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1 Eixo: Formação de Professores CONTRADIÇÕES, DESAFIOS E PERSPECTIVAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO ESPECIAL/EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO CONTEXTO DE EXECUÇÃO DO PNE (2014-2024) 1 Régis Henrique dos Reis Silva (Unicamp) 2 Resumo: Com certeza um dos principais desafios do Plano Nacional de Educação (PNE), em vigência entre os anos de 2014 a 2024, seja atender as metas relacionadas ao financiamento, expansão e qualificação da educação ofertada no País. Nesse sentido, acreditamos que uma das metas mais desafiadoras seja a de nº 4, isto porque, se quer os dados para monitoramento da meta estão disponíveis nas plataformas online criadas para acompanharem os indicadores das 20 metas do PNE e suas respectivas estratégias. Diante disso, acreditamos que a concretização da meta dependerá de muitos esforços dos movimentos sociais de e para deficientes, dos gestores educacionais, professores, familiares e alunos com deficiência e/ou necessidades especiais. Assim sendo, sustentamos que os professores em serviço são atores fundamentais para concretização da referida meta, pois afinal de contas, eles são os principais responsáveis para que o trabalho educativo concretize-se nas escolas. Por tudo isso, objetivamos neste texto, problematizar brevemente a respeito das contradições, desafios e perspectivas da formação continuada de professores da escola básica e os princípios da educação inclusiva no contexto de execução do PNE. Para tanto, inicialmente recuperamos a dinâmica histórico-social recente das políticas de formação de professores da escola básica no Brasil, com destaque para a realidade do trabalho docente e da formação de professores, bem como as teses elaboradas pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional e Trabalho da Universidade Federal de Santa Catarina (GEPETO/UFSC). Em seguida, discutiremos sobre as políticas de formação de professores na perspectiva da educação inclusiva, sinalizando sua(s) contradição(ões) e o(s) seu(s) desafio(s), especialmente a denúncia da lógica pragmática (concepção produtivista de educação) que tem orientado a formação de professores da sala de aula comum e das salas de recursos multifuncionais. Por fim, procuraremos apresentar algumas perspectivas crítico- superadoras da formação de professores da escola básica brasileira, inclusive daqueles que atuam no Atendimento Educacional Especializado (AEE). Palavras-chave: Formação de Professores; Educação Especial; Educação Inclusiva; PNE. 1 Este trabalho é uma versão modificada e ampliada do estudo Formação continuada de professores da escola básica e os princípios da educação inclusiva: contradições, desafios e perspectivas no contexto de execução do PNE (2014-2024)”, apresentado V Seminário de Educação Brasileira (SEB), realizado em Campinas/SP, na Unicamp, entre os dias 15 e 17 de junho de 2015. 2 Professor do Departamento de Filosofia e História da Educação da Universidade Estadual de Campinas (DEFHE/Unicamp). E-mail: [email protected]

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Eixo: Formação de Professores

CONTRADIÇÕES, DESAFIOS E PERSPECTIVAS NA FORMAÇÃO

DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO ESPECIAL/EDUCAÇÃO

INCLUSIVA NO CONTEXTO DE EXECUÇÃO DO PNE (2014-2024)1

Régis Henrique dos Reis Silva (Unicamp)2

Resumo: Com certeza um dos principais desafios do Plano Nacional de Educação (PNE),

em vigência entre os anos de 2014 a 2024, seja atender as metas relacionadas ao

financiamento, expansão e qualificação da educação ofertada no País. Nesse sentido,

acreditamos que uma das metas mais desafiadoras seja a de nº 4, isto porque, se quer os

dados para monitoramento da meta estão disponíveis nas plataformas online criadas para

acompanharem os indicadores das 20 metas do PNE e suas respectivas estratégias. Diante

disso, acreditamos que a concretização da meta dependerá de muitos esforços dos

movimentos sociais de e para deficientes, dos gestores educacionais, professores,

familiares e alunos com deficiência e/ou necessidades especiais. Assim sendo,

sustentamos que os professores em serviço são atores fundamentais para concretização

da referida meta, pois afinal de contas, eles são os principais responsáveis para que o

trabalho educativo concretize-se nas escolas. Por tudo isso, objetivamos neste texto,

problematizar brevemente a respeito das contradições, desafios e perspectivas da

formação continuada de professores da escola básica e os princípios da educação

inclusiva no contexto de execução do PNE. Para tanto, inicialmente recuperamos a

dinâmica histórico-social recente das políticas de formação de professores da escola

básica no Brasil, com destaque para a realidade do trabalho docente e da formação de

professores, bem como as teses elaboradas pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Política

Educacional e Trabalho da Universidade Federal de Santa Catarina (GEPETO/UFSC).

Em seguida, discutiremos sobre as políticas de formação de professores na perspectiva da

educação inclusiva, sinalizando sua(s) contradição(ões) e o(s) seu(s) desafio(s),

especialmente a denúncia da lógica pragmática (concepção produtivista de educação) que

tem orientado a formação de professores da sala de aula comum e das salas de recursos

multifuncionais. Por fim, procuraremos apresentar algumas perspectivas crítico-

superadoras da formação de professores da escola básica brasileira, inclusive daqueles

que atuam no Atendimento Educacional Especializado (AEE).

Palavras-chave: Formação de Professores; Educação Especial; Educação Inclusiva;

PNE.

1 Este trabalho é uma versão modificada e ampliada do estudo “Formação continuada de professores da

escola básica e os princípios da educação inclusiva: contradições, desafios e perspectivas no contexto de

execução do PNE (2014-2024)”, apresentado V Seminário de Educação Brasileira (SEB), realizado em

Campinas/SP, na Unicamp, entre os dias 15 e 17 de junho de 2015.

2 Professor do Departamento de Filosofia e História da Educação da Universidade Estadual de Campinas

(DEFHE/Unicamp). E-mail: [email protected]

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[...] é próprio da consciência crítica saber-se

condicionada, determinada objetivamente, materialmente,

ao passo que a consciência ingênua é aquela que não se

sabe condicionada, mas, ao contrário, acredita-se

superior aos fatos, imaginando-se mesmo capaz de

determiná-los e alterá-los por si mesma.

(SAVIANI, 2007, p. 63)

Introdução

Uma das metas mais polêmicas no processo de formulação e elaboração do Plano

Nacional de Educação (PNE), em vigência entre os anos de 2014 e 2024, foi a meta de nº

4. A polêmica ocorreu fundamentalmente em função do repasse dos recursos do Fundo

de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos

Profissionais da Educação (FUNDEB) às instituições especiais (APAEs; Sociedades

Pestalozzi entre outras instituições de mesma finalidade).

Mais recentemente, outra polêmica relacionada à escolarização das pessoas com

deficiência e/ou necessidades especiais3 foi a Ação de Inconstitucionalidade (ADI) 5357,

ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) que

requeria a suspensão do efeito do parágrafo primeiro do artigo 28 e caput do artigo 30 do

Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), que estabelecem a

obrigatoriedade de as escolas privadas promoverem a inserção de pessoas com deficiência

no ensino regular e prover as medidas de adaptação necessárias sem que ônus financeiro

seja repassado às mensalidades, anuidades e matrículas.

3 Na área educacional, vem-se utilizando diferentes denominações como pessoas com deficiência,

deficientes, pessoas portadoras de deficiências etc., mas já se utilizaram outros termos como retardados,

ineducáveis, deficientes, excepcionais, entre outros. Assim, procuraremos manter, sempre que possível, os

termos originais utilizados pelos autores e leis/normas citados neste texto. No entanto, utilizaremos os

termos: deficientes, pessoas com deficiência ou pessoas com necessidades especiais como sinônimos, pois

estamos de acordo com Jannuzzi (1985, p. 15) quando ela afirma que a substituição de um termo por outro

só amorteceu temporariamente a sua pejoratividade.

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Essas duas situações são ilustrativas do quanto o processo de desenvolvimento

humano do público-alvo da Educação Especial via educação escolar é polêmico e merece

nossa atenção no contexto de execução do PNE (2014-2024).

Neste, as pessoas com deficiência e/ou necessidades especiais, que historicamente

tiveram o direito a educação negado e/ou negligenciado conseguiram com que suas

demandas fossem reconhecidas e contempladas como estratégias de ação nas diferentes

metas do PNE, mas principalmente sintetizadas na meta de nº 4, que estabelece,

“Universalizar, para a população de 4 a 17 anos com deficiência,

transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou

superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional

especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a

garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos

multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos

ou conveniados” (BRASIL, 2014, s/p).

Assim, a sociedade civil organizada e a população em geral, além do próprio

Ministério da Educação (MEC) estão atentos as metas e estratégias do PNE (2014-2024).

Nesse sentido inclusive, a sociedade civil organizada e o MEC desenvolveram

plataformas online para acompanhamento dos indicadores das 20 metas do PNE e suas

respectivas estratégias (ver: http://www.deolhonosplanos.org.br/;

http://www.observatoriodopne.org.br/; pne.mec.gov.br; entre outros).

Não obstante, os indicadores para monitoramento da Meta 4 ainda não estão

disponíveis, haja vista que o sistema de coleta realizado pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE) é falho e ainda não permite o acompanhamento da

execução da meta, isto porque, conforme descrito na plataforma online de uma sociedade

civil organizada, essa desinformação “[...] é sintoma do descaso histórico em relação ao

tema. [...]” (OBSERVATÓRIO DO PNE, 2014, indicadores da meta4).

Diante disso, com certeza um dos principais desafios do PNE é atender a meta de

nº 4 e suas respectivas estratégias (ver: http://www.observatoriodopne.org.br/metas-

pne/4-educacao-especial-inclusiva/estrategias).

4 Disponível em: http://www.observatoriodopne.org.br/metas-pne/4-educacao-especial-

inclusiva/indicadores. Acesso no dia 14/04/2015.

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Por tudo isso, acreditamos que a concretização dessa meta dependerá de muitos

esforços dos movimentos sociais de e para deficientes5, dos gestores educacionais,

professores, familiares e alunos com deficiência e/ou necessidades especiais. Mas

sobretudo, dos professores em serviço, que no nosso entendimento são atores

fundamentais para concretização desta meta, pois afinal de contas, eles são os principais

responsáveis para que o trabalho educativo concretize-se nas escolas.

Diante disso, objetivamos problematizar neste texto, ainda que brevemente, a

respeito das contradições, desafios e perspectivas da formação continuada de professores

da escola básica e os princípios da educação inclusiva no contexto de execução do PNE

(2014-2024).

Para tanto, inicialmente recuperamos a dinâmica histórico-social recente das

políticas de formação de professores da escola básica no Brasil, com destaque para a

realidade do trabalho docente e da formação de professores, bem como as teses elaboradas

pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional e Trabalho da Universidade

Federal de Santa Catarina (GEPETO/UFSC). Em seguida, discutiremos sobre as políticas

de formação de professores na perspectiva da educação inclusiva, sinalizando sua(s)

contradição(ões) e o(s) seu(s) desafio(s), especialmente a denúncia da lógica pragmática

(concepção produtivista de educação) que tem orientado a formação de professores da

sala de aula comum e das salas de recursos multifuncionais. Por fim, procuraremos

apresentar algumas perspectivas crítico-superadoras da formação de professores da escola

básica brasileira, inclusive daqueles que atuam no Atendimento Educacional

Especializado (AEE).

1) Recuperação da dinâmica histórico-social recente das políticas de formação

de professores da escola básica no Brasil

5 Em 1980, ocorreu o I Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, a partir do qual se

consolidaram várias entidades representativas das categorias de pessoas com deficiências (MENDES,

2010), assim como, no ano de 1981, foi promovido pela ONU o “Ano Internacional das Pessoas

Deficientes” (AIPD). Segundo Jannuzzi (2006), esse evento sintetizou o espírito da luta das pessoas com

deficiência e contribuiu para solidificar a participação dessa população na discussão de seus próprios

problemas. Por isso, o trocadilho das palavras de e para ao nos referirmos aos movimentos sociais dos

deficientes, pois cada vez mais foram constituindo movimentos sociais de deficientes (fundadas e dirigidas

por deficientes) e não só para deficientes (geralmente fundadas e dirigidas por pessoas não deficientes).

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No nosso entendimento e de autores como Frigotto (2001), Saviani e Duarte

(2012) e outros, a sociedade capitalista vem sofrendo uma crise profunda, que tem como

problemática não mais a produção (material e não material) da riqueza, mas sua

apropriação pelas diferentes classes sociais.

Assim, essa crise tem provocado profundas mudanças no sistema do capital e de

seu metabolismo social, nas diferentes esferas sociais, em especial na produtiva, política

e ideológica. Por exemplo, na esfera produtiva, os últimos quarenta anos foram de

reestruturação e mudanças no mundo do trabalho (ANTUNES, 2009), na economia e na

política, a partir do final dos anos 1970, tivemos o avanço da “mundialização do capital”

e a ascensão do neoliberalismo como expressão política do modo de gerenciamento do

capital capitaneado pela Nova Direita Anglo-saxã (PLATT, 2004), e na esfera ideológica,

mais ou menos no mesmo período, mas principalmente depois de 1968, deparamo-nos

com um movimento de “Recuo da Teoria” (MORAES, 2001), ou melhor, de uma

proposição teórica de caráter pragmático com foco na ação (saber fazer). Neste, conforme

Saviani (2011), o neoconstrutivismo fundiu-se com o neopragmatismo e aproximou-se

do neoescolavismo, atendendo aos imperativos da prática e da apologia às diferenças.

Em virtude do caráter associado-dependente do modo de inserção do Brasil no

sistema do capital, as referidas mudanças começaram a ocorrer de forma mais incisiva

em nosso país, nos últimos vinte anos, quando a organização social brasileira iniciou um

processo de profundas transformações políticas, econômicas e sociais.

Assim, a partir dos anos 1990, nos governos de Collor de Melo (1990-1992),

Itamar Franco (1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o Brasil iniciou

um processo de Reforma do Estado e da Educação, as quais visavam intensificar a

internacionalização da economia brasileira face ao processo de reestruturação produtiva

e às mudanças no mundo do trabalho.

É oportuno observar que boa parte das reformas realizadas é oriunda das

prescrições neoliberais6, concretizadas em acordos firmados com agências multilaterais

6 Este termo refere-se a uma série de prescrições elaboradas, a partir do Consenso de Washington, que

ocorreu em meados dos anos 1980, onde os países do centro do capital definiram o futuro da economia

mundial, as políticas de desenvolvimento e especificamente o papel do estado (VIDAL, 2006).

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(Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, Banco Internacional para

Reconstrução e Desenvolvimento, Fundo Monetário Internacional, Organização Mundial

do Comércio, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

Assim sendo, na área educacional brasileira, a reforma realizada visou, entre

outras coisas, à universalização da educação básica, principalmente no ensino

fundamental, conforme preconizavam as conferências de Educação para Todos

(Declaração de Jomtien - 1990) e sobre Necessidades Educacionais Especiais (Declaração

de Salamanca - 1994), das quais o Brasil foi signatário.

Assim, consubstanciadas em teorias educacionais de base econômica (Teoria do

Capital Humano reconfigurada), as declarações de Jomtien e Salamanca preconizavam a

educação como elemento do desenvolvimento humano, sob um tom marcadamente

“humanista, com enfoque multiculturalista” (DI GIORGI, 1996).

Assim, as políticas educacionais brasileiras passaram por profundas mudanças

desde os anos 1990, dentre as quais destacamos as de formação de professores, de

inclusão escolar e avaliação.

Nesse sentido, citamos o estudo de Michels (2006) que denuncia a articulação

entre as políticas de gestão, formação de professores e inclusão, que articuladas atribuem

à escola uma nova organização, e não obstante, objetivam, principalmente, a manutenção

de sua lógica excludente.

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DIAGRAMA 01: Demonstrativo sintético dos elementos em destaque na dinâmica histórico-

social recente das políticas de formação de professores da escola básica no Brasil.

Fonte: Di Giorgi (1996); Moares (2001; 2009); Platt (2004); Vidal (2006); Antunes (2009);

Evangelista, Michels e Shiroma (2011); Kassar (2011); Saviani (2011); Freitas, et al (2013); e

Garcia (2013).

É pertinente observarmos que essas políticas têm implicações na universidade

brasileira sob mediação dos ministérios e agências de fomento que nos últimos anos por

meio de uma política de editais vem induzindo docentes/pesquisadores das universidades

apoiarem as políticas governamentais.

O problema dessa indução, conforme nossas análises indicam (a partir da

contribuição da literatura pesquisada e de documentos consultados), é que a educação

nessa perspectiva é compreendida como capital humano. Portanto, no limite da

impossibilidade de se garantir trabalho para todos os jovens brasileiros, a formação

proposta visa ao consenso.

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Como bem analisou Garcia e Michels (2011), essa lógica de execução das

políticas públicas, particularmente as da área de educação por indução, via gestão de

editais, traz de modo implícito a adesão ao modelo educacional assumido pelo governo,

haja vista que o espaço para o contraditório e a crítica são muito limitados e/ou

inexistentes.

Nesse sentido, constatamos um fenômeno que denominamos de “Pacote Capes

para a Educação Básica Brasileira”, o qual iniciou-se mais ou menos no mesmo período

em que a Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

criou as Diretorias de Educação Básica Presencial (DEB) e de Educação a Distância

(DED), as quais, são responsáveis por uma série de programas que vem sendo

desenvolvidos no âmbito da Universidade brasileira, como, o Programa Institucional de

Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), Programa de Consolidação das Licenciaturas

(Prodocência), Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor),

Novos Talentos, Programa de Apoio a Laboratórios Interdisciplinares de Formação de

Educadores (LIFE), Licenciaturas Internacionais e, por último, a criação da área de

Ensino.

No tocante, a formação de professores para atuar no AEE, destacamos as ações

realizadas via Universidade Aberta do Brasil (UAB/CAPES), sob coordenação da

Universidade Estadual Paulista/Campus de Marília (UNESP/Mar), que formou via

Educação à Distância (EAD) vários profissionais de AEE para atuarem nas salas de

recursos multifuncionais.

Não obstante, mesmo com todo esse esforço, o professor da escola básica continua

sofrendo com a realidade do trabalho docente e a formação precária.

Nesse sentido, podemos citar vários trabalhos acadêmicos e/ou reportagens

jornalísticas que denunciam a desvalorização profissional em termos de condições de

trabalho, carreira e salários (ver: MUÑOZ PALAFOX et al, 2006), mas apenas para

ilustrar a dramaticidade desta questão, no início do ano de 2016, os professores das redes

estaduais de ensino do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Ceará, São Paulo, entre outros

estiveram ou estão em greve na luta por melhores salários e condições de trabalho.

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Além do que, um novo fenômeno protagonizado pelos estudantes de São Paulo e

Goiás no ano passado disseminou pelo país, e neste início ano, estudantes do Rio de

Janeiro, Rio Grande do Sul, Ceará, São Paulo entre outros ocuparam suas escolas

reivindicando maior participação nas decisões (gestões democráticas), ensino e merenda

de qualidade e etc.

Acrescido a tudo isso, os professores brasileiros vêm sofrendo com a

responsabilização do fracasso escolar/não aprendizagem dos seus alunos – “constatadas”

e divulgadas pelas políticas avaliativas das redes de ensino e do governo federal

(FREITAS, et al, 2013).

Assim como, vem vivenciado um processo intenso de indução de participação em

programas/projetos/cursos de formação continuada aligeirados, consubstanciados em

teorias da educação (neopragmáticas, neotecnicistas) e da aprendizagem

(neobehavoristas) centradas no saber fazer e no controle de atividades/resultados

(FREITAS, 2012; MORAES, 2009). Exemplos nesse sentido, temos a Escola de

Aperfeiçoamento de Professores do estado de São Paulo (EFAP/REE/SP), alguns cursos

oferecidos pela CAPES via UAB etc.

Enfim, como observado pelo GEPETO/UFSC, pode se afirmar que está em

desenvolvimento no Brasil uma série de ações, programas etc., enfim, uma política de

formação de professores que concilia quatro teses complementares7, quais sejam:

1) A formação dos professores como profissionalização e estratégia de

(con)formação docente - Segundo Shiroma e Evangelista (2003), basicamente

consiste em uma estratégia de cooptar os professores com o objetivo de torná-los

mais complacentes à implantação das reformas educativas, assim, a partir de um

discurso político que advoga a necessidade de novas competências por parte dos

professores em virtude da complexificação da sociedade. Esse discurso ainda traz

consigo elementos de valorização pessoal e financeira dos professores, afirmação

de suas competências e autonomia.

7 Uma exposição das teses aqui mencionadas está publicada em Evangelista, Michels e Shiroma (2011).

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2) A desintelectualização do professor – Segundo Shiroma (2003) o professor é

alvo de um discurso profissionalizante, que a rigor consiste em uma lógica de

competências, a qual visa a uma capacidade de resolução dos problemas da prática

cotidiana, pois significa a supervalorização do “conhecimento construído ‘na’ e

‘pela’ experiência” (SHIROMA, 2003, p. 67), haja vista, que o conhecimento base

da profissionalização docente trata-se de “um tipo de conhecimento tácito que não

pode ser construído de outra forma senão na prática profissional” (SHIROMA,

2003, p. 67). Esse modelo de formação tem como pressuposto que a docência

constitui-se no próprio ambiente de trabalho, as escolas, e assim sendo, a base da

formação é a própria prática docente, o que torna dispensável uma formação

universitária, consubstanciada no estudo das teorias pedagógicas e teorias sociais,

entre outros conhecimentos que visem a reflexão sobre a realidade escolar

articulado as estruturas sociais. Enfim, no contexto de adoção de uma teoria

pedagógica de bases pragmáticas, a estratégia de desintelectualização dos

professores, representa uma forma de obter a adesão dos docentes às exigências

educacionais definidas externamente aos seus movimentos políticos, pois como

afirma Garcia (2013, p. 111), “[...] a centralidade da formação na prática, além de

significar uma desqualificação da teoria, representa primordialmente a sua

despolitização”.

3) A certificação de resultados dos professores – segundo Shiroma e Schneider

(2008) vem sendo fomentada pelos organismos internacionais na perspectiva da

melhoria da qualidade da educação. No entanto, ao relacionar essa tese com a

lógica da política apresentada nas duas teses anteriores, pode-se perceber a

certificação docente como um aperfeiçoamento do processo de conformação dos

professores ao projeto educacional e societário hegemônico. As referidas autoras

advogam que a noção de accountability presente na política educacional em vigor

permite compreender a certificação não como valorização dos professores, mas

como “uma estratégia de regulação do trabalho docente que articula avaliação,

determinação dos salários docentes e prestação de contas” (SHIROMA;

SCHNEIDER, 2008, p. 46).

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4) A reconversão docente – Segundo Evangelista (2006) apud Garcia (2013),

consubstanciando em três pilares: a necessidade de reconversão profissional como

estratégia de adaptação dos trabalhadores ao reordenamento produtivo no final do

século XX; a reforma educacional na América Latina iniciada nos anos de 1990;

mudanças nos processos de formação docente nessa região, tais como a criação

de redes de formação. A reconversão docente, na perspectiva das políticas

educacionais, exerceria o papel de ajustar os professores aos novos tempos, às

novas tecnologias, às novas estratégias pedagógicas, às novas linguagens, enfim,

buscando adequá-los aos novos parâmetros de educação de qualidade. Com isso,

tal reconversão ganha aspectos de ajuste, treinamento, reciclagem, afastando-se

do que poderíamos denominar de uma sólida formação teórica, pedagógica e

política para o exercício da profissão.

DIAGRAMA 02: Demonstrativo das teses do GEPETO/UFSC.

Fonte: Shiroma (2003); Shiroma e Evangelista (2003); Shiroma e Schneider (2008); Evangelista,

Michels e Shiroma (2011); e Garcia (2013).

Em síntese, as quatro teses apresentadas aqui brevemente, demonstram a urgência

de refletirmos sobre o papel da formação docente na política educacional vigente, de

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ações de formação, em geral vinculadas a programas oficiais, p.ex., como fizera Silva

(2015) que investigou as bases teóricas e políticas na formação continuada dos

professores da Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo, e constatou a lógica

histórica e os reais interesses da criação da Escola de Formação e Aperfeiçoamento

(EFAP).

Do mesmo modo, as referidas teses foram consideradas nos termos do presente

texto como teses complementares, que contribuíram para analisar de modo articulado a

proposição e a implementação de reformas educacionais, seus objetivos, características,

estratégias e ações.

Enfim, diante desse contexto, como fica a formação de professores na escola

básica e os princípios da educação inclusiva? Após recuperarmos a dinâmica histórico-

social recente das políticas de formação de professores da escola básica no Brasil,

procuramos na sequência, discutir mais especificamente sobre a formação de professores

na perspectiva da educação inclusiva.

2) Discussão das políticas de formação de professores na perspectiva da

educação inclusiva, sinalizando sua(s) contradição(ões) e o(s) seu(s) desafio(s)

Os princípios da educação inclusiva estão relacionados a concepção de Direitos

Humanos, mais precisamente ao Direito à Educação como instrumento de proteção e

promoção da dignidade humana. Nesse sentido, Mantoan (2012, p. 9-13) complementa

com a seguinte afirmação: “a defesa do direito à diferença na igualdade de direitos”, e

reivindica a mudança estrutural e cultural da escola para que todos os alunos tenham suas

especificidades atendidas.

É pertinente observar que, o reconhecimento desses direitos está atrelado as

conquistas dos movimentos sociais de e para deficientes, bem como a resultados de

pesquisas que evidenciam o desenvolvimento das pessoas com deficiência em ambientes

menos restritivos (KASSAR, 2011).

Nesse sentido, também é pertinente observar que no plano institucional as pessoas

com deficiência e/ou necessidades especiais começaram a ter suas demandas observadas

por órgãos e políticas governamentais, como p.ex. pela Secretaria Nacional de Promoção

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dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência

da República (SNPD/SDH/PR), que formulou e executa o “Plano Viver sem Limite”8.

Deste, é oportuno observar que as demandas políticas educacionais são articuladas pelo

Eixo da Educação, cuja responsabilidade é da Diretoria de Políticas de Educação Especial

da Secretaria da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e

Inclusão do MEC (DPEE/SECADI/MEC), a qual alinhada com a Política Nacional de

Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (PNEE-EI), prevê no referido

eixo, as seguintes ações:

• Programa de Educação Inclusiva: direito à diversidade e Programa Incluir;

• Implantanção de salas de recursos multifuncionais na educação básica e núcleos

de acessibilidade nas Instituições de Ensino Superior (Implementação do AEE) –

Conforme Decreto 7611/2011 (BRASIL, 2011);

• Formação de professores de AEE;

• Outros programas: Escola Acessível; Projeto Livro Acessível etc.

Dessas políticas, as principais diretrizes foram estabelecidas pela PNEE-EI

(BRASIL, 2008a e 2008b), que definem e orientam a constituição do sistema educacional

inclusivo, com a realização da matrícula dos alunos público-alvo da educação especial

nas salas de aula do ensino regular e a disponibilização do AEE.

O AEE é definido como o serviço/recurso especial contemplado no Projeto

Político Pedagógico (PPP) da escola responsável pela identificação, elaboração e

organização de recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminam as barreiras para

a plena participação dos alunos, considerando as suas necessidades específicas. As

atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam-se

daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse

atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à

autonomia e independência na escola e fora dela (BRASIL, 2008b, p. 17).

8 Sobre esta Secretaria é importante observar que recentemente, no governo interino de Michel Temer, ela

perdeu a condição de Ministério Federal e foi rebaixada a condição de Secretaria do Ministério da Justiça.

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Para atuar na educação especial, o professor deve ter como base da sua formação,

inicial e continuada, conhecimentos gerais para o exercício da docência e conhecimentos

específicos da área. Essa formação possibilita a sua atuação no atendimento educacional

especializado e deve aprofundar o caráter interativo e interdisciplinar da atuação nas salas

comuns do ensino regular, nas salas de recursos, nos centros de atendimento educacional

especializado, nos núcleos de acessibilidade das instituições de educação superior, nas

classes hospitalares e nos ambientes domiciliares, para a oferta dos serviços e recursos de

educação especial (BRASIL, 2008b, p. 18).

Esta formação deve contemplar conhecimentos de gestão de sistema educacional

inclusivo, tendo em vista o desenvolvimento de projetos em parceria com outras áreas,

visando à acessibilidade arquitetônica, os atendimentos de saúde, a promoção de ações

de assistência social, trabalho e justiça (BRASIL, 2008b, p. 18).

Assim sendo, as demandas de formação para o professor da sala de aula regular

são de natureza:

1) Atitudinal – atender o direito dos alunos com deficiência, transtornos globais do

desenvolvimento e altas habilidades/superdotação estudarem na sala de aula regular;

2) Pedagógica - Revisão das práticas educativas do professor – ensinar a sala toda;

Já as demandas de formação para o professor de AEE, são:

1) Responsável pela organização dos serviços e recursos das salas de recursos

multifuncionais;

2) Articulação com o professor da sala de aula regular para elaboração do plano de

ensino do AEE.

Assim, a partir das análises dos documentos definidores e orientadores da

implementação da PNEE-EI, bem como o que tem sido observado e constatado nas

experiências de estágio e visita as instituições escolares, é que a pedagogia de ambos os

professores (sala de aula regular e AEE) são orientadas pela mesma lógica pragmática de

resultados, e consubstanciam-se em teorias da educação produtivistas com forte enfoque

humanista e multiculturalista, como afirmara (DI GIORGI, 1996).

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Não obstante, a contradição desse processo é que nos limites dessas políticas

(inclusão escolar, avaliação e formação de professores) reside justamente a possibilidade

de buscar estratégias para desenvolvimento de propostas de formação de professores que

articulem teoria e prática, possibilitando aos professores uma formação teórico-filosófica

(crítica, radical e rigorosa), capaz de problematizar os elementos histórico-sociais

produtores do preconceito, da discriminação e exclusão das minorias sociais da escola

pública brasileira.

Nesse sentido, temos concordância com Freitas (2005), quando ele afirma que a

mudança precisa ocorrer com aqueles que estão dentro do processo. Nesse sentido, os

municípios e estados precisam elaborar e desenvolver suas propostas pedagógicas, seus

sistemas avaliativos etc.

Entretanto, o desafio é construir com os atores da/na escola, em especial os

professores, um processo de desenvolvimento de construção de uma proposta pedagógica

que vá ao encontro dos interesses deles (Referência a “Qualidade Negociada”). Como

bem observa movimentos sociais de e para deficientes “nada sobre nós, sem nós!”. Assim,

o desafio é que os professores se façam presentes nos processos de formulação,

elaboração, definição e implementação das políticas educacionais, mesmo em redes

autoritárias e diretivas, como as do estado de São Paulo, Goiás e Paraná, e que tudo indica

será a perspectiva assumida pelo MEC no governo interino de Michel Temer.

3) Apresentação de perspectivas crítico-superadoras da formação de

professores da escola básica brasileira, inclusive aqueles que atuam no AEE

Embora em um contexto tão desfavorável como assinalamos no primeiro tópico

deste texto, ainda é possível identificar propostas crítico-superadoras da formação de

professores da escola básica. Nesse sentido, e apenas a título de ilustração em função dos

limites e objetivos deste trabalho, citamos as experiências exitosas de Uberlândia -

Planejamento Coletivo do Trabalho Pedagógico (PCTP) (ver:

http://www.nepecc.faefi.ufu.br/formacao.htm), Campinas/SP – Avalição Institucional

Participativa (AIP); Ciclo Próprio de Avaliação (CPA) (ver: SORDI, 2012a e 2012b) e

Bauru/SP que desenvolveu uma Proposta pedagógica para a Educação Infantil do Sistema

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Municipal de Ensino sob mediação da Pedagogia Histórico-Crítica e a Psicologia

Histórico-Cultural, e contou com a participação dos professores do Sistema na sua

elaboração, juntamente com professores e alunos da Unesp/Bauru e demais profissionais

do Departamento de Planejamento, Projetos e Pesquisas Educacionais da Secretaria da

Educação do referido município.

Essas quatro experiências embora em situações geográficas e sociais distintas,

apresentam os mesmos pressupostos, quais sejam: práxis (teoria e prática não dissociadas)

e planeja quem executa e vice-versa.

Dessas experiências, além dos pressupostos citados, uma outra diretriz parece-me

fundamental para efetivação de um trabalho educativo que possibilite o desenvolvimento

humano de todos indivíduos, inclusive os deficientes, qual seja, assumir uma ação

institucional, principalmente de avaliação na perspectiva da “responsabilização

compartilhada”, consubstanciada em teorias críticas da educação que atendam os

interesses dos atores da/na educação.

Nesse sentido, também não podemos perder de vista os recentes levantes

estudantis, que embora sob perspectivas ecléticas e não diretivas, característicos desse

tipo de movimento estão apresentando propostas progressistas, e principalmente,

demonstrando disposição por parte dos estudantes pela luta de uma educação de qualidade

socialmente referenciada, que seja pública, laica, democrática, gratuita e com destinação

de recursos públicos para instituições públicas.

Considerações finais

Como dissemos anteriormente, com certeza um dos principais desafios do PNE

(2014-2024), seja atender as metas relacionadas ao financiamento, expansão e

qualificação da educação ofertada no País. Nesse sentido, acreditamos que uma das metas

mais desafiadoras seja a de nº 4, isto porque, se quer os dados para monitoramento da

meta estão disponíveis nas plataformas online criadas para acompanhar os indicadores

das 20 metas do PNE e suas respectivas estratégias.

Além do que, conforme anunciado na plataforma de uma das organizações da

sociedade civil, essa desinformação reflete o descaso histórico para com o tema (sujeitos).

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Diante disso, acreditamos que a concretização da meta dependerá de muitos esforços dos

movimentos sociais de e para deficientes, dos gestores educacionais, professores,

familiares e alunos com deficiência e/ou necessidades especiais.

Assim sendo, sustentamos que os professores em serviço são atores fundamentais

para concretização desta meta, pois afinal de contas, eles são os principais responsáveis

para que o trabalho educativo concretize-se nas escolas.

Por tudo isso, problematizamos, ainda que brevemente a respeito das

contradições, desafios e perspectivas da formação continuada de professores da escola

básica e os princípios da educação inclusiva no contexto de execução do PNE, e assim,

verificamos que o contexto de formação de professores da escola básica no Brasil de um

modo geral, inclusive para atender os alunos público-alvo da educação especial na

perspectiva da educação inclusiva é desafiador.

Não obstante, acreditamos que há possibilidades superadoras, e nesse sentido,

estamos de acordo com Saviani (2008) a pedagogia precisa sair da fase romântica

(competência técnica versus compromisso político) e entrar na fase clássica (competência

técnica e compromisso político).

Nesse sentido, constatamos algumas iniciativas exitosas, que a depender das lutas

sociais e educacionais podem quem sabe alterar as correlações de força nas redes

municipais e estaduais, e talvez possibilitar que experiências sob os mesmos pressupostos

e princípios das identificadas se multipliquem pelo nosso Brasil.

Ainda nesse processo, além da participação mais efetiva e crítica dos professores,

observamos que a Universidade Pública brasileira, enquanto instituição social por

natureza (CHAUÍ, 2003) precisa ficar atenta as políticas de inclusão, avaliação e

formação de professores em desenvolvimento para que ela não seja “devorada” como na

passagem mítica do desafio da Esfinge de Tebas9, de tal modo, que ela consiga

9 "Decifra-me ou te devoro". Esse era o desafio da Esfinge de Tebas. Ela eliminava aqueles que se

mostrassem incapazes de responder a um enigma: "Que criatura tem quatro pés de manhã, dois ao meio-

dia e três à tarde?". Todos os que ensaiaram a resposta haviam sido estrangulados. Édipo acertou: "É o ser

humano! Engatinha quando bebê, anda sobre dois pés quando adulto e recorre a uma bengala na velhice".

As políticas sociais afirmativas/compensatórias traz hoje um novo enigma. Existe uma Esfinge de Tebas

simbólica a assombrar a Sociedade/Universidade Pública brasileira. Quem der a resposta errada será

estrangulado, como no mito.

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desenvolver estratégias “contrarregulatórias”, e assim exercer uma das funções precípuas

da Universidade Pública, qual seja, agir de forma autônoma, crítica e socialmente

referenciada.

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