Continuação d' Os Maias

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Alguns dias mais tarde, estava Carlos num momento de reflexão quando, de repente, lhe bateram à porta. Era Dâmaso que, uma vez mais, vinha lançar o seu veneno. — Sabes como eu sou teu fiel amigo e só te quero bem, por isso resolvi vir cá dizer-te que podes contar comigo se quiseres lutar pela tua amada mulher…ou irmã. — Dâmaso, de fiel não tens nada. Lamento informar-te que também não és meu amigo e não quero que voltes a aproximar-te do Ramalhete ou de mim. De hoje em diante, quando me encontrares, faz de conta que não me conheces – disse-lhe Carlos. Fechou-lhe a porta na cara e foi reflectir sobre o que Dâmaso lhe havia dito. Depois de muito pensar, decidiu ir para Paris. Gostava demasiado de Maria Eduarda para nunca mais a ver, ouvir a sua voz. Paris era uma grande e bela cidade. A sua tarefa não era fácil. Percorreu a cidade durante dias e dias e nem sinal de Maria Eduarda. Desiludido, Carlos pensava em desistir, regressar ao Ramalhete e continuar a sua triste vida. De repente, olhou para o interior de uma famosa pastelaria parisiense e o seu coração começou a bater apressadamente. Maria Eduarda estava sentada numa mesa e conversava com a sua filha, sobrinha de Carlos. Entrou, dirigiu-se à mesa, aproximou-se e, quando ia falar, apercebeu- se de que, junto a Maria Eduarda, estava um jovem homem que lhe acariciava a mão. Os seus olhos encheram-se de lágrimas. - Olá, Maria Eduarda! Admirada, Maria Eduarda olhou para Carlos e disse: - Carlos, o que fazes aqui? - Vim ver-te. Precisava de te ver. Não conseguia continuar a minha vida sem falar contigo. Não sabia que já me tinhas esquecido. - Jamais te esquecerei, Carlos. Foste o grande amor da minha vida e és sangue do meu sangue. Infelizmente, só nos podemos amar enquanto irmãos. - Eu sei. E é precisamente isso que eu te quero pedir, que possamos ser irmãos.

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Page 1: Continuação d' Os Maias

Alguns dias mais tarde, estava Carlos num momento de reflexão quando,

de repente, lhe bateram à porta. Era Dâmaso que, uma vez mais, vinha lançar o

seu veneno.

— Sabes como eu sou teu fiel amigo e só te quero bem, por isso resolvi vir

cá dizer-te que podes contar comigo se quiseres lutar pela tua amada mulher…ou

irmã.

— Dâmaso, de fiel não tens nada. Lamento informar-te que também não

és meu amigo e não quero que voltes a aproximar-te do Ramalhete ou de mim.

De hoje em diante, quando me encontrares, faz de conta que não me conheces –

disse-lhe Carlos.

Fechou-lhe a porta na cara e foi reflectir sobre o que Dâmaso lhe havia

dito. Depois de muito pensar, decidiu ir para Paris. Gostava demasiado de Maria

Eduarda para nunca mais a ver, ouvir a sua voz. Paris era uma grande e bela

cidade. A sua tarefa não era fácil. Percorreu a cidade durante dias e dias e nem

sinal de Maria Eduarda. Desiludido, Carlos pensava em desistir, regressar ao

Ramalhete e continuar a sua triste vida. De repente, olhou para o interior de uma

famosa pastelaria parisiense e o seu coração começou a bater apressadamente.

Maria Eduarda estava sentada numa mesa e conversava com a sua filha, sobrinha

de Carlos. Entrou, dirigiu-se à mesa, aproximou-se e, quando ia falar, apercebeu-

se de que, junto a Maria Eduarda, estava um jovem homem que lhe acariciava a

mão. Os seus olhos encheram-se de lágrimas.

- Olá, Maria Eduarda!

Admirada, Maria Eduarda olhou para Carlos e disse:

- Carlos, o que fazes aqui?

- Vim ver-te. Precisava de te ver. Não conseguia continuar a minha vida

sem falar contigo. Não sabia que já me tinhas esquecido.

- Jamais te esquecerei, Carlos. Foste o grande amor da minha vida e és

sangue do meu sangue. Infelizmente, só nos podemos amar enquanto irmãos.

- Eu sei. E é precisamente isso que eu te quero pedir, que possamos ser

irmãos.

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- Sim, Carlos. Vamos tentar. Não vai ser fácil, mas é a melhor opção.

Em paz consigo próprio, Carlos voltou a Portugal, ao Ramalhete. Corria a

notícia de que Dâmaso tinha aparecido morto. Ninguém sabia ao certo o que

tinha acontecido, mas todos desconfiavam que havia sido vingança de alguém a

quem ele tivesse prejudicado com as suas mentiras. Apesar de tudo o que

Dâmaso lhe tinha feito, Carlos sentiu pena. Após passar algum tempo a descansar

no Ramalhete, Carlos sentia que, apesar de ter ultrapassado o desgosto de amar a

própria irmã, ainda havia algo que o incomodava: não conhecer a sua mãe. Então,

decidiu ir a Inglaterra procurá-la. Quando chegou a Inglaterra, dirigiu-se a um

hotel para pernoitar e aproveitou para mostrar a velha foto de sua mãe que tinha

encontrado num velho baú perdido entre as tralhas que existiam no sótão. Era

uma mulher magra e pálida e as rugas que cobriam a sua cara pareciam ser a

prova de sofrimento e dor. A mulher olhou atentamente a fotografia e os seus

olhos encheram-se de lágrimas. Ao mesmo tempo, Carlos olhou para a etiqueta

que a mulher trazia ao peito e leu: Maria Monforte. Após trocarem um longo

olhar, abraçaram-se.

Carlos e sua mãe voltaram juntos para o Ramalhete, local que trazia

muitas recordações e arrependimento a Maria Monforte. Todos os anos também

Maria Eduarda e a sua família faziam questão de visitar Carlos e Maria Monforte.

Carlos conseguira finalmente ter aquilo que nunca tinha conseguido: uma

família feliz.