Contra Revolucao Stalinista em Barcelona (René Berthier, 1997)

download Contra Revolucao Stalinista em Barcelona (René Berthier, 1997)

of 14

Transcript of Contra Revolucao Stalinista em Barcelona (René Berthier, 1997)

  • 8/2/2019 Contra Revolucao Stalinista em Barcelona (Ren Berthier, 1997)

    1/14

    Le Monde Libertaireverao de 1997

    CONTRA-REVOLU~~O STALINISTAEM BARCELONA

    Rene Berthier

    Os acontecimentos de maio de 1937, em Barcelona, saoexemplares por v aries mottvo s. Reduzem-se a uma id eia p rin-cipal.corno 0 stalinismo utilizou 0 antifascismo para liquidar are vo lu ca o so cia l,

    Para realizar esse objetivo, era indispensavel liquidar 0movtmento anarco-sindicaltsta. Todavia, naquele momento,esse movimento, que havta impulsionado urn vasto movimentode colettvtzacoes na industria, nos transportes, na agricultura,era demasiado poderoso, demasiado popular para ser atacadode frente ..Era preciso comecar por tsola-Io, atacando 0 EO.V.M.,pequeno partido marxtsta. mas que se encontrava em posicoesrevoluclonarlas, no qual militavam alguns trotsktstas',

    A ocasiao era muiro oportuna. Na Alemanha, Stalin flzerao lei to do nazism o ao sacrificar 0 Partid o c omuntsta ale maopara liquidar a social-dernocracia. Todo movimento reclamando-se da classe operaria nao eontrolado por Moseou devia serIiquidado. Stalin conduzia uma campanha contra os "hitleristas-trotskistas": 0 EO.U.M. flcou, entao, na mira dos comunistasespanhois, que exlgiam, de modo lancinante, sua disselucao.Manipularam para eliminar Andres Nin da oeneralitat, @ go-verno da Catalunha em 13 de dezembro de 1936, senao com a, \

  • 8/2/2019 Contra Revolucao Stalinista em Barcelona (Ren Berthier, 1997)

    2/14

    62 ESPANHA LIBERTARIA - A REVOLU~Ao SOCIAL CONTRA 0 FASCISMO

    cumpJicidade, ao menos coma concordancia da direcao da C.N.T.,que pareceu nao se dar conta de que is-so,acrescido a iruimerasoutras manobras, contribufa para isolar cada vez mais a Con-federacao, e torna-Ia mais vulneravel em relacao ao stalinismo.

    Os stalinistas ja tinham conseguido eliminar os militantesdo P'O.U.M.de teda responsabilidade na U.G.T.:ora, esta era,antes de passar as maos dos stalinistas, urn aliado natural daC.N.T.,sob a condlcao de que houvesse em seu interior elemen-tos suficientemente radicais para favorecer essa alianca. Assim,quando a C.N.T.censeguiu que os dois partidos marxistas seretirassem da ceneralitat, deixando 0 lugar s6 a u.G.T., e, defate, ao Partido Comunista que ela devia confrontar-se. A U.G.T.,que os comunistas controlavam, tornara-se, literalmente, a or-ganizacao da pequena burguesia e do patronato-. Os aconteci-mentos de maio de 37 sao, pois, exemplos da incompreensao dadirecao confederal em apreender as relacoes de forca, em com-preender a natureza real do stalinismo e seu papel contra-revo-lucionario, enquanto a massa dos trabalhadores apoiava a C.N.T.

    Comunismo espanhol?Oscomunistas espanh6is representavam pouca coisa antes

    da guerra civil, e so puderam desenvolver-se atraindo para elesos camponeses abastados opostes a coletlvizacao, a pequenaburguesia, muitos funcionarios da pelicia, militares. A espinhadorsal do movimento comunista espanhol, sustentado per Mos-cou, oferecia sua experiencia organizacional a camadas sociaiscujos interesses coincidiam, naquele momento, com os interes-ses da polftica internacional de Stalin. Este nao podia aceitar aideia de uma revolucao proletaria desenvolvendo-se fora de seucontrale e em bases radicalmente diferentes da revolucao russa.Participando do governo, e praticando a limpeza das instancias

  • 8/2/2019 Contra Revolucao Stalinista em Barcelona (Ren Berthier, 1997)

    3/14

    CONTRA-REV0LUC;:AO STALlN ISTA EM BARCELONA 63

    de poder, os comunistas adquiriram um poder despreporcionala sua base social. os cemunlstas, apoiados pela pequena burgue-sia nacionalista catala, exprimiam-se abertamente contra as co-Ietivizacoes, 0que e um paradexe curiose, pois sabemos que naRussia eles impuseram a coletivizacao forcada da agriculturacom violencia inaudita, levando a morte milhoes de pessoas ...

    Em outubre de 193ti, um cernunista e nomeado ministredo abastecimento, cargo exercido anteriormente per um anar-quista. os comites eperarios de abastecimento, criados pelosanarquistas, e que functonavam eficazmente, ferarn dissolvi-dos. A dtstribuicao des alimentes, assegurada pelo sistema devenda direta dos produtos e organizada pelos comites dos sin-dicatos, e reentregue ao cemercis privade. @sprecos aumentam,prevocande a peruiria. 0 descententamento da populacao au-menta, mas os comunistas acusam os anarquistas,

    As forcas policiais - guarda civil e guardas de assalto -tinham sido dissolvidas e substituidas per patrulhas de con-trole. Mas a policia sera rapidamente reconstitufda, controladapelos stalinistas. 0 mesmo processo ecorrera, em 10 de outubrode 1936, com a militarizacao das milicias, da qual os comunis-tas eram ardentes partidarlos. La Batalla, de 12 de maio de 1937,descreve a composicao social e 0 modo de recrutamento da P0-licia controlada peles comunistas:

    eles concentrararn na Catalunha uma parte do formidavel exer-cito de carabineiros, que fora criado com objetivos contra-revolucionarios, recrutando-o entre os elementos do PartidoComunista desprovidos de educacao politica, entre 0S opera-rios que nao pertenciam a nenhuma ideologia, e, inclusive,entre os pequeno-burgueses desclassificados que perderamtoda conflanca no restabelecimento de sua postcao.

    E lancada uma ofens iva contra a liberdade de expressao. A

  • 8/2/2019 Contra Revolucao Stalinista em Barcelona (Ren Berthier, 1997)

    4/14

    64 ESPANHA LlBERTARIA - A REVOLU~Ao SOCIAL CONTRA 0 fAS",,,,I'lO

    censura torna-se cada vez mais importante, inclusive a censurapolitica. Urn meeting C.N.T.-P'O.U.M. e proibido em 26 de feve-reiro de 1937, em Tarragona.

    Em 26 de marco de 1937, os Iibertarios opoern-se a urndecreto que dissolve as patrulhas de controle, profbe 0 porte dearmas para os civis: a aflliacao politica ou sindical dos guardase des oficiais de pelicia, dissolve os conselhos de operarios e desoldados, 0 que equivalia a Iiquidacao do poder real da Confede-racae, elemento motor das milicias, senhora da rua e das fabri-cas. De fato, as patrulhas de controle nao dep6em suas armas,ao centrario, os militantes saem as ruas e desarmam as forcasde polfcia regulares, que resistem; ocorrem disparos de parte aparte. A medida de supressao das patrulhas de controle tinhasido tomada em concordancia com os conselheiros anarquistasda Generalitat, que foram criticados por sua base e retiraramseu apoio ao decreto. A crise sera resolvida pela formacao de urnnovo governo, identico ao precedente. Os confrontos armadoscontinuam.

    Os fatos

    A provocacao do 3 de maio de 1937 foi 0 desfecho de umalonga serie de escaramucas cujo objetivo era, para os stalinis-tas, a liquidacao da revelucao social, a liquidacao dos ltberta-rios como ferca hegemonica na classe operaria catala, a restau-racao do poder da burguesia devidamente conduzida pelos con-selheiros tecnicos de G.P'U.3. Q que se passou nesse dia? Em 3de maio de 1937 a policia comunista tentou tomar 0 controle dacentral telefOnica de Barcelona, que estava sob controle da C.N.T.-D.G.T., mas cuja maioria dos empregados era ligada a C.N.T.

    Os milicianos presentes pegam suas armas e resistem vio-lentamente, com sucesso. Uma hora rna is tarde os milicianos da

  • 8/2/2019 Contra Revolucao Stalinista em Barcelona (Ren Berthier, 1997)

    5/14

    CONTRAREVOLU~Ao STALINISTA EM BARCELONA 65

    F.A.I.e membros das patrulhas de controle chegam em reforco,As fabricas pararn. As armas saem dos esconderijos. Erguem-seas barricadas. A insurreicao estende-se a toda a cidade. 0 go-verno - com seus representantes anarquistas - esta de fatositiado pela forca popular. Trata-se de uma autentica respostaespontanea a uma provocacao stalinista. 0 comite regional daC.N.T.e da EA.I. contenta-se em exigir a destituicao de Rodri-guez sala, comunista, comissario da ordem publica de Barce-lona. Comose Sala pudesse ser alguma coisa fora das forcas quelhe davam sustentacao. Comoem 19 de julho de 1936, quandoos fascistas tentaram tomar 0 poder, foram, na base, os comitesde defesa confederais C.N.T.-EA.I.que organizaram a contra-ofens iva popular, mas desta vez contra a opiniao da direcao daC.N.T.

    No dia seguinte, terca-feira, 4 de maio, a batalha e encar-nicada por todo 0 dia. A rapidez da reacao dos milicianos daC.N.T.-EA.I.e do P'O.U.M.contra a policia foi estupeficante, namedida em que foi terrfvel 0 encamicamento da policia infil-trada pelos comunistas. Essa crise revela urn conflito agudo nopr6prio interior do campo republicano. 0 destine da revolucaosocial estava em jogo. Enquanto os proletarios lutam na ruacontra a reacao interna no campo republicano, os estados-maio-res negociarn. e precise formar urn novo governo. Os dirigentesda U.G.T.e da C.N.T.pedem 0 cessar-fogo. Os ministros anar-quistas do governo central ap6iam essa iniciativa, mas Compa-nys, presidente da Generalitat, recusa-se a demitir RodriguezSala.

    Garcia Oliver,ministro anarquista do governo central, diri-gente da C.N.T.,mas igualmente da EA.I., faz urn discurso ri-diculo em nome da unidade antifascista, pede que se deponhamas armas. "Todos aqueles que hoje morreram sao meus irmaos,inclino-me diante deles e os beijo", inclusive, sem diivida os sta-linistas e os policiais. Oliver,desse modo, da creditos a ideia se-

  • 8/2/2019 Contra Revolucao Stalinista em Barcelona (Ren Berthier, 1997)

    6/14

    66 ESPANHA LlBERTARIA - A REVOLUi;AO SOCIAL CONTRA 0 fASCISMO

    gundo a qual a batalha ocorrida foi apenas urn acidente de per-curso no campo republicano, quando, na verdade, tratava-se deurn autentico combate de classe, sendo 0projeto dos comunistaso restabelecimento de todos os atributos da ordem burguesa:propriedade privada, poder centralizado, policia, hierarquia. Eleesvazia 0 objetivo dessa batalha, que se resumia na alternativa:prosseguimento da revolucao social ou restauracao do Estadoburgues,

    Na noite de 4 para 5 de maio, os conluios no palacio da Ge-neralitat continuam. as comunistas querem arrancar urn poucomais de poder dos comites operarios e devem enfrentar os tra-

  • 8/2/2019 Contra Revolucao Stalinista em Barcelona (Ren Berthier, 1997)

    7/14

    CONTRA-REVOLU~Ao STALINISTA EM BARCELONA 67

    balhadores armados. Seu objetivo. esmagar definitivamente arevolucao. Somos forcados a constatar que os dirigentes anar-quistas foram superados pelos acontecimentos. Na radio, eles sesucedem urn a urn para pedir aos combatentes que deponhamas armas : Garcia Oliver, Federica Montseny, ambos da C.N.T.eF.A.l.,e os outros. Companys exige como condicao previa a todoacordo, que os trabalhadores retirem-se da rua.

    No dia seguinte, quarta-feira, 5 de maio, a batalha e aindamais violenta que na vespera, Aestacao ferroviaria, ocupada pe-los anarquistas, e tomada pela guarda civil; os empregados dacentral telefonica rendem-se as guardas de assalto. 0 governocatalao desfaz-se. As divis6es anarquistas eofron: propoem vira Barcelona, mas 0 comite regional da C.N.T.anuncia-lhes quenao se necessita delas ... a noite, novos apelos solicitando aosoperarios para que abandonem as barricadas e voltem para suascasas. Cresce 0 descontentamento nas fileiras da C.N.T.-F.A.!'lmimeros militantes rasgam suas cartas de aflliacao.

    Uma parte importante das juventudes Iibertarias, numero-sos comites e grupos de base nas empresas enos bairros opoem- -se a atitude conciliadora e a curta visao da direcao do movl-mento libertario catalao.

    Os amigos de Durruti prop6em a formacao de uma juntarevolucionarla que deveria substituir a Generalitat. 0 P'O.U.M.devia ser admitido nessa junta pois ele posicionou-se ao ladedos trabalhadores. Eles exigem a socializacao da economia, adissolucao dos partidos e dos corpos armados que participaramda agressao, 0 castigo dos culpados. Essas posicoes sao denun-ciadas pelo comite regional da C.N.T.0 grupo sera posterior-mente excluldo da C.N.T.

    Os amigos de Durruti nao eram, malgrado seu nome, so-breviventes dos grupos Los Solidarios ou Nosotros dos quaisDurruti fizera parte.

    Tratava-se de um pequeno grupo formado por irredutivels

  • 8/2/2019 Contra Revolucao Stalinista em Barcelona (Ren Berthier, 1997)

    8/14

    68 ESPANHA L1BERTARIA - A REVOLU~AO SOCIAL CONTRA 0 fASC[SMO

    hostis a militarizacao das milicias, a participacao da C.N.T.nogoverno e dirigido pelos faistas Carreno, Pablo Ruiz, Eleuterio ~Roig e Jaime Balius. Acusado de estar a reboque do P'O.U.M.,ede ser constituido por anarquistas bolchevizados, esse grupoteve urn fraco impacto e sua existencia foi curta, pois ele naomais se manifesta apos 0 verao de 37. Isso nada muda no fatode que algumas (nao todas, certamente) das posicoes que eleadotou num certo momento, eram dignas de ter sido levadas emconsideracao.

    As criticas que ele fazia em relacao ao aparelho dirigenteda C.N.T.nao eram, com efeito, infundadas. Por exemplo, 0 Co-mite nacional da C.N.T.,quando de uma conferencia dos delega-dos, em 28 de marco de 1937, solicitou a submissao de todosos orgaos de imprensa da confederacao as diretrizes do Comitenacional. A proposicao so foi adotada por urn voto de vantagem.A minorta decidiu nao levar em conta 0 voto. t incontestavelque se desenvolveu uma camada de dirigentes especializadosna C.N.T.,sem nenhum contrale da base, e uma hierarquizacaoautoritaria dk organizacao, inclusive na EA.!.

    A dire~a~do P'O.U.M.,neste caso, nao esta isenta de critica.Andres Nin tenta frear 0 ardor dos militantes, urn curiosa apelodo comite executivo do P'O.U.M.propoe simultaneamente livrar-se do inimigo e iniciar uma retirada. 0 5 de maio tera side 0ponto culminante da batalha. De manha, 0 governo e demissio-nario, a noite ele e recriado. Berneri, uma das figuras da oposi-\ ; a O revolucionaria, e assassinado pelos comunistas, bern comourn outro militante anarquista italiano, Barbieri.

    Na manha de 6 de maio, constata-se uma certa flutuacaoentre os combatentes, decepcionados e desorientados pela ati-tude da direcao regional da C.N.T.Logo as barricadas abandona-das sao reocupadas. A direcao da C.N.T.renova seus apelos acalma. A luta termina, mas ninguern retorna ao trabalho, oscombatentes permanecem em suas posicoes.

  • 8/2/2019 Contra Revolucao Stalinista em Barcelona (Ren Berthier, 1997)

    9/14

    CONTRA-REVOLUCAo STALINISTA EM BARCELONA 69

    Na noite de 6 para 7 de maio, 0S dirigentes da C.N.T.-F.A.!'reiteram suas proposicoes. retirada das barricadas, Iibertacaodos prisloneiros e dos refens, Na rnanha de 7 de maio, 0governoaceita as proposicoes do.cessar-fogo.o fracasso do movimento insurrecional marcara 0 comecode urn terrivel retrocesso das conquistas dos primeiros meses darevolucao. A influencia do stalinismo, apoiando-se sobre as ca-madas. socia is mais hostis a revolucao no campo republicano,afirmar-se-a. Osassassinatos de militantes revolucionarios pelosstaIinistas redobram. Desde 0verao de 1937 as tropas do comu-nista Lister entrarao na reglao de Aragao 'para ten tar liquidarpelo terror as coletividades agricolas lihertanas, e reentrega-lasaos antigos proprietarios. A adesao das massas camponesas ascoletlvizacoes era tal que a tentativa de Lister culminou numfracas so retumbante.

    Nem vos, nem nos, lancamos as mass as de Barcelonanesse movimento. Ele foi uma resposta espontanea a umaprovocacao do stalinismo. Este e 0 momenta decisivo parafazer a revolucao. Ou nos colocamos a frente do movimentopara destruir 0 inimigo interior, ou entao 0 movimento fra-cassa e seremos destruidos. Devemos escolher entre a revolu-\;ao ou a contra-revolucao.

    Era a alternativa proposta pelo PoO.U.M.,na noite de 3 demaio, recusada pela direcao da C.N.T.,e descrita par Julian Gerkin'.

    se tivesse de ser refeito ...Seria, contudo, urn grave erro abordar a questao em termos

    te "traicao" da direcao da C.N.T.em relacao a seus objetivos. 0alanco sereno e nao-dogmatico da acao da confederacao e das

  • 8/2/2019 Contra Revolucao Stalinista em Barcelona (Ren Berthier, 1997)

    10/14

    70 ESPANliA LlBERTARlA - A REVOLU~Ao SOCIAL CONTRA 0 FASCISMO

    posicoes de seus dirigentes durante a guerra civil ainda perma-nece a ser feito entre os libertarios. E preciso ter em mente quea revolucao espanhola nao era a revolucao russa. Podemos con-siderar esta ultima como a derradeira revolucao do seculo XIXem termos de meios tecnicos aplicados. A revolucao espanholafoi a primeira do seculo XXcom a utilizacao dos blindados, daaviacao, doradio etc. Ela foi 0 campo de treinamento da Alema-nha hitlerista para a 2l!Guerra Mundial.

    Na Russia, 0 Estado estava em deliquescencia: todas asforcas sociais opostas a revolucao estavam em estado de disso-lucao. A sociedade russa por inteiro estava em estado de dis-solucao, apes varios anos de uma guerra terrfvel. Foi esta situa-c;;aoque permitiu a urn pequeno grupo de homens - algunsmilhares em 1917 - tomar 0 poder. 0 extremo grau de orga-nizacao e disciplina desse pequeno grupo de homens nao podepor si so explicar a eficacia de sua acao, 0 que em nada diminuio genic estrategico de Lenin, em todo 0 caso no inicio.A sociedade espanhola nao apresentava essa caracteristlcade deliquescencia. As forcas sociais presentes estavam precl-samente caracterizadas e ancoradas em seu modo de vida. Aburguesia espanhola, e em particular a burguesia catala, _erapo-derosa, influente. Classes intermediarias numerosas faziamtampao e desposavam as ideias da classe dominante por teme-rem a proletarizacao. Tal situacao nao existia na Russia.

    A revolucao proletaria na Espanha teve de enfrentar adver-sarios bern mais terniveis do que aqueles aos quais os revolucio-narios russos confrontaram-se, pols as potencias capitalistasocidentais, apes ali! Guerra Mundial, tambem estavam esgota-das pela guerra, e os corpos expedicionarios que ela enviava,eram minados pelas desercoes. Os Iibertarios espanhois tiveramde enfrentar simultaneamente os fascistas, os stalinistas e osrepublicanos, E muito.

    A revolucao russa ocorreu num periodo de desmorona-

  • 8/2/2019 Contra Revolucao Stalinista em Barcelona (Ren Berthier, 1997)

    11/14

    CONTRA-REVOLU\;Ao STALINISTA EM BARCELONA 71

    mento geral, em que as potencias, no plano internacional, sus-cetiveis de combate-la estavam esgotadas por quatro anos deuma guerra terrivel. A revolucao espanhola, ao contrario, ocorreunum perfodo de ascensao de forcas reacionarias de uma poten-cia jamais vista - nazismo alemao, fascismo mussoliniano -que apoiou sem econornia de suas armas 0 fascismo espanhol.Entre essas forcas reacionarias figurava 0 stalinismo, cujosmarxistas revolucionarios que acusavam a C.N.T.de todos osmales sao, senao diretamente, ao menos intelectualmente res-ponsaveis.

    Se os Iibertarios tivessem decidido, eles teriam podido fa-cilmente liquidar os comunistas em maio de 37, e comite re-gional, numa certa medida, tinha razao de dizer que ele nao pre-cisava desguarnecer as divis6es anarquistas doftonts. Os mili-cianos de Barcelona e da regiao, os operarios insurretos, oscomites de defesa dos bairros teriam bastado amplamente paraessa tarefa. Mas a situacao estaria circunscrita a Catalunha,.pois em Madri a C.N.T.nao dominava. A direcao da C.N.T.naoqueria arriscar-se a ficar sozinha diante de uma coalizao fascista-stalinista-republicana. Por sinal, especular sobre urn fenomenode arroubo na classe operaria espanhola, que num entusiasmofebril, teria apoiado os libertarlos catalaes, era urn risco que aconfederacao nao quis assumir. A Espanha teria partido-se emvaries blocos antagonistas, tornando-se presa facil para os fran-quistas. C.-M.Lorenzo, sem diivida, tern razao de dizer que urn

    triunfo do anarquismo espanhol, provocando 0 desmorona-mento da legalidade republicana, teria certamente provocadocontra ele a formacao de uma coalizao internacional indo daUniao Sovietica (supressao de toda ajuda em armas e em mu-nlcoes) aos Estados ocidentais democraticos (reconhecimentoimediato do governo fascista, bloco economico)".

  • 8/2/2019 Contra Revolucao Stalinista em Barcelona (Ren Berthier, 1997)

    12/14

    72 ESPANHA LIBERTARIA - A REVOLU

  • 8/2/2019 Contra Revolucao Stalinista em Barcelona (Ren Berthier, 1997)

    13/14

    CONTRA-RIlVOLU~Ao' STALlNISTA EM BARCELONA 73

    Notas:1. 0 P'O.U.M. (Partido Operario de Uniflcacao Marxista), fundado ern 1935,tinha entre 3.000 e 5.000 afiliados antes da guerra civil (contra urn milhaoda C.N.T.). Qualificado erroneamente de trotskista, inclusive pelos trots-kistas de hoje (que 0 recuperaram urn pouco, sobretudo depois do filme deKen Leach), ele tinha rompido corn Trotski e a 4' Intemacional. A atitudeda C.N.T.em relacao ao'EO.U.M. explica-se ern parte porque as relacoes entreas duas organizacoes jamais tinham side boas, Joaquin Maurin tendoacusado a Confederacao de todos os males.2. Houve inclusive greves opondo operarios da C.N.T. e seu patrao daU.G.T., ou confrontos armados entre camponeses coletivistas da C.N.T. epequenos proprietarios da U.G.T.3. A "ajuda" sovietica, paga a preco de ouro pelos republicanos espanh6is,estava condicionada iipresenca de "conselheiros" militares sovieticos, queinstalaram uma Tcheca que procedeu iiexecucao de incontaveis militantesrevolucionaries.4. A prova a posteriori de que os anarquistas teriam podido, sem difi-culdade, liquidar fisicamente os comunistas desde maio de 37, encontra-se nos acontecimentos de margo de 1939, em Madri, durante os quais aC.N.T. realizou 0 que ela deveria ter feito, talvez, desde 0 inicio. Em 2 demargo, Negrin faz urn autentico golpe de Estado e poe comunistas em to-dos os comandos militares importantes. A C.N.T.decidiu entao acertar suascontas corn 0 stalinismo esmagando as tropas comunistas. De 5 a 12 demargo de 1939, 0corpo de exercito anarquista (150.000 homens) co-mandado por Cipriano Mera, esmagou os 1Q, 2 2 e 3Q corpos de exercito co-munistas (350.000 homens). Segundo testemunhos orals, todos os oficiaiscomunistas acima da patente de sargento foram executados. A naturezade classe do Partido Comunista Espanhol e bern descrita nas palavras deC.-M. Lorenzo:

    "Parece que se produzlu, entao, urn verdadeiro desmoronamento doPartido Cornunista. A massa Incontavel de pessoas que tinham aderido aesse partido por 6dio a Revolucao, por medo, por amor a "ordem". poroportunismo politico, por arrivisrno, nao tinha nenhuma autentica forma-~ao ideo16gica, nenhum conhecimento do marxismo. Todas essas pessoasabandonaram 0Partido tao logo 0 viram em posicao dificil, e os comunistasvoltaram a ser tais como eram no lnicio da Guerra civil: urn punhado dequadros sem influencia real sobre a populacao. 0 Partido Comunista teve afavor das circunstancias urn lnchaco absolutamente artificial; foi urn orga-nismo monstruoso de pes de argila." C.-M. Lorenzo, Les Anarchistes es-pagnols et Ie pouvoir, Le Seuil.

  • 8/2/2019 Contra Revolucao Stalinista em Barcelona (Ren Berthier, 1997)

    14/14

    , 74 ESPANfiA LIBERTARIA - A REVOLU