Contextualizando a Escola rural: Rio Grande do Sul final do século XIX e início do século XX

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SÉRIE-ESTUDOSSÉRIE-ESTUDOSSÉRIE-ESTUDOSSÉRIE-ESTUDOSSÉRIE-ESTUDOS

PPPPPeriódico do Mestrado em Educação da UCDBeriódico do Mestrado em Educação da UCDBeriódico do Mestrado em Educação da UCDBeriódico do Mestrado em Educação da UCDBeriódico do Mestrado em Educação da UCDB

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Série-Estudos – Periódico do Mestrado em Educação da UCDB, n. 20(dezembro 2005). Campo Grande : UCDB, 1995.

Semestral

ISSN 1414-5138

V. 23,5 cm.

1. Educação 2. Professor - Formação 3. Ensino 4. PolíticaEducacional 5. Gestão Escolar.

Indexada em:BBE - Biblioteca Brasileira de Educação (Brasília, Inep)EDUBASE - UNICAMPCLASE - Universidad Nacional Autónoma de México

Solicita-se permuta / Exchange is requested

Tiragem: 1.000 exemplares

Série-Estudos publica artigos na área de educação, com ênfase em educação escolar eformação de professores de caráter teórico e/ou empírico.

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Missão Salesiana de Mato GrossoUNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO

Instituição Salesiana de Educação Superior

SÉRIE-ESTUDOSSÉRIE-ESTUDOSSÉRIE-ESTUDOSSÉRIE-ESTUDOSSÉRIE-ESTUDOS

PPPPPeriódico do Mestrado em Educação da UCDBeriódico do Mestrado em Educação da UCDBeriódico do Mestrado em Educação da UCDBeriódico do Mestrado em Educação da UCDBeriódico do Mestrado em Educação da UCDB

Série-Estudos – Periódico do Mestrado em Educação da UCDB. Campo Grande-MS, n. 20, p. 1-244, jul./dez. 2005.

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Chanceler:Chanceler:Chanceler:Chanceler:Chanceler: Pe. Dr. Afonso de CastroReitor: Reitor: Reitor: Reitor: Reitor: Pe. José MarinoniPró-Reitor Acadêmico: Pró-Reitor Acadêmico: Pró-Reitor Acadêmico: Pró-Reitor Acadêmico: Pró-Reitor Acadêmico: Pe. Jair Marques de Araújo

Série-Estudos – Periódico do Mestrado em Educação da UCDBPublicada desde 1995

Editora ResponsávelEditora ResponsávelEditora ResponsávelEditora ResponsávelEditora ResponsávelMargarita Victoria Rodríguez ([email protected])

UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCOInstituição Salesiana de Educação Superior

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Conselho EditorialConselho EditorialConselho EditorialConselho EditorialConselho EditorialAdir Casaro NascimentoLeny Rodrigues Martins TeixeiraMariluce BittarRegina Tereza Cestari de Oliveira

Pareceristas Pareceristas Pareceristas Pareceristas Pareceristas Ad HocAd HocAd HocAd HocAd HocAlda Maria do Nascimento Osório - UFMSAlexandara Ayach Anache - UFMSEulália Henriques Maimone - UNIUBEIvan Russef - UCDBJose Carlos de Araujo - UFUJosefa Aparecida G. Grigoli - UCDBJosemar de Campos Maciel - UCDBMarisa Bittar - UFSCar

Conselho CientíficoConselho CientíficoConselho CientíficoConselho CientíficoConselho CientíficoAmarílio Ferreira Junior - UFSCarCelso João Ferretti - UNISOEmília Freitas de Lima - UFSCarFernando Casadei Salles - UNISOGraça Aparecida Cicillini - UFUHamid Chaachoua - Universidade Joseph Fourier/FrançaHelena Faria de Barros - UCDBJorge Nagle - UMCJosé Luis Sanfelice - UNICAMP/UNISOLuís Carlos de Menezes - USPManoel Francisco de Vasconcelos Motta - UFMTSonia Vasquez Garrido - PUC/ChileSusana E. Vior - UNLu/ArgentinaVicente Fideles de Ávila - UCDBYoshie Ussami Ferrari Leite - UNESP

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EditorialEditorialEditorialEditorialEditorial

Série Estudos: 10 anos de história de divulgação científica na áreaSérie Estudos: 10 anos de história de divulgação científica na áreaSérie Estudos: 10 anos de história de divulgação científica na áreaSérie Estudos: 10 anos de história de divulgação científica na áreaSérie Estudos: 10 anos de história de divulgação científica na áreada educaçãoda educaçãoda educaçãoda educaçãoda educação

O Periódico Série Estudos foi criado em 1995, com o objetivo de socializar e divulgar aspesquisas científicas desenvolvidas na Universidade Católica Dom Bosco, especialmente aquelasproduzidas no âmbito do Programa de Mestrado em Educação. Dez anos se passaram desdeque um grupo de professores liderados pelo professor Vicente Fideles de Ávila e pela professo-ra Conceição Aparecida Galves Buttera, propuseram-se a organizar um meio impresso dedivulgação científica. Nesta longa jornada empreendida no final do milênio, o periódico contoucom a valiosa colaboração de todos os professores vinculados ao Programa de Mestrado emEducação, com o apoio dos dirigentes da Universidade e da equipe da Editora UCDB. Estapublicação ganhou lentamente reconhecimento pela comunidade acadêmica nacional e in-ternacional, prova disto é que nos últimos anos tem recebido contribuições de pesquisadorese educadores de todos os estados brasileiros, assim como de países da América Latina eEuropa. À medida que o grupo adquiriu experiência, foram se consolidando propostas maisaudaciosas, como por exemplo, a organização de cinco dossiês. O primeiro, em 2002, organiza-do pelos professores Marisa Bittar e Amarílio Ferreira Junior (UFSCar), reuniu artigos sobreFormação de Professores; o segundo, sob a organização dos professores Mariluce Bittar eFernando Casadei Salles (UCDB), em 2003, dedicado à temática Diversidade Cultural e Educa-ção Indígena. No mesmo ano, organizou -se o terceiro, sobre a temática Educação Superior,sob a responsabilidade dos professores Marília Morosini (PUCRS), João dos Reis Silva Junior(UFSCar) e Mariluce Bittar (UCDB). No ano de 2004, foi organizado o quarto dossiê, pelaprofessora Regina Tereza Cestari de Oliveira (UCDB) sobre o tema Políticas de financiamentoe gestão educacional e, em 2005, o quinto, dedicado ao tema Comunicação, Educação eNovas Tecnologias, sob a responsabilidade da professora Claudia Maria de Lima. Esta progres-siva organização dos artigos em forma de Dossiê demonstra, por um lado, o crescimento donúmero de articulistas, e, por outro, o próprio amadurecimento da Série-Estudos que adquiriuvisibilidade acadêmica na área da educação no Brasil e no mundo. Portanto, aproveitamoseste número para render homenagem e reconhecimento aos professores que integram oConselho Científico, ao Conselho Editorial, à Editora UCDB, e, especialmente, a todos os editoresque trabalharam pela qualidade científica do periódico e acreditaram na viabilidade do projeto.

Neste número 20, continuando com a tradição de socializar as pesquisas produzidasno âmbito nacional e internacional, visando a contribuir com as discussões teóricas emetodológicas da pesquisa em educação, trazemos para o leitor uma série de artigos quediscutem diversas questões sobre a educação.

Na sessão Ponto de Vista, o artigo da professora Eurize Caldas Pessanha reflete acercada formação de pesquisadores em educação na região Centro-Oeste; a autora considera que

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é um campo de conhecimento que vem se configurando, especialmente após a implantaçãodos cursos de pós-graduação, destacando a importância da organização e consolidação dosgrupos de pesquisa para superar a prática do pesquisador solitário.

A sessão Artigos apresenta 13 trabalhos. O primeiro texto, escrito por Adriana Kemp Maas,analisa a interpretação do Brasil e do brasileiro com base nas obras Os Sertões, de Euclides daCunha, Urupês, de Monteiro Lobato, e Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Parado Parado Parado Parado Parado Jr.,apontando as possíveis implicações dessas interpretações no campo da educação.

No segundo artigo, Alaíde R. Doatoni e Otaviano J. Pereira discutem as mudançascomunicacionais e o uso das novas tecnologias no campo educacional e as contribuições edesafios para a formação de professores.

O texto de Cláudia Maria Mendes Gontijo apresenta os resultados de uma pesquisasobre apropriação da linguagem escrita em crianças, utilizando o referencial teórico-metodológicoda perspectiva histórico-cultural na Psicologia.

Na seqüência, Célio Juvenal Costa analisa as características da formação do padrejesuíta nos primeiros decênios da Companhia de Jesus, no Brasil, caracterizada pela tradiçãoescolástica de formação rigorosa e disciplinar.

O artigo de Flávia Obino Corrêa Werle explica como a realidade educacional rural eraconcebida no estado do Rio Grande do Sul, antes da constituição da Escola Normal Rural combase em análise documental de fontes oficiais.

O texto de Javier Hermo e Cecília Pittelli aborda as reformas educativas da Argentina eChile, em uma perspectiva comparada apontando características comuns tanto no que serefere às suas diretrizes, quanto na sua implementação, no sentido de contribuir para com umdebate da “reforma da reforma”.

José Joaquim Pereira Melo, por sua vez, nos oferece algumas reflexões sobre a propostade educação de Sêneca e o papel que atribui ao sábio, considerado o ponto culminante dadinamica formativa.

O texto de José Licínio Backes é resultado de sua pesquisa de doutorado, na qualproblematiza a dicotomia alta e baixa cultura na produção das identidades e diferenças, en-tendidas como uma produção social e cultural, fundamentando-se no campo teórico dosestudos culturais pós-estruturalistas.

No artigo da Maria Alice de Miranda Aranda e Ester Senna são analisadas as contradi-ções do processo de democratização e a Constituinte Escolar da Rede Estadual de Ensino deMato Grosso do Sul, no período 1999-2000.

O texto de Maria Aparecida de Lima Madureira, Sergio Marcos Rodrigues da Silva eJorge Luis Cammarano Gonzalez, procura interpretar e entender os possíveis determinantesdas reformas educacionais implantadas nos anos de 1990, considerando que em uma pers-pectiva técnico-produtiva do capital, a educação escolar para o trabalho e a cidadania, acabamproduzindo a subordinação e alienação do trabalho.

No texto seguinte, Maria Lucia de Amorim Soares discute as “novas” tecnologias e amediação do ensino, no contexto da comunicação e suas implicações na prática do professor.

O artigo de Ruth Pavan apresenta os resultados de pesquisa realizada no doutoradoem que analisa a reflexão dos professores de Educação de Jovens e Adultos sobre a exclusão

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social no âmbito da hegemonia neoliberal que visa à mercantilização das relações humanase suas conseqüentes implicações na educação escolar.

O trabalho de Theresa Adrião e Teise Garcia traz os resultados parciais da pesquisa queanalisa a implantação do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) na rede estadual deensino do Estado de São Paulo e na rede municipal da cidade paulista de Pirassununga,mostrando as diferenças da gestão dos recursos em ambas as redes.

Por fim, na seção Resenhas, Altemir Luiz Dalpiaz analisa a obra Educação E Diferenças:desafios para uma escola intercultural, 6º volume da “Coleção Teses e Dissertações em Educa-ção” da Editora UCDB (2005), constituída por capítulos escritos por docentes e discentes vincu-lados à Linha de Pesquisa: Diversidade Cultural e Educação Indígena, do Programa de Mestradoem Educação da UCDB.

Conselho EditorialDezembro/2005

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SumárioSumárioSumárioSumárioSumário

Ponto de VistaPonto de VistaPonto de VistaPonto de VistaPonto de Vista

Pesquisa e formação de pesquisadores em educação no Centro-Oeste – Tendênciase perspectivas ............................................................................................................................................................................. 13Research and the training of researchers in education in the Mid-West – tendenciesand perspectives ....................................................................................................................................................................... 13

Eurize Caldas Pessanha

ArtigosArtigosArtigosArtigosArtigos

A interpretação do Brasil e do brasileiro e suas implicações no campo da educação ........... 29The interpretation of Brazil and of the Brazilian and the implications in the field ofeducation ...................................................................................................................................................................................... 29

Adriana Kemp Maas

Revolução comunicacional global, educação escolar e formação de professores:possibilidades e limites ...................................................................................................................................................... 47Global revolution in communication, schooling and teacher training: possibilities andlimits ................................................................................................................................................................................................. 47

Alaíde R. DonatoniOtaviano J. Pereira

Lembrar... nomes e formas das letras ........................................................................................................................ 63Remembering... names and letter formation ....................................................................................................... 63

Cláudia Maria Mendes Gontijo

A formação do padre Jesuíta no século XVI ......................................................................................................... 79The training of the Jesuit priest in the 16th Century ...................................................................................... 79

Célio Juvenal Costa

Contextualizando a escola rural: Rio Grande do Sul final do século XIX e início do XX .......... 97Contextualizing the rural school: Rio Grande do Sul at the end of the 19th Century andthe beginning of the 20th

........................................................................................................................................................................................................................................................ 97Flávia Obino Corrêa Werle

Ejes de una reforma educativa integral ................................................................................................................ 111Directions for an integral educational reform .................................................................................................. 111

Javier HermoCecilia Pittelli

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Sêneca: o papel do sábio na formação da humanidade .......................................................................... 129Seneca: the role of the sage in the formation of humanity ................................................................... 129

José Joaquim Pereira Melo

“O povo não tem cultura! nós temos cultura porque...”: efeitos de uma dicotomia ............... 143“The people do not have culture! We have culture because…”: effects of a dichotomy .......... 143

José Licínio Backes

A Constituinte Escolar da rede estadual de ensino de Mato Grosso do Sul (1999 a2001): acertos e desacertos com a democracia .............................................................................................. 153The School Constituent of the state teaching network of Mato Grosso do Sul (1999 to2001): fitting in and misfitting with democracy ........................................................................................... 153

Maria Alice de Miranda ArandaEster Senna

Reformas educacionais, cultura e cotidiano escolar .................................................................................... 175Educational reforms, culture and daily school routine ............................................................................... 175

Maria Aparecida de Lima MadureiraSergio Marcos Rodrigues da SilvaJorge Luis Cammarano Gonzalez

De semióforos, glocalização e redes: novas tecnologias na escola ................................................... 195Of “semióforos”, “glocalização” and networks: new technologies in the school ....................... 195

Maria Lucia de Amorim Soares

A educação, o/a educador/a e a exclusão social ........................................................................................... 205Education, the educator and social exclusion .................................................................................................. 205

Ruth Pavan

Programa Dinheiro Direto na Escola: estudos de dois casos paulistas .......................................... 219“Money Straight into to the School” Program: studies of two cases in São Paulo ................. 219

Theresa AdriãoTeise Garcia

ResenhaResenhaResenhaResenhaResenha

Educação e diferenças: desafios para uma escola intercultural .......................................................... 229Education and differences: challenges for an intercultural school ................................................... 229

Altemir Luiz Dalpiaz

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Ponto de VistaPonto de VistaPonto de VistaPonto de VistaPonto de Vista

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Pesquisa e formação de pesquisadores emPesquisa e formação de pesquisadores emPesquisa e formação de pesquisadores emPesquisa e formação de pesquisadores emPesquisa e formação de pesquisadores emeducação no Centro-Oeste – Tendências eeducação no Centro-Oeste – Tendências eeducação no Centro-Oeste – Tendências eeducação no Centro-Oeste – Tendências eeducação no Centro-Oeste – Tendências eperspectivasperspectivasperspectivasperspectivasperspectivasResearch and the training of researchers in educationin the Mid-West – tendencies and perspectives

Eurize Caldas Pessanha

Doutora em Educação – Docente do Programa de Pós-graduação em Educação da UFMS.e-mail: [email protected]

ResumoResumoResumoResumoResumoO objetivo deste artigo é apresentar algumas considerações e reflexões sobre o processo de formação depesquisadores em educação no Brasil, focalizando, especificamente, a história da pesquisa em educaçãono Centro-Oeste. Considerações fundamentadas nas análises que os pesquisadores da área vêm produ-zindo, pelo menos desde 1971, quando foi publicada a primeira revisão da produção na área (GOUVEIA,1971), e na experiência da autora como pesquisadora, formadora de pesquisadores e membro da Comis-são governamental que avalia os programas de formação de pesquisadores da área de educação. Asnoções de campo e habitus de Bourdieu são a base para as reflexões sobre os dados obtidos nas revistasda área e nas bases de dados da Capes e do CNPq. A autora sustenta que a preparação de pesquisadoresna área de educação, no Brasil, reflete a história de um campo cuja configuração é resultado de lutas edisputas por legitimação, inclusive epistemológica.

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePesquisa educacional; formação de pesquisadores.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractThe aim of this paper is to present some considerations and reflections on the process of training researchersin Education in Brazil. These considerations are founded on analyses which researchers in the area havebeen producing since at least 1971 when the first revision of such production in the area was published(GOUVEIA, 1971), and on the experience of the authoress as a researcher and a trainer of researchers andmember of the government Commission that evaluates programmes which train researchers in the area ofeducation. Bordieu’s notions of field and habitus are the basis for the reflections on the data obtained inthe magazines in the area and on the data bases of Capes and of CNPq. The authoress maintains theposition that the preparation of researchers in the area of education in Brazil reflects the history of a field,the configuration of which is the result of struggles and disputes for legitimation, including epistemological.

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsEducational research; training of researchers.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 20, p. 13-26, jul./dez. 2005.

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14 Eurize C. PESSANHA. Pesquisa e formação de pesquisadores em educação...

A motivação imediata deste texto foio convite que recebi para proferir a confe-rência de abertura do III Seminário de Pes-quisa do Programa de Pós-Graduação –Mestrado em Educação da UCDB, realiza-do em agosto de 2005. No entanto, suamotivação mais ampla são as reflexõesque venho realizando como formadora depesquisadores e pesquisadoras há mais de10 anos, desde a apresentação de umadissertação de mestrado por mim orientadae, muitos anos antes, durante a orientaçãode monografias de especialização.

Todos que já levaram “a termo” (ex-pressão estranha, mas adequada, por setratar de um “parto” teórico) sabem – equem está no meio de sua elaboração pro-vavelmente não faz idéia – como esse pro-cesso “sacode” certezas, provoca perplexi-dades ou confirma, abala ou restaura fun-damentos teórico-metodológicos. Os obje-tos de pesquisa, seus recortes, sua história,a produção de conhecimento na área, oscaminhos metodológicos são alguns dostemas dessas “perplexidades”.

Sempre em pauta: a formação depesquisadores.

Um dos elementos chave desse pro-cesso de formação, geralmente, pouco apro-fundado nos cursos de formação de pesqui-sadores, é a noção de que cada projeto,cada pesquisa realizada e cada conheci-mento novo produzido inserem-se em umadeterminada área de conhecimento comsuas características, lutas internas e exter-nas, suas histórias de rupturas e continui-dades que a caracterizam como um campo.

Ao afirmar que as relações internasem cada campo são definidas de forma

objetiva e independem da consciência hu-mana e que é nessa estrutura objetiva,expressa na hierarquia de posições, nas tra-dições, instituições e histórias a ele relacio-nados que os indivíduos adquirem o con-junto de disposições que lhes permite agirde acordo com as possibilidades existen-tes no interior dessa estrutura objetiva: ohabitus,. Bourdieu (1983; 2004), ofereceuma instigante chave de análise para essepropósito.

Nessa direção, o objetivo deste artigoé apresentar algumas considerações e refle-xões sobre o processo de formação de pes-quisadores em educação no Brasil, focalizan-do, especificamente, a história da pesquisaem educação no Centro-Oeste. Considera-ções fundamentadas nas análises que ospesquisadores da área vêm produzindo, pelomenos desde 1971, quando foi publicada aprimeira revisão da produção na área(GOUVEIA, 1971), e na experiência da autoracomo pesquisadora, formadora de pesqui-sadores e membro da Comissão governa-mental que avalia os programas de forma-ção de pesquisadores da área de educação1.

Nesse sentido, sustento que a prepa-ração de pesquisadores na área de educa-ção no Brasil reflete a história de um campocuja configuração é resultado de lutas e dis-putas por legitimação, inclusive, episte-mológica. Para argumentar em favor destahipótese, o texto está organizado em duaspartes: 1. O campo da educação e o proces-so de formação de pesquisadores em educa-ção no Brasil; 2. Tendências e perspectivasda pesquisa e da formação de pesquisado-res na área de educação no Centro-Oeste.

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Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 20, p. 13-26, jul./dez. 2005. 15

Parte 1 – O campo da educação e oParte 1 – O campo da educação e oParte 1 – O campo da educação e oParte 1 – O campo da educação e oParte 1 – O campo da educação e oprocesso de formação deprocesso de formação deprocesso de formação deprocesso de formação deprocesso de formação depesquisadores em educação no Brasilpesquisadores em educação no Brasilpesquisadores em educação no Brasilpesquisadores em educação no Brasilpesquisadores em educação no Brasil

Como mencionamos, as noções decampo e de habitus formulados porBourdieu constituem importantes instru-mentos teóricos para se analisar como seforma um determinado campo científico,como é o caso da educação, a partir dasdefinições sobre o que pode ser considera-do científico em determinado momento2.Razão pela qual considero importante re-tomar parte da história do campo da edu-cação no Brasil.

Há algum tempo, o campo de educa-ção no Brasil vem se dedicando sistematica-mente a produzir análises periódicas refletin-do sobre as bases e rumos de sua produ-ção. Desde o primeiro desses “balanços” - otexto de Aparecida Joli Gouveia inauguran-do a revista Cadernos de Pesquisa, em1971 – essas análises constituíram-se emimportantes marcos de periodização paraestudar a história da pesquisa em Educaçãono Brasil e, conseqüentemente, para anali-sar a formação de pesquisadores na área.

Embora a criação do Instituto Nacio-nal de Estudos Pedagógicos-INEP, em 1938,tenha sido a primeira iniciativa oficial defomentar e organizar a pesquisa educacio-nal no Brasil, outros espaços institucionaistornaram-se ao longo do tempo a base daestrutura objetiva do campo, na qual se ins-tituem os habitus analisados por Bourdieu.1. Os programas de pós-graduação em edu-

cação criados a partir dos anos de 1960;2. A Associação Nacional de Pós-gradua-

ção e Pesquisa em Educação-ANPEDcriada em 1976, cuja finalidade é a buscado desenvolvimento e da consolidaçãodo ensino de pós-graduação e da pes-quisa na área da Educação no Brasil ;

3. A avaliação dos Programas de pós-gra-duação instituída pela CAPES, Coorde-nação de Aperfeiçoamento de Pessoalde Nível Superior, em 1976;

4. Os Cadernos de Pesquisa, revistapublicada pela Fundação Carlos Chagasdesde 1971 com o objetivo de “divulgara produção acadêmica sobre educação,gênero e raça, propiciando a troca de in-formações e o debate sobre as principaisquestões e temas emergentes da área. Arevista privilegia a disseminação das pes-quisas realizadas no país, embora publi-que também estudos provenientes do ex-terior” (apresentação da revista no http://www.scielo.br); constituindo-se comouma das principais referências para oestudo da história da pesquisa em Edu-cação no Brasil, pela publicação sistemá-tica de balanços na área.

Analisando os artigos com revisõespublicados na revista Cadernos de Pesquisa,os Documentos da Área produzidos pelasComissões de avaliação e documentos di-vulgados pela ANPED, parece claro que ahistória da pesquisa em Educação no Brasilfoi marcada por alguns passos.

O primeiro passo foi a sua própriaconfiguração como um campo, cujo marcoinicial foi o artigo de GOUVEIA (1971)3 que,inaugurando a revista Cadernos de Pesqui-sa, inicia a reflexão sobre a pesquisaeducacional no Brasil. Embora a década de

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16 Eurize C. PESSANHA. Pesquisa e formação de pesquisadores em educação...

1920 seja o marco da formação daintelligentzia educacional brasileira, o artigode Gouveia pode ser considerado o discur-so inaugural da reflexão do campo sobresi mesmo.

O caráter inaugural desse artigo nãoreside apenas no seu ineditismo e propósi-tos, reside, principalmente, na percepção danecessidade de definir o que era pesquisaeducacional, isto é, de determinar que obje-tos identificavam uma pesquisa como sen-do de educação, uma vez que os lócus derealização ou divulgação (Centro Brasileiroe Centros Regionais de Pesquisas Educaci-onais, INEP, Universidades) não eram sufi-cientes para definir sua inserção no campo.

Para os propósitos do levantamentorealizado, Gouveia classificou como pesqui-sa educacional

(...) qualquer estudo que incida em umaou mais das seguintes áreas:

a) a situação escolar ou algum de seusaspectos (aprendizagem, métodos de en-sino, material didático, alunos professo-res, etc...);

b) o sistema escolar (o conjunto dos dife-rentes níveis e tipos de escola, cadeias decomando na administração da educação,os mecanismos de controle, etc...);

c) as relações entre a escola (ou o siste-ma escolar) e o sistema social mais am-plo, em seu conjunto ou em algum deseus aspectos (GOUVEIA, p. 6).

Dois outros artigos completam acaracterização desse momento inaugural:o artigo da mesma autora, cinco anos de-pois do primeiro, no qual pretendeu “apre-ender a situação em que se encontra apesquisa sobre educação no Brasil, a partir

da análise de temas e sumários de proje-tos em andamento ou concluídos desde1970, do exame de estudos publicados narevista Cadernos de Pesquisa e de infor-mações sobre trabalhos que se realizam eminstituições localizadas na cidade de SãoPaulo, obtidas diretamente de pesquisado-res” (GOUVEIA, 1976, p. 75); e um artigo deFranco e Goldberg, do mesmo ano, proble-matizando a necessidade de se estabele-cer prioridades para a pesquisa educacio-nal discutindo os critérios de relevância.

As atividades de mapeamento e aná-lise da produção da área; a necessidadede definir os objetos que caracterizam aárea, a discussão sobre os lócus de pesqui-sa que deveriam ser privilegiados, sobre aformação dos pesquisadores e sobre apriorização de temáticas de pesquisa ba-seada em critérios de relevância, autorizama caracterização desse momento como omomento em que o campo assume quepossui uma configuração própria o discur-o discur-o discur-o discur-o discur-so inaugural da reflexão do camposo inaugural da reflexão do camposo inaugural da reflexão do camposo inaugural da reflexão do camposo inaugural da reflexão do camposobre si mesmo.sobre si mesmo.sobre si mesmo.sobre si mesmo.sobre si mesmo.

Como se observa nos artigos publi-cados durante as duas décadas seguintes,as questões sobre as quais o campo sedebruçou e que revelaram as tensões den-tro de suas “estruturas objetivas” foram:1.A relevância e as prioridades das

temáticas4;2.As questões metodológicas5;3.A relação entre a pesquisa e a pós-gra-

duação6.Nos últimos cinco anos, surgiram os

“balanços dos balanços”, quase sempremotivados pelas datas comemorativas dosprogramas de pós-graduação, da revista

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Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 20, p. 13-26, jul./dez. 2005. 17

Cadernos de Pesquisa e da própria ANPED7.A estreita vinculação entre a história

da pesquisa e dos cursos de formação depesquisadores no Brasil autoriza a análisedessa formação a partir da história do campo.

Desde a primeira reflexão sobre ocampo, já se manifestava a preocupaçãocom a formação dos pesquisadores.Gouveia identificou que os pesquisadoresdo INEP e dos centros de pesquisa não tive-ram nenhuma formação específica uma vezque eram formados em Pedagogia porFaculdades de Filosofia, cujo corpo docenteera pouco familiarizado com as técnicas dapesquisa empírica; ou Cientistas Sociais, comexperiência em coleta de dados e análisequantitativa de dados. Como conclusão, aautora propôs que a formação de pesqui-sadores em educação se fizesse nas univer-sidades em programas de pesquisa dosquais participassem alunos e professoresde pós-graduação.

Muito provavelmente, essa propos-ta refletia os rumos que a, ainda incipiente,pós-graduação em educação estava assu-mindo. Tendo se iniciado em 1965, a pós-graduação em educação no Brasil tornou-se o lugar por excelência de formação dospesquisadores em educação, lócus de pro-dução e de discussão do conhecimento naárea. Baseando-se apenas nos dados dis-poníveis na CAPES, sobre a quantidade demestres e doutores titulados no Brasil pelosprogramas de pós-graduação em educa-ção, percebe-se que, em 8 anos, o númerode titulados triplicou.

Figura 1.Figura 1.Figura 1.Figura 1.Figura 1. Mestres e doutores titulados nosprogramas de pós-graduação em Educa-ção no Brasil no período de 1996 a 2003

A história da pós-graduação noBrasil foi o tema central da última ReuniãoAnual da ANPED, em outubro de 2005.Vários ângulos de análise foram assumi-dos pelos diversos autores evidenciandoque a relação entre a pós-graduação e aformação de pesquisadores é cada vezmais estreita.

Pode-se mesmo afirmar que a pes-quisa em educação no Brasil é realizadapelos titulados nos Programas de pós-gra-duação, uma vez que os órgãos financia-dores exigem titulação de doutorado doscoordenadores das propostas apresenta-das. Mesmo nas instituições nas quais onúmero de doutores é menor, exige-se, pelomenos o título de mestre dos autores deprojetos de pesquisa.

Os Programas de pós-graduação emeducação constituem-se, portanto, no lócusformador dos pesquisadores na área deeducação. Segundo as orientações especí-ficas da área de educação, a pesquisa é oeixo dessa formação. Para aprovar a criaçãode um novo curso de mestrado, além de

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outros requisitos, a área exige que a insti-tuição demonstre a existência de ambiênciade pesquisa – “mínimo de dois anos depesquisa instalada na instituição, na áreade Educação, sob responsabilidade doNúcleo de Docentes Permanentes do Pro-grama, com projetos e produtos de pesqui-sa: relatórios e publicações”; e um Progra-ma cujo perfil evidencie a “articulação en-tre linhas de pesquisa, estrutura curricular,projetos de pesquisa e seus produtos, indi-cando de modo claro e coerente o empe-nho do Programa em formar profissionaisde alto nível” (CAPES, Portal).

Parte 2 – Tendências e perspectivasParte 2 – Tendências e perspectivasParte 2 – Tendências e perspectivasParte 2 – Tendências e perspectivasParte 2 – Tendências e perspectivasda pesquisa e da formação deda pesquisa e da formação deda pesquisa e da formação deda pesquisa e da formação deda pesquisa e da formação depesquisadores em educação nopesquisadores em educação nopesquisadores em educação nopesquisadores em educação nopesquisadores em educação noCentro-Oeste:Centro-Oeste:Centro-Oeste:Centro-Oeste:Centro-Oeste:

Nesta segunda parte do artigo, dirijoo foco de minhas reflexões para as tendên-cias e perspectivas de pesquisa nos progra-mas de pós-graduação em educação daregião Centro-Oeste.

Para debater essas reflexões, inicioretomando algumas idéias que expus noVII EPECO, realizado em Goiânia, em 2004,como debatedora do texto de Luis DouradoPolíticas de educação superior e pesquisanas IES do Centro-Oeste: limites e pers-pectivas.

O texto de Dourado (2004, p. 2) par-te da premissa básica “de que a pesquisaconstitui um dos núcleos essenciais da edu-cação superior, em uma perspectiva forma-tiva emancipatória”.

Quase um lugar comum em todosos discursos sobre ensino superior, esta

premissa adquire sentido bem concreto paraaqueles que, como nós, não concebem adocência, especialmente no ensino superior,sem base na pesquisa. Para além do fa-moso tripé – ensino, pesquisa e extensão –venho defendendo que a pesquisa é o eixoe o motor das outras duas faces do ensinosuperior: o ensino e a extensão.

Eixo porque é o elemento que vaiimprimir a direção do processo, e motorporque, sem produção de conhecimento, aformação no ensino superior fica reduzidaao repasse de informações e a umapseudo-profissionalização, característicasdas instituições tipicamente de ensino, que,como afirmou Dourado, constituem a maio-ria da IES da Região Centro-Oeste:

das 198 IES, apenas 12 são universidadesque em tese se organizam a partir daindissociabilidade entre ensino, pesquisae extensão” (DOURADO, 2004, p. 6).

A partir dessa premissa, o texto deDourado (2004, p. 2).

busca situar os paradoxos do processo deexpansão e privatização da educação su-perior e, ainda, situar alguns indicadoresda institucionalização da pesquisa noBrasil e na região Centro-Oeste e apresentaalgumas ações a serem implementadasobjetivando o fortalecimento das IES daregião Centro-Oeste e a garantia deindissociabilidade entre ensino, pesquisae extensão no interior destas IES.

Para alcançar esses objetivos e par-tindo da premissa básica, o autor foi bus-car seus dados empíricos nos indicadoresdo Diretório dos grupos de Pesquisa doCNPq e chegou a conclusões realmenteprovocadoras, das quais, vou destacar ecomentar algumas:

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1º A distribuição dos grupos de pesquisasegundo a região geográfica indicou,em 2002, a concentração desses gru-pos, respectivamente, nas regiões Su-deste (52%), Sul (24%). A região Cen-tro-Oeste responde por apenas 5,3%dos grupos de pesquisa no banco dedados do CNPq. A referida região am-pliou o número de grupos de pesquisade 183, em 1993, para 809 em 2002,iniciando um processo de recomposi-ção da participação da região certa-mente articulado ao esforço deinstitucionalização da pós-graduaçãostricto sensu.

2º A concentração dos grupos de pesqui-sas nas IFES da região que respondempor 71,7% dos grupos de pesquisa daregião o que, certamente, indica o pe-queno número de grupos de pesquisanas demais IES: estaduais, confessionaise privadas.

3º Em termos nacionais há um predomí-nio de duas áreas de conhecimento:Medicina e Educação que são respon-sáveis, respectivamente, por 6,1% e 6,0%dos grupos nacionais.

4º A partir desses dados é notória a neces-sidade de fortalecimento institucional dapesquisa e melhor distribuição dos gru-pos entre as IFES da região.

Procurando aprofundar esses dadosexaminei as listas dos grupos de pesquisada área de Educação no Diretório do CNPqe comparei com as linhas de pesquisa dosprogramas de Pós-graduação em Educa-ção do Centro-Oeste (Fonte coleta/CAPES),

constatando que:1º Os grupos de pesquisa cadastrados no

CNPq constituem um universo maior doque as linhas e projetos de pesquisados programas da área de Educação.Isso poderia indicar um potencial mai-or de pesquisadores? Os Programas jáexaminaram as listas dos grupos desuas instituições para verificar as possi-bilidades de articulação?

2º As linhas de pesquisa dos Programasde Pós-graduação da Região guardamrelação estreita: verifiquei por palavrachave e há temáticas que se repetemem até quatro programas.

Naquela ocasião, referendando oconferencista, propus que se discutisse o de-senvolvimento de ações coordenadas e ar-ticuladas pelas IES da região, objetivandoo fortalecimento institucional e o enfrenta-mento de questões sociais, bem como, peladefinição e consolidação de áreas de pes-quisa a serem priorizadas visando ao de-senvolvimento tecnológico e avanço doconhecimento.

Ainda com essas premissas, decidiagora, trabalhar as mesmas fontes de dados,mais preocupada com o apoio do CNPq aosdocentes dos programas da região.

É preciso lembrar que o Diretório dosgrupos de pesquisa do CNPq é apenas umbanco de dados. Pertencer a um Grupocredenciado pela instituição e cadastradono Diretório indica apenas que estão sendodivulgadas as temáticas, linhas de pesquisae objetos sobre os quais o grupo vem pes-quisando. Não indica apoio do CNPq nosentido real, de financiamento.

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Esse apoio real, ou a falta dele, cons-titui um dos mais importantes elementosna constituição do campo e na aquisiçãodo “corpo de disposições que lhes permiteagir de acordo com as possibilidades exis-tentes no interior dessa estrutura objetiva:o habitus”, retornando a Bourdieu.

O financiamento de pesquisas pelasagências de fomento não só viabiliza asua execução como também as legitimapois, pelas regras de cada agência, o pro-jeto é submetido à análise de consultoresad-hoc e de comitês específicos por áreas.O CNPq é a mais importante agência defomento, sendo praticamente a única nocaso do Centro-Oeste, uma vez que asagências estaduais além de incipientes,quase não financiam pesquisas na áreade ciências humanas.

A questão que orientou minha buscaaos bancos de dados em relação às tendên-cias e perspectivas da pesquisa emeducação na Região Centro-Oeste dizia res-peito exatamente ao apoio do CNPq: pro-curei saber como essa agência de fomentovem apoiando os pesquisadores dos Pro-gramas de Pós-Graduação em Educaçãodessa região8.

Tendo como fonte, os CurrículosLattes dos pesquisadores (83) do grupo dedocentes permanentes dos programas depós-graduação (NRD6 em 2003) em edu-cação do Centro-Oeste, verifiquei quantosapresentavam “histórico no CNPq”9 e, des-ses, quantos receberam financiamento parapesquisa, quer seja sob a forma de Auxílioà Pesquisa quer seja sob a forma de bolsade Produtividade de Pesquisa.

Figura 2.Figura 2.Figura 2.Figura 2.Figura 2. Comparação do apoio do CNPq aos docentes dos Programas dePós-Gradua-ção em Educação da região Centro-Oeste.

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Figura 3.Figura 3.Figura 3.Figura 3.Figura 3. Apoio do CNPq aos docentesdos Programas de Pós-Graduação em Edu-cação da região Centro-Oeste

FONTE: Currículos Lattes dos docentes NRD6/2003 dosde Pós-Graduação em Educação da região Centro-Oeste– acessados em 12/8/2005.

Os dados apenas referendam as con-clusões de Dourado sobre a concentraçãodos grupos no Sul e no Sudeste, ou, paraser mais explícita, a rarefação dos gruposnas demais regiões, mas reforçam essa idéiamostrando que apenas 32% dos pesqui-sadores dos Programas de Pós-Graduaçãoem Educação da região Centro-Oeste rece-beram, durante toda a sua carreira comopesquisadores, apoio financeiro do CNPqpara seu ofício de pesquisar.

Cabe lembrar também que as regiõesNorte e Nordeste vêm sendo alvo de pro-gramas específicos para formação e fixaçãode pesquisadores. Só muito recentementeesses programas começaram a contemplara região Centro-Oeste e não incluem a áreade Ciências Humanas.

Mas, que história nos contam essesdados? Haveria uma história da produção do

conhecimento na área de educação no Cen-tro-Oeste? Que história nos conta essa história?

Estaria essa história relacionada comos vários momentos da história dossucessivos “estados da arte” realizados pelaprópria área de educação?

Como já mencionado anteriormente,a pesquisa em educação no Brasil, emboratenha se iniciado com a criação do INEP edo CBPE, só adquiriu contornos de campode conhecimento a partir da criação doscursos de pós-graduação stricto sensu, aofinal da década de 1960 (PUC-Rio, em 1965,e da PUC-SP, em 1969), alguns dos quaisfundaram a ANPED em 1976.

Como todo “campo”, sua história épermeada de conflitos, continuidades erupturas.

A noção de conflitos nunca foi tão ex-plícita quando da publicação, em 1993, doBalanço, literalmente um balanço, em “A pro-dução discente dos programas de pós-graduação em educação no Brasil” (1982-1991) In: Avaliação e perspectivas na área deeducação. Porto Alegre: ANPED, 1993.

Ao dissecar a produção de conheci-mento realizada na Pós-Graduação emEducação, já com 30 anos de história, aautora provocou reações diversas dentro daárea: perplexidade foi a mais suave.

Vou destacar uma das conclusões dotrabalho que me parece bem pertinentepara a análise da história dos Programasda região Centro-Oeste:

A dispersão e a variação temática (aponta-das por GATTI, 1982, p. 69) continuam a sercaracterísticas predominantes sobre a uni-dade e a continuidade. Não se trata de diver-sidade, traço positivo a ser conquistado e

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preservado, mas de: a) fragmentação de te-mas numa multiplicidade de subtemas ouassuntos; b) pulverização dos campostemáticos e c) descontinuidade no trato dosassuntos.

Convém destacar que a Tabela 18,1do referido trabalho indica a distribuiçãodas temáticas das dissertações e teses por15 grandes temas, subdivididos emsubtemas, num total de 118, fazendo comque nenhum deles incluísse mais de 5% dasdissertações e teses.

Não exagero ao afirmar que essaconstatação, embora refutada por algunspesquisadores da área, foi a base para aguinada dos programas na direção de suaorganização em linhas de pesquisa que, emtese, evitaria essa dispersão. Claro que essatendência foi fortemente induzida pelassucessivas avaliações da Capes quepassaram a valorizar os programas que seorganizavam em linhas de pesquisa e peloCNPq que iniciou o cadastramento dos gru-pos nos Diretórios dos Grupos de Pesquisaem 1993.

Voltando ao Centro-Oeste: a Pós-Gra-duação em Educação nesta região, ao con-trário do que possa parecer, não é tão jovem,o primeiro programa foi criado em 1974, emais da metade dos programas (5) datada década de 1980.

Na década de 1990, seguindo a ten-dência nacional, os programas da regiãocomeçaram a se organizar em Linhas depesquisa que, inicialmente, guardavamhomologia com as disciplinas, vestígio dosprimeiros anos da Pós-Graduação quandoa pesquisa ainda não era o seu eixo emotor (História da Educação, Filosofia da

Educação etc...). Hoje, todos os programasse organizam em 28 Linhas de pesquisaque, em maior ou menor grau, guardamrelação com objetos de pesquisa mais doque com subáreas de conhecimento.

As linhas de Pesquisa dos Progra-mas de Pós-graduação em Educação daregião Centro-Oeste são as seguintes, porordem de início.1. Educação e meio ambiente2. Filosofia na educação3. História da educação4. Educação e psicologia5. Avaliação em educação6. Política gestão e economia da educação7. Sociologia da linguagem e educação8. História e historiografia da educação9. Saberes e práticas educativas10. Estado e políticas públicas de educação11. Escola, sociedade, cultura12. Instituições e políticas educacionais13. Teorias da educação e processos peda-

gógicos14. Formação de professores e organização

escolar15. Dinâmica curricular e ensino-aprendi-

zagem16. Políticas educacionais, gestão da escola

e formação docente17. Educação em ciências18. Práticas pedagógicas e suas relações

com a formação docente19. Movimentos sociais política e educação

popular20. Ensino de ciências e matemática21. Cultura e processos educacionais22. Educação cultura e disciplinas escolares23. Educação, trabalho e movimentos sociais

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24. Educação, indivíduo e sociedade25. Estado e política educacional26. Formação e profissionalização docente27. Educação e linguagem28. Educação e movimentos sociais

políticas e gestão em educação29. Magistério e processos de aprendizagem30. Políticas públicas e gestão da educação

básica31. Políticas públicas e gestão da educação

superior32. Tecnologias de comunicação e informa-

ção na educação33. Educação e trabalho34. Diversidade cultural e educação indígena

Não fiz o cruzamento desses dadoscom os dos demais programas de Pós-Gra-duação em Educação do país, mas possoafirmar que essa tendência é nacional. Opróprio Documento da Área, divulgado aofinal da avaliação do triênio passado, afir-ma que

A CA-ED observou, pela análise dos rela-tórios do triênio, a tendência de constitui-ção de linhas de pesquisa extremamenteabrangentes. Tal abrangência facilita ainclusão de projetos de pesquisa das maisvariadas temáticas, mas, de forma algu-ma, assegura a organicidade da proposta.A questão se agrava ao se perceber quemuitas vezes as temáticas de teses e, so-bretudo, dissertações, guardam pouca ounenhuma relação com os projetos e mes-mo com as linhas (CAPES, 2004).

Nesse sentido, como não poderiadeixar de ser, a história do campo na regiãoCentro-Oeste não é diferente da histórianacional. Com certeza, se formos analisara história das temáticas da região, vamosencontrar a mesma história das tendências

apontadas nos sucessivos “estados da arte”que a área vem divulgando, desde os doisartigos fundamentais de Aparecida JoliGouveia (GOUVEIA, 1971 e 1976; FRANCO& GOLDBERG, 1976; GATTI, 1982; WEBER,1992; WARDE, 1993).

É preciso deixar claro que não estouindicando que a história regional repete oucopia a história nacional; estou afirmandoa inserção dos Programas de Pós-Gradua-ção em Educação da Região Centro-Oestenesse campo.

Muitas interrogações e possíveisobjetos de pesquisa emergem das reflexõesapresentadas até agora. Para concluí-lasquero voltar à motivação mais ampla des-te texto, enunciada acima: minha preocupa-ção com a formação de pesquisadores epesquisadoras e reforçar uma das tendên-cias encontradas, qual seja a organizaçãodos Programas em Linhas de pesquisa.

Concordando com as sucessivas ori-entações dos Documentos de Área produ-zidos ao final de cada período de Avaliaçãoda CAPES, que enfatiza a necessidade deque o programa mostre a organicidade,coerência e consistência de sua proposta esugere enfaticamente a organização emLinhas de Pesquisa, defendo esta forma deorganização como a mais favorável paraa formação de pesquisadores.

Sendo a configuração de uma neces-sária restrição temática, à qual devem estarfortemente articulados, projetos de pesqui-sa e a estrutura curricular do programa e,conseqüentemente, tenha como seu produ-to a produção intelectual docente e discente,incluídas as teses e dissertações, as Linhasde Pesquisa inserem as orientações de te-

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24 Eurize C. PESSANHA. Pesquisa e formação de pesquisadores em educação...

ses e dissertações em uma rede de proteçãopara orientadores e orientandos.

Considerando a produção de conheci-mento uma atividade precipuamente coletiva,não apenas no sentido de que se insere, comoum novo elo, na produção da humanidade,mas, no próprio processo de produção – em-bora o produto possa ser individual, ninguémpesquisa sozinho; a orientação de teses e dis-sertações também precisa ser coletiva.

E a organização em Linhas de Pes-quisa vem se mostrando a forma mais efi-ciente de orientação, minimizando o cará-ter de trabalho solitário dos mestrandos edoutorandos e a cumplicidade exclusiva dosorientadores. Ao perceber seu trabalho comoparte de uma história de produção deconhecimento, a história da Linha de Pes-quisa em que se insere, orientandos eorientadores percebem que partem de umpatamar já estabelecido a partir do qualseu trabalho pode alçar vôo.

Nesse momento, fechando meu tex-to, preocupo-me com a possibilidade deestar sendo muito restritiva, dando a im-pressão de que conheço os caminhos e seicomo chegar ao lugar que procuro. Precisoentão, recorrer a José Paulo Netto: a orga-nização em Linhas de Pesquisa não garan-te a produção de conhecimento que faça ocampo avançar, assim como,

Nenhuma formação teórico-metodológicaé garantia de êxito de investigação. Ela éum dos componentes da investigação edeve ser um componente fundamental.Não há pesquisa rica feita por sujeito ig-norante, mas só o sujeito culturalmenterico não constitui garantia para o êxito dapesquisa ( NETTO, J. P., 1997).

A organização em Linhas de Pesqui-sa é apenas um dos componentes da for-mação de pesquisadores, a meu ver, umcomponente fundamental, mas não é ga-rantia nem a única forma de fazê-lo.

NotasNotasNotasNotasNotas1 Comissão de Acompanhamento e Avaliação da CAPES.2 Este trabalho segue apenas a trilha seguida poroutros pesquisadores brasileiros como Moreira(2002) que util izou o mesmo conceito“bourdieusiano” para analisar o campo do currículo.3 Com o objetivo de apresentar uma visão geral dasituação da pesquisa educacional no Brasil, a auto-ra analisou pesquisas publicadas no período de 1965a 1970, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.4 Esteves (1984); Franco (1984) Vieira (1985); Mello(1983).5 Gatti, (1982); Mello (1982); Gouveia (1985); Vieira(1988).6 Gatti (1983); Warde (1990); Cunha (1991); Weber(1992).7 André (2001); Gatti (2001 e 2002).8 No Coleta Capes há informação de 16 projetosfinanciados por outras agências em 2003 (FAPEMAT,FAPEMIG, FAPDF, FUNDECT e INEP).9 O Sistema de Currículos Lates inclui o item Con-sulta a outras bases: “histórico no CNPq”, quando opesquisador foi financiado alguma vez pela agência.

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Recebido em 05 de julho de 2005.Recebido em 05 de julho de 2005.Recebido em 05 de julho de 2005.Recebido em 05 de julho de 2005.Recebido em 05 de julho de 2005.Aprovado para publicação em 25 de agosto de 2005.Aprovado para publicação em 25 de agosto de 2005.Aprovado para publicação em 25 de agosto de 2005.Aprovado para publicação em 25 de agosto de 2005.Aprovado para publicação em 25 de agosto de 2005.

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Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 20, p. 29-46, jul./dez. 2005.

A interpretação do Brasil e do brasileiro e suasA interpretação do Brasil e do brasileiro e suasA interpretação do Brasil e do brasileiro e suasA interpretação do Brasil e do brasileiro e suasA interpretação do Brasil e do brasileiro e suasimplicações no campo da educaçãoimplicações no campo da educaçãoimplicações no campo da educaçãoimplicações no campo da educaçãoimplicações no campo da educaçãoThe interpretation of Brazil and of the Brazilian andthe implications in the field of education

Adriana Kemp Maas

Mestranda em Educação nas Ciências – Unijuí.e-mail: [email protected]

“Não é certamente o atrativo menor de uma teoria o fato de ela ser refutável: justamentecom isso ela atrai mentes mais sutis” (Friedrich Nietzsche)

ResumoResumoResumoResumoResumoCom base no entendimento de que a interpretação do Brasil e do brasileiro nos diferentes momentos dahistória do país, por diferentes autores, consolida arquétipos culturais que se refletem na ordem social enos conceitos estruturantes da educação e do pensamento pedagógico, “demarcando” possibilidades demudança do país, este texto constitui-se de uma análise dos textos Os SertõesOs SertõesOs SertõesOs SertõesOs Sertões, de Euclides da Cunha(1902), UrupêsUrupêsUrupêsUrupêsUrupês, de Monteiro Lobato (1914), e Formação do Brasil ContemporâneoFormação do Brasil ContemporâneoFormação do Brasil ContemporâneoFormação do Brasil ContemporâneoFormação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Jr.(1942). Evidenciam-se aspectos em que as referidas obras assemelham-se e/ou contrariam-se no quetange à interpretação do Brasil e do brasileiro e, por fim, são apontadas e discutidas possíveis implicaçõesdessas interpretações no campo da educação.

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chaveInterpretação do Brasil e do brasileiro; arquétipos culturais; educação.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractBased on the understanding that the interpretation of Brazil and the Brazilian, in different periods of thehistory of the country, by different authors, consolidates cultural archetypes which are reflected in the socialorder and in the structuring concepts of education and pedagogical thought,”marking” possibilities ofchange in the country, this text constitutes an analysis of the texts “Os Sertões”“Os Sertões”“Os Sertões”“Os Sertões”“Os Sertões” by Euclides da Cunha(1902), “Urupês“Urupês“Urupês“Urupês“Urupês” by Monteiro Lobato (1914), and “Formação do Brasil Contemporâneo“Formação do Brasil Contemporâneo“Formação do Brasil Contemporâneo“Formação do Brasil Contemporâneo“Formação do Brasil Contemporâneo” (The Formationof Contemporary Brazil), by Caio Prado Jr. (1942). There are evidences of aspects in which the aforementionedworks are similar and/or different in relation to the interpretation of Brazil and of the Brazilian and finally,possible implications of these interpretations in the field of education are brought out and discussed.

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsInterpretation of Brazil and Brazilians; cultural archetypes; education.

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IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

Entende-se que a interpretação doBrasil e do brasileiro nos diferentes momen-tos da história do país, por diferentes autores,consolida arquétipos culturais que, por suavez, refletem-se na ordem social e nos con-ceitos estruturantes da educação e do pen-samento pedagógico, “demarcando” possi-bilidades de mudança no país.

Com base nessa compreensão, a pro-posta deste texto é analisar a interpretaçãodo Brasil e do brasileiro, a partir das obrasOs SertõesOs SertõesOs SertõesOs SertõesOs Sertões, de Euclides da Cunha (1902),UrupêsUrupêsUrupêsUrupêsUrupês, de Monteiro Lobato (1914), e For-For-For-For-For-mação do Brasil Contemporâneomação do Brasil Contemporâneomação do Brasil Contemporâneomação do Brasil Contemporâneomação do Brasil Contemporâneo, deCaio Prado Jr. (1942).

Os referidos textos de Euclides daCunha e Monteiro Lobato foram tomadoscomo objeto deste estudo por serem repre-sentativos de um momento histórico brasi-leiro caracterizado por uma significativamudança nas “fontes de inspiração” de nos-sos intelectuais (início do século XX), perío-do que antecedeu a Semana de ArteModerna, de 1922. As duas primeiras déca-das do século XX marcam, em termos mun-diais, os preparativos para a Primeira GuerraMundial, que teve a Europa como palco; oBrasil vive a República do café-com-leite,dos grandes proprietários rurais. Trata-se deuma época em que os fortes contrastes darealidade brasileira são evidenciados: de umlado, é a época áurea da economia cafeeirano Sudeste, da entrada de grandes levasde imigrantes, notadamente os italianos, doesplendor da Amazônia, com o ciclo daborracha, e do surto da urbanização de SãoPaulo; de outro lado, é também o tempo

de agitações sociais resultantes das cres-centes desigualdades: a Revolta deCanudos, na Bahia, em fins do século XIX,o tempo do cangaço, com a figura lendáriade Lampião, nos primeiros anos do séculoXX, em todo o sertão assolado por cons-tantes secas.

A produção literária desse períodoreflete esses conflitos, sintetizados em trêsaspectos: 1) denúncia da realidade brasi-leira, negando o Brasil literário herdado doRomantismo e do Parnasianismo e retra-tando o Brasil não-oficial do sertão nordes-tino, dos caboclos interioranos, dos subúr-bios; 2) incorporação à Literatura de tiposhumanos marginalizados; 3) leitura/repre-sentação da realidade brasileira à luz defatos políticos, econômicos e sociais con-temporâneos, diminuindo a distância entrerealidade e ficção.

A obra de Caio Prado Jr., por sua vez,foi tomada por ser representativa de outraexplicação do Brasil, que toma corpo a partirde 1930, superando-se a historiografia ba-seada nos conceitos de raça, revoltas/bata-lhas, que permeiam as interpretações ante-riores e construindo-se uma “leitura” dasociedade brasileira a partir de concepçõesculturais (organização social e econômica).O país vive a efervescência do fim da Repú-blica do café-com-leite e do MovimentoModernista preparado nas primeiras duasdécadas do século XX, tendo vivido seuperíodo mais radical até 1930, quando seinicia o que se denomina segunda fasemodernista, caracterizada pela denúnciasocial, cujas obras exprimem um elevadograu de tensão nas relações do “eu” com omundo. A maturidade e o engajamento que

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se verifica nas produções literárias desseperíodo também se fazem presentes naobra historiográfica de Caio Prado Jr.

A busca incessante pela definição dotipo humano brasileiro marca tanto a pro-dução literária quanto a historiográfica. E éessa busca que norteia a análise dessasobras neste estudo. Apresenta-se, num pri-meiro momento, uma leitura de Os SertõesOs SertõesOs SertõesOs SertõesOs Sertões,de Euclides da Cunha, e de UrupêsUrupêsUrupêsUrupêsUrupês, deMonteiro Lobato, tecendo a respeito deambas alguns comentários analíticos, bus-cando evidenciar aspectos em que se com-plementam/assemelham e/ou se contra-riam/negam, uma vez que pertencem aomesmo período da Literatura Brasileira eforam publicadas em um momento da his-tória do Brasil caracterizado pela tentativade construção de uma tradição intelectualgenuinamente nacional.

Na seqüência, apresenta-se uma lei-tura da obra Formação do Brasil Con-Formação do Brasil Con-Formação do Brasil Con-Formação do Brasil Con-Formação do Brasil Con-temporâneotemporâneotemporâneotemporâneotemporâneo, de Caio Prado Jr., buscandoevidenciar a interpretação que o mesmo fazdo Brasil e de seu povo. Por fim, evidenciam-se possíveis contradições e/ou comple-mentações entre os textos estudados e suasimplicações no campo da educação.

A análise que ora se apresenta des-ses textos funda-se no entendimento de quea leitura de textos da literatura e dahistoriografia proporciona conhecer e com-preender a sociedade em seus diversosmomentos, possibilitando a percepção dasmudanças ocorridas, para além da infor-mação sobre os fatos históricos, mas, prin-cipalmente, a compreensão de seu signifi-cado e seus desdobramentos na vida sócio-

econômica, cultural e, conseqüentemente,na educação. Entende-se que as con-cepções que permeiam o fazer em educa-ção resultam da relação de forças entre dife-rentes modos de “olhar-ler” a realidade evislumbrar suas possibilidades. Nesse sen-tido, três questões são fundantes: Quem so-mos? Quem queremos ser? Quais são nos-sas possibilidades? A literatura e a historio-grafia ajudam-nos a construir respostaspara estas questões.

Os SertõesOs SertõesOs SertõesOs SertõesOs Sertões: o sertanejo como a: o sertanejo como a: o sertanejo como a: o sertanejo como a: o sertanejo como a“rocha viva” da nacionalidade“rocha viva” da nacionalidade“rocha viva” da nacionalidade“rocha viva” da nacionalidade“rocha viva” da nacionalidade

Publicado em 1902, Os SertõesOs SertõesOs SertõesOs SertõesOs Sertões, deEuclides da Cunha, é resultado da expe-riência do autor como enviado do Jornal OOOOOEstado de São PauloEstado de São PauloEstado de São PauloEstado de São PauloEstado de São Paulo à Bahia, a fim defazer a cobertura jornalística da Revolta deCanudos, em 1897.

A obra divide-se em três grandespartes: A Terra, O Homem e A Luta.

Na primeira parte, intitulada A TERRA,o autor situa geograficamente o leitor (ossertões descritos incluem territórios deGoiás, Piauí, Maranhão, Ceará, Pernam-buco e Bahia); descreve a terra do sertãonordestino, do ponto de vista geográfico, efaz uma análise do clima do sertão. Embo-ra não seja essa a parte sobre a qual esteestudo efetivamente recai, merecem desta-que as descrições poéticas, permeadas deprosopopéias1, através das quais eviden-cia-se a antropomorfização2 da natureza.Como exemplo, tem-se a descrição dasbruscas alterações climáticas ocorridas nosertão:

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A terra desnuda tendo contrapostas, empermanente conflito, as capacidadesemissiva e absorvente dos materiais quea formam, do mesmo passo armazena osardores das soalheiras e deles se esgota,de improviso. Insola-se e enregela-se, em24 horas. Fere-a o Sol e ela absorve-lheos raios, e multiplica-os e reflete-os, e re-frata-os, num reverberar ofuscante: pelotopo dos cerros, pelo esbarrancado dasencostas, incendeiam-se as acendalhas dasílica fraturada, rebrilhantes, numa tramavibrátil de centelhas; a atmosfera junto aochão vibra num ondular vivíssimo de bo-cas de fornalha em que se pressente in-comparável no fulgor, fulmina a naturezasilenciosa, em cujo seio se abate, imóvel,na quietude de um longo espasmo, agalhada sem folhas da flora sucumbida(CUNHA, 2000 [1902], p. 36-37).

Merece destaque, ainda, a descriçãoque o autor faz da “secura” do ar na regiãodos sertões brasileiros. O autor cria umaimagem que se define claramente “diantedos olhos” do leitor, constituindo umailustração:

O sol poente desatava, longa, a sua som-bra pelo chão e protegido por ela – braçoslargamente abertos, face volvida para oscéus – um soldado descansava.

Descansava... havia três meses.

Morrera no assalto de 18 de julho. A co-ronha da Mannlicher estrondada, ocinturão e o boné jogados a uma banda,e a farda em tiras, diziam que sucumbiraem luta corpo a corpo com adversáriopossante. Caíra, certo, derreando-se à vio-lenta pancada que lhe sulcara a fronte,manchada de uma escara preta. E ao en-terrar-se, dias depois, os mortos, não forapercebido. Não compartira, por isto, a valacomum de menos de um côvado de fundoem que eram jogados [...].

E estava intacto. Murchara apenas. Mu-mificara conservando os traços fisio-nômicos, de modo a incutir a ilusão exatade um lutador cansado, retemperando-seem tranqüilo sono, à sombra daquela ár-vore benfazeja. Nem um verme – o maisvulgar dos trágicos analistas da matéria –lhe maculara os tecidos. Volvia o turbi-lhão da vida sem decomposição repugnan-te, numa exaustão imperceptível. Era umaparelho revelando de modo absoluto, massugestivo, a secura extrema dos ares (Id,Ibid, p. 38).

Este trecho ilustra, também, o estiloda linguagem empregada por Euclides daCunha, incorporando à literatura termoscientíficos, sem a tradicional visão idealiza-da de mundo.

Na segunda parte, intitulada OHOMEM, que constitui o foco de interessedeste estudo, o autor propõe-se a analisar,objetivamente, a formação do homem dosertão. Logo no início dessa parte, explicitao rigor científico que pretende aplicar àescrita, marcando textualmente seu repú-dio às formas de pensar e representar omundo que não obedeçam à racionalidadetécnica.

Há como que um excesso de subjetivismono ânimo dos que entre nós, nos últimostempos, cogitam de cousas tão sérias, comuma volubilidade algo escandalosa, aten-tas as proporções do assunto. Começamexcluindo em grande parte os materiaisobjetivos oferecidos pelas circunstânciasmesológica e histórica (Ibid, Ibid, p. 70).

Resultado de discussões que trava notexto, fazendo emergir outras vozes, numdiálogo com outros autores, Euclides daCunha faz uma afirmação categórica: “Nãotemos unidade de raça” (Id, Ibid, p. 71).

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A complexidade étnica no Brasil éevidenciada também na página 71, em queafirma que a formação do povo brasileiroestá ligada aos seguintes fatores: a) àheterogeneidade de elementos étnicos an-cestrais; b) à amplitude e variação do meiofísico; c) à variedade de situações históri-cas, decorrentes, em grande parte, do meiofísico. No que diz respeito a esta última va-riante, o autor diz que a ocupação do Brasil,já na fase colonial, se deu separando-seradicalmente o Sul e o Norte. É pertinenteesclarecer que, quando Euclides da Cunhase refere ao Sul, deve-se ler “região sudeste”(São Paulo e Rio de Janeiro, principalmen-te). No Sul (Sudeste, portanto), registrou-seum movimento progressista, enquanto queno Norte, capitanias esparsas e incoeren-tes, onde “a história é mais teatral, porémmenos eloqüoente” (p. 80). E soma-se a issoa separação entre si das três raças forma-doras do povo da região: o negro, o índio eo europeu (português):

Mesmo no período culminante, a luta comos holandeses, acampam, claramente dis-tintos em suas tendas de campanha, osnegros de Henrique Dias, os índios deCamarão e os lusitanos de Vieira. Malunidos na guerra, distanciam-se na paz.O drama de Palmares, as correrias dosselvícolas, os conflitos na orla dos sertões,violam a transitória convergência contrao batavo (Id, Ibid, p. 80).

Já o povo do Sul é descrito como:Um povo estranho de mestiços levan-tadiços, expandindo outras tendências,norteado por outros destinos, pisando, re-soluto, em demanda de outros rumos,[...]. Volvia-se em luta aberta com a corteportuguesa, numa reação tenaz contra osjesuítas. Estes, olvidando o holandês e

dirigindo-se, com Ruiz de Montoya a Ma-dri e Diaz Taño a Roma, apontavam-nocomo inimigo mais sério (Id, Ibid, p. 80).

Portanto, a feição verdadeiramentenacional está no contraste, que não se ba-seia, segundo o autor, em causas étnicasprimordiais. Ele ressalta a influência doambiente e do clima sobre o movimentohistórico e a formação étnica.

Na página 84, Euclides da Cunhaafirma: “Não há um tipo biológico brasileiro”e “Não há um tipo antropológico brasileiro”.Apresenta o que se pode denominar umatese acerca da formação étnica, trazendoconceitos que hoje são facilmente comba-tidos pelos Estudos Culturais, bem comopela Biologia: “cultura superior, raça superior,sub-raça”. Dos argumentos apresentadospelo autor, interessa, na perspectiva destaabordagem, a conclusão a que chegou: osvários aspectos da natureza brasileira dis-tribuíram de modo diverso as camadasétnicas no território do país, originando umamestiçagem variada.

Assim como a formação da popula-ção do norte se deu diferentemente da popu-lação do sul do país, a formação da popula-ção sertaneja se deu diferentemente da litorâ-nea. O sertanejo tem maior influência do ín-dio, enquanto o tipo humano do litoral é maismarcado pelo cruzamento com o negro. Issotem, segundo o autor, determinante contri-buição sobre o caráter de cada um dessestipos: o sertanejo e o homem litorâneo.MesmoMesmoMesmoMesmoMesmo que ambos sejam “mestiços”, o que,do ponto de vista do autor, é negativo paraseu desenvolvimento e sua evolução, o ser-tanejo está em vantagem por ter recebidomaior influência do índio do que do negro.

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Sobre as características morais dosertanejo, o autor afirma que são umamescla do caráter do bandeirante (paulista)e do jesuíta (europeu):1. o bandeirante (paulista): bravo e deste-

mido, em busca de ouro ou escravos, nãopovoava, ao contrário, por onde passa-va, deixava porventura “mais deserto”;

2. o jesuíta (europeu): resignado e tenaz;3. o vaqueiro (sertanejo): bravo e destemi-

do como o bandeirante, resignado e te-naz como o jesuíta, tinha uma vantagemque faltou a ambos: a fixação ao solo.

Nos sertões brasileiros, o vaqueiro éfigura preponderante. O povo sertanejo(mestiço) foi sendo formado pela fusão comoutros povos, do sul e do norte que se aven-turavam em busca de minas:

Abrindo aos exploradores duas entradasúnicas, à nascente e à foz, levando homensdo sul ao encontro dos homens do norte, ogrande rio erigia-se desde o princípio coma feição de um unificador étnico, longo traçode união entre as duas sociedades que senão conheciam (Id, Ibid, p. 91).

Nessa passagem, evidencia-se maisuma vez a influência do meio atribuída àformação do povo, pois o Rio São Franciscoé apontado como “unificador étnico”. Outrapassagem também é muito significativa,ilustrando a tese defendida pelo autor so-bre a formação do povo:

A terra, do mesmo passo exuberante eacessível, compensava-lhes a miragemdesfeita das minas cobiçadas. A sua estru-tura geológica original criando conforma-ções topográficas em que as serranias,últimos esporões e contrafortes da cordi-lheira marítima, têm a atenuante dos ta-buleiros vastos; a sua flora complexa evariável, em que se entrelaçam florestas

sem a vastidão e o trançado impenetráveldas do litoral, como ‘mimoso’ das planurase o ‘agreste das chapadas desafogadas,todas salteadamente, nos vastos claros dascaatingas [...] foram laços preciosos para afusão desses elementos esparsos, atrain-do-os, entrelaçando-os. E o regime pasto-ril ali se esboçou como uma sugestãodominadora dos gerais (Id, Ibid, p. 91-92).

O caráter do sertanejo é descrito, por-tanto, como a fusão dos elementos que oformaram. O colono, que no sertão se ins-talou após as frustradas buscas pelas mi-nas naquela região, contribuiu com a “ín-dole aventureira”. O indígena acrescentoua impulsividade. Estas características seconservam no tipo sertanejo, modificadasapenas de acordo com as novas exigênciasda vida, traduzindo-se em:• vestes características;• hábitos antigos;• apego às tradições mais remotas;• sentimento religioso levado até o fana-

tismo;• exagerado ponto de honra;• folclore belíssimo de rimas seculares.

Segundo o autor, os jesuítas, capu-chinhos e franciscanos tiveram importânciadestacada na história da formação dospovos sertanejos, catequizando indígenase incorporando-os à vida nacional por meiodos aldeamentos que se formavam no sé-culo XVIII sob influência das missõesjesuíticas.

Para ele, dois determinantes históricosse destacam na manutenção do autóctonena região sertaneja do Brasil:1. as grandes concessões de sesmarias, o

que levou ao latifúndio, em um “sistemafeudal”, e dificultou a entrada de novos

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povoadores ou concorrentes, permane-cendo a raça mestiça própria do local,crescendo fora da influência de outroselementos, entregues à vida pastoril;

2. a carta régia de 7 de fevereiro de 1701,que foi medida concentradora desse iso-lamento. O documento legal proibia, sobpena de severas punições, qualquer co-municação ou mesmo relação comercialdaquela parte dos sertões (Pombal, Cume,Bom Conselho, Monte Santo) com o Sul.

A esses fatos históricos, soma-se a jádestacada influência do clima na formaçãodo tipo sertanejo. O resultado é, segundo oautor, um tipo uniforme:

[...] o homem do sertão parece feito porum molde único, revelando quase osmesmos caracteres físicos, a mesma tez,variando brevemente do mameluco bron-zeado ao cafuz trigueiro; cabelo corredioe duro ou levemente ondeado; a mesmaenvergadura atlética, e os mesmoscaracteres morais traduzindo-se nas mes-mas superstições, nos mesmos vícios, enas mesmas virtudes (Id, Ibid, p. 100).

Ainda na página 100, o autor “abreum parêntese” e traz alguns conceitos queestão subentendidos nas observações quefaz acerca do homem, que são, segundo ele,impressões, “sem pretensão ou método”:“Reproduzamos, intactas, todas as impres-sões, verdadeiras ou ilusórias, que tivemosde repente, acompanhando a celeridade deuma marcha militar, demos de frente, numavolta do sertão, com aqueles desconhecidossingulares, que ali estão – abandonados –há três séculos”. Nesse “parêntese”, mencio-na o evolucionismo, a fim de justificar suaconvicção na superioridade/inferioridaderacial como determinante de estados

mentais superiores ou inferiores, tomandocomo modelo de superioridade mental oindo-europeu e afirmando que a capacidadecerebral é herança da integração de esfor-ços da raça a que pertence o homem. Nessesentido: “[...] o mestiço – traço de união entreas raças, breve existência individual em quese comprimem esforços seculares – é, quasesempre, um desequilibrado” (p. 101).

Afirma, ainda, que a destruição dasraças inferiores se dá pela civilização, paraa qual elas não estariam preparadas. Nes-se sentido, o isolamento do sertanejo (mes-tiço) teve função benéfica, pois o mantevelonge da civilização, protegendo-o e permi-tindo seu desenvolvimento:

A sua evolução psíquica, por mais demo-rada que esteja destinada a ser, tem, ago-ra, a garantia de um tipo fisicamente cons-tituído e forte. Aquela raça cruzada surgeautônoma e, de algum modo, original,transfigurando, pela própria combinação,todos os atributos herdados; de sorte que,despeada afinal da existência selvagem,pode alcançar a vida civilizada; por istomesmo que não a atingiu de repente (Id,Ibid, p. 103).

Portanto, estariam superadas asquestões biológicas, pois “O sertanejo é,antes de tudo, um forte. Não tem o raquitis-mo exaustivo dos mestiços neurastênicosdo litoral” (p. 103); o sertanejo estaria aptoà vida civilizada, buscando “galgar degraus”na escalada linear da evolução.

A obra de Cunha explicita tambémaspectos da cultura do sertanejo, que ilus-tram a afirmação anterior acerca do apegoàs tradições remotas. O divertimento dovaqueiro constitui-se das seculares festasde cavalhada e mouramas, nas vilas. Um

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exemplo do apego às tradições remotas éa encamisada, um dos programas dessasfestas, que consiste em assalto noturno emque as tropas vestem camisões por disfar-ce. A encamisada é, nas palavras do autor:

Velhíssima cópia das vetustas quadras dosfossados ou arrancadas noturnas, naPenínsula, contra os castelos árabes, e detodo esquecida na terra onde nasceu, ondea sua mesma significação é hoje inusitadoarcaísmo, esta diversão dispendiosa e in-teressante, feita à luz de lanternas e archo-tes, com os seus longos cortejos de ho-mens a pé, vestidos de branco, ou à ma-neira de muçulmanos, e outros a cavaloem animais estranhamente ajaezados,desfilando rápidos, em escaramuças e si-mulados recontros, é o encanto máximodos matutos folgazãos (Id, Ibid, p. 117).

As músicas/ritmos são o choradinhoe o baião. A tradição oral é mostrada comoum elemento da cultura sertaneja. Nos in-tervalos do baile, são travados desafios/competições de rimas. A superstição é ou-tro traço característico de tal cultura:

É a experiência tradicional de Santa Luzia.No dia 12 ao anoitecer expõe ao relento,em linha, seis pedrinhas de sal, que re-presentam, em ordem sucessiva da es-querda para a direita, os seis meses vin-douros, de janeiro a junho. Ao alvorecerde 13 observa-as: se estão intactas, pres-sagiam a seca; se a primeira apenas sedeliu, transmudada em aljôfar límpido, écerta a chuva em janeiro; se a segunda,em fevereiro... (Id, Ibid, p. 120).

A fé religiosa também é traço marcan-te da constituição do sertanejo, expressadapor meio de imagens de santos, rezas, pro-cissões e ladainhas às quais se entregam emuma esperança que é pura espera, impossi-bilitados de fazerem sua própria história:

O seu primeiro amparo é a fé religiosa.Sobraçando os santos milagreiros, cruzesalçadas, andores erguidos, bandeiras doDivido ruflando, lá se vão, descampadosem fora, famílias inteiras. [...] Ecoam largosdias, [...] pelos ermos, por onde passam aslentas procissões propiciatórias, as ladai-nhas tristes. Rebrilham longas noites naschapadas, pervagantes, as velas dos peni-tentes... Mas os céus persistem sinistra-mente claros; o Sol fulmina a terra; progri-de o espasmo assombrador da seca. Omatuto considera a prole apavorada; con-templa entristecido os bois sucumbidos[...] em mugidos prantivos ‘farejando aágua’; – e sem que se lhe amorteça acrença, sem duvidar da Providência que oesmaga, murmurando às mesmas horasas preces costumeiras, apresta-se ao sa-crifício (Id, Ibid, p. 121).

A religiosidade do sertanejo é, comoele, mestiça; as suas crenças singulares tra-duzem a aproximação de tendências distin-tas: lendas arrepiadoras (do caapora, do sacidiabólico, de lobisomens e mulas-sem-cabe-ça, de mal-assombramentos variados), asbenzeduras e as “profecias esdrúxulas demessias insanos” convivem com as romariaspiedosas, as missões, as penitências, reve-lando heranças da religiosidade africana eindígena misturadas à fé cristã/católica: “ossertanejos, herdeiros infelizes de vícios secu-lares, saem das missas consagradas paraos ágapes selvagens dos candomblés afri-canos ou poracês do tupi” (p. 126). Nessaafirmação, explicita-se mais uma vez que oautor tem por parâmetro o europeu, a reli-gião européia, pois é significativo quandodiz que elementos da fé indígena e/ou afri-cana convivem com elementos da fé católica,afirmando que o sertanejo herdou, mas nãoapenas herdou, é “herdeiro infeliz!” das

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marcas da fé indígena e/ou africana, pres-supondo que o natural é ser católico.

Dois elementos também muito for-tes na religiosidade do sertanejo e, pode-mos dizer, do nordestino em geral, são omisticismo político do sebastianismo e omessianismo.

O sebastianismo é um Movimentomístico-secular que ocorreu em Portugal na2ª metade do Séc. XVI como conseqüênciada morte do Rei D. Sebastião na batalhade AlcacerQuibir, em 1578. O rei não tinhaherdeiros; o trono português foi tomadopelo espanhol Felipe II. No entanto, o povonão aceitou a morte do rei, acreditando queele estivesse ainda vivo e que voltaria aotrono e afastaria o domínio estrangeiro. Oconceito de sebastianismo traduz umainconformidade com a situação política vi-gente e uma expectativa de salvação pormeio da ressurreição de um morto ilustre.

O messianismo refere-se a um fenô-meno sócio-religioso que ocorre geralmen-te em situação de grave crise política (amea-ça de invasões, brusca mudança de regime,etc.) e reflete um desespero e um temor cres-cente e insuportável, uma crença nas pro-ximidades do Juízo Final e na necessidadeda chegada de um salvador (messias) pararesgatar a comunidade que está em perigo.

O sertanejo é, segundo o autor, “almaingênua e primitiva”, vulnerável à influên-cia insana de líderes fanáticos.

Outro aspecto interessante é a con-cepção de morte, que é também reveladorada concepção de vida: “A terra é o exílioinsuportável, o morto um bem-aventuradosempre” (p. 127). Nesse sentido, o culto dosmortos é prática corrente.

No capítulo IV da parte intitulada OHOMEM, o autor apresenta a imagem/per-sonificação das “camadas profundas danossa estratificação étnica”: Antônio Con-selheiro. E escreve:

O historiador só pode avaliar a atitude da-quele homem, que por si nada valeu, con-siderando a psicologia da sociedade queo criou. Isolado, ele se perde na turba dosnevróticos vulgares. Pode ser incluído numamodalidade qualquer de psicose progres-siva. Mas posto em função do meio, as-sombra. É uma diátese, e é uma síntese.As fases singulares da sua existência nãosão, talvez, períodos sucessivos de umamoléstia grave, mas são, com certeza, re-sumo abreviado dos aspectos predominan-tes de mal social gravíssimo. Por isso oinfeliz destinado à solicitude dos médicos,veio, impelido por uma potência superior,bater de encontro a uma civilização, indopara a história como poderia ter ido para ohospício. Porque ele para o historiador nãofoi um desequilibrado. Apareceu comointegração de caracteres diferenciados –vagos, indecisos, mal percebidos quandodispersos na multidão, mas enérgicos edefinidos, quando resumidos numa indivi-dualidade (Id, Ibid, p. 132).

Cunha apresenta Antônio Conselhei-ro a partir de uma leitura à luz do Determi-nismo Social e do Evolucionismo, como seilustra pelo seguinte trecho:

É difícil traçar no fenômeno a linha divi-sória entre as tendências pessoais e astendências coletivas: a vida resumida dohomem é um capítulo instantâneo da vidade sua sociedade... [...] A constituição mór-bida levando-o a interpretar caprichosa-mente as condições objetivas, e alteran-do-lhes as relações com o mundo exterior,traduz-se fundamentalmente como umaregressão ao estádio mental dos tiposancestrais da espécie [...] marcando

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logicamente certo nível da mentalidadehumana, recuando no tempo, fixando umafase remota da evolução (Id, Ibid, p. 133).

Na terceira parte da obra, intitulada ALUTA, Euclides da Cunha narra, com riquezade pormenores, as batalhas de Canudos noenfrentamento entre os sertanejos reunidosem torno de Antônio Conselheiro e as tro-pas republicanas. Também nessa parte daobra, o autor descartou a idéia de uma cons-piração política, apoiada por grupos anti-republicanos e por países estrangeiros, quehavia justificado o massacre de Canudos emostrou que os dois lados do conflito – olitoral e o sertão – estavam tomados porfanatismos religiosos e políticos. Os solda-dos republicanos saudavam a memória domarechal Floriano Peixoto com o mesmoentusiasmo doentio com que os jagunçosbradavam pelo Bom Jesus

Considerando os objetivos deste tex-to, não cabe o aprofundamento da discus-são sobre essa parte da narrativa deEuclides da Cunha. É pertinente, no entan-to, observar que o autor, mesmo tendo sidoum defensor da República, denuncia, comtodo o fervor que este verbo pressupõe, oaniquilamento daquele povo miserável, ví-tima de um sistema desigual.

Nesse sentido, cabe citar o que es-creveu Roberto Ventura (2002, p. 185):

OS SERTÕESOS SERTÕESOS SERTÕESOS SERTÕESOS SERTÕES é uma obra híbrida quetransita entre a literatura, a história e aciência, ao unir a perspectiva científica,de base naturalista e evolucionista, à cons-trução literária, marcada pelo fatalismotrágico e por uma visão romântica da na-tureza. Euclides recorreu a formas deficção, como a tragédia e a epopéia, paracompreender o horror da guerra e inserir

os fatos em um enredo capaz de ultrapas-sar a sua significação particular. A epo-péia gloriosa da República brasileira, pelaqual combatera na juventude, adquiriucaráter de tragédia na violenta intervençãomilitar que testemunhou em Canudos.

Independentemente das contradiçõesapontadas pela crítica à obra de Euclidesda Cunha, a mesma constitui, inegavelmen-te, uma importante leitura do povo brasileiro,principalmente do sertanejo nordestino, so-bre o qual, até então, nenhum olhar dessanatureza tinha sido lançado.

UrupêsUrupêsUrupêsUrupêsUrupês: o caboclo como a: o caboclo como a: o caboclo como a: o caboclo como a: o caboclo como apersonificação da incapacidadepersonificação da incapacidadepersonificação da incapacidadepersonificação da incapacidadepersonificação da incapacidade

O conto Urupês, Urupês, Urupês, Urupês, Urupês, de MonteiroLobato, apresenta um alto grau de intertex-tualidade. Os primeiros doze parágrafos dotexto remontam o leitor a uma série deoutros textos da literatura brasileira. Irônico,o autor dedica os primeiros parágrafos auma leitura dos tipos brasileiros maismarcantes de nossa literatura até então eavança, passando de um texto a outro, te-cendo uma crítica sagaz ao romantismo ea tudo o que ele suscitou, em um estiloenvolvente, exigindo do leitor várias refe-rências, a fim de que possa compreender oque escreve e perceber a crítica estampadanas entrelinhas do texto, no melhor estilolobatiano.

Estabelecida a crítica ao recente pas-sado literário brasileiro e ao legado quedeixou (o orgulho do índio idealizado, pri-meiro, e do caboclo, depois), Lobato teceuma contundente crítica ao caipira (cabo-clo) brasileiro e ao culto que dele se faziano início do séc. XX. Contrário à perspectiva

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típica da época, Lobato descreve caricaturale negativamente o caboclo brasileiro, apre-sentando-o como um tipo que é a personi-ficação da incapacidade.

Porque a verdade nua manda dizer queentre as raças de variado matiz, formado-ras da nacionalidade e metidas entre oestrangeiro recente e o aborígene detabuinha no beiço, uma existe a vegetarde cócoras, incapaz de evolução, impene-trável ao progresso. Feia e sorna, nada apõe de pé (LOBATO, 1997 [1914], p. 89).

Evidencia-se, nesse trecho, tambémo que se afirmou anteriormente a respeitoda aversão de Lobato às tentativas de cons-trução da identidade nacional pelaidealização.

É possível sistematizar as seguintescaracterísticas do caboclo a partir do textode Lobato:1. totalmente dependente e absolutamen-

te não politizado, alheio aos aconteci-mentos da vida nacional:

Quando Pedro I lança aos ecos o seu gritohistórico e o país desperta estrovinhado àcrise de uma mudança de dono, o cabo-clo ergue-se, espia e acocora-se de novo”.

A 15 de novembro troca-se um trono vitalí-cio pela cadeira quadrienal. O país bestifica-se ante o inopinado da mudança. O cabo-clo não dá pela coisa (Id, Ibid, p. 89-90).

2. inábil com a linguagem verbal: “De péou sentado as idéias se lhe entramam, alíngua emperra e não há de dizer coisacom coisa” (Id, Ibid, p. 90).

3. incapaz de progredir e completamenteacomodado: “Quando comparece às fei-ras, todo mundo logo adivinha o que eletraz: sempre coisas que a natureza der-rama pelo mato e ao homem só custa o

gesto de espichar a mão e colher...” (Id,Ibid, p. 90).

4. incapaz de organizar e manter uma ha-bitação minimamente decente: “...sua casade sapé e lama faz rir aos bichos quemoram em toca e gargalhar ao João-de-barro. Pura biboca de bosquímano. Mo-bília nenhuma. A cama é uma espipadaesteira de peri posta sobre o chão batido”(Id, Ibid, p. 91).

5. supersticioso, de uma religiosidade tolae repleta de fatalismo:

Da parede pende a espingarda, o rabo detatu e as palmas bentas de queimar du-rante as fortes trovoadas [...].

[...] a fim de neutralizar o desaprumo eprevenir suas conseqüências, ele grudouna parede uma Nossa Senhora enqua-drada em moldurinha amarela – santode mascate.

– Por que não remenda essa parede, ho-mem de Deus?

– Ela não tem coragem de cair. Não vê aescora?

Todo o inconsciente filosofar do caboclogrulha nessa palavra atravessada de fata-lismo e modorra. Nada paga a pena. Nemculturas, nem comodidades. De qualquerjeito se vive (Id, Ibid, p. 91-92).

6. preguiçoso, covarde e cachaceiro:Da terra só quer a mandioca, o milho e acana. A primeira por ser um pão já amas-sado pela natureza. Basta arrancar uma raize deita-la nas brasas [...] (Idib, Ibid, p. 92).

Guerra? T’esconjuro! Meu pai viveu afun-dado no mato p’ra mais de cinco anos porcausa da grande [...] (Id, Ibid, p. 94).

O veículo usual das drogas é sempre apinga – meio honesto de render home-nagem à deusa Cachaça, divindade que

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entre eles ainda não encontrou heréticos(Id, Ibid, p. 95).

7. inexpressivo e absolutamente incapaz deproduzir e/ou apreciar arte:

No meio da natureza brasílica [...] o cabo-clo é sombrio urupê de pau podre amodorrar silencioso no recesso das grotas.

Só ele não fala, não canta, não ri, nãoama.

Só ele, no meio de tanta vida, não vive...(Id, Ibid, p. 97).

Os SertõesOs SertõesOs SertõesOs SertõesOs Sertões e e e e e UrupêsUrupêsUrupêsUrupêsUrupês: divergência e: divergência e: divergência e: divergência e: divergência econvergênciaconvergênciaconvergênciaconvergênciaconvergência

Publicado em 1914, o texto deLobato é, portanto, posterior à obra OsOsOsOsOsSertõesSertõesSertõesSertõesSertões, de Euclides da Cunha (publicadaem 1902) que enaltece o sertanejo, apre-sentando-o como “um forte”, a “rocha viva”da nacionalidade. Lobato, ao contrário, de-monstra nesse texto uma atitude comple-tamente antipática com relação ao cabo-clo, opondo-se e criticando duramente nãoapenas a idealização do índio, marca re-gistrada do Romantismo brasileiro, mastambém as tentativas de “definição” do tipohumano brasileiro valorizando-se o mesti-ço, dentre as quais situa-se, destacada-mente, a obra de Euclides da Cunha. Lobatomostra-se avesso a qualquer possibilidadede idealização e/ou enaltecimento do tipobrasileiro mestiço (caboclo): “Pobre Jeca Tatu!Como é bonito no romance e feio na reali-dade!” (LOBATO, 1997 [1914], p. 90).

Embora apresente uma visão demundo determinista, cientificista e natura-lista, o mérito da obra de Euclides da Cunhareside na denúncia que faz da realidade

brasileira da virada do século XX, trazendoà luz, pela primeira vez em nossas letras, asreais condições de vida no Nordeste brasi-leiro. Em sua abordagem, a Campanha deCanudos torna-se símbolo dos erros come-tidos pela República, ao avaliar, de formaequivocada, os problemas nacionais, preci-pitando-se na análise das motivações dosrebelados e negligenciando suas condiçõesde vida, ou mais precisamente, de sobrevi-vência. A revolta no sertão baiano foi con-siderada, pelo governo da época, um focomonarquista que colocava em risco a vidarepublicana. Tratava-se, no entanto, confor-me Cunha, de uma luta (embora os rebela-dos não tivessem consciência disso, absor-tos que estavam em um completo messia-nismo) contra estruturas que há três séculosse perpetuavam e as quais a república nãomelhorou, à medida que mudava apenaso regime de governo, mantendo inalteradasas condições (desiguais e subumanas) devida do povo.

Euclides da Cunha denuncia e criticaveementemente a postura republicana:

Vivendo quatrocentos anos no litoralvastíssimo, em que palejam reflexos da vidacivilizada, tivemos de improviso, como he-rança inesperada, a República. Ascende-mos, de chofre, arrebatados na caudal dosideais modernos, deixando na penumbrasecular em que jazem, no âmago do país,um terço de nossa gente. Iludidos por umacivilização de empréstimo; respingando emfaina cega de copistas, tudo o que de melhorexiste nos códigos orgânicos de outras na-ções, tornamos, revolucionariamente, fugin-do ao transigir mais ligeiro com as exigên-cias da nossa própria nacionalidade, maisfundo o contraste entre o nosso modo deviver e o daqueles rudes patrícios mais

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estrangeiros nesta terra do que os imigran-tes da Europa. Porque não no-los separaum mar, separam-no-los três séculos...(CUNHA, 2000 [1902], p. 174-175).

Da mesma forma, é possível perce-ber na obra de Monteiro Lobato uma críti-ca à maneira como são procedidas asmudanças no país, uma vez que tambémdenuncia que as estruturas são negligen-ciadas; as mudanças são superficiais e im-postas, não nascendo das bases da socie-dade. Nesse sentido, nota-se evidente críticaà “Independência” no texto de Lobato, mes-mo sendo o caboclo o objeto central dacrítica do autor: “Quando Pedro I lança aosecos o seu grito histórico e o país despertao país despertao país despertao país despertao país despertaestrovinhado à crise duma mudançaestrovinhado à crise duma mudançaestrovinhado à crise duma mudançaestrovinhado à crise duma mudançaestrovinhado à crise duma mudançade donode donode donode donode dono, o caboclo ergue-se, espia e aco-cora-se de novo” (LOBATO, 1997 [1914], p.89) [grifo nosso].

É importante salientar que, mais tar-de, Lobato escreveu Zé BrasilZé BrasilZé BrasilZé BrasilZé Brasil. Nele, o velhoJeca Tatu, preguiçoso incorrigível, que Lobatodepois descobriu vítima da miséria, vira umtrabalhador rural sem terra. Se antes o cai-pira lobatiano debatia-se contra doençasendêmicas, agora tinha no latifúndio e nadistribuição injusta da propriedade rural seupior inimigo.

Dois aspectos precisam ser salienta-dos a partir da leitura do texto de Lobato:1) com esse texto, Lobato “construiu”, ainda

no início de sua carreira intelectual, umaimagem extremamente negativa do ca-boclo brasileiro, que se firmou no imagi-nário social e até hoje é tomada comouma espécie de argumento que justificae/ou fortalece preconceitos contra o ho-mem simples do campo;

2) não se pode tomar essa obra de Lobatoisoladamente, pelo menos do ponto devista conceptual, mas sim no contextode toda sua produção intelectual e desua trajetória de vida, o que revela umsignificativo amadurecimento da visãode mundo e das posições políticas assu-midas pelo autor, à medida que, ao es-crever Zé BrasilZé BrasilZé BrasilZé BrasilZé Brasil, já no final de sua car-reira (e de sua vida) mostra que apren-deu a interpretar o caboclo inserido emum contexto sócio-econômico e culturalexistente no país.

Portanto, tomar as obras de Euclidesda Cunha e Monteiro Lobato implica abrir-se para uma leitura histórica do tipo huma-no brasileiro, atentando para o contextoespaço-temporal em que foram produzidase tomando suas contradições, bem comosuas influências sobre o modo de pensar opaís, sempre em relação a tal contexto.

Formação do BrasilFormação do BrasilFormação do BrasilFormação do BrasilFormação do BrasilContemporâneo: Contemporâneo: Contemporâneo: Contemporâneo: Contemporâneo: uma leitura douma leitura douma leitura douma leitura douma leitura doBrasil à luz do materialismoBrasil à luz do materialismoBrasil à luz do materialismoBrasil à luz do materialismoBrasil à luz do materialismohistóricohistóricohistóricohistóricohistórico

Na obra Formação do Brasil Con-Formação do Brasil Con-Formação do Brasil Con-Formação do Brasil Con-Formação do Brasil Con-temporâneo, temporâneo, temporâneo, temporâneo, temporâneo, publicada em 1942, CaioPrado Jr. defende a tese de que os primei-ros 300 anos de ocupação no Brasil (colo-nização) constituíram os fundamentos danacionalidade, daí a importância de voltaros olhos para esse período, a fim de com-preender o Brasil contemporâneo. A con-temporaneidade de Caio Prado Jr. situa-sena primeira metade do século XX; no en-tanto, mantém-se, em nosso tempo, a atua-lidade de suas análises.

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De acordo com o autor, nos três pri-meiros séculos estabeleceram-se as basessobre as quais o país organizou-se: houve apovoação de seu território; a organização deuma vida humana diferente da que haviaanteriormente (autóctones) e, em certa me-dida, diferente também da vida dos coloni-zadores (portugueses). Estabeleceu-se noBrasil uma população bem diferenciada ecaracterizada; uma estrutura material parti-cular; uma organização social definida porrelações específicas (senhores e escravos) euma “atitude” mental coletiva particular.

Três raças participaram da constitui-ção humana do Brasil: o indígena (nativo),o negro (africano) e o branco (europeu) reu-nidos aqui, por iniciativa do colonizadoreuropeu, com o único objetivo de realizaruma vasta empresa comercial. Dessas trêsraças, duas são, de acordo com o autor,semi-bárbaras em estado nativo, as quaissão o contingente maior e “trazem à bailaproblemas étnicos muitos complexos”(PRADO JR., 1999 [1942], p. 85). Referir-seaos negros, que foram trazidos ao Brasilpara trabalharem como escravos, não sig-nifica referir-se a UMAUMAUMAUMAUMA etnia/cultura; hou-ve uma pluralidade historicamentedesconsiderada. O mesmo vale para os in-dígenas. Ambos foram sufocados em suacultura, arrebanhados pela força e incorpo-rados pela violência, sem receber o menorpreparo para o convívio em uma socieda-de tão estranha para eles (Id, Ibid, p. 341).

Quanto ao branco, até princípios doséculo XIX entra na composição do tipohumano brasileiro quase que exclusiva-mente o português, sendo o critério de se-leção de colonos para virem ao Brasil antes

religioso que nacional: a condição de cristão(ressalte-se que cristão era sinônimo decatólico). Com a descoberta do ouro nacolônia brasileira, o critério muda e a políticaliberal de admissão de estrangeiros, prati-cada até então, dá lugar a uma fase derestrições:

A avidez que o metal desperta no Reinomarcará toda sua política daí por diante;ela se tornará mesquinha, animada uni-camente por interesses fiscais [...]. Fecham-se as portas do Brasil, tudo são temoresde desvio de proveitos para fora da metró-pole. Até a última gota a seiva da colônialhe devia pertencer (Id, Ibid, p. 87).

Dentre os elementos apresentadospor Caio Prado Jr. como constituintes dasbases sobre as quais o país assentou-se,destaca-se o que se refere a uma “atitude”mental coletiva particular. Para compreen-der a constituição dessa “mentalidade”, éimprescindível voltar os olhos à colonizaçãodeste território.

A colonização da América, e especial-mente do Brasil, resulta de uma empresacomercial européia. A colonização brasileiraé o estabelecimento de feitorias comerciais.A idéia de povoar surge tão somente danecessidade de criar um povoamento capazde abastecer e manter as feitorias que sefundavam e organizar a produção de gêne-ros que interessavam ao seu comércio.

Em um primeiro momento, o siste-ma colonial estabeleceu suas bases sobrea extração de madeira, peles de animais,pesca e minérios; estes em menor quanti-dade do que a esperada pelos colonizado-res. Só mais tarde, estabeleceu-se uma basemais estável: a agricultura. Introduziu-seaqui o produto e o produtor, o que começou

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com a cana-de-açúcar e desdobrou-se emvários ciclos geo-econômicos.

O tripé grande propriedade –monocultura – trabalho escravo constituiua base da ocupação/colonização do Brasil.O perfil do colono europeu que veio paraos trópicos foi determinante para isso:

Não é o trabalhador, o simples povoador;mas o explorador, o empresário de umgrande negócio. Vem para dirigir: e se épara o campo que se encaminha, só umaempresa de vulto, a grande exploraçãorural em espécie e em que figure comosenhor, o pode interessar (Id, Ibid, p. 120).

Grande parte dos colonos, pelomenos das primeiras levas, é de origemnobre ou fidalga, vindo, portanto, para co-mandar e não para trabalhar. Receberamgrandes extensões de terras (as sesmarias),instituindo a produção monocultural deprodutos destinados ao abastecimento dacoroa e/ou ao mercado europeu, com o tra-balho, efetivamente, realizado por mão-de-obra escrava.

A colonização de açorianos em San-ta Catarina e no Rio Grande do Sul, bemcomo as levas de imigrantes, principalmenteitalianos e alemães, ao sul do país, consti-tuem exceção.

Agricultura, mineração e extrativismoforam, segundo o autor, atividades funda-mentais na colônia, uma vez que represen-tavam a base sobre a qual se assentava avida na colônia. Todas, no entanto, visavamao comércio externo e eram comandadaspor um “empresário”: o fazendeiro, ominerador ou o explorador extrativista, res-pectivamente:

“Em cada um dos casos em que se organi-zou um ramo de produção brasileira, não

se teve em vista outra coisa que a oportuni-dade momentânea que se apresentava [...].

É assim que se formou e sempre funcio-nou a economia brasileira: a repetição notempo e no espaço de pequenas e curtasempresas de maior ou menor sucesso [...].No conjunto, a colônia não terá nuncauma organização econômica que mereçaeste nome, e alcançará seu termo semconseguir equilibrar estavelmente a suavida. Oscilará com altos e baixos violentos,semeando de cada vez mais um pouco dedestruição e miséria neste vasto territórioque lhe foi dado operar” (Id, Ibid, p. 128).

Portanto, o “sentido” da colonizaçãobrasileira

...é o de uma colônia destinada a fornecerao comércio europeu alguns gêneros tro-picais ou minerais de grande importân-cia: o açúcar, o algodão, o ouro... [...]. Anossa economia se subordina e funcio-nará para produzir e exportar aquelesgêneros. Tudo mais que nela existe, e queé aliás de pouca monta, será subsidiárioe destinado unicamente a amparar e tor-nar possível a realização daquele fim es-sencial (Id, Ibid, p. 119).

É a grande exploração que rege todoo sistema colonial no Brasil. E é esse o ele-mento que se estabeleceu e, pode-se afir-mar, persiste na mentalidade do tipo huma-no brasileiro. A cosmovisão de Prado Jr. so-bre o país é motivada por uma vontade deconstrução/transformação, uma vez que lheinteressa a superação dos problemas, defi-nindo o Brasil contemporâneo (ele publicao livro em 1942) como “um organismo emfranca e ativa transformação que ainda nãotomou forma”. Segundo ele, essa transforma-ção, em alguns setores, já se deu de manei-ra mais profunda, mas o Brasil ainda revelatraços muito fortes próprios da era colonial.

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O trabalho livre ainda não se orga-nizara, efetivamente, em todo o país; con-servam-se traços bastante vivos do regimeescravista que o precedeu. A abolição, ofi-cialmente, deu-se em 1888. No entanto, otrabalho escravo era apenas um dos as-pectos responsáveis pela desigualdade quemantinha a massa da população brasileira(1/3 de negros) em um grau ínfimo de exis-tência material e moral. A abolição, na con-cepção do autor, representou uma troca desistema de trabalho, sem alteração na orga-nização fundamental do país, mantendo-se, portanto, as desigualdades constitutivasde tal organização.

O autor evidencia, ainda, como tra-ços herdados do sistema colonial: a produ-ção extensiva para mercados internacionais;a correlata falta de um mercado internolargo e solidamente alicerçado e organiza-do; os processos rudimentares aplicados àagricultura do país e a inércia econômicada maioria das regiões brasileiras.

No entanto, as críticas tecidas peloautor sobre o país não são fortuitas. Eleacredita que os conflitos do sistema colonialcolocaram o país em ebulição, preparandoo terreno para a transformação. E é este ofim último de sua historiografia: contribuirpara a transformação.

A análise que Caio Prado Jr. faz daformação do Brasil sobre as bases do sis-tema colonial é de um realismo brilhante.A linguagem empregada pelo autor possuiuma carga semântica de denúncia daexploração constitutiva das bases do siste-ma colonial sobre as quais forma-se oBrasil. A obra, perpassada pela visão mate-rialista-histórica da realidade, evidencia a

influência/importância das bases sobre asquais se estabelece a organização sócio-econômica e cultural da vida brasileira; nes-se sentido, o autor provoca o leitor a pen-sar/encarar as mudanças com uma profun-didade desestabilizadora.

Considerações FinaisConsiderações FinaisConsiderações FinaisConsiderações FinaisConsiderações Finais

A descrição da formação do tipohumano brasileiro, em suas variáveis regio-nais, é feita por Prado Jr. sob uma perspecti-va completamente diferente daquela quese percebe na obra de Cunha; trata-se deuma perspectiva sócio-econômica e cultural,e não racial, como fizeram Cunha, em OsOsOsOsOsSertões,Sertões,Sertões,Sertões,Sertões, e Lobato, em UrupêsUrupêsUrupêsUrupêsUrupês. As basesde análise, ou seja, as teorias que subjazemà interpretação de cada um dos autorescitados são substancialmente diferentes.

Os elementos geográficos (clima, tipode solo, bacia hidrográfica), ressaltados porCunha como determinantes da ocupaçãodo território e da formação do tipo huma-no em cada região, são considerados porPrado Jr. como um, dentre o complexo deelementos estruturantes da ocupação doterritório brasileiro. O que sobressai na aná-lise de Prado Jr. é a organização sócio-eco-nômica da vida do homem neste territóriocomo elemento fundante do perfil do tipobrasileiro, sua formação e evolução.

Destaca-se o caráter atual da obrade Caio Prado Jr, uma vez que a mentali-dade predominante do povo brasileiro ain-da é a de produzir com vistas ao mercadoexterno, com uma economia dependente,determinada pelo capital internacional enão pelos sujeitos/cidadãos brasileiros que

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geram, efetivamente, a produção. Provadisso é o desdobramento e a continuidadeda economia em ciclos geo-econômicos,determinando a própria estrutura da socie-dade brasileira.

No que tange à educação, os refle-xos dessa mentalidade coletiva mostram-se com toda força: a vida social e culturalacabam determinadas pela economia, aqual é dependente do mercado externo.

O risco a que está submetida a insti-tuição escolar, o que não raras vezes se re-gistra efetivamente na prática pedagógica,é de acabar por reproduzir a macro-estru-tura da sociedade, servindo a objetivosuniversalizantes e permanentes a serviço degrupos sociais específicos que trazem inte-resses gestados fora da escola e para osquais a escola é posta a serviço.

Portanto, ressalta-se a relevância deo professor, independentemente de suaárea de formação/atuação, implicar-se coma constituição do tipo humano brasileiro(quem somos?), com o imaginário dessanação (quem queremos ser?) e com as pos-sibilidades que efetivamente temos e/oupodemos criar/construir.

Nesse sentido, cabe lembrar a con-cepção de Marques (2000), para quementender a escola requer entender as ra-zões que movem os sujeitos que a fazem

no seu dia-a-dia: Qual é seu imaginário?Quais são suas expectativas?

A imaginação, entendida aqui comoo imaginário social, está no cerne da razãopolicêntrica (razão das muitas vozes); estána base de qualquer ideal ou projeto deescola, não só daqueles que formalmentea instituem, mas principalmente daquelesque a fazem, re-fazem dia a dia, dando-lhevida real e efetividade (MARQUES, 2000).

Por isso, é imprescindível que o pro-fessor seja um sujeito “tocado” pelas ques-tões que afligem o ser humano e, mais espe-cificamente, o sujeito-cidadão nacional, inte-ressando-se, lendo, pesquisando, enfim, bus-cando constantemente respostas para asquestões fundantes da prática educativa,consciente de que tais respostas precisamser continuamente construídas, uma vez quenão estão prontas para serem descobertasem um determinado lugar, tampouco sãocompletas, mas sim são formas de olhar-lera realidade e vislumbrar suas possibilidades.

NotasNotasNotasNotasNotas1 Figura de linguagem que consiste na atribuiçãode características humanas a seres inanimados,imaginários ou irracionais.2 Figura de linguagem por meio da qual os seresda natureza são dotados de sentimentos ou mesmode desígnios humanos.

ReferênciasReferênciasReferênciasReferênciasReferências

CUNHA, Euclides da. Os Sertões: Campanha de Canudos. Edição crítica de Walnice NogueiraGalvão. São Paulo: Ática, 2000.

LOBATO, Monteiro. Contos (extraídos de Urupês). Organizado e introduzido por Myriam deFilippis. Curitiba: Pólo Editorial do Paraná, 1997.

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MARQUES, Mário Osório. Aprendizagem na Mediação Social do Aprendido e da Docência. 2.Ed. Ijuí: Unijuí, 2000.

PRADO JR., Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 23. ed. São Paulo: Brasiliense, 1999.

VENTURA, Roberto. Os Sertões: texto introdutório. In: SANTIAGO, Silviano (coordenação, seleçãode livros e prefácio). Intérpretes do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, v. 1, 2002.

Recebido em 05 de julho de 2005.Recebido em 05 de julho de 2005.Recebido em 05 de julho de 2005.Recebido em 05 de julho de 2005.Recebido em 05 de julho de 2005.Aprovado para publicação em 25 de agosto de 2005.Aprovado para publicação em 25 de agosto de 2005.Aprovado para publicação em 25 de agosto de 2005.Aprovado para publicação em 25 de agosto de 2005.Aprovado para publicação em 25 de agosto de 2005.

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Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 20, p. 47-61, jul./dez. 2005.

Revolução comunicacional global, educaçãoRevolução comunicacional global, educaçãoRevolução comunicacional global, educaçãoRevolução comunicacional global, educaçãoRevolução comunicacional global, educaçãoescolar e formação de professores: possibilidadesescolar e formação de professores: possibilidadesescolar e formação de professores: possibilidadesescolar e formação de professores: possibilidadesescolar e formação de professores: possibilidadese limitese limitese limitese limitese limitesGlobal revolution in communication, schooling andteacher training: possibilities and limits

Alaíde R. Donatoni*Otaviano J. Pereira**

* Dr. em Educação, professores do Programa de Mestradoem Educação da Universidade de Uberaba, MG (UNIUBE)e-mail: [email protected]

** Dra. em Educação, professora do Programa de Mestradoem Educação da Universidade de Uberaba, MG (UNIUBE)e-mail: [email protected]

ResumoResumoResumoResumoResumoCom o objetivo de contribuir com o crescente debate a respeito do uso das Tecnologias da Informação eComunicação (TIC), no campo da educação escolar, os dois autores deste texto propõem responder a trêsquestões, centradas em três enfoques convergentes do problema. Em um primeiro momento, uma leituramais abrangente, universal. Em um segundo, a extensão de uma revolução por eles reconhecida, atingin-do o campo da educação escolar. Finalmente, um olhar atento à formação, inicial e/ou continuada, não sópara se adaptar passivamente a esta revolução, mas para enfrentá-la, absorvê-la ou enriquecê-la. Ao final,além da indicação dos textos utilizados, conforme a norma técnica, adotamos a estratégia de indicaralgumas leituras complementares, na própria referência, sob o título: Bibliografia recomendada.

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chaveTecnologias da Informação e Comunicação; educação escolar; formação de professores.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractWith the aim of contributing to the growing debate on the use of Information and Communication Technology(ICT) in the field of schooling, the two authors of this text propose answering three questions centered onthree converging focusses of the problem. Firstly, a wider and universal reading. Secondly, the extension ofa revolution in the area of schooling recognized by the authors. Finally, a close look at training, initial and/or continued, not only for a passive adaptation to the revolution but to face it, absorb it or enrich it. At theend, as well as the inidcation of texts used, according to the technical norm, the strategy of indicating somecomplementary readings has been adopted within the bibliography itself under the title of: Recommendedbibliography.

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsInformation and Communication Technologies; schooling; teacher training.

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1 A revolução comunicacional1 A revolução comunicacional1 A revolução comunicacional1 A revolução comunicacional1 A revolução comunicacionalglobal: em que avançamos, emglobal: em que avançamos, emglobal: em que avançamos, emglobal: em que avançamos, emglobal: em que avançamos, emque retrocedemosque retrocedemosque retrocedemosque retrocedemosque retrocedemos

I. A primeira questão, de forma maisabrangente que entendemos serimportante colocar, diz respeito aoquadro da revolução comunicacionalglobal que ora experimentamos.Como a enxergamos? Vejamos.

Desde as primeiras décadas do sécu-lo recém-terminado, após a I Guerra, a pri-meira geração dos filósofos frankfurteanospuseram em circulação a suspeita da criseda modernidade. No final da década de 50e início da de 1960, na Europa e EUA, estasuspeita tornou-se mais evidente com osurgimento dos neologismos: neomoder-nidade (ou ultramodernidade) de um lado,e pós-modernidade, de outro. Dessa formacada tendência, a seu modo, em um profí-cuo conflito de interpretações, vem se inte-ressando pela compreensão do estiolamentodo paradigma moderno, espelhado no aba-lo da identidade de seu protagonista: o su-jeito moderno – aquele velho conhecido, in-tegrante de uma classe social determinada,agente social transformador, etc – que, comosabemos, hoje agoniza. O ano de 68, porexemplo, foi o ano emblemático de uma var-redura nos valores (e ideologias) que sus-tentavam as instituições, com suas estraté-gias de acomodação ao poder, visando aoseu melhor “funcionamento”, como o cantode cisne do discurso resultante de uma cren-ça utópica, emergencial, quando nos exigia“fazer a revolução a qualquer custo”.

Do lado dos que ainda acreditamrever o projeto moderno, Habermas é cer-tamente o filósofo em maior evidência, des-de a segunda metade do século recém ter-minado, junto com seus continuadores,(Apel e outros). Na Teoria Crítica ou no cam-po de indagação que passou a ser chama-do de “ética do discurso”, após fazer a revi-são do projeto iluminista da modernidade,no marco da crise da razão, então cunhadade “instrumental”, aponta para uma “neo-modernidade centrada no paradigma darevolução comunicativa”, a partir das “comu-nidades de interpretação” do próprio mun-do, como se fosse um movimento de recos-tura dos sujeitos no grande tecido da pró-pria globalidade. Trazendo isto para o cam-po educacional é o que Marques (1992)chamou de “educação na proposta de umaneomodernidade centrada na linguagempragmática do mundo da vida” (p. 555).

Do lado mais radical de uma nega-ção explícita da modernidade, em vista deum paradigma, “pós-iluminista”, Lyotard,inspirado principalmente nos acontecimen-tos culturais, como a nova arquitetura nosanos 50, traz o termo “pós-modernidade”para dentro da própria Filosofia, a partir de1967, seguido de autores como Foucault –no novo enfoque do poder a partir de uma“arqueologia” deste, nas relações sociais edisseminado nas instituições, incluindo aescola – Derrida, Rorthy, entre outros. Recen-temente, em entrevista ao programa “Milê-nio” exibido na Globo News, em fevereirode 2005, o cientista social Boaventura deSouza Santos referiu-se à necessidade deuma “pós-modernidade reativa”.

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A nosso ver, para além da crise da mo-dernidade, iniciou-se o descortinar da únicacivilização que conseguiu expandir-se a pon-to de se universalizar, em um movimento queLatouche chamou de “ocidentalização domundo” (1994) – exatamente por ter cumpri-do seu ciclo neste movimento de universa-lização, mesmo em seus conflitos com o pro-jeto moderno. Cumpriram-se os objetivos re-volucionários (jurídico-políticos, sociais, cien-tíficos...) de uma era, incluindo-se a revoluçãotecnológico-industrial. É o paradigmatecnocêntrico – como já se falou em para–digma cosmocêntrico (grego), teocêntrico (me-dieval), e antropocêntrico (moderno) – cujostentáculos agora tendem a destruir a nature-za e a sufocar seu próprio protagonista.

Ocorre que, nos anos 60, uma outrareviravolta já estava em curso: a revoluçãocomunicacional global – antes mesmo dequalquer notícia sobre Internet, por exem-plo. O canadense McLuhan, teórico da co-municação, cunhou expressões como “al-deia global” ou “mass media” e o america-no A. Toffler trouxe-nos a idéia de “terceiraonda”; H. Marcuse referiu-se ao “homemunidimensional” e Von Weiczacker, naque-la época, já dizia da irreversibilidade destarevolução a despeito do bom ou mau hu-mor dos próprios filósofos.

Hoje, a revolução comunicacionalglobal produz, ela própria, seus defensoresincondicionais, ou mesmo seus ideólogos,por exemplo, em discursos laudatórios, porum lado e, por outro, seus detratores, comchoro e ranger de dentes contra tudo o queé “estratégia de dominação neoliberal”, in-cluindo, a nosso ver equivocadamente, asnovas tecnologias.

Para responder à questão posta, empouco tempo, como exercício de síntese,para além do maniqueísmo do “tudo pres-ta” ou “nada presta”, ou seja, sem endeusarou endemonizar a revolução comunicacio-nal com suas tecnologias, temos avançose impasses acontecendo simultaneamente.Trata-se de um epifenômeno profundo, porvezes paradoxal, com suas múltiplas cone-xões, de que não abrimos mão tão somen-te de uma constatação: a sua irreversibili-dade. Vejamos alguns traços.a) A revolução comunicacional global, que

acontece na superabundância da infor-mação e cria a então chamada “socieda-de do conhecimento” (Knowledge Society)não pode ser confundida em seus (três)termos distintos, embora convergentes:comunicação, informação, conhecimento.Sem entrar em detalhes semânticos, cum-pre dizer que a matéria-prima de tudo é ainformação, disponível à comunicação, eestas duas apresentadas como muniçãopara conseguirmos ou não criar (ou arti-cular) o conhecimento. Vemos, contudo,que há um certo “preconceito” contra ainformação, sobretudo nos meios acadê-micos – em nome da comunicação e doconhecimento, nem sempre possíveis. Àsvezes reforça-se um divórcio proveniente,em hipótese, da informação, quando oproblema não reside na informação emsi, mas nos seus critérios de uso em todosos campos da ação humana; por exem-plo, por mais que a Internet nos traga “li-xos” – por acaso isto não vem acontecen-do no campo cultural, em que o mero en-tretenimento tende a substituir a arte? Naverdade estamos diante de uma boa

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oportunidade para aproveitar do volumede informações em vista de uma açãopedagógica emancipadora - e isto já nãonos abre as chances de recostura do “su-jeito” da educação?

b) A revolução comunicacional e/ou infor-macional global que cria a chamada rea-lidade virtual, a hipermídia, o hipertexto, acybercultura...não surgiu sozinha, “de re-pente”, “do nada”, feito “geração espontâ-nea”. Ela veio acompanhada de um con-junto de revoluções no campo da ciência,no momento em que se descortina, paraa humanidade, a era do “fim da matéria”,aberta pelas perspectivas da Físicaquântica, da robótica, da mecatrônica, datectônica, da informática e inteligência ar-tificial, das novas fronteiras da medicina,como as células-tronco, da micricrobiologiae da engenharia genética, do mapea-mento cerebral e da nova relação cére-bro-mente, com seus códigos, eticamenteassustadores – curiosamente também, doprofícuo diálogo religião/ciência, tensio-nado por anátemas desde a era deCharles Darwin – assim por diante.

As novas fronteiras do conheci-mento, diante da profusão de informações,nunca dantes tão disponíveis, revolve asepistemologias do conhecimento científi-co no âmbito da ciência moderna e apon-ta para o paradigma de uma “ciência pós-moderna” (Sousa Santos, 1989) não nosentido ainda difuso ou mesmo “ideoló-gico” do termo. É no sentido, pelo menosem tese, de uma infinidade de especiali-zações convergentes no marco do avan-ço do conhecimento, que apontam parao fim do recorte de uma ciência linear,

positivista e fragmentada – com o usu-fruto das chamadas inteligências múlti-plas, contribuindo para a compreensãodas novas práticas de aprendizagem. Tra-ta-se da proposta de uma ciência (e edu-cação) inter e transdisciplinar voltada parauma concepção holística de natureza, quemuito nos aproxima (nós ocidentais) dericas experiências milenares de vida e cul-tura dos povos orientais, como expressõespróprias de um movimento (global) deaproximação das diferenças, com seus re-sultados, por exemplo, nas medicinas te-rapêuticas. O mundo não ficou pequenoà toa; foi, cremos, para usufruir desteholomovimento intelectual e práxico, glo-bal, em que não interessa tanto mais ovolume de conhecimento “de tudo” –como no projeto didático de Comenius,na entrada da modernidade, ou no pro-grama cultural do enciclopedismo, no cen-tro dela –, mas “o todo”. É o advento deum novo sentido de “totalidade” – ape-nas como cartesiana soma das partes –que o movimento de universalidade doconhecimento moderno não deu conta. Eneste todo reside nossa capacidade deescolhas, acima do “lixo informacional”, porexemplo.

c) A revolução comunicacional em curso,entretanto, aponta para desafios aparen-temente intransponíveis, pelo menos nes-ta etapa de “acomodação histórica” –com vários sentidos e possibilidades. Pri-meiro: quanto mais se fala em inter etransdisciplinaridade, mais nos afunda-mos nas especializações que ainda nãose convergem e passam a forjar interdis-ciplinaridades apenas formais. Segundo:

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quanto mais usamos os meios “frios”para comunicar, não só os acontecimen-tos, como o sentido deles, mais nos afo-gamos na banalidade dos fatos, porexemplo, no sentido da morte. É o pro-blema da perda do fundamento de umapós-modernidade vista como “sombra”(TEIXEIRA, 2005). Por quê? Certamenteporque esta revolução nos atirou em umestado existencial de “espera” da próximanotícia ou do próximo ato do espetáculo.É o lado ainda perverso de uma pós-modernidade como “estilo de vida do ca-pitalismo ultra-moderno” (PEREIRA,2004). Coincidentemente, no momentoda escritura deste texto, acabamos de ternotícias da tragédia da Ásia, na últimasemana de 2004, com seus quase300.000 mortos – e que apontou, pelaprimeira vez, para uma rede de solidarie-dade universal em tempo real. Conclusão:nem acabamos de contar os mortos, “jáesquecemos”, vale dizer, parece que oacontecimento já virou passado. O mes-mo acontece com campeonatos de fute-bol, finais de novelas, etc. Terceiro: recla-mamos que a tevê nos retirou as cadei-ras das calçadas, mas sentimos falta dojornal da noite, mesmo quando estamosem férias, teoricamente “isolados” emuma ilha, em uma praia “deserta”. Quar-to: reclamamos que o computador apro-xima quem está longe (Internet) e dis-tancia quem está perto (família), mas ocomputador (assim como celular, câmeradigital, filmadoras, laptop, etc) não saemmais de nossas vidas e já se encontramem aldeias, literalmente falando, para obom uso (em postos avançados de

saúde, por exemplo) ou para o mau uso(no narcotráfico, por exemplo). Como sevê, é uma situação paradoxal.

Por que isto acontece?Arriscamo-nos a dizer que a gran-

de sala de espelhos da relação real/vir-tual, em que a revolução comunicacionalnos atirou, como espécie de “calabouçoaberto”, de espetacular “caverna platôni-ca”, não é algo que se resolve em umasimples equação de primeiro grau, por-que mexe com um construto de realida-de que ainda mal assimilamos. Com anova “leitura da realidade” a nossa “lei-tura do tempo” foi profundamente revol-vida. O (novo) significado dos aconteci-mentos, do ponto de vista de uma re-significação (antropológica) do própriomundo, requer de nós uma nova estru-tura mental e isto não se dá da noitepara o dia. Por exemplo, só pensávamosno conceito e no trato com a memória –fundamental para a construção antropo-lógica da realidade – no sentido lineardo trinômio ontem-hoje-amanhã. Hojeum aluno “viaja” para a Grécia no perío-do de jogos Olímpicos de modo real/vir-tual e não como “volta ao passado” emlições de compêndios de História – nãoesqueçamos que a era da universaliza-ção do conhecimento moderno não dei-xou de ser linear. Na sociedade da fusãoreal/virtual, o passado ou o futuro (como“espetáculos”) assumem uma síntese,uma forma de “agoridade” perene a quenosso cérebro ainda não está acostuma-do a assimilar com tanta velocidade;aprendemos a construir memória linear-mente e a linearmente revisitá-la.

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Queiramos ou não, isto significa, obje-tivamente, que o construto da realidade,que implica estratégias de construção daprópria existência humana e em vivên-cias plenas de significados atinge, namira, o problema de uma nova subjetivi-dade – com certeza não mais cartesiana,não mais iluminista – em que uma pro-fusão de múltiplas inteligências, valorese formas de comportamento entram nojogo de ação-reflexão-acomodação, maisdo que nunca. Se nós não somos maisos mesmos desde que inventamos o pri-meiro machado de pedra, estatransformação perene – da objetividadeda realidade, sobre a natureza, e da pró-pria subjetividade – chegou ao paroxis-mo. É o grande desafio antropológico (eético) de nossa época.

d) Um paradoxo que se nos apresenta éque o avanço (tecnológico), resultandoem impasse (social), traz o problema dasfronteiras do ponto de vista das diferen-ças ou das identidades, mas atravessa-das pelas exigências da ideologia e daprática social individualista com suasideologias. Em todos os campos, religioso,cultural, das nacionalidades, etc, resultan-te de uma civilização dogmática, a mo-dernidade não nos ensinou a trabalharcom as diferenças. O próprio sujeito mo-derno, em crise de identidade, agora deveter seu futuro inscrito na emergência dosujeito coletivo – não necessariamentenos moldes daquele sujeito “de classe”como o conhecemos, o que, na lingua-gem gramsciana implicaria certamentenovo “bloco histórico” de ação política.Não é à toa que a palavra cidadania – e

cidadania ativa e global – anda tão emalta. Acontece que, quanto mais falamosem coletivo, entra em cena, comocontraponto, a exigência (esquizofrênica)do egocentrismo individualista, em nomede uma individualidade a ser respeita-da, que propõe discursos do tipo: a sualiberdade termina onde começa a minha,e vice-versa. Pura visão de mercado, queprecisa do livre arbítrio para sobreviver,até em nome de uma democracia formal,ou seja, uma “igualdade” cujo consensonão resulta de justiça social alguma –não esqueçamos que o fim precípuo dodireito é a distribuição da justiça.

Por falar em consenso, há um con-senso entre os analistas de que o séculoXXI terá de ser o século das diferenças,desde que inscrito em uma “globalidade”que não se reduza à globalização daeconomia e onde o conceito e a práticado multiculturalismo, ultrapassem umapostulação puramente voluntariosa, oumesmo “ideológica” das diferenças. Con-tudo, estamos longe de resolver os con-flitos étnicos, que tensionam as relaçõespolíticas, para ingressar realmente no queo III milênio teve de melhor como anúncioesperançoso. Este ainda é o calcanharde Aquiles de uma “sociedade do espe-táculo”, (GUY DÉBORD), por vezes can-sada, por vezes indiferente diante detanta carnificina, como no Oriente Médio.

Acontece que o espetáculo entradentro de nossa casa de todas as formasPor exemplo, nunca a invasão da priva-cidade, no estilo Big Brother ou de fofo-cas de revistas no estilo Caras deu tantolucro. Volta a questão do “lixo” (informa-

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cional, midiático). Mitos narcísicos sãofabricados e jogado na mídia, para durarpouco, como autênticas “paradas de su-cesso”, simultaneamente a concertos deBeethoven. A tecnologia da sociedadeem rede, para geração de espetáculo, ésua melhor ferramenta. Onde está onosso discernimento para o diferente quefaz diferença, para além de pruridos mo-rais de reconforto à nossa indignação?Guardadas as próprias diferenças detempo e contexto, talvez fosse a hora derevisitarmos a Dialética do esclarecimen-to de Adorno e Horkheimer.

e) Para permanecermos aqui, apenas emalguns aspectos, temos o dever de tocarno mais penoso dos impasses. Vale dizer:o choque de informação (da revoluçãocomunicacional global em curso) só estásendo possível pelo choque do capita-lismo em qualquer canto do planeta. Ultra-moderno, hegemônico, concentracionário(ou quaisquer outros adjetivos), sua sobre-vivência está expressa em sua extraordi-nária capacidade de cooptação dos dis-cursos e das práticas, por exemplo, na artee na literatura. Em que pese sua dificulda-de em continuar concentrando riquezapara sobreviver – onde não circula capi-tal não circula mercadoria e emperra aprodução da riqueza – mesmo em umasociedade do fim da centralidade do tra-balho, nos moldes da lógica moderna daprodução, da segunda revolução indus-trial, ora travestida gradativamente emuma sociedade de serviços, como nainformática, no turismo, etc, não parecehaver outra saída, pelo menos até ondenossa vista pode alcançar. Se a

humanidade mostrou, até agora, que temcapitalismo no sangue – que o diga adébacle do capitalismo de Estado soviéti-co e seus satélites, que encerrou, politica-mente, o século XX – só uma mente utó-pica, mas inocente, poderia imaginar apossibilidade de uma revolução comuni-cacional “sem dono”. Se a burguesia mer-cantil e industrial foram as donas da pro-priedade privada dos meios de produçãona modernidade fabril, pré-fordista efordista, por qual motivo a elite do capitalabriria mão do mais caro meio de produ-ção pós-industrial, a informação? É evi-dente que a revolução comunicacional,que ora experimentamos, trabalha noritmo da esquizofrenia de mercado queela mesma tem de produzir. Uma criançaque se vê compelida a comprar uma bone-ca Barbie – estrategicamente criada coma cara adulta de uma madame bem suce-dida, com seu escritório, sua casa, etc – éporque há uma ambiência de mercadoreal/virtual (Shopping Centers e E-commerce) para fazê-la esquecer a bonecaanterior. É preciso salientar, contudo, queo capitalismo só põe no mercado o que(e como e quando) ele pode ampliar suasvendas em progressão geométrica. Umcelular que pagávamos em torno deR$ 500,00 no Brasil está caindo de preçoe deverá ser brevemente distribuído “degraça” porque o que interessa é o atrela-mento do consumidor ao serviço prestado.Parece que não temos saídas à vista; maisdo que mercadoria, ou por conta dela, cria-se o consumidor perene.

E é no conjunto de “sujeitos” queoscilam entre a emergência de criar o

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coletivo, única possibilidade para se arti-cular uma cidadania global, ativa eemancipadora e a esquizofrenia real/vir-tual, numa revolução sem a mínimapossibilidade de retrocesso, que passa-mos à educação.

II. Após este panorama abrangenteacima traçado, é hora de entrar naescola. Assim, uma segunda questãodiz respeito ao modo comoenxergamos a relação entre estarevolução comunicacional irreversívele a educação, notadamente aeducação escolar, que aqui nosinteressa bem de perto. Vejamos.

A educação reflete a sociedade emque se insere. Muitos tentam separar estaquestão para resolver o problema da esco-la, a exemplo de colocá-la ao alcance de todapopulação, sonhando com o dia em que asociedade será “igual” para todos, com umaescola produzindo igualdade no seu interior,democratizando-se e se auto-afirmando.

Sonhar é um direito. Contudo, embo-ra tudo isso pareça simples, o cenário épreocupante. A escola é um dos espaçosde produção de conhecimento, de cultura,que não pode se diferenciar do que estásendo produzido na sociedade. Na entra-da do III milênio tínhamos, por exemplo,100 milhões de crianças fora da escola e900 milhões de adultos analfabetos(WERTHEIM, 2003, p. 10). O que fazer comisso? Isso é parte dos problemas não solu-cionados de um período em que as formasdo processo de desenvolvimento do saber,apontam para formas mais evoluídas do

saber. Embora presenciemos essa passa-gem de um período a outro, do século XXao XXI, não o consideramos prontamenteacabado, mas, por certo, em processo dedesenvolvimento, mesmo porque as forçasideológicas da “velha” sociedade encon-tram-se presentes e procuram se rearranjarcamufladamente, passando a idéia, maisuma vez, de que é o “novo” que se apre-senta, frente às diversidades de uma novadimensão social, das novas tecnologias eda ciência cujo papel, na atual sociedadeglobalizada, não apresenta seus resultadosde modo horizontal.

Com todo avanço da humanidade emtermos tecnológicos e informatizados, cum-pre dizer, vivemos uma nova fase do capita-lismo, em uma sociedade ainda essencial-mente capitalista em sua lógica de funcio-namento. Utilizando-nos das palavras deDuarte (2003, p. 13), “Sequer cogitarei a pos-sibilidade de fazer qualquer concessão à ati-tude epistemológica idealista, para a qual adenominação que empregarmos paracaracterizar nossa sociedade dependa do‘olhar’ pelo qual focamos essa sociedade”.

Vivemos, sim, um tempo de rápidase profundas transformações, resultado doprogresso da tecnologia, da informática, dacomunicação, da ciência, na perspectiva depossibilidades de conhecimento e das con-seqüentes descobertas no campo da políti-ca, da cultura e educação, que deve seestender a todos. “Não sabemos o que mol-daria o futuro (...) esperemos que seja ummundo mais justo e mais viável. O velhoséculo não acabou bem” nos dizHobsbawm (1995, p. 26). Parece queestamos numa encruzilhada em que as

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velhas maneiras de sentir e de pensar dohomem entraram em colapso. Ou ele se en-currala ou avança. A revolução comuni-cacional e informatizada está aí, nas por-tas da escola, tentando “ocupá-la”.

Nesse novo quadro tecnológico, su-perar os problemas educacionais ainda gri-tantes é o grande apelo e desafio. Acredita-mos que a escola, mesmo com todas asdificuldades, precisa acompanhar essanova era que se apresenta, procurar umaeducação informatizada, no marco de umacrítica pedagógica realista, que normalize efacilite o processo ensino-aprendizagem,transformando as tradicionais aulas em au-las – ou “oficinas”, uma alternativa cada vezmais considerada – também digitais e cria-tivas e, enfim, a própria relação homem-má-quina – e máquina inteligente. Ramal(2000, p. 1) nos fala, referindo-se às formasdo uso do computador, que o importante é“torná-lo um novo ambiente cognitivo, ouseja, compreender que no contexto digitalmudam as nossas formas de pensar e, por-tanto, de aprender (...) Cabeças deixam deser analógicas para se tornarem digitais”.Logo, aquele professor que transmite con-teúdos, que utiliza fichas em aula, que pen-sa estar trazendo novidades para a sala,quando na verdade está parado no tempo,este, vai ser substituído pelo computador,complementa Ramal, de forma bastantecontundente e determinista.

A crise da modernidade e sua influên-cia na educação, perpassam a mentehumana, sem com isso nos darmos conta deque acabaram as fronteiras que nos separa-vam de continentes longínquos, exigindo, maisque nunca, a busca de novas possibilidades

de trabalho do professor, de novos ambientesde aprendizagem, em um novo paradigmade ação comunicativa e pedagógica.

É evidente que, tudo isso, sem des-considerar, mais uma vez, que vivemos in-seridos em um processo de desenvolvimen-to capitalista, sugere, por outro lado, consi-derar as relações de produção, seu mono-pólio e sua exploração do trabalho. Nestesentido, Abranches (2000, p. 1) nos diz quese trata do “resultado de uma disputa porhegemonia e monopólio, onde o objetocentral agora não é mais uma mercadoriamedida pelo tempo necessário para suaprodução”. Para este autor, “antes, trata-sede conhecimento e informação como capi-tal necessário para a própria reprodução,não podendo ser mensurado pela simplescomputação de um tempo fabril”. Assim,não podemos dissimular ou escamotear,em nome de um “novo paradigma” emcurso, um desenvolvimento gritantementedesigual no campo da revolução informa-cional, enquanto crescem as diferenças so-ciais. Castells (1999, p. 41) a esse respeitono fala que “nesse mundo de mudançasconfusas e incontroladas, as pessoas ten-dem a reagrupar-se em torno de identida-des primárias: religiosas, étnicas, territoriais,nacionais” e complementa: “cada vez mais,as pessoas organizam seu significado nãoem torno do que fazem, mas com base noque elas são ou acreditam que são. Nossassociedades estão cada vez mais estru-turadas em uma oposição bipolar entre aRede e o Ser”, complementa.

É sabido que existem opiniões favo-ráveis e contra a informatização nas esco-las, mesmo porque, se considerarmos a rigor

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essa questão, observemos o quanto aindasão carentes as escolas públicas, por exem-plo, com relação às novas tecnologias deinformação e comunicação. Quando en-contramos um computador nas referidasescolas, este dificilmente pode ser utilizadopelos professores, pois, via de regra eles nãodispõem de conhecimento suficiente paramanuseá-lo. Assim, a informática que pode-ria ser utilizada como recurso educacional,que poderia promover mudanças na açãopedagógica e na própria autonomia doprofessor, fica estocada e armazenada, naspoucas escolas em que se encontram.

Mais uma vez a questão do compu-tador na escola volta à discussão. Será queo professor se sente seguro no momento deusar o computador? Não existe uma certaresistência ao seu uso? Será que saber usarum computador significa ter “competência”profissional? Ora, não é necessariamente ofato de saber usar um instrumento de pontada tecnologia, como o computador, que dará,ao professor, o título de “competente” – pe-dagogicamente falando. No entanto, é ne-cessário que o professor deixe de resistir àssofisticadas tecnologias e comece a abando-nar paradigmas tradicionais de ensino e ini-cie sua formação junto às TIC. É necessárioser um professor do século XXI e que integreà sua prática pedagógica as novas tecnolo-gias de informação, mas, para que isso seoperacionalize é preciso um trabalho coletivopor parte da escola, na construção dessenovo professor, para que todos os recursossejam a ele oferecidos e otimizados.

Os programas de educação à distân-cia, por exemplo, em que pese o esforço deseus mentores e organizadores e os im-

portantes cursos oferecidos, ainda não atin-giram as populações mais pobres, que nãotêm condições financeiras para pagá-los. Damesma forma, estudos, pesquisas, textosque deveriam estar ao alcance de todos osestudantes, por exemplo, ainda restringem-se apenas a uma minoria que dispõe docomputador. Neste sentido ficam as ques-tões: a serviço de quem estão as tecnologiasde informação e de comunicação? Comoseria possível colocar esse instrumentaltecnológico a serviço do bem estar de to-dos? Seria demais imaginar que todas associedades, hoje, deveriam ter condições deigualdade frente às novas tecnologias?

Entendemos que nada mais justo doque incluir o menos favorecido na divisãoda riqueza do país, daquilo que ele mesmoproduz e constrói e que hoje é voltado aopoder político e econômico e a uma peque-na parcela da população. Sabemos, comonos diz Ramal (2004, p. 2), que “está emnossas mãos, agora, a possibilidade de de-letar a escola de portas fechadas e cercadaspor muros, para deixar nascer a escola damultiplicidade, do hipertexto, do link, dasjanelas abertas e das salas de aulas conec-tadas com o mundo”. Sabemos tambémque, para isso, é preciso vontade políticapor parte dos gestores envolvidos, parademocratizar a rede computacional erealizar a tão sonhada escola do futuro.

Enquanto a informatização ocorre,num crescimento desenfreado e exponencial,redefinindo e moldando as relações sociaise a própria vida e sendo por elas moldadas,alguns movimentos de trabalhadores, aexemplo dos sindicatos, também são atin-gidos sobremaneira. É a nova realidade

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econômico-política atingindo o mundo dotrabalho, a educação dos trabalhadores. É onovo liberalismo ditando normas proibitivase ameaçadoras, fragmentando os movimen-tos sociais organizados e fazendo crer quetudo está perdido, que não há mais espaçopara se resistir aos novos desafios. Os sindi-catos e outros ambientes dos movimentossociais organizados são, ainda, locais de de-bates, de reflexões por parte dos trabalha-dores e demais membros da sociedade, in-cluindo a comunidade escolar, e têm um im-portante papel histórico para discutir o sen-tido e o destino social dessa revolução, emque pese o desemprego imposto pela socie-dade informacional. Castells (1999, p. 41) nosdiz que “nessa condição de esquizofrenia es-trutural entre a função e o significado, ospadrões de comunicação social ficam sobtensão crescente”. Assim, nesse processo defragmentação, existe um clima propício paraa geração da apatia e da alienação, difi-cultando, sobremaneira, aqueles que de-pendem de uma consciência social organi-zada que, queiramos ou não, contribui paraampliar a capacidade de raciocínio crítico eanalítico, no construto de uma outra relaçãocom o saber social, com a mediação do sa-ber escolar.

Além dessas questões, uma outra setorna importante nesse debate que é a ques-tão das competências. Fonseca (1998, p. 307),nos fala que “a miopia gerencial e arrogantee a resistência à mudança, que paira em gran-de parte no sistema produtivo, devem dar lu-gar à aprendizagem, ao conhecimento, aopensar, ao refletir e ao resolver novos desafi-os da atividade dinâmica que caracteriza aeconomia global dos tempos modernos”.

Evidentemente que se trata de enten-der, também, que a educação, hoje, sobretu-do a educação escolar, mesmo diante de suaconsciência de formar o sujeito social, encon-tra-se instada a formar indivíduos que sedisponham à adaptabilidade pura e simplesao mercado, com suas exigências de conhe-cimento atrelado à competitividade. Ecomplementa Fonseca. “Com a redução dostrabalhadores agrícolas e dos operários in-dustriais, os postos de emprego que restamvão ser mais disputados, e tais postos detrabalho terão que ser conquistados pelostrabalhadores preparados e diferenciados emtermos cognitivos”. Portanto, é importantepreparar o jovem, formando-o com compe-tência necessária para o enfrentamento doreferido mercado. É preciso aqui, não con-fundirmos essas competências, com as gran-des transformações sociais. Duarte (2003, p.12) nos esclarece que “aos educadores cabe-ria conhecer a realidade social não para fazera crítica a essa realidade e construir uma edu-cação comprometida com as lutas por umatransformação social radical, mas para sa-ber melhor quais competências a realidadesocial está exigindo dos indivíduos”. O tãodiscutido e argumentado “aprender a apren-der”, corre o risco de ficar destinado a umaeducação criativa, mas que prioriza formasde interação e “adaptação” social, sem con-seguir interferir nas grandes transformaçõesda realidade. É a perda da função mediado-ra da escola, sua função social precípua.

Cumpre salientar que, mais impor-tante que nos preocuparmos com novasdenominações a essa sociedade, precisa-mos buscar formas de democratizar oconhecimento escolar, em especial nas

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relações com as TIC. Não esqueçamos quetecnologia é ferramenta e conhecimento érelação. É estarmos atentos às ideologiascriadas pelo capital com o intuito de repro-duzir, na sociedade, velhas roupagenscomo se fossem novas, por exemplo nodesejo, nem sempre explícito, de algumasempresas em cooptar a educação em suasestratégias gerenciais renovadas.

A ideologia do progresso a todo cus-to, herança da modernidade, já revela seuesgotamento em toda parte; contudo, – ecomo afirmamos alhures que toda revoluçãotem dono – os detentores das mais sofisti-cadas TIC não saíram de cena e, como tal,tendem a ditar normas sem qualquer tipode respeito às diversidades culturais de ou-tros países. O racionalismo do ocidente, o seumodelo econômico de produção e evoluçãoestá caindo em uma crise sem precedentes,demonstrando que o determinismo econô-mico está agonizando e que é necessáriouma reorientação das forças produtivas maisabertas às diferenças entre as nações, tendocomo princípio o respeito e a ética no trata-mento dos problemas sociais e educacionais.Por mais que as grandes potências reconhe-çam, em tese, a diversidade de um país, maissuas ações impositivas refletem a formareducionista como são tratadas as questõesrelacionadas à escola e aos seus protago-nistas. Estes, situados em quaisquer partesdo planeta, vêem-se forjados ao consumode mais uma “mercadoria”, entre elas a edu-cação, com suas novas tecnologias, neces-sárias ao aprimoramento das competênciaspara o mercado de trabalho.

Assim, as Tecnologias de Informaçãoe Comunicação-TIC neste contexto, são

consideradas, no rol das absorções tecnoló-gicas advindas de países centrais, comouma nova ferramenta que, sem um ade-quado acompanhamento, sem uma políti-ca que assegure um projeto (pedagógico)organizacional e gestionário, que acompa-nhe professores e alunos, permanentemen-te, em suas respectivas escolas, correm orisco de não se apresentarem como umanova proposta na educação que poderánortear e facilitar um processo crítico e cria-tivo de ensino-aprendizagem, na prática e,portanto, emancipador e cidadão.

2 A resposta qualitativa possível2 A resposta qualitativa possível2 A resposta qualitativa possível2 A resposta qualitativa possível2 A resposta qualitativa possívelda formação de professoresda formação de professoresda formação de professoresda formação de professoresda formação de professoresdiante deste quadro geraldiante deste quadro geraldiante deste quadro geraldiante deste quadro geraldiante deste quadro geral

I. Agora, em nosso entender, apareceo “nó das questões”. Vale dizer, umaquestão candente e inarredável, paraa qual as duas primeiras convergem,que diz respeito à emergência deaproximar a revoluçãocomunicacional mais a educaçãoescolar, (em sua praxis cotidiana),com a da formação de professores,tendo em vista a escola que (ainda)temos. Vejamos.

A exemplo de vários educadores,consideramos que a educação tem umafunção social e política que, embora distin-tas, são inseparáveis. Sua função social é ade democratizar o conhecimento e issoocorre por meio de uma prática específica,ou seja, uma prática pedagógica que, inevi-tavelmente, contém uma dimensão política.

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Isso nos leva à averiguação de quetermos, hoje, milhares de crianças e jovensfora da escola, o que significa ainda termosmuito a fazer, muito a cuidar. Logo, a funçãosocial da educação está muito aquém da-quela pretendida pelos educadores. Poroutro lado, o professor cumpre o seu papelem escolas limitadas, sistematizando, bemou mal, o conhecimento, com o que temem mãos. Os alunos, em geral, têm dificul-dades em ultrapassar o senso-comum, pormelhores que sejam as aulas oferecidaspelos professores. Seria o caso de pergun-tarmos: para quem essas aulas foram boas,para o professor ou para o aluno? O queacontece com o processo ensino-aprendi-zagem? Uns culpam a escola, outros osprofessores e outros, os alunos. Existemculpados? O que aconteceu e acontece coma formação dos professores? Sabemos queo professor em geral traz a herança de umaformação já extemporânea, fruto de umaideologia liberal de décadas e décadas deatividades repetitivas. Vamos imaginar oquadro: se ainda temos em nossas escolasprofessores mal preparados para o enfren-tamento da sala de aula, no que concerneaos diferentes conteúdos a serem ensina-dos, o que dizer com relação à sua formaçãoquanto ao uso das novas tecnologias, aoseu entendimento quanto aos recursos dainformática e à sua análise sobre as poten-cialidades pedagógicas que tais recursosdispõem? Embora essas questões pareçampessimistas, não acreditamos ser impossívelreverter esse quadro, para além de umaformação cujo conhecimento da realidadesocial e pedagógica favoreça algumas mu-danças culturais e educacionais.

A necessidade de formar professorespara que eles possam caminhar junto aosavanços das tecnologias de informação ecomunicação está posta em nossa socieda-de. Para isso, basta que tais recursos sejamdisponibilizados nas escolas, em especialnas públicas. Como conseguir isso, acredi-tamos, é no coletivo dos professores e todacomunidade escolar, exigindo dos órgãospúblicos responsáveis pela educação, anecessária efetivação das TIC nas escolas,pois, toda sociedade é produtora e produ-to de um processo histórico em desenvolvi-mento e, do mesmo modo, a formação doprofessor também o é, só que delineadamais por recuos que por avanços, até o pre-sente momento.

Belloni (2002) citado por Guimarães(2004) nos fala a respeito da formação doprofessor na era computadorizada esclare-cendo que

...no intuito de minimizar o sofrimento doprofissional que se encontra sozinho di-ante das complexas tecnologias, é impor-tante pesquisas colaborativas que inte-grem professores em formação inicial, emserviço, docentes e pesquisadores de uni-versidades. Não podemos ampliar o qua-dro dos ciberexcluídosciberexcluídosciberexcluídosciberexcluídosciberexcluídos, pois não exis-tem culpados, complementa (p. 43).

Não convém, portanto, que fiquemosno discurso da escola atrasada e dosprofessores desatualizados. Mais que nuncaé necessário superá-lo com ações que visema implementação de políticas públicas paraa formação desses professores e queimpliquem mudanças qualitativas em suaprática pedagógica. O uso correto do recursodo computador, pelo professor, fará com queeste mesmo professor, aos poucos, vá

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delineando um novo caminhar em seutrajeto pedagógico, que deve estaracompanhado de uma formaçãoadequada que exija reflexões, trocas e muitacomunicação.

Assim, não desconsideramos que aspolíticas públicas e educacionais devem es-tar voltadas à formação sólida e continua-da do professor, devem estar centradas nomomento histórico em que vivemos e queo papel desempenhado pelo professor jun-to às novas tecnologias de informação ede comunicação é de extrema importância,em especial no que diz respeito às novasfunções, formações e qualificações para oseu trabalho. As novas tecnologias na edu-cação escolar, com professores formadospara seu manuseio, resultará em novos en-sinos e novas aprendizagens.

Ademais, a visão de mundo do pro-fessor é resultado de sua formação queocorre na família, nos meios acadêmicos ena sociedade. Tudo isso é refletido em salade aula. Conseqüentemente, por não teruma formação adequada que o leve a umaanálise crítica de suas condições sociais, detrabalho, etc, o espaço da sala de aula aca-

ba sendo ocupado pela reprodução do so-cial, quando não, para as formas apenastecnicistas de educação, cujos resultadosbem conhecemos.

É preciso ter o entendimento de quea formação não se acaba e que sempreestarão surgindo novas formas de aprendi-zagens. Cada professor deve organizar oseu conhecimento em interação, também,com o computador, a partir de conexõesque devem se adaptar sistematicamente acada conteúdo a ser trabalhado. As TIC nãoestão aí só por estar, resultados de umarevolução comunicacional acima ou alémda escola e dos professores. Essa relaçãoprecisa acontecer de forma mais aprofun-dada para o repensar (e recriar) de antigaspráticas, visando às novas atuações e opor-tunidades educacionais, principalmente nocaso da escola pública. Novos ambientesde aprendizagem não podem se reduzir aoartificialismo da relação homem máquina.Há o problema de uma Pedagogia daMediação Tecnológica que revolve o senti-do desse relação, sobretudo na escola ain-da como agência formadora dos cidadãos.Mas isto é assunto para um outro texto.

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Recebido em 05 de agosto de 2005.Recebido em 05 de agosto de 2005.Recebido em 05 de agosto de 2005.Recebido em 05 de agosto de 2005.Recebido em 05 de agosto de 2005.Aprovado para publicação em 29 de setembro de 2005.Aprovado para publicação em 29 de setembro de 2005.Aprovado para publicação em 29 de setembro de 2005.Aprovado para publicação em 29 de setembro de 2005.Aprovado para publicação em 29 de setembro de 2005.

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Lembrar... nomes e formas das letrasLembrar... nomes e formas das letrasLembrar... nomes e formas das letrasLembrar... nomes e formas das letrasLembrar... nomes e formas das letrasRemembering . . . names and letter formation

Cláudia Maria Mendes Gontijo

Dra. em Educação (UNICAMP). Professora da UniversidadeFederal do Espírito Santo. Programa de Pós-Graduação emEducação/CE/UFES.e-mail: [email protected]

ResumoResumoResumoResumoResumoAnalisa estudos que discutem os processos de diferenciação no curso de desenvolvimento da escrita nascrianças. A partir dos pressupostos teórico-metodológicos da perspectiva histórico-cultural na Psicologia,examina textos produzidos por crianças de um Centro de Educação Infantil do sistema municipal de ensinode Vitória e as atividades cognitiva e discursiva presentes no momento da produção. Conclui que asatividades fundamentais que se desenvolvem na produção dos textos estão ligadas a lembrar os nomes eas formas das letras que eram escritas.

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chaveDiferenciações na escrita; linguagem; cognição.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractThe text analyzes studies that discuss the differentiation processes in the course of the development ofwriting in children. Beginning from the theoretical-methodological presuppositions of the historical-cultu-ral perspective of Psychology, the study examines texts produced by children in a Centre for Infant Educationin the municipal system of teaching in Vitória and the cognitive and discursive activities present at themoment of production. It is concluded that the fundamental activities which are developed in the productionof texts are linked to remembering the names and the forms of the letters which were written.

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsDifferentiations in writing; language; cognition.

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IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

Este texto foi elaborado a partir dosresultados de uma pesquisa cuja finalidadefoi investigar a apropriação da linguagemescrita em crianças. Na organização dos pro-cedimentos de coleta dos dados e nas aná-lises, tomei como referência os pressupostosteórico-metodológicos da perspectiva his-tórico-cultural na Psicologia. Este artigoparte do exame de um aspecto importanteda escrita infantil, discutido e analisado porvários estudiosos: as diferenciações na es-crita. Entretanto, o exame do trabalho deprodução de textos evidenciará que essefoco de análise é importante, pois é indica-dor das elaborações que estão sendo cons-truídas pelas crianças, mas que também éessencial voltar o olhar para as atividadescognitiva e discursiva presentes no momen-to de elaboração dos textos escritos.

Na coleta dos dados, foram utilizadosprocedimentos de pesquisa que consistiramna escrita de textos produzidos oralmentepelas próprias crianças. No início do registro,elas eram incentivadas a escrever com cuida-do, porque deveriam, ao seu término, lembraro texto com o auxílio da escrita. Chamou aatenção, no momento em que eram incenti-vadas a se relacionar com os seus escritospara lembrar os textos, o número significati-vo de crianças que dizia que a escrita pode-ria auxiliá-las na realização da tarefa. Obvia-mente, rememoraram sentenças sem se re-lacionar com a escrita com essa finalidadeou mudavam de idéia, após tentarem lem-brar com o apoio da escrita e não encontrarelementos que as ajudassem na realizaçãoda tarefa de lembrar o conteúdo dos textos.

A questão da diferenciação daA questão da diferenciação daA questão da diferenciação daA questão da diferenciação daA questão da diferenciação daescritaescritaescritaescritaescrita

Antes de iniciar a análise dos dadoscoletados, é necessário discutir a questãoda diferenciação da escrita. Serão destaca-dos, em primeiro lugar, os resultados dapesquisa de Ferreiro e Teberosky (1989) ede Contini Júnior (1988) para, em seguida,apontar questões relacionadas no trabalhode Luria (1988) e de Azenha (1995).

Segundo Ferreiro (1990, p. 29), noprimeiro nível de evolução da escrita, acriança considera que os textos podem serinterpretáveis devido a condições contex-tuais, isto é, “[...] porque se reconhece o ob-jeto no qual ele se encontra ou porque eleestá próximo a uma figura”. O início do se-gundo período de evolução é marcado peloestabelecimento de condições formais paraque um escrito possa ser considerado legí-vel. Dessa forma, em situações em que ascrianças foram incentivadas, a partir daobservação de cartões que continham se-qüências de uma mesma letra e palavrascom números diferenciados de letras, aautora diz que as crianças definem comocritérios de legibilidade das escritas a quan-tidade mínima de letras e variação intra-figural. Dessa forma, tendo sido elaboradasessas condições alguns textos, segundo aautora,

[...] são imediatamente interpretáveis (comoantes), outros potencialmente interpretá-veis (porque apresentam as condições for-mais requeridas) mesmo se não é possí-vel atribuir-lhes imediatamente uma in-terpretação; outros ainda não são interpre-táveis, mesmo se o contexto é fornecido(quando a quantidade está abaixo do

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mínimo ou quando os critérios de varia-ção intrafigural não são atendidos) (FER-REIRO, 1990, p. 29).

Ainda conforme Ferreiro (1990), aquantidade de letras e a variação intrafigural1

são critérios absolutos, ou seja, “[...] não per-mitem comparar as escritas entre si masestabelecer quais delas podem ou pode-rão ser interpretáveis”. Dessa forma, é o con-texto que irá definir a denominação poden-do, por exemplo, como assinala a autora,dois textos iguais receberem interpretaçõesdiferentes, se estiverem em contextos dis-tintos. Um avanço importante ocorre quan-do as crianças definem um novo critériorelacionado com as distinções que deve terum escrito para dizer coisas diferentes –critérios interfigurais.

Assim, as primeiras tentativas de di-ferenciação, particularmente quando acriança domina um número reduzido de le-tras, evidenciam uma solução interessante:a criança muda a posição das letras naordem linear, obtendo, desse modo, totali-dades diferentes para cada palavra a serescrita. Ainda com o objetivo de encontrarcritérios de diferenciação, a autora verificouque as crianças procuram variar a quanti-dade de grafias para escrever palavras di-ferentes e, dessa forma, permanecem sem-pre observando o mínimo de três letras es-tabelecido para que uma escrita possa serinterpretável. Outra tentativa de diferencia-ção consiste em “[...] fazer correspondênciaentre as variações quantitativas nas repre-sentações e as variações quantitativas noobjeto referido” (FERREIRO, 1990, p. 32-33).Assim, a criança pensa que nomes de ob-jetos maiores, mas espessos, mais pesados,

mais numerosos devem ser escritos commais letras e de objetos pequenos, menospesados, menos espessos etc. devem serescritos com um número menor de letras.Segundo a autora, esses procedimentosforam explicados como tentativas de “[...]colocar em correspondência os aspectosquantitativos da representação (o númerode letras) e os aspectos quantificáveis doobjeto referido, indicações de uma dificul-dade de diferenciar a escrita do desenho”(FERREIRO, 1990, p. 33). Entretanto, ela nãoconcorda com essa explicação e diz estarconvencida de que, na realidade, essa é “[...]uma busca formal que dirige as explora-ções das crianças e não uma dificuldadede se desligar do desenho” (FERREIRO,1990, p. 33).

Desse modo, na opinião da autora,as crianças criam esses procedimentos parase manterem coerentes com os aspectosformais que pensam que uma escrita devepossuir para ser interpretável. Além disso,tentam expressar, na escrita, aspectosquantificáveis dos objetos referidos e nãoaspectos figurais. Com relação a esse se-gundo aspecto, Ferreiro (1990) diz que acriança não tenta, por exemplo, escrever onome de objetos circulares com grafias re-dondas. Um outro fato mencionado pelaautora se refere a que esse aspecto podeser explorado nas crianças quando elas sãoincentivadas a escrever duas ou três pala-vras, pois um número maior de palavrasexigiria um nível de elaboração comparati-va que está além das capacidades inte-lectuais das crianças.

Assim, a autora argumenta que, nosegundo período de evolução da escrita na

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criança, são observados modos de diferen-ciação denominados interfigurais, porqueeles levam à representação de objetos dis-tintos com seqüências de letras diferentesuma das outras. No período de fonetização,particularmente quando é elaborada a hi-pótese silábica, a criança ainda trabalhacom critérios qualitativos e quantitativos dediferenciação.

Em seu estudo, Contini Junior (1988)identificou escritas que denominou de dife-renciadas. Esse tipo de escrita ocorreu nomomento em que a criança fazia uso degrafias convencionais e tinha um controlesobre sua quantidade. A partir da análisedos tipos de escrita diferenciada encontra-dos, o autor assinala que, comparados comos resultados de Ferreiro, não foramverificadas escritas em que as criançasmantêm um repertório fixo de letras paraescrever variando apenas a quantidade enem escritas em que as quantidades sãomantidas constantes havendo alteração norepertório de letras usadas. Apesar das dis-tinções entre os resultados, Contini Junior(1988) parece concordar com os tipos oucategorias de diferenciações pensadas porFerreiro (1990) – quantitativas e qualitativas.

Luria (1988) também discutiu, emseu trabalho, essa questão e evidenciou queas tentativas de diferenciação das escritaspelas crianças resultaram da introdução, nosconteúdos das sentenças a serem escritas,de fatores, como quantidade, forma, tama-nho etc. As diferenciações levaram a queas crianças passassem a fazer uso funcio-nal das grafias e propiciaram o surgimentoda pictografia, o que não se evidencia nosestudo de Ferreiro (1990), pois, para essa

autora, a evolução da escrita na criança teminício com a diferenciação entre formas icô-nicas e não icônicas de representação.

As análises desenvolvidas porAzenha (1995) confirmam, por um lado, osresultados da pesquisa de Ferreiro eTeberosky (1989), pois essa autora obser-vou escritas que já apresentavam as con-dições formais para que fossem interpretá-veis (quantidade e variedade de letras).Entretanto, após as crianças terem constru-ído esses critérios, foi verificado, como notrabalho de Luria (1988), que a introduçãode certos atributos no conteúdo das frasesa serem escritas provocou o surgimento dapictografia.

Nesse sentido, o que distingue os re-sultados dos estudos de Ferreiro (1990) ede Ferreiro e Teberosky (1989) e os resulta-dos do estudo de Azenha (1995) é o fatode as duas primeiras autoras consideraremque as diferenciações na escrita estão rela-cionadas com as condições formais que otexto deve possuir para que possa ser inter-pretável e pelo fato de após o estabeleci-mento dessas condições não existir possi-bilidades de representação de aspectosfigurais dos objetos. Portanto, é descarta-da, no caso dos resultados dos estudos deFerreiro e colaboradoras, a possibilidade dosurgimento da escrita pictográfica que pos-sibilita o uso funcional da escrita para lem-brar significados anotados.

Os resultados obtidos, neste estudo,confirmam estudos anteriores (GONTIJO,2001, 2003): quando as crianças usam asletras do alfabeto para compor a escrita detextos, as diferenciações não auxiliam arecordação do texto que motivou o registro,

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mas indicam que a escrita não é mais alea-tória, pois as diferenciações se tornaramprincípios de organização das letras usa-das para escrever. Logo, confirmam parci-almente o estudo de Ferreiro e Teberosky(1989), porque, como dito, esses passam aser princípios ou critérios de organização daescrita e não critérios de legibilidade, poisas crianças que escrevem dessa forma sa-bem que a sua escrita não pode ser lida emesmo que tentem efetuar a leitura nãoconseguem. Nesse sentido, as crianças re-produzem características da escrita e essareprodução depende das experiências queelas têm com a escrita.

Como as crianças lembram osComo as crianças lembram osComo as crianças lembram osComo as crianças lembram osComo as crianças lembram osnomes e formas das letras?nomes e formas das letras?nomes e formas das letras?nomes e formas das letras?nomes e formas das letras?

Tendo em vista que os resultadosdeste estudo não se diferem dos anteriores(GONTIJO, 2002, 2003), passei a examinarcuidadosamente o momento em que ascrianças registravam o texto e o momentoem que o rememoravam. Nesse sentido,pareceu muito importante o fato de algu-mas crianças escreverem o texto e, ao mes-mo tempo, elaborarem no plano verbal oque pensavam que deviam escrever oucomo deviam escrever. Assim, tomarei paraanálise atividades em que as crianças exte-riorizaram, por meio da linguagem oral, omodo como elaboravam a escrita.

Serão examinados trabalhos em queas crianças, por meio da linguagem, torna-ram evidentes os modos como elaboravama escrita. Essa análise é importante, poispoderá fornecer elementos para pensarmossobre a linguagem presente no momento

da escritura. O seu surgimento está relacio-nado com a difícil tarefa de lembrar a for-ma e o nome das letras que as criançasdesejavam escrever. Por isso, levaram umlongo tempo para lembrar e mobilizavam,nessa atividade, conhecimentos/discursosde como deveriam compor a escrita. Seráanalisada inicialmente a atividade de es-crita realizada por M.2 Ele tinha cinco anosde idade:

Ele não esperou que eu ditasse o tex-to que havia produzido oralmente. Apósdizer que deveria escrever o título, ele ini-ciou o registro do texto. Foi possível identi-ficar o conteúdo do texto escrito, porque eleo falava em voz alta durante o registro. Acriança começou a escrever no final da fo-lha, ou seja, de baixo para cima, mas daesquerda para a direita. Dessa forma, nãodominava todas as normas de organiza-ção da página escrita. Observe o que ocor-reu no momento do registro:

P — Escreve animal de estimação.C — Preciosa... Preciosa... eu errei de novo...

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Preciosa já brigou com a ga-ta brigoucom a ga-ta brigou cu-a ga-ta brigoucom a brigou da Tiana (esse texto serefere a letras colocadas no primeiro seg-mento ao final da página). Eu... eu fuie... errei de novo (apaga e, enquanto ofaz, fala o texto). Brigou... brigou... eu...eu... eu... fui... eu fui no quin-tal e... (escre-ve até a sexta letra do primeiro segmen-to e pára de escrever e fala o restanteda sentença) eles pararam de brigar garbrigar... eu fui no quintal... (lê e passa odedo sobre o segmento de letras quefoi escrito) brigar... (escreve novamente)eu fui no quintal e eles pararam de bri-gar (passa o dedo sobre o segundosegmento).

P – Muito bem... aí você disse assim... a pre-ciosa vai para dentro de casa.

C – A Pre-ci-o-sa vai para dentro de ca... vaivai vai pa-ra de... ca... (registra a letra A)vai para dentro de casa... a da donaTiana vai pa ra ca-sa dela... ele pára debrigar.

P — (...) O que você escreveu?C — Preciosa briga... briga dentro do meu

quintal... aí eu vou no quintal e eles pa-ram de brigar... e a minha gata vai pradentro... e a gata da dona Tiana vai pracasa... aí e a minha vai pra casa (apon-ta de baixo para cima e da esquerdapara direita).

P — A escrita ajudou você a lembrar?C — Ajudou.P — Como ela ajudou?C — Porque eu escrevi tudo.

M usou sete letras para escrever otexto. Ele repetiu letras numa mesma se-

qüência. O traçado das letras é bastanteirregular. Entretanto, como pode ser vistona transcrição acima, a criança escrevia otexto e, ao mesmo tempo, pronunciava-ovagarosamente. Às vezes, repetiu palavrase sílabas. Quando perguntei o que haviaescrito, rememorou o texto apontando osescritos globalmente. Assim, mesmo quenão tenha compreendido o funcionamentoda escrita, não domine as formas da maio-ria das letras e não tenha criado mecanis-mos para lembrar o texto, de posse de al-guns conhecimentos sobre as letras, de-monstrou saber que a escrita é linguagem.Desse modo, relatou suas experiências coma gata Preciosa. No momento em que reme-morou o texto, é importante verificar quenão houve as repetições de palavras e desílabas notadas quando realizava a escri-tura do texto. Penso que as repetições visa-ram a garantir uma simultaneidade entreo tempo de produção oral do texto e o tem-po de escrita. A entonação e as repetições,no momento da escritura, são próprias dequem dita o que deve ser escrito e, nessecaso, é ele quem determina o que deve serescrito. Ele não pára de pronunciar o textoem nenhum momento, mesmo quandoapaga uma letra que considerou “errada”.

A análise do processo de escrituradessa criança conduz à idéia de que, aoiniciar o processo de aprendizagem das le-tras, a escrita é simbólica, pois representagraficamente o texto produzido oralmentee, portanto, a linguagem. A criança perce-beu que pode traduzir em signos arbitrári-os a linguagem, antes mesmo de descobrirque as letras representam convencional-mente suas unidades (palavras, sílabas ou

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fonemas) e de compreender que a escritaserve para fins psicológicos (recurso paralembrar o texto anotado). Nesse sentido,parafraseando Smolka (1989), a alfabeti-zação, desde o seu início, é um processo de“constituição de sentido”, por meio da escri-tura e da leitura. O que impede, muitas ve-zes, que essa compreensão se desenvolvasão as circunstâncias e o modo como oensino da leitura e da escrita é desenvolvi-do na sala de aula.

Uma maneira também interessantede buscar compreender esse trabalho deprodução de textos é por analogia à análi-se que Vigotski (2000) elaborou sobre odesenvolvimento do desenho, pois a crian-ça escreve da mesma forma que desenha,ou seja, produz oralmente o texto enquan-to escreve e a escrita se torna, portanto,uma forma gráfica de linguagem, mas di-ferente do desenho, porque é inteligívelapenas para a criança que a produz, nomomento em que a produz. Alguns proce-dimentos adotados no trabalho provavel-mente influenciaram o modo como a cri-ança produziu graficamente o texto, poisera primeiramente incentivada a produziro texto oralmente. Nesse momento, o seutexto era registrado e, depois, lido para queela verificasse se tudo que disse foi escrito.Dessa forma, M já havia organizado o tex-to, escolhido o que dizer e a pesquisadoratinha atuado como escriba do texto.

Se a análise for centrada no proces-so de construção de sentidos, é possívelperceber, conforme assinala Smolka (1989,p. 84), “[...] indicadores de uma intensa ativi-dade mental, cognitiva, discursiva que re-

velam uma dialogia”. No momento em queé incentivado a escrever, ele passa a atuar,ao mesmo tempo, como escriba, contadore integrante da experiência relatada no tex-to. Assim, a criança sabia que, por meio daescrita, podem ser narradas suas experiên-cias, mas sem ter ainda consciência de quea escrita é um simbolismo de segunda or-dem, ou seja, representa também unidadesda linguagem ou do texto que escrevia.Possibilitar essa descoberta sem que pro-voque sua desintegração com o processode produção de sentidos é o que se preten-de com a alfabetização de crianças. Entre-tanto, a desintegração é o que, na maioriadas vezes, ocorre, pois as relações grafofô-nicas ainda são priorizadas por grandeparte dos métodos de ensino da leitura eda escrita.

Será analisada ainda uma seqüên-cia de três atividades de escrita desenvol-vidas pela menina MI, nos anos de 2002e 2003. Na primeira, foi proposto que elaescrevesse um texto, a partir de uma se-qüência de quadrinhos sem escrita(Furnari, 1993). Naquele momento, o usoda história em quadrinhos se tornou per-tinente, pois, desse modo, as crianças teri-am sobre o que escrever. Porém, chamoua atenção o fato de algumas crianças nãoperceberem que sempre havia uma mági-ca, uma transformação de um persona-gem envolvido na história. Isso, entretan-to, não ocorreu com MI. Veja, então, o tex-to escrito pela criança3:

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PirulitoPirulitoPirulitoPirulitoPirulito

O gato e a bruxa estavam chupandopirulito.

A formiga estava em cima do banco.Ela pegou o pirulito da bruxa.A bruxa pegou a sua varinha de es-

trela e fez uma mágica para sumir com aformiga.

A formiga virou um elefante e o piru-lito cresceu grande.

(Setembro de 2002)

Dessa forma, pode ser verificado notexto que a criança percebeu a transforma-ção da formiga em elefante e a intençãoda bruxa em realizar a mágica. Se foremtomadas as idéias de Ferreiro e Teberosky(1989) para a análise do texto, pode serdito que a criança diferenciou as seqüênci-as de letras ao compor cada sentença. Asdiferenciações são de caráter qualitativo equantitativo, pois não foram repetidas le-tras em uma mesma seqüência e foi utili-zado um número mínimo e máximo de

letras para escrevê-las. Como dito, segun-do essas autoras, esses critérios formais de-finem a interpretabilidade de um escrito. Po-rém, o modo como a criança realizou o tra-balho de produção das sentenças do textoproporciona reflexões sobre outros aspec-tos. Além disso, as explicações construídaspor Ferreiro e Teberosky (1989) para a cons-trução desses princípios ou critérios podem/devem ser (re)discutidas levando em contaas experiências das crianças com a escritae como elas elaboram essas experiências.

A atividade realizada por MI durouem torno de quarenta minutos, porque es-tava muito preocupada em quantas letrasescrever, em diferenciar as letras em cadasegmento e, sobretudo, lembrar as formase os nomes das letras. Na verdade, ela es-creveu o texto com dez letras e, mesmosabendo o nome de algumas, não conse-guia lembrar as suas formas. Veja a trans-crição que se segue:

P — O título é o pirulito.C — É pra fazer pirulito?P — É para escrever o pirulito... o título o pi-

rulito.C — O pirulito começa com E e com U... o

pirulito começa com umas letrinha... qua-tro letrinhas... se você adivinhar podeacertar as letrinhas (a partir da segun-da frase, canta).

P — Então... pirulito tem quatro letrinhas... es-creve as quatro letrinhas da palavrapirulito (...).

C — Como que é as letrinhas dele?P — Pensa quais são as letrinhas e escreve

do jeito que você sabe.C — A letra do pirulito começa com A... mais

diferente dele.

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P — Então escreve.C – (Escreve a letra A). — Tem mais uma

letrinha que começa com pirulito (...) co-meça com E... o pirulito começa com maisuma letra... e... começa com a letra... co-meça... pirulito começa com A... como éque faz pirulito... então a gente pode es-crever... na minha casa tem um montãode coisa pra escrever... na minha casavende qualquer coisa... tem aquele qua-drado... tem aquele negócio que botaassim... que escreve nos quadrado... é...

P — MI você precisa escrever pirulito... vocêjá colocou uma letra... você falou quepirulito tem quatro letras... quais as le-tras que estão faltando para escreverpirulito?

C — Se eu pôr três letras... vai dar três letras...P — Então escreve.C — Eu não sei também... eu num sei se num

sei... o C eu não sei... eu sei... o C é maisdiferente... começa com A.

P — Então põe o C.C — Qual é o C? Como é o C?P — Pensa e lembra como é o C (...) olha o C

no seu nome.C — Então é assim... é o C... começa com

mais uma letrinha.P — Então... escreve.C — O L é mais diferente... (escreve a letra N).P — Tem mais alguma letra na palavra piru-

lito?C — Hum... hum... tem que começa com M...

M é mais diferente dos três...P — Então coloca.C — (Escreve a letra M).

Dessa forma, diante da proposta deescrita do título do texto, a criança pergun-

tou se era para “fazer o pirulito”. A sua inten-ção era desenhar o pirulito, mas não estavacerta se era isso que deveria fazer. Por isso,fez a pergunta. Diante da resposta que de-veria escrever, não teve dúvidas, disse quea palavra pirulito deveria ser composta comquatro letras. O problema era, então, des-cobrir como se escrevia cada letra. Ela lem-brou os nomes das letras A, C, L e M. Noentanto, só soube escrever a letras M e A. Éinteressante verificar ainda como a criançaverbalizou oralmente o que pensava e osesforços mobilizados para lembrar as letras.Lembrar as formas das letras se tornou aatividade cognitiva fundamental. Para isso,mobilizou experiências: “O pirulito começacom umas letrinha... quatro letrinhas... se vocêadivinhar pode acertar as letrinhas”. Elaconversou com ela mesma, provavelmen-te, como se outras pessoas conversassem.Assim, pode ser observada uma intensaatividade discursiva e cognitiva cuja finali-dade era lembrar as formas das letras. Alinguagem não se apresentou completa eclara para quem participava do processo,mas certamente se fazia compreensívelpara a criança, pois é constituída de ele-mentos das suas experiências. É visível aatividade mental que se revela na dialogia,no discurso, na conversa que realiza consi-go mesma. Disse que deveria escrever qua-tro letras, porém o problema a ser solucio-nado não ser referia à quantidade de le-tras. Ele estava relacionado com a lembran-ça das formas das letras e a sua diferencia-ção uma das outras, em uma seqüência. Éimportante verificar o que ocorreu na escritadas sentenças:

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P — O gato e a bruxa estavam chupandopirulito.

C – (Olha para os lados). — Começa commais uma letrinha... né? Mas a letrinhadele começa com... mas diferente da J...

P — Escreveu o gato e a bruxa estavam chu-pando pirulito?

C — (Confirma com um aceno de cabeça).P — Escreveu tudo isso?C — (Confirma novamente). Eu sei qual que

é todas as letrinhas... eu sei o nome...começa com A I J.

P — Você escreveu o que eu pedi para você...o gato e a bruxa estavam chupandopirulito.

C — Não... começa com...P — Você não escreveu ou escreveu?C — Começa com E... qual que é o I... aqui?

O I é assim mesmo? Qual que é?P — Qual é?C — Começa com um pauzinho... ou sem um

pauzinho?P — O I é o I de MI (aponto a letra em seu

nome).C — O I é esse pauzinho? (escreve) Daqui é

quatro letrinhas... não é?P — (Confirmo).C — Então é quatro que eu falei... eu falei

quatro letrinhas... mas falta uma, duas,três, quatro...

P — A formiga estava em cima do banco.C — É... na beradinha...P — Isso... então escreve.C — Vou pensar... começa com a irmã do J...P — Então escreve a irmã do J.C — (Escreve a letra T na outra linha).P — Fez a irmã do J?C — (Confirma).P — (...) A formiga estava em cima do banco.

C — Começa com a letrinha de... todas asletrinhas começam com uns bicho... né?Começa com I... I...

P — Então escreve.C — O I não é essa letrinha ou daqui... é essa

daqui... qual é o I? .Como é o I mesmo...(escreve) mas diferente da bruxa...

P — Ela pegou o pirulito da bruxa.C — (Brinca com o lápis).P — Então vamos escrever... ela pegou o pi-

rulito da bruxa (a criança repete a frasejunto comigo).

C – (Pensa um pouco) — M...P — Então escreve...C – (Escreve a letra M). — Formiga começa

com L... (registra a letra N) o I é daquimesmo? (...) Essa daqui... começa commais uma letrinha... começa com me-nos a letrinha da bruxa... formiga... for-miga... começa com quetuja... né (come-ça a escrever a letra M) quetuja vocêsabe o que que é?

P — Não... eu não sei... o que é quetuja?C — Nem eu sei... (escreve enquanto responde).P — Nem você?C — Quetuja parece o nome da A (...).P — A bruxa pegou a sua varinha de estre-

la e fez uma mágica para sumir com aformiga.

C — Aí a formiga virou uma mágica (...) Temque fazer essa letrinha de novo... por-que essa letrinha parece uma estrela...parece uma estrela (começa a escrevera letra M) (...) estrela começa com P (es-creve as letras P e A na linha seguinte).

P — (Repito o que deve ser escrito).C — Começa com a letra A... (escreve a le-

tra). Começa com a letrinha S... o S éessa letrinha? (...)

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P — O S é outra letrinha (escrevo para ela).C – (Copia). — Começa com mais uma le-

tra... começa com I (escreve). K I J… já seiqual é... K I J é qual?

P — Então escreve (mostro a letra K no seunome).

C — O I começa menos a do saci... é o C quecomeça com saci?

P — Não... saci começa com a letra S.C — S? O S é essa daqui mesmo?P — Não... o S (aponto) é essa daqui que eu

te ensinei ainda há pouco.C — Parece menos com o saci... (escreve a

letra S) (...).P — Então... escreveu tudo...C — O pirulito cresceu grande... mas aqui tem

um grande... aí a formiga foi pegar opirulito... aí virou um elefante (...) quan-do ela crescer... aí tem letrinha... né... é...não sei C ou A ou I ou J... já sei qual é...é aquela que começa com caju... cajucomeça com essa letrinha (aponta).

P — Então escreve.C — Não sei se começa com formiga do ele-

fante... num sei se é A ou I ou U... come-ça com uma letrinha... mais umaletrinha... né... começa com M... M... (es-creve a letra M) começa mais... maisuma letrinha... com L... L começa comformiga (escreve a letra N enquantofala) e começa com mais uma letrinha...ou A... E... A... agora... (escreve a letra A efaz uma pausa mais longa) K é G Hcomeça com K G H.

P — Então escreve.C — Cadê o K G H? Como é que é?P — O K G H não. O K... tem o K de MI...

aqui... (indico o nome da criança).C — O K G H (escreve a letra K).

Assim, como mencionado, lembrar aforma das letras se tornou central durantea escrita dos enunciados do texto. Ela sa-bia que, para escrever, utilizamos as letras,mas não conseguiu lembrá-las imediata-mente. A lembrança das formas das letrase dos seus nomes é mediada por uma ati-vidade discursiva. Por meio dela, mobilizaconhecimentos, a sua interlocutora e expe-riências que contribuem com a atividadede lembrar as letras. Ela rememorou se-qüências de letras, inventou nomes de letrase relacionou letras com palavras de formaque parecia aleatória. No entanto, comodisse, as relações, o modo como pensava éconhecido da menina e, muitas vezes, nãoacessível à pesquisadora que acompanha-va o desenvolvimento do trabalho. Ao fi-nal, questionei se havia escrito tudo, poisescreveu apenas cinco letras, especialmen-te para último enunciado do texto que eralongo:P — Pronto? Escreveu tudo?C – (Confirma e aponta a primeira linha). —

Bruxa... ela tava sentada com o gati-nho... aí veio a formiga queria tomar opirulito dela... a bruxa pegou o negóciocom uma cordinha mágica. Ela pegouo negócio com uma cordinha mágicae fez a formiga virar um elefante porquetava tomando... aí o pirulito cresceu.

P — Você acha que a escrita ajudou a lem-brar?

C — (Confirma). Porque eu já vi na televisão...porque... porque... quando passa os de-senho... os desenhos vê... passa uns bi-cho... eu vejo um montão de bicho... euaprendo a fazer...

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Ao terminar o registro, disse que aescrita auxiliou a lembrança do texto. Defato, o conteúdo recriado foi o mesmo quemotivou o registro, porém foi rememoradosem se relacionar com escrita para esse fime disse que lembrou, porque viu na televi-são que também têm desenhos que explo-ram a mágica. É interessante observar que,na tentativa de reconstrução do discursoalheio, varinha de condão se transforma emcordinha mágica... Por meio da tramadiscursiva que se desenvolve no processode registro do texto, pode-se inferir que acriança descobriu que as letras são usadaspara escrever, mas ainda não se aproprioudas suas formas. Esse aspecto aparente-mente negativo do processo se torna ex-tremamente importante, pois permitiu quea criança revelasse seus modos de pensare de elaborar a escrita.

O segundo texto escrito por MI foiuma mensagem de Natal que deveria serentregue à professora da classe. Nessecaso, além de as crianças terem que es-crever com atenção para lerem o que es-creveram, foi explicado que a professoratambém deveria ler o texto. Além disso, otexto tinha o nome da professora e daprópria criança. No caso do primeiro nome,a criança sempre o escrevia na classe e,por isso, já o havia memorizado. Na ativi-dade anterior, compôs cada sentença dotexto com um número maior de letras. Nasituação de registro da mensagem natali-na, utilizou um número reduzido, isto é,escreveu a maioria das sentenças comapenas duas letras. Veja:

Tia V... 4

Eu vou te dar um presente de Natal.Eu gosto de você e dos deveres.Eu gosto de escrever.Você é bonita e boa.Feliz Natal!MI

(Novembro de 2002)

Durante o registro, a criança preocu-pava-se com a quantidade de letras quedeveria ser anotada e sempre dizia que fal-tava uma letra, mas não sabia ao certo quale, por isso, pediu ajuda para escrevê-las. Talsituação corrobora a análise anterior, poisa criança aprendeu que usamos letras paraescrever, mas a atividade se volta para astentativas de lembrar o nome e as formasdas letras. Foi possível verificar, ao escrevero nome da professora, que ela tentou lem-brar as letras que o compõem. Ela não es-tava interessada em outras letras, porquesabia que existia um conjunto de letras que

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deveria ser lembrado. Por isso, mesmoquando incentivada a escrever do jeito quesabia, não escreveu qualquer letra. Conse-guiu lembrar então de três letras do nomeda professora (V, E e L). Vejamos o que ocor-reu, ao escrever a primeira sentença:

P — (...) Eu vou te dar um presente de Natal.C — (Olha para o lados, fica pensativa). Eu

acho que é o P (escreve a letra) eu jáescrevi o P (...).

P — MI fala de novo (não consegui com-preender o que foi dito e nem mesmofoi compreendida durante a transcrição,pois falava muito baixo).

C — (...) Só que eu esqueço... eu num lembro.P — (...) Tenta lembrar e escrever do seu jei-

to... você tem que escrever... eu vou tedar um presente de Natal.

C — Eu acho que é o A.P — Então põe o A.C — (Escreve).P — Pode continuar.C — Eu acho que tem mais um P... porque

eu tô lembrando um pouco.P — Então coloca mais um P... já que você

tá lembrando.C – (Escreve). — Mais uma letra também.P — Você acha que precisa mais letras?C — Precisa mais uma igual essa... vai ficar

tudo igual um pouco.P — Então escreve (...).

A atividade prosseguiu da mesmaforma, ou seja, centrada na tentativa derecordar o nome das letras e suas formas.Desse modo, a redução do número de le-tras na escrita pode estar ligada ao fato deter se lembrado apenas de três letras donome da professora. Ao final, disse afirmou

que a escrita auxiliava a lembrança do texto.Disse ter escrito “Feliz Natal”, sem se apoiarna escrita para lembrar. Como pôde serverificado, mesmo tendo escrito o seu nome,não o leu. Isso sugere que a criança nãocompreendeu que a escrita pode ser usa-da com finalidade mnemônica:

P — Muito bem MI (...) Você acha que essaescrita ajuda você a lembrar o que vocêescreveu?

C — Eu escrevi um pouquinho... mas muitonão.

P — E escrita... ajuda você a lembrar?C — (Acena afirmativamente com a cabeça).P — Então lê.C — Tia V... feliz Natal.P — Que mais você escreveu? Você escre-

veu só feliz Natal?C — Escrevi.

MI notou que não escreveu muito,mas concordou que a sua escrita auxiliavaa recordação da mensagem. Contudo,como mencionado, apesar de ter escrito oseu nome ao final da mensagem, não oleu, porque não buscou, no texto, escritasexpressivas, valia-se exclusivamente damemória para lembrá-lo.

A última dessa seqüência de ativida-des desenvolvida por MI é muito interes-sante, pois se diferencia das duas primeirasem dois aspectos. Em primeiro lugar, amenina escreveu silenciosamente e, portan-to, se limitou a ouvir os enunciados orais ea escrever segmentos de letras para cadaum deles, não demonstrando ter que em-preender esforços para lembrar as formase os nomes das letras. Em segundo, houvemudanças nas características da escrita, pois

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usou uma maior quantidade de letras paracompor o texto sobre a nova escola. Ob-serve:

A nova escolaA nova escolaA nova escolaA nova escolaA nova escola

Eu gosto de brincar.Eu fiquei feliz, porque eu estou na

escola nova.Eu gosto muito de ficar brincando

com os coleguinhas sem bater,mas todo mundo fica batendo.Eu gosto de brincar com a Letícia.Ela bate nos outros e só não bate

em mim.(Abril de 2003)

Veja agora como MI escreveu o texto:

P — A nova escola.C — (Fica pensativa). É pra escrever a letra

da escola?P — Pode escrever... qual é a letra da escola?C — (Escreve a primeira letra, apaga e es-

creve CMEI).P — Eu gosto de brincar.C — (Escreve silenciosa e vagarosamente).

Como pode ser visto, a criança es-creveu com maior segurança e as formasdas letras já foram memorizadas. Perguntou

se era para escrever as letras da escola eescreveu as letras usadas para abreviarCentro Municipal de Educação Infantil(CMEI). Era dessa forma abreviada que aprofessora havia ensinado a escrever aspalavras que faziam parte do nome da es-cola. Ao escrevê-las, não teve dificuldadespara lembrar cada uma delas. No restanteda produção, não houve nenhuma pergun-ta. Ela ouviu cada sentença e anotou letrascorrespondentes. Pode-se verificar que me-morizou um número razoável de letras queutilizava para escrever o texto. Ao ser ques-tionada se a escrita auxiliava a lembrançado texto, disse que sim. Observe:

P — Você acha que a sua escrita ajuda vocêa lembrar o que você escreveu?

C — (Confirma).P — Então leia pra mim o que você escre-

veu.C — (Aponta o texto). Eu gosto muito de

brincar (...) (não foi possível compreen-der o que foi lido, mas indicava com odedinho da esquerda para a direita ede cima para baixo onde estava lendo).

P — A escrita te ajudou a lembrar?C — (Confirma).P — Como ela te ajudou?C — Porque eu lembro.

Dessa forma, o registro das letras ini-ciais do Centro Municipal de Educação In-fantil não auxiliou a lembrança da palavraescola, pois começou dizendo “eu gosto debrincar”.

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Considerações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finais

Com base na seqüência de ativida-des analisada, pode-se concluir que a crian-ça aprendeu inicialmente que usamos le-tras para escrever, no entanto, nesse início,lembrar as formas das letras que sabianomear e lembrar nomes de letras torna-ram-se tarefas centrais no trabalho de es-crita do texto. Por meio da linguagem, mo-bilizava experiências e conhecimentos edialogava com a pesquisadora. À medidaque se apropriou das formas das letras,escrever tornou-se uma atividade que pa-rece se limitar a reproduzir seqüências deletras diferenciando-as para cada sentençaque deveria ser anotada.

As situações analisadas evidenciamprocessos importantes no curso de desen-volvimento da escrita nas crianças que po-deriam ser resumidos da seguinte forma:elas aprendem que usamos letras para es-crever; no entanto, no início dessa aprendi-zagem, não se apropriaram das suas for-mas e nomes. Esse, então se torna um pro-blema a ser solucionado pela criança aoescrever. Porém, à medida que se apropri-am desses conhecimentos, a atividade deescritura se restringe, como visto, à repro-dução das formas gráficas aprendidas. Oaspecto importante observado, nesse últi-mo momento, é a diferenciação de cada

segmento de letras utilizado para registraros enunciados do texto.

Sobre as diferenciações na escrita, emtrabalhos anteriores (Gontijo, 2001, 2003),foi discutida a sua natureza e apresenta-dos diversos exemplos do modo como ascrianças elaboram as diferenciações, tendoem vista o tipo de metodologia de ensinousado na sala de aula pela professora paraensinar a ler e a escrever e, portanto, os tex-tos que as crianças têm em contato na esco-la. Nesse sentido, se forem analisadas so-mente as características da escrita, pode-sedizer que a criança estabelece critérios dequantidade e de variação de letras. Entre-tanto, esses critérios não definem a legibili-dade do escrito, pois as crianças não seapoiavam na escrita para lembrar os textosanotados e sabiam que a sua escrita nãopoderia ser utilizada com essa finalidade.

NotasNotasNotasNotasNotas1 O termo “intrafigural”, segundo a autora, é umadas denominações que Piaget e Garcia (1983) usa-ram para “[...] distinguir os grandes períodos de or-ganização do pensamento científico e da psicogê-nese” (FERREIRO, 1990, p. 29).2 Serão usadas para identificação das crianças, nes-te artigo, as letras iniciais dos seus nomes.3 O texto que se segue motivou o registro. Cadalinha do texto corresponde à linha de registros com-postos pela criança.4 Os nomes da professora e da criança serão omiti-dos nessa produção.

ReferênciasReferênciasReferênciasReferênciasReferências

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Recebido em 22 de setembro de 2005.Recebido em 22 de setembro de 2005.Recebido em 22 de setembro de 2005.Recebido em 22 de setembro de 2005.Recebido em 22 de setembro de 2005.Aprovado para publicação em 25 de outubro de 2005.Aprovado para publicação em 25 de outubro de 2005.Aprovado para publicação em 25 de outubro de 2005.Aprovado para publicação em 25 de outubro de 2005.Aprovado para publicação em 25 de outubro de 2005.

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Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 20, p. 79-96, jul./dez. 2005.

A formação do padre Jesuíta no século XVIA formação do padre Jesuíta no século XVIA formação do padre Jesuíta no século XVIA formação do padre Jesuíta no século XVIA formação do padre Jesuíta no século XVIThe training of the Jesuit priest in the 16th Century

Célio Juvenal Costa

Dr. em Educação Unimep. Prof. Departamento de Funda-mentos da Educação da Universidade Estadual de Maringáe-mail: [email protected]

ResumoResumoResumoResumoResumoApresentar as características da formação do padre jesuíta nos primeiros decênios da existência daquelaorganização é o que propõe este artigo. A Companhia de Jesus nasceu em 1534 e foi oficializada em 1540,apresentando-se como uma organização religiosa que expressava as discussões e necessidade da Refor-ma Católica do período. Em poucos anos ela se tornou uma das principais ordens religiosas do mundo e,no caso do Brasil foi, sem dúvida, a mais importante em todo período colonial. A formação educacionaldaqueles padres é apresentada em quatro aspectos, distintos apenas metodologicamente: a formaçãorigorosa, a escolástica, a técnica e a missionária. Essa forma de entender e apresentar a educação do futurojesuíta permite mostrar duas grandes características que marcam a racionalidade e atuação deles: atradição escolástica e o enfrentamento e absorção na nova realidade.

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chaveEducação; Companhia de Jesus; Ratio Studiorum; racionalidade jesuítica.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractThis article intends presenting the characteristics of the training of the Jesuit priest in the first decades ofthe existence of that organization. The Company of Jesus came into being in 1534 and was made official in1540, presenting itself as a religious organization that expressed the discussions and needs of the CatholicReform of that period. Within a few years it became one of the main religious orders of the world and, inthe case of Brazil, it was, without doubt, the most important of the colonial period. Four aspects of theeducational training of the priests is presented, differing only in methodology: rigorous, scholastic, technical,and missionary training. This manner of understanding and presenting the future Jesuit allows us to showtwo great characteristics that mark their rationality and their action: their scholastic tradition and theiracceptance and absorption of the new reality.

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsEducation; Company of Jesus; Ratio Studiorum; Jesuit rationality.

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80 Célio Juvenal COSTA. A formação do padre Jesuíta no século XVI

A Companhia de Jesus é uma ordemreligiosa que nasceu sob os auspícios daReforma da Igreja Católica e com umgrande objetivo: reconquistar a cidade deJerusalém para os cristãos. Deste ideal fran-camente cruzadístico até os trabalhos liga-dos às cortes, à educação e às missões, pormeio dos quais a Companhia tomou suaforma definitiva, vários anos se passaram.O caráter educativo e, principalmente, mis-sionário dos padres jesuítas, não nasceupronto e longe estava de ser um objetivoquando da fundação da nova ordem em1534. Como verdadeiro instrumento refor-mador, a Societas Iesu, organização religiosaespecífica com Constituições próprias, cons-truiu-se historicamente ao assumir determi-nadas atividades avaliadas como impor-tantes; avaliação feita a partir da experiên-cia de outras ordens religiosas e da necessi-dade da Igreja e das Coroas cristãs.

Dois aspectos inseparáveis explicam,genericamente, a atuação histórica da Com-panhia de Jesus, pelo menos nas primeirasdécadas de sua existência: o fundamentoteológico e filosófico da escolástica como oelemento conservador, e o enfrentamento deinéditas experiências ligadas ao processo deexpansão da sociedade ocidental como oelemento novo, como o desconhecido e mo-derno de sua atuação. Os jesuítas assumi-ram, com o tempo, esses dois fundamentoscomo essenciais para a atuação em seusdiversos meios, principalmente, os relaciona-dos ao Império português do século XVI.

A formação do jesuíta passava pelatradição e pela novidade, pela capacitaçãocompetente tanto no fundamentoescolástico e místico quanto nas novas

necessidades técnico-intelectuais. Referir-seà formação do padre jesuíta é compreendê-la, e a Companhia, como um todo, comoalgo que se desenvolveu historicamente,não nascida pronta e acabada. Exemplodisto são os dois documentos fundamen-tais que a Companhia produziu no séculoXVI: as Constituições e o Ratio Studiorum,os quais ficaram prontos depois de váriosanos entre a primeira redação e a for-matação final e isso após experiências prá-ticas e avaliações teóricas.

A compreensão da formação do je-suíta passa por quatro aspectos, indepen-dentes, porém interligados: formação rigo-rosa, escolástica, técnica e missionária; sebem que por vezes essa distinção é maismetodológica do que real.

A formação rigorosaA formação rigorosaA formação rigorosaA formação rigorosaA formação rigorosa

Os futuros padres jesuítas eram forja-dos em casas específicas onde se privilegiavaa formação intelectual aliada ao aprimora-mento da virtude: os seminários e os colégios.Tão comuns a partir do século XVII os semi-nários eram novidade nos anos quinhentos,pois não se tratava, no caso dos jesuítas maisespecificamente, da reunião de jovens se-gundo o modelo monástico, não existiammais as exigências de severos autocastigosou mesmo as orações entoadas em coro.

A criação e manutenção de seminá-rios em todas as dioceses foi uma das prin-cipais determinações do Concílio de Trento(Mullett1, 1985). Eles deveriam ser um es-paço para uma formação mais rígida emTeologia, História da Igreja e Latim para osfuturos padres.

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Entre os jesuítas essa preocupaçãoconciliar foi elevada à máxima potência, namedida em que a formação em Letras, emFilosofia e em Teologia abrangia todo umextenso e rigoroso conteúdo escolásticoaliado às mais recentes discussões teológi-cas, revelando a prioridade de se fazer umaformação mais profissional dos futuros sa-cerdotes. Na formação dos jesuítas, pelaestrutura dos seminários, pelas classes, pelaorganização interna, pelas inovações e pelabusca de uniformidade, ressalta-se, segundoMullett, três aspectos importantes: a liturgia,a pregação e a confissão; que são três mo-mentos privilegiados da atuação dos pa-dres, por meio dos quais, se dava priorita-riamente a evangelização seja entre os pró-prios cristãos, seja entre os gentios. Os jesuí-tas aprendiam tanto o conteúdo cristãoquanto a melhor forma de transmiti-lo.

A formação do futuro jesuíta era aci-ma de tudo rigorosa. Apenas como umexemplo inicial desse rigor, as Constitui-Constitui-Constitui-Constitui-Constitui-çõesçõesçõesçõesções previam, na sua quinta parte –Incorporação na Companhia daqueles queassim foram formados – que para o estu-dante se tornar professo e entrar de vez paraa Ordem, deveria ser examinado com mui-to rigor em lógica, filosofia e teologiaescolástica perante uma banca de quatroexaminadores2. O futuro padre tinha quemostrar domínio do conteúdo de toda umavida de estudante, desde os estudos bási-cos em Artes, até os relativos às faculdadesMenor e Maior, ou seja, faculdades de Filo-sofia e Teologia.

Uma característica da educação dosjesuítas em geral e mais particularmente dofuturo membro da Companhia era a disci-

plina como meio de se obter o máximo derendimento do estudante. A disciplina alia-da à punição dava o tom de seriedadenecessário para a dedicação aos estudos.

Francisco Rodrigues3 (1917) faz re-ferência à disciplina como algo fundamen-tal e não meramente acessório na peda-gogia jesuítica. O maior historiador dos je-suítas em Portugal procura evidenciar olado positivo da disciplina nos colégiosjesuíticos, apoiando-se propositalmente emargumentos de um pedagogo protestante:

(...) A disciplina, escreve o eminentepedagôgo já citado, é para a educação oque a casca é para a arvore (...) A cascaparece-nos apenas um involucro grosseiro,mas conserva na arvore e em todas assuas partes a força e o viço. Assim é adisciplina: parece-nos-há uma casca umtanto aspera e escabrosa da educação,mas é ella que tudo conserva, educa erobustece (DUPANLOUP. De l’Éducation. I.p. 178). (RODRIGUES, 1917, p. 28-29)

A punição e o castigo eram utilizadosna formação do jesuíta como meios peda-gógicos, ou seja, como estímulos externospara a manutenção da disciplina, pois ohomem é um ser débil por natureza e deixa-do a si mesmo dificilmente se mantém reto:

Mas a disciplina, ainda que vigilante nãoimpede todas as faltas; tem que ser tam-bém repressiva, corrigindo o culpado. É umaconsequencia da debilidade do homem,que não baste o sentimento do dever paralhe refrear os ímpetos da paixão, mas sejanecessária alguma vez a dureza do castigopara lhe robustecer a fraqueza da vontadee lhe ter mão na inconstancia. Nem a pu-nição moderada é offensa á dignidade dohomem, mas antes o ajuda a levantá-la,nem argúe desaffeição em quem a dá, masamor. A Escriptura deixou em provérbio:

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Qui parcit virgae, odit Filium [Quem nãofaz uso da vara odeia seu filho] (Provérbios,cap. 13, v. 24.) (RODRIGUES, 1917, p. 31,com grifo no original)

Tais palavras, tão distantes e estra-nhas aos dias atuais, sintetiza, de certa for-ma, uma prática pedagógica que não eraapenas jesuítica, mas que se consagroucom a Companhia, principalmente depoisque veio à luz o RatioRatioRatioRatioRatio StudiorumStudiorumStudiorumStudiorumStudiorum, poistanto a disciplina quanto o castigo emsuas variadas espécies e graus de severi-dade são colocados como pedras angu-lares da formação nos colégios da Societas,principalmente naqueles em que se forma-vam futuros padres.

Nas Regras dos Escolásticos de nossaCompanhia, do RatioRatioRatioRatioRatio, apresentam-se al-guns exemplos do que consiste a disciplinaa que os estudantes estavam submetidos:

3. Estudar de conformidade com a direçãodo Superior – Siga cada um a faculdade eouça os professores que lhe assinar osuperior; observem todos com empenhoo horário e método de estudos prescritospelo Prefeito ou Professor e não utilizemoutros livros além dos que lhe forem da-dos pelo mesmo Prefeito.

4. Diligência – Sejam assíduos em ouviras aulas, diligentes em prepará-las e,depois de ouvidas, em repeti-las; pergun-tem o que não entenderam; tomem notadas cousas mais importantes para auxi-liar as deficiências da memória (Ratio,1952, p. 215).

Quanto às punições, o RatioRatioRatioRatioRatio pres-creve desde repreensões verbais até o cas-tigo físico como corretivos de comporta-mentos indignos; no entanto, o castigo físi-co deveria ser aplicado por alguém de forada Companhia de Jesus, o qual exerceria

esta função de forma contínua. Não foipossível saber se esta norma era comumàs demais ordens religiosas, mas na regra38 do Prefeito de Estudos Inferiores (Letras)ela é clara:

Por causa dos que faltarem ou na aplica-ção ou em pontos relativos aos bons cos-tumes e aos quais não bastarem as boaspalavras e exortações, nomeie-se um Cor-retor, que não seja da Companhia. Ondenão for possível, excogite-se um modo quepermita castiga-los por meio de algumestudante de maneira conveniente. Porfaltas, porém, cometidas em casa, não se-jam punidos em aula a não ser raras ve-zes e por motivo bem grave4 (Ratio, 1952,p. 174-175).

A disciplina e a punição tinham porbase uma concepção de homem por natu-reza fraco e débil, que necessitava dos tais“estímulos externos” para conseguir realizarou, em linguagem aristotélico-tomista, con-seguir atualizar toda a potencialidade deque era dotado pelo criador. O conteúdo aser aprendido e apreendido era por si sómuito exigente e, sem disciplina dificilmentese conseguiria dar conta de todo ele. Existi-ram sim autodidatas na Companhia deJesus, mas a grande maioria dos seus emi-nentes quadros5 foram forjados na formada disciplina e da punição.

A emulação é outro aspecto presen-te e incentivado à larga na pedagogiajesuítica, que também denota a rigorosidadede tal formação. Como apenas um exem-plo veja-se, novamente nas ConstituiçõesConstituiçõesConstituiçõesConstituiçõesConstituições,o grau de oficialidade e seriedade com queas disputas eram incentivadas como meiopara se aprender mais e demonstrar publi-camente o que se aprendeu:

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(...) É bom que haja no colégio cada do-mingo, ou em algum outro dia da semana,depois da refeição, um estudante de cadaclasse das artes e de teologia, designadopelo Reitor, para defender algumas teses,a não ser que se dêem razões especiaisem contrário. As teses serão afixadas navéspera à tarde, à porta das aulas, a fimde que os que quiserem possam partici-par no debate ou assistir a ele. Depois deprovadas brevemente as teses, poderãoargüir todos os que quiserem, de casa oude fora. Haverá um presidente para dirigira discussão, resolver as questões e dedu-zir com clareza a doutrina de que se tra-ta, para utilidade dos presentes. É ele quedará o sinal de acabar aos que tomemparte na discussão, repartindo o tempo demodo que todos possam participar nela.(Constituições, 1997, p. 133-134, [378])

Um pouco mais à frente no texto dasConstituiçõesConstituiçõesConstituiçõesConstituiçõesConstituições, novamente se volta ao assun-to dos estímulos aos estudantes indicandoque “será bom juntar alguns de talentos iguaisque mutuamente se animem com santa emu-lação” (Constituições, 1997, p. 134, [383]).

A emulação também não é uma prá-tica pedagógica exclusiva da Companhia,pois a própria escolástica já previa as com-petições entre os estudantes; mas, entre osjesuítas ela assumiu um caráter praticamen-te essencial na sua pedagogia, criando umincentivo, um “estimulo externo” a mais, paraque o estudante realmente aprendesseaquele conteúdo. Incentivo que pode serentendido também como uma forma de seobter resultados mais rápidos, elevar o“padrão de qualidade” mínimo e criar umstatus dentro da própria Companhia, o qualserviria, em futuro próximo, como um crité-rio a mais para se escolher os melhores ho-mens para os postos mais importantes.

Leonel Franca (1952) destaca a emu-lação em boa parte de sua apresentaçãoda metodologia do RatioRatioRatioRatioRatio, afirmando a suaimportância para a formação do futuro je-suíta. Ele resume, já na organização da salade aula, o processo intencional de se esta-belecer a “sadia” competição:

A aula era dividida em dois campos, ro-manos e cartaginenses, cada qual com oseu estandarte; em cada campo dispu-nham-se por ordem de merecimento osdiferentes graus da hierarquia militar; todoaluno tinha no campo adverso um êmulo,rival ou oponente sempre pronto a adver-tir-lhe os erros e contar, corrigindo-os, umavitória para sua bandeira. Emulação entreos dois partidos; emulação dentro de cadapartido onde os postos de honra e de co-mando só eram conquistados e mantidosà custa de provas e merecimentos escola-res. Não raro ainda emulação e luta maissolene entre uma aula toda e imediata-mente superior. O desafio, concertatio, fre-qüente mantinha assim oficiais e solda-dos num estado de alerta permanente. Asregras do Ratio recomendavam-no emtodas as escolas inferiores, ut honestaaemulatio, quae magnum ad studiaincitamentum est, foveatur [que se favo-reça a honesta emulação, que é grandeestímulo aos estudos]. J-31 : era uma adap-tação feliz da disputatio tão freqüente nosgrandes torneios filosóficos e teológicosda Idade Média. (Franca, 1952, p. 38-39)

No Ratio StudiorumRatio StudiorumRatio StudiorumRatio StudiorumRatio Studiorum há várias pas-sagens em que o assunto principal é aemulação entre os estudantes. Ora estabe-lecendo a sua necessidade por meio de ins-tigações, ora definindo os seus momentosmais importantes; o clima de competiçãoperpassa praticamente todo o documento,fazendo dela presença concreta e pratica-mente essencial à pedagogia jesuítica.

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Como um exemplo, veja-se o que prescre-ve a regra 17 para o professor de Filosofia:

Cada mês haja uma disputa na qual ar-guam não menos de três, de manhã eoutros tantos, de tarde; o primeiro, duranteuma hora, os outros, durante três quartosde hora. Pela manhã, em primeiro lugardispute um teólogo (se houver teólogosem número suficiente) contra um metafísi-co, um metafísico contra um físico, umfísico contra um lógico; de tarde, porém,metafísico contra metafísico, físico contrafísico, lógico contra lógico. Assim tambémpela manhã um metafísico e pela tardeum físico poderão demonstrar uma e ou-tra tese breve e filosoficamente (Ratio, 1952,p. 162-163)

É importante ter em conta que oRatioRatioRatioRatioRatio é um documento que se dirige àeducação nos colégios e faculdades jesuí-ticas de uma forma geral, englobando tan-to os chamados “escolásticos”, ou seja, osseminaristas ou aqueles que estavam es-tudando para se tornar jesuítas, quantoos alunos de fora da Companhia. No en-tanto, em uma leitura mais atenta deste do-cumento, pode-se afirmar que em sua gran-de maioria, as regras foram escritas visando,primeiro, aos futuros jesuítas, pois ao esta-belecer uma rigorosa educação para eles,por derivação, os estudantes de fora daCompanhia também seriam atingidos.

Outro aspecto relacionado à emula-ção é o incentivo final da instigada competi-ção, quer seja, a premiação. Franca procuraevidenciar os prêmios com incentivo “pode-roso à emulação fecunda” (1952, p. 39), poisos momentos de entrega deles eram solenes,com a presença de altas autoridades eclesiás-ticas e civis e dos familiares. Os prêmios, comocoroamento da emulação, não foram inven-

tados pelos jesuítas, mostra Franca, mas àsua importância e à sua distribuição, a Com-panhia de Jesus, por meio do Ratio, deu “talrealce e esplendor que a elevaram à alturade um dos atos mais importantes e ansio-samente desejados da vida escolar” (p. 39).

Para se ter uma idéia aproximada daimportância dos prêmios como auge e alvodas inúmeras formas de competição entre osestudantes, existe no Ratio Ratio Ratio Ratio Ratio uma sessão ex-clusiva sobre Normas de distribuição de prê-mios, cuja primeira regra prescreve a quanti-dade dos prêmios no que toca apenas às clas-ses inferiores, ou seja, do curso de Letras:

Para a classe de Retórica haverá oito prê-mios: dois para prova latina, dois para poe-sia; dois para prosa grega e outros tantospara poesia. Para a classe de Humanida-des e a primeira classe de Gramática ha-verá seis prêmios, na mesma ordem, omi-tindo-se a poesia grega que, de regra, nãoocorre abaixo da Retórica. Para todas asoutras classes inferiores, quatro prêmios,omitindo-se também a poesia latina. Alémdisso, dê-se também, em todas as classes,um prêmio ao aluno ou aos dois alunosque melhor houverem aprendido a doutri-na cristã. Conforme o número, grande oupequeno dos estudantes, poderão distribuir-se mais ou menos prêmios, contanto quese considere sempre mais importante o deprosa latina (Ratio, 1952, p. 178).

A competição entre os estudantesnão era livre e sim dirigida, acompanhadae avaliada pelos professores e reitores. Aemulação era intencional e desta formatambém fez parte da forja que preparavaos quadros jesuíticos.

Como papel de destaque neste pro-cesso rigoroso de formação está a figurado professor. Pode-se afirmar, com

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Rodrigues, que o sistema pedagógico jesuí-tico dependia do professor para se realizarpor completo. Era ele o responsável diretopelo conteúdo, por si só bastante complexo;era ele quem garantia a disciplina e aponta-va a necessidade da punição; era ele quemcoordenava todo o processo de emulaçãoentre os estudantes; principalmente, o pro-fessor era a própria síntese da dupla forma-ção do futuro jesuíta: era padre e intelectual.

O professor era o primeiro exemplodo estudante jesuíta e, por isso mesmo, te-ria que ter uma vida exemplar, tanto nosentido de uma vida reta quanto no sen-tido de aliar a vontade à inteligência.Rodrigues mostra três qualidades necessá-rias aos professores: a ciência, a prudênciae a fidelidade:

(...) Benci, auctorizado pedagogo jesuita doséculo XVI, requeria no professor três qua-lidades absolutamente necessarias: Scientia,Prudentia, Fides. Na sciencia incluia osconhecimentos precisos das materias deensino; pela prudencia entendia o methodoe tino para o applicar e na lealdade com-prehendia o conjunto de dotes moraes quetornam um mestre perfeito. Todas estasqualidades procurava, segundo suas leis,a Companhia de Jesus que as tivessem osprofessores dos seus collegios e universi-dades (RODRIGUES, 1917, p. 91-92).

O papel que o professor desempe-nha no processo educativo é tão importanteno RatioRatioRatioRatioRatio que a formação específica dosmestres requereu preocupação dos jesuítas.Franca mostra que o caminho para se tor-nar um professor dos colégios jesuíticos eralongo e igualmente rigoroso. Para ser pro-fessor, por exemplo, no curso de Letras –cursos inferiores – eram necessários doisanos de um estágio próprio para um aper-

feiçoamento moral para só então começara formação intelectual, na qual:

dois outros anos são ainda consagradosao estudo mais profundo das letras clás-sicas, latim, grego, hebreu. No esboço doRatio de 1586 aventou-se a idéia de en-caminha-los então imediatamente aomagistério. Foram quase unânimes asreclamações das províncias contra estamedida. Uma sólida formação filosófica de,pelo menos, três anos, pareceu-lhes pre-paração indispensável ao exercício fecun-do do ensino. A filosofia dava aos futurosmestres uma visão orgânica da vida, ama-durecia-lhes o espírito, e, com mais trêsanos de estudo, também a experiência davida (FRANCA, 1952, p. 53-54).

O futuro professor do curso de filoso-fia ou de teologia, além de ter feito o cursode teologia, faria mais dois anos de especia-lização, e “só depois dos trinta anos, por viade regra, termina o professor jesuíta a suaformação intelectual” (FRANCA, 1952, p. 54).Além do conteúdo formativo, havia umaformação mais técnica, didática, diríamoshoje, para o exercício pleno do magistério.

No início do RatioRatioRatioRatioRatio, na regra 22 doProvincial, há a prescrição de se formar bonsprofessores por meio de estudos específi-cos, denotando ser este um aspecto muitoimportante para a organização escolar daCompanhia:

Para conservar o conhecimento das letrasclássicas e alimentar um seminário deprofessores, procure ter na Província pelomenos, dois outros varões eminentes emliteratura e eloqüência. Para este fim en-tre os bem dotados e inclinados para estegênero de estudos, designará, de quandoem quando, alguns, suficientemente for-mados em outras disciplinas, a fim deconstituírem, com o seu trabalho e esfor-

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ço, um como viveiro ou seara que ali-mente e propague a raça dos bons pro-fessores (Ratio, 1952, p. 126).

E na nona das Regras do Reitor apreparação técnica e prática dos futurosprofessores fica ainda mais clara:

Para que os mestres dos cursos inferioresnão comecem a sua tarefa sem prepara-ção prática, o Reitor do colégio donde cos-tumam sair os professores de humanida-des e gramática escolha um homem degrande experiência de ensino. Com ele,vão ter os futuros mestres, em se aproxi-mando o fim dos seus estudos, por espa-ço de uma hora, três vezes na semana,afim de que, alternando preleções, dita-dos, escrita, correções e outros deveres deum bom professor, se preparem para oseu novo oficio (Ratio, 1952, p. 134-135).

A preocupação com a formação ade-quada de professores pode ser medidaquando da fundação do Colégio Romano1551 com o objetivo de servir de “centro demodelo das instituições congêneres disse-minadas pelo mundo”, onde se estabele-ceu pelo próprio Loyola, que esta nova ins-tituição seria uma espécie de “EscolaSuperior de Licenciatura” para toda a Com-panhia, ou seja, teria a tarefa de preparar,entre os estudantes jesuítas, “os futuros pro-fessores, adestrando-os nos melhores mé-todos e pondo-os em contato imediato comos educadores mais abalizados” (FRANCA,1952, p. 04). Também em outros lugaresforam criados seminários pedagógicos, sen-do um deles criado junto ao Colégio deCoimbra, por Cipriano Soares, em 1569.

A Formação EscolásticaA Formação EscolásticaA Formação EscolásticaA Formação EscolásticaA Formação Escolástica

O professor personalizava, de certaforma, a rigorosidade como marca da for-mação do futuro jesuíta. Personalizava, tam-bém, o outro aspecto a se destacar naquelaformação: tratava-se de uma formação es-colástica, não no sentido ideológico usual-mente utilizado, mas no sentido de que osaber principalmente da filosofia e da teolo-gia tinha por base o que a escolástica tomistaproduziu e que, em certa medida, ainda semantinha atual do ponto de vista da Igreja.

Na quarta parte das ConstituiçõesConstituiçõesConstituiçõesConstituiçõesConstituições,a que trata da educação, o único autor cris-tão que é citado como fonte de estudostanto na universidade, no caso da teologia,quanto nas faculdades menores, ou seja, afilosofia, é S. Tomás de Aquino. Os outrosassuntos relativos à teologia e filosofia sãotratados de forma genérica, como, porexemplo, o de se assegurar ao estudante amelhor doutrina através dos melhores au-tores. No caso específico da filosofia naturale moral e na metafísica, as ConstituiçõesConstituiçõesConstituiçõesConstituiçõesConstituiçõesrecomendam seguir a doutrina deAristóteles, o que na prática significa ratificara teoria escolástica tomista. Apenas estesdois autores, S. Tomás e Aristóteles, são ci-tados no livro das regras e normas da Com-panhia de Jesus, o que por si só, poderiacaracterizar como escolástica a formaçãodo futuro jesuíta.

No RatioRatioRatioRatioRatio são vários os momentosem que explicitamente se definem as auto-ridades de S. Tomás de Aquino na teologiae a de Aristóteles na filosofia como inques-tionáveis e indispensáveis. Na trigésima dasRegras do Prefeito de Estudos sobre quais

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e que tipos de livros os estudantes deveri-am ter em mãos, se lê:

Nas mãos dos estudantes de teologia efilosofia não se ponham todos os livrosmas somente alguns, aconselhados pelosprofessores com o conhecimento do Rei-tor: a saber, além da Suma de Santo To-más para os teólogos e de Aristóteles paraos filósofos um comentário para consultaparticular. Todos os teólogos devem ter oConcilio Tridentino e um exemplar da Bí-blia, cuja leitura lhes deve ser familiar.Consulte o Reitor se convém se lhes dêalgum Santo Padre. Além disto, dê a todosos estudantes de teologia e filosofia al-gum livro de estudos clássicos e advirta-lhes que lhe não descuidem a leitura,em hora fixa, que parecer mais conveni-ente (Ratio, 1952, p. 143).

Especificamente sobre S. Tomás deAquino, como o “doutor” adotado pelaCompanhia, se prescreve na regra 2 doProfessor de Teologia, que o tomismo deveser seguido sempre em termos teológicos,mas não de modo tal que não se deva emalgum momento apartar-se dele:

Em teologia escolástica sigam os nossosreligiosos a doutrina de Santo Tomás; con-siderem-no como seu Doutor próprio, econcentrem todos os esforços para queos alunos lhe cobrem a maior estima.Entendam, porém, que se não devemadstringir de tal modo a Santo Tomás, quelhes não seja permitido em cousa algu-ma apartar-se dele, uma vez que os quede modo especial se professam tomistaspor vezes dele se afastam e não seja jus-to se liguem os nossos religiosos a SantoTomás mais estreitamente do que os pró-prios tomistas6 (Ratio, 1952, p. 152).

Já na regra 2 do Professor de Filoso-fia praticamente as mesmas recomendaçõessão feitas, só que nesse caso, para com a

leitura de Aristóteles:Em questões de alguma importância nãose afaste de Aristóteles, a menos que setrate de doutrina oposta à unanimementerecebida pelas escolas, ou, mais ainda, emcontradição com a verdadeira fé. Semelhan-tes argumentos de Aristóteles ou de outrofilósofo, contra a fé, procure, de acordo comas prescrições do Concílio de Latrão, refu-tar com todo vigor (Ratio, 1952, p. 159).

Os cursos e matérias que compu-nham os graus na educação jesuítica deno-tam, como não poderia deixar de ser, umconteúdo escolástico que, a rigor, concebiaa Teologia como o ápice da formação dofuturo padre, tendo as Humanidade e aFilosofia como suas auxiliares.

Toda a carreira dos estudos se divide emtres cursos parciaes, distinctos, mas depen-dentes uns dos outros emquanto o inferioré degrau e preparação para os superio-res: o curso de letras ou linguas, o dephilosophia ou de artes e o de theologia.O curso de letras prepara para o dephilosophia e este para o theologia, á qualse entregava com particular empenho aCompanhia como a estudo que maisdirectamente aproveitava para realizar suasaspirações religiosas (RODRIGUES, 1917,p. 41, com grifos no original)7.

O latim era a língua oficial do colé-gio, que, aprendido no curso de letras, eraaperfeiçoado nos cursos de filosofia e deteologia. Existe uma tendência na historio-grafia que ao conceber a pedagogia jesuí-tica como humanista credita ao ensino dolatim e do grego principalmente o papel deporta de entrada para uma espécie derenascimento, principalmente por recuperara elegância dos escritos latinos e gregos.Seria o que Dias (1960) conceitua de huma-nismo cristão.

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No curso de Letras ou Humanidadesse estudava gramática latina, humanidadese retórica e se travava conhecimento com alíngua grega. Neste curso se “olhava sobre-tudo pela elegância, harmonia do estilo eabundância da linguagem” (Rodrigues, 1917,p. 51). A preocupação não era tanto com oconteúdo propriamente dito, mas com aapreensão da forma como pré-requisito parao conhecimento relativo aos outros cursos.

O grande objetivo dos cursos inferio-res era o de moldar a alma dos jovens ecriar a forma cristã necessária para oensinamento igualmente religioso. Na pri-meira das Regras comuns aos Professoresdas Classes Inferiores prescreve o RatioRatioRatioRatioRatio:

Aos jovens confiados à educação da Com-panhia forme o Professor de modo queaprendam, com as letras, também os costu-mes dignos de um cristão. Concentre demodo especial a sua intenção, tanto nasaulas quando se oferecer o ensejo comofora delas, em moldar a alma plástica dajuventude no serviço e no amor de Deus,bem como nas virtudes com que lhe de-vemos agradar (...) (Ratio, 1952, p. 181).

Na apreensão de Franca, o grandeobjetivo do curso de Letras, assinalado noRatioRatioRatioRatioRatio, é inculcar no aluno a forma elegan-te e clássica de se expressar, além de co-nhecimentos básicos e gerais que vãoenformando o aluno para a ciência escolás-tica que se seguirá:

Como se vê, o objetivo do curso humanistaé a arte acabada da composição, oral eescrita. O aluno deve desenvolver todas assuas faculdades, postas em exercício pelohomem que se exprime e adquirir a artede vazar esta manifestação de si mesmonos moldes de uma expressão perfeita. Asclasses de gramática asseguram-lhe uma

expressão clara e exata, a de humanida-des, uma expressão rica e elegante, a deretórica mestria perfeitamente na expres-são poderosa ad perfectam eloquentiaminformat [que diz respeito à perfeita elo-qüência] (Franca, 1952, p. 29).

Para Franca, ainda, a pedagogiajesuítica propugna claramente por umaprendizado mais leve no início e um con-teúdo mais pesado depois, traduzindo essarelação pelos termos arte e ciência. A for-mação clássico-humanista é artística, ouseja, incita a imaginação, a liberdade e aexpressão, ao passo que a formação filo-sófico-teológica se pauta na ciência, no es-tudo profundo, nos axiomas, nas demons-trações, nas leis. O que molda o espírito é aarte; portanto, o curso de Letras é, antes demais nada, fundamentado na arte.

A marca registrada do curso de Hu-manidades ou Letras é, portanto, a criaçãode uma forma elegante, clássica e eruditade se expressar, forma, aliás, perfeitamentemoldada para que o conhecimento filosó-fico e teológico pudesse ser plenamenteapreendido e desenvolvido. Os cursos infe-riores forneceriam a boa seara para as se-mentes dos cursos superiores, principalmen-te da teologia. A forja que formava os futu-ros jesuítas principiava pela forma aprimo-rada e depois pelo saber escolástico.

Ao terminar o curso de Letras, o es-tudante jesuíta iniciava sua formação filo-sófica, na qual se aprendia Lógica, Física,Metafísica e Ética:

(...) Sob roupagem transparente de umalinguagem castiça e adornada com asgalas encantadoras de um estilo apurado,haja substancia de bons pensamentosdispostos em boa ordem e concatenados

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pelos liames do raciocinio legitimo. Este éo empenho da philosophia, que se pro-põe ministrar, à nova intelligencia doutri-na sã e copiosa, não a pedaços soltos massystematizada e unida segundo as leis daboa logica (RODRIGUES, 1917, p. 55-56).

Cabe à Filosofia fornecer a base lógi-ca e científica da teologia, além se ser supor-te para as ciências físico-naturais, como, porexemplo, a Matemática, a Biologia e a Físi-ca8. O curso de Filosofia tinha a tarefa depreparar o aluno para os cursos da facul-dade de Teologia. Na prática o que se via eo que se defendia era a tradicional defini-ção da filosofia como serva da teologia:

De acordo com a directrizes superiores daCompanhia, a doutrina teológica atraves-sava verticalmente os cursos. A ela se aco-modavam as “humanidades” sob a espéciede classicismo católico e dela dependiamancilarmente os complementares estudos“filosóficos”. Por “filosofia” entenda-se, nojargão tomado do aristotelismo escolástico,um sistema de saberes de lato âmbito, que,em escala ascendente de dignidade hierár-quica, abarcava, precedido pela “dialéctica”enquanto técnica de pensar e argumentarmediante o mecanismo silogístico, o grupodas matérias físico-naturais, seguido, notopo, pelo das morais e metafísicas – mastodas elas uma longa propedêutica para ateologia católica, ministrada na universida-de eclesiástica que os jesuítas mantinhamdesde 1559 em Évora, além de na deCoimbra. Em qualquer circunstância, o in-gresso nas outras faculdades maiores des-ta última academia – Cânones, Leis e Me-dicina –, que é o mesmo que dizer nascarreiras da Igreja e do Estado, passavapelos mesmos preparatórios da “filosofia”(MENDES, 1993, p. 407).

A formação escolástica do futurojesuíta completava-se com o curso de

Teologia, que segundo as ConstituiçõesConstituiçõesConstituiçõesConstituiçõesConstituiçõesé o meio mais apropriado para ajudar opróximo a amar e conhecer a Deus e a sal-var sua alma, ou seja, o meio mais ade-quado para realizar o fim da Companhiade Jesus. As matérias que compunham estecurso eram a Teologia Escolástica e Positi-va, a Sagrada Escritura, a Moral, a Casuística,o Hebreu e, dependendo do caso, as Lín-guas Orientais.

O curso de Teologia era o ápice detoda a formação escolástica do futuro je-suíta, devendo dominar perfeitamente osconteúdos, principalmente no seu aspectomais prático, de como, na condição de pa-dre, doutrinar as pessoas por meio daspregações e das confissões.

Os cursos que compunham a forma-ção escolástica do jesuíta tinham o objetivode despertar e estimular faculdades intelec-tuais. Rodrigues informa que com a gramá-tica se desenvolve a memória, com a litera-tura a imaginação e com as ciências – filo-sofia e teologia – o entendimento.

(...) Não é que estas faculdades devamnunca separar-se no seu exercicio; aintelligencia, a phantasia e a memoria hãode acompanhar-se sempre umas das ou-tras e dar-se mutuo auxilio na educaçãodo homem; mas havemos de admitir queobteem não simultaneo nem igual de-senvolvimento, mas realmente successivo.E com esta successão real conforma-se oplano do Ratio Studiorum. Na grammaticadomina a memoria, na literatura a imagi-nação, nas sciencias o entendimento(RODRIGUES, 1917, p. 131).

A complexidade do aprendizado écrescente, respeitando-se, informaRodrigues, as etapas de amadurecimentodo próprio estudante. A busca de uma uni-

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dade perfeita no processo de formação é oobjetivo do RatioRatioRatioRatioRatio, e isso se dá pelo méto-do da concentração, em que um determi-nado eixo era o agrupador de todas as ma-térias: no curso de Letras o “latim era o cen-tro principal da instrução, em torno do qualse aggrupavam as outras materias”; no se-gundo curso era a filosofia e no terceiro ateologia como “rainha à qual serviam á ma-neira de ancillas as mais artes e sciencias”(RODRIGUES, 1917, p. 132).

A formação técnicaA formação técnicaA formação técnicaA formação técnicaA formação técnica

Bem ao gosto do movimento de re-forma católica, os futuros padres da Com-panhia de Jesus deveriam passar por umpreparo técnico do ofício de dizer missa.Uma das principais críticas que se faziamao clero católico no período pré-reformadizia respeito exatamente ao despreparo demuitos deles no seu principal ofício que eraa missa, sendo poucos, segundo documen-tos da época e historiadores, os que sabi-am latim com perfeição9. Por isso tal funçãoera reputada como importante.

A preocupação para que os jesuítasfossem, acima de tudo, bons no ofício dedizer missa era tão grande no seio da Com-panhia que essa questão aparece até nasConstituiçõesConstituiçõesConstituiçõesConstituiçõesConstituições. Na parte dedicada à edu-cação do futuro padre há a prescrição deque eles deveriam seguir, dentro das possi-bilidades, o mesmo rito, mesmo nas maisvariadas regiões e situações havia a preo-cupação com a unidade ritualística da mis-sa, bem como com a postura do padre quedeveria ser edificadora da comunidade:

Primeiramente aqueles que o Superiorjulgar que devem ser promovidos às sagra-das Ordens aprendam a dizer missa, nãosomente como compreensão e devoçãointerior, mas com compostura exterior queedifique os assistentes. Todos na Compa-nhia seguirão, quanto possível, as mesmascerimônias, conformando-se, tanto quan-to permitir a diversidade das regiões, como ritual romano, como o mais universal, eespecialmente adaptado pela Sé Apostóli-ca (Constituições, 1997, p. 138, [401]).

Na continuidade há a indicação dese preparar tecnicamente para o exercícioda celebração da missa, incluindo os exer-cícios de impostação de voz:

C. Os meios próprios [para o exercício dedizer missa] são: ter lido os princípios sobrea maneira de pregar, dados por aquelesque se distinguiram neste ofício, e escu-tar os bons pregadores; exercitar-se a pre-gar em casa ou nos mosteiros; ter umprofessor que note os defeitos quanto aoassunto da pregação, à voz, ao tom, aosgestos e às atitudes. E refletindo em se-guida dentro de si sobre o que fez, podeainda ajudar-se mais de tudo isto (Consti-tuições, 1997, p. 139, [405]).

A preparação para ser um bom prega-dor era necessária na exata medida da impor-tância da própria missa como espaço privile-giado tanto da atuação do sacerdote, comode conversão de evangelização das pessoase, ainda como espaço privilegiado de controlemesmo das ações da comunidade dos cris-tãos. Os sermões eram tão importantes comomomentos especiais de exortação, de celebra-ção, que era comum reuni-los e imprimi-losna forma de livro, como, por exemplo, os Ser-mões de Antonio Vieira, que são vários volu-mes contendo a fala “viva” daquele jesuítaem diferentes situações para distintas platéias.

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No RatioRatioRatioRatioRatio, na primeira das Regras doProfessor de Casos de Consciência, há aindicação de que tal disciplina escolar docurso de Teologia objetivava “formar bonspárocos ou administradores de Sacramen-tos” (1952, p. 156), pois se tratava de umadisciplina que, ao se discutir casos concretosde pecados e erros e os graus de profundi-dade e comprometimento do cristão, ad-quiria um aspecto prático bem ressaltado;portanto, era a seara prática do sacerdoteespecialmente na administração do sacra-mento da confissão, tornando-se um espa-ço privilegiado de ação sacerdotal.

Nesse sentido, Miller (1946) mostraque após a Igreja ter determinado, no sé-culo XI, a obrigatoriedade da confissão aomenos uma vez ao ano, este espaço se tor-nou tão importante que incrementou umanova linha na Moral da Igreja responsávelpelos casos de consciência. Na moderni-dade vários são os padres das inúmerasordens religiosas que escreveram manuaisde casos de consciência, conhecidos comomanuais moralistas casuísticos, procuran-do cercar da forma mais detalhada possível,os pecados em seus mais diversos atenu-antes ou agravantes.

O casuísmo, ainda segundo Miller,apesar de ser objeto de preocupação devárias congregações religiosas e da Igrejacomo um todo, atingiu uma grande impor-tância somente com os jesuítas, pois con-tando com vários teólogos moralistas escre-vendo inúmeros manuais de consciência,“em breve, já não devia existir nenhuma outraordem religiosa que pudesse exibir tantosautores moralistas como a dos jesuítas, e osteólogos mais famosos da Companhia de

Jesus redigiram grandes obras sôbre acasuística moral” (MILLER, 1946, p. 198).

Assim, dois espaços privilegiados daatuação dos futuros padres jesuítas eramobjeto de preocupação já desde a forma-ção deles: a missa e a confissão; dois espa-ços que deveriam ser de edificação para oscristãos e que serviam de controle da comu-nidade por parte do padre. Esses momentosespeciais, no entanto, não sofriam mudan-ças em sua forma ou conteúdo, fossem emPortugal, nas Índias ou no Brasil, ou a rigor,em qualquer lugar. A preparação técnicapoderia ser aperfeiçoada, mas não mudavamuito, diferentemente da formação práticapara os assuntos relativos às missões, osquais exigiam sempre novas coisas a seremaprendidas.

A formação do missionárioA formação do missionárioA formação do missionárioA formação do missionárioA formação do missionário

A preparação para as missões come-çava cedo na Companhia de Jesus, pois jáno curso de Letras ou Humanidades haviaespaço para se estudar generalidades, como título ilustrativo de erudição:

Para alargar mais a convenienteinstrucção do alumno e dar como queum verniz brilhante á formação literária,patenteia o Ratio um campo vastissimoque elle distinguiu com o nome de eru-dição, na qual o professor experimentadoe erudito, sem desconcertar a unidade doplano, enriquecia o espirito com uma va-riedade immensa de conhecimentos uteise agradaveis. Neste campo entrava muitoá larga a chronologia, a historia, a geo-graphia, os usos e costumes das gentes, anoticia biographica e literaria dos auctores,noções de varia literatura, mythologia etechnologia e quanto pudesse concorrer

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para formar um espirito illustrado(RODRIGUES, 1917, p. 45-46).

Estes assuntos seriam vastamenteencontrados nas terras das missões, exis-tindo sempre a preocupação em entendera história, a geografia, os usos e costumesdas gentes, a mitologia etc. dos gentios aserem catequizados10. De certa forma, es-ses estudos que aguçavam a imaginaçãodos estudantes jesuítas, já os preparavapara atribuir importância a estes temasquando missionários.

Os futuros missionários em terras lu-sitanas eram forjados em Coimbra, ondealém de toda a formação rigorosa eescolástica também havia a preparaçãoespecífica para as missões. Numa carta paraLoyola, datada possivelmente de 25 de abrilde 1553, Cipriano Suárez mostra a relevân-cia dos estudos conimbricenses para asmissões:

Passo agora a referir-me à partida dosmeus Caríssimos irmãos, para o Brasil epara a Índia. São em tão grande número,tão exercitados não só no estudo das letras,mas também na meditação das coisas di-vinas, e tão experimentados além dissoem ouvir confissões, administrar os sacra-mentos e aplicar-se a outras ocupaçõessalutares deste gênero, que há-de mitigara nossa saudade o bem que vão fazer aessas nações (LEITE, 1956, p. 465-466).

Talvez o aspecto mais interessante dopreparo intelectual e técnico do futuro mis-sionário jesuíta seja a imersão na história ecultura do povo a ser evangelizado, imersãoque principiava pelo domínio da línguanativa. O idioma aborígine era aprendido,sistematizado e impresso pelos padres pio-neiros nas missões e passava a servir como

material próprio de estudo nos colégios,dentre os quais o de Coimbra.

A quarta parte das ConstituiçõesConstituiçõesConstituiçõesConstituiçõesConstituições,a que trata justamente da educação dofuturo jesuíta, mostra que já era fato naCompanhia que algumas universidades ecolégios teriam o encargo de formar osagentes missionários, sendo previsto, paratanto, uma formação especial inclusive noaprendizado das línguas nativas:

B. Quando em um colégio ou universidadese projetasse formar pessoas para seremenviadas aos mouros, ou aos turcos, estari-am indicados o árabe ou o caldeu; comopara ir aos hindus, o hindi. O mesmo sediga de outras línguas que, por motivosanálogos, poderiam ser mais úteis em outrasregiões (Constituições, 1997, p. 148, [449]).

O aprendizado da língua da regiãoonde se está a missionar tornou-se umanecessidade prática tanto para os pioneirosquanto aos futuros missionários. Em cartade João de Melo para Gonçalo Vaz, pre-pósito da casa de S. Roque da Companhiade Jesus em Lisboa, datada de 13 de setem-bro de 1560, é relatado que o padre Luisda Grã, Provincial do Brasil, obrigava atodos os da casa a ler a Arte da LinguaBrasilica composta pelo padre José deAnchieta, informando que “desta licção nemreitor, nem pregador, nem uma outra pes-soa é isenta”, pois vai “a cousa tão deverasque há quem diga que dentro de um annose obriga, desoccupado, falar a língua: nemeu com ser dos mais inhabeis perco a espe-rança de sabel-o” (NAVARRO, 1988, p. 279).

A Arte da Língua Brasílica deAnchieta, depois de ser muito utilizada noBrasil como manual para se aprender a lín-gua dos gentios – daqueles mais próximos

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aos jesuítas –, foi impresso em Portugal epassou a servir também como manual parapreparar os futuros missionários em terrasbrasílicas.

Em 14 de outubro de 1565 o secre-tário Polanco informa o Provincial portuguêsLeão Henriques, que o Geral Francisco deBorja solicita que os provinciais do Brasil eda Índia mandassem vocabulários das lín-guas locais para Coimbra para que

(...) los nuestros, que speran haý el tiempoen que han de passar par’aquellas par-tes, se puedan començar exercitar en lalengua de aquella parte a donde han deser embiados, y nel tempo [sic] que senavega, y suele ser bien largo, tambiénse podrá ser sobrasse tiempo [sic] paraesto (In: LEITE, 1960, p. 283).

Baptista (2003) informa que em1593 o jesuíta Luís Fróis, missionário emterras nipônicas, estava escrevendo umaHistória do Japão – a qual foi publicadapoucos anos depois – e sua finalização forarecomendada pelo Visitador AlexandreValignano para que pudesse ser útil aosfuturos missionários. O livro de Fróis nãoera simplesmente uma obra individual, masuma obra que tinha de ser coletiva, poisseu objetivo era exatamente facilitar as mis-sões naquelas terras.

Os colégios fundados nas terras demissões adquiriam a característica de pre-parar tecnicamente o missionário por m eiodo estudo da cultura do povo a ser evan-gelizado, principalmente pelo conhecimen-to e domínio das línguas locais. Morais(1997) informa, por exemplo, que o colégiode S. Paulo, em Goa, que foi entregue àCompanhia de Jesus em 1541, passando

a se chamar também de Seminário da San-ta Fé e com o tempo começou a abrigarestudantes hindus, japoneses, chineses etc.,e neste colégio “os orientais são habilitadosa pregar o evangelho nas suas próprias lín-guas” (1997, p. 46). A Companhia de Jesuschegou à conclusão, com o tempo, de quea pregação em língua vernácula abreviavamuitas vezes o caminho da conversão.

No colégio de Macau, fundado em1594, também havia uma organização es-pecífica que visava ao preparo técnico dojesuíta para a missão em terras chinesas:

(...) No colégio de Macau, os missionáriosjesuítas aprendiam, agora, tôdas as suti-lezas das expressões idiomáticas chine-sas da classe culta, da mesma maneiraque o dialeto da gente simples; estuda-ram a complicada escrita ideográfica eapropriaram-se, por meio de numerososlivros, de conhecimentos básicos da his-tória, dos costumes, das leis e da literatu-ra da China (MILLER, 1946, p. 271).

Aprender as línguas orientais e dei-xar os estudantes nativos pregarem emsuas línguas-mãe não significava, no en-tanto, que o conteúdo era também oriental,ou seja, que a cultura oriental ou hindu,dependendo do caso, ia no esteio da língua,pois nestes mesmos colégios, a cultura quese respirava e se aprendia era a cristã oci-dental. É claro que o futuro padre jesuítaque era nativo não perdia toda sua históriae sua cultura como homem ligado às suastradições e a sua terra, porém, justamentepara se tornar um padre era preciso queele fosse “imerso” na religião cristã e, porconseqüência, em todos os seus valores,próprios da cultura ocidental. Aliás, o colégiojesuíta nas terras em missão é, exatamente,

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como um espaço desta “imersão” para osestudantes nativos, fato que se pode verna carta de Luís Fróis ao Geral Acquaviva,escrita de Macau em 03 de janeiro de 1594:

Quanto à fábrica do colégio para nele secriarem os irmãos japoneses como tão bemescreve o Pe. Visitador a Vossa Paternidadenão foi sem grande consideração o que noJapão e na Congregação se fez e se temtratado desta matéria porque ventilada commuita ponderação não se achou remédiomais eficaz que isto para reduzir os irmãosjaponeses ao objetivo que a Companhiadeles pretende de tirá-los de seu Reino cos-tumes e conversas para melhor se domesti-carem e se unirem com os nossos da Euro-pa. E são tantas as utilidades que desteadventum se pode seguir assim para a sóli-da direção dos irmãos japoneses em virtudese letras e para o bem universal da cristanda-de e ainda, também, desta missão da Chinaquando Nosso Senhor for servido de se abri-rem as portas, que não se há visto meiomais eficaz e em todo acomodado ao obje-tivo da Companhia como a fundação destecolégio (...) (BAPTISTA, 2003, p. 03).

O aprendizado das línguas nativasdas terras em missão não era a única preo-cupação que o jesuíta deveria ter em termosde dominar o vernáculo. Havia uma orienta-ção do Geral Loyola de que todos os jesuí-tas onde quer que se encontrassem se esfor-çassem para dominar o vernáculo, apren-dendo não só a falar, mas também a gra-mática da língua. Essa orientação está emuma carta de 1 de janeiro de 1556, dePolanco, a mando de Loyola, para os mem-bros da Companhia:

Y por eso ha mandado nuestro Padre queen todos los lugares dondes se halla daCompañia hablen todos la lengua de latierra; si en España, española; si en Francia,

francesa; si en Alemania, alemana; si enItalia, italiana, y asi de las demas. Y aquien Roma ha ordenado que hablen todosla lengua italiana; y a fin de que laaprendan los que no la saben, todos losdias hay lección de gramatica italiana (Car-tas de San Ignacio de Loyola, Madrid, 1889,t. VI, p. 95) (FRANCA, 1952, p. 62).

A Companhia de Jesus adquiriu como tempo uma dupla caracterização no queconcerne à sua estrutura: ela era universale nacional ao mesmo tempo. Universal nosentido de ser um instituto religioso único,organizado verticalmente e presidido emúltima instância pelo próprio Papa, e suauniversalidade era expressa no aprendiza-do e utilização corrente do latim; era nacio-nal no sentido de se inserir no contexto lo-cal de sua atuação, sujeitando-se aos dita-mes dos mandatários locais, e sua nacio-nalidade expressa no aprendizado e utili-zação corrente do vernáculo.

O conhecimento novo era adquiridocomo condição para a melhor preparaçãopara as missões e, também, para uma atu-ação mais eficiente nas terras de expan-são do cristianismo. A formação do futurojesuíta agregava novos saberes ao rigorescolástico e, dessa forma, forjava, comcompetência, os padres reformados pron-tos para irem onde seus superiores os man-dassem.

A Companhia de Jesus em sua orga-nização interna dificilmente perdia o rigor emqualquer de suas atividades, porém, é ine-gável que a preocupação com a formaçãodos futuros padres jesuítas era corrente e tidacomo assunto de máxima importância – oRatioRatioRatioRatioRatio StudiorumStudiorumStudiorumStudiorumStudiorum é o exemplo perfeito –pois era o momento e o espaço próprio para

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garantir que a Societas Iesu continuasse ater em seus quadros padres, acima de tudo,competentes e moralmente ilibados, comoverdadeiros instrumentos de uma igreja queestava se reformando e para um catolicis-mo que estava se expandindo.

NotasNotasNotasNotasNotas1 Millett informa que a instituição dos seminários éuma norma moderna dentro da Igreja, pois antesnão havia essa preocupação, não se sabendo aocerto onde e quando os seminários foram instituí-dos, se na Espanha ou Granada ou mesmo com obispo Giberti em Verona, ou “talvez derivasse de umplano reformador do cardeal Pole, que imaginouuma ‘sementeira’ (seminariumseminariumseminariumseminariumseminarium) para a prepara-ção dos sacerdotes” (p. 28).2 Nas Normas ComplementaresNormas ComplementaresNormas ComplementaresNormas ComplementaresNormas Complementares, que compõemas Constituições da Companhia de JesusConstituições da Companhia de JesusConstituições da Companhia de JesusConstituições da Companhia de JesusConstituições da Companhia de Jesus esão atualizações das Constituições originais, aexigência diminui para um exame compreensivode teologia diante de três examinadores. Éinteressante como, com o passar do tempo, o rigorfoi sendo diminuído.3 Francisco Rodrigues é o historiador oficial da Com-panhia de Jesus para as províncias portuguesas,sendo o equivalente ao que representa SerafimLeite para a história dos jesuítas no Brasil.4 É interessante esse aspecto na medida em que aCompanhia não poderia ser acusada de usar de vio-lência física e que quando de tal necessidade, a socie-dade em geral, na pessoa do Corretor, é que faria arepreensão ao mau estudante. Poder-se-ia arriscaruma comparação deste aspecto da educação jesuíticacom a Inquisição no que concerne ao fato de que

quando o réu era julgado culpado e deveria ser quei-mado, não eram os inquisidores ou qualquer outroeclesiástico que executava a sentença, pois o réu erarelaxado para o braço secular e quem de fato executa-va a sentença era algum oficial ou funcionário civil.5 O termo “quadro” é utilizado aqui no sentido queos partidos de esquerda da atualidade lhe deram,ou seja, das pessoas pertencentes a uma organiza-ção, no caso a Companhia de Jesus, mais destacadosnas mais diversas áreas da atuação social.6 Não foi possível investigar a fundo esta considera-ção, mas creio que se pode inferir que no séculoXVI, com Vitória, Suares e Molina, principalmente,algumas questões do tomismo foram revistas, prin-cipalmente as que diziam respeito ao direito positi-vo e ao direito das gentes.7 Francisco Rodrigues apresenta a organização deestudos da Companhia já definida na forma do do-cumento Ratio Studiorum. É importante lembrar quetal documento teve sua redação final após pelomenos 50 anos de experiência e de “rascunhos”.8 Uma das características da Companhia de Jesusfoi a formação de matemáticos, físicos, astrônomos,ou seja, formação de cientistas físico-naturais. Paraum conhecimento mais pormenorizado sobre esseassunto, ver os textos de Miller (1946) e Rodrigues(1917). Se pensarmos que à época não havia a es-pecialização da ciência, pode-se admitir que a for-mação filosófica contribuía para uma espécie depolimatia entre os jesuítas.9 Apenas para lembrar, as missas naquela época eramrezadas em latim, fato esse que somente foi mudadona Igreja Católica com o Concílio Vaticano II na décadade 60 do século XX, pois, a partir de então, as missaspassaram a ser rezadas no vernáculo.10 A famosa carta de Anchieta de 1560, por exemplo,descreve a fauna e a flora do Brasil, bem como oscostumes dos índios e suas lendas.

ReferênciasReferênciasReferênciasReferênciasReferências

ANCHIETA, José de. Cartas – informações, fragmentos históricos e sermões. Cartas Jesuíticas.Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1988.

BAPTISTA, António. A correspondência de Luís Fróis. Disponível em: <http://www.loriente.com/rm2000junhog.html>. Acesso em: 11 set. 2003.

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96 Célio Juvenal COSTA. A formação do padre Jesuíta no século XVI

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Recebido em 11 de agosto de 2005.Recebido em 11 de agosto de 2005.Recebido em 11 de agosto de 2005.Recebido em 11 de agosto de 2005.Recebido em 11 de agosto de 2005.Aprovado para publicação em 04 de outubro de 2005.Aprovado para publicação em 04 de outubro de 2005.Aprovado para publicação em 04 de outubro de 2005.Aprovado para publicação em 04 de outubro de 2005.Aprovado para publicação em 04 de outubro de 2005.

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Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 20, p. 97-110, jul./dez. 2005.

Contextualizando a escola rural: Rio Grande doContextualizando a escola rural: Rio Grande doContextualizando a escola rural: Rio Grande doContextualizando a escola rural: Rio Grande doContextualizando a escola rural: Rio Grande doSul final do século XIX e início do XXSul final do século XIX e início do XXSul final do século XIX e início do XXSul final do século XIX e início do XXSul final do século XIX e início do XXContextualizing the rural school: Rio Grande do Sul atthe end of the 19th Century and the beginning of the 20th

Flávia Obino Corrêa Werle

Pós-Doutorado. Universidade do Minho, U.MINHO. Dra. emEducação – PUCRS. Professora da Universidade do Vale doRio dos Sinos – UNISINOS.e-mail: [email protected]

ResumoResumoResumoResumoResumoEste texto objetiva explicitar como a realidade educacional rural era concebida no Rio Grande do Sul (GRS),anteriormente à constituição da Escola Normal Rural, a partir da análise da legislação, mensagens de Presidenteda Província e relatórios de Inspetores de Ensino. Procura identificar como a idéia de instrução para a zonarural foi se constituindo até ser materializada e operacionalizada sob a forma de um tipo específico de EscolaNormal, a Escola Normal Rural. As condições referentes ao ensino em distritos rurais foram, tardiamentesistematizados e conceituados, ao ponto de, apenas nos anos 40 do século XX, configurarem ações especializadasde formação de professores no âmbito do sistema educativo – em 1943 o RGS contava com três EscolasNormais Rurais (Arquidiocese, em Porto Alegre, Cerro Azul em São Luis Gonzaga e Escola São José do Murialdoem Caxias). Havia uma indiferenciação nas práticas de instrução pública seja em decorrência da restritasistematização e ambigüidade que o conhecimento pedagógico e referente à administração da educaçãoapresentava, seja pela pouca importância dada ao setor rural visto como composto por populações pobres àsquais qualquer mínimo de instrução bastava, seja pela ausência de acumulação suficiente que possibilitasseao estado arcar com a disseminação da instrução e ampliar seu aparato de controle por todo o seu território, doque resultava a invisibilidade de necessidades, características, requisitos e normas específicas para a instruçãoem distritos rurais. Pode-se afirmar que no final do século XIX a instrução pública no Rio Grande do Sul nãohavia ainda identificado e diferenciado, com clareza, a escola rural. As formas com que era referida – educadordas colônias, professorado da campanha, ensino popular, distritos de fora, meninos pobres da campanha,distritos rurais, escolas da campanha, escola rural, zona colonial, meio rural – acenavam para ambigüidade,desprestígio e desconsideração de suas características nos regulamentos para a instrução pública no estado.No início do século XX, instaura-se, ainda que inicialmente, um momento de visibilidade da escola rural e ummovimento de inclusão na legislação de elementos que demonstrassem sua consideração.

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chaveHistória da Educação; política educacional; formação de professores.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractThe aim of this text is to make explicit how rural education used to be conceived in Rio Grande do Sul (RS)before the introduction of the Rural Teacher Training School, beginning from the analysis of the legislation, ofmessages from the President of the Province and of reports from Teaching Inspectors. It seeks to identify how

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No final do século XIX e início doséculo XX, o sistema educacional comohoje conhecemos, organizado administra-tivamente, com hierarquias e especializaçãotemática reconhecida, com representaçãolocal constituída por funcionários remune-rados na condição de profissionais porta-dores de formação e competências especí-ficas para a função, com prédios própriospara abrigar a estrutura administrativa ecomo sinal de desenvolvimento, implemen-tação e materialização de políticas edu-cativas, ainda não tinha se constituído. Pelaindiferenciação de serviços, pela ausênciade um corpo de funcionários hierarquiza-dos e respondendo por funções de plane-jamento, implementação e controle deações educativas, e pelo fato de que algu-mas dimensões sociais da educação ain-

da não estarem claramente formuladas,alguns conceitos que hoje são usualmenteempregados e que parametrizam políticas,práticas e desencadeiam redefinições emtais políticas, ainda não tinham se consti-tuído, formulado e configurado práticas eentendimentos. O ensino rural como umespaço de investimento do esforço de polí-ticas públicas e a formação específica deprofessores para zonas rurais se enquadranesta indiferenciação. Neste texto será de-monstrada como a educação na zona ruralera percebida e tratada.

Este estudo tem como objetivoexplicitar como a realidade educacional ru-ral era concebida no estado do Rio Grandedo Sul, anteriormente à constituição da Es-cola Normal Rural, a partir da análise dalegislação, mensagens de Presidente da Pro-

the idea of instruction for the rural zone was being constituted until it was materialized and operationalized inthe form of a specific kind of Training School, the Rural Teacher Training School. With reference to theconditions for teaching in rural districts, only later were they systematized and conceptualized, to the point thatonly in the 40s of the 20th century were specialized actions of teacher education in the realm of theeducational system brought into being – in 1943, RS presented 3 Rural Teacher Training Schools (Archdiocese,in Porto Alegre, Cerro Azul in São Luís Gonzage and São José do Murialdo School in Caxias). There was nodifferentiation in the practice of public instruction, because of the restricted systematizing and ambiguity, whichpedagogical knowledge as well as educational administration presented, and for the little importance given tothe rural sector considered as composed of poor populations for whom any minimum of instruction wassufficient, or by the absence of sufficient accumulation that would enable the state to support the disseminationof instruction and to amplify its apparatus of control over its whole territory, from which there resulted theinvisibility of specific needs, characteristics, requisites and norms for instruction in rural districts. It can beaffirmed that, at the end of the 19th century, public instruction in Rio Grande do Sul had not yet identified andclearly differentiated the rural school. The way in which it was referred to – educator of the colonies, inlandteachers, popular teaching, outlying districts, poor children in the countryside, rural districts, countryside schools,rural schools, colonial zone, rural environment - showed ambiguity, lack of prestige and consideration of itscharacteristics in the regulations for public instruction in the state. At the beginning of the 20th century, amoment of awareness of the rural school was established, although just a beginning, as well as a movementof inclusion in the legislation of elements that would demonstrate its consideration.

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsHistory of Education; educational policies; teacher training.

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víncia e relatórios de Inspetores de Ensinode diferentes regiões de ensino e do DiretorGeral de Instrução Pública do Estado. O focoportanto é identificar como a idéia deinstrução específica para a zona rural foi seconstituindo até ser materializada eoperacionalizada sob a forma de um tipoespecífico de Escola Normal, a Escola Nor-mal Rural.

Inicialmente o texto configura o pa-norama e os discursos acerca da instruçãoem distritos rurais no final do século XIX, aseguir, localiza, no início do século XX, adiferenciação e primeiros vislumbres dasespecificidades da instrução em tais distritos.Este texto é uma produção do projeto depesquisa “História das instituições escolares:escolas de formação de professores” e seuobjetivo é contextualizar as condições deemergência de um tipo particular de escolade formação de professores: a Escola Nor-mal Rural, na compreensão de que a forma-ção de professores vincula-se com as con-dições históricas dos sistemas educativos.

No Rio Grande do Sul, no início dosanos 40, do século XX, foram criadas asEscolas Normais Rurais, setenta anos apósa criação da Escola Normal. Desde as últi-mas décadas do século XIX o estado jácontava com uma Escola Normal, voltada,de fato, para a formação de professorespúblicos em e para zonas mais populosas.A diminuta procura pela Escola Normal e,posteriormente, pela Escola Complementarpública, esta, localizada na capital do esta-do, seu reduzido número de formados, con-corria para a invisibilidade das necessida-des de instrução em “distritos rurais, da cam-panha ou da colônia”. Por outro lado, o

Curso Complementar, oferecido em colégiosparticulares, mantidos por congregaçõesreligiosas femininas, acolhendo moças deestratos mais elevados da população, tam-bém não focalizava a realidade rural doestado, voltando-se mais para a formaçãoda professora e da mulher para o lar, dandocultura geral ampla.

Nunca é demais retomar as idéias deVarela com referência às condições que le-varam à emergência dos sistemas educati-vos como hoje os entendemos.

Júlia Varela (1986), em sua genealo-gia dos sistemas educativos, indica quatrocondições para a constituição dos sistemaspúblicos de educação: a compreensão dainfância como fase separada do mundoadulto, a institucionalização da escola, aconstituição de um corpo de especialistase a imposição da escola pela substituiçãode outras agências de socialização.

Para ela, a constituição de professorescomo especialistas decorre de processos decontrole e organização do espaço e do tempo,da seriação de conteúdos e da estruturação,sustentação e aplicação de métodos de ensi-no. Desta forma, o sistema educativo vai seconstituindo na medida em que se sistemati-zam conhecimentos relativos à correta inter-pretação da infância e a organização da es-cola, dos programas necessários para aaquisição de comportamentos e princípios quecorrespondam ao manejo de diferentes ida-des e condições. Esta conjugação de conheci-mentos manejados pelos professores vai sen-do, progressivamente, extraída da experiênciano trato com a infância nos espaços escolares.No momento em que o Estado generaliza eimpõe a educação escolar para a população,

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também os professores começam a receberuma formação por ele controlada e organi-zada, desenvolvida em instituições especiais,as escolas de formação de professores.

A especialização dos professores é,pois, para Varela, uma forma de prover co-nhecimentos e inculcar valores e hábitos ne-cessários à ordem social, possível a partir daconstituição da infância como algo diferentee à parte do mundo dos adultos e desem-penhada em locais especialmente eleitospara isso, nos quais foram sendo produzi-dos os conhecimentos específicos sobre oato de educar. As condições referentes aoensino em distritos rurais foram, conformeindicam nossos estudos, tardiamente siste-matizados e conceptuados ao ponto de,apenas nos anos 40 do século XX, configu-rarem ações especializadas de formação deprofessores no âmbito do sistema educativo.

Havia uma indiferenciação nas prá-ticas de instrução pública da época seja emdecorrência da restrita sistematização eambigüidade que o conhecimento peda-gógico e referente à administração da edu-cação apresentava, seja pela pouca impor-tância dada ao setor rural visto como com-posto por populações pobres às quais umainstrução mínima era suficiente, seja pelaausência de acumulação suficiente quepossibilitasse ao estado arcar com a disse-minação da instrução pública e ampliar seuaparato de controle por todo o seu territó-rio, do que resultava a invisibilidade de ne-cessidades, características, requisitos enormas específicas para a instrução em dis-tritos rurais.

Concepções acerca do ensino emConcepções acerca do ensino emConcepções acerca do ensino emConcepções acerca do ensino emConcepções acerca do ensino emdistritos rurais no final do séculodistritos rurais no final do séculodistritos rurais no final do séculodistritos rurais no final do séculodistritos rurais no final do séculoXIXXIXXIXXIXXIX

Escolas particulares e escolaspúblicas: exigência em número dealunos

Analisando Mensagens à Assem-bléia do Estado e Relatórios de Inspetoresde Ensino, identificam-se críticas à restritadisseminação da escola pública, no final doséculo XIX, no Rio Grande do Sul. Destaca-se que, também marcando a ausência deestrutura na forma de sistema educacionaltal como inicialmente afirmamos, ao falarde escolas, naquela época, a referência erauma sala alugada, simples “casa de esco-la” em que, concomitantemente, alunos dediferentes adiantamentos eram atendidos.

As políticas públicas incentivavam aliberdade de ensino e de iniciativa com oque as escolas particulares se multiplica-vam, funcionando livremente, tendo ape-nas a obrigação – a qual nem sempre aten-diam –, de informar ao governo as estatís-ticas alcançadas: número de matrículas efreqüência.

Por outro lado, o Estado na épocaexigia, para a criação e manutenção deaulas públicas um número mínimo de alu-nos matriculados e freqüentes. Ademais, aampliação da instrução pública requeriarecursos para sua manutenção e controle.Havia portanto, contradições entre os valo-res proclamados – liberdade de ensino – eas possibilidades reais do setor públicoatender à instrução.

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Assim, ao lado de escolas públicashavia, em grande número, as particulares.Sua distribuição pelo território estava dire-tamente relacionada ao interesse da popu-lação e à inexistência de tão rígidas nor-mas quanto ao número de alunos, confor-me Relatórios apresentados ao Presidenteda Província.

Pela estatística do ensino particular, quevos apresentei, vereis quão diminuto é onumero de escolas públicas emMontenegro e em outros municípios daregião. As escolas particulares têm o gran-de defeito de ensino de língua estranhae, as do ensino da língua vernácula, sãomuito poucas. É certo que na zona colo-nial merece preferência a escola particu-lar à publica, já pelo ensino da língua docolono, já pelo religioso, que aquela nãoadministra, mas o fator principal não meparece este, antes, quero aceitar outro, quedeve forçosamente exercer maior influ-encia : a multiplicação das escolas parti-culares. Onde existem dez crianças de cin-co a doze anos, estabelece-se uma escolaelementar, cobrando, o professor, um atédois mil réis por aluno. É a este fato queatribuo a freqüência, porque cada famíliadeseja a escola próxima do lar. Sendo di-minuto o numero das aulas públicas, oGoverno vê-se na contingência deespalhá-las, de modo que, enquanto emcada quilometro vê-se uma escola parti-cular, de dez em dez (quando muito apro-ximadas ), vê-se uma do Estado (Relatóriodo inspetor escolar de Montenegro, 1897).

Constata-se um discurso que destacaa vitalidade da iniciativa particular e a invia-bilidade econômica para instalar aulas pú-blicas em zonas rarefeitas de população oque exigiria a criação, fornecimento e ma-nutenção de muitas aulas, o pagamentode professores e o aluguel de salas, mes-

mo onde não fosse muito grande o núme-ro de alunos. Ademais, um argumento com-plementar indicava que existindo escolasprivadas, as necessidades de instrução es-tariam atendidas.

Em 1837, “toda a escola que no de-curso de um ano consecutivo deixar de reu-nir 15 alunos com freqüência efetiva, serátransferida para outro lugar de maior nu-mero de discípulos”, em 1848 “pois não temo governo a obrigação de dar um mestrepara 3 ou 4 discípulos”, bem como em 1880,os registros eram de que o governo estavaautorizado por lei do orçamento provinciala “suspender o exercício das cadeiras deinstrução primária que não tiverem 40 oumais alunos freqüentes nas cidades; 30 oumais nas vilas; e 30 nas freguezias” (PRI-MITIVO MOACYR, 1940, p. 432; 438; 483).Portanto, o critério de número mínimo dealunos para a criação de aulas públicas setornava um impedimento para que estasmesmas aulas fossem criadas em zonasmenos populosas. A liberdade de ensino,tal como a prática de contratar perceptorespara ensinar nas famílias, favorecia a proli-feração, pela iniciativa particular, do ensinoprivado.

Uma outra grande dificuldade encon-trada em distritos rurais era a falta de assidui-dade dos alunos o que inviabilizava a apren-dizagem e desestimulava os professores.

Os professores em geral queixam-se dafalta de assiduidade dos alunos em fre-qüentar as aulas, a que incontestavelmentetorna o ensino improdutivo,privando tam-bém o mestre de apresentar o resultadodo seu labor no correr do ano, quer nosexames finais, quer nas visitas do inspetor.Este fato, notório até nas escolas dos centros

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mais populosos, onde nenhum motivo háque justifique tão perniciosa desidia, salvoos casos de forca maior, acentua-se princi-palmente nas dos distritos de foradistritos de foradistritos de foradistritos de foradistritos de fora (Re-latório do inspetor. Grifo nosso).

Ora, os professores eram mantidosna regência de aulas públicas em decor-rência do aproveitamento escolar de seusalunos verificado por visitas de inspetorese pelo número de alunos freqüentes o qual,se fosse muito pequeno, levaria ao fecha-mento da aula.

Ensino livre versus ensinoEnsino livre versus ensinoEnsino livre versus ensinoEnsino livre versus ensinoEnsino livre versus ensinopúblico: viabilidade dapúblico: viabilidade dapúblico: viabilidade dapúblico: viabilidade dapúblico: viabilidade daobrigatoriedade?obrigatoriedade?obrigatoriedade?obrigatoriedade?obrigatoriedade?

Se eram escassas as escolas públi-cas, as condições e as convicções ideológi-cas valorizavam a liberdade e não possibi-litavam exigir a obrigatoriedade escolar,esta, tida como invasiva do poder paternoe da possibilidade de se instituir professoraos que assim desejassem e para tanto de-monstrassem competência.

Assim se manifestava um inspetorescolar acerca da obrigatoriedade:

“E tanto o ensino obrigatório falhaem seus efeitos que, tendo feito parte doregulamento extinto, nunca foi posto emvigor, seguramente pelas dificuldades queadviriam de sua execução: nosso vasto ter-ritório, no qual se acha disseminada a po-pulação, seria grande embaraço à ação fis-cal, senão larga porta aberta as vingançasoriginadas dos excessos do partidarismopolítico. Felizmente, para honra de nossaterra, o legislador rio-grandense, em seusbelos exemplos de respeito a liberdade,deixou o ensino livre : aprenda quem quiser”.

Observa-se neste trecho o destaqueà disseminação da população no vastoterritório, o que se coloca como justificativada inviabilidade de exigir freqüência obri-gatória de crianças em idade escolar, ouseja, justamente as aulas mais distancia-das é que causariam dificuldades para aação dos inspetores.

O discurso oficial registra pois ainviabilidade de exigir a obrigatoriedade es-colar pela extensão do território e dissemi-nação da população, seja pela improprie-dade que tal imposição constituía, o queexigiria, se aplicado, muitos gastos não ape-nas com o pagamento de professores, alu-guel de salas, mas com fornecimento e, prin-cipalmente, com inspeção e controle para ve-rificar o atendimento a tal obrigatoriedade.

Aulas mistas nas zonas ruraisAulas mistas nas zonas ruraisAulas mistas nas zonas ruraisAulas mistas nas zonas ruraisAulas mistas nas zonas ruraispor motivos de economia e aulaspor motivos de economia e aulaspor motivos de economia e aulaspor motivos de economia e aulaspor motivos de economia e aulasseparadas por sexo nas urbanasseparadas por sexo nas urbanasseparadas por sexo nas urbanasseparadas por sexo nas urbanasseparadas por sexo nas urbanas

A cultura e as práticas da época da-vam à preferência ao ensino em separadopara as meninas do ministrado para osmeninos. Entretanto, no “meio rural” eramadmitidas infrações a este preceito comoexplicita um inspetor de ensino.

O preconceito, pois, existente nas cidadescontra as aulas mistas, não prevalece nomeio rural,meio rural,meio rural,meio rural,meio rural, onde os pais sem nenhumreceio enviam as filhas a escola, não sen-do raro o encontrar-se em desertas estra-das, mocinhas de doze anos e mais, sós,sem outra companhia senão a confiançade sua própria inocência, sem que os com-panheiros de escola ou outro qualquerse animem a ofender-lhes o pudor. ... Portodos estes princípios, e ainda pelo de eco-nomia, afim de que o Estado possa

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aumentar o numero de escolas, sou deopinião que toda a escola ruralescola ruralescola ruralescola ruralescola rural deveser mista, mesmo as que são dirigidaspor homens. Não vejo inconveniente se oGoverno deliberar essa conversão, quan-do é certo que em todas as escolas dosexo masculino, na zona colonial, os pro-fessores recebem, extra-matricula, grandenúmero de meninas. Ali os pais confiamas filhas aos mestres masculinos, algunsmoços e solteiros, sem que um só fatoimoral se haja dado para condenar-se aprática. Resultaria dessa conversão ou au-torização, ficar o sexo frágil com meios deeducar-se em quase todos os locais (Re-latório do Inspetor Lúcio B. Cidade, 1897.Grifo nosso).

Portanto para que os cofres públicosnão ficassem sobrecarregados ao providen-ciar escolas em separado para cada sexo,recomendava-se o estímulo à escola mistaa qual, sozinha atendia a uma realidadeque, de outra forma teria que ser preenchi-da por dois professores em duas aulas dis-tintas, o que implicava, dois soldos, doisaluguéis de salas para aulas, mais serviçosde inspeção, mais custos com mobiliário efornecimentos de livros e materiais escolares.

Por motivos de economia, porém, dos di-nheiros públicos, propusemos a conver-são de algumas cadeiras do sexo mascu-lino e feminino em mistas, nos distritosdistritosdistritosdistritosdistritosrurais,rurais,rurais,rurais,rurais, conservando aquelas somente nascidades, vilas e povoados. Em o nosso per-curso pela região encontramos algumasaulas do sexo masculino, nos distritos, fre-qüentadas conjuntamente por meninose meninas, a pedido dos srs. Pais de famí-lia mas apesar dessa freqüência ser pri-vativa das aulas mistas, mesmo assim en-tendemos que não nos assistia o direitode proibi-las, visto que tal medida impor-taria em uma injusta negação do ensinoa um grande numero de crianças. E por

isso que pensamos não haver inconveni-ente algum em serem as aulas mistasregidas por professores casados e idône-os, desde que assim o reclamem os inte-resses do ensino (Inspetor escolar, 1897).

Constata-se, portanto, a aceitação doargumento referente à inviabilidade de aten-der o critério de aulas separadas por sexono meio rural, pois, se tal fosse atendido,seria necessário instalar dois tipos de au-las, entretanto, tal justificativa não era reco-nhecida em escolas de vilas e cidades, ondeos critérios eram outros, mais severos e oatendimento público mais efetivo.

Funções a que as escolas deFunções a que as escolas deFunções a que as escolas deFunções a que as escolas deFunções a que as escolas dedistritos rurais deveriam atenderdistritos rurais deveriam atenderdistritos rurais deveriam atenderdistritos rurais deveriam atenderdistritos rurais deveriam atender

O discurso oficial discriminava, naperspectiva de desvalorizar, os distritos ru-rais e suas populações, tidos como pobres,necessitando de imediato do trabalho in-fantil, carecendo apenas, de uma instruçãode menor nível.

Assim, as escolas destes distritos ti-nham a função de atender a necessidadesde meninos pobres que, como se verificanos trechos a seguir, eram consideradasmuito mais restritas, em termos de conheci-mentos, comparativamente aos dos meni-nos ricos que freqüentavam escolas de vi-las e cidades.

Muito custará conseguir-se o provimento[com professores] das escolas ruraisescolas ruraisescolas ruraisescolas ruraisescolas rurais,para as quais dificilmente se encontrarãocandidatos que reúnam toda a compe-tência, justamente exigida pela lei, masnão remunerada com proporcional justi-ça. Seria, por isso, bom, contentarmo-contentarmo-contentarmo-contentarmo-contentarmo-nos com os que sabem ensinar osnos com os que sabem ensinar osnos com os que sabem ensinar osnos com os que sabem ensinar osnos com os que sabem ensinar osprincipais rudimentos de queprincipais rudimentos de queprincipais rudimentos de queprincipais rudimentos de queprincipais rudimentos de que

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nenenenenecessitam os meninos pobres dacessitam os meninos pobres dacessitam os meninos pobres dacessitam os meninos pobres dacessitam os meninos pobres dacampanhacampanhacampanhacampanhacampanha, e parece-me o suficiente, poisque os ricos, que podem, e devem instru-írem-se melhor, não freqüentam as es-es-es-es-es-colas ruraiscolas ruraiscolas ruraiscolas ruraiscolas rurais (Inspetor escolar, ManoelPinto da Costa Júnior. Grifo nosso).

Segue o mesmo inspetor, utilizando-se de palavras de terceiros, e, com isso, en-dossando uma concepção acerca do meiorural e das funções da instrução para omesmo.

E como adiantamento a estes conceitos,me permitireis transportar para aqui asseguintes palavras do dr. Mariano PereiraNunes, proferidas numa conferência rea-lizada por ele na vizinha Republica Ori-ental do Uruguai, em 1892, e perfeitamenteadaptadas às nossas condições: ‘A cam-panha precisa um programa especial paraas suas escolas, completamente diferentedo das urbanas, pelas seguintes razões:

Primeira: O meio diverso em que se de-senvolve a inteligência das crianças.

Segunda: A classe de vida para que setem que preparar.

Terceira: A maior necessidade que têm ospais do serviço de seus filhos.

Quarta: A distância em que pode estar aescola.

Quinta: Os obstáculos que apresenta nacampanha a inclemência dos elementosnaturais.

Sexta: O pouco preparo de muitos paispara compreenderem os benefícios dainstrução e animarem seus filhos paraaproveitá-los.

Sétima: O interesse que há em generali-zar a instrução, em menor grau, em todosos pontos da campanha.

Oitava: A dificuldade que oferece a ali-mentação das crianças na escola.

Nona: A natural distribuição dos trabalhosrurais’.”‘ (Inspetor escolar, Manoel Pinto daCosta Júnior).

As funções da escola nos distritosrurais decorriam da visão do papel desteslocais; inexpressivos, pois afastados no pro-jeto nacional, como que de manutenção dasituação de pobreza e não participação navida do estado. Esta situação modifica-seno período de nacionalização do ensino,quando a instrução ministrada em zonascoloniais receberam atenção especial.

Formação dos professores daFormação dos professores daFormação dos professores daFormação dos professores daFormação dos professores dacampanhacampanhacampanhacampanhacampanha

Não apenas a realidade rural não eraconsiderada como inspiradora das ações dedisseminação da instrução pública, comotambém a qualificação dos professores paraa mesma era secundarizada. Assim, porexemplo, escreveu o inspetor regional JoséPenna de Moraes, em Santa Maria, no anode 1897, a respeito de Conferências Peda-gógicas que eram encontros dos quais to-dos os professores participavam para discu-tir questões relativas à instrução.

Enquanto, porém, isso não se realiza, nãonos é dado ficar inativos a uma fiscalizaçãodiligente a quem muito compete conseguirnesse sentido. E a razão pela qual julgamosde máxima utilidade a instituição das con-ferências pedagógicas, efetuadas nas se-des dos municípios e para as quais deveser convocado todo o professorado dos mes-mos, afim de discutir em comum tudo oque se refere ao ensino público. Essas con-ferências serão assistidas pelo inspetor re-gional e, na falta deste, pelo professor quefor por ele designado, realizando-se umaou duas vezes por ano. A grande vantagem

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destas conferências e incontestável. Emprimeiro lugar só assim conseguiremos aintrodução dos novos métodos de ensino,expungindo ao mesmo tempo os inúme-ros prejuízos subsistentes, em segundo,faremos assim nascer a emulação, quedeve impulsionar aqueles que tem a seucargo funções de tal natureza. E comreferencia aos professores da campa-professores da campa-professores da campa-professores da campa-professores da campa-nhanhanhanhanha, esta medida se nos afigura até indis-pensável á proficuidade do ensino: afasta-dos dos centros mais adiantados, é precisochamá-los de quando em vez à discussãodas questões referentes ao bom desempe-nho de sua missão, concitando-os tambéma abdicar as praxes improfícuas, de quenão raras vezes se deixam imbuir (MORAES,Jose Penna de. O inspetor regional. SantaMaria, 16 de dezembro de 1897).

O trecho a seguir demonstra ainviabilidade de provimento de escolas dacampanha ou distritos rurais com profes-sores formados na Escola Normal e a ne-cessidade de aceitar pessoas sem habilita-ção, que, de boa vontade se dispusessema ensinar, pois essas aulas, sendo parameninos pobres, necessitavam que o pro-fessor apenas ministrasse os rudimentos deinstrução.

Se dificilmente podem ser providas asaulas das cidades, onde os professoresgozam de um certo bem estar, e podem,nas horas vagas, aproveitar noutros tra-balhos a sua atividade e inteligência, adificuldade torna-se maior a respeito dasdos distritos ruraisdistritos ruraisdistritos ruraisdistritos ruraisdistritos rurais. Parece-me que, semse dispensar a prova de habilitação literá-ria exigida para a nomeação de professo-res interinos das escolas da campa-escolas da campa-escolas da campa-escolas da campa-escolas da campa-nhanhanhanhanha, devia-se restringir as matériasexigidas para esta prova, e não deixá-laequiparada a que tem de prestar os quepretendem cadeiras de centros populosos.

O professor das colônias ou da cam-panha dedicado ao “ensino popular” erapouco valorizado, muitos chegando a di-zer que ele “nada ou pouco precisava sa-ber”, e que, se as aulas de vilas e cidadesmais populosas eram desorganizadas,muito mais o eram as de distritos rurais.

Entretanto alguns inspetores defen-diam a necessidade de qualificar o ensinonestes locais. Argumentavam a igualdadecom que toda a criança deveria ser tratadae a qualidade da instrução que esta deve-ria receber independente de seu estratosocial e local de residência. Tal princípio quedeveria prevalecer e inspirar a maior quali-ficação do professor independente do lo-cal em que funcionasse a sua aula.

O regulamento não estatui (...) que o fi-fi-fi-fi-fi-lho do habitante do campolho do habitante do campolho do habitante do campolho do habitante do campolho do habitante do campo deva re-ceber menos instrução do que aquelesque vivem nas cidades ou aldeias. Ao con-trário, estabelecendo no artigo sétimo omesmo grau quanto ao ensino, trêsentrâncias quanto às localidades, e noparágrafo segundo do artigo 60, as remo-ções por acesso, é evidente que pressu-põe o mesmo preparo, tanto para uns comopara outros. No que diz respeito ao modode encarar o educador das colôniaseducador das colôniaseducador das colôniaseducador das colôniaseducador das colônias,a mais ligeira observação dos fatos de-monstra ainda a falsidade de tal modo dever. Minimamente dificultosa é, como te-mos averiguado,a tarefa [destes professo-res] (Inspetor escolar, 1897. Grifo nosso).

Falta de mobiliário reclamadaFalta de mobiliário reclamadaFalta de mobiliário reclamadaFalta de mobiliário reclamadaFalta de mobiliário reclamadapelos professores da campanhapelos professores da campanhapelos professores da campanhapelos professores da campanhapelos professores da campanha

O desamparo das aulas públicas emdistritos rurais era de toda a ordem. Ao pro-fessor não era necessário preparo semelhan-

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te ao de vilas e cidades, o nível de ensinopoderia ser restrito e faltavam fornecimen-tos e mobiliário como bem demonstra estetrecho do relatório de um inspetor escolarcujo teor também era referido em relatóriosde inspetores de outras regiões escolares.

Há escolas nesta região que não possu-em os móveis necessários outras tem-nos,mas obtidos a custa dos professores e, emmuitas, acham-se inteiramenteimprestáveis. Inumeráveis são as recla-mações sobre isto, que quase quotidia-namente recebe esta inspetoria. Urge,portanto, que se tomem providencias paraa pronta execução do art. 93 do regula-mento. Entretanto, parece-nos de bom al-vitre que esses pedidos levem o visto dorespectivo inspetor regional, que indaga-rá, ele próprio, em suas visitas as aulas,de sua procedência. São fatos a que nãopodem ser estranhos os inspetores, pe-rante quem trazem-se todas as reclama-ções e com quem está em contato maisou menos imediato o professorado daprofessorado daprofessorado daprofessorado daprofessorado dacampanhacampanhacampanhacampanhacampanha (MORAES, Jose Penna de. Oinspetor regional. Santa Maria, 16 de de-zembro de 1897).

Pode-se afirmar que no final do sé-culo XIX a instrução pública no Rio Gran-de do Sul não havia ainda identificado ediferenciado, com clareza, a escola rural. Asformas com que ela era referida – educa-dor das colônias, professorado da campa-nha, ensino popular, distritos de fora, meni-nos pobres da campanha, distritos rurais,escolas da campanha, escola rural, zonacolonial, meio rural – acenavam para odesprestígio e desconsideração de suascaracterísticas nas normas e regulamentospara a instrução pública no estado.

No início do século XX, entretanto,instaura-se, ainda que inicialmente, um

momento de visibilidade da escola rural eum movimento de inclusão na legislaçãode elementos que demonstram sua consi-deração.

Século XX: maior consistênciaSéculo XX: maior consistênciaSéculo XX: maior consistênciaSéculo XX: maior consistênciaSéculo XX: maior consistênciana designação de escola ruralna designação de escola ruralna designação de escola ruralna designação de escola ruralna designação de escola rural

Em 1905, importante alteração ocor-reu na legislação que normatizava a ins-trução pública no estado. Ainda a desvalo-rização da escola rural é evidente.

Provimento por concurso para aProvimento por concurso para aProvimento por concurso para aProvimento por concurso para aProvimento por concurso para aescola rural: exigências mínimasescola rural: exigências mínimasescola rural: exigências mínimasescola rural: exigências mínimasescola rural: exigências mínimas

O decreto 806, de 11 de abril de 1905,com o louvável intuito de prover as esco-esco-esco-esco-esco-las ruraislas ruraislas ruraislas ruraislas rurais com professores efetivos e re-conhecendo que estas escolas, quanto aodesenvolvimento do ensino, não têm asmesmas exigências das escolas urbanas,estabeleceu um programa para os con-cursos daquelas contendo as matérias es-tritamente necessárias ao ensino nas es-colas rurais.Para que o concurso não fos-se ilusório, tomou a lei providências nosentido de exigir conhecimentos integrais,embora práticos, das diversas matériasexigidas para o concurso. Para execuçãodo citado decreto n.806, anunciaram-seos concursos, para os quais inscreveram-se 515 candidatos, sendo 485 para esco-las rurais e 30 para escolas urbanas fo-ram habilitados 412 para escolas rurais e22 para escolas urbanas, muitos estão jánomeados (Relatório apresentado ao Sr.Dr. Antonio Augusto Borges de Medeiros,presidente do estado do Rio Grande doSul, pelo Dr. Protasio Alves, Secretario deEstado dos Negócios do Interior e Exteri-or, em 15 de setembro de 1906 - PortoAlegre)

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O nível dos programas que orienta-vam os concursos para professor de esco-las rurais desmerecido pela facilitação era,entretanto, criticado mesmo no âmbito daDiretoria de Instrução Pública por serem

demasiadamente empírico senão efêmero,por isso não pode satisfazer as exigênciasdo ensino moderno. Para provar esta afir-mação basta a seguinte ponderação: Nasescolas primárias de todos os países, sobtítulo de lições de cousas, ministram-seconhecimentos práticos de higiene, agri-cultura, criação, noções de física, químicae história natural, tecnologia das indústrias,civismo, etc. Ora professores com o prepa-ro exigido pelo decreto [Decreto no. 806/1905] jamais poderão compreender emuito menos desenvolver estas noçõestão necessárias a vida, principalmente daspessoas que vivem na campanhapessoas que vivem na campanhapessoas que vivem na campanhapessoas que vivem na campanhapessoas que vivem na campanha eocupam-se com as industrias ruraisocupam-se com as industrias ruraisocupam-se com as industrias ruraisocupam-se com as industrias ruraisocupam-se com as industrias rurais.

As Escolas Complementares foramcriadas, pela supressão dos ColégiosDistritais, em 1906; seu curso deveria ser“sério e racional”, conforme expressão re-gistrada no relatório da Secretaria do Inte-rior, apresentado ao presidente do estado,Dr. Antonio Augusto Borges de Medeiros.

Entretanto, críticas também atingiamas Escolas Complementares recém criadas.Alguns inspetores consideravam que, sefossem abertas Escolas Complementaresem diversos pontos do Estado, o ensino de-veria ser reduzido a: Português, Matemáticaelementar, noções de História universal, es-pecialmente do Brasil, Geografia, compreen-dendo cosmografia e noções de ciência.Esta redução de currículo para o CursoComplementar, na hipótese de sua dissemi-nação no interior do estado, decorria da su-posição da destinação a que candidatos

do interior, nele interessados, teriam: “desen-volver o ensino elementar e preparar as pes-soas que se destinarem ao exercício do ma-gistério, nas escolas rurais cujo concurso seráfeito por este programa, se o Governo qui-ser manter a distinção atual criada pelodecreto, de 11 de abril de 1905, sob n. 806”.

É possível constatar, na documenta-ção consultada, resistência de parte dasautoridades da instrução pública, a que oprofessor que atuasse em escolas ruraisrecebesse formação específica de mesmaqualidade que professores que atuassemem centros populosos e em outros tipos deescolas. Mesmo considerados anacrônicos,os concursos já eram considerados alter-nativa suficiente para prover o corpo do-cente de escolas rurais. Portanto, a preocu-pação com a formação do professor dascidades em um nível alto de qualidade e acompreensão de que isso ocorreria na es-cola de formação de professores da capitalrepresentava uma idéia que avaliamos for-temente elitista.

Escolas rurais: dados estatísticosEscolas rurais: dados estatísticosEscolas rurais: dados estatísticosEscolas rurais: dados estatísticosEscolas rurais: dados estatísticos

No ano de 1905, no Rio Grande doSul, estavam em funcionamento 1.118 es-colas, sendo 449 do sexo masculino, 121do sexo feminino e 548 mistas. A classifi-cação das escolas informava acerca de suaprovável localização, sendo que havia 81de 3a. entrância, situadas em núcleos maispopulosos, 126 de 2a. entrância e 911 de1a. entrância, estas as mais distantes doscentros populosos e, em geral, via de entra-da nas atividades docentes da instruçãopública do estado. Ora, se 1118, 81,48%

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das escolas eram de primeira entrância, eraa realidade da escola mais afastada deaglomerações a qual designamos hoje derural, é que predominava.

Registra-se, no Relatório da Diretoriade Instrução Pública, já no ano de 1906, adistinção entre escolas rurais e urbanas,contabilizadas assim: 811 escolas rurais e307 urbanas.

A prevalência das escolas rurais querepresentavam 72,54% do total do estadoapresenta a outra face das práticas deinvisibilidade das escolas de distritos ruraise atenção privilegiada a escolas de centrosmais populosos.

Na segunda década do século XX,no ano de 1913, as estatísticas apresenta-vam o mesmo perfil.

A Escola Complementar tinha umamatrícula geral de 1.145 alunos e a freqüên-cia média de 985. Estavam instalados 21Colégios Elementares com a matrícula de4.321 alunos e freqüência de 3.092. Existi-am também 1.157 Escolas Isoladas, sendo261 urbanas e 896 rurais, com a matrículade 40.263 alunos e freqüência de 28.903.Portanto, a maior parte, 77,44% das Esco-las Isoladas eram escolas rurais.

Os municípios mantinham 307 esco-las com a matrícula de 8.753 alunos e afreqüência de 7.226. Havia Escolas Particu-lares com a matrícula de 25.241 alunos e afreqüência de 20.693. Assim, em 1913, apopulação escolar em todo o Estado erade 79.723 alunos com a freqüência médiade 60.899.

Se considerarmos o número total dealunos atendidos no estado, metade(50,50%) o eram em Escolas Isoladas, ne-

las incluindo tanto as rurais quanto as ur-banas. Verificamos também que 71,79%dos alunos matriculados nestas Escolas Iso-ladas mantinham freqüência regular. Ora,embora ressalvando que freqüência nãosignifica aproveitamento e aprovação, po-deríamos dizer que, o resultado do restritoinvestimento de parte do poder público naescola de distritos rurais, implicava um cer-to desperdício de recursos públicos, poistruncava a possibilidade de instrução de umsignificativo número de alunos, concentran-do-os nos poucos alunos de escolas decentros mais populosos.

Nas primeiras décadas do séculoNas primeiras décadas do séculoNas primeiras décadas do séculoNas primeiras décadas do séculoNas primeiras décadas do séculoXX: as subvenções institucionali-XX: as subvenções institucionali-XX: as subvenções institucionali-XX: as subvenções institucionali-XX: as subvenções institucionali-zam o atendimento à instruçãozam o atendimento à instruçãozam o atendimento à instruçãozam o atendimento à instruçãozam o atendimento à instruçãopública no meio ruralpública no meio ruralpública no meio ruralpública no meio ruralpública no meio rural

É no início do século XX que a Dire-toria de Instrução Pública do estado regis-tra em relatórios, mensagens e outros do-cumentos oficiais a divisão do ensinodivisão do ensinodivisão do ensinodivisão do ensinodivisão do ensinopúblico em urbano e ruralpúblico em urbano e ruralpúblico em urbano e ruralpúblico em urbano e ruralpúblico em urbano e rural, este últimoministrado em escolas subvencionadassubvencionadassubvencionadassubvencionadassubvencionadas.

Em 1913, Relatório do Presidente doEstado, Dr. Antonio Augusto Borges deMedeiros, apresentado aos Representantesdo Estado, acerca do Ensino Público noEstado, registra que este dividia-se em ur-bano e ruralruralruralruralrural sendo, o primeiro, ministradona Escola Complementar, em Colégios Ele-mentares e Escolas Isoladas e, o segundo,em Escolas SubvencionadasEscolas SubvencionadasEscolas SubvencionadasEscolas SubvencionadasEscolas Subvencionadas.

O regime das subvençõessubvençõessubvençõessubvençõessubvenções às esco-las municipais e particulares, continuava oPresidente, estava produzindo ótimos frutosque se concretizavam na maior difusão do

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ensino ruralruralruralruralrural, na efetividade do ensino dalíngua portuguesa nas escolas particulares,especialmente na região colonial, com afacilidade do provimento definitivo das es-colas por pessoal de comprovada compe-tência.

As alunas da Escola Complementarconstituíam a elite do professorado da pro-víncia e várias alternativas eram utilizadaspara seu aperfeiçoamento, inclusive apóso término do curso.

Em missão de estudos, seguiu para a Re-pública Oriental do Uruguay uma comis-são de professores, que ali observarão osmétodos e trabalhos de ensino. Não seráa única, nem se limitarão a simples ins-peção as medidas a adotar-se. Irá estudartambém na Escola Normal de Montevi-déu uma turma de alunos, escolhidosentre os melhores da nossa Escola Com-plementar”. (mensagem enviada à Assem-bléia dos Representantes do Estado doRio Grande do Sul pelo presidente Anto-nio Augusto Borges de Medeiros. Paláciodo Governo, em Porto Alegre, 20 de se-tembro de 1913. Ass.: Antonio AugustoBorges de Medeiros, Presidente do Estado).

A Escola ComplementarEscola ComplementarEscola ComplementarEscola ComplementarEscola Complementar tinha, nodizer do Presidente da Província, o méritode preparar alunas-mestras, preferidas parao preenchimento interino das vagas aber-tas no magistério. Este estágio, completa-do depois por outras provas práticas exibi-

das em concurso, conferia-lhes o direito àefetividade. Assim, a realização do CursoComplementar modificava o processo doconcurso, “anacrônico” no dizer do presiden-te, sendo considerado o melhor meio deselecionar as aptidões.

Elementos conclusivosElementos conclusivosElementos conclusivosElementos conclusivosElementos conclusivos

Esta preliminar revisão de documen-tos referentes à história da instrução públi-ca no Rio Grande do Sul sugere que ape-nas no século XX o ensino rural começa aser considerado e identificado como umaproblemática específica, demandando aten-ção tanto na disseminação de escolasquanto na formação do professor. O dis-curso oficial construído tanto no âmbito doDiretor de Instrução Pública quanto no ní-vel intermediário dos inspetores escolaresde região, elabora argumentos de diferen-tes bases para justificar o descaso para comas populações de regiões rurais.

A multiplicidade de termos utilizadospara designar a escola rural como objetode preocupação e de ação das políticas pú-blicas bem demonstra sua invisibilidade.

Daí afirmarmos que apenas tardia-mente a formação do professor começoua especificar-se em direção à problemáticado ensino rural.

ReferênciasReferênciasReferênciasReferênciasReferências

VARELA, Julia. Genealogia de la Escuela: análisis socio-historico del proceso deinstitucionalización de la escuela primaria. Tempora, n. 8. Tenerife: Facultad de Filofsofiay Letras, Univesidad de la Laguna. p. 13-44, jul./dic. 1986.

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MOACYR, P. A instrução e as províncias – (subsídios para a historia da Educação noBrasil) 1834–1889. v. 3. Espírito Santo, Minas-Gerais, Paraná, Santa Catarina, RioGrande do Sul, Goiaz. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1940.

Recebido em 03 de outubro de 2005.Recebido em 03 de outubro de 2005.Recebido em 03 de outubro de 2005.Recebido em 03 de outubro de 2005.Recebido em 03 de outubro de 2005.Aprovado para publicação em 24 de novembro de 2005.Aprovado para publicação em 24 de novembro de 2005.Aprovado para publicação em 24 de novembro de 2005.Aprovado para publicação em 24 de novembro de 2005.Aprovado para publicação em 24 de novembro de 2005.

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Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 20, p. 111-128, jul./dez. 2005.

Ejes de una reforma educativa integralEjes de una reforma educativa integralEjes de una reforma educativa integralEjes de una reforma educativa integralEjes de una reforma educativa integral*****

Directions for an integral educational reform

Javier Hermo**Cecilia Pittelli***

* La versión original de este artículo fue presentada comoponencia en el I Congreso Nacional de la Sociedad Argen-tina de Estudios Comparados en Educación (SAECE), rea-lizado en Buenos Aires, en noviembre de 2005.

** Mestre em Educação (FLACSO). Professor da Universidadde Buenos Aires e da Universidad Nacional de La Matanza.e-mail: [email protected]

*** Professora da Universidad de Palermo e da Universidadde Buenos Aires.e-mail: [email protected]

ResumenResumenResumenResumenResumenA más de diez años de la implementación de las reformas educativas de los ’90, se impone realizar unaevaluación crítica de las mismas y sus resultados. Esta ponencia se propone abordar un debate preliminarde la situación argentina, comparada con la chilena, para plantear desde allí algunas propuestas para eltrazado de una agenda que permita encarar una “reforma de la reforma”. En tal sentido, creemos que -para el caso argentino- es necesario realizar un plan de evaluación de los resultados de las reformasdurante el año 2006, para llegar a un plan de reformas consensuado hacia 2007 y poder, así, encararlasdurante tres períodos presidenciales, con fecha de culminación en 2020.

Palabras clavePalabras clavePalabras clavePalabras clavePalabras claveEducación; reformas educativas; educación comparada.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractMore than ten years after the implementation of educational reforms in the 90’s, it is absolutely necessaryto make a critical evaluation of reform itself and its results. This article sets out to approach a preliminarydebate of the Argentinean situation, compared with the Chilean, in order to raise therefrom some proposalsfor the layout of an agenda that allows facing a “reform of the reform”. In this sense, let us think that - forthe Argentine case it is necessary to make a plan of evaluation of the results of the reforms during thecurrent year 2006, in order to arrive at an agreed reform plan towards 2007 and thus to be able to facethem during three presidential periods, with a culmination date in 2020.

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsEducation; educational reforms; compared education.

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IntroducciónIntroducciónIntroducciónIntroducciónIntroducción

Durante la década de los ’90 seintrodujeron en la mayor parte de los paí-ses de América Latina, una serie de refor-mas educativas inspiradas en las recomen-daciones de organismos financierosinternacionales, destacándose entre ellos elBanco Mundial.

No obstante, en la región fue pionerala experiencia de Chile, que prenuncióalgunos de estos lineamientos y comenzóa desarrollarse todavía con la dictadurapinochetista en los años ‘80.

Por eso plantearemos en este trabajoalgunas características en común con lasreformas educativas aplicadas en laArgentina, a más de diez años de laimplementación de las mismas.

Creemos que se impone realizar unaevaluación crítica de estas políticas y de susresultados, dando lugar a abordar un debatepreliminar y plantear algunas propuestaspara el trazado de una agenda que permitaencarar una “reforma de la reforma”.

La experiencia ha mostrado, que nobastará con centrarse en los contenidos y laestructura curricular, por más que siempre esnecesaria una actualización y puesta a punto.Por el contrario, el eje central de una real re-forma educativa debe estar puesto en losactores concretos que intervienen en losprocesos educativos y en mejorar lasposibilidades de interacción entre los mismos,base del proceso de enseñanza/aprendizaje.

En tal sentido, y más allá de lasconsideraciones que aquí formularemos so-bre los rumbos que a nuestro juicio debieratomar tal proceso, creemos que es necesario

e indispensable comenzar por desarrollar –en los respectivos planos nacionales, perotambién en ámbitos regionales como elSector Educativo del MERCOSUR –, unaevaluación integral y participativa de los re-sultados de las reformas. No porque noexistan diagnósticos suficientes yapropiados, que podrán utilizarse comoinsumos de esta evaluación, sino parallegar a un plan de reformas del más am-plio consenso tan pronto como sea posible.De este modo se debiera lograr un muyfuerte compromiso político para encararlascon continuidad, tal como resulta como ele-mento exitoso de la experiencia chilena alrespecto. Sabemos que esta es unacondición necesaria para que las reformasdel sistema educativo comiencen a mos-trar sus frutos. Siempre que hablemos dereformas, claro está, y no de circunstancialesmodificaciones aisladas como las queperiódicamente se realizan.

Las reformas educativas en laLas reformas educativas en laLas reformas educativas en laLas reformas educativas en laLas reformas educativas en laregiónregiónregiónregiónregión

Como han señalado numerosos au-tores, más allá de las particularidades decada caso, se observan algunas regulari-dades en las políticas de reforma encara-das desde los años ’80 en América Latina.

Siguiendo la caracterización realiza-da por Pedró y Puig1, encontramos queéstas han sido, en un sentido reformasreformasreformasreformasreformasconvergentesconvergentesconvergentesconvergentesconvergentes, es decir que son productode un modelo internacional al que los sis-temas educativos tienden a dirigirse y,conectadas con las mismas el carácter,básicamente para nuestro países, de ser

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reformas dependientes. reformas dependientes. reformas dependientes. reformas dependientes. reformas dependientes. Es decir, que nohan sido producto de una real convergencia– que supone alguna clase de consenso –,sino que son consecuencia de los procesosde globalización, y del rol que en la mismajuegan los organismos financierosinternacionales como el Fondo MonetarioInternacional o el Banco Mundial. Sea porlos condicionamientos de tipo general a laspolíticas económicas impuestos por elprimero o por la política de préstamos abun-dantes durante los años ’80 y ’90 del se-gundo, que impulsaron una agenda de de-terminadas reformas (descentralización delos sistemas educativos, implementación del“cheque” educativo, privatización de laeducación, etc.).

Como han planteado de PuellesBenítez y Martínez Boom2: “El concepto dereforma tiene dos connotaciones: por unlado, se expresa como un programa políticode acción, con estrategias que van del cen-tro a la periferia. Por otro lado, insinúaintencionalidades que se dan entre diversosactores sociales, cuyas relaciones son casisiempre asimétricas, pues ellos son portado-res de diferentes tradiciones, representacionesy prácticas, y poseen diferente intensidad yfuerza, lo cual genera una dinámica muchomás compleja que un simple movimiento deacción–reacción. La reforma es parte delproceso de regulación social; expresa laestrategia a través de la cual el poder nosolo delimita y define las prácticas sociales,sino que pone en juego los sistemas de orden,de apropiación y de exclusión. La reformaeducativa define los fines, las posibilidadesy las limitaciones de las distintas institucionesy agentes educativos, a través de la

legitimación de ciertos modelos defuncionamiento en los órdenes macro omicro de la educación. Es decir, define lamanera como se relacionan los múltiplesasuntos sociales, que van desde laorganización de las instituciones hasta lapercepción que los individuos tienen de ellas.”

Como producto de estos procesos dereforma, se realizaron en la mayor parte delos países, también cambios en las leyes yreglamentos vigentes que ordenaban laeducación. Un conjunto nuevo de estos ins-trumentos acompañó en unos casos, yrecogió en otros, los contenidos de las refor-mas educativas. Desde ya, estos instrumen-tos jurídicos no constituyen ni expresan lasreformas en todo lo que significan. Pero hansido la muestra superficial de emergencia delas mismas, recogiendo y agrupando en tér-minos legales la intencionalidad política eideológica de las reformas más que siendoel motor que las impulsó.

No es intención de este trabajodescribir en profundidad las reformas reali-zadas, ni avanzar en el diagnóstico de lasconsecuencias de las mismas, sino esbozaruna aproximación al camino de los temasausentes de resolución al presente. Bienfuera porque no estuvieron contempladosen las reformas anteriores o porque sus re-sultados no fueron los esperados en térmi-nos de eficacia de la acción desarrollada.

No obstante, creemos oportunoplantear algunas características comunesque estuvieron presentes en estos procesosde reformas:• “La postulación de la calidad de la

educación y la descentralización comoejes de la reforma educativa, buscando

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inscribir la educación en el ámbito delconocimiento científico y del desarrollotecnológico como factor central para lacompetitividad.

• La inclusión del concepto de servicioeducativo, en reemplazo del concepto de«derecho a la educación», con lo que seinicia el fin del Estado docente. Este as-pecto es complementado con laasignación de responsabilidades a lafamilia y a la sociedad, con lo cual sereafirma el estímulo a la iniciativa privada.

• La prioridad de la institución escolar, pro-curando que ésta supere su condicióntradicional, con formas de organización“inteligente” que posibiliten el aprendizaje.

• La incorporación de la gestión educativacomo sustituto de las prácticasconvencionales de administración,asociada a la reducción del gasto delgobierno central y traslado de las funcio-nes a las instancias locales.

• La inclusión de la equidad como estrategiapara la redistribución y la racionalizacióndel gasto público en educación.

• El establecimiento de criterios orientadosa garantizar la profesionalización y ladignificación de la carrera docente3.”

Para el caso chileno, esto supuso unaprofundización mayor en algunos aspectosque en la Argentina, por ejemplo, con respectoal proceso de descentralización y detransferencia de la responsabilidad al nivel delas instituciones, bajo un manto de mayorautonomía. En el mismo sentido fue que seprodujeron importantes modificaciones en lasasignaciones presupuestarias y, sobre todo,en los beneficiarios de las mismas, que cadavez más pasaron a ser las propias instituciones

y los individuos. Las reformas pro mercadofueron mucho más profundas en Chile.

Por otra parte, al tener Chile un siste-ma de financiamiento compartido, que in-centiva a las familias a aportar en formadirecta recursos a la educación, por un ladoincrementa el presupuesto total aplicado alsistema, pero por otro puede estarcontribuyendo también a fomentar lasegmentación del sistema y la segregacióneducativa según criterios socioeconómicos,con las esperables consecuencias negativastanto en lo social como en lo pedagógico.

La principal característica de lamunicipalización de las escuelas en Chilees la enorme heterogeneidad existente encuanto a tamaños, recursos y capacidadesentre las distintas comunas, variando encuanto a sus posibilidades técnicas y lascaracterísticas estructurales de lasmunicipalidades a las que pertenecen. Ensíntesis, mientras más pobre y aislada lapoblación escolar, es más probable que laeducación esté en manos de agentes conmenos capacidades.

La variable más significativa a esterespecto la constituye el tamañopoblacional de la comuna; éste determinael número de alumnos y, por esta vía, elmonto de recursos financieros con que con-tará la misma. De este modo, en lascomunas pequeñas o rurales, apenas sepuede sostener un pequeño grupo defuncionarios no siempre dedicados exclusi-vamente a la educación.

Estas desiguales capacidades degestión determinan niveles muyheterogéneos de aprovechamiento de lasoportunidades y de las herramientas puestas

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a disposición de las municipalidades por laReforma Educacional o por otras agenciasde inversión pública.

Otro problema del sistema es que lasescuelas particulares subvencionadas notienen obligación de educar a cualquierniño que solicite matrícula y lo que ocurre,entonces, es que la mayoría de estasescuelas realizan procesos de selección delos niños basados en el diagnóstico de suscapacidades y conocimientos, y expulsan alos alumnos que presentan más bajorendimiento o problemas de conducta.

También requieren de los padresaportes económicos adicionales obligatorios.Las escuelas municipales, en cambio, en tan-to garantes del derecho a la educación detodos los niños, se ven obligadas no sólo amatricular y mantener a todos sus estu-diantes, sino adicionalmente, a acoger a losalumnos que el sistema privado expulsa.

En otras palabras, los municipiosposeen más responsabilidades y deben asu-mir una tarea más difícil que los colegios par-ticulares subvencionados, para lo cual sin em-bargo reciben los mismos o menos recursos.

En cambio, la preocupación pormejorar la calidad y profesionalización do-cente, que fuera citado como característicacomún, fue bastante poco explorada enambos casos, más allá de programassuperficiales e impuestos “desde arriba”, quenunca terminaron de ser aceptados por lospropios educadores.

En términos generales puedeseñalarse que lo avanzado en calidad esciertamente mayor que lo avanzado enequidad, tanto en Chile como en Argenti-na, aunque más pronunciadamente en el

primero de los países. Persisten, en amboscasos, fuertes brechas en el sistemaeducativo: un conjunto grave de comporta-mientos de segregación escolar ydiscriminación que se contradicen con laconcepción de la educación como unservicio de carácter público cuyo objetivoes asegurar la igualdad de oportunidades.

Para el caso chileno, por ejemplo, secomprueba la existencia de una política in-suficiente en el marco jurídico y administrati-vo de la educación, que garantice el accesoy el derecho de todos a una educación decalidad; avanzar hacia una mayor equidady transparencia en la utilización de los recur-sos públicos, grandes debilidades en lagestión municipal, bajo compromiso dealgunas autoridades municipales y avancemuy lento en la modernización del Ministeriode Educación de acuerdo a los requeri-mientos de la reforma educativa en curso.

De todas formas, más allá de que es-tas características particulares agraven el pro-blema en Chile y, a pesar de los esfuerzos yavances producidos, el tema de la inequidady la desigualdad sigue latente en ambospaíses y, aún más, profundizándose.

Sostenemos que, en cualquier caso,subsisten una serie de temas no resueltosen estos procesos de reforma y que debenser las principales preocupaciones de todoproceso de “reforma de la reforma”.

Los (crecientes) problemas de laLos (crecientes) problemas de laLos (crecientes) problemas de laLos (crecientes) problemas de laLos (crecientes) problemas de lainstitución escolarinstitución escolarinstitución escolarinstitución escolarinstitución escolar

Parece cada vez más evidente quelas instituciones educativas tal como lasconocemos hasta el presente, ya no son un

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continente apropiado ni suficiente para losprocesos educativos.

Mucho se ha dicho sobre este tema,pero los debates acerca de las políticaseducativas concretas no suelen incorporarestos puntos de vista, más allá de incluiralguna que otra “mejora” en cuestiones talescomo la infraestructura y el uso que se le da ala misma (por ejemplo, a través de progra-mas de “escuelas abiertas a la comunidad”),de la incorporación de tecnologías deinformación y comunicación (siempre tardía ydesfasada, pero con avances), y del desarrollode algunas experiencias innovadoras.

No obstante, nos parece que lo queprácticamente no se ha abordado, más queen ámbitos académicos, es la rediscusióndel sentido y el perfil de las institucioneseducativas en un mundo que ha cambia-do en muchos sentidos respecto del sigloXIX, cuando las escuelas comienzan a de-finir su perfil moderno, y aún con respectoal siglo XX en el que se universaliza el mo-delo escolar que todos hemos conocido.

Como acertadamente señalaraGuillermina Tiramonti, “la escuela es unaproducción institucional de otro momentohistórico y que por lo tanto, nació asociadaa otras circunstancias sociales, políticas yculturales. La escuela es un producto de laIlustración que se pensó a sí misma comoel vehículo de una cultura que tenía comosoporte central la palabra escrita. Hoy lainstitución está inmersa en un mundo cul-tural hegemonizado por la imagen y debeconstruir una propuesta pedagógica acor-de con esta nueva configuración4.”

Claro está que de ningún modo sig-nifica que deba cambiarse a la escuela por

Internet y la televisión, pero sí que la escuelano puede pretender (porque no lo es), se-guir siendo el único centro válido deadquisición de saberes y competencias,negando la posibilidad de integración deotras experiencias.

Por otra parte, si bien el rol de laeducación en la socialización infantil y juve-nil ha sido destacado desde muy diversasperspectivas y existe abundante producciónteórica al respecto, siempre parece ser untema secundario al “verdadero” objetivo dela escuela que es la transmisión ordenadade conocimiento en el proceso deenseñanza/aprendizaje. No queremos, conesta afirmación, negar los muy válidos e im-portantes esfuerzos desarrollados tanto porlas autoridades como por los docentes, porcontemplar la importancia de esta cuestión(de hecho, la realidad cotidiana lo haimpuesto hace rato), pero sí señalar que lainstitución escolar como tal, y las políticaseducativas, en general, no contemplan estefactor en el centro de sus preocupaciones.

Lo que se plantea, es que más alláde las razones ajenas a la institución esco-lar (sean circunstanciales o no), que puedanmodificar el rol de la escuela y los docentes,llevándolos a atender situaciones para lasque no fueron preparados (desnutrición,violencia, etc.); hay otras más profundas queharán irrumpir la vida real en la escuela yromperán el supuesto aislamiento asépticoen el que las “blancas palomitas” debieranadquirir conocimiento y, en un segundo tér-mino, realizar su socialización secundaria.

Si bien esto ha sido tambiénplanteado por numerosos expertos y actoresdel sistema educativo, creemos que hasta

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el momento no se ha planteado un debatedel que surjan propuestas para dar cuentade esta nueva situación al interior mismodel diseño del proceso de enseñanza/aprendizaje y no como “residuo” o efectosecundario del mismo.

Indudablemente, una prácticaeducativa que contempla poco y nada laimportancia de la interacción con otroscomo parte del aprendizaje mismo, que noposee un modo sistemático de incorporarconocimientos extra escolares, que estáinmersa en un mundo cambiante y distintodel que no da cuenta (cada vez másintercomunicado y en el que la cooperaciónse convertido en base de toda producción,donde el tiempo de trabajo, el tiempoproductivo y el de ocio tienden a coincidir5);se torna cada vez más una actividadaburrida y monótona para los estudiantesde todos los niveles.

Creemos que aquí deben buscarsemuchos de los factores que inciden en lacrisis de la escuela y no sólo en razonesextra escolares que, por otra parte, noparecieran que vayan a cambiar en loinmediato. Cuando, por ejemplo, se señalanla fragmentación del relato y la cultura dela imagen como características de lapostmodernidad, entre otras muchas queincidirían en la pérdida de atención yconcentración – al menos en términostradicionales – de los estudiantes, sería necionegar su influencia. Pero nos preguntamosseriamente si los que así se expresan creenque quejarse de tal situación la cambiará,o bien si puede pensarse que se trata deuna situación coyuntural pasajera.

La educación superior y losLa educación superior y losLa educación superior y losLa educación superior y losLa educación superior y losdesafíos que debe enfrentardesafíos que debe enfrentardesafíos que debe enfrentardesafíos que debe enfrentardesafíos que debe enfrentar

Los argumentos esgrimidos hastaaquí, si bien válidos para retratar la crisis ylos retos del sistema educativo en su con-junto, son también aplicables – por ende-al subsistema de educación superior. Noobstante, creemos que hay algunascuestiones específicas a señalar conrelación a este nivel educativo.

En primer lugar, la persistencia de unsistema no integrado y continuo entre laeducación terciaria no universitaria y la su-perior universitaria, pese a los esfuerzos porpromover la articulación que se han encara-do en los últimos años, crea circuitos deaprendizaje de “primera” y “segunda”categoría, desestimando o no estimulandoel cursado de carreras cortas “porque son demenor valor” y no permitiendo un circuito deformación continua que facilite entrar y salirpara completar tramos formativos deacuerdo a las necesidades. Podráargumentarse que en los últimos años esoha tendido a modificarse por la proliferaciónde ofertas integradas entre institucionesterciarias y universitarias, aún cuando lamayoría de las mismas apunten a unaarticulación inmediata, actuando lasprimeras como subsedes de facto de las se-gundas. Y no es menos cierto que tales ofer-tas, han sido generadas principalmente como“ganchos” comerciales de las institucionespara retener y capturar más matrícula, y nocomo producto de una política sistemáticadesde las instancias estatales pertinentes.

Por otra parte, la proliferación de tí-tulos y carreras con denominaciones diver-

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sas ha generado un panorama dedispersión y confusión entre los potencialesestudiantes, consolidando una práctica enla que se busca atraer alumnos a partir delas denominaciones y no de las mejorescondiciones de estudio, la excelencia de losprogramas y de los docentes.

Estas situaciones, al igual que laproliferación de postgrados y su caráctermayoritariamente pago, son parte de unatendencia mundial a la transformación dela educación en un “servicio”comercializable6 como cualquier otro y que,por cierto, resulta muy redituable. Si bien,no creemos que con enunciarlo vaya a cam-biar tal situación de modo mágico, síestamos convencidos de que es posible re-gular tal situación y que debe ser una delas tareas centrales del Estado en la materia,tal como desarrollaremos luego.

Finalmente, los problemas yaseñalados con respecto a la infraestructuray lo obsoleto de los métodos pedagógicos,se vuelven críticos también en el nivel su-perior , donde las falencias de losestudiantes que ingresan a este nivel sonvistas como problemas a resolver individu-almente y, por supuesto, operan como unanueva barrera discriminatoria para quienesno han tenido oportunidades culturales yeducativas para compensar los déficitsformativos de arrastre. Además de que, enmuchos casos, la solución a la que serecurre es a la de “bajar” el nivel de exigenciapara retener matrícula, consolidando unmodelo que tiende a disminuir la calidad.

El (recurrente) problema delEl (recurrente) problema delEl (recurrente) problema delEl (recurrente) problema delEl (recurrente) problema delpresupuestopresupuestopresupuestopresupuestopresupuesto

Hemos llegado hasta este punto sinmencionar lo obvio: la inversión en educaciónen los últimos treinta años ha sido pasmosa-mente baja y ha tendido a descender,alcanzando sus picos más bajos, en Argenti-na, durante los años ’90. Si bien la situaciónen Chile no ha sido la misma, porque el puntomás bajo fue anterior, durante la dictadura,igualmente el problema presupuestario existe.

Intencionadamente, no comenzamospor este punto, porque suele oscurecer todadiscusión acerca de las reformas necesarias.Si bien es indudable que esta es una de lasprincipales razones que han influido en lapaulatina decadencia de la educación ar-gentina, lo que se ha expuesto más arribaes una muestra incontrastable de que losproblemas no son sólo, ni principalmente,presupuestarios. Más aún, de no abordarsesoluciones urgentes a muchos de losmismos, se corre el riesgo de que una mayorinversión en educación, consolide lastendencias existentes, revistiéndolas de uncarácter superficial más “próspero”.

Lo que queremos señalar con todaclaridad, es que la promocionada Ley deFinanciamiento Educativo (sancionada alfin en Argentina), no resolverá los proble-mas si no es un contexto de abordaje desoluciones que requieren de presupuestosuficiente, pero para ser aplicado a las so-luciones y no a la consolidación detendencias existentes.

Por otra parte, como se ha dicho, espreciso insistir en que las leyes sonmanifestaciones superficiales emergentes y

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que lo que está por verse es lo más impor-tante: el compromiso político sostenido enel tiempo de hacer realidad sus postulados.Como muchos analistas han señalado, yala Ley Federal de Educación de Argentinacontenía prescripciones similares y luego nose cumplieron.

De tal manera que se requiere unadecidida acción mancomunada de losagentes estatales, los representantes políti-cos y la sociedad civil para garantizar elcumplimiento de las metas propuestas paralos próximos años.

Para concluir con este punto, creemosque el elemento más importante al quedebe aplicarse esta mayor inversión es, asu vez, el más decisivo para el proceso deenseñanza/aprendizaje: la jerarquización ytransformación de los planteles docentes.

Los olvidados en la reformaLos olvidados en la reformaLos olvidados en la reformaLos olvidados en la reformaLos olvidados en la reforma

Las leyes y normativas derivadas quedieron sustento a la reforma educativa de los’90 en la Argentina (Federal y de EducaciónSuperior con sus respectivos decretos ydisposiciones varias), surgieron en un contex-to de fuertes críticas acerca de la escasa e in-suficiente discusión, que asegurara un amplioconsenso para las mismas y para su posteri-or aplicación. No obstante, ambas fueronejecutadas y generaron consecuencias,muchas de ellas notorias como latransformación de la estructura del sistemaen el tramo primario y medio, entre otrasmuchas que podrían señalarse.

Para el caso chileno es aún peor,porque las principales directrices de la re-forma fueron decididas y llevadas a cabo

por la dictadura militar – y su duración fuelo suficientemente larga como paraimponerla y consolidarla sin oposición –, loque obviamente fue aún más inconsulto yarbitrario como proceso.

La razón por la que comenzamosdestacando la falta de consenso, es porquese partió de la base de que la reforma erauna necesidad “técnica”, con una miradacentrada en el enfoque curricular, la estructuradel sistema y la actualización de contenidos,ignorando que no hay práctica educativaposible (ni social o política), sin sujetos quelas encarnen. Así, las reformas nacieronheridas de muerte anunciada, más allá delos cambios que efectivamente produjeron,algunos de los cuales han sido positivos.

En ambos países, algunas voces sealzaron para insistir en la necesariareformulación del espacio de la educaciónsuperior destinado a la formación docente.No sólo era conveniente reformular loscontenidos y materias, era imprescindibleplantearse otra forma de llegar con elconocimiento a nuestros niños y jóvenes.Esto sólo podía lograrse en un contexto deprofundo compromiso con el quehacereducativo, entendiendo a la educacióncomo un componente estratégico ynecesario para el bienestar.

Este “olvido” se liga con lo quedecíamos más arriba al referirnos a laconcepción pedagógica que ha persistido,en la que la interacción y práctica coopera-tiva en el proceso de enseñanza/aprendizaje ha sido un factor consideradode modo secundario. Por eso, los planes deformación y actualización docente siguieronponiendo énfasis en la adquisición de

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conocimientos y saberes, sin abordar unarediscusión del rol docente ni de latransformación de las prácticas.

De este modo, se puso a los educado-res en la posición de tener que “adaptarse” anuevos contenidos y estructuras, realizar cur-sos y cursillos necesarios para aumentarpuntaje – pero sin planificación y sin criteriosde selección ni de utilidad –, mientras suscondiciones laborales y salariales fuerondeteriorándose de modo cada vez más grave.

También, la creciente fragmentacióny descomposición de la sociedad, con elexponencial incremento de la desocupaciónestructural, la pobreza y la violencia, obligóa los maestros y profesores a asumir tareaspara las que no fueron preparados y queno estaban incluidas entre las asignadashistóricamente a la institución escolar. Deeste modo, se fue naturalizando la accióndel docente como trabajador social, con unesfuerzo y un compromiso – en la mayoríade los casos-, que no fueron recompensa-dos ni tomado en cuenta en un replanteode la actividad educativa.

Al mismo tiempo, ninguna reformade importancia fue planteada “haciadelante” en lo que se refiere a la formacióndocente, ya que los institutos terciarios enque la misma se dicta, no fueron parte delos planteos efectivos de las reformas.

Prácticamente lo mismo puede decirsede los profesores universitarios, que si bien notuvieron condiciones tan cambiantes en laestructura y los contenidos, sufrieron en Ar-gentina uno de las peores retrasos salarialesde la historia, mientras se los estimulaba auna competencia cada vez más feroz conpaliativos pseudo-salariales como los incenti-

vos a docentes investigadores.En conclusión, mientras se les exigió

mucho más desde el punto de vista de suscompetencias, a los docentes no sólo no selos hizo partícipes de la reforma, sino quese los cargó de nuevas tareas y se los hizoresponsables por la falta de progreso delas políticas educativas. Todo ello mientrassus remuneraciones tendían cada vez mása ubicarlos en la franja de “pobresestructurales”, aún con una dedicación fulltime de jornada completa o exclusiva.

Un programa de reformasUn programa de reformasUn programa de reformasUn programa de reformasUn programa de reformas

Todo este escenario conforma unpanorama en el que se hace preciso iniciarun plan estratégico para encarar profundastransformaciones de la situación actual.

Ya hemos dicho que se debe partirde una evaluación de las reformas de losnoventa como primer paso, pero tal diag-nóstico tiene importancia no sólo en susaspectos técnicos, sino – por sobre todo -,en la posibilidad de construir un consensoacerca de los resultados de las reformas,sus virtudes y defectos y, por lo tanto, lasacciones que deben encararse para mejorary transformar profundamente el sistemaeducativo argentino.

Si bien nos centraremos – hasta poruna cuestión de respeto – en el caso denuestro país, creemos que las principaleslíneas de lo que aquí se propone, son igual-mente aplicables a Chile – y a otros paísesde la región, inclusive –, con la salvedad deque allí ya han comenzado a encararsealgunos de los cambios y énfasis que seaquí se proponen, mientras que otros no

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son contemplados en nuestro caso por ladiferente situación.

Por supuesto, tales propuestas tienenmucho mayor asidero en el nivel conceptualque a continuación desarrollamos, porquesu implementación es mucho másdependiente de características precisas ydiversas de las situaciones nacionales. Enese nivel concreto, las propuestas deberánentenderse sólo como válidas para lasituación argentina actual.

Aún con estas prevenciones ysabiendo que existen ya opiniones forma-das acerca de cuáles deben ser esasacciones, sumamos las nuestras al debate.

Lo conceptualLo conceptualLo conceptualLo conceptualLo conceptual

En nuestra visión, para realizar uncambio profundo en la estructura del siste-ma, que avance hacia una nuevaorganización pedagógica, debe poderse pen-sar un cambio radical en la organización yla estructura del sistema, tal como hasta hoylo conocemos. Por supuesto, no creemos quesea posible pasar de la situación actual auna radicalmente distinta, sin un proceso,tanto de lo objetivo como de lo subjetivo.

Uno de los pUno de los pUno de los pUno de los pUno de los puntos cardinales deuntos cardinales deuntos cardinales deuntos cardinales deuntos cardinales detales reformastales reformastales reformastales reformastales reformas, debiera ser el tenderdebiera ser el tenderdebiera ser el tenderdebiera ser el tenderdebiera ser el tenderhacia una educación cada vez máshacia una educación cada vez máshacia una educación cada vez máshacia una educación cada vez máshacia una educación cada vez másabierta en su estructura, con materiasabierta en su estructura, con materiasabierta en su estructura, con materiasabierta en su estructura, con materiasabierta en su estructura, con materiasbásicas obligatorias y otras optativas,básicas obligatorias y otras optativas,básicas obligatorias y otras optativas,básicas obligatorias y otras optativas,básicas obligatorias y otras optativas,incluyendo talleres artísticos, desde laincluyendo talleres artísticos, desde laincluyendo talleres artísticos, desde laincluyendo talleres artísticos, desde laincluyendo talleres artísticos, desde laescuela mediaescuela mediaescuela mediaescuela mediaescuela media. Esto no significa quedebiera abandonarse una planificación sis-temática de los currículos – incluyendo elaseguramiento de la presencia obligatoriade contenidos mínimos que no sean me-

ras formalidades –, pero sí que debe dotarsea los mismos de mayor flexibilidad y de laposibilidad, incluso, de reconocer como par-te de la formación a otros saberes no ad-quiridos en la práctica escolarizada, especi-almente para la educación de adultos y laformación permanente.

La contracara de una apertura taldebiera estar en una mayor garantía de lacalidad de la formación ofrecida y de lascalificaciones que se vayan a certificar, dadala subvaluación de los diplomas y títulos,por lo poco que hoy significan. Un paso ental sentido podría estar dado por laobligatoriedad de exámenes finales deaprobación del nivel medio (y, tal vez,también del superior en el título de gradouniversitario), con diplomas otorgados sólopor el Estado, más allá de la institución enla que se haya cursado. De más está decirque estamos pensando en una agenciaestatal con las competencias y el prestigiorequerido para poder realizar tal certificaciónsin que se convierta en una formalidad oen una “casilla de peaje” más.

En segundo lugarEn segundo lugarEn segundo lugarEn segundo lugarEn segundo lugar, y no por ordende importancia sino por la exposiciónargumental que se está realizando, estamosconvencidos de que se debe poner else debe poner else debe poner else debe poner else debe poner elacento fuertemente más en los cómoacento fuertemente más en los cómoacento fuertemente más en los cómoacento fuertemente más en los cómoacento fuertemente más en los cómose enseña que en los quése enseña que en los quése enseña que en los quése enseña que en los quése enseña que en los qué. Los nuevosejes de una reforma deben partir de enseñarcómo “aprender a aprender” , cómoconceptualizar y cómo clasificar. Por lo tan-to, el conjunto de las prácticas pedagógi-cas deben ser reformuladas de acuerdo aestos lineamientos.

Ello implica tomar como principalprincipalprincipalprincipalprincipalfactorfactorfactorfactorfactor la tarea y la función docentes, dado

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que no hay aprendizaje sin enseñanza. Eimplica un fuerte trabajo CON los educa-dores, rescatando sus saberes y experiencia,al mismo tiempo que proporcionándolesrecursos didácticos y una actualización acor-de al giro copernicano propuesto para lasprácticas pedagógicas.

Continuando con nuestraenumeración, entonces, aquí estaría untercer ejetercer ejetercer ejetercer ejetercer eje sobre el cuál trabajar: Una refor-ma integral no puede siquiera pensarse sincambiar de cuajo la formación y lacambiar de cuajo la formación y lacambiar de cuajo la formación y lacambiar de cuajo la formación y lacambiar de cuajo la formación y laactualización docentes tal como hoyactualización docentes tal como hoyactualización docentes tal como hoyactualización docentes tal como hoyactualización docentes tal como hoyexistenexistenexistenexistenexisten. Sobre la formación como progra-ma de futuro, a mediano y largo plazo, so-bre la capacitación para trabajar en latransformación de métodos y procesos enlo inmediato, y para asegurar un sistemareal de formación continua.

La transformación de las prácticasdebe abordar también, como cuarto ele-como cuarto ele-como cuarto ele-como cuarto ele-como cuarto ele-mento, la apertura de los espacios demento, la apertura de los espacios demento, la apertura de los espacios demento, la apertura de los espacios demento, la apertura de los espacios delas instituciones educativas a lalas instituciones educativas a lalas instituciones educativas a lalas instituciones educativas a lalas instituciones educativas a lacomunidad, utilizando los mismoscomunidad, utilizando los mismoscomunidad, utilizando los mismoscomunidad, utilizando los mismoscomunidad, utilizando los mismoscomo centros vivos de actividadescomo centros vivos de actividadescomo centros vivos de actividadescomo centros vivos de actividadescomo centros vivos de actividadesculturales, deportivas, barriales, y todaculturales, deportivas, barriales, y todaculturales, deportivas, barriales, y todaculturales, deportivas, barriales, y todaculturales, deportivas, barriales, y todaotra que pueda ser considerada váli-otra que pueda ser considerada váli-otra que pueda ser considerada váli-otra que pueda ser considerada váli-otra que pueda ser considerada váli-dadadadada. Por supuesto, el principal objetivo de estecambio debe ser el permitir a los estudiantessentir que pueden hacer cosas “divertidas” yorganizadas por ellos en la escuela, en lalínea de la apertura de centros culturalesjuveniles y programas del tipo “escuelaabierta”. Pero también, involucrar cada vezmás a la comunidad en la discusión yresolución de problemas en la escuela,invitándolos a una participación activa y real,no encorsetada sólo a los problemas de laconvivencia. Trabajar de este modo, requerirá

la presencia en las escuelas de profesionalesque puedan ser parte de todo este proceso,ya sean maestros y profesores o no, pero encualquier caso como parte de las actividadescurriculares, del modo “normal” de la escuelay no como una suerte de “dimensión parale-la” de la escuela que funciona en el mismoespacio físico.

En este mismo sentido, lalalalalaexploración de una mayor aperturaexploración de una mayor aperturaexploración de una mayor aperturaexploración de una mayor aperturaexploración de una mayor aperturademocrática real en el gobierno dedemocrática real en el gobierno dedemocrática real en el gobierno dedemocrática real en el gobierno dedemocrática real en el gobierno delas insti tuciones educativas,las insti tuciones educativas,las insti tuciones educativas,las insti tuciones educativas,las insti tuciones educativas,constituye un quinto desafío a consi-constituye un quinto desafío a consi-constituye un quinto desafío a consi-constituye un quinto desafío a consi-constituye un quinto desafío a consi-derarderarderarderarderar. Desde luego que decir esto no signi-fica el no reconocimiento de los diferentessaberes y competencias funcionales quedocentes, directivos, técnicos, padres yalumnos tienen con respecto a la escuela.Pero sí significa que la racionalidad buro-crática opera con peso aplastante, contrael que es preciso actuar con decisión parapoder enraizar un proceso verdaderamentedemocrático en la institución. Discriminarentre esferas de competencia técnica (laspedagógico-didácticas) en los que los do-centes deben cumplir un rol central y esfe-ras de competencias “sociales” (y políticassi se quiere) en las que el conjunto de lacomunidad educativa pueda participar, esun buen paso para “no mezclar lahacienda”, y es indispensable para ubicar acada actor en el escenario en el que puede– y debería – desempeñarse mejor.

Por último, como sexto eje ,como sexto eje ,como sexto eje ,como sexto eje ,como sexto eje ,creemos que también se requiere decreemos que también se requiere decreemos que también se requiere decreemos que también se requiere decreemos que también se requiere deun mayor desarrollo de modalidadesun mayor desarrollo de modalidadesun mayor desarrollo de modalidadesun mayor desarrollo de modalidadesun mayor desarrollo de modalidadesinteractivas de la enseñanza/interactivas de la enseñanza/interactivas de la enseñanza/interactivas de la enseñanza/interactivas de la enseñanza/aprendizajeaprendizajeaprendizajeaprendizajeaprendizaje, que puede y debe beneficiarsedel empleo de las tecnologías de

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información y comunicación (TIC’s), integra-das en el proceso educativo mismo, y nocomo una asignatura separada o comocompetencias y saberes extra escolares.

Lo concretoLo concretoLo concretoLo concretoLo concreto

En la Argentina, una de las cuestionesque han quedado más expuestas de laaplicación de la Ley Federal, ha sido latransformación de estructuras del sistema. Poreso, no creemos que sea una solución el “vol-ver atrás”, reinstalando la escuela primaria yla secundaria, como si no se hubieseproducido la modificación de la EGB y elPolimodal. Proceder de esa forma, sería vol-ver a cometer los mismos errores, inaugu-rando un tiempo de inestabilidad innecesario.

Por el contrario, explorar iniciativascomo la que parece despuntar en laProvincia de Buenos Aires, en las que sebusque reorganizar la actual estructura endos ciclos de seis años, con sus divisionesintermedias en sub ciclos de tres, parecemucho más sensato y permite organizaruna transición sin sobresaltos. Considera-mos que uno de los problemasfundamentales de la implementación de laLey Federal en la Provincia de Buenos Aires,estuvo ligado a la primarización del primerciclo de la enseñanza secundaria (actualEGB 3), lo que resultó en un gran descalabrodel sistema, que no debe volver a repetirse.

De este modo, podría comenzar aproducirse una posibilidad real de introducirpaulatinamente una estructura más abiertade la enseñanza, que permita a partir delcomienzo del segundo ciclo (actual tercer ci-clo de la EGB), la combinación de asignaturas

obligatorias y optativas, siempre que secumplan los objetivos mínimos a lograr encada etapa. Lógicamente, esto debetrabajarse con los estudiantes desde antes,para que tengan elementos para poder dis-criminar y realizar esta tarea. Por eso creemosque, en una primera etapa, debiera realizarseuna experiencia piloto en el actual Polimodal(último sub ciclo de tres años), habiendotrabajado previamente con la cohorte queingrese al 7° grado en el año 2007 (y en losaños sucesivos), poniendo a funcionar laexperiencia para esta cohorte en el 2010 ycontinuándola en los años posteriores.Mientras tanto, puede trabajarse con quienesingresen a 4° grado en ese último año parair incorporando elementos para que puedantener asignaturas electivas a partir del mo-mento en que ingresen a su 7° grado en elaño 2013.

Como es obvio, para que todo estosea posible, debe trabajarse en formasimultánea en un rediseño de los currículosque permita un plan de estudios como elaquí esbozado y que incluya, también, elreconocimiento de saberes y competenciasadquiridos fuera de la estructura educativaformal. Para esto último, sugerimoscomenzar por hacerlo efectivo para laeducación de adultos, también a partir delaño 2010, aún cuando creemos que debeconsiderarse -más adelante en el tiempo-como algo posible a partir del segundo ciclo.

En cuanto al mejoramiento/aseguramiento de la calidad educativa,creemos que deben introducirse prácticasde evaluación, de modo paulatino en to-dos los niveles, poniendo especial énfasisen los procesos de auto evaluación

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institucional. De esta manera, se buscaráasegurar un fuerte compromiso de todoslos actores involucrados en la detección delos problemas y los caminos de resoluciónde los mismos, haciendo de esta mismapráctica un proceso pedagógico y no unaimposición externa con “aroma” a control.

Por otra parte, sí es necesario otorgardesde el Estado mayores garantías encuanto a la certificación de saberes ycompetencias obtenidos, que ya noaseguran que se hayan adquirido por el solohecho de poseer un diploma de bachiller,polimodal u otro cualquiera, por ladevaluación de las titulaciones.

Un modo posible para restaurar laconfianza y redoblar los esfuerzos de lasinstituciones y los actores educativos parasuperar tal estado de cosas, se puede planteara partir de la introducción de evaluacionesfinales de carrera, tanto en la enseñanza su-perior como en la media. Creemos que esnecesario, para ello, diseñar un cronogramaposible y realista, lo que significa – a nuestrojuicio – comenzar a preparar el terreno a par-tir de evaluaciones no obligatorias desde elaño 2008, que luego de un proceso de trabajoen las modificaciones que se proponen,comenzaran a ser exigibles a partir del año2015, teniendo ya suficiente experiencia yantecedentes acumulados.

Como se ha sugerido, tambiéndebería trabajarse -de modo simultáneo-,en la construcción de una agencia especi-alizada, capaz de otorgar las garantíasnecesarias a todos los actores involucradosacerca de la transparencia de losprocedimientos y la imparcialidad de los

juicios evaluativos. Para esto, bien podríatomarse nota de la experiencia desarrolladapor la CONEAU para el nivel superior, en loque pudiera ser aplicable.

Yendo a la labor docente, se imponeuna jerarquización de funciones que debecontemplar un indispensable plan derecomposición salarial plurianual acorde alas necesidades y jerarquía de la tarea, peroque – como hemos dicho –, no debequedarse allí. Debe ligarse esta recompo-sición salarial de modo indisoluble con unblanqueo de la planta docente real al fren-te de clases y en otras funciones del sistemaeducativo, como primer paso para no pos-tergar una tarea indispensable parajerarquizar realmente la labor educativa.

También, es necesario un trabajo dereconversión paulatino y acordado de las es-calas salariales vigentes, que premian laantigüedad como único criterio paraincrementar el salario. Indudablemente, es ésteun tema espinoso y difícil de trabajar, pero esposible de ser consensuado abordando unadiscusión de mediano y largo plazo, que ar-ranque de niveles dignos garantizados.

Es imprescindible crear una nuevaescala asociada con la mayor preparacióny dedicación a la tarea, basada encompetencias ciertas y no en puntajes cons-truidos en base a cursos que sólo sumaneso: puntos. Dicho de otra forma, lacapacitación continua debe ser radicalmen-te modificada y debe ligarse centralmenteal proceso de reconversión de la planta.

Con respecto a la formación docente,esto significa la transformación de losactuales IFD en instancias asociadas con,dependientes de, o transformadas en

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instituciones universitarias; ya sea quearticulen con universidades de su regiónpasando a ser una suerte de colegios uni-versitarios, que pasen a ser subsedes de lasmismas o que se creen nuevas universidadespedagógicas. Lo central de este planteo esque deben mejorar su nivel, transformandosus métodos y contenidos de enseñanzapara poder formar docentes capaces de“aprender a aprender” ellos mismo y trans-mitirlo luego en su práctica cotidiana al frentede clases. Pero también quiere decir quedeberán plantearse planes de estudio simila-res a los de cualquier carrera de grado univer-sitaria, con cuatro años y dos mil setecientashoras como mínimo en los currículos, y conla posibilidad de integrar el postgrado comoparte de la formación continua.

Plantear esto no significa minusvalorarni desestimar los saberes y competencias delos actuales maestros y profesores, pero síseñalar que los mismos se sostienen en suesfuerzo y compromiso personales y no enuna formación adecuada y de calidad.

Aceptar una propuesta como la aquíesbozada requiere, una vez más, de un planpara la transición, en la que debe co-menzarse por establecer un plan de estudiosde base común para el magisterio yprofesorado, con alcances de los títulos ycontenidos mínimos, así como flexibilidadsuficiente para contemplar las distintas re-alidades jurisdiccionales en las que deberándesempeñarse los futuros docentes.Mientras se producen las transformacioneshacia estructuras universitarias, debencomenzar a aplicarse estos nuevos planesen la formación de quienes ingresen.Estamos convencidos de que esto es

posible y, de que es necesario comenzar ahacerlo no más allá del año 2008, logran-do tener una primera cohorte recibida conlos nuevos planes para el 2012.

En simultáneo, deberá trabajarse conla planta actual y los que se reciban hastael comienzo de los nuevos planes, paraasegurar una formación de igual calidadpara los mismos. Se requiere modificar,entonces, el concepto mismo de laformación continua tal como hoy estáplanteada. Una primera tarea en ese senti-do será la de asegurar ciclos decomplementación curricular que permitana maestros y profesores completar suformación para equipararse con los nuevoscolegas. Pero a diferencia del esquemaactual, donde esa es una tarea de esfuerzoindividual y de acuerdo a las propias yescasas posibilidades del docente (portiempo y dinero), sostendremos la necesidadde que se concerte un plan entre el EstadoNacional, las jurisdicciones y las universida-des para permitir que todos los docentespuedan, en un plazo amplio y razonable,acceder a estos ciclos de complementacióncurricular. En concreto, creemos que debebecarse a los docentes y/o liberarlos detareas para que puedan hacerlo. Y comoes obvio, para eso hace falta unaplanificación, dado que no sería posible quecada quien lo decida por su cuenta parano generar problemas en el dictado declases. Pero debiera encararse un plan inte-gral por el cual todos los docentes a quienesles falten más de diez años para jubilarse,pudieran – y debieran – cursar estos ciclosen un período no superior a diez años apartir del 2007. Idealmente, esto permitiría

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que con duración promedio de dos añospara cada ciclo de este tipo, se pudiera or-denar para que un quinto del total de lapoblación docente del país, por vez, pudieraestar afectado a su formación y desafectadoparcial o totalmente del dictado efectivo declases. De esta manera, para el 2018 sehabrá completado la mayoría de lareconversión formativa aquí propuesta sinque se produzcan situaciones dificultosaspara el normal dictado de las clases. Adici-onalmente, como incentivo para quienescompleten estos ciclos, debiera plantearseun reescalafonamiento que implique elingreso a una nueva grilla salarial, conmayores aumentos.

Por otra parte, la formación continuaseguirá siendo necesaria en cualquier caso,y aquí será necesario diseñar (y/o autorizara los privados a hacerlas) ofertas definidascomo necesarias que estén disponibles enforma planificada y que hayan sido pre-seleccionadas por las autoridadeseducativas competentes, no dejándolaslibradas al mercado o a lo cursos que“pueden darse”.

Queremos introducir aquí otrapropuesta que debe ligarse con lo quevenimos diciendo sobre la reconversión ytransformación de la planta docente.

Actualmente, en la absoluta mayoríadel sistema educativo, no hay mayordiferenciación de funciones entre los maes-tros y los profesores, más allá de laespecialización por áreas o asignaturas.Pero no hay, prácticamente, organizaciónjerárquica interna, como no sea la propiafunción directiva de los establecimientos. Detal suerte que la única expectativa posible

de “ascenso” en la carrera docente estádada por la antigüedad, en cuanto a loeconómico, y por ser algún día directivo, encuanto a la jerarquización. Esto presentavarios problemas: por un lado, la experienciano necesariamente prepara para ladirección y administración escolar ,requiriéndose saberes y competencias es-pecíficos para ello. No debe seguir siendopráctica corriente que el maestro que ya nopuede estar al frente de un grado termineocupando tareas de supervisión o direcciónporque “le toca”. Por otro, iguala a todoslos maestros y profesores al frente de clasesen sus funciones, más allá de susexperiencias, conocimientos y rendimientosefectivos, sin “premiar” de alguna manerael esfuerzo y la dedicación a la tarea.

Lo que proponemos es que seestablezca, al menos como modelo experi-mental, en una primera fase, un modelodepartamental, con tareas de coordinacióny planificación del aprendizaje por áreas odepartamentos, en los que se centre laactualización e innovación pedagógica y –¿por qué no? – la investigación. De estamanera se introduciría un trabajo máscolectivo y enriquecedor para docentes yalumnos, permitiendo – también – unavalorización de aquellos que másdestaquen en su esfuerzo, al asumir tareasde coordinación pedagógicas.

Sin duda, una propuesta como estarequerirá de mayores tiempos para su imple-mentación, pero se verá facilitada por el cam-bio gradual en la formación docente, quetornará más natural para estos un modelocon mayores similitudes al de la enseñanzasuperior, no para reproducir sus defectos (cá-

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tedras cerradas, feudalización del conoci-miento, etc.), sino para rescatar sus virtudes.

En cuanto al cuarto eje de reformaspropuesto, queremos hacer hincapié en queno se trata, tan sólo, de “abrir” las escuelaspara otros usos fuera de los horarios de clase.Sin duda, este es un primer paso bastantesencillo de dar y para el que existen nume-rosas prácticas nacionales e internacionalesexitosas de referencia. No queremos decir queesto, de por sí, no sea ya un paso muy im-portante para la socialización de niños yjóvenes, con efectos reales sobre prevencióny reducción de daños, como lo muestran lasexperiencias de referencia.

La cuestión central para nosotros, esque se trata de convertir a éste en un ejearticulador de la relación con la comunidady del involucramiento progresivo de lamisma en las discusiones y decisiones rela-tivas a la institución. Para lograr esto serequiere de una apropiación objetiva y sub-jetiva por parte de los actores socialeseducativos y comunitarios.

Hablar de esto nos lleva decidida-mente a la cuestión de la democratizaciónreal de las instituciones. Como se ha insi-nuado, no estamos diciendo que debansustituirse las funciones de las autoridadesescolares, sino que las instituciones debenconvertirse cada vez más en “escuelas dedemocracia”, lo que implica, por sobre to-das las cosas, un gobierno más participativoy abierto, con espacios previstos para estocomo parte del proceso pedagógico mismo.Instancias como los consejos de convi-vencia, asambleas escolares y similaresdeben ser trabajadas con más fuerza yconstancia. Y es oportuno señalar que para

ello deben resolver cuestiones de interéspara los estudiantes y la comunidad y nosólo para hacerlos corresponsables de lassanciones y la resolución de problemas.

Por último, en cuanto a la integraciónde las TIC’s en el proceso de enseñanza/aprendizaje, somos concientes de que deman-dará importantes inversiones continuadas alo largo de varios años. Sin embargo, ello ser-virá de muy poco si el equipamientodisponible es “parte” de la enseñanza comouna asignatura más y no se integran lasmuchas o escasas posibilidades de uso en elproceso pedagógico como una herramientacentral para ayudar a descubrir, buscar,clasificar, conceptualizar y comunicarse. El usode programas de computación específicospara la educación puede ayudar mucho enesta tarea, así como el compartir saberes yexperiencias que los estudiantes tambiénadquieren fuera del ámbito escolar.

Lo urgente (para concluir)Lo urgente (para concluir)Lo urgente (para concluir)Lo urgente (para concluir)Lo urgente (para concluir)

A nuestro juicio, lo primero que debehacerse es detener el proceso dedegradación de la calidad, actuando sobresus efectos más inmediatos.

Debe también priorizarse el procesoestructural de reforma de la formación do-cente con la mayor celeridad posible,partiendo, como se ha dicho, de un esque-ma salarial digno. Con estas precondiciones,exigir sí el cumplimiento de un calendarioescolar ajustado a la realidad y a los déficitsque se vienen arrastrando, para intentarpaliarlos tanto como sea posible.

Creemos que un programa como elaquí esbozado sólo será posible si existe

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un compromiso serio:• para propiciar una evaluación integral

que de inicio a un profundo debate acer-ca de las tareas necesarias para remon-tar la declinante pendiente de laeducación argentina, como primer paso;

• que dé origen a un programa de refor-mas sostenidas en el tiempo y con lasgarantías de la inversión necesaria, a seraplicada a las políticas pactadas;

• de la comunidad y los actores socioe-ducativos de sostener el esfuerzo a lolargo de los años;

• de las jurisdicciones provinciales (para elcaso argentino) de blanquear las plantasdocentes reales y jerarquizar la función;

• del Estado Nacional de promover ysostener un programa tal.

Finalmente, en una “reforma de la

reforma” debe contemplarse la perspectivade integración regional, para desandar elcamino de reformas dependientes y cons-truir auténticas políticas de convergencia. Yesto debe plantearse en todos los aspec-tos, no sólo en cuanto a los contenidos, sinoen la promoción de criterios similares en lasdiscusiones que se planteen en los ámbitoscolectivos, de manera de ir convergiendoaún más en la concertación de políticaseducativas comunes de la región.

NotasNotasNotasNotasNotas1 PEDRÓ y PUIG, 1998.2 PUELLES BENÍTEZ de y MARTÍNEZ BOOM, 2003.3 Idem.4 TIRAMONTI, 2005.5 HARDT, Michael y NEGRI, Toni, 2002. VIRNO, Paolo,2003.6 HERMO, Javier, 2004.

ReferenciasReferenciasReferenciasReferenciasReferencias

HARDT, Michael; NEGRI, Toni. Imperio. Colección Estado y Sociedad. Paidós, Buenos Aires, 2002.

HERMO, Javier. Servicios Educativos y Profesionales. Una visión sobre su regulación posible.Publicación del “Taller sobre Reglamentación Nacional”. Realizado por la Organización Mundialde Comercio (OMC) en su sede. 10 p. Ginebra, marzo 2004.

PEDRÓ, Francesc; PUIG, Irene, 1998. Las reformas educativas. Una perspectiva política y com-parada. Paidós. Barcelona, 1998.

PUELLES BENÍTEZ, Manuel de; MARTÍNEZ BOOM, Alberto, 2003. La reforma de los sistemaseducativos. Módulo II. Curso Experto Universitario en Administración de la Educación. UniversidadNacional de Educación a Distancia (UNED). Madrid, 2003.

TIRAMONTI, Guillermina, 2005. La escuela, en la encrucijada. Diario Clarín. Buenos Aires, 12/05/05.

VIRNO, Paolo, 2003. Gramática de la multitud. Para un análisis de las formas de vidacontemporáneas. Puñaladas ensayos de punta, Colihue. Buenos Aires, 2003.

Recebido em 05 de novembro de 2005.Recebido em 05 de novembro de 2005.Recebido em 05 de novembro de 2005.Recebido em 05 de novembro de 2005.Recebido em 05 de novembro de 2005.Aprovado para publicação em 29 de novembro de 2005.Aprovado para publicação em 29 de novembro de 2005.Aprovado para publicação em 29 de novembro de 2005.Aprovado para publicação em 29 de novembro de 2005.Aprovado para publicação em 29 de novembro de 2005.

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Sêneca: o papel do sábio na formação daSêneca: o papel do sábio na formação daSêneca: o papel do sábio na formação daSêneca: o papel do sábio na formação daSêneca: o papel do sábio na formação dahumanidadehumanidadehumanidadehumanidadehumanidadeSeneca: the role of the sage in the formation ofhumanity

José Joaquim Pereira Melo

Doutor em História, professor do Departamento de Funda-mentos da Educação e do Programa de Pós-Graduaçãoem Educação da Universidade Estadual de Maringá.e-mail: [email protected]

ResumoResumoResumoResumoResumoPropõe-se com o presente artigo proceder a algumas reflexões sobre a proposta de educação de Sêneca eo papel que, nela, ele atribui ao sábio. Situando Sêneca em seu momento histórico, quando o romano seconsiderava um porta-voz da universalidade humana, procura-se detectar o processo de pensamento queo levou a conceber o sábio como o homem ideal para se dedicar à educação da humanidade. SegundoSêneca, as verdades encontradas e acumuladas na sua caminhada rumo à perfeição qualificam-no paraexercer esse magistério. Assim sendo, o sábio, ponto culminante da dinâmica formativa e maior estágio deaperfeiçoamento alçado pelo homem, deveria abandonar as demais atividades civis e públicas para setornar o referencial educacional dos homens em busca da virtude e da perfeição.

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chaveSêneca; formação; sábio.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractThe present article intends to proceed with some reflections on Seneca’s proposition of education and thepart that he attributed to the sage. Placing Seneca in his historical moment, when the Roman manconsidered himself as a spokesperson for human universality, we intend to detect the process of thoughtthat took him to conceive the sage as the ideal man to be dedicated to the education of humanity.According to Seneca, the truths found and accumulated on his road to perfection qualify him to exercisesuch work. In this way, the sage, the culminating point of the formative dynamic and the greatest phase ofimprovement reached by man, must abandon all other civil and public activities to become the educationalreference of humankind in search of virtue and perfection.

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsSeneca; formation; sage.

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A vida e a obra de Sêneca1 forammarcadas por um contexto histórico queapresentava dois pontos de convergência:a relevante vigência do estoicismo e a per-manência operativa do helenismo no mun-do romano.

Três fatos significativos podem sertomados como referência e ponto de parti-da para as reflexões sobre Sêneca e suaépoca: 1) o desaparecimento dos grandespensadores do período clássico grego, cujoresultado foi a fragmentação do antigo sis-tema filosófico em escolas e sistemas di-versos, tais como: ascéticos, epicuristas,peripatéticos; 2) o esvaziamento do proces-so criador da cultura grega: o helenismotrouxe consigo, como corolário da épocaprecedente, a tecnificação e a aplicabilidadeda reflexão. As ciências ou saberes particu-lares tinham começado a se desvincular dotronco filosófico, o qual, por sua vez, trans-formou-se numa ciência voltada para osgrandes problemas do homem; 3) essesnovos tempos foram marcados por umaagitação e uma instabilidade que levaramo homem livre a buscar segurança e tran-qüilidade na filosofia, já convertida em guiaespiritual e diretora da vida humana, comum marcado interesse por temas e proble-mas humanos, em sua dimensão existen-cial (REDONDO e LASPALAS, 1997).

Em contato com a cultura grega, osromanos entraram na órbita do helenismoe, sobre seu complexo modelo de saberes,recriaram um outro modelo, mais de acor-do com seu espírito prático, pouco dado àsgrandes reflexões filosóficas. Na organiza-ção de sua própria identidade cultural, asgrandes elaborações teóricas características

da cultura grega não tiveram espaço naEstoá dos romanos.

O apreço do estoicismo ao dever e àautodisciplina e sua sujeição à ordem natu-ral das coisas vinham ao encontro das an-tigas virtudes romanas e dos seus hábitosconservadores, bem como de sua insistêncianas obrigações cívicas. Enfim, sua doutrinaa respeito do cosmopolitismo estava deacordo com a mentalidade política romanae com o orgulho de ser um império mundial.

De forma específica, de maneira não-marginal, o estoicismo romano colocou emdiscussão a pedagogia, a qual, com a no-ção de humanistas, tornou-se ponto centralda cultura e da formação do homem roma-no. Naquele momento, em Roma, o homemsentia-se revestido de uma humanidadeuniversal, deixando de se considerar ape-nas um cidadão ligado ao mos maiorum eao papel de civis romanus. Foram, assim,criados modelos de pedagogia estritamenteligados ao saber mais universal e autôno-mo, o saber filosófico (CAMBI, 1999).

Como não podia ser diferente, essapreocupação pedagógica marcou a refle-xão de Sêneca, transformando-o em umadas vozes romanas mais importantes e sig-nificativas em matéria de pedagogia, con-forme se pode observar em alguns dos seusDiálogos: Sobre a brevidade da vida, Sobrea tranqüilidade da alma, Sobre o ócio, e,particularmente, as Cartas de Lucílio. Estasúltimas constituem um modelo pedagógicoque desembocava num processo de auto-educação: “Ainda resta muito trabalho afazer. Se desejais atingir este objetivo, care-ces de muita atenção da minha parte, mastambém de bastante esforço da tua. A vir-

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tude não se conquista por procuração” (Car-tas 27,4).

Mesmo reconhecendo a contribuiçãoque o processo educativo poderia receberdo mundo exterior, Sêneca considerava quea chave da formação radicava no esforçopessoal do indivíduo para se educar. Nofundamental, nada poderia substituir a pró-pria formação.

Para ele, a direção desse processosomente seria possível com o entendimentoda condição humana: que é o homem, qualo seu destino, qual é seu bem supremo?

Para a primeira questão, a respostade Sêneca é uma definição clássica: o ho-mem é um animal racional. A plenitudehumana se realizaria se o homem cumpris-se o fim para o qual nasceu: “viver confor-me a natureza”. Para ele, essa máxima ti-nha um conteúdo metafísico, uma vez quea natureza era entendida como umaespecificidade do homem, ou seja, este eranaturalmente dotado de razão. Logo, “vi-ver segundo a natureza” significava desen-volver esse potencial (GARCÍA GARRIDO,1969). Essa submissão à ordem Universal,cuja inexorabilidade era racionalmente re-conhecida, deveria ser espontânea. Por essecaminho chegava-se à virtude, ao bemmaior, à felicidade suprema (REALE, 1994),a qual, por extensão, era o objetivo funda-mental da educação.

Qual é a qualidade exclusiva do homem?A razão: quando a razão é plena e consu-mada proporciona ao homem a plenitu-de. Por conseguinte, uma vez que cadacoisa quando leva à perfeição a sua qua-lidade específica se torna admirável e atin-ge a sua finalidade natural, e uma vezque a qualidade específica do homem é

a razão, o homem torna-se admirável eatinge a sua finalidade natural quandoleva a razão à perfeição máxima. À razãoperfeita chamamos a virtude, a qual é tam-bém o bem moral (Cartas 76, 10-11).

Chegando a esse estágio, o proces-so formativo fluiria de maneira rápida etranqüila. Entretanto, Sêneca identificou umsério obstáculo que comprometia o seudesenvolvimento: o caráter racional da almacolocava o homem acima dos demais se-res do universo. Por ser ela algo “divino”,detinha força e poder singular: era “um deusque se hospeda no corpo humano” (Car-tas 31, 11). No entanto, essa mesma alma,em virtude da qual a natureza humanaguardava um certo parentesco com a “di-vindade”, raiz de todas as suas perfeições,se achava presa no corpo humano, comoem um cárcere. Em grande medida, era li-mitada e condicionada por ele: o corpoconstituía para a alma um obstáculo quea impedia de alçar às alturas da perfeiçãoa que era chamada. Em rigor, a parte supe-rior e mais nobre da natureza humana seachava submetida e escravizada, exata-mente por aquela parte tida como inferior.

De facto este nosso corpo é para o espíritouma carga e um tormento; sob o seu pesoo espírito tortura-se, está aprisionado, amenos que dele se aproxime a filosofiapara o incitar a alçar à contemplação danatureza, a trocar o mundo terreno pelomundo divino. Esta a liberdade do espírito,estes os seus vôos: subtrair-se ocasional-mente à prisão e ir refazer as forças nofirmamento! (Cartas 65, 16).

Esta era, para Sêneca, a lamentávelcondição em que se encontrava o ser hu-mano, cuja difícil existência radicava nãosomente na escravidão, mas também na

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enfermidade provocada pelas paixões, ver-dadeiras úlceras da alma, pois a alma, sub-metida pelas paixões, tornava-se enferma.

Como resultado desse quadro, sur-gia o “homem vencido” (GARCÍA GARRI-DO, 1969). Enquanto “dona de si mesma”,porém, a alma tinha forças para ajudar ohomem a reverter esse quadro e, neste caso,o otimismo pedagógico que Sêneca pro-fessava passava pela razão e pela lutaascética:

A natureza deu-nos energia suficiente. Aquestão está em aproveitá-la, em juntartodas as nossas forças e pô-las ao nossoserviço ou, pelo menos, em não as virarcontra nós mesmos. A falta de forças nãopassa de pretexto; o que temos na reali-dade é falta de vontade! (Cartas 116, 8).

Esse processo, segundo Sêneca, so-mente poderia ser alcançado por meio daliberdade. Esta possibilitava as condiçõesnecessárias para que o homem encontras-se o caminho da perfeição e da superaçãode qualquer forma de opressão que pudes-se enfrentar em relação ao corpo, às paixõessensuais, aos bens materiais e até mesmoà morte.

Neste sentido, o homem deveria lu-tar para se libertar dos limites a que estavasubmetido e, para Sêneca, cabia à educa-ção ajudá-lo a alcançar esse objetivo. Ape-sar da importância que ele atribuía à liber-dade, não entendia que ela, por si, tivessecondições de levar ao processo autofor-mativo. Era necessário que fosse acompa-nhada da vontade do homem para realizá-lo. Segundo ele, o exercício da vontade eraelemento fundamental no processoautoformativo: “aquilo que pode fazer de ti

um homem de bem existe dentro de ti. Paraseres homem de bem só precisas de umacoisa: a vontade” (Cartas, 80, 4).

A importância da vontade torna-semaior quando o objetivo é o progressomoral, independentemente dos problemase das dificuldades a serem enfrentadas aolongo da sua realização. “... E então? – di-rás. Tem sido essa a minha vontade” (Car-tas 34, 3).

Respaldada pela razão, a vontadeganha força decisória: distingue o moral doimoral, indica o caminho do bem e desvia-se da prática do mal, em uma dinâmica facili-tadora da felicidade. Em Sêneca, o fato de,ao nascer, o homem trazer consigo as condi-ções para o bem, não o dispensava da suavontade para desenvolvê-lo (OLIVEIRA,1998) e efetivá-lo, principalmente quando setinha em conta que se tratava de uma deter-minação da natureza. “Só há uma solução,portanto: ser firme e avançar sem descanso[...], mas grande parte do progresso consistena vontade de progredir” (Cartas 71, 36).

Mas, para Sêneca, caso o homem nãooptasse por um modelo a ser seguido, avontade por si própria não era suficientepara que a educação fosse realizada. A ca-minhada autoformativa, por ser uma práti-ca solitária, revestia-se de grande dificulda-des, como era o caso das interferências ex-ternas e dos retrocessos provocados pelafalta dos conhecimentos necessários quepoderiam suavizar sua realização. O mode-lo, por conhecer as pegadas que levavam àperfeição, orientaria a direção a ser tomada,o momento de avançar e o momento deparar (PRADO, 1946, p. 47). Assim, o recursode um modelo possibilitaria segurança para

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se atingir o objetivo e seguir o caminho daperfeição, consciente e acertadamente.

Os espíritos mais fracos, contudo, necessi-tam de alguém que os guie, dizendo: “De-ves evitar isso, deves fazer aquilo”. Alémdisso, se quisermos esperar a altura emque, por nós mesmos, saibamos qual omelhor modo de agir, iremos entretantocometendo erros impedir-nos-ão de atin-gir um ponto em que possamos estar con-tentes conosco; devemos deixar-nos guiarenquanto ainda estamos aprendendo aguiar-nos por nós mesmos. Também ascrianças aprendem a escrever pelo exem-plo: pega-se-lhes nos dedos, a mão domestre guia-os sobre os desenhos das letras,depois diz-se-lhes que imitem o modeloapresentado, e que por ele corrijam a suacaligrafia. Um tal auxílio deve ser dado aonosso espírito enquanto aprende a guiar-se por um modelo [...] (Cartas 94, 50-51).

Segundo Sêneca, a história é gene-rosa nesse sentido, pois oferece a memóriade homens cujas existências são verdadei-ros exemplos para a humanidade e queestão sempre à disposição para atender aosque a eles recorrem.

[...] aqueles fundadores das sublimes filo-sofias nasceram para nós [...]. Podemosdiscutir com Sócrates, duvidar comCarnéades, encontrar a paz com Epicuro,vencer a natureza humana com a ajudados estóicos, ultrapassá-la com os cínicos[...]. Nenhum deles deixará de estar à nos-sa disposição, nenhum despedirá o que oprocurar, sem o que faça mais feliz e maisdevotado a ele, nenhum permitirá a quemquer que seja partir de mãos vazias; elespodem ser encontrados por qualquer ho-mem, tanto durante o dia como à noite(Sobre a brevidade da vida, XIV, 1-2-5).

Apesar desse conteúdo fecundoencontrado nos grandes homens, Sêneca

recomendava que, quando se sentisse se-guro em relação aos seus propósitos, o alu-no se afastasse do seu guia, por já estarem condição de dar continuidade a sua ca-minhada evolutiva rumo à perfeição.

Mas, a liberdade, a vontade e a exis-tência de um modelo não teriam sentidose parte do tempo não fosse dedicado àreflexão, o que levou Sêneca a consideraro “ócio útil” como a esfera privilegiada paraa realização do processo educativo.

Munido dessas condições, o homemestaria apto para iniciar a sua busca pelasabedoria, a qual levaria à felicidade. Estaconfigurava-se, para Sêneca, como o fim davida humana e, portanto, como o fim daeducação.

Desta forma, Sêneca punha em des-taque a capacidade do homem para seautodirigir e, sustentado pela moral e pelarazão, reconhecer-se como parte integran-te de um todo (ULLMANN, 1996). Seu con-ceito de educação fica explícito em algu-mas das suas sentenças:

[...] de nada serve o ouro a prata: com estesmateriais é impossível modelar a imagemda divindade (Cartas, 1991, 31-11).

[...] começarmos a formar e a corrigir anossa alma antes que as más tendênciascristalizarem (Cartas, 50-5).

Que a nossa alma, portanto, se habitue aentender e a suportar o seu destino [...](Cartas, 91-15).

Ninguém, a não ser que formado a partirda base e totalmente orientado pela razão,pode estar apto a conhecer todos seusdeveres e saber quando, em que medida,com quem, de que modo e por que razãodeve agir (Cartas 95,5).

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Para Sêneca, de um lado, o essencialna educação não era a aquisição de habili-dades intelectuais e a assimilação da cultu-ra, mas a regeneração do homem (Cartas,76, 4). De outro porém, considerava que esseprocesso não se fazia independentementeda dimensão intelectual. Assim, a regene-ração humana tornava-se viável quandoo aluno dominava as suas paixões e seencaminhava progressivamente a um pe-culiar saber de tipo soteriológico, nãomuito extenso, que Sêneca qualificava de“sabedoria”(REDONDO, 1997).

O saber, conforme entendia o pen-sador, não se limitava à compreensão dasleis do universo e à busca do fundamentoda realidade, mas tinha como função prin-cipal a formação do homem, indicar-lhecomo se conduzir, ou seja, que decisões eatitudes deveria tomar para se tornar umhomem novo.

Como o caminho que levava à sa-bedoria era a filosofia, a responsável pelaformação do homem, a ação educativa di-versificava-se e concretizava-se em ativida-des que lhe permitiam modelar a alma.

A filosofia, para Sêneca, não se resu-mia a preceitos ou a um saber teórico, masdefinia-se no exercício da virtude e mani-festava-se na própria vida (LI, 1998).

A filosofia não é uma habilidade para exi-bir em público, não se destina a servir deespectáculo; a filosofia não consiste empalavras, mas em acções. O seu fim nãoconsiste em fazer-nos passar o tempo comalguma distracção, nem em libertar o óciodo tédio. O objectivo da filosofia consisteem dar forma e estrutura à nossa alma,em ensinar-nos um rumo na vida, emorientar os nossos actos, em apontar-nos

o que devemos fazer ou pôr de lado, emsentar-se ao leme e fixar a rota de quemflutua à deriva entre escolhos. (Cartas 16,3).

Enquanto “pedagoga da humanida-de”, deveria chegar ao homem concreto,deveria ensinar a agir, não a falar (Carta,20, 30), determinar-lhe uma conduta práti-ca que fosse resultante da harmonia entreo interior e exterior.

Há, pois, uma coisa que te peço, meu caroLucílio, com todo o empenho; interiorizaa filosofia no mais íntimo de ti mesmo efundamenta a avaliação do teu progressonão em palavras que digas ou escrevas,mas sim na tua firmeza de ânimo e nadiminuição dos teus desejos, comprovasas palavras com os atos (Cartas, 20, 2).

Em síntese, a preocupação de Sênecaera chegar à formação de um homem ideal,um agente social que correspondesse àsnecessidades de uma sociedade em trans-formação.

Na perspectiva senequiana, a condiçãode sábio deveria ser o ponto culminante doprocesso educativo, pois era o maior estágiode aperfeiçoamento alcançado pelo homemque vivera segundo a prática da virtude.

El sábio no es insensible, experimenta laspasiones y el dolor, pero sabe sobreponersea ellas sometiéndolas a la razón. Nunca sedeja dominar por la ira, el odio ni la envidia.No puede vivir sin el cuerpo, pero procurano vivir para el cuerpo. No apega su corazóna las riquezas, ni se altera cuando las pierde.El sabio afronta los peligros, y lucha. Suvida es un esfuerzo heroico para no dejarsedoblegar por las adversidades, ni dejarsevencer por la fortuna. [...] El sabio debemantener por encima de todo una sereni-dade imperturbable [...]. Pero, si es vencidoen la lucha, el sabio se somete serena-mente al Destino, pero sin implorar

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clemencia, como el gladiador que cae antela espada de su vencedor. Así llega no soloa parecerse a los dioses, sino hasta ahacerce él mismo dios (SÊNECA apudFRAILE, 1971, p. 668)

Assim sendo, o sábio seria o homemque tem constância nas ações, nos atos enos propósitos, indistintamente das circuns-tâncias, boas ou más; não perde o seu tem-po com futilidades do mundo, nem se deixaenvolver pelos apelos materiais, nem pelasdistinções passageiras (SCHOPKE, 2002).Por ser senhor de si mesmo e por estar aci-ma de todas as contingências, atinge o idealda felicidade, está sempre feliz. SegundoSêneca, com essas características, o sábio éencontrado raramente, por extensão, nãoé um privilégio de todas as épocas.

Olha que um homem de bem não é coi-sa que surja e se reconheça por tal assimtão depressa! E sabes o que eu entendoaqui por “homem de bem”? Apenas o desegunda categoria, porque o de primeiraé como a fénix, que só aparece uma emquinhentos anos (Cartas, 42, 1).

Sua perfeição corresponde ao desen-volvimento das virtudes da natureza racio-nal do homem, o que pode ser alcançadopor qualquer um, desde que se aplique aoestudo e à prática da filosofia.

Enfim, todos os homens são iguais,portanto, todos eram instados a buscar asabedoria. “Que razão me impede de pen-sar que pode vir a ser sábio um homemque desconhece o alfabeto, uma vez que asabedoria não reside no alfabeto? (Cartas,88, 32)”. Entretanto, não se atingia a condi-ção de sábio de maneira apressada, a par-tir de um momento de “iluminação”, massim, mediante um esforço contínuo, uma

aplicação incessante e, sobretudo, um rigo-roso exercício da vontade.

Com este perfil, por estar habilitadoa despertar no homem, por meio do seuexemplo, o gosto pela prática da virtude epela perfeição, o sábio converte-se no mo-delo e no guia do processo autoformativoproposto por Sêneca. Como tinha alcança-do a qualidade de modelo, cujo brilho ful-gurava com força e efetividade para todosaqueles que o requisitassem, o traço fun-damental que caracterizava o sábio era asua competência para ser pedagogo dahumanidade. Ou seja, ele tinha adquiridoa única condição para atingir aintemporalidade (GARCÍA GARRIDO, 1969):uma sabedoria que não se limitava ao seutempo, mas avançava as centúrias em umadinâmica educadora de todos aqueles quepretendessem galgar a perfeição.

[...] aqueles fundadores das sublimes filo-sofias nasceram para nós, e eles nos pre-pararam o caminho para a vida. Graçasaos seus esforços, conduzem-nos das trevasà luz, aos mais belos conhecimentos. Nãonos é vedado o acesso a nenhum século,somos admitidos a todos; e se desejamos,pela grandeza da alma, ultrapassar os es-treitos limites da fraqueza humana, há umvasto espaço de tempo a percorrer. Pode-mos discutir com Sócrates, duvidar comCarneadas, encontrar a paz com Epicuro,vencer a natureza humana com a ajudados estóicos, ultrapassa-la com os cínicos.

Já que a natureza nos permite entrar emcomunhão com toda a eternidade, por quenão nos desviarmos dessa estreita e curtapassagem do tempo e nos entregarmoscom todo nosso espírito àquilo que é ili-mitado, eterno e partilhado com os melho-res? (Sobre a brevidade da vida, XIV, 1-2).

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E Sêneca conclui:Podemos afirmar que se dedicam a ver-dadeiros deveres, somente aqueles quedesejam estar cotidianamente na intimi-dade de Zenão, Pitágoras, Demócrito,Aristóteles, Teofrasto e os demais de virtu-de. Nenhum deles deixará de estar à nos-sa disposição, nenhum despedirá o que oprocurar, sem que faça mais feliz e devo-tado a ele, nenhum permitirá a quem querque seja partir de mãos vazias; e eles podemser encontrados por qualquer homem,tanto durante o dia como a noite.

Nenhum destes forçará tua morte, todosre ensinarão a morrer, nenhum dissiparáteus anos, mas te oferecerá os seus. Nun-ca a conversação com eles será perigosa,fatal a amizade ou onerosa a deferência.

Conseguirás deles tudo o que quiseres:não será deles a culpa se não tiveres exau-rido tudo o que desejas (Sobre a brevida-de da vida, XIV, 5 e XV, 1-2).

Nesse sentido, não se pode limitar aeficácia da ação do sábio, quer em vidaquer após a sua morte, desde que o ho-mem propenso ao ideal de perfeição bus-que com dedicação e perseverança o seuexemplo.

Revestido dessas qualidades, o sá-bio, quando aparecesse, teria condiçõespara ser o legislador, o jurista, o político,porquanto era ele quem melhor sabiadiscernir o que era justo e injusto para ohomem e para o Estado (ULLMANN, 1996).

Entretanto, Sêneca se reportava aoconselho deixado por Demócrito: “que nãotenhas muitas ocupações, nem em particu-lar nem em público, aquele que deseja vi-ver tranqüilo” (Sobre a serenidade da alma,XIII, 1), como indicativo de que ele conside-rava estas atividades infrutíferas e inúteis,

pois pouco contribuíam para o aperfeiçoa-mento humano. Em face disso, afirmavaque o sábio deveria somente se dedicar aosnegócios públicos enquanto a sua presen-ça fosse necessária ou enquanto tivessecondições para tal.

[...] enquanto valer a pena mantermo-nosfirmes no nosso posto, enquanto não for-mos constrangidos a fazer ou a suportarnada que seja indigno de um homem debem. Se for este o caso,o estóico não searruinará num esforço indigno e ultrajante,não se manterá activo apenas para semanter activo! [...] Quando o estóico se derconta de que está envolvido numa situaçãoopressiva, dúbia, ambígua deve recuar; nãovoltar as costas, mas sim retirar-se gradual-mente para lugar seguro (Cartas, 22, 8).

Sêneca parece encaminhar suas idéi-as para um sentido extremo, quando dá aentender a quase incompatibilidade entrea filosofia e a política (REDONDO eLASPALAS, 1997) e quando afirma:

Como pode de facto agradar ao vulgo al-guém a quem só a virtude agrada? Nãose conquista o favor popular por proces-sos limpos. Terás que igualar-se primeiroao vulgo, que só te aprovará quando teconsiderar um dos seus. Ora a tua forma-ção a opinião que tenhas sobre ti mesmoimporta muito mais do que a dos outros.A amizade de pessoas dúbias só se conci-lia por processos dúbios (Cartas 29, 11).

Nessa situação, para Sêneca, o ho-mem corria o risco de se transformar emum ser amargo e descontente, visto sernatural no homem de bem, a existência deuma alma ávida para atuar.

Essas coisas todas são mais graves quan-do, por ódio da sua infelicidade laboriosa,refugiaram-se no ócio e nos estudos soli-tários, aos quais não pode suportar uma

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alma elevada às coisas civis, desejosa deagir e inquieta por natureza, evidentemen-te pouco consolo encontrado em si mesmo.Por isso, tiradas as distrações que as pró-prias ocupações proporcionam aos queandam entre elas, o homem não suportaa casa, a solidão, as paredes e, contra asua vontade, ele se vê abandonado a simesmo. Daqui aquele tédio e desconten-tamento de si, a agitação da alma quenunca pára, e a triste e aflita paciência desua própria inanição [...]; daí a tristeza eabatimento e as mil flutuações da menteincerta, a quem as esperanças iniciadasmantêm suspensa, as fracassadas man-têm triste; daí aquela disposição dos quedetestam seu ócio e se queixam de nadater para fazer [...] (Sobre a tranqüilidadeda alma, VI, 9-11).

Por outro lado, para Sêneca, o sábio,antes de se afastar da vida pública, parabuscar refúgio na sua interioridade, deve-ria avaliar quais eram as verdadeiras cir-cunstâncias que o estavam levando a esseafastamento. O cidadão não podia se fur-tar à sua responsabilidade política com asimples justificativa de não ocupar um car-go na estrutura do poder.

Assim, ele propõe uma saída:Procuras saber que auxílio, segundo meujuízo, deve-se empregar contra esse tédio.O melhor era, como diz Antenodoro, ocu-par-se com a ação das coisas tanto notrato da república como nos deveres civis(Sobre a tranqüilidade da alma, III, 1).

Neste caso, o sábio teria outras for-mas de servir à república que não fosse aatuação política:

[...] ao ter em vista o tornar-se útil aoscidadãos e aos mortais, aquele que sepôs em meio a atividades, administrandosegundo sua possibilidade os assuntoscomuns e os particulares, acaba por

exercitar-se e progredir a um tempo. “Masporque nesta”, diz ele, “tão insana ambiçãodos homens, com tantos caluniadores adistorcerem as coisas corretas, pouco se-gura está a sinceridade e, uma vez quehaverá sempre mais dificuldades do quesucessos, do foro, de certo, e do cargo públi-co deve-se afastar-se. Mas até no particularuma alma elevada tem onde se desenvol-ver largamente, e não é porque o ímpetode leões e animais refreia-se com jaulas,que assim seria com o dos homens, cujasmaiores ações realizam-se em local apar-tado. Assim, todavia, ter-se-á ocultado, demodo que, onde quer que houver escon-dido seu ócio, quererá ser útil aos indiví-duos e a todos com seu engenho, vós,conselho. Pois à república não é útil so-mente aquele que apadrinha candidatos,defende réus e opina sobre a paz e aguerra; mas ocupa-se, no particular, deassunto público também aquele que exor-ta a juventude, aquele que em meio àtamanha falta de bons preceptores insi-nua às almas virtude, aquele que segurae afasta os que se precipitam ao dinheiroe à luxúria e, se não o consegue de todo,pelo menos os retarda. Acaso aquele pretorque entre os estrangeiros e os cidadãosprofere suas sentenças, ou, ainda, o pretorurbano, que aos que se aproximam pro-nuncia as palavras do assessor, acaso sãoeles mais úteis do que aquele que pro-nuncia o que é a justiça, o que é a pieda-de, o que é a paciência, o que é a coragem,o que é o desprezo da morte, o que é oconhecimento dos deuses, e que bem tãogratuito é a consciência? Por conseqüên-cia, caso consagres aos estudos o tempoque hajas subtraído aos serviços, não terásdesertado nem terás recusado teu dever[...] Se te houveres aplicado aos estudos,terás evitado todo fastio da vida, não dese-jarás a chegada da noite por causa dotédio do dia, nem a ti serás pesado nemaos outros inútil; atrairás a muitos para a

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tua amizade, e os melhores afluirão a ti.Pois a virtude, ainda que obscura, nuncase esconde, mas envia de si sinais: quemquer que dela houver sido digno a co-nhecerá pelos vestígios (Sobre a tranqüi-lidade da alma, III, 1-6).

Assim, Sêneca compõe um raciocíniosobre a forma de participação do sábio navida pública: na medida em que lhe erapouco conveniente participar da política etendo em vista a “república” ideal e, porextensão, universal, ele deveria se consagrarà educação, convertendo-se em pedagogodo “gênero humano”.

[...] não confiamos os nossos adeptos nemao serviço de qualquer Estado, nem parasempre, nem indiscriminadamente. Maisainda, quando nós atribuímos ao sábio oúnico Estado digno dele – ou seja, o Uni-verso! –, o sábio, embora levando umavida retirada, nem por isso passa a situar-se à margem do Estado; o mais que suce-de é que ele, deixando um lugarejo es-treito, acede a espaços mais vastos e maislargos [...]. Sim, aconselho-te o ócio – umócio em que a tua acção será mais válidae mais digna e mais digna do que omundo em que vivas (Cartas 68, 2.10).

Sêneca dedica-se, assim, a conven-cer seus discípulos a buscarem com ânimoo tempo “útil” (GARCÍA GARRIDO, 1969)para as suas reflexões. É isso, por exemplo,que ele faz em seu diálogo Sobre o ócio:

Porque ele sabe que, também então, ha-verá de ocupar-se útil aos pósteros. Somosnós certamente que afirmamos tanto deZenão quanto de Crisipo terem feito elesmaiores coisas do que se tivessem con-duzido exércitos, exercido cargos honro-sos, promulgado leis – que aliás eles pro-mulgaram, não para uma só cidade, maspara todo gênero humano. Que há, por-

tanto, que ao homem de bem não conve-nha um ócio tal que lhe permita dirigiros séculos futuros e falar não entre pou-cos, mas entre todos os homens de todasas nações, tanto os que existem como osque existirão? Em suma, pergunto seCleantes, Crisipo e Zenao teriam vivido deseus preceitos. Sem dúvidas responderásque viveram tal qual haviam dito que sedevia viver. Ora, nenhum deles tomouparte na administração pública. Não tive-ram, dizes, a condição ou a conveniênciaque se costumam exigir no trato das coi-sas públicas. Não levaram, contudo, vidainerte: descobriram o modo de tornar suaneutralidade mais útil aos homens que aagitação e o suor de outros. Logo, emboraaparentemente não agissem em nada,deram a impressão, não obstante, de te-rem agido muito (Sobre o ócio, VI, 4-5).

Essa mesma idéia pode ser encon-trada em uma de suas Cartas a Lucílio,quando responde à objeção de seu discí-pulo preferido:

“Então tu mandas-me evitar a multidão,conservar-me retirado, contentar-me coma minha consciência? Que é feito daque-las vossas máximas que nos objurgam amorrer em plena acção?”

Bom ao que parece eu estou-te aconse-lhando a inércia? Se eu me recolhi emcasa e fechei as portas foi para poder serútil a um maior número. Nem um únicodia me chega ao fim na ociosidade; parteda noite, reservo-a para os meus estudos;não me disponho ao sono – sucumbo aele, e deixo repousar sobre o meu trabalhoos olhos cansados da vigília e já prestes acerrar-se. Retirei-me não só dos homens,como dos negócios, começando com osmeus próprios: estou trabalhando para aposteridade. Vou compondo alguma coisaque lhe possa vir a ser útil; passo ao papelconselho [...] conselhos que sei serem

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eficazes por tê-los experimentado nas mi-nhas próprias feridas, as quais, se aindanão estão completamente saradas, deixarampelo menos de ume torturas. Indico aosoutros o caminho justo, que eu próprio sótarde encontrei, cansado de atalhos. [...].

Ao formar estas reflexões, tanto para mimpróprio como para a posteridade, não teparece que estou a ser mais útil do que secomparecesse como consultor numa cita-ção judiciária, se imprimisse o meu sineteno fim dum testamento, ou se fosse aosenado dar o meu voto e o meu apoio aum candidato qualquer? (Cartas 8, 1-2.6).

Fica claro, portanto, que o conceitode ócio útil em Sêneca não tem a conota-ção de um refúgio individual. O conselhodado ao sábio é que ele se afaste do negó-cio público para explorar suas potenciali-dades e possibilidades em favor da Huma-nidade (GARCÍA GARRIDO, 1969). Trata-se,portanto, de um exercício (ação?), de umcompromisso de caráter intransferível.

Isto seguramente se exige do homem: queseja útil a homens. Se possível a muitos;quando não, a poucos; quando não aosparentes; quando não, a si. Pois, quandose faz útil aos demais, ele serve ao inte-resse geral. Assim, pois, quem se corrom-pe não prejudica somente a si, mas tam-bém a todos aqueles aos quais, em seaperfeiçoando, teria podido ser útil; inver-samente, quem quer que se porte bemem relação a si é útil a outros pelo fatomesmo de preparar-se ele a ser-lhes útil(Sobre o ócio, III, 5).

Daí Sêneca afirmar ser o sábio umbem comum e o seu respeito pela dignidadehumana dizer respeito a todos os homens.Enquanto depositário da sabedoria, o sá-bio tem a obrigação de criar as condiçõesnecessárias para a sua propagação. Esta

concepção explica as reflexões de Sênecaa respeito de si mesmo: “que os meus estu-dos de hoje não tenham sido só em meuproveito” (Cartas 7, 10). Eis o que nossopensador confidencia com Lucílio em umade suas correspondências:

Tu não podes conceber de quanta impor-tância se reveste para mim cada dia. “Com-partilhar comigo tudo cuja eficácia experi-mentastes” – dirás tu. Eu não desejo ou-tra coisa senão transmitir-te toda a mi-nha experiência: aprender dá-me sobre-tudo prazer porque me torna apto a ensi-nar! E nada, por muito elevado e proveito-so que seja, alguma vez me deleitará seguardar apenas para mim o seu conheci-mento. Se a sabedoria só me for concedi-da na condição de guardar para mim, sema compartilhar, então rejeitá-la-ei: nenhumbem há cuja posse não partilhada dê sa-tisfação (Cartas 6, 4).

Ele alertava que, na prática, isso im-plicava abdicar as orientações do“academicismo” que centrava a sua preo-cupação na formação intelectual e culturaldos homens, ao mesmo tempo em quedescuidava da sua formação moral (RE-DONDO e LASPALAS, 1997). Era como se,para os acadêmicos, essa ação fosse res-ponsabilidade apenas do pedagogo e nãodo filósofo, como se o sábio não fosse o“pedagogo” do gênero humano, conformeargumentava com Lucílio:

Aríston de Quios considerou a física e alógica não só supérfluas como ainda con-traproducentes. A própria moral, a únicaque conservou, amputou-a daquela partededicada aos conselhos de ordem prática,dizendo que isso é tarefa de pedagogo, enão de filósofo, como se o filósofo-sábionão fosse precisamente o pedagogo dogênero humano (Cartas 89, 13).

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Numa ação dinâmica, criadora etransformadora do homem e da sociedade,revestido de todas as condições morais eéticas, o sábio pode assumir a condição deguia do homem desejoso da sabedoria, davirtude e da perfeição, quer em seu própriotempo quer em momentos distantes do seu.Compreendendo e respondendo a essesvalores fundamentais, ele materializaria oprocesso formativo.

Por tudo o que foi dito, é possívelavaliar a importância de Sêneca para umaépoca tão conturbada como foi a sua. En-tretanto, como sábio, ele também ultrapas-sa seu tempo, exercendo grande influênciana cultura ocidental desde a Antiguidadeaté a contemporaneidade. Durante a épo-ca medieval, esteve presente nas reflexõesde muitos Padres da Igreja, a exemplo deTertuliano, Santo Ambrósio, Santo Agosti-nho, Tomás de Kempis. Na modernidade,contribuiu para o pensamento deMontaigne, Descartes, Leibniz, Kant eNietzsche, entre outros. Na contempora-neidade, não se pode esquecer a repercus-são de suas idéias de igualdade entre oshomens na elaboração dos direitos huma-nos (ULLMANN, 1996). É inegável, portan-to, a relevância do estudo de seu pensa-mento na atualidade, por razões históricas,éticas ou acadêmicas.

Em particular, é interessante investi-gar as contribuições do seu modelo educa-cional para o presente. Os princípios éticose morais por ele defendidos no sentido de

fazer do indivíduo um ser virtuoso e feliz,devidamente adaptado, podem ser ade-quados aos complexos problemas que ohomem enfrenta na atualidade. É instiganteobservar que, apesar de, a rigor, assumiremdiferentes perfis e funções de acordo comas particularidades de cada época, as pre-ocupações existenciais do homem apresen-tam traços de semelhança em todos os tem-pos, lugares e culturas.

É nessa linha de raciocínio queReinholdo Aloysio Ullmann apresenta opensamento de Sêneca:

Os escritos de Sêneca ainda hoje conser-vam profunda validade, porque perpassa-dos de perenes valores humanísticos. Eleprocurou responder à interrogação fun-damental da existência humana. Comodeve o homem agir e portar-se, em meioà angústia e à preocupação da vida, paraassegurar [. . . ] a felicidade e a paz(ULLMANN, 1996, p. 63).

Concluindo, no pensamento deSêneca, que ultrapassou centúrias, podem-se apreender lições que parecem atuais, tan-to no que diz respeito à formação do homemquanto a seus problemas existenciais.

NotaNotaNotaNotaNota1 Lúcio Aneu Sêneca nasceu em Córdoba no ano 4a.C. e morreu em 65 d.C. Foi um advogado, filósofo,político e orador brilhante que se tornou questor e,mais tarde, ascendeu ao cargo de cônsul. Preceptore conselheiro de Nero esteve à frente do ImpérioRomano por quase dez anos. Condenado por Nero,por alta traição, foi obrigado a suicidar-se abrindoas veias.

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ReferênciasReferênciasReferênciasReferênciasReferências

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Recebido em 19 de setembro de 2005.Recebido em 19 de setembro de 2005.Recebido em 19 de setembro de 2005.Recebido em 19 de setembro de 2005.Recebido em 19 de setembro de 2005.Aprovado para publicação em 28 de outubro de 2005.Aprovado para publicação em 28 de outubro de 2005.Aprovado para publicação em 28 de outubro de 2005.Aprovado para publicação em 28 de outubro de 2005.Aprovado para publicação em 28 de outubro de 2005.

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Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 20, p. 143-152, jul./dez. 2005.

“O povo não tem cultura! nós temos cultura“O povo não tem cultura! nós temos cultura“O povo não tem cultura! nós temos cultura“O povo não tem cultura! nós temos cultura“O povo não tem cultura! nós temos culturaporque...”: efeitos de uma dicotomia*porque...”: efeitos de uma dicotomia*porque...”: efeitos de uma dicotomia*porque...”: efeitos de uma dicotomia*porque...”: efeitos de uma dicotomia*“The people do not have culture! We have culturebecause…”: effects of a dichotomy

José Licínio Backes**

* Versão ampliada do trabalho apresentado no II FórumNacional de Educação – ULBRA/Torres, maio de 2005.

** Doutor em Educação (Unisinos). Professor do Programade Mestrado em Educação – UCDB.e-mail: [email protected]

ResumoResumoResumoResumoResumoO trabalho é fruto da tese de doutorado, defendida na UNISINOS, São Leopoldo – RS, cujo orientador foi oprofessor doutor Lúcio Kreutz. Tem como campo teórico os Estudos Culturais Pós-Estruturalistas, campo queproblematiza a dicotomia alta e baixa cultura. Mesmo não concordando com esta dicotomia, segundo estecampo não se pode deixar de levar em conta que ela continua presente, produzindo vários efeitos. Assimquestioná-la, mostrando que produz um conjunto de efeitos nas identidades/diferenças, efeitos por meio dosquais a baixa cultura tende a ser vista como abjeta e inferior não significa que não deva ser mencionada eanalisada, quando ela se constitui em uma marca central para determinados grupos. Esta análise, longe de seruma legitimação da dicotomia, procura fazer parte de um processo de desconstrução. Além disso, este campoafirma a centralidade da cultura, vista como um processo de atribuição de sentido, atravessado pelas relaçõesde poder no qual a linguagem, mais do que dizer como é a realidade, produz a realidade. A cultura é centralnão porque é superior a outras dimensões (econômica, política, sexual...), mas porque está presente em tudo.Assim, com o intuito de compreender as representações de cultura que estudantes de Ensino Médio de umaescola particular da grande Porto Alegre são levados a produzir e quais os efeitos destas representações paraas identidades/diferenças é que se lançou mão de entrevistas, debates, observações e redações, por meio dasquais foi possível compreender que a dicotomia alta cultura x baixa cultura é uma marca central na represen-tação de cultura, produzindo vários efeitos tanto para os processos de identificação quantode diferenciaçãocultural. Os estudantes identificam-se como fazendo parte da alta cultura, sobretudo por estudarem em escolasparticulares, por assistirem TV a cabo, por terem capacidade de consumir, por terem condições de fazer viagens,irem ao teatro, escutarem músicas “cultas” e por se “esforçarem” bastante e conseguirem aprovação para umauniversidade federal. Já os outros, segundo eles (os outros para eles são os pobres), pertencem à baixa cultura,porque estudam em escolas públicas, assistem TV aberta, não tem condições de consumir, não viajam, não vãoao teatro, escutam músicas “bregas” e não se esforçam, por isto, no máximo freqüentarão uma universidadeparticular. Pode-se concluir que a dicotomia alta cultura x baixa cultura está presente em todos os momentosda pesquisa e está atravessada por uma questão econômica, na qual o pobre, visto como sujeito sem cultura,passa a ser representado não apenas como alguém sem condições materiais, mas como alguém que condensatodos os significados indesejáveis para os que se identificam como pertencentes à alta cultura.

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chaveCultura; identidade; diferença.

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O presente texto é fruto de minha pes-quisa de doutorado e teve como campode pesquisa estudantes de Ensino Médiode uma escola particular da Grande PortoAlegre-RS. Por ser uma escola consideradade qualidade, recebe alunos de várias cida-des do estado e de outros estados. Recorren-do a observações, entrevistas, debates e re-dações, todas estratégias vistas como atra-vessadas por relações de poder, portantosob hipótese alguma neutras, é que se pôdeproduzir este texto, que trata da dicotomia

alta cultura e baixa cultura na produçãodas identidades e diferenças. As identida-des e as diferenças são entendidas comouma produção social e cultural, ou seja, nãocomo essenciais, primordiais ou fixas, mascomo instáveis e cambiantes, como susten-tam os Estudos Culturais Pós-Estruturalistas.

Cultura é o campo em que o sentidodas coisas, das identidades, das diferençasé construído. O sentido é produzido no inte-rior da cultura e está circunscrito ao própriocontexto cultural. Não existe sentido fora da

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractThe study in hand is the fruit of a doctoral thesis, defended at UNISINOS, São Leopoldo, RS, the supervisor ofwhich was Professor Dr. Lúcio Kreutz. The theoretical field of the article is based on Post-Structuralist CulturalStudies, a field which questions the dichotomy of high and low culture. Although not agreeing with thisdichotomy, according to this field it is not possible to exclude the fact that it exists, and produces various effects.Thus, to question this dichotomy, showing that it produces a series of effects in identities/differences, effects bywhich the low culture tends to be seen as abject and inferior does not signify that it should not be mentionedand analyzed when it constitutes a central mark for certain groups. This analysis, far from being a legitimationof the dichotomy, seeks to make it part of a process of deconstruction. As well as this, this field affirms thecentrality of culture, seen as a process for the attribution of meaning, passing through the relationships ofpower in which language, more than saying what reality is like, produces the reality. Culture is central notbecause it is superior to other dimensions (economic, political, sexual...) but because it is present in everything.In this way, with the intention of understanding the representations of culture that students in Middle Schoolof a private school in greater Porto Alegre are led to produce and to see what the effects are of theserepresentations for the identities/differences, interviews, debates, observations and compositions were used, bywhich it was possible to understand that the dichotomy high culture x low culture is a central mark in therepresentation of culture, producing various effects both on the processes of identification and culturaldifferentiation. The students identify themselves as being part of high culture, above all as they study in a privateschool, watch cable TV, have consumer capacity, are able to go on journeys, go to the theatre, listen to “erudite”music and because they “exert” themselves considerably and manage to get into a federal university. Seeingthat the others, according to them (the others for them are the poor) belong to the low culture, because theystudy in government schools, watch open TV, have no consumer power, do not go on journeys, do not go to thetheatre, listen to “unfashionable” music and do not exert themselves, and for this, the most they achieve is to goto a private university. It can be concluded that the dichotomy high culture x low culture is present at allmoments of the research and is traversed with an economic question, in which a poor person , seen assomeone without culture, is represented not only as someone without material conditions, but as someonewho, for those who identify themselves as belonging to the high culture, concentrates all undesirable significances.

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsCulture; identity; difference.

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cultura. Estes sentidos/significados são pro-duzidos socialmente, o que significa reconhe-cer que são estabelecidos pelas relações depoder. A cultura produz as identidades e asdiferenças. A cultura produz identidades nor-mais/anormais, legítimas/ilegítimas, dignas/indignas, brancas/negras.... A cultura produztudo e a todos e todas. Ela nos faz sentirvergonha, procurar outras identificações, mastambém nos faz sentir orgulho depertencecimento. A cultura é ambivalente. Dizquem nós somos, o que não devemos ser, oque devemos nos tornar, como devemos noscomportar, que lugares sociais podemos ocu-par. A cultura produz a diferença com desi-gualdade. Associa a diferença com inferiori-dade. Produz a lugarização, determina os lu-gares que cada um pode/deve ocupar. Acultura legitima a idéia de alguns devem vi-ver em favelas outros em mansões. Produza idéia de que alguns devem ser sem-terra eoutros latifundiários. A cultura (branca, o mitoda democracia racial) produz [Equivocada-mente] a idéia de que ser negro é ser inferior,é ser menos, portanto não merece o mesmosalário, acesso à universidade, ter acessoigual aos bens materiais. A cultura posicionaos sujeitos, estabelece as fronteiras entre o“bem” e o “mal”, produz os “deuses” e os de-mônios”. A cultura é tudo. Isto significa dizerque todos os seres humanos são produto-res de cultura e ao mesmo tempo um pro-duto da cultura. Daí, que não faz sentido fa-lar em mais cultura, menos cultura, baixacultura, alta cultura. Todos somos sujeitos decultura e da cultura.

Mas a cultura não faz só isso. A cul-tura é ambivalente. É cheia de práticas con-traditórias. Faz com que as pessoas fiquem

idignadas diante das injustiças, diante dasdiscriminações/racismos, diante da dor dooutro e da outra. A cultura produz os movi-mentos sociais de resistência. Produz a co-ragem e a convicção de lutarmos com asnossas forças, estabelecendo alianças (deraça, gênero, classe...), para minarmos osprocessos de dominação/exploração, dis-criminação e racismo. A cultura fomentanovas práticas, práticas que minam adicotomia “alta” e “baixa” cultura.

Destaco que para o campo teóricoutilizado não faz sentido falar em alta e bai-xa cultura. Porém, isto não significa afirmarque as dicotomias perderam o statuscanônico no campo teórico. Elas continuamsendo importantes marcadores e regulado-res culturais. Assim: “‘Deslocá-los’ não signifi-ca abandoná-los, mas mudar o foco da aten-ção teórica das categorias ‘em si mesmas’,enquanto repositórios de valor cultural, parao próprio processo de classificação cultural”(HALL, 2003, p. 239). Com isso, não se estáaceitando que a classificação seja convin-cente ou legítima. Ela não é nenhuma des-sas duas coisas, porque sempre se movedentro do território da naturalização etransistorização. Porém, não a considerarpara estudar grupos que recorrem a ela se-ria não levar em conta as articulações rele-vantes que ocorrem naquele contexto e signi-ficaria perder uma de suas dimensões maisimportantes, a dimensão do próprio proces-so de classificação cultural (HALL, 2003).

Assim a menciono, porque ela apare-ceu de forma recorrente em todas as estraté-gias utilizadas nesta pesquisa, produzindorepresentações de identidades e diferenças.Essa dicotomia vem ao encontro do que afir-

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mam os Estudos Culturais ao dizerem queela geralmente está vinculada a concepçõesde cultura enquanto uma “coisa”, uma “baga-gem”, uma “herança”, representações muitopresentes nas falas dos sujeitos investigados1.

Foi possível perceber que essa com-preensão de cultura por parte dos sujeitos2

pesquisados está carregada de sentidosque representam os outros (para eles, ooutro geralmente é o pobre, um sujeito semcultura) como incapazes, responsáveis pelasua condição na sociedade, como podemosperceber pelo debate realizado sobre a águadurante uma aula de Geografia3 numa tur-ma de 2o ano do Ensino Médio.

– O problema começa pela culturado povo. Ele é pobre, não tem cultura. Achaque tem água sobrando. Não consomemágua limpa, não têm dinheiro para com-prar água. Mas também são muito igno-rantes. Não colaboram, deixam a torneirapingando. Duvido que tenha uma casa depobre que não tem torneira pingando... To-mam banho demorado, desperdiçam água,depois falta. O povo não têm consciência.

Ainda que apareça uma voz disso-nante, apontando que:

– Tem muita gente falando que é fal-ta de cultura, que é o pobre que desperdiçaágua, mas tem muita gente rica que lava acalçada no verão.

Essa voz logo é silenciada e interrom-pida com a seguinte colocação:

– Mas têm uma grande diferença. Setu fores explicar para o rico, ele vai entender,ele tem cultura. Nós, que temos cultura, po-demos passar para os outros. Mas passarcultura de que jeito para o pobre? Ele nãovai entender! Vai rir da tua cara. Ele vê a água

da chuva e acha que tem água sobrando.O murmúrio da turma deixa claro que

essa é uma explicação que faz sentido paraeles, que tem um efeito de verdade maiordo que a anterior. Ainda no mesmo debate:

– Mas tem como dar um jeito nisso,de não desperdiçar água, principalmente deo ignorante não desperdiçar água. Olha oMcDonalds. Ali as torneiras fechamautomaticamente. Isso está certo, mesmoque sejam as pessoas mais cultas que vãolá. Mas, mesmo que pessoas que não têmcultura forem lá, não vão desperdiçar água.Poderiam fazer isso em outros lugares, nosbanheiros públicos, por exemplo.

Outra aluna interrompe para dizer:– Acho que o banho dos pobres ti-

nha que ser que nem na prisão. Tinha quecolocar todo mundo em fila e passar umamangueira de pressão. Aí eles logo iamaprender a não desperdiçar água. Se não,o povo não vai se conscientizar. Não temjeito. Tem que ser na base da força mesmo.

Mesmo que houvesse desaprovaçãoda turma, quando dessa última fala, tal repro-vação pareceu-me mais no sentido de ter fei-to uma afirmação impossível de ser praticadado que por outro motivo. Afirmo isso, em pri-meiro lugar, porque a afirmação foi motivode risada geral e, em segundo lugar, porquealguns alunos dessa turma vieram me dizer(pois, assim que a aluna terminou de falar,deu o sinal para o intervalo) que não era paralevar em conta a fala daquela estudante: “Elaé meio doida mesmo. Imagina se daria certodar banho desta forma nos pobres”.

Como se pode observar, a classifica-ção de “alta” cultura e “baixa” cultura estácarregada de sentidos que conferem

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legitimidade aos que se representam comopertencentes à alta cultura. Os da alta cultu-ra são os responsáveis por “conscientizar”,além de terem “capacidade” de adquirir “cons-ciência”, conforme a fala já citada: “Se tu fo-res explicar para o rico, ele vai entender, eletem cultura”.

Essa compreensão não é fruto doacaso, muito menos natural. Ela é o resultadode uma disputa de poder e do que essessujeitos conhecem como narrativa sobre acultura. A cultura surgiu inicialmente comoum conceito que não gerava maiores dúvi-das, questionamentos, indagações. Foi umconceito, segundo Veiga-Neto (2003), produ-zido no contexto da filosofia iluminista, noséculo XVIII, e designava, de modo geral,tudo aquilo que a humanidade havia produ-zido de melhor em termos de arte, filosofia,ciência, literatura. A partir desse entendimento,ela assume um caráter universal e único.Universal porque dizia referir-se à humanida-de, um conceito que não admite exterio-ridade; única porque dizia englobar o quede melhor havia sido produzido até então.

Ainda segundo o autor, a idéia de queexiste uma alta cultura e uma baixa culturaproduziu-se nesse contexto. A alta cultura éo modelo. Dela fazem parte os homens quejá “evoluíram”; já a baixa cultura englobatodos os que ainda não ascenderam à hu-manidade. Essa representação de cultura foitambém, como mostram Bhabha (2001),Hall (2003), Bauman (2001) e o próprioVeiga-Neto (2003), decisiva no processo dedominação e subjugação das culturas daAmérica, África e Ásia, uma vez que elas nãose enquadravam no conceito de culturaeurocentricamente construído. Também

apontava para a tentativa de homogenei-zação cultural, buscando “limpar” o mundodas indesejáveis diferenças. Bauman (1999)explica que a modernidade se move dentroda lógica da jardinagem, em que o outro évisto como uma erva daninha que deve sereliminada, ou no sonho da pureza(BAUMAN, 1998). Nesse sentido, a educa-ção, especialmente a escolar, foi acionadapara, em nome de um pretenso humanis-mo universal, impor “[...] um padrão culturalúnico, que era ao mesmo tempo branco,machista, de forte conotação judaico-cristã,eurocêntrico” (VEIGA-NETO, 2003, p. 10).

Isso indica a existência de uma só for-ma de identidade legítima, verdadeira, autên-tica, boa e, ao mesmo tempo, aponta para arejeição das diferenças identitárias, associan-do-as a patologia, desvio, primitivismo, bar-baridade, paganismo, anormalidade, selvage-ria, devassidão – enfim, significa “não ter cul-tura, não entender, não ter consciência”, comose expressaram os sujeitos nos diferentesmomentos da pesquisa. Sempre é importan-te lembrar que, apesar de todos os esforçosde homogeneização cultural, as diferençassempre continuaram a se proliferar, entrandoem processos de negociação, como nos lem-bra Bhabha (2001). Mesmo em tempos deglobalização, segundo Hall (2003), onde sepretende uma padronização cultural, sobre-tudo estadunidense, há inúmeros movimen-tos demonstrando que as diferenças não sóresistem à homogeneização, como tambémse multiplicam indefinidamente.

Pode-se dizer que, durante muito tem-po, houve somente o conceito de cultura, que,de certo modo, continua presente, inclusivepara os sujeitos pesquisados. Para Veiga-Neto

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(2003), somente a partir da década de 1920é que o conceito de cultura começa a adquirirnovos significados. Não que não exista maiso conceito “cultura”, mas ele é abalado pelaantropologia, lingüística, filosofia e sociologiae, na expressão de Veiga-Neto (2003), recente-mente detonado pelos Estudos Culturais, mos-trando que é mais produtivo utilizar culturasem vez de cultura. Segundo o autor, isso re-presenta a passagem do monoculturalismopara o multiculturalismo. Da mesma forma queVeiga-Neto (2003), Costa, Silveira e Sommer(2003) apontam que, desde o seu surgimento,os Estudos Culturais, vêm configurando umcampo alternativo “[...] para fazer frente às tra-dições elitistas que persistem exaltando umadistinção hierárquica entre alta cultura e cultu-ra de massa, entre cultura burguesa e culturaoperária, entre cultura erudita e cultura popu-lar” (COSTA; SILVERA; SOMMER, 2003, p. 37).

A distinção entre alta e baixa culturatambém deixa de ter sentido, pois não hánenhum critério transcendental para hierar-quizar as culturas. Além disso, essa distinçãopassa a ser vista como produtora de proces-sos de silenciamentos e exclusões, uma for-ma típica de quem se coloca como sujeitoarrogante ou que faz uso de uma razão arro-gante, que pretende fixar os significadoscomo se estes tivessem alguma essência,natureza ou transcendência. Nesse sentido,na perspectiva que estou seguindo, não setrata de dizer como é o mundo ou comodeve ser o mundo, mas de tão somente “[...]mostrar como o mundo é constituído nosjogos de poder/saber por aqueles que fa-lam nele e dele, e como se pode criar outrasformas de estar nele” (VEIGA-NETO, 2003, p.13). O mesmo vale para as culturas, as edu-

cações, as diferenças, as identidades. Não setrata de dizer como são ou devem ser, masde compreender seu processo infinito deconstrução por meio das relações de saber/poder. Hall (2003), a escrever sobre a cultu-ra, também atenta para o fato de esta nãomais estar vinculada a uma concepçãoelitista, possuindo um caráter mais demo-crático e socializado: “Não consiste mais nasoma de o ‘melhor que foi pensado e dito’,considerado como os ápices de uma civili-zação plenamente realizada – aquele idealde perfeição ao qual, num sentido antigo,todos aspiravam” (HALL, 2003, p. 135).

Ou seja, seguindo a argumentação deHall (2003), Bhabha (2001), Veiga-Neto(2003), Silva (1996) e de Costa, Silveira eSommer (2003), a cultura deixa de ser umconceito impregnado de hierarquizações,elitizações e distinções segregacionistas, paraadquirir um sentido cambiante e versátil. Eladeixa de ser um campo exclusivo da erudi-ção, da tradição literária, para ganhar novase variadas possibilidades de sentido. Assim:

[...] as palavras têm história, vibram, vivem,produzem sentidos, ao mesmo tempo emque vão incorporando nuanças, flexionadasnas arenas políticas em que o significadoé negociado e renegociado, permanente-mente, em lutas que se travam no campodo simbólico e do discursivo (COSTA;SILVEIRA; SOMMER, 2003, p. 37).

Nesse sentido, a questão que os Estu-dos Culturais propõem, ao minar-se a dico-tomia alta cultura x baixa cultura e enten-dendo-a como o terreno em que se manifes-tam “[...] as lutas e os conflitos pela imposi-ção ou pela manutenção de significados”(BUJES, 1999, p. 162), assume um papelimportante, pois, com o fim dessa dicotomia,

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começa-se a entender que grupos marginali-zados, monstros, sujeiras, “ervas daninhas”,“pobres” são construções sociais e culturaise que, apesar de serem muitas vezes repre-sentados como amorfos, sem história, “semcultura”, representam uma forma diferentede viver e pensar. Para Costa: “É preciso reco-nhecer uma cultura da pobreza que não deveser entendida como cultura da carência eque implica um sistema diferente de viver epensar” (COSTA, 1999, p. 63).

Como fica explicitado no debate rea-lizado, a questão da alta e baixa cultura ouentre os que têm cultura e os que não têmcultura está diretamente ligada ao ser ou nãoser pobre. Isso aparece também nas redações:“Portanto, o povo brasileiro possui uma basee um nível cultural muito baixo porque épobre”. (Eduarda, 2o ano). Ou ainda: “A faltade cultura é um dos principais fatores queinfluenciam essa situação, o sistema atualprovoca um círculo vicioso: pessoas cultasgeram pessoas cultas e, em compensação,no outro pólo social, pessoas ocultas gerampessoas ocultas” (Tereza, 2o ano). Acreditoque a estudante quis escrever “pessoas in-cultas”, mas mantive a grafia original.

Penso que seja importante destacarque a questão de alta cultura e baixa culturaé uma discussão que não se esgota e, mes-mo que seu uso seja, como coloca Veiga-Neto (2003), detonado pelos Estudos Cultu-rais, não quer dizer que isso seja suficiente.No dizer de Hall (2003), mesmo que a intro-dução de ambivalência, hibridismo, interde-pendência perturbem e transgridam “[...] aestabilidade do ordenamento hierárquicobinário do campo cultural em alto/baixo, nãodestroem a força operacional do princípio

hierárquico da cultura” (HALL, 2003, p. 239).Ainda: “[...] não mais se pode dizer, pelo fatode a ‘raça’ não ser uma categoria científicaválida, que ‘de forma alguma enfraquece suaeficácia simbólica e social’” (idem).

Além de a crítica à dicotomia nãoindicar que essas classificações não exis-tam mais, significa também reconhecer queela continua produzindo efeitos. O próprioHall (2003) lembra que seria ingenuidadesupor que o abandono dessas classifica-ções nos estudos da cultura seria a soluçãopara o problema. Da mesma forma, seriaingenuidade supor que os debates em tor-no dessa questão e mesmo a argumenta-ção de que essas noções não são auto-excludentes, de que não são grupos fixos eque se mesclam, imbricam, articulam, sejamisentos de interesses. Trata-se de um discur-so articulado com “[...] as questões da auto-ridade cultural e a contenção do perigotransgressor do hibridismo social, étnico, degênero e sexual” (HALL, 2003, p. 240).

Silva (1996), ao tratar da questão daalta cultura e da baixa cultura, observa queela pode ser vista a partir de vários lugares.Um deles, que ele denomina de “registro con-servador do pânico moral e da visãopatologizante” (SILVA, 1996, p. 194), enten-de que está havendo uma degeneração,degradação ou involução dos valores mais“nobres”, valores supostamente superiores euniversais, devido à crescente ampliação doespaço da cultura popular, nessa visão en-tendida como a baixa cultura. Outro lugarpara olhar a dicotomia seria a partir de uma“perspectiva mais progressista e benigna”(idem), ou seja, uma perspectiva crítica quevê na proliferação dos conteúdos da cultura

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de massa a produção de sujeitos passivos,submissos, obedientes, alienados. SegundoSilva (1996), tanto uma quanto a outra par-tem do pressuposto de que a cultura demassa é inferior e representa uma distorçãoda “Cultura”, com letra maiúscula; portantoé preciso um projeto de intervenção.

A diferença é que a primeira perspecti-va (a conservadora) parte de um passado mí-tico considerado mais íntegro, ao passo quea segunda (a crítica) vê a distorção como oresultado da mercantilização da cultura. Cadauma dessas formas de ver a cultura produzdeterminadas práticas pedagógicas: a primei-ra, o retorno das obras clássicas de literaturae de línguas clássicas; a segunda, uma formacrítica de desvelar a ideologia dos Meios deComunicação de Massa. Portanto, tanto emuma quanto na outra, “[...] a ‘cultura de mas-sa’, os novos meios, formas e conteúdos cul-turais são colocados sob suspeição, são vis-tos como o outro de uma forma cultural su-perior, representada, esta, pela educaçãoinstitucionalizada” (SILVA, 1996, p. 195) – nãoem uma Instituição qualquer, deve ser umaInstituição Particular, como enfatizam os es-tudantes pesquisados. Não pode mais serqualquer Instituição, pois, uma vez que quasetodos passam pelo processo escolar, novasclassificações fazem-se necessárias para ossujeitos poderem continuar se representandocomo superiores, como “cultos”, em oposiçãoaos “não-cultos” – os que estudam em umaescola pública de baixa qualidade, segundoos debates realizados na Escola Particular.“Quem estuda em Escolas Particulares temacesso à cultura4” (Ari, no debate, 2o ano).

Silva (1996), como os demais autoresdo campo teórico dos Estudos Culturais,

observa que a visão dicotômica da culturaestá perdendo sua legitimidade. Os proces-sos culturais caracterizam-se pela hibridiza-ção, pela carnavalização (HALL, 2003), pelaimbricação de diferentes formas culturais.Silva (1996) afirma que precisamos de for-mas criativas de pensar que “[...] superemos velhos binarismos da alta cultura vs. bai-xa cultura, cultura de elite vs. cultura de mas-sa, iluminação vs. alienação, intelectualismovs. mistificação...” (SILVA, 1996, p. 197). Ouseja, é preciso lembrar sempre que os supos-tos valores universais e superiores não pos-suem essas características por uma questãoontológica, mas por uma questão política.Tornaram-se “superiores” pelas disputas depoder travadas nos campos social e cultural.

Mesmo reconhecendo que os movi-mentos de luta dos grupos marginalizadostêm sido decisivos para uma nova políticacultural, Hall (2003) tem o cuidado de nãoidentificar isso como uma fase de confortávelmomento de vitórias para esses grupos. Se-gundo ele, permanecer nessas metanarrati-vas significaria cair na armadilha de umadivisão de estilo ou/ou, que não está de acor-do com as políticas culturais. O que está emjogo não é uma substituição de uma culturapela outra. A dicotomia cultura hegemônicae cultura contra-hegemônica não correspon-de aos movimentos culturais: “A hegemoniacultural nunca é uma questão de vitória oudominação pura (não é isso que o termosignifica); nunca é um jogo cultural de perde-ganha; sempre tem a ver com a mudançano equilíbrio de poder nas relações da cultu-ra” (HALL, 2003, p. 339). O autor faz umacrítica a muitos estudiosos da cultura queacreditam que não é possível mudar nada.

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A crítica torna-se pertinente porque, desta for-ma, “estratégias culturais que façam diferen-ça” (idem) acabam não sendo desenvolvidas.

A questão da alta e baixa cultura estárelacionada à questão da cultura popular ecultura erudita, o que também pôde ser ob-servado nos sujeitos investigados, especial-mente pela recorrência da expressão “o povonão tem cultura”. Hall (2003) salienta que éimportante ter o cuidado de não simples-mente opor a cultura popular ao campo dacultura erudita, como se um fosse o campodas práticas saudáveis e o outro o das prá-ticas condenáveis. As culturas estão sempremescladas, articuladas. São híbridas,diaspóricas, negociadas. Isso não implicadesconsiderar que a dicotomia alta/baixacultura tem sido utilizada para produzir acultura ocidental, mas que o conteúdo rela-tivo a cada uma muda historicamente. Nes-se sentido, para Hall (2003), a questão nãoé se deter no inventário do que seja alta cul-tura e baixa cultura, mas olhar para os pro-cessos de poder por meio dos quais deter-minadas práticas são consideradas “baixas”e outras “altas” em um contexto específico.Ou seja, o que faz com que os estudantesentendam que assistir à TV aberta, estudarem uma escola pública, escutar determina-das músicas, só conseguir aprovação emvestibular de Universidade Privada sejam prá-ticas típicas da baixa cultura é o que deveser o interesse em uma pesquisa e não aclassificação em si. As classificações são con-traditórias, ambivalentes e circunstanciais.

Todo campo cultural é um campo decontestação e de luta estratégica, seja umcampo cultural do popular ou não. Hall(2003), referindo-se ao campo popular da

cultura, argumenta que um campo culturalnunca pode ser simplificado a partir dedíades, tais como, “[...] alto ou baixo, resistên-cia versus cooptação, autêntico versusinautêntico, experiencial versus formal, opo-sição versus homogeneização” (HALL, 2003,p. 342). Baseando-se em Bhabha (2001),pode-se argumentar que, entre essas díades,há inúmeros entre-tempos e entre-espaçosque multiplicam as lutas, estratégias, práti-cas culturais, produzindo diferentes significa-dos, identidades e diferenças que de formaalguma são puras, e sim híbridas, pois estãofortemente marcadas pelos movimentosdiaspóricos que caracterizam o mundo pós-colonial. Como afirma Hall: “Sempre existemposições a serem conquistadas na culturapopular, mas nenhuma luta consegue cap-turar a própria cultura popular para o nossolado ou deles” (HALL, 2003, p. 342).

Concluo afirmando que se pôde per-ceber que para os estudantes pesquisadosnão há dúvidas quanto ao fato de perten-cerem à alta cultura. Isto faz com que ve-jam os outros (os outros via de regra sãoos pobres) como os que pertencem à baixacultura, porque estudam em escolas públi-cas, assistem TV aberta, não têm condiçõesde consumir, não viajam, não vão ao tea-tro, escutam músicas “bregas” e não se es-forçam, por isto, no máximo freqüentarãouma universidade particular. Pode-se con-cluir também que a dicotomia alta culturax baixa cultura está presente em todos osmomentos da pesquisa e está atravessadapor uma questão econômica, na qual o po-bre, visto como sujeito sem cultura, passa aser representado não apenas como alguémsem condições materiais, mas como alguém

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que condensa todos os significados inde-sejáveis para os que se identificam comopertencentes à alta cultura.

Ao finalizar, reitero que mesmo queesta dicotomia seja detonada pelos Estu-dos Culturais, a questão não é simplesmen-te abandonar essa terminologia, mas usá-la para contribuir no seu processo de des-construção, quando se trata de um campode investigação em que essa classificaçãoassume uma centralidade, como foi o casodesta pesquisa. Uma centralidade, não nosentido de ser mais importante, mas, comodiria Veiga-Neto (2003), centralidade por-que está presente em todos os momentos,

seja na observação, nos debates, nas en-trevistas, nas redações.

NotasNotasNotasNotasNotas1 Na tese analiso estas representações de formadetalhada.2 Lembro que em nenhum momento estou me refe-rindo ao sujeito moderno (crítico, consciente, livre,centrado), mas ao sujeito produzido pelas relaçõesde poder, um sujeito contraditório, descentrado, difuso.3 Esse debate foi sugerido e organizado pelo profes-sor da disciplina; portanto, não se trata dos debatessugeridos por mim como pesquisador. Ele ocorreudurante as minhas observações.4 Saliento que, embora faça somente menção a umafala, esta afirmação foi recorrente em todos os mo-mentos da pesquisa para todos os estudantes.

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Recebido em 18 de outubro de 2005.Recebido em 18 de outubro de 2005.Recebido em 18 de outubro de 2005.Recebido em 18 de outubro de 2005.Recebido em 18 de outubro de 2005.Aprovado para publicação em 22 de novembro de 2005.Aprovado para publicação em 22 de novembro de 2005.Aprovado para publicação em 22 de novembro de 2005.Aprovado para publicação em 22 de novembro de 2005.Aprovado para publicação em 22 de novembro de 2005.

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Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 20, p. 153-174, jul./dez. 2005.

A Constituinte Escolar da rede estadual deA Constituinte Escolar da rede estadual deA Constituinte Escolar da rede estadual deA Constituinte Escolar da rede estadual deA Constituinte Escolar da rede estadual deensino de Mato Grosso do Sul (1999 a 2001):ensino de Mato Grosso do Sul (1999 a 2001):ensino de Mato Grosso do Sul (1999 a 2001):ensino de Mato Grosso do Sul (1999 a 2001):ensino de Mato Grosso do Sul (1999 a 2001):acertos e desacertos com a democraciaacertos e desacertos com a democraciaacertos e desacertos com a democraciaacertos e desacertos com a democraciaacertos e desacertos com a democraciaThe School Constituent of the state teaching networkof South Mato Grosso (1999 to 2001): fitting in andmisfitting with democracy

Maria Alice de Miranda Aranda*Ester Senna**

* Doutoranda em Educação pela UFMS.e-mail: [email protected]

** Doutora em Educação (São Paulo). Professora do Depar-tamento de Educação e o Mestrado e Doutorado da UFMSe-mail: [email protected]

ResumoResumoResumoResumoResumoO artigo apresenta um diálogo realizado com sujeitos históricos da Constituinte Escolar da Rede Estadualde Ensino de Mato Grosso do Sul (1999 a 2001), mostrando entraves de várias ordens e níveis queimpossibilitam a concretização de uma Política Educacional fundamentada na democracia participativa.Considerando os acertos e os desacertos com a democracia, a Constituinte Escolar é uma proposta degestão democrática. A sugestão é ir além da proposição.

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chaveConstituinte escolar; política educacional; democracia.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractThe article presents a dialogue which took place among historical subjects of the School Constituent of theState Network of Education of South Mato Grosso (1999-2001), showing the difficulties of different levelsthat make impossible the consolidation of an Educational Policy founded on a participating democracy.Considering the fitting in and misfitting with democracy, the School Constituent is a proposal for democraticmanagement. The suggestion is to go beyond the proposal.

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsSchool constituent; educational policies; democracy.

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O objetivo desse artigo é mostrar osacertos e desacertos com a democracia pre-sentes na Constituinte Escolar da RedeEstadual de Ensino de Mato Grosso do Sul(1999 a 2001)1, a partir de um diálogo rea-lizado com os sujeitos atuantes na gestãodesse evento considerado que o mesmoteve repercussão relevante na históriaeducacional de Mato Grosso do Sul.

A possibilidade de concretizar o diá-logo proposto está no resultado de entre-vista efetivada com os denominados sujei-tos históricos. A escolha desse instrumentode coleta de dados se deu considerando asua natureza não rígida na busca da com-preensão de uma realidade, uma vez queum trabalho de campo “é sempre uma ex-periência singular e esta escapafreqüentemente à racionalidade descritanos manuais de metodologia” (ZAGO, 2003,p. 292). Assim,

a regra é respeitar princípios éticos e deobjetividade na pesquisa, bem como ga-rantir as condições que favoreçam umamelhor aproximação da realidade [...] estu-dada, pois sabemos que nenhum métododá conta de captar o problema em todasas suas dimensões (ZAGO, 2003, p. 294).

Com esse entendimento articuladoao compromisso de uma melhor e maioraproximação da realidade pretendida, asorientações encontradas também emZanten (2004) são imprescindíveis. A auto-ra ressalta que ao se analisar os dadosempíricos obtidos “temos que ver a utiliza-ção da entrevista como se fosse um qua-dro estatístico e tratá-lo com o idêntico res-peito” (p. 34), mostrando o que é realmenterepresentativo e importante. Ela ainda des-

taca: “[...] é importante entender as categori-as que acionam os atores” (p. 36).

Acredita-se que o caminho percorri-do fornece as bases para compreender asposturas e os posicionamentos dos sujei-tos históricos, com possibilidades de chegarao concreto pensado, com outras palavras,a uma abstração científica, vislumbrando,assim, captar pela aparência, a essência, fri-sando-se mais uma vez

[...] que a realidade não se deixa apanhar,senão em parte, na palavra dos sujeitos.Palavra carregada de múltiplas determi-nações implícitas na concepção queenuncia. Concepção complexa posto queo produto de culturas em interlocução, con-fronto e conflito que se toma com o pro-pósito de animar e ilustrar a reflexão(FREITAS, 2003, p. 195).

É nesse terreno permeado de dificul-dades em maior ou menor grau da capta-ção da realidade concreta, mas, que nessacontradição abre para descobertas muitasvezes não claramente explicitadas, é que sesituam questões que passam a se constituirem elementos fundantes dessa produção.

1 O Projeto Constituinte Escolar da1 O Projeto Constituinte Escolar da1 O Projeto Constituinte Escolar da1 O Projeto Constituinte Escolar da1 O Projeto Constituinte Escolar daRede Estadual de Ensino de MatoRede Estadual de Ensino de MatoRede Estadual de Ensino de MatoRede Estadual de Ensino de MatoRede Estadual de Ensino de MatoGrosso do Sul: a visão dos seusGrosso do Sul: a visão dos seusGrosso do Sul: a visão dos seusGrosso do Sul: a visão dos seusGrosso do Sul: a visão dos seusautoresautoresautoresautoresautores

Considerando os pontos acimaenunciados e perseguindo o propósitoanunciado, inicia-se, apresentando os sujei-tos históricos selecionados e na seqüênciaparte-se para um diálogo com eles, preten-dendo enriquecer os objetivos desse estudo.

Justifica-se a escolha desses sujeitoshistóricos, entre muitos outros, tendo em

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vista que nesse movimento estiveram àfrente de todo o processo, e, pelos estudosrealizados sobre o Projeto Constituinte Es-

colar, ficou evidente a participação dosmesmos de modo significativo. São eles:Kemp, Santos e Paracampos.

Quadro 1. Quadro 1. Quadro 1. Quadro 1. Quadro 1. Sujeitos históricos da constituinte escolar

Buscar compreender as suas posi-ções e posturas no tocante ao objeto sefaz necessário, uma vez que tais contribui-ções ilustram o sentido teórico, social, polí-tico e prático desse trabalho.

1.1 A origem da Constituinte1.1 A origem da Constituinte1.1 A origem da Constituinte1.1 A origem da Constituinte1.1 A origem da ConstituinteEscolar da Rede Estadual deEscolar da Rede Estadual deEscolar da Rede Estadual deEscolar da Rede Estadual deEscolar da Rede Estadual deEnsino de Mato Grosso do SulEnsino de Mato Grosso do SulEnsino de Mato Grosso do SulEnsino de Mato Grosso do SulEnsino de Mato Grosso do Sul

Solicitados a exporem os motivosque deram sustentação a idéia de se de-senvolver na educação da Rede Estadualde Ensino de Mato Grosso do Sul um mo-vimento denominado Constituinte Escolar2,

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os sujeitos mostraram, de antemão, umcompromisso com o projeto de um gover-no3 denominado popular, anunciado peloPartido dos Trabalhadores (PT), vitoriosopela primeira vez em Mato Grosso do Sul(gestão 1999 a 2002).

Kemp, o titular da pasta da Educa-ção no período, assim se pronunciou:

Quando recebi o convite do GovernadorZeca do PT para assumir a Secretaria deEstado de Educação, tomei a iniciativa deconvidar os educadores militantes orgâni-cos do partido para que, juntos, discutísse-mos a proposta de trabalho da pasta. Pro-curei dividir com meus companheiros(as)de partido a responsabilidade de formularuma proposta que pudesse representartudo aquilo que o PT sempre defendeu naárea de educação, resgatando as experiên-cias bem sucedidas nas várias administra-ções que realizou, tanto nas prefeiturasquanto no Distrito Federal. Fizemos váriasreuniões e sistematizamos todas as contri-buições. Enviamos equipes para conheceras realizações do PT na área de educaçãoem Porto Alegre, a chamada ‘Escola Cida-dã’, e, no Distrito Federal, a conhecida “Es-cola Candanga”. A partir deste acúmulo deexperiências e propostas, elaboramos os ei-xos da Proposta Político-Educacional de MatoGrosso do Sul: a ‘Escola Guaicuru’4, sendoque um dos seus eixos era a gestão demo-crática. Para ser coerente com o projeto doGoverno Popular coordenado pelo PT, eudeveria propor uma ação que tivesse amarca da participação popular, do controlesocial, da garantia dos direitos e do exercí-cio da cidadania. Com base neste pensa-mento e buscando romper com a práticade governos anteriores que impuseramseus projetos desconsiderando a participa-ção da comunidade, recuperou-se a expe-riência da Constituinte Escolar realizadapela Secretaria de Educação de Porto Ale-gre e formulou-se a proposta (KEMP, 2004).

Explicação complementada porSantos (2004), o coordenador geral daConstituinte Escolar, ao colocar que “a idéiade uma ação desse porte era entendidacomo possibilidade de dar corpo a um doscompromissos de campanha do então can-didato a governador José Orcírio Mirandados Santos, o Zeca do PT”.

O compromisso mencionado na cam-panha do então governador seria fazer umgoverno que tivesse a marca da participa-ção popular, com uma concepção de trans-formação da sociedade em detrimento aocaráter de manutenção da sociedade vigen-te que ilustrava a prática autoritária de go-vernos anteriores. E com esse entendimento,lembra Paracampos (2004) que “a propostade educação Escola Guaicuru: vivendo umanova lição traduzia o compromisso com oprojeto de transformação social, a Constituin-te Escolar se constituiu como um instrumentoestratégico de disputa com os projetos neoli-berais no campo da educação”.

Considerando que na origem daidéia de se fazer um movimento do porteda Constituinte Escolar está o PT, cabe, aqui,tecer algumas considerações sobre essepartido político.

Petras e Veltmeyer (2001), oferecemsubsídios significativos para ampliar o co-nhecimento sobre o surgimento e a cons-trução histórica do PT. Segundo eles, o PTtem sua origem no movimento sindical dostrabalhadores. Assim,

[...] o impulso original que levou à forma-ção do Partido dos Trabalhadores tenhasido o movimento sindical, vários outrosmovimentos populares e grupos radicaisjuntaram-se ao partido. [...] o PT, [...] con-

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sistindo numa rede de núcleos partidári-os, e mesmo sendo o mais forte na regiãourbanizada e industrial do Sudeste do País,espalhou-se por todo o território nacional.Esses núcleos incluíam grupos ligados [...]ao movimento sindical do ABC, [...] comu-nidades de base organizadas pela IgrejaCatólica, associações de vizinhança e debairro, sindicatos rurais. [...] revolucionári-os da esquerda, [...] grupos reformistas, [...]ativistas dos direitos humanos (p. 113).

Os autores chamam a atenção parao fato de que na construção histórica dopartido, ou seja, da sua fundação aos diasatuais, algumas modificações relacionadasa sua concepção já se fazem sentir:

O PT serviu, de fato, de instrumento políti-co para reunir e, de certo modo, unificardiversas forças sociais e políticas opostasno setor popular. Estes grupos se organi-zaram num vasto amálgama (constante-mente flutuante) de ‘tendências’ ou facçõesnacionais e regionais, que têm disputadointensamente, desde então, a ideologia eprograma do partido. [...] uma espécie deconsenso sobre certas questões: [...] com-promisso geral com a ‘democracia’, umaideologia oposta ao elitismo, ao dogma-tismo e ao vanguardismo revolucionáriodos primeiros partidos socialistas. [...] preo-cupação por uma ‘inversão de prioridade’frente à política governamental. [...] o fimda tradição clientelista e autoritária dapolítica de elite. [...]. Em suma, o que ca-racterizava o PT em sua fundação, e, tal-vez, o unificava, era uma ideologiaparticipativa, uma ética igualitária e umprojeto (socialista) anticapitalista (PETRAS;VELTMEYER, 2001, p. 114).

Fez-se o destaque acima sobre opartido, uma vez ressaltado por Kemp que“para ser coerente com o projeto do Gover-no Popular coordenado pelo PT” se fez ne-cessário formular “uma proposta que pu-

desse representar tudo aquilo que o PT sem-pre defendeu na área de educação”. E assimnasceu a Proposta de educação EscolaGuaicuru: vivendo uma nova lição — afir-mando a educação como um direito detodos e tida como um dos pressupostosbásicos para a cidadania ativa5 — anuncian-do como objetivo principal “construir umaescola pública que efetive a democratizaçãodo acesso, a democratização da gestão, apermanência e progressão escolar do alu-no e a qualidade social da educação queinclui a valorização de seus trabalhadores”(MATO GROSSO DO SUL, 1999, p. 13).

A viabilização dessa Proposta teriacomo ponto de partida “o estabelecimentode um processo de discussão que se iniciano interior da escola, com a participaçãode todos os segmentos, em especial, oscolegiados escolares, abrindo também paraoutros canais de participação como fórunse conselhos locais, regionais e estaduais”(Ibid., p. 13).

O secretário de educação lembra, ain-da, que a proposição de uma ConstituinteEscolar, no entendimento da Secretaria deEducação, seria a forma politicamente cor-reta de passar a limpo a realidade das es-colas, rever as práticas pedagógicas e deformular políticas educacionais com a con-tribuição efetiva de todos os sujeitos inte-ressados em construir uma educação ca-paz de responder às necessidades e exigên-cias do nosso tempo. Com essa perspecti-va, frisa: “Emprestamos de Porto Alegre aconcepção, mas tivemos que fazer nossopróprio caminho, pois o que fora realizadoem uma única cidade, numa rede de ensi-no com poucas escolas, agora deveria se

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dar em âmbito estadual, envolvendo 365escolas nos 77 municípios” (KEMP, 2004).

E sobre a realização feita por PortoAlegre busca-se, novamente para o debate,Petras e Veltmeyer (2001) na seção intituladaPorto Alegre: processo participativo bem-su-cedido? Conforme palavras dos autores:

[...] foi dito [...] que, em lugares como PortoAlegre, a história da comunidade desenro-lou-se de modo diferente [...]. Aqui está bemclara e evidente o esforço bem-sucedidopara mobilizar e até empoderar os – naspalavras de Steifel e Wolfe (1994) – ‘atéagora excluídos’ segmentos da população,incluindo os pobres. No caso de Porto Ale-gre é possível afirmar, como faz Neaere,em vez de beneficiar os grupos da elite,pela primeira vez os gastos do governo nahistória municipal – talvez em toda a his-tória do país – favorecem realmente ascomunidades pobres (NEAERE, 2000, p. 4).Em sua reflexão sobre esta anomalia,Neaere conclui que o estado descentraliza-do, contrariamente às previsões tanto dospluralistas liberais como marxistas, não deveser visto como apenas um repositório, cati-vo, das forças sociais reacionárias (p. 110).

Os autores ainda observam que naopinião de Neaere, teórico que analisa pro-jetos alternativos, o Estado brasileiro foicapaz de agir contra os interesses dos gru-pos dominantes e que nos termos do orça-mento participativo ocorrendo de formadescentralizada e realizado pela oposição,o PT, houve o favorecimento da ação cole-tiva. É feita uma análise do desenvolvimen-to da ação popular denominada Orçamen-to Participativo e, pelo êxito dos resultadosno tocante à participação construiu a basematerial para o sucesso, também, da Consti-tuinte Escolar em Porto Alegre. Mas os auto-res Petras e Veltmeyer ainda questionam:

Porto Alegre é um caso especial de desen-volvimento participativo com base na comu-nidade? Se for, quais são as suas condiçõesdefinidoras? Sob quais condições podeocorrer uma forma participativa assim oumaior de desenvolvimento? É possível gene-ralizar tal forma de desenvolvimento, es-tendê-la por um modelo de desenvolvimen-to nacional? E as operações do governofederal, que, como foi mostrado, está clara-mente sob o controle de um programaneoliberal de desenvolvimento capitalistadominante – e governante – , um refémvoluntário do capital estrangeiro? (p. 112).

Santos, o coordenador do ProjetoConstituinte Escolar da Rede Estadual deEnsino de Mato Grosso do Sul (1999-2001),também, fez referências ao OrçamentoParticipativo de Mato Grosso do Sul, lem-brando que o êxito como foi iniciado,aflorou esperanças de realizações maisduradouras também para a educação viaConstituinte Escolar.

Lembra o coordenador o caso doorçamento participativo (OP), observandoque em sua primeira versão aqui no esta-do, foi uma experiência interessante no to-cante ao exercício da cidadania, da consi-deração de cada sujeito não apenas comoeleitor, mas com condições de interferir nosdestinos dos recursos públicos. “Milhares emilhares de pessoas foram para as plená-rias do OP acreditando nisto que acabei defalar”. Considerando tal realidade e pensan-do em dar uma resposta aos anseios dapopulação educacional que sempre se-guem esperando um fazer diferente, commais significado e mais ações concretas,ousou-se a caminhada via ConstituinteEscolar, envolvendo todos os segmentos daescola. E uma das justificativas, acrescenta

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Santos, é queQuanto à educação tínhamos o compro-misso maior com a radicalização da de-mocracia porque há uma luta históricados trabalhadores em educação em defe-sa da participação popular, em defesa daconstrução de políticas educacionais quefundamentam na voz e no silêncio da-queles que no chão da escola fazem defato o processo de ensino-aprendizado.Evidentemente que as condições políticascolocadas em 1999 eram bem favoráveisàs ações com forte impacto no imagináriopopular, como, por exemplo, ir a todas asescolas da rede estadual, reunir váriossujeitos, principalmente aqueles excluí-dos da escola em todos os sentidos, econsiderá-los portadores de fala, de senti-mentos, de capacidades (SANTOS, 2004).

Tendo como base essas primeirasconsiderações, busca-se, na seqüência apre-ender, primeiro de forma sucinta e, depois,em breve análise, como os idealizadores daConstituinte Escolar entendem a gestãodemocrática e sua articulação com a demo-cracia.

1.21.21.21.21.2 O conceito de gestãoO conceito de gestãoO conceito de gestãoO conceito de gestãoO conceito de gestãodemocrática e sua articulação comdemocrática e sua articulação comdemocrática e sua articulação comdemocrática e sua articulação comdemocrática e sua articulação coma democracia conforme preconizadaa democracia conforme preconizadaa democracia conforme preconizadaa democracia conforme preconizadaa democracia conforme preconizadapela Constituinte Escolarpela Constituinte Escolarpela Constituinte Escolarpela Constituinte Escolarpela Constituinte Escolar

O conceito de gestão democrática,segundo a compreensão de Kemp, parteda idéia de superação das práticas desen-volvidas pela escola tradicional, que repro-duzem as relações de poder da sociedade,a desigualdade, a exclusão e a discrimina-ção e procura estabelecer novas relaçõessociais que tornem os sujeitos envolvidosno processo educacional, protagonistas daconstrução de uma nova educação, capaz

de instrumentalizar as pessoas para inter-vir na realidade para transformá-la. Nestesentido, frisa ele que

a gestão democrática assume um caráterque vai além das práticas de eleição dadireção e do colegiado escolar, tão somen-te. Mas se insere numa concepção maisampla, ou seja, de uma escola que nãosó é administrada com participação popu-lar, mas que também procura articular osinteresses das camadas populares na de-finição de sua função social, tendo emvista a transformação da realidade. Por isso,procura comprometer a comunidade es-colar, interna e externa, na elaboração desua proposta político-pedagógica,redirecionando o sistema de autoridade ea distribuição do trabalho no seu interior(KEMP, 2004).

Para Santos a gestão democráticatambém implica autonomia e participação,chamando a atenção de que a concepçãoque fundamenta o entendimento de auto-nomia e participação difere da concepçãoneoliberal. Nesta última concepção, “auto-nomia e participação significavam respec-tivamente, a escola é responsável pelo seusucesso e seu fracasso e que a sociedadedeveria assumir o financiamento da esco-la”. Em detrimento a esta ressalta que “aConstituinte Escolar foi um exemplo cabalda gestão democrática”. E como Kemp,entende a gestão democrática como um“fazer”

onde cada sujeito da escola (pais, alunos,professores, administrativos, coordenaçãopedagógica e direção) participam efetiva-mente da construção do projeto político-pedagógico, da elaboração do planejamen-to, aplicação dos recursos financeiros eda organização do ensino. Em decorrên-cia dessa compreensão reafirmávamos a

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defesa da direção colegiada na escola; docolegiado enquanto unidade executora; doapoio aos grêmios estudantis; das elei-ções diretas para diretores (SANTOS, 2004).

Paracampos, com a mesma concep-ção ressalta que o conceito de gestão de-mocrática delineada na Constituinte Escolarexige

a participação ativa dos segmentos inter-nos e externos da escola, na compreen-são das questões da educação e nas de-cisões tomadas em relação a elas. Nestesentido a constituinte tinha como objetivocentral investir na formação e na organi-zação desses sujeitos, ou seja o compro-misso com a formação política da comu-nidade escolar como forma de investirnuma participação qualificada, conside-rando os interesses contraditórios de classe(PARACAMPOS, 2004).

Kemp alerta que a gestão democrá-tica acima defendida está fundamentadaem uma concepção de democracia de cará-ter popular, cujo mecanismo colocado é o“da participação direta das pessoas no limi-no limi-no limi-no limi-no limi-te de sua atuação e de suas possibili-te de sua atuação e de suas possibili-te de sua atuação e de suas possibili-te de sua atuação e de suas possibili-te de sua atuação e de suas possibili-dades concretas, tanto no processodades concretas, tanto no processodades concretas, tanto no processodades concretas, tanto no processodades concretas, tanto no processode tomada de decisões quanto nade tomada de decisões quanto nade tomada de decisões quanto nade tomada de decisões quanto nade tomada de decisões quanto nasua execuçãosua execuçãosua execuçãosua execuçãosua execução” (grifo nosso). Santos fazainda a seguinte explicação:

Democracia participativa e não apenasrepresentativa. Podemos falar em demo-cracia direta, com qualidade nas interven-ções porque apostamos no processo en-quanto um instrumento permanente deformação política, com quantidade porqueapostávamos na política da inclusão desujeitos na vida da escola. Reconhecía-Reconhecía-Reconhecía-Reconhecía-Reconhecía-mos os limites da democracia damos os limites da democracia damos os limites da democracia damos os limites da democracia damos os limites da democracia daescolaescolaescolaescolaescola, porque esta se insere na infra-estrutura da sociedade capitalista, que secaracteriza pela exclusão e peloautoritarismo (SANTOS, 2004, grifo nosso).

Para Paracampos o “significado dedemocracia posta na Constituinte pressu-punha o entendimento das forças sociaisatuantes, num contexto de contradiçõesoriginadas no embate pelos interesses an-tagônicos de classe”.

Assim, buscando aprofundar mais aarticulação gestão democrática e a demo-cracia que lhe dá sustentação e como essaarticulação é percebida pelos sujeitos, comKemp teve-se a explicação que segue:

A concepção de gestão democrática e suaefetiva realização na escola se dariam apartir de uma nova concepção de demo-cracia, um novo jeito de cada ator socialpensar o seu papel, a começar com a com-preensão do funcionamento da socieda-de capitalista, a necessidade de sua supe-ração, porque ela reforça as relações au-toritárias, impossibilita a gestão democrá-tica em sua plenitude. Apontávamos osApontávamos osApontávamos osApontávamos osApontávamos oslimites da democracia burguesa, dalimites da democracia burguesa, dalimites da democracia burguesa, dalimites da democracia burguesa, dalimites da democracia burguesa, dademocracia representativa.democracia representativa.democracia representativa.democracia representativa.democracia representativa. Evidente-mente que se constituía um avanço noprocesso em que estávamos empenha-dos, o fato de mais sujeitos ocuparem oespaço público e passarem a exercer odireito a fala (KEMP, 2004, grifo nosso).

Kemp enfatiza que a gestão demo-crática precisaria ser entendida pelos sujei-tos da escola, mas para isso várias ques-tões deveriam ser assimiladas para, poste-riormente, chegar a uma superação que seiniciaria com o assumir de uma “nova con-cepção de democracia”. Questão comple-mentada por Santos:

Entendíamos que a transformação da es-cola que aí está não poderia ser obra deuns poucos ‘iluminados’, mas que deveriaenvolver a todos os interessados na educa-ção, ou seja, pais, alunos, educadores, fun-cionários da escola, dirigentes da educação,

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entidades da sociedade civil. Acreditávamos,também, que as pessoas se capacitariamao longo do processo de participação nosdebates e nas definições das propostas e,aos poucos, passariam a entender que aescola pública democrática, inclusiva, dequalidade social, transformadora, seria umaconstrução coletiva, isto é, o resultado deum esforço coletivo de articulação dos in-teresses das camadas populares por meioda educação (SANTOS, 2004).

Era com esta intenção e com estesentido, que segundo Paracampos “se bus-cava a participação ativa dos trabalhado-res da educação e da sociedade”.

Considerando os pontos acima deli-neados, Kemp ressalta que a gestão demo-crática é entendida como a “superação daspráticas desenvolvidas pela escola tradici-onal, que reproduzem as relações de poderda sociedade, a desigualdade, a exclusãoe a discriminação”, capaz de “instrumenta-lizar as pessoas para intervir na realidadepara transformá-la”. E mais, vai “além daspráticas de eleição da direção e do colegia-do escolar [...] numa concepção mais ampla,[...] administrada com participação popular”.

Santos afirma que “a ConstituinteEscolar foi um exemplo cabal da gestãodemocrática”, porém chama a atenção deque o entendimento da democracia é limi-tado na escola, e de nada adiantaria se “aSecretaria de Estado da Educação tivesseuma proposta avançada, se esta não fos-se assumida por quem faz a educaçãoacontecer no cotidiano das escolas”, e,soma-se a isto os empecilhos para se fazerde fato a democracia “até porque esta de-mocracia está inserida na infra-estrutura dasociedade capitalista”.

Nesse sentido, a articulação presen-te na relação gestão/democracia, e, no caso,a democracia participativa, choca-se coma ditadura do capital, propalada vianeoliberalismo, notavelmente colocado nafala de Paracampos, quando pressupõeque “o significado de democracia posto naConstituinte pressupunha o entendimentodas forças sociais atuantes, num contextode contradições originadas no embate pe-los interesses antagônicos de classe”.

Santos percebeu que há uma certadistância no entendimento da dimensão eda concepção avançada da proposta vei-culada via Constituinte Escolar pelos quefazem a educação no cotidiano da escola.Mas a questão é mais complexa.

O problema, conforme lembraFernandes (2000, p. 21) é que “a democra-cia é entendida como dadadadadadadadadada, como existen-te a priori, porque nela se fala” (grifo daautora), como se bastasse “apelar para oseu nome que disso resultaria um projetopolítico solidamente justificado”.

Senna (1994) alerta que “a democra-cia [...] foi colocada na ordem do dia semuma radical transformação do aparelho doEstado, e, o que se observa na sociedade éque esse caminho para a ‘consolidaçãodemocrática’ está sendo continuamenteminado” (p. 124).

A autora faz ainda a seguinte obser-vação:

Mas é difícil realizar democracia no capi-talismo. O Estado brasileiro, historicamentevem reproduzindo as desigualdades sócio-econômicas e conseqüentemente não épossível falsear os mecanismos que temlevado a não efetivação da democracia.

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[...]. Assim, numa perspectiva liberal, o Es-tado procura atender as demandas dasociedade (desde que não interfiram emsua lógica intervencionista), dando a ilu-são de que a sociedade civil exigiu doEstado o cumprimento de seu dever(SENNA, 1994, p. 67).

Mas como compreender as comple-xas questões sobre os limites da democra-cia se questões menores nela implícita nãoestão resolvidas?

Freitas (2003) chama a atenção deque o problema conceitual também nãoestá equacionado, são os que seguem: con-cepção de gestão democrática pautada naqualidade em processo e seus efeitos; nãoestá claro em que sentido e como se daráo envolvimento de todos; a dimensão pe-dagógica não aparece como componenteda concepção de educação defendida6; aqualidade que se busca, a social, não mos-tra claramente “a cidadania e a produçãode sujeitos coletivos que forjam identida-des sociais e políticas” (p. 207), ou seja, a“concepção de qualidade da educação nãoé explícita quanto ao entendimento de so-ciedade como instância de produção dohomem, de sua humanidade” (Ibid.).

O exame acima mostra que o con-ceito de gestão democrática é muito com-plexo e a dificuldade para entendê-lo estápara além dos espaços escolares. Freitasressalta que “essa questão tem recebidoescassa atenção nos cursos de formaçãoinicial [...]. Na formação continuada, em ge-ral, tem recebido tratamento meramentepragmático” (p. 194). E o que é maiscruciante: “[...] a democracia [...] tem sido en-tendida como mera existência de mecanis-

mos de gestão democrática” (p. 194), ou,ainda, como um mero discurso, conformedepoimento registrado por essa mesmaautora:

Participando em atividades do processo‘Constituinte Escolar’, em oito das vinte equatro escolas estaduais do município deDourados, a autora desse trabalho pre-senciou pronunciamentos públicos (deprofessores, diretores, coordenadores pe-dagógicos e representantes de pais) quedenunciavam práticas não-democráticasna gestão desse mesmo processo e narelação escolas e sistema estadual. Afir-mavam que a democratização da gestãoreduzia-se, na prática, a mero discurso(FREITAS, 2003, p. 215).

Para falar em democracia é precisoum olhar mais apurado teórico e politica-mente, e mais, conforme lembra Gramsci(1982), se faz necessário caminhar combase em reflexões acerca da produção dahegemonia no campo da educação e dacontribuição dos intelectuais.

E na seqüência, pelas respostasquanto aos motivos da interrupção do pro-cesso, logicamente, não descartando omencionado, parecem ser os motivos, tam-bém, de uma outra amplitude, conformepode ser a seguir constatado.

1.3 A interrupção do processo1.3 A interrupção do processo1.3 A interrupção do processo1.3 A interrupção do processo1.3 A interrupção do processoConstituinte EscolarConstituinte EscolarConstituinte EscolarConstituinte EscolarConstituinte Escolar

Com o afastamento de Kemp e suaequipe de trabalho aconteceu também ainterrupção do “Movimento ConstituinteEscolar”. Numa primeira observação, perce-be-se um certo conformismo, uma ausên-cia de reivindicações pelos sujeitos da es-cola e da comunidade que participaram do

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processo, parecendo que houve uma acei-tação sem questionamentos da interrupçãodo processo, uma vez que não se teve co-nhecimento de nenhuma manifestaçãoquanto ao acontecido. Assim, buscou-seesclarecimento mais fundamentado. Segun-do Kemp:

A interrupção da Constituinte Escolar sedeu em razão da substituição do Secretá-rio de Educação e de sua equipe, em ju-nho de 2001. Aproximava-se a eleição in-terna do PT para a renovação da direçãopartidária e o governador precisava recom-por seu grupo político que estava dividi-do, numa aliança que pudesse eleger opresidente e a maioria dos membros dodiretório. Esta eleição era vista como es-tratégica pelo governo, pois a nova dire-ção partidária conduziria a política de ali-anças para a reeleição do governador em2002 (KEMP, 2004).

Explicação não diferente foi dada porSantos, ao afirmar que “houve a necessi-dade de acomodação de um grupo políti-co do PT no governo, em troca de apoio aocandidato do campo majoritário à presidên-cia do Diretório Regional do Partido dos Tra-balhadores”.

Paracampos complementa a explica-ção de Santos:

O grupo político ligado ao ex-secretárioAntônio Carlos Biffi estava fora do governoe não poupava críticas ao mesmo no in-terior do partido e mesmo publicamente.Biffi havia sido exonerado da Secretariade Administração no final de 2000, apósuma reestruturação administrativa. Seuretorno ao governo era considerado comofundamental para a recomposição do gru-po político do governador. A secretariaescolhida foi a da Educação já que Biffiera professor e tinha pretensões políticas

para as próximas eleições. O então secre-tário, na visão do Governo também ficariacontemplado, pois assumiria sua vaga dedeputado na Assembléia Legislativa. A tro-ca foi feita e Biffi, que avaliava ter perdidoespaço na educação para Pedro Kemp,assume a Secretaria e, numa posturarevanchista, procura desconsiderar asações do antecessor. O Plano de Educa-ção para a Rede Estadual aprovado naConstituinte Escolar fica no esquecimen-to até 2003, quando o novo Secretário deEducação, Hélio de Lima, retoma as dis-cussões para a elaboração do Plano Esta-dual de Educação, para todo o SistemaEstadual de Ensino (PARACAMPOS, 2004).

Santos ainda retoma:Colocou-se na mesa de negociação umtrabalho de uma importante Secretaria dogoverno, que vinha se empenhando paraconstruir e efetivar uma política educaci-onal na rede pública de ensino, emconformidade com as diretrizes gerais queos educadores e educadoras progressistassempre defenderam, a educação enquantoum direito, a qualidade social, a demo-cratização do acesso à escola, a garantiada permanência, a gestão democrática ea valorização dos trabalhadores e traba-lhadoras em educação (SANTOS, 2004).

Kemp ainda chama a atenção parao ponto questionado sobre o fato de nãoter acontecido uma pressão organizada eimediatamente após o Congresso, conside-rando a concepção do movimento que his-toricamente se processava. Ele argumentaque esse é um assunto que “deveria serpesquisado”, mas, que nas suas palavras,“acredito que construíram para tal algunsfatores”:

a) Ninguém afirmou que a Constituintenão seria implementada. O Governo, aocontrário, garantiu a continuidade.

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b) Grande parte das políticas educacio-nais aprovadas no Congresso já estavamem processo de implementação.

c) Oposição da direção da FETEMS, que àépoca era politicamente ligada ao novoSecretário. Historicamente, sempre foi aFETEMS quem liderou os movimentosreivindicatórios da educação no Estado.

d) Desarticulação dos coordenadores edelegados das escolas que se dispersa-ram após o Congresso.

e) Certo conformismo de boa parte doseducadores com a ‘cultura’ dadescontinuidade de projetos com a trocade dirigentes da Secretaria de Educação(KEMP, 2004).

Kemp ainda complementa que:O processo da Constituinte Escolar foi pla-nejado para se desenvolver ao longo decinco momentos: 1º, de estruturação doprocesso e mobilização da comunidade;2º, de estudo da realidade sócio-econô-mico-político-cultural e definição dastemáticas; 3º, aprofundamento dastemáticas; 4º, elaboração do Plano Esta-dual de Educação; 5º, reestruturação dosprojetos político-pedagógicos e regimen-tos escolares (KEMP, 2004).

E mais:Com a aprovação do Plano de Educaçãopara a Rede Estadual de Ensino, em ju-nho de 2001, encerrava-se mais uma eta-pa do processo. A realização do Congres-so Estadual da Constituinte Escolar na-quele momento dava a impressão de con-clusão do trabalho realizado pelas esco-las e que se fizeram representar por seusdelegados. Ao final do evento, o governa-dor, percebendo o apoio e o engajamentodas escolas no movimento, fez entregaraos presentes cópias de uma carta suagarantindo a continuidade do processo,independente de qual secretário estaria afrente da pasta. Como o próximo passo da

Constituinte não tinha prazo para se rea-lizar, as escolas ficaram na expectativa dasorientações da nova equipe do órgão cen-tral e só foram percebendo que o proces-so havia sido interrompido aos poucos.

[...] Temos informações que muitos ofíciose abaixo-assinados chegaram das escolase COUNE´s (Conselhos das Unidades Esco-lares) à Governadoria, cobrando do gover-nador a continuidade da Constituinte Es-colar e o cumprimento do Plano aprovado.Houve também uma pressão dos diretoresdas escolas sobre o Secretário de Educa-ção que insistia em regulamentar as elei-ções para diretores em desacordo com asdeliberações do Congresso da Constituinte(voto proporcional dos segmentos da co-munidade escolar). Prevaleceu o aprovadono Plano. E, ainda, durante a campanhaeleitoral, o governador se reuniu com osdiretores das escolas de Campo Grande euma das reivindicações que recebeu dosmesmos foi a continuidade da Constituin-te e a execução do Plano. Conseguiram dogovernador este compromisso para o pró-ximo mandato (KEMP, 2004).

Santos apresenta outras contribuições:A construção coletiva é mais difícil. Quan-do se garante o direito a fala dos sujeitos,tem que ser respeitado em sua plenitude.Tínhamos isso muito claro, e foi o quenos ajudou em muito a levar o processoaté o final. É verdade que muitas reuni-ões, plenárias e encontros do processoConstituinte Escolar, tornaram-se oportu-nidades de reivindicação, por melhoriasnas condições físicas nas escolas, por re-ajustes dos salários dos profissionais daeducação. Nós acolhemos as reivindica-ções, as demandas foram identificadas. Ossetores da Secretaria responsáveis foramcontatados para tentar resolver ao menosos casos mais urgentes. Mais tambémreafirmávamos que os sindicatos deveriamcontinuar organizando a categoria para

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lutar por seus interesses, que não bastavaapenas melhorar as condições físicas daescola para torná-la uma escola de quali-dade, democrática, para todos. Nós aposta-mos muito no processo que adotamos paraconstruir o Plano de Educação, porque oconcebemos como um instrumento fun-damental de formação, de disputa políticaideológica na sociedade (SANTOS, 2004).

Paracampos também acrescentamaiores explicações às suas análises:

A ausência de reivindicações dos educa-dores em minha análise se dá conside-rando o fato de não tornar explícito para oseducadores as mudanças na Proposta deEducação naquele momento, e tambémpor não termos consolidado o processo daConstituinte Escolar, retornando ao últimopasso que tinha como objetivo a continui-dade de investimento na formação doseducadores (PARACAMPOS, 2004).

Paracampos ainda acrescenta signi-ficativas contribuições:

Concluído o processo de elaboração doPlano de Educação para a Rede Estadualde Ensino de Mato Grosso do Sul, o iníciode sua execução começaria com a análi-se, a avaliação e reestruturação dos Pro-jetos Político-Pedagógicos e RegimentosEscolares, nos casos em que isso aindanão ocorrera, pois a Secretaria de Educa-ção, ao longo do processo ConstituinteEscolar, já havia direcionado sua ação comvistas a isso. Mas, esse processo não teveprosseguimento com a mudança de Se-cretário de Estado de Educação, imediata-mente após a aprovação do Plano Estadu-al de Educação, em junho de 2001. A pró-pria proposta de educação foi, em grandeparte posta de lado, ainda que formalmen-te não tivesse sido suspensa e nem outrativesse sido apresentada à sociedade. Paraas escolas, a descontinuidade da políticaeducacional não se tornou, de imediato,evidente. A nova equipe na pasta da edu-

cação deu prosseguimento somente paraàquelas medidas exigidas por força danorma estabelecida (PARACAMPOS, 2004).

Faz-se importante relembrar que oProjeto Constituinte Escolar fundamenta-sena gestão democrática, cuja articulação sepretende na base da democracia partici-pativa. Esta base não deu conta de concre-tizar um projeto educacional, uma vez queeste projeto educacional fica subjugado aum projeto de governo simplificado em umdeterminado partido político: o Partido dosTrabalhadores (PT).

O partido é importante, não se nega,mas é preciso que os interesses particula-res individuais ou de pequenos grupos nãose sobreponham aos interesses de um co-letivo maior de sujeitos. Um partido não seconstitui por si só, ou seja, “preso em umaredoma de vidro”, pelo contrário, ele se dáe se faz nas múltiplas relações da socieda-de. Pelas falas ficou perceptível que há umadesarticulação interna entre membros, re-tratando, também, uma distância dos prin-cípios defendidos. Portanto, se faz impres-cindível compreender as contradições, asmediações e, se não for ousar muito, a tota-lidade da questão.

Semeraro (1999), lembra a “força e aatualidade da concepção de Gramsci [...]”,para entender os pontos colocados, uma vezque “não dependem só da busca de expli-cações teóricas e das análises dos mecanis-mos que influenciam o comportamento hu-mano” (p. 251). Ainda que essas atividadessejam necessárias, para Gramsci não sãosuficientes para a construção plena da per-sonalidade de novos sujeitos sociais no tra-ma tão complexo da moderna sociedade.

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Assim,Torna-se fundamental à ação política, aprática duma pedagogia democrática, aorganização das forças populares e oenvolvimento ativo de intelectuais demassas na difícil tarefa de superar todotipo de dominação existente nas estrutu-ras econômico-jurídicas e nas relaçõesintersubjetivas e sociais (p. 251).

E foi buscando essa compreensãoque se solicitou aos sujeitos uma análiseda “continuidade descontínua” dos proje-tos implantados e “implementados” na edu-cação em cada gestão governamental, emespecífico nas últimas duas décadas doséculo XX e nos anos iniciais do século XXI.

1.4 A 1.4 A 1.4 A 1.4 A 1.4 A continuidade descontínuacontinuidade descontínuacontinuidade descontínuacontinuidade descontínuacontinuidade descontínuadas políticas públicasdas políticas públicasdas políticas públicasdas políticas públicasdas políticas públicas

Vieira (2000), chama a atenção paraa continuidade descontínua das políticaspúblicas, em específico da política educacio-nal brasileira. E sendo esta uma questãoimplícita e explícita na história da política emMato Grosso do Sul, foi colocado a cada umdos sujeitos desse estudo o seguintequestionamento: Qual é a sua avaliaçãosobre a “continuidade descontínua” dos pro-jetos implantados e “implementados” naeducação em cada gestão governamental,em específico nas últimas duas décadas doséculo XX e nos anos iniciais do século XXIno MS? Kemp assim respondeu:

Quando há mudança de orientação geraldo Governo, ou seja, quando um governoassume com um projeto político-ideológi-co totalmente diferenciado do anterior é,de certo forma compreensível que hajamudanças nas políticas educacionais, umavez que a educação formal é, também,

um ato político. Porém, mesmo esta mu-dança de orientação não deveriadesconsiderar por completo todo o traba-lho até então realizado. As escolas nãosão laboratórios e os educandos não po-dem ser prejudicados neste processo.

Agora, quando a descontinuidade de pro-jetos se dá durante uma mesma gestão degoverno, isto é lamentável. Denota a inter-ferência de projetos pessoais, de modis-mos, de interesses particulares e práticasautoritárias que não permitem aprimoraro sistema educacional. A comunidade es-colar deve ser formada politicamente e ca-pacitada a participar de forma qualificadade modo a rechaçar a descontinuidade dosprojetos educacionais (KEMP, 2004).

Santos também desvela as mazelasdessa descontinuidade:

A descontinuidade não permite consoli-dar uma política educacional, não faz acon-tecer no chão da escola a proposta quese quer implementar. A descontinuidadegera um descrédito naqueles atores - osprofessores- que deveriam se motivar paraabraçar uma causa. A descontinuidade éreveladora do descompromisso dosgovernantes para com a educação públi-ca. A descontinuidade é reveladora da fra-gilidade da luta sindical dos trabalhadoresem educação, que se apegam tão somentena questão salarial, e às vezes, secunda-rizam a questão educacional, pedagógica.O quadro que se desenha é que o gover-no de Zeca do PT que durará oito anos,não terá maiores avanços no tocante aimplantação de uma política educacionalinclusiva, de qualidade para todos, comgestão democrática e valorização do magis-tério (SANTOS, 2004).

Paracampos também apresenta suacontribuição sobre a problemática colocada

A análise da descontinuidade dos projetosimplantados e implementados na Educação

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em cada gestão governamental tem sedado pela correlação de forças políticas entreos diferentes partidos políticos no poder,que representem por sua vez, o compro-misso de classe que defendem. E é estacorrelação de forças entre as diferentes ten-dências em um mesmo partido que levade uma forma velada a mudar os projetose, portanto, a Proposta Educacional emmomentos de mudanças de secretários emum mesmo governo (PARACAMPOS, 2004).

Pelos pontos ressaltados, muitos dasquestões internas do partido não estavamresolvidas. Ficam evidentes disputas ideo-lógicas, oposição entre os trabalhadores,visões diferentes sobre questões comuns emesmo sobre questões teóricas.

Autores como Petras e Veltmeyer,que vêm tecendo considerações significati-vas e enriquecendo o debate em foco, apre-sentam análises, ressaltando mais uma vezque experiências com estratégias alternati-vas de desenvolvimento participativo sãointeressantes, mas que considerando asoperações com apoio estatal e forças soci-ais que estão por trás, pode-se garantir quenesse momento chegam até a criar qual-quer progresso, mas nenhuma prosperará.A justificativa para tal posição é a de que:

O modelo neoliberal que está por trásdessas políticas, e as forças sociais colo-cadas atrás delas, criam as condições nasquais a economia, em sua maior parteestá desenvolvendo-se. A única maneirade um processo alternativo surgir e pros-perar é por uma mobilização em largaescala das forças contra o sistema e deoposição em todo o país (PETRAS eVELTMEYER, 2001, p. 118).

Saviani (1996), lembra que, frente aoquadro histórico que a humanidade atra-vessa, o aspecto econômico e, decorrentes

deste o social, o político, o educacional, en-tre outros, devem ser levados em conta,quando se propõe a entender com maissignificado uma determinada ação. Ter estaconsciência é questão indispensável, con-siderando que:

Na produção social de sua vida, os ho-mens estabelecem determinadas relaçõesnecessárias e independentes de sua von-tade, relações de produção que corres-pondem a uma determinada fase do de-senvolvimento de suas forças produtivasmateriais. O conjunto dessas relaçõesconstitui a estrutura econômica da socie-dade, a base real, sobre a qual se ergueuma superestrutura jurídica política e àqual correspondem determinadas formasde consciência social. O modo de produ-ção da vida material condiciona os pro-cessos da vida social, política e espiritualem geral (MARX & ENGELS, 1976, p. 57).

A preocupação está em mostrar que“os homens sempre fizeram falsas represen-tações sobre si mesmos, sobre o que sãoou o que deveriam ser”, e para explicar es-sas falsas representações se faz necessárioentender alguns pressupostos.

Toda história humana é naturalmen-te a existência de indivíduos vivos e que oprimeiro ato histórico desses indivíduos epelo qual se percebe a distinção dos ou-tros animais não é o fato de pensar, mas éo de produzir seus meios de vida. E ao pro-duzir esses meios produzem a sua própriavida material, e a produção dessa vidamaterial é a própria história dos homens. Aconsciência decide as relações entre os ho-mens e estes com a natureza. Marx frisaque “não é a consciência que determina avida, mas a vida que determina a consci-ência” (MARX & ENGELS, 1976, p. 37).

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Assim, às instituições sociais, nasformas governo, família, escola, igreja sãoarticuladas pela interdependência visíveisnos aspectos: crença, burocracia, política.Dentro das formas sociais os homens esta-belecem relações que dão constituição àsociabilidade humana. Essas relações nãosão estáticas, não são homogêneas, nãosão harmônicas. São constituídas num mo-vimento dialético em que a humanidadese produz, se reproduz, tece idéias conjuntase, ao mesmo tempo, entra em contradições.Uma relação pedagógica (educação), porexemplo, estabelece formas homogêneas,mas sempre em movimento permeado poroutras questões, com as relações sociais,econômicas e políticas, as concepções, ascrenças, as preferências, as pressões, asexclusões, os conflitos, as seduções, osamparos, as ajudas, enfim, questões amplase específicas que fazem o cotidiano.

As relações humanas são complexase nestas, o sujeito revela-se, relaciona-se,complica-se, resolve-se. Há uma interdepen-dência mútua, mas não autônoma. A cons-trução histórica que hoje movimenta o fa-zer humano é produto de múltiplas deter-minações resultantes de um insano que-bra-cabeça.

Esse ‘quebra-cabeça insano’ foi criadopelo capitalismo avançado que ‘devora asi e aos outros’. Esses outros, entre eles,países como o Brasil [..]. Sendo assim, porque não pensar em lutar, diante dessasituação, por estruturas sociais diferentes,sem se sujeitar à lógica da destruição?(SENNA, 1994, p. 53).

Senna remete à necessidade de secontinuar buscando aqui, nesse momentohistórico, estruturas sociais diferentes, trilhan-

do caminhos que não sejam os da destrui-ção, mas lembra ainda que para isso é neces-sário discutir por que “[...] o Estado permane-ce ‘sem regras’ e ‘sem medidas’, o que decerta forma cria espaço para as resistênciasantidemocráticas” (SENNA, 1994, p. 124).

Tal afirmação fica evidente quando,historicamente, se tem um quadro permea-do pela descontinuidade das políticas pú-blicas no geral e, em específico, de um pro-jeto em detrimento de outro, como foi o casoda Constituinte Escolar7 que perdeu o seucaráter constituinte8, dentre muitos outrosfatores, para um projeto político-partidário9.

Mas como se acredita que nada queacontece na história humana é em vão eque em cada ação se fortalecem as basespara a construção do que se almeja, o Pro-jeto Constituinte Escolar, colocado aquicomo um exemplo da continuidadedescontínua das políticas públicas, pela suadimensão, mesmo ainda não percebida nasua totalidade, marcou o momento históri-co, sedimentando novas bases, no momen-to tão fortes, que não encontraram um ali-cerce que lhe sustentasse.

E foi com esse entendimento que sesolicitou, também, uma avaliação do pro-cesso vivenciado na Constituinte Escolar deEnsino de Mato Grosso do Sul, no períodode 1999 a 2001.

1.5 Avaliando o processo1.5 Avaliando o processo1.5 Avaliando o processo1.5 Avaliando o processo1.5 Avaliando o processovivenciado via Constituinte Escolarvivenciado via Constituinte Escolarvivenciado via Constituinte Escolarvivenciado via Constituinte Escolarvivenciado via Constituinte Escolar

Foi solicitado aos sujeitos históricosda pesquisa, uma avaliação do processovivenciado via Constituinte Escolar. Kempapresenta sua avaliação ressaltando muitos

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pontos positivos, mas conforme destaqueabaixo, chama a atenção para um pontode extrema complexidade, que se acredita,já analisado teoricamente nesse estudo:

Foi um processo extremamente rico, demuita mobilização nas escolas, de muitodebate, de formação e capacitação. Este foio principal resultado e ninguém pode apa-gar. Educadores, pais e alunos tiveram aoportunidade de discutir a educação en-quanto sujeitos do processo. Debateram osistema educacional no seu contexto maisamplo, ou seja, como produção de umarealidade social, econômica, política e cul-tural; foram levados a rever práticas peda-gógicas tradicionais; aprofundaram sobreproblemas que interferem no processoeducacional e debateram políticas educa-cionais que pudessem responder aos de-safios do nosso tempo. É claro que nemÉ claro que nemÉ claro que nemÉ claro que nemÉ claro que nemtodos acreditavam no processo e,todos acreditavam no processo e,todos acreditavam no processo e,todos acreditavam no processo e,todos acreditavam no processo e,por isso não se envolveram comopor isso não se envolveram comopor isso não se envolveram comopor isso não se envolveram comopor isso não se envolveram comodeveriam. Tdeveriam. Tdeveriam. Tdeveriam. Tdeveriam. Talvez porque a demo-alvez porque a demo-alvez porque a demo-alvez porque a demo-alvez porque a demo-cracia participativa ainda não é umacracia participativa ainda não é umacracia participativa ainda não é umacracia participativa ainda não é umacracia participativa ainda não é umaprática muito corrente entre nósprática muito corrente entre nósprática muito corrente entre nósprática muito corrente entre nósprática muito corrente entre nós. Mui-tos preferem esperar pelas soluções mági-cas e já prontas, vindas de cima para baixo.Porém, aqueles que participaram efetiva-mente, com certeza, puderam perceber queo futuro da escola pública é de responsa-bilidade de todos e não só do agentegovernamental. A Constituinte Escolar de-volveu às escolas o papel de protagonistasno debate da educação que temos e natarefa de decidir sobre a educação que que-remos e que sirva de instrumento para aconstrução da nossa sociedade (KEMP, 2004,grifo nosso).

Santos, em sua avaliação, apontapara questões de extremo significado parase entenderem muitas das questões colo-cadas até exaustivamente:

Foi uma experiência dolorosa para quemesteve à frente do processo. Não havia

uma coesão interna entre a equipe diri-gente da Secretaria de Estado de Educa-ção com relação a Constituinte Escolar..... Aopção adotada foi deflagrar o processoConstituinte concomitante com a elabo-ração de políticas educacionais, como porexemplos, Educação de Jovens e Adultos,Educação Básica do Campo, Ensino Mé-dio etc. Pensávamos na estreita relaçãoentre ambos movimentos, na potenciali-zação mútua, na aglutinação das açõesnum mecanismo extremamente democrá-tico. Não faria sentido defender a demo-cracia participativa e chegar à escola umcaderno com uma política pronta e aca-bada, produzido por determinado setor daSecretaria, a ser seguido e implementadopela escola. Não faria sentido tambémpassarmos um bom tempo debatendo ecolhendo opiniões sem avançarmos aimplementação das diretrizes gerais denossa política, apresentada no programade governo e no caderno Escola Guaicuru,Vivendo uma nova lição. O ponto de equi-líbrio não foi uma tarefa muito fácil, e àsvezes ele não aconteceu (SANTOS, 2004).

Paracampos apresenta limites, masressalta a importância das ações até entãoefetivadas:

A Constituinte Escolar em Mato Grossodo Sul demarcou o compromisso com odesenvolvimento de um processo demo-crático que possibilitasse aos educadorese a sociedade, a compreensão e o exercícioefetivo de uma participação ativa de for-ma madura e refletida no processo de dis-cussão e decisão sobre a educação. O quesignificou debater com a sociedade sul-mato-grossense, temáticas que pudessementender as reais causas dos problemassociais e a função da escola neste mo-mento histórico da sociedade capitalista,as mudanças necessárias, reconhecendo,porém, os limites de uma açãotransformadora mais radical. Ter participado

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deste momento histórico da educação emMato Grosso do Sul, com o Pedro foi demuito aprendizado, satisfação e realiza-ção como pessoa e como profissional(PARACAMPOS, 2004).

Kemp destacou que foi “um proces-so extremamente rico, de muita mobilizaçãonas escolas, de muito debate, de formaçãoe capacitação. Este foi o principal resultadoe ninguém pode apagar”. Levanta, ainda,pontos de suma importância para o enten-dimento que se almeja, trazendo à tona opapel de outros autores, ou melhor, outrossujeitos sociais:

Foram dois anos e meio de debates. Noprimeiro ano, tivemos que vencer resis-tências enfrentar a oposição da FETEMS emotivar as pessoas à participação, umavez que já estavam descrentes com osprojetos que vinham da SED. O segundoano foi de maior participação. Os cader-nos temáticos chegaram a todas as esco-las. Tive a oportunidade de presenciar odebate em muitas delas. Muitas escolasse reuniram por região para um estudoconjunto. Algumas aproveitavam até o fi-nal de semana para estudar, com almoçode confraternização e tudo. Tínhamos res-gatado a confiança dos educadores, atéporque boa parte do que era discutidocom a comunidade já era acatado pelaSED e era implementado (ex.: EducaçãoBásica do Campo, Educação Especial, Edu-cação de Jovens e Adultos, a revisãocurricular do Ensino Médio, a organiza-ção do Ensino Fundamental em Ciclos...)A seriedade com que os delegados dasescolas participaram das discussões e de-liberações do Congresso foi impressionan-te. Ponto por ponto, tudo exaustivamentedebatido e aprovado. O que não eraconsensuado era votado democraticamen-te. Mais do que um Plano, o que ficou foio processo (KEMP, 2004).

Santos recorda que não foram mo-mentos fáceis e explica a questão que con-siderou mais crucial, ou seja, que “não ha-via uma coesão interna entre a equipe diri-gente da Secretaria de Estado de Educaçãocom relação a Constituinte Escolar”””””:

Esta dificuldade interna se explica funda-mentalmente em razão da composiçãopolítica que foi feito para a ocupação doscargos principais de direção na Secretariade Educação, os quais foram divididosentre as forças políticas do PT com acúmulona área da educação. Havia uma disputapolítico-ideológica e uma disputa apenaspelo poder, pelo controle da máquina. Ti-vemos o boicote sistemático e organizadoda direção do movimento sindical dos pro-fessores, liderado pela Articulação Sindi-cal que comandava a FETEMS. Tal oposi-ção não era uma oposição qualquer,estamos falando de um grupo político comforte inserção na categoria dos trabalha-dores em educação, e que naquela opor-tunidade controlava pouco mais de 50 dos66 sindicatos filiados a Federação. Evidenteque havia os nossos limites de atuação,principalmente quando se considera amagnitude da responsabilidade em queestamos empenhados (SANTOS, 2004).

Paracampos observa que havia ain-da muito que fazer:

O próximo momento da ConstituinteEscolar se referia a análise, avaliação ereestruturação dos Projetos Político-Peda-gógicos e regimentos escolares em con-sonância com o plano, portanto seria omomento de retornarmos o debate sobreos projetos pedagógicos desenvolvidos, econtinuarmos o processo de formação doseducadores tendo como referência os prin-cípios da Escola Guaicuru: vivendo umanova lição. Com a mudança de Secretáriohouve uma mudança na condução daProposta de Educação, embora esta

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mudança não tenha sido explicitada paraos educadores, sendo percebida com otempo e pelas novas formas de orienta-ções e de condução dos projetos da SED.Percebe-se, por exemplo, na elaboraçãodo Plano Estadual uma participação re-presentativa dos educadores e da socie-dade neste processo, onde a concepçãode democracia embora não tenha sidodebatida ou explicitada muda substanci-almente (PARACAMPOS, 2004).

Estão evidentes tanto nas palavras deKemp mencionadas acima, quanto nas pala-vras de Santos e de Paracampos, que os mo-tivos que incorreram na interrupção da Cons-tituinte Escolar estão além da escola, alémda SED, palavras reafirmadas por Santos:

Resultado deste limite foi não termos con-seguido pautar o processo Constituinte naAgenda do governo, torná-lo de fato umaação do governo de Mato Grosso do Sul.Apesar das dificuldades, elaboramos o Pla-no Estadual de Educação para Rede Esta-dual de Ensino, aprovado no CongressoEstadual em julho de 2001, com poucomais de mil delegados (SANTOS, 2004).

Semeraro (1999), observa que Gramscisempre defendeu a possibilidade da socie-dade civil enfrentar o totalitarismo e chegara instaurar uma democracia substantiva emrealidades complexas e mundializadascomo a de hoje, cujas possibilidades seriampossíveis, desde que se flexibilizassem as or-ganizações, denunciando a insuficiência dastradicionais práticas políticas, das estruturasburocrático-administrativas e as limitaçõesde um poder econômico considerado oni-potente. Mas, “como chegar a um entendi-mento e a uma interação quando se defron-tam interesses contrapostos e concepções demundo inconciliáveis?” (p. 255).

Semeraro, na busca de uma respos-ta, até apresenta o pensamento de algunsintelectuais como Habermas, Cohen eArato, que sugerem a “desobediência civil”,a necessidade de redobrar a pressão e amobilização da esfera pública contra o sis-tema, levando este à modalidade do con-flito, neutralizando a contra circulação nãooficial do poder.

Mas, tais indicativos ficam “aquémdas fronteiras populares e democratizadorasalcançadas pela visão de Gramsci” (p. 257).Semeraro ainda lembra que para Gramsci:

A sociedade civil [...] não é só o lócus darazão discursiva e o encontro de sujeitosfalantes sobre regras universais, mas tam-bém o território da disputa e da definiçãodo poder, o campo onde se lançam aspremissas concretas, capilares eabrangentes dum projeto global de socie-dade (SEMERARO, 1999, p. 258).

Assim entendida, continua Semeraro:[...] a sociedade civil torna-se [...] o campodo confronto de práticas efetivas que reve-lam a verdadeira face democrática das pro-posições verbais; torna-se o território dosembates e a busca de formas concreta-mente convincentes para a expansão dasforças que lutam para fazer prevalecer osinteresses da maioria da população. Nessesentido, sua maior preocupação está sem-pre voltada para a autodeterminação dagrande massa e dos setores subjugados,para que se eduquem reciprocamente, atu-ando na sociedade civil não apenas parase proteger da colonização do Estado e domercado, mas, principalmente para des-mascarar suas contradições e superá-lasradicalmente com a configuração de umnovo Estado e duma economia realmentedemocrática (p. 258-259).

Mas, para um projeto caminhar combase nessas orientações se faz necessário

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viver em uma sociedade e fazer parte deuma comunidade comprometida politica-mente, cujas energias do passado sejamlançadas para o presente, com projeçõesde relações intersubjetivas e corporativasno conjunto global das relações econômi-cas, políticas e sociais, lembrando que ahistória é sempre mundial e nunca históriasparticulares. Semeraro lembra que Gramscichegou a perceber que é possível articularum projeto democrático e popular. Como?

[...] educando-se para respeitar as liberda-des, reconhecer as diferenças, não des-prezar o dissenso, dialogar com outrasculturas, valorizar as inúmeras iniciativasque conduzem à autodeterminação e frus-tram os monopólios da verdade, a con-centração do poder e todas as tentativasde massificação (p. 265).

E, ainda é preciso que “cada gera-ção tenha suas responsabilidades políticas– únicas e intransferíveis” (p. 266). Nessesentido,

as análises de Gramsci permanecem fun-damentais para quem está consciente deque as relações entre Estado, economia esociedade civil são inseparáveis, e, quetambém saiba que os inúmeros esforçosdos setores populares estão destinados ase pulverizar se não encontrarem umaconcepção de Estado e de sociedade quetoda a população – intelectual e social-mente emancipada – aja como o verdadei-ro sujeito duma história capaz de conduziraté a mais elevada utopia da sociedadeauto-regulada (SEMERARO, 1999, p. 266).

Considerando os acertos e os desa-certos com a democracia, a ConstituinteEscolar da Rede Estadual de Ensino deMato Grosso do Sul é um exemplo de quenão se está de braços cruzados quanto às

questões da democratização da gestão daeducação sul-mato-grossense. O processoproporcionado pela Constituinte Escolarregistra um momento histórico, pautado nodesejo de que esta democratização sejamais do que uma proposta de gestão de-mocrática.

NotasNotasNotasNotasNotas1 Cf. ARANDA (2004) que apresenta a ConstituinteEscolar da Rede Estadual de Ensino de Mato Gros-so do Sul (1999-2001), um dos projetos constitutivode um projeto educacional maior denominado Es-cola Guaicuru: Vivendo uma Nova Lição (colocadocomo marco inicial de um projeto a ser trabalhadocoletivamente pelos segmentos que desejam mu-danças dentro de uma perspectiva de transforma-ção social), apresentado aos educadores e comuni-dades escolares como uma proposta de gestão de-mocrática, pautado na democracia participativa ecolocado como um exercício possível para a supe-ração de práticas arraigadas ao longo da história daeducação do estado.2 Cf. O Que é a Constituinte Escolar (Caderno dasérie Constituinte Escolar nº 01/1999).3 Cf. Programa de Governo para Mato Grosso doSul: Movimento Muda Mato Grosso do Sul– PT/PDT/PPS/PC do B/PAN/PSDB (1998).4 Cf. Projeto Educacional Escola Guaicuru: VivendoUma Nova Lição. Proposta de Educação do GovernoPopular de Mato Grosso do Sul – 1999-2002 (1999).5 Segundo Benevides (2000, p. 19-20), “[...] a cidada-nia ativa através da participação popular é [...] consi-derada um princípio democrático, e não um receitu-ário político, que pode ser aplicado como medida oupropaganda de um governo, sem continuidadeinstitucional. Não é ‘um favor’ e, muito menos umaimagem retórica. É a realização concreta da soberaniapopular, mais importante do que a atividade eleitoralque se esgota na escolha para cargos executivos elegislativos. [...] esta cidadania ativa supõe a participa-ção popular como possibilidade de criação, transforma-ção e controle sobre o poder ou os poderes”.6 A concepção de educação defendida na proposta

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“Escola Guaicuru” aparece como “[...] processoformativo que significa a construção e difusão doconhecimento e da cultura” (MATO GROSSO DOSUL, Projeto Escola Guaicuru, 1999, p. 19).7 Lembra-se mais uma vez que a Constituinte es-colar teria como “eixo basilar” a democratização dagestão fundada no princípio da participação coleti-va. Isso implicaria em efetivo diálogo com a comu-nidade, em levar à comunidade os instrumentos dereflexão que lhe permitam tomar decisões funda-mentadas e refletidas e promover a compreensãoda lógica de funcionamento da sociedade capitalis-ta, assim como das formas concretas de superaçãodos problemas enfrentados.8 O vocábulo Constituinte, conforme é utilizado nesseestudo, tem um sentido dinâmico, significandoaquele ou aquilo que faz, que cria, que organiza,que estabelece alguma coisa. Portanto, remete aum poder que apresenta diferentes significados, taiscomo: possibilidade, capacidade de fazer uma coisa,império, soberania, autoridade, jurisdição, posse, atri-buição. Nesse sentido, entende-se por poder consti-tuinte, a “expressão da soberania nas relações in-terna do Estado”. E mais, “representa a autodetermi-nação de um povo”, ou a capacidade de um coletivode sujeitos “elaborar ou fazer cumprir o ordenamento

jurídico fundamental do Estado, sem a submissão aqualquer outro ordenamento ou decisão externa”.É o poder de constituir, e, num sentido tambémdinâmico, criar, fazer, organizar, estabelecer algu-ma coisa (BASTOS, 1998, p. 197-201). Efetuando umatransposição para a área da educação, tem-se ocaráter constituinte da Constituinte Escolar.9 Essa questão remete à Gramsci (1994) quandoexplicava sobre os partidos: “[...] estes são, até agora,o modo mais adequado para aperfeiçoar os diri-gentes e a capacidade de direção”, em outras pala-vras “os partidos podem-se apresentar sob os no-mes mais diversos, mesmo sob o no, e de antipartidoe de ‘negação dos partidos’; na realidade, até oschamados ’individualistas’ são homens de partido,só que pretenderiam ser chefes de partido’ [...]” (p.20). Um partido pode ser representado por uma eli-te ou por uma não-elite, uma vez que “A massa ésimplesmente ‘manobra e é ‘conquistada’ com pre-gações morais, estímulos sentimentais, mitosmessiânicos de expectativa de idéias fabulosas nasquais todas as contradições e misérias do presenteserão automaticamente resolvidas e sanadas (p. 24).Escrever a história de um partido significa exata-mente escrever a história geral de um país, de umponto de vista monográfico” (p. 24).

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Recebido em 28 de julho de 2005.Recebido em 28 de julho de 2005.Recebido em 28 de julho de 2005.Recebido em 28 de julho de 2005.Recebido em 28 de julho de 2005.Aprovado para publicação em 13 de setembro de 2005.Aprovado para publicação em 13 de setembro de 2005.Aprovado para publicação em 13 de setembro de 2005.Aprovado para publicação em 13 de setembro de 2005.Aprovado para publicação em 13 de setembro de 2005.

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Reformas educacionais, cultura e cotidiano escolarReformas educacionais, cultura e cotidiano escolarReformas educacionais, cultura e cotidiano escolarReformas educacionais, cultura e cotidiano escolarReformas educacionais, cultura e cotidiano escolarEducational reforms, culture and daily school routine

Maria Aparecida de Lima Madureira*Sergio Marcos Rodrigues da Silva*Jorge Luis Cammarano Gonzalez**

* Mestrandos do Programa de Mestrado em Educação daUniversidade de Sorocaba – UNISO.e-mail(s): [email protected]

[email protected]

** Professor do Programa de Mestrado em Educação daUniversidade de Sorocaba – UNISO.e-mail: [email protected]

ResumoResumoResumoResumoResumoO texto aqui apresentado problematiza as relações e mediações entre as reformas educacionais promovidaspelo Estado brasileiro, nos anos noventa do século passado, a cultura escolar e o cotidiano escolar. Observa-mos, no âmbito da educação escolar, que as políticas reformistas constituem um esforço de feições planetárias,promovido pelos conglomerados transnacionais e seus agentes multilaterais: BIRD, BID, FMI e OMC. Assumimoso suposto de que as reformas educacionais, nucleadas na educação para o trabalho e para a cidadania,referenciam-se em práticas formativas cuja finalidade é a formação do indivíduo nos limites das relaçõesfundantes da sociedade das mercadorias como meio de criar as possibilidades de naturalizar e perpetuar alógica do Capital em sua luta incessante para controlar, subordinar e alienar o Trabalho.

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chaveReformas educacionais brasileiras dos anos 90; cultura escolar; cotidiano escolar.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractThe text brings up the relationships and mediations between educational reforms promoted by the BrazilianState during the 90s of the 20th century, school culture and daily school routine. It was observed in therealm of schooling, that the reformist policies constitute an effort of planetary proportions, promoted by thetrans-national conglomerates and their multilateral agents: BIRD, BID, FMI and OMC. It is presumed thateducational reforms, focused on education for work and for citizenship, take as their reference formativepractices, the aim of which is the formation of the individual on the boundaries of the founding relationshipsof the merchandise society as a way of creating possibilities for naturalizing and perpetuating the logic ofCapital in their incessant struggle to control, subordinate and alienate Work.

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsBrazilian educational reforms of the 90s; school culture; daily school routine.Apresentação

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 20, p. 175-193, jul./dez. 2005.

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O texto aqui apresentado busca o en-tendimento dos possíveis determinantes dasreformas educacionais brasileiras, ocorridasnos anos 90 do século passado com basenas mudanças no processo técnico-produti-vo do Capital, na perspectiva de subordinar,controlar, precarizar e alienar o Trabalho. Ten-demos a supor que as reformas educacio-nais em curso, nucleadas na educação parao trabalho e para a cidadania, orientam-sepor práticas formativas cuja finalidade é aformação do indivíduo nos limites dagenericidade em-si, do mundo prático, utili-tário, eficiente e eficaz, isto é, nos limites dasrelações sociais fundantes da formação so-cial capitalista. Em outros termos, avaliamosque as reformas educacionais em curso fo-mentam a redução do indivíduo às habilida-des cognitivas de sua consciência e à supos-tas competências que articulam suas possí-veis condições de adaptação, nos limites daeducação para o trabalho (Capital) e para acidadania (Estado). Desde essa apreciação,consideramos que a proposta reformista secontrapõe às possibilidades de um proces-so de escolarização que contribua na pers-pectiva de remover radicalmente as práticassociais que objetivam a alienação, a explo-ração e o controle do Trabalho pelo Capital.

Dessas observações, derivamos aproblematização que orienta este trabalho:que conhecimentos e que condutas têmsido objetivadas na instituição escolar, pau-tadas nas mediações entre cultura escolare reforma educacional? E com base em quepráticas escolares tem-se objetivado a apro-priação da reforma educacional em curso?

Assim, na tentativa de explicitar o

papel mediador da cultura escolar na apro-priação das reformas educacionais e otensionamento criado entre as práticas pro-postas pela reforma educacional e o cotidi-ano escolar, pesquisamos uma instituiçãoescolar do Município de Sorocaba – SãoPaulo. Do exame, aqui registrado, dessainstituição escolar, depreendemos que alógica do Capital tem, nas reformas educa-cionais, uma de suas principais estratégiaspostas na perspectiva de perpetuar amercantilização da vida alienada em todasas suas dimensões.

Ante o exposto, como caracterizar asreformas educacionais brasileiras nos anosnoventa? É disto que tratamos a seguir.

Caracterizando as reformas educa-Caracterizando as reformas educa-Caracterizando as reformas educa-Caracterizando as reformas educa-Caracterizando as reformas educa-cionais brasileiras nos anos noventacionais brasileiras nos anos noventacionais brasileiras nos anos noventacionais brasileiras nos anos noventacionais brasileiras nos anos noventa

O entendimento dos possíveis deter-minantes das reformas educacionais brasi-leiras ocorridas nos anos 1990 do séculopassado requer caracterizar, mesmo quesucientamente, o contexto histórico e políti-co em que essas reformas foram implemen-tadas. Nessa direção, assinalamos, comoantecedentes desse contexto, a partir demeados da década de 1980, inúmeras ino-vações científicas e tecnológicas, como amicroeletrônica, a robótica, a química fina,a biotecnologia e a fibra ótica, que passama ser incorporadas pelos processos produ-tivos do mundo capitalista, demandandomudanças nos processos de qualificaçãoda força de trabalho. Observamos, ainda,que essa descrição não incide em conside-rarmos tais mudanças como sujeitos desseprocesso; antes, consideramos que as trans-

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formações na base técnico-produtiva aten-dem aos esforços implementados pelo capi-tal na perspectiva de controlar e subordinaro trabalho. Ponderamos que essas mudan-ças fomentariam, gradativamente, a supera-ção de práticas fordistas de produção e aadoção de modelos produtivos mais flexí-veis, que culminariam, em algumas regiõesdo mundo capitalista, com uma racionaliza-ção da produção orientada pelo toyotismo.

Além das alterações nos setores pro-dutivos, o mundo passaria a viver uma re-composição geopolítica no lastro da deses-truturação do projeto socialista nos paísesdo Leste Europeu. Essas transformaçõespautam-se pela intensificação das relaçõescapitalistas de produção, configurando umprocesso que alguns autores, como Ches-nais (1996), qualificam de mundializaçãodo capital, e que se desenvolve sob o co-mando dos grandes conglomerados trans-nacionais e seus agentes multilaterais –BIRD, BID, FMI e OMC. Nesse contexto, omodelo político do Estado do Bem-Estar So-cial vai sendo, gradativamente, substituídopelo que se convencionou chamar de políti-ca neoliberal. Essa política busca a amplia-ção de mercados, a desregulamentação daseconomias nacionais, a privatização e apro-priação de serviços públicos pelos grandescapitais e a precarização do trabalho naperspectiva de ruptura com o contrato so-cial resultante dos embates entre capital etrabalho, derivados do período pós Segun-da Guerra Mundial. A dinâmica desses pro-cessos, com seus tempos e formas específi-cas, acaba por produzir, intermediada pelaação dos organismos financeiros internacio-nais, interferências e ingerências nos cam-

pos político, cultural, social e econômico que,em parte, materializam-se na reforma doEstado e, especificamente, nas reformas im-plementadas no âmbito da educação.

Em conformidade com o exposto,consideramos que os anos de 1980 e 1990marcam um debate bastante relevante noque se refere às formas de produção e re-produção da vida humana, até por contada racionalidade histórica da formação eco-nômico-social capitalista, que altera a baseprodutiva por meio do desenvolvimentocientífico, gerando mudanças nas dimen-sões micro e macro da economia e nas re-lações entre as grandes corporações e seuscorrespondentes paradigmas organizacio-nais e de gestão. Este debate alastra-separa o campo acadêmico-científico e gravitaem torno dos procedimentos teórico-meto-dológicos subjacentes à produção de co-nhecimento no campo das Ciências Huma-nas (SILVA Jr.; FERRETTI, 2004).

A política reformista assume feiçõesplanetárias, ou seja, são inúmeros os paí-ses submetidos à lógica de buscar alterna-tivas que fomentem a permanência do ca-pital como sistema hegemônico. O Brasilnão foi exceção. A partir da década de 1990,sob a orientação do projeto político presi-dido por Fernando Henrique Cardoso, opaís empreende uma reforma do Estado –já iniciada por Fernando Collor de Mello –e da educação, inspirada nesse contextomundial, já mencionado anteriormente. En-tretanto deve-se observar que o Estadoganha nova envergadura, materializada naabertura da economia nacional ao capitalexterno, em amplo programa de privati-zação de sua infra-estrutura, na flexibili-

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zação das leis trabalhistas, na Reforma daPrevidência, na Lei de ResponsabilidadeFiscal, traduzindo um conjunto de medidasque atendiam, prontamente, aos anseiosdos grandes conglomerados transnacionais,desejosos e necessitados de um mercadolivre e soberano para fortalecer a lógica docapital. Em outros termos, a reforma doEstado brasileiro reflete a relação de depen-dência e subserviência que caracterizou,historicamente, a postura dos setores do-minantes nacionais em relação aos seto-res dominantes internacionais. A educaçãotorna-se tema relevante para a consolida-ção desse amplo quadro de reformas. E édisto que tratamos a seguir.

A Educação Escolar nas propostasA Educação Escolar nas propostasA Educação Escolar nas propostasA Educação Escolar nas propostasA Educação Escolar nas propostasreformistasreformistasreformistasreformistasreformistas

O tema da educação marca presen-ça em um universo composto por organis-mos internacionais, como os já citados aci-ma, e mais as agências da ONU, com oPrograma das Nações Unidas para oDesenvolvimento (ANUO), a UNICEF e aComissão Econômica para a América Latinae Caribe da UNESCO (CEPAL).

Em relação à América Latina, oCEPAL, em 1990, em sua propostaTransformación produtiva com equidad,defende uma convergência entre competi-tividade e sustentabilidade social, ou ain-da, entre crescimento econômico e eqüida-de social. Dessa perspectiva, a adequaçãoàs exigências de um mercado crescente eextremamente competitivo requer a forma-ção de indivíduos aptos a enfrentarem adinâmica posta pela competitividade. E for-

mar o indivíduo, para que se adapte a ummercado progressiva e intensamente com-petitivo, é função da educação escolar.

Outra iniciativa relevante no campodas propostas reformistas para a políticaeducacional encontra-se no documento deJomtien (Tailândia), produzido durante aConferência Mundial sobre Educação paraTodos, promovida pelo Banco Mundial,UNICEF, PNUD e UNESCO na década de1990 do século passado. Esse documentoassocia o desenvolvimento humano àeducação, delineando ações voltadas paraa satisfação das necessidades básicas deaprendizagem, em uma proposta que prio-riza e amplia os meios e os alcances daeducação básica. E também subsidia a idéiade universalização do acesso à educaçãocomo forma de promover a eqüidade,desconsiderando, entretanto, que tal eqüi-dade não depende apenas da educaçãoescolar. Assim, a educação é concebida nosdocumentos produzidos durante as discus-sões empreendidas nesse encontro, comoa solução para todo e qualquer problemae, portanto, é avaliada como capaz demodificar a realidade social dos indivíduos,por considerar que sua universalizaçãopotencializa a eqüidade social. Para alcan-çar essa universalização, propõe-se a parti-cipação de todas as pessoas, sugerem-sealianças e parcerias entre poder público,privado e as Organizações Não-Governa-mentais (ONGs). Nesse contexto, o esvazia-mento das políticas sociais por parte doEstado e, em contrapartida, a progressivatransferência dessas políticas para os setoresprivados da economia alimentam a compo-sição do denominado Estado mínimo que,

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em última análise, define as demandas eos processos avaliativos das práticas for-mativas circunscritas à educação escolar.

Um outro agente atuante neste pro-cesso, que também desperta nossa aten-ção, é o Banco Mundial. Ele assume umpapel decisivo na definição de políticaseducacionais para a América Latina e, porextensão, para o Brasil. Suas propostas, denatureza economicista, ainda que se refi-ram ao combate à pobreza – postulandoa eqüidade social e implementando políti-cas de distribuição de recursos que patroci-nem serviços básicos para todos – defen-dem uma vinculação explícita entre produ-tividade e educação ou, em outros termos,põem o conhecimento como algo indisso-ciável da produtividade e, portanto, do de-senvolvimento do capital.

Por sua vez, no Brasil, são da gestãoFernando Henrique Cardoso as medidas ju-rídico-administrativas que sustentam a re-forma educacional brasileira nas dimensõespropostas pelos organismos internacionaise suas agências multilaterais. Dessa gestão,derivam a Lei de Diretrizes e Bases da Edu-cação Nacional, os Parâmetros CurricularesNacionais, as Diretrizes Curriculares para aEducação Profissional de Nível TécnicoMEC/CNE, os Parâmetros Curriculares parao Ensino Médio, as diretrizes curriculares pa-ra os cursos de graduação, a regulamenta-ção dos cursos seqüenciais, os Processosde Avaliação da Educação Brasileira – re-vistos, mais tarde, no governo Lula – o Fun-do de Manutenção e Desenvolvimento doEnsino Fundamental e Valorização do Ma-gistério – bandeira, também, da campanhado atual presidente Luis Inácio Lula da Silva

(Lula) – a Descentralização ou Desconcen-tração da gestão educacional e a reorgani-zação do ensino superior.

Diante do exposto e com a preocupa-ção de evidenciarmos alguns aspectos vitaispara o discernimento da proposta de refor-ma da Educação escolar, recorremos aotexto dos Parâmetros Curriculares para oEnsino Médio – PCNEM, destacando a ar-gumentação apresentada para caracterizarO papel da educação na sociedade tec-nológica.

A centralidade do conhecimento noscentralidade do conhecimento noscentralidade do conhecimento noscentralidade do conhecimento noscentralidade do conhecimento nosprocessos de produção e organiza-processos de produção e organiza-processos de produção e organiza-processos de produção e organiza-processos de produção e organiza-ção da vida socialção da vida socialção da vida socialção da vida socialção da vida social rompe com o para-digma segundo o qual a educação seriaum instrumento de “conformação” do fu-turo profissional ao mundo do trabalho.Disciplina, obediência, respeito restrito àsregras estabelecidas, condições até entãonecessárias para a inclusão social, via pro-fissionalização, perdem a relevância faceàs novas exigências colocadas pelo de-senvolvimento tecnológico e social.A nova sociedade decorrente daA nova sociedade decorrente daA nova sociedade decorrente daA nova sociedade decorrente daA nova sociedade decorrente darevolução tecnológicarevolução tecnológicarevolução tecnológicarevolução tecnológicarevolução tecnológica, e seus desdo-bramentos na produção e na área da in-formação, apresenta características possí-veis de assegurar à educação uma auto-nomia ainda não alcançada. Isto ocorrena medida em que o desenvolvimentodas competências cognitivas e culturaisexigidas para o pleno desenvolvimentohumano passa a coincidir com o que seespera na esfera da produção.Ou seja, admitindo tal correspondência en-tre as competências exigidas para o exercí-cio da cidadania e para as atividades produ-tivas, recoloca-se o papel da educação comoelemento de desenvolvimento social.

A expansão da economia pautada no co-nhecimento caracteriza-se também porfatos sociais que comprometem os pro-

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cessos de solidariedade e coesão social,quais sejam a exclusão e a segmentaçãocom todas as conseqüências hoje presen-tes: o desemprego, a pobreza, a violência,a intolerância.Essa tensão, presente na sociedade tec-sociedade tec-sociedade tec-sociedade tec-sociedade tec-nológicanológicanológicanológicanológica, pode-se traduzir no âmbito so-cial pela definição de quantos e quaissegmentos terão acesso a uma educaçãoque contribua efetivamente para sua in-corporação.Um outro dado a considerar diz respeito ànecessidade do desenvolvimento dasnecessidade do desenvolvimento dasnecessidade do desenvolvimento dasnecessidade do desenvolvimento dasnecessidade do desenvolvimento dascompetências básicas tanto para ocompetências básicas tanto para ocompetências básicas tanto para ocompetências básicas tanto para ocompetências básicas tanto para oexercício da cidadania quanto paraexercício da cidadania quanto paraexercício da cidadania quanto paraexercício da cidadania quanto paraexercício da cidadania quanto parao desempenho das atividades pro-o desempenho das atividades pro-o desempenho das atividades pro-o desempenho das atividades pro-o desempenho das atividades pro-fissionais.fissionais.fissionais.fissionais.fissionais. A garantia de que todos de-senvolvam e ampliem suas capacidadesé indispensável para se combater adualização da sociedade que gera desi-gualdades cada vez maiores.De que competência se está falando? Dacapacidade de abstração, do desenvolvi-mento sistêmico, ao contrário da compre-ensão parcial e fragmentada dos fenôme-nos, da criatividade, da curiosidade, dacapacidade de pensar múltiplas alternati-vas para a solução de um problema, ouseja, do desenvolvimento do pensamentodivergente, da capacidade de trabalhar emequipe, da disposição para procurar e acei-tar críticas, da disposição para o risco, dodesenvolvimento do pensamento crítico,do saber comunicar-se, da capacidade debuscar conhecimento.Estas são competências que devem estarpresentes na esfera social, cultural, nasatividades políticas e sociais como um todo,e que são condições para o exercício dacidadania num contexto democrático (p.23-24, grifos nossos).

A citação, ainda que longa, faz-senecessária para explicitar como, no discur-so do Estado, as propostas de reforma de-correm da necessidade de adequação deuma educação supostamente ultrapassa-

da em relação às mudanças no campo daprodução, da tecnologia e da ciência. A idéiade universalização da educação sustentaa ampliação de vagas para atender a to-dos os cidadãos, e a proposição de partici-pação de todos dá vigor à idéia de umaescola democrática. Democratização edescentralização possibilitariam uma ges-tão autônoma, pautada em sistemas deparceria que atendam às demandas de suacomunidade e na construção do projetopolítico-pedagógico com a participação dacomunidade.

Por outro lado, essa citação permiteevidenciar um número considerável de con-tradições, como, por exemplo, a idéia ex-pressa de que estamos vivendo sob umanova forma social graças à evolução tecno-lógica, reconhecendo, concomitantementee em contrapartida, que a sociedade tecno-lógica não foi capaz de superar a pobreza,o desemprego e a desigualdade social. Osmesmos organismos multilaterais que em-preenderam as discussões sobre a educa-ção, vendo na difusão deliberada e siste-mática do progresso técnico uma forma degerar a transformação produtiva em con-sonância com o processo de democratiza-ção e eqüidade social; reconhecem quenunca houve tanto desemprego1 e tantaexclusão social, sem contar outros proble-mas sociais, como a violência, a desnutriçãoe as migrações que se agravaram nas últi-mas décadas.

De outra parte, as competências as-sumidas pelo reforma, explicitadas noPCNEM, tendem a preparar o indivíduopara a esfera da produção que atenda aosnovos processos de racionalização da so-

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ciedade produtora de mercadorias. As prá-ticas formativas vinculadas a essa dinâmi-ca do capital buscam um ser-trabalhadorque, simultaneamente, opere várias máqui-nas, permitindo às empresas aumentar aprodução sem fazer crescer o número detrabalhadores, implementando novas téc-nicas, como o kanbam (reposição dos pro-dutos somente depois de sua venda), e suacorrespondente expansão para empresassubcontratadas e fornecedoras, com capa-cidade de satisfazer, rapidamente, pedidospequenos e variados2.

No campo pedagógico, o novo pa-radigma do conhecimento – aqui tomadoem sentido muito próximo de informação– que se adquire pela utilização (saber usar),pela interação (saber comunicar) e pelaação (saber fazer), segundo o documentode Jomtien, vai trazer para a linha pedagó-gica das reformas os quatro pilares propos-tos pela pós-modernidade: aprender a co-nhecer, aprender a fazer, aprender a convi-ver e aprender a ser, oriundos da psicolo-gia da aprendizagem.

Destacaríamos que, na contramão dareforma proposta pelo governo, algumasentidades passam a discutir alternativas pa-ra a educação, reunidas no que ficou conhe-cido como PNE da Sociedade Brasileira3,forçando o governo FHC, à proposição deum Plano Nacional de Educação que ex-pressava as ações articuladas pelos agen-tes multilaterais do capital financeiro inter-nacional para a educação. A este respeitoValente e Romano (2002, p. 99) comentam:

As duas propostas de PNE materializavammais do que a existência de dois projetosde escola, ou duas perspectivas opostas

de política educacional. Elas traduziam doisprojetos conflitantes de país. De um lado,tínhamos o projeto democrático e popularexpresso na proposta da sociedade. Deoutro, enfrentávamos um plano que ex-pressava a política do capital financeirointernacional e a ideologia das classesdominantes, devidamente refletido nasdiretrizes e metas do governo. O PNE daSociedade Brasileira reivindicava o forta-lecimento da escola pública estatal e aplena democratização da gestão educaci-onal como eixo do esforço para seuniversalizar a educação básica. (....) O PNEdo governo insistia na permanência daatual política educacional e nos seus doispilares fundamentais: máxima centraliza-ção, particularmente na esfera federal, daformulação e da gestão política educacio-nal, com o progressivo abandono, peloEstado, das tarefas de manter e desenvol-ver o ensino, transferindo-as, sempre quepossível, para a sociedade.

Entretanto, passando ao largo de to-da essa discussão, os documentos vão seconstituindo em discurso defensor da for-mação de um indivíduo flexível, sem histó-ria, adaptável, apto para o trabalho, em ummomento em que o trabalho tende a serprecarizado e, nos limites do capital, a serdestruído.

Ante as observações anteriores, ten-demos a supor que as reformas educacio-nais em curso, nucleadas na denominadaeducação para o trabalho e para a cidada-nia, referenciam-se em práticas formativascuja finalidade é a formação do indivíduonos limites da genericidade em-si, do mun-do prático, utilitário, imediato, eficaz e efici-ente; isto é, nos limites das relações sociaisfundantes da formação capitalista. E tam-bém tenderíamos a afirmar que, no âmbitodas políticas e práticas formativas, parte da

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lógica do Capital deriva suas ações combase nas denominadas competências, con-vertidas, na reforma educacional em curso,em atributo essencial para a formação doindivíduo. As competências, no contexto daspropostas de formação articuladas às políti-cas educacionais, representam um compo-nente a ser incorporado para a qualificaçãonão apenas dos docentes, mas dos traba-lhadores em geral, e convertem-se em su-posto da educação para o trabalho e paraa cidadania em todos os níveis de ensino.

Fortalecemos esse argumento regis-trando, neste estudo, as orientações propos-tas pelo Estado e seus representantes, emseminário do Fórum Nacional, com o temaUm modelo para a educação no sécu-Um modelo para a educação no sécu-Um modelo para a educação no sécu-Um modelo para a educação no sécu-Um modelo para a educação no sécu-lo XXIlo XXIlo XXIlo XXIlo XXI, realizado no BNDS, (Banco Nacionalpara o Desenvolvimento Social) em agostode 1998 e publicado em 1999, sob a coor-denação de João Paulo dos Reis Velloso eRoberto Cavalcanti de Albuquerque. Esteregistro tem como finalidade evidenciar,basicamente, a caracterização e as propos-tas pertinentes ao sistema educacional di-ante das demandas que supostamenteatenderiam às transformações da socieda-de denominada global e da sociedade bra-sileira em particular. E isto porque

(...) devemos nos dar conta de que, hoje,há um novo mundo, e este novo mundorequer duas grandes características dosistema educacional: a educação geralpara todos é a condição essencial para aprópria sobrevivência do país; e, em se-gundo lugar, é necessária a integraçãoentre educação geral e preparação para omercado de trabalho. É preciso estabele-cer formas claras de vinculação entre edu-cação geral e preparação para o mercadode trabalho (SOUZA, 1999, p. 24).

O princípio fundamental reivindicadoespecialmente para a educação profissionalpor intermédio do Ministro da Educação dogoverno Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), remete para outra diretriz dessa pro-posta de formação do indivíduo mediadapela escolarização, a empregabilidade.

Assim, afirma Souza (1999, p. 29):O princípio fundamental na educação pro-fissional não deve ser a eqüidade, comona educação geral, mas a empregabilida-de das pessoas. (...) as pessoas devem sercapazes e ter a oportunidade de ir e virnesse sistema educacional conforme assuas necessidades, para melhorar a suaempregabilidade, independentemente donível de educação formal que já tenhamconcluído.

Se os argumentos supracitadosapontam na direção de um dos pilares dareforma educacional promovida nos anos1990 do século passado, ou seja, a empre-gabilidade, a outra dimensão da reformacoloca-nos diante das práticas formativasreduzidas às denominadas competências.Ambas, empregabilidade e competências,encontram-se filiadas ao denominadoaprender a fazer. E aqui recorremos à inter-venção de Castro, que analisando as ten-dências e perspectivas dos sistemas de pro-dução de informações educacionais, auxi-lia-nos em dois sentidos. No primeiro, ex-pressa parte das preocupações subjacen-tes às práticas formativas articuladas àpolítica educacional. No outro, assinala apresença das denominadas competênciascomo condição básica para a formaçãodesse novo ser que atenda aos desafiosdas mudanças sociais. Dessa perspectiva,

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indaga Castro: “O que os alunos são capa-zes de fazer? Quais os padrões desejáveisque deveriam ser atingidos para que osalunos desenvolvam as competências ehabilidades básicas exigidas para o exercí-cio da cidadania? O que caracteriza a es-cola efetiva?” (CASTRO, 1999, p. 36-37).

E acrescenta:Os sistemas de ensino têm sido desafiadosa responder às seguintes questões. ComoComoComoComoComopreparar este novo cidadão?preparar este novo cidadão?preparar este novo cidadão?preparar este novo cidadão?preparar este novo cidadão? Quaisas demandas da nossa sociedade em pro-cessos de mudanças tão acelerados comoos que marcaram as últimas décadas desteséculo? É cada vez mais evidente que aaaaapreparação de cidadãos competentespreparação de cidadãos competentespreparação de cidadãos competentespreparação de cidadãos competentespreparação de cidadãos competentespara atuar de forma crítica e res-para atuar de forma crítica e res-para atuar de forma crítica e res-para atuar de forma crítica e res-para atuar de forma crítica e res-ponsável na construção de uma so-ponsável na construção de uma so-ponsável na construção de uma so-ponsável na construção de uma so-ponsável na construção de uma so-ciedade mais justa, democrática eciedade mais justa, democrática eciedade mais justa, democrática eciedade mais justa, democrática eciedade mais justa, democrática edesenvolvida, exige um perfi l dedesenvolvida, exige um perfi l dedesenvolvida, exige um perfi l dedesenvolvida, exige um perfi l dedesenvolvida, exige um perfi l dequalificação em que o desenvolvi-qualificação em que o desenvolvi-qualificação em que o desenvolvi-qualificação em que o desenvolvi-qualificação em que o desenvolvi-mento das inteligências cognitiva,mento das inteligências cognitiva,mento das inteligências cognitiva,mento das inteligências cognitiva,mento das inteligências cognitiva,emocional e afetiva será decisivoemocional e afetiva será decisivoemocional e afetiva será decisivoemocional e afetiva será decisivoemocional e afetiva será decisivona formação das crianças e jovensna formação das crianças e jovensna formação das crianças e jovensna formação das crianças e jovensna formação das crianças e jovenspara a sua plena inserção social epara a sua plena inserção social epara a sua plena inserção social epara a sua plena inserção social epara a sua plena inserção social eno mundo do trabalho.no mundo do trabalho.no mundo do trabalho.no mundo do trabalho.no mundo do trabalho. É preciso, por-tanto, assegurar-lhes uma formação éticae solidária. É preciso ainda desenvolversua capacidade de resolver problemas, se-lecionar e processar informações com au-tonomia e raciocínio crítico. É preciso dar-lhes condições de utilizar os conhecimen-tos adquiridos para que tenham novasoportunidades num mundo cada vez maiscomplexo e competitivo (CASTRO, 1999, p.37. Grifos nossos).

O itinerário apresentado reafirma acompreensão de que a política educacionalacenada como modelo de referência parao século XXI busca formar o ser social traba-lhador nos limites da cidadania e das trans-formações das relações de produção capita-listas, derivadas de um novo padrão de acu-

mulação. Em outros termos, avaliamos queas reformas educacionais em curso fomen-tam a redução do indivíduo às habilidadescognitivas de sua consciência e às supostascompetências que articulam suas possíveiscondições de adaptação, nos limites da edu-cação para o trabalho (Capital) e para acidadania (Estado). Com base nessa apre-ciação consideramos que a proposta refor-mista se contrapõe às possibilidades de umprocesso de escolarização que contribuacom a perspectiva de remover radicalmenteas práticas sociais que objetivam a aliena-ção, a exploração e o controle do Trabalhopelo Capital. Entretanto, avaliamos que es-sas reformas não ocorrem sem embates,sem expressarem suas contradições, enfim,sem resistências que, muitas vezes, reconfi-guram-lhes, na prática, suas matrizes. Nessecontexto, dentre as várias esferas de nego-ciação inerentes às políticas reformistas, de-temos nossa atenção na instituição escolar.Ali, as reformas encontram práticas sociaisque vão configurando as possibilidades desua objetivação na perspectiva de perma-nência ou de superação de suas propostasde formação dos indivíduos. Ponderamosque o entendimento desse processo requero exame das mediações entre a especifici-dade da instituição escolar e a cultura esco-lar, considerando que um dos supostos ne-cessários para enfrentarmos esse desafio éo discernimento e o reconhecimento de trêsdimensões historicamente produzidas pelasrelações e mediações sociais constitutivasdas determinações estruturais do capital.

Uma nos parece, do ponto de vistade seu entendimento, aparentemente maisacessível. Referimo-nos aos múltiplos esfor-

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ços que os detentores do capital e seus re-presentantes realizam no sentido de carac-terizar seu modo de produzir a vida em so-ciedade como sendo único, absoluto e in-comparável, diante de outras alternativashistoricamente criadas. Dentre seus argu-mentos, os donos do capital e sua rede mi-diática destacam, por exemplo, o fracassodo socialismo no Leste Europeu, ao findaro século passado. Tal estratégia, comple-mentada pelos artífices do fim da história,fim da sociedade de classes e outros afins,tentam nos situar diante da incontestabi-incontestabi-incontestabi-incontestabi-incontestabi-lidadelidadelidadelidadelidade desta formação social. Entretantoos embates sociais, classistas e seus desdo-bramentos pulsam até o momento presen-te, pondo a incontestabilidade em suspen-são, numa dinâmica que parece favorecernossas suspeitas contrárias em relação aocaráter incontestável do capitalismo.

Por sua vez, as outras duas dimen-sões parecem de difícil discernimento, tal-vez em face de serem alimentadas por for-mas de enfrentamento produzidas etendencialmente consolidadas em propos-tas e práticas que buscam conciliar, lenta egradualmente, seus sujeitos sociais histori-camente antagônicos: capital e trabalho. Equais são essas dimensões?

A lógica do capital pautada pela bus-ca do lucro, a apropriação privada da rique-za socialmente produzida, a substituição dotrabalho humano pelas inovações tecnoló-gicas, a precarização das relações contra-tuais legitimadoras da exploração do traba-lho, a mundialização de seus processos deacumulação e concentração de riqueza re-velam, apesar das dificuldades em entendê-las, que o sistema capitalista, em sua lógi-

ca, é incorrigívelincorrigívelincorrigívelincorrigívelincorrigível. Desses condicionantesestruturais expostos por Mészáros (2005),extraímos outra dimensão deste metabo-lismo social. O capital, em que pese o esfor-ço enraizado nas propostas social-demo-cratas ocorridas desde as primeiras déca-das do século passado, é irreformávelirreformávelirreformávelirreformávelirreformável.Portanto, a busca do discernimento e doreconhecimento dessas três dimensões pro-duzidas com base nas mediações entrecapital, trabalho assalariado e propriedadeprivada, isto é, o incontestável, o incorrigí-vel e o irreformável, requer um esforço prá-tico capaz de se apropriar e intervir nas múl-tiplas formas e tempos desse processo.

Avaliamos que nós, educadores, ten-demos a problematizar e tensionar aincontestabilidade das sociedades capita-listas, mas possuímos inúmeras dificulda-des e fragilidades no sentido de entender-mos a natureza incorrigível e irreformáveldeste sistema. E isso provavelmente porque:

A estratégia reformista de defesa do capi-talismo é de fato baseada na tentativa depostular uma mudança gradual na socie-dade através da qual se removam os de-feitos específicos, de forma a minar a basesobre a qual as reivindicações de um sis-tema alternativo possam ser articuladas(MÉSZÁROS, 2005, p. 62).

Mészáros (2005, p. 63) complemen-ta seu argumento, afirmando:

A recusa reformista em abordar as con-tradições do sistema existente, em nomede uma presumida legitimidade de lidarapenas com as manifestações particula-res – ou, nas suas variações ‘pós-moder-nas’, a rejeição apriorística das chamadasgrandes narrativas em nome de petitsrécits idealizados arbitrariamente – é narealidade apenas uma forma peculiar de

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rejeitar, sem uma análise adequada, apossibilidade de se ter qualquer sistemarival, e uma forma igualmente apriorísticade eternizar o sistema capitalista.

Em seus supostos, proposições e prá-ticas, as agendas do reformismo secular ede suas variações pós-modernas buscama prevalência do presentismo, do “aqui eagora”, filiadas ao tratamento fenomênicoda realidade social que assume os efeitoscomo causas e busca sua validade atempo-ral, omitindo e/ou escamoteando as rela-ções constitutivas dos processos estruturaisfundantes da sociedade capitalista. Desdeessa perspectiva, quantos de nós, por exem-plo, internalizamos a noção de que a edu-cação é a solução para todo e qualquerproblema social? Quantos de nós credita-mos à reforma educacional em curso a ca-pacidade de enfrentar e superar os proble-mas educacionais?

O enfrentamento desse desafio e aprodução de possíveis respostas e suas cor-respondentes formas de intervenção requer,dentre outros esforços, o aprofundamentono campo investigativo das relações e me-diações entre a instituição escolar e a cul-tura escolar.

Instituição escolar e cultura escolarInstituição escolar e cultura escolarInstituição escolar e cultura escolarInstituição escolar e cultura escolarInstituição escolar e cultura escolar

Reconhecidos os elementos centraise os principais determinantes que foramdelineando as reformas educacionais bra-sileiras dos anos 1990, é interessante refle-tir de que maneira as instituições escolaresse apropriaram delas e as objetivaram emsuas práticas.

Filiamos nossa reflexão ao campo de

análise que aborda a escola como espaçode contradições, onde atuam diversos sujei-tos, cada um com suas especificidades. BeltránLlavador e San Martin Alonso (2002, p. 52-53), ao falar desse espaço de contradições,abordam a riqueza cultural e a vida das orga-nizações com o seguinte argumento:

La clave de la cultura organizativa estáen el exterior de la organización. ¿Cómopuede ser que la mera copresencia enun espacio normativamente estructuradopermita la emergencia de manifestacionesque exceden a lo prescrito? La explicaciónmás sencilla se encuentra en lo que aportacada uno de los actores organizativos.Cualquiera de nosotros encarna en susactitudes posiciones ideológicas, creencias,formación, aficiones, tendencias ypropensiones. Cuando actuamos encualquier medio, y no sólo en unoorganizativo-laboral, es toda nuestrapersona la que actúa. Un profesor no dejaa la puerta de la clase o del centro lamala noche que sus hijos pequeños lehayan hecho pasar, la preocupación porel estado de salud de un familiar próxi-mo, el recuerdo feliz de una veladaagradable pasada en compañía de viejasamistades; pero tampoco quedan almargen su posición política o sindical; nies indiferente que su tiempo de ocio lodedique al cine, al teatro, a la lectura, aldeporte, a la producción o al consumoculturales; su experiencia laboral anteri-or, en ese u otro oficio, las maneras enque ha aprendido a relacionarse con otroscompañeros o con la administración edu-cativa, con las familias y con sus alumnos.

É preciso entender essa análise queos autores fazem do professor e dos outrossujeitos que atuam no espaço escolar, como,por exemplo, alunos, administradores ecomunidade, para se ter uma idéia da plu-

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ralidade ali presente, que vai conformandoa cultura escolar, ainda que exista uma ten-dência homogeneizadora e uma aparên-cia igualmente uniforme, derivada da posi-ção hegemônica que algumas das expres-sões culturais atuantes chegam a ter sobreas outras (BELTRÁN LLAVADOR; SANMARTIN ALONSO, 2002). As reformas edu-cacionais propostas omitem essa tendên-cia hegemônica que busca homogeneizaras relações sociais presentes no espaço dainstituição escolar. Mas, ao se defrontaremas reformas com um espaço contraditoria-mente produzido e em decorrência dosembates e das negociações que envolvemsua implementação, precisam fazer conces-sões para apropriações que nem sempreserão aquelas supostamente esperadas.Nesse contexto, assume significativa rele-vância a cultura escolar.

Julia (2001, p. 10), em um esforço dedefinição do termo cultura escolar, afirma:

É necessário, justamente, que eu me esfor-ce em definir o que entendo aqui porcultura escolar; tanto isso é verdade queesta cultura escolar não pode ser estuda-da sem a análise precisa das relações con-flituosas ou pacíficas que ela mantém, acada período de sua história, com o con-junto das culturas que lhe são contempo-râneas: cultura religiosa, cultura políticaou cultura popular. Para ser breve, poder-se-ia descrever a cultura escolar como umconjunto de normas que definem conhe-cimentos a ensinar e condutas a inculcar,e um conjunto de práticas que permitema transmissão desses conhecimentos e aincorporação desses comportamentos;normas e práticas coordenadas a finali-dades que podem variar segundo as épo-cas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou

simplesmente de socialização).

Em sua definição, Julia reconhece anecessidade de se entender a cultura esco-lar no âmbito das “relações conflituosas oupacíficas” mantidas, historicamente com asoutras culturas com que ela convive. Se sãoessas as relações que conformam o espa-ço escolar e definem normas, priorizam co-nhecimentos, estabelecem condutas e prá-ticas pedagógicas, eis o espaço que as re-formas objetivam, mas não antes de seremapropriadas, à sua maneira, pela comuni-dade escolar plural.

Outro aporte teórico importante quenos auxilia no discernimento das media-ções entre instituição escolar e cultura es-colar encontra-se em Silva Jr. e Ferretti (2004,p. 60). Os referidos autores concebem a es-cola como resultado de um amálgamaentre duas dimensões:

Concretamente, a escola resulta doa escola resulta doa escola resulta doa escola resulta doa escola resulta doamálgama entre sua dimensão ins-amálgama entre sua dimensão ins-amálgama entre sua dimensão ins-amálgama entre sua dimensão ins-amálgama entre sua dimensão ins-titucional (aquela de quem instituititucional (aquela de quem instituititucional (aquela de quem instituititucional (aquela de quem instituititucional (aquela de quem instituia sociedade em determinado perío-a sociedade em determinado perío-a sociedade em determinado perío-a sociedade em determinado perío-a sociedade em determinado perío-do histórico) e sua cultura específi-do histórico) e sua cultura específi-do histórico) e sua cultura específi-do histórico) e sua cultura específi-do histórico) e sua cultura específi-ca.ca.ca.ca.ca. Este amálgama se produz e se fazpresente nas práticas escolares, elementocentral por meio do qual a instituição esco-lar realiza os processos de formação so-cial do indivíduo e socializa o conheci-mento produzido pela humanidade, aomesmo tempo em que se reproduz social-mente (grifos nossos).

Também eles reconhecem na culturaescolar papel preponderante na definiçãodas práticas escolares de que se vale a es-cola para realizar, de acordo com suas es-pecificidades, a formação social do indiví-duo e a socialização do conhecimento pro-duzido pela humanidade, incorporando noslimites de sua razão de ser, as propostas

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disseminadas pelas reformas educacionais.Na tentativa de explicitar o papel

mediador da cultura escolar na apropria-ção das reformas educacionais, procuramosinvestigar, ainda que sucintamente e, por-tanto, incorrendo no risco da superficialida-de, como este processo se objetivaria emuma determinada instituição escolar. Comesse propósito, visitamos uma escola parti-cular de Sorocaba4, procurando verificar asobjetivações e apropriações produzidasnesse espaço. Com base nos autores estu-dados, levantamos dois questionamentosque pautaram nossa análise: que conheci-mentos e que condutas têm sidoobjetivados por essa instituição escolar noâmbito das mediações entre cultura esco-lar e reforma educacional? E com base emque práticas escolares tem se objetivado aapropriação da referida reforma educacio-nal?

A leitura da Proposta Pedagógica dainstituição em tela, em que se definem suasfinalidades e objetivos, permitiu depreenderalgumas condutas que ela buscaria incul-car em seus alunos: princípios cristãos, prin-cípios de liberdade e responsabilidade, ide-ais de justiça e solidariedade, exercício decidadania consciente aliado à participaçãocomunitária. Algumas dessas condutas fa-zem parte do corpo dos documentos queimplementaram as reformas educacionais,outras procuram ser objetivadas e apropri-adas a partir de várias práticas escolares.Dentre essas, observamos que todos os alu-nos recebem, ao início do período letivo, ummanual com o calendário escolar, semprecumprido à risca como um compromissoda instituição – em nenhuma circunstân-

cia, qualquer data letiva ou atividade ex-pressa ali é alterada. Além do calendárioescolar, esse manual traz indicações daequipe pedagógica, endereços eletrônicospara contato, explicações sobre o sistemade avaliação, regulamento com direitos edeveres dos alunos, as proibições e sançõesaplicáveis, o calendário com as datas detodas as provas mensais, substitutivas e derecuperação do ano todo e a Proposta Pe-dagógica da instituição. As informações alicontidas são assumidas como um compro-misso da escola com os alunos e seus pais.Mas, também, são efetivamente cobradasdos mesmos. Por exemplo, não são anun-ciadas as datas das provas, pois é de res-ponsabilidade dos alunos o conhecimentodas informações contidas no manual. Ocomportamento dos mesmos é avaliadosegundo o regimento que consta dessemanual e os abusos são administrados pelaOrientadora Pedagógica, que referenciasuas intervenções com base nesse manu-al. Tal manual constitui um documento ofi-cial, que traduz os campos de poder e in-fluência nas relações estabelecidas entreescola, alunos e pais, tendo-se configurado,prioritariamente, em uma prática escolarque visa a inculcar o senso de responsabi-lidade entre os alunos.

Outra expressão das práticas esco-lares observadas nessa instituição escolarobjetiva-se em condutas de solidariedadee participação comunitária desenvolvidasem pequenas ações ao longo do ano leti-vo, principalmente com as crianças das sé-ries iniciais do Ensino Fundamental. Porexemplo, durante a Páscoa, há uma arre-cadação de ovos de chocolate, que são le-

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vados pelas crianças a várias instituiçõesque mantêm menores em Sorocaba. Visi-tas a asilos e hospitais são constantes. Sãofeitas campanhas de arrecadação de ali-mentos e de agasalhos. Essas ações, em-bora ocorram quase que com exclusivida-de nas séries iniciais citadas, às vezes sur-gem espontaneamente nos alunos do En-sino Médio, motivados por algum clamorpúblico ou por necessidade exposta poralguém do grupo. É importante ressaltar quea maior parte dos alunos dessa instituiçãofaz toda a sua trajetória escolar ali, de modoque essas ações espontâneas, principalmen-te, refletem a apropriação de uma condutaao longo de sua trajetória na escola e, por-tanto, do instituído pela instituição.

Os princípios cristãos também encon-tram espaço na prática escolar. Festas reli-giosas mais tradicionais, como o Natal, porexemplo, ou a Festa do Divino, recebemrelevância de tratamento no espaço esco-lar. A primeira tem a cena da manjedouraencenada todos os anos por crianças eadolescentes; a segunda é lembrada pelavisita dos Festeiros do Divino à escola, quan-do da época da festa.

Algumas das condutas, como já seafirmou, acabam sendo incorporações dodiscurso das reformas ao Projeto Pedagó-gico da escola, mas à sua maneira. A ques-tão da cidadania, por exemplo, acaba obs-tada por uma disciplina que se pretendemuito rígida a ponto de, muitas vezes, ca-lar a voz dos alunos. O que não significa, éclaro, que nesse espaço de rigidez nãoaflore, dialeticamente, a consciência da ci-dadania em alunos que produzem, no es-paço escolar, o embate com as normas es-

tabelecidas por meio de formas extrema-mente criativas de enfrentamento.

Essas práticas escolares vão sendoproduzidas nesse espaço de inúmeras tem-poralidades e apropriações, objetivadas nascontradições e resistências e instituindo com-portamentos, condutas, conhecimentos. Sãopráticas, sim, baseadas na hierarquia, na tra-dição, mas que vão sendo dialeticamentetransformadas e assumindo novas feiçõesno processo histórico que as institui e no di-álogo com as outras culturas com as quaisseus sujeitos convivem (JULIA, 2001).

Relevamos, diante do exposto, quea compreensão da cultura escolar de umainstituição de ensino passa, necessariamen-te, pela análise do seu cotidiano, no qualas relações sociais vão se objetivando edando forma às práticas escolares quepotencializam os processos formativos dosindivíduos.

O cotidiano, a cultura escolar e asO cotidiano, a cultura escolar e asO cotidiano, a cultura escolar e asO cotidiano, a cultura escolar e asO cotidiano, a cultura escolar e asreformas educacionaisreformas educacionaisreformas educacionaisreformas educacionaisreformas educacionais

As finalidades e objetivos da institui-ção aqui analisada, sob a ótica de sua cultu-ra escolar, traziam como orientação meto-dológica, em sua Proposta Pedagógica, oincentivo a que o aluno se torne responsá-vel por sua aprendizagem, colocando aidéia de que “aprender a aprender” é o úni-co conhecimento duradouro frente aoavanço tecnológico que caracteriza a socie-dade contemporânea. Ao abordar as finali-dades do Ensino Médio, a referida proposta,destaca, como pontos principais: o desenvol-vimento da autonomia intelectual e dopensamento crítico; a compreensão dos fun-

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damentos científico-tecnológicos dos pro-cessos produtivos; a adaptação com flexi-bilidade às novas condições de trabalho eàs exigências de aperfeiçoamento posterio-res. Ainda com relação ao Ensino Médio, afir-ma que a organização curricular desse nívelde ensino não deveria ter o caráter de ensi-no enciclopedista e academicista dos currí-culos tradicionais. Por fim, definia sua meto-dologia como um meio de privilegiar a com-preensão e a experiência pessoal. Nesse con-texto, o professor é colocado como um faci-litador, possibilitando ao aluno, o aprender:a aprender, a ser, a fazer e a conviver.

Depreenderíamos da leitura do Proje-to Pedagógico dessa instituição os traços dodiscurso modernizante das reformas propos-tas pelo Estado brasileiro para a educação,pautadas na formação do ser flexível, semhistória, adaptável, apto para o trabalho, for-jado nos pilares da educação pós-moder-nista do aprender a aprender, aprender a ser,aprender a fazer e aprender a conviver.

Entretanto esse discurso representa,especificamente para a instituição investiga-da, uma forma de adequação às reformasforjadas no papel e faz parte daquelas es-feras de negociação por que passa qual-quer reforma, desde sua formulação até suaefetivação no espaço escolar. Bastaria, paraexemplificar esse argumento, atentar parao Projeto Pedagógico elaborado pela insti-tuição. Ele não é fruto exclusivo de umadiscussão da qual participaram todos ossujeitos sociais que constituem esse espaçoescolar. É fato que, inicialmente, a discussãofoi encaminhada atendendo a esse viés,mas ela foi abandonada tão logo surgiramos primeiros obstáculos aos consensos ne-

cessários para sua elaboração. Em conse-qüência, acabaram prevalecendo os mode-los propostos pelos órgãos consultivos efiscalizadores das instituições escolares.Assim, parte do projeto Pedagógico objeti-va-se no cotidiano escolar, enquanto outraparte é discurso modernizante, forma bas-tante empregada pelas instituições para in-corporarem as reformas, sem perderem suasespecificidades.

Mesmo a linha metodológica expres-sa no projeto não encontra, no cotidiano e,particularmente, no âmbito do Ensino Mé-dio, condições para sua objetivação. Todoo conhecimento escolar disponibilizado aosalunos por meio do currículo escolar – eaqui nos referimos especificamente ao En-sino Médio – encontra-se concentrado emapostilas de caráter conteudista, transmiti-do por meio de um ensino tecnicista, como enfoque na “cultura do vestibular”, nasexigências do mercado e bastante próxi-mo, portanto, do “ensino enciclopedista eacademicista dos currículos tradicionais” doqual o Projeto Pedagógico da instituiçãotentava, supostamente, distanciar-se.

O caráter reformista das propostaspara a educação não encontra, no cotidia-no dessa instituição, condições materiais deobjetivação. Não se produzem, por exemplo,práticas pedagógicas de ensino por eixo te-mático, transversalidade, interdisciplinari-dade, multidisciplinaridade e outros que tais,tão presentes no discurso das reformas edu-cacionais. O sistema de avaliação é o tradi-cional, constituído por provas mensais e bi-mestrais, e aferido por média aritmética. Aanálise do desempenho da escola é

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pautada na quantidade de alunos queconseguiram vaga nas universidades, prin-cipalmente nas públicas. E talvez não pu-desse ser de outra forma, ponderando queé esse número que garante as matrículasno ano seguinte e a continuidade e/ousobrevivência da escola com pelo menos amesma quantidade de alunos do ano an-terior. Desse modo, formar cidadãos críticos,conscientes de sua cidadania e de sua res-ponsabilidade pela própria aprendizagem,o denominado “aprender a aprender”, pa-rece distante no cotidiano da instituição es-colar, cujas práticas escolares encontram vi-eses para o discurso modernizante das re-formas, negociáveis dentro de seu espaçoe das relações sociais e culturais que ali sedão. E é para o denominado “aprender aaprender” que endereçamos um breve co-mentário.

Em relação ao pilar das reformaseducacionais, isto é, o “aprender a apren-der”, Duarte (2004, p. 29-30), em suas críti-ca às apropriações neoliberais e pós-mo-dernas da teoria vigotskiana, procura ex-plicitar a presença desse lema nos ideárioseducacionais contemporâneos:

Uma das formas mais importantes, aindaque não a única, de revigoramento do“aprender a aprender” nas duas últimasdécadas foi a maciça difusão da epistemo-logia e da psicologia genéticas de JeanPiaget como referencial para a educação,por meio do movimento construtivista que,no Brasil, tornou-se um grande modismoa partir da década de 1980, defendendoprincípios pedagógicos muito próximos aodo movimento escolanovista. Mas o cons-trutivismo não deve ser visto como umfenômeno isolado ou desvinculado do con-texto mundial das duas últimas décadas.

Tal movimento ganha força justamente nointerior do aguçamento do processo demundialização do capital e da difusão, naAmérica Latina, do modelo econômico, po-lítico e ideológico neoliberal e também deseus correspondentes no plano teórico, opós-modernismo e o pós-estruturalismo.É nesse quadro de luta intensa do capita-lismo por sua perpetuação, que o lema“aprender a aprender” é apresentado comoa palavra de ordem que caracteriza umaeducação democrática. E esse canto desereia tem seduzido grande parcela dosintelectuais ligados à área educacional.

A citação de Duarte coloca-nos devolta aos determinantes das reformas edu-cacionais brasileiras dos anos 1990 e, maisespecificamente, às discussões que, no pla-no mundial, ocorreram, nos anos 1980 e1990, em torno da educação. A incorpora-ção do lema “aprender a aprender” signifi-ca, por extensão, a adoção de um processoformativo que atende ao projeto político-ideológico das forças neoliberais, centradono indivíduo e na sua adaptação à realida-de em que vive, na busca da naturalizaçãoe da permanência das formações sociaiscapitalistas.

Por sua vez, o exemplo da institui-ção escolar, sumariamente apresentado,auxilia-nos na perspectiva de entender deque maneira as reformas educacionais vãosendo incorporadas e tensionadas pelasespecificidades das instituições escolares. Emais, que dinâmica deriva das negociaçõesestabelecidas pelos sujeitos que, ao produ-zir a cultura escolar, vão dando às refor-mas materialidade, não necessariamente nadimensão em que pretendiam os reforma-dores, mas balizadas pelas condições ma-teriais em que elas podem ser produzidas,

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salientando que isso não significa, em últi-ma análise, que os principais determinan-tes das propostas reformistas deixem de serincorporados, com maior ou menor intensi-dade, pela instituição escolar.

Mas, conforme observado anterior-mente, esse espaço escolar é sempre umespaço de contradições e resistências, espe-lhando um mundo do qual é criador e criatu-ra. Por isso é que ele pode ser, ainda quenem sempre perceba isso, um espaço deformação do ser social na perspectiva deruptura com a lógica do capital, lógica estaque tem nas reformas educacionais umade suas principais estratégias postas naperspectiva de perpetuar a mercantilizaçãoda vida alienada em todas suas dimensões.

Uma breve “conclusão”Uma breve “conclusão”Uma breve “conclusão”Uma breve “conclusão”Uma breve “conclusão”

Recordemos, então, a Terceira Tese so-bre Feuerbach elaborada por Marx e Engels,que registra a seguinte afirmativa: “A doutri-na materialista sobre a alteração das cir-cunstâncias e da educação esquece que ascircunstâncias são alteradas pelos homense que o próprio educador deve ser educado”(MARX; ENGELS apud IANNI, 1998, p. 179).Referenciados nesta proposição, considera-ríamos que a alteração das circunstânciasda vida em sociedade e dos processos for-mativos criados nos espaços escolares inci-dem nas práticas e nas possibilidades pro-duzidas e reproduzidas pelos seres sociaisem um tempo e um espaço essencialmen-te históricos. Ao educador, ao ser humanoque busca transformar sua realidade e, aotransformá-la, modificar a prática social,cabe, dentre outros tantos, um desafio

delineado a partir da opção ética, ideoló-gica, política, pedagógica de reconhecer quedeve ser formado, mas de discernir qual dossujeitos fundamentais para a produção ereprodução da sociedade capitalista se pre-tende humanizar. Isto é, em uma sociedadede classes, qual a opção de processo for-mativo que o educador incorpora, tensionae efetiva como referencial das dimensõesontológicas do seu ser indivíduo-social? Emoutras palavras, o educador busca a criaçãode alternativas que reafirmam a produçãode relações de dominação e alienação hu-mana, ou assume como alternativa o ten-sionamento de práticas centradas na produ-ção de relações potencializadoras da eman-cipação humana, para além do capital?

Ponderamos que a busca de umpossível entendimento desses interrogantesencontra-se na investigação e reflexão so-bre a formação humana, aqui focada nacompreensão das práticas formativas es-colares mediadas pelas reformas educacio-nais em curso.

A reprodução da vida humana cir-cunscrita cotidianamente às tendências epossibilidades históricas do Capital objetiva-se na destruição do trabalho vivo, na mer-cantilização das múltiplas feições da socia-bilidade, no desemprego estrutural, na abso-lutização da extração do valor de uso dosque sobrevivem do trabalho. E este proces-so busca sua naturalização e permanência,produzindo práticas formativas que propi-ciem a possível internalização de uma con-cepção de mundo fundada na apropriaçãoprivada da riqueza socialmente produzida.

Avaliamos que tais reflexões, aindaque tímidas e em fase inicial, poderão

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fornecer elementos para ampliar o campoinvestigativo da formação humana na dire-ção de situá-la como mediadora das esfe-ras do trabalho e da educação escolar, bemcomo contribuir para novas abordagens depesquisa empírica sobre o tema da forma-ção humana no âmbito do cotidiano esco-lar, das reformas educacionais em curso e,concomitantemente, das práticas formati-vas circunscritas à Instituição Escolar.

Notas:Notas:Notas:Notas:Notas:1 Segundo a Organização Internacional do Trabalho– OIT, em 2003 era de 180 milhões o número dedesempregados.2 Enquanto o fordismo exigia um profissional espe-cializado, o toyotismo, presente na sociedade con-temporânea precisa de um profissional polivalente,multifuncional, capaz de realizar diversas funções,resolver problemas, trabalhar em equipe. Para aten-

der às exigências mais individualizadas do merca-do, no melhor tempo e com melhor qualidade, no-vas estratégias, que não são propósito deste artigoanalisar, vêm sendo empregadas pelas empresasmodernas: kanban, just-in-time, flexibilização, ter-ceirização, subcontratação, controle de qualidadetotal (CCQ), eliminação do desperdício, gerência par-ticipativa, sindicalismo de empresa. Daí a necessi-dade de um trabalhador polivalente, um operáriocapaz de operar com várias máquinas, rompendo-se com o caráter parcelar, típico do fordismo.3 Esse Plano Nacional de Educação foi elaborado,coletivamente, nos I e II Congressos Nacionais deEducação (CONEDS), com a participação de educa-dores, profissionais da educação, estudantes, paisde alunos. Encabeçado pelo deputado Ivan Valentee mais setenta parlamentares da oposição, transfor-mou-se no Projeto de Lei nº 4.155/98.4 A prática investigativa aqui registrada vincula-se atrabalho apresentado na Disciplina: Instituição Es-colar e Reforma do Ensino do Programa de Mestra-do em Educação da UNISO, ministrada pelo Prof.Celso Ferretti.

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Recebido em 26 de outubro de 2005.Recebido em 26 de outubro de 2005.Recebido em 26 de outubro de 2005.Recebido em 26 de outubro de 2005.Recebido em 26 de outubro de 2005.Aprovado para publicação em 29 de novembro de 2005.Aprovado para publicação em 29 de novembro de 2005.Aprovado para publicação em 29 de novembro de 2005.Aprovado para publicação em 29 de novembro de 2005.Aprovado para publicação em 29 de novembro de 2005.

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De semióforos, glocalização e redes: novasDe semióforos, glocalização e redes: novasDe semióforos, glocalização e redes: novasDe semióforos, glocalização e redes: novasDe semióforos, glocalização e redes: novastecnologias na escolatecnologias na escolatecnologias na escolatecnologias na escolatecnologias na escolaOf “semióforos”, “glocalização” and networks: newtechnologies in the school

Maria Lucia de Amorim Soares

Profa. Dra. do Programa de Mestrado em Educação daUniversidade de Sorocaba.e-mail: [email protected]

ResumoResumoResumoResumoResumoNo caminho de Deleuze e Guattari (1995) o texto, resultado de uma pesquisa teórica, faz rizomas comsemióforos – objetos raros etc., no dizer de Chauí (2000); com o movimento de “glocalização” do mundoconforme Canevacci (1996) que redefine o lugar da educação obrigando-a a enfrentar uma complexa gamade desafios. Para isso, toma como primeira premissa as três idades da Midiasfera, proposta por Debray (1993):a logosfera, período do escrito raro, destinado a ser dito em público; a grafosfera, correspondente ao escritoabundante (porque impresso), destinado a ser lido em particular; a videosfera, que se refere ao escritosuperabundante, destinado a ser mostrado via tela. Apanha, como segunda premissa, Castells (1992,1999)com o dizer que as redes constituem a nova morfologia social de nossas sociedades; que interpreta o conceitode agenciamento de Deleuze e Guattari (1997) como a convergência de ações, competências, idéias erecursos técnicos compartilhados por um coletivo humano; e que, com Levy (1993) sinaliza quatro pólos quecaracterizam o funcionamento das redes digitais. Com base nas premissas elencadas, é possível afirmar quenão existe cultura digital entre os adultos – daí as “novas” tecnologias serem para eles semióforos, enquantopara as crianças e adolescentes as “novas” tecnologias são apenas artefatos tecnológicos a serem exploradoscom curiosidade. Como conclusão, afirma, a partir de Debray (1993) que o professor não detém mais osacrossanto – o conhecimento, visto serem as “novas” tecnologias as detentoras do sagrado social hodierno –o virtual. Tal proposição implica expandir, a partir do anti-modelo do rizoma, novos processos de interação ecomunicação no ensino mediado pelas tecnologias para ir além da relação entre ensinar e aprender, comoafirma Kensky (2002). Neste caminho as novas tecnologias podem deixar de ser semióforos.

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chaveSemióforos; glocalização; novas tecnologias; cultura digital; prática de ensino.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractFollowing the thought of Deleuze and Guattari (1995), the text, the result of theoretical research, makesrhizomes from semióforos – rare objects etc., in the words of Chauí (2000); with the movement of world“glocalização” according to Canevacci (1996) who redefines the place of education, forcing it to face a complexrange of challenges. To achieve this, the first premise taken are the three ages of Mediasphere, proposed byBebray (1993): the logosphere, period of rare writing, destined to be spoken in public; the graphospherecorresponds to abundant writing (because it is printed), destined to be read in private; the videosphere, whichrefers to super abundant writing, meant to be shown on the screen. Taken as a second premise, Castells(1992,1999), with the citation that the networks form the new social morphology of our societies, which interprets

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 20, p. 195-204, jul./dez. 2005.

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196 Maria Lucia de A. SOARES. De semióforos, glocalização e redes: ...

Este texto pode ser lido a partir dequalquer platô – zona de intensidade vi-brando sobre ela mesma – no caminho deDeleuze e Guattari (1995). Este é um textoque aspira à elaboração de um “pensamen-to nômade” – máquina de guerra, totalmen-te diferente dos exércitos estatais, proceden-do por capturas pouco pacíficas; conectan-do energias habitualmente soltas;desterritorializando velhas intensidades efazendo “rizoma”:

Um rizoma não começa nem conclui, elese encontra sempre no meio, entre as coi-sas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filia-ção, mas o rizoma é a aliança, unicamentealiança. A árvore impõe o verbo “ser”, maso rizoma tem como tecido a conjunção“e... e... e....”. Há nesta conjunção força su-ficiente para desenraizar o verbo ser. En-tre as coisas não designa uma correlaçãolocalizável que vai de uma para outra ereciprocamente, mas uma direção perpen-dicular, um movimento transversal queas carrega, uma e outra, riacho sem iní-cio nem fim, que rói suas duas margense adquire velocidade no meio (DELEUZEe GUATTARI, 1995, p. 37).

O referencial deleuziano enfatizaplatôs rizomáticos de uma pesquisa teóri-

ca referente a inserção das novas tecnolo-gias na educação escolar, no caso o usodo computador, procurando desvelar arti-culações possíveis entre os desafios dessatecnologia como suporte didático e a exi-gência de uma nova ordem de organiza-ção do trabalho docente que requer estra-tégias até então desconhecidas.

Assim, o propósito exponencial destetexto é o de considerar as novas tecnologiascomo um semióforo, no caminho de MarilenaChauí (2000, p. 11) quando informa

que existem alguns objetos, animais, acon-tecimentos, pessoas e instituições quepodemos designar com o termo semióforo.São desse tipo as relíquias e oferendas,os espólios de guerra, as aparições celes-tes, os meteoros, certos acidentes geográ-ficos, certos animais, os objetos de arte, osobjetos antigos, os documentos raros, osheróis e a nação.

Este texto orienta-se, também, paraa discussão do movimento de “glocaliza-ção”, conforme reivindicam inúmeros auto-res, entre eles, Canevacci (1996), pois aosfluxos e estoques globais mesclam-se, emmenor ou maior grau, os fluxos e estoqueslocais, ocasionando a possibilidade de rejei-

the concept of Deleuze and Guattari’s (1997) soliciting of business as the convergence of actions, competences,ideas and technical resources shared by human collectivity; and that, along with Levy (1993) signals four poleswhich characterize the functioning of digital networks. Based on the listed premises, it is possible to affirm thatdigital culture among adults does not exist – thus the “new” technologies are for them semióforos, while forchildren and adolescents new technologies are only technological artifacts to be explored with curiosity. Inconclusion, the article affirms, as of Debray (1993) that the teacher no longer holds the sacrosanct – theknowledge, as the “new” technologies are the holders of the sacred, social, up to date knowledge – the virtual.Such a proposition implicates expansion, from the anti-model of the rhizome, new processes of interaction andcommunication on teaching mediated by technologies to go beyond the relationship between teaching andlearning, as Kensky (2002) affirms. Along this path the new technologies will no longer be semióforos.

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsSemióforos; glocalização; new technologies; digital culture; teaching practice.

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ções, assimilações e hibridações em estadode tensão e movimento. A glocalização domundo e especificamente da educação –conhecimento local e conhecimento univer-sal – redefine o lugar da educação obri-gando-a a enfrentar uma complexa gamade desafios.

Este texto parte de duas premissas.A primeira, de que vivemos hoje as três ida-des da Midiasfera, propostas por RégisDebray (1993): a logosfera, que correspon-de ao período escrito raro, destinado a serdito em público; a grafosfera, ao escritoabundante (porque impresso), destinado aser lido em particular; a videosfera, que serefere ao evento superabundante, destina-do a ser mostrado via tela. A segunda, queapanha Manuel Castells (1992, 1999) como dizer que as redes constituem a novamorfologia social de nossas sociedades,acoplado ao fato de que a utilização docomputador revira e reordena os padrõesculturais vigentes; que interpreta o conceitode agenciamento de Deleuze e Guattari(1997) como a convergência de ações, com-petências, idéias e recursos técnicos com-partilhados por um coletivo humano; e que,com Pierre Lévy (1993), sinaliza os quatropólos que caracterizam o funcionamentodas redes digitais. Com base nas premis-sas elencadas, é possível afirmar que nãoexiste cultura digital entre os adultos (nocaso, o professor) – daí as “novas” tecnolo-gias serem para eles semióforos, enquantopara as crianças e adolescentes (no casoalunos/as) as “novas” tecnologias seremapenas artefatos tecnológicos a serem ex-plorados com curiosidade.

Como conclusão – Sturm and Drung(Tempestade e Ímpeto), este texto afirmaque se na modernidade, epistemologica-mente, a dúvida estava centrada na angús-tia por conhecer o mundo e ordená-lo - nocaso da escola, o professor sistematizandoos conhecimentos acumulados historica-mente pela humanidade para os alunos,no ambiente das “novas” tecnologias aquestão é de outra natureza, isto é, a ques-tão é ontológica: quais são os modos deser (navegar) em mundos vários, num com-portamento libertário e desconstrutivista nomovimento veloz do mouse – rato errante?Este texto afirma também, a partir deDebray (1993), que o professor não detémmais o sacrossanto, o conhecimento, vistoserem as “novas” tecnologias as detento-ras do sagrado social hodierno – o virtual.Expandir a partir do antimodelo do rizoma,novos processos de interação e comunica-ção no ensino mediado pelas novas tec-nologias para ir além da relação entre en-sinar e aprender (Kensky, 2002) é um novocaminho. Neste caminho as “novas” tecno-logias podem deixar de ser semióforos.

De SemióforosDe SemióforosDe SemióforosDe SemióforosDe Semióforos

Semeiophoros é uma palavra gregacomposta de duas outras palavras: semeion– “sinal” ou “signo”, e phoros – “trazer paraa frente”, “expor”. Apanhando Pomian (En-tre I’invisible et le visible, Libre, nº 3, 1987)Marilena Chauí (2000) em “Brasil – mitofundador e sociedade autoritária”, indica aNação como Semióforo – Matriz, aqueleque será o lugar e o guardião dos semió-foros públicos. Por meio da intelligentsia, da

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escola, da biblioteca, do museu, do arquivode documentos raros, do patrimônio histó-rico e geográfico e dos monumentoscelebratórios, o poder político faz da Na-ção o sujeito produtor de semióforos naci-onais e, ao mesmo tempo, o objeto do cul-to integrador da sociedade una e indivisa.Diz Chauí (2000, p. 11-12):

Um semeion é um sinal distintivo quediferencia uma coisa de outra, mas é tam-bém um rastro ou vestígio deixado poralgum animal ou por alguém, permitindosegui-lo ou rastreá-lo... Signos indicativosde acontecimentos naturais – como asconstelações, indicadores das estações doano -, sinais gravados para o reconheci-mento de alguém – como os desenhonum escudo, as pinturas, num navio, osestandartes -, presságios e agouros sãotambém semeion. E pertence à famíliadessa palavra todo sistema de sinaisconvencionados, como os que se fazemem assembléias, para abri-las ou fechá-las ou para anunciar uma deliberação.Inicialmente, um semeiophoros era a ta-buleta na estrada indicando o caminho;quando colocado à frente de um edifício,indicava uma função. Era também o es-tandarte carregado pelos exércitos, paraindicar sua proveniência e orientar seussoldados durante a batalha. Como semá-foro, era um sistema de sinais para co-municação entre navios e deles com aterra. Como algo precursor, fecundo oucarregado de presságios, o semióforo eraa comunicação com o invisível, um signovindo do passado ou dos céus, carregan-do uma significação com conseqüênciaspresentes e futuras para os homens. Comesse sentido, um semióforo é um signotrazido à frente ou empunhado para indi-car algo que significa alguma outra coisae cujo valor não é medido por suamaterialidade e sim por sua força simbó-

lica: uma simples pedra, se for o local ondeum deus apareceu, ou um simples tecidode lã, se for o abrigo usado, um dia, porum herói, possuem um valor incalculá-vel, não como pedra ou como um pedaçode pano, mas como lugar sagrado ou re-líquia heróica. Um semióforo é fecundoporque dele não cessam de brotar efeitosde significação.

Na exposição à visibilidade é que ossemióforos realizam sua significação e suaexistência. Seu lugar é público: templos,museus, bibliotecas, teatros, cinemas, cam-pos esportivos, praças e jardins, lugaressantos como montanhas, rios, lagos, cida-des. Em resumo: locais onde a sociedadepossa comunicar-se celebrando algo co-mum e que conserva o sentimento de co-munhão e de unidade.

Um objeto, um acontecimento, umanimal, uma pessoa, uma instituição é umsemióforo. A celebração de um semióforopode acontecer por meio de cultos, peregri-nações, representações de feitos heróicos,passeatas, desfiles, monumentos, uma vezque o semióforo é capaz de relacionar ovisível e o invisível no espaço e no tempo:o invisível pode ser o sagrado – um espa-ço além de todo espaço, ou o passado ouo futuro distantes – um tempo sem tempo.

Entretanto, Max Weber (2004), noinício do século passado, já expressava acondição de estarmos vivendo um “mun-do desencantado”, mundo onde mistérios,maravilhas, prodígios tornaram-se inteligí-veis pelo conhecimento científico e regidospela racionalidade por meio da lógica demercado. A célebre expressão weberianainduz-nos a dizer que, no modo de produ-

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ção capitalista, não pode haver semióforo,pois, no capitalismo, tudo é mercadoria, nãotendo como ser retirado do circuito da cir-culação mercantil. Mas, “a suposição daimpossibilidade de semióforo na socieda-de capitalista só surgiu porque havíamosdeixado na sombra um outro aspecto de-cisivo dos semióforos, ou seja, que são sig-nos de poder e prestígio” (Chauí, 2000, p.13),visto serem, também posse e propriedadedaqueles que detêm o poder para produzire conservar um sistema de crenças ou umsistema de instituições que lhes permitedominar o meio social. Chefias religiosas,detentoras do saber sobre o sagrado e, che-fias político-militares, detentoras do sabersobre o profano, são os detentores iniciaisdos semióforos. Sob o capitalismo a entra-da da mercadoria e do dinheiro como mer-cadoria universal pode acontecer sem des-truir os semióforos e até fazer crescer aquantidade desses objetos especiais. Ago-ra a aquisição de semióforos passa a teruma nova determinação – a de seu valorpor seu preço em dinheiro, insígnia de ri-queza e de prestígio.

A posse dos semióforos é disputadapela hierarquia religiosa, pela hierarquiapolítica e hierarquia da riqueza, bem comoa capacidade de produzi-los quer sejammilagres, propagandas ou objetos. Assim,as novas tecnologias, com especificidadepara o computador, paradigmas de atra-ção no mundo no qual vivemos – sãosemióforos.

Das três idades da MidiasferaDas três idades da MidiasferaDas três idades da MidiasferaDas três idades da MidiasferaDas três idades da Midiasfera

Regis Debray (1993) divide a experi-ência humana ocidental em três idades daMidiasfera, contendo cada uma seus temas,valores e conceitos, mas carregando consi-go traços e valores da idade superada.

Em cada época, a Midiasfera corres-pondente sacraliza seu principal vetor eerige seu médium central em mito supre-mo. No começo era o Verbo e o Verbo eraDeus, proclamava a logosfera. Nagrafosfera, a impressora manual eGutemberg são os heróis. Na videosfera osaltares da imprensa são derrubados pelatelevisão e pelo computador. Na logosfera,a crença dirigi-se, principalmente, ao que seescuta; na grafosfera, ao que se decifra; navideosfera, ao que se vê. Na logosfera aclasse espiritual – detentora do sagradosocial – é a igreja, por meio dos profetas edo clero, sendo o dogma o sacrossanto. Nagrafosfera, a intelligentsia laica é a classeespiritual, sendo os professores e doutoresos detentores do sacrossanto, o conheci-mento. Já na videosfera, a mídia tem comosacrossanto a informação, que é posse dedifusores e produtores.

Um quadro sinóptico faz compreen-der melhor os temas, valores e conceitosque marcam as três idades analisadas porDebray (1993). Idades que podem (e de-vem) ser criticadas, entretanto, interessan-do na medida em que transgridem de ma-neira performática outras escrituras sobreo mesmo tema.

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Videosfera –Videosfera –Videosfera –Videosfera –Videosfera – corresponde ao escrito superabundante, destinado a ser mostrado.Tem como:

Logosfera Logosfera Logosfera Logosfera Logosfera – corresponde ao escrito raro destinado a ser dito em público. Tem como:

Grafosfera –Grafosfera –Grafosfera –Grafosfera –Grafosfera – corresponde ao escrito abundante, porque impresso, destinado aser lido em particular. Tem como:

Da Glocalização e das Redes:Da Glocalização e das Redes:Da Glocalização e das Redes:Da Glocalização e das Redes:Da Glocalização e das Redes:novas tecnologias na escolanovas tecnologias na escolanovas tecnologias na escolanovas tecnologias na escolanovas tecnologias na escola

Alguns traços que caracterizam acontemporaneidade como modo singularde ser e estar no mundo, apresenta-secomo tensa e complexa conjunção de: 1.

Espaços geográficos e eletrônicos; 2. Con-vivências (vivências em presença) etelevivências (vivências a distância); 3. Tem-po real e espaço planetário; 4. Local e glo-bal, enlace sintetizado na expressãoglocalidade; 5. Realidade contígua etelerrealidade (RUBIM, 2001).

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A força do lugar, como insiste MiltonSantos (1996), impregna e transforma oprocesso de globalização (dimensões eco-nômica e técnica do processo) emmundialização (dimensão cultural) comosugere Renato Ortiz (1994) ou em movi-mento de “glocalização”, conforme reivindi-cam inúmeros autores, pois aos fluxos eestoque globais, mesclam-se, em menor oumaior grau, os fluxos e estoques locais, oca-sionando a possibilidade de rejeições, assi-milações e hibridações em estado de ten-são e permanente movimento.

A noção de glocal busca dar conta des-se caráter complexo e tenso. MassimoCanevacci (1996, p. 25) comenta essa noção:

Essa palavra nova, fruto de recíprocas conta-minações entre global e local, foi forjadajustamente na tentativa de captar a comple-xidade dos processos atuais. Nela foi incor-porado o sentido irrequieto do sincretismo.O sincretismo é glocal. É um território mar-cado pelas travessias entre correntes opos-tas e freqüentemente mescladas, com di-versas temperaturas, salinidades, cores esabores. Um território extraterritorial.

A glocalização do mundo e especifi-camente da educação – conhecimento lo-cal e conhecimento universal – redefine olugar de educação. Ela desatualiza erelativiza locais de atuação, cria novas ins-tâncias passíveis de atuação educacional,obriga a educação a enfrentar uma com-plexa gama de desafios. Assim, a crise atu-al da educação também deriva daglocalização em curso, glocalização quesugere um outro componente vital, confor-me Manuel Castells (1992, p. 8):

O novo não é tanto que a economia tenhauma dimensão mundial (pois isto ocorre

desde o século XVII), mas que o sistemaeconômico funcione cotidianamente nes-ses termos. Neste sentido, assistimos nãosomente à internacionalização da economia,mas à sua globalização, isto é, a uma interpe-netração das atividades produtivas e das eco-nomias nacionais em um âmbito mundial.

Na trilogia “A era da informação-eco-nomia, sociedade e cultura”, Castells (1999),como o próprio título indica, defende a tesede que há uma tendência histórica dos pro-cessos dominantes na era da informaçãode se organizarem em torno de redes. ParaCastells (1999, p. 497), as redes constituem“a nova morfologia de nossas sociedadese a difusão da lógica de redes modificamde forma substancial a operação e os re-sultados dos processos produtivos e de ex-periências, poder e cultura”. O que é rede? Éum conjunto de nós interconectados:

O que é um nó depende do tipo de redesconcretas [...]. São mercados de bolsas devalores e suas centrais de serviços auxilia-res avançados na rede dos fluxos financei-ros globais. São conselhos nacionais deministros e comissários europeus da redepolítica que governa a União Européia. Sãocampos de coca e papoula, laboratórios clan-destinos, pistas de aterrissagem secretas,gangues de rua e instituições financeiraspara lavagem de dinheiro na rede de tráfi-co de drogas que invade as economias,sociedades e Estados do mundo inteiro. Sãosistemas de televisão, estúdios de entrete-nimento, meios de computação gráfica,equipes para cobertura jornalística e equi-pamentos móveis gerando, transmitindo erecebendo sinais na rede global da novamídia no âmago da expressão cultural eda opinião pública, na era da informação(CASTELLS, 1999, p.498).

Redes são estruturas abertas que ten-dem a se expandir, gerando novos nós, que

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compartilham os mesmos códigos de co-municação (valores ou objetivos de desem-penho). As redes são “instrumentos” paraum novo mundo interligado, para a eco-nomia do capitalismo globalizado, para acultura tendendo à hibridação constante.Aqueles que não estão em rede, que nãosão flexíveis, os não – adaptados, sãonetless, os fora-das-redes.

As redes digitais podem ser interpreta-das a partir do conceito de agenciamentocriado por Deleuze e Guattari (1997). Umagenciamento é a convergência de ações,competências, idéias e recursos técnicos, com-partilhados por um coletivo humano dispos-to a somar os seus esforços numa direçãoespecífica. Ele não tem uma essência pura eestá sempre atuando por conflitos e avanços,lançando linhas de articulação com outrosagenciamentos. As redes digitais são estrutu-ras técnicas que contribuem para o funciona-mento de agenciamentos humanos, lugaronde os resultados dependem do fluxo dasrelações de força envolvidas nesses agencia-mentos. Já Pierre Lévy (1993) fala de redesdigitais destacando suas características rela-cionadas ao conhecimento, como suportetécnico para os agenciamentos múltiplosque existem entre os sujeitos que compõema sociedade escolar. Para esse autor, quatropólos caracterizam o funcionamento das re-des digitais: 1. Elas têm a função e a compe-tência para armazenar grandes quantidadesde informações (banco de dados); 2. Servempara transmitir informações para outros pó-los do agenciamento onde se encontram osusuários (programa de transmissão); 3. Po-dem ser usadas para receber, separar, modifi-car, copiar, colar, classificar e lançar os pri-

meiros passos de uma análise; 4. As informa-ções contidas nas redes digitais têm umadimensão de produção, exigindo de seususuários competências para compor, transfor-mar e criar novas informações e conhecimen-tos que podem voltar a pertencer ao mes-mo espaço virtual ou abortar por uma defuga. Esclarece Pais (2002, p. 113): “do pon-to de vista educacional, esses quatro pólosda rede nos leva a perceber a exigência decompetências específicas para cada um de-les, o que indica alterações significativas paraas práticas pedagógicas tradicionais sem ouso do computador”.

No contexto explicitado, a prática doprofessor sofre uma ampliação considerável.No plano didático, o uso da informática trazdesafios, envolvendo a necessidade de re-ver princípios, conteúdos e metodologiascompatíveis com a potência dos instrumen-tos digitais: 1. Entender a realidade virtualnão como o oposto da realidade imediata,pois, em sua dimensão, existe uma realidadeque lhe é própria; 2. Articular os conteúdosde áreas distintas, dada a dimensão da inteli-gência humana; 3. Possibilitar a união decompetências individuais da equipe de tra-balho; 4. Compreender os filamentos nosquais ocorrem as situações de aprendizagem:o contexto da sala de aula, o espaço interme-diário da escola e ainda a dimensão maisampla do sistema educativo, em nível dasrelações sociais em que o sujeito se encontrainserido; 5. Considerar as mudanças poten-ciais nas novas condições da prática educati-va, não como um código normativo, redutívela um conjunto absoluto de normas, mas en-tendendo o conhecimento didático comosendo um agenciamento de linhas de articu-

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lação “defendido por um território de educa-dores, no qual convergem aspectos teóricos,práticos, entremeados por outras tonalida-des” (PAIS, 2002, p. 52).

Conclusão: De Sturm Und DrangConclusão: De Sturm Und DrangConclusão: De Sturm Und DrangConclusão: De Sturm Und DrangConclusão: De Sturm Und Drang

Este texto, resultado de uma pesquisateórica, não pretende anunciar verdades de-finitivas sobre questões didáticas diante dodesafio condicionado pelo uso de novas tec-nologias na educação escolar. Sua relevân-cia desloca-se para o fato de que o admirávelmundo novo das tecnologias informáticasé também um mundo de perplexidades, deincertezas, de imaginação exaltada e porvezes selvagem. É natural que a introduçãode toda tecnologia em uma mesma culturaproduza um dilúvio de expectativas, de in-segurança ou otimismo exacerbado. Nosmomentos iniciais do desenvolvimento dastecnologias de comunicação à distância –telégrafo, rádio, televisão – não faltaram fan-tasias e delírios utópicos ou distópicos.

No caso das novas tecnologias, o vôoda imaginação tem alcançado alturasestratosféricas. Toda tecnologia é “nova” emrelação àquela que a precedeu, mas as “tec-nologias da inteligência”, como as chamaPierre Lévy (1993), parecem ter a pretensãode serem “novas” de maneira absoluta. Astecnologias eletrônicas da era da informa-ção são invisíveis, circulando fora das expe-riências humanas de espaço e tempo, por-que elas estão no processo do fazer e docriar e não no ato de comprar um computa-dor. O que se compra é um artefato tecnoló-gico e não novas tecnologias. O que estádentro da máquina são apenas recursos que

criam novas tecnologias quando usados.O mapeamento das questões apresen-

tadas permite inferir que se na Modernidade,epistemologicamente, a dúvida estava cen-trada na angústia por conhecer o mundo eordená-lo – no caso da escola o professorsistematizando os conhecimentos acumula-dos historicamente pela humanidade para osalunos, no ambiente das novas tecnologias -ambiente cyber – a questão é de outra natu-reza, isto é, a questão é ontológica: quais sãoos modos de ser (navegar) em mundo(s)vário(s) num comportamento libertário,desconstrutivista, incestuoso, num apeloirrefutável à anarquia? A sociedade do con-trole perde, no ciberespaço, para o hacker, quetem espírito de flâneur: usa imagens múlti-plas, destoantes, onde o lixo e o conhecimen-to se misturam em uma mesma palavra-cha-ve, e onde as descobertas servem para de-monstrar as incertezas diante do que aconte-cerá no desconcertante, milimétrico, veloz mo-vimento do mouse – rato errante.

Na escola, os sabores do outro mun-do – este, que acabou (ou não), bem delimi-tados, estão na garganta do professor. Jáos sabores da cibercultura, o sarcasmo, oerótico, o outsider, a identidade, o corpo, amente, a liberdade, o artificial, o global, olocal, a glocalização, a fragmentação, o oci-dente e o oriente jorram violentamente noespaço escolar – Sturm und Drang (Tempes-tade e Ímpeto). Se vivemos, afinal, em umaera que vem sendo similar ao aparecimentoda escrita alfabética e da invenção da im-prensa, eras que formaram outros mundosnovos, este texto, tendo lançado um olharsorrateiro às atualidades conectadas quisdizer: a videosfera, na tela multidimensio-

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nalizada, rouba do professor o poder daviagem – a tela não é um quadro negromas um mergulho fusional na ação real; eo visual é o espaço na proliferação de luga-res, centros, encruzilhadas, espaço do com-putador. Assim, o professor, a partir deDebray (1993) não detém mais o sacrossan-to, o conhecimento, visto serem as novastecnologias as detentoras do sagrado so-cial hodierno – o virtual.

Tal proposição implica expandir, a

partir do antimodelo do rizoma, novos pro-cessos de interação e comunicação no ensi-no mediado pelas tecnologias para ir alémda relação entre ensinar e aprender comoafirma Kensky (2002, p. 264). As novas tec-nologias “orientam-se para a formação deum novo homem, autônomo, crítico, consci-ente da sua responsabilidade individual esocial, enfim, um novo cidadão para umanova sociedade”. Neste caminho as “novas”tecnologias podem deixar de ser semióforos.

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Recebido em 17 de outubro de 2005.Recebido em 17 de outubro de 2005.Recebido em 17 de outubro de 2005.Recebido em 17 de outubro de 2005.Recebido em 17 de outubro de 2005.Aprovado para publicação em 29 de novembro de 2005.Aprovado para publicação em 29 de novembro de 2005.Aprovado para publicação em 29 de novembro de 2005.Aprovado para publicação em 29 de novembro de 2005.Aprovado para publicação em 29 de novembro de 2005.

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A educação, o/a educador/a e a exclusão socialA educação, o/a educador/a e a exclusão socialA educação, o/a educador/a e a exclusão socialA educação, o/a educador/a e a exclusão socialA educação, o/a educador/a e a exclusão socialEducation, the educator and social exclusion

Ruth Pavan

Doutora em Educação. Professora do Programa de Mestra-do em Educação da UCDB.e-mail: [email protected]

ResumoResumoResumoResumoResumoO artigo é resultado das reflexões teóricas desenvolvidas na tese de doutorado em educação, “A reflexãodos professores e professoras da Educação de Jovens e Adultos sobre a exclusão social”, defendida em 2005,na UNISINOS. Tendo como referência a teoria crítica em educação, discute os efeitos da hegemonianeoliberal para a educação e os desafios suscitados para o/a educador/a. Sustenta que a hegemonianeoliberal procura transformar tudo em mercadoria, inclusive a educação passa de direito à mercadoria,aumentando os processos de exclusão. Os/as educadores/as são vistos como responsáveis pelos problemaseducacionais, apontando como solução a competição e aplicação da lógica empresarial. Há ainda umprocesso ideológico de produção de sentido por meio do qual se enfatiza o “saber-fazer” em detrimento dareflexão teórica, sobretudo a crítica, vista como inútil e perda de tempo. O texto argumenta que para fazerfrente à hegemonia neoliberal é necessário que o/a educador assuma seu compromisso político, seja um/a educador/a crítico/a, capaz de compreender os contextos que o leva a pensar/agir de uma determinadaforma para contribuir com a construção de uma sociedade radicalmente diferente, em que os processos deexclusão sejam superados.

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chaveFormação de professores; hegemonia neoliberal; reflexão crítica; exclusão social.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractThe article in hand is the result of theoretical reflections developed in a doctoral thesis on education, “Thereflection of teachers on social exclusion”, defended in 2005 at UNISINOS. The article, having as referencethe critical theory of education, discusses the effects of neoliberal hegemony on education and the challengesbrought up for the educator. The article supports the concept that neoliberal hegemony seeks to transformeverything into goods, including education, which goes from being a right to becoming goods, increasingthe processes of exclusion. Educators are seen as responsible for educational problems, pointing out as asolution the competition and application of business logic. There is also an ideological process of productionof meaning by which “knowing how” is emphasized to the detriment of theoretical reflection, above allcritical thinking which is seen as useless and a waste of time. The text argues that in order to faceneoliberal hegemony it is necessary that the educator take on a political commitment, be a critical educator,capable of understanding the contexts which take them to think/act in a certain way so as to contribute tothe construction of a radically different society, where the processes of exclusion are overcome.

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsTeacher training; neoliberal hegemony; critical reflection; social exclusion. crítica, exclusão social.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 20, p. 205-218, jul./dez. 2005.

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206 Ruth PAVAN. A educação, o/a educador/a e a exclusão social

Discutir a relação entre a exclusãosocial e o processo escolar, bem como opapel do/a educador/a remete-me aAlencar (2001, p. 99), que, baseado emHannah Arendt, afirma que “o ato educa-tivo resume-se em humanizar o ser huma-no”. E prossegue: “Grande resumo, sínteseadmirável! E prática dificílima: tornar o hu-mano mais humano não é simples, nãoestá dado”. Parece-me que nada é maispertinente no contexto atual, sobretudonos seus aspectos desumanizantes de ex-clusão, do que pensarmos a educação doponto de vista da humanização, como nossugere Hannah Arendt. É importante per-cebermos o que torna o processo de hu-manização tão pertinente no momento ede que forma foram se constituindo pro-cessos de desumanização.

Outros autores também fazem estareflexão abordando outros elementos, con-forme podemos perceber em Arroyo (2001,p. 276): “Não adianta querer uma infânciana escola, uma infância escolarizada, man-tendo a infância sem moradia, com fome,dormindo na rua, ou dormindo amontoa-da em casa, uma infância sem carinho.Uma infância sem infância”. O autor pros-segue afirmando: “O direito à educação éinseparável da pluralidade de direitos dainfância e da adolescência”.

Assim, não é possível perceber a ex-clusão social e o processo educacionalcomo se estivessem desvinculados, pois, seé necessário falar em humanização no pro-cesso educativo, é porque este se constituino contexto social geral. Neste sentido, aescola, bem como o processo educativo,

podem fomentar a continuidade da legiti-mação de processos excludentes edesumanizadores produzidos pela socieda-de. Mas também pode se constituir um es-paço privilegiado de reflexão e práticaincludente, se seguir a perspectiva de que“educar é humanizar, socializar valores dejustiça, respeito e solidariedade. Educar éreproduzir criadoramente conhecimentos,para superar doenças, exclusões e malda-des” (ALENCAR, 2001, p. 116). Ou ainda,conforme Gentili (2001, p. 42):

A escola deve contribuir para tornar visí-vel o que o olhar normalizador oculta.Deve ajudar a interrogar, a questionar, acompreender os fatores que historicamen-te contribuíram na produção da barbárieque supõe negar os mais elementaresdireitos humanos e sociais às grandesmaiorias. A escola democrática deve serum espaço capaz de nomear aquilo que,por si mesmo, não diz seu nome, que sedisfarça nos grotescos eufemismos do dis-curso light, cortês, anoréxico. O discursocínico dos nossos governos, dos mercado-res da fé, do empresariado sensível e dosdruidas tecnocráticos que, em vôo rasante,procuram interpretar a realidade a partirdos gabinetes ministeriais.

Desta forma, podemos dizer que sea educação historicamente tem contribuí-do para legitimar processos de exclusão,isso não significa que não possamos vis-lumbrar práticas educativas sensíveis aosexcluídos. A exclusão social está vinculadaà educação, e urge refletir sobre o papelque os/as educadores/as desenvolvem emrelação a ela para articular novas possibili-dades e vinculações, quiçá vinculações quefaçam da educação um espaço privilegia-do de transformação social.

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De certa forma, o que acabamos dedestacar sobre a educação escolar revelaque ela se encontra imersa em uma crise.Ela nunca deu e continua não dando con-ta de cumprir os fins a que se propõe, pordiversas razões, mas, sem dúvida, em gran-de parte não dá conta por estar inseridaem uma sociedade capitalista.

Para Moraes (2004), um tempo decrise como o que vivemos é também umtempo propício para que se veja o carátersalvacionista da educação vinculado à ló-gica do mercado, como se a redenção nãosó da sociedade, mas da própria educaçãoestivesse exatamente nesta relação. Istoexplica em grande parte o que vem acon-tecendo no campo educacional brasileiro,em que se vem reduzindo o papel do/aeducador/a a uma função técnica e se o/avê como não preparado para exercê-la,entrando em um processo de culpabilizaçãodo/a educador/a: “Conquanto não se che-gue a afirmar que a apregoada precarie-dade da formação de docentes seja a úni-ca responsável pelo fracasso escolar – alar-deia-se sua inequívoca culpabilidade nes-te caso” (MORAES, 2004, p. 140). Segundoa autora, embora haja uma grande produ-ção acadêmica que aborda o/a educador/a e sua formação, são raros os trabalhosque tratam “[...] da produção do conheci-mento, de seus processos sempre cumula-tivos de sedimentação e acréscimo, de crí-de crí-de crí-de crí-de crí-tica e transformaçãotica e transformaçãotica e transformaçãotica e transformaçãotica e transformação” (MORAES, 2004,p. 141; grifo meu). Isto mostra que os/aseducadores/as estão sendo capturadospela lógica da eficiência e de conhecimen-tos profissionalizados, em que a crítica é vis-

ta como perda de tempo e a idéia de trans-formação social como ultrapassada, umavez que a retórica oficial é de que estamosno último estágio de desenvolvimento dahumanidade e o capitalismo é o fim parao qual tendem todos os grupos humanos.

Esta captura está relacionada àconstrução de alguns “padrões civilizatórios”,dentre os quais se podem destacar a socie-dade da informação e a sociedade do co-nhecimento. Postula-se que está havendouma multiplicação da informação e do co-nhecimento, uma verdadeira democratiza-ção. Será que é isso mesmo que está ocor-rendo? Penso que na sociedade atual, onde,como afirma Moraes (2004), usando o argu-mento de Chauí, a concentração, reprodu-ção e acumulação do capital estão direta-mente ligadas à informação e ao conheci-mento (mais na primeira do que na segun-da devido à lógica do capital financeiro emque a informação é a chave da acumulaçãoinstantânea), é no mínimo ingênuo acredi-tar que estejam acessíveis democraticamen-te. Ou seja, há efetivamente um abismo en-tre o potencial democrático do conhecimen-to e da informação e sua real efetivação.Uma sociedade capitalista a rigor nãocombina com democratização do conheci-mento e da informação. Esta seria a suaruína. Os defensores da tese de que existeuma democratização do conhecimento eda informação omitem que, cada vez mais,“[...] o poder econômico e a própria noçãode desenvolvimento baseiam-se na possee controle de informação e, portanto, blo-queiam as forças democráticas que reivin-dicam o direito de acessá-las, compreendê-

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las, ou dominar seus códigos” (MORAES,2004, p. 144).

Da mesma forma que a informaçãorelevante não é democratizada, o conheci-mento também não é e funciona como for-ça ideológica para culpabilizar os excluídospela sua exclusão. Como se afirma que otrabalho está cada vez mais ligado ao co-nhecimento, ter ou não ter os conhecimen-tos certos é visto como o diferencial de com-petitividade. Como se produz a ilusão deque os conhecimentos estão disponíveis epodem ser buscados por qualquer um, sea pessoa não os tiver é porque não os bus-cou, foi “preguiçosa”. Ou seja, a exclusão éculpa do próprio excluído.

Outra forma de percebermos a falá-cia da democratização do conhecimento eda informação, é que se pode observar fa-cilmente que, ao mesmo tempo em queos discursos oficiais estão assumindo estaretórica, concomitantemente, reduzem-se osgastos em educação, deixando as univer-sidades públicas sem recursos, os educa-dores de forma geral sem tempo para aprodução do conhecimento. Sem maioresconstrangimentos, fala-se em “treinamen-to” de professores, como se estes não pre-cisassem de uma boa formação para oexercício intelectual, para pensar, para refle-tir criticamente, entre outras coisas, sobre osprocessos de exclusão. A educação seguehoje uma política simplista e superficial quepode ser sintetizada da seguinte forma: “Pra-ticar, usar e interagir – uma interação cir-cunscrita a uma relação entre produção econsumo de talhe imediato e superficial”(MORAES, 2004, p. 148). Por isto, entendo

que é urgente conceber estratégias de lutaem favor de um tempo de reflexão para oseducadores, aquilo que na minha disserta-ção de mestrado (PAVAN, 1999) denomi-nei de “Manifesto do Tempo Livre”.

Segundo Moraes (2004, p. 149), é ne-cessário criticar a concepção de conheci-mento que vigora hoje na educação, inclu-indo a escolar: “A supremacia do saber-fa-zer desqualifica o esforço teórico à perdade tempo e à especulação metafísica”. Ain-da, segundo a mesma autora, como efei-tos desta retórica do conhecimento práticotemos a “desintelectualização” do/a educa-dor/a e sua despolitização, reafirmando asuposta neutralidade da educação, propala-da em nome de um saber técnico (conside-rado útil) em detrimento de um saber polí-tico (supostamente inútil, perda de tempo).

É importante destacar que a críticaque estou fazendo à sociedade do conhe-cimento e da informação não significa quea teoria crítica, que utilizo como referência,não reconheça a importância do conheci-mento. Significa entender a dimensão polí-tica de todo e qualquer conhecimento. Asociedade em que o conhecimento é umacondição importante na definição das fron-teiras da exclusão, não só se deve enfatizaro conhecimento nos processos educativos,mas lutar para que este seja gratuito e pú-blico para toda a vida. Mas, não se tratade qualquer conhecimento. Aqui a velha –mas nem por isso menos atual – afirma-ção de que não há neutralidade no conhe-cimento é de suma importância. Na dimen-são crítica, o conhecimento, mais do queservir para adaptar-se às exigências do

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mercado, deve ser uma ferramenta paracompreender os processos de exclusão edesenvolver experiências alternativas. Estasdevem ser experiências coletivas, pois a lutade indivíduos é sempre uma luta suicida.Só por meio da organização coletiva aspossibilidades de transformação social co-meçam a surgir.

Voltando à questão do conhecimen-to “saber-fazer”, cabe destacar, seguindo aconcepção crítica, que sempre foi papel daeducação procurar levar os seus educan-dos a uma compreensão das contradiçõesda sociedade, levando-os a entenderem asua realidade, bem como o lugar social ecultural que cada sujeito ocupa e, sobretu-do, por que ocupa este lugar. Neste senti-do, pode-se dizer que este papel continuafazendo a diferença entre um profissionalcrítico ou não. Para Morgado (2004, p. 109),o contexto de exclusão e desigualdade hojeexistente faz com que os/as educadores/as se vejam imbuídos/as de novas respon-sabilidades para “[...] a construção de umasociedade mais inclusiva e, conseqüente-mente, mais solidária e mais democrática”.

Num certo sentido, pode-se observarque a educação não tem conseguido acom-panhar a velocidade das mudanças pro-duzidas pela tríade ciência-tecnologia-eco-nomia, fazendo com que mesmo educado-res/as imbuídos da luta por uma socieda-de diferente se vejam incapazes de promo-ver mudanças substanciais. Afirma Morga-do (2004, p. 110): “[...] a educação não temconseguido evidenciar-se nem como umserviço público distribuído eqüitativamen-te, nem assumir-se como fórmula compen-

sadora das desigualdades”.As causas do fato de a educação

não dar conta deste papel não devem serbuscadas no/a educador/a, como se este/a fosse simplesmente ineficiente ou não ti-vesse as habilidades e competências ne-cessárias.

A explicação passa, necessariamente,pela compreensão de um contexto muitomais amplo. Para Morgado (2004), somosherdeiros de uma época que nos fez crerequivocadamente que desenvolvimentoeconômico significa automaticamente de-senvolvimento social ou, até mesmo, inclu-são social, “[...] remetendo para segundo pla-no os ideais humanistas e emancipadoresque devem nortear qualquer sociedadedemocrática” (MORGADO, 2004, p. 110).

Porém a realidade atual não deixadúvida de que a relação automática entredesenvolvimento econômico e melhoria daqualidade de vida é uma grande falácia,pois o que vemos é um aumento vertigino-so do número de excluídos em todos ospaíses, por meio do aumento do desem-prego, diminuição dos salários, perda de di-reitos sociais e desmantelamento de servi-ços públicos.

Dentro da teoria crítica, entretanto, aeducação continua a ser vista como umapossibilidade de transformação social, e,segundo Giroux (1997), deve-se fazer umesforço para, apesar de muitas vezes seobservar o contrário, identificar espaços deluta e transformação social, ou, como afir-ma Freire (1999), acreditar na mudançanão por uma questão de teimosia, mas poruma necessidade ontológica, pois sem acre-

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ditarmos na mudança nos tornamos de-sanimados e nos sentimos até mesmo in-capazes de lutar. Isto evidentemente favo-rece a perpetuação do status quo da socie-dade, pois sabemos que toda e qualquermudança social só virá com muita luta eorganização popular.

A compreensão do contexto que difi-culta um processo educativo includente, ten-do em vista que a transformação social im-plica o reconhecimento do triunfo da hege-monia neoliberal. Ressalto que, para com-preendê-lo, é fundamental não associarmosa nossa reflexão a uma concepção merca-dológica, pois os que defendem o livre mer-cado “[...] referem-se sempre à qualidade dos‘incluídos’ ou ‘integrados’, nunca à dos ‘ex-cluídos’ ou ‘marginais’. São as conseqüên-cias políticas do discurso da qualidadecomo nova retórica conservadora no cam-po educacional [...].” (GENTILI, 1995, p. 174).

Ainda, segundo o mesmo autor, parao neoliberalismo a qualidade na educaçãoé vista como uma mercadoria a ser vendi-da, nunca como um direito de todo/a cida-dão/ã. De acordo com Gentili, para lutarcontra os discursos conservadores hegemô-nicos precisamos levar em conta três as-pectos fundamentais:

Primeira: “qualidade” para poucos não é“qualidade”, é privilégio. Segunda: a “quali-dade” reduzida a um simples elemento denegociação, a um objeto de compra e vendano mercado, assume a fisionomia e o cará-ter que definem qualquer mercadoria: seuacesso diferenciado e sua distribuição sele-tiva. Terceira: em uma sociedade democrá-tica e moderna, a qualidade da educação éum direito inalienável de todos os cidadãos,sem distinção. (GENTILI, 1995, p. 176).

Para os autores críticos, não há dúvi-da de que estamos vivendo um período dehegemonia neoliberal que traz uma sériede conseqüências negativas para a educa-ção. Ela deixa de ser vista como direito epassa a ser vista como mercadoria. Antesde descrever estas características, penso seroportuno explicar como se construiu/cons-trói esta hegemonia.

Para esta compreensão, a “relaçãoentre escolaridade e poder econômico, políti-co e cultural não é uma reflexão posterior.Trata-se de parte constitutiva do próprio exis-tir da escola” (APPLE, 2000, p. 152). Portanto,devemos discutir aqui aspectos que nos re-metem ao contexto mais geral e sua relaçãocom a educação. Entendemos, então, a edu-cação como uma dimensão da sociedadeque está estreitamente vinculada com asdiversas formas de poder, e esta vinculaçãoem vez de nos deixar incapazes de agir, nosfaz compreender que “as formas de podernão deveriam ser reificadas, vistas como ‘coi-sas’, mas deveriam ser consideradas con-juntos complexos de relações sociais”(MAYO, 2004, p. 30). Compreender o poderde uma forma dinâmica e como elementoque atravessa todas as relações sociais nospermite também exercê-lo, já que como do-centes estamos também compondo as re-lações sociais existentes na sociedade.

Evidentemente não podemos, sim-plesmente, nos fundamentar em um otimis-mo ingênuo e pensar que os poderes exerci-dos pelos diferentes grupos são exercidossob as mesmas condições, e é neste senti-do que trazemos, inicialmente, para nos aju-dar a compreender as complexas relações

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de poder existentes em nossa sociedadeneoliberal, o conceito de hegemonia, pois éimportante reconhecer que há grupos queconseguem se impor em relação a outrosgrupos.

Assim, podemos entender que o “con-ceito de hegemonia refere-se a um processono qual grupos dominantes da sociedadese juntam formando um bloco e impõemsua liderança sobre grupos subordinados”(APPLE, 2000, p. 43). É de fundamental im-portância ressaltar que a hegemonia nemsempre se estabelece pelo uso da força bru-ta e de fácil percepção. Em vez disso, mui-tas vezes “baseia-se na ‘obtenção do con-senso’ em relação à ordem dominante, cri-ando um guarda-chuva ideológico sob oqual podem se abrigar grupos diferentes,que normalmente poderiam não concordarna totalidade uns com os outros” (APPLE,2000, p. 43). Isto torna mais complexa acompreensão dos meandros do poder ne-cessária para nos dar condições de buscarrupturas e transformações na sociedade.

É necessário lembrar que é impossí-vel falar de hegemonia sem falar em ideo-logia, pois a hegemonia só se mantém pelaideologia. Segundo Giroux (1997, p. 127),“as condições sob as quais os professorestrabalham são mutuamente determinadaspelos interesses e discursos que fornecema legitimação ideológica para a promoçãode práticas escolares hegemônicas”.

Freire (2002, p. 142), de uma formaquase poética, afirma: “O poder da ideolo-gia me faz pensar nessas manhãs orva-lhadas de nevoeiro em que mal vemos operfil dos ciprestes como sombras que pa-

recem muito mais manchas do que som-bras mesmas”.

Ressaltamos, com McLaren (1997, p.209), que a “ideologia permeia toda a vidasocial, e não se refere simplesmente às ideo-logias políticas do comunismo, socialismo,anarquismo, racionalismo ou existencialis-mo”. Baseado em outros autores tambémcríticos da área da educação, ele amplia osentido de ideologia, não ficando restrito àcompreensão marxista de “falsa consciên-cia”. Para o mesmo autor, a ideologia “refe-re-se à produção e representação de idéias,valores e crenças e à maneira pela qual elessão expressados e vividos por indivíduos egrupos” (McLAREN, 1997, p. 209). Utilizo otermo ideologia para compreender os ca-minhos que a educação e os/as educado-res/as vêm percorrendo e algumas de suaspossíveis razões. Assim reitero:

Colocada de forma simples, a ideologiarefere-se à produção de sentido e significa-do. Pode ser descrita como um modo dever o mundo, um complexo de idéias devários tipos de práticas sociais, rituais erepresentações que tendemos a aceitarcomo naturais e de senso comum. É oresultado da intersecção de significado epoder no mundo social. Costumes, rituais,crenças e valores freqüentemente produ-zem, dentro dos indivíduos, conceitos dis-torcidos do seu lugar na ordem socio-cultural e, assim, servem para reconciliá-los com aquele lugar e disfarçar as rela-ções desiguais de poder e privilégio, o queé, às vezes, denominado de “hegemoniaideológica” (McLAREN, 1997, p. 209).

É neste sentido que chamo a aten-ção também para a compreensão doconceito de exclusão. Embora tenha umforte elemento econômico, esta também

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deve ser compreendida na sua multiplici-dade de dimensões (raça, gênero, etnia, na-cionalidade...).

Ressaltamos que apesar do controlehegemônico apresentar-se de forma com-plexa, duradoura e resistente, há tentativasde miná-la tanto do ponto de vista ideológi-co como econômico, ainda assim concorda-mos com Mayo (2004, p. 39), que afirmaque a hegemonia caracteriza-se por um con-junto de aspectos: “tem uma natureza não-estática (está constantemente aberta à ne-gociação e renegociação e, portanto, a serrenovada e recriada); é incompleta, seletiva,e existem momentos nos quais todo proces-so passa por uma crise”. Segundo o autor:

Isso indica que pode haver espaço parauma atividade contra-hegemônica, a qualpode ser muito efetiva em momentos al-tamente determinados. Também há áreasexcluídas da vida social que podem cons-tituir um terreno de contestações para aspessoas envolvidas nessas atividades con-tra-hegemônicas (MAYO, 2004, p. 39-40).

Neste sentido, destaco que a teoriacrítica vê a escola como um espaço de pos-sibilidade (GIROUX, 1997), onde se podeconstruir a contra-hegemonia. Da mesmaforma, os educadores também são vistoscomo sujeitos capazes de lutar contra o pen-samento hegemônico por meio da constru-ção de uma reflexão contra-hegemônica.

Com o intuito de explicitar os efeitosperversos desta hegemonia neoliberal,abordo a situação de desigualdade donosso país, tornando visível o que aconte-ce no contexto da sociedade de hegemo-nia neoliberal em termos de exclusão, bemcomo as mudanças que a educação vem

sofrendo em nome de um ajuste necessá-rio para se adequar aos avanços atuais docapitalismo. Assim, trago um dado estatís-tico que nos situa, ainda que brevemente,em termos da desigualdade social:

O Brasil, quinto país mais populoso domundo, é um dos mais desiguais – estána 167ª posição do ranking. Nele, em mé-dia, para cada 1 dólar recebido pelos 10%mais pobres, os 10% mais ricos recebem65,8. Ou seja, os mais ricos se apropriamde uma renda quase 66 vezes maior queos mais pobres (POCHMANN, 2004, p. 62).

É importante reiterar o quanto anti-gos problemas continuam nos acompa-nhando. Infelizmente, eles não são novos;são, sim, parte integrante do nosso proces-so histórico, sobretudo no mundo capitalis-ta, e, ao contrário da afirmação dos neoli-berais de que com o avanço do capitalis-mo o mercado vai equilibrar a sociedade,assistimos cotidianamente aos processosde exclusão se acentuarem. Como destacaFrigotto (2001, p. 26-27):

O que nos parece intrigante e paradoxalé que chegamos ao final do século – [...] –mostrando que as análises de Marx eEngels sobre a natureza violenta e exclu-dente do capital não tiveram evidênciastão candentes como no final do séculoXX e o que sobressai é um domínio qua-se absoluto do pensamento e teorias con-servadoras que tentam nos convencer queo capitalismo é eterno.

Embora haja o discurso do equilíbrio,via livre mercado, é necessário destacar quea crise é inerente ao capitalismo: “O aumen-to da produtividade não tem levado a umaexpansão da produção que crie tambémuma expansão do emprego capaz de ab-sorver, pelo menos, boa parte da mão-de-

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obra expulsa do sistema produtivo” (PINO,2001, p. 68). O autor prossegue sua explica-ção acerca da produtividade capitalista atu-al ressaltando que mesmo que haja o au-mento da produtividade, “[...] as transforma-ções tecnológicas e organizacionais acele-ram a crescente dispensa de mão-de-obra.Operando dessa maneira, o sistema cria nãosomente marginalização mas propriamen-te a exclusão social” (PINO, 2001, p. 68-69).

Pino (2001) demonstra que o discur-so neoliberal de que o avanço do capitalis-mo traria mais equilíbrio para a sociedadeé falso, pois este tem aumentado a já gri-tante desigualdade econômica, principal-mente através de processos de exclusão domercado do trabalho, com pouca ou ne-nhuma possibilidade de reinserção nessemercado. O desemprego é estrutural:

Se a produtividade faz reduzir o trabalhonecessário, não há uma correspondenteliberação de tempo para a vida. A liberda-de que existe é para expulsar um contin-gente enorme e cada vez maior de traba-lhadores e trabalhadoras, trazendo comoconseqüência exclusão e miséria. Sob odomínio do capital, o aumento de produ-tividade não tem um caráter social. Aocontrário, reverte exclusivamente para ocapital (PINO, 2001, p. 69).

Neste contexto de crise, como já des-taquei anteriormente, a educação é vistacomo a solução (MORAES, 2004). Mas nãoé qualquer educação. A própria educaçãodeve mudar, e, segundo os neoliberais, estamudança passa pela mercadologização.Para Gentili (1999, p. 11): “Os governosneoliberais não só transformam material-mente a realidade econômica, política, jurí-dica e social, também conseguem que esta

transformação seja aceita como a únicasaída possível (ainda que, às vezes, doloro-sa) para a crise”.

Neste sentido, não é possível negli-genciar a hegemonia neoliberal no nossocotidiano, pois, onde quer que nos encon-tremos, podemos afirmar com Gentili (1999,p. 09) a “importância teórica e política dese compreender o neoliberalismo como umcomplexo processo de construção hegemô-nica”. A questão que se nos apresenta no-vamente é: de que forma isto afeta a edu-cação? A política neoliberal afeta a educa-ção, sobretudo, quando coloca em xequeo direito que a população tem de usufruí-la. Pois, para o neoliberalismo, é importan-te “garantir o êxito na construção de umaordem social regulada pelos princípios dolivre-mercado sem a interferência sempreperniciosa da intervenção estatal” (GENTILI,1999, p. 12).

Esta compreensão de “ordem social”atravessa todas as instâncias da vida emsociedade, e qualquer entendimento con-trário à idéia de competição, livre mercado,modernização, liberdade individual são,para o neoliberalismo, “nefastos para a pró-pria democracia” (GENTILI, 1999, p. 13).

Neste caso, vale ressaltar o que es-creve Frigotto (1999, p. 84), na sua críticaao neoliberalismo:

A idéia mais trabalhada no plano da ide-ologia neoliberal, fortemente “globalizada”pelo monopólio do grande poder fascistadeste final de século, a mídia, particular-mente a televisão, é de que não há ne-nhuma outra alternativa para o mundo anão ser a de ajustar-se à reestruturaçãoprodutiva promovida pela globalizaçãoexcludente.

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Ainda segundo Frigotto (1999, p. 85):“Trata-se de deixar o mercado livre para sero grande regulador das relações sociais”. Eo resultado disso é a perda de direitos so-ciais conquistados a duras penas pelos tra-balhadores. Conforme o mesmo autor: “O re-sultado deste processo é que se acaba re-privatizando ou mercantilizando os direitossociais garantidos pela esfera pública”(FRIGOTTO, 1999, p. 85). Nesta arena de mer-cantilização se situa também a educação.

Nesta mesma direção, Gentili (1999,p. 09) aponta que a estratégia neoliberalvai em dois sentidos: “por um lado, atravésde um conjunto razoavelmente regular dereformas concretas no plano econômico,político, jurídico, educacional, etc.”. O outrosentido se dá por meio de estratégias queimpõem novos diagnósticos sobre a crise,construindo significados novos para “legiti-mar as reformas neoliberais como sendoas únicas que podem (e devem) ser aplica-das no atual contexto histórico de nossassociedades” (GENTILI, 1999,p. 09). Essasestratégias utilizadas têm sido, de fato, efi-cazes, pois o resultado é evidente tanto nosmeios de comunicação quanto na disse-minação de governos neoliberais. Ao se re-ferir à América Latina, Gentili (1999, p. 15)lembra que esta, “de fato, foi o cenário trá-gico do primeiro experimento político doneoliberalismo em nível mundial: a ditadu-ra do General Pinochet iniciada no Chileem 1973”. Nos outros países da AméricaLatina, o neoliberalismo tem triunfado viavoto popular, o que demonstra claramentea força da ideologia neste processo.

A implementação do neoliberalismo

na segunda metade do século XX passou“a orientar as decisões governamentais emgrande parte do mundo capitalista, o queinclui desde as nações do Primeiro e do Ter-ceiro Mundo até algumas das mais con-vulsionadas sociedades da Europa Orien-tal” (GENTILI, 1999, p. 15-16).

Com base nestes acontecimentos,Gentili (1999) faz uma análise dos discur-sos que o neoliberalismo usa para resolveros problemas educacionais. Embora, comoele mesmo afirma: “A possibilidade de co-nhecer e reconhecer a lógica discursiva doneoliberalismo obviamente não é suficien-te para frear a força persuasiva de sua re-tórica” (GENTILI, 1999, p. 16), entendo comele que o conhecimento desta retórica fazparte das estratégias de luta contra ela,sobretudo contra os processos de exclusãoque a acompanham.

Ainda segundo Gentili (1999, p. 17),o problema da educação, para o neolibe-ralismo, é “de uma crise de qualidade de-corrente da improdutividade que caracteri-za as práticas pedagógicas e a gestão ad-ministrativa da grande maioria dos esta-belecimentos escolares”. De acordo comesse argumento, todos os problemas quea educação escolar apresenta são decor-rentes da incompetência de quem nela tra-balha, ou seja, dos educadores.

Paiva (2001, p. 61), ao referir-se àcompetência, destaca que os aspectos pes-soais que anteriormente complementavamo currículo para conseguir um emprego hojesão prioritários e utiliza a expressão “impor-tância da disposição de adaptar-se alegre-mente”. Ou seja, a lógica neoliberal centra-

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se na pessoa, o que significa, como já afir-mei anteriormente, responsabilizar o/a edu-cador/a pelos problemas da educação.

Ainda na perspectiva do neolibera-lismo, nós não temos na educação “umacrise de democratização, mas uma crisegerencial” (GENTILI, 1999, p. 17). Ainda se-gundo o mesmo autor, de acordo com oneoliberalismo é esta crise que provoca osproblemas escolares, como repetência, eva-são, analfabetismo funcional e outros. Emsíntese, para o neoliberalismo, o problemada escola é gerencial, é técnico.

O ideário neoliberal se baseia na su-postamente ilimitada liberdade de escolhado indivíduo. E para ampliar cada vez maisa liberdade de escolha, para o neolibera-lismo, se diminui o Estado e se dissemina omercado. E, neste aspecto, também na edu-cação, “[...] a grande operação estratégicado neoliberalismo consiste em transferir aeducação da esfera da política para a esfe-ra do mercado, questionando assim seucaráter de direito e reduzindo-a a sua con-dição de propriedade” (GENTILI, 1999, p. 20).

E, nessa transposição do direito paramercadoria, se redefine “[...] a noção de ci-dadania, através de uma revalorização daação do indivíduo enquanto proprietário,enquanto indivíduo que luta por conquis-tar (comprar) propriedades-mercadorias dediversa índole, sendo a educação uma de-las [...].” (GENTILI, 1999, p. 20-21).

Os culpados pela crise educacional,com base nos pressupostos neoliberais, nãosão só o Estado interventor e os sindicatos:

O problema é mais complexo: os indivídu-os são culpados pela crise. [...] Os pobres

são culpados pela pobreza; os desempre-gados pelo desemprego; os corruptos pelacorrupção; os favelados pela violência ur-bana; os sem-terra pela violência no cam-po; os pais pelo rendimento dos filhos; osprofessores pela péssima qualidade dosserviços educacionais. O neoliberalismoprivatiza tudo, inclusive também o êxito e ofracasso social (GENTILI, 1999, p. 22).

Para os neoliberais, já que o proble-ma está na ausência de um mercado edu-cacional, na ausência de competição, a so-lução só pode estar na privatização da edu-cação. “As instituições escolares devem fun-cionar como empresas produtoras de ser-viços educacionais” (GENTILI, 1999, p. 29).

É contra esta hegemonia neoliberalpresente tanto na sociedade quanto naeducação que a escola e os seus educado-res, na perspectiva crítica, devem lutar, cons-truindo um pensamento contra-hegemônico. Segundo Mayo (2004, p. 43),os educadores “[...] devem ser entendidoscomo intelectuais orgânicos em relação aosgrupos ‘subalternos’ aspirantes ao poder.Isso implica que eles deveriam estar com-prometidos politicamente com aqueles aquem ensinam”.

O termo utilizado recorrentementepor Freire (1999; 2002 e 2003) para carac-terizar o/a educador/a que se opõe ao neo-liberalismo e a sua lógica de exclusão éeducador/a crítico/a, enfatizando a neces-sária relação dialógica entre educador/a eeducando/a. O mesmo autor explicita queo diálogo não é espontaneísmo, etampouco acontece com o professor ou pro-fessora “todo-poderoso/a”. A relaçãodialógica não é a anulação do ato deaprender, como algumas vezes se supõe.

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216 Ruth PAVAN. A educação, o/a educador/a e a exclusão social

O ato de aprender e o de ensinar “[...] só setornam verdadeiramente possíveis quandoo pensamento crítico, inquieto, do educa-dor ou da educadora não freia a capacida-de de criticamente também pensar ou co-meçar a pensar do educando” (FREIRE,1999, p. 118).

Para Giroux (1997 e 1999), os/asprofessores/as devem ser intelectuais trans-formadores. “Os educadores têm uma res-ponsabilidade pública que por sua próprianatureza os envolve na luta pela democra-cia. Isso torna a profissão do professor umrecurso público singular e poderoso”(GIROUX, 1999, p. 26).

Também para Apple (2003, p. 271),o papel fundamental do/a educador/a eda educação crítica consiste em questionar,e questionar a hegemonia que, como ar-

gumentei, hoje é neoliberal:A educação tem de questionar rigorosa-mente nossas instituições dominantes naárea do ensino e da sociedade em gerale, ao mesmo tempo, esse questionamen-to deve envolver profundamente aquelesque menos se beneficiam com as formassegundo as quais essas instituições fun-cionam agora. Ambas as condições sãonecessárias, uma vez que a primeira sema segunda seria simplesmente insuficientepara a tarefa de democratizar a educação.

Assim, a educação e o/a educador/a que tem o compromisso com a transfor-mação da sociedade não pode deixar decompreender o contexto que nos leva apensar/agir como pensamos/agimos. Sóassim poderemos criar outras formas depensar/agir. Quiçá formas que construamuma sociedade radicalmente diferente, umasociedade sem exclusão.

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Programa Dinheiro Direto na Escola: estudos dePrograma Dinheiro Direto na Escola: estudos dePrograma Dinheiro Direto na Escola: estudos dePrograma Dinheiro Direto na Escola: estudos dePrograma Dinheiro Direto na Escola: estudos dedois casos paulistas*dois casos paulistas*dois casos paulistas*dois casos paulistas*dois casos paulistas*Money Straight into to the School” Program: studiesof two cases in São Paulo

Theresa Adrião**Teise Garcia***

* Este trabalho contou como auxílio da aluna Egle P. Be-zerra do curso de Pedagogia da UNESP-RC.

** Profa. Dra. do Departamento de Educação da Unesp- RC.e-mail: [email protected]

*** Profa. Dra. da Faculdade de Educação e Letras da UMESP.e-mail: [email protected]

ResumoResumoResumoResumoResumoEste trabalho, parte integrante do Projeto Interinstitucional denominado Programa Dinheiro Direto naPrograma Dinheiro Direto naPrograma Dinheiro Direto naPrograma Dinheiro Direto naPrograma Dinheiro Direto naEscola: uma proposta de redefinição do papel do Estado na educação?Escola: uma proposta de redefinição do papel do Estado na educação?Escola: uma proposta de redefinição do papel do Estado na educação?Escola: uma proposta de redefinição do papel do Estado na educação?Escola: uma proposta de redefinição do papel do Estado na educação?, apresenta resultadosparciais de pesquisa que visa a analisar a implantação do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) na redeestadual de ensino do Estado de São Paulo e na rede municipal da cidade paulista de Pirassununga. Realizou-se análise documental sobre a normalização do Programa nas duas redes selecionadas, incluindo a pesquisaem dados financeiros e educacionais coletados nas duas esferas administrativas. A seleção das duas redespúblicas visou ao estudo da implantação do PDDE em duas circunstâncias distintas: no caso da rede estadual, oPrograma é implantado em um contexto no qual as Associações de Pais e Mestres (APMs) já funcionavam comounidades executoras, recebendo e executando recursos nas escolas. No município de Pirassununga, o PDDEinaugura a sistemática de descentralização de recursos, sendo para tanto, criadas as Associações de Pais eMestres. Verificou-se, por meio do estudo realizado, a existência de diferenças entre as duas redes e entre escolasda mesma rede no que diz respeito aos repasses. Tais diferenças relacionam-se ao tamanho da unidade e daprópria rede. Em relação à gestão dos recursos, observa-se a centralidade das APMs. No caso da rede estadual,aparentemente tal centralidade contribui para o esvaziamento das funções deliberativas do Conselho de Escola.

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chaveDinheiro na escola; financiamento da educação; PDDE.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractThis study is part of the Interinstitutional Project named Money Straight Into the School Program:Money Straight Into the School Program:Money Straight Into the School Program:Money Straight Into the School Program:Money Straight Into the School Program:proposal for the redefinition of the State role in Education?. Itproposal for the redefinition of the State role in Education?. Itproposal for the redefinition of the State role in Education?. Itproposal for the redefinition of the State role in Education?. Itproposal for the redefinition of the State role in Education?. It presents partial results ofresearch which seek to analyze the implantation of the Money Straight Into the School ProgramMoney Straight Into the School ProgramMoney Straight Into the School ProgramMoney Straight Into the School ProgramMoney Straight Into the School Program(PDDE)(PDDE)(PDDE)(PDDE)(PDDE) in the São Paulo State education network as well as in the municipal education network of Pirassununga(a city in the State of São Paulo). Documental analysis was carried out on the formal procedures of theProgram in the two selected networks including research on financial and educational data collected in the

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 20, p. 219-226, jul./dez. 2005.

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IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

Este trabalho, parte integrante doProjeto Interinstitucional denominado Pro-Pro-Pro-Pro-Pro-grama Dinheiro Direto na Escola: umagrama Dinheiro Direto na Escola: umagrama Dinheiro Direto na Escola: umagrama Dinheiro Direto na Escola: umagrama Dinheiro Direto na Escola: umaproposta de redefinição papel do Es-proposta de redefinição papel do Es-proposta de redefinição papel do Es-proposta de redefinição papel do Es-proposta de redefinição papel do Es-tado na educação?tado na educação?tado na educação?tado na educação?tado na educação?, apresenta resulta-dos parciais de pesquisa que visa a anali-sar a implantação do Programa DinheiroDireto na Escola (PDDE) na rede estadualde ensino do Estado de São Paulo e narede municipal da cidade paulista dePirassununga.

Para o aqui exposto, procedemos àanálise preliminar tanto de documentos ofi-ciais que normalizaram o programa nasduas redes selecionadas, quanto de dadosfinanceiros e educacionais coletados juntoaos órgãos administrativos das duas esferas.

O critério adotado para a escolha dasduas redes de ensino buscou captar a im-plantação e o funcionamento do Progra-ma em dois casos distintos: o primeiro refe-re-se a uma rede pública cujas escolas pos-suíam Unidades Executoras (Uex) antes davigência do Programa – rede estadual, osegundo, no qual a existência de tais uni-

dades tenha sido, de certa forma, induzidapelo próprio PDDE. Soma-se a isso, o fatode que na rede estadual todas as escolaspossuíam sua própria unidade executora,enquanto nas escolas de Pirassununga, osrecursos do Programa foram recebidos pormeio de uma única Uex, caracterizando umconsórcio inter-escolar.

Cabe observar que, ao analisarmoso processo de implantação do Programa,remetemo-nos aos anos de 1995, no casoda rede estadual de ensino, e ao ano de1998 na rede municipal de Pirassununga.

Sobre o Programa Dinheiro DiretoSobre o Programa Dinheiro DiretoSobre o Programa Dinheiro DiretoSobre o Programa Dinheiro DiretoSobre o Programa Dinheiro Diretona Escolana Escolana Escolana Escolana Escola

Em 1995, o Ministério da Educaçãoimplantou o Programa de Manutenção eDesenvolvimento do Ensino Fundamental,cabendo sua execução e financiamento aoFundo Nacional de Desenvolvimento daEducação (FNDE), para o que cria o Progra-ma de Manutenção e Desenvolvimento doEnsino Fundamental, com o objetivo decla-rado de, ao descentralizar os recursos fede-rais para a educação, estimular a melhoria

two administrative fields. The choice of the two public networks sought to study the implantation of PDDEPDDEPDDEPDDEPDDE intwo distinct situations: in the case of the State Network the Program is implanted in a context where the Parentand Teacher Associations (APMsAPMsAPMsAPMsAPMs) already functioned as executor units receiving and executing resources inthe schools. In the city of Pirassununga the PDDEPDDEPDDEPDDEPDDE inaugurates the systematics of decentralization of resourcesfor which were created the Parent and Teacher Associations (APMsAPMsAPMsAPMsAPMs). It was verified, by the study carried out,that there existed differences between the two networks and between schools from de same network concerningmoney received. Such differences are related to the size of the unit and to the network itself. As to themanagement of the resources, the centrality of the APMs was observed. In the case of the State Network,apparently such centralization contributes to the draining of the deliberative functions of the School Council.

Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey wordsMoney in the school; financing of education; PDDE.

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da qualidade do ensino fundamental e aautonomia das escolas (BRASIL, FDE, 2003).

No mesmo ano, o FNDE elaborou ummanual com orientações para a implanta-ção do programa nos Estados e municípi-os (Res. 12, de 10 de maio de 1995)1. Odocumento, em sua Introdução, afirma opapel de coordenação do Ministério daEducação e do Desporto:

O MEC deverá executar cada vez menos eexercer cada vez mais uma função de ar-ticulação na coordenação da ação dosestados e municípios (...). Todas as açõesserão orientadas com vistas à descentrali-zação crescente, com o objetivo último deatingir diretamente a escola, contribuindopara o fortalecimento de sua gestão (MEC,FNDE, p. 13).

As estratégias de ação do MEC en-volviam o repasse de recursos diretamentepara as escolas públicas municipais e esta-duais de ensino fundamental, por meio deconvênios entre as secretarias de educaçãoe o FNDE. O acompanhamento e a fiscali-zação da prestação de contas eram reali-zados pelas Delegacias do MEC, Secretari-as de Educação, FNDE e pela Secretaria deEducação Fundamental do MEC. Os recur-sos disponibilizados provinham e aindaprovêm da redistribuição do Salário-Educa-ção, priorizando dessa maneira, as regiõesmais “carentes” (FNDE, 1995, p. 13).

A partir de 14/12/1998, com a ediçãoda Medida Provisória n. 1.784, o Programafoi institucionalizado e passou a denominar-se Programa Dinheiro Direto na Escola(PDDE) (BRASIL, FNDE, 1999), eliminando anecessidade de convênios, exceto para es-colas de educação especial mantidas porOrganizações Não-Governamentais sem fins

lucrativos, ou seja, para instituições privadas,conforme Artigo 19 da Lei n. 9394/96.

Para efeito do recebimento dos re-cursos, as escolas públicas (art19, da Lei9394/96) que oferecem o ensino fundamen-tal devem constituir, preferencialmentepreferencialmentepreferencialmentepreferencialmentepreferencialmente,Unidades Executoras entendidas como as-sociações civis de direito privado, (Associa-ções de Pais e Mestres, Conselho Escolar,Cooperativas Escolares ou similares), semfins lucrativos e com representação da co-munidade escolar. Às UEx é permitido, alémde administrar recursos oriundos de repas-ses governamentais, proceder à captaçãode recursos financeiros junto a esferas pri-vadas e ao seu gerenciamento.

No caso de escolas com mais de 99matrículas, a existência de tais associaçõesfaz-se obrigatória. Os estabelecimentos commatrículas entre 21 e 99 alunos podem re-ceber os recursos do Programa por meioda secretaria de educação do estado oumunicípio, de acordo com sua vinculação2.Há ainda a possibilidade de as escolas re-ceberem os repasses mediante a formaçãode consórcio, por meio do qual é constituí-da uma única unidade executora que asrepresenta. O número de escolas, nesse caso,não pode ultrapassar a 20 e todas devempertencer à mesma rede (BRASIL, 2003).

Com o intuito de perceber o impactodo PDDE na composição dos gastos emeducação em cada uma das redes, opta-mos por comparar os recursos advindos doPrograma ao conjunto das despesas como ensino fundamental em cada uma dasredes de ensino em estudo. Os documen-tos pesquisados permitiram-nos verificar onúmero de escolas beneficiárias e o mon-

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tante total de repasses no Estado de SãoPaulo em 1995, no caso da rede estaduale em 1998 no caso da rede municipal.

Os recursos do PDDE são repassa-dos anualmente, tendo como base um va-lor pré-fixado de acordo com o número dealunos matriculados no ano de exercício

anterior, segundo as informações obtidaspelo censo escolar. O Programa prevê des-pesas com custeio e manutenção de pe-quenos investimentos, vetando gastos compessoal. O repasse é feito segundo faixasque correspondem ao número de alunosmatriculados:

Quadro 1:Quadro 1:Quadro 1:Quadro 1:Quadro 1: Recursos conforme o número de alunos matriculados – 1995Recursos conforme o número de alunos matriculados – 1995Recursos conforme o número de alunos matriculados – 1995Recursos conforme o número de alunos matriculados – 1995Recursos conforme o número de alunos matriculados – 1995

O quadro corresponde aos valorestransferidos para as regiões Sul, Sudeste epara o Distrito Federal. A distribuição dosrecursos por faixas de repasse muito dife-renciadas certamente gerou distorções nomanejo dos mesmos por parte das esco-las. Assim, uma unidade escolar que tives-se 2.000 alunos recebeu os mesmosR$7.700,00 que outra com 1501. No pri-meiro caso, o valor médio por aluno/anofoi de R$3,85 por ano, enquanto no segun-do correspondeu a R$5,13/ano. Escolascom mais de 2.000 alunos receberamR$10.500,00. Se a escola tivesse 2001 alu-nos, isso significaria R$5,25 por aluno/ano,mas se tivesse 3.000 alunos, o valor decli-

naria para R$3,50 por aluno/ano, uma di-ferença de aproximadamente 30%.

A implantação do PDDE na redeA implantação do PDDE na redeA implantação do PDDE na redeA implantação do PDDE na redeA implantação do PDDE na redeestadual de ensinoestadual de ensinoestadual de ensinoestadual de ensinoestadual de ensino

A partir do Comunicado GS de 5/7/95,a Secretaria da Educação do Governo doEstado de São Paulo (SE-SP) disciplina aimplantação do PDDE na rede estadual. Deacordo com o documento, todas as escolasque ofereciam o ensino fundamental regu-lar ou supletivo, fariam jus aos repasses con-forme o número de alunos matriculados ede acordo com as faixas de distribuição jáapresentada no Quadro 1.

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Comparando os gastos do governodo Estado São Paulo apenas com o ensi-no fundamental e o montante total trans-

ferido pelo PMDE em todo o país em 1995,obtemos o quadro abaixo:

Quadro 2:Quadro 2:Quadro 2:Quadro 2:Quadro 2: Comparação entre as despesas estaduais com ensino funda-Comparação entre as despesas estaduais com ensino funda-Comparação entre as despesas estaduais com ensino funda-Comparação entre as despesas estaduais com ensino funda-Comparação entre as despesas estaduais com ensino funda-mental e transferências nacionais do PMDE em 1995mental e transferências nacionais do PMDE em 1995mental e transferências nacionais do PMDE em 1995mental e transferências nacionais do PMDE em 1995mental e transferências nacionais do PMDE em 1995

O quadro nos permite verificar a pou-ca relevância que os repasses têm para oconjunto das despesas com ensino funda-mental na rede estadual de São Paulo, umavez que comparado o total de repasses doPMDE para o país aos gastos estaduaisapenas com o ensino fundamental, o per-centual é próximo de 10%.

Mantida a perspectiva de descentra-lização da gestão financeira contida no Pro-grama, em São Paulo coube à Fundaçãopara Desenvolvimento da Educação (FDE)estabelecer os convênios com as unidadesexecutoras das escolas para o repasse dosrecursos. Nesses termos, frise-se que o trâ-mite adotado para o repasse de tais recur-sos às escolas deu-se entre fundações, ouseja, paralelamente ao aparato da admi-nistração pública direta. Ao órgão da ad-ministração direta, no caso as então exis-tentes Delegacias de Ensino, coube a fun-ção de intermediar as remessas entre esco-las e FDE, checando os documentos de ca-racterização da unidade executora e a pres-tação de contas enviados pelas escolas e

que integravam, como anexo, o Comuni-cado da secretaria.

Determinou-se às Associações de Paise Mestres (APM), instituídas desde 19783,cumprirem a função de unidade executorae, por conseguinte, administrarem os recur-sos provenientes do PDDE.

De acordo com o Artigo 6º, III, doEstatuto Padrão, as APMs paulistas têm,entre outras funções, a tarefa de mobilizarrecursos humanos, materiais e financeirosda comunidade para auxiliar a escola namelhoria da qualidade do ensino, na assis-tência ao educando e na manutenção dopatrimônio escolar, objetivos assemelhadosao encontrados no PDDE.

Caracterizadas como instituição au-xiliar da direção da escola (Art 2º), sem fi-nalidades lucrativas (Art 3º), a história dasAPMs paulistas encontra-se diretamenterelacionada às lutas dos educadores pelademocratização da gestão escolar.

Inúmeros trabalhos4, produzidosprincipalmente durante as década de 1980e 1990, apontaram sua existência como

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um dos fatores que inibiram a superaçãoda mera formalidade com que a maiorparte dos Colegiados Escolares, aquidenominados Conselhos de Escola (CEs)5,funcionavam.

Sinteticamente, dois elementos refor-çavam essa tese. O primeiro refere-se à se-paração, em duas instâncias, das decisõessobre o funcionamento da escola: questõesde natureza financeira constituíam temasdirecionados à APM, enquanto questões denatureza pedagógica ou administrativaeram direcionadas aos Conselhos de Esco-la. Tal situação acabava por criar, na me-lhor das hipóteses, uma sobreposição dedecisões, quando não, um esvaziamentodos Conselhos de Escola uma vez que ainstância responsável pela gestão dos re-cursos financeiros possui uma posição dedestaque em qualquer processo decisório.

O segundo elemento que, articuladoao anterior, contribui para que a APM exer-ça um papel de enfraquecimento dos CEsorigina-se da própria natureza dessa insti-tuição: seu caráter auxiliar da direção esco-lar a coloca hierarquicamente abaixo da jámonocrática e centralizada, em seus dire-tores, gestão das escolas estaduais. Alémdo mais, sendo o diretor da escola o presi-dente nato de um Conselho Deliberativoconstituído por 11 membros, acaba porconcentrar, inclusive estatutariamente(Art.16), o controle sobre o processodecisório nas APMs.

Nesses termos e apesar dos apelosoficiais, o modo pelo qual o PDDE foi im-plantado no caso paulista parece reforçara estrutura pouco permeável à participa-

ção de pais e alunos que tem caracteriza-do nossas escolas.

O PDDE em PirassunungaO PDDE em PirassunungaO PDDE em PirassunungaO PDDE em PirassunungaO PDDE em Pirassununga

O município de Pirassununga, comseus 64.853 habitantes, situa-se na porçãoleste do estado de São Paulo, distante 207quilômetros da capital, no eixo de maisacentuado desenvolvimento sócioeconô-mico do estado - São Paulo a Ribeirão Pre-to. De acordo com o Índice de Desenvolvi-mento Humano (IDH), calculado pela ONUcom base na renda, educação e expectati-va de vida, Pirassununga é a trigésimamelhor cidade para se viver no Brasil. Valeressaltar, que o município não possui fave-las e que 100% dos domicílios da zona ur-bana são atendidos por serviços de águatratada e de esgoto.

Em 1995, ano de implantação doPDDE em São Paulo, o município de Pirassu-nunga não oferecia o ensino fundamentalregular. Sua rede de ensino era constituídapor escolas de educação infantil, atenden-do a 1702 crianças; educação especial, com108 alunos e educação de jovens e adul-tos por meio da oferta de ensino supletivode 1ª a 4ª série a 191 alunos.

Seu diminuto atendimento ao ensi-no fundamental regular resulta da combi-nação de dois fatores: o processo de muni-cipalização deflagrado pelo governo esta-dual em exercício durante o período de1995-1998, por meio de convênios entreas secretarias de educação das duas esfe-ras governamentais e a implantação doFundo de Manutenção e Desenvolvimentodo Ensino Fundamental e Valorização do

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Magistério (Fundef) no ano de 1998. As-sim, nosso olhar sobre a implantação doPDDE em Pirassununga focará o período

de 1997-1998, a partir do qual, os dadoseducacionais de Pirassununga podem sersintetizados como se segue:

Quadro 3:Quadro 3:Quadro 3:Quadro 3:Quadro 3: Matrículas por etapa do ensino fundamental regularMatrículas por etapa do ensino fundamental regularMatrículas por etapa do ensino fundamental regularMatrículas por etapa do ensino fundamental regularMatrículas por etapa do ensino fundamental regular

Percebe-se que a ampliação na ofer-ta do ensino fundamental deu-se apenasnas quatro primeiras séries, as quais funci-onavam, em 1997, em três escolas criadaspela prefeitura na zona rural do município.No entanto, foi a partir de 1998, com a cri-ação da primeira escola municipal urbanade ensino fundamental e da constituiçãode sua APM, que o PDDE chegou às esco-las municipais de Pirassununga.

Tendo em vista os montantes pararepasse previstos pelo FNDE para o ano de1998, e levando-se em consideração queos valores referiam-se aos dados de matrí-cula do ano anterior, as escolas dePirassununga encontravam-se nas primei-ras duas faixas de repasse, o que significa-va valores de R$ 500,00, para escolas de21 a 50 alunos e de R$1.100, 00 para aque-las com 51 e 100 alunos. Na média, osmontantes representariam um valor/alunode R$16,50/ano.Tal montante, se compara-do aos gastos do município para com oensino fundamental no mesmo ano6, repre-sentou não mais do que 0,05% .

Considerações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finais

Mesmo incidentemente, percebe-seque há tendências diferentes de conseqüên-cias da implantação do PDDE em funçãodo tamanho da escola e da rede. As dife-renças nos repasses por aluno são signifi-cativas, embora não seja possível afirmarque representem valores relevantes no con-junto de despesas para as redes analisadas.

Em relação às formas de gestão dosrecursos repassados pelo PDDE, observou-se nas duas redes as Associações de Pais eMestres como sendo as unidades executo-ras. Tanto nas escolas municipais de Pirassu-nunga, onde não há conselhos de escolainstituídos, quanto na rede estadual pau-lista, a centralidade atribuída às APMs nagestão de programas e recursos parece con-tribuir para o esvaziamento de instânciasmais democráticas de gestão das escolaspúblicas, expectativa que em São Paulo temsido atribuída aos Conselhos de Escola.

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226 Theresa ADRIÃO; Teise GARCIA. Programa dinheiro direto na escola:...

Notas:Notas:Notas:Notas:Notas:1 O documento intitula-se Manual de Procedimen-tos Operacionais Relativos às Transferências de Re-cursos às Escolas das Redes Estadual e Municipalde Ensino Fundamental (MEC, FNDE, 1995).2 O estabelecimento de número mínimo de alunospara que as escolas fossem beneficiárias do Pro-grama ocorre a partir de 1997 (FNDE, 1997).3Pelo Decreto do governo estadual nº 12.983, de 15

de dezembro de 1978, que estabelece o EstatutoPadrão das Associações de Pais e Mestres.4 A esse respeito consultar: PARO, 1986 e 1995;AVANCINE, 1990; BUENO, 1987.5 Instituídos por meio dos decretos 10.623/77 e11.625/78, passando a ter caráter deliberativo a par-tir da Lei Complementar 444/85.6 De acordo com o balanço municipal, Pirassunungagastou com o Ensino Fundamental R$6.316.587,96.

ReferênciasReferênciasReferênciasReferênciasReferências

AVANCINE, Sérgio Luiz. Daqui ninguém nos tira: mães na gestão colegiada da escola Pública.1990. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade de São Paulo, São Paulo.

BRASIL. MEC/FNDE. Manual de procedimentos operacionais relativos às transferências de recur-sos às escolas das redes estadual e municipal de Ensino Fundamental. Brasília: FNDE, 1995.

______. Relatório de Atividades –1997. Brasília, fev. 1998. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br.>Acesso em: 21 jul. 2003.

______. Evolução da Educação Básica no Brasil: 1991-1997. INEP. Brasília: O Instituto, 1997.

BUENO, Belmira Amélia de barros Oliveira. As Associações de Pais e Mestres na Escola Públicado Estado de São Paulo 91931-19660. 1987. Tese (Doutorado) – Feusp, São Paulo.

PARO, Vitor Henrique. Administração escolar: introdução crítica. São Paulo: Cortez, 1986.

SÃO PAULO. Comunicado GS de 5 de julho de 1995.

SÃO PAULO, Fundação SEADE. Anuário Estatístico de 1995. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>. Acesso em: 15 jul. 2003.

______. Anuário Estatístico de 1996. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>. Acesso em: 15jul. 2003.

Legislação citadaLegislação citadaLegislação citadaLegislação citadaLegislação citada

BRASIL. Ministério da Educação. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. ConselhoDeliberativo, IResolução n. 12, de fevereiro de 2003.

SÃO PAULO. Decreto 12.983 de 15 de dezembro de 1978. Estabelece o Estatuto-Padrão dasAssociações de Pais e Mestres.

SÃO PAULO (Estado). Estatuto do Magistério. Lei complementar, 444, de 27 de dezembro de 1985.

Recebido em 26 de julho de 2005.Recebido em 26 de julho de 2005.Recebido em 26 de julho de 2005.Recebido em 26 de julho de 2005.Recebido em 26 de julho de 2005.Aprovado para publicação em 09 de setembro de 2005.Aprovado para publicação em 09 de setembro de 2005.Aprovado para publicação em 09 de setembro de 2005.Aprovado para publicação em 09 de setembro de 2005.Aprovado para publicação em 09 de setembro de 2005.

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ResenhaResenhaResenhaResenhaResenha

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228 Altemir Luiz DALPIAZ. Educação e diferenças: desafios para uma escola intercultural

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Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 20, p. 229-233, jul./dez. 2005. 229

Educação e diferenças: desafios para uma escolaEducação e diferenças: desafios para uma escolaEducação e diferenças: desafios para uma escolaEducação e diferenças: desafios para uma escolaEducação e diferenças: desafios para uma escolainterculturalinterculturalinterculturalinterculturalinterculturalEducation and differences: challenges for anintercultural school

Altemir Luiz Dalpiaz

Mestrando do Programa de Mestrado em Educação daUniversidade Católica Dom Bosco-UCDB.e-mail: [email protected]

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 20, p. 229-233, jul./dez. 2005.

O livro é constituído de quatro capí-tulos escritos por docentes (BACKES e VI-NHA) e discentes (BATISTA e MARQUES) li-gados à linha de pesquisa: DiversidadeCultural e Educação Indígena, do mestra-do em educação da UCDB. Os textos dosdocentes são o resultado de suas teses dedoutorado e os textos dos discentes de suasdissertações de mestrado.

No primeiro capítulo Hall, BhabhaHall, BhabhaHall, BhabhaHall, BhabhaHall, Bhabhae Baumane Baumane Baumane Baumane Bauman: : : : : um campo teórico param campo teórico param campo teórico param campo teórico param campo teórico paracompreender as negociações das iden-compreender as negociações das iden-compreender as negociações das iden-compreender as negociações das iden-compreender as negociações das iden-tidades/diferenças, tidades/diferenças, tidades/diferenças, tidades/diferenças, tidades/diferenças, o autor José LicínioBackes, mostra nos primeiros parágrafosexplicitamente sua intenção com a produçãodo texto, “[...] para que os autores possamser entendidos não só por meio de suas seme-lhanças, [...] mas também pelas diferenças, [...]porém sem a pretensão de acabar com suasespecificidades (p. 22). Explicitando as análi-ses de Stuart Hall, o autor sistematiza todo oprocesso em que Hall faz suas afirmações

no desenvolvimento de seu campo teórico.No início do texto é explicada a primeira vira-da teórica, que segundo o autor, os EstudosCulturais se desenvolveram como uma prá-tica crítica do marxismo, sem que nunca hou-vesse um “[...]encaixe perfeito entre esses doiscampos do saber” (p. 23). A segunda viradateórica dos Estudos Culturais, se deu peloaparecimento do feminismo. Hall, segundoo autor, definiu como produtiva para os Estu-dos Culturais essa experiência, pois, as rela-ções de poder mostram-se muito mais com-plexas do que se supunha até então. Houvecom isso, a centralização de questões subje-tivas, colocando o sujeito no centro da práti-ca teórica e “mexeu” com o inconsciente dateoria social. Backes segue sua linha expli-cativa, explicitando a terceira virada, que tra-tou de um assunto não menos polêmico, osestudos da raça. O racismo e suas questõescríticas, entraram, assim, na agenda dos estu-dos culturais.

BACKES, José Licínio... [et al.]. Educação e diferenças: desafios para uma escola intercultu-ral. Campo Grande: UCDB, 2005.

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230 Altemir Luiz DALPIAZ. Educação e diferenças: desafios para uma escola intercultural

Há no texto, duas frases que sinteti-zam a conceituação que podemos ter sobrecultura muito bem colocadas pelo autor. “[...]a cultura não é um epifenômeno, mas éconstitutiva da vida social. É pela cultura queos homens e mulheres atribuem sentido aomundo, às identidades, às diferenças. Acultura é uma prática de significação” (p. 26).A cultura, epistemologicamente é central, por-que como o próprio autor afirma, recorren-do a Veiga-Neto (2003), ela atravessa tudoo que ocorre em nossas vidas.

O autor contemporiza ainda sobre ocaminhar do pesquisador, sempre manten-do “[...] uma conexão entre os diferentes ele-mentos que compõem uma pesquisa”(p. 37). Isso leva à constatação de que oassunto (Estudos Culturais) quanto mais seaprofunda, mais se abre contextualmente.Para o autor a articulação tem função pri-mordial nos aspectos que tangem as ques-tões culturais e econômicas e de estabelecertendências dentro das relações sociais.Backes recorre a Hall para lembrar que “[...]não existe um ‘eu’ essencial, unitário – ape-nas o sujeito fragmentado e contraditório queme torno” (Hall, 2003, p. 40). Busca tambémem Veiga Neto (2002b) a explicação de queo conceito é tratado como algo mutável, e oque trata a dimensão humana como defi-nitiva não é possível. Destaca ainda, recor-rendo a Fischer (2002) que não existem su-jeitos naturais, só sujeitos encarnados.

Ao final do texto, o autor cria um Pós– panótico epistemológico. Nele, Backesrecomenda ao pesquisador tratar o assun-to com “modéstia intelectual” sem preten-der as verdades absolutas para encerrarassuntos tão complexos (p. 44). Recomen-

da ainda a transitoriedade de pensamentosacerca de um assunto que não é “fechado”,deixando aberta toda possibilidade de ar-gumentação, pois sendo as culturas híbri-das há sempre um processo de negociaçãoentre questões étnicas/raciais, culturais,sexuais, de gênero e econômicas.

Enfim, José Licínio Backes se aprofun-dou nas articulações das idéias de Hall,Bhabha e Bauman, para trazer ao leitor, acompreensão das negociações das identida-des/diferenças culturais. Como os autoresestudados são fortes referenciais nos EstudosCulturais, foi possível a Backes, explanar ocontexto no qual está inserido esse campodo saber. Isso colabora para o enriquecimen-to teórico do pesquisador, principalmentedaqueles que se iniciam nesses estudos.

Como o saber se alarga ao ser estu-dado, Backes acaba por criar noções/articu-lações novas que vão caracterizando tam-bém, uma concepção própria sobre EstudosCulturais, sem, no entanto, abrir mão dasteses centrais desse campo teórico.

No segundo capítulo A PropostaPedagógica e a Pluralidade Cultural naEscola – Um Estudo Comparativo Entre UmaEscola de Periferia e Uma Escola de Rema-nescentes de Quilombos, a autora EugêniaPortela de Siqueira Marques apresenta osresultados obtidos na sua dissertação demestrado, justificando assim sua pesquisa“[...] a opção por investigar o significado destedocumento para a população negra deve-seao fato de que eu pertenço a fato de que eu pertenço a fato de que eu pertenço a fato de que eu pertenço a fato de que eu pertenço a esse seg-mento populacional [...]” (p. 52; grifo do au-tor). A autora, analisou a proposta pedagó-gica de duas escolas que fundamentam aprática pedagógica, entrevistou professores

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e equipe pedagógica e fez observações nasescolas para detectar a efetivação das con-cepções presentes na proposta pedagógica.Uma escola atende alunos de diferentesetnias e a outra, tem a maioria de alunosafro-descendente. Fazendo a análise daspropostas pedagógicas da escola que aten-de a alunos de diversas etnias, seguidaspelos depoimentos de professores nas en-trevistas, a autora constatou que “[...] os te-mas transversais são abordados de manei-ra fragmentada e inconsistente pelos pro-fessores das escolas, os quais reconhecem aimportância deles, mas não realizam um tra-balho integrado” (p. 66).

Ficou evidente nos depoimentos quea temática Pluralidade Cultural é maisenfatizada nas disciplinas de História, Geo-grafia e Língua Portuguesa. Alguns profes-sores, como o identificado pela sigla P7,demonstram conhecimento e compromissopara com o ensino da História dos negros.Por ser de descendência negra, a professorademonstrou sua preocupação em trabalharcom o assunto.

Quanto à análise das atividades rea-lizadas, a cultura negra é celebrada em diasespecificamente comemorativos. Os livros,por sua vez, debatem questões de racismofalando sobre negros e índios. Alguns tra-zem o negro como protagonista de algu-mas histórias. Para a autora “[...] é possívelque uma proposta pedagógica assumidapor todos possa orientar a comunidadeescolar na operacionalização de uma prá-tica pedagógica voltada para uma educa-ção de qualidade, visando à formação doindivíduo solidário e emancipado” (p. 73).

Ainda de acordo com Marques na escolaque atendia alunos na maioria negros, hou-ve um cuidado por parte da secretaria deeducação em preparar os professores e ocorpo administrativo que lá trabalharia.Quanto aos alunos, Marques concluiu queos mesmos “[...] não sentem necessidade dediscutir a sua identidade e auto-estima, porestarem, de certa forma, protegidos na co-munidade e não terem que conviver comenfrentamentos, tendo em vista que são emsua maioria negros” (p. 77).

Nas considerações finais, a autoraaponta para a necessidade de uma participa-ção mais ampla de todos todos todos todos todos (Grifo nosso) osprofessores nos temas transversais. Para ela,o que ocorre nas escolas em relação ao pre-conceito e discriminação não é diferente doque ocorre na sociedade em geral. Além dopreconceito étnico, há também atitudes pre-conceituosas contra todos os grupos que nãose enquadram do lado requerido pela cultu-ra dominante. Na última linha escrita do tex-to, fica manifestada sua vontade de ver ooutro como diferente, nunca como desigual.

Destaco que o texto de EugêniaPortela de Siqueira Marques provoca muitasinquietações provenientes das confirmaçõesde fatos estudados. A realidade do que sepropõe e o que de fato ocorre em duas esco-las com alunos distintos – em termos étnicos– colabora de forma positiva para as discus-sões nos Estudos Culturais. Com certeza apesquisa contribui para que negros e nãonegros, pobres e ricos, dominados ou domi-nantes, olhem-se e entendam as diferenças.

No terceiro capítulo O Desafio deConstruir um Currículo Diferenciado Frente

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a Multiplicidade do Cotidiano Escolar Indí-gena: Uma Experiência na Escola Te’ Ykue– a autora Terezinha Aparecida da SilvaBatista apresenta parte da sua dissertaçãode mestrado. O texto inicia comentandoque o fracasso escolar e a discriminaçãosocial e cultural desses povos (Kaiowa eGuarani) no entorno sócio-demográfico deCaarapó, levou a desenvolver uma experi-ência educacional na escola da aldeia. Essaexperiência foi desenvolvida e apoiada pelaleitura de textos de autores envolvidos coma questão, por entrevistas com professorese observações em sala de aula.

A escola funciona em dois períodose atende alunos da Pré-escola à 8ª série.Conforme relato da autora “No currículodessa nova escola, a língua guarani é fala-da por professores e alunos em meio a sor-risos, [...] Nesse espaço, a Língua Portugue-sa serve para a comunicação com os não-índios” (p. 103). Existe o interesse em pre-parar os alunos para a própria cultura enão para o mundo exterior.

Segundo a autora, os alunos da pri-meira série são os que demonstram maioralegria durante as aulas, levantam-se atodo instante de suas carteiras, vez ou outrasubitamente rolam pelo chão, praticandocambalhotas, retiram-se do local, vão ao ba-nheiro e voltam com os cabelos molhadosdeixando os respingos molharem o corpoe as roupas. As consultas aos colegas próxi-mos, na sala, são constantes. Diante de to-dos esses fatos o professor mantém suapostura de pouca intervenção. Não exigesilêncio ou imobilidade de alunos em suascarteiras.

O processo ensino/aprendizagemdos índios se dá muito mais pela oralidadedo que pela escrita, daí as dificuldades evi-denciadas a partir da segunda série, quandosão ministrados os ensinamentos da Línguaportuguesa. Nesse momento passa a existirum clima pesado em sala de aula. Os alu-nos não conseguem escrever em português.

O artigo de Terezinha Batista é carre-gado de emoção. É interessante como arazão da ciência, pode provocar a emoçãoem quem observa o objeto e o sujeito. Per-cebe-se que a autora se interessou em des-crever com detalhes mais sobre a primeirasérie. Penso que essa preferência, justifica-se pela possibilidade de que talvez, ali na-quela série, as aulas sejam mais dinâmicase identificadas com os alunos e sua cultu-ra. Parece ser uma aula mais alegre. Os pro-fessores sentem prazer em relatar nas suashistórias de vidas, o divisor de águas quefoi o curso Ára Verá. As crianças mostramriqueza criativa em seus desenhos, e, ficapara a autora a dúvida, se os professoresindígenas estão capacitados para leciona-rem língua portuguesa aos índios, dadasàs dificuldades de os mesmos escreverem.

Penso que poderíamos aprender comesta escola, sobretudo aprender que oaprendizado pode se dar sem tirar das cri-anças a alegria para aprender, e sem tirardo professor a motivação para ensinar.

No quarto capítulo Reflexões So-Reflexões So-Reflexões So-Reflexões So-Reflexões So-bre o Homo Ludens Kadiwéubre o Homo Ludens Kadiwéubre o Homo Ludens Kadiwéubre o Homo Ludens Kadiwéubre o Homo Ludens Kadiwéu a autoraMarina Vinha apresenta ao leitor, o jogona cultura Kadiwéu. Baseada em Elias(1994), Vinha faz as distinções entre jogotradicional e esporte. Os jogos tradicionais

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estão em um nível comunitário “nós” localenquanto que o esporte volta-se para ocontato “nós” da sociedade. No entanto,ambos são elementos da cultura corporal.

Vinha justifica assim a relevância doestudo: “[...] disponibilizar o acervo de jogoscomo suporte para a educação escolar [...]”(p. 151) e dessa forma, dar o significado daEducação Física e do Esporte na EducaçãoEscolar Indígena.

O texto relata a origem do povoKadiwéu, como remanescente no Brasil dotronco Mbayá, da região chaquenha, noChaco Paraguaio e Argentino. Perambula-ram (trek) até se estabelecerem no Panta-nal Sul Mato-grossense (LEA, 1997). Conti-nua o texto fazendo um histórico sobre ahierarquia, organização social, estruturasocial, crenças e outras manifestações.

A autora prossegue em seu texto, pormeio de extenso referencial teórico, situan-do o leitor no tempo histórico e simultanea-mente promovendo o entendimento da et-nia Kadiwéu. Cita que o Homo ludensKadiwéu foi estudado em 1938 por Huizinga,antropólogo. Ludus vem de luder, cujaetimologia reside na esfera da ‘não serieda-de’ e, particularmente, da ‘ilusão’ (p. 161).

Na seqüência, Vinha escreve queRenson (1997) cria a expressão “ludodiversi-dade” que equivale à biodiversidade. Trans-creve que na opinião de Renson, os termosse equivalem etimologicamente pois, am-bos estão ameaçados. Um representa o pla-neta (BIO) e o outro as diferenças sócio-culturais (LUDO).

A autora também explica, o que éjogo para o CONFEF – Conselho Federalde Educação Física. Jogo é entendido comoatividade física, jogo popular para as socie-dades ocidentais e jogo tradicional para associedades indígenas (p. 162). Para Vinha,o jogo tradicional para os índios requer pre-paração física. Diferente de antigamente,quando o jogo era cercado predominante-mente por mitologias.

O artigo de Marina Vinhas, é riquíssi-mo na bibliografia sobre o assunto, o quetorna o estudo muito fundamentado. Essabusca de autores que vão construindo otexto, dão subsídios detalhados da históriados Kadiwéu, usando o jogo como panode fundo. O leitor terá em um texto a possi-bilidade de obter alguns conhecimentosdesse povo: sua história antropológica e osjogos por eles praticados. O leitor mais aten-to, se situará melhor na compreensão dosjogos atuais e do esporte, e como isso temrelação com outras marcas do homem.

Também o entendimento de questõesque levam o homem a atos de violência, estãocontemplados no texto, portanto, útil a pes-quisadores e todos que buscam explicaçõespara nossos fenômenos contemporâneos.

O livro com os quatro capítulos, enri-quece enormemente o debate na Linha 3do Mestrado em Educação da UCDB. Acre-dito que também colabora para que ou-tras linhas de pesquisas entendam melhoras diferenças e suas fronteiras, os negros,os índios, e a escola, além de penetraremno campo da diversidade.

Recebido em 01 de julho de 2005.Recebido em 01 de julho de 2005.Recebido em 01 de julho de 2005.Recebido em 01 de julho de 2005.Recebido em 01 de julho de 2005.Aprovado para publicação em 29 de julho de 2005.Aprovado para publicação em 29 de julho de 2005.Aprovado para publicação em 29 de julho de 2005.Aprovado para publicação em 29 de julho de 2005.Aprovado para publicação em 29 de julho de 2005.

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Normas para publicação na Revista Série-Estudos –Normas para publicação na Revista Série-Estudos –Normas para publicação na Revista Série-Estudos –Normas para publicação na Revista Série-Estudos –Normas para publicação na Revista Série-Estudos –Periódico do Programa de Mestrado em EducaçãoPeriódico do Programa de Mestrado em EducaçãoPeriódico do Programa de Mestrado em EducaçãoPeriódico do Programa de Mestrado em EducaçãoPeriódico do Programa de Mestrado em Educaçãoda UCDBda UCDBda UCDBda UCDBda UCDB

1) SÉRIE-ESTUDOS – Periódico do Programa de Mestrado em Educação da UniversidadeCatólica Dom Bosco – está aberta à comunidade acadêmica e destina-se à publicaçãode trabalhos que, pelo seu conteúdo, possam contribuir para a formação e odesenvolvimento científico, além da atualização do conhecimento na área específicada educação.

2) As publicações deverão conter trabalhos da seguinte natureza:• Artigos originais, de revisão ou de atualização que envolvam abordagens teóricas

e/ou práticas referentes à pesquisa, ensino e extensão e que atinjam resultadosconclusivos e significativos.

• Traduções de textos não disponíveis em língua portuguesa que constituamfundamentos da área específica da Revista e que, por essa razão, contribuam paradar sustentação e densidade à reflexão acadêmica.

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• Resenhas de produções relevantes que possam manter a comunidade acadêmicainformada sobre o avanço das reflexões na área educacional.

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§ Os artigos deverão conter, ainda, resumo em português (máximo dez linhas) e abstractfiel ao resumo, acompanhados, respectivamente, de palavras-chave e key words,ambas em número de três;

§ Nas citações, as chamadas pelo sobrenome do autor, pela instituição responsávelou título incluído na sentença devem observar as normas técnicas da ABNT – NBR

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10520, agosto 2002. Exemplos: Saviani (1987, p. 70). (SAVIANI, 1987, P. 70);§ As notas explicativas devem ser usadas para comentários, esclarecimentos ou

explanações, que não possam ser incluídos no texto e devem constar no final dotexto, antes da referência bibliográfica.

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Lista de periódicos que fazem permuta com aLista de periódicos que fazem permuta com aLista de periódicos que fazem permuta com aLista de periódicos que fazem permuta com aLista de periódicos que fazem permuta com aRevista Série-EstudosRevista Série-EstudosRevista Série-EstudosRevista Série-EstudosRevista Série-Estudos

PERMUTPERMUTPERMUTPERMUTPERMUTAS NACIONAISAS NACIONAISAS NACIONAISAS NACIONAISAS NACIONAIS

1) Akrópolis – Revista de Ciências Humanas da UNIPAkrópolis – Revista de Ciências Humanas da UNIPAkrópolis – Revista de Ciências Humanas da UNIPAkrópolis – Revista de Ciências Humanas da UNIPAkrópolis – Revista de Ciências Humanas da UNIPAR AR AR AR AR / Universidade Paranaense-UNIPAR / Umuarama-PR

2) Argumento – Revista das Faculdades de Educação, Ciências e Letras eArgumento – Revista das Faculdades de Educação, Ciências e Letras eArgumento – Revista das Faculdades de Educação, Ciências e Letras eArgumento – Revista das Faculdades de Educação, Ciências e Letras eArgumento – Revista das Faculdades de Educação, Ciências e Letras ePsicologia Padre Anchieta Psicologia Padre Anchieta Psicologia Padre Anchieta Psicologia Padre Anchieta Psicologia Padre Anchieta / Sociedade Padre Anchieta de Ensino / Jundiaí-SP

3) Asas da Palavra Asas da Palavra Asas da Palavra Asas da Palavra Asas da Palavra / Universidade da Amazônia-UNAMA / Belém-PA4) AAAAAvesso do Avesso do Avesso do Avesso do Avesso do Avesso vesso vesso vesso vesso / Fundação Educacional Araçatuba / Araçatuba-SP5) Biomassa e EnergiaBiomassa e EnergiaBiomassa e EnergiaBiomassa e EnergiaBiomassa e Energia / Universidade Federal de Viçosa / Viçosa-MG6) Bolema – Boletim de Educação Matemática Bolema – Boletim de Educação Matemática Bolema – Boletim de Educação Matemática Bolema – Boletim de Educação Matemática Bolema – Boletim de Educação Matemática / UNESP – Rio Claro / Rio Claro-SP7) Boletim de Educação Matemática e Ciência e Educação Boletim de Educação Matemática e Ciência e Educação Boletim de Educação Matemática e Ciência e Educação Boletim de Educação Matemática e Ciência e Educação Boletim de Educação Matemática e Ciência e Educação / Universidade Estadual

Paulista / Rio Claro-SP8) Caderno Brasileiro de Ensino de Física Caderno Brasileiro de Ensino de Física Caderno Brasileiro de Ensino de Física Caderno Brasileiro de Ensino de Física Caderno Brasileiro de Ensino de Física / Universidade Federal de Santa Catarina-

UFSC / Florianópolis-SC9) Caderno Catarinense de Física Caderno Catarinense de Física Caderno Catarinense de Física Caderno Catarinense de Física Caderno Catarinense de Física / Universidade Federal de Santa Catarina / Florianópolis-

SC10) Caderno de Estudos e Pesquisas Caderno de Estudos e Pesquisas Caderno de Estudos e Pesquisas Caderno de Estudos e Pesquisas Caderno de Estudos e Pesquisas / Universidade Salgado de Oliveira-UNIVERSO / São

Gonçalo-RJ11) Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais / Faculdades do Brasil-

UniBRasil / Curitiba-PR12) Cadernos Cadernos Cadernos Cadernos Cadernos / Centro Universitário São Camilo / São Paulo-SP13) Cadernos da Graduação Cadernos da Graduação Cadernos da Graduação Cadernos da Graduação Cadernos da Graduação / Universidade Federal do Ceará-UFC / Fortaleza-CE14) Cadernos de Educação Cadernos de Educação Cadernos de Educação Cadernos de Educação Cadernos de Educação / UNIC-Universidade de Cuiabá / MT15) Cadernos de Educação Cadernos de Educação Cadernos de Educação Cadernos de Educação Cadernos de Educação / Universidade Federal de Pelotas-UFPel / RS16) Cadernos de Educação Especial Cadernos de Educação Especial Cadernos de Educação Especial Cadernos de Educação Especial Cadernos de Educação Especial / Universidade Federal de Santa Maria-UFSM / RS17) Cadernos de Pesquisa Cadernos de Pesquisa Cadernos de Pesquisa Cadernos de Pesquisa Cadernos de Pesquisa / Universidade Federal do Maranhão / São Luís-MA18) Caderno de Pesquisa Caderno de Pesquisa Caderno de Pesquisa Caderno de Pesquisa Caderno de Pesquisa / Fundação Carlos Chagas / São Paulo-SP19) Cadernos de Pesquisa - TCadernos de Pesquisa - TCadernos de Pesquisa - TCadernos de Pesquisa - TCadernos de Pesquisa - Turismo urismo urismo urismo urismo / Faculdades de Curitiba / Curitiba-PR20) Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE / Universidade Federal do Espírito Santo-

UFES / Vitória-ES21) Cadernos do Centro Universitário São Camilo Cadernos do Centro Universitário São Camilo Cadernos do Centro Universitário São Camilo Cadernos do Centro Universitário São Camilo Cadernos do Centro Universitário São Camilo / Centro Universitário São Camilo /

São Paulo-SP22) Cadernos de Psicologia Social do TCadernos de Psicologia Social do TCadernos de Psicologia Social do TCadernos de Psicologia Social do TCadernos de Psicologia Social do Trabalho rabalho rabalho rabalho rabalho / Universidade de São Paulo-USP / SP23) Cadernos do UNICEN Cadernos do UNICEN Cadernos do UNICEN Cadernos do UNICEN Cadernos do UNICEN / Universidade de Cuiabá-UNIC / MT

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238

24) Caderno Interciências de Pesquisa e Extensão Caderno Interciências de Pesquisa e Extensão Caderno Interciências de Pesquisa e Extensão Caderno Interciências de Pesquisa e Extensão Caderno Interciências de Pesquisa e Extensão / Universidade Ibirapuera / Moema-SP

25) Caesura Caesura Caesura Caesura Caesura / Universidade Luterana do Brasil-ULBRA / Canoas-RS26) Cesumar Saúde Cesumar Saúde Cesumar Saúde Cesumar Saúde Cesumar Saúde / Centro Universitário de Maringá / Maringá-PR27) Cesur em Revista Cesur em Revista Cesur em Revista Cesur em Revista Cesur em Revista / Faculdade do Sul de Mato Grosso / Campo Grande-PR28) Ciências da Educação Ciências da Educação Ciências da Educação Ciências da Educação Ciências da Educação / Centro Universitário Salesiano-UNISAL / Lorena-SP29) Conhecendo a Enfermagem Conhecendo a Enfermagem Conhecendo a Enfermagem Conhecendo a Enfermagem Conhecendo a Enfermagem / Universidade do Sul de Santa Catarina / Tubarão-SC30) Diálogo Diálogo Diálogo Diálogo Diálogo / Centro Universitário La Salle-UNILASALLE / Canoas-RS31) Diálogo Educacional Diálogo Educacional Diálogo Educacional Diálogo Educacional Diálogo Educacional / Pontifícia Universidade Católica do Paraná-PUCPR / PR32) Educação – Revista de Estudos da Educação Educação – Revista de Estudos da Educação Educação – Revista de Estudos da Educação Educação – Revista de Estudos da Educação Educação – Revista de Estudos da Educação / Universidade Federal de Alagoas -

UFAL / Maceió-AL33) Educação & Realidade Educação & Realidade Educação & Realidade Educação & Realidade Educação & Realidade / Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS / RS34) Educação e Filosofia Educação e Filosofia Educação e Filosofia Educação e Filosofia Educação e Filosofia / Universidade Federal de Uberlândia-UFU / MG35) Educação e PesquisaEducação e PesquisaEducação e PesquisaEducação e PesquisaEducação e Pesquisa / Universidade de São Paulo-USP / SP36) Educação em Debate Educação em Debate Educação em Debate Educação em Debate Educação em Debate / Universidade Federal do Ceará / Fortaleza-CE37) Educação em Foco Educação em Foco Educação em Foco Educação em Foco Educação em Foco / Universidade Federal de Juiz de Fora-UFJF / MG38) Educação em Questão Educação em Questão Educação em Questão Educação em Questão Educação em Questão / Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN / RN39) Educação em Revista Educação em Revista Educação em Revista Educação em Revista Educação em Revista / Universidade Federal de Minas Gerais / UFMG / MG40) Educação UNISINOSEducação UNISINOSEducação UNISINOSEducação UNISINOSEducação UNISINOS / Universidade do Vale do Rio dos Sinos-UNISINOS / São Leopoldo-

RS41) Educar em Revista Educar em Revista Educar em Revista Educar em Revista Educar em Revista / Universidade Federal do Paraná-UFPR / Curitiba-PR42) Educativa Educativa Educativa Educativa Educativa / Universidade Católica de Goiás-UCG / GO43) Em Aberto Em Aberto Em Aberto Em Aberto Em Aberto / Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais / Brasília-DF44) Ensaio – Pesquisa em Educação em Ciências Ensaio – Pesquisa em Educação em Ciências Ensaio – Pesquisa em Educação em Ciências Ensaio – Pesquisa em Educação em Ciências Ensaio – Pesquisa em Educação em Ciências / Universidade Federal de Minas

Gerais-UFMG / MG45) Ensaio Ensaio Ensaio Ensaio Ensaio / Fundação Cesgranrio / Rio de Janeiro-RJ46) Ensino em Re-vista Ensino em Re-vista Ensino em Re-vista Ensino em Re-vista Ensino em Re-vista / Universidade Federal de Uberlândia-UFU / MG47) Espaço Pedagógico Espaço Pedagógico Espaço Pedagógico Espaço Pedagógico Espaço Pedagógico / Universidade de Passo Fundo / RS48) Estudos – Revista da Faculdade de Ciências Humanas Estudos – Revista da Faculdade de Ciências Humanas Estudos – Revista da Faculdade de Ciências Humanas Estudos – Revista da Faculdade de Ciências Humanas Estudos – Revista da Faculdade de Ciências Humanas / Universidade de Marília-

UNIMAR / Marília-SP49) Estudos - Estudos - Estudos - Estudos - Estudos - Universidade Católica de Goiás-UCG / GO50) Foco – Revista do Curso de Letras Foco – Revista do Curso de Letras Foco – Revista do Curso de Letras Foco – Revista do Curso de Letras Foco – Revista do Curso de Letras / Centro Universitário Moura Lacerda / Ribeirão

Preto-SP51) Fragmentos de Cultura Fragmentos de Cultura Fragmentos de Cultura Fragmentos de Cultura Fragmentos de Cultura / Universidade Católica de Goiás-UCG / GO52) Gestão e Ação Gestão e Ação Gestão e Ação Gestão e Ação Gestão e Ação / Universidade Federal da Bahia / Salvador-BA53) Ícone Ícone Ícone Ícone Ícone / Centro Universitário do Triângulo / Uberlândia-MG54) Inter-ação Inter-ação Inter-ação Inter-ação Inter-ação / Universidade Federal de Goiás-UFG / GO55) Intermeio – Revista do Mestrado em Educação Intermeio – Revista do Mestrado em Educação Intermeio – Revista do Mestrado em Educação Intermeio – Revista do Mestrado em Educação Intermeio – Revista do Mestrado em Educação / Universidade Federal de Mato

Grosso do Sul-UFMS / Campo Grande-MS56) Justiça e Sociedade Justiça e Sociedade Justiça e Sociedade Justiça e Sociedade Justiça e Sociedade / Universidade do Oeste Paulista / Presidente Prudente-SP57) Letras Contábeis Letras Contábeis Letras Contábeis Letras Contábeis Letras Contábeis / Faculdades Integradas de Jequié - FIJ / Jequié-BA58) Letras de Hoje Letras de Hoje Letras de Hoje Letras de Hoje Letras de Hoje / Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul-PUCRS / RS

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59) Linguagem em Discurso – Revista Científico-literária dos Cursos de MestradoLinguagem em Discurso – Revista Científico-literária dos Cursos de MestradoLinguagem em Discurso – Revista Científico-literária dos Cursos de MestradoLinguagem em Discurso – Revista Científico-literária dos Cursos de MestradoLinguagem em Discurso – Revista Científico-literária dos Cursos de Mestradoem Ciências da Linguagem e de Graduação de Letras da Unisul - em Ciências da Linguagem e de Graduação de Letras da Unisul - em Ciências da Linguagem e de Graduação de Letras da Unisul - em Ciências da Linguagem e de Graduação de Letras da Unisul - em Ciências da Linguagem e de Graduação de Letras da Unisul - Universidadedo Sul de Santa Catarina-UNISUL / Tubarão-SC

60) Linhas Críticas Linhas Críticas Linhas Críticas Linhas Críticas Linhas Críticas / Universidade de Brasília-UnB / DF61) Métis Métis Métis Métis Métis / Universidade de Caxias do Sul-UCS / RS62) Movimento Movimento Movimento Movimento Movimento / Universidade Federal Fluminense-UFF / Niterói-RJ63) Natureza e Artifício Natureza e Artifício Natureza e Artifício Natureza e Artifício Natureza e Artifício / Sociedade Civil de Educação Braz Cubas / Mogi das Cruzes-SP64) NuancesNuancesNuancesNuancesNuances / Universidade Estadual Paulista-UNESP / SP65) Os Domínios da Ética Os Domínios da Ética Os Domínios da Ética Os Domínios da Ética Os Domínios da Ética / Universidade de Minas Gerais / Belo Horizonte-MG66) Palavra – Revista Científ ica do Curso de Comunicação Social da Unisul -Palavra – Revista Científ ica do Curso de Comunicação Social da Unisul -Palavra – Revista Científ ica do Curso de Comunicação Social da Unisul -Palavra – Revista Científ ica do Curso de Comunicação Social da Unisul -Palavra – Revista Científ ica do Curso de Comunicação Social da Unisul -

Universidade do Sul de Santa Catarina-UNISUL / Tubarão-SC67) Paradoxa Paradoxa Paradoxa Paradoxa Paradoxa / Universidade Salgado de Oliveira-UNIVERSO / Rio de Janeiro-RJ68) PerCurso: Curitiba em TPerCurso: Curitiba em TPerCurso: Curitiba em TPerCurso: Curitiba em TPerCurso: Curitiba em Turismo urismo urismo urismo urismo / Faculdades de Curitiba / PR69) Perspectiva – Revista do Centro de Ciências da Educação Perspectiva – Revista do Centro de Ciências da Educação Perspectiva – Revista do Centro de Ciências da Educação Perspectiva – Revista do Centro de Ciências da Educação Perspectiva – Revista do Centro de Ciências da Educação / Universidade Federal

de Santa Catarina / Florianópolis-SC70) Philósophos – Revista de Filosofia Philósophos – Revista de Filosofia Philósophos – Revista de Filosofia Philósophos – Revista de Filosofia Philósophos – Revista de Filosofia / Universidade Federal de Goiás-UFG / GO71) Phrónesis – Revista de Ética Phrónesis – Revista de Ética Phrónesis – Revista de Ética Phrónesis – Revista de Ética Phrónesis – Revista de Ética / Pontifícia Universidade Católica-PUC-Campinas-SP72) Poiésis – Revista Científica em Educação Poiésis – Revista Científica em Educação Poiésis – Revista Científica em Educação Poiésis – Revista Científica em Educação Poiésis – Revista Científica em Educação / Universidade do Sul de Santa Catarina-

UNISUL / Tubarão-SC73) Presença – Revista de Educação, Cultura e Meio Ambiente Presença – Revista de Educação, Cultura e Meio Ambiente Presença – Revista de Educação, Cultura e Meio Ambiente Presença – Revista de Educação, Cultura e Meio Ambiente Presença – Revista de Educação, Cultura e Meio Ambiente / Universidade

Federal de Rondônia - UNIR / Porto Velho-RO74) Pró-Discente Pró-Discente Pró-Discente Pró-Discente Pró-Discente / Universidade Federal do Espírito Santo-UFES / ES75) Pro-Posições Pro-Posições Pro-Posições Pro-Posições Pro-Posições / Faculdade de Educação-UNICAMP / SP76) Psicologia Clínica Psicologia Clínica Psicologia Clínica Psicologia Clínica Psicologia Clínica / Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro-PUCRJ / RJ77) Psicologia da Educação Psicologia da Educação Psicologia da Educação Psicologia da Educação Psicologia da Educação / Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUCSP / SP78) Publicações ADUFPB Publicações ADUFPB Publicações ADUFPB Publicações ADUFPB Publicações ADUFPB / Universidade Federal da Paraíba / João Pessoa-PB79) Revista 7 Faces Revista 7 Faces Revista 7 Faces Revista 7 Faces Revista 7 Faces / Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira-FUNCESI / MG80) Revista AlcanceRevista AlcanceRevista AlcanceRevista AlcanceRevista Alcance / Universidade do Vale do Itajaí-UNIVALI / Itajaí-SC81) Revista Ambiente e Educação Revista Ambiente e Educação Revista Ambiente e Educação Revista Ambiente e Educação Revista Ambiente e Educação / Fundação Universidade Federal do Rio Grande / Rio

Grande-RS82) Revista Anamatra Revista Anamatra Revista Anamatra Revista Anamatra Revista Anamatra / Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho83) Revista Baiana de Educação Física Revista Baiana de Educação Física Revista Baiana de Educação Física Revista Baiana de Educação Física Revista Baiana de Educação Física / Salvador-BA84) Revista Brasileira de Educação Especial Revista Brasileira de Educação Especial Revista Brasileira de Educação Especial Revista Brasileira de Educação Especial Revista Brasileira de Educação Especial / Universidade Estadual Paulista / Marília-SP85) Revista Brasileira de Estudos PedagógicosRevista Brasileira de Estudos PedagógicosRevista Brasileira de Estudos PedagógicosRevista Brasileira de Estudos PedagógicosRevista Brasileira de Estudos Pedagógicos / Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais / MEC / DF86) Revista Brasileira de gestão de NegóciosRevista Brasileira de gestão de NegóciosRevista Brasileira de gestão de NegóciosRevista Brasileira de gestão de NegóciosRevista Brasileira de gestão de Negócios / Fundação Escola do Comercio Álvares

Penteado / São Paulo-SP87) Revista Brasileira de TRevista Brasileira de TRevista Brasileira de TRevista Brasileira de TRevista Brasileira de Tecnologia Educacional ecnologia Educacional ecnologia Educacional ecnologia Educacional ecnologia Educacional / Associação Brasileira de Tecnologia

Educacional / Brasília-DF88) Revista Caatinga Revista Caatinga Revista Caatinga Revista Caatinga Revista Caatinga / Escola Superior de Agricultura de Mossoró / RN89) Revista Cadernos Revista Cadernos Revista Cadernos Revista Cadernos Revista Cadernos / Centro Universitário São Camilo / São Paulo-SP90) Revista Cadernos de Campo Revista Cadernos de Campo Revista Cadernos de Campo Revista Cadernos de Campo Revista Cadernos de Campo / Universidade de São Paulo-USP / SP

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91) Revista Cesumar Revista Cesumar Revista Cesumar Revista Cesumar Revista Cesumar / Centro Universitário de Maringá / Maringá-PR92) Revista Ciências Humanas Revista Ciências Humanas Revista Ciências Humanas Revista Ciências Humanas Revista Ciências Humanas / Universidade de Taubaté-UNITAU / SP93) Revista Científica Revista Científica Revista Científica Revista Científica Revista Científica / Centro Universitário de Barra Mansa / Barra Mansa-RJ94) Revista Ciência e Educação Revista Ciência e Educação Revista Ciência e Educação Revista Ciência e Educação Revista Ciência e Educação / UNESP-Bauru / Bauru-SP95) Revista Científica da Unicastelo Revista Científica da Unicastelo Revista Científica da Unicastelo Revista Científica da Unicastelo Revista Científica da Unicastelo / Universidade Camilo Castelo Branco-Unicastelo /

São Paulo-SP96) Revista Colloquim e Justiça e SociedadeRevista Colloquim e Justiça e SociedadeRevista Colloquim e Justiça e SociedadeRevista Colloquim e Justiça e SociedadeRevista Colloquim e Justiça e Sociedade / Universidade do Oeste Paulista / Presidente

Prudente-SP97) Revista Contrapontos – Revista do Mestrado em Educação Revista Contrapontos – Revista do Mestrado em Educação Revista Contrapontos – Revista do Mestrado em Educação Revista Contrapontos – Revista do Mestrado em Educação Revista Contrapontos – Revista do Mestrado em Educação / Universidade do

Vale do Itajaí98) Revista da Educação Física Revista da Educação Física Revista da Educação Física Revista da Educação Física Revista da Educação Física / Universidade Estadual de Maringá / Maringá-PR99) Revista da Faculdade Christus Revista da Faculdade Christus Revista da Faculdade Christus Revista da Faculdade Christus Revista da Faculdade Christus / Faculdade Christus / Fortaleza-CE100)Revista da Faculdade de EducaçãoRevista da Faculdade de EducaçãoRevista da Faculdade de EducaçãoRevista da Faculdade de EducaçãoRevista da Faculdade de Educação / Universidade do Estado de Mato Grosso /

Cáceres-MT101)Revista da FRevista da FRevista da FRevista da FRevista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade AEEBA Educação e Contemporaneidade AEEBA Educação e Contemporaneidade AEEBA Educação e Contemporaneidade AEEBA Educação e Contemporaneidade / Universidade do Estado da

Bahia / Salvador-BA102)Revista da FRevista da FRevista da FRevista da FRevista da FAPAPAPAPAPA A A A A / Faculdade Paulistana - FAPA / São Paulo-SP103)Revista da Faculdade de Santa CruzRevista da Faculdade de Santa CruzRevista da Faculdade de Santa CruzRevista da Faculdade de Santa CruzRevista da Faculdade de Santa Cruz / União Paranaense de Ensino e Cultura /

Curitiba-PR104)Revista de Administração Revista de Administração Revista de Administração Revista de Administração Revista de Administração / Centro de Ensino Superior de Jataí-CESUT / GO105)Revista de Ciências Sociais e Humanas Revista de Ciências Sociais e Humanas Revista de Ciências Sociais e Humanas Revista de Ciências Sociais e Humanas Revista de Ciências Sociais e Humanas / Centro de Ciências Sociais e Humanas /

Universidade Federal de Santa Catarina / Florianópolis-SC106)Revista de Contabilidade do IESPRevista de Contabilidade do IESPRevista de Contabilidade do IESPRevista de Contabilidade do IESPRevista de Contabilidade do IESP / Sociedade de Ensino Superior da Paraíba / João

Pessoa-PB107)Revista de Direito Revista de Direito Revista de Direito Revista de Direito Revista de Direito / Universidade de Ibirapuera / São Paulo-SP108)108)108)108)108) Revista de Divulgação Cultural / Revista de Divulgação Cultural / Revista de Divulgação Cultural / Revista de Divulgação Cultural / Revista de Divulgação Cultural / Fundação Universidade Regional de Blumenau-

FURB / SC109)Revista de Educação Revista de Educação Revista de Educação Revista de Educação Revista de Educação / Pontifícia Universidade Católica de Campinas, PUC-Campinas /

SP110)Revista de Educação CEAP Revista de Educação CEAP Revista de Educação CEAP Revista de Educação CEAP Revista de Educação CEAP / Centro de Estudos e Assessoria Pedagógica-CEAP /

Salvador / BA111)Revista de Educação Pública Revista de Educação Pública Revista de Educação Pública Revista de Educação Pública Revista de Educação Pública / Universidade Federal de Mato Grosso-UFMT / MT112)Revista de Letras Revista de Letras Revista de Letras Revista de Letras Revista de Letras / Universidade Federal do Ceará / Fortaleza-CE113)Revista de Negócios Revista de Negócios Revista de Negócios Revista de Negócios Revista de Negócios / Fundação Universidade Federal de Blumenau-FURB / SC114)Revista de Psicologia Revista de Psicologia Revista de Psicologia Revista de Psicologia Revista de Psicologia / Universidade Federal do Ceará-UFC / Fortaleza-CE115)Revista do CCEI Revista do CCEI Revista do CCEI Revista do CCEI Revista do CCEI / Universidade da Região da Campanha / Bagé-RS116)Revista do Centro de Educação Revista do Centro de Educação Revista do Centro de Educação Revista do Centro de Educação Revista do Centro de Educação / Universidade Federal de Santa Maria / Santa

Maria-RS117)Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos / Instituição Toledo de Ensino-ITE /

Bauru-SP118)Revista do Mestrado em Educação Revista do Mestrado em Educação Revista do Mestrado em Educação Revista do Mestrado em Educação Revista do Mestrado em Educação / Universidade Federal de Sergipe-UFS / São

Cristóvão-SE

Page 241: Contextualizando a Escola rural: Rio Grande do Sul final do século XIX e início do século XX

241

119)Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação / Universidade Federal deSanta Maria-UFSM / RS

120)Revista dos Expoentes Revista dos Expoentes Revista dos Expoentes Revista dos Expoentes Revista dos Expoentes / Universidade de Ensino Superior Expoente-UniExp / Curitiba-PR

121)Revista Educação Revista Educação Revista Educação Revista Educação Revista Educação / Porto Alegre-RS122)Revista Educação e Movimento Revista Educação e Movimento Revista Educação e Movimento Revista Educação e Movimento Revista Educação e Movimento / Associação de Educação Católica do Paraná /

Curitiba-PR123)Revista Educação e Realidade Revista Educação e Realidade Revista Educação e Realidade Revista Educação e Realidade Revista Educação e Realidade / Universidade Federal do Rio Grande do Sul / Porto

Alegre-RS124)Revista Ensaios e Ciências Revista Ensaios e Ciências Revista Ensaios e Ciências Revista Ensaios e Ciências Revista Ensaios e Ciências / Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da

Região do Pantanal / Campo Grande-MS125)Revista EspaçoRevista EspaçoRevista EspaçoRevista EspaçoRevista Espaço / Instituto São Paulo de Estudos Superiores / São Paulo126)Revista Estudos Lingüísticos e Literários Revista Estudos Lingüísticos e Literários Revista Estudos Lingüísticos e Literários Revista Estudos Lingüísticos e Literários Revista Estudos Lingüísticos e Literários / Universidade Federal da Bahia / Salvador-

BA127)Revista Fórum Crítico da Educação Revista Fórum Crítico da Educação Revista Fórum Crítico da Educação Revista Fórum Crítico da Educação Revista Fórum Crítico da Educação / Instituto Superior de Estudos Pedagógicos -

ISEP / Rio de Janeiro-RJ128)Revista Fronteiras – Estudos Midiáticos Revista Fronteiras – Estudos Midiáticos Revista Fronteiras – Estudos Midiáticos Revista Fronteiras – Estudos Midiáticos Revista Fronteiras – Estudos Midiáticos / Universidade do Vale do Rio dos Sinos-

UNISINOS / São Leopoldo-RS129)Revista Horizontes Revista Horizontes Revista Horizontes Revista Horizontes Revista Horizontes / Universidade São Francisco-USF / Bragança Paulista-SP130)Revista Idéias & Argumentos Revista Idéias & Argumentos Revista Idéias & Argumentos Revista Idéias & Argumentos Revista Idéias & Argumentos / Centro Universitário Salesiano de São Paulo-UNISAL131)Revista Informática na Educação – TRevista Informática na Educação – TRevista Informática na Educação – TRevista Informática na Educação – TRevista Informática na Educação – Teoria e Prática eoria e Prática eoria e Prática eoria e Prática eoria e Prática / Universidade Federal do Rio

Grande do Sul-UFRGS / RS132)Revista Intertemas Revista Intertemas Revista Intertemas Revista Intertemas Revista Intertemas / Associação Educacional Toledo-Presidente Prudente-SP133)Revista Integração Revista Integração Revista Integração Revista Integração Revista Integração / Universidade São Judas Tadeu / São Paulo-SP134)Revista Jurídica da FURB Revista Jurídica da FURB Revista Jurídica da FURB Revista Jurídica da FURB Revista Jurídica da FURB / Fundação Universidade Regional de Blumenau-FURB / SC135)Revista Jurídica – FOA Revista Jurídica – FOA Revista Jurídica – FOA Revista Jurídica – FOA Revista Jurídica – FOA / Associação Educativa Evangélica / Anápolis-GO136)Revista Jurídica da Universidade de Franca Revista Jurídica da Universidade de Franca Revista Jurídica da Universidade de Franca Revista Jurídica da Universidade de Franca Revista Jurídica da Universidade de Franca / Universidade de Franca / Franca-SP137)Revista Jurídica Cesumar Revista Jurídica Cesumar Revista Jurídica Cesumar Revista Jurídica Cesumar Revista Jurídica Cesumar / Centro Universitário de Maringá / Maringá-PR138)Revista Mimesis Revista Mimesis Revista Mimesis Revista Mimesis Revista Mimesis / Universidade do Sagrado Coração / Bauru-SP139)Revista Montagem Revista Montagem Revista Montagem Revista Montagem Revista Montagem / Centro Universitário “Moura Lacerda” / Ribeirão Preto – SP140)Revista O Domínio da ÉticaRevista O Domínio da ÉticaRevista O Domínio da ÉticaRevista O Domínio da ÉticaRevista O Domínio da Ética / Fundação Centro de Analises, Pesquisas e Inovações

Tecnológicas / Manaus-AM141)Revista O Eixo e a Roda Revista O Eixo e a Roda Revista O Eixo e a Roda Revista O Eixo e a Roda Revista O Eixo e a Roda / Universidade Federal de Minas Gerais / Belo Horizonte-MG142)Revista Paidéia Revista Paidéia Revista Paidéia Revista Paidéia Revista Paidéia / Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto / Ribeirão

Preto-SP143)Revista Pedagogia Revista Pedagogia Revista Pedagogia Revista Pedagogia Revista Pedagogia / Universidade do Oeste de Santa Catarina-UNOESC / SC144)Revista Plures Revista Plures Revista Plures Revista Plures Revista Plures / Centro Universitário Moura Lacerda / Ribeirão Preto-SP145)Revista Prosa Revista Prosa Revista Prosa Revista Prosa Revista Prosa / Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal

/ Campo Grande-MS146)Revista Psicologia Argumento Revista Psicologia Argumento Revista Psicologia Argumento Revista Psicologia Argumento Revista Psicologia Argumento / Pontifícia Universidade Católica do Paraná-PUCPR /

PR147)Revista Quaestio Revista Quaestio Revista Quaestio Revista Quaestio Revista Quaestio / Universidade de Sorocaba-UNISO / Sorocaba-SP

Page 242: Contextualizando a Escola rural: Rio Grande do Sul final do século XIX e início do século XX

148)Revista Recriação (Revista de Referência de Estudos da Infância eRevista Recriação (Revista de Referência de Estudos da Infância eRevista Recriação (Revista de Referência de Estudos da Infância eRevista Recriação (Revista de Referência de Estudos da Infância eRevista Recriação (Revista de Referência de Estudos da Infância eAdolescência) Adolescência) Adolescência) Adolescência) Adolescência) / Universidade Federal de Mato Grosso do Sul / Campo Grande-MS

149)Revista Reflexão e Ação Revista Reflexão e Ação Revista Reflexão e Ação Revista Reflexão e Ação Revista Reflexão e Ação / Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC / RS150)Revista Semina Revista Semina Revista Semina Revista Semina Revista Semina / Universidade de Passo Fundo / Passo Fundo-RS151)Revista Sociedade e Cultura Revista Sociedade e Cultura Revista Sociedade e Cultura Revista Sociedade e Cultura Revista Sociedade e Cultura / Departamento de Ciências Sociais / Goiânia-GO152)Revista TRevista TRevista TRevista TRevista Tecnologia da Informação ecnologia da Informação ecnologia da Informação ecnologia da Informação ecnologia da Informação / Universidade Católica de Brasília-UCB / Brasília-

DF153)Revista TRevista TRevista TRevista TRevista Teoria e Prática eoria e Prática eoria e Prática eoria e Prática eoria e Prática / Universidade Estadual de Maringá / Maringá-PR154)Revista TRevista TRevista TRevista TRevista Trilhas rilhas rilhas rilhas rilhas / Universidade da Amazônia-UNAMA / Belém-PA155)Revista UNIABEU Revista UNIABEU Revista UNIABEU Revista UNIABEU Revista UNIABEU / Associação Brasileira de Ensino Universitário-UNIABEU / Belford

Roxo-RJ156)Revista Unicsul Revista Unicsul Revista Unicsul Revista Unicsul Revista Unicsul / Universidade Cruzeiro do Sul-Unicsul / SP157)Revista UNIFIEO Revista UNIFIEO Revista UNIFIEO Revista UNIFIEO Revista UNIFIEO / Centro Universitário-FIEO / Osasco-SP158) Scientia Scientia Scientia Scientia Scientia / Centro Universitário Vila Velha-UVV / Vitória-ES159) Seqüência 45 – Revista do Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC Seqüência 45 – Revista do Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC Seqüência 45 – Revista do Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC Seqüência 45 – Revista do Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC Seqüência 45 – Revista do Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC /

Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC / SC160) T e C AmazôniaT e C AmazôniaT e C AmazôniaT e C AmazôniaT e C Amazônia / Universidade de Minas Gerais / Belo Horizonte-MG161) TEIAS – Revista da Faculdade de Educação da UFRJ TEIAS – Revista da Faculdade de Educação da UFRJ TEIAS – Revista da Faculdade de Educação da UFRJ TEIAS – Revista da Faculdade de Educação da UFRJ TEIAS – Revista da Faculdade de Educação da UFRJ / Universidade do Estado do

Rio de Janeiro / Rio de Janeiro-RJ162) TTTTTextura – Revista de Educação, Ciências e Letras extura – Revista de Educação, Ciências e Letras extura – Revista de Educação, Ciências e Letras extura – Revista de Educação, Ciências e Letras extura – Revista de Educação, Ciências e Letras / Universidade Luterana do

Brasil-ULBRA / Canoas-RS163) Tópicos Educacionais Tópicos Educacionais Tópicos Educacionais Tópicos Educacionais Tópicos Educacionais / Universidade Federal de Pernambuco-UFPE / Recife-PE164)UNESC em Revista UNESC em Revista UNESC em Revista UNESC em Revista UNESC em Revista / Revista do Centro Universitário do Espírito Santo-UNESC / Colina-

ES165)UniCEUB em Revista UniCEUB em Revista UniCEUB em Revista UniCEUB em Revista UniCEUB em Revista / Centro Universitário de Brasília-UniCEUB / Brasília-DF166)UniCiência - Revista Científica da UEG UniCiência - Revista Científica da UEG UniCiência - Revista Científica da UEG UniCiência - Revista Científica da UEG UniCiência - Revista Científica da UEG / Fundação Universidade Estadual de

Goiás-UEG / Anápolis-GO167) UNICiências UNICiências UNICiências UNICiências UNICiências / Universidade de Cuiabá-UNIC / MT168) Unimar Ciências Unimar Ciências Unimar Ciências Unimar Ciências Unimar Ciências / Universidade de Marília-UNIMAR / Marília-SP169)UNIP Press – Boletim Informativo da Universidade Paulista UNIP Press – Boletim Informativo da Universidade Paulista UNIP Press – Boletim Informativo da Universidade Paulista UNIP Press – Boletim Informativo da Universidade Paulista UNIP Press – Boletim Informativo da Universidade Paulista / Universidade

Paulista-UNIP / São Paulo-SP170)Universa Universa Universa Universa Universa / Universidade Católica de Brasília-UCB / DF171)UNOPUNOPUNOPUNOPUNOPAR Científica – Ciências Humanas e Educação AR Científica – Ciências Humanas e Educação AR Científica – Ciências Humanas e Educação AR Científica – Ciências Humanas e Educação AR Científica – Ciências Humanas e Educação / Universidade Norte do

Paraná-UNOPAR / Londrina-PR172)VVVVVer a Educação er a Educação er a Educação er a Educação er a Educação / Universidade Federal Pará-UFPA / Belém-PA173)Veritas – Revista de Filosofia Veritas – Revista de Filosofia Veritas – Revista de Filosofia Veritas – Revista de Filosofia Veritas – Revista de Filosofia / Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do

Sul-PUCRS / RS174)Virtus – Revista Científica em Psicopedagogia Virtus – Revista Científica em Psicopedagogia Virtus – Revista Científica em Psicopedagogia Virtus – Revista Científica em Psicopedagogia Virtus – Revista Científica em Psicopedagogia / Universidade do Sul de Santa

Catarina-UNISUL / Tubarão-SC175)Zetetiké Zetetiké Zetetiké Zetetiké Zetetiké / UNICAMP / Campinas-SP

Page 243: Contextualizando a Escola rural: Rio Grande do Sul final do século XIX e início do século XX

PERMUTPERMUTPERMUTPERMUTPERMUTAS INTERNACIONAISAS INTERNACIONAISAS INTERNACIONAISAS INTERNACIONAISAS INTERNACIONAIS

01) AILA – International Association of Applied LinguisticAILA – International Association of Applied LinguisticAILA – International Association of Applied LinguisticAILA – International Association of Applied LinguisticAILA – International Association of Applied Linguistic / Open university / Unitedkingdom – Ukrainian

02) Anagramas. Rumbos y Sentidos de la Comunicación Anagramas. Rumbos y Sentidos de la Comunicación Anagramas. Rumbos y Sentidos de la Comunicación Anagramas. Rumbos y Sentidos de la Comunicación Anagramas. Rumbos y Sentidos de la Comunicación / Universidad de Medellín /Medellín – Colômbia

03) Anthropos – Venezuela Anthropos – Venezuela Anthropos – Venezuela Anthropos – Venezuela Anthropos – Venezuela / Instituto Universitario Salesiano “Padre Ojeda” (IUSPO) –Venezuela

04) Confluencia: ser y quehacer de la educación superior mexicana / Confluencia: ser y quehacer de la educación superior mexicana / Confluencia: ser y quehacer de la educación superior mexicana / Confluencia: ser y quehacer de la educación superior mexicana / Confluencia: ser y quehacer de la educación superior mexicana / ANUIES -Asociación Nacional de Universidades e Instituciones de Educación Superior / México

05) Cuadernos de Administración Cuadernos de Administración Cuadernos de Administración Cuadernos de Administración Cuadernos de Administración / Pontifícia Universid Javeriana / Bogota – Colombia06) Infancia en eu-ro-pa Infancia en eu-ro-pa Infancia en eu-ro-pa Infancia en eu-ro-pa Infancia en eu-ro-pa / Associación de Maestros Rosa Sensat. / Barcelona – España07) Revista de Investigaciones de la Unad Revista de Investigaciones de la Unad Revista de Investigaciones de la Unad Revista de Investigaciones de la Unad Revista de Investigaciones de la Unad / Universidad Nacional Abierta y a Distancia

– Unad / Bogotá – Colombia08) Learner Autonomy: New Insights Learner Autonomy: New Insights Learner Autonomy: New Insights Learner Autonomy: New Insights Learner Autonomy: New Insights / ALAB – Associação de Lingüística Aplicada do

Brasil – Belo Horizonte-MG09) Lexis Lexis Lexis Lexis Lexis / Asociación de Institutores de Antioquia – Adida / Medellín – Colombia10) Nexos Nexos Nexos Nexos Nexos / Universidad EAFIT / Medellín - Colombia11) Padres/Madres de alumnos/alumnas Padres/Madres de alumnos/alumnas Padres/Madres de alumnos/alumnas Padres/Madres de alumnos/alumnas Padres/Madres de alumnos/alumnas / CEAPA / Madrid – España12) Política y Sociedad Política y Sociedad Política y Sociedad Política y Sociedad Política y Sociedad / Universidad Complutense de Madrid / Madrid – España13) Proyección investigativa Proyección investigativa Proyección investigativa Proyección investigativa Proyección investigativa / Universidad de Córdoba / Montería – Colombia14) Revista Contextos EducativosRevista Contextos EducativosRevista Contextos EducativosRevista Contextos EducativosRevista Contextos Educativos / Universidad de La Rioja / La Rioja – España15) Revista de ciencias humanas Revista de ciencias humanas Revista de ciencias humanas Revista de ciencias humanas Revista de ciencias humanas / Universidad Tecnológica de Pereira / Risaralda –

Colombia16) Revista de La CEPRevista de La CEPRevista de La CEPRevista de La CEPRevista de La CEPA A A A A / Comisión Economica para América Latina y El Caribe / Santiago –

Chile17) Revista de pedagogía Revista de pedagogía Revista de pedagogía Revista de pedagogía Revista de pedagogía / Universidad Central de Venezuela / Caracas - Venezuela18) Revista Universidad EAFIT Revista Universidad EAFIT Revista Universidad EAFIT Revista Universidad EAFIT Revista Universidad EAFIT / Universidad EAFIT / Medellín – Colombia19) Revolución EducativRevolución EducativRevolución EducativRevolución EducativRevolución Educativa al Ta al Ta al Ta al Ta al Tableroableroableroableroablero / Centro Administrativo Nacional (CAN) / Bogota –

Colombia20) Salud Pública de México Salud Pública de México Salud Pública de México Salud Pública de México Salud Pública de México / Instituto Nacional de Salud Pública / Cuernavaca, Morelos,

México21) Santiago: revista de la Universidad de OrienteSantiago: revista de la Universidad de OrienteSantiago: revista de la Universidad de OrienteSantiago: revista de la Universidad de OrienteSantiago: revista de la Universidad de Oriente / Universidad de Oriente / Santiago

de Cuba – Cuba22) Signos Universitarios Signos Universitarios Signos Universitarios Signos Universitarios Signos Universitarios / Universidad del Salvador / Buenos Aires – Argentina23) Thélème - Thélème - Thélème - Thélème - Thélème - Revista Complutense de Estudios Franceses Revista Complutense de Estudios Franceses Revista Complutense de Estudios Franceses Revista Complutense de Estudios Franceses Revista Complutense de Estudios Franceses / Universidad Complutense

Madrid / Madrid – España

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