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Contos de mistério e suspense Perseguição – Paulo André T.M.Gomes Meia noite, cansado e com sono, lá estava eu, andando pelas ruas sujas e desertas dessa cidade. Minhas únicas companhias eram a Lua e alguns animais de vida noturna. Num canto havia um cão e um gato tentando encontrar alimentos, revirando latas de lixo. Em outro ponto da rua, ratos entravam e saíam de um esgoto próximo à padaria da esquina. Eu estava tentando lembrar por que havia saído tão tarde do emprego, quando ouvi uns passos atrás de mim. Caminhei mais depressa, sem olhar para trás. Comecei a tremer e a suar frio. Coração acelerado. Aqueles passos não paravam de me perseguir. Virei depressa. Não havia nada além de sombras. O medo aumentou. Ou eu estava enlouquecendo, ou estava sendo seguido por algo sobrenatural. Corri desesperadamente. Parei na primeira esquina, ofegante. Olhei novamente. Nada! Continuei a andar, tentando manter a calma. Faltava pouco pra chegar a minha casa. Já mais tranquilo, parei, finalmente, em frente à minha porta. Peguei a maçaneta, ainda um pouco trêmulo devido ao susto e à corrida. Quando a girei, a porta não abriu. Provavelmente meus pais já estavam dormindo. Procurei minhas chaves em todos os bolsos que tinha. Não encontrei. Os passos recomeçaram. O medo voltou em dobro. Estava meio tonto. Não conseguia manter-me de pé. O mundo girava vertiginosamente. Tentei gritar, mas a voz não veio. Aquele som se aproximava cada vez mais. Não havia saída. Juntei, então, todas as minhas forças e, num movimento brusco… Caí da cama e acordei! Conto de mistério – Stanislaw Ponte Preta Com a gola do paletó levantada e a aba do chapéu abaixada, caminhando pelos cantos escuros, era quase impossível a qualquer pessoa que cruzasse com ele ver seu rosto. No local combinado, parou e fez o sinal que tinham já estipulado à guisa de senha. Parou debaixo do poste, acendeu um cigarro e soltou a fumaça em três baforadas compassadas. Imediatamente um sujeito mal-encarado, que se encontrava no café em frente, ajeitou a gravata e cuspiu de banda. Era aquele. Atravessou cautelosamente a rua, entrou no café e pediu um guaraná. O outro sorriu e se aproximou: Siga-me! – foi a ordem dada com voz cava. Deu apenas um gole no guaraná e saiu. O outro entrou num beco úmido e mal-iluminado e ele – a uma distância de uns dez a doze passos – entrou também. Ali parecia não haver ninguém. O silêncio era sepulcral. Mas o homem que ia na frente olhou em volta, certificou-se de que não havia ninguém de tocaia e bateu numa janela. Logo uma dobradiça gemeu e a porta abriu-se discretamente. Entraram os dois e deram numa sala pequena e enfumaçada onde, no centro, via-se uma mesa cheia de pequenos pacotes. Por trás dela um sujeito de barba crescida, roupas humildes e ar de agricultor parecia ter medo do que ia fazer. Não hesitou – porém – quando o homem que entrara na frente apontou para o que entrara em seguida e disse: “É este”. O que estava por trás da mesa pegou um dos pacotes e entregou ao que falara. Este passou o pacote para o outro e perguntou se trouxera o dinheiro. Um aceno de cabeça foi a resposta. Enfiou a mão no bolso, tirou um bolo de notas e entregou ao parceiro. Depois virou-se para sair. O que entrara com ele disse que ficaria ali. Saiu então sozinho, caminhando rente às paredes do beco. Quando alcançou uma rua mais clara, assoviou para um táxi que passava e mandou tocar a toda pressa para determinado endereço. O motorista obedeceu e, meia hora depois, entrava em casa a berrar para a mulher:

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Contos de mistério e suspensePerseguição – Paulo André T.M.Gomes

Meia noite, cansado e com sono, lá estava eu, andando pelas ruas sujas e desertas dessa cidade. Minhas únicas companhias eram a Lua e alguns animais de vida noturna. Num canto havia um cão e um gato tentando encontrar alimentos, revirando latas de lixo. Em outro ponto da rua, ratos entravam e saíam de um esgoto próximo à padaria da esquina. Eu estava tentando lembrar por que havia saído tão tarde do emprego, quando ouvi uns passos atrás de mim.Caminhei mais depressa, sem olhar para trás. Comecei a tremer e a suar frio. Coração acelerado. Aqueles passos não paravam de me perseguir. Virei depressa. Não havia nada além de sombras. O medo aumentou. Ou eu estava enlouquecendo, ou estava sendo seguido por algo sobrenatural.Corri desesperadamente. Parei na primeira esquina, ofegante. Olhei novamente. Nada! Continuei a andar, tentando manter a calma. Faltava pouco pra chegar a minha casa.Já mais tranquilo, parei, finalmente, em frente à minha porta. Peguei a maçaneta, ainda um pouco trêmulo devido ao susto e à corrida. Quando a girei, a porta não abriu. Provavelmente meus pais já estavam dormindo. Procurei minhas chaves em todos os bolsos que tinha. Não encontrei.Os passos recomeçaram. O medo voltou em dobro. Estava meio tonto. Não conseguia manter-me de pé. O mundo girava vertiginosamente. Tentei gritar, mas a voz não veio. Aquele som se aproximava cada vez mais. Não havia saída. Juntei, então, todas as minhas forças e, num movimento brusco… Caí da cama e acordei!

Conto de mistério – Stanislaw Ponte Preta

Com a gola do paletó levantada e a aba do chapéu abaixada, caminhando pelos cantos escuros, era quase impossível a qualquer pessoa que cruzasse com ele ver seu rosto. No local combinado, parou e fez o sinal que tinham já estipulado à guisa de senha. Parou debaixo do poste, acendeu um cigarro e soltou a fumaça em três baforadas compassadas. Imediatamente um sujeito mal-encarado, que se encontrava no café em frente, ajeitou a gravata e cuspiu de banda.Era aquele. Atravessou cautelosamente a rua, entrou no café e pediu um guaraná. O outro sorriu e se aproximou:Siga-me! – foi a ordem dada com voz cava. Deu apenas um gole no guaraná e saiu. O outro entrou num beco úmido e mal-iluminado e ele – a uma distância de uns dez a doze passos – entrou também.Ali parecia não haver ninguém. O silêncio era sepulcral. Mas o homem que ia na frente olhou em volta, certificou-se de que não havia ninguém de tocaia e bateu numa janela. Logo uma dobradiça gemeu e a porta abriu-se discretamente.Entraram os dois e deram numa sala pequena e enfumaçada onde, no centro, via-se uma mesa cheia de pequenos pacotes. Por trás dela um sujeito de barba crescida, roupas humildes e ar de agricultor parecia ter medo do que ia fazer. Não hesitou – porém – quando o homem que entrara na frente apontou para o que entrara em seguida e disse: “É este”.O que estava por trás da mesa pegou um dos pacotes e entregou ao que falara. Este passou o pacote para o outro e perguntou se trouxera o dinheiro. Um aceno de cabeça foi a resposta. Enfiou a mão no bolso, tirou um bolo de notas e entregou ao parceiro. Depois virou-se para sair. O que entrara com ele disse que ficaria ali.Saiu então sozinho, caminhando rente às paredes do beco. Quando alcançou uma rua mais clara, assoviou para um táxi que passava e mandou tocar a toda pressa para determinado endereço. O motorista obedeceu e, meia hora depois, entrava em casa a berrar para a mulher:

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– Julieta! Ó Julieta… consegui.A mulher veio lá de dentro enxugando as mãos em um avental, a sorrir de felicidade. O marido colocou o pacote sobre a mesa, num ar triunfal. Ela abriu o pacote e verificou que o marido conseguira mesmo.Ali estava: um quilo de feijão.

O Mistério assustador

Numa pequena cidade do interior havia um mistério nunca revelado.Todos os moradores tinham medo e andavam apavoradas.Trata-se de uma pequena casa abandonada,onde morou um antigo prefeito da cidadezinha.Após sua morte, os moradores passaram a ouvir estranhos barulhos de sua casa.Gritos, portas se batiam eram alguns sons que todos ouviam ao se aproximar da casa.Certo dia, dois compadres resolveram entrar na casa que intrigava todos os moradores da pacata cidade.Logo que se aproximaram da casa começaram a ouvir barulhos de portas batendo. Os dois ficaram muito assustados, mais não desistiram e entraram na casa. Perceberam que o barulho vinha do quarto, então subiram as escadas em direção ao quarto, respiraram fundo, criaram coragem e abriram a porta, mais não havia nada lá dentro.Os dois compadres resolveram andar por toda a casa. Os barulhos continuavam cada vez mais altos. Eles entraram na biblioteca a porta se fecha e eles ficam paralisados com aquilo que veem. Eles soltam um grito de horror que é ouvido por todos da rua. Desde esse dia nunca mais se viu esses dois compadres.E a cidade que tinha um grande mistério passou a ter dois, para o terror de todos os moradores.

H. G. Wells (Conto: O Fantasma inexperiente)

Meu pensamento volta-se, constantemente, para a derradeira história que Clayton contou,relembrando-a em todos os seus pormenores. Ele passara a maior parte do tempo no sofá, juntoà lareira, estando a seu lado Sanderson, fumando um daqueles cachimbos especiais, que trazemseu nome gravado. Evans e Wish, este o famoso e tão modesto ator, faziam parte do reduzidogrupo.Era um sábado de manhã, e havíamos chegado ao clube todos juntos, exceto Clayton, que alipernoitara, o que motivou esta história. Jogáramos golfe até ao escurecer e, depois de cear,caíramos naquele estado de bem aventurança, quando se fica em condições de ouvir qualquerfantasia que nos contem. E assim que Clayton iniciou sua extraordinária narrativa, quisemostachá-lo de mentiroso. A princípio, julgamos que se tratasse, apenas, de uma de suas anedotasreais, no que ele era mestre.

— Já sabem que passei a noite sozinho, aqui? interrogou ele, depois de ter ficado muito tempofitando as fagulhas que saiam das brasas, reanimadas por Sanderson.

— Com os criados… – emendou Wish.

— Sim, mas que dormem na outra ala – retrucou Clayton, que, antes de prosseguir, soltou maisalgumas baforadas do charuto. E, sem perder sua habitual fleuma, declarou, calmamente:

— Apanhei um fantasma.

— Um fantasma! – exclamou Sanderson. – E onde está ele?

Evans, que passara quatro semanas na América e era grande admirador de Clayton, gritou comsua voz anasalada:

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— Você agarrou mesmo um fantasma, Clayton? Extraordinário! Vamos, conte, logo, como talaconteceu!

Clayton pediu que fechássemos a porta e, olhando para mim, à guisa de desculpa, disse:

— Não quero chamar ninguém de bisbilhoteiro, mas não desejo divulgar a história e assustarnossos excelentes servidores. Os cantos escuros e os estranhos adornos da arquitetura do prédiodão margem à imaginação… E o fantasma a que me refiro, quero que saibam, era um fantasmaincomum. E talvez nunca mais volte…

— Mas… você não o prendeu? – perguntou Sanderson.

— Faltou-me ânimo para tanto – respondeu Clayton.

Enquanto nós desatamos a rir, Sanderson dava mostras de surpresa e Clayton pareciaperturbado.

— Parece mesmo singular, – disse, sorrindo contrafeito – mas a verdade é que lidei realmentecom um fantasma, tão certo quanto estar aqui conversando com vocês. Nada de gracejos, seibem o que falo.

Sanderson mamava seu cachimbo, com mais vigor, concentrando seus olhos congestionados emClayton e, após expelir uma espessa coluna de fumaça, resmungou algo a que Clayton nãoprestou atenção.

— Nunca me ocorrera uma aventura tão singular. Os amigos já conhecem minha descrença aesse respeito, mas, quando menos pensava nisso, apanho um fantasma, num dos cantos doprédio.

Mergulhou de novo em reflexões e puxou do bolso outro charuto.

— Conversou com ele? – perguntou Wish, curioso.

— Uma hora, mais ou menos.

— E que lhe contou? – indaguei, chegando mais perto dos incrédulos.

— O coitado pareceu-me encabulado…

— Ele chorou? – perguntou outro.

Clayton suspirou, ao pensar nessa circunstância.

— Sim, coitadinho, chorava que dava dó.

— E onde o apanhou? – quis saber Evans, com seu sotaque americano.

— Jamais poderia ter imaginado que um fantasma fosse uma coisa tão lamentável, prosseguiuClayton, ignorando a pergunta.

E, após essas palavras, deixou-nos de novo em suspenso, fingindo que declarava em encontrar osfósforos e acendia, depois, o charuto.

— Apenas, consegui aproveitar uma oportunidade disse, afinal, como que respondendo àpergunta anterior.

E, como ninguém o interrompesse, prosseguiu:

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— Posso afirmar que, mesmo sem o seu corpo, o caráter de uma pessoa permanece invariável,embora constantemente nos olvidemos disso. Indivíduos de vontade firme e forte dão espectrosde firme e forte vontade. A maioria desses fantasmas obsedados que andam por aí deve ter umaidéia fixa qualquer, como qualquer maníaco, e se demonstram mais obstinados que um burrico. Omeu pobre fantasma, porém, era diferente. Levantou subitamente os olhos, de maneira estranha,e seu olhar pesquisou todos os cantos do recinto.

— Afirmo-o com a minha melhor boa-fé, pois é a pura verdade. Logo de início, percebi que setratava de um débil mental. – Soltou umas baforadas e continuou. – Agarrei-o no fim do longocorredor. Ele me dava as costas e, por isso, eu o vi antes que me percebesse. Certifiquei-meimediatamente de que era um espectro, tanto era transparente e esbranquiçado. Através de seutórax, eu distinguia o reflexo dos vidros da janelinha. Pelo seu físico e atitudes, deduzi-lhe afraqueza. Ele não sabia, absolutamente, o que iria fazer. Segurava um dos adornos da janela,com uma das mãos, e a outra passava-a constantemente pela boca. Desta maneira…

— Qual seu aspecto?

— Muito magro. Seu pescoço parecia formar duas calhas, nas costas, aqui e aqui. Cabeçapequena, cabelos despenteados, orelhas disformes. Ombros imperfeitos e mais estreitos que osquadris. Usava um colarinho caído, casaco curto, calças remendadas, à altura dos joelhos, e maisalguns rasgões, logo abaixo. Tal seu aspecto. Eu ia subindo sossegadamente as escadas, semlevar luz, já que as velas costumam ficar cá embaixo, e ali existe uma lâmpada. Ao subir, vi-lhe oschinelos. Estaquei de súbito, ao notá-lo. . . e examinei-o. Não me incutiu medo algum. Creio que,na maior parte de casos assim, o indivíduo não se assusta tanto como se poderia supor. Somentefiquei intrigado e surpreso. “Meu Deus!” exclamei, para mim mesmo. “Finalmente, vejo umfantasma! E justamente eu, que nunca acreditei nisso!”

— Hum! – rosnou Wish.

— Ao chegar ao patamar, o fantasma deu pela minha presença. Virou de novo a cabeça e dei coma cara de um jovem, nariz fino, bigode ralo e um esboço de barbicha. Ficamos alguns instantes aolhar um para outro. Olhava-me por cima do ombro. Afinal, pareceu recordar-se de suas altasfunções. Esticou-se, virou-se de completo, espichou o rosto, estendeu a mão, no clássico estilodos espectros, e veio para meu lado. Deixou cair seu pequeno queixo e emitiu um prolongado,mas fraco “Bu! No…” Como veem, nada de apavorante. Eu havia ceado muito bem e esvaziadouma garrafa de champanha, e, depois de ter ficado sozinho, tomara mais alguns copinhos deuísque, por isso me encontrava mais firme que uma rocha e não mais amedrontado do que setivesse visto uma rã.

— Bu! – retribuí-lhe eu. – Deixe de ser bobo. Você não tem nada que fazer aqui. Notei que eleestremecia.

— Buuu! – repetiu.

— Bu! Vá para o diabo! Você é sócio cá do clube? Mexeu-se algo, como que querendo sair docaminho, mas seu aspecto parecia abatido.

— Não… não sou sócio do clube, – respondeu o espectro, ante a insistente interrogação de meusolhos. – Sou um fantasma.

— Muito bem, mas isso não o autoriza a frequentar o Clube Mermaid. Está procurando alguémpor aqui?

Dito isto, acendi logo minha vela, para que ele não julgasse que meu tremor era de medo e nãopor causa do uísque que eu ingerira. Perguntei-lhe:

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— Que está fazendo aqui?

O espectro deixou pender os braços, parando de rosnar, e ali se ficou, meio sem jeito,acabrunhado, nítida imagem de um fantasma frouxo, inocente, sem vontade de ação.

— Estou dando uma voltinha… – respondeu, afinal.

— Seu lugar não é aqui, procure outras paragens.

— Eu sou um fantasma… – murmurou, como desculpa.

— Pode ser, mas aqui não é seu lugar. Este é um clube particular, bastante respeitável. Aqui,vêm, com freqüência, pessoas com crianças, pajens, e, se alguma delas o encontrar por aí, podeficar louca de susto. Não pensou ainda nisso?

— Não me havia ocorrido ainda essa hipótese, senhor.

— Pois devia ter pensado. Creio que não possui nenhum motivo ponderável para vir aqui, poisnão? Suponho que não morreu assassinado nem sofreu morte violenta.

— Oh, não, meu senhor… mas, como esta casa é velha, possui seus enfeites de madeira, julguei…

— O pretexto é demasiado pueril – interrompi-o, fitando-o firme. – Foi um erro, sua vinda aqui –ajuntei, com amistosa superioridade.

Disfarcei, procurando fósforos nos bolsos, e olhei francamente para ele.

— Sabe que faria eu, em seu lugar? Procuraria evaporar-me, sumir daqui, antes do galo cantar.

Tais palavras deixaram-no perturbado.

— Na verdade, meu senhor…

— Eu me evaporaria – repeti, com insistência.

— Mas, então… eu não posso…

— Não pode, não?

— Não, porque me esqueci de algo. Tenho andado vagando por aqui, desde a última meia-noite,escondendo-me nos armários dos quartos desocupados… e já meio desorientado, tonto. Fiqueidesconcertado, pois nunca rondara, antes.

— Ficou desconcertado?

— Sim, senhor, não me saio nunca bem. Parece que olvidei alguma coisa… e não consigolembrar-me de quê…

— Essa circunstância impressionou-me bastante – afirmou Clayton. – Ele olhava para mim, tãodesanimado, que me deixou incapaz de continuar mantendo aquele tom altivo e fanfarrão queadotara.

— Isso é muito singular – disse-lhe.

Nesse instante, julguei ouvir rumor, no andar inferior.

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— Vamos para meu quarto e conte-me tudo, porque, até agora, nada compreendi .- convidei-o.Procurei puxá-lo por um braço, mas, está claro, foi como se tentasse segurar uma nuvem defumaça. Penso que até me esquecera o número do quarto. Assim, entrei em vários aposentos,antes de descobrir o meu, e foi sorte estar ali sozinho, naquela parte do prédio.

— Bem, agora, sente-se e conte-me sua história – disse-lhe, sentando-me também. – Pelo quevejo, meu amigo, meteu-se numa enrascada. O fantasma declarou não desejar sentar-se e quepreferia ficar andando pelo quarto. Não me opus e, dali a instantes, estávamos numa prosaanimada. Assim que me libertei dos vapores do uísque, comecei a ter noção do caso absurdo,fantástico, em que me enredara. À minha frente, se encontrava, meio transparente, o tradicionalfantasma, sem outro ruído a não ser o de sua voz sideral, e seu nervoso vaivém pelo quarto,recoberto de tapetes. Através do seu corpo, eu podia vislumbrar o reluzir dos candelabros decobre, o resplendor dos abajures e os quadros nas paredes, ao passo que ele me ia narrando suadesditosa e breve odisséia. Sua feição não era lá muito honrada, mas podem crer que falava averdade, tanto era transparente.

— Como? – interrogou Wish, levantando-se de pronto.

— Que quer saber? – perguntou, por sua vez, Clayton.

— Porque era transparente… não podia deixar de dizer a verdade?… Não estou entendendo nada– explicou Wish.

— Muito menos eu – ajuntou Clayton, com incrível seriedade. – Contudo, era essa minháimpressão. Juro até que não se afastou por nada da pura verdade. Contou-me como morrera –descera a um porão londrino, para verificar um escapamento de gás, com uma vela na mão. E,quando isso ocorreu, exercia as funções de professor, numa escola particular de Londres.

— Pobre homem… – lamentei eu.

— Também fiquei com pena dele, e mais ele falava mais me comovia. Não tinha objetivo algumna vida e ficara fora dela. Falou-me, com desprezo, sobre seu pai, sua mãe, a respeito de seuprofessor, na escola, e de todos quantos conhecera no mundo. Tinha sido exageradamenteimpressionável e nervoso. Ninguém o havia apreciado verdadeiramente e muito menos ocompreenderam, conforme contou. Penso que não chegou a ter nenhum amigo sincero nemjamais obtivera êxito algum. Mantivera-se alheio das diversões e fracassara em vários exames.Alegou que esquecia tudo, quando entrava na sala de exames. Estava noivo, naquela época,prestes a casar-se com outra pessoa igualmente impressionável, quando o escapamento de gáspôs termo aos seus amores.

— E onde foi você parar, depois da morte? – perguntei-lhe. – Não será em… A respeito disto, foialgo confuso. Parecia encontrar-se numa espécie de estado impreciso, intermediário, num lugarreservado às almas demasiado inexistentes para coisas tão positivas como o pecado e a virtude.Não soube explicar direito. Era bastante egoísta e indiferente para fornecer-me uma idéia claraquanto ao lugar ou região em que se encontrava. Muito além das coisas, estivesse ondeestivesse, ele caíra, suponho, no meio de uma série de espíritos da mesma natureza; fantasmasde jovens londrinos, fracos, com os mesmos prenomes, entre os quais se devia falar muito emrondar. Sim, sair e rondar. Parece que, para esses fantasmas, o “rondar” fosse uma grandeaventura e a maior parte deles não parava de falar nisso. Instigado, curioso, meu fantasmaresolvera sair e… rondar.

— Ora, será isso possível? – perguntou, descrente, Wish.

— São as conclusões que tirei – respondeu Clayton, modestamente. – É bem possível que eutambém me encontrasse num estado d’alma pouco favorável para discernir, mas essa impressão

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foi ele que ma deu. Não cessava de andar de um lado para outro, falando com voz fininha do seumísero ego, porém sem nunca emitir uma declaração nítida e firme, do princípio até ao fim. Erabem mais minucioso, ingênuo e monótono do que se estivesse vivo e real. Se estivesse vivo, aliás,não o teria deixado em meu quarto. Teria saído dali a pontapés!

— Sim, – concordou Evans – há tipos dessa espécie.

— Mas que possuem tantas propriedades de ser fantasmas como os demais.

O que lhe dava algum interesse era sua convicção de lhe ser impossível desaparecer. A confusãoque resultara de sua aventura deprimira-o de maneira incrível. Disseram-lhe que aquilo seria ummero passeio, e viera para cá esperando que assim fosse, mas encontrou apenas mais umfracasso a ajuntar aos de seu longo rol. Confessou-me, e acreditei, que jamais tentara coisaalguma, na vida, que não houvesse resultado num desastre e que isso continuaria acontecendo,pela eternidade afora. Caso tivesse encontrado simpatias, talvez… Não terminou e ficou a olharpara mim. Disse-me, ainda, que, por mais incrível que pareça, ninguém lhe havia dispensadonunca a dose de simpatia que eu lhe demonstrava. Adivinhei logo aonde queria chegar e decidilibertar-me dele, no mesmo instante. Pode ser que isso seja brutalidade de minha parte, mas, sero único amigo sincero, o confidente de um desses débeis egoístas, seja ele homem ou fantasma,era algosuperior à minha resistência física. Levantei-me de supetão.

— Não se iluda – disse-lhe. – O melhor que lhe resta a fazer é ir-se embora, sair imediatamente.Reúna suas forças e experimente.

— Não consigo… – murmurou.

— Experimente! – intimei-o.

E ele experimentou.

— Experimentou?! – exclamou Sanderson. – E de que modo?

— Com passes – respondeu Clayton.

— Com passes?

— Sim, uma série de complicados movimentos, executados com as mãos. Fora assim que viera, e,assim, devia ir-se embora. Meu Deus! Que trabalho lhe custou!

— Mas, com uma série de passes. .. – comecei.

— Meu amigo, – interrompeu Clayton, voltando-se para mim e dando uma entonação especial àspalavras – você quer que tudo seja bem explicado. Sei, apenas que ele executou esses passes.Após muitos esforços, conseguiu realizá-los perfeitamente, sumiu.

— Você prestou atenção nos passes? indagou Sanderson, lentamente.

— Sim, – respondeu Clayton, que parecia refletir.

Foi uma coisa extraordinariamente inédita. Estávamos ali, ambos, o vago e transparentefantasma e eu, naquele silencioso quarto, naquela casa silente e vazia, numa silenciosa noite desexta-feira, na pequena cidade. Não se ouvia o menor ruído, exceto nossas próprias vozes e umligeiro arfar, que produzia o espectro ao executar seus gestos. Estávamos iluminados pela velado quarto e por outra, que havia no aparador. Nada mais. Uma ou outra vez, as velas produziam,durante alguns segundos, uma chama alta e esquia. E, então, se passaram coisas estranhas.

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— Não, não posso… – gemia o fantasma. – Nunca mais.

Sentou-se subitamente numa cadeira e começou a soluçar. Deus meu! Que modo horrível dechorar!

— Reúna suas forças! – disse-lhe.

Tentei dar-lhe umas palmadinhas nas costas, porém minha maldita mão atravessou por ele.Nesse instante, devem compreender, já não me sentia tão… firme como quando chegara àescada. Notava perfeitamente tudo quanto ocorria de incomum. Recordo-me de que retirei a mãodele, com um leve estremecimento, e que fui até à mesa do aparador.

— Reúna suas forças, – repeti – e experimente.

E, no intuito de animá-lo e auxiliá-lo, procurei experimentar, também.

— Como! – exclamou Sanderson. – Os passes?

— Exatamente, os passes.

— Mas – disse eu, levado por uma idéia que não sabia traduzir.

— Muito interessante – comentou Sanderson, batendo a cinza do cachimbo. – Quer dizerque esse fantasma lhe revelou…

— Sim, fez tudo quanto pode para revelar o segredo da maldita barreira.

— Mas não o conseguiu, – interveio Wish, – nem poderia fazê-lo, pois, do contrário, você tambémteria sumido.

— Essa é precisamente a questão – concordou Clayton, olhando, pensativamente, para aschamas.

Houve um breve silêncio.

— E, afinal, conseguiu? – perguntou Sanderson.

— Finalmente, conseguiu-o. Envidei enormes esforços para que não desanimasse, mas, enfim,conseguiu-o. .. e bastante bruscamente. Estava já desesperado, tivemos uma cena, todavia, desúbito se levantou e pediu-me que fizesse todos os movimentos lentamente, para que os pudessever. Creio, confiou-me, que, se pudesse ver bem, descobriria o que não estava certo. E talocorreu.

— Agora já sei! – exclamou enquanto me observava os movimentos.

— Sabe o quê? – perguntei-lhe.

— Sim, já sei – repetiu, ajuntando, a seguir, mal-humorado. – Se fica assim a olhar para mim,nada posso fazer. Na verdade, não posso. E é por isso que até agora nada fiz. Sou de tal modonervoso que o senhor me desconcerta.

Entabulamos uma discussão. Certamente, eu queria ver como fazia, mas ele era mais teimosoque um burro, e eu me senti, de súbito, exausto, sem forças. Virei-me para o espelho do armáriopróximo da cama. Iniciou uma série de movimentos, muito rápidos. Procurei acompanhá-lo peloespelho, para ver qual deles tinha esquecido. Seus braços e mãos rodopiavam, assim e assim, edepois veio, precipitadamente, o gesto final, – o corpo erguido e os braços abertos – e nesta

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atitude ficou. E, de repente, não mais o vi! já ali não se encontrava! Rodei sobre meuscalcanhares e olhei. Nada! Eu estava só, diante da chama das velas, e com o espírito vacilante.Que teria acontecido? Tudo teria sido um sonho?. . . E aí, num tom absurdo de remate final, orelógio do patamar julgou chegado o momento de dar UMA hora. Assim: Ping! E eu meencontrava tão sério e tão atento quanto um juiz, sem vestígios de minha champanha nem demeu uísque. Mas, presa de estranha sensação, compreendem? Horrivelmente estranha!Singular! Santo Deus!

Olhou um momento para a fumaça do charuto e acrescentou:

— E foi tudo quanto aconteceu.

— E, depois, foi deitar-se? – indagou Evans.

— Que mais poderia fazer?

Olhei Wish, bem dentro dos olhos. Queríamos gracejar, mas havia algo na voz e nos gestos deClayton que se opunha ao nosso desejo.

— E os passes? – perguntou Sanderson.

— Creio que seria capaz de executá-los, neste momento.

— Oh! – exclamou Sanderson, puxando um canivete e raspando a cinza do cachimbo. – Por quenão os faz, agora?

— Vou fazê-los já! – disse Clayton.

— Nada conseguirá – profetizou Evans.

— Mas, se conseguir. . . – observei.

— Ouça, eu preferiria que o não fizesse – disse Wish.

— Por quê? – interveio Evans.

— Eu preferiria que o não fizesse, repetiu Wish.

— Mas, se já aprendemos bem … volveu Sanderson, enchendo de fumo o cachimbo.

— De qualquer modo, eu preferiria que não o fizesse! insistiu Wish.

Discutimos com Wish, o qual afirmava que, permitir a Clayton executar tais gestos, era como quebrincar com algo de sério, de misterioso.

— Mas você não vai acreditar nisso, vai? – disse eu.

Wish lançou um olhar de esguelha a Clayton que, com os olhos presos ao fogo, refletia sobrequalquer determinação de seu espírito.

— Eu creio… pelo menos, mais da metade, sim, acredito… – respondeu Wish, em tom sério.

— Clayton, – falei – você é um inventor de histórias bom demais, para nós todos. Quase tudoquanto você contou estava certo. Mas… essa coisa de desaparecer… não me convenceu muito.Vamos, fale, trata- e de um conto terrorífico?

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Clayton ficou de pé, sem prestar atenção às minhas palavras, pondo-se ao centro do tapete, bemna frente de mim. Por alguns minutos, olhou pensativamente para os próprios pés e passou,depois, a fitar intensamente a parede oposta, com expressão decidida. Ergueu lentamente ambasas mãos à altura dos olhos e, assim, começou… Agora, muito bem, Sanderson era maçon epertencia à loja dos Quatro Reis, que, com tanta pericia, se dedica ao estudo e esclarecimento detodos os mistérios da maçonaria passada e presente. E, entre os pesquisadores dessa loja,Sanderson não era de maneira alguma dos mais insignificantes. Acompanhava os movimentos deClayton, com invulgar interesse, refletido em seus olhos avermelhados.

— Não vai indo mal – observou, quando Clayton terminou. – Na verdade, você consegue fazerisso de maneira assombrosa. Falta, todavia, um pequeno detalhe.

— Já sei! – respondeu Clayton. – E penso que lhe poderei dizer qual.

— Sim?

— Veja, este – disse Clayton, fazendo um movimento, que consistia em retorcer as mãos e atirá-las para a frente.

— Exatamente.

— Quero que saibam que este era o que ele não conseguia executar bem, mas, como VOCÊ …

— Eu não entendo quase nada desse negócio e, principalmente, como pode você inventá-lo –retrucou Sanderson – esse gesto, porém, eu o conheço, está claro. – Refletiu um instante econtinuou: – Em resumo, trata-se de uma série de sinais relativos a certo ramo de maçonariaesotérica … Com certeza, você os conhece… pois, do contrário … como?

Tornou a refletir mais ainda, e prosseguiu:

— Não penso que haja mal algum em revelar-me o sinal exato. Além disso, se você já o conhece,melhor para si, mas, se o não conhece, fica tudo na mesma.

— Eu nada sei, além do que me ensinou o pobre, naquela noite – declarou Clayton.

— Então, tanto faz – murmurou Sanderson, pousando o cachimbo, cuidadosamente, no modilhão.Em seguida, passou a executar rápidos movimentos, com as mãos.

— É assim? – perguntou Clayton, imitando-o.

— Isso mesmo! – certificou Sanderson. voltando a pegar o cachimbo.

— AGORA, – disse Clayton – sou capaz de executar a série toda… bem. Encontrava-se de pé,diante do fogo, que ia morrendo, e sorria para nós. Contudo, pareceu-me haver certa hesitaçãonaquele sorriso.

— Vou começar… – preveniu-nos.

— Em seu lugar, eu não começaria, – observou Wish.

— Nada poderá acontecer – afirmou Evans. – A matéria é indestrutível. Você não irá pensar queuma invenção dessas seja capaz de lançar Clayton para o mundo das sombras. Teria graça!Quanto a mim, Clayton, pode bracejar à vontade, até que seus braços se separem dos punhos.

— Não concordo com isso – atalhou Wish, que se levantou e pôs a mão no ombro de Clayton. –Saiba que quase me fez acreditar em sua história, por isso, não quero que faça tal coisa.

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— Valha-me Deus! – exclamei – Parece que Wish está assustado!

— Sim, estou – confessou Wish, com veemência real, ou notavelmente fingida. – Penso que, sefizer tais gestos esotéricos, acabará desaparecendo.

— Nada disso acontecerá! – exclamei. – Os homens somente podem sair deste mundo por umcaminho, e Clayton ainda tem mais de trinta anos à sua frente. Você não julga que…

Wish interrompeu-me, todo agitado. Saiu de entre nossas poltronas e, parando junto à mesa,gritou:

— Clayton, você está maluco!

Clayton voltou-se sorrindo, com um brilho humorístico no olhar.

— Wish tem razão – disse – e vocês; todos estão equivocados. Desaparecerei. Levarei até ao fimestes passes, e, quando o derradeiro movimento rasgar o ar … pronto! Este tapete ficará vazio, asala ficará inundada de mudo assombro, e um cavalheiro de noventa e cinco quilos,decentemente trajado, mergulhará em cheio no mundo das sombras! Tenho certeza disso, evocês também não tardarão em tê-la. Desisto de continuar a discussão por mais tempo. Que sefaça a prova!

— NÃO! – intimou Wish, dando mais um passo à frente. Mas estacou, e Clayton ergueu as mãos,mais uma vez, para repetir os passes do fantasma.

Naquele instante, nos encontrávamos numa deplorável tensão de espírito, principalmente porcausa da atitude de Wish. Permanecíamos imóveis, olhares fixos em Clayton, e eu, pelo menos,experimentava uma estranha sensação de tensão e rigidez, como se, desde a nuca aos músculos,meu corpo fosse de aço. Nesse ínterim, com uma gravidade imperturbável e serena, Clayton seinclinava, movimentava-se e agitava as mãos e braços, à nossa frente. Ao aproximar-se o fim,nossa tensão nervosa se tornou insustentável e percebi que rangiam os dentes. O derradeiromovimento, como já disse, consistia em abrir completa- mente os braços, com o rosto voltadopara cima. Quando, finalmente, iniciou esse gesto, cheguei a conter a respiração. Podia ser umacoisa ridícula, evidentemente, mas vocês já irão conhecer a impressão que causam essashistórias de fantasmas. E notem, ainda, que isso acontecia numa casa fora de comum, escura eantiga. Chegaria, depois de tudo, a … ?

Durante um estarrecedor momento, Clayton permaneceu naquela posição, de braços abertos ecara virada para o alto, firme e resplandecente, sob o fulgor da lâmpada. Todos nós nosquedamos em suspenso durante aquele lapso de tempo, que nos pareceu um século, e, depois,brotou de nossas gargantas um som que era, ao mesmo tempo, um suspiro de infinito alivio e umNÃO! tranqüilizador, pois, que, visivelmente… Clayton… não desaparecia. Tudo aquilo nãopassara de uma mentira. Clayton nos contara uma história banal, infantil, e quase nos fizeraacreditar nela. Nada mais que isso! … Mas, exatamente naquele momento a fisionomia deClayton se transformava. Mudou-se completamente. Tal como se transforma uma casa iluminada,quando se lhe apagam subitamente as luzes, assim se transformou seu semblante. Seus olhos sevidraram bruscamente, o sorriso se lhe gelou nos lábios, subitamente exangues, e ele continuoude pé, imóvel. E assim se conservou, balançando-se suavemente.

Mas, aquele momento valeu, também, por um século. E, pouco depois, as cadeiras bailavam,objetos caíam ao chão, e todos nós nos sentíamos em movimento. Os joelhos de Clayton deram aimpressão de que iam dobrar-se e ele tombou para a frente, ao passo que Evans dava um pulo eo amparava nos braços…

Isso nos deixou atônitos. Durante o espaço de um minuto, creio que nenhum de nós disse nadacoerente. Estávamos vendo; no entanto, custávamos a acreditar… Sai de minha estupefata

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admiração para me encontrar ajoelhado junto ao corpo estendido. Seu casaco e sua camisaestavam rasgados, e Sanderson lhe auscultava o coração. Esse gesto, tão simples, podia ter sidodeixado para mais tarde, para quando estivéssemos menos emocionados, pois não tínhamospressa alguma em compreender. O cadáver permaneceu ali cerca de uma hora, mas ainda seconserva em minha memória, negro e desconcertante como então. Clayton passara,efetivamente, para aquele mundo que se encontra tão perto, e, ao mesmo tempo, tão distante denós. Clayton fora para lá, realmente, pelo único caminho que pode seguir um mortal. Mas, quepara lá seguiu unicamente graças aos conjuros daquele inexperiente fantasma ourepentinamente atacado de apoplexia, no decorrer de uma história banal, – como o médico-legista nos deu a entender – é o que não posso precisar. De qualquer maneira, trata-se de um dosmuitos enigmas que hão de permanecer sem explicação até que estejamos em condições decompreender todas as coisas misteriosas que nos cercam. Tudo quanto posso garantir, porém, éque, no próprio momento, no instante exato em que Clayton acabava de executar aqueles passesesotéricos, transfigurou-se, cambaleou e tombou no chão, bem diante de nós… morto!

"O GATO PRETO", DE EDGAR ALLAN POE

Não espero nem peço que acreditem nesta narrativa ao mesmo tempo estranha e despretensiosa que estou a ponto de escrever. Seria realmente doido se esperasse, neste caso em que até mesmo meus sentidos rejeitaram a própria evidência. Todavia, não sou louco e certamente não sonhei o que vou narrar. Mas amanhã morrerei e quero hoje aliviar minha alma. Meu propósito imediato é o de colocar diante do mundo, simplesmente, sucintamente e sem comentários, uma série de eventos nada mais do que domésticos. Atravésde suas consequências, esses acontecimentos me terrificaram, torturaram e destruíram. Entretanto, não tentarei explicá- los nem justificá-los. Para mim significaram apenas Horror, para muitos parecerão menos terríveis do que góticos ou grotescos. Mais tarde, talvez, algum intelecto surgirá para reduzir minhas fantasmagorias a lugares-comuns – alguma inteligência mais calma, mais lógica, muito menos excitável quea minha; e esta perceberá, nas circunstâncias que descrevo com espanto, nada mais que uma sucessão ordinária de causas e efeitos muito naturais.

Desde a infância observaram minha docilidade e a humanidade de meu caráter. A ternura de meu coração era de fato tão conspícua que me tornava alvo dos gracejos de meus companheiros. Gostava especialmente

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de animais e, assim, meus pais permitiam que eu criasse um grande número de mascotes. Passava a maior parte de meu tempo com eles e meus momentos mais felizes transcorriam quando os alimentava ou acariciava. Esta peculiaridade de caráter cresceu comigo e, ao tornar-me homem, prossegui derivando dela uma de minhas principais fontes de prazer. Todos aqueles que estabeleceram uma relação de afeto com um cão inteligente e fiel dificilmente precisarão que eu me dê ao trabalho de explicar a natureza da intensidade da gratificação que deriva de tal relacionamento. Existe alguma coisa no amor altruísta e pronto ao sacrifíciode um animal que vai diretamente ao coração daquele que teve ocasiões frequentes de testar a amizade mesquinha e a frágil fidelidade dos homens.

Casei-me cedo e tive a felicidade de encontrar em minha esposa uma disposição que não era muito diferenteda minha. Observando como gostava de animais domésticos, ela não perdeu oportunidade para me trazer representantes das espécies mais agradáveis. Tínhamos pássaros, peixinhos dourados, um belo cão, coelhos, um macaquinho e um gato.

Este último era um animal notavelmente grande e belo, completamente preto e dotado de uma sagacidade realmente admirável. Ao falar de sua inteligência, minha esposa, cujo coração não era afetado pela mínima superstição, fazia frequentes alusões à antiga crença popular de que todos os gatos pretos eram bruxas disfarçadas. Não que ela jamais mencionasse esse assunto seriamente – e se falo nele é simplesmente porqueme recordei agora do fato.

Pluto – esse era o nome do gato – era minha mascote favorita e era com ele que passava mais tempo. Era só eu que o alimentava e o animal me acompanhava em qualquer parte da casa em que eu fosse. De fato, era difícil impedi-lo de sair à rua comigo e acompanhar-me.Nossa amizade perdurou desta forma por diversos anos, durante os quais meu temperamento geral e meu caráter – devido à interferência da Intemperança criada pelo Demônio – tinham (meu rosto se cobre de ruborao confessá-lo) sofrido uma mudança radical para pior. A cada dia que se passava eu ficava mais mal-humorado, mais irritável, menos interessado nos sentimentos alheios. Permitia-me usar linguagem grosseira com minha própria esposa. Após um certo período de tempo, cheguei a torná-la alvo de violência pessoal. Naturalmente, minhas mascotes sentiram a diferença em minha disposição. Não apenas as negligenciava, como chegava a tratá-las mal. Mas com relação a Pluto, entretanto, eu ainda conservava suficiente consideração para conter-me antes de maltratá-lo, ao passo que não tinha escrúpulos em judiar dos coelhos, do macaco e até mesmo do cão quando, por acidente ou até mesmo por afeição, eles se atravessavam em meu caminho. Porém minha doença cresceu cada vez mais – pois que doença é pior que o vício do alcoolismo? – e, finalmente, até Pluto, que estava agora ficando velho e, em consequência, um tanto impertinente, até Pluto começou a experimentar os efeitos de meu mau humor.Uma noite, ao chegar em casa bastante embriagado, depois de um de meus passeios sem destino através da cidade, imaginei que o gato estava evitando minha presença. Agarrei-o à força; e então, assustado por minhaviolência, ele infligiu uma pequena ferida em minha mão com os dentinhos. A fúria de um demônio possuiu-me instantaneamente. Nem sequer conseguia reconhecer a mim mesmo. Minha alma original parecia ter fugido imediatamente de meu corpo; e uma malevolência mais do que satânica, alimentada pelo gim, assumiu o controle de cada fibra de meu corpo. Tirei um canivete do bolso de meu colete, abri a lâmina, agarrei a pobre besta pela garganta e deliberadamente arranquei da órbita um de seus olhos. Encho-me de rubor e meu corpo todo estremece enquanto registro esta abominável atrocidade.Quando a manhã me trouxe de volta à razão – depois que o sono tinha apagado a maior parte do fogo de minha orgia alcoólica –, experimentei um sentimento misto de horror e de remorso pelo crime que havia cometido. Mas este sentimento foi no máximo débil e elusivo e a alma permaneceu intocada. Novamente mergulhei em meus excessos e logo afoguei na bebida toda lembrança de minha má ação.Enquanto isso, o gato lentamente se recuperou. A órbita vazia do olho perdido apresentava, naturalmente, uma aparência assustadora, mas ele não parecia estar sofrendo mais nenhuma dor. Andava pela casa, como de costume, mas, como se poderia esperar, fugia de mim em extremo terror cada vez que chegava perto dele. Ainda me restava uma certa parte de meu ânimo anterior e a princípio lamentei que agora me detestasse tanto uma criatura que já me havia amado. Mas este sentimento logo deu lugar à irritação. E então fui acometido, como se fosse para minha queda final e irrevogável, pelo espírito da Perversidade. A própria filosofia não estudou este espírito. E todavia, assim como tenho certeza de possuir uma alma

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vivente, é minha convicção que a perversidade é um dos impulsos primitivos do coração humano – uma das faculdades primárias e indivisíveis, um dos sentimentos que dão origem e orientam o caráter do Homem. Quem já não se flagrou uma centena de vezes a cometer uma ação vil ou meramente tola por nenhuma razãoexceto sentir que não devia? Não temos todos nós uma inclinação perpétua e contrária a nosso melhor julgamento para violar as Leis, simplesmente porque compreendemos que são obrigatórias? Pois foi este espírito de Perversidade, digo eu, que veio a causar minha queda final. Foi este anseio insondável da alma, que anela por prejudicar a si mesma, por oferecer violência à sua própria natureza, por praticar o mal pelo amor ao mal e nada mais, que me impulsionou a prosseguir e finalmente consumar a injúria que tinha infligido sobre a pequena besta inofensiva. Uma manhã, a sangue-frio, passei-lhe um laço ao redor da garganta e o pendurei no galho de uma árvore – enforquei-o com lágrimas nos olhos, sentindo ao mesmo tempo o remorso mais amargo em meu coração –, assassinei o pobre gato porque sabia que ele me tinha amado e porque eu entendia muito bem que ele não me tinha dado razão alguma de queixa – matei-o porquesabia que ao fazê-lo estava cometendo um pecado – um pecado mortal que iria manchar minha alma imortalao ponto de colocá-la – se isso fosse possível – fora do alcance até mesmo da infinita misericórdia do Deus Mais Misericordioso e Mais Terrível.Na noite seguinte ao dia em que pratiquei esta ação cruel, fui despertado do sono por gritos de “Fogo!”. As cortinas de meu leito estavam em chamas. A casa inteira estava ardendo. Foi com grande dificuldade que minha esposa, uma criada e eu mesmo escapamos da conflagração. A destruição foi completa. Todos os meus bens materiais foram consumidos e a partir desse momento entreguei-me ao desespero.

Estou acima da fraqueza de tentar estabelecer uma sequência de causa e efeito entre o desastre e a atrocidade. Mas estou detalhando um encadeamento de fatos – e não desejo deixar imperfeito um só dos elos da corrente. No dia que se seguiu ao incêndio, visitei as ruínas. Todas as paredes tinham desabado, à exceção de uma única. Esta exceção foi a de um aposento interno, uma parede não muito grossa, que se erguia mais ou menos na metade da casa, justamente aquela contra a qual descansava a cabeceira de minha cama. O próprio reboco tinha ali, em grande parte, resistido à ação do fogo – segundo julguei, porque era feito de argamassa nova, talvez ainda um pouco úmida. Em torno desta parede estava reunida uma grande multidão; e muitas pessoas pareciam estar examinando um trecho especial dela, com minuciosa atenção. As palavras “estranho”, “singular” e outras semelhantes excitaram-me a curiosidade. Aproximei-me e vi, como se estivesse gravado em bas relief [1] sobre a superfície branca, a figura de um gato gigantesco. A imagem estava desenhada com uma precisão realmente maravilhosa. Havia uma corda esboçada ao redor do pescoçodo animal.Da primeira vez que contemplei esta aparição – porque dificilmente poderia chamá-la de algo menos assombroso –, meu espanto e meu terror foram extremos. Mas, finalmente, o raciocínio e a reflexão vieram em meu amparo. O gato, segundo recordava, tinha sido enforcado em um jardim adjacente à casa. Logo que fora dado o alarme de incêndio, este jardim ficou imediatamente cheio de basbaques, um dos quais provavelmente tinha cortado a corda que prendia à arvore o gato e jogado o animal dentro de meu quarto através de uma janela aberta. Talvez até mesmo a intenção fosse boa, quem sabe queriam acordar-me do sono e lançassem o animal janela adentro para esse fim. A queda das outras paredes tinha comprimido a vítima de minha crueldade na própria substância do reboco recém-aplicado; o cal contido nele, misturado à amônia proveniente da carcaça, com o calor das chamas, tinha então realizado o retrato que contemplava agora.Embora eu satisfizesse minha razão assim rapidamente, se bem que não tivesse podido acalmar totalmente minha consciência e tentasse desse modo descartar o fato assombroso que acabei de descrever, isso não impediu que produzisse forte impressão sobre minha imaginação. Durante meses não conseguia livrar minha visão interna do fantasma do gato; e, durante esse período, retornou a meu espírito uma espécie de sentimento que se assemelhava a remorso, mas não era exatamente isso. Cheguei ao ponto de lamentar a perda do animal e a procurar, nos ambientes ordinários que agora habitualmente frequentava, outra mascote da mesma espécie, cuja aparência fosse semelhante e pudesse ocupar o vazio deixado pela primeira.Uma noite eu estava sentado, entorpecido de tanto beber, em um botequim da pior espécie, quando minha atenção foi subitamente atraída para um objeto preto que repousava sobre a tampa de uma das imensas bordalesas de gim ou de rum que constituíam o principal mobiliário da peça. Há vários minutos eu já contemplava fixamente a tampa desse barril, e o que agora me causava surpresa era o fato de que não houvesse percebido antes o objeto que se encontrava sobre ele. Aproximei-me a passos vacilantes, estendi a mão e toquei-o. Era um gato preto – um animal muito grande –, tão grande quanto Pluto e extremamente

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parecido com ele em todos os detalhes, salvo um: Pluto não tinha um pelo branco sequer em qualquer porção de seu corpo; mas este gato tinha uma mancha branca bastante grande, embora de formato indefinido, cobrindo-lhe quase inteiramente o peito.

Assim que o toquei, o animal ergueu-se imediatamente, ronronou bem alto, esfregou-se contra minha mão e pareceu encantado com minha atenção. Tinha encontrado a própria criatura que vinha procurando. Imediatamente fui falar com o taverneiro e ofereci-me para comprar o bichano, mas ele disse que o animal não lhe pertencia – que nunca o tinha visto antes e que não fazia a menor ideia de onde tinha vindo ou a quem pudesse pertencer.

Continuei com minhas carícias, e, quando me dispus a ir para casa, o animal demonstrou estar disposto a meacompanhar. Permiti-lhe que o fizesse; de fato, durante o caminho, ocasionalmente parava, curvava-me e fazia-lhe carícias. Quando chegamos à casa em que agora eu morava, ele familiarizou-se de imediato, adquirindo em seguida as boas graças de minha esposa.Quanto a mim, para meu desapontamento, logo descobri que não gostava do animal. Isto era justamente o reverso do que havia antecipado; porém – não sei como nem por que – o evidente prazer que o gato achava em minha companhia me aborrecia e enojava. Lenta e progressivamente, estes sentimentos de desgosto e aborrecimento se transformaram em rancor e ódio. Evitava a criatura, sempre que podia; uma certa sensaçãode vergonha e a lembrança de meu antigo feito de crueldade evitaram que eu o machucasse fisicamente. Durante algumas semanas, eu não bati nele nem o maltratei violentamente; mas gradualmente – muito gradualmente – comecei a encará-lo com uma repugnância indescritível e a fugir silenciosamente de sua presença odienta, como se estivesse tentando escapar do sopro sufocante de um pântano ou do hálito pestilento de uma praga.

Sem a menor dúvida, o que originou meu rancor pelo animal foi a descoberta, logo na manhã seguinte à noite em que o trouxe para casa, de que ele, exatamente como Pluto, também tivera um dos olhos arrancado.Esta circunstância, entretanto, só levou minha esposa a gostar ainda mais dele, a qual, conforme relatei anteriormente, possuía em alto grau aquela humanidade de sentimentos que em épocas passadas fora também um de meus traços característicos e a fonte de muitos de meus prazeres mais simples e puros.

À medida que aumentava minha aversão pelo gato, seu amor por mim parecia crescer na mesma proporção. Seguia meus passos com uma pertinácia que seria difícil fazer o leitor compreender. Onde quer que me assentasse, vinha enroscar-se embaixo de minha cadeira ou saltar sobre meus joelhos, cobrindo-me de carinhos nojentos. Se eu me erguesse para caminhar, ele se intrometia entre meus pés e quase me fazia cair; ou, então, cravava suas unhas longas e afiadas em minhas roupas e procurava, desta forma, trepar até chegara meu peito. Nessas ocasiões, embora eu ansiasse por rebentá-lo à pancada, ainda me sentia incapaz de fazê-lo, em parte pela recordação de meu crime anterior, mas especialmente – confessarei de imediato – porque tinha absoluto pavor daquele animal.

Este pavor não era exatamente um temor da possibilidade de algum dano físico, todavia não sou capaz de defini-lo de outra forma. Estou quase envergonhado de admitir – sim, mesmo nesta cela de condenado tenhoquase vergonha de admitir – que o terror e horror que o animal me inspirava tinham sido muito aumentados por uma das mais ilusórias quimeras que teria sido possível conceber. Minha esposa me tinha chamado a atenção, mais de uma vez, para o caráter da mancha de pelo branco que já mencionei e que constituía a única diferença aparente entre o estranho animal e aquele que eu tinha morto. O leitor há de lembrar que esta marca, embora grande, era originalmente muito indefinida; porém, muito lentamente, de uma forma quase imperceptível, uma forma que por muito tempo minha Razão lutou para considerar como meramente fantasiosa, acabou por assumir um contorno rigorosamente distinto. Era agora a representação de um objeto tal que a simples ideia de mencioná-lo me faz tremer. Era por isso, acima de tudo, que eu detestava e temia tanto aquele monstro e teria me livrado dele, se ao menos eu ousasse. Essa imagem, escrevo agora, era a imagem de uma coisa horrível, uma coisa apavorante... a imagem de uma FORCA! Ah, melancólico e terrível instrumento de Horror e de Crime – de Agonia e de Morte!E agora eis que me encontrava realmente desgraçado, um miserável além da desgraça e da miséria da natureza humana. E era um animal sem alma, cujo companheiro eu tinha destruído com desprezo, era um animal sem alma que originava em mim – eu, que era um homem, criado à imagem do Deus Altíssimo –

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tanta angústia intolerável! Ai de mim! Nem de dia, nem de noite eu era mais abençoado pelo Repouso! Durante o dia a criatura não me deixava por um único momento; e, de noite, eu me acordava de hora em hora, despertado de sonhos cheios de um pavor indescritível, para encontrar a respiração quente daquela coisa soprando diretamente sobre meu rosto e seu enorme peso – um pesadelo encarnado do qual eu não poderia jamais me acordar, oprimindo e esmagando eternamente o meu coração!

Sob a pressão de tormentos assim, os débeis traços que restavam de minha boa natureza sucumbiram totalmente. Os maus pensamentos se tornaram meus amigos íntimos, meus únicos amigos, logo os pensamentos mais ímpios e mais maléficos. O mau humor de minha disposição habitual transformou-se em um rancor indefinido voltado para todas as coisas e para toda a humanidade; e os acessos de fúria súbitos, frequentes e incontroláveis aos quais eu agora me abandonava cegamente e sem o menor remorso eram descarregados – ai de mim! – precisamente sobre minha esposa, a sofredora mais paciente e mais constante, que nunca emitia sequer uma palavra de queixa ou de revolta contra mim.

Um dia ela me acompanhou, com a intenção de executar alguma tarefa doméstica, ao porão do velho edifício em que nossa pobreza atual nos obrigava a morar. O gato me seguiu pelos degraus íngremes e, quando me fez tropeçar e quase me levou a cair escada abaixo, deixou-me exasperado a ponto de enlouquecer. Erguendo um machado, esquecido em minha cólera do medo infantil que até então havia impedido que levantasse um dedo contra ele, dirigi um golpe ao animal que, sem a menor dúvida, teria sido fatal se tivesse acertado onde eu queria. Porém a machadada foi impedida pela mão de minha esposa a segurar-me o braço. Esta interferência me lançou em uma raiva mais do que demoníaca: arranquei o braço de seu aperto e, com um único golpe, enterrei o machado na cabeça dela. Ela caiu morta no mesmo lugar, sem soltar um único gemido.

Tendo cometido este assassinato pavoroso, imediatamente, sem remorsos e da maneira mais deliberada possível, voltei-me para a tarefa de esconder o corpo. Sabia que não podia removê-lo da casa, tanto de dia como de noite, sem correr o risco de ser observado pelos vizinhos. Uma série de projetos passou por minha cabeça. Durante algum tempo, pensei em cortar o corpo em minúsculos fragmentos que depois destruiria no fogo. Depois pensei em cavarlhe uma cova no chão do porão. Também me passou pela cabeça jogar o cadáver no poço que ficava no pátio; ou colocá-lo dentro de uma caixa, como se fosse uma mercadoria, aplicando todos os cuidados que em geral se dedica à preparação de tais volumes e contratando um carregador para retirá-lo da casa. Finalmente, imaginei o que me pareceu ser um expediente melhor que qualquer um desses. Resolvi emparedá-lo em um dos cantos do porão – conforme dizem que os monges da Idade Média costumavam fazer com suas vítimas.O porão estava perfeitamente adaptado para esse propósito. Suas paredes tinham sido muito mal- construídas e há pouco tempo tinham sido novamente rebocadas com uma argamassa grosseira, que a umidade do ambiente não deixara endurecer. Além disso, em uma das paredes havia uma projeção, causada por uma falsa chaminé ou lareira que tinha sido preenchida com tijolos na intenção de assemelhá-la ao restante das paredes do porão. Não tinha dúvidas de que poderia facilmente retirar os tijolos neste ponto, enfiar o cadáver e depois restaurar a parede inteira ao estado anterior, de tal modo que olhar algum poderia detectar qualquer coisa suspeita.

Não me enganava neste ponto. Com um pé de cabra retirei facilmente os tijolos e, depois de depositar o corpo cuidadosamente contra a parede interna, ergui-o de modo a deixá-lo em pé, apoiado contra a parede. Com pouca dificuldade recoloquei os tijolos e deixei a estrutura precisamente da maneira em que se achava antes. Tendo trazido cal, areia e uma porção de pelos de animais retirados de couros, como era costume na época, preparei, com todas as precauções possíveis, uma argamassa que não podia ser diferente da que recobria o restante da parede e com esta reboquei muito cuidadosamente os tijolos que havia recolocado. Aoterminar, sentia-me satisfeito com a perfeição do trabalho. A parede não apresentava o menor sinal de que tinha sido modificada. Recolhi a caliça do chão com o cuidado mais minucioso. Olhei ao meu redor triunfantemente e congratulei-me: “Pelo menos desta vez não trabalhei em vão”.

Minha próxima tarefa era a de procurar a besta que tinha sido a causa de tamanha desgraça, porque tinha, finalmente, a firme resolução de matá-la. Se nesse momento tivesse podido encontrá-la, seu destino estaria selado, mas aparentemente o animal ardiloso tinha pressentido alguma coisa ou se amedrontado com a

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violência de minha raiva anterior, evitando apresentar-se diante de mim enquanto durasse minha má disposição. É impossível descrever ou imaginar a sensação de alívio profunda e abençoada que a ausência da detestada criatura causou em meu peito. Melhor ainda, o gato não apareceu nessa noite – e assim, ao menos por uma noite, desde que o desgraçado se introduzira em minha casa, dormi profunda e tranquilamente; sim, dormi o sono dos justos, mesmo que tivesse agora o peso de um assassinato em minha alma!

Passaram-se o segundo e o terceiro dias e meu atormentador não regressou. Novamente eu respirava como um homem livre. O monstro tinha fugido aterrorizado e deixado para sempre minha companhia! Nunca mais iria vê-lo! Minha felicidade era suprema! O remorso ocasionado por minha ação tão negra e perversa praticamente não me perturbava. Algumas perguntas haviam sido feitas, mas fora fácil responder. Até mesmo havia sido feita uma busca pela polícia, mas naturalmente não haviam descoberto nada. Pensei que minha felicidade futura estava assegurada.

Mas no quarto dia depois do assassinato, uma patrulha da polícia retornou, muito inesperadamente, entrou em minha casa e recomeçou a fazer uma investigação rigorosa do prédio. Achava-me seguro, todavia, devido à impenetrabilidade do lugar em que escondera o cadáver, e assim não me senti nem um pouco constrangido pela busca. Os policiais ordenaram-me que os acompanhasse enquanto procuravam. Não deixaram nem canto nem escaninho sem explorar. Finalmente, pela terceira ou quarta vez, desceram ao porão. Não senti estremecer nem um só de meus músculos. Meu coração batia calmamente como o de alguém perfeitamente inocente. Caminhei de ponta a ponta do porão. Cruzei os braços e fiquei andando de um lado para outro. A polícia finalmente satisfez-se e estava a ponto de partir, desta vez em definitivo. A alegria em meu coração era grande demais para ser contida. Ansiava para dizer ao menos uma palavra de triunfo e queria garantir-me duplamente de que eles me julgavam inocente.

– Cavalheiros – disse finalmente, enquanto o grupo subia as escadas –, estou encantado por ter desfeito todas as suas suspeitas. Desejo a todos uma boa saúde e um pouco mais de cortesia. A propósito, cavalheirosesta casa, esta casa é muito bem-construída. (Tomado de um violento desejo de aparentar a maior naturalidade, falava sem prestar muita atenção no que dizia.) Posso até dizer que é uma casa excelentementebem-construída. Estas paredes – já estão de partida, cavalheiros? –, estas paredes são muito sólidas.

E foi neste ponto que, tomado por um estúpido frenesi de bravata, bati pesadamente com uma bengala que tinha na mão justamente sobre aquela porção da parede atrás da qual jazia o cadáver da esposa que tinha apertado tantas vezes contra o peito.

Possa Deus escudar-me e proteger-me das presas do Pai dos Demônios! Tão logo a reverberação dos golpes que havia dado desapareceu no silêncio, foi respondida por uma voz de dentro do túmulo! – respondida por um grito, a princípio abafado e entrecortado, como os soluços de uma criança, mas rapidamente se avolumando em um grito longo, alto e contínuo, totalmente anormal e desumano – um uivo –, um guincho lamentoso, meio de horror e meio de triunfo, tal como só poderia ter subido das profundezas do inferno, um berro emitido conjuntamente pelas gargantas de centenas de condenados à danação eterna, torturados em sua agonia, e pelos demônios que exultam em sua condenação.

É tolice tentar descrever meus pensamentos. Sentindo-me desmaiar, cambaleei até a parede oposta. Por um instante, o grupo de policiais que subia as escadas permaneceu imóvel, em um misto de espanto e profundo terror. No momento seguinte, uma dúzia de braços robustos esforçava-se por esboroar a parede. Ela caiu inteira. O cadáver, já bastante decomposto e coberto de sangue coagulado, estava ereto perante os olhos dos espectadores, na mesma posição em que eu o deixara. Mas sobre sua cabeça, com a boca vermelha escancarada e uma chispa de fogo no único olho, sentava-se a besta horrenda cujos ardis me tinham levado ao assassinato e cuja voz denunciadora agora me levaria ao carrasco. Eu havia emparedado o monstro dentro do túmulo!

O RETRATO OVAL

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(Edgar Allan Poe)

O château em que meu criado se arriscara a forçar entrada, em vez de me deixar, em minha desesperadora condição de ferido, passar uma noite ao relento, era uma daquelas construções mesclando melancolia e grandeza que por muito tempo carranquearam entre os Apeninos, tanto na realidade quanto na imaginação da Sra. Radcliffe. Ao que tudo indicava, fora abandonado havia pouco e temporariamente. Acomodamo-nos num dos quartos menores e menos suntuosamente mobiliados, que ficava num remoto torreão do edifício. Sua decoração era rica, porém esfarrapada e antiga. As paredes estavam forradas com tapeçarias e ornadas com diversos e multiformes troféus heráldicos, juntamente com um número inusual de espirituosas pinturas modernas em molduras de ricos arabescos dourados. Por essas pinturas, que pendiam das paredes não só de suas principais superfícies, mas de muitos recessos que a arquitetura bizarra do château fez necessários; por essas pinturas meu delírio incipiente, talvez, fizera-me tomar interesse profundo; de modo que ordenei a Pedro fechar os pesados postigos do quarto – visto que já era noite – acender as chamas de um alto candelabro que se encontrava à cabeceira de minha cama e abrir amplamente as cortinas franjadas de veludo negro que a envolviam. Desejei que tudo isso fosse feito para que pudesse abandonar-me, ao menos alternativamente, se não adormecesse, à contemplação das pinturas e à leitura atenta de um pequeno volume encontrado sobre o travesseiro, que se propunha a criticá-las e descrevê-las.

Por longo, longo tempo li, e com devoção e dedicação contemplei-as. Rápidas e gloriosas, as horas voaram e a meia-noite profunda veio. A posição do candelabro me desagradava, e estendendo a mão com dificuldade, em vez de perturbar meu criado adormecido, ajeitei-o a fim de lançar seus raios de luz mais em cheio sobre o livro.

Mas a ação produziu um efeito completamente imprevisto. Os raios das numerosas velas (pois eram muitas) agora caíam num nicho do quarto que até o momento estivera mergulhado em profunda sombra por uma das colunas da cama. Assim, vi sob a luz vívida um quadro não notado antes. Era o retrato de uma jovem, quase mulher feita. Olhei a pintura apressadamente e fechei os olhos. Não foi a princípio claro para minha própria percepção por que fiz isso. Todavia, enquanto minhas pálpebras permaneciam dessa forma fechadas, revi na mente a reação de fechá-las. Foi um movimento impulsivo para ganhar tempo para pensar – para me certificar de que minha vista não me enganara – para acalmar e dominar minha fantasia para uma observação mais calma e segura. Momentos depois, novamente olhei fixamente a pintura.

O que agora eu via, certamente não podia e não queria duvidar, pois o primeiro clarão das velas sobre a tela dissipara o estupor de sonho que me roubava os sentidos, despertando-me imediatamente à realidade.

O retrato, já o disse, era o de uma jovem. Uma mera cabeça e ombros, feitos à maneira denominada tecnicamente de vinheta, muito ao estilo das cabeças favoritas de Sully. Os braços, o busto e as pontas dos radiantes cabelos se dissolviam imperceptivelmente na vaga mas profunda sombra que formava o fundo do conjunto. A moldura era oval, ricamente dourada e filigranada à mourisca. Como objeto artístico, nada poderia ser mais admirável do que aquela pintura em si. Mas não seria a elaboração da obra nem a beleza imortal daquela face o que tão repentinamente e com veemência comoveu-me. Tampouco teria minha fantasia, sacudida de seu meio-sono, tomado a cabeça pela de uma pessoa viva. Vi logo que as peculiaridades do desenho, do vinhetado e da moldura devem ter dissipado instantaneamente tal idéia – e até mesmo evitado sua cogitação momentânea. Pensando seriamente acerca desses pontos, permaneci, talvez uma hora, meio sentado, meio reclinado, com minha vista pregada ao retrato. Enfim, satisfeito com o verdadeiro segredo de seu efeito, caí de costas na cama. Descobrira o feitiço do quadro numa absoluta naturalidade de expressão, a qual primeiro espantou-me e por fim me confundiu, dominou-me e me aterrorizou. Com profundo e reverente temor, recoloquei o candelabro na posição anterior. Sendo a causa de minha profunda agitação colocada assim fora de vista, busquei avidamente o volume que tratava das pinturas e suas histórias. Dirigindo-me ao número que designava o retrato oval, li as vagas e singulares palavras que se seguem:

“Era uma donzela de raríssima beleza, não mais encantadora do que cheia de alegria. Má foi a hora em que viu, amou e desposou o pintor. Ele, apaixonado, estudioso, austero, e tendo já em sua Arte uma esposa; ela, uma donzela de raríssima beleza, não mais encantadora do que cheia de alegria; toda luz e sorrisos, e travessa como uma corça nova; amando e acarinhando todas as coisas; odiando apenas a Arte, sua rival; temendo só a paleta, os

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pincéis e outros desfavoráveis instrumentos que a privavam do rosto do amado. Era, portanto, uma coisa terrível para essa dama ouvir o pintor falar de seu desejo de retratar justo sua jovem esposa. No entanto, ela era humilde e obediente, e posou submissa por muitas semanas na escura e alta câmara do torreão, onde a luz caía somente do teto sobre a pálida tela. Mas ele, o pintor, glorificava-se com sua obra, que continuava hora após hora, dia após dia. E era um homem apaixonado, impetuoso e taciturno, que se perdia em devaneios; de maneira que não queria ver que a luz espectral que caía naquele torreão isolado debilitava a saúde e a vivacidade de sua esposa, que definhava visivelmente para todos, exceto para ele. Contudo, ela continuava a sorrir imóvel, docilmente, porque viu que o pintor(que tinha grande renome) adquiriu um fervoroso e ardente prazer em sua tarefa e trabalhava dia e noite para pintar a que tanto o amava, aquela que a cada dia ficava mais desalentada e fraca. E, em verdade, alguns que viram o retrato falaram, em voz baixa, de sua semelhança como de uma poderosa maravilha, e uma prova não só da força do pintor como de seu profundo amor pela qual ele pintava tão insuperavelmente bem. Finalmente, como o trabalho se aproximava da conclusão, ninguém mais foi admitido no torreão, pois o pintor enlouquecera com o ardor da obra, raramente desviando os olhos da tela, mesmo para olhar o rosto da esposa. Não queria ver que as tintas que espalhava na tela eram tiradas das faces da que posava junto a ele. E quando muitas semanas nocivas se passarame pouco restava a fazer, salvo uma pincelada na boca e um tom nos olhos, o espírito da dama novamente bruxuleou como a chama no bocal da lâmpada. Então, a pincelada foi dada e o tom aplicado, e, por um momento, o pintor se deteve extasiado diante da obra em que trabalhara. Porém, em seguida, enquanto ainda a contemplava, ficou trêmulo, muito pálido e espantado, exclamando em voz alta: ‘Isto é de fato a própria Vida!’ Voltou-se repentinamente para olhar a amada: – Estava morta!”

(Tradução de Marcelo Bueno de Paula)

A CASA FANTASMA

Conto Fantástico

A Casa Fantasma

Era madrugada, eu caminhava na noite escura como breu, estava aflita à procura de um taxi,

precisava voltar para casa. Nada de táxi! Comecei a tremer, não sei se de frio ou de pavor, pois uma

casa assombrada surgiu, enorme assustadora. Então usei uma mágica aprendida com uma bruxa

amiga, e bati palmas. Os vizinhos abriram as janelas, tudo clareou, até o táxi apareceu. Mas a estas

alturas eu estava curiosa demais com a cor da casa que era roxa. Fiz abra-cadabra e outra vez o

problema se resolveu, apareceu uma criatura que me deixou entrar. Lá dentro era quente e azul. Vi

muitas pessoas em volta de uma mesa, e elas jogavam baralho e fumavam. Havia ali poltronas,

quadros raros nas paredes até a Monalisa de Leonardo Da Vinci. Numa mesa de canto havia xícaras e

um bule de café, mas o cheiro que eu sentia não era de café, era de mofo .

No canto direito havia uma porta fechada, era de vidro, mas eu não conseguia ver através dela , então

surgiu um gnomo e ficou me fitando como se fosse eu, um fantasma. Corri até a porta, mas tudo ali

era muito quente, aí tive a ideia de entrar dentro de um refrigerador e ir me arrastando com ele.

Consegui passar e o que vi foi um restaurante com tudo de bom, mas sai correndo porque tive medo

da tentação de comer aquela comida, era tudo muito estranho, e se a comida estivesse envenenada?

Quando ia saindo tropecei num gato preto, apavorada voltei e bati, pedindo ajuda, ninguém apareceu,

o silêncio era total.

Consegui me afastar daquela morada estranha. A claridade do dia começava a iluminar minhas ideias.

Voltei para minha casa mas aquelas imagens incríveis permanecerão em minha memória até o fim de

meus dias.

Gerci Oliveira Godoy

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A CIRANDA DOS OSSOS

Era sexta feira de noite e o velho Chico Matoso ia voltando para casa. A estrada estava escura.No céu só a lua iluminava o caminho. Mas era um luar manhoso que só iluminava umpouquinho. Não tinha nenhuma estrela. Uma sexta-feira estranha. A mulher do Chico, a SiaBalbinha, bem falou que ele não devia ficar andando pela estrada em noite de sexta.Principalmente quando não tivesse estrela. Nessas noites as visagens vêm da escuridão paraassustar os homens.O velho Chico foi visitar o seu compadre Bento. A prosa estava boa, ele foi ficando e nem viu ahora passar. Já era noite quando saiu da casa do seu compadre.Para encurtar o caminho, o Chico Matoso resolveu entrar por uma picada. Já ia entrando namata, quando lembrou as palavras de sua mulher sobre a sexta-feira. Seu coração bateu depressacomo se desse um aviso. Ele sentiu um calafrio, mas não era homem de recuar. E afinal decontas, ia ter medo de quê? O velho rezou baixinho e tocou o burro pela picada adentro.De repente o animal empacou. O Chico tocou as esporas com vontade, mas não tinha nada quefizesse o burro andar. O bicho estava gelado e paralisado. O homem olhou para o lado e viu umasepultura. Sem perceber falou alto:

- Quem é que pode tá enterrado aqui, meu Deus, nesse lugar perdido na mata? Quem teria feitouma maldade dessa de enterrar alguém aqui?

O coração do velho Matoso foi ficando pequeno. Ele rezou baixinho e tentou seguir caminho.Mas o teimoso do burro nem se mexia. O Chico já estava decidido a largar o burro ali mesmo esair correndo para casa, mas não teve tempo. O que ele viu, talvez ninguém acredite! A luz dalua batia agora com força na sepultura. O luar deixou de manha e estava iluminando tudo.O velho Matoso tentou esporear mais uma vez o burro, quando ouviu um estalo forte e viusaírem da terra um monte de coisinhas brancas. Eram ossinhos que pulavam, batiam uns nosoutros, e rodopiavam como se estivessem dançando ao som de uma viola. Depois, de todos oslados, vieram outros ossos maiores, rodando e dançando da mesma maneira. De repente, oChico ouviu um estalo maior e, de dentro da sepultura, saiu uma caveira branca como algodão, ecom os olhos faiscando. Parecia que saia fogo dos olhos. A cabeça dava pulos como um saci. Osossos começaram a dançar em volta da caveira, que parou de pular e ficou quieta no meio,dando de vez em quando grandes pulos no ar, e caindo no mesmo lugar, enquanto os ossosgiravam em sua volta, batendo uns nos outros, como se dançassem uma ciranda maldita.O velho Chico Matoso bem que queria fugir, mas não podia. Seu corpo estava como estátua,seus olhos estavam pregados naquela ciranda de ossos e os cabelos estavam em pé. Foi entãoque os ossinhos mais miúdos, dançando sempre, foram se juntando e formando dois pés dedefunto. Esses pés não ficaram quietos e começaram a sapatear com os outros ossos numa rodaviva. Os ossos das canelas, de um pulo, encaixaram em cima dos pés. Depois os ossos das coxas

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se encaixaram com os joelhos e, sempre dançando, se encaixaram com o resto formando duaspernas. E o quebra-cabeça continuou: os ossos dos quadris, as costelas, os braços, todos ossosque ainda faltavam foram pouco a pouco se juntando, até que o esqueleto se formou. Faltava sóa cabeça.O Chico Matoso viu então a coisa mais pavorosa do mundo: o esqueleto sem cabeça pegou acaveira e começou a jogar pra lá e pra cá como se fosse uma bola. Depois jogou para o altoigual a uma peteca. Jogava cada vez mais alto. Nesse sobe e desce a caveira fazia um zumbidohorripilante. Até que o monstro sem cabeça jogou a caveira muito alto que ela até sumiu nasnuvens. Depois abriu os braços como se esperasse. A caveira desceu rápido do céu fazendoaquele zumbido e caiu direito no meio dos ombros. Fez um estalo danado, a caveira deu umagargalhada e olhou para o velho Chico com seus olhos de fogo.O burro e o Matoso estavam paralisados. O velho até sentia o coração do animal batendo forte.Os dois queriam sumir dali. Queriam até se enterrar se fosse possível, mas o pior estava por vir:aquele esqueleto-monstro começou a dançar em volta do Chico. Dando gargalhadas erodopiando num balé terrível. Até que num estalo, deu um pulo, girou no ar e encaixou-sedireitinho na garupa do Chico Matoso. O pobre do velho não conseguia nem gritar. O esqueletoesporeou e o burro saiu em disparada. E foram os três correndo e saltando.Certo momento o animal parecia voar por cima das árvores. O coitado do Chico não tinhacoragem de abrir os olhos. Como não podia gritar, rezava por dentro para todos os santos quevivem no céu. O velho Matoso achava que aquele ia ser o seu fim. Sentia um calor muito grandecomo se estivesse numa nuvem de fogo. Até que desmaiou.Quando acordou, já era dia e ele estava na sua cama. A Sia Balbina é que contou que de manhãbem cedo o encontrou no terreiro, estendido no chão e desacordado. O burro ao seu lado, aindaselado, pastava calmamente. A porteira estava trancada e nem o velho Chico, nem Sia Balbinaentenderam como o animal conseguiu entrar. No fundo o Matoso sabia que eles tinham chegadoali voando. O pobre do homem acordou com muitas dores como se tivesse levado uma surra. Acabeça pesada e com aqueles estalos malditos no ouvido. Demorou mais de um mês paraaqueles barulhos terríveis saírem da sua cabeça.O Chico mandou rezar duas missas e jurou que nunca mais saia de casa em noite de sexta-feira.

Adaptação de Augusto PessôaIn BÁ E AS VISAGENS

Editora Escrita Fina

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COMPADRE DA MORTE

Diz que era um homem que tinha tantos filhos que não havia mais ninguém para chamar paraser padrinho. Vai que lhe nasceu mais um menino. O homem então, montou em seu cavalo esaiu a procurar um padrinho ou madrinha para criança. Na curva da estrada, deu de cara com aMorte. Mas o homem não ficou com medo e convidou a Morte para ser madrinha de seu filho. AMorte aceitou. No dia do batizado, depois da cerimônia, a Morte chamou o homem num canto edisse:

- Quero dar um presente para meu afilhado. E penso, que o melhor presente é enriquecer o pai.A partir de hoje, você vai botar anúncio que é médico. Toda vez que for visitar um doente vaime encontrar. Se eu estivar ao pé da cama, pode receitar até água que o doente ficará bom. Masse eu estiver na cabeceira, não pegue o doente, porque esse é meu, esse eu levo.

E assim foi, o homem botou anúncio que era médico e logo enriqueceu. Não errava uma.Chegava na casa do doente, se encontrasse a Morte ao pé da cama, dizia:

- Esse eu curo!

Mas se a encontrasse na cabeceira, dizia:

- Podem preparar o caixão.

O homem nadava em dinheiro. Até que um Rei muito poderoso. Poderoso e cruel com quemnão lhe fazia as vontades, chamou o homem. Seu filho, o jovem Príncipe, estava muito doente.O homem chegou e viu a Morte na cabeceira do Príncipe. O homem ficou desesperadopensando na fúria do Rei se o Príncipe morresse. Chamou os criados e pediu que virassem acama. Botando a cabeceira no lugar do pé e o pé no lugar da cabeceira. A Morte foi emboradanada, e o Príncipe se salvou.Tempos depois, a Morte apareceu ao homem e disse:

- Compadre, vim lhe convidar para jantar comigo.

O homem ficou desconfiado e disse que aceitaria o passeio, mas se a Morte jurasse que o trariade volta. E a Morte jurou. Depois pegou a mão do homem e fez um gesto mágico. Quando ohomem deu por si estava no castelo da Morte. Era um lugar grande, mas sombrio e lúgubre. Osdois jantaram e depois a Morte mostrou o castelo ao compadre. Estavam nessa, quandopassaram por uma grande sala cheia de velas. Velas de todos os tamanhos: grandes, pequenas.Umas já se acabando, outras pareciam que tinham sido acesas naquele momento, algumas jáiam pela metade. O homem perguntou o que significava aquilo. E a Morte respondeu:- Cada vela dessas é a vida de um homem. As que estão grandes e parecem que acabaram de seracesas é o início da vida. A vela vai se acabando, até desmanchar. Então é a Morte.

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O homem ficou curioso e perguntou sobre as velas de seus amigos. E a Morte foi mostrando.

- Este aqui.- É fulano – respondia a Morte.- E “tá” se acabando. E este?- É sicrano.- Ainda vai viver muito.

Até que perguntou pela sua vela. E a Morte mostrou um cotoquinho de vela, quase se apagando.

- Mas eu tô morre, não morre.- É isso mesmo, compadre. Eu lhe trouxe para já deixá-lo aqui. Mas como você me fez jurar queeu o levaria de volta, assim farei.

Dizendo isso, a Morte fez um gesto mágico e o homem se viu no seu leito cercado por parenteschorosos. Na cabeceira da cama, lá estava a Morte. E o homem pediu:

- Morte, minha comadre, eu quero que você jure que só me leva depois de eu rezar um PaiNosso. Você jura?- Juro.

E o homem começou:

- Pai Nosso que estais no céu.

E se calou. A Morte disse:

- Continue a oração, compadre.- Morte, eu disse para você me levar só depois que eu rezasse um Pai Nosso. Mas não dissequanto tempo eu ia levar pra rezar esse Pai Nosso.

A Morte foi embora furiosa.O tempo passou. O homem ficou velho. Estava passeando por uma de suas propriedades ondehavia um jardim que ele amava muito. Quando o homem chegou lá, viu que os bichosquebraram a cerca e destruíram o jardim. O homem ficou desolado e disse:

- Quem dera a Morte me levasse para eu não ver uma desgraça dessas!

Nem bem terminou de falar, a Morte pulou em cima dele e o levou. A gente pode enganar aMorte uma, duas vezes. Mas na terceira e enganado por ela.

Adaptação de Augusto Pessôa

JOÃO SEM MEDO

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JOÃO SEM MEDO

Era uma vez um rapaz chamado João. E esse João não tinha medo de nada. Podia aparecer saci,cuca, mula-sem-cabeça, lobisomem... que ele não tinha medo. Por isso era conhecido como JoãoSem Medo.Ele andava por todo lado a procura de alguma coisa para ter medo. Só que ele não encontrava.Até que ele ouviu falar de um lugar, aqui perto, onde tinha uma casa mal assombrada. Quemdormisse nessa casa amanhecia ou morto ou maluco. Era certo isso!Pois o João foi até a rua onde ficava a tal casa e se informou com os moradores:

- É verdade que nessa rua tem uma casa que quem dorme lá amanhecesse ou morto ou maluco?- É verdade verdadeira! É aquela casa ali!

E um dos moradores mostrou a casa a João. Era uma casa feia, escura e sombria. O João coçoua cabeça e falou assim:

- Pois olhe, que eu vou dormir lá hoje!

E os moradores tentaram tirar essa idéia maluca da cabeça do João:

- Que é isso, rapaz? Faça isso não!- O senhor ainda é novo!- Pode morrer... Pode ficar maluco!

Mas o João falou bem alto pra quem quisesse ouvir:

- Pois olhe, eu aposto com vocês que eu vou dormir nessa casa hoje e não vai me acontecernada!

Quando os moradores ouviram a palavra “aposto” logo se interessaram. Juntaram o dinheiro daaposta e deram na mão de uma velha para ela tomar conta. Tudo arrumado, João Sem Medo foiaté a tal casa. Nisso já estava anoitecendo. João entrou na casa. Era uma casa grande. Escura.Sombria. Cheia de teias de aranha. João foi entrando. Na casa tinham vários salões grandes. Ummaior do que o outro. Até que ele chegou no maior de todos os salões. Bem no meio do salãotinha um sofá grande. João olhou e achou que aquele sofá era o local ideal para ele dormir. JoãoSem Medo deitou e dormiu.

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Daí a pouco deu meia noite e o vento começou a soprar. Um sopro sinistro. Uuuuuuuuh! E lá decima do teto, sabe se lá como, veio um grito terrível. Aaaaaah! Mas João não ficou com medonão. Foi logo falando assim:

- Oh, rapaz, não tem o que fazer não? Fica aí gritando! Assustando o povo! Vai procurar o quêfazer!

E lá do teto veio uma voz sinistra que dizia assim:

- Eu caio! Eu caio! Eu caio!

Assim mesmo. Repetiu três vezes. Mas João não ficou com medo não. Foi logo falando assim:

- E eu tenho medo disso rapaz? Cai logo e me deixa dormir!

Ele falou isso e caiu mesmo. Dois braços brancos caíram do teto, sabe se lá como. Caíram eficaram enroscados no meio da sala. Mas João não ficou co medo não:

- Olha só: dois braços! E eu tenho medo de braço agora? Ficou até bonito! Uma escultura paraenfeitar a casa! Eu vou dormir que é melhor!

João voltou a dormir e o vento voltou a soprar. Uuuuuuuuuuh! E lá do teto veio de novo aquelavoz sinistra que dizia assim:

- Eu caio! Eu caio! Eu caio!

De novo repetiu três vezes. Mas João não ficou com medo não. Foi logo falando assim:

- Ó, rapaz, você gosta de anunciar, hein? Devia trabalhar em loja! Cai logo, pelo amor de Deus!

Ele falou isso e caiu mesmo. Duas pernas brancas caíram do teto, sabe se lá como. Caíram e seembolaram com os braços no meio da sala. Mas João não ficou com medo não:

- Olha só: duas pernas! E eu tenho medo de perna, por um acaso? Ficou ainda mais bonito! Aescultura está aumentando! Está enfeitando mais a casa! Eu vou dormir que é melhor!

João voltou a dormir e o vento voltou a soprar mais forte. Uuuuuuuuh! E lá do teto veio de novoaquela voz terrível que dizia assim:

- Eu caio! Eu caio! Eu caio!

Aí o João se aborreceu:

- Ó, rapaz, mas vai cair a prestação? Cai logo inteiro, pelo amor de Deus!

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O João falou isso e caiu mesmo. Caiu cabeça, caiu tronco. Aquilo foi juntando no meio da sala.Juntou cabeça com tronco, juntou perna, juntou braço – fez um bonecão grande e branco que foiandando todo desengonçado para cima do João. Mas ele não ficou com medo não:

- O que é isso, rapaz? Parece que está dançando. Isso não é hora de dançar! Vai procurar umbaile!

O bonecão então se transformou num fantasma branco, grande. O fantasma olhou para o Joãocom aquela cara horrível e deu um sorriso. O João estranhou:

- Está rindo de mim, palhaço?

E o fantasma falou assim:

- Muito obrigado. Eu estava aqui enfeitiçado por uma bruxa e o senhor me libertou! Eu querolhe dar um presente!

O fantasma estendeu a mão e o João pegou naquela mão fria do fantasma. E a assombração foipuxando o João... Foi puxando... E o levou até o quintal da casa. Era um quintal grande. Cheiode árvores secas e retorcidas. No meio do quintal ficava a maior árvore. Toda seca e retorcida. Ofantasma levou o João até lá, apontou para o chão e PUFF! Sumiu. E o rapaz falou assim:

- Esse camarada apontou para o chão? Ele quer que eu cave esse chão e eu vou cavar!

Ele pegou uma pá e começou a cavar. Cavou. Cavou. Até que bateu numa coisa dura. Cavoumais e começou a puxar. E lá de dentro saiu um caixão de defunto preto e grande. O João abriuo caixão e lá dentro encontrou um tesouro: ouro, prata, pedras preciosas. O rapaz estava rico.Nisso o dia foi amanhecendo e os moradores da rua já estavam lá na porta da casa achando queo João tinha morrido ou ficado maluco. Mas ele apareceu na varanda todo pimpão. E o JoãoSem Medo venceu a aposta. Juntou o tesouro com o dinheiro da aposta e ficou mais rico ainda.Comprou a casa. Mandou reformar e diz que ele está morando lá até hoje! E acabou a história!

Adaptação de Augusto PessôaIn BÁ E AS VISAGENS

Editora Escrita Fina