Contato Imediato, Elle S.

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Primeiro capítulo do livro "Contato Imediato", da autora Elle S. Publicado pela Editora Mor.

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Elle S.

Contato ImedIato

"Apenas acredite nas estrelas

e deixe que elas guiem você."

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Copyright © 2012 Elle S. Todos os Direitos Reservados pela Editora Mor.

Nenhuma parte desta publicação deverá ser reproduzida, seja por mei-os mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia da editora.

Produção Editorial

Presidente: André C. S. dos SantosPublisher: Aline Cintra CarrascoEditoração: Nilza SantosPreparação: Karoline AlencarRevisão: Karoline Alencar | Aline CarrascoImpressão: Gráfica Hedra

Editora Mor Ltda.R. Fritz Johansen, 160, Pq. Boturussu, São Paulo-SPTel.: (11) 2047-3720Contato: [email protected]

“Dando raízes aos seus sonhos”

E11c S., Elle Contato Imediato. / Elle S. — São Paulo:Editora Mor, 2012. 346 p. ; 23cm.

ISBN: 978-85-914401-0-8

1. Literatura Brasileira. I. Título

CDD B869.3 CDU 869.0

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Para todos aqueles que estiveram comigo durante essa jornada, para aqueles que continuam até o fim dela e para aqueles que se juntaram a nós agora.

Eu devo tudo isso a cada um de vocês. As estrelas os guiarão e protegerão.

Mra T Nhé.

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PREFÁCIO

Para mim, era muito difícil olhar para as estrelas e imaginar que não estávamos sozinhos no universo, que existia algo além de

nós. Eu simplesmente não conseguia crer em vida alienígena ou qualquer baboseira sobre UFO que essas pessoas faziam questão de gritar por aí. Não fazia sentido, não para mim.

Como aqueles mendigos que lotavam os parques de Nova York juran-do que tinham tido contatos de sei lá quantos graus com aliens sabe-se lá de onde. Várias vezes eu os encontrei no meu caminho para o trabalho, e a cada vez que os via jurando esses “contatos”, mais eu sentia desprezo, tanto por eles quanto por seus tão endeusados ETs. Era insano pensar que além da nossa galáxia, do nosso planeta, poderiam existir homenzinhos verdes, de antenas com bolinhas e uma cabeça três vezes maior que a minha.

Se eles realmente existissem, por que então cada um os descrevia de uma forma?

Era impossível. Eu realmente não conseguia acreditar que eles existis-sem. Para uma pessoa tão racional como eu, essa ideia era absurda demais, aliás, para qualquer pessoa, acreditar em uma besteira como essa era atestar insanidade. Eu sempre achei que, se você acreditasse que existiam milhares de planetas como o nosso e que todos estavam povoados por sociedades alta-mente desenvolvidas e toda essa balela, você já merecia uma camisa de força.

Mas isso não era tudo o que me tirava a paciência acerca do espaço e

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dos seus supostos habitantes.Filmes de ETs eram o ponto alto de minha birra com alienígenas.

Céus, o que Spielberg tinha na cabeça quando criou aquele E.T? As crianças poderiam ficar traumatizadas com aquela figura magrela e cabeçuda, enru-gada e cor de sei-lá-o-quê. Eu fiquei traumatizada! Talvez Drew Barrymore também tenha ficado, isso explicaria muito do comportamento dela hoje em dia.

E então, de uma hora pra outra tudo aconteceu. Minha tão estimada racionalidade se perdeu, meu orgulho se foi e eu

fui forçada a dar o braço a torcer. Agora eu acreditava em extraterrestres, agora eu conhecia sua forma, seu jeito, sua constituição. Eu, agora, estava como aqueles homens que eu tanto desprezara. Apenas ainda não estava andando pela praça suja e alardeando o contato que eu tive com o ET, mas louca e acreditando que existiam coisas muito maiores do que a gente pode-ria imaginar, isso eu estava. Talvez fosse só questão de tempo até eu fazê-lo, afinal eu realmente tivera um contato com um ser de outro mundo. E o meu contato fora mais imediato que o de qualquer um.

Agora eu acreditava em ETs. E pior, eu estava insanamente apaixona-da por um deles.

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Eu deveria ter aprendido depois de tanto tempo.Toda vez que Queeny vinha com algo como “Vamos, vai ser

legal” eu já deveria saber que isso era uma espécie de código pra “eu vou te

colocar numa roubada”. Porque era sempre assim. Eu conhecia a regra, sabia como acontecia e como terminava, mas

sempre acabava caindo miseravelmente nessa história e participando de pro-gramas entediantes e horríveis.

Na semana anterior, eu tinha acompanhado Queeny para uma con-venção de astronomia, certa de que seria legal, exatamente como ela disse que seria. E mais uma vez eu me decepcionei, foi maçante e eu não entendi nem a metade do que eles estavam explicando.

Talvez um dos fatos que me ajudaram a não entender nada tenha sido o meu pequeno cochilo enquanto um dos palestrantes falava. Mas em minha defesa, o cara falava muito baixo e muito devagar, parecia mais uma canção de ninar, eu simplesmente fiz o que qualquer pessoa na minha si-tuação - uma pobre alma indefesa arrastada pela melhor amiga para um programa de índio - faria: Dormir.

Lembrando desse fato, dava para entender perfeitamente porque eu estava tão tensa com as novas palavras de Queeny, ela queria me levar para mais um de seus programas de fim de semana supostamente imperdíveis: um acampamento para ver um cometa raro.

Tentei usar todas as minhas desculpas, e eu tinha um repertório bem

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cheio que sempre vinha a calhar em momentos como aquele, mas ela sem-pre sabia que eram apenas desculpas e me arrastava para onde ela queria mesmo assim. “Vou ficar na redação até tarde”, dizia eu. “Não esquenta, eu

ligo avisando que vamos nos atrasar. Passo aí em meia hora.” Tentava também: “Vou viajar para visitar meus pais.” “Ah, Eles nem estão em casa! Vamos depois,

juntas. Mas hoje realmente preciso de você.” Até mesmo a boa e velha dor de barriga fajuta era cogitada, mas eu conhecia bem a amiga que eu tinha e sabia que ela sempre levava um remédio para isso na bolsa, além de um para dor de cabeça, que era outra de minhas desculpas esfarrapadas.

Eu já tinha perdido as contas de quantas vezes eu tinha me enfiado em qualquer coisa relacionada ao espaço sideral por causa do amor de minha amiga por isso. Não sabia muito sobre estrelas, planetas ou coisas do gênero, eu não sabia nada na verdade, mas tinha visto muitas em todos aqueles anos de amizade com Queeny.

— Por favor, amiga — implorei, enquanto a via colocar uma ou duas peças de roupa do meu armário dentro da mochila que estava em suas mãos, escolhendo algumas e descartando outras, como se ela tivesse todo o direito de fazer isso. Se bem que, levando em consideração o fato de que Queeny era minha melhor amiga desde que ambas usávamos fraldas, ela tinha um certo direito, sim. — Queeny... — gemi, tentando pela última vez, - desta vez com uma leve chantagem emocional facilmente perceptível em meu tom de voz - enquanto a via pegar a barraca e a dobrar em várias partes, colocando-a na mochila e socando-a em seguida para que ela realmente coubesse ali.

— O que te custa fazer esse favor para a sua amiga mais querida? Ela sabia que aquela frase sempre funcionava comigo virando o feitiço

contra o feiticeiro. Queeny ainda piscava seus olhos brilhantes me deixan-do numa situação difícil. Ela sabia que eu nunca a deixaria na mão e era

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exatamente por isso que sempre me metia naquelas chatices. Sabia também que o meu senso de lealdade e senso de proteção para com ela sempre seria mais forte que qualquer vontade de fugir de um dos seus programas chatos e maçantes que ela ainda insistisse para fazermos.

— Queeny... Eu comecei a falar, pensando que uma última tentativa de argumen-

tação me faria parecer mais forte, como se eu não fosse ceder, mas eu sabia que não convenceria Queeny, e antes mesmo de eu conseguir dizer qualquer coisa, ela me interrompeu.

— Por favor. É a última coisa que eu te peço. Eu sabia que era mentira. Provavelmente a última coisa naquela sema-

na, sim, já que estávamos no sábado e ela não teria oportunidade de pedir mais nada. Quer dizer, nunca se sabe com Queeny, ela bem poderia arranjar mais alguma coisa pra pedir no caminho. Eu nunca consegui negar nada a ela e dessa vez não seria diferente. Por isso peguei a mochila e entrei contra-riada no pequeno carro prateado de Queeny, refletindo sobre meus possíveis programas de sábado à noite. Eu não teria nenhum lugar realmente legal para ir, talvez apenas me jogasse no sofá quentinho e assistisse a uma reprise de filmes românticos da TV aberta, que passavam todos os sábados. Era uma noite digna de perdedores, mas era bem melhor que passar frio em algum lugar esperando para ver um cometa.

— Acho que vai passar Um Amor Para Recordar na TV, hoje. É um dos nossos filmes preferidos, não é?

— Alugamos e assistimos amanhã — respondeu ela de pronto. — Humm, Queeny... — chamei depois de um tempinho. — E se fi-

zer frio e não tivermos roupas quentes o suficiente? — eu estava sendo chata de propósito. Talvez ela desistisse.

— Emma! — ela gritou, ralhando comigo e me encarando por alguns

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instantes antes de voltar a atenção para a estrada. — O cometa só passa uma vez a cada cento e cinquenta anos, ou seja, você nunca mais vai ver esse es-petáculo lindo das estrelas, olha só a oportunidade que eu estou te dando! Seja um pouco mais agradecida amiga.

Fiquei tentada a responder “Grande coisa” só para irritá-la ainda mais, mas me contive a pulso e dei um sorriso falso para minha amiga, que mesmo sabendo que eu estava fingindo, deu um sorriso de volta, um pouco mais contente. Eu não estava agradecida por passar frio dentro de uma barraca, mas tudo bem, eu faria aquele esforço por ela.

— Vai ser legal. Prometo. Eu sabia que não seria tão legal quanto ela estava prometendo, mas

mesmo assim, contive-me novamente para não dizer nada a ela. Queeny sempre despertava o meu lado mais protetor e ela sabia que,

independente do que ela fizesse, eu sempre estaria ao seu lado, pronta para tirá-la de qualquer confusão ou fazê-la voltar para a Terra, minha avoada amiga sabia que sempre poderia contar comigo, sempre.

— Sabia que esse cometa viaja por todo o espaço sideral? — Queeny falou de uma vez, me fazendo mostrar uma cara surpresa para que ela não percebesse que eu já estava entediada. Ela dizia a mesma coisa desde o mo-mento que me convidara para esse maldito acampamento. Fico surpresa por não ter ganhado ainda o prêmio de melhor amiga depois das milhares de coisas que eu havia feito por ela. — Chegamos.

A brisa do mar bagunçou meus cabelos enquanto eu descia do carro e carregava a mochila que Queeny tinha preparado para mim. Eu odiava acampar. Eu era simplesmente uma criatura urbana, não tinha nascido para ar livre. Mosquitos, mato e vento na minha cara não faziam parte da mi-nha visão de diversão, mesmo minha mãe tendo me forçado a participar de um grupo de escoteiras quando mais nova e, como sempre, Queeny estava

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comigo. Foi lá que ganhamos os piores apelidos do mundo, que Queeny sempre usava para me chamar e onde eu percebi, ou melhor, tive a certeza de que eu havia nascido para o meio urbano. Só eu sabia o quanto de repe-lente eu gastara com essas maluquices da minha amiga de planetas, satélites e outras coisas mais, mas passar a noite ao relento pajeando um asteróide ou o que quer que fosse, era o mínimo que eu podia fazer por Queeny. Amigas eram para isso.

— Eu monto o telescópio e você as barracas. Pode ser? Concordei com ela apenas porque eu não saberia como montar o

telescópio caro e complicado que ela simplesmente adorava, às vezes mais até do que a mim. Busquei a Escoteira da Manhã que ainda residia em mim – mesmo depois de eu ter tentado com afinco esquecer dela e dos anos mais desgraçados da minha vida, que me deixaram com ódio mortal de toda e qualquer coisa que me lembrasse ar livre – e montei as duas barracas de fren-te para o mar, mas tendo o cuidado de manter uma distância segura, afinal não queríamos acordar à deriva.

E também não queria montar perto daquele matagal que havia ao fundo.

— O cometa só pode ser visto pelo telescópio, te contei isso? Ela manipulava aquele telescópio com reverência e o montava com

uma prática que provava a quantidade de vezes que ela montou e desmon-tou o tal objeto.

— Comentou uma ou duas vezes. Trinta, mas não quis machucar os sentimentos de minha amiga dando

o número exato para ela. Queeny sorriu para mim e sentou-se em frente ao telescópio montado com esmero, ajustando sua altura e ângulo. Como percebi que ela não se manifestaria, fui procurar por alguns gravetos para fazermos uma fogueira, assim como eu havia aprendido no odioso Escotei-

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ras do Amanhã. — Aonde você vai? — ela perguntou. Com certeza Queeny não tinha a menor noção do que fazer em um

acampamento. Ela nunca fora a melhor das escoteiras, acho que dar nós foi a única coisa que ela realmente aprendeu daqueles tempos. Céus, por que a vida é tão injusta? Se ela gostava tanto de céu aberto e ar fresco no rosto, por que a mãe dela não a colocou para ser escoteira e eu, que nunca gostei de nem ao menos passear no jardim, tive que passar anos e anos me matando naquele maldito lugar? Sem contar os acampamentos de verão adicionais que minha mãe inventava.

— Buscar gravetos para fazer uma fogueira — respondi como se fosse óbvio. O que realmente era, já que não tínhamos uma fogueira ainda e a cada segundo parecia estar mais e mais frio.

— Ah! — só agora ela pareceu perceber que não tínhamos montado uma ainda. — Ok. Mas não demore, em no máximo dez minutos o cometa aparecerá.

— Tudo bem, Queeny, não vou demorar.Eu queria dormir na minha linda caminha de lençóis azuis e não dor-

mir em uma barraca fria sob o perigo de ser atacada por uma nuvem de mosquitos assassinos que me comeriam viva noite adentro. Mas eu tinha plena consciência de que se eu perdesse tal “espetáculo”, ela ficaria no mí-nimo seis semanas sem falar comigo, e eu simplesmente odiava ficar sem falar com ela, me deixava mal e eu me sentia tão inútil que acabava fazendo tudo o que ela queria, por um bom tempo, depois de um longo pedido de desculpas.

Saí pela praia e fui em direção de algumas vegetações com todo o cui-dado possível. O local que Queeny escolheu era grande, mas não demorei muito para achar todos os gravetos que eu precisava, já que haviam alguns

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perto da pequena floresta mais acima, e na entrada da floresta achei mais um monte deles. Nos pés de alguns arbustos, um pouco para cima de onde eu armei nossas barracas também havia bastante. Fui empilhando-os nos braços e quando quase não conseguia mais segurá-los, voltei para onde havia armado nossas barracas, escutando os berros de Queeny.

— Corra, Emma! — ela gritou desesperada com um olho colado ao telescópio, nem ao menos se importando com o fato de eu estar correndo com todos aqueles gravetos pontiagudos em meus braços, espetando minha pele sem parar. — Meu Deus, eu já o vejo!

Queeny estava tão empolgada que seu olho nem se desgrudava do telescópio. Eu já esperava mesmo que ela fosse monopolizar o objeto, mas eu nem ligava muito também, já que eu não queria ver o tal espetáculo. Ainda assim olhei para o céu, já sabendo que seria impossível vê-lo a olho nu. Se Queeny dissera que não daria, então não daria. Ela era a entendida em assuntos estelares. Eu nem ao menos sabia para onde ficava o Cruzeiro do Sul. E achava que Três Marias era apenas uma Girl Band até Queeny me explicar o que elas realmente eram.

Mas pela primeira vez na vida, minha amiga estava errada. Eu podia ver algo brilhante cortando o céu em alta velocidade, quase como uma es-trela cadente, mas grande demais para ser uma delas, parecia mais um... não, eu não sabia com que aquilo se parecia, era indescritível!

Luzes brilhavam nele, não como uma estrela, mais como um letreiro luminoso da Times Square, parecia uma bola de futebol americano brilhan-te, mas eu não poderia dizer como aquilo era realmente, de uma forma que descrevesse bem. Era lindo, chamava a minha atenção de uma forma muito inédita. Meus olhos estavam fixos naquele objeto cadente, a fumaça que saía dele era clara e fazia desenhos estranhos pelo céu. Pela inclinação do objeto, dava para perceber que ele estava prestes a cair perto de nós, mas

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mesmo sabendo disso, eu não conseguia focalizar outra coisa, como o local mais provável da queda ou um lugar onde eu pudesse me esconder com minha amiga. Meu coração estava disparado de medo e encanto, aquele objeto caindo em nossa direção era brilhante demais para que eu não ficasse encantada com ele. Quanto mais perto de nós ele ficava mais quente o ar parecia ficar.

Dei uma olhada rápida para Queeny que nem olhava mais pelo teles-cópio, seus olhos também acompanhavam a queda do objeto não identifi-cado parecendo tão fascinada quanto eu, ou mais. Encolhemos-nos quando ele passou por nós como um feixe de luz enorme e caiu nas árvores que ficavam atrás de nossas barracas, perto de onde eu fora buscar os gravetos.

Aquilo não era uma estrela. Menos ainda um cometa. Pensei que fosse um meteorito, ou meteoro, ou seja lá como chama-

vam aquilo que cai na Terra de vez em quando. Mas eu sabia o que aquilo era. Eu já ouvira falar delas, apesar de achar

que era apenas mais uma besteira. Eu estava com medo de estar certa, mas não era momento para pânico, eu precisava ser racional. Aquilo não poderia ser o que eu estava pensando que fosse.

Não poderia ser uma... nave. Naves espaciais não existiam. Certo?Errado. Elas existiam sim, e uma delas tinha acabado de cair atrás das

árvores acima de nós, de onde agora saía uma fumaça estranha, mais escura do que quando ela estava caindo.

Encarei Queeny que ainda olhava para o céu estática, sem saber o que dizer. Claro que ela gostaria de dar uma resposta daquelas bem mirabolantes mostrando tudo o que sabia sobre o assunto. Ela nunca perdia uma chance de mostrar o que sabia. E, pela primeira vez desde que eu a conhecera, ela não soltava uma palavra sequer, parecia tão encantada que nem conseguia

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lembrar de como se articulava palavras. — Hoje é o dia mais feliz da minha vida! — Queeny soltou de uma

vez, exultante, assustando-me enquanto olhava para as árvores, esquecendo-se de seu precioso cometa, seu caro telescópio e tudo o mais. Tínhamos algo maior.

Na verdade, ela tinha. E como ela mesma diria, bem mais interessan-te.

— Céus, nem posso acreditar. Eu, Queeny Dupré vi um OVNI pes-soalmente. É... surreal.

Boa palavra, era exatamente a que eu estava procurando. Surreal des-crevia bem a situação, afinal, era realmente surreal estar com sua amiga num lugar que você nem ao menos gostaria de estar e de repente ser surpreendida por algo estranho e mais brilhante do que os anúncios da Times Square caindo perto de você.

Comecei a olhar em volta, preocupada com ao local em que estáva-mos. Os animais poderiam ficar agitados com o barulho e a fumaça e po-deriam querer nos atacar, e isso me deixava tensa. Tensa demais na verdade.

Eu era uma medrosa. Não tinha problemas em assumir isso. Apesar de ser uma das pessoas mais racionais já conhecida, eu sabia que a covardia era um dos meus maiores defeitos. E esse defeito estava me deixando com as pernas bambas no momento.

— Eu não acredito, não acredito! Cara, eu estou tão excitada! Mesmo que Queeny não falasse, dava para perceber. Ela estava pu-

lando de tanta animação, tanta que quase pulou em cima de seu precioso telescópio. Fiquei assombrada quando ela pisou num dos pés dele quase derrubando o equipamento.

Ela estava realmente fora de si. E era uma das poucas vezes que eu via Queeny naquele estado. Ela geralmente era bem empolgada com tudo, mas

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era muito raro ver ela quase explodindo de contentamento. — Não vejo a hora de contar a todos. Mais uma história incrível de

nossos passeios, hein, Emma? Eu sorri levemente, deixando um pouco a tensão de lado enquanto

me lembrava de uma frase que dizia que os amigos conheciam todas as nos-sas histórias, mas apenas os melhores amigos participavam das aventuras por trás dessas histórias.

Queeny e eu éramos melhores amigas há mais tempo do que eu con-seguia me lembrar. E desde esse “antes que eu possa me lembrar” eu estive com ela em todas as suas grandes aventuras, mesmo que às vezes não fossem tão grandes assim.

No começo foram as montagens de barraca do lado de fora de minha casa para dormirmos sob as estrelas.

Claro que eu era a favor de uma festa do pijama no meu quarto com chocolates e travesseiros fofos, mas por Queeny, eu arrumava a barraca e dormíamos sob as estrelas.

No colegial as coisas não mudaram tanto, eu era do clube de astro-nomia por consideração à Queeny. Eu nem sabia direito o nome dos outros integrantes do clube, mas frequentava o lugar, sempre arrastada por ela pelos corredores da escola.

Hoje já éramos maiores de idade, já tínhamos uma vida estabilizada, - ou quase isso - mas ainda assim eu acompanhava Queeny onde quer que ela pedisse para eu acompanhá-la. Às vezes eu tentava escapar, claro. Mas nós sabíamos que eu nunca estaria longe dela por muito tempo.

— O que foi, Emma? — Estava pensando nas milhares de vezes que fizemos essas buscas às

estrelas juntas. — Essa é a melhor delas, não é?

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Melhor não. Mas com certeza a mais memorável. Afinal, era a primei-ra vez que algo caia perto de nós, e com grande possibilidade de ser um... Eu não gostava nem de pensar na palavra.

— Eu... — Claro que é. Fala sério, quando veríamos um OVNI pessoalmente? — Numa viagem à NASA? Possivelmente minha sugestão não era muito agradável à Queeny, que

me fuzilou com os olhos, para depois esquadrinhar em volta prestando aten-ção nas árvores que formavam a pequena floresta acima de nós.

— Eu acho que deveríamos ir lá. Arregalei os olhos para ela, meio que perguntando se ela realmente

estava falando sério. Esperava com todo o coração que não, mas pelo modo com que ela apertava as mãos contra o peito, era mais que claro que ela iria para o bosque, mesmo sabendo que não deveria e que poderiam haver animais perigosos nas árvores, amedrontados com os últimos eventos, agres-sivos.

— Não acho prudente. — Pense, Emma. — É exatamente isso que eu estou fazendo, Queeny. Pensando na sua

segurança. Ela riu alto, quase se contorcendo, me deixando confusa por instan-

tes. Por que aquela maluca estava rindo? — Como assim a “minha segurança”? A “nossa”, querida, você vai

comigo. — Nem pensar. Ela me olhou furiosa. Eu sabia que ela estava brava até demais comigo

por negar uma aventura dela, mas eu estava sendo racional, cuidando da segurança de minha melhor amiga como eu sempre fizera e era justamente

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por isso que eu a seguia em todas as suas excursões estelares malucas. Ela podia pensar no momento que eu estava tentando arrasar sua diversão, mas eu estava pensando em algo que Queeny nunca pensava: O perigo.

Queeny nunca cogitava a hipótese de algo ser perigoso, também nun-ca pensava que poderia se machucar atrás de suas estrelas e planetas. Eu sempre pensava nisso.

O medo de que algo acontecesse à Queeny me dominava sempre que ela tinha essas idéias mirabolantes sem cogitar as consequências. Proteger e cuidar de minha melhor amiga era quase uma missão e se eu falhasse, nunca me perdoaria.

— Vamos lá, Emma. Por favor, por favor, por favor. Pronto. E lá estava eu quase sendo convencida por Queeny novamen-

te. Mas dessa vez era diferente. Não era para uma daquelas palestras chatas que ela estava me convidando. Não era para mais um daqueles acampa-mentos idiotas que ela planejava com animação. Era perigoso dessa vez. De verdade.

Iríamos atrás de uma nave ou seja lá o que fosse aquela coisa cadente. Eu não estava pronta para ir atrás de uma nave espacial. Eu nem ao menos sabia o que havia dentro dela. E esse era o meu maior medo.

Eu ficava nervosa apenas de pensar na possibilidade de Queeny ficar dentro daquela floresta atrás de um objeto desconhecido.

Minha imaginação voava com imagens da nave em chamas, além de uma nuvem de mosquitos vindo em sua direção prestes a comê-la. Eu fiquei tensa apenas de imaginar um fato como esse.

— Por favor, Égua Lenta — ela usou o apelido dos tempos de esco-teira, mesmo sabendo que eu o odiava. E apesar de ver a minha cara feia, ela sorriu docemente, como se tivesse realmente dito aquilo só pra me con-vencer. Eu conhecia Queeny. Ela sempre me passava para trás com a sua

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conversa de “é a última coisa que eu te peço”. — OK... eu... vou. — Eba! Eba! — ela pulou em círculos à minha volta já tomando o

caminho para a floresta, quando a puxei pelo braço de volta para perto de mim e olhei fixamente em seus olhos.

— Prometa que tomará o máximo de cuidado possível, Queeny — ela revirou os olhos. — É sério, Queeny. Prometa.

— Não preciso prometer nada. Você sabe que eu me cuido direitinho. Queeny tomou mais uma vez o caminho para as árvores e eu peguei

o seu braço mais uma vez, brava por ela não me dar ouvidos. Ela era muito boa nisso, parar de me ouvir.

Geralmente, quando eu dava esses ataques de racionalidade excessiva, Queeny fazia ouvidos moucos para mim e eu realmente odiava quando ela o fazia.

— Queeny Dupré. — Ok, Emma Munnighan, eu prometo que tomarei todo e qualquer

cuidado possível, ok? Se quiser eu já passo repelente daqui, para não ser atacada pelos seus tão temidos pernilongos.

— Estou falando sério, Queeny — eu resmunguei, mas não fui muito convincente já que ela sorriu. — Merda.

Ela sorriu me abraçando com força de um jeito que provava o quanto ela apreciava o meu cuidado e preocupação. Sorri de volta e nos separamos enquanto Queeny tomava outra vez o caminho para as árvores, desta vez sem eu detê-la.

Queeny corria com pressa para o local, como se o tal objeto fosse fugir e eu saí atrás dela, tendo em vista sempre a fumaça que aparecia no meio do bosque.

Mesmo temerosa, segui a minha amiga até escutar um barulho estra-

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nho vindo das árvores, como o de uma porta se abrindo ou qualquer coisa desse tipo. Talvez fosse o som de algum animal selvagem que eu não conhe-cia, mas temi mesmo assim.

Parei imediatamente com o coração na mão, sentindo algo estranho dentro do meu peito.

Como um pressentimento ou coisa parecida. Não sabia dizer se era bom ou ruim, mas o sentimento ainda apertava

meu peito de um jeito estranho. Aconteceria algo e, conhecendo Queeny como conhecia, sabia que ela

não se cuidaria como tinha me prometido. Mas, por mais estranho que parecesse, meu pressentimento não pare-

cia ter a ver com Queeny, ou até tinha, bem no fundo. O sentimento forte e aterrorizador que estava me engasgando dizia que minha vida tomaria um rumo diferente assim que eu entrasse naquele bosque.

Parei no meio do caminho. Estávamos lidando com algo bem maior. O meu pressentimento estava bem mais forte do que qualquer um que eu já tivera, parecia que eu podia sentir a grande mudança que estava prestes a acontecer.

Nada, nunca mais, seria o mesmo depois daquilo.

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