no ser se, por exemplo, no existir o objecto do contrato, como o caso de um automvel que ardeu ou de um prdio que no existe).

    49 Existindo um registo provisrio de aquisio com base em contrato-promessa de alienao, o registo posterior de um arresto sobre o mesmo prdio, feito em processo movido contra o promitente-vendedor, dever ser efectuado como provisrio por natureza (ARC, de 14/12/2004). 50 O extracto da inscrio de promessa de alienao ou de onerao de bens deve conter uma meno especial ao prazo da promessa, se estiver fixado (art. 95, n1, d) do Cod. do Registo Predial).

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    PARTE II

    OS EFEITOS DO CONTRATO-PROMESSA

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    Captulo IV

    Cumprimento e No Cumprimento

    14. Cumprimento

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    Na vida de qualquer Contrato, podem distinguir-se dois momentos: o da celebrao e o da sua execuo. A celebrao corresponde ao nascimento do Contrato, tendo a ver com os seus requisitos, de que tratmos na primeira parte deste trabalho.

    Mas os Contratos, em princpio, no se celebram para emoldurar e pendurar numa parede. Os Contratos tm que ter vida e a vida de um Contrato corresponde sua execuo, ao seu cumprimento, ou seja, aos efeitos que o Contrato se destina a produzir, pois so estes que vo satisfazer as necessidades das partes contratantes ( dos efeitos do Contrato-Promessa que vamos cuidar doravante).

    Assim, basicamente, a qualquer Contrato pode acontecer uma de duas

    coisas: a) CUMPRIMENTO - acontece quando as partes, voluntariamente,

    realizam as obrigaes que para elas resultam do Contrato, ou seja, quando o Contrato executado nos seus precisos termos51; de forma mais simples, pode dizer-se que h cumprimento do contrato quando tudo corre bem, portanto, tal e qual conforme o previsto no prprio Contrato52. As regras sobre Cumprimento esto previstas nos artos. 762 a 789 do Cod. Civil. Tambm no Contrato-Promessa, o Cumprimento o cenrio ideal, tal como no exemplo seguinte: hoje, A promete vender a B um automvel, no prximo dia 1 de Abril de 2005; tambm hoje, B promete pagar a A 25.000 euros, pelo dito automvel, no prximo dia 1 de Abril de 2005; chegado o dia 1 de Abril de 2005, A entrega o automvel a B e B entrega os 25.000 euros a A. Portanto, neste caso, o Contrato Prometido (celebrado em 1 de Abril) ser um cumprimento integral do Contrato-Promessa.

    b) NO CUMPRIMENTO acontece quando as partes no cumprem, voluntria e integralmente, as obrigaes para elas resultantes do Contrato53;

    51 O art. 406, n1 do Cod. Civil consagra o Princpio da Pontualidade, o que significa que o contrato deve ser pontualmente cumprido [cumprimento atempado e ponto por ponto], e s pode modificar-se ou extinguir-se por mtuo consentimento dos contraentes ou nos caos admitidos na lei. Como corolrio deste princpio, pode dizer-se que o no cumprimento de um contrato-promessa com as suas legais consequncias, no resulta sempre e somente da recusa de celebrao do contrato prometido, mas do no cumprimento das vrias clusulas a que se deve obedecer antes do contrato definitivo, tais como as relativas ao pagamento do preo pelo promitente-comprador e a entrega do objecto de promessa pelo promitente-vendedor (Ac. do STJ, de 26/11/1981). 52 O registo de propriedade do imvel, feito pelo promitente-vendedor, em seu nome e baseado na usucapio, satisfaz exigncia de clusula do contrato-promessa, de obteno da necessria documentao para a realizao da escritura de compra e venda, nomeadamente da certido de teor da Conservatria do Registo Predial onde consta a inscrio do direito de propriedade em nome do promitente-vendedor (ARC, de 2/11/2004). 53 Viola o princpio geral da boa f no cumprimento das obrigaes, o promitente cessionrio que, durante todo o prazo fixado para a celebrao do contrato prometido, no faz qualquer diligncia para averiguar se um terceiro, cuja autorizao condio suspensiva do negcio, a concede ou no,

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    de forma mais simples, o no cumprimento do contrato significa que alguma coisa correu mal. 15. No Cumprimento Definido o no cumprimento, importa referir que o legislador portugus estabelece duas classificaes sobre o no cumprimento dos contratos, em geral: 1) classificao quanto causa; 2) classificao quanto aos efeitos. 1) Quanto CAUSA, distinguem-se dois tipos de no cumprimento: a) Impossibilidade do cumprimento e mora no imputveis ao devedor (artos. 790 a 797 do Cod. Civil); so casos em que o devedor no pode ser responsabilizado pela falta de cumprimento54; no exemplo do automvel, que referimos h pouco, podia acontecer que, sem qualquer culpa de A, o automvel se incendiasse e j no pudesse ser entregue a B (impossibilidade do cumprimento);

    b) Falta de cumprimento e mora imputveis ao devedor55 (artos. 798 a 812 do Cod. Civil); so casos de responsabilidade civil contratual do devedor, prevista nos artos. 798 a 800 e 483 e seguintes, todos do Cod.

    incumprindo, assim, um dever acessrio decorrente do facto de lhe competir a marcao da data de outorga do contrato definitivo (Ac. do STJ, de 23/10/2003). 54 A obrigao extingue-se [com restituio do que houver sido prestado] quando a prestao se torne impossvel por causa no imputvel ao devedor (art. 790, n1 do Cod. Civil). H impossibilidade objectiva da prestao, quando, sem qualquer responsabilidade do devedor, por exemplo, um prdio cai ou um automvel furtado. A impossibilidade relativa pessoa do devedor importa igualmente a extino da obrigao [com restituio do que houver sido prestado], se o devedor, no cumprimento desta, no puder fazer-se substituir por terceiro (art. 791 do Cod. Civil). Portanto, os efeitos da impossibilidade subjectiva (por exemplo, doena sbita do devedor) variam consoante a prestao seja fungvel ou no fungvel. Quando no contrato bilateral uma das prestaes se torne impossvel, fica o credor desobrigado da contraprestao e tem o direito, se j a tiver realizado, de exigir a sua restituio nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa [artigos 473 a 482, todos do Cod. Civil] (art. 795, n1 do Cod. Civil). D-se, assim, uma restituio em singelo do que tiver sido prestado (por exemplo, do sinal); no h lugar a qualquer indemnizao. 55 A mora (tal como o no cumprimento, como veremos) at pode ser imputvel a ambos os promitentes. essa situao que est plasmada no ARG, de 31/03/2004: No tendo sido convencionado qualquer prazo para a outorga da escritura est-se no domnio das obrigaes puras, em que o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigao, o que se concretizaria na marcao da escritura por um dos contraentes e na subsequente notificao da contraparte. No tendo assim procedido, tudo se passa como se tratasse de um mero retardamento da obrigao de celebrar o contrato prometido, que se presume imputvel a ambas as partes.

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    Civil, ou seja, so situaes em que a falta de cumprimento ou a mora levam a que o devedor fique obrigado a indemnizar o credor.

    2) Quanto ao EFEITO, distinguem-se trs tipos de no cumprimento: a) No Cumprimento Definitivo impossvel o cumprimento; no

    exemplo do automvel seria o caso de A se recusar a entregar o automvel a B ou at de, entretanto, o ter vendido a C.

    b) Mora o cumprimento ainda possvel e ainda conserva interesse

    para o outro contraente, mas o devedor no o efectuou no tempo devido (art. 804, n2 do Cod. Civil), ou seja, est atrasado; no exemplo do automvel, seria o caso de, no dia 8 de Abril, A ainda no ter entregue o automvel a B56.

    Por vezes, difcil distinguir a mora do no cumprimento definitivo57,

    mas esta questo esclarecida pelo art. 808, n1 do Cod. Civil. Assim, se o credor, em consequncia da mora, perder o interesse58 que tinha na prestao [a perda do interesse na prestao apreciada objectivamente (art. 808, n2 do C.C.)] ou esta no for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor [ a chamada interpelao admonitria59], considera-se para todos os efeitos no cumprida a obrigao.

    c) Cumprimento Defeituoso o devedor realiza a sua prestao, mas

    no exactamente nos termos previstos no Contrato; no exemplo do automvel, A e B tinham combinado que os estofos do carro seriam em pele e, afinal, eram em material sinttico.

    56 Tambm consubstancia mora o atraso na obteno de licena de habitabilidade (ARE, de 2/05/2002). 57 A regra geral a mora e a excepo o no cumprimento definitivo (Ac. STJ, de 21/01/2003). Quando haja mora por parte do promitente-comprador na entrega de uma das prestaes do sinal convencionado e quando o promitente-vendedor no cumpra o aludido contrato, vendendo o bem ojecto do contrato-promessa a terceiro, h que atentar se aquele incumprimento no resultou da desistncia do contrato por parte do comprador, no reforando, por isso, o sinal (ARG, de 14/04/2004). 58 As partes podem definir, no prprio contrato-promessa, quando que a mora consubstancia perda de interesse (no cumprimento definitivo) na celebrao do contrato prometido (Ac. do STJ, de 28/10/2003). 59 A no verificao do pressuposto da mora torna contraproducentes as admonies [] com vista consecuo do efeito de incumprimento definitivo. Segundo o princpio do tu quoque exigncia do sinalagma funcional nos contratos bilaterais perfeitos aquele dos contraentes que no se mantm fiel ao contrato no pode, enquanto perdurar a situao, fazer valer quaisquer direitos emergentes de violaes contratuais da contraparte (Ac. do STJ, de 25/03/2004). De acordo com o Ac. do STJ, de 18/11/2004 (vd., no mesmo sentido, o Ac. do STJ, de 11/01/2005), a interpelao admonitria tem que conter trs elementos:

    a) a intimao para o cumprimento; b) a fixao de um termo peremptrio [razovel] para o cumprimento; c) admonio ou a cominao (declarao admonitria) de que a obrigao se ter por

    definitivamente no cumprida se no se verificar o cumprimento dentro do prazo. Trata-se, pois, de uma declarao intimidativa.

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    Quanto ao No Cumprimento do Contrato-Promessa, ele segue, em princpio, as regras gerais previstas para o No Cumprimento de qualquer contrato, das quais nos poderemos vir a ocupar mais tarde. Onde o Contrato-Promessa tem regras verdadeiramente especficas a propsito do no cumprimento definitivo imputvel a algum dos promitentes. 16. No Cumprimento do Contrato-Promessa Genericamente, pode dizer-se que, quando um dos promitentes no cumpre o contrato-promessa60, o promitente no faltoso pode ter dois tipos de direitos:

    a) direito resoluo (cessao) do contrato e a receber uma indemnizao da outra parte, fundada nos danos sofridos com o no cumprimento do contrato-promessa; esta indemnizao est relacionada com os conceitos de sinal, clusula penal ou responsabilidade civil contratual geral;

    b) direito a exigir o cumprimento coactivo do contrato; a chamada

    execuo especfica, o que compatvel com uma indemnizao moratria (indemnizao pelos danos sofridos com o atraso no cumprimento).

    60 Entre muitos outros, podem ser motivos de no cumprimento por parte do promitente-transmitente: perda do interesse no negcio; venda a outra pessoa; no obteno de um consentimento necessrio para o contrato prometido; falha da aquisio do objecto mediato do contrato-promessa, quando este incidisse sobre coisa alheia; no concretizao da aquisio de uma casa, que passaria a ser a nova residncia do promitente-transmitente; falta do registo do prdio at data limite para a celebrao do contrato prometido (Ac. do STJ, de 12/10/2004); falta do cancelamento da hipoteca, se o promitente-vendedor se comprometera a que o prdio estivesse livre de nus e encargos, na data prevista para a celebrao do contrato prometido (Ac. do STJ, de 7/06/1938 e Ac. do STJ., de 27/01/2005); no apresentao dos documentos necessrios celebrao da escritura definitiva (Ac. do STJ, de 27/01/2005). Entre muitos outros, podem ser motivos de no cumprimento por parte do promitente-transmissrio: no cumprimento de prazo essencial; desistncia do negcio; no obteno do financiamento necessrio. Para acautelar o caso de no conseguir obter o respectivo financiamento, o promitente-comprador pode, no prprio contrato-promessa, fazer depender a celebrao do contrato prometido do dito financiamento; assim, ter direito restituio do sinal prestado, por impossibilidade da prestao, enquanto que, de outra forma, perderia o sinal, por incumprimento.

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    Captulo V

    Sinal

    17. Conceito de Sinal

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    SINAL a coisa (dinheiro, coisa fungvel, coisa no fungvel) que um dos contraentes entrega ao outro, no momento da celebrao do contrato ou em momento posterior61.

    Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestao

    devida, ou restituda quando a imputao no for possvel. (art. 442, n1 do Cod. Civil).

    O sinal , no fundo, uma clusula que depende do negcio em que se

    insere, tanto podendo acompanhar o contrato-promessa como o contrato definitivo62.

    Importa distinguir os dois sentidos do sinal: a) SINAL CONFIRMATRIO - o sinal uma prova da seriedade do

    propsito negocial das partes e, ao mesmo tempo, uma garantia do cumprimento desse propsito;

    b) SINAL PENITENCIAL o sinal antecipao e medida da

    indemnizao devida por um contraente ao outro, na hiptese de o contrato no vir a ser cumprido; alguma doutrina chama-lhe sinal penal no sentido de fixar a pena ou castigo a aplicar ao contraente faltoso63.

    A partir de agora, vamos centrar-nos no sinal penitencial, pois o

    sentido que mais nos interessa. 18. Sinal e Antecipao do Cumprimento Se, ao celebrar-se o contrato ou em momento posterior, um dos

    contraentes entregar ao outro coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestao a que fica adstrito, a entrega havida como antecipao total ou parcial do cumprimento, salvo se as partes quiserem atribuir coisa entregue o carcter de sinal (art. 440 do Cod. Civil).

    Portanto, para a generalidade dos contratos, a lei estabelece uma

    presuno relativa de antecipao de cumprimento64, ou seja, as partes

    61 O ARL de 18/03/2003 acrescenta que o sinal at pode ser constitudo em momento anterior ao da celebrao do contrato. 62 O pagamento de sinal, em si mesmo, no est sujeito a qualquer formalismo especfico (ARL de 18/03/2003). 63 Assim e porque nenhuma disposio legal d s partes o direito de se arrepender, no caso da existncia do sinal, no vejo maneira de se poder concluir que possa este ter o carcter de arras penitenciais, in DELGADO, Abel Do Contrato-Promessa, 3 ed.. Lisboa: Livraria Petrony, 1985, p. 172. 64 Presunes so as ilaes que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art. 349 do Cod. Civil). Quem tem a seu favor a presuno legal escusa de provar o facto a que ela conduz (art. 350, n1 do Cod. Civil), mas as presunes relativas podem ser ilididas

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    que tm o nus de provar que tiveram a inteno de constituir um sinal penitencial65 (a antecipao de cumprimento compatvel com o sinal confirmatrio, mas incompatvel com o sinal penitencial).

    Resta referir que alguma doutrina entende que esta norma no se aplica

    ao contrato-promessa66 e pacfico que o art. 442 do Cod. Civil, de que falaremos adiante, no se aplica aos casos de antecipao do cumprimento.

    J quanto ao contrato-promessa de compra e venda, presume-se

    que tem carcter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a ttulo de antecipao ou princpio de pagamento de preo (art. 441 do Cod. Civil).

    Assim, para os contratos-promessa de compra e venda, h uma

    presuno relativa de sinal penitencial67 e, mesmo que o contrato diga esta quantia foi entregue a ttulo de princpio de pagamento, a dita presuno continua a funcionar, pelo que, ao contrrio dos outros contratos, o carcter de sinal no tem que ser expressamente convencionado.

    A doutrina divide-se sobre se este preceito legal se aplica apenas aos

    contratos-promessa de compra e venda68 ou tambm aos contratos-promessa que no sejam de compra e venda69.

    19. Sinal como Medida da Indemnizao

    mediante prova em contrrio (art. 350, n2 do Cod. Civil); h, portanto, uma inverso do nus da prova. 65 No constituem sinal as quantias entregues promitente-vendedora pela contraparte que no assumiu a obrigao de comprar o bem prometido vender (ARE, de 28/10/2004). 66 A haver comeo de cumprimento, relativamente ao contrato prometido; portanto, estaria em causa um momento anterior celebrao do contrato, enquanto que o sinal, em regra, constitudo no momento da celebrao do contrato ou em momento posterior. Acresce que o sinal uma prestao de coisa, enquanto que o objecto do contrato-promessa uma prestao de facto jurdico positivo. 67 Neste sentido, ABEL DELGADO (op. cit., p. 174), DIAS MARQUES e ALMEIDA COSTA. Em sentido contrrio, LOPES, Baptista Do Contrato de Compra e Venda, p. 241. 68 No sentido de que o art. 441 do Cod. Civil aplica-se apenas aos contratos-promessa de compra e venda, argumenta-se que no se pode presumir o carcter penitencial do sinal, porque este tem que ser convencionado, expressamente. Vd., neste sentido, ANTUNES VARELA, op. cit.. Pelo contrrio, ABEL DELGADO (op. cit., p. 174) e DIAS MARQUES entendem que o art. 441 do Cod. Civil aplica-se a quaisquer contratos-promessa. 69 Mas j foi reconhecido que a referida norma aplica-se aos contratos-promessa de constituio do direito de habitao (Ac. STJ, de 24/11/1983). Tambm j se reconheceu que a presuno de sinal do art. 441 do CC aplicvel a todos os contratos-promessa que tenham por objecto a celebrao de qualquer contrato oneroso alienatrio do direito de propriedade, designadamente do contrato de trespasse (Ac. do STJ, de 9/10/2003).

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    mais rigoroso falar em Promitente-Transmitente e Promitente-Transmissrio, pois, como temos referido vrias vezes, o objecto de um contrato-promessa pode no ser a compra e venda70. No entanto, por razes de simplificao de linguagem, vamos usar as expresses Promitente-Vendedor e Promitente-Comprador.

    Nesta fase, atinente ao sinal como medida da indemnizao, importa

    distinguir trs cenrios: A)Direitos do Promitente-Vendedor, em caso de incumprimento pelo

    Promitente-Comprador; B) Direitos do Promitente-Comprador, em caso de incumprimento pelo

    Promitente-Vendedor e caso no tenha havido tradio da coisa; C) Direitos do Promitente-Comprador, em caso de incumprimento pelo

    Promitente-Vendedor e caso tenha havido tradio da coisa. A)Direitos do Promitente-Vendedor, em caso de incumprimento pelo

    Promitente-Comprador Quanto indemnizao, se quem constitui o sinal deixar de cumprir71 a obrigao por causa que lhe seja imputvel, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue (art. 442, n2 do Cod. Civil72). Quanto execuo especfica do contrato-promessa, se algum estiver obrigado a celebrar certo contrato e no cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de conveno em contrrio, obter sentena que produza os efeitos da declarao negocial do faltoso, sempre que a isso no se oponha a natureza da obrigao assumida (art. 830, n1 do Cod. Civil); mas entende-se haver conveno em contrrio, se existir sinal (art. 830, n2 do Cod. Civil). Pelo exposto, verifica-se que o Promitente-Vendedor tem dois direitos alternativos:

    1) direito ao sinal entregue pelo promitente-comprador, ou seja, este perde o sinal a favor daquele, como castigo pelo seu incumprimento; assim, se o promitente-comprador entregou 10.000 euros ao promitente-vendedor, a ttulo de sinal, e no cumpre o contrato-promessa, o promitente-vendedor tem direito a ficar com esses 10.000 euros; na ausncia de estipulao em

    70 O art. 442 do Cod. Civil tambm se aplica aos casos de promessa unilateral, excepto se esta resultar de reduo de um contrato parcialmente nulo; mas ser, sempre, necessrio atender ao critrio da vontade hipottica das partes. 71 Pressupe-se o incumprimento definitivo, no bastando a simples mora (ARG, de 31/03/2004). 72 Entendemos que esta norma, bem como o art. 442, n3 do Cod. Civil, no se pode aplicar apenas aos casos do art. 410, n3 do Cod. Civil. Vd., em sentido contrrio, LIMA, Fernando Andrade Pires de et alii, op. cit., pp. 395 e 396.

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    contrrio, no h lugar, pelo no cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnizao, nos casos de perda do sinal (art. 442, n4 do Cod. Civil);

    2) direito a requerer a execuo especfica do contrato-promessa; sejamos claros, a regra geral a de que, quando se constitui sinal, no h lugar execuo especfica, mas h casos excepcionais em que, mesmo havendo sinal, possvel requerer a execuo especfica:

    -o direito execuo especfica no pode ser afastado pelas partes nas

    promessas a que se refere o n3 do artigo 410 (art. 830, n3 do Cod. Civil); -nos casos de contrato-promessa com eficcia real, pela prpria

    natureza conceptual desta figura, a que j nos referimos, , por princpio, possvel a execuo especfica;

    -nos casos em que as partes constituem sinal, mas convencionam,

    expressamente, a possibilidade de requererem a execuo especfica do contrato-promessa;

    -nos casos em que o sinal meramente confirmatrio. B) Direitos do Promitente-Comprador, em caso de incumprimento

    pelo promitente-vendedor e caso no tenha havido tradio da coisa Previamente, importa referir que a tradio da coisa significa a

    transferncia do domnio material sobre ela, ou seja, acontece, por exemplo, quando ao promitente-comprador so entregues as chaves da habitao73 ou lhe dada autorizao para comear a fazer obras no terreno.

    Quanto indemnizao, se o no cumprimento do contrato for devido ao

    promitente-vendedor, tem o promitente-comprador a faculdade de exigir o dobro do que prestou (art. 442, n2 do Cod. Civil).

    Quanto execuo especfica do contrato-promessa, vale tudo quanto

    dissemos anteriormente. Assim, o Promitente-Comprador tem dois direitos alternativos: 1) direito restituio em dobro do sinal que entregou ao promitente-

    vendedor; deste modo, se o promitente-comprador entregou 10.000 euros, a ttulo de sinal, ao promitente-vendedor e este no cumpre o contrato-promessa, ento, o promitente-vendedor tem que entregar ao promitente-comprador 20.000 euros (restituio de 10.000 euros que so indevidos, uma vez que o contrato prometido no se chegou a realizar e entrega de mais 10.000 euros como castigo pelo incumprimento do contrato-promessa); tambm nos casos de pagamento do dobro do sinal, em princpio, no h lugar a qualquer outra

    73 Mas no h tradio da coisa, quando apenas um dos cnjuges entrega a chave de coisa comum (Ac. do STJ, de 4/04/2002)

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    indemnizao pelo no cumprimento do contrato (art. 442, n4 do Cod. Civil), mas isto no incompatvel com as benfeitorias, com os juros (sobre o pagamento de indemnizao pelo no cumprimento) ou com a possibilidade de as partes convencionarem, expressamente, outras indemnizaes;

    2) direito a requerer a execuo especfica do contrato-promessa, nos

    casos excepcionais em que, mesmo havendo sinal, possvel requerer a execuo especfica: