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Preparar o Exame 2014 | Português | 12.º 1 www.raizeditora.pt NOTA BIOGRÁFICA José Joaquim Cesário Verde nasceu em 25 de fevereiro de 1855, em Lisboa, no seio de uma família burguesa economicamente desafogada. O pai, José Anastácio Verde, era comerciante de ferragens e dedicava-se também à agricultura, numa quinta em Linda-a-Pastora. Em 1872, Cesário trabalhava já como correspondente comercial na loja do pai e, em outubro de 1873, matriculou-se no Curso Superior de Letras, abandonando-o no fim do ano letivo. Entre 1873 e 1880, Cesário publicou regularmente nos periódicos Diário de Notícias, Diário da Tarde e Revista de Coimbra. Os seus poemas foram recebidos ora com indignação ora com indiferença, pelo público, em geral, e até por aqueles que Cesário admirava Ramalho Ortigão e Teófilo Braga, por exemplo. Desta atitude se ressentiu o poeta que, a propósito de O Sentimento dum Ocidental, escreveu: «Uma poesia minha, recente, publicada numa folha bem impressa, limpa, comemorativa de Camões, não obteve um olhar, um sorriso, um desdém, uma observação! Ninguém escreveu, ninguém falou, nem num noticiário, nem numa conversa comigo; ninguém disse bem, ninguém disse mal!» 2 . Após quatro anos de interregno, Cesário publicou o seu último poema Nós em 1884. Atormentado pela doença, a tuberculose, que já vitimara a irmã e um irmão, Cesário expressou o seu desânimo a vários amigos e tendeu para um progressivo isolamento. Morreu em 19 de julho de 1886, no Lumiar, Lisboa, com 31 anos. 1 Sobre a tipologia textual, consultar a obra Preparar o Exame 2014 / Português, página 8 – «Texto Lírico». 2 Carta de 29 de agosto de 1880 a Macedo Papança, in Cânticos do Realismo e outros poemas. 32 Cartas [prefácio de Fialho de Almeida e estudo crítico de Fernando Pessoa], edição de Teresa Sobral Cunha, Lisboa, Relógio D’Água, 2006, p. 212. POESIA de Cesário Verde 1 Conteúdos de Português | 11.º ano | TEXTOS LÍRICOS

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  • Preparar o Exame 2014 | Portugus | 12.

    1 www.raizeditora.pt

    NOTA BIOGRFICA

    Jos Joaquim Cesrio Verde nasceu em 25 de fevereiro de 1855, em

    Lisboa, no seio de uma famlia burguesa economicamente desafogada. O pai,

    Jos Anastcio Verde, era comerciante de ferragens e dedicava-se tambm

    agricultura, numa quinta em Linda-a-Pastora. Em 1872, Cesrio trabalhava j

    como correspondente comercial na loja do pai e, em outubro de 1873,

    matriculou-se no Curso Superior de Letras, abandonando-o no fim do ano

    letivo.

    Entre 1873 e 1880, Cesrio publicou regularmente nos peridicos Dirio

    de Notcias, Dirio da Tarde e Revista de Coimbra. Os seus poemas foram

    recebidos ora com indignao ora com indiferena, pelo pblico, em geral, e

    at por aqueles que Cesrio admirava Ramalho Ortigo e Tefilo Braga, por

    exemplo. Desta atitude se ressentiu o poeta que, a propsito de O Sentimento

    dum Ocidental, escreveu: Uma poesia minha, recente, publicada numa folha

    bem impressa, limpa, comemorativa de Cames, no obteve um olhar, um

    sorriso, um desdm, uma observao! Ningum escreveu, ningum falou, nem

    num noticirio, nem numa conversa comigo; ningum disse bem, ningum

    disse mal!2. Aps quatro anos de interregno, Cesrio publicou o seu ltimo

    poema Ns em 1884.

    Atormentado pela doena, a tuberculose, que j vitimara a irm e um

    irmo, Cesrio expressou o seu desnimo a vrios amigos e tendeu para um

    progressivo isolamento. Morreu em 19 de julho de 1886, no Lumiar, Lisboa,

    com 31 anos.

    1 Sobre a tipologia textual, consultar a obra Preparar o Exame 2014 / Portugus, pgina 8 Texto

    Lrico. 2 Carta de 29 de agosto de 1880 a Macedo Papana, in Cnticos do Realismo e outros poemas. 32 Cartas

    [prefcio de Fialho de Almeida e estudo crtico de Fernando Pessoa], edio de Teresa Sobral Cunha, Lisboa, Relgio Dgua, 2006, p. 212.

    POESIA

    de Cesrio Verde1

    Contedos de Portugus | 11. ano | TEXTOS LRICOS

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    O LIVRO DE CESRIO VERDE

    Em 1887, um ano aps a morte de Cesrio Verde, Silva Pinto, amigo

    ntimo desde o Curso Superior de Letras, editou O Livro de Cesrio Verde, uma

    recolha incompleta, organizada segundo os critrios do editor que introduziu

    vrias alteraes. Esta edio, de reduzida tiragem, destinou-se apenas a

    amigos, no entrando no circuito editorial.

    Apenas em 1901, uma segunda edio chegou ao pblico em geral, o

    que, de certa forma, transformou Cesrio, cronologicamente, no poeta do

    sculo XX que efetivamente foi. Em 1963, a edio de Joel Serro apresentou

    um corpus completo da poesia de Cesrio, fiel s verses publicadas em vida.

    Apesar de partilhar o iderio cultural e poltico da Gerao de 70, a vida

    literria de Cesrio desenvolveu-se margem de movimentos e tertlias, quer

    pelo desfasamento etrio relativamente aos autores desta gerao quer pela

    sua atividade profissional. Porm, ignorado ou menosprezado em vida, Cesrio

    imps-se como um precursor do Modernismo e das diferentes correntes

    literrias do sculo XX: Fernando Pessoa elege-o como um dos seus mestres e

    a sua lio est presente em Alberto Caeiro e lvaro de Campos; Mrio de

    S-Carneiro apelida-o de futurista; os surrealistas valorizam-no.

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    O REPRTER DO QUOTIDIANO

    Parte substancial da poesia de Cesrio Verde caracteriza-se pela

    existncia de um sujeito potico inserido num determinado espao e num

    determinado tempo, que aplica o seu olhar atento e reflexivo realidade que o

    circunda. Lira deambulatria, recebe o que os sentidos lhe do do espetculo

    das ruas, dos campos e das gentes, para depois repercutir tais sensaes,

    transformadas em imagens3.

    Com efeito, os poemas de Cesrio apresentam-nos o que podemos

    designar de um eu em situao, isto , um sujeito potico muitas vezes

    narrador e personagem que, num espao e tempo precisos, descreve o que v.

    Assim, a temtica geral da poesia cesrica tem a ver com a observao da

    realidade, seja ela a Grande dama fatal (Deslumbramentos) ou o seu

    inverso, a pombinha tmida e quieta (A Dbil), o lento despertar burgus

    (Num Bairro Moderno) ou a quietude suburbana interrompida pelo trabalho que

    traz o progresso (Cristalizaes), o anoitecer inquietante da cidade de Lisboa

    (O Sentimento dum Ocidental) ou a aguarela buclica (De Tarde).

    A ateno de um eu deambulante ao real e ao quotidiano leva

    criao de quadros dinmicos, que transmitem os ritmos citadino e campestre e

    que fixam instantneos da realidade. Contudo, fixador de imagens em

    movimento, o olhar de Cesrio , apenas aparentemente, objetivo: a realidade,

    objeto da observao, captada por um sujeito que dela apresenta o seu ponto

    de vista no se trata de mimese (reproduo) da realidade, mas antes da sua

    representao a partir da captao sensorial. Os quadros de Cesrio,

    partindo de uma observao objetiva da realidade, so elaborados por um

    olhar subjetivo, que contamina a realidade concreta e quotidiana com uma

    dimenso simblica e que inscreve a sua memria no tempo-espao do

    poema.

    3 David Mouro-Ferreira, Notas sobre Cesrio Verde, in Hospital das Letras, 2. ed., Lisboa, IN-CM,

    1981, p. 94.

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    A OPOSIO CIDADE / CAMPO

    Poeta da cidade, Cesrio descreve Lisboa nas suas rotinas, espaos e

    gentes, em poemas como, por exemplo, Num Bairro Moderno e O Sentimento

    dum Ocidental. Lisboa a cidade do progresso e da burguesia comercial e

    industrial; mas Lisboa tambm o espao da explorao humana, da misria e

    da injustia social. A nvel individual, atrao despertada pela cidade une-se

    o sentimento de aprisionamento e de opresso, originando um desejo de fuga.

    A cidade igualmente um lugar de doena e de morte: s condies de vida

    miserveis, referidas em O Sentimento dum Ocidental (as varinas apinham-se

    num bairro aonde miam gatas, / E o peixe podre gera os focos de infeo!) e

    em Ns (Sem canalizao em muitos burgos ermos, / Secavam dejees

    cobertas de mosqueiros), junta-se a evocao da calamidade, da enorme

    mortandade.

    Poeta do campo, Cesrio associa a este espao as ideias de sade e de

    vitalidade, de uma existncia pautada pelos ritmos naturais, de uma tendncia

    para a igualdade social, mas tambm a descrio de uma vida rude e custosa.

    De uma viso mais idealizada do campo (por exemplo, em De Vero), Cesrio

    evolui para um retrato vivo e concreto da realidade rural (Ns): trata-se de uma

    mudana operada pela passagem da situao de quem vai ao campo de

    quem vive no campo.

    Uma abordagem simplista da poesia de Cesrio Verde tende a concluir

    que existe uma irredutvel oposio cidade/campo, representando o primeiro

    elemento o eixo negativo e o segundo, o eixo positivo. Apesar da temtica do

    binmio cidade/campo se desenvolver atravs de antinomias interpretveis

    segundo essa valorizao, os dois polos interpenetram-se: por um lado,

    existem elementos do campo presentes nos poemas relativos cidade; por

    outro lado, tambm ao campo acaba por ser atribuda uma valorizao

    negativa porque tambm ele lugar da explorao e do sofrimento do indivduo

    e tambm ele lugar da morte.

    Ns, ltimo poema terminado e publicado por Cesrio, disso d conta,

    existindo um crculo que se completa, abarcando um longo perodo da vida

    familiar e individual. A fuga da capital maldita para o campo que todo o

    meu amor de todos estes anos! originar a vivncia plena dos provincianos,

    mas tambm o contacto com a morte: observvel nos ritmos da natureza e

    sentida quando atinge o ncleo familiar no campo morre a irm (minha

    mrtir, minha virgem, minha / Infeliz e celeste criatura) e, de regresso dele, o

    irmo (Pobre rapaz robusto e cheio de futuro!).

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    ESTILO E INOVAO POTICA

    A poesia de Cesrio, sem dvida desconcertante para a poca, revela a

    influncia de correntes como o Realismo, o Parnasianismo, o Simbolismo e o

    Impressionismo, e antecipa correntes do sculo XX como o Sensacionismo e o

    Surrealismo.

    Os poemas de Cesrio distinguem-se pela busca da perfeio formal

    existe regularidade mtrica (verso decasslabo e verso alexandrino), rimtica e

    estrfica e pelo prosasmo a linguagem potica simula o ritmo da prosa e

    integra vocabulrio corrente e especfico de determinadas reas lexicais; por

    outro lado, a linguagem plstica, no sentido em que cria e explora um

    profundo visualismo, recorrendo adjetivao expressiva, comparao,

    sinestesia, imagem e metfora.

    Poeta-pintor 4 (afirmou, em Ns, Pinto quadros por letras, por

    sinais), Cesrio constri representaes da realidade baseadas na sua

    condio, necessariamente subjetiva, de observador e de intrprete do mundo,

    a partir de uma atitude consciente; da as diferentes referncias reflexo

    sobre o trabalho potico que se inscrevem no prprio corpo do poema: E

    apuro-me em lanar originais e exatos, / Os meus alexandrinos

    (Contrariedades); E eu, que urdia estes fceis esbocetos (A Dbil); E eu

    que medito um livro que exacerbe / Quisera que o real e a anlise mo

    dessem, No poder pintar / Com versos magistrais, salubres e sinceros (O

    Sentimento dum Ocidental); Eu vinha de polir isto tranquilamente (Ns).

    Exerccio consciente da viso de artista (Num Bairro Moderno),

    suportada pelos cinco sentidos tangem-me, excitados, sacudidos, / O tato, a

    vista, o ouvido, o gosto, o olfato! (Cristalizaes) , espao da fixao da

    realidade imediata e da memria, a poesia torna-se em Cesrio o lugar da sua

    prpria reflexo, abrindo a porta modernidade literria.

    4 Jacinto do Prado Coelho, Cesrio Verde, poeta do espao e da memria, in Ao contrrio de Penlope,

    Venda Nova, Bertrand, 1976, p. 195.

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    Obras consultadas

    COELHO, Jacinto do Prado, Para a compreenso dOs Maias como um todo

    orgnico, in Ao contrrio de Penlope, Venda Nova,

    Bertrand, 1976

    DINE, Madalena, Cesrio, Mestre de Campos, in lvaro de Campos, o

    Engenheiro de Tavira I Encontro Internacional lvaro de

    Campos, Tavira, Associao lvaro de Campos, 2011

    MACEDO, Hlder, Ns, uma leitura de Cesrio Verde, 3. ed., Dom Quixote,

    1986

    MARTINS, Fernando Cabral, Cesrio Verde ou a transformao do mundo,

    in O Trabalho das Imagens, Lisboa, Aron, 2000

    MOURO-FERREIRA, David, Notas sobre Cesrio Verde, in Hospital das

    Letras, 2. ed., Lisboa, IN-CM, 1981

    VERDE, Cesrio, Poesia Completa 1855-1886, fixao de texto e nota

    introdutria de Joel Serro, Lisboa, Dom Quixote, 2001

    VERDE, Cesrio, Cnticos do Realismo e outros poemas. 32 Cartas [Prefcio

    de Fialho de Almeida e Estudo crtico de Fernando

    Pessoa], edio de Teresa Sobral Cunha, Lisboa, Relgio

    Dgua, 2006